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Dinâmicas colaborativas entre a universidade e a escola no contexto da formação de professores:
Paula Batista
‡ Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, & Centro de Investigação, Formação, Inovação e Intervenção em Desporto & Centro de Investigação e Inovação Educativas paulabatista@fade.up.pt Resumo
A relação profícua entre a universidade e a escola é essencial para a melhoria da formação de professores. Este trabalho resulta de uma experiência construtiva-colaborativa entre um orientador da faculdade (o autor) e seis professores cooperantes, no âmbito do 2º ciclo de estudos em Educação Física dos Ensinos Básico e Secundário de uma Faculdade. O propósito foi envolver os orientadores cooperantes em práticas colaborativas com vista à melhoria dos processos de orientação dos estagiários no desenvolvimento do currículo em Educação Física. O projeto decorreu ao longo de dois anos letivos, começando com a identificação da área curricular a melhorar (aptidão física), observação de aulas, partilha e implementação pelos estudantes-estagiários de novas metodologias de lecionação da aptidão física. O orientador da faculdade assumiu o papel de participante e de investigador. A experiência resultou na criação de uma comunidade de aprendizagem, cuja dinâmica colaborativa permitiu aos orientadores contactar com outras realidades, quebrar rotinas, compreender perspetivas diferentes das suas e aceder a novas metodologias, bem como desenvolver laços de amizade. A participação na comunidade aportou melhorias no processo de orientação, resultando na melhoria da abordagem da área da aptidão física pelos estagiários que, por sua vez, se repercutiu na aprendizagem dos alunos.
1. Contextualização
A relação profícua entre a universidade e a escola, num ambiente de indagação permanente sobre o conhecimento que importa na formação de professores, tem vindo a ganhar relevo (Batista & Graça, 2021). Macphail e Lawson (2020) reforçam esta noção ao assumirem que a tríade universidades–escolas-professores em formação inicial necessita de estar cada vez mais presente. Neste sentido, é importante melhorar o trabalho colaborativo entre a universidade e a escola, criando mais oportunidades de aprendizagem para os professores em formação e para os professores das escolas que têm um papel central na sua formação, como é o caso dos orientadores cooperantes. Acresce que a transformação do desenvolvimento do currículo implica que os professores, que acompanham os estagiários na escola, estejam abertos à (re)construção curricular (Petrie, 2017).
Neste quadro, tomando como referência o duplo desígnio da melhoria da formação de professores e de desenvolvimento do currículo em Educação Física, este trabalho resulta de uma experiência construtiva-colaborativa entre um orientador da faculdade e seis professores cooperantes, com quem trabalha na orientação de estudantes-estagiários, no âmbito do 2º ciclo de estudos em Educação Física dos Ensinos Básico e Secundário da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.
2. Descrição da experiência colaborativa
A experiência colaborativa teve como objetivo central envolver os orientadores cooperantes em práticas colaborativas com vista à melhoria dos processos de orientação dos estagiários no desenvolvimento do currículo de Educação Física. As etapas do trabalho construtivocolaborativo foram: 1) identificação de uma área do currículo carenciada para ser trabalhada em conjunto; 2) partilha das práticas da área curricular identificada; 3) discussão dos princípios e estratégias a implementar nas práticas que colocassem os alunos no centro do processo; 4) identificação do(s) modelos de ensino a implementar; 5) implementação pelos estudantes-estagiários das metodologias definidas; 6) observação conjunta das práticas de estagiários; 7) reflexão conjunta acerca do processo e resultados alcançados pelos estagiários e alunos.
2.1. Objetivos e público-alvo
A experiência colaborativa teve como objetivo central envolver os orientadores cooperantes em práticas colaborativas com vista à melhoria dos processos de orientação dos estagiários no desenvolvimento do currículo de Educação Física. Não obstante os orientadores terem sido os atores, o desígnio final era melhorar os processos de orientação de forma a que os estagiários adquirissem competências de planeamento e melhorassem a sua intervenção no desenvolvimento do currículo em Educação Física, especificamente da área da aptidão física, que foi identificada pelos orientadores como carenciada, e os alunos aprendessem.
Os participantes foram seis orientadores cooperantes de Educação Física, quatro do sexo feminino e dois do sexo masculino, e uma orientadora da faculdade, com idades compreendidas entre os 49 e os 64 anos. Com exceção de uma orientadora, que tinha quatro anos de experiência de orientação, todos possuíam mais de 10 anos de experiência de orientação de estagiários.
2.2. Metodologia
O projeto iniciou-se no ano letivo 2020/21, com um horizonte de dois anos letivos. No primeiro ano (setembro de 2020 a junho de 2021) foram cumpridas as quatro primeiras etapas. Na etapa um (um encontro) teve como objetivo identificar uma área que os orientadores considerassem que tinham dificuldades em organizar com os estagiários de forma a que houvesse aprendizagens relevantes dos alunos. A área curricular identificada foi a aptidão física.
A etapa dois teve um primeiro momento (três encontros de outubro a janeiro), focado na partilha das práticas nesta área curricular por cada orientador cooperante. O segundo momento envolveu uma ida a uma escola para observar uma aula de um estagiário que foi identificada pelo orientador cooperante como sendo uma boa prática, seguida de uma reflexão conjunta acerca dos princípios, conteúdos e dinâmicas implementadas na aula pelo estagiário.
Nas duas etapas seguintes analisaram-se as estratégias de ensino centradas no aluno (etapa 3) e o modelo de Fitness Education (McConnell, 2010), que visa dotar os alunos de capacidades para planear, desempenhar e avaliar a sua aptidão física.
