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Trabalho por Projeto: Conceção de uma consulta de Enfermagem para adolescentes recorrendo a ferramentas tecnológicas

Ana Maria Poço Santos‡

O Ensino em Enfermagem tem enfrentado enormes desafios no sentido de criar e/ou otimizar contextos clínicos de aprendizagem, que permitam aos estudantes lidar de forma mais orientada com os contextos reais e com as características de determinada população alvo de cuidados. O trabalho por projeto é uma estratégia focada nas propostas pedagógicas contemporâneas, colocando o estudante no centro do processo de ensino e de aprendizagem, como organizadores e produtores do seu próprio conhecimento.

Também a associação entre empreendorismo e inovação tecnológica, como ferramentas essenciais ao trabalho dos enfermeiros, atualmente é central ao processo ensino/aprendizagem. Os adolescentes e jovens de hoje, trilharam nesta última década, novas formas de comunicação e interação através de recursos tecnológicos. Neste contexto, o desafio lançado aos estudantes do 7º e 8º semestre do Curso de Licenciatura em Enfermagem foi a conceção de uma consulta de Enfermagem para adolescentes, recorrendo a ferramentas tecnológicas. A concretização deste desafio foi possível recorrendo a uma metodologia colaborativa e de continuidade, centrada em multiprojetos concebidos por diferentes grupos de estudantes de enfermagem. A conceção da consulta teve resultados positivos quer na aprendizagem dos estudantes, quer na instituição acolhedora do ensino clínico.

Palavras-Chave: Trabalho por projeto; Tecnologia de informação e comunicação; Enfermagem; adolescentes.

1.Contextualização

As instituições de ensino superior, em particular Escolas Superiores de Enfermagem, desenvolvem sinergia com as instituições parceiras do processo ensino-aprendizagem tornando-se agentes ativos de desenvolvimento. Sabemos que os sistemas de saúde são dinâmicos e exigem uma contínua restruturação de métodos, técnicas, tecnologias e instrumentos, que demonstrem beneficiar a população, permitindo o fácil acesso aos cuidados de saúde. Também o processo ensino-aprendizagem em enfermagem, procura adaptar-se às transformações que ocorrem de forma contínua na sociedade e nos sistemas de saúde. As profissões da saúde centram-se atualmente, na associação entre empreendorismo e inovação tecnológica, como instrumentos essenciais para o desenvolvimento da área da saúde. A Organização Mundial da Saúde defende que as tecnologias são fundamentais para os sistemas de saúde, garantindo o acesso equitativo, seguro e promotoras da eficácia e custo-efetividade (World health organization [WHO], 2007). Alguns autores (Thukral et al., 2017), mencionam que a utilização de novos métodos e tecnologias educacionais têm um impacto relevante na execução dos cuidados, pois possibilitam a autonomia no processo dos formandos.

Os atores envolvidos nos processos de aprendizagem em contextos de ensino clínico, professor, enfermeiro gestor e equipa de enfermeiros tutores, implementam metodologias crítico-reflexiva que permitem aos estudantes a aquisição de competências e habilidades capazes de conceber transformações da prática clínica e adequá-las à realidade e conjunturas locais. A criação de espaços de debate, reflexão e de apoio cientifico-pedagógico permite aos estudantes trabalharem por projeto, centrado este, na inovação tecnológica e na conceção de instrumentos para problemas reais. Para isso, em equipa interdisciplinar, decidimos trabalhar, sobre um problema identificado numa Unidade de cuidados de saúde personalizados (UCSP) da zona centro de Portugal: a baixa taxa de adesão dos adolescentes e jovens entre os 14 e os 19 anos, aos cuidados de saúde sexual e reprodutiva (SSR).

A seleção deste problema decorreu do reconhecimento da importância que os adolescentes têm na sociedade, constituindo uma população em que é necessário intervir precocemente, de forma a prevenir futuros comportamentos de risco. Deste modo, os enfermeiros constataram que o adolescente carece de uma atenção especial e integral, na promoção de comportamentos saudáveis, nomeadamente, no que diz respeito à promoção da saúde sexual. Porém, é imprescindível que o enfermeiro seja mais criativo e audaz, inovando e mudando os paradigmas do processo de educação em saúde, no sentido de desenvolver instrumentos que permitam cooptar os adolescentes para as consultas de enfermagem. Hoje, os adolescentes estão imbuídos numa sociedade altamente tecnológica, desenvolvendo outras formas de comunicação, em que a internet os conecta no tempo e espaço, permitindo o acesso a conteúdos relacionados com a saúde nem sempre corretos.

