revistacompleta

Page 1


Revista eletrônica quadrimestral vinculada ao Observatório de Economia e Comunicação (OBSCOM) e ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Sergipe Volume 16, número 1, jan.-abr. 2014 ISSN 1518-2487 OBSCOM - UFS Coordenação Prof. Dr. César Ricardo Siqueira Bolaño Profa. Dra. Verlane Aragão Santos PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO - UFS Coordenação Prof. Dr. Carlos Eduardo Franciscato Prof. Dr. César Ricardo Siqueira Bolaño REVISTA EPTIC ONLINE Diretor Prof. Dr. César Ricardo Siqueira Bolaño (UFS - Brasil) Editor Geral Prof. Dr. Ruy Sardinha Lopes (USP-Brasil) Editores Adjuntos Profª Drª Anita Simis (UNESP-Brasil) Prof. Dr. Francisco Sierra (Un. Sevilla – España) Projeto Gráfico Rachel Ferrari e Ruy Sardinha Apoio Técnico Joanne Mota (UFS – Brasil) Elizabeth Azevedo Souza (UFS – Brasil) Conselho Editorial Prof. Dr. Abraham Benzaquen Sicso, FUNDAJ, Brasil Prof. Dr. Alain Rallet, Université Paris-Dauphine, França Prof. Dr. Alain Herscovici, UFES, Brasil Prof. Dr. Césare Galvan, FUNDAJ, Brasil Profª. Drª Delia Crovi Druetta, UNAM, México Prof. Dr. Dênis Moraes, UFF, Brasil Prof. Dr. Diego Portales, Universidade del Chile, Chile Prof. Dr. Domenique Leroy, Université Picardie, França Prof. Dr. Edgard Rebouças, UFP, Brasil Prof. Dr. Enrique Bustamante, UCM, Espanha Prof. Dr. Enrique Sánchez, Universidad de Guanajuato, México Prof. Dr. Francisco Rui Cádima, UNL, Portugal Prof. Dr. Giovandro Marcus Ferreira,UFES, Brasil Prof. Dr. Gaëtan Tremblay, Université du Québec, Canadá Prof. Dr. Graham Murdock, Loughborough University, Reino Unido Prof. Dr. Guillermo Mastrini, UBA, Argentina Prof. Dr. Helenice Carvalho, UNISINOS, Brasil

Expediente

Prof. Dr. Isabel Urioste, Universite de Technologie de Compiegne, França Prof. Dr. Joseph Straubhaar, University of Texas, Estados Prof. Dr. Juan Carlos de Miguel, EUH, Espanha Prof. Dr. Luiz Guilherme Duarte, UPX, Estados Unidos Prof. Dr. Marcelo Kischinhevsky, UERJ, Brasil Profª Drª Márcia Regina Tosta Dias, UNIFESP, Brasil Prof. Dr. Marcial Murciano Martinez, UAB, Espanha Prof. Dr. Marcio Wohlers de Almeida, UNICAMP, Brasil Prof. Dr. Marcos Dantas, UFRJ, Brasil Prof. Dr. Nicholas Garham, University of Westminster, Reino Unido Prof. Dr. Othon Jambeiro, UFBA, Brasil Prof. Dr. Pedro Jorge Braumann, Instituto Politécnico de Lisboa,Portugal Prof. Dr. Peter Golding, Northumbria University, Reino Unido Prof. Dr. Philip Schlesinger, University of Glasgow, Reino Unido Prof. Dr. Pierre Fayard, Université de Poitiers – Accueil, França Prof. Dr. Ramón Zallo, Universidad Pais Vasco, Espanha Prof. Dr. Sergio Augusto Soares Mattos, UFBa- Brasil Prof. Dr. Sergio Capparelli, UFRGS, Brasil Prof. Dr. William Dias Braga, UFRJ-Brasil Pareceristas desta Edição Profª Drª Ana Leticia Fialho(UFRGS – Brasil) Profª Drª Anita Simis (UNESP-Brasil) Prof. Dr. Cesar Bolaño(UFS-Brasil) Prof. Dr. David Sperling (USP-Brasil) Profª Drª Jacqueline Dourados (UFPI- Brasil) Prof. Dr. Leonardo de Marchi(USP-Brasil) Prof. Dr. Luiz A.Recamán (USP-Brasil) Prof. Dr Marcelo Kischinhevsky(UERJ-Brasil) Profª Drª Maria Teresa Kerbauy(UNESP-Brasil) Prof. Dr. Ruy Sardinha Lopes (USP-Brasil) Profª Drª Vera Pallamin(USP-Brasil) Dossiê Temático “Produção do espaço urbano no capitalismo contemporâneo” Coordenadora Profª Drª Vera Pallamin(USP-Brasil)

1 1


Apresentação

Caros leitores e colaboradores,

2014 será, sem sombra de dúvidas, um ano ímpar para a EPC no Brasil. Comemoramos os 20 anos de criação do Observatório de Comunicação (OBSCOM), espaço integrante do Núcleo de Pesquisa e Pós-Graduação em Economia (NUPEC) da Universidade Federal de Sergipe, cujos estudos pioneiros sobre a dimensão econômica e dinâmica dos fenômenos comunicacionais e culturais constituíram o solo propício para o desenvolvimento da EPC nacional. Foi no OBSCOM que se criou, cinco anos depois, a partir dos grupos de trabalho de Economia Política das Tecnologias de Informação, Comunicação e Cultura da INTERCOM e da ALAIC, em 1999, a REDE EPTIC, o espaço necessário para que pesquisas e reflexões até então isoladas pudessem ser aglutinadas e ganhar vigor. Também aí, a percepção da importância que um veículo próprio para a divulgação e debate dos estudos e pesquisas em EPC poderia oferecer à formação de um pensamento crítico comunicacional deu origem, no mesmo ano de criação da Rede, à REVISTA EPTIC ONLINE, que agora em 2014 comemora seus 15 anos de existência. Comemoramos, ainda, os 10 anos da criação do capitulo Brasil da União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (ULEPICC-Br), espaço institucional fundamental à consolidação e maturidade da EPC latina e brasileira. Tais efemérides se, por um lado, atestam a pujança desta “disciplina-fronteira” (Marques de Melo), por outro ao a exata dimensão da responsabilidade e desafios a nós colocados. 2014 coloca-se, dessa forma, como momento de reflexão. Um olhar atento para o percurso e percalços, avanços e retrocessos enfrentados ao longo dessa jornada, com vistas a um futuro transformador, se faz necessário à construção de um paradigma teórico-critico cujos laços de nascença com a melhor tradição do pensamento social e econômico latino americano é a marca distintiva de outras matrizes comunicacionais e, no interior da EPC, das (boas) tradições anglosaxônicas e europeias, com as quais temos hoje a capacidade de dialogar de forma fraterna e construtiva.

Revista Eptic Online Vol.16 n.1 p.12-27 jan.-abr. 2014


Dossiê Temático: Produção do espaço urbano no capitalismo contemporâneo.

O caminho a ser percorrido é longo, e por certo, outros reveses hão de ser superados. Argumentos cientificamente consistentes e ancorados na base material de uma realidade movente e de difícil apreensão conceitual devem decorrer desse esforço coletivo, novos métodos e metodologias afinadas às especificidades do campo precisam ser refinados, novos marcos teóricos necessitam ser postos à prova, novos enfrentamentos políticos se farão necessários. Estamos certos que esta é uma empreitada coletiva, à qual outros sujeitos que lutam pela constituição de um pensamento comunicacional crítico e transformador irão igualmente se envolver. Nesses 15 anos de existência, a REVISTA EPTIC desempenhou, e pretende continuar desempenhando, o papel que cabe aos melhores periódicos científicos quer dando visibilidade ao que melhor se produz no campo da EPC nacional e internacional e ao estabelecimento de diálogos e promoção de interfaces com as demais matrizes críticas do pensamento comunicacional e social, quer instigando a reflexão e pesquisas mais aprofundadas de áreas ainda não plenamente constituídas e processos emergentes: as transformações recentes na esfera da cultura – entretenimento, espaço urbano, arte, relações sociais etc – e no âmbito do trabalho, ainda que subordinadas ao imperativo da valorização capitalista, merecem a devida atenção. Em continuidade com seu projeto editorial e no intuito de contribuir para esse momento de maturidade e reflexão da EPC no Brasil, a equipe editorial planejou a publicação dos seus 3 números de 2014 com as seguintes temáticas: no presente número, o dossiê “Produção do espaço urbano no capitalismo contemporâneo” onde os pesquisadores aqui reunidos – Otília Arantes, Andre Carrasco, Patria Velazques, Maria Helena Carmo Santos, Ricardo Benevides, José Thiesen e João Marcos Lopes desvelam os modos pelos quais os processos de acumulação – em sua fase financeirizada – têm alterado a conformação e as vivências espaciais de nossas cidades pondo em questão antigos pressupostos ideológicos e conquistas sociais; “Plataformas colaborativas: entre a colaboração e controle”, na edição de maio-julho, onde se pretende por à discussão as questões controversas acerca do impacto das novas plataformas como a internet na vida cotidiana e, na terceira edição, um dossiê dedicado aos 20 anos do OBSCOM e 10 anos da ULEPICCBrasil com uma grande reflexão deste campo disciplinar. O presente número se faz acompanhar ainda, além dos artigos reunidos em seu núcleo temático, de discussões pertinentes ao universo comunicacional e às políticas de comunicação, como os artigos de Eduardo Mansilla, Sérgio Mattos, Fernanda Carrera, Jesus Becerra e Emerson Cervi, este último contendo uma inovadora abordagem do tema do agendamento e contra-agendamento e com uma metodologia que embora pouco utilizada na área de comunicação, indica possíveis diálogos e interesses comuns. A todos e todas um bom ano e uma boa leitura!

César Bolaño

Ruy Sardinha

Eptic Online 16(1) 2014

3


LA CENTRALIDAD DEL DERECHO DE AUTOR COMO FACTOR EN LAS POLÍTICAS DE COMUNICACIÓN: EN BUSCA DE RESPUESTAS INTEGRADORAS PARA LA NUEVA REALIDAD COMUNICACIONAL LATINOAMERICANA A CENTRALIDADE DO DIREITO DE AUTOR COMO FATOR NAS POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO: EM BUSCA DE RESPOSTAS INTEGRADORAS PARA A NOVA REALIDADE COMUNICACIONAL LATINO AMERICANA THE CENTRALITY OF COPYRIGHT AS A FACTOR IN POLITICAL COMMUNICATION: TOWARDS INTEGRATING RESPONSES TO THE NEW COMMUNICATIONS REALITY IN LATIN AMERICA

Eduardo VILLANUEVA-MANSILLA Magister en Comunicación, Profesor Asociado. Departamento de Comunicaciones Pontificia Universidad Católica del Perú E-mail: evillan@pucp.pe

Revista Eptic Online Vol.16 n.1 p.4-18 jan.-abr. 2014 Recebido em 21/06/2013 aprovado em 05/10/2013


La centralidad del derecho de autor como factor en las políticas de comunicación

Eduardo Mansilla

RESUMEN El tema del derecho de autor no ha sido desarrollado en la reflexión latinoamericana sobre políticas de comunicación a pesar de lo crítico que resulta, sobre todo considerando la predominancia de la transgresión de las normas actuales por parte de los ciudadanos de la región, así como el tejido de tratados y acuerdos que se ha firmado pero que no parece ser motivo de acciones de política pública significativas. Este trabajo revisa la relación entre derecho de autor y políticas de comunicación bajo los principios teóricos marxianos de análisis de la relación entre capital y estados, para proponer una perspectiva analítica y una serie de acciones para incorporar estos elementos al estudio de políticas de comunicación.

Palabras claves Políticas de Comunicación. Relación Capital-Estado. Derecho de Autor. Nuevos Medios. Tecnología de Información y Comunicación.

RESUMO O tema do direito de autor não se encontra satisfatoriamente desenvolvido na reflexão latino-americana sobre políticas de comunicação, não obstante sua grande importância, sobretudo se considerarmos a predominância das transgressões dos regulamentos de direitos autorais nacionais e internacionais em vigor, por parte dos cidadãos da região, bem como a teia de tratados e acordos que embora firmados não necessariamente se traduziram em decisões políticas importantes. Este artigo revisa a relação entre direito de autor e políticas de comunicação sob a perspectiva teórica marxista de análise da relação entre Capital e Estados, propondo uma abordagem analítica e uma série de ações que possibilitem a incorporação destes elementos ao estudo das políticas de comunicação. Palavras-chave Políticas de comunicação. Relação Capital-Estado. Direito de autor. Novos meios. Tecnologia da Informação e da Comunicação.

ABSTRACT Author’s rights and copyright have not been integrated into the Latin American thought on communication policy, despite the importance of these issues, originated among other reasons on the predominance of transgressive activities, against current local and international copyright regulations, by the citizens of the region; as well as the web of treaties and agreements that have been signed though not necessarily have translated into significant policy decisions. This paper reviews the relationship between copyright and communication poliies under a Marxian theoretical perspective, analyzing the relationship between Capital and States, to propose an analytical approach that brings these issues into the studying of communication policy. Keywords Communication policy. Capital-State relationship. Copyright. New Media. Information and Communication Technology

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

5


La centralidad del derecho de autor como factor en las políticas de comunicación

Eduardo Mansilla

INTRODUCCIÓN Tras varias décadas de diseño y discusión sobre políticas de comunicación, el surgimiento de la Internet crea un nuevo escenario, en donde asuntos como el usuario transformado en productor y consumidor, el flujo transnacional de contenidos orientado al consumo, la mobility o posibilidad de conectividad constante y móvil; y el derecho de autor aparecen con una importancia enorme. Como contexto general y también como tejido de intercambios simbólicos, la importancia de la Internet es indiscutible. Al mismo tiempo, es posible plantearse la falta de enlaces entre la reflexión comunicacional sobre la Internet y la manera como esta red crea o reconfigura problemas políticos. Este trabajo se centra precisamente en uno de esos aspectos: las consecuencias de la relación entre expansión de la Internet, ampliación de las capacidades del consumidor final, y el diseño de políticas de comunicación para la realidad comunicacional contemporánea, a partir del rol creciente que la regulación de derechos de autor juega en este terreno. Habitualmente tratado COMO un tema jurídico, el derecho de autor es central a la discusión sobre la comunicación debida a las transformaciones profundas de las posibilidades de acceso y consumo que han experimentado los contenidos protegidos por derechos patrimoniales, o copyright. Es pues importante darle una mirada desde la comunicación y la ciencia política al derecho de autor, para incorporarlo más allá de la discusión jurídica. Bajo esta perspectiva, se presenta aquí un ejercicio analítico que busca fortalecer el diálogo entre las ciencias sociales y la comunicación, así como el trabajo de los involucrados en políticas públicas de comunicación.

EL DESPLAZAMIENTO DEL DERECHO DE AUTOR AL CENTRO DE LA COMUNICACIÓN

En los últimos veinte años, por una combinación de factores técnicos y comerciales, la disponibilidad de contenidos culturales ha aumentado en varios órdenes de magnitud (Jenkins 2006; WILSON, 2006), al mismo tiempo que el costo de adquisición ha bajado o incluso desaparecido (COWHEY; ARONSON, 2009), debido al menos en parte a la piratería y el consumo no autorizado (BOYLE, 2008; OBERHOLZER-GEE; STRUMPF, 2009). El surgimiento de mecanismos técnicos de distribución y acceso a dichos contenidos que, haciendo uso de los sistemas de telecomunicaciones y de la Internet, simplifican la circulación y abaratan profundamente el copiado, puede ser visto como una de las causas principales de esta transformación (BENKLER, 2006; KARAGANIS, 2011; LEMOS; CASTRO 2008). Al mismo tiempo, el marco regulatorio de la circulación y consumo de estos bienes culturales se ha vuelto más restrictivo (AIGRAIN, 2005), haciendo que buena cantidad de prácticas de consumo que muchos usuarios consideran cotidianas y naturalmente asociadas con la disponibilidad de tecnología, resulten siendo ilegales. Por un lado, las nuevas técnicas nos dan más opciones; por el otro, el marco institucional y normativo de la industria cultural

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

6


La centralidad del derecho de autor como factor en las políticas de comunicación

Eduardo Mansilla

nos quita opciones. Específicamente, el derecho de autor, como regulación de la relación entre productores y consumidores, ha sufrido un cambio fundamental que ha inclinado la balanza hacia la protección y la penalización de las acciones no autorizadas (LESSIG, 2001), al mismo tiempo que limita significativamente las acciones que se podrían realizar a partir de las posibilidades que la tecnología ofrece para facilitar el acceso y circulación de los bienes culturales, fuera del modelo comercial autorizado por los derechohabientes, los titulares de los derechos patrimoniales de autor, que no tienen que ser los mismos que los creadores de las obras intelectuales que generan dichos derechos. En esta transformación se destaca varias decisiones que debido a la naturaleza global y concordada del derecho de autor, no se han contenido a un solo país, sino que afectan a todos los que adquieren productos protegidos por legislaciones nacionales orientadas al interés de los productores: aumento de plazos de protección; impedimento legal de alterar o anular los sistemas de protección anti copiado de contenidos digitales; retroceso en la aplicación del concepto de fair use o uso adecuado; normas de represión conocidas como los three strikes, en donde a la tercer sanción un consumidor puede perder el derecho a usar Internet; entre otras (ZITTRAIN, 2008). Un marco normativo orientado a la represión, que sin embargo no parece tener mayor efecto en la realidad comercial de las industrias de contenido, que no levantan cabeza (GAO, 2010). ¿Por qué ocurre semejante situación? La respuesta inmediata es que las industrias culturales se han sentido amenazadas por la manera como estas nuevas opciones tecnológicas alteran sus modelos de negocios, y por lo tanto han buscado una normativa que aumente la protección de esos modelos. Es más bien palpable que esta búsqueda ha fracasado, y que todas las formas de consumo por fuera de las limitaciones normativas han aumentado, y que los modelos de negocios han sido modificados, con el ingreso de nuevos actores que pueden facilitar el comercio en medios digitales. El control que las industrias ejercen sobre sus productos ha pues, disminuido. Apple en música grabada, Netflix en video en streaming, Amazon para los libros impresos y digitales: el control de la comercialización no solo en los EEUU sino en el mundo entero está en manos de empresas que han sido innovadoras y que poco a poco han impuesto su poderío en el mercado internacional. La promesa ingenua de la tecnología de información y comunicación, y en particular de la Internet, se ha cumplido a medias: la información del mundo está a nuestra disposición, pero cada vez que buscamos satisfacer nuestras necesidades en nuestros términos, nos ponemos en posición de romper la ley. La alternativa es consumir no localmente, sino globalmente, satisfaciendo a conglomerados o gigantes industriales que finalmente solo tienen presencia virtual en nuestros países; esto sin entrar a considerar que muchos contenidos, disponibles en las redes de manera irregular, no son fácilmente accesibles a través de las opciones formales disponibles en los países de América Latina. Sin justificar por ello la piratería, el consumo irregular, o el intercambio ilimitado de archivos digitales, ¿cómo promover una industria cultural que no limite a los usuarios pero que garantice ganancias a los productores? Al parecer no existe un punto medio.

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

7


La centralidad del derecho de autor como factor en las políticas de comunicación

Eduardo Mansilla

No se trata de un problema legal, o económico o social: lo que se postula en esta propuesta es que se trata de un problema político. El poder efectivo sobre los intercambios culturales ha cambiado de manos, pero el régimen político sobre estos intercambios ha reforzado una de las dimensiones del poder en manos de las industrias culturales: la legal y regulatoria local y transnacional. Ahí yace un conflicto fundamental que debe analizarse y resolverse. En particular, la comunicación se ve afectada por esta transformación porque las lógicas de diseño de política normalmente asociadas a esta actividad, quedan postergadas tanto en los hechos como en el discurso. Un mundo de escaseces como el que pintaba el informe McBride a comienzos de la década de 1980 (MCBRIDE, 1987) parece ser algo del pasado; la responsabilidad de los Estado nación para controlar y promover sus espacios de comunicación se ha perdido en el contexto de una circulación cada vez más globalizada, donde los contenidos no están bajo control de los Estados, y solo en parte son controlados por los derechohabientes; los consumidores lentamente parecen transformarse en algo distinto, en prosumidores, dejando de lado la necesidad de proveedores para pasar a un tejido de intercambios constante. No es necesario discutir la certeza de estas presunciones tanto como ser conscientes que la narrativa que sustentaba la necesidad de democratización parece haber sido postergada por la realidad. Incluso los sectores que promueven la reforma del muy restrictivo marco regulatorio del derecho de autor recogen de manera no explícita las premisas de la reforma pos McBride de la comunicación, pero centran sus esfuerzos en la libertad de información y el acceso al conocimiento. Una formulación desde la comunicación serviría para no solo coordinar mejor los intentos de reforma, sino para fortalecer el discurso de una comunicación orientada a la sociedad y no solo al negocio o al consumo individual.

UN NUEVO SISTEMA GLOBAL LATENTE La premisa es sencilla: el derecho de autor es un caso singular de política pública global de facto, creada a partir de la formalización de relaciones bilaterales en el ámbito multilateral, mediante una combinación de tratados e instrumentos de comercio entre naciones. Este tejido de normas, aunado a la enorme asimetría de flujos de bienes culturales, establece un sistema de regulación basado en la legislación nacional del país exportador principal, en este caso EEUU, sobre los países que son importadores netos de bienes culturales, como el Perú, e incluso sobre países que tienen cierto equilibrio en su balanza comercial comunicacional, como España o Brasil. El sistema legal que sustenta esta política pública es antiguo y fue concebido para la realidad de un mercado nacional de bienes transnacionales como el existente décadas atrás, los que eran tiempos de escasez: distribuidores locales de contenidos de origen extranjero que adaptaban o modificaban los productos para realidades específicas, y que descansaban en una serie de cadenas de comercialización local, y con las sociedades de gestión colectiva de derechos (SGCD) como aliados fundamentales. En la actualidad, el papel de las

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

8


La centralidad del derecho de autor como factor en las políticas de comunicación

Eduardo Mansilla

SGCD es más importante dado el deterioro de las demás partes de la cadena local, hasta la desaparición en ciertos casos. La transformación se plasma en los cambios en los tratados internacionales: del primigenio acuerdo de Ginebra del siglo XIX llegamos a complejos instrumentos multilaterales como el Acuerdo de Comercio anti falsificación (ACTA), Asuntos de Comercio relacionados con la propiedad intelectual (TRIPS), el TransPacific Partnership Agreement (TPPA), que se promueve al nivel de la o el Convenio de Derecho de Autor modificado en 1994, que trajo consigo la Digital Millenium Copyright Act de los EEUU, que como reflejo de la conexión bilateral que se consagra en el derecho de autor, es efectivo en cada país que comercializa bienes de origen EEUU en caso que el país receptor sea parte del tratado original, firmado en una época en que lo que se defendía era el derecho de autores y creadores individuales, no de corporaciones globales que controlan los derechos, su explotación y circulación de bienes asociada.

1“La razón por la que el Estado es estructuralmente dependiente es que no gobierno puede simultáneamente reducir ganancias e incrementar inversiones. Las firmas invierten como una función de retornos esperados; las políticas públicas que transfieren los ingresos de los propietarios del capital reducen la tassa de retorno y por lo tanto, de inversión. Los gobiernos enfrentan un dimlema entre distribucióny crecimiento, entre igualdad y eficiencia. Pueden ceder algo (o poca) distribución igualitaria del ingreso por menos (o más) inbersión pero no pueden alterar los términos de este dilema: esta es la tesis central de al teroía de la dependencia estructural. Los gobiernos pueden y deben escoger entre crecimiento y distribución del ingreso; pero dado que el bienestar material de cualquier grupo de votantes depende del crecimiento económico tanto como de su participación en el ingreso y dado que la distribución solo puede lograrse al costo de menor crecimiento, todos los gobiernos terminan con políticos que tienen efectos redistributivos limitados”.

Siguiendo este razonamiento, surge como singularmente útil el concepto de dependencia estructural, específicamente la dependencia que el Estado tiene del capital para la formulación de políticas públicas. En su explicación más directa, al ser el Estado el representante de una hegemonía política centrada en el capital, es su rol el de garantizar que el capital no sea perjudicado para satisfacer las demandas de los asalariados o de los grupos que se ven normalmente sometidos al mercado de trabajo. El capital exige y logra que el Estado diseñe políticas que fomenten la acumulación y reinversión antes que la satisfacción de demandas de bienestar porque solo así se garantiza el futuro de la sociedad. Como lo explican Wallerstein y Przeworski (2008), la clave yace en la constante búsqueda de balancear las contribuciones de los agentes económicos con las necesidades de los ciudadanos expresadas en sus demandas de servicios y acciones estatales. Para ello, se necesita simultáneamente fomentar la inversión y imponer tributos, y lograr equilibrio entre ambos es complejo: The reason the state is structurally dependent is that no government can simultaneously reduce profits and increase investment. Firms invest as a function of expected returns; policies that transfer income away from owners of capital reduce the rate of return and thus of investment. Governments face a trade-off between distribution and growth, between equality and eficiency. They can trade a more (or less) egalitarian distribution of income for less (or more) investment but they cannot alter the terms of this trade-off: this is the central thesis of the theory of structural dependence. Governments can and do choose between growth and income distribution; but because material welfare of any constituency depends upon economic growth as well as its share of income and because distribution can be achieved only at the cost of growth, all governments end up pursuing policies with limited redistributive effects. (WALLERSTEIN; PRZEWORSKI, 2008, p. 60).1 La existencia del derecho de autor es el resultado de la acción de dos fuerzas económicas: los intereses de los creadores intelectuales y de los consumidores. Ambos solicitaban reglas que los favorecerían: los creadores, el monopolio sobre la explotación comercial; los consumidores la mayor cantidad de contenidos a cambio de los precios más bajos, para lograr

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

9


La centralidad del derecho de autor como factor en las políticas de comunicación

Eduardo Mansilla

así menores costos con mayor acceso. El derecho de autor puede ser visto como una transacción medianamente equitativa: protección temporal a los autores para garantizar estímulos a la creación, frente a la seguridad de un amplia dominio público, es decir contenidos a libre disposición para todo tipo de explotación, en el mediano plazo. Mediante la protección se garantizan inversiones, que crean ingresos fiscales; los ciudadanos tienen acceso a contenidos y pagan por ellos en la medida que se logra equilibrar el costo con la satisfacción percibida. El derecho de autor es pues una forma de protección de aquellos que crean riqueza, en la forma de bienes culturales, de naturaleza temporal porque se acepta que los productos culturales son fundamentalmente sociales en su origen. Lo crítico es que este sector de la economía ha sufrido una enorme transformación en los últimos cien años. Originalmente representativo de intereses individuales, la producción de bienes culturales se convirtió en una actividad de naturaleza industrial, conforme las creaciones culturales se fueron tecnificando, la sociedad masificando y el crecimiento económico creó condiciones para el consumo masivo de cultura. En el proceso, las industrias creativas se volvieron parte integral de la economía capitalista industrial / global. Como tales, las industrias son contribuyentes poderosos, pero también actores políticos que negocian constantemente con el Estado cómo lograr las mayores ganancias; el Estado es consciente que el entorno tributario, pero también el entorno político comercial, debe facilitar la inversión y las ganancias empresariales, so pena de provocar el desplazamiento del capital de las industrias culturales a otras actividades. En su origen anglosajón, el derecho de autor toma la forma específica del derecho de copia o copyright, que fue creado mucho más claramente como mecanismo de compensación para los autores: se asumía que el monopolio sobre la expresión de ideas encarnada en una obra concreta era la mejor manera de garantizar estímulos a los creaban dichas obras, pero que la protección no debía ser indefinida, dado que perjudicaba la difusión de esas ideas. Un punto de equilibrio entre fines individuales y sociales, no solo por razones humanísticas sino económicas: la creación de nuevas obras depende de la alimentación que las viejas obras provee; este punto se expresa en la necesidad que la protección termine relativamente pronto, aun cuando el plazo mismo de protección sea un tema a debatir. Este principio de temporalidad de la protección patrimonial está en el fundamento de todas las conceptualizaciones del derecho de autor, y continua existiendo a pesar de los cambios recientes, que han visto la protección pasar de sus originales 28 años a “la vida más 70 años”, es decir 70 a partir de la muerte del creador intelectual, con beneficios para todos sus herederos directos; para obras anónimas o bajo autoría corporativa, la duración puede ser de 120 años desde el año de creación (U.S. COPYRIGHT OFFICE, 2012) Por ello, se puede afirmar que como sector económico, la industria de los bienes culturales ha logrado cambiar la lógica tras el derecho de autor, aunque no necesariamente el discurso lo haya hecho: en vez de proteger a los creadores, se beneficia un modelo de negocios basado en la exclusividad de la explotación de obras cada vez más caras de producir, marketear y distribuir. Mientras tanto, el discurso sigue siendo de defensa de intereses

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

10


La centralidad del derecho de autor como factor en las políticas de comunicación

Eduardo Mansilla

de creadores artísticos e intelectuales que muchas veces han vendido sus servicios a los productores. La piratería, que no es nueva pero que se ha vuelto más común con el auge de la Internet y la computación ubicua (JOHNS, 2009) es presentada como una amenaza radical y profunda a los intereses económicos y a la viabilidad de la cultura, al impedir el desarrollo del negocio. En el proceso, todas las formas de consumo que no cumplan con las normas de manera estricta se consideran como piratería. Además, y a pesar de lo discutible de las estimaciones al respecto (LEUNG, 2010), se asume que la lucha contra la piratería es una obligación estatal y que es indispensable combatirla por sus efectos desastrosos, especialmente sobre el bienestar de los creadores intelectuales. En resumen, y a pesar de la falacia argumental en su base, la lucha contra la piratería entendida de manera extensiva es una política pública que responde a intereses concretos del capital. Tras el sistema de tratados está claramente la realidad de una demanda por protección expresada en normas que protegen un modelo de negocio y que buscan impedir que los consumidores empoderados por la tecnología hagan uso de todas las alternativas a los sistemas de circulación preexistentes. Al mismo tiempo, y al tratarse de lo que Braman (2008) llama un sistema global latente, el derecho de autor crea demandas sobre los países importadores de contenidos que resultan en una legislación orientada a satisfacer al capital externo, no necesariamente al interno, dado que bloquea el desarrollo de alternativas locales, exige la utilización de recursos estatales para representar los intereses de los privados extranjeros, y favorece el flujo monetario al exterior del país. Los estados importadores de contenidos terminan siendo presionados por los estados bajo dependencia directa del capital industrial cultural, y aceptan los términos de la política pública latente bajo un discurso de aparente igualdad de protección y de promoción de los intereses de los creadores individuales, pero que en realidad solo favorece a las transnacionales. El contexto de la presión multilateral es la liberalización del comercio a través de tratados que se inició con el NAFTA entre EEUU, Canadá y México en 1993; el modelo de tratados hace que los países con economías en desarrollo, buscando el acceso a los mercados inmensos de los países altamente desarrollados, acepten sacrificar la autonomía de la definición de políticas públicas en una serie de ámbitos a cambio de la posibilidad de articular un sector exportador orientado al mercado más grande (KATZ; HINZE, 2009). El sacrificio de aspectos de política pública de menor importancia, como la protección a un sector de creación cultural de tamaño minúsculo, parece ser un costo más que aceptable a cambio de las posibilidades que se abren junto con el acceso comercial. Podría entonces pensarse la situación actual, siguiendo a Robert Dahl (1997) como una suerte de poliarquía empresarial global: los intereses privados son los únicos que importan a la hora de diseñar políticas; las políticas se diseñan alrededor de las demandas de grupos de presión específicos y de manera sectorial; el resultante es un conjunto de normas apegadas a los intereses sectoriales, que además requieren acción estatal para su cumplimiento, junto con protección legislativa y regulatoria; incluso es posible que los actores privados

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

11


La centralidad del derecho de autor como factor en las políticas de comunicación

Eduardo Mansilla

exijan del Estado la potestad de realizar acciones administrativas de cumplimiento, que no sean sino abdicaciones de las responsabilidades del Estado a manos de los privados. El resultado es la captura completa del Estado, donde la separación sectorial sirve como mecanismo de acceso a las partes interesadas. Dos casos saltan como refuerzo de esta tesis: la crisis financiera de 2008 puede ponerse como ejemplo de la captura de la regulación financiera por la industria que es su objeto, hasta el punto que la complejidad de los instrumentos financieros solo era viable si se optaba abiertamente por confiar en la capacidad de la industria financiera de autoregularse y de buscar ganancias a través de mecanismos viables y sostenibles, cosa que ha quedado claro no era cierta en lo más mínimo (LEWIS, 2011). En Europa, la mirada fue que la integración financiera y monetaria era deseable aunque dejara sin control local de los procesos de consumo financiero, lo que ha traído consecuencias enormes para países como España. El segundo caso es la misma Internet: el largo proceso de discusión sobre cómo se debe gestionar la Internet, descrito por Denardis (2009) entre otros, sirve para mostrar cómo un conflicto originalmente técnico, la gestión de los componentes técnicos de la Internet, se convierte en un conflicto de intereses comerciales con un mínimo componente de política no comercial, encarnada en la comunidad diseñadora original de la Internet. Este conflicto no resuelto todavía apunta a la necesidad de asumir que el Estado no parece ser capaz de ir más allá de una mirada poliárquica del diseño de políticas, usando el discurso libertario o de respeto a los derechos individuales como justificación post-facto de sus acciones cuando es pertinente. Se trata de una manifestación de la tensión globalización / estado nación: estos últimos se relacionan entre sí y con los actores transnacionales de distintas maneras según tengan la responsabilidad de garantizar el flujo de capital necesario para sus actividades. Países con menor presencia en la circulación global de bienes y servicios terminan contando con menos alternativas para articularse a este mercado, y tienen que aceptar los términos creados por los actores globales y los estados, que actúan a su servicio.

Como dice Beck (1998, p. 58), La globalidad quiere decir que se rompe la unidad de Estado nacional y de la sociedad nacional, y se establece unas relaciones nuevas de poder y competitividad, unos conflictos y entrecruzamientos entre, por una parte, unidades y actores del mismo Estado nacional y, por la otra, actores, identidades, espacios, situaciones y procesos sociales transnacionales. El Estado nación que alberga a una cantidad significativa de actores privados globales tendrá como tarea garantizar su éxito, mientras que el Estado nación que sea receptor de flujos comerciales globales tendrá la presión de sus ciudadanos, consumidores con vocación global, de acceder a los bienes y servicios que no solo pueden ser objetivamente mejores, sino que tengan la carga moral de la globalización y sus beneficios.

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

12


La centralidad del derecho de autor como factor en las políticas de comunicación

Eduardo Mansilla

Esta tendencia transnacional se combina con otra realidad contemporánea: la privatización de la acción represiva del Estado. No solo se trata de la exigencia para que el Estado haga el enforcement, es decir exija el cumplimiento de la ley: se trata de lograr que los estados de países más desarrollados requieran que los estados de menor importancia económica usen sus propios recursos para hacer cumplir los intereses de la industria cultural; y más todavía: se facilita que las empresas mismas exijan el cumplimiento de la ley sin necesidad de intervención del Estado como actor administrativo no interesado. Los términos de la Digital Millenium Copyright Act, por ejemplo, permiten a una empresa requerir a otra que retire contenidos sin presunción de inocencia de terceros y sin recurso administrativo. Ciertamente la supervigilancia no se agota en los asuntos de derechos de autor. Dado que la conducción de acciones policiales y de defensa sigue siendo una de las funciones incuestionablemente bajo el control estatal, su ejercicio en lo digital resulta una extensión natural de la política de seguridad. Cada vez más importante, el seguimiento a los ciudadanos es un interés de los servicios de seguridad, y rastrear su actividad digital es una forma fácil de estimar el nivel de riesgo que puede representar un ciudadano determinado: esto lleva a que las empresas de telecomunicaciones tengan que ofrecer información cada vez más detallada sobre lo que hacen sus clientes, y apunta a la tercerización de la actividad de supervigilancia que apunta Braman (2008 cap. 2).

LA CONSTRUCCIÓN POLÍTICA DEL CONSUMO IRREGULAR También es necesario considerar para el caso de economías de ingresos medios, como las que predominan en América Latina, que ante un crecimiento de consumo, formal e irregular, de productos culturales de fácil acceso, resultan entrampados a la hora de formular cualquier política cultural y de comunicaciones, puesto que estas enfrentan competencia severa no solo por recursos, sino por atención de los consumidores. La facilidad de consumo crea la ilusión de una “democratización” de la cultura, que es en realidad el facilitar la circulación de copias digitales de ciertos productos; se une a esto el discurso facilista de los prosumers como el nuevo status de los consumidores, que son personas que no solo consumen sino que producen. Este discurso justifica el consumo al convertirlo en antesala de un supuesto acto de creación que no se logra diferenciar de la re-distribución. Esto no impide que surjan actores capaces de aprovechar el modelo de desarrollo de las industrias culturales: usando precisamente las herramientas tecnológicas que han creado problemas, ofrecen nuevos paradigmas de acceso y consumo. El caso de Apple, una de las más grandes compañías del mundo en la actualidad gracias entre otros factores a su presencia en el consumo cultural, sirve como testimonio de este cambio. Aquí es conveniente retomar a Przeworski y Wallerstein (2008b, p. 18): “Interests of workers and capitalists may not be irreconciliable under all circumstances, and workers may see the choice between capitalism and socialism differently depending upon the specific political and economic conditions under which they live.”

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

13


La centralidad del derecho de autor como factor en las políticas de comunicación

Eduardo Mansilla

En otras palabras, es posible entender el consumo simplificado, múltiple y móvil como una forma de acomodo entre las demandas del capital y los intereses de los trabajadores. El consumo es más fácil y satisfactorio, y así tanto el Estado, en búsqueda de control a través de la supervigilancia digital, como el capital, que renueva su capacidad de hacer al Estado dependiente de sí, consiguen preservar sus intereses. Curiosamente, al permitir a través de la piratería el perjuicio individual de ciertas empresas, la Internet crea un entorno en donde se puede consumir tanto y con tanto entusiasmo que la Industria Cultural logra más y mejores espacios: solo es necesario algo de creatividad para proponer modelos de negocios completamente nuevos que expandan los mercados; la protección que ofrece el Estado es relevante pero no crítica. De esta manera, la Internet sostiene la ilusión promovida desde las distintas empresas, actores políticos y gremiales, que las industrias culturales están orientadas a sostener y fomentar la creatividad, cuando realmente el sistema latente de regulación no es más que un tejido de normas que captura al Estado para garantizar modelos de negocios corporativos basados en la creatividad de individuos. Esta captura es más seria al nivel de los estados de menor influencia en el proceso multilateral, los que carecen de alternativas dada la existencia de tratados que obligan a seguir el proceso tal como ya existe, y que no cuentan con los recursos necesarios para habilitar alternativas de política pública originales y adecuadas a las intenciones de promoción cultural local y endógena. Por su parte, los consumidores continúan actuando con libertad, lo que refuerza la debilidad del Estado frente a la necesidad de hacer cumplir las leyes. La paradoja central es que la transformación de la dependencia estructural del Estado frente al capital no se convierte necesariamente en mayor control sobre las acciones de los ciudadanos como agentes económicos, sino que abre la puerta a cada vez más supervigilancia estatal de los actores individuales, que son sometidos a seguimiento digital similar al que los sospechosos de terrorismo y delitos varios regularmente reciben como parte del trabajo de las agencias de inteligencia y seguridad pública. La Internet es entonces el opio de los consumidores. Crea las condiciones para que no sea necesario discutir o proponer términos de intercambio más favorables a los consumidores en mercados como el de los bienes culturales, y por lo tanto estorba la generación de acción colectiva. Al mismo tiempo, sirve para introducir mecanismos de control potencial y actual que son desconocidos fuera del ámbito del activismo más enterado de los detalles técnicos de la situación. Esto no niega el potencial para la creatividad intelectual y artística, o para el activismo político, que asociamos a la Internet. Sin embargo es necesario destacar que los patrones de acceso y consumo de bienes culturales que ha creado logran satisfacer demanda a escalas enormes, y por ello en su dimensión de consumidores, las personas terminan contando con tantas opciones y posibilidades efectivas de consumo que resulta irreal pensar en buscar alternativas que privilegien el desarrollo cultural frente al mero consumo. De la misma manera, las industrias tradicionales logran con un mínimo de esfuerzo desarrollar alternativas comerciales que les permite abarcar mercados cada vez más grandes, aunque algunos sectores específicos puedan estar perdiendo en comparación.

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

14


La centralidad del derecho de autor como factor en las políticas de comunicación

Eduardo Mansilla

El resultado es que el consumo irregular se establece como la base misma de la comunicación contemporánea. Mientras se busca la democratización de acceso o distribución como política, el ciudadano consumidor opta por solucionar sus demandas individuales a través de los recursos de la tecnología, cosa que obviamente ocurre con mayor libertad en países donde los estados tienen menor capacidad de control territorial; las normas represivas pueden existir pero no necesariamente tener efectividad alguna. La comunicación entonces parece estar resuelta, pero en el camino abandona la naturaleza social que la sustenta en favor de una resolución individualista.

CONFLICTOS DE MODELOS Y AGENDAS PARA DESENTRAMPARLOS Recogiendo la perspectiva de Wolton (2006), tenemos entonces un triunfo de las técnicas que derrota la comunicación, si entendemos esta como un proyecto colectivo de fortalecimiento de comunidades y sociedades. Disipamos en las respuestas individuales la diversidad de problemas que suponemos la comunicación como actividad debería enfrentar: el reforzamiento de la polity, el diálogo entre los miembros de la sociedad; el fortalecimiento constructivo de las diferencias al interior de una sociedad multicultural o multiétnica; la resolución de conflictos emergentes alrededor de las demandas de reconocimiento social o identitario. Estos temas se supone están en el centro de la actividad de los comunicadores, que sin embargo existen en el mundo real, donde la comunicación es una industria que debe responder a las demandas de los consumidores. No es un problema para el profesional, quizá, salvo porque ha sido formado bajo la premisa de la eficiencia técnica pero con el sueño de la relevancia social. No tenemos una narrativa en donde el potenciar las capacidades individuales realmente colabore con la consolidación de la sociedad como un todo, a pesar de la riqueza de oportunidades que la tecnología parece brindarnos. Si hay un conflicto de la comunicación está ahí, en la existencia de una realidad de opuestos en continuo desarrollo, que crea cierta esquizofrenia conceptual. La resolución por la que se apuesta es la eficiencia profesional: la comunicación tiene la exigencia de ser mejor en términos técnicos, es decir aprovechar al máximo el potencial de las herramientas. Pero si fijamos la atención en el otro conflicto, surgen temas como el derecho de autor que no parecen ser atendidos con el mismo énfasis que desde otras disciplinas y activismos se le dedica. Los movimientos de democracia del acceso al conocimiento, por ejemplo, concitan la atención de bibliotecarios, abogados o programadores, pero no suelen ser discutidos con detalle por los académicos, para no mencionar a los profesionales, de la comunicación latinoamericana. Al mismo tiempo, es posible percibir que la importancia de estos temas no es discutida desde la academia de la comunicación. Hay que lograr aprovechar el potencial de la tecnología para mejorar la comunicación, pero no necesariamente se busca elaborar respuestas constructivas al conflicto que el derecho de autor contemporáneo ha creado: la oposición

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

15


La centralidad del derecho de autor como factor en las políticas de comunicación

Eduardo Mansilla

entre la viabilidad comercial y la continuidad creativa. Reconocer que el poder de la tecnología es destructivo de las industrias no basta si no aceptamos que sin industrias, no hay comunicación posible. Las ilusiones de la democratización, de la dispersión de los actos de comunicación en millones de ciudadanos empoderados no sirve para reemplazar la realidad: la suma de acciones individuales no constituye acción colectiva, y los millones de monólogos o conversaciones entre grupos cerrados no crean una esfera pública dialogante. Una agenda constructiva para el derecho de autor desde la comunicación iberoamericana requiere considerar pues al menos cuatro grandes dimensiones. 1) Aceptar que la difusión masiva de tecnología no crea comunicación más democrática, sino más unidades discretas de intercambio de mensajes, al mismo tiempo que amplía la esfera simbólica al alcance de los consumidores individuales. Es decir, la democratización del acceso debería pasar por algo más que el aumento de opciones de consumo, sean legales o no, y demanda que pensemos mejor lo que entendemos por democratización y lo que implica usar tecnologías orientadas a la acción individual frente a los objetivos más amplios de la comunicación como parte de una estrategia de desarrollo equitativo. 2) Aceptar que el modelo de derecho de autor aumenta la concentración de propiedad y disminuye las posibilidades de circulación masiva de información, al crear nuevos mecanismos de control global en manos de pocos actores igualmente globales, que usan su enorme capacidad para modelar sistemas regulatorios y de circulación de bienes culturales que están fuera del control efectivo de los ciudadanos. Por ello, resulta imprescindible elaborar nuevas formas de entender la propiedad intelectual si queremos ir más allá de las limitaciones estructurales de la relación entre el Estado y el capital; junto con ello, es necesario recoger las prácticas innovadoras que ya ocurren en la sociedad y entenderlas y promoverlas como alternativas reales a la comunicación corporativizada que predomina en el consumo cotidiano de los ciudadanos del mundo. 3) Aceptar que junto al modelo altamente concentrado y globalizado de la circulación de contenidos, surgen formas locales, fragmentadas y poco conectadas entre sí, de respuesta de comunidades de práctica sobre todo, que hacen posible otras formas de comunicación, pero que no bastan para contar con comunicación de calidad para todos. Conectar, generalizar y ampliar esas prácticas más allá de los ámbitos precisos de sus orígenes hacia algo más amplio y masivo es tarea compleja pero indispensable. Un aspecto fundamental de esta generalización es conectar estas experiencias con la ya mencionada necesidad de fundamentar y promover académica y políticamente modelos de propiedad de derechos que faciliten la circulación sin fomentar la concentración y la corporativización. 4) Finalmente, que la ampliación de los derechos y las libertades ciudadanas requiere también crear nuevos modelos de gestión de la cultura material, expresada en los productos de comunicación, y que esto es un tema que no tiene tanto que ver con los medios de comunicación sino con la producción de obras y servicios de comunicación. Esto exige cambiar el foco de la discusión y promoción de alternativas de regulación mediática tradicional,

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

16


La centralidad del derecho de autor como factor en las políticas de comunicación

Eduardo Mansilla

hacia la regulación de la propiedad de la producción y del consumo de los productos, que cada vez más se realizará por fuera de los medios tradicionales, que son posibles de ser regulados desde el estado nacional, y que cada vez más serán un pie forzado, un dato de la realidad con la cual habrá que vivir antes que tratar de transformar. Concentrar energías en crear modelos regulatorios nacionales para los medios masivos no es suficiente cuando cada vez más, la creación de sentido y el diálogo entre ciudadanos ocurre fuera de ellos, y en medios que están fuera del alcance regulatorio significativo de cualquier legislación nacional. Esto no es tanto una agenda como una lista de puntos de conversación, que podría, como no, ser viable. Lo importante es reconocer que el diálogo sobre las políticas de comunicación tiene que ampliarse hacia estas dimensiones para que sea relevante en la realidad contemporánea, en eso que llamamos vida digital.

REFERENCIAS

AIGRAIN, P. Cause commune: l’information entre bien commun et proprieté.Parisl: Fayard, 2005. (Collection Washing Machine). BECK, U. ¿Qué es la globalización? Falacias del globalismo, respuestas a la globalización. Barcelona: Paidós, 1998. BENKLER, Y. The wealth of networks: how social production transforms markets and freedom. New Haven: Yale, 2006. BOYLE, J. The public domain: enclosing the commons of the mind. Londres: Yale University Press, 2008. BRAMAN, S. Change of state. Cambridge: The MIT Press, 2008. COWHEY, P. F.; ARONSON, J. D. Transforming global information and communication markets: the political economy of innovation. Cambridge: The MIT Press, 2009. DAHL, R. La poliarquía: participación y oposición. Madrid: Tecnos, 1997. DENARDIS, L. (2009) Protocol politics: the globalization of Internet governance. Cambridge: The MIT Press, 2009. GAO: United States Government Accountability Office. Intellectual property: observations on efforts to quantify the economic effects of counterfeit and pirated Goods. Reporte 10-423. Washington: GAO, 2010. JENKINS, H. Convergence culture: where old and new media collide. New York: NYU Press, 2006. JOHNS, A. Piracy: the intellectual property wars from Gutenberg to Gates. Chicago: Chicago University Press, 2009.

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

17


La centralidad del derecho de autor como factor en las políticas de comunicación

Eduardo Mansilla

KARAGANIS, J. (Ed.). Media piracy in emerging economies. New York: Social Sciences Research Council, 2011. KATZ, E.; HINZE, G. The impact of the Anti-counterfeiting trade agreement on the knowledge economy: the accountability of the Office of the U.S. Trade Representative for the creation of IP enforcement norms through executive trade agreements. Yale Journal of International Law, Yale, v. 35, n. 1, p. 24-35, 2009. LEMOS, R.; CASTRO, O. Technobrega: o Pará reinventando o negócio da música. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2008. LESSIG, L. The future of ideas. Cambridge: The MIT Press, 2001. LEUNG, T. C. What is the True Loss Due to Piracy? Evidence from Microsoft Office in Hong Kong (September 9, 2010). Available at SSRN: http://ssrn.com/abstract=1670608 LEWIS, M. The big short: inside the doomsday machine. New York: Norton, 2011. MCBRIDE, S. Un solo mundo, voces múltiples: comunicación e información en nuestro tiempo. México: Fondo de Cultura Económica, 1987. OBERHOLZER-GEE, F.; STRUMPF, K. File-Sharing and Copyright. Harvard Business School working paper, North Carolina, 09-132, mayo, 2009. PRZEWORSKI, A. WALLERSTEIN, M. Structural dependence of the state on capital. In: AUSTEN-SMITH, D. et al. Selected works of Michael Wallerstein: the political economy of inequality, unions and social democracy. Cambridge: CUP, 2008. p. 58-85. ______. The structure of class conflicts in democratic capitalist societies. In: AUSTEN-SMITH, D. et al. Selected works of Michael Wallerstein: the political economy of inequality, unions and social democracy. Cambridge: CUP, 2008b. p. 18-57. UNITED STATES COPYRIGHT OFFICE. How long does copyright protection last? 2012. Available: <www.copyright.gov/help/faq/faq-duration.html>. Acess: 12 jul. 2013. WILSON, E. J.III The information revolution and developing countries. Cambridge: MIT, 2006. WOLTON, D. Salvemos la comunicación: aldea global y cultura, una defensa de los ideas democráticos y la cohabitación mundial. Barcelona: Gedisa, 2006. ZITTRAIN, J. The future of the Internet and how to stop it. New Haven: Yale University Press, 2008.

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

18


DILEMAS DO JORNALISMO IMPRESSO NA BUSCA DE UM NOVO MODELO DE NEGÓCIO * LOS DILEMAS DEL PERIODISMO IMPRESO EM BUSCA DE UN NUEVO MODELO DE NEGOCIO THE PRINTED JOURNALISM’S DILEMMAS IN THE SEARCH OF A NEW BUSINESS MODEL

Sérgio MATTOS Jornalista diplomado, Mestre e Doutor em Comunicação. Professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) no Colegiado de Comunicação, Curso de Jornalismo. e-mail: sasmattos@gmail.com

Revista Eptic Online Vol.16 n.1 p.19-32 jan.-abr. 2014 Recebido em 13/09/2013 aprovado em 20/10/2013


Dilemas do jornalismo impresso na busca de um novo modelo de negócio

Sérgio Mattos

RESUMO Utilizando a estrutura de análise do contexto socioeconômico, político e cultural do país, base da Economia Política da Comunicação, este trabalho descreve, discute e identifica tendências do mercado brasileiro, além de apresentar os esforços que as empresas jornalísticas estão fazendo no sentido de encontrar um novo modelo de negócio que permita a sobrevivência e sustentabilidade do jornalismo na plataforma impressa. Baseado em dados empíricos procura-se também estabelecer conexões e analogias que justifiquem o que está ocorrendo no jornalismo impresso brasileiro, porque tanto os jornais populares como os jornais de distribuição gratuita estão crescendo em todo o país.

Palavras-chaves Jornalismo. Queda de circulação. Jornal de distribuição gratuita. Plataforma digital. Novo modelo de negócio.

