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Challenge Based Learning plus (CBL+)
Aplicação da metodologia em grandes grupos de Engenharia
Victor Neto João Dias-de-Oliveira Rui Moreira
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Centro de Tecnologia Mecânica e Automação, Departamento de Engenharia Mecânica, Universidade de Aveiro vneto@ua.pt jalex@ua.pt rmoreira@ua.pt Resumo
A aplicação prática da metodologia Challenge Based Learning numa unidade curricular de segundo ciclo é apresentada neste trabalho com um exercício diferenciado de aprendizagem ativa numa realidade de poucas horas de contacto em sala de aula com uma elevada quantidade de estudantes. Surge num contexto de transição curricular, de passagem de um mestrado integrado em engenharia para uma configuração de licenciatura separada de mestrado, e de transição de uma abordagem de ensino iminentemente linear para uma estratégia de aprendizagem centrada nos estudantes, promotora de exploração e abertura de horizontes. Procede-se a uma apresentação resumida do funcionamento e metodologias de aprendizagem e ensino na primeira edição de Seminários em Engenharia Mecânica na Universidade de Aveiro. Discutem-se também alguns resultados notáveis da implementação, nomeadamente os principais indicadores associados a esta experiência e à aprendizagem que induz também nos docentes para melhoria contínua. Conclui-se que, apesar de alguns desalinhamentos previstos face às expectativas dos estudantes, este modelo tem inequívoco potencial como valiosa construção de competências.
Palavras-Chave: Challenge Based Learning, Seminários, Engenharia Mecânica, Sociedade.
1. Contextualização
A unidade curricular (UC) de “Seminários em Engenharia Mecânica” (SEM), oferecida aos estudantes do Mestrado em Engenharia Mecânica (MEM) da Universidade de Aveiro (UA), pretende fornecer, de forma estruturada, um contacto abrangente e atual com temáticas complementares em Engenharia Mecânica e, simultaneamente, fornecer práticas que estes possam transpor para a sua vida profissional futura, numa perspetiva de aprendizagem ativa ao longo da vida. Esta Engenharia, sendo uma das áreas científicas/tecnológicas mais inter- e transdisciplinares, tem um alcance significativo no que diz respeito às temáticas que envolve e, consequentemente, também nas necessidades de atualização permanente. Com esta UC pretende-se manter um nível de atualização e de flexibilidade usualmente não compatível com os objetivos e conteúdos mais estanques das UC tradicionais do plano curricular. Do ponto de vista de aprendizagem, pretende-se que os estudantes alarguem horizontes, tenham contacto com novos desafios e construam capacidades de análise crítica sobre temáticas, conceitos e metodologias emergentes, numa lógica de expansão de conhecimento e de construção de competências transponíveis em engenharia. Além disso, procura-se promover uma aproximação a outros intervenientes, acreditando-se que tal será um foco valioso de crescimento, num sentido de capacitação, envolvimento e impacto na sociedade.
Com o enquadramento dos objetivos acima apresentados, a equipa docente procurou selecionar metodologias ativas que levassem os estudantes, de modo autónomo, a aprofundar e a utilizar conhecimentos científicos e tecnológicos de engenharia mecânica avançada para resolver desafios societais, tendo-se adotado como base a metodologia “Challenge Based Learning” (CBL) (Bowen & Fincher, 2018; Conde et al., 2021; Gallagher & Savage, 2020; Leijon et al., 2021), traduzida comumente para português como “aprendizagem baseada em desafios”.
A CBL permite criar uma ligação autêntica e envolvente entre o mundo dos estudantes, as expectativas académicas e as necessidades reais da sociedade, apresentando um propósito à conceção, codificação e produção, dada a sua ligação à resolução de questões sociotecnológicas e à natureza colaborativa, flexível e interdisciplinar que requer. As diferentes fases da metodologia (envolvimento, investigação e ação) fornecem uma estrutura orientadora, que facilita o pensamento criativo e divergente, bem como espaço para a plena participação e reflexão necessárias, preparando assim os estudantes para a aprendizagem e tomada decisão, de modo a fazerem a diferença no presente e no futuro (Conde et al., 2021; Gallagher & Savage, 2020; Leijon et al., 2021).
