revista_completa

Page 1

Revista Eletrônica Internacional de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura

Volume 16, N. 3, Setembro a Dezembro de 2014

Economia Política da Comunicação: uma perspectiva epistemológica Alain Herscovici Alexandre Barbalho Ancizar Navaes César Bolaño Everton Souza Fernanda Coelho da S. Castro Gianela Turnes Jacqueline Lima Dourado José Duran Medrano Larissa Santiago Ormay Leandro Gonzales Maria Lucilene D. de Matos Pâmela Araujo Pinto Rafael Grohmann Raimundo de S. Leal Filho Roseane Andrelo Thays Helena Silva Teixeira Theófilo Machado Rodrigues

ISSN 1518 - 2487 www.revistaeptic.ufs.br


Revista eletrônica quadrimestral vinculada ao Observatório de Economia e Comunicação (OBSCOM) e ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Sergipe Volume 16, número 3, set.-dez. 2014 ISSN 1518-2487 OBSCOM - UFS Coordenação Prof. Dr. César Ricardo Siqueira Bolaño Profa. Dra. Verlane Aragão Santos PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO - UFS Coordenação Prof. Dr. Carlos Eduardo Franciscato Prof. Dr. César Ricardo Siqueira Bolaño REVISTA EPTIC ONLINE Diretor Prof. Dr. César Ricardo Siqueira Bolaño (UFS - Brasil) Editor Geral Prof. Dr. Ruy Sardinha Lopes (USP-Brasil) Editores Adjuntos Profª Drª Anita Simis (UNESP-Brasil) Prof. Dr. Francisco Sierra (Un. Sevilla – España) Projeto Gráfico Rachel Ferrari e Ruy Sardinha Apoio Técnico Joanne Mota (UFS – Brasil) Elizabeth Azevedo Souza (UFS – Brasil) Conselho Editorial Prof. Dr. Abraham Benzaquen Sicso, FUNDAJ, Brasil Prof. Dr. Alain Rallet, Université Paris-Dauphine, França Prof. Dr. Alain Herscovici, UFES, Brasil Prof. Dr. Césare Galvan, FUNDAJ, Brasil Profª. Drª Delia Crovi Druetta, UNAM, México Prof. Dr. Dênis Moraes, UFF, Brasil Prof. Dr. Diego Portales, Universidade del Chile, Chile Prof. Dr. Domenique Leroy, Université Picardie, França Prof. Dr. Edgard Rebouças, UFP, Brasil Prof. Dr. Enrique Bustamante, UCM, Espanha Prof. Dr. Enrique Sánchez, Universidad de Guanajuato, México Prof. Dr. Francisco Rui Cádima, UNL, Portugal Prof. Dr. Giovandro Marcus Ferreira,UFES, Brasil Prof. Dr. Gaëtan Tremblay, Université du Québec, Canadá Prof. Dr. Graham Murdock, Loughborough University, Reino Unido Prof. Dr. Guillermo Mastrini, UBA, Argentina Prof. Dr. Helenice Carvalho, UNISINOS, Brasil

Expediente

Prof. Dr. Isabel Urioste, Universite de Technologie de Compiegne, França Prof. Dr. Joseph Straubhaar, University of Texas, Estados Prof. Dr. Juan Carlos de Miguel, EUH, Espanha Prof. Dr. Luiz Guilherme Duarte, UPX, Estados Unidos Prof. Dr. Marcelo Kischinhevsky, UERJ, Brasil Profª Drª Márcia Regina Tosta Dias, UNIFESP, Brasil Prof. Dr. Marcial Murciano Martinez, UAB, Espanha Prof. Dr. Marcio Wohlers de Almeida, UNICAMP, Brasil Prof. Dr. Marcos Dantas, UFRJ, Brasil Prof. Dr. Nicholas Garham, University of Westminster, Reino Unido Prof. Dr. Othon Jambeiro, UFBA, Brasil Prof. Dr. Pedro Jorge Braumann, Instituto Politécnico de Lisboa,Portugal Prof. Dr. Peter Golding, Northumbria University, Reino Unido Prof. Dr. Philip Schlesinger, University of Glasgow, Reino Unido Prof. Dr. Pierre Fayard, Université de Poitiers – Accueil, França Prof. Dr. Ramón Zallo, Universidad Pais Vasco, Espanha Prof. Dr. Sergio Augusto Soares Mattos, UFBa- Brasil Prof. Dr. Sergio Capparelli, UFRGS, Brasil Prof. Dr. William Dias Braga, UFRJ-Brasil Pareceristas desta Edição Prof.Dr. Alain Herscovici (UFES-Brasil) Prof. Dr. Ancizar Narvaez (PNC- Colombia) Prof. Dr. Andres Kalikoske (UNISINOS- Brasil) Prof. Dr. Bruno Fuser (UFJF- Brasil) Prof. Dr. Bruno Lima Rocha (UNISINOS- Brasil) Prof. Dr. Cesar R.S.Bolaño (UFS- Brasil) Profa. Dra. Eula Dantas Cabral (IBICT- Brasil) Profa. Dra. Ivonete Silva Lopes (UFF- Brasil) Profa. Dra. Jacqueline Lima Dourado (UFPI-Brasil) Prof. Dr. Leonardo de Marchi (USP-Brasil) Prof. Dr. Luiz Ferraretto (UFRGS-Brasil) Prof. Dr. Marco Schneider (IBICT- Brasil) Prof. Dr. Ruy Sardinha Lopes (USP-Brasil) Dossiê Temático “Economia Política da Comunicação: uma perspectiva epistemológica” Coordenador Prof. Dr. Alain Herscovici (UFES-Brasil)

1 1


Apresentação

Caros leitores,

A última edição de 2014, ano em que nossa Revista completa 15 anos de existência, traz, sob a coordenação de Alain Herscovici, uma reflexão que tem nos acompanhado ao longo dessa trajetória e que, não obstante os grandes avanços na constituição e consolidação desse campo disciplinar, coloca-se como um dos grandes desafios aos pesquisadores da área: a contribuição da EPC para a construção de um Programa de Pesquisa Científica em Cultura e Comunicação. Disciplina fronteiriça, formada a partir da contribuição de campos diversos, como as Ciências da Comunicação e da Informação, a Sociologia, a Economia Política e os Estudos Culturais, a EPC afirma sua heterodoxia epistêmica, sem recair nos ecletismos e relativismos pós-modernos. Para tanto, como salienta César Bolaño em entrevista aqui publicada, um “recuo crítico a Marx”, isto é a defesa do materialismo histórico como constructo epistêmico e instrumento metodológico lhe é fundamental, pelo menos à forma como se desenvolveu na América Latina. Além das importantes questões trazidas por Alain, o Dossiê ressalta, a partir dos artigos de Raimundo Leal Filho, Ancizar Narváez e José Durán, a importância de se apreender os fenômenos econômicos, tecnológicos ,culturais e comunicacionais a partir de sua inserção na lógica ampliada de reprodução do capital – o que implica se afastar dos reducionismos ao economicismo ou às pretensas autonomias do objeto de estudo. Como tem sido a tônica predominante de suas edições, este número traz ainda um conjunto de reflexões sobre temas atuais, pensados a partir da contribuição da EPC: a reflexão sobre a mercadoria audiência, pensada a partir dos novos usos das redes (Grohmann), a aplicação do conceito de barreiras de entrada, de Valério Brittos, para se deslindar alguns embates travados no âmbito da I CONFECOM (Souza e Barbalho), a análise do financiamento dos meios de comunicação privados no Brasil com recursos públicos (Ormay e Rodrigues) e duas análises sobre a mídia regional: os conteúdos em rádio na internet em Teresina (Teixeira e Dourado) e dos subsistemas de mídia das regiões norte e sul (Pinto).

Revista Eptic Online Vol.16 n.3 p.2-3 set.-dez 2014


Na seção Investigação, pesquisadores da Argentina (Leandro Gonzales), do Uruguai (Gianela Turnes) e do Brasil (Roseane Andrelo e Maria de Matos) dão provas do quanto os diversos centros de formação e investigação tem reconhecido a importância da EPC para a análise crítica e criteriosa de nossa realidade. A reunião deste conjunto de autores demonstra que se alguns temas, como o sistema audiovisual e televisivo, a convergência tecnológica e a análise das redes têm presença garantida nos estudos do campo, uma série de outros objetos podem e devem merecer a devida atenção por parte de nossos investigadores. Por fim, terminamos a edição com as resenhas da publicação que inaugura a EPC no Brasil, o livro de autoria de Cesar Bolaño Mercado Brasileiro de Televisão (1988), publicado na Argentina em 2013 (Gianela Turnes) e do livro oriundo das reflexões do Grupo de Pesquisa Comunicação para a Cidadania da Intercom – cujo diálogo com a EPC tem sido constante e sempre profícuo - Comunicação e cidadania: objetos, conceitos e perspectivas, organizado por Cláudia Regina Lahni e Juciano de Sousa Lacerda, o qual recomendamos, enfaticamente, a leitura e que aqui encontra-se resenhado por Fernanda Castro. Não poderíamos ainda encerrar as edições de 2014 sem reforçar nosso imenso agradecimento a todos os autores que enviaram suas contribuições- foram mais de 60 – e que, independentemente de terem ou não seus trabalhos acolhidos por nossa publicação, muito têm contribuído para a construção do campo e do pensamento crítico comunicacional; da mesma forma que também agradecemos a dedicação, compromisso e seriedade dos membros de nosso conselho editorial e dos inúmeros pesquisadores e pareceristas ad hoc que muito têm nos ajudado na manutenção da excelência desta Revista. Um último agradecimento, à jornalista Joanne Mota, responsável pelo suporte técnico e gerenciamento da Revista.

Cesar Bolaño Diretor

Boa leitura!

Ruy Sardinha Lopes Editor-Geral

Eptic Online 16(3) 2014

Apresentação

3


A COMODITIZAÇÃO DOS USUÁRIOS NA INTERNET: COMUNICAÇÃO, CONVERGÊNCIA E TRABALHO LA MERCANTILIZACIÓN DE USUARIOS DE INTERNET: COMUNICACIÓN, CONVERGENCIA Y TRABAJO COMMODIZATION OF INTERNET USERS: COMMUNICATION, CONVERGECE AND WORK

Rafael GROHMANN Doutorando e Mestre em Ciências da Comunicação da Universidade de São Paulo (USP).Pesquisador do Centro de Pesquisas em Comunicação e Trabalho (CPCT - ECA/ USP -CNPq).Professor dos cursos de graduação em Comunicação Social do FIAM-FAAM Centro Universitário docurso de pós-graduação lato sensu em Mídias e Redes Sociais da Universidade Anhembi Morumbi. Editor responsável pela Revista Parágrafo: revista cientifica de Comunicação Social da FIAM-FAAM Email:rafael-ng@uol.com.br

Revista Eptic Online Vol.16 n.3 p.4-15 set.-dez 2014 Recebido em 10/06/2014 Aprovado em 30/06/2014


A comoditização dos usuários na internet: comunicação, convergência e trabalho - Rafael Grohmann

Resumo O artigo pretende discutir o que os sujeitos usuários de Internet representam no sistema comunicacional a partir da “mercadoria audiência” e do “trabalho dos usuários”, considerando as mudanças ocorridas com a “cultura da convergência”. Para tanto, procuramos: a) situar o “receptor” entre a “mercadoria” e a “atividade”, a partir de referenciais clássicos da Escola de Frankfurt e dos Estudos Culturais Britânicos; b) apresentar e discutir o conceito de mercadoria audiência a partir de Dallas Smythe; c) mostrar as discussões contemporâneas sobre as formas de comoditização do usuário na Internet e nas redes sociais; d) discutir se o trabalho do usuário/fã pode ser tratado como trabalho nãopago e como trabalho explorado. Palavras-chave audiência; comunicação; internet; trabalho.

Resumen El artículo analiza lo que los usuarios de Internet sujetos representan el sistema de comunicación de la "mercancía audiencia" y "trabajo de los usuarios," teniendo en cuenta los cambios con la "cultura de la convergencia". Para ello, haremos lo siguiente: a) la localización del "receptor" entre "mercancía" y "actividad", a partir de los puntos de referencia clásicos de la Escuela de Frankfurt y los estudios culturales británicos; b) presentar y discutir el concepto de mercancia audiências de Dallas Smythe; c) muestrar los debates contemporáneos sobre las formas de mercantilización del usuario en Internet y las redes sociales; d) discutir el trabajo del usuario puede ser tratada como no pagado y explotado como mano de obra. Palabras clave Audiencia; comunicación; Internet; trabajo.

Abstract The article discusses what the subject Internet users represent the communication system from the "audience commodity" and "users' work," considering the changes with the "convergence culture." To this end, we will: a) locating the "receptor" between "commodity" and "activity", from classical benchmarks of the Frankfurt School and British Cultural Studies; b) present and discuss the concept of commodity hearing from Dallas Smythe; c) show the contemporary discussions on ways to commoditization user on the Internet and social networks; d) discuss the work of the user / fan can be treated as unpaid and exploited as labor. Keywords Audience; communication; the Internet; job.