No ano letivo 2021/22 teve início a quinta etapa numa escola com três estudantesestagiários e um orientador cooperante. Nesta fase, o objetivo foi que os estagiários, sob a orientação do orientador, levassem à prática os princípios do modelo de Fitness Education
Ao longo desta etapa, houve encontros periódicos da comunidade de aprendizagem para se refletir acerca das dificuldades e dos desafios na operacionalização desta componente curricular, bem como acerca das dificuldades e aprendizagem dos alunos (seis encontros).
O orientador da faculdade assumiu o papel de participante e de investigador, tendo elaborado um diário de bordo onde foi registando elementos ilustrativos do processo e recolhido artefactos, nomeadamente sínteses programáticas, mensagens do grupo WhatsApp da comunidade de aprendizagem e materiais de apoio.
3. Resultados, implicações e recomendações
No primeiro ano foi visível o envolvimento progressivo dos orientadores na dinâmica de trabalho construtivo-colaborativo, visível na atribuição de um nome à comunidade “Ciência com consciência” (grupo WhatsApp), meio utilizado para a partilha de textos da área da aptidão física e outros relevantes para o desenvolvimento curricular em Educação Física e para a formação de professores. Já no segundo ano, na etapa de intervenção em três turmas do ensino secundário, destaca-se que não obstante as diferenças dos estudantesestagiários e dos alunos das turmas, os estudantes-estagiários passaram a incorporar a área da aptidão física no planeamento e incluíram os princípios da avaliação para a aprendizagem no processo, tendo ido além, inovando, com a inclusão do uso da tecnologia como forma de envolver e motivar os alunos. Os alunos melhoraram os seus níveis de aptidão física (visível nos testes de aptidão física já realizados), envolveram-se e ficaram motivados para irem além e aprenderem mais sobre o modo de melhorarem os seus níveis de aptidão física. Pode assim afirmar-se que a componente curricular da aptidão física passou a ser pensada pelos orientadores de forma distinta, refletindo-se nos processos de orientação dos estagiários, que passaram a planear esta área numa perspetiva anual e não de trabalho ‘avulso’, havendo a preocupação de envolver os alunos na autorregulação da melhoria da sua aptidão física e de promover dinâmicas colaborativas entre os alunos que permitisse a todos alcançarem os seus objetivos individuais.
Do ponto de vista da experiencial, os orientadores cooperantes enfatizaram que a interação e partilha suscitou diferentes ideias, que, por sua vez, criaram ou transformaram os quadros de referência individuais, com a consequente alteração de práticas; que ampliaram a criticidade individual, da construção, reconfiguração, refinamento e adaptação de instrumentos a diferentes práticas e contextos e que ficaram mais motivados para inovar. De referir ainda que os encontros da comunidade de aprendizagem passaram a revestir-se de uma componente de trabalho, seguida de convívio
Já em termos de valor, os orientadores sublinham que o facto de saírem do ambiente usual de trabalho e contactarem com outras realidades lhes permitiu compreender perspetivas diferentes, melhorar e criar empatia com as perspetivas dos outros. Estes sublinharam ainda que desenvolveram relações que passaram a transcender as questões meramente profissionais, permitindo-lhes discutir de temáticas muito diversificadas (por vezes, ligadas à vida pessoal), ajudando-os a colocar o trabalho em perspetiva. A identificação e sentido de pertença à comunidade foi igualmente visível e nas palavras deles, inspirou-os a melhores práticas e serviu de apoio não apenas aos problemas e dilemas profissionais, mas também pessoais.
Das ilações retiradas para a prática, destacam-se: 1) necessidade de planear a área da aptidão física numa perspetiva anual; 2) incidir a planificação nas componentes da aptidão cardiorrespiratória; força-resistência e aptidão muscular; 3) prever diferentes níveis em cada componente para responder a diferentes níveis de desempenho; 4) envolver os alunos na autoavaliação e heteroavaliação e 5) dotar os alunos de conhecimento relevante para poderem autorregular a sua própria aptidão física.
4. Conclusões
A dinâmica de trabalho construtivo-colaborativa entre os orientadores permitiu criar uma comunidade de aprendizagem, que atualmente se reúne de forma espontânea para refletir não apenas sobre a temática da aptidão física, mas sobre outras de desenvolvimento do currículo em educação Física, como é o caso da abordagem dos Jogos Desportivos Coletivos. A melhoria da orientação dos estagiários da área da aptidão física foi visível nas práticas dos estagiários e na aprendizagem dos seus alunos.
Face a este quadro, pode afirmar-se que a formação dos estagiários deve ser incrustada numa dinâmica colaborativa entre a universidade e a escola em prol da melhoria da formação e da transformação das práticas em Educação Física.
5. Referências Bibliográficas
Batista P., & Graça, A. (2021). Building the profession within Physical Education teacher education: Processes, challenges, and dynamics between school and university. Pro-Posicões, 32, 1-27. https://doi.org/10.1590/1980-6248-2018-0084EN
McConnell, K. (2010). Fitness education. In J. B. Publishers (Ed.), Standards-based physical education curriculum development (pp. 367-387). Pacific Lutheran University.
MacPhail, A., & Lawson, H. (2020). Grand challenges as catalysts for the collaborative redesign of physical education, teacher education, and research and development, In A MacPhail, A. & H. Lawson (Eds.), School, Physical Education and Teacher Education Collaborative redesign for twenty-first century (pp. 1-10). Routledge.
Petrie, K. (2017). Curriculum reform where it counts, In C. Ennis (Ed.), Handbook of Physical Education Pedagogies (pp. 173-186). Routledge.