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O impacto do líder de grupo nas aulas laboratoriais
Ana Luísa De Sousa-Coelho ‡
Mónica T. Fernandes ‡
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‡ Escola Superior de Saúde, Universidade do Algarve, Faro, Portugal alcoelho@ualg.pt mafernandes@ualg.pt Resumo
Nas várias metodologias de aprendizagem ativa, incluem-se aquelas que se baseiam no “ensinar os pares”, permitindo ao estudante melhorar a sua compreensão dos conteúdos programáticos, e ainda desenvolver competências de comunicação. Nas aulas práticas laboratoriais, os estudantes têm a oportunidade de aprofundar os conhecimentos adquiridos na componente teórica da unidade curricular respetiva, mas muitas vezes não se preparam para a aula. No contexto da inovação e desenvolvimento curricular, associado a uma tentativa específica de colmatar este facto, desenvolveu-se uma estratégia de aula invertida aliada à existência de um líder de grupo. As tarefas específicas do líder incluíam: 1) responder a questões da docente sobre o fundamento teórico; 2) explicar o procedimento experimental a todos os colegas; 3) apresentar e discutir os resultados do grupo obtidos durante a aula; 4) representar o grupo. Verificou-se que a maioria dos alunos percecionou ter melhorado a compreensão dos conteúdos e procedimentos enquanto líderes, mas muitos ainda preferem assumir um papel passivo na sua aprendizagem.
Palavras-Chave: Liderança, preparação prévia, aprendizagem colaborativa, responsabilização.
1. Contextualização
Várias metodologias de aprendizagem ativa têm vindo a ser desenvolvidas (Gleason et al., 2011; Nguyen et al., 2021), numa tentativa de reduzir a utilização de metodologias passivas, onde o estudante assume um papel de espetador e não de ator na sua própria aprendizagem. Estes métodos são validados pelo facto de se reconhecer que permitem uma melhor consolidação dos conteúdos programáticos e a aplicação prática dos conhecimentos adquiridos (Deslauriers et al., 2019). Na base de uma suposta “pirâmide de aprendizagem” (Figura 1), desenvolvida com a intenção de representar a proporção da capacidade de retenção de conteúdos pelos estudantes dependendo da metodologia de ensino utilizada (Masters, 2013), é possível encontrar o “ensinar aos outros” (Figura 1). Ainda que a validade científica desta pirâmide seja alvo de debate (Letrud & Hernes, 2018; Masters, 2013, 2020), estratégias de tutoria pelos pares e de aprendizagem em equipa liderada pelos pares têm vindo a ser utilizadas (Aburahma & Mohamed, 2017; Avonts et al., 2022; Kudish et al., 2016; Markowski et al., 2021; Shenoy & Petersen, 2020).
A unidade curricular (UC) de Biologia Molecular integra o plano curricular do 2º ano do curso de Licenciatura em Farmácia da Escola Superior de Saúde da Universidade do Algarve (ESSUAlg), e divide-se em 30 h de aulas teóricas (T) e 30 h de aulas práticas laboratoriais (PL). Esta UC é lecionada no 2º semestre, com 3 h semanais de aulas PL, em turmas de 10-12 alunos, sendo a sua frequência obrigatória para admissão à avaliação da UC. Nas aulas PL, os alunos devem realizar procedimentos experimentais em grupos, o que permite experienciarem a aplicabilidade prática dos temas abordados nas aulas T. Pelas experiências de anos anteriores, verifica-se que a maioria dos alunos não se preparam minimamente para a realização destas aulas PL, o que se traduz num fraco aproveitamento do tempo em laboratório, e também das competências adquiridas.
Com a aplicação duma prática pedagógica de aprendizagem colaborativa, suportada pela responsabilização destes estudantes na preparação da aula PL, pretendeu-se percecionar o seu potencial impacto na aprendizagem dos mesmos.
