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Proposta de avaliação como processo de aprendizagem crítica: O uso de metodologias ativas

Num Contexto Online

georgiasa@gmail.com cmaias@ymail.com o.aken@uol.com.br Resumo

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A presente pesquisa nasceu da necessidade de responder ao desafio provocado pela pandemia de covid-19 no ensino superior. O trabalho foi elaborado em um curso de Engenharia Industrial de uma instituição pública do Rio de Janeiro, Brasil, em duas unidades curriculares: Psicologia e Sociologia do Trabalho e Tecnologia, Fatores Humanos e Sociedade. Esta comunicação tem por objetivo discutir o processo de avaliação concebido a partir das atividades realizadas com os estudantes, em uma prática pedagógica conduzida ao longo do período de Ensino Remoto Emergencial. Trabalhou-se na elaboração de atividades de geração de produtos digitais, com a intenção da ampliação do senso crítico dos estudantes, a partir da leitura de artigos científicos. O trabalho inspirou-se na metodologia Team Based Learning, com a finalidade de criação de podcasts. Nesse cenário, verificou-se um processo de avaliação formativa da aprendizagem, que estimulou a participação critica e ativa dos estudantes. Isto porque, ele foi realizado a partir de diferentes instrumentos e em variados momentos, representando oportunidades para reflexão e aprendizado. Do total de estudantes, 84% achou que avaliar o trabalho dos colegas foi uma experiência relevante e 100% se mostrou satisfeito com o uso de variados instrumentos e não somente com uma prova tradicional.

Palavras-Chave: Avaliação de aprendizagem, Fatores Humanos, Educação em Engenharia, Metodologias ativas.

1. Contextualização

Esse trabalho foi desenvolvido em um curso de graduação em Engenharia Industrial no Brasil, nasceu da necessidade de responder ao desafio do Ensino Remoto Emergencial

(ERE), provocado pela pandemia de covid-19, e aproveitou o período de estágio de docência de duas doutorandas dentro de um Programa de Pós-graduação em uma Instituição de Ensino Superior (IES), num processo de relação direta das ações de pesquisa e ensino (Carvalho et al. 2021; Demo, 2011).

Além das questões e incertezas do período de ensino remoto, um grande desafio apresentado aos cursos de engenharia no Brasil era a adequação às Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), aprovadas no ano de 2019, pouco antes do impacto causado pela covid-19. As DCN foram atualizadas a partir de um amplo trabalho realizado entre indústria, academia, entidades de classe etc. Elas destacam o desenvolvimento de competências e a adoção de metodologias de ensino mais centradas no estudante, além do estímulo ao desenvolvimento de atividades que promovam a integração e a interdisciplinaridade (Brasil, 2019). Isto porque, a transformação digital vivenciada nos últimos anos, marcada principalmente pelo desenvolvimento da Indústria 4.0, apresenta-se como um grande desafio para formação no ensino superior.

Diante do contexto e dos desafios verificados é que nasceu a prática aqui apresentada. Trabalhou-se com uma proposta que estimulou o desenvolvimento de atividades de geração de produtos digitais, com a intenção de desenvolver o senso crítico dos estudantes, a partir da leitura de artigos científicos que abordaram temas atuais e relacionados às necessidades da sociedade moderna, extremamente imbricados com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

A estrutura do ensino implicou uma avaliação formativa ao longo dos semestres de aulas, representando novas oportunidades para reflexão e aprendizado, ajudando a acompanhar o desenvolvimento das atividades e os desafios enfrentados.

2. Descrição da prática pedagógica

O trabalho foi realizado com estudantes de um curso presencial de Engenharia Industrial de uma IES localizada no Rio de Janeiro, Brasil. A proposta foi desenvolvida ao longo do período de ERE, outubro de 2020 a março de 2022, em duas unidades curriculares profundamente marcadas pelo viés da temática do fator humano no mundo do trabalho: Psicologia e Sociologia do Trabalho (PST) e Tecnologia, Fatores Humanos e Sociedade (TFH).

