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Seminário em aulas de psicologia da saúde no curso de enfermagem: Perceção do sentido da interdisciplinaridade
Ana Paula Forte Camarneiro ‡
‡ Escola Superior de Enfermagem de Coimbra pcamarneiro@esenfc.pt Resumo
Introdução: O seminário é uma das mais antigas e frequentes metodologias ativas utilizadas no processo de ensino/aprendizagem. Na unidade curricular psicologia da saúde, do curso de enfermagem, o seminário é planificado para ser desenvolvido em algumas aulas teórico-práticas através da preparação de temas em grupo, dirigidos pelo professor. São objetivos deste seminário permitir aos estudantes: compreender as transições em saúde numa perspetiva psicológica; desenvolver competências de pesquisa em bases de dados; analisar criteriosamente estudos publicados; articular e sintetizar conhecimentos interdisciplinares; mobilizar conhecimentos adquiridos; treinar a avaliação do resultado. Método: organização de grupos de trabalho; seleção dos temas; fornecimento de orientações detalhadas; apresentação com participação de todos estudantes; discussão e reflexão final em turma. A avaliação realiza-se na forma de auto e heteroavaliação do processo e resultado, finda cada apresentação. Avaliação: a metodologia foi positivamente avaliada pelos estudantes, referindo ganhos em conhecimentos e competências adquiridas. Mencionaram terem conseguido, ao longo do processo, diálogo critico, congregação de diversos conteúdos programáticos e integração de conhecimentos de psicologia da saúde na enfermagem. Conclusão: esta metodologia possibilita o treino da interdisciplinaridade bem como o treino da comunicação interpessoal e do trabalho em grupo e promove satisfação. O professor é facilitador, auxiliando a aprendizagem pela autonomia.
Palavras-Chave: Seminário, Ensino, Aprendizagem, Metodologias ativas de ensino.
1. Contextualização
Nas últimas décadas, as metodologias de ensino utilizadas nas Instituições de Ensino Superior tornaram-se alvo de observação atenta, por comparação com metodologias utilizadas no ensino não superior. Em qualquer nível de ensino, as metodologias ativas estimulam os estudantes a participar de forma mais direta, levando a conhecimento construído, e não apenas transmitido, e tornando a aprendizagem mais aliciante.
O seminário é uma das metodologias ativas mais utilizadas. Data de séculos atrás e tem sido largamente utilizado, embora com designações diversas, da qual a mais popular é “trabalho de grupo (com apresentação e discussão)”. Nesta metodologia, os estudantes trabalham em pequenos grupos para discutir temas e questões atribuídas, sob a orientação dos professores (Veiga, 2006; Zeng et al, 2020), com o objetivo de aprender, discutindo e confrontando questões práticas (Thomas et al., 2017; Tricio et al., 2019; Zeng et al., 2020). O seminário surgiu no fim do século XVII, na formação de quadros da elite universitária e política, mas apenas se afirmou no século XIX, na Alemanha. A sua raiz etimológica, seminarium, sugere um exercício complexo, pelo ato de “fazer germinar” as ideias interpenetradas pela discussão (Zanon & Althaus, 2010) para gerar novo conhecimento. O desenvolvimento de novas ideias, em grupo, através de pesquisa, reflexão, discussão e debate, com a participação ativa de todos, sob orientação do professor, relativa à articulação de conteúdos programáticos, numa perspetiva interdisciplinar, é a nossa motivação para utilizar o seminário, na unidade curricular (UC) Psicologia da Saúde, do curso de licenciatura em Enfermagem, na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra. Trata-se de uma UC obrigatória, teórica (T) e teórico-prática (TP), que decorre no primeiro semestre do segundo ano, com carga horária de 23 horas T e 22 horas TP, com 3ECTs. O programa é cumprido utilizando metodologias ativas diversas. O seminário tem um peso de 30% na nota final da UC.
