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Ensino de Matemática no Ensino Superior pós-Covid
Ana Júlia Viamonte‡ Isabel Pinto‡
‡ LEMA, DMA, ISEP, P.Porto ajv@isep.ipp.pt irm@isep.ipp.pt Resumo
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O ensino remoto de emergência foi uma solução para o momento de confinamento devido ao Covid-19, mas resultou em muitas lacunas no processo de aprendizagem dos estudantes. No ensino pós-covid houve a necessidade de colmatar essas lacunas e de motivar os estudantes para a aprendizagem. Foi neste contexto que surgiu a experiência que é apresentada neste trabalho. Tradicionalmente, nos cursos de engenharia, as unidades curriculares da área da matemática estão divididas em aulas teóricas e aulas práticas. A taxa de assiduidade nas aulas práticas é, geralmente, alta, mas nas aulas teóricas costuma ser baixa. Este facto tem uma influência grande na aprendizagem dos estudantes e, consequentemente, na taxa de aprovação. Num cenário pós-covid, a assiduidade às aulas teóricas torna-se, por isso, ainda mais importante para que os estudantes consigam superar as lacunas e atingir as aprendizagens desejadas. Com o intuito de motivar os estudantes para a aprendizagem, nas aulas teóricas de uma unidade curricular da área da matemática de uma licenciatura em engenharia, foi utilizada uma metodologia mista, metodologia clássica e metodologia TBL (Team-Based Learning). Como se pode comprovar pelos resultados apresentados, os estudantes, de uma forma geral, gostaram da experiência, a assiduidade às aulas teóricas foi elevada e a taxa de aprovação foi alta.
Palavras-Chave: Ensino da Matemática pós-Covid, Experiência
Pedag Gica
1. Contextualização
O ano de 2020 foi marcado pelo surgimento do novo Corona Vírus SARS-CoV-2 (COVID-19) o que levou a Organização Mundial de Saúde a declarar em março uma emergência de saúde global (Agopyan, 2020). A pandemia, originada pelo COVID-19, afetou a vida de milhões de pessoas a uma escala global. Na Europa assistiu-se a uma situação sem precedentes: lockdown, suspensão de atividades e serviços, encerramento de atividades letivas, distanciamento social, entre outras (Campanella & Sardinha, 2021). Em consequência disso, as universidades e politécnicos foram forçados, em poucos dias, a reorganizar-se e a passar para o ensino online. Contudo esta reorganização não foi projetada com calma, foi motivada pela necessidade do momento. Estas alterações interferiram muito no relacionamento entre estudantes e entre estudantes e professores com consequências no processo de aprendizagem. O processo educativo não pode ser concebido desvinculado da comunicação e da relação entre estudantes e entre estudantes e professores, sob pena de desvirtuar o que é essencial na educação, não há educação sem comunicação.
O cenário pós-covid-19 impõe, por isso, novos desafios para o ensino em geral e para o ensino superior em particular. É necessário repensar a forma como se lecionam as aulas e as didáticas utilizadas de forma a captar os estudantes e a recuperar algumas falhas na sua formação em consequência das alterações provocadas pela pandemia. Um dos grandes desafios que se coloca ao ensino superior é o engajamento dos estudantes. O engajamento é muito mais do que a simples presença dos estudantes nas aulas, está relacionado com a participação ativa deles nos conteúdos apresentados, assim como a participação nas atividades e na realização das provas (Bomfim, 2022). É importante aumentar o engajamento de estudantes nas aulas, especialmente no momento atual póscovid-19, em que os estudantes estão a voltar ao ensino presencial e ao contacto uns com os outros, pois o engajamento auxilia professores e estudantes a se envolverem ativamente em experiências de aprendizagem (Zepke, 2013).