RESUMEN Utilizando el marco analítico del desarrollo socio-económico, político y cultural, basado en La Economía Política de La Comunicación, este trabajo describe, analiza e identifica las tendencias del mercado brasileño, además de presentar los esfuerzos que las compañías de periódicos están haciendo con el fin de encontrar un nuevo plan de negocio que le permite al la supervivencia y la sostenibilidad del periodismo en la plataforma de impresión. Basado en datos empíricos también está tratando de establecer conexiones y analogías que justifican lo que está sucediendo con el periodismo brasileño en la plataforma de impresión debido a que ambos los diarios populares y los periódicos gratuitos están creciendo en todo el país. Palabras clave Periodismo. Disminución de la circulación. Periódico de distribución gratuita. Plataforma digital. Nuevo modelo de negocio.

ABSTRACT Using the analytical framework of the socio-economic, political and cultural development, based on the Political Economy of Communication, this paper describes, discusses and identifies tendencies of the Brazilian market besides presenting the efforts that newspaper companies are doing in order to find a new business plan that allows the survival and sustainability of journalism on the print platform. Based on empirical data is also looking to establish connections and analogies which justify what is happening with the Brazilian journalism in the print platform because both popular papers and the free newspapers are growing across the country. Keywords Journalism. Declining circulation. Free distribution newspaper. Digital platform. new business model.

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

20


Dilemas do jornalismo impresso na busca de um novo modelo de negócio

*Este trabalho foi originalmente apresentado durante o VI Fórum EPTIC. (MATTOS, 2013)

Sérgio Mattos

As novas tecnologias digitais e a multiplicidade de fontes noticiosas têm causado impactos diretos na produção, comercialização, distribuição e consumo de informações, afetando o modelo de negócios dos meios de comunicação, principalmente o segmento do meio impresso. Este é o cenário que se apresenta como um desafio para os gestores e jornalistas, que precisam repensar o jornalismo, adotando novas práticas de gestão e estratégias que lhes permitam oferecer aos leitores/consumidores um produto de melhor qualidade e que atenda à suas necessidades. Em termos globais, a mídia impressa tenta encontrar formas e estratégias para a manutenção do meio jornal na plataforma impressa, além de continuar investindo nas plataformas digitais com o objetivo de assegurar, no futuro, um retorno lucrativo para acionistas e colaboradores. Apesar de em todo o mundo os jornais tradicionais diários estarem a registrar uma diminuição crescente de leitores e de verbas publicitárias, ambos se deslocando, mais recentemente, para outras mídias mais atraentes, no Brasil a circulação do segmento impresso, como um todo, tem crescido. O contexto socioeconômico, político e cultural nacional apresenta não uma, mas várias realidades, tão dispares que podem nos induzir a conclusões distorcidas sobre o que está influenciando direta e indiretamente o cenário atual da mídia impressa. Isto porque, [...] no Brasil as condições internas têm exercido sobre os veículos de massa uma influência muito mais forte do que os fatores externos. Aqui, os meios de comunicação de massa e também a indústria publicitária têm refletido não apenas a forma particular de desenvolvimento dependente do país, mas ainda os interesses políticos de quem está no poder. (MATTOS, 2009, p. 17). Considerando o exposto, este trabalho, de caráter inconclusivo, tem o objetivo de descrever, discutir e identificar as tendências do mercado e do modelo de negócio adotado a partir da estrutura de análise do contexto socioeconômico, político e cultural do país. Ao identificar as principais tendências, lógicas e estratégias, pretende ainda estabelecer conexões e analogias que justifiquem o que está acontecendo com o jornalismo na plataforma impressa e identificar possíveis caminhos para a sobrevivência e sustentabilidade do jornal impresso. Entre as questões que se pretende responder estão algumas instigantes e outras contraditórias, mas que podem lançar alguma luz no panorama que se nos apresenta tão cheio de incertezas e de quase completa escuridão: Por que os grandes e tradicionais jornais do país estão perdendo circulação e audiência? A Internet é realmente a responsável pela crise da mídia impressa? Como se justifica a circulação dos jornais ter crescido no país como um todo enquanto ela tem caído em outros países?

O CENÁRIO ATUAL CONTEXTUALIZADO O contexto da década de 1990 foi favorável às empresas jornalísticas que se modernizaram com adoção de megaprojetos e instalação de novos parques gráficos, contraindo

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

21


Dilemas do jornalismo impresso na busca de um novo modelo de negócio

Sérgio Mattos

dívidas em moeda estrangeira, o que comprometeu os planos de expansão ao longo da primeira década deste século. Em meados da década de 1990, a mídia festejava, com lucros, o Plano Real e o aumento da circulação média dos jornais, que cresceu de 4,3 milhões em 1990 para 6,6 milhões de exemplares/dia no ano 2000. O número total de jornais em circulação também cresceu. Entre 1990 e 1999, o crescimento foi da ordem de 69,43%, registrando uma média anual de 7,5% de acordo com dados da Associação Nacional dos Jornais (MATTOS, 2013). O contexto econômico-financeiro positivo e a estabilidade cambial de meados da década de 1990 foram favoráveis à mídia impressa, estimulando os gestores a investir em novos parques gráficos e no jornalismo online, além de buscarem novas opções de negócios por meio de parcerias com o objetivo de reduzir custos e aumentar a lucratividade. A seguir alguns exemplos dos investimentos realizados pelos jornais: A partir de 1995, a maioria dos jornais investiu na informatização das redações e na compra de novas impressoras. A mídia festejava os avanços tecnológicos, a Internet e a abertura do mercado de telecomunicações, enquanto os quatro principais jornais do país (O Globo, Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo) aumentaram a circulação paga de 490,2 milhões em 1994 para 535,5 milhões de exemplares/ano em 1995. O faturamento em publicidade aumentou 67%, de 900 milhões de dólares para 1,5 bilhão de dólares.[...] Exemplo dos investimentos feitos pelas empresas de comunicação foi o novo parque gráfico do grupo Folha, inaugurado em 1995, em Tamboré, São Paulo, no qual se investiu um total de 120 milhões de dólares. Em 1996, o grupo inaugurou o provedor de acesso à Internet UOL (Universo Online) e criou a Plural Gráfica Comercial, em parceria com a norte-americana Quad Grafics, Em 1999, o grupo Folha lançou o jornal Agora e, em 2000, em parceria com as Organizações Globo, o jornal Valor Econômico. Por sua vez, as Organizações Globo lançaram, em 1998, simultaneamente, dois novos veículos, o jornal Extra, no Rio de Janeiro, e a revista semanal Época, em São Paulo. Em 2001, compraram e reformaram o Diário Popular, relançando-o como Diário de S. Paulo. Para garantir a qualidade gráfica e editorial de seus jornais, o grupo Globo inaugurou em 1998 o seu parque gráfico em Duque de Caxias, Rio de Janeiro. (MATTOS, 2013, p. 17-18, grifo do autor).

No final do século XX e início do século XXI (período entre 1999 e 2003) o segmento da mídia impressa brasileira amargou prejuízos, com a queda da circulação e com a retração do bolo publicitário. No processo de informatização das redações, compra de novas impressoras, construções e formação de conglomerados de mídias, as principais empresas jornalísticas brasileiras investiram cerca de 700 milhões de dólares. Recursos obtidos por empréstimos em bancos e moeda estrangeiros que contribuiu para aumentar os prejuízos com reflexos diretos na produção e distribuição de conteúdos, além de gerar demissões de jornalistas nas redações (MATTOS, 2013). Em síntese, pode-se dizer que apesar dos altos e baixos, crises e momentos de euforia do mercado, foi ao longo dos últimos 23 anos (período de 1990 a 2013), que a mídia nacional

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

22


Dilemas do jornalismo impresso na busca de um novo modelo de negócio

Sérgio Mattos

impressa se modernizou nos aspectos tecnológico, conteúdo editorial e no design gráficovisual, além de ter investido maciçamente nas perspectivas digitais do web jornalismo. O comportamento e a tendência das empresas jornalísticas e do mercado refletiram as influências do contexto socioeconômico, cultural e político do país.

QUEDA DE CIRCULAÇÃO E ALTERNATIVAS A queda de circulação dos jornais impressos vem sendo percebida desde meados do Século XX em todo o mundo. Muitos analistas e estudiosos, a exemplo de Sabine Righetti e Ruy Quadros (2009), Philip Meyer (2004), dentre outros, apontam que as causas para a redução de leitores são muitas e variadas, oscilando da concorrência entre os meios considerados mais atraentes à queda do hábito de leitura, além da disseminação da Internet e das novas tecnologias digitais, que permitiram a distribuição de notícias de forma contínua e precisa, multiplicando a capacidade de transmissão de conteúdos e facilitando o acesso do leitor/consumidor a múltiplas fontes. Historicamente, os principais jornais do Brasil vêm registrando quedas e picos em suas respectivas tiragens há décadas como resultado não apenas da situação econômico financeira do país, estimulando ou retraindo o consumo e a publicidade, mas também devido à situação política ao longo do período; do surto da industrialização e do nível de desenvolvimento alcançado por algumas regiões. As oscilações nas tiragens se devem também às opções mercadológicas empreendidas com o objetivo de aumentar a circulação e os lucros das empresas, por meio de campanhas de marketing para venda de assinaturas e da venda avulsa acompanhada de brindes. As experiências de vendas associadas a brindes foram sempre de caráter sazonal, contribuindo para elevação irreal da circulação de determinado jornal cuja circulação ao término da promoção retornava aos níveis anteriores. Independente da queda e ou aumento das tiragens, é importante destacar que o número de títulos de jornais em circulação continua crescendo. Em 2006, existiam no País, com circulação regular, 532 jornais diários, 1.531 semanais, 420 quinzenais e 378 mensais, entre outros. Em 2011, segundo as estatísticas da Associação Nacional dos Jornais (ANJ) foram contabilizados um total de 4.214 títulos de jornais, sendo 684 deles jornais diários (MATTOS, 2013). No ano 2000, quando a crise já atingia o segmento, a circulação nacional, em números absolutos era de 7 milhões e 883 mil exemplares/dia e em 2011 o total cresceu para 8 milhões e 651 mil exemplares por dia, sendo que um pouco mais de 50% desse total, 4 milhões e 443 mil exemplares/dia são de responsabilidade de jornais afiliados ao Instituto de Verificação de Circulação (IVC), que atesta a circulação declarada pelos jornais, baseando-se em auditagens periódicas (MATTOS, 2013). Em dezembro de 2012, o total de exemplares/dia atingiu o total de 9 milhões e vinte e nove mil exemplares, enquanto o total da circulação auditada pelo IVC ficou em quatro milhões e quinhentos e sessenta e oito mil exemplares.

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

23


Dilemas do jornalismo impresso na busca de um novo modelo de negócio

Sérgio Mattos

Apesar desses números, os dez maiores e tradicionais jornais brasileiros, a exemplo de Folha de S. Paulo, O Estados de S. Paulo e O Globo, de circulação nacional, e os principais jornais regionais, como A Tarde da Bahia, O Povo do Ceará e a Zero Hora do Rio Grande do Sul, entre outros, individualmente, registraram queda na circulação paga, no número de assinantes e na receita publicitária. [...] as vendas diárias de grandes jornais brasileiros como Folha de S. Paulo e O Globo têm caído desde o ano 2000. Dados divulgados pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC) revelam que a Folha, O Globo e O Estado de S. Paulo perderam, respectivamente, 10,84%, 7,75% e 16,93% de circulação média diária em abril de 2009, se comparada aos números de abril de 2008. No ano de 2000, a Folha tinha circulação média de 429.476 exemplares/dia; O Globo, 334.098; e o Estadão, 391.023. Atualmente [2010], nenhum deles atinge a circulação de 300 mil exemplares diários. (FERREIRA; LIMA, 2010, grifo do autor). Complementando o cenário da circulação desses jornais, Sabine Righetti e Ruy Quadros (2009) em suas pesquisas também fizeram um recorte específico nos dois principais jornais paulistas, constatando que na Folha de S. Paulo: [A] média diária de exemplares caiu de 606 mil, em 1995, para 308 mil, em 2005, o que significa uma redução de 49% (lembrando que a Folha é o principal jornal do país em termos de circulação). Essa queda devese, sobretudo, à redução do número de assinantes, que diminuíram em 38% no período, passando de 440,3 mil, 1995, para 272,4 mil, em 2005. No jornal O Estado de S. Paulo, a circulação passou de 381 mil exemplares, em 1995 para 230,9 mil, em 2005, o que representa uma redução de 39%. Vemos que a redução também está associada à fuga de assinantes, que diminuíram em aproximadamente 45% em cinco anos, passando de 351 mil, em 2000, para 195 mil, em 2005 [...]. (RIGHETTI; QUADROS, 2009).

JORNAIS POPULARES Ao examinar os dados referentes à queda de circulação dos maiores e principais jornais brasileiros, muitos poderão concluir que o segmento da mídia impressa está em queda livre. No entanto, de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Circulação (IVC), no período de 2011 e 2012, os jornais brasileiros, como um todo, mantiveram a tendência de crescimento da circulação paga diária média dos últimos dez anos, mesmo com a pequena retração registrada entre 2008 e 2009. Segundo o IVC o crescimento médio dos jornais impressos brasileiros, em 2011, foi da ordem de 3,5%, apesar dos tradicionais jornais de prestígio do País (Folha, Estadão e O Globo) terem perdido leitores. Observe-se que o resultado positivo do crescimento da circulação só foi possível porque houve um aumento de 10,3% na circulação de jornais com preço de capa de até R$1,00 (um real), ou seja, o aumento da circulação registrado pelo IVC está baseado nos títulos classificados como “populares” (ANJ, 2013).

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

24


Dilemas do jornalismo impresso na busca de um novo modelo de negócio

Sérgio Mattos

Esses dados nos apontam para a constatação de que as organizações jornalísticas estão adaptando o tradicional modelo de negócio no sentido de encontrar saídas para a sobrevivência e sustentabilidade de suas respectivas empresas. No caso, as empresas jornalísticas aproveitaram o momento econômico do país, com o aumento da distribuição de renda que possibilitou a ascensão da classe D à classe C, e diversificaram seus investimentos com o lançamento de novos títulos. Com isso, conquistaram novos leitores, em outros segmentos do mercado, compensando, de certa forma, na contabilidade da empresa as perdas sofridas pelos títulos principais. O cenário econômico que facilitou o surgimento de inúmeros jornais populares está relacionado a dois fatos econômicos: Segundo Leonel Aguiar [...] o primeiro foi a saída de cerca de 28 milhões de cidadãos da linha de miséria e de aproximadamente 32 milhões da pobreza, ao longo dos últimos anos. O segundo, a produção focada nesses novos consumidores. “Essa incorporação da nova classe média como consumidora de informação foi percebida por algumas empresas” [...]. Esse novo contingente no mercado incentivou a criação de produtos específicos para seu poder aquisitivo. No caso dos impressos, surgiram os chamados jornais populares de qualidade ou populares sensacionalistas. [...] os populares de qualidade, as manchetes lidam com quesitos econômicos que afetam a vida e o bolso do leitor do jornal. No outro segmento, de populares sensacionalistas, as manchetes são de casos policiais, esporte e mulheres [...]. (FERREIRA; LIMA, 2010, grifo do autor). Os gestores da empresa jornalística das Organizações Globo, Infoglobo, a exemplo de outras empresas, apostaram na segmentação e tendência do mercado, deixando de ser uma empresa jornalística com apenas um produto para ser uma empresa multiproduto, atendendo a todas as camadas sociais. Aproveitaram a ascensão das classes sociais para diversificar seus produtos. Assim, além de O Globo, a empresa lançou dois jornais populares: Extra e Expresso. O jornal O Globo, principal produto jornalístico da empresa com circulação nacional, destina-se à classe A/B, uma audiência qualificada e formadora de opinião, e apresenta uma circulação de 255 mil exemplares nos dias úteis e de 343 mil exemplares aos domingos. O jornal Extra, é destinado à classe B/C com ênfase em prestação de serviço e dentre suas ações promocionais, trabalha com cuponagem. Apresenta circulação de 189 mil exemplares nos dias úteis e de 357 mil exemplares aos domingos (superior à de O Globo). O terceiro jornal, Expresso, é direcionado à classe C/D com tiragem de 82 mil exemplares nos dias úteis e 53 mil aos domingos. Os dois jornais populares são vendidos exclusivamente em bancas. A empresa mantém também seis jornais de bairro que juntos atingem a expressiva tiragem de 322 mil exemplares, nos dias em que são publicados com venda em banca e assinantes. O principal jornal de bairro é O Globo Barra que circula dois dias na semana às quintas-feiras e aos domingos, com tiragens de 44 mil e 55 mil exemplares respectivamente. O ponto forte dos jornais de bairro é que mais de 70% das tiragens têm venda asseguradas por assinaturas e o restante é vendido em bancas. Os seis jornais são: Barra, Niterói, Serra, Tijuca,

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

25


Dilemas do jornalismo impresso na busca de um novo modelo de negócio

Sérgio Mattos

Zona Norte, Zona Sul. Este último circula um dia da semana com 78 mil exemplares. É importante lembrar que não apenas as Organizações Globo, mas todas as demais espalhadas no país estão diversificando, produzindo jornais direcionados à população de baixa renda como alternativa de manter, recuperar ou conquistar novos leitores, que antes não compravam jornal. Além de lançarem novos títulos diários e semanais, estas organizações jornalísticas continuam investindo nas plataformas digitais. Apesar da baixa rentabilidade, as edições online continuam crescendo e segundo dados do IVC divulgados pela ANJ [...] os jornais brasileiros tiveram crescimento médio de 1,8% na circulação em 2012, mas o que é digno de nota é que o aumento se deveu ao avanço das edições digitais, que aumentaram 128% na comparação com 2011. Elas responderam por 100% do aumento no ano e já representam 3,2% da circulação total. Esse crescimento das edições digitais deve se manter em 2013, uma vez que os jornais brasileiros estão adotando, em número crescente, o sistema de cobrança pelo acesso a conteúdos digitais (paywall), a exemplo do que vem ocorrendo internacionalmente. (ANJ, 2013). As empresas jornalísticas brasileiras também estão em busca de novos modelos de negócios que lhes permitam também adaptar o conteúdo jornalístico que produzem às novas plataformas móveis que estão surgindo, a exemplo de smarphone, iPhone, iPad e Tablet, entre outros, que estão sendo disseminados por todo o mundo.

A FEBRE DE JORNAIS GRATUITOS A distribuição gratuita de jornais não é uma prática nova no Brasil. Desde meados do século passado que já circulavam nas principais capitais títulos de jornais distribuídos gratuitamente, aos domingos, principalmente nos bairros nobres, com ofertas de produtos e serviços, promoções e algumas colunas e matérias, além, é claro dos anúncios. Os jornais eram distribuídos diretamente nas residências dos bairros trabalhados. Hoje a distribuição gratuita ocorre nos sistemas integrados de transportes públicos, como metrôs e estações de transbordo rodoviários, nas ruas mais movimentadas e nas escolas e universidades, além de outros pontos fixos. Nos últimos anos, os jornais gratuitos avançaram no Brasil com velocidade, força e estrutura comercial de sustentação. Os jornais de distribuição gratuita, a TV a cabo e a Internet são acusados de roubarem leitores dos jornais pagos. Aliás, uma hipótese sem fundamento porque historicamente os jornais tradicionais vêm perdendo leitores há muitas décadas e não apenas a partir da chegada dos gratuitos e da Internet. No entanto, pode-se aceitar a afirmativa de que a disseminação de ambos contribuiu para acelerar a crise dos jornais pagos, que buscam novas alternativas de sobrevivência. Como afirma Ricardo Pedreira, diretor da ANJ, “a chegada de novos jornais, gratuitos ou não, significa um número maior de pessoas adquirindo o hábito do consumo de informações jornalísticas” (FERREIRA; LIMA, 2010). Portanto, concentraremos nossa atenção aos principais jornais de circulação gratuita que servem de exemplo de como este segmento

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

26


Dilemas do jornalismo impresso na busca de um novo modelo de negócio

Sérgio Mattos

está se expandindo no Brasil e conquistando novos leitores. Os principais jornais de distribuição gratuita em circulação no Brasil, principalmente na cidade de São Paulo, com exceção do MetroNews, criado em 1974, são vinculados a empresas estrangeiras, que estão disputando o mercado no Brasil: jornal Metro, do grupo sueco Metro Internacional, e o jornal Destak, do grupo português Cofina. Para cumprir a lei 10.061, que limita a 30% a presença de capital estrangeiro em veículos de comunicação no Brasil, esses grupos, a exemplo de outros, se associaram a brasileiros. Como prova de reconhecimento da importância dos jornais de distribuição gratuita como mídia publicitária, o IVC começou a fazer auditagem desses jornais para facilitar a compra de mídia pelos anunciantes e publicitários. Em abril de 2013 o IVC disponibilizou para o mercado o iMediaMap de jornais gratuitos: O recurso possibilita um nível extremo de geolocalização das informações sobre distribuição e chega ao detalhamento dos dados de cada ponto. Ao todo, a entidade já audita aproximadamente 500 mil exemplares de jornais gratuitos mensalmente. Segundo os números de fevereiro [2013], o Destak São Paulo lidera a lista dos seis títulos gratuitos auditados pelo IVC com 153.340. Na terceira posição, está o Prime Saber com o registro de 80 mil exemplares. Metro Brasília está logo abaixo com 40.421, seguido pelos Destak Brasília e Prime Consumo, com 39.792 e 30 mil, respectivamente (SILVA, 2013). Resumidamente, a história dos grandes jornais de circulação gratuita no Brasil começou com o MetroNews, paulista instalado em Guarulhos, no ano de 1974 quando do início e inauguração dos primeiros quilômetros de linhas do metrô de São Paulo. O MetroNews começou semanal, depois passou a ser distribuído de segunda a quinta-feira e a partir de 2010 tornou-se diário com circulação declarada de 150 mil exemplares, fazendo periodicamente uma megatiragem de um milhão de exemplares. O jornal Destak foi lançado em São Paulo em julho de 2006 e hoje conta com edições diárias distribuídas em São Paulo (153 mil exemplares), Rio de Janeiro (100 mil), Brasília (40 mil) Campinas (30 mil), ABC (30 mil) e Recife (30 mil exemplares). As tiragens do Destak em São Paulo começaram a ser auditada pelo IVC neste ano de 2013. O jornal Metro, do grupo sueco Metro Internacional, que se autoproclama como sendo o maior jornal do mundo, distribuído em 22 países, chegou ao Brasil, mais precisamente em São Paulo, em 2007 e começou sua expansão em 2009, atingindo as cidades paulistas do ABC, Santos e Campinas. Em 2010 passaram a distribuir também no Rio de Janeiro e, desde 2011, chegaram a Curitiba, Belo Horizonte e Porto Alegre. A partir de maio de 2012 começaram a atuar em Brasília. De acordo com informações da própria empresa, o jornal Metro distribui diariamente no Brasil o total de 488 mil exemplares, sendo que 156 mil em São Paulo, 99 mil no Rio de Janeiro e o restante entre outras capitais onde já estão operando. O boom dos jornais gratuitos no Brasil, que se caracteriza como opção de um novo modelo de negócio para a mídia impressa, também contribuiu para o aumento na quantidade de

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

27


Dilemas do jornalismo impresso na busca de um novo modelo de negócio

Sérgio Mattos

veículos de mídia impressa em circulação nos últimos anos. Segundo dados da ANJ, em 2001 havia 1980 jornais em circulação no País. Porém, com a chegada dos jornais gratuitos e tabloides populares esse número subiu para 4.103 em 2008.

REPENSAR O JORNALISMO E AS ABORDAGENS DE PESQUISA Frente ao cenário acima descrito, o objetivo desta seção é refletir sobre alguns aspectos e mudanças que estão se processando no jornalismo. Devido ao avanço das novas tecnologias, a distribuição das notícias está cada vez mais rápida. A quantidade de informações que chega ao consumidor de qualquer parte do mundo, na velocidade de tempo real, é imensurável. A quantidade de notícias tem consequentemente substituído a qualidade do conteúdo. A apuração, produção e transmissão de notícias estão sendo adaptadas às inúmeras tecnologias digitais e processadas em escala industrial. A velocidade com que notícias e informações são apuradas, processadas e distribuídas, por outro lado está contribuindo para o surgimento de um estágio de banalização da notícia, uma saturação em escala inigualável, na qual o valor da informação transmitida já não é percebido com clareza pelo receptor que, no entender de muitos, pode estar rejeitando o excesso de oferta, como sendo produto desvalorizado. Nesse processo, as notícias que poderiam ser importantes para o consumidor acabam se diluindo ou se perdendo no turbilhão de informações recebidas. Na ansiedade provocada pela competição com outros meios, os jornais maquiaram seus produtos com imagens coloridas e design gráfico moderno, que passaram a ocupar maior espaço em detrimento do conteúdo de qualidade. As informações hoje publicadas são cada vez mais superficiais e nada acrescentam ao que foi transmitido pelos outros meios. Houve aqui um acidente de percurso, pois ao promoverem reformas para se tornar ou parecer semelhante aos outros meios, o impresso perdeu espaço no mercado. Além disso, os jornais de informações gerais em circulação no Brasil estão muito parecidos uns com os outros, apresentando praticamente as mesmas informações e fotografias provenientes das mesmas fontes, agentes de notícias e de assessorias de comunicação. O diferencial deveria ser o local, o regional, mas nem isso está mais fazendo a diferença. Os veículos estão se copiando, oferecendo produtos com conteúdos similares entre si. Hoje já não se corre atrás do furo jornalístico, da exclusividade da notícia que diferenciava os jornais, qualificando-os e aumentando a credibilidade e referencial. Está tudo igual: os projetos gráficos e editoriais estão mais voltados para a apresentação do que para o conteúdo. Houve uma redução da quantidade e da qualidade das notícias e uma maior concentração nos temas usados pelas revistas, televisão e sites da internet, sempre em busca de conteúdos gerais para públicos tão indefinidos quanto à audiência do Jornal Nacional da Rede Globo, onde são oferecidas das notícias leves àquelas de interesse humano, intercaladas com fatos policiais e desastres, com pinceladas de sensacionalismo. É necessário que os gestores aceitem a realidade de que cada veículo e que cada plataforma tem uma característica própria (identidade própria) que deve ser explorada e valorizada

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

28


Dilemas do jornalismo impresso na busca de um novo modelo de negócio

Sérgio Mattos

como sendo o seu diferencial. Para tanto será necessário estar atentos às oportunidades e dispostos a romperem com padrões convencionais, como o exemplo dos jornais de distribuição gratuita que romperam o status quo e estão conquistando novos leitores. A atração que devem exercer sobre o público consumidor tem a ver com a capacidade de cada um de seduzir os leitores com temas atraentes, com notícias que lhes acrescente alguma coisa, que faça sentido às suas necessidades de sobrevivência que ajude a eles organizar suas vidas, a tomarem decisões e a terem atitude. No entanto, isto só será obtido com notícias relevantes bem apuradas, que forneçam análise, interpretação e contextualização dos fatos. O jornalismo precisa redefinir seus conceitos, funções e repensar o seu papel na sociedade. Nunca as empresas jornalísticas precisaram tanto de conhecer o perfil do leitor/consumidor como agora. Conhecer seus valores, necessidades e sugestões são de fundamental importância para fomentar a interatividade e aumentar a participação deles na construção das pautas. No prefácio do mais recente livro de Robert Picard, Criação de Valor e o Futuro das Organizações Jornalísticas, Jayme Sirotsky, presidente emérito do Grupo RBS destacou alguns conselhos de Picard: De acordo com o professor Robert Picard, as organizações noticiosas estão num dilema: ou aumentam o valor daquilo que produzem ou se extinguem. Para seguir o primeiro caminho ele recomenda que se enfatize o jornalismo e o processamento de notícias, que se mude a ênfase da cobertura para a interpretação, que se ajude o público a organizar-se no meio da enchente de notícias, que os veículos de comunicação se tornem conselheiros fiáveis, que ofereçam ao público participação no processo jornalístico e que os operadores de comunicação sejam criativos. (SIROTSKY apud PICARD, 2013, p. 18).

Atualmente, está havendo uma acomodação geral no ato de lidar com a audiência (público/leitor). Os gestores e jornalistas estão fazendo a mesma opção utilizada por alguns publicitários na chamada “mídia da mãe”, o horário nobre, ou seja, decidiram apostar no centro do mercado onde está concentrado o maior número de clientes oferecendo serviços comuns e de interesse de todos sem se preocupar com a qualidade e o diferencial que a concorrência estimularia. O grande desafio que o jornalismo tem de enfrentar é o novo ambiente, com multiplicidade de oferta, que está mudando o perfil do leitor/consumidor de notícias que se transformou, ele mesmo, também num produtor e distribuidor de conteúdos a partir do uso das novas tecnologias digitais. O leitor/consumidor passivo de décadas passadas se transformou num consumidor/produtor ativo, que seleciona, filtra, interage com os fatos, produz o seu próprio conteúdo (fotografa, filma, grava, edita textos) e transmite para os membros de sua rede social. Estes são apenas alguns dos dilemas que o cenário atual apresenta para gestores, jornalista e para a prática do jornalismo. As empresas jornalísticas e os jornalistas devem repensar a abordagem e o formato das notícias e da audiência/público alvo para poderem enfrentar

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

29


Dilemas do jornalismo impresso na busca de um novo modelo de negócio

Sérgio Mattos

os obstáculos que se apresentam para a sustentabilidade e sobrevivência do jornalismo. Como diz Robert Picard: Para ser eficaz no ambiente contemporâneo, devemos cada vez mais entender o valor da atividade jornalística, a partir do ponto de vista do publico, com um grande poder de consumo individual. Devemos entender as necessidades e desejos a partir do ponto de vista das audiências, analisando de que forma as notícias e informação criam valor nas suas vidas e como este valor pode ser aperfeiçoado para suportar os objetivos de um cidadão informado e envolvido. (PICARD, 2013, p. 31).

CONSIDERAÇÕES FINAIS Os motivos pelos quais muitos títulos de jornais surgiram e ou desapareceram no Brasil, ao longo dos últimos 60 anos, são inúmeros. Alguns desses motivos se apresentam como componentes do contexto socioeconômico, político e cultural do País que interferiram direta e indiretamente para a abertura e sucesso ou fechamento e fracasso de vários jornais. Dentre as principais variáveis que interferiram no processo de surgimento e fechamento de jornais, de uma maneira generalista, entre outras, estão: perseguições e pressões políticas e econômicas independente do país estar ou não sob regime de exceção; a boa ou má administração de seus gestores; a tomada de decisões por investimentos e empréstimos em moeda estrangeira, além da própria capacidade financeira do veículo, comprometendo sua sobrevivência; senso de oportunidade e a tomada de decisões que alguns gestores tiveram nesse período; a queda do hábito de leitura por falta de investimentos na Educação e de campanhas neste sentido; e a participação de acionistas de outros ramos produtivos ou de serviços, que nada tinham a ver com jornalismo, e que investiram no setor, utilizando o meio jornal para obter benefícios para outras empresas por meio do lobby. Baseando-se nas evidências expostas ao longo deste trabalho, pode-se considerar que o jornalismo impresso precisa adotar novas práticas de gestão e estratégias que lhe permita oferecer aos leitores um produto de qualidade e que atenda às necessidades desses consumidores. Diante do crescente mercado de jornais de distribuição gratuita, e da constatação de que “as plataformas digitais respondem por menos de 10 % do faturamento com publicidade” (BRANDIMARTE; BALARIN, 2010) dos jornais e que a Internet não é a responsável pela queda do número de leitores dos jornais, respondendo apenas por ter acelerado “uma crise já existente e que pode se intensificar” (RIGHETTI; QUADROS, 2009) no setor, pode-se vislumbrar que uma das saídas para a mídia impressa é investir na segmentação e acompanhar de perto as mudanças culturais, econômicas e sociais que estão ocorrendo no país com reflexos diretos no mercado. A identificação e a conquista de novos nichos de negócios, inclusive na plataforma digital, naturalmente, vão exigir das empresas investimentos em pesquisas e diversificação de ati-

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

30


Dilemas do jornalismo impresso na busca de um novo modelo de negócio

Sérgio Mattos

vidades e de títulos. Os gestores também não podem esquecer, no entanto, que [o] equilíbrio entre receitas e despesas não será obtido exclusivamente a partir da venda de publicidade online porque ela não só é muito barata, como a grande maioria dos empresários especialmente os de cidades médias e pequenas, ainda a veem com desconfiança. [...] Daqui por diante, haverá necessidade de diversificar as receitas por meio da produção de serviços informativos. (CASTILHO, 2013).

Consciente de que os próximos anos serão marcados por grandes desafios e por grandes oportunidades para as empresas jornalísticas, a Diretoria da ANJ constituiu, no final de 2010, o Comitê de Estratégias Digitais, que vem estudando esses desafios e oportunidades de forma a apontar aos associados quais são as estratégias mais adequadas para a manutenção do meio Jornal em plataforma papel e a exploração das novas plataformas, de maneira a seguir gerando valor para seus acionistas, seus parceiros empresariais e seus colaboradores. A conquista de novos leitores, efetuada pelos jornais “populares” e os de distribuição gratuita, representa a adoção de variáveis de um novo modelo de negócio e, ao mesmo tempo, uma adaptação às tendências do mercado. Esta é uma evidência de que o mercado consumidor/leitor está cada vez mais segmentado e fragmentado e isso deve ser levado em conta pelas organizações jornalísticas quando da implantação de reformas gráficoeditoriais ou investimentos em novas atividades. O crescimento dos jornais “populares” e dos de distribuição gratuita, que pode ser visto como contraditório, se apresenta como um contraponto às afirmações dos que apontam que o jornal impresso está com os dias contatos, empurrando, assim, para um futuro incerto a concretização ou não dessas profecias. As evidências, muitas vezes incoerentes, na verdade, se apresentam como um desafio para gestores e jornalistas. Para os pesquisadores que procuram entender o que está acontecendo no segmento do jornal impresso funcionam como um alerta: Não se podem tirar conclusões sobre a sobrevivência da mídia impressa como um todo, baseando-se apenas na observação do que está ocorrendo nos dez maiores jornais do país, fazendo recortes e generalizando as conclusões.

REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JORNAIS - ANJ. Indústria jornalística – cenário. 2013. Disponível em:<http://www.anj.org.br/a-industria-jornalistica/comentarios-sobre-o-meiojornal>. Acesso em: 27 ago. 2013. BRANDIMARTE, V.; BALARIN, R. Meio digital é caminho sem volta para jornais. 2010. Disponível em: < http://www.abjornalistas.org/page.php?news=345>. Acesso em: 27 ago. 2013.

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

31


Dilemas do jornalismo impresso na busca de um novo modelo de negócio

Sérgio Mattos

CASTILHO, C. Paradoxos na busca de um novo modelo de negócio para o jornalismo. Observatório da Imprensa, ano 17, n. 776, 13 fev. 2013. Disponível em: <www.observatoridaimprensa.com.br >. Acesso em: 27 ago. 2013. FERREIRA, A.; LIMA, M. Mercado de jornais cada vez mais concentrado. Rio de Janeiro, 2010. Disponível em:<http://tributoaojb.wordpress.com/2010/11/22/mercado-dejornais-cada-vez-mais-concentrado/ >. Acesso em 27 ago. 2013. MATTOS, S. O contexto midiático. Salvador: IGHB, 2009. ______. A revolução digital e os desafios da comunicação. Cruz das Almas: EDUFRB, 2013. MEYER, P. The vanishing newspaper: saving journalism in the information age. Missouri: University Press, 2004. PICARD, R. G. Criação de valor e o futuro das organizações jornalísticas. PortoPortugal: Media XXI, 2013. RIGHETTI, S.; QUADROS, R. Impactos da internet no jornalismo impresso. ComCiência – Revista Eletrônica de Jornalismo Científico, n. 110, 10 ago. 2009. Disponível em: HTTP://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=&&edicao=48&id=602 Acesso em: 28 ago. 2010. SILVA, P. Mapa de calor para jornais gratuitos auxilia na compra de mídia. 09 abr. 2013. Disponível em: <HTTP://www.ivcbrasil.org.br/blog/?p=318>.Acesso em: 27 ago. 2013.

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

32


O IMPERATIVO DA FELICIDADE EM SITES DE REDES SOCIAIS: MATERIALIDADE COMO SUBSÍDIO PARA O GERENCIAMENTO DE IMPRESSÕES (QUASE) SEMPRE POSITIVAS EL IMPERATIVO DE LA FELICIDAD EN SITIOS SOCIALES: MATERIALIDAD COMO SOPORTE PARA LA GESTIÓN DE IMPRESIÓN (CASI) SIEMPRE POSITIVO THE IMPERATIVE OF HAPPINESS IN SOCIAL NETWORKING SITES: MATERIALITY AS SUPPORT FOR IMPRESSION MANAGEMENT (ALMOST) ALWAYS POSITIVE Fernanda CARRERA Doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Retórica do Consumo (UFF). Mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). E-mail- Fernanda Carrera <fernandacarrera@gmail.com>

Revista Eptic Online Vol.16 n.1 p.33-44 jan.-abr. 2014 Recebido em 21/03/2013 aprovado em 30/06/2013


O imperativo da felicidade em sites de redes sociais

Fernanda Carrera

RESUMO Este artigo busca discutir de que forma os sites de redes sociais podem ser, no seio cultural contemporâneo, importantes agentes de reforço e visibilidade para uma imposição social evidente: ser feliz. Sob os pilares das reflexões acerca deste imperativo da felicidade, bem como dos pressupostos de Erving Goffman (1985, 2011) sobre os processos que permeiam a dramaturgia da vida cotidiana, este trabalho visa ao entendimento de como estes sites, envoltos em práticas mais estabelecidas da cultura, parecem servir aos anseios de sociabilidade dos indivíduos, permitindo que estes gerenciem com mais facilidade as suas impressões e garantam o sucesso de uma representação atualmente legítima.

Palavras-chave Imperativo da felicidade. Gerenciamento de impressões. Sociabilidade online.

RESUMEN En este artículo se analiza cómo las redes sociales pueden estar dentro de la cultura contemporánea, agentes de refuerzo y la visibilidad importante para una imposición social claro: ser feliz. Bajo los pilares de reflexiones en torno a este imperativo de la felicidad, así como los supuestos de Erving Goffman (1985, 2011) sobre los procesos que subyacen en el drama de la vida cotidiana, este estudio tiene como objetivo comprender como estos sitios Web, envueltos en prácticas más consolidadas de la cultura, parece que sirven aspiraciones de sociabilidad de los individuos, lo que les permite gestionar más fácilmente sus impresiones y asegurar el éxito de una representación legítima de hoy.

Palabras Clave Imperativo de la felicidad. Gestión de la impresión. La sociabilidad online.

ABSTRACT This article discusses how the social networking sites can be, within contemporary cultural context, important agents of reinforcement and visibility for a clear social imposition: be happy. Under the pillars of reflections about this imperative of happiness, as well as the assumptions of Erving Goffman (1985, 2011) about the processes that underlie the dramaturgy of everyday life, this study aims to understand how these websites, wrapped in more established practices of culture, seem to serve for the aspirations of sociability of individuals, allowing them to more easily manage their impressions and ensure the success of a current legitimate representation. Keywords Imperative of happiness. Impression management. Online sociability.

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

34


O imperativo da felicidade em sites de redes sociais

Fernanda Carrera

A REPRESENTAÇÃO DO SER FELIZ HOJE

Os sites de redes sociais, aqui representados pelos Facebook e Youtube, configuram-se como importantes materialidades (FELINTO, 2001) do ato comunicacional contemporâneo. São estes suportes tecnológicos que permitem a construção de novos contextos socioculturais, disponibilizando ferramentas para a efervescência social da contemporaneidade e fazendo emergir uma nova mediação – que não deixa de construir novos sentidos - para uma noção de convivialidade já existente (LEMOS, 2008). 1-“In sum, mediated c o m m u n i c a t i o n demonstrates many new qualities, but continues to display and reinforce the broader cultural forces that influences messages in all contexts”.

Nesse sentido, estes dispositivos ajudam a reforçar práticas sociais estabelecidas, trazendo novos contornos formais às experiências e expectativas constituídas em contextos anteriores. Isto é, fazendo uso de estruturas simbólicas construídas e publicizadas no seio cultural da atualidade, estes artifícios constituem-se como mais um espaço de interação e de emergência de alicerces conceituais significantes para a construção das relações sociais. “Em suma, a comunicação mediada demonstra muitas qualidades novas, mas continua a apresentar e reforçar forças culturais que influenciam as mensagens em todos os contextos.” (BAYM, 2010, p. 71, tradução nossa1). Entendendo, portanto, a vida cotidiana dos indivíduos como um imenso palco à espera das atuações de sua subjetividade, pode-se dizer que os sites de redes sociais servem aos atores como um lugar de mais fácil controle de suas representações, uma vez que o caráter assíncrono das interações ali produzidas ajuda a modelar melhor as escolhas identitárias e, sobretudo, as torna mais críveis. Quando um indivíduo desempenha um papel, implicitamente solicita de seus observadores que levem a sério a impressão sustentada perante eles. Pede-lhes para acreditarem que o personagem que vêem no momento possui os atributos que aparenta possuir, que o papel que representa terá as conseqüências implicitamente pretendidas por ele e que, de um modo geral, as coisas são o que parecem ser. (GOFFMAN, 1985, p. 25).

Dentro dessa perspectiva, a constante motivação por preservar a fachada do ator social, isto é, contribuir para a manutenção da “imagem do eu delineada em termos de atributos sociais aprovados” (GOFFMAN, 2011, p. 14), encontrada em quaisquer ambientes que proporcionem encontros entre dois ou mais indivíduos, revela sua continuidade no ciberespaço. Neste, assim, é possível reverberar estes atributos apreendidos, buscando a aprovação alheia que, como um espelho legitimador, atesta a sua veracidade (SIBÍLIA, 2008). Nesse contexto, pode-se entender a felicidade – ou a sua representação – como o atributo socialmente enaltecido na atualidade, ou seja, aquele que confere ao ator que o manifesta uma certa autoridade enunciativa, tornando-o um sujeito dotado de capital social (BOURDIEU, 2007). “Na era da felicidade compulsória, convém aparentar-se bem-adaptado ao ambiente, irradiando confiança e entusiasmo, alardeando uma personalidade desembaraçada, extrovertida e dinâmica.” (FREIRE FILHO, 2010, p. 17).

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

35


O imperativo da felicidade em sites de redes sociais

Fernanda Carrera

Apresentando-se como um modelo consistente de conduta e, até mesmo, de saúde mental, a felicidade está presente nos mais diversos discursos, se infiltrando nos diferentes campos de atuação humana para a elaboração de um cerco comportamental significativo. Mais do que um desejo, um alvo inalcançável, a felicidade está sendo posta como algo tangível, um objetivo estimulado, um atributo fundamental para o convívio em sociedade. De acordo com Nikolas Rose (2006), inclusive, a saúde por si só é um conceito social, no qual se projetam valores mutáveis historicamente, em conformidade, acima de tudo, com os interesses comerciais vigentes. Vê-se, portanto, um esforço, principalmente da neuropsiquiatria, por padrões restritos de saúde mental - nos quais o bem-estar e a felicidade representam um papel fundamental - que fazem com que qualquer um de nós possa ser enquadrado como detentor de um distúrbio psíquico. 2- “Companies explore and chart the experienced discontents of individuals, link these with the promises held out by their drugs, and incorporate those into narratives that give those drugs meaning and value. It is this intertwining of products, expectations, ethics and forms of life, that I think is involved in the development and spread of psychiatric drugs. In engaging with these images and narratives, in the hopes, anxieties and discontents they shape and foster, individuals play their own part in the medicalization of problems of living”.

As empresas exploram e mapeiam as experiências de insatisfações dos indivíduos, vinculam estas com as promessas oferecidas por suas drogas, e incorporam isto a narrativas que dão a essas drogas sentido e valor. É este entrelaçamento de produtos, expectativas, ética e formas de vida, que eu acho que está envolvido no desenvolvimento e disseminação de drogas psiquiátricas. Ao se envolverem com essas imagens e narrativas, nas esperanças, ansiedades e insatisfações que eles moldam e realçam, os indivíduos desempenham seu papel na medicalização dos problemas da vida. (ROSE, 2006, p. 480, tradução nossa)2.

Sendo assim, a busca pela felicidade tornou-se um empreendimento individual e indispensável ao sujeito que deseja aceitação em seu círculo social. Seja através de medidas superficiais a respeito do seu comportamento, seja através de recursos farmacêuticos, o indivíduo necessita escolher caminhos através dos quais é possível encontrar uma válida representação do “ser feliz”. Aquele que não consegue tal façanha sente-se excluído e, de certa forma, socialmente injustiçado. [...] o discurso sobre a felicidade, que começou a se disseminar na tradição ocidental desde os anos 1990, se inscreveu efetivamente no campo deste ethos, de forma que cada indivíduo passou a se encontrar desde então lançado na busca desesperada de seus objetivos particulares e sem inscrever, como elemento e átomo, numa ordem social englobante. Cada indivíduo passou a agir e a se representar, com efeito, como uma pequena empresa neoliberal, na busca pela sobrevivência e sem poder contar com a proteção de ninguém. Enfim, estaria aqui efetivamente o solo que fundaria o discurso sobre a felicidade na atualidade. (BIRMAN, 2010, p. 37).

Ou seja, ostentar felicidade como forma de sobrevivência demonstra que este atributo serve não só a um bem-estar individual, mas como um artifício de sociabilidade, na busca por não trazer constrangimentos àqueles com os quais se interage. Assim, de acordo com os pressupostos da psicologia positiva (SHELDON; KING, 2001), ser feliz é algo que o sujeito realiza, também, em prol daqueles que o cercam. “Mais do que um objetivo pessoal respeitável, trata-se de uma obrigação moral.” (FREIRE FILHO, 2010, p. 61).

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

36


O imperativo da felicidade em sites de redes sociais

Fernanda Carrera

FELICIDADE E GERENCIAMENTO DE IMPRESSÕES ONLINE Entender, portanto, a felicidade como uma qualidade publicável, tendo em vista o sucesso da socialização humana, é perceber a relevância do papel da plateia (GOFFMAN, 1985) para as escolhas performáticas dos atores sociais. Cabe ao outro a aprovação da imagem de felicidade construída, da fachada social desejada. O outro representa o lugar de legitimação do sujeito, revelando o caráter colaborativo da existência. Isto é, sem a cumplicidade do interlocutor, a identidade e os papeis representados não adquirem a validade necessária à interação. “É necessário que o outro entre no ‘jogo’ pretendido pelo usuário para que seja possível o exercício das características e das práticas comportamentais escolhidas” (RIBEIRO, 2003, p. 94, grifo do autor). Dentro dessa perspectiva, os sites de redes sociais, como no caso do Facebook, ajudam nessa busca pela representação da felicidade e, sobretudo, na procura por aquele agente legitimador do discurso perene do “ser feliz”. Seus artifícios tecnológicos mostram que todo aquele ambiente no qual se constrói a fachada da sua identidade é propício ao registro de momentos felizes (ver figura 1), com os quais, adicionalmente, se estimula interagir também de forma positiva. No Facebook, os indivíduos são incitados a “ligar a positividade”, mostrando que a vida deve ser “equivalente a um relógio de sol, programado para registrar apenas momentos felizes” (FREIRE FILHO, 2010, p. 65). Figura 1 - Registro de momentos felizes no Facebook: ação estimulada pelos artifícios tecnológicos disponíveis3

3Essa pesquisa tem caráter exploratório. Os exemplos aqui destacados, a partir da coleta nos sites de redes sociais mencionados, representam uma pequena amostra da percepção de um fenômeno que deve ser investigado de forma mais minuciosa em estudo subsequente. Todas as imagens – que não são de veículos de comunicação e fazem parte de páginas pessoais - foram gentilmente cedidas pelos seus autores para uso acadêmico e científico.

Fonte: Acervo do autor (2012). Ao interagir com os objetos de representação do sujeito, à plateia só cabe aprovar (curtir), comentar ou compartilhar a informação postada. Dessa forma, além de favorecer a publicação de momentos positivos, o site limita a possibilidade de reprovação do conteúdo, uma vez que não há opções claras para fazê-lo (botão “não curti”, por exemplo). Parece,

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

37


O imperativo da felicidade em sites de redes sociais

Fernanda Carrera

portanto, que nestes ambientes há uma tendência à comprovação da hipótese da Espiral do Silêncio (HOHLFELDT, 1998), uma vez que, àquele que de certa maneira reprova qualquer ação posta em evidência só resta, simplesmente, se calar.

Figura 2 - foto de remédios é associada a uma legenda de otimismo e resignação, revelando a necessidade da exposição do instantâneo sob o véu da representação da felicidade

Fonte: Acervo do autor (2012).

Envoltos em um contexto sociocultural de enaltecimento do discurso da felicidade, os indivíduos que fazem uso de sites como o Facebook aderem ao empreendimento de atribuir nuances positivas até mesmo em questões que poderiam ser vistas como momentos negativos (ver figura 2 e 3). Assim, é possível dar início a uma conversação, causar a compaixão desejada, mas não causar constrangimento. Como estes ambientes são entendidos como lugares de exposição de si e de interação com as suas redes, é interessante que as postagens revelem a representação identitária do sujeito sem que, necessariamente, seja permitido causar mal-estar nos interlocutores. Ao contrário, expor momentos reveladores de infelicidade ou infortúnio é motivo para ridicularização e zombaria (ver figura 4), uma vez que coloca o sujeito infeliz como aquele que, não só se mostra como um fracassado na busca individual pela felicidade, como alguém que não compreendeu as dinâmicas de sociabilização legitimadas naquele lugar. Isto é, normalmente há uma obrigação de transmitir uma certa informação quando na presença de outros, e uma obrigação de não transmitir outras impressões, assim como há uma expectativa de que os outros se apresentarão de certas formas. Tende a existir um acordo não apenas sobre o significado dos comportamentos que são vistos, mas também sobre os comportamentos que deveriam ser mostrados. (GOFFMAN, 2011, p. 45).

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

38


O imperativo da felicidade em sites de redes sociais

Fernanda Carrera

Figura 3 - vídeo do casal que resolveu anunciar a separação em forma de uma canção divertida*

Fonte: Mann (2012). *Notícia comumente vista como negativa sob o viés legítimo da positividade.

Vive-se hoje, portanto, numa lógica de competição baseada nos preceitos do mercado: valoriza-se quem adquire maior “capital humano”, aquele que se subscreve na tal felicidade. Binkley (2010), baseado no conceito de governamentalidade de Foucault (1991), ressalta ainda que o discurso do “ser feliz” se configura sobre o alicerce do governo de si, isto é, colocar-se como sujeito do empreendimento neoliberal, indivíduo que é fruto da sua autonomia: “[...] a felicidade é uma tarefa, um regime, uma incumbência diária na qual o indivíduo modela suas próprias emoções da mesma forma como um guru do fitness modela um determinado grupo muscular” (BINKLEY, 2010, p. 102). Através da lógica da governamentalidade, o controle e a autonomia são conceitos fundamentais para o sucesso da representação da felicidade contemporânea.

Agir para si mesmo ou para os outros, com a intenção de reforçar a felicidade, é impor uma lógica de governamentalidade: trata-se de envolver as práticas de autogoverno dos indivíduos na lógica mais ampla e nas rubricas de autogoverno centradas na otimização do desempenho e na expansão do controle – mentalidades de governo que se transpõem através de uma variedade de domínios, desde o

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

39


O imperativo da felicidade em sites de redes sociais

Fernanda Carrera

institucional ao geopolítico, social, pessoal (BINKLEY, 2010, p. 90). Figura 4 - Notícia da morte de uma mulher que recebeu piadas zombadoras quando postou seu anúncio de suicídio

Fonte: Oliveira (2011).

Segundo Birman (2010), além da autonomia, a qualidade de vida e a autoestima são os fatores que delimitam o discurso atual da felicidade. Seguindo o seu pressuposto, o primeiro passo para o engendramento da felicidade no indivíduo contemporâneo seria sustentar “performaticamente a sua autonomia”. Baseado na dicotomia do “eu ideal” e do “ideal do eu” proposta por Freud (1973), o autor sugere que o indivíduo autônomo é aquele que se baseia na própria ideia do que seria a sua identidade ideal; é aquele totalmente responsável pela afirmação da sua autoestima e da busca pela sua qualidade de vida, revelandose, portanto, como vencedor na competição que se articula na cena social. Sendo assim, buscar qualidade de vida seria uma das formas de o indivíduo ser agente da sua própria felicidade, seguindo as receitas de saúde publicizadas no seio cultural contemporâneo. É evidente, no entanto, que não basta o sujeito realizar esforços com a finalidade do bem-estar pessoal, mas a exposição desta busca ajuda a conseguir a aprovação do outro (ver figura 5) e, consequentemente, ajuda a aumentar a exibição da felicidade, o que leva à elevação do seu capital social.

