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Itens de avaliação em duas etapas: trabalho de grupo seguido de teste individual
Susana Fernandes ‡
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Universidade do Algarve sfer@ualg.pt Resumo
Hoje em dia a importância de proporcionar condições para que os estudantes adquiram competências para trabalhar em grupo é inquestionável. À mais-valia de saber trabalhar em grupo acresce que, em algumas unidades curriculares, a aprendizagem faz mais sentido quando os alunos são chamados a realizar trabalhos práticos em grupo. Coloca-se a questão de como classificar de forma justa cada estudante individualmente com base na realização de um trabalho de grupo. Apresenta-se um método de avaliação em duas etapas - trabalho de grupo seguido de teste individual sobre aquele. Com este método de avaliação os estudantes mostraram uma maior motivação para participar ativamente na realização do trabalho e para colaborativamente aprender a perceber e justificar todas as opções tomadas em todas as componentes do trabalho. Com este método de avaliação torna-se possível não prescindir das aprendizagens só possíveis com a realização de trabalhos de grupo reduzindo o esforço dedicado à classificação e aumentando a perceção da justiça das classificações atribuídas a cada aluno. O método de avaliação apresentado é aplicável a unidades curriculares de qualquer área do saber, sempre que faça sentido incluir a realização de trabalhos de grupo no funcionamento das mesmas.
Palavras-Chave: Avaliação de trabalhos de grupo, Classificações individuais justas, Redução do esforço de classificação.
1. Contextualização
Na formação dos nossos estudantes a importância de proporcionar condições para a aquisição de competências para trabalhar em grupo é inquestionável. Por exemplo, a Universidade de Kent tem uma página web sobre competências para trabalhar em grupo no seu sítio web oficial, gerida pelo serviço de carreiras e empregabilidade (The University of Kent, 2018).
À mais valia de saber trabalhar em grupo, acresce que em algumas unidades curriculares a aprendizagem faz mais sentido quando os alunos são chamados a realizar trabalhos práticos em grupo. Os trabalhos práticos permitem, por exemplo, que os alunos abordem questões/problemas mais complexos, que precisam de tempo para pensar e elaborar um processo para chegar à construção de uma solução. A resolução de problemas deste tipo propicia processos cognitivos mais complexos.
Mas como classificar de forma justa cada estudante, individualmente, com base na realização de um trabalho de grupo? E como ter tempo disponível para dar feedback e classificar todos os trabalhos?
Winchester-Seeto (2002) propõe diferentes formas de avaliar trabalhos de grupo que estão descritas em páginas de universidades como a Carnegie Mellon University (2022) ou a City University of London, por exemplo.
Neste texto descreve-se o método de avaliação em duas etapas com um trabalho de grupo seguido de um teste individual, que conforme uma das propostas de Winchester-Seeto (2002).
2. Descrição da prática pedagógica
Nesta secção apresenta-se a implementação do método de avaliação em duas etapas com cada trabalho de grupo seguido de um teste individual.
2.1. Objetivos e público-alvo
A aplicação do método de avaliação em duas etapas, com um trabalho de grupo seguido de um teste individual sobre aquele, tem três objetivo principais: proporcionar condições para que os estudantes adquiram competências para trabalhar em grupo, propiciando as aprendizagens que daí advêm; aumentar a perceção da justiça das classificações atribuídas a cada aluno e reduzir o esforço dedicado à classificação. O método que se descreve foi implementado na unidade curricular de Investigação Operacional II, integrada no último ano do curso de Licenciatura em Matemática Aplicada à Economia e à Gestão da Universidade do Algarve. O método de avaliação tem sido aplicado nos últimos três anos letivos tendo-se implementado algumas melhorias processuais de ano para ano, de acordo com a avaliação dos resultados da aplicação do método em cada ano letivo. O presente documento reportase à implementação do método no ano letivo 2021/2022.
2.2. Metodologia
O método de avaliação implementado segue uma das propostas de Winchester-Seeto (2002) e consiste na realização de um trabalho em grupo seguido de um mini-teste individual, para cada um dos temas abordados nos conteúdos programáticos da unidade curricular.
Constituição dos grupos de trabalho
No que se refere à constituição de grupos de trabalho de estudantes, a maioria dos estudos relata mais valias quando os grupos são formados criteriosamente pelo professor (Fiechtner & Davis, 1992; Obaya, 1999; Oakley et al., 2004), mas tal implica que o docente conheça características relevantes dos alunos.