Assim, o presente artigo apresenta o resultado da aplicação da metodologia CBL na UC de SEM do MEM da UA e procura discutir até que ponto pode esta abordagem satisfazer as expectativas e necessidades dos estudantes, assim como o grau em que esta contribui para os objetivos de formação estipulados.
2. Descrição da prática pedagógica
A secção que se segue apresenta a metodologia desenvolvida, classificada como “Challenge Based Learning Plus” (CBL+), assim como a forma como a sua aplicação foi avaliada, quer ao longo da sua implementação quer no final do semestre, para além de especificar os objetivos específicos e complementar a caracterização do público-alvo.
2.1. Objetivos e público-alvo
A UC de SEM surge no segundo ano, primeiro semestre, do novo MEM. O curso tem uma configuração inovadora, em que o acesso a amplas possibilidades de formação personalizada, concretizada em cinco unidades curriculares de opção e uma de opção livre, orbita em torno de um núcleo integrador de conhecimentos de formação central em Engenharia Mecânica, materializado em quatro unidades curriculares de projeto (Projeto em Desenvolvimento de Produto, Projeto em Sistemas Térmicos, Projeto em Máquinas e Estruturas, e Projeto em Sistemas de Automação) cursadas no primeiro ano. É neste contexto que surge no plano curricular a UC de SEM, frequentada por mais de 100 estudantes, o que envolve desafios particulares (Cuseo, 2007; Mercer-Mapstone et al., 2017). De forma especifica, a UC pretende ensinar a aprender a aprender, para estudantes capazes de assumir a responsabilidade pela sua própria aprendizagem, de realizar investigações e questionamento de modo independente, e de comunicar e argumentar as suas ideias de uma forma assertiva (Oliver, 2007). Como objetivos de aprendizagem, pretende-se ainda que os estudantes alarguem horizontes, tenham contacto com outras realidades e construam capacidades de análise crítica sobre temáticas, conceitos e metodologias emergentes, numa lógica de expansão de conhecimento e construção de competências transponíveis em engenharia.
2.2. Metodologia
A metodologia CBL+ é construída sobre a dinâmica de trabalho que começa centrada no indivíduo e evolui para a construção gradual de uma equipa de trabalho, como se ilustra na Figura 1. Cada estudante assume a fase inicial de envolvimento, após a qual é integrado/a num grupo de 4 a 5 elementos que dão continuidade ao envolvimento, alinham experiências e partem para a investigação, evoluindo, por fim, para a formação de uma equipa que agrega 2-3 grupos e que consolida a ação. Os projetos têm o envolvimento de parceiros externos, nomeadamente de natureza empresarial e entidades públicas. A base metodológica orientadora CBL+ promove um forte envolvimento com a sociedade enquanto promotora de desafios a serem resolvidos, assim como com especialistas que podem contribuir para a solução. A UC/ metodologia segue os momentos tradicionais em CBL, mas é pensada numa lógica de definição dinâmica de conteúdos e construção prática de competências. As estratégias utilizadas permitem o desenvolvimento de projetos e um acompanhamento coerente, mesmo numa UC de mais de 100 estudantes, 6 ECTS (162 horas de trabalho) e apenas 30 horas de contacto. Sendo uma UC de seminários, conta com a participação de colaboradores externos em momentoschave ao longo do semestre, em sensivelmente um terço das aulas, assim como de mini-seminários preparados pelos próprios estudantes. Tipicamente, há a participação em aula de 2 docentes e foram usadas estratégias de feedback por pares, como forma de acompanhamento guiado e consolidação de competências transferíveis. A avaliação teve momentos correspondentes a cada um dos momentos tradicionais CBL, sendo que começaram como individuais e transitaram gradualmente para avaliação de grupo e depois de equipa, incluindo avaliação por pares. No final, os estudantes apresentaram um formulário de candidatura a um programa de financiamento simulado (em formato semelhante ao concurso de projetos de I&D em todos os domínios científicos da Fundação para a Ciência e Tecnologia) do seu projeto, com aplicação real na sociedade, e uma apresentação perante um painel de parceiros da indústria e outras instituições externas.
