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Promovendo a Aprendizagem e a Saúde com Challenge Based Learning

Mário Alexandre Gonçalves Lopes ‡

Ana Rita Vieira Pinheiro †

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‡ Instituto de Biomedicina (iBiMED), Escola Superior de Saúde da Universidade de Aveiro (ESSUA). mariolopes77@ua.pt

† Instituto de Biomedicina (iBiMED), Escola Superior de Saúde da Universidade de Aveiro (ESSUA). anaritapinheiro@ua.pt

[…] Resumo

Numa perspetiva de melhoria contínua, e de aproximação da academia à comunidade, implementouse um método de ensino-aprendizagem que poderia corresponder melhor às expectativas dos estudantes da Unidade Curricular (UC) Fisioterapia no Desporto da Licenciatura em Fisioterapia da Escola Superior de Saúde da Universidade de Aveiro, do ano letivo de 2021-2022. De um total de 47 estudantes inscritos à UC, responderam 29. Todos concordaram que as temáticas abordadas foram ao encontro das suas expectativas, que o planeamento permitiu o desenvolvimento de competências numa sequência adequada, que a UC desenvolveu os seus conhecimentos na área de Fisioterapia no Desporto e que a metodologia de avaliação usada foi adequada. Por outro lado, apesar de considerarem como positivo as dinâmicas das aulas e a ausência de aulas expositivas, também foi salientado como fator negativo a sobrecarga de trabalho, especificamente relativo às tarefas semanais de preparação para as aulas. De modo geral, considera-se que os resultados do questionário foram positivos, apesar de se considerar necessária a ponderação das atividades assíncronas propostas. A aproximação da academia à comunidade aparenta promover ganhos bilaterais e enriquecer e diversificar os contextos de aprendizagem dos estudantes, destacando que os estudantes valorizam o seu papel ativo no seu percurso formativo.

Palavras-Chave: aprendizagem ativa; metodologias de avaliação; plano de intervenção desportiva.

1. Contextualização

A formação na área da Fisioterapia é um processo de aprendizagem contínuo que começa com a Licenciatura em Fisioterapia, que permite o ingresso na profissão, continuando ao longo da sua vida profissional. A World Physio reconhece, compreende e valoriza o facto de que a formação de fisioterapeutas pode ocorrer em diferentes contextos sociais, económicos e políticos em todo o mundo. De igual modo, a base de evidência que informa a prática da profissão, também se encontra num estado contínuo de desenvolvimento e de mudança. Deste modo, a formação base do fisioterapeuta deve munir os futuros profissionais com competências e capacidades para atuar neste contexto de constante mudança. Ainda, a aprendizagem ao longo da vida é essencial para alcançar e promover a excelência na prestação de serviços de fisioterapia, para a progressão ao longo de uma carreira profissional e para o desenvolvimento das competências necessárias para exercer a profissão num ambiente de saúde e assistência social em constante mudança (WCPT, 2019). De modo a que os estudantes desenvolvam competências para responder a mudanças rápidas provocadas pelos diversos motivos, (Dario & Simic, 2021 e Kurunsaari et al., 2021) destacam que as instituições de ensino superior (IES) têm reunido esforços no sentido de estrategicamente planear e implementar novos métodos pedagógicos que permitam preparar os futuros profissionais para um futuro incerto. Mais, as IES, como provedoras de conhecimento, estão cada vez mais ligadas aos desafios da sociedade e à sua transformação para uma sociedade mais sustentável. Uma abordagem de aprendizagem nas IES - muitas vezes descrita como “baseada em desafios” - é a gestão de como colocar a teoria à prova com a abordagem de problemas reais em colaboração com atores da sociedade (Leijon et al., 2021). Na verdade, a atual disponibilidade de recursos online tem facilitado aos estudantes a sua autogestão da aprendizagem. Neste sentido, os métodos de ensino-aprendizagem tradicionais tornam-se cada vez menos eficazes no alcance, envolvimento e na motivação para a aprendizagem de estudantes (Moresi et al., 2017). Segundo (Fields et al., 2021), estudantes que participam em ambientes de aprendizagem ativa e colaborativa demonstram estarem melhor preparados para a aula, com maior comprometimento com os conteúdos programáticos e com maior prontidão para desenvolverem a sua base de conhecimento fomentada pelo estudo e investigação suplementar, que encontra motivação adicional com os colegas em contexto de aula. Neste sentido, a colaboração entre pares oferece oportunidades para a diversidade de discussão e aprendizagem, havendo assim um sentido de propriedade perante os materiais didáticos e da própria aprendizagem (Fields et al., 2021).

