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Redes Virtuais de Inovação e Apoio na Formação Contínua e Inicial de Professores

Margarida Morgado ‡

‡ Instituto Politécnico de Castelo Branco e CETAPS -Centre for English, Translation, and AngloPortuguese Studies marg.morgado@ipcb.pt Resumo

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Apresenta-se uma prática inovadora de formação contínua e inicial internacional de professores online, os Virtual Exchanges (ações de formação que visam a colaboração online) que releva a sua participação em comunidades de prática internacionais como forma de desenvolvimento e inovação profissional bem como de redução dos seus níveis de isolamento ou de contacto “autêntico” com a realidade e os problemas de salas de aula específicas na Europa para alunos da formação inicial de professores. Reflete-se sobre a importância destas comunidades internacionais de prática como mais-valia para familiarizar estudantes e professores com tecnologias colaborativas online que interligam salas de aula, grupos e indivíduos de diversas proveniências geográficas em projetos de colaboração intercultural; como forma de desenvolvimento na prática da literacia digital; como meio de aproximação dos profissionais das realidades diversas das escolas; e ainda enquanto estratégia para lidar com problemas específicas das suas aulas que podem ser abordados em rede. A partir da descrição de uma ação de colaboração virtual específica no quadro das muitas oferecidas pelo projeto VALIANT e da análise temática dos conteúdos de nove entrevistas a participantes, propõemse recomendações sobre o desenho metodológico deste tipo de ações de formação e sobre o papel dos facilitadores nelas.

Palavras-Chave: Colaboração virtual, Formação contínua e inicial de professores, Redes virtuais de inovação educativa.

1. Contextualização

Ao nível da formação contínua de professores são diversos os documentos de política europeia que sublinham a importância de os professores europeus participarem em comunidades de prática (Wenger, 1998), que podem ser virtuais, como forma de desenvolvimento profissional, sobretudo para aqueles que se sentem mais isolados ou que poderão ter dificuldade de acesso a recursos e oportunidades de formação em zonas rurais ou mais remotas dos grandes centros urbanos ou de oportunidades de formação (EC, 2020; OECD, 2016; Eurydice, 2021).

As redes informais, sociais e profissionais de professores podem constituir-se como espaços de formação contínua profissional (Grossman et al., 2001). Os professores em exercício podem expandir os seus conhecimentos, práticas e inovação ao colaborar com colegas de outros contextos europeus (Snow, 2005), tal como os alunos da formação inicial de professores, ao integrar estas redes, podem adquirir um contacto mais próximo com a realidade das escolas e sentir-se mais motivados pela profissão e desmitificar algumas construções erróneas que possuam.

No quadro de um projeto europeu de inovação de política educativa Erasmus+KA3, VALIANT (Flogie et al., 2022), reúnem-se professores em exercício e alunos de formação inicial de professores em ações de colaboração virtual (Virtual Exchanges) ao longo de seis a sete semanas, sob a supervisão de especialistas e de facilitadores da colaboração virtual, em torno de problemas educativos ‘reais’.

Estas ações de formação visam promover redes internacionais de colaboração e inovação profissional, desenvolver competências de colaboração virtual e a aprendizagem com os pares, contribuir para ultrapassar sentimentos de isolamento e de desmotivação dos professores em exercício e suplementar a formação em exercício, para além de motivar e aproximar estudantes da formação inicial de professores da realidade nas escolas.

Os professores e futuros professores utilizam a sua experiência e conhecimento para colaborar com, e consultar, colegas e especialistas para resolver problemas concretos da escola e da sala de aula e desse modo sentem-se menos isolados, mais motivados e mais apoiados.

O objetivo do projeto VALIANT é testar a eficácia das redes virtuais de apoio face aos sentimentos de isolamento e de desmotivação dos professores em exercício, particularmente em zonas rurais e testar igualmente a sua eficácia entre alunos da formação inicial de professores pelo modo como os aproximam das realidades profissionais em colaboração com professores em exercício (VALIANT). São objetivos específicos do projeto:

• Promover redes internacionais de colaboração e inovação profissional

• Desenvolver competências de colaboração virtual e a aprendizagem com os pares

• Contribuir para ultrapassar sentimentos de isolamento e de desmotivação dos professores em exercício e suplementar a formação em exercício

• Motivar e aproximar estudantes da formação inicial de professores da realidade nas escolas (Helm & O’Dowd, 2020).

