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Journal Club como estratégia pedagógica na formação de estudantes de enfermagem em Ensino Clínico

Catarina Alexandra Rodrigues Faria Lobão*

Isabel Maria Pinheiro Borges Moreira**

Maria do Céu Mestre Carrageta*

Rui Filipe Lopes Gonçalves*

* Professor Adjunto na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Unidade Científico Pedagógica de Especialização em Enfermagem Médico-Cirurgica, Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E), Escola Superior de Enfermagem de Coimbra.

** Professor Coordenador da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Unidade Científico Pedagógica de Especialização em Enfermagem Médico-Cirurgica, Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E), Escola Superior de Enfermagem de Coimbra Resumo

A integração de diferentes estratégias de ensino, de aprendizagem e de avaliação ao longo do processo formativo dos estudantes, conduz à construção de diferentes habilidades de pesquisa, pensamento crítico, comunicação, entre outras. De entre as estratégias utilizadas no ensino de enfermagem, encontra-se o Journal Club (JC). Este, é definido como uma estratégia de aprendizagem ativa que, conduz ao desenvolvimento de habilidades de pesquisa e análise de literatura científica, onde são promovidos o debate, a partilha e a transferência de conhecimentos. Na nossa experiência, o JC é utilizado durante o Ensino Clínico (EC) do Curso de Licenciatura em Enfermagem, pela análise crítica de um artigo científico, sua apresentação e discussão no seio da equipa de enfermagem do contexto clínico. Desenvolveu-se um estudo descritivo e exploratório que contribuiu para conhecer a perceção dos estudantes sobre esta estratégia pedagógica, oferecendo um importante aporte sobre os contributos do JC para o processo de ensino, de aprendizagem, de avaliação e para as práticas de cuidados. Desses cotributos sobressai a oportunidade de discussão e reflexão conjunta, nos contextos clínicos, do conhecimento científico produzido e da sua transferibilidade para a prática clínica, ao incorporar a evidência científica.

Palavras-Chave: Journal Club, Estratégia Pedagógica, Ensino Clínico, Enfermagem.

1. Contextualização

De acordo com Fawaz et al. (2018) a formação em enfermagem tem um impacto significativo no conhecimento e nas competências dos futuros enfermeiros. É urgente a procura e a utilização de novas estratégias de ensino, de aprendizagem e de avaliação dos estudantes de enfermagem.

O JC é definido como uma reunião educacional na qual se partilham e discutem textos científicos, conseguindo-se incorporar a evidência científica na prática clínica (Michelan & Spiri, 2019) proporcionando a garantia de cuidados com maior qualidade e segurança (Goodfellow, 2004; Moraes & Spiri, 2019). A discussão no seio da equipa aproxima consensos, fomenta a partilha e a transferência de conhecimentos, uniformizando a prestação de cuidados (Lachance, 2014; Mattila et al., 2013).

Em enfermagem, a utilização do JC tem vindo a ser destacada, como um método de aprendizagem ativo, que conduz ao desenvolvimento das habilidades de pesquisa e de análise crítica do conhecimento, tornando os estudantes mais competentes em prática baseada em evidências (Lachance, 2014; Thompson, 2006; Topf et al., 2017).

2. Descrição da prática pedagógica

Na nossa prática pedagógica, o JC é utilizado em contexto de EC no Curso de Licenciatura em Enfermagem, como uma estratégia de ensino, de aprendizagem e de avaliação. De acordo com Rich (2006), o JC pode ter vários desenhos, analisando-se um artigo, uma revista ou mesmo um tópico.

A nossa opção recaíu sobre a análise crítica de um artigo científico cuja temática deve estar diretamente relacionada com o contexto clínico de aprendizagem onde o estudante está envolvido. O artigo deve ser selecionado em bases de dados científicas de referência, centrando-se a pesquisa nos últimos cinco anos, sendo posteriormente validado pelo docente supervisor. Sempre que no mesmo contexto de ensino clínico, exista mais que um estudante, a temática trabalhada é comum aos estudantes, embora os artigos analisados sejam distintos.

