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Desenvolvimento de modelo pedagógico para a Inovação e a Criatividade no âmbito da Comunicação Audiovisual
Mónica Silva Santos †
Vera Cristina Ribeiro †
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† ID+/ FBAUP - IPC cmssantos@esec.pt
† NICSH / IPC veraribeiro@esec.pt
Resumo
O trabalho apresentado relata um estudo de aplicação de métodos e ferramentas para a promoção da criatividade e do pensamento crítico ao nível do ensino superior em contexto de sala de aula no curso de Comunicação e Design Multimédia da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra.
O processo aplicado procura identificar técnicas inovadoras de promoção da criatividade na prática pedagógica e a sua aplicabilidade no domínio educativo, e contribuir para o desenho de processo de ensino e aprendizagem no âmbito da comunicação audiovisual.
A aplicação e análise destas técnicas facilitadoras permitiu concluir, com base na observação e contributos favoráveis dos alunos, que a criatividade é ampliada através da adequação de práticas pedagógicas mais ativas e da transformação do papel do docente para facilitador promovendo a autonomia e o protagonismo dos alunos. Os resultados demostraram também que é na fase da definição do conceito, que a dificuldade é notória pelo tempo dedicado a esta fase ser largamente superior às fases seguintes e durante a qual os alunos manifestaram sentir-se mais inseguros e dispersos. A adoção destes métodos torna o desenvolvimento do trabalho mais colaborativo, a prática docente mais interessante e a aprendizagem mais eficaz.
Palavras-Chave: Criatividade, Inovação, comunicação audiovisual, práticas pedagógicas
1. Contextualização
A utilização das ferramentas de inovação e criatividade são critérios presentes em variadas metodologias com foco em práticas pedagógicas nos diferentes níveis de aprendizagem.
É importante refletir sobre a definição e importância dessas ferramentas para promover o seu uso no ensino superior. A criatividade capacita as pessoas a gerar soluções adequadas e inovadoras para resolver diferentes desafios (Brito et al., 2009).
A criatividade manifesta-se sob a forma de ideias na mente humana, enquanto a inovação atribui valor à criatividade, reforçando a qualidade das ideias no que se refere à sua materialização. (Hernández et al., 2015) definem ”inovação, que é a capacidade de implementar estas ideias de uma forma diferente”. Portanto, a criatividade e a inovação não são sinônimas, uma vez que a primeira resulta de um fluxo de ideias geradas pelo pensamento, e a segunda envolve a execução dessas ideias. Tratando-se de competências diferentes, um mesmo indivíduo poderá ter ambas de forma relativamente equitativa, mais presente na sua personalidade ou apenas uma mais evidente que a outra. Embora algumas pessoas tenham mais facilidade em exercer as suas habilidades criativas, esta pode ser desenvolvida e aprimorada com a prática de exercícios e técnicas.
Atualmente, no ensino superior, especialmente na comunicação audiovisual e nas suas diferentes unidades curriculares, há uma diminuição do pensamento criativo em contexto de sala de aula. Isto é causado pela redução da capacidade cognitiva provocada pelo acesso excessivo à informação e à utilização de conteúdos, que são entregues aos discentes de uma forma fragmentada, sem a profundidade, a abrangência e o pormenor necessários ao desenvolvimento de um pensamento crítico e criativo. Isto, combinado com a falta de planeamento do projeto e à distribuição ineficaz do tempo despendido entre a definição de um conceito sólido e fundamentando, e o tempo dedicado à operacionalização ou materialização da ideia, resulta na falta de originalidade e à fraca fundamentação das ideias geradas.
A comunicação audiovisual, através da sua linguagem única de texto, vídeo, som e imagem procura desenvolver conteúdos criativos com o objetivo de partilhar conhecimento e informação dos diferentes agentes sociais. Neste estudo, apresentámos um modelo sequencial de técnicas facilitadoras que, no contexto de aprendizagem permitem criar espaços de exploração colaborativos, proporcionando o desenvolvimento de capacidades e competências que favorecem a criatividade e a inovação.