2.3. Avaliação
De modo a avaliar a implementação da metodologia no ano letivo de 2021-2022, primeiro ano de implementação, para além dos resultados objetivos, quer de avaliação dos estudantes, quer de avaliação dos docentes e da UC no Sistema de Garantia da Qualidade (SGQ), foram realizados inquéritos intermédios para recolher feedback dos estudantes, assim como a análise de inquéritos pedagógicos e do relatório discente no final do semestre. Os resultados dos instrumentos referidos e a sua discussão serão apresentados na secção seguinte, assim como outras considerações quanto ao funcionamento da UC, ao novo contexto de formação em engenharia num ano de transição curricular com uma visão inovadora de mestrado após os extintos mestrados integrados, e ao plano já em curso para a próxima edição da UC após as aprendizagens desta edição.
3. Resultados, implicações e recomendações
O feedback intermédio, solicitado sensivelmente a meio do semestre, consistiu no preenchimento de um inquérito online, com 5 questões para resposta quantitativa numa escala Likert de 5 pontos e a expressão escrita de pontos positivos e negativos da implementação. Do universo de 102 estudantes a frequentar (ativamente) a UC, foram obtidas 34 respostas. Os resultados são apresentados na Figura 2 e na Tabela 1, apresentando os valores médios e uma súmula das opiniões expressas, respetivamente.
Na Figura 3 são apresentados os resultados da avaliação final dos estudantes à unidade curricular. No total encontravam-se inscritos 109 estudantes e todos os estudantes (102) que se sujeitaram a avaliação obtiveram aprovação. A nota final é o resultado de uma avaliação contínua ao longo do semestre, com um momento individual (no início do semestre), seguidas sequencialmente por duas entregas de grupo e duas entregas de equipa, para além da hetero/ autoavaliação que teve por objetivo introduzir fatores de correção no trabalho desenvolvido por cada elemento no seio do grupo e da equipa.

Tabela 1
Súmula de resultados das questões abertas do questionário de feedback intermédio
Pontos positivos Pontos negativos
· Grupo
Seminários
Contacto com pessoas diferentes e empresas
Contacto com especialistas
Estratégias de pesquisa
· Ganho de maturidade
· Ultrapassar o desconforto inicial
Exploração de temáticas relevantes para a sociedade

Liberdade de estudar diferentes áreas
Problemas reais
· Grupo
Seminários (poucos ou fracos)
Dificuldade no contacto com empresas
Deriva, “se é por hábito ou falta de clareza”
· Temática vaga
· Tudo demasiado conceptual
Inclusão de tutores
Mini-seminários em vídeo, deviam ser apresentação em aula
Pouco feedback por parte dos professores
Dos inquéritos pedagógicos do SGQ é possível avaliar a carga de trabalho estimada pelos estudantes, assim como um conjunto de critérios específicos avaliados numa escala Likert de 9 pontos. Estes resultados advêm de 29 respostas. Os resultados relativos à avaliação, pelos estudantes, da carga de trabalhos estimada são apresentados na Figura 4, sendo exibidos valores entre 1 e 10, com uma mediana de 3 ECTS e a média de 3,18 ECTS. A Tabela 2 apresenta a média do resultado de avaliação da coordenação das várias componentes, adequação dos meios e atividade, informação e avaliação (TTG), o funcionamento global da unidade curricular, a articulação entre as atividades desenvolvidas na unidade curricular e as competências adquiridas anteriormente e a avaliação atribuída aos docentes, classificados numa escala discreta entre 1 e 9. Estes critérios apresentam, maioritariamente uma moda de 7 valores. Contudo, tal como o gráfico da avaliação da carga de trabalho, também estes apresentam uma significativa dispersão. Finalmente, na Tabela 3 são apresentados os pontos fortes e pontos fracos obtidos em sede da Comissão de Curso no âmbito do SGQ.
Critérios específicos e com relevância para avaliação da metodologia
Súmula de resultados da apreciação levantada em sede da Comissão de Curso

Pontos fortes
A UC promove o trabalho em equipa, desenvolvendo novas formas de trabalho colaborativa.
· A UC promove uma atividade de integração de competências adquiridas, explorando soft skills juntamente com desenvolvimento e integração de conhecimentos técnicos e científicos.
Aulas dinâmicas, obrigando à interação em equipa e gestão de recursos humanos. Seminários muito interessantes, potenciando ainda o contacto com a realidade de empresas e experiências na prática de engenharia.
Pontos fracos
O início do trabalho foi confuso, com pouca informação sobre objetivos concretos a atingir.