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

40


O imperativo da felicidade em sites de redes sociais

Fernanda Carrera

Com efeito, das boas condições de saúde à boa alimentação, passando pelo culto regular das atividades corporais, dos esportes e do lazer, é sempre a qualidade de vida do indivíduo que é colocada em evidência, de maneira recorrente, de forma a promover a satisfação plena deste. (BIRMAN, 2010, p. 39).

Figura 5 - Publicar para sua rede social o alcance das metas de exercício físico é uma forma de demonstrar a sua intensa qualidade de vida: receita para o sucesso do empreendimento pela felicidade

Fonte: Acervo do autor.

O relativo controle sobre o conteúdo da sua página ou perfil no Facebook é um atributo fundamental e facilitador para a representação dos elementos constituintes da felicidade. Mesmo dependente da legitimação alheia sobre o que publica – legitimação essa que favorece o aumento da autoestima -, sua autonomia não é prejudicada, uma vez que cabe novamente ao ator validar o retorno da sua plateia, evidenciando a sua aprovação - curtir os comentários - ou reprovação - excluir o comentário ou bloquear o indivíduo (ver figura 6). No entanto, vale ressaltar que a cumplicidade na interação é característica essencial dos processos de representação nas relações sociais: “[...] normalmente permitimos que a linha assumida por cada participante desempenhe o papel que ele pareça ter escolhido para si próprio.” (GOFFMAN, 2011, p. 19).

Figura 6 - São mais comuns os comentários positivos acerca da fachada social imposta pelo ator. Essa legitimação do outro é fundamental para a preservação da autoestima e da imagem de felicidade. O ator, no Facebook, pode retribuir o elogio curtindo os comentários repletos de aprovação

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

41


O imperativo da felicidade em sites de redes sociais

Fernanda Carrera

Fonte: Acervo do autor.

Diferente das interações face a face, portanto, é possível gerenciar as respostas dos interlocutores por meio da sua permanência ou não na página da representação, demonstrando uma peculiaridade das interações sociais no ambiente digital. Em um espaço no qual o indivíduo tem o poder de administrar as suas interações, permitindo ou não, com mais facilidade, a exposição do juízo alheio sobre si, é ainda mais perceptível o caráter “alterdirigido” da subjetividade, isto é, “o que se é deve ser visto – e cada um é aquilo que mostra de si.” (SIBÍLIA, 2008, p. 235).

CONSIDERAÇÕES FINAIS No cenário social contemporâneo, o predomínio de configurações simbólicas que permeiam os discursos sociais a partir do ideal da felicidade revela-se como importante pista a respeito das escolhas identitárias disponíveis para o sujeito vigente. Repleto de materialidades significantes que guiam o caminho do gerenciamento de si, o indivíduo se vê cercado de artifícios através dos quais é possível encontrar a tendência das legitimadas práticas de sociabilidade, construindo a sua imagem representacional sob os ditames deste atravessamento discursivo. Dentro desse contexto, é possível tanto analisar estes direcionamentos como especificidades do tempo atual, compreendendo-os como frutos inevitáveis de uma determinação tecnológica; como entendê-los como uma continuidade de práticas culturais antecedentes que adquirem, pela sua inserção em novas expectativas e ambiências sociais, características diferenciadas. Sendo a última a perspectiva adotada por este trabalho, buscou-se perceber nuances interacionais já estabelecidas no ambiente face a face que poderiam ser identificadas nesta nova conjuntura social. O imperativo da felicidade, portanto, atravessa o seio de socialização contemporâneo, revelando suas marcas discursivas em uma gama de campos nos quais o indivíduo busca

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

42


O imperativo da felicidade em sites de redes sociais

Fernanda Carrera

construir as suas formas de subjetivação. Envolto neste ideal pelos encaminhamentos da medicina; pela sacralização das instituições; e pelas ordens interacionais que delimitam a validez das subjetividades, este sujeito não parece evidenciar uma “espetacularização” de si emergida destes artifícios tecnológicos, mas, sobretudo, encontra nestes ambientes formas de gerenciar a sua identidade a partir de lógicas sociais que o atingem sob os mais diversos ângulos. No entanto, é preciso reconhecer que “a internet coloca o mundo social, em todo seu desarranjo e complexidade, na soleira da sua porta” (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011, p. 11), isto é, demonstra com mais nitidez e visibilidade aquilo que, muitas vezes, já se configurava existente em outros contextos. Ademais, além de expor sem véus as práticas que vigoram adequadas aos discursos onipresentes do momento, o ambiente online instaura nas mesmas os seus traços característicos, ajudando a construir e fazer evoluir os princípios normativos que direcionarão as dinâmicas de sociabilidade seguintes.

REFERÊNCIAS BAYM, N. K. Personal connections in the digital age. Malden: Polity Press, 2010. BINKLEY, S. A felicidade e o programa de governamentalidade neoliberal. In: FREIRE FILHO, J. (Org.). Ser feliz hoje: reflexões sobre o imperativo da felicidade. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2010. p. 83-104. BIRMAN, J. Muitas felicidades?! O imperativo de ser feliz na contemporaneidade. In: FREIRE FILHO, João (org.). Ser feliz hoje: reflexões sobre o imperativo da felicidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010. p. 83-104. BOURDIEU, P. A distinção: critica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2007. FELINTO, E. Materialidades da comunicação: por um novo lugar da matéria na teoria da comunicação. In: CIBERLEGENDA, Rio de Janeiro, n. 5, 2001. Disponível em: http://www. uff.br/mestcii/felinto1.htm< Acesso em: 28 nov.2005 FOUCAULT, M. Governmentality. In: GORDON, C.; MILLER, P (Ed.). The Foucault effect: studies in governmentality. Chicago, IL: University of Chicago Press, 1991. p. 87 – 104. FRAGOSO, S.; RECUERO, R.; AMARAL, A. Métodos de pesquisa para internet. Porto Alegre: Sulina, 2011. FREIRE FILHO, João (Org.). Ser feliz hoje: reflexões sobre o imperativo da felicidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010. FREUD, S. Para introduzir ao narcisismo. In: ___. Obras completas. Edição espanhola: Madrid, Editorial Biblioteca Nueva, 1973. v. II. (Obra original 1914).

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

43


O imperativo da felicidade em sites de redes sociais

Fernanda Carrera

GOFFMAN, E. A representação do eu na vida cotidiana. Tradução de Maria Célia Santos Raposo. Petrópolis: Vozes, 1985. ______. Ritual de interação: ensaios sobre o comportamento face a face. Rio de Janeiro: Vozes, 2011. HOHLFELDT , A. Espiral do silêncio. Revista Famecos: mídia, cultura e tecnologia, Porto Alegre, v. 1, n. 8, p. 36-47, jul. 1998. Disponível em:< http://revistaseletronicas.pucrs. br/scientiamedica/ojs/index.php/revistafamecos/article/view/5466/3967 >. Acesso em: 30 dez. 2012. LEMOS, A. Cibercultura, tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto Alegre: Sulinas, 2008. MANN, J. We’ve Got To Break Up (Song A Day #1435). 05 Dec. 2012. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=JoXtkK9d33o>. Acesso em: 29 dez. 2012. OLIVEIRA, H. Mulher anuncia suicídio pelo Facebook e mãe critica seus 1082 amigos que não agiram. 11 jan. 2011. Disponível em: <http://colunistas.ig.com.br/ obutecodanet/2011/01/11/mulher-anuncia-suicidio-pelo-facebook-e-mae-critica-seus1082-amigos-que-nao-agiram/>. Acesso em: 30 dez. 2012. RIBEIRO, J. C. Um olhar sobre a sociabilidade no ciberespaço: aspectos sócio-comunicativos dos contatos interpessoais efetivados em uma plataforma interacional on-line. 2003. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas, Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2003. ROSE, N. Disorders Without borders? The expanding scope of psychiatric practice. BioSocieties: an interdisciplinary journal for social studies of life sciences, Cambridge, v. 1, n. 4, p. 465-484, 2006. SHELDON, K. M.; KING, L. Why positive psychology is necessary. American Psychological Association, Washington, DC, v. 56, n. 3, p. 216-217, 2001. SIBÍLIA, P. O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

44


APPROPRIATING FINANCIAL CRISIS: A COMMUNICATION STUDIES READING A APROPRIAÇÃO DA CRISE FINANCEIRA: UMA ABORDAGEM A PARTIR DOS ESTUDOS DE COMUNICAÇÃO LA APROPIACIÓN DE LA CRISIS FINANCIERA: UNA APROXIMACIÓN DESDE LOS ESTUDIOS DE COMUNICACIÓN

Jesus BECERRA Researcher professor at the Political Science Department in the Autonomous . University of Zacatecas, Mexico. Bachelor of Communication Sciences, Master of Methodology of Science and Doctor of Education Sciences. E-mail: jebevi@gmail.com

Revista Eptic Online Vol.16 n.1 p.45-55 jan.-abr. 2014 Recebido em 03/12/2013 aprovado em 20/12/2013


Appropriating financial crisis: a communication studies reading

Jesus Becerra

ABSTRACT This paper discusses the financial crisis outbreak in 2008 from the perspective of current communication systems. The analysis was carried out as a contribution to a team project on Science, development and democracy. The paper offers a critical revision of appropriation, a notion that is often used in Communication Studies literature and in the analysis of rentist capitals. Appropriation is discussed as a historical form of social struggle, especially associated with crises, and as defining the ultimate goal of the production. By approaching this concept from a Communication Studies reading, a renewal of the Marxist proposal of subsumption of labor under capital is offered, i.e. the symbolic subsumption as a central feature of the Communicational Mode of Appropriation.

Keywords Appropriation. Capitalism. Financial system. Communication system. Crisis. Labor subsumption.

RESUMO O texto aborda a eclosão da crise financeira em 2008 a partir da perspectiva dos Sistemas de comunicação atuais. A análise foi realizada em um projeto de pesquisa coletiva sobre Ciência, Desenvolvimento e Democracia. O artigo fornece uma revisão crítica da apropriação, conceito amplamente utilizado na literatura em estudos de comunicação e análise de capital rentista. A apropriação é discutida tanto na sua qualidade de forma histórica da luta social, especialmente relacionada com as crises, como em objetivo final da produção. Por abordagem de estudos de comunicação, é oferecido uma renovação da proposta marxista de subsunção do trabalho ao capital: a subsunção simbólica como uma característica central do Modo Comunicacional de apropriação. Palavras-chave Apropriação. Capitalismo. Sistema financeiro. Sistema de comunicação. Crise. Subsunção do trabalho.

RESUMEN El documento aborda el estallido de la crisis financiera en el año 2008 desde la perspectiva de los Sistemas de comunicación actuales. El análisis se llevó a cabo dentro de un proyecto de investigación colectiva sobre Ciencia, desarrollo y democracia. El artículo ofrece una revisión crítica de la apropiación, un concepto ampliamente utilizado en la literatura especializada en los estudios de la comunicación y en el análisis de los capitales rentistas. Se discute la apropiación tanto en su carácter de forma histórica de la lucha social, especialmente asociada a las crisis, como de objetivo último de la producción. Mediante la aproximación desde los estudios de comunicación, se ofrece una renovación de la propuesta marxista de la subsunción del trabajo en el capital, esto es, la subsunción simbólica como una característica central del Modo Comunicacional de Apropiación. Palabras clave Apropiación. Capitalismo. Sistema financiero. Sistema de comunicación.Crisis. Subsunción del trabajo.

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

46


Appropriating financial crisis: a communication studies reading

Jesus Becerra

INTRODUCTION: APPROPRIATION IN COMMUNICATION SYSTEMS Appropriation has become an important concept in the academic field of Communication Studies since the 1990s. It refers customarily to the way users relate to communication and information devices and, through them, to the social settings of communication systems. Attitudes of users towards them can be either passive or active but are always effective, at least when measured in terms of economic growth, which stands well even in time of recession. Perhaps due to the rapidness of development in entertainment, communication and information technologies and the lability of State-of-the-Art grades, Communication Studies examines appropriation frequently through ethnographic methods in order to produce an abundance of descriptions, but minimal explanations or theories. Other scholars conceive this relation in terms of political embodiment, as hegemonic struggle or negotiated resistance (NEÜMANN, 2008). Much of the academic production within Communication Studies regards media in a number of ways: property regime, mode of operation, contents, influence, reception strategies and markets. A common acronym for the media is New Technologies of Information and Communication (NTIC) or simply Technologies of Information and Communication (TIC), which emphasizes the technical component of the industry and appliances. When related to crisis, NTICs are usually looked at in relation to the impact they suffer, at least among Latin American circles. This approach overlooks the role played by the NTIC or, more widely speaking, by the social systems of communication at producing crisis outbreaks and at keeping them profitable for certain people. Marshall McLuhan (1996, p. 32) testified in the early sixties that “recent studies” on media already dealt with the cultural matrix within which the media operated. However, the continuous achievements of technology increase its appeal both among consumers and academics, leading to a dismissal of the broader social milieu. The decision to approach communication as a social system instead of taking it by the technologies which, at the same time, enable and dull it, implies keeping in mind that any machinery made available is a social outcome, preceded by a history of decisions and struggles (BOLAÑO, p. 2011). Social settings function as the physical build for the material and symbolic productions of a society. What becomes appropriated and how, as well as what remains untaken, largely obeys the arrangement of social sense. A good example of it can be found in the review of the media effects premises as described by Guillermo Orozco (1994): media influence surpasses the exposure time of individuals to the physical medium. This means that the so-called “effects” operate within the boundaries of a broader communication system - the “state of the system”, but not necessarily in the presence of the apparatus. Despite its apparent technical nature, the media is essentially social. Communication systems are complex entities that serve as environs to produce, move and use shared contents of symbolic value within societal boundaries in time, space and positions. Culture systems should not be regarded much differently. However, in academic practice they are what some institutionalized disciplines have made them to be. For instance, a definition of culture as “the knowledge necessary to act as a member of a given social group” (PRIEST, p. 1996, p. 14, italics in original) neglects the fact that not

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

47


Appropriating financial crisis: a communication studies reading

Jesus Becerra

acting can be meaningful to any culture which recognizes and norms interests, aspirations, tastes and fears. Every culturally differentiated group has a way of being among others. From that fact, cultures make sense and construct their identities. Furthermore, it is culture as a collective and often conflictive elaboration that makes groups behave as complex entities, evolving through their internal and external struggles. In real social settings, individuals are part of many groups, occupying different positions and having personal histories within their relationships with people, groups and institutions. People maintain communication relationships with whosoever or whatsoever they relate, and are, at the same time, the active agents through which groups and institutions communicate. It should be noted that people embody individual and social modes of being, with relation to places, situations, motivations and expectations. A useful term for this is appropriation of modes of being, a characteristic way of, at least, owning them and making use of them. Appropriation means a process of mutual implication, which might mean to double what unidirectional communication studies have set. However, some other appropriations outside of the whole or negotiated adoption of technologies, contents and forms of use to communicate, should be explained by the approach described if they are to really model complex social entities and processes.

THE STRUGGLE FOR APPROPRIATION A political issue in Economics consists of defining who gets a greater share of the social wealth, and how and why they get it, which is different to asking who contributes more to creating it. By positing accumulation of capital as the main objective of capitalism, Marxist theory establishes a framework to define the modes of wealth appropriation, where direct and indirect social struggle plays a central role. For Marxists, among the three forms of capital, i.e. financial, commercial and productive, it is the third the one that defines the Capitalist Mode of Production (CMP) and delivers the greatest contributions to the creation of wealth for accumulation. The other two should play a complementary function by assisting the circulation of resources and transformed goods in the capitalist market. However, non-productive capital activities are not the only profitable areas where economy produces wealth in an indirect form. Luc Boltanski and Ăˆve Chiapello (2002) collect and discern, from specialized literature published in the 1990s, the emerging forms within capitalist enterprises that outline a different spirit of capitalism. New configurations of practices and representations have rendered a CMP plenty of renewed contradictions when measured to the enterprise of accumulation. Although not treated explicitly by Boltanski and Chiapello as conflicts between production and rent, it is possible to treat as such fairly all of the contradictions they analysed. With accumulating and appropriating, productive capital contrasts against rentism in its many forms. Profits gained outside the efficiency parameters of production should account as rentist, due to the fact that they imbalance capital forces making appropriation a process contrary to accumulation. This means that any activity that does not contribute at an extent that corresponds to the state of the complexity and efficiency reached by the CMP, and yet gets access to the social wealth, offsets the delicate stability and the development conditions of the regime.

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

48


Appropriating financial crisis: a communication studies reading

Jesus Becerra

As detailed in a later section, current capitalism has largely dominated its fundamental counterparts in order to expand itself and reduce the undesired effects of being a logical and historical mode of social struggle. However, contradictions and conflicts remain inside and around: enterprises and formal powers undermine the capacity of CMP to prolong the periods of good performance, thus providing constant reasons to fall into recessions and crisis or, as defended by neoliberals (HUERTA DE SOTO, 2009), to break into them to restore order. Having derived from struggle, the order obtained after a crisis period is never the same as the one previous to it. That is a major reason why crises are never the same, as regulationists argue (BOYER, 2007). Much of the imbalance within and around the productive sector originates in the political configuration, making capitalist crises exhibit features of the contradictions between the economy and political practice. Back to Boltansky and Chiapello (2002), vestiges of domestic traditions make a capitalist company both inefficient and unfair. Remainders behave as dead loads to corporate objectives while making a living out of it, thus compete for the appropriation of benefits, just as rentists do. From the point of view of productive capital, fair struggle is only that held against similar competitors, not one coming from privileged sectors like inside hierarchies, foul regimes of financing, production or circulation, and economic or political sectors that obstruct what they call “legitimate� productive activities. This entire state of things counts -again to productive capital- as rentism, a mere outcome of the position occupied in an order that often, by means of crisis must be revoked. However, social outbreaks are at the hand of other sectors of the economy, such as financial, and other realms, such as politics, which has the additional tool to enact laws, produce reforms, call to trial, prosecute and punish. Most rarely, it is the civil society that bursts social crises. An important explanation of this is that individuals and groups are not associated the way real powers are, i.e., they lack common perceptions of what occurs or of what they should do. Indeed, the civilians’ role throughout history has been limited to witnessing and bearing the majority of conflicts among dominant forces. Historical markers record popular uprisings as revolts or revolutions, a most rare happening when compared to crises. As will be proposed later, in this era of symbolic domination of capital, horizontal communication brings the only possibility to revert the status quo, either by the actions of individuals or of institutions. While popular appropriation remains appropriated by major dominators, civil society will not be able to pose a serious threat.

APPROPRIATION IN FINANCIAL SYSTEMS The recurrence and complexity reached by economic crises (LICHTENSZTEJN, 2010) correspond to the development of a global system of representation and management of wealth, which occupies a position increasingly central in economy and politics. This system allocates the liquid forms of social resources through efficient mechanisms such as printing money, brokering with fractional reserves, externalizing, and the financing of nations made to adopt models alien to their history and expected future. The financial system relies on the deployment of established markets and legislatures as well as on technology and symbolic availability to open new rent-oriented forms, capable of surpassing State reach. The most profitable and increasingly dangerous outcome of these operations is a

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

49


Appropriating financial crisis: a communication studies reading

Jesus Becerra

customized market of financial nature and social impact. A crucial moment for the gestation of the new global financial engineering occurred during the Clinton administration, with a central role played by his Treasury Secretary, Robert Rubin -a pre and post-office banker. Among other important actions, commercial and investment banks were reunited after the repeal of the Glass-Steagall Act. Diagnostics plenty of technicism urging to modernize the financial system, lead the United States Congress to approve practices that decades before had proven to be quite fallible even in far less complex versions. With the permission to take federally backed risks and ultimately to operate with insufficient protection, financial derivatives were designed with an appetite for the world market. Their engineering was not only a technical innovation, but a license to geographical, legal and ethical reason, with results that now burden companies and people worldwide. The way it has evolved, it is accepted that a complex economy based on the production, distribution and consumption of goods, requires getting benefits from serving the mobilization of processes and products through conversion units and sufficient capital resources as to achieve a sustainable large-scale economic system with all its institutions involved. However, the reason for financial capitalism actually existing is to appropriate capital rather than contribute to the production process, neglecting its role as “the nervous system of the economy�, which would imply allocating capital to wherever it is needed. In a regime whose parameters allow the reception of benefits, it is not legitimate, however, to obtain positive balances by compromising the performance of the broader economic system, much less the viability of the social whole. Counterproductive and illegitimate results of the financial sector are due to the admission of mechanisms and practices that, left to their inertia, take unsustainable options over time, in exchange for an immediate return. As the economic world grows in size and complexity, the disappearance of the financial sector becomes unthinkable and its tendency to overwhelm its limits turns out to be tolerable. New productivity rates, tenures, rights and benefits are constantly renewing economic, political and cultural relations in favor of those who hold a better position to negotiate in the markets of material and symbolic goods as well as in congresses. Although this procedure adds up to the benefits of the capital, it is particularly the national and global financial systems that are the main global winners, as they ultimately make up the sector that retains most of the wealth made available by currencies. It can be argued that all issuance of purchase units in the economy beyond physical support, yet set in motion to acquire value in its circuits, as well as overproliferation of investment instruments, insurance and mortgages (MARICHAL, 2010) are not practices of leverage in the virtual, but an institutional form of laundering the illegitimate and charging it to the sustainability of the economic whole. At a conservative estimate due to the nature of financial accounting, fluctuations in value and data hiding, Samuel Lichtensztejn (2010) estimates that in the first decade of this century financial expansion exceeded fifteen times world GDP. In particular, the author notes the pre-crisis behavior of European and U.S. banks in financial derivatives transactions, which could only back their transactions by 5%. J.P. Morgan traded derivatives in amounts 66 times higher than its total assets; HSBC, 33 times, and City Bank and

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

50


Appropriating financial crisis: a communication studies reading

Jesus Becerra

Bank of America, 30 times (LICHTENSZTEJN, 2010) Stiglitz (2010) describes the status quo that preceded the outbreak of the 2008 crisis: a market flooded with liquidity, low interest rates, real estate bubbles in several countries, subprime credits poorly managed to deceive regulators, and public and trade deficit in richer countries. It was precisely in these countries where individuals, companies -especially those associated with housing and technical infrastructure-, banks and governments committed the greater and deeper debt errors. All of them are unfavorable conditions to the production system, for they consist mainly of rather sterile anticipated consumption, payable by wealth yet to be created but already unfairly distributed. Additional attention should have been directed to the increasing complexity of the financial system lacking function hierarchies (HALDANE, 2009). This system traded products complex enough to require the separation of financial product owners and the agents who made decisions (STIGLITZ, 2010). Free to operate in a hyper-fragmented market impossible to be properly scrutinized, financial agents assumed positions of rapid gain but increasingly exposed their clients to bankruptcy. Securitization or dispersion by the fractioning of the products and their placement in diversified instruments along spaces and ways, instead of diminishing the risk, caused more extensive and severe damage because time was gained to hide, prolong and exacerbate the errors. It was the same spread of toxic assets in a permissive legal framework that made losses public, while the benefits of the growth of financial and mortgage bubbles and later bailouts remained private and disproportionate. It is very unlikely that the aforementioned would stand were it not for a huge legitimacy and semantic investment carried out by the industries of symbolic representation at the core of communication systems. Using all that they previously made available, the established order has set the notion that the financial system is at least: a) essential to the smooth running of the economy as a whole, b) highly complex to be internally hierarchical and externally regulated, c) expanded and implicated enough to be called seriously into account in case of error, d) emblematic of the rights to liberty and property as values above any other, which entitles it to benefit even on irresponsible behavior, e) too big not to be bailed out with public funds, if necessary. It should be agreed that this costly symbolic construction pursues the ownership of the state of affairs, which guarantees the continuity of private enrichment cycles, i.e. the appropriation by a few of as much as possible of social wealth. Regarding that, the discussions that follow provide a theoretical frame of domination forms in times of complex communication.

A COMMUNICATIONAL APPROACH Our future historians will depict our epoch as one of youth movements of discontent and institutional legitimacy loss in times when technical accomplishments could -and shouldsustain a certain base for unprecedented wellbeing. Sophistication is common ground in social practices, compared to the rather simple forms everyday life adopted just decades ago. Connectivity, synchronicity and innovative appropriation practices from users of che-

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

51


Appropriating financial crisis: a communication studies reading

Jesus Becerra

aper, more versatile and more intrusive technologies are signs of the times we are living. However, intricacies of life show themselves to be contradictory, both continuous and non-linear. This condition has affected the economic realm of social activities and understanding. From an outside perspective, the financial system appears as contrary to the so-called real economy, causing the latter a profound crisis that somehow is not affecting itself the same, but places the higher financial institutions in a more competitive position. How has this complex society reached such an unsustainable state of affairs if not by an efficient domination of the many by the few? It has to do certainly with the possibility of making-believe, which is a strategy that capital, especially that associated with the communication systems, has been able to refine enough to make it a motif of the era. In order to discern how domination functions in different times of CMP, we must refer back to what Marx established as subsumption. The central conflict of CMP is the labor-capital opposition, a relation that confirms the double register of the major categories of Marxism in an abstract domain, which is the logical, and a concrete one that is the historical. Because labor is controlled in its purpose, its intensity and its reason for being, the worker becomes necessarily subjected. It is important to distinguish two initial types of control: one that is purely formal, contractual and organizational, against another that adds a technical development able to dictate the forms of productive operation. The idea of domination present in the various writings of Marx opposes capital to labor; the first must appropriate the second in order to be reproduced as an apparent product of itself. Unpublished Chapter VI of Book I of Marx’s Capital, “The direct production process”, refers to the subsumption of labor under capital, the latter being a socially accepted form of wealth that achieves accumulation by subordinating concrete labor to reproduce into more capital by a formal or a technical process of production. In order for capital to appropriate labor to its logic and ownership, it must dominate working conditions. This happens in two historical periods marked by the form of producing surplus value, either absolute or relative. The first corresponds to the formal subsumption, just another kind of appropriation not too different from those Marx called “usurer’s and merchant’s capitals”. The second is achieved by real subsumption, upon the arrival of capital to a technical mode by means of which it organizes the very process of labor under proper conditions. Either one can be understood as the domination of the abstract over the concrete, of form over process. After some time, subordination becomes structural and produces special conditions for reproduction, whatever the hardware configuration in which it materializes. Marx explains what makes a formal domination stage become a real one: What is generally characteristic of formal subsumption remains valid in this case too, i.e. the direct subordination to capital of the labour process, in whatever way the latter may be conducted technologically. But on this basis there arises a mode of production -the capitalist mode of production- which is specific technologically and in other ways, and transforms the real nature of the labour process and its real conditions. Only when this enters the picture does the real subsumption of labour under capital take place. (MARX, 1864, italics in original).

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

52


Appropriating financial crisis: a communication studies reading

Jesus Becerra

Marx’s identification of the real subsumption mode to CMP has provoked his followers to remain attentive to this final general form of capitalism in such a way that, whenever they have to face new phenomena derived from the emergence of complex forms, they undervalue or even overlook the new kinds of struggle to dominate and to resist. Memes, virals, hackings and virtual communities for any thinkable purpose are exemplary cultural outcomes capable both of deterring people and of mobilizing enough forces to destabilize regimes. They should at least be treated as pieces of an unexpected encore to the claimed final stage. Instead, it has become a convention in specialized studies to reduce communication systems to NTIC and these to an industry like the rest, operating by the same basic principles that explain the surplus value extraction at the labor process moment. There is an academic need to put forward a third logical and historical era, consisting of Symbolic subsumption, a form of domination that adds enough features to the two first to be considered different. The so-called formal subsumption appeared, according to Marx, when the direct producers were separated from their means of production to sustain themselves. It was not necessary to actually deprive workers of their tools; new market conditions, helped by the adequate legislation, placed producers in an unfavorable position to compete against capital productions. So, they came into the market to sell their labor force and their craftsmanship to survive in the emerging mode of production. However, as cited above, capitalism arrived at plenty once it could organize the labor process with the proper techniques and regulations, making workers’ previous knowledge insufficient to establish the intensity and profitability of labor contracted by the capitalist. Once the means of production and the laboring knowledge made it useless for the workers to resist the domination of capitalism, there still remained an important issue to subsume: the representation capacity that could be used to resist the authoritative notions either within the production process or outside it. A symbolic subsumption has been shaping a new era when representations have become a commodity and the industries around them continue to flourish. This is what we referred to by stating that the present struggles are held among capitalists more than against the civil society. It does not mean that the latter is finally safe, at the margin of the conflicts of others; on the contrary, somehow it means that part of society is done, deprived of the real picture of a complex society that is made for directed and accepted consumption. Mainstream messages manage to have users believe they can appropriate the material and the content of social offers anytime they desire. Tailor-made à-la-carte cultural products make it evident to capital clients that markets have finally become democratic, so to say. Neoliberals emphasize the power of consumers to behave themselves responsibly at impersonal yet fair markets, thus discharging the bigger payers from much of the accountability of foul behavior. Plenty of market signs show whoever is willing to read them accordingly, that regulation can be unfair as it interferes with the spontaneous enacting of human nature. This way, the owners of the capital and its markets have already appropriated their consumers’ appropriations. Again, such a complex social arrangement cannot be explained by affirming it is just a part of real subsumption.

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

53


Appropriating financial crisis: a communication studies reading

Jesus Becerra

CONCLUSION Capitalism, as feudalism before it and possibly any other regime, can be better understood when named “mode of appropriation”. Indeed, there is a mode of producing in capitalism, but its arrangement finally shows that all this time, for individually considered capitalists, that it was not production for accumulation that they were after, but appropriation itself. A mode of production is just a social setting for appropriation purposes, which, incidentally, demands production first. Indeed, the capitalist market, taken as a whole, has become complex enough to embrace commodities from organic foods to state-of-the-art appliances or to risk associated financial derivatives and creditorships. Surely, such a varied market surpasses the real subsumption mode of producing and getting surplus value. What the new spirit of capitalism brings out is latent features that have waited long to emerge. Visible from a privileged communicational reading, much of the novelty of the present is a direct product of the interactions made possible by the current communication systems as defined before. At least, this is one reason why this era deserves to be called Communicational Mode of Appropriation (BECERRA, 2010). If this conception is correct, much of the social struggle will be -and has already been- held in the communications arena. A unidirectional and dominant vertical model of communication at the service of the interests of the few is refuted by the mere existence of a decentralized and multiple horizontal model at the reach of the many. It seems that the Capitalist Mode of Production will meet its denouement -whatever it may be- in the vicissitudes of a Communicational Mode of Appropriation.

REFERENCES BECERRA, J. El orden de la comunicación: I La producción de lo social. México: Universidad Autónoma de Zacatecas, 2010. BOLAÑO, C. R. Comunicación y crisis del capitalismo en América Latina, Quórum académico, Venezuela, v. 15, n. 8, p. 133-146. 2011. BOLTANSKI, L.; CHIAPELLO, È. El nuevo espíritu del capitalismo. Madrid: Akal, 2002. BOYER, R. Crisis y regímenes de crecimiento: una introducción a la teoría de la regulación. Argentina: Ciel-Piette Conicet, Miño y Dávila, 2007. HALDANE, A. Rethinking the financial network. 2009. Available at: <http://www. bankofengland.co.uk/publications/Documents/speeches/2009/speech386.pdf>. Access: 12 Nov. 2012. HUERTA DE SOTO, J. Dinero, crédito bancario y ciclos económicos. España: Unión Editorial, 2009. LICHTENSZTEJN, S. Fondo Monetario Internacional y Banco Mundial: instrumentos del poder financiero. México: Universidad Veracruzana, 2010. MARICHAL, C. Nueva historia de las grandes crisis financieras: una perspectiva glo-

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

54


Appropriating financial crisis: a communication studies reading

Jesus Becerra

bal, 1873-2008. México: Random House Mondadori, 2010. MARX, K. Unpublished Chapter VI from Capital, The direct production process. 1864. Available at: <http://www.marxists.org/archive/marx/works/1864/economic/ch02a. htm#469a>. Access: 13 Mar. 2013. McLUHAN, M. Comprender los medios de comunicación: las extensiones del ser humano. Barcelona: Paidós, 1996. NEÜMANN, I. Construcción de la categoría “Apropiación Social”, Quórum Académico, Venezuela, v. 2, n. 5, p. 67 – 98, 2008. OROZCO, G. Televidencia: perspectivas para el análisis de los procesos de recepción televisiva. México: Universidad Iberoamericana, 1994. PRIEST, S. Doing media research: an introduction. Thousand Oaks, Ca.: Sage, 1996. STIGLITZ, J. Caída libre: el libre mercado y el hundimiento de la economía mundial. México: Taurus, 2010.

Eptic Online 16(1) 2014

Artigos e Ensaios

55


Dossiê Temático Produção do espaço urbano no capitalismo contemporâneo

Apresentação Vera Pallamin Professora livre-docente da FAUUSP, graduada em Arquitetura e Urbanismo e em Filosofia pela Universidade de São Paulo. Realizou mestrado e doutorado na FAUUSP e conduziu pesquisas de pós-doutorado na University of California, Berkeley (EUA) e na Università degli Studi di Firenze (Itália), voltadas para a relação entre arte e esfera pública

A reflexão sobre a produção do espaço urbano nas últimas décadas tem se confronta do com condições e formas de reordenação polêmicas. Por um lado, o ‘urbano generalizado’ tem se desdobrado em dezenas de megacidades – sobretudo na América Latina, Ásia e África - implicando a ausência de limites e um espalhamento de territórios urbanos em que o espaço comum não é mais a regra. Nessa condição, a totalização da forma urbana tem se tornado progressivamente inviável, verificando-se a proeminência dos fluxos e redes sobre os lugares, da privatização sobre a vida pública, assim como do parcelamento e separação sobre a ideia de integração, transformando-se a ideia de urbanidade. Por outro lado, a produção do espaço urbano tem se submetido a formas de extração de excedente em que a própria cidade transforma-se em mega produto, sendo comercializada e consumida por meio de projetos de espetacularização urbana, em que a arquitetura de grife assumiu um papel central. Esta lógica de empreendedorismo urbano, apoiada na parceria público-privada voltada à valorização e rentabilidade imobiliárias, tem acirrado a segregação espacial e aprofundado as desigualdades sociais.

Revista Eptic Online Vol.16 n.1 p.12-27 jan.-abr. 2014


Dossiê Temático: Produção do espaço urbano no capitalismo contemporâneo.

Este dossiê temático volta-se para o debate acerca da condição urbana contemporânea, do papel da arquitetura e do urbanismo nas reordenações espaciais fomentadas pela lógica financeira, das lutas pelos lugares, suas relações com a grande mídia e seus rebatimentos na cultura urbana. Inicia-se com uma entrevista realizada com a filósofa Otília Arantes, cuja reflexão caracteriza-se por uma apreensão sistêmica sobre essa temática conjugando-a criticamente a formas sociais e especificidades urbanas consideradas em relação às grandes metrópoles brasileiras. O artigo de André de Oliveira Torres Carrasco trata da questão da crise urbana generalizada no país, discutindo-a com base na relação entre produção de espaço urbano e as determinações econômicas associadas à acepção de ‘modernização retardatária’. As estratégias de requalificação ou regeneração urbana –expedientes recorrentes na dinâmica da ‘máquina urbana de crescimento’ comentada por Otília Arantes - são tratadas nos artigos de Patrícia Roman-Velazquez, enfocando Londres, e de Maria Helena Carmo Santos / Ricardo Benevides, analisando o atual projeto Porto Maravilha, no Rio de Janeiro. Este dossiê finaliza-se com o texto de José Rodolfo Pacheco Thiesen / João Marcos Lopes acerca do papel e das injunções sofridas pela arquitetura em meio à crise estrutural do capital, circunscrevendo-se, no seu conjunto de artigos, um significativo panorama crítico sobre a economia política da produção do ambiente construído, no presente.

Boa Leitura!

Eptic Online 16(1) 2014

57


Entrevista Formas urbanas em mutação Otilia Betariz Fiori Arantes Bacharel em Filosofia pela UFRGS, doutora pela Universidade de Paris I, Mestre e Livredocente pela USP. Professora de Estética, aposentada, do Departamento de Filosofia (FFLCH-USP), durante a década de 80 deu aulas na graduação e pós da FAU-USP e criou e dirigiu o Centro de Estudos de Arte Contemporânea (CEAC) e Arte em Revista.

Por Vera Pallamim

Otília Arantes é autora de um trabalho crítico em relação à arquitetura e ao urbanismo consolidado no país como uma referência incontornável - publicou ainda, entre outros livros: pela EDUSP, O lugar da arquitetura depois dos Modernos (1993) Urbanismo em fim de linha (1998) e Chai-na (2011); Berlim, Barcelona duas imagens estratégicas (Annablume, 2011) e, em co-autoria com Carlos Vainer e Ermínia Maricato A cidade do pensamento único (Vozes, 2000). Suas obras têm acompanhado de perto as mudanças contemporâneas efetivadas neste âmbito epistêmico, esmiuçando as alterações de suas práticas, valores, estratégias e aportes discursivos. Nesta entrevista, a filósofa comenta algumas das principais transformações ocorridas na produção da cidade nos últimos 50 anos, numa narrativa cujo teor elucidativo favorece também a apreensão de momentos importantes de sua própria trajetória de pesquisa.

Revista Eptic Online Vol.16 n.1 p.58-67 jan.-abr. 2014 Entrevista realizada em outubro de 2013


Formas Urbanas em mutação

Otília Arantes

Como podemos abordar criticamente a atual relação entre a produção do espaço público e o atual estágio do mundo capitalista? Em primeiro lugar: do que se está falando ao reivindicar um espaço público? Qual o sentido hoje de uma tal expressão? Pode-se ainda imaginar algo como uma vida pública nas nossas cidades segregadas, muradas, vigiadas? Em meu texto do início dos anos 90, “A ideologia do lugar público na arquitetura contemporânea”, tratava de revelar o que havia de verdadeiro e de ideológico numa tal ideologia, ou seja o seu fundamento real. Já hoje, não acho sequer que se possa falar em ideologia, tal a falsidade de um tal conceito de “espaço público”, quando todo o espaço é avaliado simplesmente pelo seu potencial de produção de mais valia. Mas, ao mesmo tempo, não se pode ignorar o fato de que ocorrem hoje uma série de experiências de apropriação do espaço urbano que nos faz perguntar: será que é só isso, será que estes espaços não recomeçam a ganhar um alto sentido social e político. Numa entrevista recente, motivada pelas últimas manifestações de rua, fui obrigada a revisar um pouco a evolução deste conceito – o que retomo em parte aqui para responder à sua pergunta. Quando escrevi aquele texto que acabo de citar, tinha em mente, especialmente, a virada cultural traduzida no discurso ideológico de arquitetos e urbanistas sobre a cidade como “lugar”, isto é, como os arquitetos buscavam recriar espaços de vida pública (ou buscam), mas me referia especialmente àqueles que tentavam ressemantizar (como se dizia è época) a cidade moderna esvaziada, ao mesmo tempo corrigindo a fobia ultramoderna pela vida civil ativa em nome da “intimidade”, quem sabe aquela mesma que Camillo Sitte, mais de meio século antes, chamou de “agorafobia”, e isto, através da criação de suportes físicos e simbólicos em que ela pudesse ser restaurada. No entanto, há que se convir, tais propostas, que pareciam dar uma passo adiante em relação à cidade moderna, em geral tinham um caráter regressivo, de volta à uma vida “comunitária”, seja através da ilusão de recuperá-la, numa espécie de vizinhança ou de proximidade física, seja através de um mútuo reconhecimento – um vínculo local – propiciado pela identificação com “lugares” urbanos que exprimissem vicissitudes antigas e modernas, por sua história, por sua memória, enfim. Alguns dos teóricos recorriam inclusive a algo que chamavam o “genius loci”. Numa visão por vezes um tanto mítica, fazia-se o elogio dos monumentos comemorativos e do restabelecimento do cuore urbano (por vezes no plural – que logo se tornaram as “novas centralidades” a serem “revitalizadas”). Apoiavam-se para tanto numa literatura variada, que ia de Sitte à Heidegger, muitas vezes passando pela incontornável Hannah Arendt, quando se tem em mente a assim chamada “esfera pública”. Sem falar na influência direta da antropologia e da linguística na versão estruturalista em voga. De meu lado, como referência crítica, preferia utilizar o conceito de esfera pública burguesa tal como a concebeu Habermas, mesmo reconhecendo que talvez ele tenha sublimado as virtudes de uma tal esfera, mas sem acompanhá-lo na crença em uma Razão Comunicativa capaz de restabelecer por outras vias, que não fosse a de uma urbanidade dependente de um suporte físico/arquitetônico, algo quem sabe como uma esfera pública virtual. Hoje o tema reaparece através das famigeradas redes, mas também na relação imediata com os espaços de manifestações e protestos de massa, por vezes gigantescos – nada mais a ver, pela

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

59


Formas Urbanas em mutação

Otília Arantes

escala e pela natureza destes atos, com a dimensão por vezes mítica e certamente nostálgica dos teóricos do Lugar, nem mesmo, me parece, com a Comunicação a que aspirava Habermas (seguramente não um defensor de Seattle ou do Occupy) – embora, é verdade, ideólogos da Sociedade em Rede, falem agora, a propósito dessas ondas mundiais de protesto, em “autocomunicação” das massas manifestantes, como o principal fator de “empoderamento” dos indivíduos, como se diz no jargão das ongs. Do que se está falando então hoje em dia? O que são estes novos espaços urbanos, ou quais são eles, e como são “ocupados”? Harvey, por exemplo, atribui muita importância à retomada da cidade e de seus espaços controlados, vigiados e até criminalizados, do qual o público é excluído pelo Estado e seu aparato repressor, convertendo-a justamente, acredita ele, num espaço político de iguais, através de movimentos como o Occupy. Daí, segundo Harvey, o caráter incontornável da cidade como espaço onde ocorrem as ocupações e os confrontos: “são os corpos nas ruas e praças, não o balbucio de sentimentos no Twitter ou Facebook, que realmente importam” – diz ele. Praças ou ruas, a cidade como um todo, como o descrevem alguns autores, espaço de fluxos e circulação, não-lugar, espaço vazio, passível de múltiplos usos, e de congestionamento, seja por estes mesmos fluxos, seja pelos corpos que os desviam, interrompem, confrontam e são confrontados – em nome da ordem. Algo que me faz pensar na imagem de um campo de batalha, a que me reportarei logo adiante. Para muitos, entretanto, espaço de performances, de criatividade, de novas formas de expressão, artística por vezes, mas também política, ou, por isto mesmo, eminentemente política. Certamente uma nova forma de conceber a política, que nada mais tem a ver com a ação (na acepção sublimada de H. Arendt), ou ainda a esfera pública da comunicação e das situações ideais de fala, como as concebeu também Habermas, muito menos ainda com o lugar reivindicado pelos que pretendiam encontrar aí as camadas arqueológicas superpostas de uma memória urbana reencontrada pelos seus habitantes (os teóricos do lugar...). São evidentemente novos tempos, dos quais os antigos conceitos, como o de “espaço público” certamente não dão mais conta.

No presente, uma das diretrizes das transformações urbanas refere-se à produção do ‘urbano generalizado’ e a tendência a aglomerações desmesuradas, em que os limiares urbanos tendem a configurar formas extremas. Que aspectos você destacaria na análise desse fenômeno?

No ano passado, em um encontro nacional, o ENANPARQ, o título da minha intervenção foi justamente “A era das formas urbanas extremas”. Vou resumir rapidamente o que disse naquela ocasião. A amostragem mais completa, desse “novo urbanismo”, ou de algo que se situa para além do urbanismo, são as novas cidades asiáticas, passíveis de crescerem ad infinitum. Cidades

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

60


Formas Urbanas em mutação

Otília Arantes

enfim que não obedecem mais a nenhum plano, salvo de sua expansão sem limites – “cidades genéricas”, na expressão de Koolhaas. Elásticas. Sem história, sem identidade (ou que podem produzi-la a cada semana), imensas, despropositadas, que crescem e se autodestroem ininterruptamente. Que se verticalizam e se esparramam. Com infra-estruturas superdimensionadas, prevendo usos futuros ou no intuito de competir com as demais: residências, mas também portos, aeroportos, escritórios, ociosos. Estoques supérfluos, como se fossem cidades fantasmas, estradas que não levam a parte nenhuma, salvo a “possíveis” outras cidades, e assim por diante. Criando enclaves e impasses, infernizando umas às outras. Todas, tendo algo de aeroporto e de shopping center. É como se, depois do fim de linha, ou quem sabe a sua própria e superlativa expressão, tivesse ocorrido ou enfim sido deflagrado o mais espantoso e gigantesco processo de urbanização contemporânea, em curso especialmente na China da Era das Reformas. O termo para caracterizar um tal processo chinês é bem este: “hiperurbanização” – que nos interessa, além do mais, por exprimir a mudança de paradigma implicado pelo inusitado da escala por assim dizer cósmica, tanto pela compressão do tempo, quanto espacial. Pelo menos na acepção que encontrei empregado pela primeira vez, por Graham e Marvin, para designar este “espantoso processo de urbanização jamais visto no planeta”, referindo-se sobretudo à reviravolta na tradição de “desenvolvimento comunal no planejamento de infra-estrutura” em favor de um furioso empreendedorismo local, conduzido por novas e poderosas municipalidades em associação com corporações internacionais de infra-estrutura e consultoria, num ambiente de intensa competição entre cidades. Tudo bem pesado, no entanto, são apenas listas de factóides, de paisagens, infra-estruturas ou cidades Potenkim, mas o fato é que impressionam, ainda mais quando revestidos pela parafernália de acessórios do design corporativo. Tal gigantismo compulsivo, nada mais é do que uma verdadeira mutação pelo excesso – com certeza uma expansão “até novas, inimagináveis e talvez, impossíveis dimensões”, na expressão de Fredric Jameson, e que impressionam, sobretudo, pelas proporções descomunais assumidas por qualquer significante urbano que associe, e faça sentir, os efeitos correspondentes, um ícone qualquer do ultramoderno (seja lá o que isto queira dizer) e uma explosiva escala sobre-humana, como se encerrasse uma promessa de aniquilação. Passando ao outro lado “extremo” nos deparamos igualmente com essa ambiência análoga de mutações radicais. Refiro-me à expansão acelerada das grandes capitais do Planeta Favela descrito por Mike Davis. E, para tanto vou me deter especialmente numa das muitas profecias apocalípticas de Rem Koolhaas, sua percepção de que o paradigma da nova urbanidade pós-urbana deve ser reconhecido no seu extremo patológico, ou seja, nada mais nada menos, do que a impressionante capital da Nigéria. Assim, Lagos não seria mais ou apenas um caso de “evolução” extrema, situado agora que o antigo modelo urbano mundial se desmanchou, no “primeiro plano da modernização global”. Não é Lagos que se aproxima de nós – afirmam os pesquisadores do Project on the City, de Harvard, coordenado à época por Koolhaas – mas somos nós que estamos a ponto de alcançá-la, e nos seguintes termos (à altura de um grand finale): “o fato de que muitas das atuais tendências das modernas cidades ocidentais se deixaram reconhecer de forma hiperbólica em

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

61


Formas Urbanas em mutação

Otília Arantes

Lagos, sugere que refletir sobre a cidade africana é pensar no estado terminal de Chicago, Londres e Los Angeles”. Simples assim, para dizer o menos: no fim de linha da cidade civilizada, nos deparamos com um modelo futuro literalmente “fora da civilização”. Se quisermos prosseguir, concluem, será preciso rever as idéias herdadas e “reconceitualizar a própria cidade”. Mas agora, em algum ponto de intersecção terminal de um colapso que funciona: pois é, Lagos “funciona” – 15 milhões de pessoas de algum modo sobrevivem nela. E mais, “a operacionalidade de uma megalópole, como Lagos, ilustra a eficácia em escala macro de sistemas e agendas consideradas marginais, informais e ilegais segundo a compreensão tradicional de cidade”. Suponhamos que seja próprio de uma cidade terminal a indistinção entre proliferação galopante dos mais extravagantes mercados de ocasião e uma modalidade específica de erosão urbana: tudo somado, como Koolhaas, o jornalista George Parker também hesita diante desta cena convulsionada: sinal de vigor ou de doença? – uma força vital ou um apocalipse iminente? Milhões de habitantes em conjuntos habitacionais na base de enormes blocos de concreto, que, rapidamente, nas palavras do jornalista, vão adquirindo “um aspecto leproso, como se uma doença maligna estivesse corroendo suas fachadas”. Um subprefeito entrevistado por ele, diante da antevisão de “23 milhões de pessoas espremidas, tentando sobreviver como cobaias de uma experiência fracassada de um demógrafo louco” não pensa duas vezes: “quanto a mim acho que é um desastre iminente”. Para início de argumento, digamos que a modernização em marcha forçada, empurrada pela memória do colapso, se confunde com essa aceleração que prepondera com certo senso imediato de urgência. Juntando esses dois extremos da nossa era pós-urbana, seria o caso de arriscar um primeiro reconhecimento conceitual do terreno comum em que se cruzariam as trajetórias explosivas do Renascimento Chinês e do Sul Global com a implosão não menos dramática da “urbanidade” tal como a conhecíamos nas metrópoles do núcleo orgânico do sistema mundial. Pois me parece bem provável que só agora, diante desses conglomeradas caóticos que proliferam indefinidamente, estejamos testemunhando de fato a plena realização da experiência daquele hiperespaço premonitoriamente descrito por Fredric Jameson no seu ensaio famoso, de 1984, sobre “A lógica cultural do capitalismo tardio”. Segundo ele, um tal hiperespaço, minuciosamente programado, diga-se de passagem, teria sido ultrapassada “a capacidade do corpo humano de se localizar, de organizar perceptivamente o espaço circundante e mapear cognitivamente sua posição em um mundo exterior mapeável (...) esse ponto de disjunção alarmante, entre o corpo e o ambiente construído está para o choque inicial do modernismo, assim como a velocidade da nave espacial está para o automóvel”. É mais fácil experimentar e “ver” esse espaço do que defini-lo, muito embora, ou por isso mesmo, seja apresentado por seu autor como um dos elementos definidores da nova era dos descompassos sensoriais provocados pela nova aceleração do modus operandi capitalista. Gostaria no entanto de assinalar uma outra “visão” que ocorreu a Jameson por ocasião daquela primeira formulação – e que também permite unificar os extremos que estamos evocando, e que tem sido pouco registrada por seus leitores: nada mais nada

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

62


Formas Urbanas em mutação

Otília Arantes

menos do que o espaço da guerra pós-moderna. Qualificação, aliás, sobre a qual não dá maiores precisões, ele certamente tinha em mente, naquele momento, a guerra do Vietnã como a primeira guerra pós-moderna. Por qualquer ângulo que a brutal assimetria daquele conflito seja examinada, indubitavelmente uma guerra de novo tipo entrara em cena, e rigorosamente contemporânea, senão seu epicentro, de mutações naqueles anos de cuja convergência culminaria no diagnóstico de época que se convencionou denominar Pós-modernismo. Com efeito. Vinte anos depois do ensaio desbravador de Fredric Jameson, Mike Davis encerraria seu inventário do Planeta Favela “descendo a rua Vietnã”. Digamos que – tendo ele também aprendido, não com a colorida Las Vegas, mas com a desolada e “desurbanizada” Saigon – Mike Davis tenha tirado as consequências geopolíticas de uma “planeta de favelas”, quer dizer, um mundo de cidades sem empregos e que logicamente abdicaram de qualquer veleidade de reforma urbana, para dizer o menos, tenha enfim apreendido, por seu turno, a convergência de origem entre o hiperespaço das formas urbanas extremas (nesta extremidade de agora, as “cidades fracassadas e ferozes” do antigo Terceiro Mundo), e a geografia da nova guerra. Está claro que o atual Warfare State americano foi o primeiro a mapeá-la. Mas não se trata apenas de constatar que as megacidades da periferia engolida pela globalização se converteram em ambientes naturais de batalha. Seria preciso dar um passo adiante (mas não aqui, é claro) e verificar se esse novo tempo das formas urbanas extremas, consideradas em seu amplo espectro, nele incluído o “estágio Dubai do capitalismo” (Davis), não seria igualmente o tempo de um novo “urbanismo militar”, tempo de cidades sitiadas, escaneadas, de populações-alvo rastreadas, vigiadas, preventivamente contidas e abordadas segundo perfis de risco, etc. Mas isto fica para uma próxima conversa.