Portanto, os métodos de aprendizagem ativos são considerados como a melhor opção pedagógica, entre os quais se destaca a Aprendizagem Baseada em Desafios (Challenge-based Learning - CBL). O CBL é um framework de aprendizagem eficaz encetada pela Apple, Inc., sendo atualmente utilizada no ensino superior, escolas e instituições em todo o mundo. O CBL proporciona um Framework eficiente e eficaz para promover a aprendizagem enquanto se resolvem desafios do mundo real. O framework é colaborativo e prático, permitindo que todos os intervenientes (estudantes, professores, famílias e membros da comunidade) identifiquem “Grandes Ideias”, que façam “boas perguntas”, “descubram” e “resolvam” os desafios, aprofundem o conhecimento da área de estudo, desenvolvam competências do século XXI e que compartilhem os seus pensamentos com o mundo (Figura 1). Com o CBL, estudantes e professores fazem a diferença e provam que a aprendizagem pode ser profunda, envolvente, significativa e com propósito (Nichols et al., 2016).

2. Descrição da prática pedagógica

O CBL baseia-se em diferentes teorias educacionais e métodos pedagógicos, como por exemplo, aprendizagem baseada em problemas (problem-based learning - PBL) e aprendizagem baseada em inquéritos (inquiry-based learning - IBL) (Leijon et al., 2021). O CBL é colaborativo, permitindo que estudantes trabalhem com outros estudantes, com tutores, com especialistas de áreas diversificadas, na sua comunidade ou noutro local do mundo, de forma a desenvolver um nível de conhecimento mais aprofundado de temáticas em estudo numa determinada UC. Os estudantes também podem identificar e resolver desafios próximos do seu quotidiano podendo assim marcar a diferença na sua comunidade, abrir portas para o seu futuro profissional e disseminar os seus resultados (Moresi et al., 2017).

2.1. Objetivos e público-alvo

A implementação do CBL teve como objetivo promover a aquisição de competências na área do desporto e o desenvolvimento de competências transversais, em comunhão com a comunidade, especificamente clubes desportivos amadores da região de Aveiro, através de uma metodologia pedagógica inovadora, em que foi dado aos estudantes um papel de destaque enquanto agentes promotores da sua aprendizagem.

A implementação do CBL decorreu na UC Fisioterapia no Desporto da Licenciatura em Fisioterapia da Escola Superior de Saúde da Universidade de Aveiro, do ano letivo de 20212022. Dos 47 estudantes inscritos, 60% ponderavam ser fisioterapeutas no desporto.

2.2. Metodologia

A prática pedagógica implementada no 1º semestre de 2021/22 foi desenvolvida em conjunto com os três docentes da Unidade Curricular e foi essencialmente constituída por duas fases: a primeira fase implicou a análise dos resultados académicos de 2020/21, a avaliação discente da UC, mantendo o processo habitual de melhoria contínua da UC, mantida regularmente pelos docentes. A segunda fase foi constituída por uma reanálise dos objetivos de aprendizagem definidos para a UC, das competências a adquirir, tal como dos conteúdos programáticos, de forma a verificar a sua adequabilidade à metodologia pedagógica CBL. Após a concordância dos docentes, procedeu-se ao planeamento da estrutura geral do planeamento semestral, das atividades síncronas e assíncronas da UC, tendo em vista as 9 fases do CBL: a definição da “Grande Ideia”; as questões essenciais; o desafio; as perguntas guiadas; as atividades e recursos guiados; a análise; a solução; a implementação e a avaliação.

Definição da “Grande Ideia”

A grande ideia foi desenvolvida em contexto de aula, após a realização de algumas tarefas assíncronas de preparação para a aula disponibilizadas no Padlet criado para esta UC. Considerando o âmbito da UC, definiu-se a grande ideia como a “saúde e bem-estar”.

As questões essenciais

Após a definição de “saúde e bem-estar” como a “Grande Ideia”, os estudantes iniciaram o processo de identificação de questões essenciais que permitiram a definição de um quadro conceptual para o desafio. A questão escolhida como base para o desenvolvimento do desafio foi “qual é o impacto das lesões no bem-estar e na saúde de praticantes de desporto?”