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

5


A comoditização dos usuários na internet: comunicação, convergência e trabalho - Rafael Grohmann

1. Introdução Uma das palavras da moda atualmente é “convergência”. A pesquisa em Comunicação tem utilizado, hegemonicamente, o livro de Henry Jenkins (2009), “Cultura da Convergência”, para demonstrar as mudanças por quais passam os meios de comunicação nos últimos anos, principalmente com a chamada “web 2.0”. Com a convergência, pensa-se no fluxo de conteúdos por meio das múltiplas plataformas midiáticas, na cooperação entre os diferentes mercados e no comportamento migratório dos usuários. Com isso, há uma explosão das narrativas (seja as transmídia ou mesmo as narrativas de nós mesmos – ou selfie) e também de novos atores midiáticos. A convergência, então, ajudaria a pensar o deslocamento do que se entende por “ser receptor” na contemporaneidade. São muitas as terminologias utilizadas: prosumidor, produser, fã, receptor-ator, usuário. A variedade conceitual serve para pensar o estatuto dos sujeitos com o boom das redes sociais, onde os sujeitos produzem conteúdos disseminados em massa, interferem nos conteúdos produzidos pelos meios de comunicação de massa, havendo um culto ao “amador”, à “interatividade”, à “criatividade” e à “participação” (SHIRKY, 2011). De fato, mudanças ocorreram nos papeis dos públicos e das audiências. No entanto, pensar a hegemonia de determinadas palavras em um campo é observar quais as “práticas sociais solidificadas” (SCHAFF, 1976) em jogo. Consideramos que não podemos abarcar a complexidade do mundo comunicacional somente com as expressões listadas no parágrafo anterior: elas são uma parte do processo, que, por vezes, é pintado somente como um “mundo cor-de-rosa”. Pois a realidade não pode ser tratada de forma maniqueísta, como se fosse reduzida a “vilões” e “heróis”, ou, que seja, “apocalípticos” e “integrados” (ECO, 1979). Compreender a realidade como dialética e contraditória, portanto, é um dos desafios do pesquisador, principalmente ao analisar fenômenos do “olho do furacão”, como no caso da internet. Trata-se, portanto, de desnaturalizar e de pontuar aqueles conceitos a partir de outros ângulos. Como exemplificam McKercher e Mosco (2007, p. 147), “é valioso examinar a convergência como um constructo cultural, parte de um mito sobre redes globais unindo o mundo em um capitalismo-sem-fricção”. A partir deste cenário, o objetivo deste artigo é compreender o que este sujeitousuário presente na internet representa no sistema comunicacional, considerando sua comoditização (commodification). Para tanto, procuramos: a) situar o “receptor” entre a “mercadoria” e a “atividade”, a partir de referenciais clássicos da Escola de Frankfurt e dos Estudos Culturais Britânicos; b) apresentar e discutir o conceito de mercadoria audiência a partir de Dallas Smythe; c) mostrar as discussões contemporâneas sobre as formas de comoditização do usuário nas redes sociais; d) discutir se o trabalho do usuário/fã pode ser tratado como trabalho não-pago e como trabalho explorado.

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

6


A comoditização dos usuários na internet: comunicação, convergência e trabalho - Rafael Grohmann

2. Entre Frankfurt e Birmingham: o sujeito em questão

Duas tradições teóricas importantes no campo da Comunicação possuem ênfases diferentes sobre o papel das audiências: a Escola de Frankfurt e os Estudos Culturais de Birmingham1. Enquanto a Escola de Frankfurt, a partir Adorno e Horkheimer, pensa a audiência sob o olhar da “indústria cultural”, os Estudos Culturais pensam as negociações dos receptores com os meios de comunicação no cotidiano. Ou, como diz Itânia Gomes (2004), Adorno estaria mais próximo da pergunta “o que os meios de comunicação fazem com as pessoas?”, enquanto a tradição de Birmingham estaria mais próxima de seu contrário: “o que as pessoas fazem com os meios de comunicação?”. Ao compreender para a “indústria cultural” como mercadoria, o olhar frankfurtiano, em alguma medida, tem a vantagem de mostrar a audiência do ponto de vista da “produção”. A partir desta tradição, considerando certamente suas diferenças e peculiaridades, há, por exemplo, a preocupação da Economia Política da Comunicação pensar, a partir de Marx, a questão da mercantilização/comoditização da sociedade e das comunicações (MOSCO, 2009)

1 -Não se trata, aqui, de

apresentar exaustivamente as teorias e seus conceitos, pois existem obras específicas sobre o assunto, como Rüdiger (2004) e Mattelart e Neveu (2004). Com o risco de parecer simplista, a intenção deste artigo é somente demarcar diferenças de perspectiva.

No entanto, no cerne destas comparações, o que está em o que está em jogo é a categoria de sujeito, como evidencia Fígaro (2001). Para ela, a concepção de sujeito em Frankfurt é “de um ser completamente abarcado por um sistema socioeconômico que impede a expressão do sujeito, como se fosse possível separá-lo e privá-lo de sua subjetividade” (FIGARO, 2001, p. 45). Com isso, aparecem expressões como “liquidação do indivíduo” e “infantilização das massas” (ADORNO, 1985). A crítica recorrente, portanto, a Adorno é a de que ele desconsidera o receptor enquanto sujeito do processo comunicacional. Enquanto isso, os Estudos Culturais consideram as resistências e as estratégias dos receptores no cotidiano frente aos meios de comunicação. Tornou-se chavão, no campo da Comunicação, falar em “recepção ativa” (GROHMANN, 2009), com o receptor colocado como “produtor de sentido”. As críticas direcionadas a alguma pesquisas decorrentes dos Estudos Culturais, por outro lado, são colocadas na chave da louvação da atividade da audiência sem considerar, por vezes, o contexto onde o processo comunicacional está inserido. Mattelart e Neveu (2004) chegam a colocar o “desconhecimento das análises formuladas pela economia política das indústrias culturais e das indústrias informacionais” (MATTELART; NEVEU, p. 155) como um dos fatores que contribuíram para o enfraquecimento do sentido político dos Estudos Culturais nos últimos tempos. Mas o que estas considerações sobre Frankfurt e Birmingham nos ajudam a compreender a “audiência como mercadoria”? Ao pensar a audiência como mercadoria nos dias de hoje, não podemos tomar expressão como totalizadora ou desconsiderar os avanços teóricos no Campo da Comunicação nas últimas décadas; do contrário, seria uma pesquisa determinista e simplista. Então, ao fazer esta análise, temos que ter em mente que o sujeito-receptor é produtor de sentido e não uma “massa”, pois, como dizia Raymond Williams (2001, p. 248), “as massas são os outros e para os outros nós também somos a

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

7


A comoditização dos usuários na internet: comunicação, convergência e trabalho - Rafael Grohmann

massa. De fato, não há massas, apenas modos de ver os outros como massas”. Por isso, devemos encarar o estudo da audiência como mercadoria apenas uma das facetas, a contextual, que serve para compreender os ambientes onde os sujeitos interagem, bem como sua interface econômica. Deste modo, acredito que a Economia Política da Comunicação pode ser complementar aos Estudos Culturais nos estudos de recepção. Para Fuchs (2012), com a Internet e as redes sociais, resolve-se um conflito entre as duas tradições teóricas: na web 2.0, “os usuários são ativos e criativos, o que reflete os insights dos Estudos Culturais sobre o caráter ativo dos receptores, mas este caráter ativo e criativo da audiência é também fonte de exploração, o que reflete a ênfase da Economia Política Crítica sobre classe e exploração” (FUCHS, 2012, p. 711). Mas quem foi o precursor da ideia da mercadoria (ou commodity) não ser a “mídia” ou “os meios de comunicação”, mas a própria “audiência”? Como se deu este debate?

3. Dallas Smythe e a Mercadoria Audiência nos Meios Tradicionais

O canadense Dallas Walker Smythe escreveu um artigo em 1977 chamado “Comunicações: um buraco negro no marxismo ocidental”, que se tornou um clássico na Economia Política da Comunicação. Neste texto, Smythe (1977) afirma que o marxismo não prestou a devida atenção ao papel da comunicação no sistema capitalista e que a audiência é uma mercadoria primária do sistema midiático. Apesar de Smythe, segundo Fuchs (2012), ter trabalhado essa noção de mercadoria audiência (audience commodity) desde meados dos anos 50, é a partir deste artigo que suas formulações ganham eco no campo acadêmico. Segundo Smythe (1977), as empresas de comunicação, mais do que “fabricar” produtos midiáticos, produz audiência e as vende para os anunciantes. A programação midiática, em sua visão, não seria muito mais que um presente ou um almoço grátis. O seu argumento é que, em seu tempo livre, o público trabalharia para os anunciantes, com duas funções: “a) desempenham funções essenciais de marketing para os produtores; b) trabalham na produção e reprodução da força de trabalho” (SMYTHE, 1977, p. 3). 2 - Em inglês, há mais de uma palavra para trabalho: work ou labour. Fuchs (2013) tenta delimitar melhor estas fronteiras, mas aqui, em Smythe (1981), ele coloca work para se referir ao “trabalho das audiências” e labour para se referir ao trabalho assalariado (no caso, wage labour).

Em um texto de 1981, “Sobre a mercantilização da audiência e seu trabalho”, Smythe (1981) chega a falar que, para grande parcela da população, as 24 horas do dia são horas de trabalho. Ele salienta, entretanto, que parte da perspectiva do trabalho como atividade, não necessariamente trabalho assalariado2, seguindo a perspectiva materialista (RÜDIGER, 2011). “Em sua base, o trabalho é algo criativo, algo distintamente humano – a capacidade de trabalho é uma das coisas que distingue os seres humanos dos outros animais” (SMYTHE, 1981, p. 233). Para ele, então, os usuários contribuem com um trabalho não-pago ao assistir à televisão, por exemplo e este “trabalho da audiência” seria um motor fundamental do sistema econômico dos meios de comunicação de massa. “O poder da audiência é produzido, vendido

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

8


A comoditização dos usuários na internet: comunicação, convergência e trabalho - Rafael Grohmann

e consumido; ele comanda o preço e é uma mercadoria (...). Vocês membros da audiência contribuem com um trabalho não-pago e em troca você recebe o material dos programas e as propagandas explícitas” (SMYTHE, 1981, p. 233). O clássico argumento de Smythe gerou intensos debates e críticas ao autor, como Garnham (1990), Meehan (1984) e Jhally (1987), criticando, por vezes, a imprecisão do conceito de “mercadoria audiência”. O brasileiro César Bolaño (2000) afirma que Smythe extrapolou o conceito de trabalho de forma errônea e “o conceito de trabalho é posto por Smythe lá onde não deveria” (BOLAÑO, 2000, p. 143), ou seja, nas audiências. Para Bolaño, “a relação entre meio de comunicação e público não é uma relação de trabalho, mas de comunicação” (Bolaño, 2000, p 144), que seria diferente do trabalho concreto dos “trabalhadores do sistema midiático”. Entretanto, com a presença midiatizada das redes sociais e da internet na vida do sujeitos, estes argumentos (de Smythe e de seus críticos) se alteraram? Como fica a lógica da mercadoria audiência na “cultura da convergência”?

4. A Comoditização dos Usuários na Internet

O austríaco Christian Fuchs, professor da University of Westminster, na Inglaterra, é um dos grandes pesquisadores atualmente na área de internet e redes sociais a partir de uma perspectiva marxista, considerando as questões do trabalho digital e da censura à comunicação. Para ele (FUCHS, 2011), a pesquisa em Internet é composta, hegemonicamente, por autores, em sua visão, “apologéticos” e “não-críticos” e pretende estudas as redes sociais em uma perspectiva crítica, conectada, segundo ele, às lutas por uma sociedade mais justa, em uma dimensão intelectual da crítica (FUCHS, 2014). Em sua agenda de pesquisa, constam temas como: as formas de mercantilização na internet, formas de criação de mais-valia na internet e o que os usuários acham dela e o papel da internet na luta de classes. Fuchs (2013) critica teóricos como Jenkins (2009) e Shirky (2011), por considerar que eles entendem “participação” por uma chave simplista e celebratória das redes sociais, negligenciando estruturas de propriedade como um aspecto de participação. Participação quer dizer que humanos tem direitos e realmente fazem parte de decisões e governam e controlam as estruturas que os afetam. Direitos são sempre universais e não particulares (...). Similarmente, participação é uma demanda política universal, não uma categoria relativa. Caso contrário, pode-se dizer que a ditadura é uma democracia participativa porque uma elite dominante está “participando”, que é, no entanto, uma parte relativamente pequena da população (FUCHS, 2014, p. 57).