A prática pedagógica combinou o uso de uma metodologia ativa já consolidada pelo mundo, conhecida como Team Based Learning (TBL) (Vlachopoulos et al., 2020), para a qual foram propostas adaptações, aliado ao desenvolvimento de podcasts (PC). O processo de avaliação formativa, realizado ao longo dos semestres, responsabilizou cada estudante pela realização das atividades, mas também pela melhoria contínua dos produtos gerados. Parte das atividades propostas foi elaborada em equipes e parte de maneira individual. Dessa forma, a fim de refletir a estrutura do ensino, desenvolveu-se um processo de avaliação a partir de variadas atividades, realizadas em momentos diversos.

2.1. Objetivos e público-alvo

Esta comunicação tem por objetivo discutir o processo de avaliação concebido a partir das atividades realizadas com os estudantes, em uma prática pedagógica conduzida ao longo do período de ERE.

As atividades foram desenvolvidas nas duas unidades curriculares, somando 170 estudantes, de oito turmas, durante quatro períodos letivos. Os estudantes de PST estavam em sua maioria no quarto semestre (o curso tem um total de dez semestres) e tinham uma média de idade de 22 anos. Os estudantes de TFH, por outro lado, estavam nos últimos semestres do curso, com uma média de idade de 24 anos. Esses estudantes tinham diversas experiências de atividades de extensão universitária e mesmo de estágio obrigatório ou empregos formais. Tais características foram observadas a partir do preenchimento de um formulário eletrônico, e levadas em conta para a divisão das equipes de trabalho.

2.2. Metodologia

O trabalho inspirou-se no TBL e em seus quatro elementos essenciais: adequada formação de equipes heterogêneas; responsabilização dos estudantes pela elaboração das tarefas individuais e coletivas; feedback frequente e promoção do aprendizado e desenvolvimento da equipe (Michaelsen & Sweet, 2008). Para o desenvolvimento de produtos digitais, optouse pela elaboração de seis PC já que este tipo de mídia é simples de produzir, usar e compartilhar, além de possuir um baixo custo. Por isso mesmo, os podcasts logo foram introduzidos no espaço educacional (Drew, 2017) e em diferentes áreas do conhecimento (Carvalho et al., 2009), expandindo as oportunidades de uso do áudio como meio de aprendizagem (Edirisingha et al., 2010).

A estruturação das atividades considerou as premissas para a formação de equipes da metodologia TBL. Os estudantes trabalharam em times de cinco a sete componentes, que foram divididos pelos professores, mantendo a estrutura da equipe ao longo de cada um dos semestres. Apoiados por um formulário online, os professores puderam entender o perfil dos estudantes e distribuí-los, criando equipes heterogêneas.

O planejamento realizado pelos professores serviu como “documento guia” e foi apresentado aos estudantes no primeiro encontro síncrono de cada um dos semestres do período de ERE. Nesse planejamento, procurou-se minimizar as possíveis dificuldades associadas ao acesso à Internet e à perda de aulas, conteúdo e demais informações, já que a maior parte das atividades foi desenvolvida de forma assíncrona, em equipe e pelo WhatsApp, ferramenta de ampla utilização e cujo acesso pelos estudantes, na realidade brasileira, costuma ser mais rápido e fácil. A partir dela, os estudantes puderam interagir e discutir sobre os trabalhos propostos.

Para o desenvolvimento das atividades, o planejamento das unidades curriculares partiu da definição de artigos científicos que seriam base para construir cada um dos seis PC. Os artigos propostos são resultado de investigações do grupo de pesquisa dos autores e falavam sobre Ergonomia, Ergologia, Trabalho Offshore, Gestão de Riscos e de Segurança, Educação a Distância, Gestão do Conhecimento, Inovações Tecnológicas e Saúde Mental do Trabalhador, ou seja, temas atuais e relacionados às necessidades da sociedade moderna e extremamente imbricados com os ODS.

Em relação à forma, cada PC deveria incluir alguns elementos básicos de modo que os trabalhos das equipes não fossem discrepantes entre si. Foram estabelecidos: tempo aproximado de duração, formato do arquivo gerado, necessidade de apresentação do título do texto e nome dos componentes do time. A entrega dos trabalhos foi realizada através do Microsoft Teams e do mural virtual das unidades curriculares, no Padlet (https://padlet. com/). Esses aspectos foram alguns dos critérios de avaliação dos trabalhos, mas também importantes para facilitar o acesso aos PC por todos. Isto porque, após a entrega da tarefa, todo estudante avaliou o resultado do trabalho de cada equipe, como será apresentado a seguir.