O desafio

A definição do desafio pretendeu a elaboração de uma solução tangível de ser desenvolvida pelos estudantes a um nível local para um problema global. O desafio acabou por ser imediato e acionável pelos estudantes.

As perguntas guiadas

Algumas das perguntas geradas pelos estudantes para ajudar a identificar as possíveis dificuldades que podiam surgir durante a etapa do desafio foram: “como ocorrem as lesões?”; “como reduzir o risco de lesão?”; “como intervir no momento de lesão?”.

As Atividades e Recursos Guiados

As atividades guiadas para responder às “perguntas guiadas” foram fundamentalmente assentes em atividades de investigação online. Os recursos guiados utilizados para consulta de informação para responder às perguntas guiadas tiveram a sua base em revistas científicas e organizações relevantes na área de referência, nacional e internacional.

Análise

Nesta fase procedeu-se à análise da aprendizagem adquirida com as atividades e recursos guiados, permitindo uma base de trabalho para a eventual identificação de soluções para o desafio.

Solução

A identificação da solução teve como base uma opção do ponto de vista de utilidade prática, que fosse acessível a nível local (a nível físico), ou a nível digital, de fácil armazenamento em dispositivos portáteis, tal como ser acessível em qualquer terminal desde que ligado à internet. Um “Projeto de Intervenção Desportiva”, que servirá como um manual baseado na mais recente evidência científica, foi a solução equacionada de forma a responder adequadamente às “perguntas guiadas”.

Implementação

O planeamento da implementação foi distribuído em duas fases, onde na primeira, foi entregue o documento em versão digital e em papel, seguido por uma sessão de apresentação do documento às partes interessadas do parceiro identificado, nomeadamente direção do clube, equipa técnica e jogadores.

Avaliação

A avaliação decorreu em duas fases, sujeitas a uma primeira avaliação efetuada pelos pares e pelos tutores da UC e uma segunda efetuada pelo parceiro identificado para beneficiar do Projeto de Intervenção Desportiva. A recetividade do parceiro foi bastante positiva, havendo lugar a agradecimento público nas redes sociais, da importância do trabalho efetuado para a promoção da saúde e redução do risco de lesão dos seus atletas.

Alguns dos recursos mais utilizados nas diferentes fases do decurso da UC:

Padlet: para partilha de toda a informação relevante de apoio ao desenvolvimento da solução encontrada para o desafio tal como para as atividades síncronas e assíncronas planificadas;

Drive virtual: para armazenamento de dados e para partilha de documentos com os colegas de outros grupos;

Google Docs: para o desenvolvimento do trabalho e respetivo acompanhamento pelo grupo encarregada para fazer a revisão do trabalho (revisão por pares);

Google Forms: para permitir aos estudantes a possibilidade de comunicarem com os docentes de forma anónima; para auto-avaliação e avaliação por pares (intragrupo e inter-grupo); para colocação das questões para a avaliação da UC;

Mentimeter: para promover temas de discussão;

Plataforma Zoom: para comunicação online.

2.3. Avaliação

À semelhança do ano letivo anterior, o processo de avaliação da prática pedagógica implementada por parte dos docentes decorreu com o recurso ao Guião de Avaliação da Mudança do Docência+. A avaliação discente ocorreu semanalmente sendo encorajado a discussão do interesse das temáticas que foram desenvolvidas e a sua respetiva avaliação com o Rating das Estrelas, específico do Padlet. No final do semestre, a UC foi avaliada de forma anónima pelos estudantes com recurso ao Google Forms, tendo com base questões essenciais relacionadas com as expectativas dos estudantes e a aquisição dos conhecimentos previstos. Também se recorreu ao banco de questões do “Berkeley Center for Teaching & Learning”, especificamente as 3 questões abertas da categoria 4.

3. Resultados, implicações e recomendações

No que respeita ao Rating das Estrelas semanal, numa escala de 1 a 5 estrelas, salienta-se que todas as temáticas foram classificadas com 4 e 5 estrelas.

De um total de 47 estudantes propostos para avaliação sumativa, 29 responderam ao formulário online. Quanto à questão “A unidade curricular foi composta por temáticas que foram ao encontro das minhas expectativas” pode afirmar-se que, de modo general, a UC foi ao encontro das expectativas dos estudantes (Gráfico 1). A escala utilizada fazia a correspondência do 1 com (nada adequado) ao 5 com (muito adequado).

