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Inquiry-Based Learning no Ensino Superior: Principais potencialidades e limites
Patrícia Silva 1
Joana Monteiro 2
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Augusta Manso 3
Carla Faria 4
Catarina Fiúsa 5
Filipa Luz 5
Raquel Gonçalves 6
Alice Bastos 4
1 Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Escola Superior de Educação; Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Universidade do Minho. pmariasilva@ese.ipvc.pt
2 Centro de Psicologia da Universidade do Porto, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto; Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Escola Superior de Educação jmonteiro@ese.ipvc.pt
3 Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Escola Superior de Educação; CEMRI augusta.manso@ese.ipvc.pt
4 Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Escola Superior de Educação; AgeingC CINTESIS cfaria@ese.ipvc.pt abastos@ese.ipvc.pt
5 Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Escola Superior de Educação afiusa@ese.ipvc.pt silvafilipa@ese.ipvc.pt
6 Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Escola Superior de Educação; Centro de Administração e Políticas Públicas, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa raquelg@ese.ipvc.pt Resumo
A aprendizagem orientada para a investigação (”inquiry-based learning”) tem apresentado várias vantagens, apesar de ainda pouco utilizada em Instituições do Ensino Superior (IES). Esta metodologia pode ser especialmente relevante em estudantes das Ciências Sociais, onde tem sido cada vez mais enfatizada a importância da prática baseada-na-evidência. Neste contexto, o presente trabalho visa divulgar a utilização deste procedimento pedagÓgico. A implementação desta estratégia visou, por um lado, contribuir para o desenvolvimento de skills associadas à investigação científica e por outro lado, sensibilizar os estudantes para importância da prática baseada-na-evidência em Gerontologia. Durante a execução do trabalho pedagógico, foram consideradas e desenvolvidas as diversas fases do ciclo de investigação com 29 estudantes, distribuídos em seis grupos de trabalho. Os resultados obtidos sugerem a importância desta prática pedagógica para aprender investigação investigando. Igualmente, apontam para a tendência do aumento da importância conferida à pratica baseada na evidência com o avançar do processo de educação e formação.
Palavras-Chave: inovação pedagógica; “inquiry-based learning”, metodologias ativas
1. Contextualização
Na literatura a aprendizagem orientada para a investigação (“inquiry-based learning”) tem sido caracterizada como um método capaz de potenciar as capacidades de investigação dos estudantes e melhorar o seu desempenho, envolvimento e motivação para a aprendizagem. O ensino baseado na investigação é crucial para desenvolver contextos desafiantes em que os estudantes são convidados a observar e questionar fenómenos; apresentar explicações do que observam; conceber e realizar experiências em que os dados são recolhidos para apoiar ou contradizer as suas teorias; analisar dados; tirar conclusões a partir de dados experimentais; formular modelos de conceção e construção ou qualquer combinação destes (Hattie, 2009). Nesta abordagem pedagógica é atribuído um papel ativo ao estudante, que é responsável por construir novo conhecimento, num processo de aprendizagem autodirigido. Tratase de desenvolver situações desafiantes em que o estudante é convidado a assumir um papel próximo ao de um investigador. Em termos pedagógicos, a aprendizagem orientada para a investigação organiza-se num conjunto de passos logicamente associados entre si – as fases de investigação (“inquiry phases”) - que formam o ciclo de investigação/“inquiry cycle”. Esta estratégia pedagógica envolve cinco fases: (1) orientação, (2) conceptualização, (3) exploração/experimentação, (4) conclusão e (5) divulgação/disseminação de resultados. Embora este não seja um processo rígido ou linear (tal como acontece na execução de um plano de trabalhos na investigação científica), estas etapas orientam a aprendizagem dos estudantes, ao mesmo tempo que favorecem o contacto com aspetos relevantes do pensamento científico (Pedaste et al., 2015), nomeadmente alguns skills relevantes como análise, argumentação, avaliação, interpretação, entre outros. Apesar dos seus benefícios, como refere Kulli (2021) esta abordagem ainda é pouco utilizada nas IES. A mesma pode ser especialmente relevante para estudantes das Ciências Sociais, onde tem sido cada vez mais enfatizada a prática baseada-na-evidência (Gregory, 2021). Relativamente à prática baseada na evidência, é de referir que a sua origem se encontra na Medicina e toma por base a eficácia do tratamento, considerando custos e benefícios (Bastos et al., 2015). Note-se que esta abordagem só muito recentemente passou a ser incluída no âmbito da Ciências Sociais e do Comportamento (Roberts & Yeager, 2004).
Neste contexto, o presente trabalho tem por objetivo apresentar o processo de ensinoaprendizagem associado à unidade curricular (UC) de ”Seminário de Investigação” (3º ano, 1º semestre e 2º semestre) do plano de estudos da Licenciatura de Educação Social Gerontológica (ESG) do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, muito embora esta prática se aplique em outras UC da mesma licenciatura.