2.3. Avaliação

O processo de avaliação da aprendizagem desta experiência teve um caráter formativo e envolveu uma série de atividades que, no seu conjunto, acabou por definir um conceito final para cada um dos estudantes. É possível observar no Quadro 1, as atividades realizadas, os produtos gerados a partir delas, os atores principais e como elas foram consideradas na composição de um resultado individual ao final de cada semestre.

Quadro 1

Atividades e critérios de pontuação

Atividade Resultado apresentado Ator Critérios para a pontuação

Preenchimento: dados pessoais Formulário com os dados pessoais

Desenvolvimento do Podcast (6x)

Avaliação do Podcast (6x)

Seis Podcasts

Estudante Entrega obrigatória, mas não pontuada

Equipe Melhor podcast (escolha dos estudantes)

Entrega no prazo

Seis Formulários de avaliação, com ou sem sugestões de melhorias

Avaliação por Pares Um Formulário abrangente de avaliação

Estudante Entrega no prazo Melhores contribuições

Estudante Entrega no prazo

Estudante considerado o melhor da equipe (escolha dos próprios estudantes)

Contribuições nos encontros síncronos

Discussões sobre os temas trabalhados em cada PC

Professor Estudante

Questionamentos, sugestões, colocações individuais

A avaliação dos PC foi realizada de forma individual pelos próprios estudantes, a partir do preenchimento de formulário eletrônico para cada um dos seis PC, desenvolvidos ao longo de cada semestre. Os estudantes precisaram ouvir, avaliar e deixar feedbacks para os PC dos demais times, propondo melhorias e sugestões. Esta ação visava permitir que cada estudante auxiliasse o aprendizado dos demais, mas também que pudesse refletir sobre seu trabalho, ampliando suas perspectivas ao ouvir diferentes formas e abordagens de discussão de um mesmo material. Somente os professores tiveram acesso às respostas dos formulários de avaliação, mas cada equipe recebeu os feedbacks, de modo anônimo.

No final do semestre, após a elaboração e avaliação dos seis PC, cada estudante preencheu a Avaliação por Pares, etapa considerada fundamental no TBL. Esta atividade foi também estruturada em um formulário online, com questões divididas em cinco seções - Avaliação da aprendizagem, Avaliação da unidade curricular, Autoavaliação, Avaliação por Pares, Encerramento. Esperava-se que cada estudante refletisse sobre a experiência, pensando sobre: a proposta e o desenvolvimento das atividades da unidade curricular, o comprometimento pessoal com a realização das atividades e envolvimento com o time, além de cada um dos integrantes da equipe de que participou.

Todos esses elementos juntos foram considerados para se chegar a um conceito final por estudante, levando-se em conta também o comprometimento com as entregas de acordo com o planejado e as contribuições individuais realizadas nos momentos síncronos de troca entre estudantes e os professores.

3. Resultados, implicações e recomendações

Como observado, a estrutura do ensino implicou uma avaliação formativa ao longo do semestre, responsabilizando cada estudante pela realização das atividades e melhoria contínua dos produtos gerados. Todos os estudantes deveriam tomar conhecimento dos trabalhos realizado pelas equipes, ouvir e avaliar os PC a partir dos critérios estabelecidos, sendo estimulados a dar sugestões de melhorias.

Com a Avaliação por Pares, construída para ser bem abrangente, esperava-se compreender como os estudantes perceberam as atividades realizadas durante todo o período, como refletiram sobre seu processo de aprendizagem, sobre a proposta e o desenvolvimento das atividades da unidade curricular, sobre seu comprometimento com a realização das atividades e envolvimento com a equipe, além de pensar individualmente sobre cada um dos integrantes da equipe na qual esteve envolvido. As perguntas que propuseram uma reflexão direta sobre o processo de avaliação adotado, apresentaram resultados entusiasmantes, como pode ser visto no Quadro 2.

avaliado a partir de variados instrumentos e atividades, e não somente por uma colegas a repensarem seus trabalhos o trabalho dos outros foi uma experiência de aprendizagem relevante