Gráfico 1

Avaliação das expectativas

Dos 29 que responderam à questão se “a UC desenvolveu as suas competências numa sequência adequada”, observou-se a existência de concordância entre os inquiridos (Gráfico 2).

Em relação à questão “A unidade curricular desenvolveu os meus conhecimentos na área da Fisioterapia no desporto” também se observou, de modo geral, esse reconhecimento (Gráfico 3).

Gráfico 3

Avaliação do conhecimento adquirido

Quanto à adequabilidade da metodologia de avaliação da UC, na sua globalidade foi bem aceite, havendo apenas uma resposta cotada com 2, considerada pouco adequada.

Gráfico 4

Classificação da metodologia de avaliação

As seguintes questões tiveram como base o “Berkeley Center for Teaching & Learning course evaluation question bank. CATEGORY 4: Open-Ended Questions”. Apesar de serem referidos pontos fortes bastante diversificados, os 20 estudantes que responderam a esta questão salientaram a importância da participação ativa do estudante no seu processo de aprendizagem e o espaço estabelecido para a criação de soluções. Alguns dos comentários foram: “criação de condições para a aprendizagem ativa”; “gerar aprendizagem a partir da discussão de ideias, o que tornou as aulas cativantes”; “aprendizagem em ambientes diferentes de atuação do fisioterapeuta”; “dinamismo das aulas TP e P”; “disponibilidade dos docentes da UC para apoio à aprendizagem”. Como pontos a melhorar, dos 29 estudantes que responderam a esta questão, 8 estudantes referiram a necessidade de “mais tempo de aulas práticas” e 8 estudantes indicaram a “sobrecarga das tarefas semanais atribuídas no Padlet da UC”. A maioria (75,9%) recomendaria esta UC, sendo que os restantes 24,1% dos estudantes referiu talvez recomendar.

4. Conclusões

De modo geral, conclui-se que o CBL promoveu um ambiente de aprendizagem positivo, mesmo numa UC que é específica de uma área, onde aproximadamente dois terços dos estudantes não pretendiam ser fisioterapeutas na área do desporto. Apesar de não ter sido salientado, por parte dos estudantes, o facto de se ter tido a oportunidade de trabalhar com alguns clubes de desporto amador na região de Aveiro, promovendo uma solução com aplicabilidade no seu dia-a-dia, é um fator positivo, dado que permitiu a aquisição de competências em contexto por parte dos estudantes.

Num futuro estudo, seria de particular interesse a avaliação do impacto criado pelo trabalho desenvolvido pelos estudantes junto da comunidade desportiva e a perspetiva dos estudantes sobre as competências adquiridas no decurso deste trabalho.

5. Referências

Dario, A., & Simic, M. (2021). Innovative physiotherapy clinical education in response to the COVID-19 pandemic with a clinical research placement model. Journal of Physiotherapy, 67(4), 235-237. https://doi.org/10.1016/j.jphys.2021.08.008

Fields, L., Trostian, B., Moroney, T., & Dean, B. A. (2021). Active learning pedagogy transformation: A whole-of-school approach to person-centred teaching and nursing graduates Lorraine. Nurse Education in Practice, 53, 103051. https://doi.org/10.1016/j.nepr.2021.103051

Kurunsaari, M., Tynjälä, P., & Piirainen, A. (2021). Stories of professional development in physiotherapy education. Physiotherapy Theory and Practice, 38(11), 1742–1755. https://doi.org/10.1080/0 9593985.2021.1888341

Leijon, M., Gudmundsson, P., Staaf, P., & Christersson, C. (2021). Challenge based learning in higher education: A systematic literature review. Innovations in Education and Teaching International, 59(5), 609–618. https://doi.org/10.1080/14703297.2021.1892503

Moresi, E. A., De Oliveira Braga Filho, M., Barbosa, J. A., Lopes, M. C., Morais, M. A., Santos, J. C., Borges, M. P., & Osmala, W. A. (2017). O emprego do aprendizado baseado em desafios no desenvolvimento de aplicativos móveis https://doi.org/10.23919/CISTI.2017.7975800

Nichols, M., Cator, K., & Torres, M. (2016). Challenge based learning guide https://www. challengebasedlearning.org/wp-content/uploads/2019/02/CBL_Guide2016.pdf

World Psysioterapy. (2019). Policy statement: Education. https://world.physio/policy/ps-education

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