
8 minute read
Riscos e Oportunidades de Um Sistema de Ensino e Avaliação Híbrido nas Ciências da
Saúde
Cristina de Mello-Sampayo ‡† Maria Cristina Marques ‡
Advertisement
‡ Departamento Farmácia, Farmacologia e Tecnologias em Saúde, Faculdade de Farmácia, Universidade de Lisboa, Portugal csampayo@ff.ul.pt
† Research Institute for Medicines (iMed.ULisboa), Faculty of Pharmacy, Universidade de Lisboa, Lisbon, Portugal mcmarques@ff.ul.pt Resumo
A COVID-19 impôs uma mudança repentina nos sistemas de ensino/aprendizagem. Este estudo tem como objetivo analisar a eficácia das aulas e avaliações dos alunos online, comparativamente ao modelo presencial, no contexto do ensino da “Fisiologia-Humana”, em 2018/19, 2019/20 e 2020/2021. A sala de aula virtual, foi adotada para todas as aulas apenas em 2019/2020 tendo funcionado num formato misto em 2020/21. As avaliações foram realizadas presencialmente (2019-46 alunos), online (2020-44 alunos) e misto em 2021 (teórico-prático online/teórico presencial-44 alunos). A taxa de aprovação prática foi de 91% e 96% nos anos 2020 e 2021. As médias da avaliação prática em 2020 foram iguais às de 2019 (15 valores). Com a mesma pool de perguntas mas aleatorizadas a média em 2021 foi de 12 valores. As taxas de aprovação e médias no exame teórico em 2020 (77% e 12 valores), foram superiores às de 2019 (20% e 10 valores) mas baixaram em 2021 (33% e 11 valores) comparativamente a 2020 apesar de superiores a 2019. Pode, pois, concluir-se, que o ensino online foi implementado com sucesso e que relativamente ao processo de avaliação contínua e final deverão privilegiar-se as avaliações no formato presencial pois desta forma evitam-se más práticas de conduta académica.
Palavras-Chave: Avaliação, Sistema híbrido, Aprendizagem.
1. Contextualização
A pandemia da COVID-19 impôs, em 2020, uma mudança repentina e a reorganização das práticas pedagógicas durante o período de confinamento.
O imposto impedimento de contacto presencial (por que todos passámos), obrigando a alteração, em contrarrelógio, das metodologias tradicionais de ensino e a sua transição para uma modalidade de ensino remoto, foi um acelerador de processos de inovação pedagógica e de avaliação. A infraestrutura tecnológica, nomeadamente as plataformas Moodle e Colibri Zoom, disponível na Universidade de Lisboa, constituiu o meio para ultrapassar o confinamento imposto, permitindo o funcionamento das unidades curriculares em modo de ensino à distância (e-learning). O recurso a estes sistemas/plataformas digitais de ensino/aprendizagem unicamente à distância trouxe aos docentes, bem como aos estudantes, enormes desafios, mas também grandes oportunidades de melhoria do processo de ensino-aprendizagem.
A sala de aula virtual apresentou-se, durante esta pandemia, como um dispositivo pedagógico que permitiu a transmissão de conteúdos teóricos, o desenvolvimento de tarefas e a aplicação de conhecimentos durante as aulas práticas, e até mesmo a avaliação dos conhecimentos e competências adquiridos, visando atingir um objetivo específico nomeadamente o ensino e a avaliação, de forma síncrona, mas à distância de um écran. Assim, as mudanças encetadas em resposta aos constrangimentos impostos pela pandemia, permitiram centrar mais o ensino no estudante bem como o reforço da autonomia destes, duas ideias preconizadas na Declaração de Bolonha de 1999.
Dependendo de como são implementadas as unidades curriculares nestes sistemas/ plataformas digitais de ensino, eles podem agravar ou ajudar a resolver não só o problema de fracasso académico, mas também a má conduta académica (Patrzek et al., 2014; Boca, 2021).
Como tal, a considerável disseminação do modelo de sala de aula virtual, assim como de modelos de avaliação online, exacerba a necessidade de avaliar a sua adequação ao contexto e perfil dos estudantes de áreas da saúde.
2. Descrição da prática pedagógica
O presente estudo incidiu sobre a unidade curricular de “Fisiologia Humana”, inserida no 2º semestre do 2º ano do Curso de Mestrado Integrado em Engenharia Biomédica e Biofísica da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa durante três anos letivos: o ano da pandemia (2020), o ano que antecedeu este evento (2019) e o seguinte (2021). Esta unidade curricular é ministrada há já alguns anos pelos docentes de Fisiologia Humana da Faculdade de Farmácia da mesma Universidade.