Para Fuchs (2011), portanto, mesmo que Jenkins (2009) considere que a “cultura da con-

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

9


A comoditização dos usuários na internet: comunicação, convergência e trabalho - Rafael Grohmann

vergência” faça avançar a diversidade cultural, as vozes que participam não têm o mesmo poder. Neste sentido, a “cultura participativa” “produz conteúdos e vozes que são frequentemente marginalizadas porque visibilidade é um recurso central na sociedade contemporânea que pode ser comprada por poderosos atores” (FUCHS, 2011: 266). Por isso, para ele, devemos considerar a “cultura participativa” como uma ideologia, quase como um imperativo dos tempos atuais. O “prosumidor” ou “produser” não é um indivíduo isolado no mundo e a sua capacidade de realmente “ser ouvido” depende, em alguma medida, das lutas de classes, que são midiatizadas (GROHMANN, 2013). Para Fuchs (2011), a noção de classe precisa ser expandida para incluir todo mundo que cria e recria espaços de experiência comum, como o conteúdo gerado pelos usuários na Internet, por meio de suas práticas. Compreender a Internet hoje, portanto, significa entendê-la também na chave da luta de classes, da exploração e do trabalho digital. Entretanto, Fuchs (2011) é taxativo ao afirmar que não se considera um tecno-pessimista, simplesmente porque as relações entre tecnologia e sociedade são muito complexas, envolvendo fatores negativos e positivos. Por isso, em nossa visão, não se trata de negar a questão da criatividade e da participação, mas de enxergar os fatores como um conjunto dialético. Com essas mudanças, a comoditização dos usuários da Internet também ganha uma face mais complexa, havendo uma “total comoditização da criatividade humana”. O usuário é, em sua visão, “por si só uma mercadoria, e através desta mercantilização sua consciência torna-se permanentemente exposta à lógica da mercadoria enquanto ele está on-line sob a forma de publicidade” (FUCH, 2012, p. 712). Para Fuchs (2012), hoje o usuário é um duplo objeto de comoditização e dá um exemplo a partir do Google: de um lado, a empresa indexa, para seu buscador, o material gerado pelo usuário na Internet; por outro lado, monitora os usos que o “prosumidor” faz a partir da conta do buscador, gerando, por exemplo, gráficos sobre as palavras mais buscadas, os horários e os dias que usa o buscador com mais frequência. De uma forma geral, na Internet, quanto mais tempo o usuário ficar on-line, mais tempo de publicidade o anunciante terá, sendo que ele não só recebe publicidade, mas é material para o target, a partir de seus dados pessoais, interesses e conversas. Segundo Kang e McAllister (2011), a mercadoria que o Google produz e vende não são apenas as informações privadas dos usuários, mas as atividades do usuário na rede. De acordo com Kang e McAllister (2011), o principal mecanismo de comoditização dos usuários é a vigilância. Como diz Assange (2013, p. 71), “Se você for um usuário-padrão, o Google sabe com quem você se comunica, quem você conhece, o que está pesquisando e, possivelmente, sua preferência sexual, sua religião e suas crenças filosóficas”. Com o monitoramento dos usuários, pode-se criar peças personalizadas, “feitas para o usuário”, próprias para o momento atual onde os sujeitos querem se tornar “especiais”. A visibilidade nas redes sociais, então, é um elemento a ser considerado, pois possibilitou o que podemos chamar de “sociedade do stalker”: somos vouyers uns dos outros nas

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

10


A comoditização dos usuários na internet: comunicação, convergência e trabalho - Rafael Grohmann

redes sociais, desde olhar se o amigo está online ou off-line ou se visualizou a sua mensagem e não respondeu. Fuchs e Trottier (2013) afirmam que há um aumento mútuo de vigilância: a visibilidade voluntária faz aumentar a visibilidade involuntária. Para eles, a vigilância dos usuários na internet inclui: a) vigilância dos dados do perfil pessoal; b) vigilância do conteúdo produzido; c) vigilância da navegação e do comportamento de “cliques”; d) vigilância nas relações sociais e das redes; e) vigilância da comunicação. Deste modo, estes tipos de vigilância auxiliam na comoditização dos usuários. Mas o que o usuário produz na internet pode ser considerado um trabalho não-pago (free labor)? O usuário somente é comoditizado?

5. Os Usuários e Suas Atividades: free labor?

A Internet propiciou uma erosão ainda maior das fronteiras entre “tempo de trabalho” e “tempo livre”, embaralhamento este que pode ser notado, por exemplo, a partir de nossa pesquisa realizada com jornalistas (GROHMANN, 2012). Os sujeitos podem, ao mesmo tempo, trabalhar em um projeto, ouvir música e estar conectados ao Facebook. Podemos trabalhar este cenário a partir do conceito de “playbor” (play + labor), termo cunhado por Küklich (2005). Neste mundo marcado pelo “imperativo da flexibilidade”, há, muitas vezes, a percepção do trabalho como um “jogo”, o que ajuda a justificar trabalhos precários ou não remunerados a partir do jogo. Ou, ainda, pode ocorrer a não-percepção de trabalho, pois a dinâmica hegemônica é a do jogo. “O fato de o trabalho digital não ter preço torna impossível distinguir tempo produtivo e tempo improdutivo” (ARVIDSSON, 2011, p. 265). Dentro da lógica da comoditização do usuário, a partir do caminho delineado por Dallas Smythe na década de 1970 e por Christian Fuchs, o usuário nas redes sociais exerceria um trabalho não-pago ao fornecer espontaneamente seus gostos pessoais e ao criar, compartilhar e curtir os conteúdos mais diversos, exercendo, por vezes, o que Castells (2010) chama de “auto-comunicação de massa”. Fuchs (2012) considera que empresas envolvidas com redes sociais exploram os usuários ao incentivar o engajamento em atividades de “prosumidor”. Tiziana Terranova (2013), no entanto, nos convida a pensar a concepção de “trabalho não-pago” (free labor) em sua complexidade. Para tanto, consideraremos a expressão a partir de agora somente como free labor, pois pode envolver tanto a concepção de “trabalho não-pago” quanto a de “trabalho livre”, por exemplo. A internet não transforma automaticamente cada usuário em um produtor ativo, e cada trabalhador em um sujeito criativo. O processo pelo qual a produção e o consumo são reconfigurados dentro da categoria de free labor sinaliza o desdobramento de uma lógica diferente de valor, cujas operações precisam ser analisadas com cuidado (TERRANOVA, 2013: 35).

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

11


A comoditização dos usuários na internet: comunicação, convergência e trabalho - Rafael Grohmann

Free labor não significa necessariamente “trabalho explorado”, de acordo com Terranova (2013). Christian Fuchs é criticado por Bolaño (2013, p. 11), para quem o trabalho do usuário não pode ser considerado um trabalho explorado, pois isso depende do valormercadoria e da produção de mais-valia: o valor econômico só é produzido após o processamento e refinamento dos dados através de softwares e algoritmos que constituem a base das atividades de uma parcela da classe trabalhadora que lida com isso dentro das empresas de tecnologia da informação, e não pelo trabalho do usuário, como pensa Fuchs. O que o usuário produz não tem nenhum valor de troca, pois toda a sua atividade rastreada, assim como o conteúdo eventualmente produzido por ele somente interessa à empresa como matéria bruta para que os trabalhadores informacionais produzam a mercadoria audiência (BOLAÑO, 2013: 11).

Para Bolaño (2013), o trabalho produtivo é apenas dos trabalhadores que transformam os dados brutos e algoritmos em ferramentas que transformam as informações coletadas em banco de dados. Em sua visão, não é só porque os usuários nem percebem que são comoditizados que isso pode ser considerado um “trabalho explorado” em uma tradição marxista. Já para Terranova (2013), realmente, o trabalho do usuário pode ser considerado um free labor tomando o trabalho como atividade humana: o usuário considerado padrão não lucra nenhum centavo para criar legendas para um filme, escrever em um blog, criar um vídeo a partir de uma campanha. “O trabalho de criar uma comunidade virtual não foi recompensado financeiramente (foi, portanto, livre, não-remunerado), mas foi feito voluntariamente em troca dos prazeres da comunicação e da interação (por isso livre, prazeroso, não-imposto” (TERRANOVA, 2013: 47). Vincent Mosco (2009) considera ser também papel da Economia Política da Comunicação examinar como as audiências respondem à comoditização e resistem às hegemonias com o compartilhamento de arquivos e criação de material em blogs e redes sociais. Abigail de Kosnik (2013) estuda as comunidades de fãs (fandom) como free labor e mostra como a produção on-line dos fãs é constituída por um marketing não-autorizado das mercadorias “oficiais”. Há, no trabalho das comunidades de fãs, produção de sentido, customizando, ressignificando e recontextualizando as mercadorias a partir de seus próprios interesses, o que Castells (2010) chama de “cultura do remix”. Esta distância entre o trabalho, por vezes de resistência, realizado pelos fãs e o produtor oficial é uma razão pelo qual não podemos chamar o fã de “trabalhador explorado”. O engajamento dos fãs nas comunidades virtuais pode ser “pago” em outras moedas a partir das regras de cada sub-campo e das lutas por classificação e distinção (Bourdieu, 2007), pois os receptores, nestas comunidades, não estão prioritariamente interessados nas questões financeiras, mas, muitas vezes, buscam demarcar espaço em um grupo social, envolvendo disputas de capital cultural e subcultural, como mostra Bruno Campanella

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

12


A comoditização dos usuários na internet: comunicação, convergência e trabalho - Rafael Grohmann

(2012). Além disso, como mostra Kosnik (2013), nem todos os trabalhos dos fãs não são remunerados. Eles podem receber dinheiro a partir de ferramentas das empresas da Internet, como o Google AdSense e o Youtube Partner Program. O “culto ao amador” é um dos fundamentos da economia digital, pois a interatividade se dá a partir do engajamento dos usuários nas páginas da rede. Podemos observar como há fãs que se tornaram referências em suas respectivas áreas e se tornaram, por exemplo, “blogueiros profissionais”, como há casos nos campos da moda, da telenovela e do esporte. Ou seja, sua atividade deixa de ser free labor. A complexidade do “trabalho dos usuários”, portanto, nos impede de pensá-los somente como “vítimas marginalizadas da economia” (KOSNIK, 2013). Entender outras facetas dos sujeitos-receptores (por vezes, a partir do resgate de “velhas” questões) na Internet é uma das tarefas atuais e urgentes do campo da Comunicação. Este artigo procurar jogar luz nas complexidades de se compreender os usuários de Internet a partir de uma bibliografia que geralmente não se configura como hegemônica nos trabalhos da área.

6. Referências Bibliográficas

ADORNO, Theodor. O Fetichismo na Música e a Regressão na Audição. Textos Escolhidos – Coleção os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1985, p. 65-85. ARVIDSSON, Adam. Ethics and Value in Costumer Co-Production. Marketing Theory, v. 11, n. 3, 2011, p. 261-278. ASSANGE, Julian. Cypherpunks: liberdade e o futuro da Internet. São Paulo: Boitempo, 2013. BOLAÑO, César. Indústria Cultural, Informação e Capitalismo. São Paulo: Hucitec, 2000 BOLAÑO, César. Economia Política da Internet: sites de redes sociais e luta de classes. In: Congresso do Intercom 2013. Anais do Intercom 2013. Manaus/AM, 2013 BOURDIEU, Pierre. A Distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp, 2007 CAMPANELLA, Bruno. Os Olhos do Grande Irmão: uma etnografia dos fãs do Big Brother Brasil. Porto Alegre: Sulina, 2012. CASTELLS, Manuel. Comunicación y Poder. Madrid: Alianza, 2010. ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados. São Paulo: Perspectiva, 1979 FIGARO, Roseli. Comunicação e Trabalho: estudo de recepção – o mundo do trabalho como mediação da comunicação. São Paulo: Anita/Fapesp, 2001.

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

13


A comoditização dos usuários na internet: comunicação, convergência e trabalho - Rafael Grohmann

FUCHS, Christian. Foundations of Critical Media and Information Studies. New York: Routledge, 2011 FUCHS, Christian .Dallas Smythe Today - the audience commodity, the digital labour debate, marxist political economy and critical theory: prolegomena to a digital labour theory of value. Triple C. N. 10, v. 2, 2012, p. 692-740. FUCHS, Christian. Class and Exploitation on the Internet. In: SCHOLZ, Trebor (org.). Digital Labor: the internet as playground and factory. New York: Routledge, 2013, p. 211-224. FUCHS, Christian. Social Media: a critical introduction. London: Sage, 2014. FUCHS, Christian; TROTTIER, Daniel. The Internet as surveilled workplayplace and factory. In: GUTWIRTH, Serge et alli (org.). European Data Protection: coming of age. Dordrecht: Springer, 2013, p. 33-57. GARNHAM, Nicholas . Capitalism and Communication: global culture and the economics of information. London: Sage, 1990 GOMES, Itânia. Efeito e Recepção. São Paulo: E-Papers, 2004. GROHMANN, Rafael. O Receptor como Produtor de Sentido: estudos culturais, mediações e limitações. Revista Anagrama. V. 2, n. 4, 2009, p. 1-16. GROHMANN, Rafael. Os Discursos dos Jornalistas Freelancers Sobre o Trabalho: comunicação, mediações e recepção. Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. Orientador: Roseli Aparecida Fígaro Paulino GROHMANN, Rafael. O Que a Comunicação Tem a Dizer Sobre Classes Sociais? In: Congresso do Intercom Sudeste 2013. Anais do Intercom Sudeste 2013. Bauru/SP, 2013. JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2009. JHALLY, Sut. The Codes of Advertising. New York: Routledge, 19887 KANG, Hyunjin; McALLISTER, Matthew. Selling You and Your Clicks: examining the audience commodification of Google. Triple C. V. 9, n. 2, 2011, p. 141-153. KOSNIK, Abigail de. Fandom as Free Labor. In: In: SCHOLZ, Trebor (org.). Digital Labor: the internet as playground and factory. New York: Routledge, 2013, p. 98-111. KÜKLICH, Julian. Precarious Playbour: modders and the digital games industry. Fibreculture Journal, v. 3, n. 5, 2005. MATTELART, Armand; NEVEU, Érik. Introdução aos Estudos Culturais. São Paulo: Parábola, 2004. McKERCHER, Catherine; MOSCO, Vincent . Introduction: theorizing knowledge labor and the information society. In: McKERCHER, Catherine; MOSCO, Vincent (org.). Knowledge

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

14


A comoditização dos usuários na internet: comunicação, convergência e trabalho - Rafael Grohmann