· Poucos seminários. Faltou um guião concreto sobre o desenrolar a metas do trabalho a desenvolver.
Da aplicação dos instrumentos de validação da metodologia destacam-se várias dimensões desta análise. Por um lado, uma realidade de algum desalinhamento entre a expectativa de uma abordagem ativa e dinâmica de estudantes finalistas à UC e uma realidade de estudantes que foram, ao longo de todo o seu percurso, formados segundo estratégias passivas. Este fator tem impacto sobre vários dos indicadores objetivos, com distribuições que denotam acentuados extremos entre estudantes que abraçam o desafio e estudantes que lhe resistem. Por outro lado, um processo incremental, em que docentes desenvolvem um novo modelo e vão aprendendo com a própria implementação, gerando desequilíbrios que colidem com o ponto anterior e que criam conflitos entre a necessidade de guiar e o promover da exploração.
Globalmente, considera-se que o balanço é francamente positivo e com confiança dos docentes e da maioria dos estudantes em que esta UC de seminários tem muito mais potencial que uma UC que viva apenas de uma compilação de momentos expositivos. É também esta a perceção obtida no contacto direto com os estudantes, incluindo a recolha de contributos valiosos para a melhoria da edição seguinte.
4. Conclusões
No presente trabalho apresenta-se a aplicação prática da metodologia “Challenge Based Learning” na unidade curricular de Seminários em Engenharia Mecânica do Mestrado em Engenharia Mecânica da Universidade de Aveiro, com a particularidade de ser aplicado a um grupo de mais de 100 estudantes.
Tal como também reportado pela literatura (Oliver, 2007), muitos estudantes manifestaram dificuldades com abordagens de aprendizagem flexíveis e com elevados níveis de autorresponsabilidade, fruto de contextos anteriores de aprendizagem altamente estruturada e orientada. Contudo importa promover formas de ensinar a aprender a aprender, levando a que os estudantes assumam a responsabilidade pela sua própria aprendizagem, e a que, de forma explicita, realizem investigações e questionamento de modo independente, assim como tenham treino a comunicar e argumentar as suas ideias de uma forma assertiva.
No processo de melhoria da aplicação da metodologia salienta-se a importância de aumentar a clareza do guião inicial e criar conforto acerca dos possíveis resultados finais (exemplos), assim como o incremento dos momentos e de informação de feedback relativo ao desempenho de cada estudante, grupo ou equipa ao longo do semestre.
5. Referências Bibliográficas
Bowen, H. R., & Fincher, C. (2018). Goals: The intended outcomes of higher education. investment in learning. Routledge.
Conde, M., Rodríguez-Sedano, F. J., Fernández-Llamas, C., Gonçalves, J., Lima, J., & García-Peñalvo, F. J. (2021). Fostering STEAM through challenge-based learning, robotics, and physical devices: A systematic mapping literature review. Computer Applications in Engineering Education, 29(1), 46–65. https://doi.org/10.1002/CAE.22354
Cuseo, J. (2007). The empirical case against large class size: Adverse effects on the teaching, learning, and retention of first-year students. Journal of Faculty Development, 21, 5–21. https://www. classsizematters.org/wp-content/uploads/2012/11/Week-13-Cuseo-1.pdf
Gallagher, S. E., & Savage, T. (2020). Challenge-based learning in higher education: An exploratory literature review. Teaching in Higher Education https://doi.org/10.1080/13562517.2020.186 3354
Leijon, M., Gudmundsson, P., Staaf, P., & Christersson, C. (2021). Challenge based learning in higher education: A systematic literature review. Innovations in Education and Teaching International, 59(5), 609-618. https://doi.org/10.1080/14703297.2021.1892503
Mercer-Mapstone, L., Dvorakova, S. L., Matthews, K. E., Abbot, S., Cheng, B., Felten, P., Knorr, K., Marquis, E., Shammas, R., & Swaim, K. (2017). A systematic literature review of students as partners in higher education. International Journal for Students as Partners, 1(1). https://doi. org/10.15173/IJSAP.V1I1.3119
Oliver, R. (2007). Exploring an inquiry based learning approach with first year students in a large undergraduate class. Innovations in Education and Teaching International, 44(1), 3–15. https:// doi.org/10.1080/14703290601090317