Neste trabalho pretendeu-se aliar a metodologia ”Team-based learning” (TBL) com a metodologia tradicional de forma a fomentar a aprendizagem e o engajamento dos estudantes. A metodologia TBL é uma metodologia ativa (Costa et al., 2021), ao utilizar esta metodologia mista pretendeu-se que, durante as aulas teóricas, os estudantes tivessem uma atitude mais ativa, tomando decisões, avaliando resultados, trabalhando a criatividade, possuindo uma atitude mais colaborativa em equipas, isto é, sendo protagonistas no seu próprio processo de aprendizagem.
2. Descrição da prática pedagógica
No ensino pós-covid o grande desafio que se colocou aos professores foi o de conseguir motivar os estudantes para a aprendizagem. Só se aprende se se estiver motivado e para isso foi necessário repensar as metodologias de ensino.
2.1. Objetivos e público-alvo
Neste trabalho é apresentada uma experiência realizada numa unidade curricular (UC) da área da matemática do 1º ano, 1º semestre de curso de engenharia no ano letivo 2021/2022. A UC tinha 72 estudantes inscritos que semanalmente tinham uma aula teórica de duas horas e duas aulas práticas de duas horas cada. Tradicionalmente a participação nas aulas práticas é muito boa, mas, nas aulas teóricas, é fraca. Foi, então, utilizada uma metodologia mista com o intuito de promover o engajamento e participação dos estudantes nas aulas teóricas e, consequentemente, melhorar as suas aprendizagens e o seu sucesso escolar.
2.2. Metodologia
Nas aulas teóricas foi utilizado um misto entre a metodologia clássica e metodologia TBL. No início de cada aula teórica, durante 30 a 50 minutos, era feita uma introdução ao tema da aula e depois eram lançadas perguntas aos estudantes através de um questionário de escolha múltipla. Estes questionáros visavam a matéria que tinha sido apresentada nessa aula e eram acedidos, pelos estudantes, através do telemóvel ou do computador. Os estudantes tinham 10 minutos para analisar individualmente o questionário sem a possibilidade de consultar qualquer fonte bibliográfica. Posteriormente, em grupo e, com a possibilidade de recorrer à ajuda de literaturas e afins, os estudantes debatiam sobre as alternativas de resposta, as razões que os tinham levado a escolher determinada alternativa em detrimento das outras e tentavam chegar a um consenso sobre qual era a alternativa correta. Nesta fase de trabalho de grupo, os estudantes podiam consultar a página da disciplina no Moodle onde a docente tinha colocado diverso material teórico-prático. Por fim, respondiam ao questionário. Nos últimos 15 a 20 minutos da aula, eram discutidas as dúvidas que os estudantes tinham sentido e apresentada a solução do questionário proposto para essa aula.
2.3. Avaliação
No final do semestre foi aplicado um inquérito para aferir como os estudantes se tinham sentido com esta metodologia. O questionário foi aplicado de forma anónima recorrendo à plataforma Moodle. As primeiras questões eram de resposta fechada, numa escala de Likert que varia entre 1 e 5 (Discordo totalmente – Concordo totalmente) e no final havia uma questão de resposta aberta. Como se pode observar pelos resultados apresentados na secção seguinte, a maioria dos estudantes sentiu-se mais motivado com esta experiência.
O inquérito foi proposto aos 72 estudantes inscritos na UC no ano letivo 2021/2022, dos quais 49 eram estudantes novos, 15 tinham 2 inscrições na UC e os 8 restantes tinham 3 ou mais inscrições na UC. Responderam ao inquérito 47 estudantes o que corresponde a 65% dos inscritos à UC. Destes, 38 eram estudantes novos, 7 tinham 2 inscrições na UC e os 2 restantes tinham 3 ou mais inscrições na UC (figura 1).
É de realçar que dos 49 estudantes novos, 38 estudantes, 78%, responderam ao inquérito. 7 dos estudantes que tinham 2 inscrições na UC, 47%, também responderam ao inquérito e dos 8 estudantes com 3 ou mais inscrições na UC, apenas 2, 25%, responderam. Estes dados estão em conformidade com a participação dos estudantes nas aulas. Os estudantes novos têm uma assiduidade muito elevada, tanto nas aulas práticas como nas aulas teóricas, e os estudantes com mais do que uma inscrição têm uma assiduidade fraca, principalmente nas aulas teóricas (figura 2).


