9 minute read

Diferenciação de classificações individuais em trabalhos de grupo

Paulo Jorge Santos ‡

‡ Faculdade de Letras da Universidade do Porto pjsosantos@sapo.pt Resumo

Advertisement

A aprendizagem cooperativa (AC) constitui uma abordagem pedagógica que a investigação tem demonstrado assegurar melhores aprendizagens académicas e o desenvolvimento de competências sociais por comparação com abordagens tradicionais de natureza individualista e competitiva. A AC consiste na realização de atividades educativas feitas por estudantes, organizados em grupos, que perseguem objetivos comuns, maximizando a sua aprendizagem e a dos seus pares. Existem vários modelos de AC, mas todos eles pressupõem avaliar o investimento dos elementos dos grupos com objetivo de assegurar que as classificações individuais traduzam o esforço dos estudantes para os objetivos coletivos, indiscutivelmente o aspeto mais delicado e complexo neste processo. Na presente comunicação apresentar-se-á uma metodologia de diferenciação de classificações individuais de trabalhos de grupo, realizada com base nas auto e heteroavaliações que os estudantes realizam individualmente uma vez concluído o trabalho de projeto, que tem vindo a ser utilizada numa unidade curricular dos mestrados em ensino ministrados na Faculdade de Letras da Universidade do Porto desde 2008. De acordo com este procedimento é possível que os alunos obtenham uma classificação superior, inferior ou idêntica à atribuída ao trabalho, o que tem sucedido em aproximadamente 50% dos casos. Serão analisadas as potencialidades e as limitações deste processo.

Palavras-Chave: aprendizagem cooperativa, avaliação educacional, diferenciação de classificações.

1. Contextualização

O ensino superior deve proporcionar experiências de ensino-aprendizagem que a investigação demonstrou serem eficazes ao nível dos seus resultados. É o que sucede com a aprendizagem cooperativa (AC) que consiste na realização de atividades de natureza educativa feitas por grupos de estudantes que perseguem objetivos comuns de forma a maximizar a sua aprendizagem e a dos seus pares. Ao longo dos últimos 40 anos inúmeros estudos, conduzidos com estudantes dos ensinos básico, secundário e superior, evidenciaram que a AC conduz a ganhos superiores ao nível académico, mas igualmente no que respeita a competências de natureza interpessoal, por comparação com estratégias de cariz individualista e competitivo (Johnson et al., 2007; Kyndt et al., 2013; Shimazoe & Aldrich, 2010). No que respeita à AC existem vários modelos suscetíveis de serem utilizados na docência (Arends, 1995; Bessa & Fontaine, 2002), mas em todos eles é possível identificar cinco componentes: 1) interdependência positiva, que pressupõe que os elementos do grupo dependem uns dos outros para que seja possível atingir os objetivos delineados; 2) responsabilização individual (accountability), que implica que cada aluno tem que fazer a parte do trabalho que lhe foi distribuído sob pena de ser penalizado na sua classificação individual; 3) interação face a face, que passa por assegurar discussões em que os elementos do grupo se desafiam e apoiam mutuamente no que respeita às suas opiniões e ideias; 4) utilização de competências interpessoais adequadas, que implica o recurso a práticas que envolvem a tomada de decisões de forma coletiva, a gestão eficaz de conflitos ou a otimização dos processos de comunicação entre os estudantes; e 5) autoavaliação regular do funcionamento do grupo, que passa por assegurar momentos em que os alunos refletem sobre o trabalho desenvolvido, identificando áreas que carecem de mudança com a finalidade de serem mais produtivos e de se sentirem mais satisfeitos com o trabalho que se encontram a realizar. A AC pressupõe um conjunto de princípios organizadores que os grupos de trabalho devem seguir, não bastando colocar os estudantes a trabalhar em grupo para se poder afirmar estarmos perante uma metodologia de AC (Veenman et al., 2002).