O estudante realiza a análise do artigo tendo presente os parâmetros descritos em grelha própria e do conhecimento do estudante desde o início do EC. Após a análise do artigo é realizada a apresentação e discussão do mesmo, em contexto clínico, numa reunião com a equipa de enfermagem, no sentido de se promover a discussão, aproximar consensos, fomentar a partilha e a transferência de conhecimentos, uniformizando a prestação de cuidados (Lachance, 2014; Mattila et al., 2013).

2.1. Objetivos e público-alvo

O objetivo do estudo foi conhecer a perceção dos estudantes de enfermagem sobre a utilização do JC como estratégia pedagógica ao longo do EC. O conhecimento da perceção dos estudantes oferece um importante aporte sobre os contributos do JC para o processo de ensino, de aprendizagem, salientando os aspetos que podem merecer reajustamentos, no sentido de potenciar as aprendizagens e de fomentar práticas informadas pela evidência (Moreira, et al., 2022).

A população foi constituída pelos estudantes do curso de enfermagem de uma Escola Superior de Enfermagem no centro de Portugal. Incluíram-se estudantes a frequentar o 8.º semestre do ano letivo 2019/2020, que haviam realizado o EC de cuidados primários/ diferenciados na área de enfermagem médico-cirúrgica e de reabilitação, e que aceitaram, de forma voluntária, responder ao questionário. Excluiram-se os estudantes que realizaram o EC acima descrito, em programas de mobilidade nacional ou internacional.

2.2. Metodologia

Tendo presente o objetivo acima descrito desenvolveu-se um estudo descritivo e exploratório, que mereceu parecer favorável da Comissão de Ética da Instituição onde foi desenvolvido o estudo.

Como instrumento de recolha de dados optou-se por um inquérito por questionário, construído a partir da revisão da literatura e sujeito a pré-teste.

O questionário foi constituído por duas partes. A primeira consta de uma nota introdutória onde é identificado o estudo, o objetivo do mesmo e realizada a garantia do caráter voluntário da participação do estudante e da confidencialidade dos dados obtidos. A segunda parte integra duas questões de caracterização da amostra e um conjunto de itens avaliados numa escala tipo Likert para identificação das vantagens e desvantagens do JC.

O questionário foi criado na ferramenta Google® Docs, sendo disponibilizado o link do mesmo na àrea reservada da página de gestão académica e reforçado o apelo à participação através de mensagem por correio eletrónico. O preenchimento do instrumento de recolha de dados esteve acessível ao estudante durante um mês. Os dados foram automaticamente gravados pelo aplicativo Google® Docs no formato de folha de Excel® e foram trabalhados pelos investigadores, recorrendo-se a uma abordagem quantitativa no tratamento dos mesmos.

3. Resultados, implicações e recomendações

Encerrado o período de recolha de dados a amostra ficou constituída por 55 estudantes que preencheram corretamente o questionário, 49 (89%) participantes do sexo feminino e 6 (11%) participantes do sexo masculino, com uma média de idades de 27,7 anos.

Os estudantes foram questionados sobre a importância da realização do JC, com utilização a uma escala de Likert (Figura 1), tendo 38% dos estudantes atríbuído a esta estratégia um importância cinco, 51% uma importância de quatro e 11% uma importância de três.

A perceção da importânia do JC é reforçada com o grau de concordância relativo às vantagens desta estratégia pedagógica (Tabela 1). A maioria dos estudantes concorda que o JC aproxima a prática à evidência científica (98%), ao permitir o desenvolvimento de habilidades de avaliação crítica dos artigos (98%). Do mesmo modo, os estudantes têm a perceção que o JC permite identificar questões da prática clínica que merecem reflexão (95%), que gradualmente enriquecem o processo de aprendizagem individual (95%), proporciona momentos de discussão e reflexão conjunta (94%), ao mesmo tempo que permite o desenvolvimento de habilidades de apresentação e de comunicação (94%). O desenvolvimento de habilidades de pesquisa é também referenciado por 93% dos estudantes. Uma grande maioria dos participantes indica que a pesquisa estimula a introdução de práticas de trabalhos mais sustentadas (91%) e que contribui para o processo de aprendizagem coletiva (89%), aproximando os diversos intervenientes no processo de ensino e de aprendizagem (85%) e a integração do estudante na equipa de enfermagem (78%). O contributo do JC na tomada de decisão é referenciado por 82% dos participantes.