Workers in the information society. Lanham: Lexington Books, 2007. MEEHAN, Eileen. Ratings and the Institutional Approach: a third answer to the commodity question. Critical Studies in Mass Communication. V. 1, n. 2, 1984, p. 216-225. MOSCO, Vincent. The Political Economy of Communication. London: Sage, 2009. RÜDIGER, Francisco. Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural. Porto Alegre: Edipucrs, 2004. RÜDIGER, Francisco. As Teorias da Comunicação. Porto Alegre: Penso, 2011 SCHAFF, Adam. Linguagem e Conhecimento. Coimbra: Almedina, 1976 SHIRKY, Clay. A Cultura da Participação: criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro: Zahar, 2011 SMYTHE, Dallas. Communications: blindspot of western marxism. Canadian Journal of Political and Social Theory. V. 1, n. 3, 1977, p. 1-27. SMYTHE, Dallas. On the audience commodity and its work. In: DURHAM, Meenaksh; KELLNER, Douglas (org.). Media and Cultural Studies: keywords. Malden: Blackwell, 1981 TERRANOVA, Tiziana. Free Labor. In: SCHOLZ, Trebor (org.). Digital Labor: the internet as playground and factory. New York: Routledge, 2013, p. 33-57. WILLIAMS, Raymond. Cultura y Sociedad: 1780-1950 – de Coleridge a Orwell. Buenos Aires: Nueva Visión, 2001

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

15


ENTRE A DERRUBADA DE BARREIRAS E AS TESES DOS CONSELHOS DE COMUNICAÇÃO NA I CONFECOM: UMA ANÁLISE DAS POSIÇÕES DO EMPRESARIADO PARTICIPANTE ENTRE LO DECAIMIENTO DE BARRERAS Y LA TESIS DE LOS CONSEJOS DE COMUNICACIÓN EN I CONFECOM: UN ANÁLISIS DE LAS POSICIONES DE COMUNIDAD DE NEGOCIOS PARTICIPANTE BETWEEN THE DOWNFALL OF BARRIERS AND THE THESIS OF COUNCILS OF COMMUNICATION IN I CONFECOM: AN ANALYSIS OF THE POSITIONS OF PARTICIPANT BUSINESS COMPANY Everton SOUSA Mestre em Políticas Públicas e Sociedade pela UECE Email:evesous@gmail.com

Alexandre BARBALHO Doutor em Comunicaçao e Cultura Contemporânea pela UFBa, Professor dos PPGs em Políticas Públicas da UECE e em Comunicacão da UFC Email: alexandrealmeidabarbalho@gmail.com

Revista Eptic Online Vol.16 n.3 p.16-31 set.-dez 2014 Recebido em 15/03/2014 Aprovado em 20/07/2014


Entre a derrubada de barreiras e as teses dos conselhos de comunicação.... – Everton Sousa; Alexandre Barbalho

Resumo Este artigo busca compreender o que possibilitou a aprovação das propostas referentes aos conselhos de comunicação na I Conferência Nacional de Comunicação (I Confecom), considerando-se que boa parte da grande mídia se opõe irredutivelmente a qualquer mecanismo de controle sobre seus produtos e sua atividade produtiva. Neste sentido, recorremos ao conceito de Valério Cruz Brittos sobre as barreiras à entrada para entender o comportamento das duas únicas entidades empresariais que permaneceram no fórum, não sem antes conhecer as teses cujo objeto se traduzia nos conselhos de comunicação, o alvo maior da crítica de quem se abstinha de participar do evento.

Palavras-chave I Confecom, Conselhos de Comunicação, Barreiras à entrada.

Resumen Este artículo trata de comprender lo que condujo a la aprobación de las propuestas relativas a los consejos de comunicación en I Conferência Nacional de Comunicação (I Confecom), teniendo en cuenta que gran parte de los principales medios de comunicación son irreductiblemente contrarios a cualquier mecanismo de control sobre sus productos y su actividad productiva. En este sentido, usamos el concepto de Valério Cruz Brittos sobre las barreiras à entrada para la comprensión del comportamiento de las dos únicas entidades corporativas que se quedaron en el evento, y no antes de conocer las tesis cuyo objeto se expresó en los consejos de comunicación, el mayor objetivo de las críticas de los que se abstuvieron de asistir al evento.

Palabras clave I Confecom, Consejos de comunicación, barreiras à entrada.

Abstract This article tries to understand what led to the approval of proposals concerning the counsels of communication in I Conferência Nacional de Comunicação (I Confecom), considering that much of the mainstream media is irreducibly opposed to any mechanism of control over their products and their productive activity. In this sense, we use the concept of Valério Cruz Brittos on the barreiras à entrada for understanding the actions of two singles corporate entities that remained in event, not before knowing the theses whose object was expressed in the councils of communication, the biggest target of criticism who abstained from attending the event. Keywords I Confecom, Counsels of Communication, barreiras à entrada.

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

17


Entre a derrubada de barreiras e as teses dos conselhos de comunicação.... – Everton Sousa; Alexandre Barbalho

Introdução

1-BAHIA (Estado). Lei 12.212, de 04 de maio de 2011.

Este artigo é parte de uma pesquisa na qual analisamos os processos de criação dos conselhos estaduais de comunicação do Ceará e da Bahia, averiguando-os desde a ocasião em que foram propostos na I Conferência Nacional de Comunicação (I Confecom), realizada em dezembro de 2009. Em relação a esses conselhos, os processos culminaram no veto da iniciativa cearense e na perda de vigor democratizante do projeto baiano, que acabou sendo transformado numa lei1 cujas cláusulas apresentam um conselho de atribuições “enxutas” e composição favorecedora do empresariado do setor. Apesar desses revezes, devemos considerar que o fato da instalação do órgão parece representar uma ameaça para alguns setores da mídia, temerosos quanto ao “controle social da comunicação” desde a I Confecom. Já na ocasião em que foi realizada a conferência, as entidades representativas destes segmentos opositores (ABERT, ANJ, dentre outras) se recusavam a debater sobre qualquer intervenção pública sobre a mídia, enquanto que outros grupos empresariais, parecendo desconsiderar essas supostas potenciais ameaças à liberdade de imprensa, permaneceram com suas representações por toda duração do evento, dando-lhe legitimidade e aprovando algumas das teses rejeitadas pelas entidades ausentes. Diante desse contexto, este trabalho procura compreender o que possibilitou essas aprovações durante a realização da I Confecom, tendo em conta que boa parte da grande mídia anatematiza qualquer mecanismo de controle sobre seus produtos e sua atividade produtiva. Para tanto, recorremos ao conceito de Valério Cruz Brittos sobre as barreiras à entrada (2003; 2004) para entender o comportamento das entidades empresariais que permaneceram no fórum, não sem antes conhecer as inovações das teses cujo objeto se traduzia nos conselhos de comunicação, o alvo maior da crítica de quem se abstinha de participar do evento. Em termos de organização metodológica, este artigo tem por base, essencialmente, as pesquisas bibliográfica e documental. Sendo assim, foram examinados desde o material da imprensa até o caderno resumo da I Confecom, visando a obtenção de dados significativos tanto das posições das entidades participantes como das teses que preveem os conselhos de comunicação para posterior leitura auxiliada pelo suporte da bibliografia consultada.

2Marcos Dantas integrou a Comissão Rio Pró-Conferência e a Comissão Organizadora da Conferência Estadual do Rio de Janeiro, onde foi eleito para delegado, vinculado ao segmento da sociedade civil não empresarial, para representar seu estado na Conferência Nacional.

3- Decreto Presidencial Convocatório de 16 de abril de 2009

A I Confecom e as inovações das teses dos conselhos

Para Marcos Dantas (2010), que participou nos trabalhos da I Confecom2, a iniciativa convocatória do Governo Federal3 e todo o processo de realização do evento devem ser elogiados na medida em que o Brasil nunca havia presenciado um debate tão amplo sobre seus meios de comunicação. Acrescente-se que as dificuldades neste sentido quase

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

18


Entre a derrubada de barreiras e as teses dos conselhos de comunicação.... – Everton Sousa; Alexandre Barbalho

sempre eram – e ainda são – originárias da grande mídia, cujos interesses as impedem de discutir sobre as próprias operações de maneira transparente junto a seu público e, por outro lado, trabalham impondo barreiras para que seja impossível debater sobre o futuro do setor e o seu lugar na era da convergência digital.

4- Utilizamos neste artigo à numeração das propostas tal como são apresentadas no Caderno da 1ª Confecom (2010).

Apesar do elogio, o autor adverte que os resultados práticos da reunião foram tímidos, uma vez que os representantes do empresariado conseguiram facilmente estabelecer um consenso que lhes favorecesse nas questões ditas “sensíveis”, ou seja, aquelas que recebiam, no mínimo, 50% de apoio dos membros de um segmento (DANTAS, 2010). Contudo, não foi a tática das “questões sensíveis” que refreou as teses que defendem o dispositivo dos conselhos de comunicação. Das sete Propostas de Lei (PL) aprovadas na I Confecom que têm como tema o dispositivo dos conselhos ou se relacionam com ele indiretamente, apenas três precisaram ir à plenária final por não terem obtido um mínimo de 80% (oitenta por cento) dos votos favoráveis nos Grupos de Trabalho (PL 117, PL 193 e PL 712)4. Por sua vez, duas outras propostas foram aceitas nos GTs em que passaram por debate e sufrágio (PL 311 e PL 443) e outras duas obtiveram consenso favorável entre os votantes (PL 195 e PL 704). A maioria se referia à instalação de um “Conselho Nacional de Comunicação” ou à reativação do Conselho de Comunicação Social, sendo que apenas duas apontavam claramente para os conselhos estaduais, distritais e municipais (PL 311 e PL 712). Muito embora elas tenham objetivos bem parecidos e muitas vezes apresentem um mimetismo problemático quando comparadas entre si, diferenças qualitativas podem ser encontradas com o aprofundamento descritivo e conceitual das teses. Ainda assim, por causa do excesso de propostas semelhantes, houve quem duvidasse da transformação dos resultados da I Confecom em políticas públicas efetivas, somando-se este problema a outras características históricas do sistema brasileiro de mídia, sem deixar de ressaltar a legitimidade das diretrizes e o caráter imprescindível das demandas sociais que elas representam (BRITTOS et al., 2010). Avaliamos, contudo, que estes outros fatores parecem impor mais obstáculos às políticas potencialmente resultantes do fórum que a vultosa quantidade de teses nele aprovadas, na medida em que são sustentáculos históricos da atual regulação do sistema de mídia brasileiro, a saber: a sobrerrepresentação dos meios de comunicação na arena política, a presença de agentes vinculados ao empresariado operando em postos estratégicos do Governo – como no Ministério das Comunicações, dentre vários outros exemplos – e a visão instrumentalizada da comunicação social (BRITTOS et al., 2010). Em outras palavras, podemos dizer que todos estes elementos formam barreiras institucionais no mercado das comunicações (BRITTOS, 2003; 2004). Se o volume de propostas aprovadas foi prejudicial para a sua concretização, não parece ter sido esta a razão para o desenvolvimento das teses dos conselhos no nível das unidades federativas, tendo em vista não ter sido somente Ceará e Bahia a incluírem Conselhos Estaduais de Comunicação Social na ordem de suas respectivas assembleias legislativas estaduais. Ou seja, o grande acúmulo das teses não impediu, na pior das situações, que

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

19


Entre a derrubada de barreiras e as teses dos conselhos de comunicação.... – Everton Sousa; Alexandre Barbalho

ao menos se discutisse o tema entre o poder legislativo da esfera intermediária (estadual e distrital), ou que exigisse dos líderes dos poderes executivos estaduais um posicionamento político quanto ao tema, como fizeram os governadores Cid Gomes do Ceará e Jacques Wagner da Bahia, cada um em seu contexto. Neste âmbito, o pessimismo quanto ao volume das propostas da Confecom não resiste à análise dos acontecimentos posteriores. Cabe agora adentrar nas teses que apontam para os conselhos. Ao debater e votar questões relativas à “produção independente”, o Grupo de Trabalho número 1 (GT 1) da I Confecom, incluído no eixo da “Produção de conteúdo”, decidiu por levar a Proposta de Lei 712 (PL 712) à Plenária Final, de onde surpreendentemente saiu aprovada. Originária da conferência estadual gaúcha, acontecida entre os dias 17 e 18 de novembro daquele ano nas dependências da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, a proposta é registrada no Caderno da 1ª Confecom com o seguinte texto: Criação dos conselhos de comunicação nos âmbitos federal, estadual e municipais de caráter paritário com membros eleitos e estrutura de funcionamento para que possa acompanhar a execução das políticas públicas, que garantam o exercício pleno do direito humano à comunicação. Entre suas atribuições, deve constar a regulação de conteúdo, políticas de concessões, mecanismos de distribuição, dentre outras. (MINICOM, 2010, p. 188). (Os grifos são nossos). Considerada uma das mais importantes aprovações da conferência, a PL 712 foi bastante comemorada pelas entidades que representavam a sociedade civil não empresarial e, de acordo com as declarações dos representantes das empresas na conferência, o mecanismo não trazia maiores preocupações para aquele segmento (LOBATO; MACHADO, 2010; DANTAS, 2010). Daquele registro, pode-se destacar inicialmente o caráter paritário e a eleição dos membros como uma salvaguarda contra os desequilíbrios que possam vir a ter o órgão em favor do empresariado, semelhante ao que acontecera ao Conselho de Comunicação Social (CCS); em segundo lugar, deve-se pôr em relevo a exigência de uma estrutura de funcionamento com as mínimas condições para a sua atuação; e, por último, a garantia do direito à comunicação aparece vinculada diretamente com a regulação de conteúdo, com as políticas de concessões e com os mecanismos de distribuição. Os três pontos destacados revelam a precaução adquirida pela sociedade civil não empresarial organizada nestes quase trinta anos que sucedem à abertura democrática. Neste curto tempo de aprendizado, foi possível verificar um padrão de comportamento das empresas e dos sindicatos para fazer valer seus interesses diante de adversidades: numa frente se desequilibra o jogo político em seu favor; de outro lado, na batalha pelo favor da opinião pública, busca-se convencer o público de que a democracia plena perpassa a atividade dos veículos, sendo que qualquer sanção sobre estes ameaça a estabilidade daquela. Não somente o caráter paritário da composição e a eleição dos membros neutralizariam este nocivo poder de ação, mas também a estrutura própria do órgão, que lhe traria mais autonomia, e as atribuições que lhe permitiriam fiscalizar os conteúdos, as concessões de outorgas e a distribuição de verbas publicitárias oficiais. Não deixa de surpreender o fato