Provavelmente o aspeto mais delicado e complexo da AC consiste no processo de diferenciação das classificações individuais. O processo de avaliação do investimento dos elementos dos grupos com o objetivo de assegurar que as classificações reflitam o esforço dos estudantes para os objetivos coletivos é unanimemente considerado como um dos elementos constituintes fundamentais da AC, ao ponto de vários autores afirmarem explicitamente que sem ele não é possível falar de AC (e.g., Johnson et al., 2007).

No âmbito da unidade curricular (UC) de Investigação Educacional (IE), disciplina comum aos diferentes Mestrados em Ensino ministrados na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), lecionada no segundo semestre do primeiro ano, a avaliação tem lugar por intermédio de um trabalho de pesquisa conduzido por grupos de estudantes de acordo com os princípios da AC. A UC começou a ser lecionada no ano letivo 2008/2009 e atualmente é uma UC com 6 ECTS com 2,5 horas de aulas teórico--práticas e 0,5 horas de orientação tutorial.

Desde o início da sua lecionação optou-se por realizar a avaliação da UC através de um trabalho de grupo, organizado de acordo com os princípios do modelo Learning Together (Johnson & Johnson, 1999), que pressupõe que o trabalho é avaliado e classificado de acordo com critérios previamente disponibilizados aos estudantes. Posteriormente, tendo por base as autoavaliações e heteroavaliações dos alunos, podem-se introduzir elementos de diferenciação no que respeita às classificações individuais suscetíveis de fazer com que alguns estudantes possam ter uma classificação superior, igual ou inferior à atribuída ao trabalho. Em qualquer trabalho de grupo, com especial ênfase naqueles que são estruturados à luz da aprendizagem cooperativa, avaliar somente o resultado final do trabalho e atribuir a mesma classificação individual a todos os estudantes conduz, quase inevitavelmente, a frustrações por parte daqueles que trabalharam mais e a um sentimento de impunidade relativamente aos que parasitaram o esforço dos seus colegas (Laal et al., 2013). Daí a necessidade de se estabelecerem estratégias que visem avaliar de forma objetiva, tanto quanto seja possível, o investimento individual para o esforço coletivo e atribuir classificações em função dessa avaliação, uma problemática que tem sido objeto de investigação por parte da comunidade académica (Aranzabal et al., 2019; Kaufman et al., 2000).

2. Descrição da prática pedagógica

Os estudantes são informados no início do semestre sobre o modelo de aprendizagem cooperativa que será utilizado em IE e as razões que subjazem a essa escolha. São sublinhados os resultados das investigações já referidas que dão conta das vantagens da

AC por comparação com modelos competitivos e individualistas ao nível da aprendizagem de conteúdos, mas igualmente a oportunidade de serem desenvolvidas competências de trabalho de grupo que são particularmente importantes no âmbito do mercado de trabalho, especialmente no campo da educação. Nesta fase é necessário lidar com as resistências dos alunos ao trabalho de grupo que se centram, na grande maioria dos casos, na injustiça de uma classificação final idêntica atribuída a todos os membros do grupo, ignorando o investimento desigual que foi evidenciado ao longo do semestre. Nesta altura os estudantes são informados de que uma das vantagens da AC consiste na diferenciação de classificações suscetível de ocorrer por via do processo de auto e heteroavaliação que cada estudante deve realizar individualmente no final do semestre. Fica claro, desde o início, que os alunos que não fizerem o esforço que lhes compete realizar podem sofrer penalizações.

2.1. Objetivos e público-alvo

O objetivo principal da utilização das auto e heteroavaliações que os alunos obrigatoriamente têm que realizar consiste em atribuir classificações individuais que reflitam o investimento de cada aluno para o esforço coletivo, premiando aqueles que têm um desempenho que se destaca pela positiva e penalizando os que trabalharam aquém do que era esperado. Este aspeto é particularmente relevante porquanto os alunos que se encontram inscritos em mestrados em ensino estão-se a preparar para serem professores dos ensinos básico e secundário. Neste contexto, as questões de avaliação são particularmente importantes, pelo que se justifica recorrer a boas práticas suscetíveis de serem mobilizadas pelos estudantes no seu futuro profissional.