Como desvantagens a maioria dos estudantes percecionam que esta estratégia exige habilidades de pesquisa (83%) e é muitas vezes encarada como uma avaliação do contexto clínico/serviço (62%), sendo difícil o envolvimento de toda a equipa (62%) e é de difícil implementação nos serviços (56%), sendo por vezes encarada como uma avaliação das práticas clínicas (53%).

Os estudantes manifestam dificuldade na escolha da temática (53%) e referem que esta estratégia aumenta a sua carga de trabalho (53%). Outros referem que o tempo de ensino clínico é reduzido para aplicação desta estratégia (44%), e que esta tem pouco impacto na alteração das práticas dos cuidados (31%) e diminui a disponibilidade para ensino clínico (20%). Cerca de 11% dos estudantes considera o JC uma estratégia de aprendizagem pouco estimulante e 4% refere que esta estratégia dificulta a integração do estudante na equipa de enfermagem.

Atualmente o desafio no ensino da enfermagem exige estratégias inovadoras que motivem os estudantes a procurar, organizar e utilizar o conhecimento no processo de desenvolvimento/ aprendizagem pessoal e coletiva. Desde o início da sua formação os estudantes são estimulados a pensar criticamente e a basear a sua intervenção nas evidências científicas disponíveis. O JC tem-se revelado uma estratégia promissora no ensino de enfermagem, pois permite a integração da evidência científica na prática clínica, o desenvolvimento de habilidades de pesquisa e síntese da evidência (Goodfellow, 2004; Moraes & Spiri, 2019), aspetos concordantes com a perceção dos estudantes que participaram no estudo.

Davis et al. (2014) e Lachance (2014) reforçam que o JC é também útil no treino da utilização da linguagem científica e habilidades de exposição e de comunicação em público, contributos também referenciados pelos estudantes participantes no estudo. A discussão no seio da equipa parece, segundo os estudantes, aproximar os vários intervenientes no processo de aprendizagem e contribuir consequentemente para a integração do estudante na equipa de enfermagem.

O JC é assim considerado uma estratégia de aprendizagem colaborativa que promove a discussão, o conhecimento e uma prática informada pela evidência que se reflete posteriormente na garantia de cuidados com maior qualidade e segurança.

Kyriakoulis et al. (2016) alertam-nos que a translação do conhecimento para a prática clínica exige habilidades que nem sempre se encontram desenvolvidas nos primeiros anos de formação em enfermagem. Esta dificuldade foi relatada no estudo, pois os estudantes referem que o JC exige habilidades de pesquisa, conhecimento da prática e do contexto clínico para melhor selecionarem a temática. Para colmatar esta questão Davis et al. (2014) sugerem a distribuição do artigo de forma antecipada, cabendo ao docente a responsabilidade de selecionar o artigo a trabalhar, de acordo com estadio de aprendizagem do estudante e adequação ao contexto clínico. Já o envolvimento da equipa e a implementação no serviço só terá sucesso se o momento de apresentação e discussão for marcado e divulgado com antecedência, podendo ser útil a distribuição do(s) artigo(s) em análise, assim como a presença de um líder/facilitador (Lachance, 2014).

Apesar dos estudantes considerarem que o JC aumenta a sua carga de trabalho, Davis et al. (2014), reforçam que esta perceção está muitas vezes dependente do nível de preparação do estudante e da sua capacidade de participação. Assim, o docente deve ser um facilitador desta aprendizagem.

