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Suporte tecnológico e interação presencial

Anabela Mendes‡

Maria Eulália Novais‡

Maria José Gois Paixão‡ Cristina Saraiva‡ Sónia Colaço‡

Maria João Delgado‡ Fernanda Bernardo‡ Delmira Pombo ‡

‡ Escola Superior de Enfermagem de Lisboa anabelapmendes@esel.pt menovais@esel.pt mariajp@esel.pt cristina.saraiva@esel.pt simarques@esel.pt mjdelgado@esel.pt fernandasimoes@esel.pt dmpombo@esel.pt Resumo

A mudança de paradigma educacional resultante do processo de Bolonha contextualiza a utilização de metodologias ativas centradas no estudante, nas quais o professor assume o papel de facilitador da aprendizagem. A sala de aula invertida é uma metodologia que como o nome indica, inverte o processo da aula tradicional. O estudante é convidado a aprender os conteúdos teóricos antes da aula presencial e os materiais de estudo são facilitados pelo professor em ambiente virtual. A aula presencial é destinada à reconstrução dos saberes do estudante, realização de exercícios e esclarecimento de dúvidas, otimizando a utilização do tempo conjunto.

A Unidade Curricular de Intervenção de Enfermagem ao Cliente com Doença Aguda e Crónica, no 2º ano, 2º semestre do Curso de Licenciatura da Escola Superior de Enfermagem de Lisboa definiu a sala de aula invertida como metodologia para a componente de prática laboratorial. Da avaliação dos estudantes emerge, como pontos positivos, a organização dos conteúdos, o suporte em formato vídeo e a interação com o professor em sala de aula. O trabalho realizado em ambiente laboratorial e os testes de conhecimento foram fundamentais para a consolidação das aprendizagens

Palavras-Chave: Aula Invertida, Educação em Enfermagem, Prática Laboratorial.

1. Contextualização

As estratégias pedagógicas devem procurar matrizes que garantam a aquisição de saberes teóricos e competências instrumentais que possibilitem a construção do raciocínio clínico no cuidado à pessoa, cliente de enfermagem.

No processo de ensino é fundamental estabelecer uma relação com o estudante, onde se desenvolva um percurso de construção de saber e de promoção de aprendizagem. Assim, parece coerente a utilização de metodologias ativas promotoras da autonomia do estudante no seu desenvolvimento (Paiva et al., 2016).

A sala de aula invertida é uma metodologia centrada no estudante e nas suas necessidades de aprendizagem, exigindo e valorizando o tempo de investimento do estudante fora da sala de aula (Bergmann & Sams, 2012). Os princípios da aprendizagem invertida, de acordo com a Flipped Learning Network (2014), organizam-se sobre quatro pilares expressos no Acrónimo [FLIP] (Flexible environment; Learning Culture; Intentional content; Professional Educator):

▪ [F] Ambiente flexível onde o estudante escolhe onde e quando quer aprender;

▪ [L] Cultura de aprendizagem em que o estudante na sala de aula está ativamente envolvido na construção do seu conhecimento, e por isso, explora com maior profundidade os temas a trabalhar;

▪ [I] Conteúdo intencional, a partir do qual o professor gere os diferentes materiais, de acordo com os conceitos e temas a desenvolver, e que disponibiliza antes da aula, de modo a rentabilizar as aprendizagens que emergem da interação entre professor e estudantes em sala;

▪ [P] Professor, a quem é solicitado uma particular atenção ao estudante, como individuo único, dando-lhe espaço e tempo para aprender, assim como feedback constante sobre o seu processo de aprendizagem.

A unidade curricular (UC) Intervenção de enfermagem ao cliente com doença aguda e/ou crónica (IECDAC) é lecionada na Escola Superior de Enfermagem de Lisboa no 2º semestre do 2º Ano do Curso de Licenciatura. Tem 243 horas de trabalho, sendo que, 121 horas são de contacto e 122 horas são de trabalho autónomo (TA). Considerando as tipologias de aula, integra, 25 horas teóricas (T), 60 horas teórico-práticas (TP) e 36 horas de prática laboratorial (PL).

A finalidade da UC IECDAC é capacitar o estudante para desenvolver a intervenção de enfermagem ao cliente em situação de doença aguda e/ou crónica ao longo do ciclo de vida.

A componente de PL está organizada em 18 aulas e pressupõe um conjunto de atividades prévias que congregam o trabalho de pesquisa e a reflexão, em tempo de TA, com vista a responder aos indicadores de aprendizagem. Para tal, utilizou-se a metodologia de sala de aula invertida, que combina a ideologia construtivista e os princípios comportamentais, utilizados para colmatar a lacuna existente entre a educação didática (tradicional) e a prática clínica (Haws, 2014).