Existem diversas tipologias de colaboração virtual no âmbito do projeto VALIANT, a saber:

• “Professores como Fontes de Experiência”: uma ação de colaboração virtual que envolve professores em serviço em colaborações virtuais com alunos da formação inicial de professores sobre tópicos e temas pedagógicos.

• “Professores que Aprendem Cooperativamente”: uma ação de colaboração virtual durante a qual professores de diversos países partilham desafios e problemas dos seus contextos de sala de aula e comparam soluções.

• “Professores que são Colaboradores Internacionais”: uma ação de orientação de professores em serviço sobre como colaborar com outros professores em projetos internacionais colaborativos (eTwinning ou Mobilidades Erasmus+) como parte das suas rotinas de ensino. Estas ações podem envolver especialistas com experiências de sucesso prévias nesta área.

• “Professores Mentores”: uma ação de colaboração virtual que envolve professores em serviço em colaborações virtuais com alunos da formação inicial de professores durante as práticas pedagógicas dos primeiros.

Qualquer ação de colaboração virtual apoia os professores envolvidos para lidar com os desafios que emergem nas suas salas de aula; para desenvolverem as suas competências digitais, cada vez mais importantes em ambientes mediados por tecnologias; e para democratizar o acesso a oportunidades internacionais de formação contínua para professores que, por razões diversas, se sentem isolados ou não têm acesso fácil a oportunidades de formação. A possibilidade de debater e partilhar experiências com colegas é motivadora para os professores envolvidos; de igual modo, a comunicação estruturada entre professores contribui para que eles melhor entendam a inovação curricular e se sintam apoiados nas suas aprendizagens profissionais (De Jong, 2012).

As ações permitem igualmente explorar as vantagens de colocar em contacto próximo professores em exercício e alunos da formação inicial de professores ao nível da constituição de redes profissionais e da entreajuda de profissionais mais experientes e recém-chegados à profissão, mas também ao nível de aumentar a atração pela profissão docente.

2. Descrição da prática pedagógica

A ação de colaboração virtual aqui descrita, intitulada “Diversity and Inclusion in Our Classrooms” sobre problemas de diversidade, inclusão e integração, inclui-se na tipologia de “professores que apendem cooperativamente”. Foi lecionada a partir de uma plataforma Moodle e com recurso a cinco sessões síncronas de videoconferência Zoom e duas em trabalho cooperativo assíncrono dos professores. No âmbito desta ação de colaboração virtual os professores em serviço de vários países europeus partilham desafios e problemas com origem nas suas salas de aula sobre o tema da diversidade e da inclusão. Comparam as soluções encontradas para os problemas em cada um dos seus contextos e criam soluções em conjunto baseadas nas suas experiências e prática. Desenvolvem apresentações multimodais para outros professores de forma a partilhar o conhecimento co-construído. Por último, reagrupam-se em grupos de interesse para continuar a colaborar sobre temas do seu interesse.

A ação estrutura-se numa sequência de atividades de conhecimento mútuo, de trabalho cooperativo de comparação de experiências e de recursos e finalmente de produção colaborativa de um produto, terminando na construção de oportunidades para continuar a colaborar em parcerias de escolas e destas com instituições de ensino superior.

A ação decorreu ao longo de sete semanas num total de dezassete horas de trabalho para os professores no primeiro semestre do ano letivo 2021-2022, tendo sido frequentada por 19 professores de diversos países europeus.

Os participantes na ação inscreveram-se voluntariamente e eram provenientes da Itália, Eslovénia, Portugal e Espanha. A ação foi facilitada por quatro formadores de professores portugueses.

Uma colega finlandesa foi convidada como “amiga crítica”, isto é, alguém de confiança dos formadores, com experiência na área da colaboração virtual, capaz de oferecer outras perspetivas e refletir sobre a prática pedagógica e negociar entendimentos (Costa & Kallick, 1993; Baskerville & Goldblatt, 2009: 218; Özek, Edgren & Jandér, 2012).

2.1. Objetivos e público-alvo

No decorrer da ação, os formadores de professores e a ‘amiga crítica’ identificaram uma série de questões emergentes da condução da ação com vista à sua melhoria, que quiseram explorar por meio de entrevistas semiestruturadas a professores que tivessem participado na ação.

A partir da reflexão conjunta entre facilitadores da ação e a ‘amiga crítica’ enquanto participante que observa as dinâmicas e práticas de cada sessão, foram definidas como como questões de investigação as seguintes: a) Como facilitar a construção do trabalho em equipa virtual e promover a dedicação às tarefas em curso em equipas virtuais? b) Como apoiar a interação virtual dos participantes para efeitos de aprendizagem cooperativa digital?