Com este método, o estudante torna-se agente da sua própria formação, com ganhos importantes, como apontado por Zeng et al. (2020) numa meta-análise realizada com estudantes de medicina sujeitos a ensino por seminário. Comparativamente com o ensino por palestras, este revelou-se mais eficaz, aumentando as pontuações ao nível do conhecimento, das habilidades, da capacidade de aprendizagem ativa, do interesse e colaboração dos estudantes, da inovação científica e capacidade de pensamento independente, bem como o raciocínio lógico, a capacidade de expressão e comunicação, o trabalho em equipe, a interação professor-estudante e a atmosfera na sala de aula.
Apesar de os benefícios apresentados, o estudo supracitado demonstrou não existirem diferenças na aprendizagem de conceitos básicos, quer se utilize seminário ou palestras. Além disso não há evidências da elevada qualidade dos seminários, havendo a considerar desvantagens como o gasto de tempo de trabalho e de tempo livre. Comparando os métodos, Thomas et al. (2017) evidenciam que ambos produzem melhorias significativas nos resultados dos testes e que o ganho cognitivo é mais elevado no método por palestra, sem significado estatistico. Os efeitos do ensino por seminário são mais favoráveis nos cursos práticos, do que em cursos teóricos (Chun et al. 2019; Zeng et al., 2020), o que talvez se deva ao desenvolvimento de competências práxicas, privilegiado na interação multidirecional entre estudantes, ou entre professores e estudantes (Tricio et al., 2019).
Embora os estudantes possam não apresentar níveis superiores na aprendizagem por seminário, relataram maior satisfação com este método, em comparação com a palestra (Thomas et al., 2017). Este é um dado a ter em conta, pois a satisfação com a aprendizagem torna-se uma condição crucial ao nível da prevenção do abandono escolar, dado o enorme peso da dimensão afetiva na aprendizagem. Em síntese, encontramos resultados que corroboram a nossa opção por realizar diversas metodologias no decurso da unidade curricular, bem como a realização do seminário em aulas TP. Cada método tem seus próprios méritos relativos e devem ser usados para aproveitar as vantagens de ambos (Thomas et al., 2017).
2. Descrição da prática pedagógica
No seminário, os estudantes trabalham em pequenos grupos, de discussão de temas e questões de psicologia da saúde, confrontando-se com questões práticas, numa procura ativa e estimulante, sob orientação, numa interação multidirecional (e. g., Thomas et al., 2017; Tricio et al., 2019; Zeng et al., 2020).
2.1. Objetivos e público-alvo
Selecionámos o ensino por seminário, com os objetivos de levar os estudantes a: (1) Compreender as transições em saúde numa perspetiva psicológica (os estudantes selecionam um de três temas possíveis: a) Comportamentos de risco e doença corporal; b) Consequências psicológicas da doença corporal; c) Ajustamento psicológico em fase de alteração física desenvolvimental). (2) Desenvolver competências de pesquisa em motores de busca (pesquisa avançada na b-on e/ou Ebsco). (3) Analisar criteriosamente estudos publicados (leitura dos artigos de acordo com as competências adquiridas). (4) Articular e sintetizar conhecimentos interdisciplinares (capacidade de leitura, análise, interpretação e reflexão, para articulação de conhecimentos interdisciplinares e síntese de ideias). (5) Mobilizar conhecimentos adquiridos, para maior compreensão psicológica da situação em estudo. (6) Treinar a avaliação do resultado final, através de auto e heteroavaliação do processo e do resultado.
O público-alvo são 340 estudantes de enfermagem, distribuídos por 8 turmas teórico-práticas, no primeiro semestre do segundo ano, com média de idades de 19 anos, maioritariamente do sexo feminino e provenientes de contextos socioeconómicos diversificados. A psicologia da saúde é uma UC nova para todos. O seminário permite ir à descoberta do seu objeto de estudo, desenvolvendo competências de interdisciplinaridade, através do trabalho em equipa, melhorando a interação e treinando a exposição oral.