Uma das principais características desta metodologia é o foco da sessão ser no estudante e na aprendizagem, e não no professor (Bergmann & Sams, 2012). A responsabilidade pela aprendizagem é assumida pelo estudante, que investe com o objetivo de dominar os conteúdos em estudo (O’Flaherty & Phillips, 2015). A aquisição prévia de conhecimento, conseguida em TA, suportada pelos materiais disponibilizados, e a interação com os pares e o professor, possibilitam ao estudante a apropriação de conceitos fundamentais. Esta proposta metodológica permite ao estudante, em sala de aula, um desempenho estruturado e fundamentado. A produção e a análise do produzido, revelam um processo iterativo de aprendizagem e aquisição de competências teóricas e instrumentais (Benner, 2001), essenciais na tipologia de aula PL.

2. Descrição da prática pedagógica

Expõem-se, de forma individualizada, os objetivos, a metodologia e a avaliação da prática pedagógica desenvolvida.

2.1. Objetivos e público-alvo

Esta metodologia é aplicada a estudantes do 2º ano 2º semestre em aulas de PL da UC IECDAC. Cada uma das 8 turmas está dividida em 4 grupos, de aproximadamente 10 estudantes, perfazendo um total de 32 grupos. As atividades, tendo por base a metodologia sala de aula invertida pretendem, em ambiente de simulação, capacitar o estudante para realizar as intervenções de enfermagem no âmbito da preparação e administração de terapêutica, cuidado ao cliente nos movimentos corporais e esqueléticos, e cuidado ao cliente com ferida cirúrgica.

2.2. Metodologia

Considerando a proposta metodológica, a preparação e realização do TA revela-se determinante para o professor e estudante.

Das 18 aulas de PL:

▪ 14 aulas “PL” com monitorização do “saber” e “saber como fazer” (Miller, 1990);

▪ 4 aulas “PL avaliação” para “mostrar como faz” (Miller, 1990).

Evidencia-se o trabalho realizado em cada uma das 14 aulas PL, nomeadamente: “Préaula”, “Aula” e “Pós-aula”.

Salienta-se como suporte ao TA a plataforma Blackboard (Bb) e a interação com o professor, em sala de aula.

Definiram-se para cada uma das 14 aulas PL 3 momentos:

▪ [1] “Pré-aula” (TA em Bb);

▪ [2] “Aula” (Tempo de contacto com o professor); e

▪ [3] “Pós-aula” (TA em Bb).

Elencam-se detalhadamente as atividades em cada um destes momentos:

[1] “Pré-aula” - A aquisição de conhecimento, tendo como suporte os materiais disponibilizados previamente à aula (texto, vídeo de demonstração do procedimento, pré-teste com 10 questões de escolha múltipla, através da plataforma de e-learning Bb) (Figura 1).

[2] “Aula” - Com o professor, o estudante permite-se a um desempenho estruturado e fundamentado, revelador do TA prévio, com análise e apropriação do saber. Do desempenho em aula, o professor faz a avaliação considerando os indicadores definidos (Figura 2).

[3] “Pós-aula” - Pós-teste, com 10 questões de escolha múltipla, em Bb. Solicita-se ao estudante que faça uma retrospetiva intencional do que foi trabalhado em sala de aula. Salienta-se que em ambos os testes, pré e pós-aula, é disponibilizado, de imediato, feedback detalhado, relativamente à sua opção de resposta. O resultado dos testes, está sempre disponível para o estudante no centro de notas do Bb, podendo ser analisado e discutido com o professor. Todas as dimensões concorrem para a nota final da aula.

Todo o processo está mapeado, para as 17 semanas do semestre, no Guia da UC. Deste modo professores e estudantes, conhecem detalhadamente o circuito de disponibilização de materiais e os detalhes de realização e conclusão das atividades: os conteúdos para TA e os Pré e Pós-testes para cada uma das 14 aulas PL (Figura 3).

2.3. Avaliação

Nas UC da área científica de Enfermagem com uma componente de prática laboratorial superior a 25% das horas de contacto, como é o caso, a avaliação desta componente é exclusivamente de natureza contínua. Esta modalidade de avaliação é a que permite acompanhar, de uma forma regular, o progresso do trabalho e aproveitamento do estudante ao longo da UC. É cumulativa e efetua-se tendo em consideração os parâmetros e critérios estabelecidos no início da unidade curricular.

As 14 aulas denominadas de “Aula PL” possibilitam ao estudante o primeiro contacto com o procedimento, permitindo garantir os extratos do “saber” e do “saber como fazer”, avaliandose o desempenho de acordo com os indicadores definidos, nomeadamente:

▪ Conhecimento sobre a temática subjacente à intervenção/técnica/procedimento;

▪ Fundamentação da intervenção/técnica/procedimento;

▪ Utilização dos materiais para a intervenção/técnica/procedimento;

▪ Respeito pelos princípios inerentes à intervenção/técnica/procedimento.