2.2. Metodologia

Na última aula do semestre, na qual são apresentados os trabalhos, cada aluno entrega a sua autoavaliação e avaliação dos seus colegas de grupo. O instrumento a partir do qual as avaliações são efetuadas é disponibilizado aproximadamente duas semanas antes da apresentação dos trabalhos porque não é nossa intenção que os estudantes se foquem excessivamente na avaliação em si mesma. Basta ser claro, no início do semestre, que essa avaliação vai ter lugar e que a mesma poderá ter impacto nas classificações individuais.

O processo que a seguir descrevemos segue de perto a proposta de Kaufman et al. (2000), embora com algumas adaptações. Cada estudante classifica-se a si próprio e aos seus colegas tendo por base uma avaliação qualitativa numa escala de oito pontos. Cada uma das alternativas é objeto de uma curta descrição que tem como objetivo operacionalizar cada categoria. Estas são Excelente, Muito Bom, Bom, Razoável, Sofrível, Medíocre, Mau e Péssimo. Por exemplo, Excelente corresponde à descrição “Trabalhou de uma forma que ultrapassou substancialmente o esforço que lhe competia na realização das tarefas”, Razoável a “Fez, frequentemente, o que era suposto fazer” e Péssimo a “Não participou em nada no trabalho de grupo”.

O passo seguinte consiste na avaliação dos trabalhos que são classificados numa escala de 0 a 20 valores. Esta classificação é convertida numa escala de 0 a 100 valores. As avaliações qualitativas dos alunos são, de seguida, convertidas numa escala de 0 a 100 valores de acordo com a seguinte métrica: Péssimo (0), Mau (14,3), Medíocre (28,6), Sofrível (42,6), Razoável (57,2), Bom (71,5), Muito Bom (85,8) e Excelente (100).

Numa folha de cálculo introduzem-se as avaliações numéricas recebidas pelos membros do grupo em colunas e a respetiva autoavaliação. Depois de preenchida folha devem-se calcular as médias individuais, a média global do grupo e os fatores de ajustamento. Estes últimos obtêm-se através da divisão da média individual pela média de grupo.

Para evitar oscilações excessivas nas classificações individuais deve-se impor um limite superior de 1,05 e um limite inferior de 0,53. O passo seguinte consiste em apurar as classificações individuais numa escala de 0 a 100 multiplicando a classificação do trabalho pelo coeficiente de ajustamento. O resultado final pode ser alterado no caso de se obterem valores anómalos. Por fim, converte-se a classificação de 0 a 100 numa classificação de 0 a 20.5 O instrumento tem uma parte qualitativa onde é pedido a cada aluno que faça uma apreciação sobre os seus colegas de grupo no que respeita à sua participação no trabalho. A avaliação individual final resulta, portanto, da ponderação de dois tipos de avaliação, uma de natureza quantitativa e outra de natureza qualitativa.

2.3. Avaliação

Embora não tenhamos mantido estatísticas precisas, em cerca de 50% dos casos existe uma diferenciação de classificações individuais por via do processo que descrevemos anteriormente. Por norma, os alunos que são melhor avaliados pelos seus pares obtêm mais 1 valor do que foi atribuído ao trabalho e nalguns casos os estudantes são avaliados com menos 2 ou 3 valores abaixo dessa classificação. Somente em duas ocasiões é que se verificaram reprovações. Desde o início do funcionamento de IE fomos contactados em três situações por estudantes que se sentiram prejudicados pela classificação que receberam. Nestes casos optámos por contactar os elementos dos grupos e pedimos-lhes que justificassem detalhadamente as suas avaliações. Em dois casos mantivemos as mesmas classificações finais e no terceiro subimos a nota inicialmente atribuída.