2. Descrição da prática pedagógica
Em 2019, a União Europeia declarou o Ano Europeu da Criatividade e Inovação com o objetivo de aumentar a consciencialização sobre a sua importância no dia-adia. É necessário estimular o pensamento criativo, cujo papel é fundamental para o desenvolvimento económico da Europa e bem-estar social e individual dos seus cidadãos. Promover a criatividade ao nível do ensino superior é um problema complexo e, encerra em si outros problemas, os quais a alteração de determinadas práticas pedagógicas só por si não resolvem. No entanto importa refletir e alterar algumas metodologias de forma a contribuir para uma melhoria do pensamento criativo no ensino superior. Até meados dos anos 80, muitos autores estudavam a criatividade da perspetiva da abordagem psicológica, mas na década de 1980, a abordagem pragmática de Edward Bono trouxe uma transformação significativa na forma como a criatividade era vista, ao desenvolver técnicas que estimulam a produção de ideias inovadoras e originais de forma colaborativa. É fundamental ter conhecimento das capacidades do pensamento criativo, mas outros fatores são fundamentais no processo criativo, como o ambiente, o contexto sociocultural, circunstâncias de vida, entre outros. Neste sentido, são adotados métodos que permitem o estímulo da capacidade criativa dos alunos em contexto de sala de aula no âmbito das unidades curriculares, em especial da área da comunicação audiovisual, utilizando modelos criativos e que envolvem três etapas de fundamental relevância: a inspiração, a ideação e a implementação. Na fase de inspiração ou imersão (fase de auscultação) o aluno deverá ser capaz de identificar de claramente o problema ou a oportunidade de inovação, elaborar de um briefing que sirva de guia para o desenvolvimento do processo e observar o público-alvo para o qual se procura soluções, preferencialmente em contexto real. Para isso o aluno tem à disposição técnicas facilitadoras, que lhe permitem criar empatia com o utilizar e identificar espaços para a inovação. Algumas dessas técnicas são emprestadas de outras áreas do conhecimento, nomeadamente a criação de mapas de inspiração, observação de tendências, mapa de stakeholders, entrevistas, desenvolvimento de personas, mapas de jornadas, entre outros. Na fase seguinte, a ideação ou experimentação (fase de criação), são promovidos workshops de brainwriting, brainsketching, confrontos semânticos, além da construção de protótipos rápidos e da realização de testes aos conceitos desenvolvidos. A fase de implementação (fase de apresentação) é o momento de visualização dos conceitos e da apresentação através de ferramentas como o storytelling, storyboarding e protótipos de alta-fidelidade. Todo este processo é um processo iterativo, holístico, colaborativo e centrado no humano.
A prática criativa deve interligar o elemento “pensar” ao “fazer”, por isso é fundamental dotar os alunos de instrumentos e ferramentas que facilitem o desenvolvimento de competências capazes de dar resposta aos problemas atuais nas diferentes áreas do conhecimento.
2.1. Objetivos e público-alvo
O objetivo deste trabalho consiste em identificar e aplicar algumas das técnicas facilitadoras da criatividade e inovação existentes em contexto de sala de aula. Estas técnicas possibilitam dotar o aluno de ferramentas e competências que promovem a autonomia criativa, tendo como consequência o aumento da capacidade de argumentação e posterior justificação do trabalho inovador desenvolvido de forma fundamentada. O público alvo consiste em alunos do curso de Licenciatura de Comunicação e Design Multimédia da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra.
2.2. Metodologia
A metodologia aplicada foi uma metodologia com um caráter fundamentalmente qualitativo, que pela proximidade do investigador, o ponto de vista do participante e a compreensão do contexto, possibilita um melhor entendimento do universo da população em questão, neste caso os estudantes da Escola Superior de Educação de Coimbra, em diferentes unidades curriculares da área do Design e Audiovisual do curso de Comunicação e Design Multimédia.
Procurou-se definir, de forma clara para os estudantes, propostas de trabalho com três fases distintas do processo criativo. A primeira fase, a fase da ideação, tem como objetivo identificar padrões e conhecer o contexto cultural, social, económico, etc.; i.e., conhecer o público e as suas necessidades. É nesta fase que, através da construção de representações visuais se identificam oportunidades para a mudança.