2. Descrição da prática pedagógica
2.1. Objetivos e público-alvo
No ano letivo 2020/2021, na sequência de restrições impostas pela pandemia da COVID-19, estabeleceu-se uma metodologia de aula invertida nas aulas PL de Biologia Molecular. Deste modo, os alunos realizaram tanto atividades de aprendizagem online, com recurso a tecnologias digitais (aulas síncronas em videoconferência, visualização de vídeos, resposta a questionários online, etc.), como de ensino presencial no laboratório (Fernandes & Sousa Coelho, 2021). No ano letivo 2021/2022, decidiu-se manter a estratégia de aula invertida, de modo que a preparação do aluno fosse realizada em fase de pré-aula, e além disso, estabeleceu-se o papel do “líder de grupo”. Com esta estratégia, pretende-se que os alunos, enquanto “líderes”, assumam a responsabilidade de ensinar os seus pares, permitindo-lhes não só melhorar a compreensão dos conteúdos programáticos, como também desenvolver competências de comunicação, confiança e respeito pelos colegas (Krych et al., 2005). Estes métodos de aprendizagem centrados no aluno permitem que os mesmos direcionem a sua própria aprendizagem, e estratégias como aquelas em que os alunos alternam papéis como professor e aluno, acabam por envolver os alunos também na responsabilização pela aprendizagem dos outros (Motwani et al., 2022).
O público-alvo foram 34 estudantes (76,5 % do sexo feminino, 1 trabalhador-estudante), inscritos na UC Biologia Molecular do curso de Licenciatura em Farmácia da ESSUAlg no ano letivo 2021/2022, todos a frequentar a componente PL pela primeira vez.
2.2. Metodologia
No início do semestre (2021/2022), a docente disponibilizou um Manual de Apoio com informação teórica e os protocolos experimentais, através da plataforma Moodle “Tutoria Eletrónica da UAlg”. Além disso, semanalmente, foram enviados anúncios (recebidos através de e-mail, com possibilidade permanente de consulta na Tutoria), com a indicação das páginas do Manual que deveriam ser consultadas, hiperligações para vídeos relacionados com o tema da aula respetiva, e ainda questões de autoavaliação de tipo verdadeiro/falso e escolha múltipla (teste de avaliação formativa, na Tutoria). Esta preparação deveria ser realizada antes da aula, individualmente ou em grupo. Já os procedimentos experimentais no laboratório, seriam sempre realizados em grupos de 3-4 alunos, definidos na primeira aula e mantidos ao longo do semestre.
Além disso, estabeleceu-se a existência de um líder de grupo para cada semana de aulas, escolhido de forma semi-aleatória, na semana anterior. A seleção do líder para cada grupo não era realizada por sorteio, mas sim pela sequência de uma lista de nomes ordenada pelo número de aluno. Na aula respetiva, este aluno líder tinha como tarefas específicas: 1) responder a questões da docente sobre o fundamento teórico; 2) explicar o procedimento experimental a todos os colegas; 3) apresentar e discutir os resultados do grupo obtidos durante a aula; 4) representar o grupo. Estas tarefas não constavam do Manual de Apoio, mas foram apresentadas aos alunos na primeira aula PL do semestre, juntamente com a apresentação da planificação das aulas e a marcação dos testes de avaliação.
2.3. Avaliação
Para a avaliação da implementação desta prática pedagógica, do ponto de vista do aluno, foram criados dois inquéritos por questionário, constituídos por um número reduzido de questões. O primeiro questionário foi disponibilizado a meio do semestre, após 5 semanas de aulas PL, o que garantia que cada aluno já tinha desempenhado o papel de líder de grupo pelo menos 1 vez durante o semestre. O segundo questionário foi disponibilizado na última semana do semestre, após a realização do teste de avaliação sumativa, pelos alunos. Em ambos, foi solicitada a seleção da resposta que mais se adequava e/ou aproximava à opinião do aluno, garantindo o anonimato de todas as respostas.