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

20


Entre a derrubada de barreiras e as teses dos conselhos de comunicação.... – Everton Sousa; Alexandre Barbalho

de que esta tese fora aprovada na plenária final da I Confecom e que a representação empresarial não a visse com preocupação. Outra tese aprovada por maioria de 80% no GT 11 elaborava um modelo de Conselho de Comunicação que parecia ser mais ativo e eficaz, entrando em detalhes sobre a vinculação, a composição e sobre as atribuições do dispositivo (DANTAS, 2010). Talvez o eixo temático “cidadania, direitos e deveres” e o tema propriamente intitulado “democratização da comunicação” tenha favorecido o melhor desenvolvimento e consequente êxito da tese fluminense (PL 311), que propõe

Criar o Conselho Nacional de Comunicação e os conselhos municipais, estadual e distrital, como instâncias de formulação, deliberação e monitoramento de políticas de comunicações no país. Tais conselhos serão vinculados ao Poder Executivo e terão composição do poder público, da sociedade civil e da classe empresarial, à semelhança de todos os demais conselhos ligados aos setores do Título VIII da Constituição. Esta composição será feita com a ampla participação de diferentes setores da sociedade garantindo a diversidade. Os conselhos terão, entre outras atribuições, a busca pelo equilíbrio no setor; a realização periódica de audiências e consultas públicas para que haja uma ampla participação de toda a sociedade em suas deliberações; a indicação de conferências livres, municipais, estaduais, distrital e nacional periódicas como forma de buscar subsídios para suas ações, para um maior debate sobre as políticas públicas a serem adotadas para o setor das comunicações. (MINICOM, 2010, p. 182). (Os grifos são nossos)

Neste caso, as atribuições dos conselhos vão além do mero acompanhamento da execução de políticas públicas para o setor. Embora a PL 712 não deixe claro quanto ao caráter legal de seu objeto (consultivo, auxiliar, deliberativo etc.), na PL 311, os órgãos são investidos da capacidade para formular, deliberar e monitorar as políticas para a comunicação social. Também se propõe a busca pelo equilíbrio do setor e a realização de audiências e consultas públicas regulares e outros eventos não menos importantes. Contudo, o ponto que mais intriga qualquer observador da proposta diz respeito ao caráter deliberativo dos conselhos. No caso desta proposta ser aprovada pelas instâncias legislativas, o poder público deverá levar em conta os pareceres e recomendações dos conselhos, não mais restringindo o poder decisório entre o governo e as empresas. Como se percebe nas duas últimas citações, “criar” e “criação” são termos propositivos que antecedem o dispositivo do Conselho de Comunicação. Dentre as propostas que o têm como objeto, um daqueles termos aparece ainda na PL 195, aprovada no GT 13: “Criação [...] do Conselho Nacional de Comunicação com representação do poder público, da sociedade civil e do setor empresarial” (MINICOM, 2010, p. 144). Com origem na Conferência de Santa Catarina, a tese atingiu o consenso do grupo da etapa nacional em que foi discutida. Semelhante ao que acontecera com a PL 712, muito embora esta última tenha obtido votos desfavoráveis em seu grupo, a temática “órgãos reguladores”, do eixo “cidadania, direitos e deveres”, parece ter colaborado em tornar consensual a PL 195.

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

21


Entre a derrubada de barreiras e as teses dos conselhos de comunicação.... – Everton Sousa; Alexandre Barbalho

Ainda no que tange aos termos propositivos com que se iniciam as teses que se referem ao dispositivo do Conselho de Comunicação, outras duas propostas falam em “reativação” e “garantia”: PL 117 – Reativar imediatamente o funcionamento do Conselho de Comunicação Social, paralisado desde 2006, por omissão da Mesa Diretora do Senado. (GT 13 – Eixo temático: cidadania, direitos e deveres. Tema: órgãos reguladores. Origem: RS.) (MINICOM, 2010, p. 202).[...] PL 193 – Garantia de mecanismo de fiscalização, com controle social e participação popular, em todos os processos como financiamento, acompanhamento das obrigações fiscais e trabalhistas das emissoras, conteúdo de promoções de cidadania, inclusão, igualdade e justiça, cumprimento de percentuais educativos, produções nacionais. (GT 2 – Eixo temático: produção de conteúdo. Tema: fiscalização. Origem: MA.) (MINICOM, 2010, p. 191).

O plano aparentemente confuso dessas intenções é sintomático do tratamento a que vem se submetendo o Conselho de Comunicação Social, órgão vinculado ao Congresso Nacional. Enquanto a PL 117 recomenda a reativação do CCS, a PL 193 reivindica a garantia de algum mecanismo de fiscalização, não se referindo diretamente aos conselhos de comunicação. Contudo, é possível afirmar que ambos os verbos propositivos nada mais são que sintomas de um mesmo problema: a inoperância absoluta de um dispositivo cuja previsão constitucional foi, por quase seis anos, desconsiderada pela Mesa Diretora do Senado Federal, que não nomeou novos conselheiros para o terceiro mandato até julho de 2012. Comparando-se com a experiência brasileira na matéria dos conselhos de comunicação, as teses trazem marcantes inovações políticas. Cabe agora buscar compreender como os segmentos empresariais permitiram que elas fossem aprovadas, tendo em vista que as entidades ausentes à conferência trataram-nas como um anátema.

Sobre a representação empresarial no interior da I Confecom

TV Bandeirantes e Rede TV!, ambas líderes de suas respectivas redes nacionais de emissoras de televisão – e de rádio, no caso da primeira – representadas na conferência pela Associação Brasileira de Radiodifusão (ABRA), juntamente com as operadoras de telefonia congregadas na Associação Brasileira de Telecomunicações – Telebrasil, foram de suma importância para a legitimação da conferência. Muito embora a TV Bandeirantes tenha noticiado a sua participação com certo entusiasmo (SANTOS, 2010), suas motivações passam longe do desejo de democratizar o setor. Ambos os grupos de empresas possuem interesses estratégicos cuja realização dependeria do reconhecimento, por sua parte, numa relação de troca, de algumas demandas trazidas pela sociedade civil organizada não empresarial, dentre as quais se encontram as que se

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

22


Entre a derrubada de barreiras e as teses dos conselhos de comunicação.... – Everton Sousa; Alexandre Barbalho

referem aos conselhos de comunicação. Apesar deste pragmatismo, é certo que sem a participação das referidas entidades empresariais e a inserção de suas demandas mercadológicas, talvez a I Confecom não tivesse ganhado a legitimidade para dar início ao contencioso processo de criação dos conselhos de comunicação. Esta hipótese ganha crédito na medida em que tanto as empresas representadas pela ABRA como pela Telebrasil não fazem parte do seleto grupo beneficiado com as barreiras à entrada, de acordo com a tipologia proposta por Valério Cruz Brittos (2003; 2004) para o mercado televisual, estejam elas no âmbito estético-produtivo – ligado ao padrão tecno-estético (BRITTOS, 2003; 2004; BOLAÑO, 2000, p. 231-240) – ou no campo político-institucional, responsável pelas políticas públicas para o mercado midiático (BRITTOS, 2003). Para os associados das duas entidades, a I Confecom representou uma oportunidade de fazer pressão para a derrubada dessas barreiras. Apesar da análise de Brittos se restringir ao mercado de televisão, tomando-a como referência teórica é possível entender tanto os interesses da ABRA e da Telebrasil na I Confecom, uma vez que as barreiras atualmente beneficiam uns poucos grupos que tradicionalmente operam a radiodifusão televisual, não abrindo mão de estar presente em outros nichos da indústria da informação e do entretenimento, utilizando-se da bem sucedida posição em que se encontram para impulsionar outros empreendimentos. Sendo assim, faz-se de tudo entre esses grupos para que até nos novos nichos eles sejam favorecidos, não se contentando com a liderança na televisão. Fala-se de “grupos” no plural numa situação hipotética; mas no Brasil, o maior, mais notável e talvez mais estável exemplo desta situação pode ser encontrado nas Organizações Globo, que, muito embora tenham partido do jornal impresso e do rádio, inseriram-se no mercado televisivo na década de 1960, liderando-o antes de completada a sua primeira década na TV (RAMOS, 2005), e hoje expandem suas atividades para o cinema (SIMIS, 2005) e para a TV por assinatura (DUARTE, 2005), além do mercado fonográfico (DIAS, 2005), dentre outros tantos empreendimentos. Todos esses nichos acabam sendo impulsionados pelo padrão estético-produtivo da TV Globo, já afeito dos brasileiros, e ainda pelas barreiras político-institucionais que vêm favorecendo as empresas criadas por Roberto Marinho desde o terceiro quartel do século XX. Por barreiras, deve-se entender, no geral, todos os obstáculos que se interpõem, em qualquer mercado, para impedir que novos agentes alcancem as posições de liderança, ou mesmo os desencorajem em se aventurar naquele espaço previamente dominado por oligopólios (BRITTOS, 2004). Consideradas como inerentes ao desenvolvimento do capitalismo, essas barreiras se apresentam com traços singulares nos mais diversos mercados (CHESNAIS, 1996). No caso da televisão, os dois tipos propostos por Brittos auxiliam a compreender a manutenção dos oligopólios que imperam neste setor. Como decorrência, também será possível desvendar o comportamento das únicas entidades empresariais que participaram da conferência. No primeiro caso das barreiras propostas por Brittos, a operação se restringe aos domínios da produção de bens culturais massivos. Neste espaço, o trabalho das indústrias cul-

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

23


Entre a derrubada de barreiras e as teses dos conselhos de comunicação.... – Everton Sousa; Alexandre Barbalho

turais gera uma mercadoria de dupla face: o produto cultural propriamente dito, dentro do qual se encontra investido o valor simbólico para fidelizar o público, e a audiência a ser negociada no mercado publicitário. Com semelhante mercadoria, as indústrias vão, aos poucos, colonizando o “mundo da vida”, colocando-se como alternativa aos mecanismos de interação simbólica que são inerentes a este último (BOLAÑO, 2000). Progressivamente, é estabelecido um padrão dos produtos e de sua fabricação, tornando, ao mesmo tempo, o consumidor familiarizado com todo esse processo, de maneira que entre ele e a(s) indústria(s) se formem laços de identidade: as dificuldades para rompê-los provocam tanto o esmorecimento como o fracasso de padrões com propostas alternativas. Nesta operação, origina-se uma relação de proporcionalidade com espetacular efeito financeiro: quanto maior a fidelização do público – em termos quantitativos e qualitativos –, maior valor de mercado terá a audiência, seja esta absoluta ou segmentada (BOLAÑO, 2000). Por causa disso os institutos de pesquisa de audiência são tão solicitados pela indústria de informação e entretenimento rádio-televisiva. Somando-se isto às barreiras institucionais representadas pelas políticas públicas sempre desequilibradas em favor de algumas empresas, estas corporações acabam por se favorecer, também, de uma tradição histórica junto ao seu público-alvo. Dito por outras palavras, constitui-se neste processo um padrão intrínseco de alto valor simbólico – um padrão Globo de qualidade, por exemplo – e as empresas que o dominam se regozijam no conforto que a fortuna lhes proporcionara, na medida em que conquistaram o mercado em sua alvorada, obrigando os atuais concorrentes a se aventurarem em empreendimentos dispendiosos que raras vezes comovem o mercado publicitário, a fonte da quase totalidade de arrecadação financeira das indústrias culturais televisivas. Como nem todo investimento econômico resulta na fidelização pretendida, o caráter aleatório de realização dos produtos culturais limita num curto espectro esses padrões tecno-estéticos, levando os realizadores a economizar ideias ousadas e experimentais, confirmando ainda a liderança do padrão de maior aceitabilidade entre o público (BOLAÑO, 2000). Assim o mercado tende a promover apenas as empresas que já se encontram liderando-o, o que não significa dizer que estas empresas não precisem continuar sempre reinvestindo em seu padrão: se não o fizerem, serão as únicas responsáveis pela sua própria ruína. Entretanto, o retorno lhes será garantido pela audiência fiel e pela consequente preferência dos anunciantes, principais financiadores dessa indústria. Como pode ser visto, pelo menos no âmbito da indústria audiovisual radiodifusora, da qual se ocupa Brittos e Bolaño, a natureza própria de um mercado entregue à própria sorte, cujas interseções com o Governo se resumem historicamente na troca de favores mútuos entre este e a elite do setor, acaba por resultar na oligopolização, na hegemonia quanto à audiência e na concentração da maior fatia do bolo publicitário (PIERANTI, 2007). Sem organismos públicos para corrigir as distorções dessa concorrência desleal desde a sua gênese, impera nesse mercado, inevitavelmente, a força de quem mantém o seu domínio desde o começo. O mais grave é que semelhante situação acaba impondo barreiras aos novos competido-