2.2. Metodologia

Os dados recolhidos a partir de questionários antes, durante a após participação numa ação de curta duração analisam também quantitativa e qualitativamente a preparação dos alunos da formação inicial para o desempenho profissional como professores; a autoeficácia dos professores; a sua motivação; a sua competência intercultural; e a sua competência digital. Estes resultados ainda não se encontram disponíveis. Contudo, para a ação descrita realizou-se uma investigação complementar. Após cada sessão, os facilitadores e a ‘amiga crítica’ debateram um conjunto de questões baseadas na observação das sessões de forma a dar resposta às questões de investigação acima descritas. As sessões de discussão decorreram imediatamente após cada sessão virtual, conduzindo à reflexão sobre diversos tópicos: o desenho de tarefas, o processo de comunicação, a colaboração virtual entre os participantes e como desempenham tarefas por meio da interação virtual, a plataforma Moodle usada, entre outros.

Terminada a ação de formação, todos os participantes foram convidados para entrevistas vídeo-gravadas em Zoom, tendo 9 dos participantes aceite participar nelas. A amiga crítica propôs um guião de perguntas relacionadas com a experiência de aprendizagem cooperativa, o trabalho em equipa, o desenvolvimento de competências digitais e os sistemas de apoio mútuo durante as interações virtuais.

Os participantes apresentaram o seu consentimento informado sobre a natureza e propósito das entrevistas e dos dados recolhidos.

As entrevistas, com a duração de trinta a sessenta minutos, foram conduzidas individualmente, em pares ou em grupos de três (dependendo da disponibilidade dos entrevistados), em inglês, vídeo-gravadas, transcritas e analisadas tematicamente por um dos facilitadores e a amiga crítica.

3. Resultados, implicações e recomendações

Organizaram-se os resultados em duas áreas temáticas, como evidenciado na tabela 1. Estes resultados refletem os pontos abordados pelos entrevistados ao refletirem sobre ações de melhoria e casos de sucesso na sua participação na ação de formação. As áreas identificadas são: Liderança, trabalho em grupo e interação virtual; e aprendizagem cooperativa.

Tabela 1

Resultados da análise temática das entrevistas

Liderança, trabalho em equipa e interação virtual

Importância de definir com clareza os papéis a desempenhar pelos membros da equipa, em especial do líder da equipa;

Importância de pontos de situação frequentes pelos facilitadores; de compreensão e partilha de estratégias que facilitam a comunicação internacional;

Criação de momentos de partilha informal;

Dificuldade de manutenção do trabalho em rede e a importância da comunicação síncrona.

Aprendizagem cooperativa

Valorização do ambiente internacional

Apreciação da possibilidade de partilhar experiências como modo de perspetivar problemas específicos de cada participante

Valorização de estratégias de comunicação intercultural

Aprendizagem experiencial como forma de preparação para utilização de modelos semelhantes com alunos

Das entrevistas é possível retirar algumas ilações de caráter profissional, nomeadamente que a possibilidade de debater e partilhar experiências com colegas é motivadora para os professores envolvidos. A comunicação estruturada entre professores contribui para que eles melhor entendam a inovação curricular e se sintam apoiados nas suas aprendizagens profissionais (De Jong, 2012) e as possam aplicar nas suas salas de aula.

Ao nível do desenho metodológico das ações podem retirar-se algumas recomendações relativamente às tarefas propostas. As tarefas devem incluir diversos graus de complexidade, promover a colaboração e a interação comunicativa e devem incluir-se atividades de reflexão que servem para induzir nos participantes reflexões mais profundas sobre as suas práticas.

Quanto ao papel dos facilitadores da ação, ele deve ser cuidado no sentido de valorizar a experiência docente dos participantes e promover a sua partilha; organizar a colaboração dentro de cada grupo de trabalho a partir de papéis específicos a desempenhar de modo a incluir todos no processo de cooperação e colaboração; guiar explicitamente os participantes e verificar atempadamente se existem dificuldades de interação comunicativa ou tecnológica; e liderar os debates e trocas de modo a estimular os participantes a saírem das suas zonas de conforto.

4. Conclusões

Esta experiência pedagógica permite, até ao momento, refletir sobre a importância da constituição de comunidades internacionais de prática para a formação contínua de professores, assentes na utilização de tecnologias colaborativas online que interligam salas de aula, grupos e indivíduos de diversas proveniências geográficas em projetos de colaboração intercultural (Jager et al., 2019) como forma de democratização do acesso a oportunidades internacionais de formação contínua para professores que, por razões diversas, se sentem isolados ou não têm acesso fácil a oportunidades de formação.