2. Descrição da prática pedagógica
Na sequência do breve enquadramento conceptual, apresenta-se em seguida os principais aspetos metodológicos associados à implementação do processo.
2.1. Objetivos e público-alvo
A implementação da estratégia apresentada visou, por um lado, contribuir para o desenvolvimento de skills (por exemplo: análise, argumentação e interpretação) associadas à investigação científica e, por outro lado, sensibilizar os estudantes para a importância da prática baseada-na-evidência na prática gerontológica.
A estratégia pedagógica teve como público-alvo um grupo de 29 estudantes do 3º ano da licenciatura em ESG, maioritariamente constituído por elementos do sexo feminino (96,6%) e com idade média de 26,4 anos (dp = 9,4), variando entre os 20 e os 52 anos.
2.2. Metodologia
Esta prática pedagógica é um processo faseado próximo da atividade de investigação, assente no trabalho em equipas, em que os recursos são alocados à medida que o plano de trabalhos avança. Desenvolvida ao longo de dois semestres, seguiu as cinco fases previstas pela literatura, nomeadamente: orientação, conceptualização, exploração/experimentação, conclusão e divulgação/ disseminação de resultados (Pedaste et al., 2015). Os estudantes foram distribuídos em equipas/grupos de trabalho de 4 a 5 elementos, num total de 6 grupos. O trabalho foi realizado em contexto de sala de aula, mas também na modalidade de estudo independente e, pontualmente, apoiado em orientação tutorial, com feedback dirigido em algumas fases do processo.
Em termos do faseamento desta prática pedagógica, o primeiro semestre corresponde ao trabalho associado à fase da orientação, marcado pela estimulação do interesse acerca de temas de investigação centrais sobre o envelhecimento humano, designadamente fatores determinantes do envelhecimento ativo/saudável. Seguiu-se a fase de conceptualização, em que cada grupo realizou pesquisas e leituras baseadas na literatura científica sobre o tema e selecionou um subtópico (ex., qualidade de vida, redes sociais, funcionalidade, resiliência, depressão, satisfação com a vida). Cada grupo realizou pesquisas em bases de dados da especialidade, formulou questões de investigação e hipóteses no respetivo subtópico de investigação, integrando o conhecimento adquirido nas leituras efetuadas.
O segundo semestre iniciou-se com o planeamento da recolha e análise de dados. Neste sentido, foi desenhado o plano metodológico da investigação, tendo sido selecionadas as técnicas de recolha de dados e a amostra. Cada grupo, com a ajuda da equipa docente, participou na elaboração do protocolo de recolha de dados, procedeu à recolha de dados e depois à sua análise (com recurso software SPSS), com vista a dar resposta às questões de investigação e objetivos previamente definidos. Os dados recolhidos foram analisados e discutidos intra e inter grupos, considerando a literatura científica. A fase da divulgação/disseminação dos resultados e reflexão, permitiu comparar as inferências geradas pelos dados empíricos. Cada grupo, divulgou o seu trabalho através de um poster científico apresentado nas 2ª Jornadas de Gerontologia. Esta participação constituiu uma oportunidade de discussão e reflexão conjunta, sobre os principais achados e limitações do trabalho. A reflexão e questionamento foi parte integrante do relatório individual que cada estudante entregou como parte da avaliação da UC.
2.3. Avaliação
Para avaliar a implementação desta modalidade de prática pedagógica no final do ano letivo, recorreu-se a um questionário com questões abertas (elaborado para o efeito), incidindo sobre os pontos fortes e pontos fracos desta metodologia, recomendações de melhoria, bem como o grau de satisfação. Adicionalmente, com vista a analisar a importância conferida pelos estudantes à prática baseada-na-evidência, utilizou-se a versão portuguesa da Gregory Research Scale (Gregory, 2012, 2021), composta por 27 itens, variando de 27-189 pontos, instrumento de medida que foi validado por Lourenço (2014). Os estudantes que participaram neste projeto (final da licenciatura) foram comparados com os seus homólogos no início da mesma licenciatura. Para o efeito, recorreu-se à estatística descritiva e comparação de médias através do teste t de Student para amostras independentes.
3. Resultados, implicações e recomendações
Na abordagem qualitativa, todos os estudantes incluídos neste projeto identificaram aspetos negativos e positivos relativos ao modo de funcionamento da UC. Relativamente aos primeiros foi fortemente destacado, o caracter prático das aulas, como se pode observar pelo seguinte extrato: “Aulas bastante práticas, onde se desenvolveram e discutiram trabalhos em grupo. Essa discussão permanente ajudou a desenvolver as diversas fases do estudo” (E8). Também o feedback frequente, por parte da equipa docente, bem como a divulgação do trabalho em formato poster foram identificados como aspetos positivos, capazes de potenciar uma aproximação entre estudantes e o processo de investigação: “(…) os três aspetos mais positivos foram: a elaboração de várias discussões e trabalhos em grupo, a disponibilidade das docentes e a realização de um poster científico que permitiu uma melhor compreensão do trabalho “(E23).
