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Contributos de uma experiência formativa de mobilidade Erasmus para a docência no Ensino Superior
Susana Jorge ‡ †
Sofia Barreira ‡
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‡ Polytechnic Institute of Cávado and Ave, Design School, Barcelos, Portugal sjorge@ipca.pt
† ID+ Research Institute for Design, Media and Culture; Polytechnic Institute of Cávado and Ave, Design School, Barcelos, Portugal sbarreira@ipca.pt Resumo
A atualização de saberes e conhecimentos é uma prática constante no desenvolvimento da atividade docente. Analisar modelos e práticas pedagógicas, investigar resultados obtidos por parceiros institucionais e estruturar dinâmicas para projetos futuros são elementos de trabalho que estão sempre presentes. O facto do programa formativo de mobilidade Erasmus contribuir para a concretização desses objetivos permite enriquecer todo o trabalho docente e simultaneamente abre possibilidades de projetos educativos com parceiros internacionais. Pretende-se, assim, apresentar os objetivos e os resultados decorrentes da mobilidade de formação Erasmus+ realizada na École Nationale Supérieure des Arts Décoratifs, em Paris, em maio de 2022. A mobilidade contemplou ainda a visita a dois grandes eventos expositivos da área do desenho. Para o efeito, vão ser apresentados os objetivos, e o modo como se concretizaram com o decorrer da mobilidade, e a organização das etapas definidas posteriormente. Será exposta a importância desta mobilidade para a nossa atualização profissional, atuação e prática educativa, sabendo que possibilitou a preparação de novas abordagens de ensino para a concretização em sala de aula, em específico, para a unidade curricular de desenho de um curso de licenciatura.
Palavras-Chave: formação e mobilidade docente, práticas pedagógicas, desafios de ensino-aprendizagem.
1. Contextualização
O programa de mobilidade Erasmus, seja na sua componente de ensino ou de formação, possibilita aos participantes docentes a concretização de objetivos para a melhoria da sua prática e desempenho profissional. No Instituto Politécnico do Cávado e do Ave (IPCA, 2022), a referência aos vários contributos pode ser analisada na informação disponibilizada para as candidaturas, sendo não só um processo relevante para os docentes, mas também útil e importante para as instituições de ensino.
Gomes (2019), no seu trabalho de investigação, dá-nos conta do impacto e das consequências resultantes da aplicabilidade de programas de mobilidade docente. Tendo presente o “estudo de avaliação de impacto Erasmus realizado pela Comissão Europeia em 2014” (p. 7), aponta a “relevância e a importância da realização de um período de estudo ou formação numa organização estrangeira para o desenvolvimento de competências e consequente aumento da empregabilidade dos participantes” (p. 7). Além do fator da empregabilidade, e consequente melhoria de trabalho ou de carreira, outras situações podem ser alcançadas através dos contactos profissionais estabelecidos (p. 8) ou ainda por consequências decorrentes da formação internacional (p. 8). Ainda nessa análise, relativa à importância destes programas, a autora apresenta duas abordagens que importa referir: a mobilidade pode mudar a própria organização, através, por exemplo, da criação de novas estruturas ou de uma mudança de mentalidade; ou pode ter um impacto sobre a qualidade da educação fornecida pelas instituições, através de novos currículos ou de diferentes métodos de ensino que, por sua vez, voltam a ter efeito na internacionalização das instituições. (Gomes, 2019, pp. 9-10)
É possível verificar, nesta reflexão desenvolvida pela autora Rita Gomes, as alterações que podem surgir no plano educativo: ao nível da oferta, na revisão dos currículos já existentes, e também nas práticas de ensino aplicadas, matérias certamente importantes para a melhoria do ensino superior (Vale, Cachinho & Morgado, 2018, citados por Gomes, 2019, p. 8).
É interessante analisar-se esta matéria e discutir-se em que medida a nossa mobilidade veio contribuir para o desenvolvimento dessa melhoria. Importa sobretudo sublinhar o facto do programa formativo de mobilidade Erasmus facultar essa possibilidade aos docentes, e assim enriquecer todo o seu trabalho, proporcionando dinâmicas internacionais que continuamente devem ser exploradas para futuras parcerias.