Desenvolve-se inicialmente uma pesquisa de meios, como forma de validar o trabalho desenvolvido. Promove-se um levantamento, seleção e análise de conteúdos relacionados com o tema e relevantes para a compreensão do objeto de estudo, além de permitir o desenvolvimento de um enquadramento teórico que fundamente as opções tomadas posteriormente.
A realização de um mapa de intervenientes (fig. 1) permite aos alunos conhecer todos os intervenientes que influenciam ou são influenciados pelo processo, e a evitar que potenciais interessados fiquem esquecidos. No centro estão os intervenientes mais importantes e ao largo os que têm menos relevância no processo. Os envolvidos num problema complexo têm interesses distintos e perspetivas que chegam a ser mesmo antagónicas relativamente ao tema, neste sentido esta ferramenta vai permitir relacionar os diferentes intervenientes e criar sinergias entre eles, ou reconhecer relações potencialmente conflituosas. A representação visual fornece uma visão holística e a categorização permitindo definir relações, possíveis contribuições a atividades.
Uma ferramenta muito útil para visualizar tendências e outras referências é o mapa de inspiração (fig.2), que consiste na recolha de imagens relacionadas com o projeto e o tornam mais intuitivo. Com esta estratégia consegue-se uma abstração do pensamento lógico e crítico, e de apenas permitir procurar inspiração ao navegar através das imagens. As imagens recolhidas devem refletir os valores, crenças e gosto do tema do projeto. O mapa desenvolve-se através da seleção e manipulação das imagens mais interessantes e inspiradoras e na sua organização numa grelha.

Além da aplicação destas ferramentas também é possível o desenvolvimento de mapas de jornadas, uma ferramenta mais adequada ao desenvolvimento de projetos relacionados com um serviço; personas, que permitem uma identificação do grupo de utilizadores que partilham os mesmo objetivos, atitudes e comportamentos na interação com o produto ou serviço; entre outras.
Depois da fase de imersão, segue-se a fase da ideação abrange um processo de síntese durante o qual se faz uma seleção do que se observou e aprendeu. Nesta fase, o processo começa normalmente com um brainstorming/brainsketching no qual se procura identificar conceitos-chave e outros que gravitam em torno destes, e a criar relações entre os diferentes conceitos e áreas de atuação para se determinar possíveis diálogos. Os conceitos podem ser escritos ou desenhados. A apresentação de ideias e conceitos visuais ajuda a comunicar mais rápida e eficazmente (Kumar, 2013), facilitando a compreensão, discussão e comunicação de ideias abstratas ou ambíguas quando descritas apenas por palavras. Nas sessões de brainstorming/brainsketching não há censura, não há certo ou errado. Os participantes exploram livremente os conceitos que surgem na sua mente e criam relações entres eles. Começa-se com um novo tópico, uma questão ou imagem, e todos podem contribuir e construir sobre as ideias dos outros.
Os esboços ou desenhos experimentais (fig.3) são uma parte muito importante do processo criativo. O desenho é um processo natural, fluido que pela sua capacidade de nos ajudar a perceber a realidade, a interpretar contextos, a pensar, testar e comunicar resultados é uma ferramenta imprescindível à criatividade (Tschimmel, 2018). No decorrer do processo criativo a visualização de alguns conceitos ambíguos através do desenho permite reduzir a subjetividade e a incorreta interpretação das ideias.