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

24


Entre a derrubada de barreiras e as teses dos conselhos de comunicação.... – Everton Sousa; Alexandre Barbalho

res – ou para os concorrentes historicamente descentrados –, os quais, visando conquistar audiência e, consequentemente, o lucro financeiro advindo da publicidade – no caso dos radiodifusores –, são obrigados a imitar os modelos de sucesso, o que nem sempre garante o êxito, tendo em vista o caráter aleatório, de retorno pecuniário incerto, do mercado de bens culturais. Outras soluções poderão ser tentadas para fugir desse fatalismo, como será visto no caso da ABRA junto à I Confecom, muito embora sejam buscadas por meios alternativos que passam longe do enfrentamento ao mesmo nível dos padrões tecno-estéticos cimeiros e que garantem apenas uma sobrevida financeira, sem que tragam qualquer ameaça para a desestabilização daqueles. Sob a lógica do capital, portanto, poucas serão as experimentações ao nível do produto cultural televisiva. Não é o caso de afirmar que elas não aconteçam; mas sua gênese é dificultada pelas demandas do mercado. O desenvolvimento deste raciocínio desemboca na percepção de que os oligopólios em comunicação – pelo menos em termos de padrões tecno-estéticos – são inevitáveis numa situação de livre concorrência capitalista, como bem defendem os proprietários dessa indústria. A mão invisível do mercado, portanto, se atua – ou se algum dia atuou – no sentido de regular as trocas de mercadorias, por vezes se torna até uma ameaça às indústrias culturais (no plural), na medida em que parece não funcionar o princípio da livre concorrência entre as empresas do setor, favorecendo a gênese de monopólios e oligopólios que se instalam no mercado e que dificilmente encontram concorrentes à altura que estejam dispostos e/ ou financeiramente capacitados a desafiar o capital simbólico daqueles. A barreira originada pelo padrão tecno-estético pode explicar, em parte, as posições da Associação Brasileira de Radiodifusão – que congrega Bandeirantes e RedeTV! – na I Confecom, tendo em vista que aquelas empresas produzem conteúdo; mas não explica o comportamento da Telebrasil. Quanto a este último caso, é possível entendê-lo somente a partir de uma análise das barreiras político-institucionais: quando a ação dos grupos de mídia transcende as redações e os estúdios e se insere diretamente na política. Não se quer afirmar, entretanto, que aquelas emissoras de TV não pretendam remover tais barreiras, como se fossem exclusivamente contrárias às do primeiro tipo. O que se quer fazer entender é que as empresas de telecomunicações, por não produzirem conteúdo – e visando exatamente derrubar as proibições neste sentido –, têm como objetivo, antes de tudo, a transposição das barreiras do segundo tipo. Para entendê-las, deve-se começar por saber que ao final dos processos de regulamentação de qualquer atividade econômica por parte do Estado, poderá algum agente sair privilegiado. Corre-se este risco em todos os setores da economia. Quando isto acontece, diz-se que foi gerada uma barreira político-institucional, responsável por dificultar a entrada de novos competidores na disputa pelo mercado (BRITTOS, 2003). Brittos reconheceu que as dinâmicas de definição e redefinição do setor da comunicação deveriam, em tese, permitir a participação de todo o conjunto social, tendo em vista a

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

25


Entre a derrubada de barreiras e as teses dos conselhos de comunicação.... – Everton Sousa; Alexandre Barbalho

centralidade da atividade na vida moderna, mas a impermeabilidade impede este maior envolvimento. Mesmo que nos últimos anos tenham havido esforços para alterar este quadro de exclusão, permanece vigorosa a tradicional colaboração estatal com os interesses particulares do setor (BRITTOS, 2003). O erguimento deste tipo de barreira pode se dar, de um modo geral, por duas vias: em primeiro lugar, quando houver vitória legal de uma das partes concorrentes, tendo sido tratadas todas com isonomia nas instâncias governamentais; em segundo, na ocasião em que relações privilegiadas entre agentes públicos e privados, quando não se confundirem na mesma figura, resultarem numa regulamentação cujos benefícios são exclusivos para um grupo seleto (BRITOS, 2003). No caso da radiodifusão, por exemplo, os interesses da ABERT e de seus afiliados são intocáveis desde a aprovação do Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), em 1962, até a manutenção deste nos dias atuais, mesmo estando ele obsoleto, numa clara demonstração da maneira como aquela associação catalisa o expediente político em seu favor. Não há dúvidas de que este caso se encaixa perfeitamente na segunda descrição acima, onde os interesses particulares são privilegiados desde o início. De volta ao contexto da I Confecom, dentre as entidades representantes das maiores empresas de comunicação do país, onde estão inclusas a ABERT e a ANJ, apenas a Associação Brasileira de Radiodifusão (ABRA), liderada pela Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, e a Telebrasil, representando as maiores empresas de telecomunicação atuantes no Brasil (Oi, Telefônica e Embratel), participaram desde início até o fim dos debates do fórum. Muito embora ameaçassem vez por outra desistir de participar, quando as palavras de ordem dos membros da sociedade civil organizada as tratavam com hostilidade, tinham muito mais a ganhar caso permanecessem, dada a posição descentrada de seus representados no universo das maiores corporações brasileiras do setor. Interessa àqueles uma nova regulação que lhes favoreça e que corrija a distorções dos oligopólios, de modo a permitirlhes competir com as corporações atualmente bem estabelecidas. A presença dessas entidades também acabou por dar legitimidade ao processo na medida em que outras seis grandes entidades, dentro das quais se congregam os maiores veículos de comunicação brasileiros optaram por se ausentar do processo, alegando haver politização do debate entre os organizadores da conferência, dentre outras justificativas que perpassam as supostas ameaças ao exercício da liberdade de expressão, segundo se queixam. Quanto às que permaneceram, seus objetivos são perceptíveis em todas as etapas da conferência. Como não poderia deixar de ser, a participação dessas poucas entidades justifica-se pelas motivações mercadológicas das empresas que lhes são afiliadas, longe de qualquer comunhão com as demandas da sociedade civil organizada em se estabelecer um setor mais democrático, e sempre em oposição às corporações cimeiras. Para a TV Bandeirantes, além da genérica e retórica defesa de uma liberdade de expressão, interessava a aprovação da proposta de multiplexação do canal digital, parecendo não se opor, em quase todos os debates, às propostas advindas da sociedade civil organizada para combater os oligopólios, contanto que lhe fosse permitido utilizar sua frequência

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

26


Entre a derrubada de barreiras e as teses dos conselhos de comunicação.... – Everton Sousa; Alexandre Barbalho

para transmitir até quatro programações simultâneas, angariando mais clientes do mercado publicitário (DANTAS, 2010). Eis uma das estratégias alternativas para se neutralizar os efeitos dos padrões tecno-estéticos cimeiros, conforme adiantado logo acima. Das três propostas sobre a temática levadas à plenária final, a mais genérica foi aprovada; exatamente aquela que não se posiciona claramente sobre a exploração múltipla de um mesmo canal digital pelas emissoras privadas. Apesar dessa omissão – ou mesmo em sua decorrência –, é inegável que ela favorece os interesses da ABRA e da TV Bandeirantes, em especial. Em seu registro escrito no caderno da conferência, a PL 720, do GT 1, Eixo temático Produção de conteúdo e tema Garantia de distribuição, a tese aprovada tem por objetivo Estimular a produção de conteúdo nacional nas diversas mídias e suportes, garantindo e estimulando a multiprogramação nos sistemas digitais de comunicação, inclusive com apoio a produtores independentes e regionais. (MINICOM, 2010, p. 190).

Com a multiprogramação/multiplexação pretendida, a emissora de televisão que explora o canal digital poderia segmentá-lo de maneira a atrair públicos distintos numa mesma faixa de horário, rendendo mais verba publicitária. Semelhante estratégia não seria viável para a TV Globo, por exemplo, tendo em vista a dispendiosa manutenção do padrão que a mantém líder no mercado televisual: multiplicá-lo significaria reduzir as margens de lucro. Além disso, os anúncios publicitários já lhe dão preferência tradicionalmente, não sendo interessante o recurso a outras estratégias neste sentido. Nem mesmo parecia a TV Bandeirantes temer o polêmico “controle social da mídia”, ao passo que permitira a aprovação, sem impor grandes obstáculos, de várias propostas que apontavam tanto para a reativação do Conselho de Comunicação Social como para a criação de conselhos estaduais e municipais, vistos pelas outras empresas – ausentes na conferência – como uma ameaça ao que entendem por liberdade de expressão. No momento em que se realizou a conferência, interessava àquela emissora paulista firmar uma “aliança estranha” (CORDEIRO, 2009) com a sociedade civil não empresarial, colocando-se contra as corporações que lideram o mercado televisual, numa tentativa de tirar proveito da situação em que se encontrava como uma das únicas representantes de seu segmento, uma vez que lidera a ABRA junto com a Rede TV!. Nessa estratégia, a oposição ao controle social tenderia a ser desconsiderada. Quanto às empresas de telecomunicações, representadas pela Telebrasil, sua presença na Confecom fazia parte de uma estratégia cujo êxito esbarra nos oligopólios estabelecidos e nas suas barreiras político-institucionais. Impedidas de investir no mercado de televisão por assinatura, aquelas corporações transnacionais pleiteavam, em primeiro lugar, remover essas amarras legais com uma tese que foi aprovada no GT 10, cuja apreciação pela plenária final foi prejudicada pelo tempo. Não fosse o esgotamento do prazo para a conferência, teria sido apreciada a proposta que aponta para a [...] elaboração de um novo marco regulatório para a televisão por as-

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

27


Entre a derrubada de barreiras e as teses dos conselhos de comunicação.... – Everton Sousa; Alexandre Barbalho

5 - A descrição da referida tese está contida em uma apresentação da Telebrasil à Camara dos Deputados. Disponível em: <http://www2.camara. leg.br/atividade-legislativa/ comissoes/comissoespermanentes/cctci/ Eventos/2010/ano-2010/ ap-10.6.10-1a-confecom/ telebrasil-cesar-romulo-4>. Último acesso em 18 jul. 2014.

6 - Também estava entre as propostas da Telebrasil aprovadas na conferência “O estabelecimento de política pública visando à universalização, à melhoria da qualidade e ao aumento da transparência de serviços do Estado para o cidadão [...]” (PL 314).

sinatura, que contemple a eliminação das restrições contidas na Lei do Cabo e na Lei Geral de Telecomunicações que impedem a livre prestação do serviço de TV a cabo por parte das prestadoras de serviços de telecomunicações, assegurando tanto a entrada de novos prestadores de serviço no mercado de televisão por assinatura quanto a ampliação dos canais de distribuição para os conteúdos nacionais, possibilitando em consequência o crescimento e aquecimento do mercado brasileiro de produção de conteúdo audiovisual.5

Pelo menos nesta primeira remoção pretendida de impedimentos, as operadoras têm como adversários os mesmos agentes que imperam no mercado de televisão aberta. Esta última assertiva se comprova quando se considera que as operações das Organizações Globo alcançam agora a TV por assinatura e outros mercados que também se tornaram objetos de oligopólio nas mãos da “Vênus platinada”. Dentre outros objetivos pragmáticos da Telebrasil também relevantes6 e que obtiveram sucesso na I Confecom, figuram ainda a garantia de uma política pública para a universalização do acesso à banda larga entre a população rural (PL 672), aprovada por maioria de 80% no GT 6; a eliminação das restrições legais que impedem a livre prestação do serviço de TV a cabo pelas teles (PL 69), aprovada por maioria de 80% no GT 6; o aperfeiçoamento dos marcos legislativo e regulatório das comunicações, adaptando-os às novas necessidades da sociedade e do Estado brasileiro (PL 419), aprovada por maioria de 80% no GT 11; e a retomada das discussões sobre um novo marco legal para as agências reguladoras, considerando-se os riscos para a sua autonomia (PL 242), aprovada por maioria de 80% no GT 13. Como se pode perceber, são importantes medidas que favorecem as operadoras. Apesar dessas aprovações em favor das empresas representadas pela Telebrasil, uma das principais propostas da entidade foi rejeitada na plenária final do evento. Trata-se de uma tese cujo conteúdo encontra-se descrito na Carta do Guarujá7, documento que sintetiza um “Plano Nacional de Banda Larga” com adesão do setor privado. Nos moldes de uma política pública de inclusão social, o plano, segundo a carta, incentivaria o investimento, as soluções e as aplicações das novas tecnologias em favor da sociedade. Para que fosse concretizado, a Telebrasil elencou alguns artifícios que deveriam contemplar as políticas associadas ao plano:

7- Disponível em: <http:// www.teletime.com.br/arqs/ Outro/12481.pdf>. Último acesso em: 18 jul. 2014. 8 - Ibid.

– a desoneração tributária dos serviços e investimentos; – a redefinição de limites de competência normativa estadual e municipal para disposições de restrições de natureza urbanística e ambiental para a implantação de infraestrutura de telecomunicações; – a adequação de regras e custos de direitos de passagem e de uso do solo e áreas de domínio; – a alocação de faixas de radiofrequências para a construção das redes de acesso em banda larga, e sua disponibilização a custos adequados; – a oferta de outorgas de prestação de serviço e a eliminação de restrições de acesso a estas, em virtude da detenção de outras outorgas ou da origem do capital da empresa8

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

28


Entre a derrubada de barreiras e as teses dos conselhos de comunicação.... – Everton Sousa; Alexandre Barbalho

A derrubada desta proposta se deu como uma represália do segmento representante da sociedade civil não empresarial pela derrota da tese que previa o fortalecimento da Telebrás, usando os recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) para revitalizá-la, o que possibilitaria à estatal uma atuação como prestadora de serviços na área e ainda o gerenciamento das redes públicas ociosas. Neste caso, a “aliança estranha” se mostrou desarmônica, muito embora não tenha anulado o sucesso da participação da Telebrasil na I Confecom.