2. Descrição da prática pedagógica
A mobilidade teve lugar em maio de 2022 e foi possível desenvolver os objetivos definidos para este projeto, iniciando-se com a visita à École Nationale Supérieure des Arts Décoratifs (EnsAD) (https://www.ensad.fr/), em Paris. A visita permitiu conhecer a estrutura dos espaços e dos atelieres de trabalho, que apresenta uma grande diversidade e uma vasta variedade de equipamentos, desde serigrafia, gravura, têxtil, vídeo, fotografia e animação, cerâmica, entre outras. No decorrer da visita, foi também possível observar os trabalhos que decorriam em cada uma dessas salas e as diversas dinâmicas entre os estudantes e entre os docentes e os estudantes.
Em cada um desses espaços sentiu-se haver uma relação de trabalho muito presente, com o acompanhamento de docentes e de técnicos, o que tornou possível o contacto com os mesmos que nos falaram dos projetos que estavam a decorrer. Surgiu assim a oportunidade de ver os trabalhos em curso e ter presente outros trabalhos já desenvolvidos com o catálogo que nos foi oferecido e que reúne uma compilação dos trabalhos realizados em 2021 pelos estudantes e expostos no final desse ano letivo.
Também com a visita e com as discussões realizadas foi possível ter um conhecimento global dos cursos existentes e uma perspetiva do enquadramento de práticas pedagógicas desenvolvidas pela instituição acolhedora. Deste modo, foram alcançados os objetivos traçados para esta mobilidade e foi possível entender a formação superior proposta e realizada na EnsAD. Importa também referir que esta mobilidade deixou em aberto a concretização de uma parceria futura ao nível de um protocolo de mobilidade com o Gabinete de Relações Internacionais (GRI) do IPCA.
No âmbito da mobilidade realizou-se ainda a visita a dois grandes eventos expositivos da área do desenho: o “Drawing Now - Le Salon du Dessin Contemporain Art Fair” (https:// www.drawingnowartfair.com/) e o “Salon du Dessin” (https://www.salondudessin.com/ en/home/), ambos referências nessa área. A participação nessas exposições permitiu estudar de modo direto o trabalho de diversos autores contemporâneos e de vários artistas da história da arte. Esse confronto com os desenhos é absolutamente fundamental para se conseguir analisar e estudar aspetos criativos, técnicos e concetuais associados a cada uma das obras. Na visita à exposição “Drawing Now” foi também possível discutir os trabalhos expostos com os galeristas representantes das obras dos vários artistas, como aconteceu, por exemplo, com o trabalho da artista Stéphanie Mansy, presente na “Galerie Françoise” (https://galeriefrancoise.com/en/).
O trabalho realizado, quer na Instituição de Ensino, quer na visita às exposições, constituiu-se assim como uma importante base de trabalho: permitiu, por um lado, enriquecer a reflexão sobre a nossa prática docente e, por outro lado, veio facultar-nos instrumentos de trabalho para a revisão de uma proposta de trabalho a aplicar na lecionação da unidade curricular (UC) de Desenho.
A proposta de trabalho será aplicada no ano letivo 2022/2023 na UC Desenho I, do curso de licenciatura em Design Gráfico, da Escola Superior de Design (ESD) do IPCA. Nessa UC do 1.º semestre estão já estabelecidas três propostas de trabalho. Com esta nossa reflexão, proporcionada pela mobilidade docente, entendeu-se realizar uma nova abordagem para a última proposta de trabalho no sentido de aprofundar as práticas criativas e colaborativas de trabalho. Interessa, portanto, referir os principais objetivos definidos:
• Continuamente motivar o estudante para o estudo na área do desenho, sabendo que para vários estudantes não houve uma prática anterior nessa área;
• Apresentar-lhe a obra gráfica de autores contemporâneos para a análise de questões criativas e técnicas aplicadas;
• Colocar questões ao estudante sobre a prática criativa, para que este possa evoluir com essa reflexão e com o posterior desenvolvimento do exercício;
• Solicitar ao estudante um maior envolvimento na componente da colaboração e de partilha com os colegas de turma, fundamentais na área de estudo e para a sua atuação enquanto designers.