Posteriormente a esta ferramenta, são normalmente realizados protótipos de baixa fidelidade. Um protótipo de baixa fidelidade é uma versão preliminar e simplificada de um produto, sistema ou serviço e que permite testar a eficácia do conceito desenvolvido com o objetivo de validar as ideias ao longo do processo criativo. A intenção de do protótipo é tornar as ideias tangíveis e reais para o público alvo a baixo custo, a deteção de eventuais erros e recolher feedback dos utilizadores. Durante esta fase também são normalmente utilizadas outras ferramentas como os confrontos semânticos e analogias. Na 3ª fase, a fase da Implementação é um momento de apresentar os conceitos desenvolvidos na fase da ideação. Alguns dos modelos visuais incluem o storyboard, storytelling e protótipos de alta fidelidade, e tem como principal objetivo a disseminação do processo de investigação e dar a perceber aos potenciais “clientes” de forma intuitiva o conceito apresentado. O storytelling consiste na apresentação oral acompanhada de suportes visuais como fotografias ou ilustrações que tornam a comunicação mais emocional e mais atrativa. O protótipo (fig.4) final pretende simular a experiência estética e a funcionalidade e contribuir para a solução final. Evidenciamos que este processo não deve ser linear, e é necessário a iteração e reformulação constante ao longo do processo para responder às necessidades reais de uma forma mais focada e detalhada, no desenvolvimento de produtos multimédia e audiovisual.

2.3. Avaliação
A metodologia utilizada para aferir os resultadas da aplicação deste modelo teve como base a observação e feedback em contexto de aula durante o processo, o que permitiu identificar pontos fortes e pontos fracos do processo criativo. É também realizada uma avaliação das soluções criadas, com base na qualidade gráfica e concetual, e na pertinência do resultado final. Sempre que os projetos são realizados com um parceiro externo à escola, a satisfação e aceitação do trabalho também é contabilizado para efeitos de avaliação.
3. Resultados, implicações e recomendações
Com este estudo, procuramos promover a participação do aluno não só na apresentação de uma resposta criativa para um problema ou enunciado, mas também na identificação do próprio problema desde uma fase inicial do processo, assim como do seu contexto e principais intervenientes.
Desta forma os alunos participam na construção de ferramentas pedagógicas, através de um grau de envolvimento profundo dando-lhes uma sensação de propriedade que estimula a criatividade e a inovação. Simultaneamente promove o empenho e a motivação, consequência do sentimento de coautoria que se desenvolve e reduz a insegurança que se manifesta pelo carácter mais volátil e ambíguo relacionado com o conceito de criatividade. No âmbito da atividade da docência, trazer os alunos para a participação na construção de ferramentas pedagógicas é permitir criar soluções direcionadas para as suas necessidades reais como discentes participando numa criação mais ajustadas à contemporaneidade.




Identificamos alguns obstáculos que merecem a nossa atenção, como a dificuldade da medição do impacto destas iniciativas, e da gestão dos diferentes intervenientes e participantes pelo que que é fundamental a criação de critérios de medição do impacto destas práticas, até para aumentar o nível de aceitação das mesmas noutros contextos do ensino superior.
É necessário o docente alterar o seu papel para o papel de facilitador, e procurar diminuir a sua intervenção em determinados momentos e fases do processo de inovação, dando espaço à autonomia e atitude proactivo do aluno. O facto de os alunos estarem formatados para uma atitude passiva, dificulta a sua participação livre de preconceitos e ideias préconcebidas nas diferentes fases do processo. Realçamos que as distintas características e variedade de linguagens da comunicação audiovisual, também podem revelar-se um obstáculo nas diferentes fases.
4. Conclusões
Este trabalho refere a aplicação de métodos e ferramentas de inovação e criatividade no desenvolvimento de projetos no âmbito da multimédia e audiovisual no ensino superior. As principais ferramentas utilizadas pretendiam dotar os alunos de conhecimento e competências para o desenvolvimento de forma autónoma e sustentada de eventuais soluções criativas no âmbito das unidades curriculares do curso de Comunicação e Design Multimédia.
Apesar de identificarmos alguns obstáculos, que é necessário ultrapassar promovendo a aplicação de mais práticas pedagógicas semelhantes para procurar eliminá-las, os produtos resultantes e as declarações dos alunos permitem-nos afirmar que a aplicação destes modelos pedagógicos são uma forma eficaz de promover a criatividade e de lidar com os bloqueios criativos dos alunos do ensino superior ao mesmo tempo que promove a motivação, empenho e autonomia.
5. Referências Bibliográficas
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Kumar, V. (2013). 101 design methods. John Wiley & Sons.