2.2. Metodologia
O seminário é realizado em grupos de 5 a 6 estudantes, em horas de tempo individual do estudante e em horas de contacto nas aulas TP. É apresentado em aulas TP. Num primeiro momento é explicada a metodologia e são apresentados os três grandes temas para estudo. Em seguida, os estudantes organizam os grupos de trabalho e selecionam um dos grandes temas. Depois, são dadas todas as orientações necessárias à seleção do tema específico. Assim que esta seleção esteja feita, seguem-se as orientações para o adequado desenvolvimento do seminário, nos seguintes aspetos: 1- Pesquisa bibliográfica e recolha de artigos científicos sobre o tema em estudo em motores de busca. 2- Fornecemse explicações detalhadas sobre a construção do texto escrito com 8 páginas em formato de artigo científico, onde será incluída a análise e articulação dos estudos pesquisados; a reflexão crítica, com integração de conteúdos programáticos lecionados; breve conclusão; referências bibliográficas; apêndices e anexos, os artigos em pdf). 4- Forma de entrega, em formato digital. 5- Modo de apresentação, em turma, com a duração de 15 minutos seguida de 10 minutos de discussão. Todos os estudantes devem participar na apresentação e na resposta às questões colocadas. Privilegia-se a criatividade na apresentação. 6- Os estudantes de toda a turma devem participar na reflexão e discussão final e deverão formular questões para colocarem no final da apresentação de cada tema.
2.3. Avaliação
A avaliação é feita com recurso a metodologias qualitativas, quantitativas e mistas. Estas são traduzidas numa classificação final, feita através de uma grelha construída para o efeito. Essa grelha contempla (1) o processo de desenvolvimento do trabalho, (2) a análise do trabalho escrito, (3) a apresentação e a resposta às questões colocadas. A grelha é publicitada no documento de orientação do seminário. Além disso, ao longo das aulas previstas para o efeito, são tomadas notas de evolução do trabalho, através da observação do trabalho desenvolvido, individualmente e em grupo, e das respostas às questões colocadas. Estas informações são anotadas em folha própria anexa à grelha de avaliação.
3. Resultados, implicações e recomendações
Os resultados obtidos demonstraram um nível elevado de satisfação dos estudantes com a metodologia utilizada, bem como efeitos positivos ao nível da aquisição de conhecimentos, atitudes e competências. Quanto ao processo, os estudantes congregaram diversos pontos programáticos, encontrados ao longo da pesquisa, e incorporaram diálogo critico e capacidade de articulação entre o conhecimento em psicologia da saúde e seu contributo para a enfermagem. Ou seja, cumpriram o objetivo primordial delineado. No que respeita às classificações finais, estas situaram-se, em média, entre o bom e o muito bom e não houve reprovações. As classificações tiveram uma grande amplitude, entre os 10 e os 19 valores, com uma média de 16 valores.
Apesar de existirem grupos de estudantes muito interessados, que apresentaram um excelente desempenho ao longo de todo o processo, obtendo classificações muito elevadas, também houve estudantes com dificuldades em atingir os objetivos e, nesses casos, as classificações finais traduziram-se em pontuações mais baixas. O efeito do grupo poderá ser imprevisível.
A apresentação oral constituiu um treino. Para muitos, foi a primeira vez que apresentaram em público, ou para tão elevado número de público. Os mais envolvidos na preparação dos temas demonstraram maior capacidade de responder adequadamente às questões colocadas e foram muito espontâneos, numa tentativa de ajudar colegas menos preparados. As respostas distinguiram os estudantes ao nível dos conhecimentos e da facilidade de exposição oral.
Quanto às implicações e recomendações para práticas futuras, é de referir que o seminário é uma excelente metodologia ativa de ensino-aprendizagem, que pode ser utilizada em diferentes contextos e replicada, ano após ano, no mesmo contexto, com estudantes diferentes, pois terá sempre caraterísticas inovadoras.