3. Resultados, implicações e recomendações

O recurso ao trabalho de grupo, em especial o que recorre à AC, constitui uma estratégia pedagógica que encerra grandes potencialidades, mas igualmente alguns desafios. Todavia, sempre que se recorre a este modo de trabalho pedagógico, isoladamente ou conjuntamente com outros, torna-se fundamental avaliar o investimento individual para o esforço coletivo sob pena de cometermos uma injustiça para com os alunos que se empenharam mais e de alguma forma pactuarmos com os estudantes que exploraram o trabalho dos seus colegas.

4. Conclusões

Julgamos ser possível concluir, com base numa experiência de quase 15 anos, que a estratégia de accountability que utilizamos tem sido uma experiência positiva. A grande maioria dos alunos considera que a sua classificação final em IE foi justa (ver Santos & Rodrigues, 2022) e o número de reclamações quanto à classificação obtida foi residual. Importa ter em conta, todavia, que a aplicação deste processo implica algum gasto de tempo e que o rácio professor-aluno terá que ser tomado em linha de conta, quer no que respeita à utilização de trabalhos de grupo, quer no que respeita ao processo de diferenciação de classificações.

5 O autor pode disponibilizar um ficheiro Excel, acompanhado de um conjunto de instruções sumárias, que realiza estes cálculos automaticamente. Tudo o que é necessário fazer é inserir as avaliações que os alunos fazem dos seus colegas e a sua autoavaliação.

5. Referências Bibliográficas

Aranzabal, A., Epelde, E., & Artetxe, M. (2019). Monitoring questionnaires to ensure positive interdependence and individual accountability in a chemical process synthesis following collaborative PBL approach. Education for Chemical Engineers, 26, 58-66. https://doi. org/10.1016/j.ece.2018.06.006

Arends, R. I. (1995). Aprender a ensinar. McGraw-Hill.

Bessa, N., & Fontaine, A. M. (2002). Cooperar para aprender: Uma introdução à aprendizagem cooperativa. Asa.

Johnson, D. W., & Johnson, R. T. (1999). Making cooperative learning work. Theory Into Practice, 38(2), 67-73. https://doi.org/10.1080/00405849909543834

Johnson, D. W., Johnson, R. T., & Smith, K. (2007). The state of cooperative learning in postsecondary and professional settings. Educational Psychology Review, 19(1), 15-29. https://doi. org/10.1007/s10648-006-9038-8

Kaufman, D. B., Felder, R. M., & Fuller, H. (2000). Accounting for individual effort in cooperative learning teams. Journal of Engineering Education, 89(2), 133-140. https://doi. org/10.1002/j.2168-9830.2000.tb00507.x

Kyndt, E., Raes, E., Lismont, B., Timmers, F., Cascallar, E., & Dochy, F. (2013). A meta-analysis of the effects of face-to-face cooperative learning. Do recent studies falsify or verify earlier findings? Educational Research Review, 10, 133-149. https://doi.org/10.1016/j.edurev.2013.02.002

Laal, M., Geranpaye, L., & Daemi, M. (2013). Individual accountability in collaborative learning. Procedia - Social and Behavioral Sciences, 93, 286-289. https://doi.org/10.1016/j.sbspro.2013.09.191

Santos, P. J., & Rodrigues, S. V. (2022). A utilização da aprendizagem cooperativa na formação inicial de professores: Uma investigação qualitativa. Revista Interuniversitaria de Formación del Profesorado, 98 (36.2), 189-206.

Shimazoe, J., & Aldrich, H. (2010). Group work can be gratifying: Understanding & overcoming resistance to cooperative learning. College Teaching, 58(2), 52-57. https://doi. org/10.1080/87567550903418594

Veenman, S., van Benthum, N., Bootsma, D., van Dieren, J., & van der Kemp, N. (2002). Cooperative learning and teacher education. Teaching and Teacher Education, 18(1), 87-103. https://doi. org/10.1016/S0742-051X(01)00052-X

This article is from: