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Inventado há 31 anos, o Peer-Instruction mudou para sempre a minha forma de leccionar
‡ Laboratório de Instrumentação, Engenharia Biomédica e Física da Radiação (LIBPhys-UNL), Departamento de Física, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, Monte de Caparica, 2892-516 Caparica, Portugal fto@fct.unl.pt Resumo
Aqui é descrita e analisada a implementação parcial do método Peer-Instruction numa unidade curricular de introdução à Física, leccionada na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. No estudo, participaram 377 alunos divididos em dois grupos: grupo I, 43 alunos com aulas leccionadas usando o método Peer-Instruction; grupo II, 334 alunos com aulas tradicionais expositivas. Os resultados do Force Concept Inventory mostram que, no início do semestre, 86% dos alunos do grupo I não compreendiam os conceitos de Física Newtoniana, mas no final do semestre, este número caiu para 49%. Os alunos do grupo I tiveram uma taxa de sucesso superior aos do grupo II; 86% e 65%, respectivamente. A média das classificações finais dos alunos do grupo I foi quase um valor superior à média das classificações finais dos alunos do grupo II; 13,6 e 12,7, respectivamente. Os resultados aqui apresentados estão em linha com os estudos publicados ao longo de 31 anos, onde se apresentam fortes evidências dos benefícios que o método Peer-Instruction tem no processo de aprendizagem dos alunos.
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Palavras-Chave: Peer-Instructon, Aprendizagem Activa, Aula Invertida.
1. Contextualização
Em 1996, comecei a leccionar, na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT-UNL), unidades curriculares (UC) de introdução à Física (Física I e III). Apesar do meu esforço e dedicação na preparação das aulas para que os tópicos abordados fossem mais acessíveis e interessantes, verifiquei que os temas cuidadosamente expostos nas aulas não eram minimamente compreendidos pelos estudantes. As taxas de reprovação crónicas a rondar os 50% mantinham-se. Para tentar alterar esta situação, durante anos, implementei diversas alterações pontuais na forma como exponha as matérias e nos vários métodos de avaliação (modelo e frequência). Nada parecia funcionar.
Em 2012, pouco antes do início do 2º semestre, através de um artigo publicado na página do NPR National Public Radio (https://text.npr.org/144550920), fiquei a conhecer o método Peer Instruction, desenvolvido em 1991 pelo professor Eric Mazur da universidade de Harvard. Ainda nesse 2º semestre, consegui implementar, embora parcialmente, o novo método na UC Física I.
2. Descrição da prática pedagógica
O Peer-Instruction é um método de aprendizagem activa (Active Learning) que se foca na compreensão dos conceitos. Por isso, não se baseia na tradicional exposição da matéria. Tal como na Aula Invertida (Flipped Classroom), antes de cada aula, os alunos devem conhecer as matérias que aí vão ser discutidas, através da leitura do livro de texto e/ou da consulta de outros materiais indicados pelo professor. Antes, ou no início de cada aula, cada aluno realiza um Questionário de Leitura (QL) com o intuito de aferir se as actividades pré-aula foram realizadas. O tempo de aula é dividido em blocos de 15 a 20 minutos, onde se aborda um único tópico.
2.1. Objetivos e público-alvo
O modelo Peer-Instruction foi implementado nos três turnos teórico práticos da UC de Física I (Mecânica Newtoniana), por mim leccionados, durante o 2º semestre do ano lectivo de 2011/12. Cada turno tinha ca. 70 alunos inscritos. Pretendeu-se adoptar um modelo que, em contextos idênticos, criou as condições para que os alunos compreendessem efectivamente os conceitos fundamentais da Física Newtoniana e, desta forma, melhorarem os seus resultados académicos.
2.2. Metodologia
O método Peer-Instruction é um método desenhado para ajudar o estudante a compreender verdadeiramente os conceitos de Física. Neste método, não existe a tradicional exposição da matéria. À semelhança da Aula Invertida, os alunos devem estar minimamente familiarizados com as matérias que vão ser discutidas em cada aula. Por isso, os alunos têm de se preparar para cada aula realizando as actividades indicadas pelo professor: leitura do livro de texto; visualização de vídeos; consulta de outros materiais sugeridos pelo professor.
Antes, ou no início de cada aula, cada aluno realiza um Questionário de Leitura (QL) com o intuito de aferir se as actividades de preparação foram realizadas.
O tempo de aula é dividido em blocos de 15 a 20 minutos. Em cada bloco aborda-se apenas um tópico. Cada bloco é dividido como indico de seguida.
(7-10 min) Breve exposição do tópico por parte do professor para complementar o material disponibilizado aos alunos. Os conceitos são enfatizados evitando, sempre que possível, equações e demonstrações teóricas. Por vezes, usam-se demonstrações experimentais.
(1 min) É colocada uma questão conceptual de resposta de escolha múltipla aos alunos. Esta, deve respeitar os seguintes critérios: a) Focar um único conceito; b) Não pode ser resolvida usando uma equação; c) Texto sem ambiguidades; d) Nem muito fácil nem muito difícil.
(1-2 min) Cada aluno regista a resposta que considera correcta. De seguida, em pequenos grupos, os alunos discutem as respostas que cada um considera a correcta. Esta é a etapa que dá o nome ao método (Peer-Instruction). Estas discussões são uma óptima oportunidade para o professor descobrir as verdadeiras dificuldades dos alunos. Muitas vezes, detectam-se falhas de compreensão ou de raciocínio que de outra forma não seria possível. Pontualmente, o professor participa em algumas destas discussões colocando questões que orientam os alunos para raciocínios alternativos que, eventualmente, os ajudarão a mudar de opinião e/ou a solidificar um conceito já suficientemente compreendido.