Contudo, é necessário explicar detalhadamente os objetivos e método a utilizar, acompanhando a informação por um documento escrito, pois quando o seminário é proposto, alguns estudantes consideram-no “mais um trabalho de grupo”, resultando numa avaliação positiva apenas no final do processo.
Também, o professor deve entrar como facilitador desde o início do processo. Alguém que guia o estudante, auxiliando e permitindo que ele aprenda pela autonomia. Este contacto próximo é de uma enorme riqueza para ambas as partes, professor e estudante.
Os estudantes consideram a utilidade e importância do trabalho realizado, uma vez que desenvolveram a capacidade de articulação e síntese de ideias, numa perspetiva de interdisciplinaridade. Além disso, exercitam a grupalidade numa relação de trabalho, assumindo compromissos e treinando a comunicação interpessoal em equipa, fundamental para uma experiência mais participativa.
4. Conclusões
A metodologia utilizada possibilitou aos estudantes a perspetiva da interdisciplinaridade, neste caso entre a psicologia da saúde e a enfermagem, estabelecida através da análise da dimensão psicológica e/ou comportamental nos processos de saúde/doença. Além disso, promoveu o treino da comunicação interpessoal e do trabalho em grupo, num encontro solidário, com um propósito comum. O interesse crescente pelo tema, o aumento do conhecimento e a preparação da apresentação, uma dádiva à turma, tantas vezes criativa, fazem do seminário um momento pedagógico muito enriquecedor.
Contudo, com um tão elevado número de turmas e de estudantes por turma, aplicar este método torna-se muito exaustivo, quer ao longo do processo quer no seu términus, obrigando a longas horas de trabalho dentro e fora da sala de aula. Tentando ser facilitadora, auxiliando a aprendizagem pela autonomia, e observando tão bons resultados, apesar do esforço, somos tentada a continuar ano após ano, com esperança numa mudança favorável.
Certa de que as metodologias serão sempre adequadas aos estudantes e aos conteúdos programáticos, continuaremos a aperfeiçoar a sua aplicação, mas sobretudo a avaliação dos seus resultados, partilhando com colegas e demais comunidades académicas as nossas forças e vulnerabilidades, convictas de que o ensino seja para todos e que o abandono escolar seja, ele mesmo, abandonado.
Por fim, uma nota acerca da seleção e aplicação do método de ensino. Esta terá de servir o propósito daquilo que se pretende ensinar e que se espera que os estudantes aprendam, estritamente no âmbito do processo ensino-aprendizagem, que inclui várias dimensões, dando atenção aos superiores interesses dos estudantes, com total respeito pelos princípios éticos. Por estas razões, a investigação e partilha nesta área é da maior relevância.
5. Referências Bibliográficas
Thomas, P. C., Radha, T. R., Subitha, K., & Geethadevi, M. (2017). Comparison of effectiveness of lecture and seminar as teaching-learning methods in physiology with respect to cognitive gain and student satisfaction. Journal of Evolution of Medical and Dental Sciences, 6(59), 4357–4362. https://doi.org/10.14260/Jemds/2017/942
Tricio, J., Montt, J., Orsini, C., Gracia, B., Pampin, F., Quinteros, C., Salas, M., Soto, R., & Fuentes, N. (2019). Student experiences of two small group learning-teaching formats: Seminar and fishbowl. European Journal of Dental Education, 23(2), 151–158. https://doi.org/10.1111/ eje.12414
Veiga, I. (Org). (2006). Técnicas de ensino: Novos tempos, novas configurações. Papirus.
Zanon, D., & Althaus, M. (2010). Possibilidades didáticas do trabalho com o seminário na aula universitária. In VIII Encontro de Pesquisa em Educação da Região Sul – ANPEDSUL (pp. 1-16). Universidade Estadual de Londrina.
Zeng, H. L., Chen, D. X., Li, Q., & Wang, X. Y. (2020). Effects of seminar teaching method versus lecture-based learning in medical education: A meta-analysis of randomized controlled trials. Medical Teacher, 42(12), 1343–1349. https://doi.org/10.1080/0142159X.2020.1805100