O plano de estudo contempla a alternância de aulas teóricas e teórico-práticas (TP). A aquisição e compreensão de referenciais teóricos, são consolidados nas aulas teóricopráticas aplicando conhecimentos e desenvolvendo tarefas orientadas para a realização de uma atividade específica envolvendo simulações computacionais de modelos fisiológicos. Antes das aulas TP se realizarem é dado acesso aos estudantes, via plataforma Moodle, ao manual das aulas TP bem como a informação teórica de suporte para a realização das tarefas e problemas a resolver autonomamente, de preferência antes da aula TP.
2.1. Objetivos e público-alvo
Este estudo tem como objetivo analisar a eficácia do modelo presencial (ano lectivo de 2018/2019) comparativamente ao modelo de aulas (teóricas e TP) à distância, ministradas de modo síncrono (online via Zoom) e assíncrono (aulas teóricas gravadas previamente e disponibilizadas na plataforma Moodle) bem como o modelo online de avaliação dos alunos, no contexto da Faculdade de Farmácia, Universidade de Lisboa.
O estudo incidiu sobre a unidade curricular (UC) de Fisiologia Humana do 2º ano do Curso de Mestrado Integrado em Engenharia Biomédica e Biofísica da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, nos anos lectivos alvo deste estudo 2018/19, 2019/20 e 2020/2021.
Nestes anos os alunos matriculados nesta UC foram 46, 44 e 51 alunos, respetivamente.
2.2. Metodologia
No modelo de ensino à distância, a sala de aula virtual, digitalmente apoiada pelas plataformas Moodle e Colibri Zoom, foi implementada nas aulas teóricas e teórico-práticas apenas do ano lectivo 2019/2020 em resposta à situação pandémica. Neste modelo a preocupação foi de manter o mesmo número de horas de contacto, apesar de à distância de um ecrã. No ano 2018/19 o ensino foi todo presencial enquanto durante o ano lectivo de 2020/21 foi adotado o modelo de ensino misto tendo metade das turmas frequentado as aulas, quer as teóricas como as TP, alternadamente em cada semana, num formato presencial ou à distância. Neste modelo misto a preocupação foi manter o número de horas de contacto idêntico apesar dos estudantes não irem todas as semanas à faculdade (fig.1).
46 alunos matriculados sistema p r e s e n c i a l
Aferição 46 alunos
P R E S E N C I A L
44 alunos matriculados
Sala aula o n l i n e (Plataforma Z oom)
Aferição 44 alunos O N L I N E (plataforma M oodle )
51 alunos matriculados sistema s e m ip r e s e n c i a l (Plataforma Zoom)
Aferição 44 alunos M I S T A (TP – online (M oodle ) Teórica - presencial)
As matérias ministradas, quer teóricas quer teórico-práticas foram as mesmas nos três anos lectivos, tendo, particularmente as aulas teórico-práticas, de ter sido adaptadas ao ensino à distância. Estas consistem em simulações computacionais de modelos fisiológicos propostas aos alunos, que no contexto de um ensino à distância e por não se encontrarem nalguns casos disponíveis para os alunos, foram previamente efetuadas e disponibilizadas pelos docentes.
2.3. Avaliação
As competências adquiridas nas aulas teórico-práticas foram aferidas através de dois testes teórico-práticos realizados durante o semestre e eliminatórios, no caso de a média ser inferior a 9,5 valores na escala de 0 a 20. A nota final da unidade curricular resultou da nota do exame final teórico e da nota teórico-prática com um peso de 60% e 40%, respetivamente. Estas avaliações foram realizadas presencialmente em 2019, online (numa na plataforma de e-learning baseada no Moodle) em 2020 e num sistema “misto” em 2021, composto por testes teórico-práticos online, com a mesma pool de perguntas mas aleatoriza, e exame final teórico presencial (fig.1). O número de alunos sujeitos a avaliação foi de 46, 44 e 44 respetivamente nos anos lectivos de 2018/19, 2019/20 e 2020/21.
3. Resultados, implicações e recomendações
Os estudantes durante o ano pandémico e seguinte revelaram, com agradável surpresa, uma elevada adesão às sessões síncronas desta UC. Isto é, apesar das aulas teóricas serem facultativas os estudantes estiveram presentes em maior número no formato de aula remoto, tendo nelas participado mais ativamente, comparativamente ao ensino teórico presencial. Poderá dizer-se que o modelo de ensino à distância/misto transformou o contexto de ensino/aprendizagem num sistema mais dinâmico e interativo quando comparado ao modelo presencial em sala de aula, habitualmente utilizado e retomado em modo misto no ano seguinte.