Para discutir o planejamento de avaliação desenvolvido, é possível recorrer-se à Luckesi (2008) que destaca que a avaliação da aprendizagem permite julgamento e classificação, mas que essa não é sua “função constitutiva”. A função constitutiva é diagnóstica, criando bases para a tomada de decisão, permitindo o encaminhamento de atos que busquem maior satisfação com os resultados. A avaliação teria, de entre outras funções, a de permitir a autocompreensão tanto de estudantes quanto de professores, no nível e condições em que estão para dar um salto à frente. De acordo com Luckesi (2008, pp. 175, 176)

6 Formulário de Avaliação por Pares era composto por questões objetivas e abertas, no qual utilizou-se uma Escala Likert de 5 pontos. Os resultados foram baseados na resposta de 170 questionários, abrangendo um total de oito turmas, das unidades curriculares trabalhadas.

Por meio dos instrumentos de avaliação da aprendizagem, o educando poderá se autocompreender com a ajuda do professor, mas este também poderá se autocompreender no seu papel pessoal de educador, no que se refere ao seu modo de ser, às suas habilidades para a profissão, seus métodos, seus recursos didáticos etc.

Assim, além de buscar-se um ensino deslocado da figura centralizadora do professor, gerou-se um processo de avaliação que colocou o estudante no centro da construção do conhecimento. Notou-se, porém, que alguns estudantes nunca haviam experimentado situações como a apresentada e, num primeiro momento, reagiam com alguma estranheza, ao esperar um “conceito” a cada novo produto desenvolvido. Mas afinal, esse não era o foco da proposta. Para além de um olhar crítico para temas atuais e relevantes para os futuros engenheiros, que precisam se preocupar com diferentes contextos e com problemas cada vez mais globais, esperava-se que fosse possível o desenvolvimento de habilidades como o trabalho em equipe, a síntese de conteúdos, o saber escutar e falar (habilidades comunicativas), realizar a crítica e a autocrítica. Esperava-se também poder aproximar os estudantes das práticas de avaliação realizadas nos ambientes profissionais, notadamente as avaliações 360 graus.

4. Conclusões

Esta comunicação buscou discutir o processo de avaliação proposto em função das atividades realizadas com os estudantes em uma prática pedagógica aplicada ao longo do período de ERE. Baseando-se em artigos científicos, as equipes de estudantes puderam ressignificar os conteúdos dos artigos e discutir sobre variados temas, entre eles, práticas de ensino e trabalho online. A avaliação da aprendizagem teve um caráter formativo e permitiu a participação ativa do estudante, sendo realizada a partir de diferentes instrumentos e em variados momentos, oferecendo oportunidades para reflexão e aprendizado. Desse modo, apartou-se de uma prática de avaliação tecnicista, que leva os estudantes a estarem mais preocupados com seus conceitos finais do que com seu processo de aprendizagem.

Entende-se que, além de um olhar para o desenvolvimento individual dos estudantes, um dos benefícios dessa experiência foi permitir que os professores, em especial as doutorandas em estágio de docência, pudessem refletir sobre suas próprias concepções de avaliação, tendo a oportunidade de ampliá-las e até mesmo modificá-las. É preciso destacar que a proposta pedagógica discutida foi pensada para o período de excepcionalidade do ERE, porém sua relevância vai além, em função dos desafios enfrentados pela educação em engenharia em todo o mundo.

5. Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo financiamento no Programa Institucional de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE), realizado no Instituto Politécnico do Porto (P.Porto).

Ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE), pelo apoio ao período sanduíche.

6. Referências Bibliográficas

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Castro, A. de C., Santos, C. M., Assumpção, G., & Dias, C. S. (2021). Inovações na integração entre graduação e pós-graduação o estágio docente como dispositivo de pesquisa aplicada. In A. M. Santos, B. S. Fernandes, C. I. A. R. Andrade, C. A. Pimentel, E. P. Andrade & L. O. S. Martins, (Orgs.), Relatos de Experiências em Engenharia de Produção 2021 (pp.130 - 144). ABEPRO.

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Luckesi, C. C. (2008). Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições (19ª ed.). Cortez.

Michaelsen, L. K., & Sweet, M. (2008). The Essential Elements of Team-Based Learning. New Directions for Teaching and Learning, 116, 7-27.

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