Toda a nossa análise será explorada em sala de aula, para e com os estudantes, num trabalho que lhes permita encontrar outras formas para pensar e aprender conceitos sobre o desenho. Esta nossa reflexão resultou também da importância de se abordar a aplicação do tema inovação pedagógica (IPCA, 2022). Segundo Moço (2021), em certa medida, essa reflexão deve fazer parte de “todo o contexto educativo” (p. 87), apontando aspetos a considerar: na análise da estrutura curricular (p. 87); na “lógica colaborativa em largo espectro (por exemplo, com os próprios empregadores)” (p. 87); considerando “a tecnologia e os sistemas, e as possibilidades diferenciadas de criar boas experiências que proporcionam (exemplo, a criação de repositórios partilhados de informação, os Fóruns colaborativos, entre outros)” (p. 87). São assim diversas as situações a explorar no Ensino Superior na perspetiva de melhoria contínua das práticas pedagógicas, seja por iniciativas interdisciplinares entre áreas e saberes, por exemplo, ou por outras interações e dinâmicas de trabalho (Reis, T., & Santos, R., 2015).
Em específico para a nossa UC, importa referir que o público-alvo são os estudantes do 1.º ano do curso de licenciatura em Design Gráfico. Muito embora possam existir outras situações, é sobretudo um grupo que compreende jovens estudantes a iniciar os seus estudos no ensino superior na área do Design. A proposta de trabalho engloba diversas fases, quer de carácter individual, quer de grupo, sendo essa interação um mecanismo fundamental para se alcançar os objetivos definidos. A percentagem definida para a avaliação desta proposta está já definida na ficha da unidade curricular, sabendo que estão estabelecidos critérios que acentuam a participação em aula; a concretização de todas as etapas de trabalho; o envolvimento com as componentes de aprendizagem; a aplicação dos materiais de desenho; a organização global do trabalho e a capacidade de comunicação, exposição e de reflexão sobre os temas em debate.
3. Resultados, implicações e recomendações
Apresenta-se, de seguida, a estrutura da proposta definida no âmbito da mobilidade e a implementar no presente ano letivo 2022/2023 na UC de Desenho I. Importa referir que será a última proposta do 1.º semestre, sendo que até esse momento são trabalhados vários conteúdos, desde o desenho diagramático até ao desenho de contorno e ao estudo do volume, com a aplicação de vários materiais e a partir de vários objetos. Tendo presente todo esse trabalho, importa frisar que na última proposta se procura sobretudo acentuar a componente criativa e colaborativa no desenho.
Assim, foi definido um primeiro momento que será transversal a todo o semestre, na medida em que inclui uma fase de pesquisa e de investigação, permitindo ao estudante analisar os temas e procurar por registos já desenvolvidos no âmbito das temáticas em curso na UC; e uma fase colaborativa que compreenderá sobretudo a partilha e a discussão dessa análise com os colegas de turma, fundamental para uma análise conjunta dos problemas em debate.
Um segundo momento compreenderá a fase da concretização com o desenvolvimento prático do trabalho tendo presente as seguintes linhas orientadoras para esse processo: a expressão da linha; as dimensões da escala; a ação do corpo e o espaço colaborativo. Para cada um desses conceitos vão ser exploradas diversas situações, abordando-se a partir das obras e artistas selecionados no decorrer da mobilidade. As aplicações no registo gráfico desenvolvidas por esses artistas colocam uma reflexão muito enriquecedora ao serem transportadas para um novo contexto e exercício. Diversos manuais de desenho apresentam essa abordagem, como é o caso, por exemplo, do “Playing With Sketches”, da autora Whitney Sherman. A título de exemplo, a autora expõe uma característica técnica executada pelo artista Henri Matisse (1869-1954), e esse ponto de partida é apresentado para a concretização do exercício de desenho e para a descoberta de outros modos de fazer (2014, p. 118).