Os resultados, nomeadamente a taxa de aprovação nos testes teórico-práticos de aproximadamente 91% e 96% nos anos 2020 e 2021, respetivamente, (fig.2) parecem sugerir que o ensino online implementado durante o ano pandémico (2020) não terá comprometido o processo de aprendizagem e aquisição de competências. Além disso a média e a mediana da avaliação de 15 valores, registada em 2020, são iguais às registadas em 2019 quando o ensino e avaliação ocorreram em formato presencial. No ano de 2021 em que foi implementado o modelo de sala misto registou-se um decréscimo na média de avaliação, menor em 3 valores. No entanto, esta diminuição pode dever-se à implementação da ferramenta de aleatorização das perguntas do teste durante o ano de 2021 e sugerir, portanto, a redução de práticas de má conduta académica na avaliação teórico-prática, já que com a mesma pool de perguntas utilizadas em 2020 a média e mediana dos resultados de avaliação foram mais baixos em 2021 (12 valores).
Resultados da avaliação teórico-prática conduzida em ambiente online comparativamente à avaliação presencial. Os dados de aferição estão apresentados na forma de médias ± DP. O número de alunos aferidos (n) foi de 46, 44 e 44 para os anos 2019, 2020 e 2021, respetivamente.
Quando o ensino teórico é aferido, mais uma vez os resultados parecem sugerir o sucesso do ensino online implementado durante o ano pandémico (2020) com taxas de aprovação de 77% associadas a médias e medianas de aproximadamente 12 valores (fig.3), bem superiores às taxas de aprovação de 20% e médias/medianas de avaliação de cerca de 10 valores (2019). No entanto, ao analisar os dados do ano seguinte em que se retomou o formato presencial no ensino, contudo misto, e presencial na avaliação teórica, a taxa de aprovação (33%) recua novamente apesar de 13% superior comparativamente a 2019, ano em que o modo de ensino foi apenas presencial, estando esta taxa associada a uma média, e mediana, de aprovação de 11 e 12 valores, respetivamente (fig.3).
Resultados da avaliação teórica conduzida em ambiente online comparativamente à avaliação presencial. Os dados de aferição estão apresentados na forma de médias ± DP. O número de alunos aferidos (n) foi de 41, 44 e 44 para os anos 2019, 2020 e 2021 respetivamente
Torna-se, portanto, evidente que durante o ensino online de 2020 os resultados de aferição melhoraram, no entanto, este sucesso poderá ter sido falseado pela avaliação menos rigorosa que o ambiente online poderá propiciar aos alunos.
4. Conclusões
Em conclusão, a pandemia apresentou-se como um momento inédito, difícil para muitos, que privilegiou o recurso a tecnologias digitais por parte de docentes bem como de estudantes. O ensino teórico e teórico-prático à distância da unidade curricular de Fisiologia Humana com recurso a plataforma Colibri Zoom, foi implementado com sucesso no ano da pandemia a COVID-19 como o evidenciam os resultados obtidos. A pandemia propiciou assim, uma aceleração na aprendizagem por parte dos docentes e dos alunos na utilização de tecnologias digitais que se revelaram ser muito úteis e eficazes.
Estas ferramentas poderão ser utilizadas no futuro para promover um ensino/aprendizagem misto, simultaneamente presencial e à distância, o que poderá vir a facilitar a participação de alunos que de outro modo não teriam acesso ao mesmo e que, adicionalmente, fomentem nos alunos uma maior responsabilidade na gestão do tempo de estudo e na avaliação do seu sucesso através de sistemas que permitam uma auto-avaliação regular [Boca, 2021; Aladwan et al., 2018].
Contudo, apesar dos alunos preferirem os momentos de avaliação em formato à distância [Boca, 2021], deverão continuar a privilegiar-se, sempre que possível, os momentos de avaliação prática e teórica, no formato presencial por este permitir um maior rigor na aferição dos conhecimentos adquiridos.
5. Referências Bibliográficas
Aladwan, F., Fakhouri, H. N., Alawamrah, A., & Rababah, O. (2018). Students Attitudes toward Blended Learning among students of the University of Jordan. Modern Apllied Science, 12, 217227. https://doi.org/10.5539/mas.v12n12p217
Boca, G. D. (2021). Factors Influencing Students’ Behavior and Attitude towards Online Education during COVID-19. Sustainability, 13, 7469. https://doi.org/10.3390/su13137469
Patrzek, J., Sattler, S., van Veen, F., Grunschel, C., & Fries, S. (2014). Investigating the effect of academic procrastination on the frequency and variety of academic misconduct: A panel study. Studies in Higher Education, 40, 1014-1029.