Considerações finais

É perceptível que a participação empresarial na conferência não teve como motivação discutir os caminhos para positivar o direito à comunicação ou torná-la mais democrática. Nem poderia sê-lo, levando-se em consideração que, mesmo para as empresas não hegemônicas – mas que não deixam de fazer parte da elite dos meios –, esse direito poderá levantar barreiras que lhes tragam dificuldades nunca antes experimentadas no mercado brasileiro de comunicação. Esta tarefa coube apenas aos representantes da sociedade civil não empresarial e, em menor parte, do poder público. Se houve aprovação de teses progressistas, não se deve imputar os méritos à representação empresarial, nem elogiá-la por seu suposto altruísmo. Sua permanência no fórum foi motivada, na verdade, pelo pragmatismo mercadológico, o mesmo motor que impulsiona as ações das empresas beneficiada com as barreiras à entrada. Aquelas teses, de fato, serviram como moeda de troca para se conseguir o apoio dos outros segmentos na aprovação de propostas do interesse das empresas participantes, mas que se contrapunha às entidades que optaram por se abster e não participar do evento. ABRA e Telebrasil, em suma, tentavam tirar proveito da situação em que protagonizavam como as únicas entidades de representação das grandes empresas do setor.

Bibliografia

BOLAÑO, César Ricardo Siqueira. Indústria cultural, informação e capitalismo. São Paulo: Hucitec/Pólis, 2000. BRITTOS Valério Cruz. Oligopólios midiáticos: a televisão contemporânea e as barreiras à entrada. Cadernos IHU Idéias, São Leopoldo, n. 9, 2003. _________. Televisão e barreiras: as dimensões estética e regulamentar. In: JAMBEIRO, Othon; BOLAÑO, César; BRITTOS, Valério (Orgs.). Comunicação, informação e cultura: dinâmicas globais e estruturas de poder. Salvador: Edufba, 2004. p. 15-42. _________.; NAZÁRIO, Paola Madeira; SIMÕES, Denis Gerson. Conselho de Comunicação

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

29


Entre a derrubada de barreiras e as teses dos conselhos de comunicação.... – Everton Sousa; Alexandre Barbalho

Social: possibilidades e limites. Unirevista, São Leopoldo, Rio Grande do Sul, v. 1, n. 3, 2006. Disponível em: <http://www.unirevista.unisinos.br/_pdf/UNIrev_Brittos.PDF>. Acesso em: 22 jan. 2014. _________.; ROCHA, Bruno Lima; NAZÁRIO, Paola Madeira. Tomando posição: uma análise da I Conferência Nacional de Comunicação. Revista Eletrônica de Comunicação, Informação & Inovação em Saúde (RECIIS), Rio de Janeiro, v. 4, n. 4, 2010. Disponível em: <http://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/viewArticle/409/657>. Acesso em: 22 jan. 2014. CHESNAIS, François. A Mundialização do Capital. São Paulo, Xamã, 1996 CORDEIRO, Nivaldo. Confecom, uma aliança estranha. Disponível em: <http://www.midiasemmascara.org/confecom/10604-confecom-uma-alianca-estranha.html>. Acesso em: 18 jul. 2014. DANTAS, Marcos. Resultados da 1ª Confecom: uma avaliação preliminar. Encontro da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação - Compós., 18., 2009, Belo Horizonte, Minas Gerais. Anais do XVIII Encontro da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação. Disponível em: <http://compos. com.puc-rio.br/media/g6_marcos_dantas.pdf>. Acesso em: 23 jan. 2014. DIAS, Marcia Tosta. Rede Globo e indústria fonográfica: um negócio de sucesso. In: BRITTOS, Valério Cruz; BOLAÑO, César (orgs). Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. São Paulo: Paulus, 2005, p. 307-324. DUARTE, Luiz Guilherme. Pecado capital: a novela dos marinho com a TV paga. In: BRITTOS, Valério Cruz; BOLAÑO, César (orgs). Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. São Paulo: Paulus, 2005, p. 323-340. LIMA, Venício Artur de. A censura disfarçada. Carta Maior. 9 out. 2012a. Disponível em: <http://www.cartamaior.com.br/?/Coluna/A-censura-disfarcada/26819>. Acesso em: 23 jan. 2014. _________. Conselho de Comunicação Social: Movimentos sociais excluídos, parlamentares ignorados. Carta Maior, 24 jul. 2012b. Disponível em: <http://www.cartamaior.com. br/?/Coluna/Conselho-de-Comunicacao-Social-Movimentos-sociais-excluidos-parlamentares-ignorados/26876>. Acesso em: 23 jan. 2014. _________. Liberdade de expressão x liberdade de imprensa: direito à comunicação e democracia. São Paulo: Publisher Brasil, 2010. _________. Por que o CCS não será reinstalado. Observatório da imprensa, edição 524, 10 set. 2009. Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/ por_que_o_ccs_nao_sera_reinstalado>. Acesso em: 23 jan. 2014. _________. Regulação das comunicações: história, poder e direitos. São Paulo: Paulus, 2011.

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

30


Entre a derrubada de barreiras e as teses dos conselhos de comunicação.... – Everton Sousa; Alexandre Barbalho

LOBATO, Elvira; MACHADO, Uirá. Conselhos estaduais para monitorar a mídia. Observatório da imprensa, edição 613, 26 out. 2010. Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/conselhos_estaduais_para_monitorar_a_midia>. Acesso em: 23 jan. 2014. MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES. Caderno da 1ª Editora Fundação Getúlio Vargas, 2010.

Confecom. Rio de Janeiro:

_________. Políticas públicas para radiodifusão e imprensa. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007b. RAMOS, Murilo César. A força de um aparelho privado de hegemonia. In: BRITTOS, Valério Cruz; BOLAÑO, César (orgs). Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. São Paulo: Paulus, 2005, p. 57-76. SIMIS, Anita. A Globo entra no cinema. In: BRITTOS, Valério Cruz; BOLAÑO, César (orgs). Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. São Paulo: Paulus, 2005, p. 341-355.

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

31


FINANCIAMENTO PÚBLICO DA MÍDIA PRIVADA NO BRASIL: NOTAS PARA UMA ECONOMIA POLÍTICA DA COMUNICAÇÃO FINANCIACIÓN PÚBLICA DE MEDIOS PRIVADOS EN BRASIL: NOTAS PARA UNA ECONOMÍA POLÍTICA DE LA COMUNICACIÓN PUBLIC FINANCING OF PRIVATE MEDIA IN BRAZIL: NOTES FOR A POLITICAL ECONOMY OF COMMUNICATION

Larissa Santiago ORMAY Doutoranda em Ciência da Informação (IBICT-UFRJ) e mestre em Ciência Política (UFF). E-mail: lrssa7@gmail.com.

Theófilo Codeço Machado RODRIGUES Mestre em ciência política pela UFF e doutorando em ciências sociais pela PUC-Rio. E-mail: theomachado@gmail.com.

Revista Eptic Online Vol.16 n.3 p.32-43 set.-dez 2014 Recebido em 28/07/2014 Aprovado em 15/08/2014


Financiamento público da mídia privada no Brasil - Larissa S. Ormay; Theófilo M. Rodrigues

Resumo Uma economia política da comunicação no Brasil deve levar em consideração um dado relevante em nosso capitalismo: o financiamento majoritário dos meios de comunicação privados no Brasil advém de recursos públicos destinados através das verbas oficiais de publicidade. Esses recursos públicos possuem rubricas municipais, estaduais e nacional. No caso do governo federal é a Secretaria de Comunicação Social (SECOM) da presidência da República a responsável por esse repasse de verbas para os meios de comunicação. O presente artigo possui dois objetivos: (1) verificar a aptidão teórica da economia política da comunicação para identificar a forma como se dá o financiamento público dos meios de comunicação privados no Brasil através da SECOM; (2) e apresentar o debate acerca da redistribuição das verbas de publicidade oficial que ocorre tanto no Congresso Nacional quanto na sociedade civil e, assim, expor algumas possibilidades de políticas públicas que possam garantir uma maior democratização desses recursos.

Palavras-Chave: Financiamento / Políticas Públicas / Meios de Comunicação / Democracia / Economia Política da Comunicação.

Resumen Una economía política de la comunicación en Brasil debe tener en cuenta un dato relevante de nuestro capitalismo: la mayor financiación de los medios de comunicación privados en Brasil proviene de recursos públicos a través de los presupuestos oficiales de publicidad. Estos recursos públicos tienen líneas locales, estatales y nacionales. En el caso del gobierno federal es la Secretaría de Comunicación Social (SECOM) de la Presidencia de la República la responsable de esta transferencia de fondos a los medios de comunicación. Este artículo tiene dos objetivos: analisar la idoneidad teórica de la economía política de la comunicación para identificar la forma en cómo es la financiación pública de los medios de comunicación privados en Brasil por SECOM; (2) y presentar el debate sobre la redistribución de los fondos de publicidad oficial que ocurre tanto en el Congreso como en la sociedad civil, lo que expone algunas posibilidades para las políticas públicas que aseguren una mayor democratización de esos recursos. Palabras clave: Financiación / Políticas Públicas / Medios / Democracia / Economía Política de la Comunicación.

Abstract A political economy of communication in Brazil must take into account a relevant finding of our capitalism: the major funding of private media in Brazil comes from public resources through official advertising budgets. These public resources have local, state and national lines. In the case of the federal government, is the Secretariat for Social Communication (SECOM) of the presidency the responsible for this transfer of funds to the media. This article has two aims: (1) check the theoretical suitability of the political economy of communication to identify the way how is the public funding of private media in Brazil by SECOM; (2) and introducing the debate about the redistribution of funds for government advertising that has been made by the Congress and the civil society, and so expose some possibilities for public policies to ensure greater democratization of these resources. Keywords: Funding / Public Policy / Media / Democracy / Political Economy of Communication.

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

33


Financiamento público da mídia privada no Brasil - Larissa S. Ormay; Theófilo M. Rodrigues

Introdução

Não há como investigar de forma rigorosa a estrutura econômica assimétrica dos meios de comunicação estabelecidos em uma sociedade se não levarmos em consideração a forma pela qual se financiam, capitalizam e vendem seus produtos. Aqui ou alhures, a pesquisa científica necessariamente deverá buscar por alguma dessas variáveis para subsidiar suas interpretações e conclusões acerca das origens da desigualdade estrutural entre os meios produtores de informação. A partir da hipótese de que no Brasil a disparidade econômica dos meios de comunicação é fomentada majoritariamente pelo poder público através das chamadas verbas oficiais de publicidade, o presente artigo apresenta o panorama econômico conjuntural e algumas propostas para reverter este cenário, que surgem tanto no âmbito da esfera pública quanto no campo institucional. O artigo está subdividido em três seções. Na primeira é discutida a economia política da comunicação como método eficaz de contribuição científica para a análise estrutural dos meios de comunicação. A segunda seção expõe o atual modelo econômico de financiamento das empresas de mídia no Brasil, tendo como objeto de análise as verbas oficiais de publicidade advindas do governo federal através de sua Secretaria de Comunicação Social, a SECOM. Por fim, a terceira parte observa as propostas de alteração deste modelo econômico que surgem na sociedade civil e que em parte ocupam espaço no campo institucional, seja no Congresso Nacional, seja nos parlamentos estaduais ou municipais. Espera-se que o artigo possa não apenas oferecer ao âmbito científico um cenário mais rigoroso do atual sistema econômico dos meios de comunicação, mas também contribuir com subsídios para a transformação deste modelo que até então tem se demonstrado excessivamente concentrador.

EPC: um marco teórico fundamental

Segundo Francisco Sierra Caballero (2013), em referência a Vincent Mosco (2009), a Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (EPC) é a disciplina-campo matriz de estudo das relações sociais, em particular as de poder, que determinam as formas de produção, distribuição e consumo de recursos de informação e comunicação. É disciplina que se preocupa com a dupla contradição fundamental entre capital/trabalho e economia/cultura, que atravessa as dinâmicas materiais e simbólicas de toda mediação social, e questiona as formas assimétricas constituídas no capitalismo relativas ao desenvolvimento da indústria da comunicação e da cultura. Assim, na EPC, por um lado, a ciência política contribui para a análise do poder nos processos de produção simbólica em torno dos sistemas informativos, e, para tanto, analisa a comunicação como um processo de construção de sentido e de consumo, de acordo com

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

34


Financiamento público da mídia privada no Brasil - Larissa S. Ormay; Theófilo M. Rodrigues

1- O sentido de controle social empregado aqui se refere ao conceito originado na década de 1920 que pressupõe a existência de padrões de comportamentos que devem ser seguidos e, consequentemente, a existência de mecanismos de regulação e instrumentos que maximizam a possibilidade desses componentes, conforme explanação de Aquiles de Lira e Jemima de Oliveira (2005).

Pierre Bourdieu, como uma dinâmica de reprodução ideológica e estruturação das hierarquias e níveis de acesso ao capital simbólico e econômico. Ao mesmo tempo, de outra parte, a economia política projeta conhecimento sobre as bases materiais que determinam o desenvolvimento das forças produtivas e o processo de inovação tecnológica na produção industrializada da comunicação e da cultura modernas (CABALLERO, 2013).

2O cientista político Luis Felipe Miguel (2000) denomina de “ponto cego nas teorias democráticas” a falta de reconhecimento, pelas teorias democráticas, do papel central que os meios de comunicação d e s e m p e n h a m nas democracias contemporâneas, como a brasileira.