Nas restantes 4 aulas, estas denominadas “PL Avaliação”, o estudante “mostra como faz” um procedimento proposto. Corresponde à avaliação de habilidades e competências clínicas. Ocorre no final de cada módulo, composto por 2 ou 4 aulas PL. Tem por base os conteúdos específicos abordados nesse módulo. No documento orientador desta aula está especificado todo o processo, nomeadamente o modo como será sorteado o procedimento a realizar por cada estudante. Cada estudante terá aproximadamente quinze (15) minutos para a sua execução. Será realizado de modo autónomo pelo estudante e avaliado pelo professor. A avaliação centra-se nas habilidades e competências teóricas e instrumentais.

Assim, face à situação proposta, cada estudante deverá:

▪ Preparar o material e equipamento necessário à realização do procedimento;

▪ Descrever os princípios científicos aplicáveis ao procedimento;

▪ Preparar o cliente em conformidade com os conceitos fundamentais da enfermagem;

▪ Justificar teoricamente as ações realizadas;

▪ Executar o procedimento de acordo com as etapas aprendidas;

▪ Enunciar os aspetos relevantes a incluir nos registos relativos ao procedimento realizado;

▪ Deixar o laboratório em condições de voltar a ser utilizado.

No início de todas as aulas PL o professor reserva um espaço de tempo para que o estudante exponha as suas dúvidas e dificuldades encontradas na realização do TA, nomeadamente, na leitura dos documentos e visualização dos vídeos disponibilizados. Considera, também, para análise com os estudantes, os registos de avaliação em Bb, resultantes da realização dos pré e pós testes dessa aula. É importante perceber, no caso de existirem discrepâncias significativas, entre estudantes ou entre os registos habituais para um mesmo estudante, se estas decorrem do instrumento de avaliação ou de condições inerentes ao estudante, nomeadamente a preparação para os realizar.

3. Resultados, implicações e recomendações

A metodologia de sala de aula invertida, na aprendizagem dos estudantes de enfermagem, no caso específico da componente de prática laboratorial, tem-se revelado muito interessante e desafiadora, para estudantes e professores, considerando o processo e o resultado do mesmo. Permite, pelo seu potencial, o processo iterativo de aprendizagem e aquisição de competências teóricas e instrumentais (Benner, 2001), essenciais na tipologia de aula PL. Dos inquéritos de avaliação da UC, realizados pelos estudantes, elencam-se alguns dados significativos. Emergem como determinantes nesta metodologia, a organização dos conteúdos, o suporte vídeo e a interação com o professor em sala de aula. Os estudantes salientam que “o ambiente em laboratório foi extremamente importante para consolidação do trabalho realizado em casa”. Os pré-testes e pós-testes são entendidos como “muito importantes para consolidar a matéria”.

Ainda que o processo envolva um trabalho muito sistemático de todos os envolvidos, a organização conseguida, resultado do trabalho de uma equipa docente motivada e da enorme proximidade com os estudantes, tem-se revelado estimulante e confortadora. O processo está neste momento a ser replicado em 4 aulas de tipologia TP. Pretende-se fazer uma avaliação detalhada, para conhecer o seu impacto na aprendizagem e nos resultados dos estudantes.

4. Conclusões

A utilização de metodologias ativas, neste caso a sala de aula invertida, no ensino de enfermagem, tem mostrado resultados positivos no processo de aprendizagem. O estudante torna-se mais responsável e desenvolve uma maior autonomia pelo seu processo de aprendizagem. O exercício do professor é, por inerência, também exigente, solicitando-se-lhe que, desenvolva e apresente estratégias de ensino ativas e diversificadas, considere o conceito ou tema das sessões, e tenha como foco as capacidades de aprendizagem do estudante.

O sucesso do processo e os resultados alcançados decorrem da proximidade construída entre o professor e o estudante, possibilitado pelo rácio de um professor para cada dez estudantes. Concorrem, também, para o sucesso, o investimento do professor no desenvolvimento de materiais motivadores, agradáveis e mobilizadores da adesão ao projeto educativo.

5. Referências Bibliográficas

Benner, P. (2001). De iniciado a perito: Excelência e poder na prática de enfermagem Quarteto.

Bergmann, J., & Sams, A. (2012). Flip your classroom: Reach every student in every class every day International Society for Technology in Education.

Flipped Learning Network. (2014). Flip learning the four pillars of F-L-I-P https://flippedlearning.org/ wp-content/uploads/2016/07/FLIP_handout_FNL_Web.pdf

Haws, S. J. (2014). The flipped classroom now or never. American Association of Nurse Anesthetists Journal, 82(4), 264–269.

Miller, G. (1990). The assessment of clinical skills/competence/performance. Academic Medicine, 65(9), S63–S67. http://winbev.pbworks.com/f/Assessment.pdf

O’Flaherty, J., & Phillips, C. (2015). The use of flipped classrooms in higher education: A scoping review. Internet and Higher Education, 25, 85–95. https://doi.org/10.1016/j.iheduc.2015.02.002

Paiva, M. R., Parente, J. R., Brandão, I. R., & Queiroz, A. H. (2016). Metodologias ativas de ensinoaprendizagem: Revisão integrativa. SANARE, 15(2), 145-153. https://sanare.emnuvens.com. br/sanare/article/view/1049/595

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