2. Descrição da prática pedagógica

Os Cuidados de Saúde Primários, têm um papel fundamental na promoção da saúde e prevenção da doença e devem adaptar-se aos novos padrões de comunicação com a população alvo de cuidados. Sabemos que as tecnologias de informação e comunicação apresentam ferramentas inovadoras que aproximam os adolescentes dos assuntos relacionados com a sua saúde, surgindo como uma nova estratégia de discussão e formação crítico-reflexiva, que pode ampliar os caminhos da educação em saúde (Bastos et al., 2018).

Assim, o desafio colocado aos estudantes de enfermagem, foi a conceção de uma consulta de enfermagem para adolescentes, sobre saúde sexual e reprodutiva, usando ferramentas tecnológicas, utilizando algumas linhas orientadoras que constava no projeto pedagógico do professor orientador.

2.1. Objetivos e público-alvo

No nosso projeto pedagógico para o ano letivo, tínhamos três objetivos principais ao propormos este desafio aos estudantes: promover nos estudantes a capacidade de conceção de uma prática clínica inovadora, usando ferramentas tecnológicas e adaptada a um contexto real; capacitar os estudantes para a gestão do trabalho por projeto e ainda contribuir para a melhoria da qualidade dos campos de ensino clínico para estudantes de enfermagem. Tínhamos como finalidade a construção de uma consulta de enfermagem sustentada em evidência científica e em ferramentas tecnológicas que permitisse o fácil acesso dos adolescentes a conteúdos de promoção da saúde, contribuindo para a inovação de práticas clínicas mais adequadas a esta população alvo de cuidados de enfermagem. Assim, o nosso Projeto Pedagógico incluiu, 8 estudantes do 7º semestre e duas estudantes do 8º semestre do Curso de Licenciatura em Enfermagem. Cada grupo concebia, implementava, avaliava e divulgava os resultados do seu projeto para que os grupos seguintes trabalhassem em contínuo.

2.2. Metodologia

Para a enfermagem o processo ensino aprendizagem focado na metodologia de trabalhar por projeto é essencial porque é uma “metodologia de trabalho que tem como ponto de partida a pesquisa e, consequentemente conduz à aquisição de saberes” (Agostinhho, 2017) Além desta dimensão cognitiva, integra também a dimensão metacognitiva e social, permitindo o desenvolvimento da identidade profissional. Esta metodologia pedagógica-construtivista, exige o envolvimento e motivação do estudante na construção do conhecimento técnicocientífico, comprometendo-se com a transformação e inovação dos cuidados de enfermagem. O professor tem um papel de facilitador e promotor da autonomia, conduzindo os grupos de estudantes e estabelecendo com estes, um conjunto de etapas por onde terão de passar para a concretização do seu projeto. Assim, planeamos duas fases de desenvolvimento, integrando dois níveis de formação em contexto de Ensino Clínico, estudante do 7º e do 8º semestre do Curso de Licenciatura em Enfermagem.

A Fase I foi desenvolvida com quatro grupos de estudantes do 7º semestre (num total de 8 estudantes), estes de acordo com o planeamento realizaram as seguintes atividades: a) Construção de um Portfólio com a análise de artigos científicos sobre o período da adolescência e principais problemas relacionados com a saúde sexual e reprodutiva dos adolescentes a nível nacional e internacional; b) Realização da caracterização sociodemográfica dos adolescentes/jovens clientes ou presumíveis clientes daquela Unidade de Saúde. Com esta caracterização constataram que estavam inscritos na unidade de saúde 588 adolescentes, verificando-se uma baixa taxa de adesão dos adolescentes aos cuidados de saúde na faixa etária dos 1419 anos. c) Identificação de focos e intervenções dos enfermeiros, baseado na evidência científica espelhada no Portfólio; d) Construção de alguns indicadores de saúde sexual e reprodutiva que permitem analisar a situação de saúde dos adolescentes localmente.