Relativamente a dificuldades, os estudantes afirmam como desafiante a complexidade do processo de investigação. Contudo, reconhecem pertinência nesta estratégia de ensino no desenvolvimento de skills técnicas para a investigação: “As dificuldades passam por conseguir acompanhar todos os passos da investigação. A maior vantagem é aprender ao fazer” (E 27) Esta estratégia pedagógica contribuiu também para sensibilizar os estudantes para a importância da prática gerontológica baseada na evidência: “É fundamental fomentar a prática na evidência. Neste processo surgem sempre imprevistos e obstáculos porque implica o envolvimento de muitas variáveis e pessoas” (E 10).
Em termos quantitativos, foi possível analisar a importância conferida à prática baseadana-evidência tal como foi avaliada pela Escala de Gregory.
Tabela 1
Descrição e análise dos valores médios da Escala de Gregory em função do ano curricular
Na tabela 1 observa-se que os estudantes do final da licenciatura tendem a atribuir maior importância à prática baseada-na-evidência. Com efeito, os estudantes do 3º ano apresentam pontuações mais elevadas (158,9; dp = 23,15), quando comprados com o do 1º ano (146,89; dp = 20,49) na Escala de Gregory (t = 1,729, p = 0,092), ainda que de forma marginalmente significativa.
4. Conclusões
Neste estudo, os estudantes identificaram vários pontos positivos na experiência de aprender investigação, investigando, tendo tal constituído uma estratégia importante para a aprendizagem de skills para a investigação. Foi também possível concluir que a importância conferida à prática baseada na evidência tende a aumentar à medida que se progride no ciclo de estudos.
Este trabalho apresenta limitações, designadamente o facto de os instrumentos de medida não terem sido aplicados no início e no final do ano letivo. No futuro, recomenda-se prosseguir com o acompanhamento destes estudantes no mestrado bem como aplicar os instrumentos em pelo menos dois momentos. É de considerar ainda acrescentar o pensamento crítico como variável a explorar, dada a existência de associações entre esta estratégia pedagógica e pensamento crítico (Bastos et al., 2021).
Apesar desta limitação o presente trabalho contribui para a literatura sobre a aprendizagem orientada para a investigação no Ensino Superior. Daí a relevância de prosseguir a investigação neste domínio, em particular em ciclos de estudos associados às Ciências Sociais e do Comportamento.
5. Referências Bibliográficas
Bastos, A., Faria, C., Gonçalves, D., & Lourenço, H. (2015). Envelhecimento ao longo da vida e prática gerontológica: Algures entre o pronto-a-vestir e o fato à medida? Revista Científica Exedra, 10–28. http://exedra.esec.pt/wp-content/uploads/2016/02/Cap1.pdf
Bastos, A., Fiúza, C., Gonçalves, R., Manso, A., Monteiro, J., & Faria, C. (2021). Pensamento crítico e aprendizagem orientada para a investigação no ensino superior. In Livro resumo CNAPPES https://medium.com/@arifwicaksanaa/pengertian-use-case-a7e576e1b6bf
Gregory, V. L. (2012). Gregory research beliefs scale: Discriminant construct, concurrent criterion, and known-groups validity. Journal of Evidence-Based Social Work, 9(5), 465–480. https://doi. org/10.1080/15433714.2011.561130
Hattie, J. (2009). Visible learning: A synthesis of over 800 meta-analyses relating to achievement (1st ed.). Routledge. https://doi.org/10.4324/9780203887332
Kulli, K. (2021). Technology supported active learning. In C. Vaz de Carvalho & M. Bauters (Eds.), Inquiry-based learning in higher education. Springer. https://doi.org/https://doi. org/10.1007/978-981-16-2082-9_4
Lourenço, H. (2014). Envelhecimento e prática profissional em gerontologia social: Contributo para a prática gerontológica integrada baseada na evidência. Escola Superior de Educação; Instituto Politécnico de Viana do Castelo.
Pedaste, M., Mäeots, M. D., Siiman, L. A., Jong, T., Riesen, S. A., Kamp, E. T., Manoli, C. C., Zacharia, Z. C., & Tsourlidaki, E. (2015). Phases of inquiry-based learning: Definitions and the inquiry cycle Margus. Educational Research Review, 14, 47–61. https://doi.org/10.1016/j. edurev.2015.02.003