Para a avaliação do potencial impacto no desempenho e resultados do estudante, foram consideradas as notas do teste de avaliação sumativa (avaliação por frequência), o qual é realizado na semana seguinte à finalização dos procedimentos experimentais, e, portanto, poderá melhor refletir um efeito da preparação das aulas ao longo do semestre. De modo a calcular as respetivas médias e taxas de aprovação à componente PL da UC, foi realizada a análise usando o GraphPad Prism versão 8.4.0.
3. Resultados, implicações e recomendações
Após a disponibilização do primeiro questionário através da Tutoria, obtiveram-se 30 respostas de um total de 34 alunos que frequentaram as aulas PL de Biologia Molecular. Relativamente à perceção do esforço efetuado na aula em que eram líder, 86,7% dos alunos indicaram que para essa aula se esforçaram mais de forma a compreender o fundamento teórico e o protocolo experimental (Figura 2A). Já para as aulas que não tinham o papel de líder, 56,4% dos alunos indicaram que, a maior parte das vezes, não se preparavam, ou pelo menos não tão bem, para a aula (Figura 2B). Deste modo, entende-se que os estudantes assumem a responsabilidade de preparação da aula maioritariamente quando lhes é exigido, mas não por decisão ou vontade própria.

Quase todos os alunos discordam da possibilidade de ser um único líder de grupo ao longo do semestre, e apenas 16,7% indicam que este papel não devia ser avaliado, ou seja, não devia contar para a nota da UC. Ainda que a obrigação de ser o líder de grupo da semana fosse maioritariamente considerada essencial para “obrigar” os alunos a estar devidamente preparados para a aula PL, caso contrário, não se preparam (60% de respostas) e que, apesar de ser trabalhoso, faz com que compreendam melhor determinada matéria (23,3% de respostas) (Figura 2C), apenas metade dos alunos indicou que gostaria que esta estratégia fosse aplicada nas aulas PL de outras UC que frequentarão, no futuro.
Relativamente às questões de autoavaliação disponibilizadas na Tutoria (questionário semanal), 60% indicaram que eram úteis especialmente antes da aula, de modo a poderem verificar se perceberam bem o conteúdo teórico e o que vão realizar experimentalmente, e um terço dos alunos respondeu que são úteis, mas especialmente para os (voltar a) fazer no final do semestre de forma a se prepararem para o teste/exame.
Figura 2
Distribuição das respostas ao primeiro questionário relativamente à perceção do esforço efetuado pelos alunos para a preparação das aulas que eram (A) ou não (B) líderes, e do potencial benefício da estratégia pedagógica (C)
Relativamente ao segundo questionário, o número de respostas obtidas reduziu para 27. As duas questões que incluía, propunham diferenciar a perceção do estudante durante a preparação para o teste e durante a realização do mesmo. Durante o estudo, 29,6 % indicam que tiveram mais facilidade na compreensão da matéria / procedimento das aulas em que foram líderes (Figura 3A). Já durante a realização do teste, apenas 11,1 % indicam o mesmo, sendo que maioritariamente (55 %) respondem que tiveram mais facilidade “em nenhuma aula em particular” (Figura 3B).
Distribuição das respostas ao segundo questionário relativamente à perceção da preparação para a avaliação durante o estudo (A) ou a realização do teste (B). [Questões: (A) Durante o estudo tive mais facilidade na compreensão da matéria / procedimento das aulas ...; (B) Durante a realização do teste PL tive mais facilidade nas questões sobre aulas…]
Através da realização do teste de avaliação sumativa (o qual dá aos alunos a possibilidade serem dispensados de realizar o exame, caso obtenham aprovação neste teste), 74% dos estudantes obtiveram aprovação à componente PL (média global de 10,5 valores). A média das notas dos alunos aprovados foi 11,7 valores, oscilando entre 9,5 (nota mínima para aprovação) e 17,2 valores. Já a média das notas dos alunos reprovados, foi 7,2 valores, oscilando entre 5,0 e 8,2 valores (Figura 4).