Como você vê a atuação profissional do arquiteto diante da economia política da cultura que tem se efetivado a partir da década de 1960? Retomo minhas análises sobre isso que você está chamando de política da cultura, onde a arquitetura das cidades têm um papel central. Na verdade este foi o foco principal de meus textos sobre as transformações urbanas ocorridas naquele período histórico, em que a racionalidade e funcionalidade modernas sediam lugar a uma abordagem que privilegiava os valores culturais e portanto simbólicos. Segundo escrevi, minha percepção era que a partir dos anos 60 estaríamos atravessando uma verdadeira ruptura de época descrita como um cultural turn, como se começou a dizer nos meios de esquerda dos campi universitários anglo-americanos. Mudança de paradigma cuja genealogia não posso rastrear aqui. Basta assinalar que em suas versões extremas chegou-se a sustentar que a cultura não só se tornara central na conformação dos fenômenos sociais, como igualmente a acumulação impulsionada pelo capital-informação convertera a economia-política de reprodução numa

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

63


Formas Urbanas em mutação

Otília Arantes

economia cultural. Seja como for, nada a ver com o que se entendia por cultura na extinta Idade Liberal-burguesa, portanto já um outro momento do que se chamou “indústria cultural”. Tudo a ver, portanto, com o mito bifronte da cidade-colagem-grande-projeto que então nascia, e da qual a Paris de Mitterrand era o exemplo máximo e seguramente o ponto de inflexão mais evidente no vasto campo desde então (foi quando escrevi o ensaio “Os dois lados da arquiteura francesa pós-Beaubourg”). Num primeiro momento, esta reviravolta ocorreu na esteira dos movimentos de maio de 68, quando parecia que se tratava de uma cultura antagônica a se cristalizar por toda parte. Esse o primeiro turno do cultural turn, que só retrospectivamente será reconhecido, e reapropriado, como tal. Desnecessário relembrar que a chamada volta à cidade daqueles anos de rescaldo meia oito (e não só na Europa, mas sobretudo lá e, particularmente, na França e na Itália) forneceu o cenário mais visível desse primeiro turno cultural. Por uma breve temporada pareceu possível emperrar a máquina urbana de crescimento, contrapondo ao núcleo duro produtivista do sistema a cidade como valor de uso. Tudo se passava então como se o novo souci de l’urbain tivesse renascido à sombra do ímpeto pós-material que vazara pela brecha de 68 (sintoma ainda não se sabia bem do quê). Nada mais antivalor (de troca) do que o “lugar” redescoberto e contraposto ao espaço homogêneo dos modernos e do mercado. Portanto, muito melhor reabilitar do que demolir; intervenção, só em migalhas; reativar a memória porém evitando o assassinato museográfico dos sítios históricos; valorizar o contexto, o habitat ordinário, reanimar a vida dos bairros, sem violentar os moradores, e por aí afora, como hão de recordar pelo menos os veteranos que ainda têm notícia daquela geração de índole oposicionista. Dito isso, seria preciso acrescentar que essa mesma geração, que os neoconservadores, como Daniel Bell, não hesitariam em incluir entre os protagonistas de uma cultura hostil, e que chegavam até a corporificar numa nova classe, produtora e monopolizadora do “sentido” (que logo adiante se transmudarão em intermediários culturais provedores de identidade e estilo, mas quando então a cultura fazia tempo deixara de hostilizar o que quer que seja), vivia em regime de condomínio com uma nova configuração da máquina urbana de crescimento, à qual se estava adicionando ingredientes novos. Estou me referindo à invenção do cultural por um star system arquitetônico, associado a governantes movidos pela mosca azul da monumentalidade espetacular, capaz de produzir, através de uma política de coalizões, os consensos indispensáveis. Mas não um cultural qualquer, aqui o turning point que me interessa demarcar, um cultural – da indústria da consciência às grandes fachadas, passando pelas gentrificações pertinentes – paradoxalmente (ou não?) respaldado pela aura libertária da resistência anti-produtivista cuja gênese acabamos de recordar, que assim voltava a se legitimar uma segunda vez, redescobrindo-se plenamente “cultural” desde sempre. O que ocorreu, na verdade, foi uma metamorfose do “cultural”, cujo pós-materialismo, a princípio reativo, foi se tornando pró-ativo, para não dizer cooperativo, a medida que se estetizava e se concentrava nos valores expressivos de uma ordem social que alegava a seu favor haver destronado o primado das relações de produção em nome das relações de “sedução”, como foi saudada a Era do Vazio (Lipovetski) que se iniciava. Se estou certa, nem foi preciso esperar pelas grandes desregulações do período seguinte, a começar pela

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

64


Formas Urbanas em mutação

Otília Arantes

flexibilização da rigidez fordista, para apressar a mutação indolor do libertário-cultural, empenhado na recuperação da riqueza simbólica das formas urbanas (na formulação de Leon Krier), no embrião dos futuros semeadores de iscas culturais para o capital – para os quais a monotonia funcional do Modernismo com certeza criara uma forte demanda reprimida. Com o sinal trocado, era justamente isso que Guy Debord queria dizer quando profeticamente anunciou que a cultura seria a “mercadoria vedete” na próxima rodada do capitalismo, exercendo a mesma função estratégica desempenhada nos dois ciclos anteriores pela estrada de ferro e pelo automóvel. A seu ver, a alienação humana chegaria então ao seu grau máximo. Em resumo, a partir da desorganização da sociedade administrada do ciclo histórico anterior, cultura e economia correram uma na direção do outra, dando a impressão de que a nova centralidade da cultura é econômica e a velha centralidade da economia tornou-se cultural, sendo o capitalismo uma forma cultural entre outras rivais. O que faz com que convirjam: participação ativa das cidades nas redes globais via competitividade econômica, obedecendo portanto a todos os requisitos de uma empresa gerida de acordo com os princípios da eficiência máxima, e prestação de serviços capaz de devolver aos seus moradores algo como uma sensação de cidadania, sabiamente induzida através de atividades culturais que lhes estimulem a criatividade, lhes aumentem a auto-estima, ou os capacitem do ponto de vista técnico e científico. Tais iniciativas, sejam elas grandes investimentos em equipamentos culturais, ou preservação e restauração de algo que é alçado ao status de patrimônio, constituem pois uma dimensão associada à primeira, na condição de isca ou imagem publicitária. O que tentei mostrar é que hoje em dia a cultura não é o outro ou mesmo a contrapartida, o instrumento neutro de práticas mercadológicas, mas ela é parte decisiva do mundo dos negócios e o é como grande negócio. A tal ponto que se torna mais ou menos indiferente se se trata de um grande museu ou de uma montadora – tanto quanto tantas outras iniciativas, associadas, por exemplo, aos grandes eventos. É onde entram, para dar forma às novas formas urbanas que daí resultam, os arquitetos estrelas, com os seus projetos cada vez mais extravagantes a ponto de produzir uma imagem de marca para as respectivas cidades.

Qual o papel da crítica da cultura diante das condições atuais de produção da arquitetura e da cidade, em nosso país? Pode-se responder à pergunta de várias maneiras, o objeto em si é de uma vastidão de tais proporções como a do próprio país. Se tentarmos olhar pelo ponto de vista abordado na segunda resposta, ou seja a transformação das cidades – um bem cultural por excelência em grandes negócios, veremos que não ficamos nenhum pouco atrás dos demais centros urbanos mundo afora, com a ênfase obviamente de uma país emergente com pretensões

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

65


Formas Urbanas em mutação

Otília Arantes

de grande potência. Muito mais desenhada pela especulação imobiliária do que por projetos urbanos racionais, a desmesura das nossas cidades é de tal ordem que se pode mesmo dizer que sequer se pode falar em “cidades-empresas” (na expressão de Peter Hall), estamos aquém ou além destas, acumulamos os exemplos de cidades “pós-urbanas” de que fala Koolhaas. Ao mesmo tempo seus gestores não deixam de apostar na fórmula dos grandes eventos e grandes projetos, como propõe o receituário do “planejamento estratégico”, tal como o formulou os catalães: Copas, Olimpíadas, Capital Mundial da Cultura, etc., com projetos de grande porte, como estão sendo os estádios, ou de marketing, onde ainda uma vez a cultura comparece, com seus museus: MIS de Colidiu & Refiro, Museu do Amanhã do discutível Calatrava, Palácio da Música de Portzamparc, todos no Rio, o Palácio da Dança. de Herzog e De Meuron em São Paulo, e assim por diante, sem falar na produção local de tais equipamentos. Se voltamos ao item anterior, relativo à formas urbanas extremas, reconheceremos com facilidade nas nossas cidades a mesma convivência de grandes projetos milionários com a miséria das nossas favelas e da população sem teto: ou seja, o fim da fronteira urbana no Brasil. E não basta mais evocar a cidade murada, na esteira da Los Angeles de Quartzo, segundo Mike Davis. A recente (janeiro de 2012) remoção militarizada de 1.500 famílias de uma ocupação no local dito Pinheirinho em São José dos Campos (SP) – e que se reproduz a cada dia nas nossas cidades, deixando áreas inteiras de favelas incendiadas ou destruídas por tratores, como uma ferida aberta a ser sanada pelas empreiteiras à busca de expansão de novas fronteiras urbanas sobre as quais avançar –, é a prova eloquente de que um limiar decisivo foi ultrapassado na gestão da “formação” urbana extrema do Brasil. Não custa também relembrar a violência quotidiana em São Paulo. Na cidade mais rica do país, a polícia mata mais do que nos Estados Unidos inteiro, multiplicando regularmente chacinas a cada fim de semana, sob pretexto da famigerada (e falida) guerra às drogas e combate ao mito oficial do “crime organizado”. Mas o verdadeiro Evil Paradise se encontra em construção na Cidade Maravilhosa, mais exatamente, futura cidade olímpica, Rio de Janeiro. É claro que a “guerra particular” com o varejo das drogas ilícitas vinha de antes, bem como os ataques sistemáticos a que se submete desde a noite dos tempos as populações segregadas nas favelas dos morros cariocas, mas a militarização da gestão social naquela cidade é coisa mais recente, inclusive com o emprego rotineiro das Forças Armadas, bem como o fenômeno das milícias e a atual onda “pacificadora” das UPPs, cuja territorialização desenha um claro e muito seletivo mapa de reconquista imobiliária sob pretexto de contenção de conflitos. Essa mesma violência estatal militarizada pode ser observada em ação nas sublevações urbanas que tomaram as principais cidades do país nas Jornadas de Junho, cujo rescaldo já dura mais de quatro meses e não parece acalmar pois seu foco tende a se fortalecer cada vez mais: a urbanização selvagem sob o comando direto das máquinas urbanas de crescimento. Mas, imaginar esta violação inaudita em continuidade, por exemplo, com os atuais mega-projetos neo-desenvolvimentistas, como uma manifestação precursora de um “urbanismo militar” a caminho no país, envolveria todo um programa de pesquisa como tarefa política. Não vou avançar sobre este terreno: o da violência urbana, com seus índices e mapas, já estudados a exaustão, apenas quero sugerir outra vez que os novos redesenhos urbanos se dão na forma não mais de uma racionalidade planejada, à maneira da linha de montagem fordista ou até mesmo, de um

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

66


Formas Urbanas em mutação

Otília Arantes

planejamento estratégico, como o das empresas capitalistas, mas de um campo fragmentado, disperso, móvel e desigual, obedecendo a uma lógica dos extremos, alimentada pelo medo, o conflito e consequente ilimitação da dinâmica corporativa de acumulação por despossessão (Harvey) o que, se não for corrigido com urgência (se isto ainda é possível), impulsionará todo o processo rumo ao colapso.

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

67


O PROCESSO DE PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO NA MODERNIZAÇÃO RETARDATÁRIA BRASILEIRA: UMA HIPÓTESE SOBRE NOVAS FORMAS DE REPOSIÇÃO DE DESIGUALDADES EL PROCESO DE PRODUCCIÓN DEL ESPACIO URBANO EN LA MODERNIZACIÓN RETRASADA BRASILEÑA: UNA HIPOTESIS SOBRE NUEVAS FORMAS DE REPOSICIÓN DE DESIGUALDADES THE PROCESS OF PRODUCTION OF URBAN SPACE IN BRAZILIAN LAGGARD MODERNIZATION: AN HYPOTHESIS ABOUT NEW WAYS OF INEQUALITIES REPLACEMENT

André de Oliveira Torres CARRASCO Graduado, Mestre e Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Atualmente é professor na Cátedra Fernandez Castro - Taller Forma y Proyecto na Facultad de Arquitectura, Diseño y Urbanismo da Universidad de Buenos Aires. E-mail: andre.o.t.carrasco@gmail.com

Revista Eptic Online Vol.16 n.1 p.68-83 jan.-abr. 2014 Recebido em 03/12/2013 aprovado em 20/12/2013


O processo de produção do espaço urbano na modernização retardatária brasileira Andre Carrasco

RESUMO A partir de referencias teóricas identificadas com o pensamento marxista, o texto pretende analisar criticamente determinados processos sociais e instituições estruturadores da sociabilidade contemporânea, explorando as contradições entre suas determinações e as formas particulares de realização do processo de produção do espaço urbano. Este trabalho tem como base a Tese de Doutorado “Os limites da arquitetura, do urbanismo e do planejamento urbano em um contexto de modernização retardatária. As particularidades desse impasse no caso brasileiro.” - defendida pelo autor em maio de 2011 na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

Palavras chave Modernização. Urbanização. Expropriação.

RESUMEN A partir de referentes teóricos identificados con el pensamiento marxista, el texto busca analizar críticamente ciertos procesos sociales e instituciones que estructuran la sociabilidad contemporánea, explorando las contradicciones entre sus determinaciones y las formas particulares de realización del proceso de producción del espacio urbano. Este trabajo se basa en la Tesis Doctoral "Los límites de la arquitectura, el urbanismo y de la planificación urbana en el contexto de la modernización retrasada. Las particularidades de este dilema en el caso brasileño.” - defendida por el autor en mayo de 2011 en la Facultad de Arquitectura y Urbanismo de la Universidad de São Paulo. Palabras clave Modernización. Urbanización. Expropiación.

ABSTRACT From theoretical references identified with Marxist thought, the text aims to analyze and criticize certain social processes and institutions that structure contemporary sociability, exploring the contradictions between their determinations and the particular forms of realization of the process of production of urban space. This paper is based on the Doctoral Thesis “The limits of architecture, urbanism and urban planning in the context of laggard modernization. The particularities of this impasse in the Brazilian case.” - defended by the author in May 2011 at the Faculty of Architecture and Urbanism of the University of São Paulo. Keywords Modernization. Urbanization. Expropriation

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

69


O processo de produção do espaço urbano na modernização retardatária brasileira Andre Carrasco

Opondo-se às teorias do nacional-desenvolvimentismo, o conceito de modernização retardatária aponta para a impossibilidade de o processo de modernização se desenvolver nos países periféricos a partir das referências materiais e sociais estabelecidas pelos países centrais, resultado da derrota deste capital, em regime de constante acumulação primitiva, para o capital do centro, que determina os níveis mundiais de produtividade. O processo de modernização, que não se desenvolve senão sob a contradição entre o constante desenvolvimento das forças produtivas e a crise que se instaura, a partir desse desenvolvimento, no momento em que se constitui como um processo de modernização retardatária, como no caso brasileiro, realizar-se-á, principalmente, enquanto reposição dos pressupostos de sua crise. Desse modo, a partir do referencial teórico que fundamenta esse conceito é que se fundamenta essa breve reflexão sobre o caráter crítico do processo de produção do espaço urbano no Brasil, na qual se busca alcançar os momentos de sua constituição, suas formas de expressão e reprodução. Constituídas como disciplinas que deveriam organizar o processo de produção do espaço urbano que se desenvolveria no interior de um processo de modernização que não se realizaria senão criticamente, o urbanismo e o planejamento urbano viriam a assumir essa forma particular de realização. Dessa forma, o desejo de promover desenvolvimento econômico e integração social no e pelo espaço urbano somente se realizaria como promoção de sua desintegração, expressando-se, em linhas gerais, através do acirramento das desigualdades entre áreas centrais e áreas periféricas. O processo que implica na formação e generalização das categorias e dos pressupostos necessários para a universalização da forma mercadoria como mediação social, assim como para a sua realização como tal, é aqui identificado como processo de modernização. Esse processo exige o constante rearranjo das formas de articulação entre capital, terra e trabalho, visando à viabilização e o desenvolvimento de uma produção que prove, nos termos da concorrência, ser participante do sistema mundial produtor de mercadorias. Tal rearranjo não se desenvolve senão sob a contradição entre o constante desenvolvimento das forças produtivas e a crise que se instaura a partir desse desenvolvimento. Poderse-ia caracterizar esse processo contraditório a partir de relações de produção determinadas pelo processo automático de valorização do capital, cujo fundamento é a extração de mais-valia no processo de produção de mercadorias e seu reinvestimento produtivo, permitindo que o capital se reproduza de maneira sempre ampliada, para que se mantenha nos níveis sociais médios estipulados pela concorrência. Entretanto, essa necessidade sempre ampliada de extração de mais-trabalho conduz ao desenvolvimento constante das forças produtivas, que, possibilitando o aumento da produtividade do trabalho, permite aumentar ainda mais os níveis de extração de mais-valia relativa. Esse desenvolvimento constante das forças produtivas tem como seu limite lógico e histórico, em última análise, a tendência à redução da proporção entre capital variável e capital fixo no processo produtivo, promovendo, assim, a queda tendencial da taxa de lucros, pois os novos ciclos produtivos requerem gradativamente um maior investimento prévio para uma extração limitada de mais-valia. Aparece, assim, a racionalidade contraditória do capital, que expulsa do seu processo de reprodução o fundamento da produção do valor, a exploração da

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

70


O processo de produção do espaço urbano na modernização retardatária brasileira Andre Carrasco

1 Na teoria crítica nacional, alguns autores pautaram suas análises a respeito do suposto “atraso” do processo de modernização no caso brasileiro em uma perspectiva que tomava como referência a noção de subdesenvolvimento. Esses autores, como Celso Furtado, pertencentes à tradição dualista, que no Brasil teve como seu maior expoente a CEPAL, formularam como perspectiva de superação do “atraso” a generalização e consolidação da industrialização. Essa perspectiva deveria se pautar sob uma intervenção racional, planificadora – e obviamente estatal – que poderia trazer modificações profundas, de modo a “criar relações estruturais e [...] condicionar formas de comportamento capazes de engendrar um processo social do qual o desenvolvimento econômico seja componente necessário” (FURTADO, 1966, p. 89). 2 - O caráter mundializado da territorialização capitalista teve sua forma definida, segundo Kurz (1995) pela não-simultaneidade do processo de modernização entre aqueles países que, encabeçados pela Inglaterra, desencadeá-lo-iam em nível mundial, e os demais que, posteriormente, tentariam alcançar o mesmo desenvolvimento, segundo sua posição relativa expressa, inicialmente, pela relação entre colônias e metrópoles. Essa situação configuraria, do mesmo modo, a nãosimultaneidade entre centro e periferia. Considerando que o processo de modernização não se realiza sob as mesmas condições em nível mundial, Robert Kurz (1995) define, a partir da definição de não-simultaneidade, como modernização retardatária o processo particular de modernização nos países que iniciaram seu processo de modernização após a Inglaterra: Pois, nas condições de um nível de desenvolvimento já relativamente alto do sistema produtor de mercadorias no Ocidente e de uma luta de concorrência já muito avançada no mercado mundial, todo novo impulso

força de trabalho. O processo de modernização, assim como suas contradições internas, não se territorializa de modo homogêneo no espaço urbano, na medida em que as formas de reprodução do capital apresentam formas particulares de realização que, por sua vez, dizem respeito a formas particulares de produção de mercadorias – ainda que essa mercadoria seja a cidade. No entanto, a forma geral do processo de modernização confere sentido a essas particularidades, conformando uma totalidade na qual as partes se relacionam por meio da troca, recolocando, em uma nova escala, o processo de abstração real necessário para a equivalência entre diferentes. Avançando nesse raciocínio, seguindo com o espaço urbano como referencia, suas partes se identificam como áreas que apresentam particularidades distintas na articulação entre capital, terra e trabalho, considerados aqui nos termos propostos por Marx (1982) em sua fórmula trinitária, na qual o processo de produção de determinadas mercadorias (por exemplo, infraestrutura) ou de sua reprodução (força de trabalho) se realizam também a partir dessas particularidades. É possível observar o modo como o sentido geral do processo de modernização e as contradições entre as particularidades que o constituem se apresentam criticamente no processo de produção do espaço urbano, territorializando-se, na cidade, principalmente, nos termos das relações entre urbanização formal e informal. Confrontando as teorias sociais de orientação nacional desenvolvimentista1, a interpretação que considera a não-simultaneidade das formas assumidas pela modernização retardatária2 não avalia o processo de modernização dos países de passado colonial como incompleto, por considerar que, mesmo apresentando um desenvolvimento particular, o processo de colonização, forma pela qual se desenvolveu a generalização do modo de produção capitalista sobre o mundo conhecido, instaurava nos novos territórios os pressupostos necessários para a realização da lógica e do sentido da forma-mercadoria, movimento que se desenvolvia de forma particular, retardatária, porém “completa”, no sentido de garantir a integração desses territórios ao sistema mundial produtor de mercadorias. Ao pautar suas intervenções em uma interpretação distinta, na qual a relação dualista entre “atraso” e “desenvolvimento” colocava-se como central, o Estado, assim como os teóricos que legitimavam tais interpretações, não tinha como objeto de crítica as categorias fundamentais da produção e da sociabilidade capitalista e o caráter crítico de sua reprodução. A crítica ao subdesenvolvimento não se referia ao todo lógico e histórico do modo de produção, mas apenas a determinados estágios de desenvolvimento já percorridos ou a serem superados. No Brasil, grandes contingentes populacionais foram expropriados de suas estruturas tradicionais de reprodução, caracterizadas principalmente pela manutenção da agricultura de subsistência e pela relação de posse da terra, transformando-se nos migrantes que constituiriam as fileiras de um exército industrial de reserva que deveria se formar. Nas cidades, a não-simultaneidade do processo de modernização foi apresentada negativamente a esses contingentes no momento em que esses se viram diante da impossibilidade de sua integração positiva na cidade formal. À expropriação original, ocorrida ainda no campo,

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

71


O processo de produção do espaço urbano na modernização retardatária brasileira Andre Carrasco

de modernização das regiões ainda pouco desenvolvidas tinha de assumir o caráter de um desenvolvimento r e c u p e r a d o r , particularmente forçado, em que não apenas se repetia o estatismo dos inícios da época moderna, mas que também se apresentava numa forma muito mais pura, consequente e rigorosa que a dos originais ocidentais esquecidos há muito tempo (KURZ, 1995, p. 35, grifo nosso). Roberto Schwarz iria propor, após as primeiras edições de O Colapso da Modernização , a substituição da palavra recuperador pela palavra retardatária, pois esta, ao contrário daquela, indicaria a impossibilidade de se alcançar os níveis de desenvolvimento dos países centrais do capitalismo, sentido mais fiel tanto ao texto quanto ao conteúdo do original em alemão. Tal sugestão foi considerada pertinente por aqueles que, no Brasil, dedicavam-se ao estudo dos textos de Robert Kurz, que passaram, desde então e em geral, a adotar a expressão modernização retardatária.

seguir-se-iam, na cidade, outras tantas. Se, por um lado, as intervenções estatais pautadas pela ideologia do planejamento não conseguiriam reverter o caráter crítico do processo de modernização nos países da periferia do capitalismo, reproduzindo suas determinações apenas como crise (ou apenas como expropriação), por outro, teria sucesso ao contribuir para a instauração das categorias a partir das quais se realizariam o sentido e a lógica do modo de produção. No processo de modernização retardatária estaria contida a formação e generalização das categorias fundamentais da sociabilidade capitalista, como a propriedade privada, o trabalho abstrato, a igualdade jurídica, a política, cidadania, etc. Todas essas categorias, no entanto, formamse e generalizam-se criticamente, apresentando-se principalmente como impossibilidade de acesso à propriedade e à cidade formal, ao emprego e a igualdade jurídica e política.

RECUPERANDO MARX: A CONSTITUIÇÃO FETICHISTA DA SOCIEDADE E DA CIDADE PRODUTORAS DE MERCADORIAS No Livro I de “O Capital”, na sua análise sobre o caráter fetichista da mercadoria e seu segredo, Marx critica o modo como a consciência burguesa trata “uma formação social em que o processo de produção domina os homens” (MARX, 1982, p. 76), como se esta correspondesse a uma necessidade natural e não a uma formação constituída historicamente. Categorias de base da sociabilidade capitalista como o valor, o dinheiro, a mercadoria, o trabalho abstrato e o próprio fetichismo da mercadoria, antes de serem criticados como elementos do núcleo central da modernidade, são tratados como componentes de um suposto núcleo central da humanidade, e sua crítica reduzida à crítica da sua distribuição desigual entre os homens. A constituição fetichista que fundamenta essa sociabilidade, que reconhece as relações entre seus produtos como relações sociais entre homens, “longe de ser uma ‘superestrutura’ pertencente à esfera mental ou simbólica da vida social, reside nas próprias bases dessa sociabilidade e impregna todos os seus aspectos” (JAPPE, 2006, p. 34). De fato, essas categorias, atualmente, são consideradas como pré-requisito para qualquer reflexão a respeito da modernidade, isso porque seu desenvolvimento histórico também foi um processo de imposição de suas determinações às sociedades em processo de modernização, o que as transformou em constantes inquestionáveis, tomadas ideologicamente como insuperáveis. De um modo semelhante às chamadas leis naturais, não são questionadas em relação a seu “por que”, mas apenas em relação a seu “como”. Dificilmente se observa uma abordagem crítica que questione por que toda a sociedade deve se engajar em um processo de produção e consumo de mercadorias, que necessariamente deve se desenvolver de uma forma sempre ampliada e cuja magnitude se distancia constantemente de qualquer parâmetro concreto de necessidade. As discussões a esse respeito concentram-se em aspectos relativos à como produzir, como consumir e, eventualmente, como distribuir essas mercadorias produzidas. E essa limitação no horizonte das reflexões a respeito da modernidade seria um importante obstáculo a ser superado para retirar essas

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

72


O processo de produção do espaço urbano na modernização retardatária brasileira Andre Carrasco

categorias de sua condição de obviedade, para, então, criticá-las. Dentre essas categorias tidas como naturais ou essenciais para a reprodução das sociedades, o Estado se apresenta com certo destaque, principalmente quando se trata de sua relação com o processo de modernização. É possível considerar que as análises que tratam a modernização como um processo neutro tomam como pressuposto que também o Estado desfrutaria dessa condição, pois somente como suposto sujeito da modernização estaria posta a possibilidade da modernização “socialista”, mediante a incorporação das classes trabalhadoras nas devidas instâncias institucionais. O Estado seria uma instituição que, conduzida pela classe certa, poderia utilizar o desenvolvimento econômico para a realização menos desigual do processo de produção e reprodução da sociedade. Essa perspectiva, que coloca em disputa o Estado e suas formas de atuação, não discute as próprias determinações que incidem sobre ele. Assim, o papel do Estado Moderno também pode ser compreendido a partir da forma de socialização que ele deve organizar, a começar pelas relações sociais subordinadas à forma-mercadoria, que devem necessariamente ser estabelecidas entre iguais proprietários de mercadorias. Ou seja, é necessário regulamentar os termos desiguais dessa igualdade e dessa propriedade privada, regulamentação que se processa na institucionalização dessa forma abstrata de relação social na figura do Direito, “já que todas as relações se transformam em relações contratuais com forma de mercadoria” (KURZ, 1995, p. 193), sendo o Estado o responsável por organizar essa “máquina legislativa permanente”. Desse modo, as relações entre Estado e mercado, economia e política não apresentam em sua constituição somente as dicotomias realçadas pelos teóricos que observam nesses termos o confronto entre mecanismos ligados ao “capitalismo” e ao “socialismo”. Antes de representarem lados opostos de uma disputa, Estado e mercado se articulam a partir de relações funcionais de duplo sentido. Mesmo as tentativas de realizar um planejamento urbano mais radical, no sentido de ter em seu horizonte a supressão das desigualdades, somente poderiam se desenvolver, na sociedade atual, a partir das formas definidas pelo modo de produção e geridas pelo Estado. Do mesmo modo, um planejamento urbano radicalmente oposto, liberal ao extremo, não conseguiria se desenvolver plenamente sem a participação do Estado. A necessidade recorrente de intervenção estatal nos momentos de crise, assumindo dívidas do setor privado ou financiando a sua produção, e a manutenção dos marcos legais necessários para viabilizar a especulação imobiliária, são apenas alguns exemplos nesse sentido. Desvendar o caráter fetichista do Estado e seu papel no processo de modernização é um movimento fundamental para aprofundar as análises sobre as contradições explicitadas no e através do processo de produção do espaço urbano, na medida em que desse modo também se torna possível desvendar o caráter fetichista das disciplinas e instrumentos consagrados, de forma idealizada, como condutores da urbanização. Desse universo, o planejamento urbano e suas particularidades merecem uma abordagem mais detalhada.

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

73


O processo de produção do espaço urbano na modernização retardatária brasileira Andre Carrasco

O PLANEJAMENTO URBANO EM UM CONTEXTO DE MODERNIZAÇÃO RETARDATÁRIA No Brasil, em um contexto definido por um processo de modernização retardatária, o caráter crítico do processo de produção do espaço urbano vai se manifestar principalmente através da acentuação da precarização das relações sociais estruturadoras dessa atividade produtiva e da apropriação de seus produtos na escala urbana. A arquitetura, o urbanismo e o planejamento urbano, em sua condição de relações sociais constituintes desse processo, passam a reconhecer como parte de seu mètier a administração dos resultados dessa precarização, legitimando o inevitável rebaixamento das referências materiais e sociais que passariam a orientar as relações entre cidade e sociedade. Amélia Damiani (1999) fará uma interpretação particular a respeito das relações entre industrialização e urbanização nas cidades brasileiras, com atenção especial para o caso de São Paulo, para, em seguida, desenvolver seus argumentos a respeito da identificação das contradições entre centro e periferias, observadas nesse contexto, com um processo definido pela autora como urbanização crítica. A autora propõe, inicialmente, uma abordagem da relação entre industrialização e urbanização que vai além da noção simplificadora que coloca esses termos em uma relação de causa e efeito, ou, ainda, que coloca a cidade apenas como “receptáculo primordial” dos fenômenos econômicos. O processo de urbanização representaria, antes disso, um novo setor produtivo, que “além de viabilizar outras produções econômicas [...] define uma nova produção” (DAMIANI, 1999, p. 119-120). O processo de produção do espaço urbano se apresentaria também como meio específico para a realização da acumulação de capital, pois além de viabilizar tal acumulação, constituir-se-ia, simultaneamente, como meio de reprodução das relações de produção, nos termos desenvolvidos por Henri Lefebvre. Tendo em conta que: [nos] anos 1970, houve uma expectativa em parte real: a do desenvolvimento de um proletariado diferenciado, produto da industrialização maciça e complexa, que envolvia as grandes cidades […] Florestan Fernandes admitia que esse proletariado poderia configurar uma forma política autêntica de democracia burguesa, isto é, modernizaria o país, [...] mas que, por outro lado, o sentido do processo de diferenciação industrial, que hoje se esclarece, é expelir trabalhadores do processo produtivo. (DAMIANI, 2004, p. 28-29). A autora vai relacionar essa inserção crítica de contingentes cada vez mais elevados da população no mercado de trabalho, quando o trabalho se apresenta como “pura negatividade: o trabalho como miséria absoluta” (DAMIANI, 2004, p. 28), com a inserção crítica desse mesmo contingente no processo de produção e apropriação do espaço urbano. Portanto, o argumento central em relação ao caráter crítico da urbanização brasileira não aponta para a exclusão econômica da população, no sentido de sua não participação no processo produtivo, seja da industrialização ou da urbanização, e sim para a sua “inserção crítica” (DAMIANI, 1999, p.125) nesse contexto. Considerando-se os limites da inserção, no mercado de trabalho, da força de trabalho disponível nas grandes cidades; considerando-se,

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

74


O processo de produção do espaço urbano na modernização retardatária brasileira Andre Carrasco

também, como fundamento e base do desenvolvimento das cidades, como corpo citadino ou na sua materialidade, a propriedade da terra capitalizada, que sustenta um amplo campo de negócios urbanos, a urbanização em nosso país é crítica. A tentativa de reunir urbanização e industrialização num par coerente, sem fissuras, embora específico, é insuficiente. [...] O mundo das massas despossuídas é a urbanização crítica. O mundo de uma economia que se realiza criticamente é a urbanização crítica. O urbano como centralidade de culturas, festas, desejos, encontros, necessidades, que é negado, é a urbanização crítica […] A tábua rasa da história, o seu varrer, a produção da obsolescência precoce dos produtos vários, incluindo a cidade, para afirmar novos produtos, é a urbanização crítica. (DAMIANI, 2004, p. 30-39).

Considerando-se que no Brasil a articulação entre industrialização e urbanização iria se desenvolver em um contexto de modernização retardatária, no qual a simultaneidade em relação aos padrões de produção e sociabilidade definidos pelos países centrais do capitalismo somente ocorreria negativamente, as possibilidades de vivenciamento do espaço urbano como “centralidade de cultura, festas, desejo, encontros, necessidade” (DAMIANI, 2004, p. 39) somente se apresentariam como exceção ou subversão da ordem estabelecida pela produção e pelo processo de reprodução das relações sociais de produção. Do mesmo modo, apresentar-se-ia somente como excepcional a inserção de seus habitantes, nas dinâmicas estabelecidas por esse binômio, nos termos idealizados pela noção de cidadania. E, se o processo de modernização retardatária e suas decorrências colocavam-se como o único caminho pelo qual o país poderia tentar se desenvolver, a urbanização crítica apareceria, segundo a autora, como a única possibilidade de se estabelecer e viabilizar o processo de produção de seu espaço urbano. Nesse contexto, o planejamento urbano, importante ferramenta do processo de modernização, antes de conduzi-lo, por ele é conduzido. Segundo Francisco de Oliveira (1977), o planejamento se caracteriza como uma estratégia de intervenção do Estado sobre as formas como se expressam as contradições que se apresentam no processo de reprodução do capital, nas diferentes escalas do espaço, no sentido de homogeneizar suas características, sempre tomando como referência o modo pelo qual o processo de produção do espaço se organiza e se territorializa nas formas mais “avançadas” da reprodução do capital. O planejamento não se trata, portanto, de um processo de distribuição de recursos, materiais e financeiros, fundamentado na técnica e pautado por questões relativas a necessidades concretas, na medida em que essa possibilidade será constantemente constrangida pelo cálculo econômico. Antes de se caracterizar como um modo racional de distribuição desses recursos, o planejamento se configura como o mecanismo a partir do qual se garantiria as condições para o desenvolvimento da reprodução sempre ampliada do capital. No caso do planejamento urbano, através do processo de produção do espaço urbano e dos demais processos produtivos vinculados à cidade, formulando estratégias periodicamente renovadas com o objetivo de viabilizar a superação da contradição básica do modo de produção capitalista que se expressa pela reprodução sempre crítica do capital.

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

75


O processo de produção do espaço urbano na modernização retardatária brasileira Andre Carrasco

Marco de um sistema capitalista de produção, a possibilidade do planejamento é dada pelo caráter mesmo das relações de produção e portanto sociais que fundam esse sistema. [...] O que o planejamento não pode realizar é a superação da contradição básica do sistema de produção capitalista, que se instala no coração da própria mercadoria [...] mas desde que o planejamento no sistema capitalista limite-se a recolocar no início do ciclo produtivo os elementos finais que estão no produto, isto é, limita-se a repor os pressupostos da produção capitalista, sua possibilidade torna-se perfeitamente plausível: em síntese, o planejamento num sistema capitalista não é mais que a racionalização da forma ampliada do capital (OLIVEIRA, 1987, p. 23-24).

Percebe-se que o autor desenvolve sua análise a partir de uma perspectiva na qual consegue visualizar as contradições presentes no papel assumido pelo planejamento no processo de produção. Desse modo, ampliando-se a perspectiva da análise, é possível afirmar que o planejamento urbano, e seus resultados, não devem ser analisados apenas como conjunto de políticas públicas voltadas à regulação do processo de produção e apropriação do espaço urbano, mas sim como conjunto de políticas voltadas à regulação da reposição dos pressupostos da reprodução do capital no contexto urbano. Processo que, em um contexto de modernização retardatária, antes de instaurar, entre as formas particulares de realização da produção, a homogeneização de suas relações sociais e materiais, vai repor, constantemente, a desigualdade entre elas, na medida em que o caráter crítico do processo de modernização restringe, para uma parcela cada vez maior da população, o acesso às formas mais avançadas de produção e reprodução, inclusive às formas mais avançadas de produção do espaço urbano. 3 - Em seu livro Crítica à Razão Dualista (2003), Francisco de Oliveira trata dos termos a partir dos quais ocorre a relação entre a urbanização informal e o processo de acumulação de capital, pela industrialização, no Brasil. Segundo o autor, a autoconstrução de moradias nas periferias das metrópoles seria uma das bases do modelo que o processo de industrialização assumiu no Brasil, pois viabilizaria o rebaixamento do custo de reprodução da força de trabalho. Considerando-se que o salário é composto pela cesta de bens necessária para a reprodução da força de trabalho, ou seja, para a sobrevivência do trabalhador, a partir do momento em que o custo da habitação é abstraído dessa cesta, o trabalhador se vê forçado a produzir sua moradia através de seus próprios meios, legitimando , de certo modo, esse processo.

Tomando como referencia a década de 1970, período no qual a ideologia do plano viveu seu momento máximo durante o “milagre brasileiro”, o planejamento desenvolvido no âmbito dos programas estatais de habitação e desenvolvimento urbano mostrar-se-ia eficiente para ordenar determinados processos sociais e materiais que aparentemente contribuiriam para o desenvolvimento das condições gerais da produção, fundamentais para manutenção do modelo que o processo de modernização assumia naquele momento. Desse modo, por um lado, o planejamento urbano apresentou-se positivamente, através da disseminação de planos diretores, leis de uso e ocupação do solo e da lei federal de parcelamento do solo, importantes para a definição, em nível nacional, dos marcos legais e institucionais a partir dos quais se desenvolveria a produção e apropriação do espaço urbano. Mas, por outro lado, colocava-se negativamente, pois, para garantir as condições necessárias para a reposição dos pressupostos da reprodução do capital no contexto urbano, também produziu a urbanização informal, processo sem o qual tal reposição não seria possível no contexto brasileiro3. Ainda que, no nível da aparência, o planejamento urbano atuava apenas sobre a cidade formal, é possível afirmar que ele também se realizava, negativamente, no processo de produção da urbanização informal. O processo de urbanização informal não se desenvolveria aleatoriamente pelo território da cidade, desconectado do processo de urbanização formal. A formação de favelas em áreas públicas (sistemas de recreação, áreas verdes e

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

76


O processo de produção do espaço urbano na modernização retardatária brasileira Andre Carrasco

áreas institucionais) remanescentes de loteamentos regulares e em áreas ambientalmente frágeis protegidas por lei (áreas de mananciais, principalmente) é um exemplo de como a legislação urbanística definiria, pelo menos, a localização, a área (em superfície) e disponibilidade de infraestrutura (relativa ao entorno próximo) desses assentamentos. No limite, é possível afirmar que dentro da racionalidade contraditória própria da modernidade, o planejamento urbano definiria quais seriam as áreas passíveis de serem ocupadas por favelas e loteamentos clandestinos e irregulares, em um contraponto as áreas “preservadas” pelo mesmo planejamento para urbanizações que, pelo menos em tese, possibilitariam uma maior rentabilidade. Diante da impossibilidade de agir sobre o processo de urbanização informal, na medida em que esse processo, antes de ser freado pelo planejamento, também era alimentado por ele, ao Estado só restaria reconhecer esse déficit e tentar, através de novas estratégias, nas quais o mesmo planejamento urbano ainda dominava, reorganizá-lo de modo a tentar garantir minimamente sua inserção na cidade formal e na economia política urbana. Estabelece-se mais uma contradição insuperável, entre a necessidade de homogeneizar formas particulares de produção e apropriação do espaço urbano a partir de uma disciplina – o planejamento urbano – que vinha se realizando como ferramenta destinada à reposição da desigualdade. Definem-se, então, novos marcos legais na legislação urbanística, que permitem a elaboração de políticas públicas e projetos arquitetônicos e urbanísticos voltados para a regularização fundiária (em favelas e loteamentos clandestinos e irregulares) e urbanização de favelas. O caráter crítico do planejamento urbano em um contexto de modernização retardatária passa a se expressar também através da incorporação, nas políticas públicas e nos projetos urbanísticos, de situações antes consideradas inaceitáveis.

A REGULARIZAÇÃO DA EXPROPRIAÇÃO Sancionada em junho de 2001, a Lei Federal 10.257, conhecida desde então como Estatuto da Cidade, passa a unificar, em nível nacional, as diretrizes para o desenvolvimento da política urbana dos municípios. Reunindo leis já existentes, porém dispersas, a novos conceitos e instrumentos urbanísticos, assim como a regulamentação daqueles já previstos nos artigos 182 e 183 da Constituição Federal, o Estatuto consolida um arcabouço jurídico-institucional comum a todo o território nacional ao mesmo tempo em que reforça as orientações a respeito da autonomia municipal em relação às questões urbanas. Caberia a cada município definir, através de seu Plano Diretor, as formas pelas quais seriam aplicados os instrumentos voltados ao desenvolvimento de planos e condução de seu planejamento urbano, regulação fiscal e jurídica sobre propriedades fundiárias e imobiliárias, controle do uso e ocupação do solo, regularização da propriedade informal de terra urbana, participação social na gestão urbana, parcerias público-privadas, definição de Zonas Especiais de Interesse Social, implementação de Operações Urbanas Consorciadas e outros temas. Os artigos referentes à concessão de uso especial para fins de moradia, que definiriam os termos da regularização da posse de áreas públicas ocupadas informalmente, foram vetados.

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

77


O processo de produção do espaço urbano na modernização retardatária brasileira Andre Carrasco

Essa questão foi regulamentada posteriormente, através da Medida Provisória 2220/01. Desse modo, o processo de regularização fundiária de áreas privadas ocupadas informalmente segue as determinações previstas na Secção V do Capítulo II do Estatuto da Cidade, que trata da usucapião especial de imóvel urbano. No caso de áreas públicas dos municípios, dos Estados e da União, o processo de regularização fundiária se remeteria às determinações da Medida Provisória acima citada. No primeiro caso, ao ocupante caberia a propriedade da terra em questão. No segundo, apenas a garantia do seu direito de posse. Esse é o procedimento que possibilitaria que áreas urbanizadas informalmente conquistassem, ao menos no campo abstrato do direito e dos rituais cartoriais, o mesmo status institucional já destinado às demais áreas da cidade. É no reconhecimento do direito de posse ou propriedade das habitações localizadas em áreas urbanizadas informalmente que residem os principais argumentos em torno do caráter progressista do Estatuto da Cidade. No entanto, é possível afirmar que essa percepção fundamenta-se principalmente em uma perspectiva que estabelece uma associação programática, em parte idealizada – entre a regularização fundiária e a urbanização dessas áreas – com a primeira, garantindo a segurança da posse, e, a segunda, o acesso à infraestrutura e moradia para a população de baixa renda. Ocorre que, nos termos em que os programas de regularização fundiária colocam-se atualmente, essas dimensões aparecem como separadas. O Estatuto da Cidade e a Medida Provisória 2.220/01 não determinam, a rigor, nenhuma relação obrigatória entre a titulação de áreas ocupadas e sua urbanização. O reconhecimento do direito à moradia é rebaixado ao nível abstrato das leis, determinando em muitos casos a consolidação de situações bastante precárias. À população que enfrenta cotidianamente limitações concretas relativas a esse modelo de urbanização são oferecidas soluções abstratas oriundas do campo do Direito. Essas frações das cidades, e seus moradores, vão sendo paulatinamente abandonados à sua própria sorte, ao mesmo tempo em que se insiste na constante reafirmação fetichista da ilusão em torno da potência emancipatória de leis e decretos. Desse modo, as políticas habitacionais pautadas pela incorporação estrita dos instrumentos urbanísticos voltados à regularização fundiária passam a representar o rebaixamento das expectativas de superação da urbanização crítica e a consolidação, devidamente fundamentada pela naturalização dessas contradições, de uma “cidade de segunda classe”. A ideia de ampliar o direito à cidade se realiza principalmente como ampliação do direito à favela. É interessante observar que esse processo, inicialmente, apresenta-se como o reconhecimento do direito de posse dos ocupantes dessas áreas e, portanto, do seu direito à moradia. Esse reconhecimento tem como ponto de partida o reconhecimento das particularidades das formas pelas quais essa moradia foi produzida, ou seja, de suas diferenças em relação a outras moradias, de suas qualidades concretas que as diferenciam e as definem como um valor de uso particular. No entanto, esse reconhecimento somente será legitimado, institucional e socialmente, a partir da abstração dessas qualidades concretas; a partir do momento em que essas moradias, produzidas informalmente, apresentarem-se diante

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

78


O processo de produção do espaço urbano na modernização retardatária brasileira Andre Carrasco

da sociedade como um título de posse, devidamente registrado em cartório e reconhecido pelo poder público. Título que garante a essa moradia o status de moradia formal e, desse modo, também de mercadoria formal, passível de ser negociada, não mais no “mercado informal”, no qual seu valor já se apresentava socialmente, mas no mesmo universo de negócios em que estão incluídas todas as propriedades que constituem a cidade. Essas “novas” mercadorias passam a relacionar-se, de fato, com todo o universo de mercadorias que constituem a cidade. A crítica à economia política elaborada por Marx (1982) mostra que no mundo das mercadorias o valor de uso, coisa concreta, representa algo sobrenatural, puramente social, o valor, transformando-se, dessa maneira, na forma fenomênica de seu contrário. Do mesmo modo, o reconhecimento e a formalização da moradia informal representam o reconhecimento e a formalização de seu valor, e, portanto, de sua condição de mercadoria. A retórica em torno do reconhecimento do direito à moradia coloca-se apenas como uma etapa a ser cumprida no processo de reintegração, ou mobilização, dessas áreas, antes imobilizadas por sua situação de marginalidade. E assim, mesmo que represente a possibilidade de obtenção de novas linhas de crédito para seus moradores, ou mesmo a garantia de mínimos direitos relativos à cidade, como afirmam alguns planejadores, essa regularização-mobilização também representa a possibilidade da constituição de novas frentes de expansão para o capital imobiliário urbano. [...] na falta de outras políticas sociais e programas econômicos que lhes dê suporte, a mera atribuição de títulos individuais de propriedade pode até garantir a segurança individual da posse. Mas, com freqüência, isso faz com que os moradores vendam suas novas propriedades e se mudem para as periferias precárias, em muitos casos invadindo novas áreas – onde o mesmo processo de ilegalidade começa novamente. Se tomada isoladamente, a outorga de títulos individuais de propriedade plena não leva à integração socioespacial pretendida pelos programas de regularização. Além do que, se promovidas de maneira isolada, as políticas de legalização não têm impacto significativo sobre as condições de pobreza urbana. Em suma, tais pesquisas indicam que os beneficiários desse tipo de legalização “ à la Hernando de Soto” não são os grupos pobres, mas sim os (velhos e novos) grupos econômicos privados, ligados ao desenvolvimento da terra urbana, que mais uma vez se beneficiariam do investimento público na urbanização dessas áreas, geralmente bem localizadas e atraentes (FERNANDES, 2007, p. 50-51, grifo do autor).

Segundo Henri Lefebvre (1973), o modo de produção capitalista, como todo modo de produção, produz um espaço que lhe é próprio. No entanto, no capitalismo existem determinadas especificidades. A produção do espaço, assim como a produção de qualquer outra mercadoria, só se torna possível se carrega consigo a possibilidade de produção e realização do valor. Além disso, esse processo também envolve a reprodução das relações sociais de produção. Esse processo de reprodução das relações sociais de produção, compreendido como a consagração da forma mercadoria como mediação nas relações entre os homens, e entre esses e o espaço, realizar-se-ia através de diversos procedimentos, mas, especialmente, pelo e no espaço. A estrutura que viabiliza essa reprodução é tratada por Lefebvre (1973) como espaço instrumental, que tem nos anos 60 e 70 do século XX seu momento de

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

79


O processo de produção do espaço urbano na modernização retardatária brasileira Andre Carrasco

consolidação como modelo de organização das cidades. Esse espaço instrumental envolve a produção de um espaço hierarquizado, a cisão do urbano entre centro e periferia, o funcionalismo e a coerção social, no sentido de imposição de uma vida cotidiana funcional para o processo de produção. É um espaço produzido de modo a organizar a sociabilidade a partir de parâmetros definidos pela esfera econômica, no qual o controle do Estado e do mercado age sobre as manifestações de todas as classes sociais. O urbanismo seria uma das ferramentas utilizadas no processo de produção e gestão desse espaço. E, no contexto atual das cidades brasileiras, os programas de regularização fundiária poderiam ser interpretados como ferramentas voltadas a instrumentalização de “espaços” que ainda subvertam essas imposições. Analisando tal movimento de forma retrospectiva, é possível observar que a imobilização de grandes extensões de áreas periféricas – conjuntos habitacionais, favelas, loteamentos clandestinos – teve um caráter funcional em determinados momentos do processo de produção do espaço urbano, inserido na modernização retardatária brasileira. Mas diante da necessidade sempre presente de se buscar lucros excepcionais, em um contexto marcado pela escassez de terras a serem exploradas e pela dificuldade de produzir esses lucros em áreas centrais consolidadas, essa imobilização passa a ser problemática na medida em que essas áreas representam os últimos “lugares ainda a explorar”, ao mesmo tempo em que se caracterizam como “verdadeiras muralhas para o processo do capital, do ponto de vista da economia urbana” (DAMIANI, 2004, p. 36). Disso resultaria a necessidade de sua mobilização, ou reintegração ao circuito imobiliário, tanto pela valorização através da implantação de infraestrutura, quanto pela redefinição de seu status jurídico institucional, através da regularização fundiária ou ainda através do desenvolvimento de planos e projetos urbanísticos que conciliariam todos esses elementos. Considerando que muitas dessas áreas, principalmente no que diz respeito às favelas, localizam-se em áreas urbanas consolidadas, atendidas em seu entorno imediato por uma significativa rede de infraestrutura urbana, sua remoção se torna indispensável para que a obtenção de tais lucros excepcionais, por parte do capital imobiliário urbano, possa se viabilizar. A mobilização de áreas urbanizadas informalmente para sua incorporação pelo capital imobiliário urbano ainda segue como tarefa na qual o Estado ainda possui um papel central. Instituição que, em um sentido, opera como Estado interventor, fazendo valer seu monopólio sobre o campo do Direito (enquanto poder legislativo) e sobre a legitimação do uso da violência (enquanto poder executivo); e, em outro sentido, aparentemente oposto, opera como Estado liberal, garantindo à iniciativa privada as condições necessárias para a viabilização de seus negócios. Em um texto intitulado “A Liberdade da Cidade”, David Harvey (2009, p. 10) desenvolve uma análise sobre as formas pelas quais o processo de urbanização “proporciona um caminho para resolver o problema do capital excedente.” Considerando que o processo de produção do espaço urbano representa um significativo potencial para promover novos produtos e novos modos de vida, criar novos instrumentos

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

80


O processo de produção do espaço urbano na modernização retardatária brasileira Andre Carrasco

de crédito e gastos estatais com dívida financiada e alimentar setores produtivos que realizam excepcionais taxas de lucro (construção civil e mercado imobiliário), o autor afirma que projetos de reordenamento urbano de grande escala participariam, em diferentes contextos, das estratégias voltadas à estabilização das tensões produzidas pelo capital em seus momentos críticos. Como exemplos nesse sentido, o autor analisa as reformas instituídas por Haussmann na Paris do Segundo Império, o processo de suburbanização nas cidades norte americanas no pós-guerra, o processo de requalificação urbana da cidade de Baltimore (analisado de forma mais cuidadosa em seu livro A Condição Pós Moderna) e a crise urbana e social que assolou a cidade de Nova York entre os anos 60 e 80. A respeito desse último caso analisado pelo autor, a saída encontrada para a crise foi [...] reinventar o governo urbano como “governança” – como uma parceria entre a administração da cidade e quem poderia de fato bancar [stakeholders] o futuro da cidade, a parte crucial destes sendo os parceiros dos negócios do centro da cidade, a indústria de turismo, os juros da propriedade privada e (onde fosse apropriado) setores do trabalho (sindicatos da construção em particular). A estratégia foi assegurar Manhattan através da gentrificação, repressão policial (que alcançou um alto ponto com o revanchismo da administração Giuliani) e empreendimentos imobiliários de luxo enquanto se deixava os bairros deteriorados (ainda deixa se muito do Bronx destruir-se em chamas numa onda de proprietários incendiariamente inspirados). (HARVEY, 2009, p.15, grifo do autor). O modo como se ajustaram as relações entre Estado e iniciativa privada nesse modelo de intervenção em áreas urbanas consideradas degradadas – ou não rentáveis – transformouse em um paradigma para as experiências seguintes, devidamente adaptado a cada contexto particular. No mês de abril de 2011, Raquel Rolnik, arquiteta e urbanista, professora da FAU USP e Relatora Especial da ONU para o Direito a Moradia Adequada, divulgou um relatório a respeito de remoções e despejos forçados realizados em algumas cidades brasileiras, que segundo a autora, representariam claras violações dos direitos humanos, especialmente do direito a moradia. Essas remoções estariam vinculadas principalmente às obras relacionadas à Copa do Mundo de 2014 e ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Segundo a relatora, [entre] as violações de direitos mencionadas estão à exclusão das comunidades na definição sobre as remoções ou suas alternativas; a falta de informações do poder público aos moradores das favelas atingidas; o pagamento de compensações consideradas insuficientes e transferências de moradores para regiões distantes até 50 quilômetros. (JUNQUEIRA, 2011). Mas esse cenário não se restringe aos contextos citados. Matéria publicada pelo jornal Folha de São Paulo (2010) revela que entre os anos de 2006 e 2015, aproximadamente 50 mil famílias serão desalojadas compulsoriamente em função de projetos urbanos e ambientais desenvolvidos pelo poder público, naquele que seria o maior deslocamento populacional forçado já registrado na história do Estado.