4. Conclusões

A utilização do JC no processo formativo de estudantes do Curso de Licenciatura em Enfermagem, durante o ensino clínico foi considerada como uma importante estratégia de ensino, de aprendizagem e de avaliação. A oportunidade de discussão e reflexão conjunta, nos contextos clínicos, do conhecimento científico produzido parece contribuir para a sua transferibilidade para a prática clínica, ao incorporar a evidência científica.

Este estudo, contribuiu para se conhecer a perceção dos estudantes face a esta estratégia pedagógica e refletir sobre aspetos que podem vir a ser melhorados nos processos de planificação das unidades curriculares de ensino clínico. Fica ainda por revelar a perceção que as equipas de enfermagem dos contextos clínicos têm sobre o impacto da utilização do JC na sua atividade, na qualidade e na segurança dos cuidados.

O número de participantes que participou no estudo penaliza-o não obstante, permite a criação de um retrato aproximado ao que de forma menos estruturada temos captado junto dos estudantes e dos docentes nas reuniões preparatórias e de fim de percursos de aprendizagem em contexto clínico.

5. Referências Bibliográficas

Davis, C., Hendry, I., Barlow, H., Leonard, A., White, L.-A., & Coetzee, M. (2014). Journal club : Integrating research awareness into postgraduate nurse training. Curationis, 37(2), 1–9. https://doi.org/10.4102/curationis.v37i2.1244

Fawaz, M. A., Hamdan-Mansour, A. M., & Tassi, A. (2018). Challenges facing nursing education in the advanced healthcare environment. International Journal of Africa Nursing Sciences, 9, 105–110. https://doi.org/10.1016/j.ijans.2018.10.005

Goodfellow, L. M. (2004). Can a journal club bridge the gap between research and practice? Nurse Educator, 29(3), 107–110. https://doi.org.10.1097/00006223-200405000-00008

Kyriakoulis, K., Patelarou, A., Laliotis, A., Wan, A. C., Matalliotakis, M., Tsiou, C., & Patelarou, E. (2016). Educational strategies for teaching evidence-based practice to undergraduate health students: Systematic review. Journal of Educational Evaluation for Health Professions, 13(34). http://dx.doi.org/10.3352/jeehp.2016.13.34 https://doi.org/10.3928/00220124-20141120-01

Lachance, C. (2014). Nursing journal clubs : A literature review on the effective teaching strategy for continuing education and evidence-based practice. The Journal of Continuing Education in Nursing, 45(12), 559–566.

Mattila, L., Rekola, L., Koponen, L., & Eriksson, E. (2013). Nurse education in practice journal club intervention in promoting evidence-based nursing : Perceptions of nursing students. Nurse Education in Practice, 13(5), 423–428. https://doi.org/10.1016/j.nepr.2013.01.010

Moraes, V. C., & Spiri, W. C. (2019). Development of a journal club on the nursing management process. Revista Brasileira de Enfermagem, 72(Suppl 1), 221–227. https://doi.org/https://doi. org/10.1590/0034-7167-2018-0019

Moreira, I. M., Lobão, C. A., Carrageta, M. C., & Gonçalves, R. F. (2022). Avaliação do Journal Club como estratégia pedagógica na formação em enfermagem: Perspetiva dos estudantes. Revista de Enfermagem Referência, 6(1), 1-8. https://doi.org/10.12707/RV21054

Rich, K. (2006). The journal club: A means to promote nursing research. Journal of Vascular Nursing, 24, 27–28. https://doi.org/10.1016/j.jvn.2005.12.001

Thompson, C. J. (2006). Fostering skills for evidence-based practice: The student journal club. Nurse Education in Pratice, 6(2), 69–77. https://doi.org/10.1016/j.nepr.2005.08.004

Topf, J. M., Sparks, M. A., Phelan, P. J., Shah, N., Lerma, E. V., Graham-Brown, M. P. M., Madariaga, H., Iannuzzella, F., Rheault, M. N., Oates, T., Jhaveri, K. D., & Hiremath, S. (2017). The evolution of the journal club: From osler to Twitter. American Journal of Kidney Diseases, 69(6), 827–836. https://doi.org/10.1053/j.ajkd.2016.12.012

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