Integrando todo o conhecimento produzido na Fase I, as duas estudantes do 8º semestre do Curso de Enfermagem, na Fase II, conceberam a consulta de enfermagem desenvolvendo as seguintes atividades: a) Desenvolvimento da Monografia “Estratégias educacionais tecnológicas na promoção da saúde sexual dos adolescentes: Revisão integrativa da literatura” com o objetivo de identificar estratégias tecnológicas eficazes na promoção da saúde sexual para adolescentes. Esta foi publicada na Revista de Enfermagem da Associação Portuguesa de Enfermeiros Obstetras.5 b) De acordo com vários autores, educar os adolescentes através de informações sobre a saúde num website, aumenta significativamente a sua literacia em saúde (Pinto et al., c) Construção de uma pasta digital com material informativo sobre a consulta de enfermagem e seu funcionamento. Para a divulgação nas redes sociais da instituição, escolas e locais daquela comunidade frequentados pelos adolescentes, construíram um videograma. Foram ainda concebidos inúmeros modelos de mensagens de texto para os enfermeiros poderem enviar aos adolescentes. Estas estratégias são eficazes e estão referidas num estudo em que (50%) dos adolescentes afirmaram que estariam mais disponíveis a utilizar um serviço de mensagens de texto e assistir a um vídeo online como, por exemplo, no Youtube (43%) ou no telemóvel (35%)6. Foi também possível verificar que a utilização dos telemóveis, nomeadamente, as mensagens de texto oferecem aos profissionais de saúde uma excelente oportunidade de envolver um grande número de indivíduos a um custo gratuito (Pacheco et al., 2018). d) Os jogos educativos, nomeadamente os jogos online promovem a aquisição de conhecimentos, estimulam atitudes preventivas e promovem ações transformadoras para a mudança de hábitos e comportamentos, através do ambiente calmo e relaxado (Pinto et al., 2017). Assim, foi também elaborado um jogo online que contém 20 questões sobre ”Sexualidade Saudável”, que pode ser utilizado, para validação de conhecimentos e das informações transmitidas pelo profissional de saúde no final de uma consulta. e) Adicionalmente, a todas as estratégias supramencionadas, foi construído ainda, um portefólio, onde constam documentos ainda tradicionalmente usados em formato de papel.

2017). Assim, foi construído um Website como estratégia tecnológica em saúde. Este tinha várias potencialidades, sendo possível aos adolescentes marcarem consultas online, oferecendo-lhes a possibilidade de as concretizarem presencialmente, à distância ou em grupo. Através desta estratégia tecnológica, é ainda possível que os adolescentes encontrem informações credíveis sobre variados temas (métodos contracetivos, infeções sexualmente transmissíveis, comportamentos saudáveis, entre outros). No website está integrado um chat que permite a comunicação dos adolescentes com a equipa de saúde.

2.3. Avaliação

A avaliação desta metodologia de trabalho foi realizada paulatinamente durante o desenvolvimento dos projetos apresentados e discutidos pelos diferentes grupos de estudantes em ensino clínico. Várias foram das técnicas de recolha de dados para a avaliação deste processo. Tínhamos planeado no nosso projeto pedagógico recolher dados das reflexões críticas realizada no final de cada bloco de ensino clínico pelos/as estudantes e por notas de campo realizadas durante os encontros de orientação e supervisão pedagógica. Também tínhamos planeado a recolha de dados com a equipa de tutores, enfermeiro gestor e elementos da equipa multidisciplinar aquando da apresentação da globalidade trabalho realizado.

3. Resultados, implicações e recomendações

Após procedermos a análise de conteúdo dos dados recolhidos, podemos evidenciar resultados a três níveis diferentes: para os/as estudantes, para as equipas multidisciplinares e para as instituições envolvidas.

Para os/as estudantes na Fase I: a) A pesquisa teórica permitiu aos estudantes desenvolver a capacidade de pesquisa de documentos e artigos em base de dados e bibliotecas digitais; b) Formulação de focos e intervenções de enfermagem adequados à evidência científica mais recente; Desenvolvimento da capacidade de reflexão com a equipa de enfermagem sobre focos e indicadores de Saúde Sexual e Reprodutiva; c) A caracterização sociodemográfica dos adolescentes permitiu o desenvolvimento da capacidade para o uso da plataforma S-clínico e identificação de não adesão dos adolescentes a consultas presenciais, nomeadamente entre os 14 e os 19 anos.

Para os/as estudantes na Fase II:

a) Desenvolvimento de competências tecnológicas de promoção da SSR, através da construção de um website com temas de educação para a saúde, jogos e vídeos online, concebidos de acordo com os focos de enfermagem; b) Consciencialização de que as TIC são uma ferramenta crucial para a aproximação do público-alvo aos serviços de saúde e que a utilização das TIC fomenta novos caminhos e alternativas de educação para a saúde, possibilitando assim métodos inovadores; c) Desenvolvimento da capacidade de conceção e a munição de ferramentas tecnológicas à equipa de enfermagem; d) Capacitação dos/as estudantes de enfermagem para produzirem e readequarem novos recursos tecnológicos educativos, focados na coprodução de conhecimento e autonomia, em que os adolescentes se tornam protagonistas no ato educativo.