(1 min) Após o debate, todos os alunos devem indicar a sua resposta em simultâneo através de uma sondagem. A simultaneidade das respostas é muito importante para garantir que a resposta de alguns não influencie a escolha de outros. O método de sondagem mais simples consiste na utilização de cartões, cada um com uma letra correspondente às respostas possíveis. No início da sondagem, cada aluno mostra o cartão com a letra correspondente à resposta que considera correcta. Desta forma, facilmente o professor fica com uma ideia bastante precisa das respostas que são dadas.
(ca. 2 min) No final de cada bloco, o professor justifica a resposta correcta, centrando-se essencialmente nas dificuldades que foram detectadas durante a discussão.
Quando menos de 90% dos alunos não acerta na resposta, coloca-se uma nova questão conceptual que aborde o mesmo conceito.
Nas três turmas teórico práticas por mim leccionadas, o método Peer-Instruction foi parcialmente implementado, porque não houve tempo para organizar e preparar os QL. Sendo assim, a implementação do método centrou-se exclusivamente na gestão do tempo de aula de acordo com os passos acima mencionados.
As questões conceptuais utilizadas nas aulas basearam-se nas publicadas em (Mazur, 1997). Para responderem às questões, os alunos usaram cartões com letras.
2.3. Avaliação
Para avaliar o impacto da metodologia, usei um teste diagnóstico de conceitos sobre forças (Force Concept Inventory, FCI) e as classificações finais dos alunos na UC.
O FCI permite estabelecer três níveis de compreensão das noções básicas da Mecânica Newtoniana: Nível A, compreensão efectiva; Nível B, compreensão rudimentar; Nível C, compreensão inexistente.
O FCI utilizado foi uma adaptação do publicado em (Mazur, 1997). Este teste foi realizado na primeira e última aula do semestre.
Neste estudo, participaram 337 alunos divididos em dois grupos: grupo I, compreende os 43 alunos que realizaram os dois FCI e que fizeram pelo menos uma das provas de avaliação (4 testes e/ou exame de recurso); grupo II, os restantes 334 alunos que tiveram aulas tradicionais expositivas.
3. Resultados, implicações e recomendações
Os resultados do primeiro FCI (Figura 1), indicaram que no início do semestre: 86% dos estudantes não compreendia os conceitos de Mecânica Newtoniana (Nível C); só 9% tinha uma compreensão rudimentar dos mesmos (Nível B); e apenas 5% tinha uma compreensão efectiva das noções básicas da Mecânica Newtoniana (Nível A).
No final do semestre, os alunos no nível C baixou para 49%, tendo aumentado para 44% os do Nível B e para 7% os do Nível A.
Nenhum dos alunos que terminaram o semestre nos níveis A ou B reprovou na UC. Já 14% dos alunos que no final do semestre ainda se mantinham no nível C reprovou. Assim, a taxa de sucesso dos alunos do grupo I, os que tiveram aulas segundo o método Peer-Instruction, foi de 84%. A taxa de sucesso dos restantes alunos (grupo II) foi de 65%. A média das classificações finais para os alunos do grupo I que tiveram aprovação na UC foi 14.7, 13.7 e 13.3, para os níveis A, B e C, respectivamente. Fazendo com que a média das classificações finais dos alunos do grupo I seja de 13.6 valores. Já a média das classificações finais dos restantes alunos aprovados (do grupo II) foi de 12.7 valores (ver Figura 2).
Embora o método tenha sido parcialmente implementado, foi possível identificar alguns pontos positivos e negativos do Peer-Instruction.
Figura 1
Resultados do FCI realizado na primeria aula (início) e na última aula do semestre (fim). O FCI agrupa os alunos em três níveis de compreensão dos conceitos de Mecânica Newtoniana: Nível A, compreensão efectiva; Nível B, compreensão rudimentar; Nível C, compreensão inexistente
Pontos positivos: Os alunos apreendem melhor os conceitos e melhoram a sua capacidade de argumentação; os alunos resolvem os problemas com maior facilidade; as aulas são mais dinâmicas, sempre diferentes e inesperadas; o professor consegue detectar dificuldades ocultas; as aulas parece terem realmente impacto positivo na aprendizagem dos alunos.
Pontos negativos: Resistência à mudança por parte da instituição e dos docentes; Resistência à mudança por parte dos alunos, quando os benefícios e funcionamento do Peer-Instruction não lhes são devidamente apresentados e justificados; As aulas são sempre diferentes e inesperadas o que requer uma preparação diferente, tanto do professor como do aluno; Se não forem tomadas medidas adequadas, há sempre o risco da aula ficar descontrolada; Mais trabalho para o professor e alunos; Uma vez experimentando, é impossível voltar atrás.
Figura 2
Classificações finais na UC por grupos. Cada barra indica a percentagem de alunos, num determinado grupo, que teve ou não aproveitamento na UC. Sem PI, identifica os alunos do grupo II, os que não tiveram aulas segundo o método Peer-Instruction. No topo de cada coluna está a nota média dos alunos aprovados no grupo correspondente

4. Conclusões
Embora o método Peer-Instruction tenha sido parcialmente implementado, os benefícios no processo de aprendizagem dos alunos parece serem evidentes. Os alunos que tiveram aulas de acordo com o método Peer-Instruction obtiveram melhores taxas de aproveitamento e, a média das suas classificações foi superior em quase um valor à dos restantes.
O Peer-Instruction é um método de ensino que foi desenvolvido por um Físico para leccionar aulas de Física. No entanto, ao longo destes 31 anos, já foi implementado com sucesso noutras disciplinas como a Filosofia, Psicologia, Geologia, Biologia, Engenharia, Ciências da computação e Matemática.
O Peer-instruction veio para ficar.
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