Alguns estudos suportam a formação dos grupos pelos alunos (Bacon et al., 1999) para obviar protestos por parte destes em trabalhar com colegas que não escolheriam, mas tais protestos podem ser mitigados apresentando de forma credível a ideia de mimetizar o mercado de trabalho.
Não conhecendo bem os alunos, a docente optou por fornecer-lhes informação sobre os requisitos para construir uma boa equipa de trabalho e deixá-los depois escolher os colegas de grupo, responsabilizando-os pela constituição de uma boa equipa.
Na primeira aula foram apresentados aos alunos os diversos tipos de colaborador definidos por Belbin (1981), assim como a sua teoria sobre a constituição de boas equipas, disponível na página de internet da Belbin®. Belbin define 9 tipos de colaborador, caracterizados por um conjunto de atitudes assumidas pelas pessoas quando a trabalhar em equipa. Os 9 tipos de colaborador são classificados em três grupos de acordo com o tipo de motivação principal: a cognitiva, a de ação e a relacional. Cada indivíduo pode apresentar características de diferentes tipos de colaborador, dependendo das situações, embora a diferentes níveis, e predominantemente mais de uns que de outros.
Foram constituídos 6 grupos de trabalho, uns com 3 e outros com 4 elementos.
Objetivos dos trabalhos de grupo
Nos trabalhos de grupos os alunos foram confrontados com problemas de tipologia diferente das que tinham visto até então e com uma complexidade e dimensão próximas das de problemas reais. Os objetivos dos trabalhos podem organizar-se em duas vertentes. Propiciar, por um lado, o desenvolvimento de conhecimentos, aptidões e competências relacionadas com os conteúdos programáticos específicos da unidade curricular, tais como: identificar quais os conhecimentos adquiridos passíveis de serem aplicados na resolução de um problema novo; comunicar e defender ideias e raciocínios; testar diferentes abordagens ao problema em questão e avaliar o melhor procedimento para o resolver; apresentar de forma clara e rigorosa a(s) solução(ões) encontrada(s) e os procedimentos usados para as obter. Por outro lado, propiciar o desenvolvimento de capacidades e competências para trabalhar em grupo, como por exemplo: definição clara de objetivos; elaboração de plano de trabalho para atingir os objetivos e respetivos reajustes se necessário; comunicação e defesa sustentada de posições; definição explícita de procedimentos de tomada de decisão; gestão de conflitos; espírito de equipa e camaradagem; concretização atempada.
Enunciados e rubricas dos trabalhos
O enunciado de cada trabalho foi entregue com instruções claras e suficientemente detalhadas, especificando componentes obrigatórias. Juntamente com o enunciado de cada trabalho foi entregue uma rubrica de avaliação do mesmo, clarificando as várias vertentes valorizadas e apresentando características de 5 níveis diferentes de qualidade. Estas rubricas acompanham os enunciados dos trabalhos para que desde o início fique claro para os alunos o que devem atingir. Junto com o enunciado do primeiro trabalho é também entregue uma rubrica de avaliação do funcionamento do grupo. A entrega desta rubrica logo na solicitação do primeiro trabalho tem como objetivo fornecer linhas orientadoras para um bom funcionamento dos grupos de trabalho.
As rubricas construídas são adaptações de rubricas disponibilizadas no sítio web da Association of American Colleges and Universities (2009).
Entrega dos trabalhos e realização dos mini-testes individuais
Durante o tempo de lecionação de cada tema os alunos puderam esclarecer dúvidas e pedir orientação para a realização do trabalho correspondente. Os alunos entregavam cada trabalho até ao dia antes da primeira aula do próximo tema, juntamente com uma avaliação individual do funcionamento do grupo, baseada na rubrica de avaliação do funcionamento do grupo. O mini-teste individual realizava-se no dia seguinte, com consulta do trabalho entregue. Os mini-testes não tinham nota mínima, mas a sua realização era obrigatória para obter classificação por frequência à unidade curricular.
Por questões de tempo o feedback a cada trabalho era dado após a realização do mini-teste correspondente.
Os mini-testes foram realizados com consulta do trabalho elaborado pelo grupo do aluno. Cada mini-teste consistia em 3 a 4 questões sobre os conceitos/procedimentos chave necessários para a concretização do trabalho, aplicados a problemas muito semelhantes, mas com ligeiras variações relativamente ao problema objeto do trabalho de grupo.