Figura 4
Valor médio e distribuição das notas dos alunos no teste de avaliação (teste de avaliação sumativa da componente PL). A vermelho as notas dos alunos reprovados (nota < 9,5 valores)

Dado que nem todos os procedimentos experimentais e respetivo fundamento teórico têm o mesmo grau de dificuldade, torna-se difícil avaliar este aspeto, devido a ser um potencial fator de confusão, no impacto da tarefa de líder na aprendizagem do estudante. Assim, ainda que a criação deste interlocutor privilegiado force o estudante a preparar-se melhor, pelo menos para uma das aulas práticas, desconhece-se qual o efeito nas aprendizagens de todos os procedimentos laboratoriais desenvolvidas nas aulas ao longo do semestre. Além disso, dado o anonimato das respostas aos questionários, não é possível aferir a relação entre determinadas respostas e a nota do teste. Relativamente a anos anteriores, verifica-se uma redução da nota média deste grupo de alunos (Fernandes & Sousa Coelho, 2021), o qual pode ser devido a diferentes fatores: diferenças intrínsecas do grupo e individuais de cada estudante, ou o grau de exigência das provas de avaliação realizadas. Por último, o nível de preparação base dos estudantes é passível de discussão, já que estes foram afetados pelo confinamento e restrições impostas pela pandemia de COVID-19, durante o último ano de secundário (2019/2020) e 1º ano no ensino superior (2020/2021). Estudos recentes obtiveram resultados opostos em relação ao melhor ou pior desempenho académico dos alunos de educação médica durante a pandemia (Istadi et al., 2022).
4. Conclusões
Um dos pontos fortes desta estratégia pedagógica parece ser a melhor preparação dos alunos para o desempenho laboratorial, permitindo a redução da aprendizagem centrada no docente. Um constrangimento importante é que isto ocorra através de uma obrigação. Esta abordagem parece ser importante, já que os resultados sugerem que a maioria dos alunos acredita ter melhorado a compreensão dos conteúdos e procedimentos ao experienciarem o papel de líder, mas tem como limitação a preferência dos alunos pela explicação clássica dos protocolos experimentais pelo docente no início da aula, sem necessidade de se prepararem previa e independentemente, assumindo um papel passivo. Subsiste, portanto, o desafio da consciencialização da necessidade de responsabilização do estudante pela própria aprendizagem. Para o futuro, deverão ser encontradas estratégias mistas, nas quais se incluam ambos momentos de aprendizagem ativa e passiva pelos estudantes, permitindo ir ao encontro dos vários graus de necessidade dos mesmos, melhorando a sua capacidade de responsabilização pela própria aprendizagem, junto com o apoio contínuo do docente.
5. Referências Bibliográficas
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Avonts, M., Michels, N. R., Bombeke, K., Hens, N., Coenen, S., Vanderveken, O. M., & De Winter, B. Y. (2022). Does peer teaching improve academic results and competencies during medical school?: A mixed methods study. BMC Medical Education, 22(1), Article 431. https://doi.org/10.1186/ s12909-022-03507-3
Deslauriers, L., McCarty, L. S., Miller, K., Callaghan, K., & Kestin, G. (2019). Measuring actual learning versus feeling of learning in response to being actively engaged in the classroom. Proceedings of the National Academy of Sciences, 116(39), 19251–19257. https://doi.org/10.1073/pnas.1821936116
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Gleason, B. L., Peeters, M. J., Resman-Targoff, B. H., Karr, S., McBane, S., Kelley, K., Thomas, T., & Denetclaw, T. H. (2011). An active-learning strategies primer for achieving ability-based educational outcomes. American Journal of Pharmaceutical Education, 75(9), Article 186. https://doi.org/10.5688/ajpe759186
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