Para as Instituições envolvidas:

A articulação entre a missão das Escolas Superiores de Enfermagem e as instituições parceiras para os contextos de ensino clínico, usando a estratégia de trabalho por projeto, permite uma maior eficiência, motivação e aprendizagem dos/as estudantes de enfermagem e conduz à reflexão e transformação de práticas clínicas. Constatamos que existem ganhos para as equipas de enfermagem que participaram neste processo de desenvolvimento de competências dos/as estudantes, quando se concebem novas práticas adequadas às formas atuais de comunicação dos adolescentes e se ampliam formas de educação para a saúde.

4.Conclusões

Procurámos realizar uma experiência ensino/aprendizagem baseada em multiprojetos, centrada nos/as estudantes de enfermagem, na construção do seu conhecimento e no desenvolvimento de competências. Com o desafio lançado tiveram a oportunidade de desenvolver um trabalho colaborativo e criarem uma consulta, recorrendo a tecnologias que permitem a aproximação dos adolescentes aos cuidados de saúde. A geração destes/ as estudantes desenvolveu na última década, competências tecnológicas que lhes permite inovar práticas clínicas. Para isso, é essencial que a aprendizagem seja desafiadora e os atores envolvidos neste processo imprimam um acompanhamento mais próximo, sistemático e com uma finalidade bem definida. A qualidade do produto construído, o feedback da equipa multidisciplinar, a satisfação do/as estudantes e equipas multidisciplinares corrobora a opinião de que os/as estudantes são uma mais-valia na conceção de cuidados inovadores que transformam práticas clínicas e incrementam a literacia em saúde.

Como limitações, enfatizamos o elevado consumo de horas de Ensino Clínico, que estes projetos absorvem aos/às estudantes para a construção das ferramentas tecnológicas.

Para colmatar estas situações integrámos algumas horas de trabalho do/a estudante, no Projeto de extensão à comunidade Ser Saudável - Promoção da saúde sexual e reprodutiva, contribuindo para certificar as atividades de apoio ao desenvolvimento de trabalhos de campo, realizadas pelo/a Estudante, para que constem no seu suplemento ao diploma.

5. Referências bibliográficas

Agostinho, C. S. (2017). O Trabalho-Projecto como estratégia pedagógica no ensino da História [Dissertação de mestrado]. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa.

Bastos, I. B., Silva, I. A., Cavalcante, A. S., & Vasconcelos, M. I. (2018). Utilização das tecnologias de informação e comunicação para a saúde do adolescente: Uma revisão integrativa. Essentia: Revista de Cultura, Ciência e Tecnologia, 19(2), 61-72. https://essentia.uvanet.br/index.php/ ESSENTIA/article/view/166

Bastos, T., Soares, G., & Santos, A. (2020). Estratégias tecnológicas na promoção da saúde sexual e reprodutiva: Revisão integrativa. Revista da Associação Portuguesa de Enfermeiros Obstetras, 2, 4-10.

Mariano, M. R., Pinheiro, A. K., Aquino, P. S., Ximenes, L. B., & Pagliuca, L. M. (2013). Jogo educativo na promoção da saúde de adolescentes: Revisão integrativa. Revista Eletrônica de Enfermagem, 15(1), 265-273. http://dx.doi.org/10.5216/ree.v15i1.17814

Pacheco, J. A., Sousa, J., & Lamela, C. (2018). Aprendizagem baseada em projeto. RepositórioUM: Repositório Institucional da Universidade do Minho. https://hdl.handle.net/1822/60079

Pinto, A. C., Scopacasa, L. F., Bezerra, L. L., Pedrosa, J. V., & Pinheiro, P. N. (2017). Uso de tecnologias da informação e comunicação na educação em Saúde de adolescentes: Revisão integrativa. Revista de Enfermagem UFPE online, 11(2), 634-644. https://periodicos.ufpe.br/revistas/ revistaenfermagem/article/view/11983/14540

Thukral, A., Joshi M., Joshi P., Prakash V., Adkoli, B. V., & Deorari, A. K. (2017). Apps for management of sick newborn: Evaluation of impact on health care professionals. Journal of Tropical Pediatrics, 60(5), 370-376. http://dx.doi.org/10.1093/tropej/fmu032

World Health Organization. (2007). Everybody’s business: Strenghtening health systems to improve health outcomes. WHO’s framework for action

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