Objetivos dos mini-testes
Com os mini-testes pretendeu-se avaliar em cada aluno as capacidades de explicar conceitos e ideias; adaptar procedimentos e raciocínios; defender opções tomadas e comparar / contrastar / avaliar diferentes abordagens.
Evolução do método de avaliação
Este foi o terceiro ano letivo em que este método de avaliação foi aplicado nesta unidade curricular. O processo de evolução até ao formato atual do método incluiu a adaptação dos tipos de trabalhos pedidos e correspondentes questões nos mini-testes; a transição de trabalhos diferentes para cada grupo para os mesmos trabalhos para todos os grupos; a inclusão da possibilidade de consulta do trabalho realizado; a otimização da ponderação das classificações dos mini-testes por cada aluno dentro de limites pré-definidos.
2.3. Avaliação
Para avaliar os resultados da implementação da avaliação em duas etapas, com um trabalho de grupo seguido de um mini-teste individual para cada tema lecionado, recorreu-se à observação da performance dos alunos em aula e em momentos de avaliação. Analisaramse também as classificações obtidas por cada aluno comparadas com as dos restantes elementos do grupo e com a qualidade do trabalho entregue.
No final do semestre foi solicitado a cada aluno que respondesse de forma voluntária e anónima a um questionário sobre o funcionamento e método de avaliação da unidade.
No que se refere à observação em aulas e momentos de avaliação, importa relatar que um dos grupos de alunos tinha um elemento que não terá colaborado significativamente na realização do trabalho do primeiro tema. Esta inferência vem do facto de que, embora o aluno tenha realizado o mini-teste com consulta do trabalho produzido pelo seu grupo, o seu desempenho no mesmo tenha sido muito fraco. O mesmo sucedeu no mini-teste do segundo tema abordado na unidade curricular, após o qual o referido aluno desistiu. Noutros grupos ocorreram situações semelhantes aquando da avaliação do primeiro tema, mas que não se repetiram nos temas seguintes. Inferimos que os alunos associaram a não participação ativa no trabalho à não obtenção de resultados positivos nos mini-testes.
A partir da interação com os alunos inferimos ainda que com este método de avaliação os alunos compreenderam a avaliação como parte do processo de aprendizagem. Mostraramse também mais motivados para colaborar ativamente na realização dos trabalhos e para aprender com os colegas de grupo a perceber e justificar todas as opções tomadas em todas as componentes do trabalho.
Relativamente à análise das classificações obtidas pelos alunos observe-se o do diagrama de extremos e quartis na Figura 1. É possível verificar que o grupo 4 apresentou sistematicamente resultados inferiores aos restantes. Tal observação pode sugerir que as indicações para a constituição de um bom grupo de trabalho não foram consideradas pelos elementos deste grupo, embora as avaliações apresentadas por estes alunos sobre o funcionamento do grupo não tenham indiciado nenhum problema operacional. É curioso observar que no grupo 5 as classificações foram muito homogéneas, indicando um domínio comum dos elementos do grupo sobre os temas trabalhados. A maior dispersão de valores observada no diagrama de extremos e quartis regista-se no grupo 6. Este grupo incluiu o aluno que obteve sempre as melhores classificações bem como dois alunos cujas classificações no primeiro mini-teste foram bastante inferiores às dos restantes mini-testes. Refira-se que todos os alunos que concluíram todas as etapas do método de avaliação por frequência obtiveram aprovação na unidade curricular, embora um dos alunos tenha obtido uma média ponderada de 8.7 valores nas classificações dos mini-testes e tenha realizado uma prova complementar que lhe permitiu obter a aprovação por frequência. Também em anos anteriores todos os alunos que concluíram todas as etapas do método de avaliação por frequência obtiveram aprovação, sem terem sido necessárias provas complementares.
O questionário disponibilizado no fim do semestre, organizado em duas secções - uma sobre o funcionamento das aulas e outra sobre o método de avaliação -, era composto por 14 questões em escala de Likert com 7 níveis, e 6 questões de resposta aberta. De entre os alunos que completaram a avaliação por frequência, apenas 6 responderam ao questionário, pelo que não foi feita uma análise estatística das respostas, por não se considerarem representativas da população em estudo. Referimos, no entanto, que quando inquiridos sobre o que menos gostaram no método de avaliação todas as respostas obtidas referem a não classificação dos trabalhos e o muito tempo despendido na realização dos mesmos. Concluímos que os alunos não veem o mini-teste como o instrumento de avaliação do trabalho. Quando questionados sobre o que mais gostaram no método de avaliação todas as respostas referem o facto da avaliação ser repartida por cada tema lecionado.