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

81


O processo de produção do espaço urbano na modernização retardatária brasileira Andre Carrasco

Seria possível, nesse momento, apresentar uma descrição detalhada de inúmeros casos, na cidade de São Paulo, nos quais a população residente em áreas urbanizadas informalmente – especialmente favelas – sofreu ou ainda sofrem com remoções, despejos e reintegrações de posse. Ou ainda, casos nos quais os próprios projetos de urbanização e regularização contribuem para a gentrificação dessas regiões, sobrepondo a violência econômica à violência policial. No entanto, nesse momento, no âmbito desse trabalho, o objetivo é demonstrar a pertinência de uma análise que problematize as formas como atualmente se desenvolvem intervenções urbanas em áreas ocupadas informalmente; seus fundamentos políticos, jurídicos e econômicos, assim como as soluções projetuais delas derivadas. Alcançar esta análise a partir da interpretação critica do processo de modernização, da compreensão das formas particulares pelas quais suas contradições se expressam em distintos momentos da produção do espaço urbano e da desmistificação do papel das politicas públicas que buscam o constante reordenamento do contexto geral da produção da cidade demonstra a importância de confrontar consensos em um momento no qual, ao menos no campo da aparência, essas questões apresentam-se como resolvidas, mesmo quando os argumentos e referencias teóricas apresentadas permitem estabelecer uma perspectiva diferenciada.

REFERENCIAS BRASIL. Presidência da Republica. Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ leis_2001/l10257.htm>. Acesso em: 20 ago. 2013. ______. Medida provisória no 2.220, de 4 de setembro de 2001. Dispõe sobre a concessão de uso especial de que trata o § 1o do art. 183 da Constituição, cria o Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano - CNDU e dá outras providências. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/2220.htm>. Acesso em: 20 ago. 2013. CARRASCO, A. de O. T. Os limites da arquitetura, do urbanismo e do planejamento urbano em um contexto de modernização retardatária: as particularidades desse impasse no caso brasileiro. 2011. 264 f. Tese (Doutorado em Projeto, Espaço e Cultura)Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - FAU USP, São Paulo, 2011. DAMIANI, A. L. A crise da cidade: os termos da urbanização. In: ______. (Org.). O espaço no fim de século: a nova raridade. São Paulo: Editora Contexto, 1999. ______. Urbanização crítica e situação geográfica a partir da metrópole de São Paulo. In: ______. Geografias de São Paulo: representação e crise da metrópole. São Paulo: Editora Contexto, 2004. FERNANDES, E. Regularização de Assentamentos Informais: o grande desafio dos municípios, da sociedade e dos juristas brasileiros. In: ROLNIK, R. (org.) Regularização fundiária

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

82


O processo de produção do espaço urbano na modernização retardatária brasileira Andre Carrasco

plena: referências conceituais. Brasília: Ministério das Cidades, 2007. FOLHA DE SÃO PAULO. Projetos públicos em São Paulo “expulsam” 165 mil pessoas de casa. Folha de São Paulo, São Paulo, out. 2010. Disponível em: <http://www1.folha.uol. com.br/cotidiano/819680-projetos-publicos-em-sao-paulo-expulsam-165-mil-pessoas-decasa.shtml>. Acesso em: 18 jun. 2011. FURTADO, C. Subdesenvolvimento e estagnação na América Latina. São Paulo: Civilização brasileira, 1966. HARVEY, D. A liberdade da cidade. Espaço e Tempo, São Paulo, n. 26, p. 09-17, 2009. JAPPE, A. As aventuras da mercadoria. para uma nova crítica do valor. Lisboa: Antígona, 2006. JUNQUEIRA, A. Relatora vê remoção forcada para Copa e para o PAC. O Estado de São Paulo, São Paulo, abr. 2011. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/ estadaodehoje/20110405/not_imp701838,0.php>. Acesso em: 18 jun. 2011. KURZ, R. O colapso da modernização: da derrocada do socialismo de caserna à crise do capitalismo mundial. São Paulo: Paz e Terra, 1995. LEFEBVRE, H. A re-produção das relações de produção. Porto: Escorpião, 1973. MARX, K. O capital : livros I e III. São Paulo: Abril Cultural, 1982. OLIVEIRA, F. Elegia para uma Re(li)gião. Sudene, Nordeste: planejamento e conflito de classes. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. ______. Crítica à razão dualista / O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003.

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

83


CLAIMING A PLACE IN THE GLOBAL CITY: URBAN REGENERATION AND LATIN AMERICAN SPACES IN LONDON REINVIDICANDO UM LUGAR NA CIDADE GLOBAL: REVITALIZACAO URBANA E ESPACOS LATINO-AMERICANOS EM LONDRES RECLAMANDO UN LUGAR EN LA CIUDAD GLOBAL: REVITALIZACIÓN URBANA Y ESPACIOS LATINOAMERICANOS EN LONDRES

Dra. Patria ROMÁN-VELÁZQUEZ Research Associate. Centre for Media & Film Studies, SOAS, University of London. Associate Fellow. Institute of Latin American Studies, University of London E-mail: romanpatria@gmail.com, pr22@soas.ac.uk

Revista Eptic Online Vol.16 n.1 p.84-104 jan.-abr. 2014 Recebido em 01/10/2013 aprovado em 15/11/2013


Claiming a place in the global city: urban regeneration and latin american spaces in London

Patria Velázquez

ABSTRACT This article focuses on the presence of Latin American businesses in Elephant & Castle (E&C), a deprived area in the centre of London that is undergoing an ambitious program of urban redevelopment that will see the area developed into the new ‘thriving quarter of Central London’. The purpose of this article is to uncover the circumstances under which Latin American retailers re-negotiate their place in E&C and to document and understand their involvement and engagement with the local government. The meaning of places, scales of locality and local identity are central to the argument that Elephant and Castle’s location is an asset to the vision of London as a global city with desirable city dwelling near global financial and commercial districts. The article interrogates attempts to raise Elephant and Castle’s position within the urban hierarchy of London and considers the impact of these changes for Latin American retailers.

Keywords Latin Americans in London. Urban Regeneration. Global city. Place. Gentrification.

RESUMO Este artigo apresenta os resultados de um estudo sobre os negócios dos pequenos empresários e comerciantes latino-americanos na área de Elephant & Castle (E&C), um bairro de Londres com alto índice de pobreza no qual o governo implementou um ambicioso programa de revitalização urbana. Seu propósito é entender as aspirações dos negociantes, documentar e entender o nível de participação no processo de consulta popular dentro do contexto de revitalização urbana em Londres. O significado dos lugares, as escalas e identidade locais de Elephat & Castle são centrais para o argumento dos investidores sobre a importância de distritos comerciais e financeiros nas cidades globais, como Londres. Ao interrogarmos este discurso, pretendemos enfatizar as relações de poder contidas nas tentativas de elevação do prestígio deste bairro dentro da hierarquia urbana de Londres e seu impacto para os pequenos empresários latino-americanos aí localizados. Palavras-chaves Latino-americanos em Londres. Revitalização urbana. Cidade global. Lugar. Gentrificação.

RESUMEN El artículo presenta los resultados de un estudio sobre los negocios Latino Americanos en el área de Elephant & Castle (E&C), un barrio de Londres con un índice de pobreza alto en el que el gobierno ha invertido en un programa ambicioso de revitalización urbana. Discutiré las circunstancias por las cuáles los pequeños empresarios latinoamericanos negocian su espacio en la ciudad. El propósito es entender las aspiraciones de los negociantes y documentar y entender el nivel de participación en procesos de consulta dentro del contexto de revitalización urbana en Londres. El significado de los lugares, escalas de localidad e identidad local son centrales para el argumento de los desarrolladores sobre la posición geográfica de E&C en Londres, ciudad global, y por ende a pasos de distritos comerciales y financiaros. Interrogaré este discurso para enfatizar las relaciones de poder entretejidas en la jerarquía urbana de Londres y el impacto que puedan tener para el futuro de los comerciantes latinoamericanos en el área. Palabras Claves: Latinoamericanos en Londres. Revitalización urbana. Ciudad global. Lugar. ‘Gentrificacion’.

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

85


Claiming a place in the global city: urban regeneration and latin american spaces in London

Patria Velázquez

INTRODUCTION 1 Business, retail and employment liaison group (ELG) meeting 15 September 2011, Consultation Hub, Walworth Road, London. 2 The document outlining the vision and planning regulations for London.

A Latin American presence in London is visible in the borough of Southwark – particularly in the Elephant and Castle (E&C) shopping centre and surrounding areas (Elephant Road, Newington Butts, Eagle Yard Arches, Old Kent Road). Such is the visibility that the local borough has referred to it as a “vibrant Latin quarter”;1 this presence however, is now under threat. The E&C was identified as an opportunity area in the London Plan2 (2002) and a regeneration program undertaken by Southwark Council and private developer Lend Lease estimated at a cost of £1.5billion is underway. The plans for the redevelopment of E&C raise a number of questions about the position and influence of Latin American retailers within the new development plans. It is the purpose of this essay to uncover the circumstances under which Latin American retailers re-negotiate their space and place in E&C. My aim is to understand the aspirations of Latin American business owners in the area and, to document and understand their involvement and engagement with the local government, particularly given the urban regeneration scheme planned for the next 15 years. The article focuses on the experiences of Latin American local retailers in the E&C before and during the consultation process for the redevelopment of the area. The research is interdisciplinary and as such it aims to contribute to debates on urban renewal in at least three ways. First, it focuses on the process of urban regeneration as it is happening by emphasizing the process of consultation with local businesses that cater to the specific communities. It captures the position and process of transformation amongst Latin American shops, and their involvement in the consultation process for the E&C. As Lees, Slater and Wyly (2010) have argued most gentrification research has ignored the process as it takes place, the material circumstances and what it means for long standing residents. This leads to my second point: most gentrification and urban regeneration research has focused on residents and housing. Thus, a focus on Latin American businesses provides a novel way of looking at transformations in retail space and offers of the high street and shopping facilities of a particular area – not after gentrification has taken place, but as it is happening. The timing of the research is such that it captures a moment of transition and raises questions about the sustainability and future of small local shops in the E&C. At a personal level, this is important because my first research with Latin Americans in London (at the beginning of 1990s) took me to the E&C when Latin American businesses were starting to settle in the area (the first shop opened in 1992). So revisiting the area under the current context of regeneration allows me to capture a significant moment for Latin American shops, one that will define whether these will survive or not in the E&C. Finally, the research also engages with questions about the role of local governments in aiding processes of gentrification (LEES, 2003).

3 Consultation meetings by Soundings (Consultation company chosen by Lend Lease), Southwark Council meetings, Elephant Amenity Network workshop and Latin American retailers meetings with Southwark Planning and Economic Development Departments.

The research for this article consisted of in-depth interviews with retailers during the summer of 2010, participant ethnographic research in the E&C shopping center and adjacent retail streets where most of the Latin American shops are located (April – July 2010 / September 2011 – July 2012), participation in a diversity of meetings during the consultation process (September 2011 – February 2012),3 and continued direct involvement with retailers in the consultation process that included submitting a response to the borough’s draft planning document (finally adopted in March 2012).

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

86


Claiming a place in the global city: urban regeneration and latin american spaces in London

Patria Velázquez

The article sets the background for urban renewal in London and the policy context under which E&C’s regeneration strategy takes place. This will be achieved by analyzing key documents setting Southwark Council’s vision for E&C (and how its partner developer, Lend Lease, proposes to fulfill this vision), paying particular attention to retail space and business continuity. The main part of the article will focus on the experiences of Latin American retailers in E&C and their concerns about the current regeneration strategy. I argue that even though the council recognizes the presence of Latin American business in the area and the need to make sure that this is not lost as a result of the regeneration of the E&C, Latin American retailers have not been fully consulted and have not received enough commitment and support from the council that will guarantee their future presence in E&C.

THE CONTEXT FOR URBAN REGENERATION The neglect of many urban centers and the redevelopment strategies of the 1980s resulted in the growth of cities as sites of consumption and leisure (ZUKIN, 1998). The role of local government also changed, shifting from the management of social welfare to a new form of entrepreneurialism that promotes urban regeneration in partnership with private capital (HARVEY, 1989). One consequence is that the city appears as an object of consumption and as a place in which to experience a particular lifestyle: Gentrification, cultural innovation, and physical up-grading of the urban environment […] consumer attractions […] and entertainment […] have all become much more prominent facets of strategies of urban regeneration. Above all, the city has to appear as an innovative, exciting, creative, and safe place to live or visit, to play and consume in. (HARVEY, 1989, p. 9).

Many cities are thus marketed and sold as a particular type of consumer product just as place marketing has begun to play a crucial role in the way in which a city promotes itself in terms of its competitive advantage. In this context the city is redefined as a place that is, “packaged and sold as a commodity. Its multiple social and cultural meanings are selectively appropriated and repackaged to create a more attractive place image in which any problems are played down” (WARD, 1998, p. 1). The redevelopment of E&C is consistent with what Harvey (1989, p. 8) called a “new urban entrepreneurialism” that relies “on a public-private partnership focusing on investment and economic development with the speculative construction of place rather than amelioration of conditions within a particular territory as its immediate (though by no means exclusive) political and economic goal.” In this sense, Harvey (1989, 2000) argues that finance and urban entrepreneurialism cannot be separated. This explanation resonates with Neil Smith’s (1979, 1996) “rent gap” theory in gentrification studies. In simple terms this refers to the economic gap between property value and the potential land value. Long periods of disinvestment in inner city areas and the subsequent devaluation of property leads to further reinvestment based on speculative land value rather than the current value

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

87


Claiming a place in the global city: urban regeneration and latin american spaces in London

Patria Velázquez

of the property (SMITH, 1979, 1996). However, it will be limiting to explain processes of urban redevelopment leading to gentrification solely in economic terms, and thus on the production side perspective that for long dominated gentrification studies (LEES; SLATER; WYLY, 2010). The reinvention and aspiration of E&C as the “new thriving quarter of central London” also lends itself to consumer led explanations of gentrification whereby location and lifestyle takes priority. The developments taking place in E&C are sold and packaged to a new resident / consumer in mind: one that can afford the commercial value of flats in the new residential high rise blocks or building complex and to which a particular urban lifestyle in the newly developed inner city appeals to.

4 Refer to Southwark Notes website on the lifestyle sold at E&C whereby promotional material highlights the advantages of its location for accessing nearby places, but not what E&C has to offer: <http:// southwarknotes.wordpress. com/2012/05/14/ metropolis-more-luxurymore-lifestyle-oh-please/>.

As I will discuss, the E&C is not being packaged for tourism, commerce, finance or entertainment; instead it is sold and packaged in terms of its potential land value, given its good transport links and its proximity to centers of tourism, finance, commerce and entertainment. Location is the key aspect to encourage investment in E&C.4 This leads me to another point regarding E&C’s position within London’s other urban centers and its capacity to draw investment and residents and re-built its economic and social reputation (the area has for long suffered high levels of deprivation and crime rates). E&C is simultaneously placed amongst global and local discourses and as such it raises questions about the meaning and scales of locality and local identity. E&C is a deprived inner city area within Southwark, a racially diverse borough of London, a world class city. I argue that the concept of intra-urban competition can be used to understand E&C’s redevelopment strategy. I use intra-urban in two ways – first, to think of E&C in relation to other areas of inner London. Hierarchies based on historical traits, economic stability and social reputation of an area are significant for understanding urban development in a city like London. E&C is competing for its place amongst other London Boroughs, whilst simultaneously embracing global city discourses. The geographical significance of E&C in Southwark’s position within London – a global city – is the main the selling point for investment in the area. London’s other urban centers include location within their competitive mark but they thrive on other assets beyond land: financial, tourist, entertainment or commercial advantage. Second, intra-urban is used here to think about how E&C is made to fit into wider urban discourses of London as a world city. E&C’s location is an asset to the vision of London as a world city with desirable city dwelling near global financial centers and commercial districts. Cities as places are not static and as I will discuss later processes of urbanization and thus transformation are not new to E&C. But the question here is will location be enough to raise E&C’s position within the urban hierarchy of London? A similar critique to inter-urban competitiveness and the global city theory (HARVEY, 1989; ROBINSON, 2004) can be applied here. David Harvey (1989, p.11) argued that inter-urban competitiveness based on large scale projects with the aim of transforming cities and making these more competitive with cities elsewhere has led to the “serial reproduction of science parks, gentrification, world trading centers, cultural and entertainment centers, large scale interior shopping malls […] and the like.” Global or world city approaches (SASSEN, 2001) have been critiqued for establishing hierarchies of cities and for legitimizing a particular type of development for cities elsewhere and, as such, limiting the possibilities

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

88


Claiming a place in the global city: urban regeneration and latin american spaces in London

Patria Velázquez

for imagining urban futures (MASSEY, 2000; ROBINSON, 2006). Thus, globalization “denies any relative autonomy for urban development, undermines the capacity within individual cities to define new possibilities of urban living, and makes it impossible to envision the modification, transgression or disruption of the trajectory of capitalist globalization / urbanization in general” (HARVEY, 2000, p. 43). I argue that in the same way that the global city and inter-urban competiveness have created a hierarchy of cities and a particular way of development for cities elsewhere, intraurban competitiveness in London can hinder alternative futures and ways of imagining inner city living that cater to ordinary citizens. The following sections will set the context for regeneration at E&C and the position of Latin American retailers in the area.

REGENERATION AT ELEPHANT & CASTLE Southwark Council is undertaking a long term program of urban renewal comprising of

5 Southwark council eleven regeneration areas: Camberwell town centre, Elmington regeneration, The Wooddene site, Aylesbury Estate, Bermondsey Spa, Borough, Bankside, London Bridge, Canada Water, Elephant and Castle & the following estates: The Aylesbury Estate / The Brandon Estate / The Elmington Estate / The Hawkstone Estate / The Four Squares Estate / The Abbeyfield Estate. Further information at: <http:// www.southwark.gov.uk/ info/823/regeneration_ projects>.

11 areas,5 with signs of gentrification evident in Bermondsey (KEDDIE, 2009). Southwark is still in the top 25th most deprived areas in England according to the Indices of Deprivation (Department for Communities and Local Government, 2010) but over the last decade it has gone from being ranked in the 14th place in 2000 to 25th in 2010. This is not the first time that E&C has undergone investment and regeneration. The current regeneration projects undertaken at E&C are yet another attempt to boost the area’s reputation and potential. As the leader of Southwark Council said, “Southwark is a borough of immense diversity and untapped potential. Helping to unlock this potential is what Southwark’s regeneration projects, some of the largest and most ambitious in Europe, are all about” (JOHN, 2011, p. 7). E&C was badly affected during the II World War, with buildings fully destroyed, and neglected and abandoned Georgian terraces left behind by previous occupiers. Shortage of housing after the war and a general policy of clearing London of slums paved the way for government investment in public housing for the poor (HANLEY, 2007; POWER, 1993). The E&C underwent the full extent of the 1960s urban experimentation of monolithic public housing estates and changes in traffic infrastructure that left the area with a heavily transited network of roundabouts and streets and a complicated link of pedestrian subways. The new form of urbanism that guided E&C’s development in the 1960s was pioneered by post-war planning for London, whereby the car became central to city planning. In London, Abercrombie’s County of London Plan of 1943 gave birth to a set of principles, which were to colour the development of the post-war years. Arterial and radial motorways were proposed along with reconfigured traffic interchanges that would free the car from the restraints of the traditional city. The Elephant and Castle is one of a limited number of spaces in the city that owes its present form to such visionary efforts. (ALTHORPE, 2008).

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

89


Claiming a place in the global city: urban regeneration and latin american spaces in London

Patria Velázquez

The scale of post-war development in housing and road planning in E&C was such that it is often given as an example of bad planning, and it is often cited for its negative qualities: “Marooned by hurtling traffic on a life-threatening system of roundabouts in Southwark, south London, […]” (HALL, 1992, p. 18); and, The much maligned, “forgotten side of the river”, was once portrayed as, “an accidental and despised cobweb between the horns of the banana of North London”. The confusion of vehicles and bleak spaces illustrates a sharp contrast to the type of city found on the north side of the river. It is a somewhat daunting introduction to a London without tourists, without formal spaces or the recognisable landscape of postcard imagery. Its present form, the product of comprehensive development by the London County Council, was once optimistically heralded as a “Gateway” to the city and as “the Piccadilly Circus of the South.” It was later described as “a major and uncomfortable visible blunder,” “disastrous,” and an example of how not to plan (ALTHORPE, 2008, italics added).

In the current regeneration plans most of these developments are earmarked for demolition. Signs of transformation are evident in the southern roundabout with the closure of its subways and a new lay out and pedestrian crossing in its place. Also, the Council’s agreement with Lend Lease will see the complete demolition of the Heygate Estate by 2015 (to date mostly vacated and boarded up) to give way to a total of 2,500 new homes (mostly private) and approximately 14,000 square meters of retail space in the current site (www. elephantandcastle.org.uk), of which there is no indication of how much of this retail space will be allocated as affordable for existing small local retailers. Once more, buildings are being destroyed to pave way for new developments. But instead of being led by a vision social progress managed by the State, it is real estate speculation and private ownership in the search for global competitiveness what leads this phase of urban regeneration in E&C - similar to what Ute Lehrer and Jennefer Laidley (2008) found with mega projects in Toronto’s waterfront development. The role of the state in encouraging private developers is also evident here (LEES, 2003); Southwark Council is setting the grounds for urban renewal through its legislation and partnerships with private developers, and thus creating the conditions for gentrification to occur in the area. This is evident in the Supplementary Planning Document (SPD) adopted by Southwark Council on 20 March 2012. This process of urban regeneration is likely to have an impact on the social make up of the E&C. The bulk of private accommodation is likely to be beyond the reach of local people. Figures from the Mayoral office, puts affordable housing at a minimum of 50%. This means a new demographic will enter the area with more young residents “grabbing a bigger slice of the billions generated down the road in the city”. […] The introduction of new types of housing and a service industry has led policies of regeneration elsewhere, most notably Docklands. It seems very likely the future Elephant, like Canary Wharf, will not focus, “too exclusively to the aspirations of the existing population”, but rather on an incoming group of mobilised pro-

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

90


Claiming a place in the global city: urban regeneration and latin american spaces in London

Patria Velázquez

fessionals. This is an economically proven success method seen across London. However, such methods risk facing local resentment and may encourage social division. In short, the Elephant may cease to be a local space for South London and become a globalised space in the centre of the city. The scale and ambition of the new developments to be built are more akin to what one would find north of the river: the expectations of a World City on the make. (ALTHORPE, 2008, italics added).

It is also evident from this quote that this time E&C is to compete for a space in the global arena – to emulate the success stories of other London Boroughs. The processes of urban regeneration and intra-urban competition across London Boroughs for a place in the making of the world city obliterate the aspirations of long standing residents and local businesses. It is within this context that the Latin American presence in E&C is at risk.

LATIN AMERICAN PRESENCE IN E&C – 20 YEARS IN THE MAKING With land value in zone one increasing and given its proximity to central London and its strategic location for commerce and businesses the plans for the redevelopment of E&C raise a number of questions about the position and influence of Latin American retailers in the area. The E&C has been at the center of urban renewal plans that will see the area developed into what has been described as the new “thriving quarter of Central London”. The Latin American presence in E&C core area comprises of four clearly identified zones: E&C shopping centre, the Arches in Elephant Road, the Arches in Eagle Yard and Tiendas del Sur in Newington Butts. These shops are not just retailers of Latin American products; they are also part of an entire social network and support system for many Latin Americans living in London (COCK, 2011; ROMÁN-VELÁZQUEZ, 1999). Economically these shops are important because they provide employment and income for many families in London and contribute to the variety of offers in the area. Latin Americans have not only participated in the economy of the area, but over a period of time have transformed it and in the process created a Latin place in London. This presence is important because it contributes to London’s cultural diversity – precisely what makes London a multi-cultural world class city. At the beginning of the 1990s when Latin Americans started investing in the shopping centre there was no guarantee of economic success. Low rent allowed Latin Americans to invest in what was a deprived inner-city shopping centre that had been aesthetically neglected and which had been vacated at the end of the 1980s economic boom. The economic decline provided Latin American entrepreneurs - who would otherwise not have had sufficient economic capital - the possibilities for investment in the E&C shopping centre and surrounding areas. During the 1990s and up to 2012 Latin American businesses flourished and established a clearly identifiable and highly visible Latin American business presence. This investment however is now under threat – E&C is now considered a signifi-

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

91


Claiming a place in the global city: urban regeneration and latin american spaces in London

Patria Velázquez

cant location for investment due to its central location and transportation networks. Thus, Latin American businesses – once located in an economically marginal position within the city - are now at the centre of a regeneration scheme that will see the area incorporated to central London. The plans for the regeneration of E&C are not new and the length of the process has had an impact on the level of involvement of community members and businesses in the area. The protracted development of the regeneration strategy and complexity of the process has led to a certain apathy amongst members of the Latin American business community in the area.

SOUTHWARK COUNCIL’S VISION FOR ELEPHANT & CASTLE

6 See Lend Lease (2011), and Southwark Council (2011).

7 The London Plan is the document that sets the vision for urban development in London. It is the guiding document that all London Boroughs should adhere to when developing their local planning documents.

The current regeneration strategy could be traced back to 1999 with Southwark Council’s call to developers for proposals to regenerate the area. This led to the establishment of Southwark Land Regeneration Partnership (SLR) which was led by the private sector but in partnership with the council. Even though this initiative collapsed in 2002 it contributed to the council’s vision for the area and the development of a core strategic vision that underpins the current development plans.6 The year 2002 marked the beginnings of a new context for urban development in London, with the publication of the London Plan.7 Southwark Council’s regeneration strategy would fit into a wider vision for London, and this is significant given the geographical proximity of the area to the financial, tourist and commercial districts of south central London. This is how Southwark Council described the Borough: “Southwark has changed significantly over the last decade. As part of central London, it has been able to harness the dramatic growth of the London economy in order to regenerate areas of the borough, and generate significant improvements for local communities and businesses” (LBS, 2010, p. 4). Their vision for E&C is to create “[…] a brand new town centre and thriving urban quarter in the heart of central London over the next fifteen years” (SOUTHWARK COUNCIL, 2010). E&C is geographically located within central London, but these statements confirm the general perception of E&C as a marginal location, not geographically but symbolically. This is consistent with Suzanne Hall’s (2011) study of retailers in Walworth Road (in E&C) in which she distinguished […] between an urban location that is marginal – either on the edge of the city, or lacking in some way and therefore regarded as minor – from one located in the urban margins of the city, in a space that may be physically near to the centre but perceptually distant from it. (HALL, 2011, p. 2572).

Thus, the vision and discourse for the regeneration would place E&C not just in the heart of Southwark but within central London. The vision for E&C is mostly captured in the following documents: London Plan (GLA 2002, 2004, 2011), Development Framework for the E&C (2004), Supplementary Planning

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

92


Claiming a place in the global city: urban regeneration and latin american spaces in London

Patria Velázquez

Guidance (February 2004), Supplementary Planning Document (November 2011) – but as mentioned earlier this vision started with Southwark council in 1999. From these documents I will highlight two issues that are relevant for Latin American businesses: The designation of E&C as an “opportunity area”8 and the envisaged demolition of the shopping centre. The first could have considerable impact upon the future of Latin American businesses and the second generated a lot of confusion and anxiety amongst retailers in the shopping centre. 8 The London Plan (2011) defines an “opportunity area” as: “[…] the capital’s major reservoir of brownfield land with significant capacity to accommodate new housing, commercial and other development linked to existing or potential improvements to public transport accessibility. Typically they can accommodate at least 5,000 jobs or 2,500 new homes or a combination of the two, along with other supporting facilities and infrastructure” (GLA, 2011, p. 60-61).

9 As part of my ongoing research with Latin American retailers in the area I prepared and submitted a response to Southwark Council’s Supplementary Planning Document (SPD). The response was endorsed by Latin American business retailers, Latin American community organizations and local resident groups in the area.

10 The guidance for this vision “Development Framework” was published in February 2004. Southwark Council adopted the Supplementary Planning Guidance in its executive meeting held on 19th February 2004, which has now been superseded by Supplementary Planning Document (SPD) adopted in March 2012

The E&C was identified as an “Opportunity Area” within the London Plan and it has been listed as a preferred location for commercial growth in Southwark’s core economic strategy: The Elephant and Castle Opportunity area – forms part of the CAZ [central activities zone] and the area has potential for redevelopment into an attractive central London destination. The vision for the area includes stimulating 440,000sqm of new development with up to 45,000sqm of new shopping and leisure floor space and 25,000 to 30,000sqm of business floor space with the creation of 5,000 new jobs. Public transport will become more accessible through a programme of planned improvements in conjunction with Transport for London and Network Rail. Moreover, London South Bank University and London University of the Arts will develop further as important centres of learning and innovation (LBS, 2010, p. 19).

This means investment, which is crucial to the area, but also a coordinated strategy that will see various government departments (transport, planning, business, etc) working in partnerships to achieve the vision for E&C. The vision for E&C was first drafted in the Supplementary Planning Guidance (SPG) adopted by the Council in 2004 and the publication of the Development Framework for E&C (SOUTHWARK COUNCIL, 2004); culminating in the Supplementary Planning Document (SPD) published in November 2011,9 currently open for consultation before it is submitted for approval in the spring 2012.10 This document sets the guidelines for developers intending to invest and construct in the area, and it is the clearest indication of how the government sets the agenda for developers. It is also indicative of the relationship between local government and private investors. The plan for the demolition of the shopping centre was officially published in the Development Framework for the E&C in 2004 – (supported in the Supplementary Planning Guidance adopted by Southwark Council in its Executive meeting on 19 February 2004) and this was a significant announcement and an issue of concern for Latin American businesses who saw their future in the area at risk. The demolition of the shopping centre was due in 2010, with shops leaving the centre (either voluntarily, by not renewing the lease or by compulsory purchase order) between June 2008 and December 2009.11 The demolition of the shopping centre in early 2010 would have given way to more green spaces and a new open market as well as a new retail space. There have been various forecasts for the demolition of the shopping centre – first for 2010 (it is still there),12 then 2014 - and in 2011 (BBC NEWS LONDON, 2011) the announcement of its re-development (it will be rebuilt rather than demolished) was finally announced by Southwark Council as

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

93


Claiming a place in the global city: urban regeneration and latin american spaces in London

11 Elephant & Castle Regeneration, Indicative Programme, 27 September 2005, Published by Southwark Council and Produced by Hornagold & Hills Management Consultants (downloaded 10 May 2006). 12 As in note 12 and in ‘The thriving quarter of central London’, 2006, Southwark Council, E&C regeneration team. 13 As announced in Overview and Scrutiny Subcommittee, Southwark Council, 2 Dec. 2013. 14 See Appendix A of Item 1 – Southwark Council meeting October 2005: Generic Professional Legal and Survey Advice for Existing Small Businesses at the Elephant & Castle Shopping Centre, London SE1. Conducted by Business Extra October 2005 and funded by Elephant Links - the regeneration partnership of the London Development Agency and Southwark Council. Also, Southwark Council minutes 27 September 2006 (Item 1) - Meeting Name: Regeneration & Resources Scrutiny Sub-Committee. Report Title: Business continuity at Elephant & Castle; Southwark Council minutes 28 November 2006 (Item 14) – Report title: Reference to Executive: Business Continuity at the Elephant & Castle. Business continuity was again an issue on the agenda for meetings in 2008 & 2010. 15 See Oakmayne http:// www.oakmayneproperties. com 16 Southwark Council E&C Regeneration Team (2006). 17 The economic crisis saw a period of stagnation. A new agreement was signed in 2010 - with a consultation period in 2011. (Meeting with Fiona Parry of Lend Lease, 9 September 2011). 18 Lend Lease site: http:// www.lendlease.com/ Group/Lend-Lease/EMEA/ United%20Kingdom/Home. aspx

Patria Velázquez

part of the agreement with St. Modwen (the owners of the shopping centre). The latest development in the E&C shopping centre has been its sale to developers Delancey & APG on 29 November 2013.13 Business continuity has been a concern from the start of the regeneration process. This has been evident in the number of times in which this has been discussed in council meetings and in an independent study conducted by Business Extra in 2005.14 The study identified four main concerns amongst traders in the E&C shopping centre: the sustainability of businesses until the demolition of the centre, the position if they decide to exit early, whether they will be entitled to any compensation and their ability to return to the centre after the redevelopment. What remains uncertain is whether the Latin American retailers will have a place or can afford to pay the rent value in the newly developed retail space.

SOUTHWARK’S PARTNERS IN THE REGENERATION OF E&C: THE DEVELOPERS The stakeholders in the current regeneration plans for E&C are Southwark council (planning department), Major of London’s Office (London Development Agency), Oakmayne Property15 (private residential developers), Lend Lease (mixed use private developer), St. Modwen (owners of the shopping centre), residents, businesses, community organisations. The process of urban regeneration for E&C has been going on since 1999, with various stagnant phases throughout but the publication in 2004 of a framework for the development of E&C marked the beginnings of what will be the regeneration of the area.16 It was not until 2007 that Southwark Council signed an agreement with Lend Lease the private developer in charge of the regeneration plans for the Heygate Estate and other key locations around the E&C shopping centre.17 Lend Lease’s18 bid was formed of a consortium with Oakmayne19 and First Base.20 Signs of transformation are evident nearer to the shopping centre (e.g. Strata Tower; Primeworks, Amelia Street; South Central; O-Central, Crampton Street).21 The situation with the shopping centre has been more uncertain because St Modwen and Salhia KPI (owners between 2002 and November 2013) were in dispute with Southwark Council over the plans for the centre. However, with the recent sale to Delancey plans for the consultation and regeneration of the E&C shopping centre are set to take place in early January 2014. The lack of progress in negotiations between St Modwen and Southwark council seem to be more political. In the final stages of selecting a partner for the development of E&C the Council received two bids one from Key Property Investments (KPI) Limited (a joint venture between St Modwen and Salhia) and Lend Lease (in collaboration with Oakmayne and First Base).22 St Modwen was one of the bidders that participated in the final stages of selecting a partner for the development of E&C and lost to Lend Lease. Both companies competed for the bid to become a partner in the redevelopment of E&C. Competing demands in urban regeneration programs are at play here, but one in which

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

94


Claiming a place in the global city: urban regeneration and latin american spaces in London

19 Projects by Oakmayne: Telephone Exchange, Walworth SE17 (completed 2002); South Central East, Steedman St SE17, E&C (completed 2005); O-Central, Crampton St. SE17 (completed 2007); Oakmayne Plaza, Elephant Road SE17 (under construction); Eileen House, Newington Causeway SE17 (planning permission refused October 2011 by Southwark Council’s Planning Committee, yet to be responded by the Council - against ministry of sound). Details of Ministry of Sound application: Morrison (2011). 20 Projects by First Base: Printworks at Amelia Street, Southwark SE17 3BY (completed); 360 Tower Elephant and Castle SE11 4QU (in process). 21 See Southwark Council (2012). 22 Overview & Scrutiny Committee meeting 9 July 2007, Elephant and Castle: update briefing on the commercial partner selection process. 23 ELG Liaison Group meeting, 15 September 2011, London.

Patria Velázquez

the cooperation of St Modwen is seen as crucial to the image and vision of the area. There is a vested interest by the Council and Lend Lease – the general perception is that economic success of the vision and regeneration of the E&C will depend on bringing St Modwen into the negotiating table.

IDENTITY OF E&C: INSIDE OUT VIEWS (THE MAKING OF E&C AS A DESTINATION) The shopping centre is considered the gateway to the area.23 Amongst developers and the council the general perception of E&C shopping centre is one of a “no-place” a “gothrough” area, not a destination. Below are some of the descriptions provided by the developers: First Base: “the E&C will again become a prestigious and attractive destination in central London”. Oakmayne & Southwark Council: “We want to return the heart to E&C – to create a place where people travel to, not through” Lend lease – Has also described the area as a “go through” area - a ‘no place’ (notes from ELG meeting 2, 15 September 2011). Robert Deck (2011, p. 48), Lend Lease Project Director for E&C, explained that they are trying to create a “welcoming and inviting place, where people want to spend time and not just a place they hurry through to be somewhere else. That has been one of the main challenges of the E&C as a place, it has been a transport interchange; it’s not really a place that people want to spend time”. This is partly due to the fact that E&C is a transport hub (the shopping centre is a station to one of Britain’s train operators (First Capital Connect), bus routes that link south and north London operate from the main roundabouts, and it has an underground station with two lines (Bakerloo and Northern Line). For developers E&C is not a destination but a go through area. For many Latin Americans the E&C is the place where they have invested economically and emotionally. There is a sense of attachment, a sense of ownership in the transformation of E&C into a “thriving Latin Quarter”. Take for example the intervention of Carlos Burgos of the Latin American UK Forum and Pedro Achata Trust (an organization promoting sustainable businesses) who represented Latin American Businesses in one of the consultation meetings: In reply to the question Is E&C a place? For a diversity of communities and for the Latin Americans in particular the E&C is a place. For Latin Americans it is a destination, not a passing through route. (BURGOS, notes from ELG meeting 15 September 2011). Some local residents agreed that the E&C shopping centre is not the heart or soul to the area, and that the general perception is that of a “white elephant”. Some residents feel that for long E&C has been associated with violence and crime and that this image hindered development and investment in the area. Even though they acknowledged that the dominant image of E&C is one of high levels of crime and violence predominantly

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

95


Claiming a place in the global city: urban regeneration and latin american spaces in London

Patria Velázquez

associated with the Heygate Estate, they also highlighted the assets, diversity and sense of community that exist. Some residents also believed that there is a persistent “talking down of the area” and “sense of under appreciation” of the diversity of groups that have made of E&C their living quarter and that such diversity should be taken as an appeal not a deterrent to investment in the area. Residents also believe in supporting the diversity of ethnic businesses that cater to the local population (notes from ELG 2, 15 September 2011). The idea of place as a destination keeps cropping up amongst developers and place making initiatives, whereby the image of the place under consideration is represented as a point in route to somewhere else, a passing through site where people don’t want to remain or spend time in, and more so as a “no place”. The continued demand from developers and government officials alike to re-invent a place as a destination ignores the fact that for many of its ordinary citizens this very same place is already a destination, a place where people not only spend time in, but on which their livelihoods unravel; a place where the significance of roots and routes is very much alive. This is consonant to Zukin’s (2009, p. 218) observation that “the continued urge to build a ‘destination culture’ destroys city dwellers” ability to put down roots – and fails to restore the city’s soul”. Thus, Latin Americans’ claims over the right to set roots in place are as important as the very routes that made possible their move to London and the possibilities of a continued redefinition of their roots.

WHAT THE FUTURE HOLDS: UNCERTAINTY OVER THE PROCESS In addressing the level of involvement of Latin Americans in the urban regeneration plans for E&C I took as my starting point the government’s initiative24 on urban regeneration and how to improve local communities by including ethnic minority groups in the transformation of places. What became evident throughout the research process was that the role of the State oscillates between private capital and residents in as much as it depends on investors to fulfil part of the functions that it can no longer afford and on the votes of its residents to maintain political power (ZUKIN, 2009). Thus, the participation of Latin American retailers in the regeneration process and the relative gains or losses throughout this process relies precisely on the oscillating role of the state in regeneration initiatives. The consultation process led by Soundings (for Lend Lease) did not include the shopping centre, as it was owned by St. Modwen. There are various phases of the development to be undertaken by Lend Lease, but one of the areas for development the Heygate Estate borders Elephant Road where many Latin American Businesses are located - in the arches of the railway line that stretches across London. In the consultation process Latin American businesses in the area have been represented in the meetings by Latin American Forum UK and Pedro Achata Trust – however, what became evident form my attendance to the consultation meetings, visits and talks with retailers during this time (September 2011 to Feb 2012 - ongoing) was that there was little

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

96


Claiming a place in the global city: urban regeneration and latin american spaces in London

24 Transforming places, changing lives a framework for regeneration (July, 2008) and Communities in control, real people, real power (July 2008), both published by Communities & Local Government Office.

Patria Velázquez

knowledge of this consultation process and that both organizations had not consulted the businesses prior to the meeting. The information received by retailers has been fragmented and not necessarily from official sources, to the point that it is dismissed as mere rumors. The lack of follow up about the process was also mentioned as a shortcoming of the process. Retailers commented that on various occasions they have been asked to complete questionnaires, but the process seems to end there. Filling in questionnaires does not amount to participating in the consultation process; it is yet another accountability exercise by the institutions involved. This is consonant to what one local organization declared: Despite claims that the Elephant and Castle development has been accompanied by continuous consultation, communication and engagement, over and above the requirements of the statutory planning process, the local community continues to feel excluded from the process. What is needed is a coherent set of principles for collaborative planning at the Elephant and Castle, so that local residents can work closely with Council and developer on the master-plan and the SPD. We look to the Scrutiny sub-committee to assist in moving this forward and in so doing put down a marker for neighborhood planning in Southwark. (ELEPHANT AMENITY NETWORK, 2011). The credibility of the information received by retailers has been put into doubt and involvement in the consultation process queried, so there is a need for a constant link between retailers, the council and developers. This will be crucial to guarantee business involvement in the delivery and phasing of the development for the area. Shop owners are confused about what is happening to the shopping centre and anxious about their future. The process has taken too long – the initial stages were marked by involvement and active participation of the retailers but as time went on “nothing seemed to happen” and apathy and lack of engagement took over. This is something that the current developers are aware of. For example, a representative of Lend Lease commented that the problem with businesses in the area was that talks about regeneration have taken too long with very little results.25 This is also evident in the responses received form retailers when asked about their involvement in the process. Lucy Villamizar, from Lucy’s Hairdressing who has been nearly 20 years at the E&C shopping centre commented: We had meetings, but I don’t go to these anymore, there were horrible rows, horrible, people were fighting because they wanted to relocate. […] I recall this was about five years ago, we used to go every month or every two months to these meetings with the Council – that the Council said this, that the Council did not want this. In the end the Council got tired of us and disappeared. They argued too much and the Council was not giving us what we wanted […] (personal interview, 9 June 2010)

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

97


Claiming a place in the global city: urban regeneration and latin american spaces in London

Patria Velázquez

Claudia Renault of Nicole’s Fashion, another retailer at the E&C shopping centre commented: 25 ELG Liasion Group, 15 September 2011.

A few years ago, about three years ago, we used to receive a lot of phone calls, […] but not anymore. Everyone knows that E&C is going to be demolished and the people know that they have to leave because the lease of all businesses here have ended and now they give us contracts with so many clauses indicating that when the shopping centre is demolished, everything goes, that is very clear (personal interview, 14 July 2010).

At the beginning of the process retailers participated and engaged in discussions with the council not just about their future, but about receiving support from the council – either through compensation or relocation. But this has given way to feelings of resignation about the process, that there is little they could do to change anything. The owners of the shopping centre have imposed stricter conditions and reduced the term of the lease for retailers.26 (This was also present in the report prepared by Business Extra). On this issue Claudia of Nicole Fashion commented: Initially I had a five year lease and I am not even sure for how long it has been renewed, what I know is that there is no problem if I want to go before it ends, I can just hand-in the lease and go. But no, there is no compensation; they are not offering anything, absolutely nothing. The doors of the shopping centre are open for when you want to go, you can leave. We are small businesses and there is absolutely nothing we can do. This was bought by a private multinational, they want to put big national shops. They said to us, we have never said that you can’t stay here, if you want you can stay, but who is going to stay here once they renovate the E&C, the retail units are going to be too expensive. We will need to find another place that we could afford (personal interview, 14 July 2010).

26 Confirmed by St. Modwen Representative at the Forum meeting, 8 November 2011.

The situation is such that leases are restricted to three years and those new businesses see it as a short term investment opportunity, whilst those that have been in the shopping centre since the beginning of the 1990s prefer to remain in case they can claim compensation for relocation. Lucy of Lucy’s Hairdressers, one of the oldest retailers, has decided to remain until the end in case there is some compensation, though she is uncertain of whether this would be the case and expects this to be minimal. When her 15 year lease finished in 2007 she signed a five year lease that is due to end in 2012.27 She commented, […] but what happens is that here are some who, like me, are protected by the lease […] but others are completely unprotected by a lease or even by the prospect of receiving a compensation. […] They had a small lease and these are not renewable, my original contract had a clause that after 15 years it could be renewed. Their lease is not renewable, so once their already short lease finishes they tend to have a roll on contract or another one or two year lease (personal interview, 9 June 2010).

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

98


Claiming a place in the global city: urban regeneration and latin american spaces in London

Patria Velázquez

She suggested that this was a strategy from St Modwen to avoid paying any compensation, and this was confirmed by a representative of St Modwen in a consultation meeting with stakeholders in the E&C.28 Basically, once the lease expires most businesses have been granted short term lease or rolling contracts, but the contracts have been changed so that St. Modwen is under no obligation to renew the lease.

27 The original contract had a clause that it could be renewed – this has been eliminated in subsequent contracts

The situation in the shopping centre is more uncertain than what is underway in the surrounding area. This is so because there are different owners with different aspirations. For example, those businesses in the railway arches are certain that the arches will not go – because it is part of a railway system that is unlikely to disappear. This however, is not so clear from the draft Master Plan prepared by Lend Lease, where some of the arches will be opened up to encourage flow and movement across the front and back of the shopping center. However, it is here where most changes have taken place, and to which I now turn.

2 8 - S t . M o d w e n representative, Community Forum, 8 December 2011

THE MAKINGS OF A LATIN QUARTER: A BUSINESS COMMUNITY IN TRANSITION The changes taking place in the Latin shops located below the railway arches (Eagle Yard) next to the Strata Tower29 might reveal some of the negotiation process that took place and that it is taking place in the area. It also highlights how retailers are taking advantage of the oscillating role of the state in the regeneration process. When the construction of Strata was underway access to the Arkos was either limited or blocked altogether. Latin businesses were in economic decline and lack of access to the shops contributed to the perception of a sordid and dangerous area. Lina Maria Usma, the Latin American community link officer at Community Action Southwark (CAS), commented: Well, with the Arches, […] when they decided to build the Strata Tower, they started to complain about the Arches. It was rather ugly and unpleasant, and they blamed Latin Americans for that. Fortunately, the day that I was touring the area [with representatives from the council and developers] Latin business owners were in a meeting – they were worried about the construction and the deterioration of the area and the fact that they were losing clients. […] We could prove that the community wanted to improve the area, but they did not know how to do it. From that moment onwards we consolidated a group of business owners, three representatives from the developers and two from the council. They all realized that it was in their interest to improve the area. So the retailers said we do not want to leave the area because we have been here a long time and our families depend upon our businesses; the council said we don’t we are not interested in you leaving, all we want is that you help us improve the area; and Strata said if I am building here I need the area in a good state (personal interview, 14 July 2010).

As a result of this encounter and further meetings the council compromised with creating a cleaner and safer neighborhood by planting trees, placing and collecting trade bins and

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático

99


Claiming a place in the global city: urban regeneration and latin american spaces in London

Patria Velázquez

improving street lighting; whilst Strata promised to pave the area once the construction finished – which has been done. Luis Naranjo, of Corporación Naranjo, commented: I recall, few years ago most of these businesses were about to disappear, we did not have any budget and the streets were in a very bad state, there was no lighting, and gangs started congregating around here. This was in conflict to what our neighbors wanted, so they started complaining about us, but […] we had to defend ourselves […] and we realized that we were in a position to have a dialogue, and to comply with their requirements. So our unity as businesses helped us move forward. They have asked us to improve our offices; they have asked us to change a few things: that we install security cameras, fire alarms, security alarms; there are certain requirements that all businesses in the UK have to fulfill. And as you can see on the outside too, the street is better organized, we have better lighting, parking, we have a designated space where we can put our rubbish bins, we are trying to help with recycling; and yes, we are doing things that will guarantee our sustainability as businesses here (personal interview, 17 May 2010).

29 The new signature building that stands out in the area because of its height and architecture. This skyscraper is now visible from various central locations across London.

The transformations of shops in the railway arches in Eagle Yard and in Elephant Road – are not only physical – this is also about a business community in transition: from informal to more formal ways of conducting everyday businesses and a more legal and formalized approach to setting up businesses. What we can see here is the transition from informal to formal transnational economic networks: From a close business community in a deprived inner city area to a vibrant Latin Quarter in Central London – a world class city. Also evident here is a transition in self definition - from mono-Latin identity to a “British-Latino” identity - that locates itself amongst the multiple layers that make up London – but one that it is still very much embedded in power structures that will demand constant re-negotiation.

CONCLUSION Latin Americans have contributed to the diversity of the E&C by developing a distinctive Latin Quarter, and their aspirations are to continue improving the quality of businesses and for this they are aware that they need to raise their profile and level of participation in the regeneration process. They also have aspirations for E&C – aspirations for a better place, but one that they can afford and a place where they can remain – not pushed out; a place where the individuality and local identity of the area is not compromised. Investment in the area is welcomed by all, but the aspirations for the E&C are rooted in different agendas. For Lend Lease it as an economic development in partnership with the council and despite their stated commitment to community engagement this is a business venture and one that requires a return on investment. For Latin American entrepreneurs who have successfully created a business niche in E&C their aspirations are also about economic success, but less visible is the emotional investment undertaken by Latin Americans in the transformation of the E&C when there was little hope of becoming an “opportunity area” in London. Aspirations for a better place are high on everyone’s agenda, but these

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 100


Claiming a place in the global city: urban regeneration and latin american spaces in London

Patria Velázquez

are tempered by anxieties about whether Latin Americans will be able to afford a place in the newly redeveloped Elephant. What happens in E&C is consonant to what Zukin (2009, p. 165) found in the Red Hook area of Brooklyn, NY where two forms of global commerce compete for their place in the city. These two forms of global commerce are different in terms of scales and power: “on one side, a small number of immigrants who are likely to be targeted, arrested, and deported by national security agencies and harassed by local cops; on the other, a transnational chain that is courted by local officials and developers and treated with respect by national states.” The adaptations and changes of the Latin American shops in the E&C and their claim to set roots in the city need to be understood in relation to the demands, negotiations and power structures that will shape their future in the area. But as Zukin (2009) rightly points out, whether these two forms of global commerce could coexist remains to be seen. The future of Latin American shops in the E&C is uncertain. “Now … Here”30… Tomorrow … Where?