Tendo presente esses procedimentos de trabalho, o nosso objetivo é interligar o tema a ser explorado e a conceção criativa, pela forma como o mesmo é trabalhado pelos artistas destacados no âmbito da mobilidade, sendo muito positivo o estudante analisar os resultados dessa aplicação:
• A expressão da linha: o sentido da linha através da sua expressão, dimensão, espessura e dinâmica, terá como ponto de partida a abordagem desenvolvida pela autora Stephanie Mansy (https://www.stephanie-mansy.fr/), na sua obra gráfica em papel;
• As dimensões da escala: o detalhe, o impacto tonal, a relação do representado com o tamanho real, será estudado neste ponto através da abordagem desenvolvida pelo autor Jonathan Delafield Cook (https://www.olsengallery.com/available.php?artist_id=429) nos seus desenhos;
• A ação do corpo e o espaço colaborativo: o modo como o desenho se constrói e configura através da ação e performance do corpo num determinado espaço será analisada pelo trabalho de Emmanuel Béranger (https://www.emmanuel-beranger.com/).
Um último e terceiro momento compreenderá a fase da apresentação final, que envolve a partilha junto dos colegas de turma e a divulgação numa plataforma online que será criada para a divulgação dos resultados da proposta. Será importante realizar essa apresentação considerando as etapas e os processos desenvolvidos e recolher feedback sobre o trabalho realizado.
4. Conclusões
A realização desta mobilidade de formação Erasmus foi um momento muito positivo por todos os contributos obtidos para o exercício da nossa atividade docente: numa primeira fase, junto da Instituição acolhedora e com a visita às exposições de desenho; e, numa segunda fase, com a investigação e revisão de uma proposta de trabalho a aplicar na nossa prática pedagógica.
Importa afirmar que estes momentos de mobilidade são fundamentais para a atualização profissional, para a possibilidade de projetos futuros com outras instituições de ensino e para uma análise das práticas pedagógicas em curso. Todo o processo vivido foi assim essencial para a revisão e preparação da nossa proposta de trabalho. Sempre a pensar na formação dos estudantes, que importa ser implementada no âmbito de uma estratégia de ensino inovadora, sabendo que:
Para que os processos de inovação e mudança educativa possam ser eficazes e sustentáveis é fundamental que se apoiem em dinâmicas de monitorização e avaliação que permitam: a. Compreender a qualidade dos processos em curso e proceder a eventuais ajustes sempre que tal se revele necessário; b. Avaliar os impactos desses processos na efetiva melhoria da qualidade do ensino e das aprendizagens. (Cabral & Alves, 2018, p. 23)
De acordo com os autores Cabral e Alves (2018), importa analisar se a melhoria dos processos de ensino produziu os efeitos desejados e, para tal, ter em consideração vários aspetos. Acima de tudo, e perante a aprendizagem do estudante, as mudanças vão trazer um impacto na sua prestação e nesse processo de desenvolvimento de competências. A próxima etapa, com a concretização da proposta, permitirá analisar e recolher observações como o feedback dos estudantes e realizar uma análise sobre a aplicação e evolução do processo, das etapas de aprendizagem e dos seus resultados.
5. Referências Bibliográficas
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Catalogue Salon du Dessin (2022). (30ª edition). Palais Brongniard.
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Gomes, R. (2019). Estudo do impacto das mobilidades Erasmus+ de pessoal docente e administrativo nos Recursos Humanos da Universidade do Porto [Dissertação de Mestrado, Faculdade de Economia da Universidade do Porto]. U.Porto Repositório Aberto. https://hdl.handle. net/10216/123996
Instituto Politécnico do Cávado e do Ave. Gabinete de Relações Internacionais. (2022). Pessoal Docente e Não Docente. https://ipca.pt/ipca/unidades/upraxis/gabinete-de-relacoes-internacionais/ pessoal-docente-e-nao-docente/
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