3. Resultados, implicações e recomendações
A adoção do método de avaliação em duas etapas, com um trabalho de grupo seguido de um mini-teste individual para cada tema lecionado, traduziu-se numa redução do tempo dedicado à classificação, quando comparado com o tempo despendido em anos anteriores, em que os trabalhos eram apresentados/defendidos e classificados, incluindo o tempo despendido no feedback aos trabalhos produzidos pelos grupos de alunos. Outra maisvalia para o docente foi o ganho na perceção da justiça das classificações atribuídas a cada aluno, no sentido de melhor traduzirem os conhecimentos e competências adquiridos. Também os alunos se manifestaram satisfeitos com a justeza das classificações obtidas com este método de avaliação. Em anos em que as notas foram atribuídas de acordo com o trabalho realizado e respetiva defesa, houve sempre um ou outro aluno que se sentiu injustiçado num ou noutro momento.
A realização dos trabalhos de grupo propiciou o desenvolvimento de processos cognitivos mais complexos. Complementando o trabalhar em grupo com a utilização de rubricas de avaliação do funcionamento dos grupos de trabalho fomentou-se a tomada de consciência e a aquisição de valiosas competências necessárias ao trabalho em equipa.
Este método de avaliação é aplicável a unidades curriculares de qualquer área do saber, sempre que faça sentido incluir a realização de trabalhos de grupo no funcionamento das mesmas.
4. Conclusões
No ano letivo 2021/2022 foi implementado um método de avaliação em duas etapas de um trabalho de grupo seguido de um mini-teste individual para cada tema lecionado, na unidade curricular de Investigação Operacional II do 3º ano da Licenciatura em Investigação Operacional da Universidade do Algarve. Verificou-se ser possível propiciar o desenvolvimento de aprendizagens exclusivamente associadas à realização de trabalhos de grupo e em simultâneo classificar cada aluno de forma justa, e também reduzir o esforço dedicado à classificação para o equivalente a uma avaliação por testes.
No entanto, revela-se ainda necessário reforçar a importância e propiciar a aquisição de competências para a construção de bons grupos de trabalho.
No que se refere à visão da avaliação como um processo de aprendizagem, os alunos já compreendem a realização dos trabalhos como um instrumento de aprendizagem, mas ainda falta reforçar o reconhecimento dos mini-testes como instrumento de avaliação do trabalho realizado. Persiste nos alunos o sentimento de que o trabalho de grupo não é avaliado.
5. Referências Bibliográficas
Association of American Colleges and Universities. (2009). Valid Assessment of Learning in Undergraduate Education (VALUE). https://www.aacu.org/initiatives/value
Bacon, D. R., Stewart, K. A., & Stewart-Belle, S. (1998). Exploring Predictors of Student Team Project Performance. Journal of Marketing Education, 20, 63-71.
Belbin, R. M. (1981), Management Teams: Why They Succeed or Fail. Butterworth Heinemann, Oxford. Belbin® (2022). The Nine Belbin Team Roles. https://www.belbin.com/about/belbin-team-roles
Carnegie Mellon University. (2022). Grading Methods for Group Work. https://www.cmu.edu/ teaching/assessment/assesslearning/groupWorkGradingMethods.html
City University of London. (n.d.). Group assessment strategies. Acedido em 15 julho 2022 https:// staffhub.city.ac.uk/__data/assets/pdf_file/0004/440239/Group-assessment-strategies.pdf
Fiechtner, S. B., & Davis, E. A. (1992). Why some groups fail: A survey of student’s experiences with learning groups. In A. S. Goodsell, M. R. Maher & V. Tinto (Eds.), Collaborative Learning: A Sourcebook for Higher Education (pp. 59-67). National Center on Postsecondary Teaching, Learning & Assessment.
Oakley, B., Brent, R., Felder, R. M., & Elhajj, I. (2004). Turning Student Groups into Effective Teams. Journal of Student Centered Learning, 2(1), 9-34.
Obaya, A. (1999). Getting cooperative learning. Science Education International, 10(2), 25-27.
The University of Kent. (2018, maio 4). Team working Skills. https://www.kent.ac.uk/ces/sk/ teamwork.html
Winchester-Seeto, T. (2002). Assessment of collaborative work – collaboration versus assessment Annual Uniserve Science Symposium, The University of Sydney.