3. Resultados, implicações e recomendações
As primeiras questões do inquérito destinavam-se a caraterizar os estudantes que tinham respondido ao mesmo e as seguintes a tentar perceber como os estudantes se tinham sentido com esta nova metodologia.
Relativamente à questão “Os inquéritos feitos nas aulas teóricas (T) ajudaram a manter a concentração e a motivação e, por isso, foram um processo de aprendizagem positivo”, como se pode ver pelo gráfico da figura 3, a maioria dos estudantes (80%) respondeu que gostou desta nova metodologia, 17% não têm opinião e apenas 3% não consideraram positiva para a aprendizagem a metodologia que foi usada nas aulas teóricas.
Respostas à questão “Os inquéritos feitos nas aulas T ajudaram a manter a concentração e a motivação e, por isso, foram um processo de aprendizagem positivo”

Relativamente à questão “Avaliação global das aulas”, como se pode ver pelo gráfico da figura 4, 94% dos estudantes, considerou-se satisfeito ou totalmente satisfeito com as aulas teóricas e 86% considerou-se satisfeito ou totalmente satisfeito com as aulas práticas. De realçar que a percentagem de estudantes que dá uma avaliação global positiva às aulas teóricas é superior à percentagem de estudantes que dá uma avaliação global positiva às aulas práticas, o que não é habitual. Apenas 3% dos estudantes não deram uma avaliação global positiva às aulas teóricas.
No final do inquérito foi pedido aos estudantes que apontassem os principais pontos positivos e negativos do funcionamento da UC. Entre os pontos positivos o que mais foi realçado foram os questionários e o trabalho de grupo nas aulas teóricas. Os principais pontos negativos referenciados pelos estudantes foi o facto de haver poucos elementos de avaliação contínua e de a participação nos questionários das aulas teóricas valer pouco para a avaliação final (figura 5).

Apesar de o peso destas avaliações ser pequeno, analisando a taxa de aprovação da UC (figura 6), parece que o impacto desta metodologia na aprendizagem foi bem-sucedido. A taxa de aprovação entre os estudantes que frequentaram a UC foi muito elevada.

Continuou, no entanto, a haver um número significativo de estudantes, 24%, que não frequentaram a UC e não fizeram qualquer prova durante o semestre.


4. Conclusões
Como não houve grupo de controlo, não podem ser tiradas conclusões definitivas, mas parece haver uma correlação entre a metodologia utilizada e a participação dos estudantes nas aulas. Os estudantes estiveram muito envolvidos nas aulas teóricas e a taxa de abandono foi baixa, principalmente no caso dos novos estudantes. Esta participação refletiu-se na taxa de aprovação da UC que, entre os alunos que participaram nesta avaliação, foi muito elevada.
Além dos questionários aplicados nas aulas teóricas, os estudantes tiveram 2 testes individuais, um deles realizado a meio do semestre e o outro no final do semestre na época de exames. Os estudantes novos de uma forma geral, estiveram empenhados, mas, entre os estudantes repetentes, a taxa de abandono continuou a ser grande. Numa próxima edição desta UC será necessário pensar em como conseguir motivar também estes estudantes e em diversificar a avaliação apostando em mais elementos de avaliação contínua.
5. Referências Bibliográficas
Agopyan, V. (2020, julho 8). Os desafios do ensino superior depois da covid-19. Jornal da USP.
https://jornal.usp.br/institucional/os-desafios-do-ensino-superior-depois-da-covid-19/
Campanella, S. C., & Sardinha, L. F. (2021). The effect of covid-19 on the strategy of a higher education institution: A case study. E3 - Revista de Economia, Empresas e Empreendedores na CPLP, 7(1), 028–051. https://doi.org/10.29073/e3.v7i1.357
Bomfim, T. (2022, março 18). O que é e como aumentar o engajamento de estudantes na sala de aula? D2L. https://www.d2l.com/pt-br/blog/engajamento-de-estudantes/
Costa, A. S., Cani, J. B., & Sandrini, E. G. (2021). A metodologia ativa Team Based Learning (TBL) e suas contribuições para o ensino/aprendizagem de matemática. Revista Ifes Ciência, 7(1), 1-13. https://doi.org/10.36524/ric.v7i1.1382
Zepke, N. (2013). Threshold concepts and student engagement: Revisiting pedagogical content knowledge. Active Learning in Higher Education, 14(2), 97-107. https://doi.org/10.1177/1469787413481127