REFERENCES

ALTHORPE, M. The car and the elephant: the story of reconstruction at the Elephant and Castle. 2008. Available <http://thecarandtheelephant.com/chapter/ introduction#reference-7>. Access: 1 Mar. 2012. BBC NEWS LONDON. Elephant and Castle shopping centre to be redeveloped. 17 May 2011. Available:< http://www.bbc.co.uk/news/uk-england-london-13427253>. Access: 18 May 2011. COCK, J. C. Latin American Commercial spaces and the formation of ethnic publics in London: the case of Elephant and Castle. In: MCILWAINE, C. (Ed.). Cross-boarder migration among Latin Americans: European perspectives and beyond. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2011. P. 175-96. DECK, R. Heyday for Heygate. Southwark (issue 8), London: Southwark Council Publication, p. 48-49. 2011. DEPARTMENT FOR COMMUNITIES AND LOCAL GOVERNMENT. English indices of deprivation, 2010. Available < https://www.gov.uk/government/publications/english-indicesof-deprivation-2010 >. Access: 1 Dec. 2011. ELEPHANT AMENITY NETWORK – EAN. Intervention at Regeneration and Leisure Scrutiny Subcommittee. Southwark Council, 13 May 2011. ELELPHANTANDCASTLE.ORG.UK: Available: <http://www.elephantandcastle.org.uk/pages/news_events/247/detailed_planning_application_submitted_for_360_new_homes_ on_the_heygate_estate.html>. Access: May 2013

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 101


Claiming a place in the global city: urban regeneration and latin american spaces in London

30 Graffiti at the top of the boarded up Heygate Estate, visible from a distance and from the mainline train into the E&C.

Patria Velázquez

FIRST BASE. The E&C will again become a prestigious and attractive destination in central London. Available: http://www.firstbase.com/pj_elephantcastle.htwml. Access: 1 Dec. 2011. HALL, M. M. A nation of shoppers. Observer Magazine, London, 13 Dec. p 16-29, 1992. HALL, S. M. High street adaptations: ethnicity, independent retail practices, and Localism in London’s urban margins. Environment & Planning A, London, n. 43, p. 2571-2588, 2011. HANLEY, L. Estates: an intimate history. London: Granta Books, 2007. HARVEY, D. From Managerialism to entrepreneurialism: the transformation in urban governance in late capitalism. Geografiska Annaler. Series B, Human Geography, Stockholm, v. 71, n.1, p. 3-17. 1989. ______. Possible Urban Worlds, Megacities Lecture 4, Netherlands, 2000. Available: <http://www.megacities.nl/>. Access: 13 Sep. 2010. JOHN, P. Unlocking Southwark’s potential: Leader of Southwark Council’s Statemen. Southwark, London, n. 8, p.7, 2011. KEDDIE, J. Spatiality in gentrifying London: The case of Bermondsey. In: Cities LAB: researching the spatial and social life of the city, 2009. p. 34-47. v. 1. Available: <http:// www.lse.ac.uk/LSECities/citiesProgramme/pdf/citiesLAB/citiesLAB1_keddie.pdf> . Access: 24 Jan. 2012. LEND LEASE. A short history of the development programme. Available: <http:// www.elephantandcastle.org.uk/pages/regeneration_change/38/elephant_castle.html>. Access: 5 Oct. 2011. LEES, L. Super-gentrification: the case of Brooklyn Heights. Urban Studies, New York City, v. 40, n. 12, p. 2487-2509, 2003. LEES, L.; SLATTER, T.; WYLY, E. The gentrification reader. London: Routledge. 2010. LEHRER, U.; LAIDLEY, J. Old Mega-Projects Newly Packaged? Waterfront Redevelopment in Toronto. International Journal of Urban and Regional Research, London, v. 32, n. 4, p.786–803, Dec. 2008. Available:<DOI:10.1111/j.1468-2427.2008.00830.x>. Access: 13 Sep. 2010. LONDON BOROUGH OF SOUTHWARK – LBS. Southwark Economic Development Strategy 2010-2016. 2010. Available: <http://moderngov.southwarksites.com/mgConvert2PDF.aspx?ID=14153 > Access: 13 Sep. 2010. LONDON (City Hall). Greater London Authority – Gla. The London Plan. London: City Hall, 2002. (www.london.gov.uk).

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 102


Claiming a place in the global city: urban regeneration and latin american spaces in London

Patria Velázquez

______.. The London Plan. London: City Hall, 2004. (www.london.gov.uk). ______.. The London Plan. London: City Hall, 2011. (www.london.gov.uk). MASSEY, D. Imagining globalisation: power geometries of time-space. In: BRAH, A.; HICKMAN, M. J.; GHAILL, M. M. (Ed.) Global futures: migration, environment and globalization, Basingstoke: Macmillan, 2000. p. 27-44. MORRISON, D. (Ed.). Ministry of Sound wins battle to stop Elephant and Castle resi development. 12 October 2011; < http://www.propertyweek.com/news/ministryof-sound-wins-battle-to-stop-elephant-and-castle-resi-development/5026033.article >. Access: 1 Dec. 2011. OAKMAYNEPROPERTIES.COM. We want to return the heart to E&C – to create a place where people travel to, not through. Available: <http://www.oakmayneproperties. com/>. Access: 1 Dec. 2011. POWER, A. Hovels of high rise state housing in Europe since 1850. London: Routledge, 1993. ROBINSON, J. A world of cities. The British Journal of Sociology, London, v. 5, n. 4, p. 569-574, 2004. ______. Ordinary cities: beyond modernity and development. London & NY: Routledge, 2006. ROMAN-VELAZQUEZ, P. The making of Latin London. Salsa music, place and identity. London: Ashgate, 1999. SASSEN, S. The global city: New York, London, Tokyo. Princeton & Oxford: Princeton UP, 2001. SMITH, N. Toward a theory of gentrification: a back to the city movement by capital, not people. Journal of the American Planning Association, Washington, v. 45, n. 4, p. 538-548, 1979. ______. The new urban frontier: gentrification and the revanchist city. London: Routledge, 1996. SOUTHWARK COUNCIL. A timeline for regeneration (London Borough Southwark). Available: <http://www.southwark.gov.uk/info/200183/elephant_and_castle/2044/timeline_for_regeneration >. Access: 24 Nov. 2011. ______. Development Framework: Outlining ambitious plans for the regeneration of the Elephant & Castle. 2004. Available: < http://pt.scribd.com/doc/82420796/SouthwarkCouncil-2004-Development-Framework>. Access: 22 Feb. 2012. ______. Historic transformation of the Elephant and Castle gets the green light. News release, 7 July 2010. Available: <http://www.southwark.gov.uk/press/article/114/

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 103


Claiming a place in the global city: urban regeneration and latin american spaces in London

Patria Velázquez

historic_transformation_of_the_elephant_and_castle_gets_the_green_light>. Access: 22 Feb. 2012. ______. Private development schemes. 2012. Available: <http://www.southwark.gov. uk/info/200183/elephant_and_castle/2049/private_development_schemes>. Access: 23 Feb. 2012. ______. The Thriving Quarter of Central London. 2006. Available: <www.elephantandcastle.org.uk> Access: 13 Sep. 2010. SOUTHWARKNOTES.WORDPRESS.COM. Metropolis: More Luxury, More Lifestyle! Oh Please!. 14 May 2012. Available at: < http://southwarknotes.wordpress.com/2012/05/14/ metropolis-more-luxury-more-lifestyle-oh-please/>. Accessed: 13 Sep. 2010. WARD, S. V. Selling places: the marketing and the promotion of towns and cities 18502000, London & NY: Routledge, 1998. ZUKIN, S. Urban Lifestyles: Diversity and Standardisation in Spaces of Consumption. Urban Studies, New York City, v. 35, n. 5-6, p. 825–839, Mayo 1998. ZUKIN, S. Naked city: the death and life of authentic urban places, Oxford: Oxford UP, 2009.

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 104


PORTO MARAVILHA: UMA PROPOSTA DE REINVENÇÃO DO CENTRO DO RIO PELA ÓTICA DA REQUALIFICAÇÃO DO ESPAÇO URBANO PORTO MARAVILHA: UNA PROPUESTA DE REINVENCIÓN DEL CENTRO DE RÍO POR LA ÓPTICA DE LA RECUALIFICACIÓN DEL ESPACIO URBANO PORTO MARAVILHA: A PROPOSAL TO REINVENT DOWNTOWN OF RIO BY THE REQUALIFICATION VIEW OF THE URBAN SPACE

Maria Helena Carmo dos SANTOS Doutoranda em Comunicação pela UERJ, mestre em Comunicação e Cultura pela ECO-UFRJ, graduação em Relações Públicas pela UERJ e em Letras pela UFRJ. Coordenadora e professora do curso de Relações Públicas das Faculdades Integradas Hélio Alonso. E-mail: mhcarmo@yahoo.com.br

Ricardo BENEVIDES Doutor em Letras pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Letras e graduação em Relações Públicas pela mesma instituição. Professor adjunto e chefe do Departamento de Relações Públicas da Faculdade de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCS-Uerj), onde também é coordenador do departamento do curso de Relações Públicas bem como coordenador da pós-graduação em Pesquisa de Mercado e de Opinião Pública. Também é professor do curso de Relações Públicas das Faculdades Integradas Hélio Alonso. E-mail: dribene@uol.com.br

Revista Eptic Online Vol.16 n.1 p.105-119 jan.-abr. 2014 Recebido em 01/10/2013 aprovado em 30/11/2013


Porto Maravilha : uma proposta de reinvenção...

Maria Helena dos Santos; Ricardo Benevides

RESUMO Este artigo analisa a discussão que se estabelece em torno da revitalização da zona portuária do Rio de Janeiro em dois momentos: a construção do porto à época da Reforma Pereira Passos e o Projeto Porto Maravilha, tendo o segundo como destaque do presente artigo. Para isso, por meio da cobertura midiática e de publicidade (Jornal O Globo) e institucional (do próprio projeto), pretende-se 1) conhecer o processo de construção do imaginário do Centro do Rio de Janeiro; 2) estudar como essas ordenações do espaço urbano influenciaram/estão influenciando a representação da cidade do Rio de Janeiro e os impactos na sua imagem; e 3) esquematizar como os textos jornalísticos e publicitários criam/recriam um olhar em relação ao Projeto Porto Maravilha.

Palavras-chave Porto Maravilha. Reinvenção. Espaço urbano. Cidade. Financeirização.

RESUMEN En este artículo se analiza el debate que tiene lugar en torno a la revitalización del puerto de Río de Janeiro en dos etapas: la construcción del puerto en el momento de la Reforma Pereira Passos y el Proyecto Porto Maravilha, el segundo como un punto culminante de este artículo. Para ello, a través de los medios de comunicación y publicidad (O Globo) e institucional (del proyecto), se pretende: 1) conocer el proceso de construcción del imaginario del centro de Río de Janeiro: 2) estudiar cómo este tipo de planificación urbana influencia/está influenciando en la representación de la ciudad de Río de Janeiro y el impacto en su imagen; y 3) estabelecer cómo el periodismo y la publicidad crean/ recrean una mirada sobre el proyecto Porto Maravilha. Palabras clave Porto Maravilha. reinvención. espacio urbano. ciudad. financiarización.

ABSTRACT This article analyzes the discussion that takes place on the revitalization of Rio de Janeiro port in two moments: the construction of the port at the time of Pereira Passos Reform and Porto Maravilha Project, the latter as the highlight of this article. To do so, by analysing the media coverage and the advertisement (newspaper O Globo) and the corporate narrative of the project, the article aims to 1) know the process of the imaginary construction of downtown Rio de Janeiro; 2) study how these urban orders influenced/have been influencing the representation of the of Rio de Janeiro city and the impact on its image; 3) make an outline on how the print and ad texts create/recreate a point of view about Porto Maravilha Project. Keywords Porto Maravilha. Reinvention. Urban space. City. Financialization.

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 106


Porto Maravilha : uma proposta de reinvenção...

Maria Helena dos Santos; Ricardo Benevides

INTRODUÇÃO Devido às diversas intervenções sofridas no seu espaço físico, o Rio de Janeiro apresenta uma gama de sinais a serem decodificados. Em quase 450 anos de fundação, a cidade do Rio de Janeiro já sofreu diversas intervenções no seu traçado urbano: a construção das Avenidas Rio Branco, a Presidente Vargas, o desmonte do Morro do Castelo, o aterro do Flamengo, e, atualmente, o Porto Maravilha, dentre outras. A remodelação do Centro, logo no início do século XX, coloca a cidade em destaque frente às rivais platinas (ABREU, 1987). São sinais de novos tempos, de progresso, da metrópole tropical emergente, que revive o cosmopolitismo da bélle epoque. A cidade passa a ter uma avenida digna de sua importância (segundo opinião da época), mas, para isso, é fundamental que se construa o novo em cima de um passado símbolo do retrógrado. 1 De acordo com André Nunes de Azevedo (2013), doutor em História Social da Cultura/PUC-Rio e professor da UERJ.

Nesta primeira intervenção, o Rio de Janeiro sofre o primeiro grande impacto social e de destruição de parte de sua história. A expulsão da população carente da região central e o “bota-abaixo” da memória colonial são “justificáveis” do ponto de vista sanitarista e urbanístico de embelezamento necessário à metrópole emergente. Segundo Maria Alice Rezende Carvalho (1994), a modernização do Rio de Janeiro ocorreu “na letra dos intelectuais e na prancheta dos engenheiros”, “uma ação da burguesia brasileira para expulsar do espaço urbano a população pobre”1 que vivia em ruas estreitas que favoreciam o ambiente insalubre; em contrapartida, o novo, com o conceito arquitetônico, de estilos ecléticos, importado da França, facilitaria a circulação de ar, como também o tráfego de bondes e dos primeiros veículos motorizados. Para a execução desta tarefa, dois profissionais se apresentaram como essenciais: o médico sanitarista Osvaldo Cruz, ao qual caberia resolver os problemas endêmicos que afetavam a população, e o engenheiro Pereira Passos, responsável por um projeto de remodelação e embelezamento a fim de elevar a cidade do Rio de Janeiro a uma capital moderna, “uma vitrine do progresso” (JAGUARIBE, 2011), tendo a arquitetura francesa como referencial. No entanto, para Azevedo (2011), a Reforma Pereira Passos, de esfera municipal, estava associada às obras do porto e incluíam as aberturas da Avenida do Cais - futura Rodrigues Alves -, da Avenida do Mangue - posteriormente Francisco Bicalho - e da Avenida Central, concebidas para constituir um sistema viário destinado a melhor absorver as atividades de distribuição de mercadorias oriundas do porto. Portanto, a Reforma Pereira Passos fora pensada como obra de menor importância, complementar à obra do porto, realizada sob tutela do governo federal de Rodrigues Alves. As obras de melhoramento do porto eram vistas, portanto, como a “base do sistema”, devendo, além do “saneamento”, aumentar o “comércio”, a “arrecadação das nossas rendas” e as “condições de trabalho”, maneira como se refere à necessidade de resgatar a imagem da cidade, para ampliar a captação de mão-de-obra imigrante. A menção às obras portuárias como “a base do sistema” indica a idéia de que a intervenção urbana federal era pensada como um sistema viário integrado - no caso, as avenidas do Canal do Mangue, a Rodrigues Alves e a Central. (AZEVEDO, 2011, p.13, grifo do autor).

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 107


Porto Maravilha : uma proposta de reinvenção...

Maria Helena dos Santos; Ricardo Benevides

Para Abreu (1987, p. 59), as obras de responsabilidade do Governo Federal – a construção do porto do Rio de Janeiro e a abertura das avenidas Francisco Bicalho e Rodrigues Alves – foram “menos dramáticas em termos de seus efeitos sociais, já que não exigiram tantas demolições.” No entanto, isso foi fundamental porque “eliminaram vários entraves à circulação de mercadorias, contribuindo, assim, para a integração efetiva do país na nova divisão internacional do trabalho” (ABREU, 1987, p. 59). Maior porto importador do Brasil à época, a sua modernização representava um papel fundamental no equilíbrio das contas federais. Segundo Abreu (1987, p. 60), “era imperativo agilizar todo o processo de importação/ex­portação de mercadorias, que ainda apresentava ca­racterísticas coloniais devido à ausência de um mo­derno porto” ao mesmo tempo em que se criava uma nova capital, símbolo do “principal país produtor do mundo”. Mais do que um propulsor do comércio externo, o porto fora projetado para ser a expressão máxima do progresso brasileiro, além de escoar as mercadorias para o centro e zona norte. Cerca de cem anos mais tarde, a região portuária volta a ser protagonista de uma grande intervenção urbana, a primeira no Centro do Rio de Janeiro no século XXI. Um pouco mais de um século depois da inauguração da Avenida Rio Branco e da obra no porto, a cidade do Rio de Janeiro está se preparando para megaeventos esportivos, principalmente a Copa do Mundo (2014) e os Jogos Olímpicos e Paralímpicos (2016). Se, no início do século passado, ansiava-se por tornar a capital federal cosmopolita, seguindo o modelo Haussmann de pensar o espaço urbano, hoje a cidade segue uma lógica global, em que governos locais são levados a assumir iniciativas “inovadoras” e “empreendedoras” para atrair o fluxo de capitais e negócios. Nesse contexto, o discurso de revitalização do Centro emerge como fundamental, tendo, como princípio, as parcerias público-privadas e um planejamento urbano empresarial. Assim, surge o Projeto Porto Maravilha, uma área de cinco milhões de metros quadrados, que tem como limites as Avenidas Presidente Vargas, Rodrigues Alves, Rio Branco e Francisco Bicalho, três das vias planejadas nas duas obras realizadas entre 1903 e 1906, ou seja, novamente o perímetro que sofre intervenção, em busca de uma “nova” zona portuária, muito semelhante aquele idealizado à época de Pereira Passos e de Rodrigues Alves.

DO PORTO AO PROJETO PORTO MARAVILHA Devido aos megaeventos que a cidade irá sediar até 2016 criou-se, por meio da Lei Municipal 101/2009, a Operação Urbana Consorciada da Área de Especial Interesse Urbanístico da Região Portuária do Rio de Janeiro com a justificativa de atrair investimentos para o financiamento das obras, inclusive com um conjunto de isenções fiscais que “une estratégias de fortalecimento econômico, criação ou renovação de atrações turísticas e a valorização da beleza natural da paisagem carioca, no intuito de inscrever o Rio no rol das cidades que promoveram viradas urbanísticas e imprimiram nova marca às suas frentes marítimas” (ANDREATTA, 2010, p. 225). Em resumo, o Projeto Porto Maravilha, uma parceria das esferas municipal, estadual e federal, com colaboração da iniciativa privada tem

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 108


Porto Maravilha : uma proposta de reinvenção...

Maria Helena dos Santos; Ricardo Benevides

o objetivo de revitalizar a região portuária e reintegrá-la à cidade, considerada, até aquele momento, uma área degradada. 2 Cf. Projeto Porto Maravilha. (RIO DE JANEIRO, 2013).

3 O IDH compara indicadores de países nos itens riqueza, alfabetização, educação, esperança de vida, natalidade e outros, com o intuito de avaliar o bem estar de uma população, especialmente das crianças [ ] Países com IDH de até 0,499 são considerados de desenvolvimento humano baixo, e os com índice entre 0,50 e 0,799 são considerados de desenvolvimento humano médio , segundo Jorge Luiz de Souza (2008).

4 Aeroporto Internacional, Porto Operacional, Rodoviária Novo Rio, Futuro Terminal do Trem de Alta Velocidade, Terminais de Ônibus, Futura Estação do Metrô, Central do Brasil, Terminal marítimo de passageiros, Aeroporto Santos Dumond. (RIO DE JANEIRO, 2013)

A revitalização delimita-se a três bairros completos:2 Santo Cristo, Gamboa e Saúde; e a três setores de bairro: São Cristóvão, Centro e Cidade Nova. Abrange uma área total de aproximadamente 5 milhões de metros quadrados que possui cerca de 32 mil habitantes e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)3 de 0,775, um dos menores do Rio de Janeiro, sendo o 24o lugar no ranking das 32 regiões administrativas do Grande Rio. A localidade foi escolhida pela prefeitura para execução do projeto de forma estratégica, por ficar próximo aos principais modais de transporte4 da cidade e de diversas empresas, assim como de sítios e Patrimônios Históricos, como o edifício “A Noite”, o Mosteiro de São Bento, o Morro da Conceição, a Igreja de São Francisco da Prainha, galpões ferroviários da Gamboa e o Palacete de Dom João VII (RIO DE JANEIRO, 2013). A obra possui duas fases, sendo a primeira etapa financiada com recursos públicos com apoio dos Governos Estadual e Federal e a segunda, com recursos do setor privado oriundo de uma Operação Urbana Consorciada. (CONCESSIONÁRIA PORTO NOVO, 2013) A revitalização (ou melhor, “requalificação”, como podemos observar nas peças publicitárias do projeto) da zona portuária pretende seguir o modelo de diversas cidades como São Francisco, Buenos Aires, Baltimore, Cidade do Cabo, Barcelona, entre outras, que revitalizaram suas áreas portuárias criando novas alternativas econômicas e sociais. “Valorizar o patrimônio local e integrar moradores são dois de nossos principais desafios”, segundo o prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes.5

5 Cf. Declaração de Eduardo Paes (2011), prefeito da cidade do Rio de Janeiro.

A área que abrange o projeto possui importância histórica. Em 2011, durante as obras de drenagem do projeto de urbanização do Porto Maravilha na Avenida Barão de Tefé, uma das principais vias da região, foram encontrados pavimentos do Cais do Valongo e da Imperatriz. Soterrado por 168 anos, o Cais do Valongo, um marco importante na história da presença negra no Brasil, era a porta de entrada no Brasil para os africanos entre 1811 e 1831. Já o Cais da Imperatriz foi construído sobre o do Valongo com o intuito de formar um novo local para navios ancorarem e receber Teresa Cristina, que se casaria com Dom Pedro II, tornando-se a Imperatriz do Brasil.

6 Tânia Andrade Lima, arqueóloga do Museu Nacional em entrevista à Editora Abril.

Aquela região, mais do que o cais, era um complexo de escravos, que incluía o lazareto, para onde os negros que chegavam doentes iam se curar ou morrer, o Cemitério dos Pretos Novos e os armazéns de engorda e venda dos escravos, que se concentravam na Rua do Valongo, a atual Camerino. (LIMA apud RIBEIRO, 2013).6

Mas qual seria a relação entre as obras do porto do início do século e o Projeto Porto Maravilha? E por que isso se constitui um objeto de pesquisa? A primeira “pista” de que há textos a serem decodificados em uma análise comparativa entre essas duas intervenções urbanísticas é a fala do prefeito Eduardo Paes: Naquele momento, não por acaso, o porto do Rio sofria uma imensa obra de aterro, urbanização e modernização que, ao ser concluída em 1910, o transformaria na instalação portuária mais moderna

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 109


Porto Maravilha : uma proposta de reinvenção...

Maria Helena dos Santos; Ricardo Benevides

da América Latina e uma das mais modernas do mundo. [...] Mais de cem anos se passaram e hoje, em 2010, o porto do Rio está prestes a se transformar em um novo paradigma para o país, dessa vez, integrado ao movimento das cidades mundiais. (ANDREATTA, 2010, p. 5).

7 Texto retirado de folheto do Projeto Porto Maravilha.

Esse “novo paradigma” também surge no discurso do projeto Porto Maravilha, descrito como uma operação urbana que prevê a promoção de mudanças que “beneficiem os moradores e freqüentadores da região e, ao mesmo tempo, preserve sua identidade cultural e arquitetônica.”7 O Porto Maravilha deve garantir, então, que “a população se beneficie da requalificação para melhorar sua qualidade de vida, sem sair da área”, ou seja, diferente de obras anteriores, essa intervenção urbana poderia ser percebida como inclusiva, a que considera a população local como parte do processo de ordenamento do espaço público, diferente do ocorrido quando da abertura da Avenida Rio Branco e das obras do porto. Nessa “reconversão da zona portuária, a ideia de ter edificações não apenas residenciais, mas que mesclem habitações com outras funções de cunho comercial, empresarial, cultural, etc”. (ANDREATTA, 2010, p. 223). Nessa nova operação urbana na área da área portuária, há uma recuperação do antigo, expondo-o como vestígio do passado; a invenção do novo, simbolizado pelo Museu do Amanhã, projetando uma visão para o futuro; e o Museu do Rio, na Praça Mauá, projetado em um antigo edifício do século XIX acoplado a um novo edifício do século XXI. Além de toda uma vertente cultural, com a construção e estímulo à divulgação de projetos culturais da região, o projeto “Porto Maravilha” inclui a derrubada do perimetral, a construção de edifícios de escritórios e moradia e a polêmica obra do píer em Y, criticada pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil, que por meio de Luiz Fernando Janot, membro do Conselho Superior do IAB, chegou a dizer que o “projeto ignora a cidade” (O PROJETO..., 2013). A princípio, no entanto, o projeto Porto Maravilha tem um discurso “politicamente correto”, de respeito ao local – seja a população, sejam as manifestações culturais, seja o patrimônio da região, de outro -, e parece estar em sintonia com uma lógica da cidade globalizada: intervenções urbanas mediadas pelo Estado, parceria público-privada e a cidade como produto de e para consumo global. Como sugere a denominação “Porto Maravilha”, o discurso aponta para uma operação urbana ímpar, “maravilhosa”, que resgata memória, cultura e articula essa memória com a requalificação de um espaço que resolverá as mazelas dos dias de hoje e irá melhorar a acessibilidade ao Centro do Rio de Janeiro, mas, agora, respeitando-se uma identidade local, com sustentabilidade e planejamento de trânsito. Em resumo, o controle do espaço urbano é o elo entre essas duas intervenções centro do Rio de Janeiro e Zona Portuária. De qualquer maneira, as representações sobre a cidade do Rio de Janeiro passam, necessariamente, pelos discursos oficiais e a percepção em relação à forma que se intervêm no Centro, em como ele se constrói e se reconstrói, se inventa, se reinventa, em como vira um produto que, independente da época, propõe “novas” soluções para os problemas urbanos.

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 110


Porto Maravilha : uma proposta de reinvenção...

Maria Helena dos Santos; Ricardo Benevides

PORTO MARAVILHA NA MÍDIA Importante destacar que, neste artigo, analisamos a narrativa construída sobre o Porto Maravilha tanto nas próprias mídias do projeto (site, folhetos e revistas) quanto no veículo O Globo (nesse caso, em matérias publicadas entre junho de 2012 e julho de 2013). Para uma discussão sobre o discurso midiático, retomamos Debord (1997). Ele sugere que o discurso midiático gera o quase-real, resultado da simulação mediada por imagens as quais se tornam mais reais que o mundo real, sendo a publicidade um estímulo para o consumo de valores, ideias que destoam da realidade, mas que, graças a essa ferramenta, têm adquirido status de verdade. Na mesma linha, Kellner (2001) sinaliza que os textos da mídia seduzem, fascinam, comovem e influenciam o público. Se analisarmos os discursos publicitários e jornalísticos, além do institucional, elaborados pelo consórcio responsável pelo projeto podemos supor, então, que eles apresentam representações sobre o Projeto Porto Maravilha e, consequentemente, articulam um imaginário da cidade do Rio de Janeiro, tendo o perímetro urbano da área central como fundamental para a construção de uma imagem de cidade global. Se a imprensa é um agente histórico, mediadora na construção do imaginário da cidade, acreditamos que a interpretação das pistas deixadas ao longo do tempo, a partir da leitura e da narrativa no jornal selecionado, estão entrelaçadas ao presente e ao futuro, como sugere Barbosa (2009) e lançam novas perspectivas de análise e de investigação sobre o objeto.

8 Como o lançamento de unidades residências. Vide G1 Rio de Janeiro (2013a).

9 São várias as iniciativas do consórcio, tais como o site <http://portomaravilha. com.br/>, com informações atualizadas, como eventos, como a sala de exposição Meu Porto Maravilha, localizada na Rua Barão de Tefé, projetos para a comunidade, fases da obra, clipping etc, folhetos do projeto distribuídos em pontos da cidade, como livrarias. 10 A exemplo da matéria vide Rohde (2012).

11 Vide matéria G1 Rio de Janeiro (2013b).

Outro conceito que “dialoga” com a “narrativa” é o de acontecimento e quais reverberações que este pode suscitar. Segundo Quéré (apud COELHO, 2013, p.17), o acontecimento revela, significa, provoca experiências, instaura um passado, um contexto que o torna possível de descrição e de compreensão. O acontecimento gera, portanto, uma narrativa que deixa “pistas” que podem ser “rastreadas” pela pesquisa histórica, por exemplo, ao mesmo tempo em que podem contribuir para a construção de representações, tendo como base a cobertura midiática. Seguindo essa lógica de raciocínio, as definições de acontecimento de Rebello e Charaudeau (apud COELHO, 2013) corroboram a opção pelos jornais e revista institucional como fontes de coleta de dados. Para Rabello, o acontecimento tem potencial de atualidade, de relevância e de pregnância. Complementando, Charaudeau (apud COELHO, 2013, p. 71) introduz o conceito de “acontecimento midiático”, construído segundo os critérios de atualidade, expectativa (necessária à captação da atração) e sociabilidade (tratar daquilo que surge no espaço público e deve receber visibilidade). Em nossa pesquisa, o Porto Maravilha é um tema atual, para o qual o governo municipal8 e o consórcio9 chamam atenção frequentemente, com obras de melhorias (“requalificação”) e de grande impacto, valorização imobiliária10 da área e transtornos no trânsito11, o que já exemplifica a relevância desse acontecimento. O mesmo ocorreu nas Reformas Pereira Passos e do porto do Rio de Janeiro no início do século XX, quando jornais da época cobriram a execução das obras e escritores da literatura brasileira se posicionaram em relação às intervenções, principalmente em relação à abertura da Av. Central. Ambos os

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 111


Porto Maravilha : uma proposta de reinvenção...

Maria Helena dos Santos; Ricardo Benevides

acontecimentos caíram no espaço público e pelo impacto que trouxeram/trazem à cidade tornaram-se “midiáticos” e, provavelmente, “públicos em potencial” (COELHO, 2013, p. 72), já que envolvem o(s) público(s) e o Estado – no caso do porto do século XX, a esfera municipal e federal e, no Porto Maravilha, as esferas municipal, federal e as parcerias público-privada. Nora (apud COELHO, 2013) é outro autor que ratifica a decisão de optar pelos jornais como fontes de coleta de dados para a pesquisa histórica, por considerar que, nas sociedades contemporâneas, é através dos meios de comunicação, e só através deles, que o acontecimento nos toca e não pode evitar-nos. Se isso ocorre de fato, pensar a história na comunicação é identificar as múltiplas articulações entre história, meios de comunicação e narrativa, quer dizer como essas articulações acontecem em determinados tempo e lugar, tendo os meios como mediadores das práticas e processos comunicacionais. Considerando que o acontecimento se constitui através de uma circulação de discursos e de imagens, constituindo quadros espaço-culturais de um mundo comum (ARQUEMBOURG apud COELHO, 2013), a cobertura midiática poderia, sim, ter um impacto nas representações que se fazem em relação às cidades, por exemplo. Tomando como ponto de partida que o Projeto Porto Maravilha é um acontecimento que nos atinge por suas reverberações, impactos no dia-a-dia da região portuária do Rio de Janeiro e tem, consequentemente, uma repercussão midiática, percebemos que os assuntos mais abordados pelos jornais podem ser divididos em: 1) Resgate do passado: descobertas arqueológicas, revitalização de áreas degradadas, como nas matérias “Viagem ao passado com as cores da revitalização” (2012, p. 38); “Porto Maravilha - Expresso do futuro sai da Zona Portuária – conclusão do projeto de revitalização devolverá aos cariocas uma área esquecida, equivalente a uma Copacabana”. (2012, p. 37); “O outro túnel que surge no Porto: o do tempo – Espaço que será inaugurado hoje levará o público a conhecer o passado da área e o futuro das obras de revitalização” (MAGALHÃES, 2012b, p. 24); 2) Recuperação do patrimônio histórico: “Jóias lapidadas – Igreja de São Francisco da Prainha, galpões da Gamboa e centro cultural são recuperados”. (BASTOS, 2012b, p. 12); 3) Novo pólo cultural: “O Rio ganha novo pólo cultural” (O RIO..., 2013, p. 4); “Novas cores no Porto – Prédio perto da Praça Mauá ganha grafite de 2.1 mil metros quadrados, o maior da cidade” (2013, p. 15); “Museu, que será inaugurado hoje, é o primeiro prédio a ficar pronto na Zona Portuária” (2013, p. 23) ; “Artistas participam da abertura do MAR e falam de um novo marco para a história da cidade” (2013, p. 5); 4) Impactos no trânsito: “O Rio engarrafado – Interdições para obras na Zona Portuária causam transtornos da Zona Norte à Zona Sul” (COSTA.; SCHMIDT; BORGES, 2013, p. 8); “Revitalização do Porto. Mais obras no caminho”. (BASTOS, 2012a, p. 7); 5) O “lugar” para negócios: “Porto seguro para os negócios” (2013, p. 39); “Maravilha de cenário – Região do Porto vai abrir espaço para 50 mil oportunidades de negó-

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 112


Porto Maravilha : uma proposta de reinvenção...

Maria Helena dos Santos; Ricardo Benevides

cios” (AMORIM, 2012, p. 1); “Terreno do Gasômetro, no Porto, será vendido à Prefeitura. Na região, poderão ser construídos prédios de até 50 andares [...] o terreno será repassado ao Fundo Imobiliário Porto Maravilha, administrado pela Caixa Econômica Federal”. (O Globo, 13/2/13, p. 13); “Docas dará armazéns em troca de píer [...]. O acordo que está sendo debatido permitiria uma maior integração do projeto Porto Maravilha com a Zona Portuária ao liberar espaços para a empresa Píer Mauá construir restaurantes, casas noturnas e hotéis, disse Arraes” (Jorge Arraes é subsecretário municipal de Concessões e Parcerias Público-Privadas). (MAGALHÃES, 2012c, p. 15) Para Jaguaribe (2011), a revalorização do passado, presente no discurso oficial do Projeto Porto Maravilha bem como na cobertura midiática, exemplificaria o conceito local color, isto é, uma estratégica que confere a centros históricos ou locais que estão em processo de requalificação urbana apelos mercadológicos, transformando-os em produtos de consumo local. Quanto ao perímetro urbano capaz de atrair grandes negócios e, portanto, um forte argumento para os investimentos igualmente proporcionais na região – “Pacote de R$ 8 bilhões para as novas obras do Porto. Intervenções viárias vão preparar a região onde número de veículos deve triplicar até 2020” (VASCONCELLOS, 2012) – demonstra o processo de financeirização do solo da região.

A FINANCEIRIZAÇÃO DA REGIÃO PORTUÁRIA DO RIO DE JANEIRO

12 Para Fix (2011), o caso norte-americano é exemplar da tendência de transformação da terra em ativo financeiro puro e este foi (e continua sendo) modelo para novos arranjos institucionais no Brasil

Segundo Fix (2011), a desregulamentação realizada principalmente a partir da década de 1980 coloca a aproximação do imobiliário com o mercado de capitais em outro patamar de especulação12, o que significa dizer que há uma expansão da lógica financeira no espaço urbano que acontece de acordo com vários agentes, como as políticas setoriais (habitação e infraestrutura e a regulamentação dos setores financeiro e imobiliário, como podemos perceber na nota de Flávia Oliveira: Incentivos no Porto do Rio foram prorrogados. Nova lei dá mais três anos para empreendimentos da região pedirem isenção de IPTU, ITBI e ISS à prefeitura [...] R$ 798 milhões – foi o valor dos serviços de construção civil movimentados na área do Porto no 2º semestre de 2012. É a cifra que está sujeita à isenção de ISS. Foi equivalente a 12,8% do movimento do setor na cidade. (OLIVEIRA, 2013, p. 26). [...] e na mudança de gabarito residencial: “Porto terá o maior prédio residencial da cidade – edifício de 40 andares e 1.330 apartamentos fará parte do conjunto que será construído para as Olimpíadas.” (FELIPE, 2012, p. 17, grifo do autor).

Essa lógica de financeirização do espaço urbano fica mais explícita com a criação e venda de fundos imobiliários:

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 113


Porto Maravilha : uma proposta de reinvenção...

Maria Helena dos Santos; Ricardo Benevides

Os primeiros fundos imobiliários para varejo foram constituídos apenas em 1999, como o Shopping Pátio Higienópolis e o JK Financial Center. A oferta para varejo estava relacionada ao saturamento do mercado de flats que ocorreu na época. Os pequenos investidores, os mesmos que participam da incorporação de flats, poderiam ser atraídos pelos fundos, de acordo com depoimentos de agentes econômicos envolvidos. (FIX, 2011, p. 152).

13 Certificado de Potencial Adicional de Construção, o CEPAC é um instrumento de captação de recursos para financiar obras públicas. Segundo o site do BMF Bovespa, “o investidor interessado compra, do poder municipal, o direito de construir além dos limites normais em áreas que receberão ampliação da infraestrutura urbana”. (BOVESPA, 2013). 14 Cf. Porto Maravilha (2013).

No Projeto Porto Maravilha o financiamento da obra seguiu o mesmo passo do Shopping Pátio Higienópolis e JK Financial Center. Por meio da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp) e operação financeira articulada pela Prefeitura do Rio de Janeiro, foi criado o Fundo de Investimento Imobiliário Porto Maravilha (FIIPM), especialmente para a negociação dos Cepacs13. De acordo com o site Porto Maravilha14, em 13 de junho de 2011, os 6,4 milhões de Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs) foram arrematados em lote único, o que garantiu recursos para todas as obras e serviços da operação urbana Porto Maravilha nos 5 milhões de metros quadrados da Região do Porto do Rio de Janeiro por período de 15 anos. Isso exemplifica a influência do capital financeiro no desenvolvimento do espaço urbano: A máquina imobiliária de crescimento local mobilizou-se para a produção de bases hospedeiras para o capital financeiro e pressionou o Estado a capturar fundos públicos nas chamadas parcerias público-privadas. A combinação entre fundo público e massas de capital concentradas transformou, ainda que parcialmente, o padrão de urbanização brasileiro nas últimas décadas. (FIX, 2011, p. 243). A Caixa Econômica Federal entrou no negócio como gestora do Fundo Imobiliário Porto Maravilha, que tem a exclusividade para vender os Cepacs. De acordo com a mesma matéria “as duas primeiras Trump Towers começam a ser erguidas no segundo semestre de 2013, com previsão de conclusão até os Jogos Olímpicos de 2016. As outras três torres serão construídas conforme a demanda do mercado” (MAGALHÃES, 2012a, grifo nosso). Esse uso do solo urbano, cada vez menos público e mais privado, aparece claramente na cobertura midiática. Na matéria de O Globo (ROCHA; PONTES; MAGALHARES, 2013, p. 9), “Contra tudo e todos – Docas despreza opinião de urbanistas sobre impactos de píer em Y e anuncia início das obras”, afirma-se que “com seis vagas para cruzeiros dispostos de forma que causa grande impacto na paisagem, a obra visa atender a compromissos internacionais assumidos para as Olimpíadas de 2016”, o que parece justificar o projeto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS De acordo com Gomes (1994), a percepção do urbano dá-se através de dois processos integrados: o de desmontagem e o de remontagem. Enquanto em um primeiro momento, a cidade se comporta como que em vários fragmentos, desorganizados, espalhados, confusos, logo em seguida há como organizá-los e entendê-los a partir dos mesmos significados.

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 114


Porto Maravilha : uma proposta de reinvenção...

Maria Helena dos Santos; Ricardo Benevides

Assim, acontece com o Projeto Porto Maravilha: embora fragmentado, espalhado em uma série de narrativas, há como desvendar seus significados a partir da análise que podemos fazer a partir dos jornais e peças publicitárias sobre o projeto. Podemos, por exemplo, percebe-se que há uma clara aproximação dos interesses do Estado e da iniciativa privada, o que torna nebulosa a fronteira entre o público e o privado, se é que ela existe. Observase também que a lógica do planejamento urbano do século XXI se dá a partir de uma política de cidade empreendedorista, quase uma gestão público-privada do espaço urbano – gestão essa que, por meio de Cepacs, “garante” o financiamento da exploração do solo ao mesmo tempo em que aponta para um “Rio em transformação” no qual até pequenos comerciantes da zona portuária esperam expandir seus negócios com a revitalização da região. O Globo Projetos de Marketing, em uma nova era para o Rio, com o Porto Atlântico Business Square, “um complexo multiuso com salas comerciais de alto padrão; 2 hotéis da rede Accor com as renomadas bandeiras internacionais Ibis e Novotel; uma torre com amplos espaços para escritórios padrão triple A; e um mall de lojas em um espaço integrado” (INFORME..., 2013, p. 8). Enfim, empreendedores corporativos e individuais da região podem ser beneficiados por uma área que potencialmente atrai investimentos. No entanto, uma leitura mais atenta à cobertura midiática, principalmente, sinaliza para um cenário dicotômico: se em Puerto Madero, Buenos Aires, a revitalização fez com que a região ficasse restrita aos ricos e há risco de que se repetir os erros do passado, em que houve uma concentração de imóveis comerciais na região central do Rio de Janeiro, por outro lado, a revitalização da zona portuária trouxe mais movimento para os bares do Morro da Conceição, o que também pode ocasionar uma inflação imobiliária. O desafio, portanto, continua o mesmo de cem anos atrás: como reinventar, de fato, a região central da cidade e não reproduzir o mesmo paradigma das intervenções anteriores, qual seja, o de que interesses privados prevaleçam aos públicos.

REFERÊNCIAS ABREU, M. de A. A evolução urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IphanRio, 1987. AMORIM, M. Região do Porto vai abrir espaço para 50 mil oportunidades de negócios. O Globo, Caderno Economia Boa Chance, Rio de Janeiro, 14 out. 2012. Disponível em< http://oglobo.globo.com/emprego/regiao-do-porto-vai-abrir-espaco-para-50-mil-oportunidades-de-negocios-6394113 >. Acesso em: 1 out. 2013. ANDREATTA, V. Porto Maravilha: Rio de Janeiro + 6 casos de sucesso de revitalização portuária. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2010. ARTISTAS participam da abertura do MAR e falam de um novo marco para a história da cidade. O Globo, Coluna Gente Boa, Rio de Janeiro, 3 mar. 2013.

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 115


Porto Maravilha : uma proposta de reinvenção...

Maria Helena dos Santos; Ricardo Benevides

AZEVEDO, A. N. de. A Reforma urbana do Rio de Janeiro pelo Presidente Rodrigues Alves: o progresso como forma de legitimação política. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – ANPUH, 24., São Paulo, 2011. Anais... São Paulo, 2011. Disponível em: <http://www. snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300854212_ARQUIVO_ComunicacaodeAndreAzevedoparanapuh2011.pdf>. Acesso em: 4 jul. 2013. ______. Da reforma urbana de Pereira Passos à cidade olímpica de 2016: tradição, modernização urbana e antigos desafios ainda em questão. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2013. (Palestra proferida em 24 de maio 2013). BARBOSA, M. Comunicação e História: presente e passado em atos narrativos. Comunicação, Mídia e Consumo, São Paulo: v. 6, n. 16, p.11-27, jul. 2009. Disponível em http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/comunicacaomidiaeconsumo/article/ viewFile/6845/6181. Acesso em: 15 maio 2013. BASTOS, I. Revitalização do Porto. Mais obras no caminho. O Globo, Rio de Janeiro, p. 2-7, 17 set. 2012. BASTOS, I. Joias lapidadas – Igreja de São Francisco da Prainha, galpões da Gamboa e centro cultural são recuperados. O Globo, Rio de Janeiro, 23 ago. 2012b. Disponível em:< http://br.vlex.com/vid/joias-lapidadas-394918710 >. Acesso em: 1 out. 2013. BOVESPA. Certificado de potencial adicional de construção (Cepac). Disponível em http://www.bmfbovespa.com.br/pt-br/mercados/fundos/cepacs/cepacs.aspx?idioma=ptbr. Acesso em: 30 set. 2013. CARVALHO, M. A. R. Quatro vezes cidade. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1994. 145p. COELHO, M. P. O acontecimento público Satiagraha, entre o Estado e a Mídia. 2013. 325 f. Tese (Doutorado)- Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2013. CONCESSIONÁRIA PORTO NOVO. Quem somos. Disponível em: <http://www.portonovosa.com/index.php/quem-somos/>. Acesso: 23 set. 2013. COSTA, A. C.; SCHMIDT; S.; BORGES, W. O Rio engarrafado – Interdições para obras na Zona Portuária causam transtornos da Zona Norte à Zona Sul. O Globo, Rio de Janeiro, 9 jul. 2013. Disponível em: < http://br.vlex.com/vid/rio-engarrafado-448002830 >. Acesso em: 1 out. 2013. DEBORD, G. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. EXPRESSO do futuro sai da Zona Portuária – conclusão do projeto de revitalização devolverá aos cariocas uma área esquecida, equivalente a uma Copacabana. O Globo, Rio de Janeiro, p. 37-39, 19 out. 2012. FELIPE, E. Porto terá o maior prédio residencial do Rio. O Globo, Rio de Janeiro, p. 17, 4 jun. 2012.

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 116


Porto Maravilha : uma proposta de reinvenção...

Maria Helena dos Santos; Ricardo Benevides

FIX, M. de A. B. Financeirização e transformações recentes no circuito imobiliário do Brasil. 2011. 288 f. Tese (Doutorado)-Instituto de Economia, Unicamp, Campinas, 2011. G1. RIO DE JANEIRO. Obras do Porto Maravilha causam congestionamento no Rio. 8 jul. 2013b. Disponível em:< http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/transito/noticia/2013/07/ obras-do-porto-maravilha-causam-congestionamento-no-rio.html. Acesso: 20 set. 2013. G1. RIO DE JANEIRO. Prefeitura lança conjunto residencial do Porto Maravilha, no Rio. 20 maio 2013a. Disponível em:< http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2013/05/ prefeitura-lanca-conjunto-residencial-do-porto-maravilha-no-rio.html. Acesso: 20 set. 2013 GOMES, R. C. Todas as cidades, a cidade. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. INFORME publicitário. O Globo, Rio de Janeiro, mar. 2013. JAGUARIBE, B. Imaginando a “cidade maravilhosa”: modernidade, espetáculos e espaços urbanos. Revista FAMECOS: mídia, cultura e tecnologia, v. 8, n. 2, p. 327-347, maio/ agosto 2011. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/view/9054/6557>. Acesso em: 30 set. 2013. KELLNER, D. A cultura da mídia. Bauru: EDUSC, 2001. MAGALHAES, L. E. Docas dará armazéns em troca de píer. O Globo, Rio de Janeiro, 15 dez. 2012c. Disponível em:< < http://br.vlex.com/vid/docas-dara-armazens-em-troca-pier411077134>. Acesso em: 1 out. 2013. MAGALHÃES, L. E. Grupo de Donald Trump anuncia investimento bilionário no Rio. O Globo, Rio de Janeiro, 18 dez. 2012a. Disponível em: < http://oglobo.globo.com/rio/ grupo-de-donald-trump-anuncia-investimento-bilionario-no-rio-7085404>. Acesso em: 1 out. 2013. MAGALHAES, L. E. O outro túnel que surge no Porto: o do tempo. O Globo, Rio de Janeiro, 1 jul. 2012b. Disponível em:< http://br.vlex.com/vid/outro-tunel-surge-porto-dotempo-382513478> Acesso em: 1 out. 2013. MAGALHÃES, L. E. Terreno do Gasômetro, no Porto, será vendido à Prefeitura. O Globo, Rio de Janeiro, 13 fev. 2013. Disponível em:< http://br.vlex.com/vid/gas-metro-no-portovendido-prefeitura-419778714>. Acesso em: 1 out. 2013. MUSEU, que será inaugurado hoje, é o primeiro prédio a ficar pronto na Zona Portuária. O Globo, Rio de Janeiro, 1 mar. 2013. NOVAS cores no Porto – Prédio perto da Praça Mauá ganha grafite de 2.1 mil metros quadrados, o maior da cidade. O Globo, “ Rio de Janeiro, 1 fev. 2013. O PROJETO ignora a cidade’, diz especialista sobre píer em Y. O Globo, Rio de janeiro, 15 maio 2013. Disponível em:< http://oglobo.globo.com/rio/o-projeto-ignora-cidade-diz-

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 117


Porto Maravilha : uma proposta de reinvenção...

Maria Helena dos Santos; Ricardo Benevides

especialista-sobre-pier-em-y-8392246#ixzz2nl23sJMg>. Acesso em: 1 out. 2013. O RIO ganha novo pólo cultural. Globo Projetos de Marketing, Rio de Janeiro, 26 maio 2013. OLIVEIRA, F. Incentivos no porto do Rio foram prorrogados. O Globo, Rio de Janeiro, Caderno negócios e Cia, p. 26, 10 jan. 2013. Disponível em:< http://portal.newsnet.com.br/ portal/certisign/pdf.jsp?cod_not=489300>. Acesso em: 1 out. 2013. PAES, E. Porto Maravilha, preservando a história, a arquitetura e a cultura da Região Portuária. Porto Maravilha, Rio de Janeiro, n. 4, abr, 2011. Disponível em: <http://portomaravilha.com.br/conteudo/revistas/Boletim%20do%20Porto%204%20web.pdf> Acesso: 23 set. 2013. PORTO MARAVILHA. Cepacs, dois anos depois. Disponível em <http://portomaravilha. com.br/materias/cepacs/c.aspx.> Acesso: 30 set. 2013. PORTO seguro para os negócios. O Globo, Rio de Janeiro, 26 maio 13. RIBEIRO, F. Saiba tudo sobre o Cais do Valongo - o local por onde entravam os africanos escravos no Brasil no século XIX. Disponível em: <http://guiadoestudante. abril.com.br/aventuras-historia/saiba-tudo-cais-valongo-local-onde-entravam-africanosescravos-brasil-seculo-xix-731373.shtml>. Acesso em: 23 set. 2013. RIO DE JANEIRO. Prefeitura Municipal. Projeto Porto Maravilha. Disponível em: <http:// www2.rio.rj.gov.br/smu/compur/pdf/projeto_porto_maravilha.pdf>. Acesso: 22 set. 2013. ROCHA, C.; PONTES, F.; MAGALHÃES, L. E. Docas despreza opinião de urbanistas sobre impactos de píer em Y e anuncia início das obras. O Globo, Rio de Janeiro, 15 maio 2013. Disponível em: < http://oglobo.globo.com/rio/docas-despreza-opiniao-de-urbanistas-sobre-impactos-de-pier-em-e-anuncia-inicio-das-obras-8392208>. Acesso em: Acesso em: 1 out. 2013. ROHDE, B. Porto do Rio: moradores antigos estão preocupados com valorização excessiva da região com obras de melhorias. O Globo, Rio de Janeiro, 23 dez. 2012. Disponível em:< http://extra.globo.com/noticias/rio/porto-do-rio-moradores-antigos-estao-preocupados-com-valorizacao-excessiva-da-regiao-com-obras-de-melhorias-7122488.html>. Acesso em: Acesso em: 1 out. 2013. SOUZA, J. L. de. O que é? IDH. Desafios do desenvolvimento, Rio de Janeiro, Ano 5 . Edição 39, 25 jan. 2008 Disponível em: < http://www.ipea.gov.br/desafios/index. php?option=com_content&view=article&id=2144:catid=28&Itemid=23 >. Acesso: 22 set. 2013. VASCONCELLOS, F. As novas obras do porto. O Globo, Rio de Janeiro, 18 ago. 2012. Disponível em: < http://www.sinduscon-rio.com.br/sindusletter/sindusletter_220812/ n5.htm>. Acesso em1 out. 2013.

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 118


Porto Maravilha : uma proposta de reinvenção...

Maria Helena dos Santos; Ricardo Benevides

VIAGEM ao passado com as cores da revitalização. O Globo, Rio de Janeiro, Caderno Especial, 19 out. 2012. Disponível em:< http://www.ademi.org.br/article.php3?id_ article=50615> Acesso em: 1 out. 2013.