Nestas comunidades de prática todos os envolvidos desenvolvem as designadas competências para o século XXI tais como a literacia digital, a comunicação intercultural online e a colaboração virtual em ambientes internacionais (Helm & O’Dowd, 2020), sendo contudo necessário prestar atenção ao desenvolvimento de outras competências de trabalho cooperativo online como sejam a liderança de grupo, a criação de mecanismos para um eficaz trabalho em equipa e boa comunicação e interação online, bem como os hábitos e experiência de trabalho cooperativo dos participantes e o seu à-vontade no manuseamento de ferramentas digitais. Por último, é de realçar que as redes informais, sociais e profissionais de professores podem constituir-se como lugares de formação contínua profissional (Grossman et al., 2001) e que os professores podem expandir os seus conhecimentos, práticas e inovação ao colaborar com colegas de outros contextos europeus (Snow, 2005).

5. Referências Bibliográficas

Baskerville, D., & Goldblatt, H. (2009). Learning to be a critical friend. From professional indifference through challenge to unguarded conversations. Cambridge Journal of Education, 39(2), 205-222.

Costa, A. L., & Kallick, B. (1993). Through the lens of a critical friend. Educational Leadership, 51(2), 49-51.

De Jong, O. (2012). Empowering teachers for Innovations: The case of online teacher learning communities. Creative Education, 3(8), 125-129. https://doi.org/10.4236/ce.2012.38B02

European Education and Culture Executive Agency (European Commission). (2020). Erasmus+ virtual exchange Intercultural learning experiences: 2018-2019 achievements. https://op.europa.eu/ en/publication-detail/-/publication/4727280c-5224-11ea-aece-01aa75ed71a1/language-en/ format-PDF/source-search

European Commission/EACEA/Eurydice (2021). Teachers in Europe: Careers, development and wellbeing. Eurydice Report. Publications Office of the European Union. https://eacea.ec.europa. eu/nationalpolicies/eurydice/sites/default/files/teachers_in_europe_2020_0.pdf

Flogie, A., Gutierrez, B. F., Martinc, U., Nicolau, A., O’Dowd, R., Sauro, S., & Zemljak, D. (2022). Developing Virtual Innovation and Support Networks for In-Service and Pre-Service Teachers (S. Sauro, Ed.). Valiant.

Grossman, P., Wineburg, S., & Woolworth, S. (2001). Toward a theory of teacher community. Teachers College Record, 103(6), 942–1012.

Helm, F., & O’Dowd, R. (2020). Virtual Exchange and its role in Blended Mobility Initiatives. UNICollaboration Position Paper. https://www.unicollaboration.org/wp-content/uploads/2020/09/Position-paperon-BlendedMobility.pdf

Jager, S., Nissen, E., Helm, F., Baroni, A., & Rousset, I. (2019). Virtual Exchange as Innovative Practice across Europe: Awareness and Use in Higher Education. EVOLVE Project Baseline Study. http://hdl.handle.net/11370/de9b9f72-b11b-4f28-9a17-eea6b76c62c4

OECD. (2019). Learning in rural schools: Insights from PISA, TALIS and the literature. OECD Education Working Paper No. 196. https://www.oecd.org/officialdocuments/ publicdisplaydocumentpdf/?cote=EDU/WKP(2019)4&docLanguage=En

Özek, Y. H., Edgren, G., & Jandér, K. (2012). Implementing the critical friend method for peer feedback among teaching librarians in an academic setting. Evidence Based Library and Information Practice, 7(4), 68-81.

Snow, L. (2005). Professional development in a culture of inquiry: PD teachers identify the benefits of professional learning communities. Teaching and Teacher Education, 21(3), 241-256.

Wenger, E. (1998). Communities of Practice: Learning, Meaning, and Identity. Cambridge University Press.

Agradecimentos

A autora gostava de agradecer a Tanja Vesala-Varttala pelo seu papel de ‘amiga crítica’ e parceira de discussão e análise.

Financiamento

O projeto VALIANT - Virtual Innovation and Support Networks for Teachers é financiado pelo programa Erasmus+ KA3 European Policy Experimentation, sob o número 626134-EPP-12020-2-ESEPPKA3-PIPOLICY para o período fevereiro 2021 a março 2024. Mais informação disponível em: https://valiantproject.eu/

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