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 119


CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL E ARQUITETURA CRISIS ESTRUCTURAL DE CAPITAL Y ARQUITECTURA STRUCTURAL CRISIS OF CAPITAL AND ARCHITECTURE

José THIESEN Arquiteto, mestrando em Arquitetura e Urbanismo pelo Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (IAU-USP), São Carlos - SP E-mail: jose.pthiesen@gmail.com

João Marcos LOPES Arquiteto, Doutor em Filosofia e Metodologia das Ciências; Professor Livre Docente do Instituto de Arquiteura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (IAU-USP), São Carlos - SP E-mail: joaomarcosdealmeidalopes@gmail.com

Revista Eptic Online Vol.16 n.1 p.120-134 jan.-abr. 2014 Recebido em 01/10/2013 aprovado em 14/11/2013


Crise estrutural do capital e arquitetura

José Thiesen; João Marcos Lopes

RESUMO O recente estudo de Pedro Fiori Arantes sobre a arquitetura na era digital-financeira lança luz sobre um debate urgente: a que fundamentos sociais e econômicos está ligada a arquitetura do que hoje é considerado o seu mainstream? Este artigo pretende afirmar a justeza das afirmações do estudo minucioso de Pedro Arantes, mas ao mesmo tempo sugerir que talvez mais pertinente do que ver nela a expressão do período de financeirização do capitalismo seria situá-la no contexto da "crise estrutural do capital". A identificação desta crise estrutural tem como um de seus principais expoentes teóricos o belga Ernest Mandel, que publicou no início da década de 1970 seu livro intitulado O capitalismo tardio. Abrimos um diálogo de concepções para apontar um possível novo olhar crítico sobre a arquitetura de nosso tempo.

Palavras-chave Crise estrutural do capital. Arquitetura. Financeirização.

RESUMEN El reciente estudio realizado por Pedro Fiori Arantes acerca de la arquitectura en la era digital y financiera arroja luz en un debate de urgencia: ¿a cuales bases sociales y económicas está vinculada la arquitectura de lo que ahora se considera su corriente principal? Este artículo tiene la intención de afirmar la exactitud de las declaraciones del estudio detallado de Pedro Arantes, pero al mismo tiempo, sugiere que tal vez más pertinente que ver en él la expresión de la época de la financiarización del capitalismo sería situarlo en el contexto de "crisis estructural del capital". La identificación de esta crisis estructural tiene como uno de sus principales exponentes teóricos el belga Ernest Mandel, que publicó a principios de 1970 su libro Capitalismo Tardío. Hemos abierto un diálogo de ideas para señalar una posible nueva mirada crítica sobre la arquitectura de nuestro tiempo. Palabras clave Crisis estructural del capital. Arquitectura. Financiarización.

ABSTRACT The recent study by Pedro Fiori Arantes on architecture in the digital and financial age sheds light on an urgent debate: what social and economic foundations linked the mainstream of the present architecture? This article intends to state the correctness of the statements in the detailed study of Pedro Arantes although, at the same time, to suggest that perhaps more appropriate than seeing in it an expression of the period of financialization of capitalism would be to situate it in the context of "structural crisis of the capital." The identification of this structural crisis has the Belgian theorist Ernest Mandel as the most theoretical exponent, who published in the early 1970's his book Late Capitalism. We opened a dialogue of ideas to point a possible new critical look at the architecture of our time.. Keywords Structural crisis of the capital. Architecture. Financialization.

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 121


Crise estrutural do capital e arquitetura

José Thiesen; João Marcos Lopes

PREÂMBULO Enquanto desafio teórico – e já há algum tempo – é recorrente o ensaio de reflexões em busca de possíveis nexos entre a expressão cultural de uma época e seus fatores econômicos, políticos, sociais, tecnológicos etc. Por certo que este campo de debates é extramente amplo, e que nossa intenção ao mencioná-lo aqui não é outra senão mostrar que este não é um debate superado, mas sim de um problema incessantemente recorrente para quem se arrisca pela discussão teórica da arte em geral.

1 Lembramos aqui de Vittorio Gregotti e seu Território da arquitetura. Podemos também fazer referência à proposição de Hegel; Há Frampton (História crítica da arquitetura moderna). Temos também os textos dos pequenos livros do Abílio Guerra. Sophia Telles também defende um estatuto relativamente autônomo para a arquitetura.

No que se refere à arquitetura – que certamente não se livra de uma especial atenção nas investigações sobre tais nexos –, sua pertinência como fato ou fator, que decorre das ou do qual decorrem as contradições, ambiguidades e ressonâncias que fazem mover as ordens vigentes não é dada como pressuposto indiscutível. Por mais paradoxal que isto soe, são diversos os argumentos que aparecem aqui e ali a favor de uma relativa (e por vezes, total) autonomia da arquitetura frente às mecânicas do mundo da vida, solidárias às condicionantes naturais ou próprias do “reino da necessidade” – de onde a arquitetura teria surgido e, alçada à condição de arte, dali partido para alojar-se em definitivo no “reino da liberdade” 1. Apesar das dificuldades imanentes em afirmar a arquitetura como uma “objetivação sem objetivo” (lembrando aqui o juízo de gosto kantiano), por vezes declarouse a total liberação subjetiva do arquiteto, posto em armas com a sua capacidade de se expressar com uma infinidade de meios e técnicas, independente de qualquer injunção ou condicionamento externo. Apesar dos esforços, contudo, parece-nos que a arquitetura persiste em sua mundanidade, irremediavelmente atada à sua heteronomia diante de uma realidade sobredeterminada pelo mercado e pela circulação da mercadoria, fazendo submergir os seus produtos também na correnteza confinada da produção cultural contemporânea. Daí também não pode se ausentar o fator ideológico. Mais que isso, surge a hipótese de que, para ajustarse a ela, a produção da arquitetura adere à lógica da produção cultural propriamente dita, convalidando e fazendo seus os esforços de enfrentamento dos antagonismos entre base e superestrutura, contribuindo para a plena realização do capitalismo – que, em tempos de hegemonia do mercado e segundo Jameson (1996), também opera sob a lógica da cultura. Se confirmada essa hipótese, não caberia aos teóricos da arquitetura reorientar suas pesquisas? Se for certo que as bases de explicação da realidade contemporânea não se encontram mais entre os meandros dos mecanismos de produção de valor – um recurso explicativo que marcou a época precedente, caracterizada pela hegemonia do capital produtivo –, mas sim embrenhadas numa nova lógica, ainda obscura ou dificilmente tateável, porque atravessada pela naturalização ideológica perpetrada pela consubstanciação de valores culturais – aparentemente impalpáveis, subjetivos ou menos identificáveis – em produtos objetivos, então o que se supõe é que, neste caso, no epicentro dessa virada analítica, encontraríamos apenas abstratamente os sintomas da passagem do período precedente para um período de hegemonia do capital financeiro, nos termos da evolução do capitalismo recente.

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 122


Crise estrutural do capital e arquitetura

José Thiesen; João Marcos Lopes

O CAPITALISMO TARDIO Esta passagem de uma hegemonia a outra – do capital industrial ao capital financeiro –, embora seja hoje, mais do que nunca, objeto de grandes preocupações teóricas, não é algo tão recente assim. Rudolf Hilferding (1985) marcou época com o seu Capital Financeiro, publicado pela primeira vez em 1910, e influenciou profundamente toda uma geração, por acaso a de Lenin (2011) que, em 1916, expressa a constatação desta transição de hegemonias de maneira bastante categórica em seu O Imperialismo, etapa superior do capitalismo. Lenin (2011) todavia busca deixar bastante demarcado: o capital financeiro, que passava a assumir então a hegemonia ostentada anteriormente pelo capital industrial, nada mais era do que a fusão do próprio capital industrial com o capital bancário, ou seja, o capital industrial não estava simplesmente saindo de cena. O que se percebe é que, embora desde o primeiro quartel do século XX já existissem estas teorias – e, inclusive, fossem bastante disseminadas – afirmando a hegemonia do capital financeiro, poucos arriscavam-se a tirar de campo a constatação da centralidade do capital produtivo. A industrialização, no sentido amplo do processo, manteve-se crescente até pelo menos 1965, e é a partir desta época que começam a brotar por todos os cantos expressões de uma modificação significativa – “abissal”, para Harvey (2012, p. 7) – no funcionamento do capitalismo. Precisar que mudança foi essa é ainda a dificuldade com a qual nos encontramos enrolados. O certo é que, mesmo diante de uma verdadeira enxurrada de teorias que davam por certo o fim da centralidade do capital produtivo, da validade da lei do valor de Marx, ou mesmo do próprio capitalismo, um importante teórico marcou época ao realizar uma análise bastante minuciosa, por dentro do marxismo, deste novo processo: o belga Ernest Mandel, com seu O capitalismo tardio, escrito em 1982. A influência de O capitalismo tardio ainda é claramente visível na produção de pensadores de nosso tempo – entre eles David Harvey, Frederic Jameson, John Bellamy Foster e István Mészáros2 – cada um a seu modo.

2 Entre estes três, apenas Mészáros desenvolveu com ênfase a ideia de “crise estrutural do capital”, central para Mandel.

Para Mandel (1982), em linhas muito gerais (as quais procuraremos esmiuçar um pouco mais na segunda metade deste artigo), não tratava-se de uma sociedade pós-industrial ou pós-capitalista, nem tampouco de um novo momento positivo para o capital, em que este, agora livre das limitações impostas por um crescimento determinado pela lei do valor, podia desenvolver-se infinitamente, encontrando novas fontes de lucratividade em meios não ligados à exploração do trabalho vivo. Pelo contrário, tratava-se de um momento negativo para o capital, um momento de crise que já não era mais cíclica, mas sim estrutural, em que começavam a aparecer justamente os limites do desenvolvimento supostamente infinito deste modo de produção. Além disso, os investimentos em áreas “não produtivas” não representavam que elas eram agora inexplicavelmente lucrativas, mas sim que estava havendo um esgotamento das possibilidades de manutenção e retomada das taxas de lucro anteriores, e diante disso investir em áreas “não produtivas” era apenas um “mal menor”.

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 123


Crise estrutural do capital e arquitetura

José Thiesen; João Marcos Lopes

Antes, no entanto, de adentrar a esta discussão, vamos voltar para o campo da arquitetura, onde esforços teóricos significativos têm sido feitos no sentido de buscar encontrar os nexos entre a difícil caracterização deste novo momento do capital e a igualmente difícil caracterização do novo momento da produção arquitetônica.

ARQUITETURA NA ERA DIGITAL-FINANCEIRA Só para citar um exemplo: David Harvey (2012), pensador britânico que vem ganhando estaque dentro da discussão marxista em diversos campos das ciências sociais – embora tenha origem na geografia –, ao analisar a Condição pós-moderna à qual estamos sujeitos no capitalismo recente, recorre de maneira bastante farta a exemplos de diversos campos da expressão cultural, como o cinema, as artes plásticas, a publicidade, além de um que aqui muito nos interessa: a arquitetura. Como buscamos evidenciar no preâmbulo deste artigo, este recurso utilizado por Harvey (2012) não se deve ao acaso: compreender os reflexos culturais de uma época é tão importante para a compreensão da totalidade das relações colocadas para esta mesma época como compreender a totalidade é importante para compreender um reflexo cultural específico. Mais recentemente, e mais ao sul do mundo, o arquiteto Pedro Fiori Arantes (2010a) – em seu Arquitetura na era digital-financeira – buscou remexer com afinco nesta questão, que medeia a arquitetura produzida pelo que se acostumou chamar de star system do métier e as movimentações econômicas, políticas e sociais sobredeterminadas pelo novo estágio do capital mundializado.

3 De nossa parte, parecem lapidares as afirmações de Sérgio Ferro (2006, p. 105), já no início de O Canteiro e o Desenho: “o objeto arquitetônico, assim como a pá ou a arma, é fabricado, circula e é consumido, antes de mais nada, como mercadoria.” E mais adiante: “A mercadoria, para manter a face, esconde o que é e empresta o que não é. Esconde as relações de produção de que é fruto, intermediária e expressão, e põe as relações como epifenômeno de sua movimentação que se finge autônoma” (FERRO, 2006, p. 129).

O trabalho de Arantes (2010a) traz uma grande contribuição para o campo da arquitetura, perdido na maior parte do tempo em debates completamente descolados da base social real em que esta atividade necessariamente se desenvolve. Sua identificação do papel ideológico cumprido por essa arquitetura contemporânea, sua pesquisa sobre as mudanças ocorridas no interior dos grandes escritórios de arquitetura e da proletarização do arquiteto, sua análise sobre a introdução do robô-pedreiro – que em absoluto não veio para amenizar o trabalho no canteiro, senão para fazer o contrário – e sobre a nova função do ornamento nesta arquitetura recente, sua análise sobre a inserção de inovação tecnológica propiciada por este tipo de expressão arquitetônica, tudo isso é produto de um estudo profundo e minucioso. Um dos grandes trunfos de Arantes (2010a) é seguir uma linha de compreensão e análise que tem em Sérgio Ferro (2010, p. 13) um dos seus principais expoentes, e que admite que “a arquitetura faz parte de um conjunto maior, o da construção em toda sua extensão, que por sua vez está incluído num maior ainda, o da economia política.” Ou seja, enquanto expressão cultural, a arquitetura jamais deixará de possuir sempre uma ligação com um setor produtivo, que é o da construção, e que portanto, se há algum nível de influência da economia sobre a arquitetura enquanto segmento cultural ou artístico, ela provavelmente é ainda mais forte do que nas outras artes que não possuem esta vinculação3.

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 124


Crise estrutural do capital e arquitetura

José Thiesen; João Marcos Lopes

Sendo a arquitetura uma expressão tão diretamente vinculada à movimentação do capital, é fundamental aos arquitetos manter um alto nível de atenção relacionado à compreensão desta movimentação, como forma de conseguir atingir nível igualmente alto de análise sobre a própria arquitetura. É neste sentido, no entanto, que entra a problematização proposta por este artigo: admitindo a grande contribuição trazida à tona pelo estudo de Arantes (2010a) buscamos questionar parte de sua análise explicativa sobre o capitalismo contemporâneo, e indagar se não seria mais adequado referir-se a este capitalismo como um sistema em crise estrutural, ao invés de enxergá-lo apenas como um capitalismo financeirizado. A questão é delicada e possui nuances, os limites nem sempre aparecem bem demarcados, mas faremos o esforço de buscá-los. 4 Vejamos o que nos diz Mészáros (2012b): “A este respeito é necessário clarificar as diferenças relevantes entre os vários tipos e modalidades de crise. Não é de somenos importância o facto de uma crise na esfera social poder ser considerada periódica (conjuntural), ou de os seus fundamentos serem muito mais profundos do que isso. Pois, como é evidente, a forma de lidar com uma crise estrutural, uma crise dos fundamentos, não pode ser conceptualizada nos mesmos termos e segundo as mesmas categorias que se utilizam para lidar com as crises periódicas ou conjunturais. A diferença fundamental entre estes dois tipos de crise contrastantes é que a crise periódica ou conjuntural pode ser compreendida e resolvida dentro da estrutura actual, enquanto que a outra afecta a própria estrutura estabelecida no seu todo.”

Segundo Arantes, neste novo estágio do capitalismo, as “finanças globalizadas” passam historicamente a prevalecer em relação ao “capital industrial”. Ainda com relação ao próprio trabalho, Arantes (2010a, p. 1) menciona o “reino do capital fictício”, capaz de gerar “novas paisagens urbanas, figurações surpreendentes produzidas por uma arquitetura de ponta, aquela que explora os limites da técnica e dos materiais, quase sem restrições, inclusive orçamentárias.” Arantes (2010b, p. 105) situa sim, é verdade, esta arquitetura como expressão da crise – o que, mais do que em sua tese de doutorado, está bem expresso em um artigo em que afirma ser esta arquitetura contemporânea uma “evidência da crise”. O que queremos discutir, no entanto, é o caráter desta crise: cíclica? Ligada à uma bolha imobiliária, ou seja, relativa a um campo restrito da economia? Ou estrutural, global?4. Pois bem, alguns dos elementos presentes no estudo de Arantes (2010a) que gostaríamos de questionar relacionam-se à caracterização do momento presente como algo desencadeado por [...] um conjunto de acontecimentos mais ou menos simultâneos: a ascensão do regime de acumulação dominado pelas finanças e pela renda; a organização em rede e a acumulação flexível da produção pós-fordista, com mudanças no mundo do trabalho; a derrocada do bloco socialista, a crise do welfare e o aumento das desigualdades sociais; as novas formas de hegemonia norte-americana; a difusão das novas tecnologias digitais e da informação; a consolidação de uma virada epistemológica nas ciências, na linguística e na filosofia, etc. (ARANTES, 2010a, p. 97).

Isto teria relação com um momento, o atual, em que [...] todas as grandes empresas sabem fazer produtos similares com a mesma competência técnica, a diferença está nos valores imateriais que cada produto é capaz de incorporar por meio de estratégias de marketing, branding e design. [...] Essa busca pela transcendência corporativa é um fenômeno relativamente recente, quando um grupo seleto de empresas percebeu que construir e fortalecer suas imagens de marca, numa corrida pela ausência de peso, era a estratégia para alcançar um novo tipo de lucratividade. (ARANTES, 2010a, p. 35).

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 125


Crise estrutural do capital e arquitetura

José Thiesen; João Marcos Lopes

Arantes (2010a) afirma ainda que a arquitetura moderna teria, no passado, “eleito” o capital industrial como “principal aliado”, pois esse capital seria mais progressista que o fundiário. Já na arquitetura contemporânea o aliado preferencial passaria a ser o novo capital dominante (mais dinâmico e próspero da economia), ou seja, o rentista e o da indústria de entretenimento. Se antes, portanto, a arquitetura valorizava o capital como função antes do que como propriedade, agora passou a valorizar a propriedade do capital.5 Por fim, este novo momento do capital teria o seguinte desdobramento sobre a intensificação da extração de valor no campo da construção: 5 Cf Arantes (2010a, p. 3335).

6 Um exemplo disso é a ideia de “desmedida do valor”, que pode ser constatada, por exemplo, nos estudos de Eleutério Prado (2005). Outro é a ideia de uma “sociedade pós-industrial”, já mencionada e que tem como expoente o italiano Domenico De Masi (2000). Contrário a estas ideias que negam ou consideram ultrapassada a lei do valor, Paulo Netto e Braz (2008, p. 161, grifo do autor) nos oferecem uma visão que parece muito mais enraizada no movimento real do capital e de suas crises: “ainda que seja intenso o debate sobre a causalidade das crises, parece não haver dúvida quanto à sua função: é através delas que a lei do valor se impõe”; para compreender sua argumentação ver p. 160 e ss.

[...] quanto mais as diversas formas de rentismo levam a uma distribuição perversa do lucro social, apropriando-se de fatias consideráveis dele sem levar em conta as reais proporções da produção, mais se exige dos setores produtivos que ampliem a exploração – e a construção civil é uma das fronteiras mais prósperas (ARANTES, 2010a, p. 207).

Como já apontamos, embora haja um relativamente amplo consenso entre os pensadores críticos atuais em torno da constatação da passagem da hegemonia do capital industrial para o capital financeiro na contemporaneidade, o entendimento da relação desta hegemonia com a lei do valor desvendada por Marx (1996a; 1996b) ainda é objeto de grandes confusões e mesmo dúvidas6. Buscaremos agora revisitar uma das teorizações que, como também já vimos, esteve na origem do hoje heterogêneo campo marxista de análise do capitalismo contemporâneo, a de Mandel (1982), no sentido de extrair dela alguns fundamentos que – ao que parece – estão sendo negligenciados em muitas destas análises mais recentes, mas que, em nossa opinião, mantém sua validade e, em alguns casos, se aprofundaram nos últimos quarenta anos.

A CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL Embora datado da década de 1970, o estudo de Mandel não está ultrapassado, uma vez que sua atualidade está conectada ao fato de ele ter se proposto justamente a realizar uma análise de largo prazo. Sem mencionar o fato de haver uma série de pensadores que constantemente vem atualizando suas colocações. Pois bem, Mandel (1982) jamais situa em um único aspecto a causa dos sintomas do capitalismo tardio. Seu grande mérito está justamente em articular todos estes aspectos e compor um todo explicativo. Diversas vezes ele não apenas articula os fatores entre si como o faz duplamente, mostrando não só sua interação, como também sua interação recíproca. Assim consegue desmistificar algumas teorias que, situando a previsão da crise do sistema do capital em um único fator como causa, enxergavam um desenvolvimento mais ou menos linear dessa evolução. Por outro lado, não transforma essas interações recíprocas multicausais em um sistema equilibrado, mas sim aponta para tendências de crises que se desenvolvem a partir das contradições internas ao capitalismo, embora com

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 126


Crise estrutural do capital e arquitetura

José Thiesen; João Marcos Lopes

uma complexidade muito maior do que a daquelas tendências mais lineares. Impressiona, nos dias de hoje, a confirmação destas tendências, tanto das que foram declaradas por Mandel, quanto das que se pode pescar em suas entrelinhas. Dessa maneira, praticamente todos aqueles aspectos que apareceram no tópico anterior como um conjunto de fatores que, segundo Arantes (2010a), desencadeou o momento atual do capitalismo, também são mencionados por Mandel (1982). Mas há uma diferença, que reside no fato de que alguns daqueles aspectos são, para Mandel, mais centrais que outros, assim como alguns são tidos mais como consequências do que como causas, ou seja, não são considerados como “mais ou menos simultâneos” ou de forma homogênea. Um destes aspectos que nos chamou a atenção é a “crise do welfare”. Para Arantes (2010a, p. 5) esse aspecto parece ser bastante predominante sobre os demais, pois é o mais citado ao longo de todo o seu estudo. Arantes chega a falar em uma “sociedade pósutópica”, enveredando a análise para questões bastante subjetivas. Mandel (1982) praticamente enxerga essa imagem invertida. Para ele a “crise do welfare” é, na verdade, uma resposta do capital (antes de ser uma causa) ao limite encontrado por ele ao deparar-se com o final de uma “onda longa com tonalidade expansionista”, característica do período anterior, situado por Mandel entre o final da Segunda Guerra Mundial e mais ou menos o ano de 1965. Aqui somos forçados a uma pausa, pois a teoria das ondas longas de Mandel (1982) é algo bastante complexo e, embora sejamos obrigados a apresentá-la de maneira muito breve e, portanto, possivelmente empobrecedora, não podemos nos furtar em fazê-lo. É nela que está a chave para a compreensão de nosso tempo histórico. Vamos nos basear em tentativas de síntese do próprio autor: Uma transformação geral da tecnologia produtiva também ocasiona um aumento considerável na composição orgânica do capital e, dependendo das condições concretas, esse aspecto conduzirá mais cedo ou mais tarde a uma queda na taxa média de lucros. Esse declínio, por sua vez, tona-se o principal obstáculo à revolução tecnológica seguinte. As dificuldades cada vez maiores de valorização na segunda fase da introdução de toda nova tecnologia de base acarreta um subinvestimento crescente e a criação em escala cada vez mais ampla de capital ocioso. Somente se uma combinação de condições específicas der origem a um aumento repentino da taxa média de lucros é que esse capital ocioso, lentamente reunido no decorrer de várias décadas, será encaminhado em escala maciça para as novas esferas de produção, capazes de desenvolver a nova tecnologia de base. (MANDEL, 1982, p. 83, grifo nosso). Para Mandel (1982), diante deste impasse, as flutuações no exército industrial de reserva representam um dilema central para o capital. É, entre outros fatores, por isso que a taxa média de lucros cai com o aumento da composição orgânica do capital. Um exército industrial de reserva inflado tem quase sempre relação com um aumento na taxa de maisvalia (e ambos igualmente não se desligam de um aumento da composição orgânica do capital, pois trata-se de uma relação dialética de interação recíproca, que não cabe aqui esmiuçar em detalhe), pois força uma queda nos salários ainda mais para abaixo do valor da força de trabalho, mas também representa uma dificuldade maior em realizar o capital,

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 127


Crise estrutural do capital e arquitetura

José Thiesen; João Marcos Lopes

ao diminuir o poder de compra dos trabalhadores (tanto direta quanto indiretamente, já que os salários reais podem crescer diante de um exército de reserva restrito). A época do welfare (1945-1965), assim como outras épocas de mais ou menos igual duração, como os períodos entre 1848-1873 ou 1894-1913, teria sido marcada por condições propícias à realização do capital produtivo, que combinava aumento constante da produtividade do trabalho e, ao mesmo tempo, aumento do consumo. Mas estes ciclos de expansão acelerada, como mostra a citação acima, sempre encontram seu limite. O ciclo que o substitui, portanto, é forçado a inchar novamente o exército de reserva e a cortar as conquistas que os trabalhadores obtiveram no ciclo precedente, como forma de retomar um aumento na taxa de mais-valia (principalmente através da mais-valia relativa) e, consequentemente, na taxa de lucro. Eis o destino do welfare. Um parêntesis: Voltamos a alertar para o risco de empobrecimento dos debates: obviamente que uma série de fatores influenciam, de maneira combinada, tudo isso. Por exemplo, o fim da URSS é um elemento de peso para a crise welfare, uma vez que a melhoria no nível de vida dos trabalhadores sob o capitalismo foi um elemento importante da guerra fria. Basta olhar para o entre guerras (1918-1939), quando o capital se encontrava em situação semelhante, segundo Mandel (1982), à de 1965, e não pôde agir da mesma forma por conta do risco de uma revolução socialista tomar conta da Europa, inspirada na revolução russa de 1917.7 7 Ver Mandel (1982), p. 119-20 e p. 132).

Mas vejamos como ao falar de welfare já apontamos para questões que estão na base de outro fenômeno da contemporaneidade: o dilema do capital produtivo. Como dissemos, esse é um grande mérito de Mandel (1982). Seu raciocínio articula muito bem os fenômenos e vai fundo na busca de explicações. A criação em escala cada vez mais ampla de capital ocioso é, sem dúvida, algo que não pode ser negligenciado na busca por explicações para a forma da arquitetura contemporânea. Não se pode confundi-la, no entanto, com financeirização, que é tida pela maioria dos teóricos que a empregam, enquanto conceito, como um fenômeno tendencialmente permanente para o futuro (uma espécie de novo capitalismo), e não como um fenômeno relativamente transitório dos ciclos longos do capitalismo, mais especificamente deste último ciclo, marcado pela hegemonia do capital financeiro e pela crise estrutural. Um segundo parêntesis: Aqui também há muita confusão. Não faremos mais do que deixar uma citação de Mandel (1982, p. 220) que revela sua preocupação em clarear a compreensão do fenômeno da hegemonia do capital financeiro (enquanto fusão do capital bancário com o capital industrial): “Para Lênin, não é a dominância do capital bancário sobre o industrial que produz o imperialismo, mas sim o próprio desenvolvimento industrial, que tende ao monopólio.” Olhando por este ângulo, passamos a enxergar os malabarismos da arquitetura contemporânea muito mais como uma saída desesperada e desconfortável ao capital do que como uma grande sacada genial para aumentar seus lucros. Mas, para desembaçar este olhar, vamos aprofundar a análise com mais elementos. Voltemos, portanto, ao fenômeno de formação de uma massa de capital ocioso:

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 128


Crise estrutural do capital e arquitetura

José Thiesen; João Marcos Lopes

Enquanto o “capital” era relativamente escasso, concentrava-se normalmente na produção direta de mais-valia nos domínios tradicionais da produção de mercadorias. Mas se o capital gradualmente se acumula em quantidades cada vez maiores, e uma parcela considerável do capital social já não consegue nenhuma valorização, as novas massas de capital penetrarão cada vez mais em áreas não produtivas, no sentido de que não criam mais-valia. (MANDEL, 1982, p. 272, grifo do autor). Segue-se uma conclusão importante. Do ponto de vista dos interesses globais da classe capitalista, a expansão do setor de serviços no capitalismo tardio é, na melhor das hipóteses, um mal menor. É preferível à existência de capitais excedentes ociosos, mas continua sendo um mal à medida que não tem nenhuma relação direta com o aumento da massa total de mais-valia e que diretamente só contribui muito modestamente para esse aumento, ao reduzir o tempo de rotação do capital. (MANDEL, 1982, p. 284-285, grifo nosso). Para o capital, o setor produtivo sempre será o preferencial, pois ele é o único capaz de produzir mais-valia. “D só pode transformar-se em D’ pela mediação da produção”, afirmam categoricamente José Paulo Netto e Marcelo Braz (2008, p. 231, grifo do autor). Os únicos momentos em que o capital produtivo pode perder importância são aqueles em que a indústria não apresenta condições de valorização. Nestes momentos, o capital é forçado a direcionar-se para setores não produtivos, esses setores não são, em absoluto, mais lucrativos. Na verdade há aí uma boa dose de complexidade, porque se estes setores não fossem relativamente mais lucrativos também não atrairiam o capital. A questão é que, com isso, a capacidade regenerativa do capital se enfraquece, ou seja, não se trata de uma saída efetiva para o capital, mas sim de uma saída temporária e limitada. Em outras palavras, quanto mais o capital é forçado a investir nestes setores, mais aprofunda sua crise.

8 Outro autor que sustenta posição parecida é John Bellamy Foster (2008) ao afirmar que “o capitalismo na sua fase monopolistafinanceira tornou-se cada vez mais dependente do inchaço do sistema de crédito-débito a fim de escapar aos piores aspectos da estagnação. Além disso, nada no próprio processo de financeirização apresenta uma via de saída deste círculo vicioso.”

Claramente Mandel (1982) identifica na formação deste capital ocioso um problema gravíssimo para a “classe capitalista”8. Arantes (2010a, p. 283) também tomou nota da formação de uma massa de capital ocioso. Na conclusão de sua tese ele afirma inequivocamente: “A profusão de obras que assumem a forma-tesouro é tanto uma exigência da renda monopolista quanto reflexo do excedente absoluto de capital sobreacumulado que não encontra condições objetivas para sua valorização por meio do trabalho vivo.” Queremos apenas chamar a atenção para o fato de essa constatação ter sido tomada em segundo plano, aparecendo (pelo menos assim identificamos) apenas na conclusão, enquanto que a “exigência da renda monopolista” aparece seguidamente ao longo de todo o texto. Mandel (1982) complementa ainda a análise da formação de uma massa de capital ocioso afirmando que a lógica do capitalismo tardio é a de converter capital ocioso em capital de serviços e, sempre que possível, converter o capital de serviços em capital produtivo. Seus exemplos são os serviços de transportes convertidos em automóveis individuais, os serviços culturais (teatro, cinema) transformados em aparelhos privados de televisão e assim por diante, ou seja, converter serviços em mercadorias que representem novas necessidades e

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 129


Crise estrutural do capital e arquitetura

José Thiesen; João Marcos Lopes

possam voltar a realizar capital produtivamente. Talvez resida aí uma explicação mais contundente para o fato de a “nova economia da cultura” apostar tantas fichas justamente na arquitetura, que não só é uma mercadoria como é uma galinha dos ovos de mais-valia, dada a composição orgânica do capital nos canteiros de obra, tão bem estudados por Pedro Arantes (2010a). Mandel (1982) identifica, inclusive, nos becos sem saída em que se meteu a economia burguesa em seu afã por encontrar as medidas capazes de acabar com as crises, a exata expressão de uma burguesia condenada pela história9

9 Cf nota 23 (MANDEL, 1982, p, 291).

10 Ver, por exemplo em Mandel (1982, p. 340).

E há algo mais: Mandel (1982, p. 341) enxerga no papel que cumpre o Estado no capitalismo tardio o “corolário histórico das dificuldades crescentes de valorizar o capital e realizar a mais-valia de maneira regular”, sua “intervenção” no sentido de amenizar estas dificuldades, que também crescem constantemente, apenas deixam mais claro o fato de que “esse sistema sofre de uma doença incurável” (MANDEL, 1982, p. 341). É uma intervenção que se dá em vários níveis10, desde a regulação monetária e emissão de papel-moeda até o incentivo à indústria de armamentos, que tem o Estado como principal “consumidor” (na verdade comprador, pois grande parte do arsenal militar é comprado para jamais ser consumido). Parece que, nesta história, a nossa “arte”, a arquitetura, tem se situado mais próxima das máquinas de guerra do que das máquinas de dinheiro: Se o Estado não deseja apenas aumentar a demanda monetária efetiva dos “consumidores finais”, mas também elevar o volume global de investimentos, só pode fazê-lo ao assegurar que seus investimentos não entrem em concorrência com os investimentos da empresas capitalistas privadas – em outras palavras, se não privar essas últimas de seus mercados já restritos. Assim, os investimentos estatais só promoverão uma melhora se criarem “mercados adicionais”. Historicamente falando, a produção de armamentos e as obras públicas têm desempenhado esse papel. (MANDEL, 1982, p. 386). Parece que é exatamente aqui que se encaixa boa parte da arquitetura contemporânea desenhada pelo atual star system do métier. Pedro Arantes (2010a) identifica este fenômeno muito bem, chegando inclusive a sugerir explicações bastante interessantes para o fato de as relações entre orçamentos e preços serem diferenciadas entre as obras encomendadas pelo Estado e as encomendadas pelo setor privado e para as relações que ela estabelece com o mercado imobiliário. Visto dentro do contexto sugerido por Mandel (1982), no entanto, são as raízes mais profundas da função desta nova arquitetura que vêm à tona. Muito antes de os arquitetos elegerem seu capital aliado, à luz da análise histórica do capitalismo recente feita por Mandel (1982), nos parece que, como já o constatara Sérgio Ferro (2006), houve muito mais determinações no sentido inverso. Desta maneira, o papel do Estado se torna mais claro também. O Estado, já no tempo do welfare, cumpriu papel central no “incentivo” à arquitetura. Naquela época a construção de escolas, hospitais, conjuntos habitacionais, tudo isso já cumpria com o papel de fornecer um espaço para a reprodução do capital que fosse altamente lucrativo (em termos de mais-valia, mais até do que de lucros). Politicamente também era importante que o fizesse, pois a política de

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 130


Crise estrutural do capital e arquitetura

José Thiesen; João Marcos Lopes

welfare, muito mais do que uma promessa da modernidade, cumpriu com o papel de fazer concessões aos trabalhadores no lado ocidental (nos países imperialistas, obviamente, pois na periferia o que se viu foram ditaduras sangrentas) em um contexto de guerra fria. Na fase de sua crise estrutural, no entanto, o Estado não só precisa desmontar o welfare como forma de abrir espaço para que o capital privado abocanhe uma parcela maior do setor de serviços (como mal menor, já vimos), como precisa manter os “investimentos”, senão aumentá-los, na construção civil para fazer crescer a produção da massa total de mais-valia. Por isso nos parece inadequada à avaliação de que o projeto moderno “cumpriu o seu destino”, como afirma Otília Arantes (2005), ou pelo menos ela é insuficiente. O que acabou não foi nenhuma promessa, mas sim o período em que o capital podia regular-se com maior tranquilidade e, portanto, criar certas ilusões esperançosas (haja vista a floração dos partidos socialdemocratas, defensores de uma “terceira via”).

11 Este fenômeno da inserção de trabalhadores do antigo bloco socialista na construção civil a nível mundial, aliás, é muitíssimo bem analisado por Pedro Arantes.

O que está por trás destas diferenças aparentemente pouco relevantes é a identificação da crise estrutural do capital. Para Mandel (1982) é muito improvável que o capitalismo seja capaz de conseguir efetuar a virada necessária para alcançar uma nova onda longa com tonalidade de expansão. Alguns acontecimentos recentes, os quais ele não vivenciou, podem ter trazido um pequeno novo fôlego ao sistema do capital, como a extinção do bloco socialista do oriente, que fez o mercado mundial se expandir consideravelmente e injetou um novo grande contingente no exército de reserva a nível mundial11. Nos parece mais adequado, portanto, compreender esta arquitetura do star system como expressão da crise estrutural do capital, antes de compreendê-la como expressão da “financeirização”, termo bastante limitado, se o considerarmos apenas como parte constitutiva de um processo mais amplo: justamente o da crise estrutural. Jamais compreenderíamos essa relação, no entanto, sem estudar essa arquitetura de maneira profunda e buscando seus elementos de canteiro e de desenho como o fez Arantes (2010a).

CONCLUSÕES E DESDOBRAMENTOS PARA A PRÁTICA DO ARQUITETO NA CONTEMPORANEIDADE 12 Este é o título de um de seus escritos publicados na Monthly Review. (MÉSZÁROS, 2012). Disponível em:< http://monthlyreview. org/2012/03/01 /structuralcrisis-needs-structuralchange> . Em português encontra-se uma versão em: http://www.odiario. info/?p=2451.

As crises econômicas se tornando cada vez mais constantes e avassaladoras, o crescimento da irracionalidade (na arquitetura, inclusive), a intensificação da luta de classes, tudo isso indica que a constatação de uma crise estrutural do sistema do capital é muito correta. O momento atual parece marcado pela impossibilidade de oferecer alternativas que desconsiderem uma mudança profunda nas relações de produção. Há teóricos contemporâneos importantes que estão dedicados a desenvolver esta compreensão, atualizando a constatação da crise estrutural. Um deles é Mészáros (2012), que afirma que “uma crise estrutural exige uma mudança estrutural”12. Não se trata de negar a capacidade regenerativa do capital, sempre surpreendente, mas sim de compreender que nos termos do processo histórico de sociabilidade humana, o

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 131


Crise estrutural do capital e arquitetura

José Thiesen; João Marcos Lopes

capitalismo já mostra evidentes sinais de esgotamento, o que tem conduzido a verificação de sinais muito preocupantes de ameaças à própria sobrevivência da humanidade. Obviamente que esta constatação pressupõe a possibilidade de o povo, enquanto sujeito histórico, construir um projeto societário distinto e impô-lo como alternativa. Ela não coaduna, portanto, com nenhuma ideia do tipo a que apregoa uma sociedade pós-utópica. Se há hoje uma dificuldade em identificar alternativas, isso não é produto de nenhum destino histórico. Mais do que nunca a afirmação de Rosa Luxemburgo (2010) ganha validade: socialismo ou barbárie.

13 Por certo que também não estamos aqui defendendo utopias, mas sim a inevitabilidade da projeção de mudanças na sociedade. Sobre o problema das utopias, mais uma vez Mészáros (2012b): “Quando se afirma a necessidade de uma mudança estrutural radical é necessário que fique desde logo claro que não se trata de um apelo a uma utopia irrealizável. Bem pelo contrário, a característica essencial das teorias utopistas modernas é precisamente a projecção de que o melhoramento das condições de vida dos trabalhadores pode ser alcançado no quadro estrutural existente nas sociedades criticadas”.

14 Expressão utilizada por ele em seu primeiro livro (ARANTES, 2002).

Uma sociedade pós-utópica seria uma sociedade sem saída, onde já não haveria mais nada o que fazer para modificar o existente13. E há realmente quem defenda este cruzar de braços, ou a espera de um milagre. Felizmente não é o caso de Pedro Arantes (2002, 2010a), já que não só sua tese é uma contribuição fundamental para elevar o nível do debate como também o é seu trabalho junto aos movimentos sociais. Seu “fio da meada”14 considera partir para uma atuação que não se limita a estabelecer a luta econômica dos trabalhadores, mas sim em buscar retomar o controle dos trabalhadores sobre seu próprio trabalho. Prática que desde Mandel (1982) já era considerada fundamental neste novo momento: O capitalismo tardio é uma ótima escola para o proletariado, ensinando-o a não se preocupar unicamente com a partida imediata do valor recém-criado entre salários e lucros, mas com todas as questões do desenvolvimento e da política econômica, e particularmente com todas as questões que envolvem a organização do trabalho, o processo de produção e o exercício do poder político. (MANDEL, 1982, p. 128).

Esta ação prática, no entanto, é mais do que meramente política, organizativa ou econômica, ela é também um exercício de arquitetura, de experimentação no campo do projeto e da criação arquitetônica. Por isso a forma contra-hegemônica de arquitetura defendida e experimentada pelos arquitetos que compõe o “fio da meada” identificado por Pedro Arantes (2002) é tão valorosa para quem se interessa pela emancipação da arquitetura. Estes arquitetos jamais se contentaram em pronunciar em termos abstratos a feição de uma arquitetura do socialismo, provavelmente todos eles concordariam com Jameson (1994) quando este afirma: [...] não serve a nenhum propósito prático especular sobre as formas que poderia adquirir um terceiro e autêntico tipo de linguagem cultural em situações que ainda não existem. Quanto aos artistas, também para eles “a coruja de Minerva alça seu vôo ao crepúsculo”; também para eles, como para Lênin em abril, o teste da inevitabilidade histórica é sempre após o fato; e eles, tanto quanto nós, só podem ser avisados do que é historicamente possível depois que tenha sido tentado. (JAMESON, 1994, p. 15, grifo do autor).

É na possibilidade de experimentar, portanto, que se pode avançar para uma “linguagem cultural” autêntica, despida das determinações de classe que a sociedade de classes impõe. Esta experimentação, no entanto, precisa de uma orientação teórica. Afinar os instrumentos da crítica para não cair em ilusões quanto ao futuro é essencial. O tempo parece impor aos interessados nesta emancipação da arquitetura que não só experimen-

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 132


Crise estrutural do capital e arquitetura

15 Este também é o título de uma das mais recentes obras de István Mészáros (2007).

José Thiesen; João Marcos Lopes

tem para manter uma arquitetura contra-hegemônica atuando ao lado da hegemônica. A disputa pela hegemonia parece que está com a conjuntura de coexistência pacífica com os dias contados. Se o capitalismo está realmente se aproximando de um beco sem saída, cabe aos arquitetos voltar a pensar na resolução dos grandes problemas que uma outra sociedade irá exigir, cabe a nós (arquitetos) pensar em como assumir as rédeas de uma nova arquitetura, que não brotará apenas de nossa vontade subjetiva, mas também como exigência objetiva do tempo histórico. Formular tudo isso em tempos difíceis, de corte de direitos da classe trabalhadora, no entanto, parece ser a exata expressão do “desafio e o fardo do tempo histórico”15, o desafio do nosso próprio tempo histórico.

REFERÊNCIAS ARANTES, O. A “virada cultural” do sistema das artes. São Paulo, 18 abr. 2005. Comunidades Intencionais. Disponível em: <http://comunidadesintencionais.files.wordpress. com/2009/09/a-e2809cvirada-culturale2809d-do-sistema-das-artes-otilia-arantes.pdf>. Acesso em: 28 jun. 2012. ARANTES, P. F. Arquitetura nova: Sérgio Ferro, Flávio Império e Rodrigo Lefèvre, de Artigas aos mutirões. São Paulo: Editora 34, 2002. ______. Arquitetura na era digital-financeira: desenho, canteiro e renda da forma. 2010. 307 f. Tese (Doutorado)- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo-FAU-USP, São Paulo, 2010a. _______. Forma, valor e renda na arquitetura contemporânea. ARS, São Paulo, v. 8, n. 16, p. 85-108, 2010b. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ars/v8n16/07.pdf>. Acesso em: 7 nov. 2013. DE MASI, D. A Sociedade pós-industrial. 3. ed. São Paulo: Editora Senac, 2000. FERRO, S. Arquitetura e trabalho livre. São Paulo: Cosac Naify, 2006. _______. A história da arquitetura vista do canteiro: três aulas de Sérgio Ferro. São Paulo: GFAU, 2010. FOSTER, J. B. The Financialization of Capital and the Crisis. Monthly Review, New York, v. 59, n. 11, Apr. 2008. Available:<http://monthlyreview.org/2008/04/01/the-financialization-of-capital-and-the-crisis>. Access: 16 set. 2013. ______. The Financialization of Capitalism. Monthly Review, New York, v. 58, n. 11, Apr. 2007. Available: < http://monthlyreview.org/2007/04/01/the-financialization-of-capitalism>. Access: 16 set. 2013. FRAMPTON, K. Historia crítica da arquitetura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 133


Crise estrutural do capital e arquitetura

José Thiesen; João Marcos Lopes

GREGOTTI, V. Território da Arquitetura. São Paulo: Perspectiva, 1975. HARVEY, D. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 22. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2012. HILFERDING. O capital financeiro. São Paulo: Nova Cultural, 1985. (Os Economistas). JAMESON, F. Reificação e utopia na cultura de massa. Revista Crítica Marxista, São Paulo, v. 1, n.1, p. 1-25, 1994. _______. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ed. Ática, 1996. LÊNIN, V. I. O Imperialismo, etapa superior do capitalismo. Campinas: FE/UNICAMP, 2011. (Navegando Edições). LUXEMBURGO, R. Reforma ou revolução? 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010. MARX, K. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996a. v.1, t.1 _______. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996b. v.1, t.2. MANDEL, E. O capitalismo tardio. São Paulo: Abril cultural, 1982. MÉSZÁROS, I. Desafio e o fardo do tempo histórico: o socialismo no século XXI. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007. ______. Para além do Capital. São Paulo: Boitempo; Campinas: Editora da UNICAMP. 2002. ______. Uma crise estrutural exige uma mudança estrutural. Tradução de Miguel Queiroz e Inês Félix. O Diario.info. 19 abr. 2012. Disponível em: <http://www.odiario. info/?p=2451>. Acesso em: 29 jun. 2012. PAULO NETTO, J. Uma face contemporânea da barbárie. In: ENCONTRO INTERNACIONAL CIVILIZAÇÃO OU BARBÁRIE,. 3, 2010, Serpa. O Diario.info. 3 dez. 2010. Disponível em: <http://www.odiario.info/b2-img/JosePauloNetto.pdf>. Acesso em: 16 set. 2013. PAULO NETTO, J; BRAZ, M. Economia política: uma introdução crítica. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2008. PRADO, E. Desmedida do valor: crítica da pós-grande indústria. São Paulo, Xamã, 2005.

Eptic Online 16(1) 2014

Dossiê Temático 134


CONTRA-AGENDAMENTO NA FOLHA DE SÃO PAULO: OPINIÃO PÚBLICA E PRESENÇA DOS CANDIDATOS A PRESIDENTE DO PSDB E PT NO JORNAL (2006 E 2010) AGENDA REVERSA EN LA FOLHA DE SÃO PAULO: OPINIÓN PÚBLICA Y PRESENCIA DE LOS CANDIDATOS A LA PRESIDENCIA DEL PSDB Y EL PT EN EL PERIÓDICO (2006 Y 2010) REVERSE-AGENDA IN FOLHA DE SÃO PAULO: PUBLIC OPINION AND THE PRESENCE OF THE CANDIDATES FOR PRESIDENT OF THE PSDB AND PT IN NEWSPAPER (2006 AND 2010)

Emerson Urizzi CERVI Professor do programa de Pós-graduação em Ciência Política e do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Doutor em Ciência Política pelo Iuperj em 2006. Pesquisador nas áreas de Comunicação Política e Eleições E-mail: ecervi7@gmail.com

Revista Eptic Online Vol.16 n.1 p.135-151 jan.-abr. 2014 Recebido em 19/08/2013 aprovado em 23/11/2013


Contra-Agendamento na Folha De São Paulo

Emerson Urizzi Cervi

RESUMO Desde que começou a ser mais fortemente difundida a hipótese do agendamento jornalístico, em1972, o paradigma dos “efeitos limitados” da mídia vem sendo revisto. Mc-Combs e Shaw (1972) deram visibilidade ao conceito de agenda-setting no campo do jorna-lismo ao demonstrarem a relação entre a agenda da mídia e do público, com a primeira influ-enciando a segunda. Novas pesquisas têm mostrado a relação, porém de forma inversa, isto é, o público agendando os meios de comunicação, ou seja, o contra-agendamento. O artigo ana-lisa a contra-agenda nas duas mais recentes eleições presidenciais no Brasil: 2006 e 2010. A hipótese é que a função de contra-agenda é maior que a de agendamento na cobertura dos candidatos à presidência pela Folha de São Paulo. Os resultados mostram que o efeito de con-tra-agenda é superior ao de agendamento para os casos analisados.

Palavras-chave Agenda-setting. Eleições 2006 e 2010. Intenção de voto.

RESUMEN desde que empezó a ser más furetemente difundida la hippótesis del agenda-setting, em 1972, el paradigma de los “efectos limitados” de los médios de comunicación há sido revisado. McCombs y Shaw (1972) dieron visibilidade al concepto de agenda-setting en el campo del periodismo al demonstrar la relación la relación entre la agenda de los médios y la del público, con la primera influindo en la segunda. Una nueva hipótesis há demostrado la relación inversa, es decir, la contraagenda. El artículo analisa la contra-agenda en las dos últimas elecciones presidenciales em Brasil: 2006 y 2010. La hipótesis es que la función de contra-agenda es mayor que la agenda-setting de los candidatos presidenciales en laFolha de São Paulo. Os resultados muestran que el efecto de contraagenda és mayor que agenda-setting para los casos analizados. Palavras clave Agenda-setting. Elecciónes 2006 y 2010. Intención de voto.

ABSTRACT Since started beign more strongly the hypoothesis of agenda-setting, in 1972, the paradigm of “limited effects” of the media has been revised. McCombs and Shaw (1972) gave visibility to the concept of agenda-setting in the field of journalism to demonstrate the relationship between the media agenda and the public agenda, with the first influencing the latter. New research has shown the relationship, but in inverse order, public scheduling media. The article analyses the reverse-agenda in the two most recent presidential elections in Brazil: 2006 e 2010. The hypothesis is that the function of reverse-agenda is greater than the agenda-setting of presidential candidates coverage by Folha de São Paulo. The results show that the effect of reverse-agenda is higher than agenda-setting for the cases analysed. Key-words Agenda-setting. Elections 2006 e 2010. Vote intention

Eptic Online 16(1) 2014

Investigação 136


Contra-Agendamento na Folha De São Paulo

Emerson Urizzi Cervi

UM CONCEITO DE CONTRA-AGENDAMENTO NA COBERTURA ELEITORAL Em 1973, o jornalista americano Theodore White (1973, p. 327), a respeito da imprensa norte-americana, escreveu: “O poder da imprensa na América é algo primordial. [...] Ele estabelece o que as pessoas irão falar e pensar – uma autoridade que em outras nações é reser-vada a tiranos, padres, partidos e mandarins.” Mais especificamente, ele se referia ao poder que a mídia possui em influenciar a agenda pública através da sua própria agenda, algo que um ano antes a dupla de pesquisadores norte-americanos, Donald Shaw e Maxwell McCombs (1972), haviam identificado como “agenda-setting” no artigo The agenda-setting function of the Mass Media. No Brasil o termo foi traduzido como “agendamento”. Esse não foi o primeiro estudo sobre agendamento midiático, mas é o que teve maior impacto no meio acadêmico. Antes mesmo da publicação do trabalho que romperia com o paradigma dos “efeitos limitados” da mídia, até então vigente, outros autores já apontavam para essa influência da mídia na agenda pública. Walter Lippmann, em Public Opinion (1922), afirma que os veículos noticiosos determinam na audiência mapas cognitivos do mundo no qual não se tem expe-riência direta. Por sua vez, Robert Park (2008) destacava o poder da mídia em estabelecer uma hierarquia dos fatos nos veículos de comunicação e, consequentemente, na escolha dos temas acessados pelo público nos jornais. Em 1963 Bernard Cohen (apud McCOMBS, 2004, p.19) apresentou a definição que seria a mais comum para a conceituação do agendamento: “Os veículos noticiosos podem não ser bem-sucedidos em dizer às pessoas o que dizer, mas são surpreendentemente bem-sucedidos em dizer às audiências sobre o que pensar.”

1“In short, the political world is reproduced imperfectly by individuals news media. Yet the evidence in this study that voters tend to share the media’s composite definition of what is important strongly suggest and agenda-setting function of the mass media” (McCOMBS, SHAW; 1972, p.184).

No Brasil, Barros Filho (2001, p. 169) define o agenda-setting como “hipótese segundo a qual a mídia, pela seleção, disposição e incidência de suas notícias, vem determinar os temas sobre os quais o público falará e discutirá." Complementando, Wolf (2001, p.144) afirma que as pessoas têm tendência de incluir ou excluir em suas agendas aquilo que a mídia inclui ou exclui da agenda dela. Os estudos realizados em Chapel Hill, em 1968, com os eleitores indecisos e acompanhando as notícias da mídia, foram concluídos no mesmo ano, entretanto seus resultados se tornaram públicos em 1972. Como conclusão daquela pesquisa, McCombs afirma: Resumindo, o mundo político é reproduzido imperfeitamente pelas notícias indivi-duais. No entanto, as evidências neste estudo de que os eleitores tendem comparti-lhar a definição de composição da mídia sobre o que é importante, sugere fortemente uma função de agendamento pela mídia de massa. (McCOMBS; SHAW, 1972, p.184, tradução nossa)1 .

2 Ver obra de Jennings Bryant

e Dorina Miron (2004), sobre publicações com o uso da hipótese do agendamento.

Desde o início dos anos 70, mais de 400 pesquisas empíricas foram identificadas por McCombs (2004) utilizando a hipótese do agendamento como pressuposto conceitual2 . Os novos estudos analisam a dinâmica, como ocorrem, em que situações, que fatores podem influenciar o processo (o agenda-building). Como consequência dos estudos de agendamento, outros conceitos surgiram nesta seara das pesquisas do Mass Media Communica-

Eptic Online 16(1) 2014

Investigação 137


Contra-Agendamento na Folha De São Paulo

Emerson Urizzi Cervi

tion. Mais recentemente, pesquisas buscaram identificar outras dinâmicas no processo de agendamento. Uma delas é a que propõe que a sociedade seria capaz de agendar a mídia, isto é, alterando o sentido tradicional do agenda-setting. 3

Note que na tradução da obra de 2004 de McCombs (lançada em 2009 no Brasil), o termo utilizado é “agendamento reverso”. No entanto, o conceito usado nos estudos consultados para este trabalho, com una-nimidade, é contraagendamento. Trata-se apenas de um problema de tradução, já que, como sugere o próprio autor, a definição do conceito é o mesmo: um agendamento da mídia realizado pela sociedade

Este propósito – o de um agendamento partindo da sociedade (social setting) – já era descrito antes mesmo dos estudos que buscam analisá-lo no contexto do agendamento. Desde o início dos estudos, em 1968, McCombs e Shaw (1972) já identificavam um “empoderamento” da sociedade no que tange a agendar a mídia. Em seu livro de revisão sobre a agenda-setting, Mawell McCombs (2009) fala de pesquisas realizadas em Louisville, Kentucky, entre 1974 a 1981, que mostram evidências de contra-agendamento: “Os assuntos que estão no quinto e sexto lugar no ranking da agenda do Louisville Times – recreação pública e atendimento de saúde, respectivamente – são exemplos de agendamento reverso, uma situação na qual a preocupação da opinião pública estabelece a agenda da mídia.” (McCOMBS, 2009, p. 35)3 . Segundo Miranda (2010, p. 5) “alguns autores apontavam para a possibilidade de haver um caminho contrário ao da influência da imprensa na sociedade. Seria a idéia de que essa sociedade também teria o potencial de pautar a mídia.” Sousa (1999) destaca que a hipótese do agendamento subestima a realidade, ao não contemplar a possibilidade de a audiência pau-tar a mídia.

4

O autor utiliza o termo advocacy como defender, representando as iniciativas dos grupos e movimentos sociais com o objetivo de produzir pressão política por meio de suas ações articuladas de mobilização, defendendo seus interesses ou da sociedade civil organizada. Segundo Miranda (2010) este conceito se afasta de lobby, pois não representa interesses corporativos ou do jogo político.

O pressuposto da contra-agenda é o de que a sociedade não necessita majoritariamente da mídia para se informar a respeito de tudo o que ocorre ao seu redor. Ela consegue encontrar informações em outras fontes, em ambientes informacionais externos à mídia tradicional. Mas uma dimensão ganha destaque: as relações interpessoais. “É possível estar a par desta ou daquela informação sem que se tenha consumido produtos mediáticos. As pessoas se infor-mam entre si. O receptor direto de um jornal televisivo comentará sobre o conteúdo das men-sagens recebidas em suas reflexões”. (BARROS FILHO, 2003, p. 198). É no seio do debate público, destas relações interpessoais, que surge uma força capaz de influenciar a mídia. Se-gundo Barros Filho (2003) quanto maior o grau de relações interpessoais entre os membros de uma comunidade, menor a influência da mídia, isto é, o poder de agendamento (o agenda-setting tradicional). É também a partir destas relações que a sociedade ganha força e é capaz de influenciar a mídia (o contra-agendamento). No capítulo “Sociedade, Esfera Pública e Agendamento”. Luiz Martins Silva (2007) mostra a influência que organizações civis e movimentos sociais conseguem exercer na imprensa. De acordo com o autor o contra-agendamento: “Compreende um conjunto de atuações, que passam estrategicamente, pela publicação de conteúdos na mídia e depende, para seu êxito, da forma como o tema-objeto-de-advocacia4 foi tratado pela mídia, tanto em termos de espaço, quanto em termos de sentido produzido.” (SILVA, 2007, p. 84-85). Não só sob a forma de movimentos sociais, mas o contra-agendamento pode partir de formas institucionalizadas da opinião pública, por exemplo, as pesquisas de intenção de voto. Fonte de informação importante em anos eleitorais, essas pesquisas representam uma forma de expressão individualizada do eleitor e são importantes para os partidos políticos – que tomam decisões com base nelas. Também para os eleitores, que podem optar por um voto sincero ou estratégico, e pelos veículos noticiosos, que balizam sua cobertura

Eptic Online 16(1) 2014

Investigação 138


Contra-Agendamento na Folha De São Paulo

5 Só foi considerado os três meses anteriores ao primeiro turno e o período do primeiro ao segundo turno, quando houve (BIROLI; MIGUEL; MOTA, 2011, p.76).

Emerson Urizzi Cervi

eleitoral com base nelas. A importância para a mídia pode ser identificada pela publicação de resultados de pesquisas pelos jornais. Por exemplo, em 2006 o jornal diário Folha de São Paulo (FSP) publicou 34 pesquisas, já em 2010, foram 635 . As aferições balizam a cobertura à medida que os jornais tendem a dar mais visibilidade sobre os candidatos de maior preferência entre os eleitores. Feitas as apresentações conceituais introdutórias, a partir daqui trataremos especificamente do conceito de contra-agendamento para analisar a relação entre cobertura eleitoral realizada da Folha de São Paulo e opinião pública institucionalizada sob a forma de intenção de voto em pesquisas de opinião pública. Para tanto, será analisada a relação entre a presença dos dois principais candidatos (mais votados) nas eleições presidenciais de 2006 e 2010 no jornal Folha de São Paulo e nas pesquisas de intenção de voto entre os meses de fevereiro e outubro de cada ano. Parte-se da hipótese de que havendo contraagendamento a influência da opinião pública antecede mudanças nas aparições dos candidatos no jornal e não contrário.

CENÁRIOS ELEITORAIS PARA DISPUTA PRESIDENCIAL DE 2006 E 2010

6 suposto esquema de compra de votos de parlamentares, através do pagamento mensal de vantagens indevidas, atingindo pessoas ligadas diretamente ao presidente, como o presidente do PT deputado José Genoíno e Ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu

Nas duas eleições analisadas aqui, os dois partidos que concentraram a maioria dos vo-tos foram o Partido dos Trabalhadores (PT) e Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Seus candidatos foram para o segundo turno nas duas ocasiões: Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enfrentou Geraldo Alckmin (PSDB), em 2006; e Dilma Rousseff (PT) teve como oponente José Serra (PSDB). Outra característica comum às duas eleições diz respeito à vitória dos candidatos do PT, com a reeleição de Lula em 2006 e de sua sucessora, Dilma Rousseff, em 2010. Em 2006 Lula contava com alta popularidade. Já no front peesedebista, o candidato era o então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Ao longo das campanhas eleitorais, o candidato tucano usou o escândalo do mensalão6 . Soma-se a isso, o “escândalo dos Alopra-dos”, como ficou conhecido a tentativa de membros do PT na confecção de um dossiê que envolveria o candidato ao governo paulista, José Serra, no esquema de desvio de verbas na compra de ambulâncias supervalorizadas (o caso Sanguessuga). Já o governador paulista Geraldo Alckmin enfrentava uma onda de violência da facção criminosa (Primeiro Comando da Capital (PCC) que assolou a capital do Estado no Período pré-eleitoral, mostrando a fragilida-de da segurança pública de São Paulo. Os escândalos pesaram na campanha de Lula. Geraldo conseguiu levar o pleito para o segundo turno, recebendo 41,64% dos votos válidos (o petista obteve 48,61%), no primeiro turno – 1° de outubro. No entanto, no segundo turno, Lula foi reeleito com 60,83% dos votos válidos em 29 de outubro de 2006. Já nas eleições de 2010, Dilma Rousseff (PT) era a candidata apoiada por Lula, e assumiu a posição de presidenciável um ano antes do pleito, à frente da Casa Civil e do Progra-ma de Aceleração da Economia (PAC). Por sua vez, o PSDB escolhera o experiente governador José Serra como principal opositor. Assim como em 2006, as campanhas foram marcadas

Eptic Online 16(1) 2014

Investigação 139


Contra-Agendamento na Folha De São Paulo

Emerson Urizzi Cervi

por escândalos. Contra Dilma, o escândalo do Mensalão e o envolvimento de sua sucessora na Casa Civil – Erenice Guerra – em casos de lobby. Já próximo ao fim do primeiro turno, o questão polêmica sobre aborto também mobilizou eleitores. Pelo lado dos tucanos, a demora na oficialização da candidatura de Serra, seu posicionamento “continuista” em relação ao go-verno Lula, e as críticas ao seu governo no Palácio dos Bandeirantes deram o tom negativo da campanha do PSDB. A partir desse contexto e considerando a permanente presença dos can-didatos nas páginas dos jornais no ano eleitoral, o próximo tópico apresentará a análise empí-rica em busca de evidências sobre o contra-agendamento das intenções de voto sobre a cobertura da FSP.

DADOS EMPÍRICOS E CORPUS DE ANÁLISE O objetivo deste artigo é apresentar os resultados de testes empíricos que representem o nível de agendamento e contra-agendamento de candidatos à presidência da república em 2006 e 2010 no jornal Folha de São Paulo. Para tanto, serão utilizadas duas fontes de informações. Uma é a presença dos políticos nas páginas dor jornais. São computadas todas as citações dos nomes dos dois principais candidatos à presidência nas eleições, entre os meses de fevereiro e outubro de cada ano. O objetivo é usar a FSP como um indexador da presença dos concorrentes à presidência na mídia impressa. Não se pretende, com isso, afirmar que a FSP é capaz de representar o padrão de abordagem jornalística feita sobre campanhas eleito-rais. Utiliza-se esse jornal por ser o de maior circulação no País, já que são analisadas as elei-ções para presidência da República. A presença dos candidatos nas páginas dos jornais repre-senta a possibilidade de agendamento das imagens pessoais deles na sociedade. A segunda fonte de dados são os resultados de pesquisas de intenção de voto nas duas disputas. Foram incluídas todas as pesquisas com amostras nacionais, realizadas entre fevereiro e outubro de 2006 e de 2010. Delas, extraíram-se os percentuais de intenção de voto dos concorrentes ana-lisados aqui. Quando se compara, ao longo do tempo, sobre o crescimento ou queda no número de citações dos candidatos nas edições do jornal com o aumento ou redução das intenções de voto, segundo pesquisas de opinião, é possível verificar a força das relações entre candidatos na FSP e nas pesquisas, inclusive identificando a direção dos efeitos. Se o crescimento da presença do candidato no jornal antecede o aumento nas intenções de voto dele, é possível pensar em um efeito de agendamento. Se, ao contrário, o número de citações diárias aumenta depois que as pesquisas indicam crescimento das preferências por ele, o efeito é de contra-agenda, ou seja, o jornal seguindo as mudanças indicadas pelas pesquisas eleitorais. Vale res-saltar que a aplicação feita aqui aos conceitos de agenda ou contra-agendamento diz respeito aos candidatos e não à eleição como um todo. Por isso utilizam-se as citações dos candidatos nas análises. As descrições das relações temporais aqui seguem o modelo dos estudos sobre agendamento, organizando os dados em períodos semanais. Assim, as citações dos candidatos na FSP estão agrupadas em médias por semana e as intenções de voto, também em médias de percentuais por semana. Ao todo, são testadas as variáveis para 39 semanais,

Eptic Online 16(1) 2014

Investigação 140


Contra-Agendamento na Folha De São Paulo

Emerson Urizzi Cervi

entre fevereiro e outubro de cada ano eleitoral. A análise está dividida em três partes. Na primeira, verificamos as relações entre número de citações e intenção de voto em cada um dos períodos eleitorais: pré-eleitoral (fevereiro a junho), primeiro turno (julho a setembro) e segundo turno (outubro). Em seguida testamos se há alguma relação consistente entre as mudanças nas médias de citações e de intenção de voto ao longo do tempo. Por fim, verificamos se as alterações constata-das ao longo do tempo estão relacionadas entre si e, ao estarem, qual variável explica mais a mudança da outra. Para tanto, os testes são realizados sempre em dois períodos de tempo. O tempo passado (t-1) e o tempo presente (t0). Se a relação for mais forte entre presença no jor-nal no tempo passado e intenção de voto no tempo presente, isso indica efeito de agenda; se, ao contrário, o efeito passado da intenção de voto for relevante para a presença no tempo pre-sente dos candidatos no jornal, aponta para a hipótese do contra-agendamento. A tabela a seguir (Tabela 1) sumariza as médias semanais das intenções de voto nas pesquisas de opinião pública e do número de citações dos principais candidatos em 2006 e 2010. Também é apresentado o desvio padrão (entre parênteses) para cada média. O objetivo é verificar inicialmente as tendências de citações semanais e de intenção de voto para os can-didatos, comparando as duas eleições. Em 2006, percebe-se um crescimento contínuo para intenções de voto e aparições no jornal tanto para Lula, quanto para Alckmin. Entre fevereiro e junho de 2006, Lula apresentava uma média de 42,82% de intenção de voto e média de 22,49 citações semanais no jornal. Durante o segundo turno, a média de intenção de voto do petista subiu para 49,69%. As citações semanais no jornal saltaram para 137,87, de média, contra apenas 22,49 no pré-eleitoral.

Tabela 1 – Média por período eleitoral de intenção de voto e aparições na FSP

Alckmin apresentou a mesma tendência, passando de 20,95% para 40,79% de inten-ções de voto entre o período pré-eleitoral e o segundo turno; e de 25,63 para 98,55 citações na FSP no mesmo intervalo. Embora as tendências tenham sido as mesmas, as proporções das mudanças foram distintas. Enquanto as médias das intenções de voto em Lula cresceram 38% entre fevereiro e outubro de 2006, as médias de aparições subiram 513% no mesmo período. Já Alckmin, que teve crescimento de 94% nas intenções de voto, obteve um aumento de 294% em aparições no mesmo período.

Eptic Online 16(1) 2014

Investigação 141


Contra-Agendamento na Folha De São Paulo

Emerson Urizzi Cervi

Ou seja, proporcionalmente, Lula cresceu mais na cobertura da FSP do que nas intenções de voto durante o período analisado. Já em 2010 o cenário foi diferente. No período pré-eleitoral Dilma teve média semanal de 37,18% de intenção de voto, subindo para 52,44% no primeiro turno e para 54,67% no segundo turno. Na FSP o crescimento se deu na seguinte proporção: 37,97 citações de média semanal no período pré-eleitoral; 41,99 no primeiro turno e 65,07 no segundo turno. José Serra apresentou uma queda nas intenções de voto entre o período pré-eleitoral e o primeiro turno, passando de 41,47% para 35,92%, subindo para 43,57% no segundo turno. No entanto, embora as médias de citações na FSP tenham sido um pouco menores que as de Dilma, o can-didato do PSDB teve aumentos constantes de aparições no jornal durante os três períodos, passando de 31,58, para 33,97 entre pré-eleitoral e primeiro turno, saltando para 53,02 no se-gundo turno. Por outro lado, se a diferença média de intenção de voto de Dilma entre o início e fim do período ficou em 17%, a diferença nas aparições na FSP foi de 71%. Já Serra teve crescimento de intenção de voto de apenas 5% entre pré-eleitoral e segundo turno, embora as aparições no jornal tenham aumentado em 67% no mesmo período. Ainda que esses dados permi-tam identificar alguns padrões gerais de relação entre intenção de voto e aparições no jornal, principalmente para Lula, Alckmin (2006) e Dilma em 2010 – com menor força para José Serra -, não são suficientes para mostrar a relação temporal. 7 Como as unidades originais das duas variáveis são diferentes, em uma é a média das citações nas páginas do jornal e em outra é a média dos percentuais de intenção de voto nas pesquisas de opinião pública, para a repre-sentação gráfica optou-se por trabalhar com os valores transformados em seus logaritmos naturais. Assim, é possível comparar as diferenças proporcionais, independente das distinções entre as unidades. Porém, para os testes estatísticos foram utilizadas as variáveis originais, testadas a partir do modelo ARIMA (0,1,0).

O Gráfico 1 a seguir mostra as variações ao longo do tempo, por semana, das médias de citações na FSP e das intenções de voto dos candidatos do PSDB e PT, em 20067 . O que se pretende aqui é comparar as mudanças ao longo do tempo, medido em semanas, de fevereiro a outubro do ano eleitoral. Os pontos azuis indicam o log do percentual das intenções de voto e os verdes mostram o log da média semanal de citações. O gráfico da esquerda indica que durante todo o período pré-eleitoral e a primeira parte do primeiro turno as citações de Lula estiveram abaixo das intenções de voto do petista. A relação só se inverte de maneira consistente a partir da semana 28 (meados de agosto). Ele também mostra que há uma gradativa redução das diferenças entre citações e intenção de voto em Lula ao longo do tempo, para, após a inversão da relação, passar a existir um aumento gradual.

Eptic Online 16(1) 2014

Investigação 142


Contra-Agendamento na Folha De São Paulo

Emerson Urizzi Cervi

Gráfico 1 – Relação temporal entre intenção de voto e aparição na FSP em 2006

r2 modelo = 0,857 Estatística Intenção voto = 36,208 (0,007) Estatística Aparição FSP = 10,961 (0,896)

r2 modelo = 0,729 Estatística Intenção voto = 18,405 (0,429) Estatística Aparição FSP = 28,827 (0,051)

Na imagem da direita, gráfico de Alckmin, percebe-se uma dinâmica distinta. Excetu-ando algumas semanas ao longo de todo o período, as citações do candidato do PSDB tendem a ser superiores às intenções de voto dele. Além disso, a partir de meados do primeiro turno (semana 27) as diferenças entre citações e intenção de voto permanecem constantes até o final do segundo turno – excetuando a última semana de setembro, quando nota-se uma queda repentina nas citações. Os gráficos também informam os coeficientes de determinação (r2) do modelo conjun-to das variáveis e as estatísticas (l-jung Box) para impacto do tempo nas variáveis individuais (aparições no jornal e intenções de voto). No caso de Lula, o r2 do modelo é o mais alto, ficando em 0,857, indicando que a variação no tempo explica 85,7% das mudanças conjuntas percebidas nas variáveis. A variável que mudou mais ao longo do período foi média de apari-ção na FSP, com coeficiente de 28,827; enquanto a intenção de voto ficou com coeficiente de 18,405. No caso de Alckmin, o modelo apresentou um r2 de 0,729, com ajuste de 72,9% de explicação sobre as variações conjuntas para o candidato do PSDB ao longo do tempo. A variável individual que mais apresentou mudança foi a intenção de voto, com coeficiente de 36,208 e as aparições na FSP ficaram com coeficiente de 10,961. Comparando os coeficientes dos dois principais candidatos, percebe-se que a maior variação ao longo do tempo foi a intenção de voto em Alckmin, seguido pelo volume de aparições de Lula na FSP. A variação das intenções de voto em Lula é o terceiro maior coeficien-te, ficando à frente apenas das aparições de Alckmin na FSP. Outra informação importante a considerar é que como os dois modelos apresentam r2 acima de 70%, podese antecipar a exis-tência de alguma relação entre as duas variáveis - presença no jornal e intenção de voto – ao longo do tempo.

Eptic Online 16(1) 2014

Investigação 143


Contra-Agendamento na Folha De São Paulo

Emerson Urizzi Cervi

Em 2010 (Gráfico 2) as séries temporais indicam algumas diferenças quando comparadas às de 2006. Em primeiro lugar, há um crescimento constante nas intenções de voto da candidata do PT, ao contrário de Lula em 2006, que se manteve estável em praticamente todo o período. Na comparação das aparições na FSP também se percebe que no período pré-eleitoral as aparições de Dilma oscilaram entre acima e abaixo das intenções de voto. Já du-rante todo o primeiro turno, o log da média de intenção de voto da candidata do PT sempre esteve acima do log de citações no jornal. Essa relação só se inverteu no segundo turno, com as aparições de Dilma na FSP ficando acima das intenções de voto na Opinião Pública. No caso de Serra, percebe-se claramente que a curva do log de intenção de voto é estável até meados do primeiro turno, quando começa a cair, para voltar aos níveis anteriores no segundo turno. Já as aparições no jornal tendem a apresentar crescimento do período pré-eleitoral até o final de agosto, entram em queda nas primeiras semanas de setembro e voltam a crescer em outubro. Outra particularidade das curvas temporais de Serra é que na maior parte do período as aparições ficam abaixo das intenções se voto, alterando a relação apenas só no final do primeiro turno. Ainda em termos da relação das duas curvas temporais no caso de Serra, percebe-se que as distâncias entre os pares de pontos vão diminuindo ao longo do tempo, com as citações no jornal se aproximando das intenções de voto, enquanto que no caso de Dilma não é possível perceber essa redução proporcional. Gráfico 2 – Relação temporal entre intenção de voto e aparição na FSP em 2010

r2 modelo = 0,506 Estatística Intenção voto = 17,987 (0,456) Estatística Aparição FSP = 16,299 (0,572) Fonte: Elaborado pelos autores

r2 modelo = 0,272 Estatística Intenção voto = 13,757 (0,745) Estatística Aparição FSP = 22,505 (0,210)

Quanto às estatísticas de regressões temporais, de maneira geral os modelos de 2010 têm menos força explicativa que os de 2006. No caso de Dilma, o r2 fica em 0,506, com um ajuste de 50,6%. Ou seja, cerca de metade das variações são explicadas por outros motivos que não a variação do tempo. As estatísticas individuais ficam muito próximas. Enquanto a intenção de voto tem estatística de 17.987, a aparição na FSP está em 16,229.

Eptic Online 16(1) 2014

Investigação 144


Contra-Agendamento na Folha De São Paulo

Emerson Urizzi Cervi

Já o modelo de série temporal de Serra é o menos explicativo. Ele tem um r2 de 0,272, com apenas 27,2% de capacidade explicativa. A intenção de voto tem uma estatística de 13,757 e as aparições na FSP ficam um pouco acima, com 22,505. Sendo assim, em 2010 a variável que mais muda ao longo do tempo é a aparição de Serra na FSP, seguido das intenções de voto de Dilma, muito próximo das aparições da candidata do PT no jornal. A relação mais fraca é intenção de voto de Serra ao longo do tempo. Isso porque em alguns momentos ela apresenta-se ascendente e em outros é descendente - Durante todo o período ela oscilou em torno de percentuais muito próximos. Até aqui, as análises demonstraram variações consistentes ao longo do tempo para os dois principais candidatos à presidência em 2006 e 2010 tanto para a intenção de votos, quan-to para a presença na FSP. Apesar de variarem em distintas proporções, se considerarmos os três períodos: pré-eleitoral, primeiro e segundo turnos, os quatro candidatos tiveram cresci-mento no número de citações semanais na FSP. As médias das intenções de voto também fo-ram crescentes nos três períodos para Lula e Alckmin, em 2006, e para Dilma, em 2010. No caso de Serra, houve uma queda do período pré-eleitoral para o primeiro turno, seguido por crescimento entre primeiro e segundo turnos. Os testes estatísticos também mostraram mu-danças correlacionadas ao longo do tempo entre as variáveis “intenção de voto” e “aparição na FSP” para todos os concorrentes. Isso significa que elas apresentaram alguma relação, no entanto, ainda não é suficiente para indicar que mudança é determinante à variação conjunta. Para testar a determinação de uma variável sobre a outra ao longo do tempo são apresentados a seguir os coeficientes de regressão temporal de raiz unitária. Eles indicam qual das duas variáveis é mais explicativa para a mudança: se a variação passada (t-1) da presença do candidato no jornal explica o aumento nas intenções de voto no período seguinte (t0) – efeito de agendamento; ou, se ao contrário, a alteração nas intenções de voto no passado (t-1) são mais fortes para explicar a variação da presença do candidato na cobertura do jornal no perío-do seguinte (t0) – efeito de contra-agenda. Utilizamos testes de análise de séries temporais para vetores de autorregressão. O objetivo desse teste é comparar simultaneamente os efeitos de uma variável no tempo passado (t-1) nela mesma no tempo seguinte (t0) e em outra variável no t0. Como toda a literatura sobre agendamento agrega os períodos temporais em semanas, manteremos as médias semanais nos testes. Ou seja, os resultados indicarão o impacto no número de aparições na FSP do can-didato na semana anterior (t-1) para o número de aparições na semana seguinte (t0) e para as intenções de voto na semana seguinte (t0). Em seguida, as variáveis são invertidas para identi-ficar o efeito passado das intenções de voto nas intenções de voto e na aparição no jornal no período seguinte. Para ampliar a análise dos efeitos passados, os resultados apresentados na Tabela 2 a seguir incluem dois períodos anteriores (-1 é o efeito de uma semana no passado e -2 é o de duas semanas anteriores). O modelo da eleição de 2006 mostra que para os dois candidatos, Lula e Alckmin, o efeito passado da intenção de voto tem mais impacto sobre a aparição na semana seguinte na FSP do que o contrário. A relação entre a aparição de Lula (t0) com a intenção de voto na semana anterior (t-1) apresenta coeficiente de 2,009 e duas semanas antes (t-2), co-

Eptic Online 16(1) 2014

Investigação 145


Contra-Agendamento na Folha De São Paulo

Emerson Urizzi Cervi

eficiente de 2,526. Já a relação entre a intenção de voto de Lula (t0) com aparição na FSP (t-1) é de 0,037 e na segunda semana de retardo (t-2) é de 0,003. Portanto, no caso de Lula, a aparição na FSP depende mais do desempenho anterior nas pesquisas de intenção de voto do que o contrário. No caso do candidato do PSDB o efeito entre intenção de voto anterior (t-1) e apa-rição no jornal na semana seguinte (t0) é mais forte, com coeficiente de 3,094. Porém, na segunda semana de retardo (t-2) não é tão forte e apresenta sinal negativo (-1,778), o que significa uma tendência inversa quando a diferença é de duas semanas.

Tabela 2 – Output análise de autorregressão entre intenção de voto e aparição na FSP em 2006

Os modelos de ambos os candidatos são robustos o suficiente para garantir a interpretação dos resultados. As estatísticas F são muito altas, sempre acima de três. E as covariâncias residuais também superiores aos limites aceitáveis. Já os estimadores de autorregressão vetorial para os principais candidatos de 2010 não são tão fortes quanto os da eleição anterior. No caso da candidata do PT, o efeito anterior (t-1) da intenção de voto sobre a aparição na FSP (t0) é de -0,694, apesar de negativo e baixo coeficiente, é maior que o efeito contrário: 0,0455

Eptic Online 16(1) 2014

Investigação 146


Contra-Agendamento na Folha De São Paulo

Emerson Urizzi Cervi

Tabela 2 – Output análise de autorregressão entre intenção de voto e aparição na FSP em 2006

Os resultados mostram que o aumento das intenções de voto de Dilma em uma semana tem impacto maior na redução da presença dela na FSP do que o número de citações no jornal impactou na intenção de voto futura. Já a autorregressão no t-2 de intenção de voto de Dilma mostra-se mais consistente com as aparições no jornal, com coeficiente de 1,050. Quando invertemos a análise, os coeficientes de regressão das intenções de voto de Dilma no t0 em relação ao passado mostram-se sempre menores. No caso de José Serra, como os testes anteriores já demonstravam, os coeficientes de tendência temporal foram mais baixos para qualquer uma das autorregressões. Isso porque o modelo geral tem baixa relação temporal para o desempenho nas intenções de voto e nas cita-ções do jornal. Ainda assim, apesar de baixos, os coeficientes de autorregressão de intenção de voto em t-1 e t-2 para citação no jornal em t0 são maiores que o inverso, mostrando que o efeito das pesquisas de opinião antecede o da presença no jornal. Vale ressaltar, ainda, que no caso de Serra, tanto no t-1 quanto no t-2 de intenção de voto, o coeficiente é negativo, ou seja, apresenta relação inversa com a presença no jornal. Os valores dos coeficientes são muito próximos. Para t-1 de intenção de voto é -0,170 para aparição no t0 e no t-2 ele fica em -0,172. As estatísticas F, que mostram a força do modelo, estão acima de 2,0 – que é o limite crítico – para os candidatos, embora, no caso de Serra ela fique muito próxima desse valor.

Eptic Online 16(1) 2014

Investigação 147


Contra-Agendamento na Folha De São Paulo

Emerson Urizzi Cervi

Tabela 3 – Output análise de autorregressão entre intenção de voto e aparição na FSP em 2010

O Gráfico 3 a seguir permite comparar as magnitudes dos efeitos “retardados” das du-as variáveis. A imagem 3a refere-se à disputa de 2006 e a 3b, a de 2010. As colunas azuis indicam os coeficientes de “primeiro retardo” (t-1), que aqui representam uma semana de di-ferença e as colunas verdes indicam os coeficientes de “segundo retardo” no tempo (t-2). As-sim, existem duas colunas representando os efeitos passados das intenções se voto sobre as aparições de Lula (ap_lula) e duas colunas que representam os efeitos passados das citações de Lula na FSP para as intenções de voto do candidato (iv_lula). O mesmo se aplica aos demais três concorrentes. Em primeiro lugar, fica evidente que os efeitos passados das intenções de voto tiveram mais impacto sobre as citações dos candidatos no jornal do que o contrário, tanto em 20006, quanto em 2010. Ainda que os coeficientes de José Serra tenham ficado bem abaixo dos ou-tros três. Isso demonstra que o efeito de contra-agenda na FSP foi superior ao de agendamento dos candidatos.

Eptic Online 16(1) 2014

Investigação 148


Contra-Agendamento na Folha De São Paulo

Emerson Urizzi Cervi

Gráfico 3a – Coeficientes de autorregressão vetorial para Intenção de Voto e Aparição no Jornal, por semana (t-1 e t-2) para eleições de 2006

Fonte: elaborado pelos autores

Gráfico 3b – Coeficientes de autorregressão vetorial para Intenção de Voto e A-parição no Jornal, por semana (t-1 e t-2) para eleições de 2010

Fonte: elaborado pelos autores Fonte: elaborado pelos autores

Apesar dos efeitos mais representativos sempre indicarem um fenômeno de contra-agenda ao invés de agendamento, é preciso chamar atenção para as diferentes direções das relações. Lula, em 2006, foi o único dos quatro candidatos a contar com efeitos positivos das duas semanas anteriores às publicações do jornal. No extremo oposto, Serra, em 2010, teve coeficientes negativos nas duas semanas anteriores às publicações. Nesses dois casos, o efeito de contra-agenda foi consistente por pelo menos duas semanas de “retardo”. Já a relação entre os efeitos passados de t-1 e t-2 em Alckmin, 2006, e Dilma, 2010, não foram consistentes. No caso de Alckmin, o coeficiente foi positivo (o mais alto de todos) no t-1 e negativo no t-2. Enquanto que em Dilma aconteceu o contrário, o coeficiente de t-1 foi negativo, com t-2 positivo. As informações disponíveis nessa pesquisa só permitem espe-cular que no caso de Alckmin, sempre que crescia a intenção de voto o efeito era imediato e forte no jornal – percebido logo na semana seguinte. Para Dilma, o efeito de contra-agenda foi mais demorado, ocorrendo apenas a partir da segunda semana.

Eptic Online 16(1) 2014

Investigação 149


Contra-Agendamento na Folha De São Paulo

Emerson Urizzi Cervi

NOTAS CONCLUSIVAS A primeira conclusão em um artigo exploratório como este refere-se às limitações dos resultados. Propomos testar comparativamente a força das relações entre presença dos candidatos no jornal e nas pesquisas de intenção de voto para verificar qual dos dois apresenta-se com mais força: agenda ou contra-agenda. Constatamos, através de testes empíricos, que o efeito de contra-agenda, ou seja, de o jornal seguir as tendências das preferências eleitorais é maior que o agendamento tradicional. Não pretendemos, com isso, afirmar que os jornalistas “seguem” de maneira deliberada as preferências dos eleitores ao decidir citar ou não determinado candidato. Antes disso, nosso objetivo foi mostrar que ao utilizar técnicas de pesquisa empírica é possível ter mais segurança para relativizar afirmações produzidas em discussões predominantemente conceituais. Os resultados apresentados aqui demonstram que de maneira geral o volume de cita-ções dos candidatos tendeu a seguir o crescimento dos mesmos em pesquisas de intenção de voto divulgadas uma ou duas semanas antes da publicação. Com isso, oferecemos indicativos de que o efeito de contra-agenda superou o de agendamento – no caso em estudo aqui, que é a cobertura dos principais concorrentes à presidência da república em 2006 e 2010. No entanto, os resultados não são totalmente consistentes, variando entre os candidatos e entre as disputas. O efeito de contra-agenda foi mais evidenciado na eleição de 2006, com Lula e Alckmin, do que na de 2010, com Dilma e Serra. A relação positiva mais forte foi com Alckmin, em 2006 (Gráfico 3a), o que demonstra que o crescimento no número de citações do candidato do PSDB no jornal dependeu mais do seu desempenho em pesquisas de intenção de voto anteriores do que no caso de Lula. Já Dilma, em 2010, apresentou uma relação forte, porém, negativa. Isso significa que períodos de crescimento da candidata nas intenções de voto eram seguidos de semanas de queda no número de citações na FSP. José Serra foi o candidato que apresentou os menores coeficientes de contra-agendamento, ficando, inclusive, próximo dos coeficientes de agendamento. Isso significa que para a cobertura de Serra na FSP os resultados das pesquisas de intenção de voto tiveram menos efeito do que para os outros três concorrentes. A conclusão a que se pode chegar é que independente da intensidade – que variou en-tre eleições e candidatos – o efeito de contra-agenda sempre foi superior ao de agendamento. Como afirmado anteriormente, estes resultados são preliminares e exploratórios. Não sendo suficientes para dar conta, sozinhos, de explicações sobre os motivos do contra-agendamento da FSP nas eleições presidenciais. Isso é objetivo para outros estudos. A contribuição que se pretende aqui é a de demonstrar ser possível testar as afirmações conceituais sobre agendamento temático em estudos empíricos desenvolvidos no Brasil.

Eptic Online 16(1) 2014

Investigação 150


Contra-Agendamento na Folha De São Paulo

Emerson Urizzi Cervi

REFERÊNCIAS BARROS FILHO, C. Ética na comunicação. 5ed. São Paulo: Summus, 2003. BIROLI, F.; MIGUEL, L. F.; MOTA, F. F. Mídia, eleições e pesquisa de opinião no Brasil (1989-2010): um mapeamento da presença das pesquisas na cobertura eleitoral. Revista Compolítica, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 67-89, mar./abr. 2011. BRYANT, J.; MIRON, D. Theory and research in mass communication. Journal of Communication, Malden, v. 54, n. 4, p. 662–704, Dec. 2004. COHEN, B. The press and the foreign policy. New York: Princeton University Press, 1963. LIPPMANN, W. The public opinion. New York: Free Press Paperbacks, 1997. (1. ed., 1922) McCOMBS, M.; SHAW, D. The agenda-setting function of mass media. Public Opinion Quarterly, New York, n.36, p.176-182, 1972. McCOMBS, M. A teoria da agenda: a mídia e a opinião pública. Petrópolis: Vozes, 2009. MIRANDA, C. M. Estratégias de contra-agendamento em websites e blogs: exemplos de par-ticipação do público nos mídia. CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO,33., Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. Caxias do Sul, RS, 2010. Trabalho apresentado... Caxias do Sul, RS, 2010. Disponível em: < http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2010/resumos/R5-1761-1.pdf>. Acesso em: 2 mar. 2012.

PARK, R. Notícia e poder da imprensa. In: BERGER, C.; MAROCCO, B. (Org.). A era glacial do jornalismo: teorias sociais da imprensa. Ed. Sulina: Porto Alegre, 2008. v. 2. P. 71-82. SILVA, L.M. Sociedade, esfera pública e agendamento. In: LAGO, C.; BENETTI, M. Metodologia de pesquisa em jornalismo. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 143-167. SOUSA, J. P. As notícias e seus efeitos: as teorias do jornalismo e dos efeitos sociais dos media jornalísticos. Coimbra: Minerva, 1999. WHITE, T. The making of the President. Nova York: Bantam, 1973. WOLF, M. Teorias da comunicação. 7. ed. Lisboa: Presença, 2001.

Eptic Online 16(1) 2014

Investigação 151


Resenhas

Para além de Berlim e Barcelona Marina Toneli SIQUEIRA Arquiteta e urbanista pela Universidade Federal de Santa Catarina; mestre em arquitetura e urbanismo pela Universidade de São Paulo; estudante de doutorado em planejamento urbano e políticas públicas na University of Illinois at Chicago. Professora assistente do Departamento de Planejamento Urbano e Políticas Públicas na University of Illinois at Chicago. E-mail: msique2@uic.edu; marinasiq@yahoo.com.br

Com sua segunda edição publicada apenas seis meses após a primeira, Berlim e Barcelona: duas imagens estratégicas já adentrou as bibliotecas daqueles que se preocupam com transformações urbanas contemporâneas. Nas notas introdutórias, Otília Arantes (2012, p. 7) alerta que “o Brasil finalmentou entrou na ciranda dos megaeventos”. Esta realmente parece ser a relação direta entre o livro e as cidades brasileiras, em especial considerando os já sentidos impactos dos grandes projetos nas cidades-sede da Copa do Mundo de Futebol de 2014 e no Rio de Janeiro para as Olimpíadas de 2016. De fato, nas duas cidades examinadas por Otília Arantes, grandes eventos foram marcantes na transformação sócio-espacial engendrada pela promoção de uma nova imagem para as cidades – no caso de Barcelona, as Olimpíadas de 1992 e o Fórum das Culturas em 2004, e no caso de Berlim, a queda do muro em 1989 e a reunificação alemã. Entretanto, estes eventos não são os únicos pontos passíveis de paralelismo com as cidades brasileiras. A análise de Berlim e Barcelona demonstra a presença de processos mais profundos e estruturais de transformação na própria base do planejamento urbano. Portanto, se megaeventos tornaram-se marcos do processo e, por muitas vezes, justificativas para promover grandes projetos urbanos, o livro de Otília Arantes aponta para consequências muito mais profundas para as cidades, incluindo as brasileiras.

Revista Eptic Online Vol.16 n.1 p.152-157 Recebido em 10/11/2013 Aprovada em 10/12/2013


Para Além de Berlim e Barcelona

Marina Toneli Siqueira

Avançando discussões de trabalhos anteriores – em especial Urbanismo em Fim de Linha e Uma Estratégia Fatal – Otília Arantes utiliza Berlim e Barcelona como casos para explorar temas centrais de sua trajetória intelectual, em especial a formação de um pensamento único sobre as cidades na qual cultura e economia estão aliadas. Neste sentido, a análise da autora une-se às de Jameson, Harvey e Zukin ao explorar como a evolução do sistema capitalista apóia-se na produção cultural como nova forma de acumulação de capital. Esta evolução acontece em especial com a assimilação das críticas ao modernismo e das demandas por mais liberdades individuais e culturais. Por um lado, os interesses econômicos da cultura se unem às justificativas culturais do sistema econômico. Por outro lado, a cultura tem um papel central não somente como azeite da máquina de crescimento econômico, mas também como formador de consensos públicos. Desta forma, enquanto muitos poderiam ser contra investimentos públicos diretos em grupos econômicos, quem poderia ser contra investimentos culturais? Não é por acaso, portanto, que equipamentos culturais, como museus e galerias de arte, tornaram-se elementos fundamentais na agenda urbana contemporânea como estratégias de desenvolvimento econômico, sendo o caso de maior sucesso a experiência de Paris sob o governo Miterrand. Portanto, ao vender uma imagem de cidade diversa, estimulante e criativa, a cultura entra como elemento fundamental das estratégias de marketing urbano, podendo ser defendida, disseminada e compartilhada pelos mais diversos gestores públicos, não importando a sua inclinação ideológica e, portanto, formando um verdadeiro pensamento único sobre as cidades. É neste contexto que a análise de Berlim pode ser elucidativa.

A queda do muro de Berlim e a reunificação alemã foram um momento privilegiado para promover transformações urbanísticas e uma nova imagem para a cidade. Para tanto, a valorização da diversidade cultural – apoiada no bordão de valorização do mix social – e a democratização do espaço urbano – contra as imagens tradicionais de autoritarismo alemão – foram utilizados como motes desta mudança. Entretanto, o “culturalismo de mercado” gerou um resultado bastante distinto de seu discurso original. A autora demonstra que Berlim exibe um superadensamento cultural, com a multiplicação de teatros, museus e galerias de arte. Enquanto estes equipamentos não geraram o retorno econômico esperado, alguns espaços foram privatizados e outros foram fechados. Entretanto, de forma geral, este sistema cultural tornou-se dependente de recursos públicos que nem mesmo a prefeitura foi capaz de custear, tendo que recorrer ao governo federal. Berlim tornou-se o “eldorado da cultura subvencionada” (ARANTES, 2012, p. 131) Segundo Otília Arantes, é difícil repetir o sucesso de Paris, em especial quando se considera que Berlim compete não só com outras capitais européias pelos recursos do turismo cultural, mas também com cidades alemãs com mais tradição nesta área, como Munique e Hamburgo. Por outro lado, esta máquina de crescimento cultural traduziu-se em reorganizações do espaço físico e social não só nos lugares considerados como símbolos da nova fase de Berlim, mas também em bairros afastados nos quais artistas são encarregados da promoção urbana por meio de pequenos estabelecimentos culturais, como teatros, galerias e cafés. Neste processo, grupos sociais e usos que não interessam à nova imagem de Berlim foram expulsos, configurando um processo nem um pouco diverso ou democrático como idealizado.

Eptic Online 16(1) 2014

Resenhas 153


Para Além de Berlim e Barcelona

Marina Toneli Siqueira

É possível perceber, portanto, que no triângulo cidade-comércio-cultura – base do pensamento único para Otília Arantes – o planejamento urbano valoriza a competitividade econômica acima de suas outras dimensões. Neste sentido, a autora baseia-se em Hall e Molotch para buscar a origem do planejamento estratégio nas cidades-empresas dos Estados Unidos, geradas em meio à crise do sistema fordista-keynesiano na década de 1970. Com estagnação econômica, altas taxas de desemprego e inflação, as transformações do período tiveram efeitos diretos nas cidades com a aplicação de teorias neoliberais não só como estratégias de desenvolvimento econômico, mas também como base fundamental para o planejamento e gestão urbanística. De uma forma geral, segundo o consenso neoliberal, o Estado, condenado por seu tamanho e ineficiência, deveria ser transformando. Este processo, entretanto, não significou necessariamente a sua diminuição, mas o seu redirecionamento para áreas consideradas competitivas, resultando especialmente em uma nova arquitetura institucional através de privatizações e parcerias público-privadas. É na identificação deste processo que Otília Arantes afirma que o planejamento urbano vira de cabeça para baixo.

As máquinas de crescimento urbano nada mais são do que coalisões pró-crescimento focadas na propriedade privada. Segundo Otília Arantes, ao invés de regular o crescimento e controlar forças especulativas, o planejamento urbano contemporâneo confunde-se com o seu inimigo anterior, o empreendedor. Ao invés de pensar as cidades de forma abrangente e com um olhar técnico-racional, o planejamento urbano torna-se fragmentário, competitivo e gerencial. “Vive-se a espreita de ocasiões... para fazer negócios! Sendo que o que está à venda é um produto inédito: a própria cidade” (ARANTES, 2012, p. 14) Estas ocasiões, ademais, podem estar ligadas tanto a megaeventos quanto a processos locais nos quais projetos de renovação urbana tornam-se oportunidades para se aumentar as vantagens comparativas da cidade. Ao identificar uma área considerada “degradada”, entram em cena projetos de revitalização, reabilitação e requalificação, que nada mais são do que uma adequação sócio-espacial ao novo estágio de acumulação capitalista. São, portanto, áreas industriais, orlas e zonas portuárias que “devem” ser adequadas a uma nova economia de negócios, serviços e turismo. São também, todavia, áreas ocupadas pela população pauperizada pelo sistema de acumulação anterior, e que continuam a não ser incluídas na nova imagem urbana competitiva. Portanto, os novos investimentos acabam gerando o aumento dos preços de propriedades e aluguéis além de uma competição pelo espaço na qual os grupos mais vulneráveis são expulsos. Os distritos históricos, neste sentido, funcionam como uma verdadeira faca de dois gumes: enquanto a valorização do patrimônio edificado e da diversidade cultural tornam-se justificativas para os investimentos públicos e privados, eles acabam por expulsar aqueles elementos fundamentais que caracterizavam a urbanidade em si. É neste sentido que Otília Arantes (2012, p. 19) acaba concluindo que o “planejamento dito estratégico pode não ser mais do que um outro eufemismo para gentrification”, visto que a aplicação do planejamento estratégico em uma cidade por inteiro resultaria em uma urbe completamente gentrificada. O que parece ser um contrassenso – a atuação fragmentária resultar em uma transformação abrangente – parece estar no cerne da questão.

Eptic Online 16(1) 2014

Resenhas 154


Para Além de Berlim e Barcelona

Marina Toneli Siqueira

Em diálogo crítico com Montaner, Otília Arantes realiza uma análise de mais de trinta anos de intervenções em Barcelona nas quais a autora identifica as suas interligações com aqueles processos mais profundos de formação do planejamento estratégico. Por um lado, o caso demonstra a conexão entre o planejamento estratégico e a crítica ao modernismo, em especial por intermédio da participação de arquitetos-urbanistas locais no movimento contextualista. Neste sentido, vai-se de encontro à planificação moderna para promover intervenções urbanísticas em focos específicos que, ao mesmo tempo em que respeitariam as condições locais, também garantiriam a transformação do espaço urbano como um todo por meio de uma “metástase benigna”, ou contaminação positiva. Por outro lado, não é por acaso que o contextualismo destas intervenções em Barcelona são facilmente integradas ao efeito trickle-down proposto pelos ideários do neoliberalismo, no qual os efeitos positivos do crescimento econômico de certos setores supostamente levariam a benefícios para todos. No caso específico de Barcelona, os primeiros projetos de intervenção caracterizavam-se pela multiplicação de espaços públicos (incluindo mais de cem praças) que levariam a uma reativação do tecido urbano e do debate público, embora a autora aponte que muitas dessas intervenções tiveram um caráter artifical e até mesmo arbitrário. É importante também destacar o ponto de conexão direta entre o planejamento estratégico de Barcelona e as cidades-empresa dos Estados Unidos, identificado pela autora no convênio entre a cidade catalã e James Rouse, prefeito que inventou a fórmula da máquina de crescimento em Baltimore e que teve papel direto na reurbanização da área portuária de Barcelona.

Entretanto, esta primeira fase de intervenção esbarrou nas necessidades complementares de investimentos para as Olimpíadas, atendendo às exigencias do Comitê Olímpico Internacional, mas também para tornar a cidade atraente para turistas e investidores. Se o modelo foi transformado para um redesenho mais radical da cidade, a estratégia de intervenção continuou a mesma ao identificar centralidades que funcionariam para a ampliação dos efeitos positivos para a cidade como um todo. Portanto, dos cem espaços públicos originais passou-se à intervenção em dez novas “centralidades”, identificadas pelo seu potencial de reurbanização. Estas áreas eram em geral resultantes da desindustrialização, desativação de estradas de ferro e outros serviços, demonstrando, portanto, a própria tranformação do sistema capitalista que valorizava novas atividades econômicas, como negócios financeiros, serviços e comércio. O “sucesso” destes projetos foi medido pela transformação sócio-econômica da área, que apenas confirmava a expulsão ou isolamento de certos grupos sociais sem uma real melhoria da qualidade de vida para todos. Segundo a autora, este é o caso de bairros industriais (como Poble Nou) e distritos históricos (como Raval).

Finalmente, tanto Barcelona quanto Berlim também demonstram a evolução mais recente do modelo com a entrada destas cidades na competição para se tornarem global cities. Este processo se dá em especial por meio da promoção de novos centros empresariais que se pretendem comparáveis àqueles das grandes capitais do setor terciário avançado. É neste sentido que Otília Arantes identifica o projeto do distrito 22@ como a substituição

Eptic Online 16(1) 2014

Resenhas 155


Para Além de Berlim e Barcelona

Marina Toneli Siqueira

da Manchester barcelonense pelo Sillicon Valley intraurbano, ou seja uma reversão histórica com a promoção de novas atividades econômicas através de investimentos públicos e privados. O resultado, conclui a autora, é um projeto de caráter tecnocrático e midiático. Ademais, com a privatização de áreas públicas, especulação imobiliária e perda de integração com a malha urbana, esta área acabou criando um enclave urbano elitizado com a expulsão de usos e usuários anteriores. Já no caso de Berlim, enquanto a habitação social foi relegada para as periferias, as áreas vazias nos centros de negócios demonstram que Berlim não tem tido muito sucesso na competição urbana com outras capitais financeiras européias e mesmo alemãs, como Frankfurt. Por outro lado, o processo em Berlim une estratégias de desenvolvimento econômico à animação cultural, sendo a Postdamer/Leipziger Platz o maior exemplo desta combinação. Contando com escritórios e equipamentos de cultura e lazer, o projeto foi traduzido pela autora como um parque temático: um espaço artificial, altamente vigiado e com diversidade controlada; exuberância arquitetônica apoiada no aumento do potencial construtivo e em assinaturas de starchitects; e utilização de estilos importados que em nada valorizam a história ou cultura alemã.

Aliás, os dois casos – Postdamer/Leipziger Platz em Berlim e 22@ em Barcelona – tornaram-se a nova imagem destas cidades em estratégias de marketing urbano que utilizam de edifícios emblemáticos para a promoção da cidade para o mercado mundial. Esta “arquitetura milagrosa”, como caracterizou Otília Arantes, apoia-se na assinatura de arquitetos mundialmente conhecidos para gerar pontos focais, estruturas espectaculares que transformam simbolica e fisicamente as cidades. Não é por acaso, portanto, que tanto em Berlim quanto em Barcelona nomes como Jean Nouvel e Frank Gehry, entre outros do starsystem mundial, pipocam na promoção de uma imagem urbana competitiva. Portanto, essa é uma radical mercantilização da cidade na qual se beneficiam tanto empreendedores urbanos quanto arquitetos e urbanistas, que continuam a ser acionados para idealizar e legitimar o processo. Neste sentido, arquitetos-urbanistas tornam-se managers, intermediários culturais e empresários de cidades. Ademais, a divulgação da imagem de sucesso da transformação urbana de Barcelona resultou na eleição destes profissionais para cargos políticos eletivos, além da formação de consultorias que continuam a exportar o modelo para o resto do mundo, inclusive para o Brasil.

Como mencionado antes, Berlim e Barcelona são casos que demonstram transformações mais profundas experimentadas por sociedades urbanas contemporâneas. Neste sentido, estas cidades conferem densidade à análise de Otília Arantes, permitindo o diálogo entre teoria e prática. No entanto, Berlim e Barcelona expõem como processos estruturais de transformação na base do planejamento urbano são materializados localmente em trajetórias específicas. Assim, se no começo desta resenha alertou-se que os impactos para cidades brasileiras podem ser mais profundos do que somente aqueles relacionados à realização de megaeventos, é importante também mencionar a necessidade de contextualização destes processos. Berlim e Barcelona são utilizadas como exemplos de um novo modelo de pensar e fazer as cidades que é promovido mundialmente e certamente replicado nos enclaves da periferia do capitalismo. Entretanto, na análise destas cidades a autora busca

Eptic Online 16(1) 2014

Resenhas 156


Para Além de Berlim e Barcelona

Marina Toneli Siqueira

no contexto local os contornos de processos específicos. Portanto, Berlim não é Barcelona e a mesma equação não deve ser feita com relação às cidades brasileiras. Otília Arantes demostra, neste sentido, não só uma análise aguçada destes casos, mas também a base de um modelo analítico que é de possível aplicação para o estudo de casos no Brasil, desde que se respeite o diálogo entre multiplas escalas e períodos históricos.

Eptic Online 16(1) 2014

Resenhas 157


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.