Nesse cenário, adquire sentido o esforço em promover políticas públicas voltadas à superação de distorções e desigualdades estruturais provocadas pelo desequilíbrio entre poder econômico e pluralidade democrática que paira sobre o mercado da comunicação. Embora a importância dos meios de comunicação na vida contemporânea brasileira seja evidente e óbvia, a reflexão acadêmica ainda não conseguiu gerar um “consenso” abrangente acerca da forma institucional da comunicação na democracia brasileira2, e isso se reflete no modelo de gasto de verba pública com publicidade em veículos de mídia privada, que funciona sob uma fachada de neutralidade presumida pela adoção de critérios técnicos.

Daí, os meios de produção discursiva e cultural se mostram como um objeto central de estudo da EPC como ciência aplicada ao conhecimento dos dispositivos de controle social1 que dão lugar à padronização, homogeneização e alienação típicas da produção industrial capitalista, em que se faz presente o fetichismo da mercadoria – ainda que a mercadoria considerada seja intangível, como a comunicação e a cultura.

Poucos são os trabalhos presentes na literatura especializada que tratam do tema do financiamento das empresas de comunicação. Marcos Dantas apresenta um completo panorama global do papel do capital financeiro e da atuação dos Estados nacionais na formação de monopólios da comunicação, embora não mencione a questão das verbas oficiais de publicidade. De acordo com Dantas, “o Estado, como agente geral do capital, segue cumprindo papel estratégico de fomento ao processo. Toda a história das tecnologias de informação está intimamente ligada aos interesses políticos, militares e econômicos dos Estados nacionais” (DANTAS, 2002, p.140). James Gorgen aponta para o perigo da cada vez maior concentração econômica da comunicação no Brasil, mas também não cita as verbas oficias de publicidade. Para o autor, “evitar que a viabilidade econômica desses conglomerados não inviabilize a pluralidade de ideias e opiniões que circulam na esfera pública é um dos nós a desatar neste momento de revisão de conceitos e arcabouços jurídicos” (GORGEN, 2008, p.215). Altamiro Borges, ao tratar deste debate, assevera que “a publicidade oficial reforça a monopolização do setor, quando poderia servir para estimular a diversidade e pluralidade informativas numa sociedade mais democrática” (BORGES, 2009, p.100). Com vistas à superação de certo “lapso teórico”, dada a ainda escassa produção científica acerca do tema, a EPC representa campo fértil de produção de conhecimento sobre o financiamento da mídia privada, permitindo esclarecer não só a lógica e a evolução da indústria jornalística brasileira no contexto da construção da sociedade global da informação, mas também o próprio objeto de estudo em si, a problemática democrática envolvida e possíveis soluções a serem pensadas na interdisciplinaridade que a EPC proporciona, na intersecção entre as ciências da comunicação social, da economia, da política e da sociologia da cultura. Por tal razão, a EPC representa um marco teórico de fundamental relevância para o tratamento da questão do financiamento público da mídia privada no Brasil, que

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

35


Financiamento público da mídia privada no Brasil - Larissa S. Ormay; Theófilo M. Rodrigues

é complexa e contempla não só aspectos materiais, como também simbólicos.

Financiamento público dos meios de comunicação privados no Brasil

Não há novidade em afirmar que os meios de comunicação no Brasil estão extremamente concentrados nas mãos de algumas poucas famílias. Muitas foram as pesquisas que já comprovaram repetidamente esse quadro, que se apresenta como tendência da globalização – tendência, aliás, antecipada no Brasil, onde a concentração sempre se deu e, ainda, dentro de parâmetros inexistentes em outros países: em um fenômeno de concentração horizontal, vertical, cruzado e “em cruz” sem paralelo, somos o paraíso da radiodifusão privada comercial oligopolizada (LIMA, 2011, p.30-31). Podemos observar na mídia impressa brasileira apenas cinco grandes jornais (O Globo, Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, Extra e Zero Hora) e três revistas semanais (Veja, Isto É e Época), ao passo que na mídia televisiva brasileira existem apenas quatro grandes empresas em operação (Globo, SBT, Record e Band). Note-se aqui duas características do oligopólio midiático: a propriedade familiar e a propriedade cruzada. À cada uma dessas grandes empresas corresponde uma tradicional família: Marinho (Globo); Abravanel (SBT); Macedo (Record); Saad (Bandeirantes); Civita (Veja e demais publicações da editora Abril); Frias (Folha de São Paulo), Sirotsky (Zero Hora e Grupo RBS) e Mesquita (Estado de São Paulo). A propriedade cruzada também é evidente quando observamos que o maior conglomerado de comunicação do país pertencente à família Marinho possui o jornal O Globo, o jornal Extra, a revista Época e a TV Globo, além de ter como afiliada nas concessões de televisão no sul do país a RBS da família Sirotsky, que também é proprietária do jornal Zero Hora. Cabe ressaltar que a concentração supracitada não é um privilégio apenas brasileiro. Ignácio Ramonet (2012) já nos mostrou, por exemplo, como a imprensa escrita francesa se encontra concentrada nas mãos de “um punhado de oligarcas”. De acordo com o sociólogo radicado na França, Somente cinco grupos dominam o setor da imprensa francesa de grande público: Hachette-Lagardère, Prisma Presse, Mondadori France, Bayard e L´Express-L´Expansion”. Quanto aos jornais diários nacionais, eles contam com apenas três atores maiores: o grupo Le Figaro- Socpresse, o grupo Amaury (Le Parisien, L´Équipe) e o grupo Le Monde (RAMONET, 2012, p.46).

3- Ver Folha de São Paulo, 16 de abril de 2014. “Dilma bate R$ 2,3 bi com publicidade e bate recorde”.

Tal como na França, a mídia também está concentrada no Brasil. O que poucos sabem é que por aqui tem sido justamente o dinheiro público do governo federal e dos governos estaduais e municipais o principal patrocinador dessa excessiva concentração. No caso do governo federal é a Secretaria de Comunicação Social (SECOM) da presidência da República a responsável por esse repasse de verbas para os meios de comunicação. Para termos uma ideia do montante, dados da SECOM3 informam que apenas em 2013 cerca de 2,3 bilhões de reais foram repassados como verbas de publicidade do governo federal para as

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

36


Financiamento público da mídia privada no Brasil - Larissa S. Ormay; Theófilo M. Rodrigues

empresas de comunicação. Cerca de 65% dessas verbas foram apenas para a TV. As rádios ficaram com aproximadamente R$ 175 milhões (7,6%) enquanto jornais e revistas receberam 7% e 6,3% respectivamente. A Internet ficou em 2013 com apenas 139 milhões de reais ou 6% do bolo. Observada a série histórica nota-se que quem mais vem perdendo nos últimos anos são as revistas e os jornais impressos, enquanto a Internet vê crescer a sua fatia de verbas de publicidade advindas do governo federal. A televisão mantém-se estável como a maior receptora desses recursos. Atualmente, o instrumento normativo específico que trata desse repasse é a Portaria da Secretaria de Comunicação da Presidência da República nº 83, de 20 de julho de 2011, que se reporta ao Manual de Procedimento das Ações de Publicidade dessa Secretaria. De acordo com este documento, o fluxo da contratação de publicidade pelo governo federal, em linhas gerais, acontece da seguinte maneira: primeiro, procede-se à licitação para contratação de uma agência de publicidade. Esta agência, mediante controle da SECOM, realizará o pagamento aos veículos cadastrados pela divulgação de mensagens publicitárias.

4A ampla ideia de liberdade de expressão é delimitada juridicamente da seguinte maneira: o direito à comunicação é direito de acesso à informação sobre fatos, notadamente sobre fatos que se podem considerar noticiáveis, direito esse que deriva do direito à liberdade de expressão, por sua vez corolário do direito à liberdade de pensamento (FARIAS, 2000, p.163). Há que ser observada, no entanto, uma distinção entre liberdade de expressão e de imprensa. A separação entre os dispositivos do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e os dispositivos sobre comunicação social, por exemplo, demonstra a diferença da natureza desses direitos: “O direito de exprimir-se é um direito fundamental individual. A liberdade de imprensa não tem essa natureza. (...) [o jornalista, ao decidir transmitir seu pensamento] através da mídia, terá que conformar sua atividade aos preceitos estabelecidos pela Carta referentes à comunicação social. Terá obrigações e restrições, em prol do interesse público, que não se aplicam aos outros contextos comunicativos” (BASTOS, 2000, p.45).

Segundo os critérios técnicos da SECOM, os gastos com publicidade são proporcionais à audiência e CPM (custo por mil) dos veículos midiáticos de destino, visando o atingimento da finalidade de levar a mensagem do governo ao maior número de pessoas possível. Como destaca Roberto Bocorny Messias (2013), o atual modelo de gestão na contratação de mídia, em que o governo federal passou a ser visto como um grande anunciante do país, começou no ano de 2003, quando foram estabelecidos critérios pelo Comitê de Negociação de Mídia para unificar ganhos e rentabilidades de todos os órgãos e entidades federais junto aos veículos de comunicação que contavam com as maiores participações de audiência no país e que recebiam os maiores investimentos. Até então, cada órgão executava sua negociação junto ao governo federal individualmente, o que gerava grandes diferenças e sensíveis perdas de visibilidade para as ações. Deu-se início, assim, à prática unificada e referenciada em critérios técnicos de negociação e distribuição de recursos. A iniciativa foi gestada no governo Lula e se tornou linha de atuação efetiva a partir de 2009, com a consolidação de um cadastro de veículos, de abrangência nacional, com critérios técnicos bem definidos de inclusão e negociação. No entanto, tal modelo é insuficiente para garantir respeito do Estado ao direito à comunicação4. Sob o argumento de que são técnicos os critérios de distribuição da verba pública federal para publicidade na mídia privada, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República do Brasil se coloca em posição pretensamente neutra sobre a questão. Entretanto, ao adotar tal postura, o governo desconsidera a realidade de que as pequenas empresas de mídia, que vociferam vozes minoritárias da sociedade – e que, em uma democracia, também devem ser ouvidas pelo máximo número de pessoas – não possuem as mesmas condições financeiras de se manter que as grandes empresas de mídia. Portanto, subjacente ao discurso da neutralidade técnica reside a persistência da lógica mercadista da comunicação social, que favorece os grandes veículos em todos os segmentos, inclusive na Internet. Além disso, tem como única referência os parâmetros das grandes agências de publicidade e seu sistema de remuneração, no qual o principal elemento é a Bonificação por Volume (BV), não refletindo os hábitos de comunicação e informação de

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

37


Financiamento público da mídia privada no Brasil - Larissa S. Ormay; Theófilo M. Rodrigues

5- Luis Albornoz (2014) chama atenção para o impreciso terreno conceitual no qual se movem os conceitos de pluralismo e diversidade. O autor defende uma conceituação que não relegue a diversidade unicamente à dimensão dos conteúdos, mas também à capacidade de produção, distribuição e exibição/transmissão de conteúdos. Por outro lado, destaca que é preciso problematizar relações diretamente proporcionais como “maior diversidade (quantitativa) de operadores de televisão é igual a maior diversidade de conteúdos”, “maior diversidade de notícias é igual a um consumo de informação mais diversificado (portanto, uma população mais informada)”. Afirma, ainda, que o pluralismo externo (quantidade) é uma condição necessária, porém não suficiente para a diversidade de conteúdos.

toda a sociedade brasileira. E, acima de tudo, trata-se de verdadeira afronta à Constituição Federal, pois não garante a pluralidade e a diversidade informativa5. A Constituição de 1988 estabeleceu diretrizes para a mídia, eliminou definitivamente a censura, trouxe dispositivos visando impedir o uso político das concessões e abriu espaço para futuras regulamentações, especialmente sobre o conteúdo das programações e proibição de monopólios. Definiu ainda os princípios da comunicação social, a participação de capital estrangeiro e a criação do Conselho de Comunicação Social. Ademais, a legislação brasileira, ao longo das últimas décadas, apresentou avanços, tornando o campo da radiodifusão mais transparente. No entanto, continua enorme o espaço para manobras políticas envolvendo a comunicação social no Brasil (PIERANTI, 2006, p.109). Contudo, a falta de vontade política do Executivo Federal associada a interesses dos detentores do controle privado dos veículos de comunicação – entre eles, dezenas de parlamentares e governantes – faz com que a regulamentação de alguns enunciados constitucionais jamais passem de discussões vagas e infindáveis nas comissões e nos plenários do Congresso Nacional (REBOUÇAS, 2003, p.3).

Alternativas para a redistribuição das verbas oficiais de publicidade Embora o financiamento público das empresas privadas de comunicação não seja de conhecimento de grande parte da população, uma parcela da sociedade civil já vem desenvolvendo esse debate há algum tempo. São centenas de entidades da sociedade civil que se encontram organizadas em torno do Fórum Nacional da Democratização da Comunicação (FNDC) e do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé para pautar o tema da redistribuição das verbas oficiais de publicidade. Como nos mostra Altamiro Borges, Se a correlação de forças na sociedade não possibilita, ainda, adotar medidas mais rigorosas de controle da publicidade comercial, o atual estágio das lutas sociais no país já permite, ao menos, rediscutir os critérios de distribuição das verbas publicitárias dos governos. Afinal, este dinheiro é oriundo dos tributos da sociedade (BORGES, 2009, p.99).

O acúmulo dessa discussão ganhou força com o tempo e alcançou nos últimos anos o Congresso Nacional. Na Câmara dos Deputados o debate sobre a necessidade da redistribuição das verbas oficiais de publicidade ocupou espaço privilegiado nos anos de 2012 e 2013 na Subcomissão Especial da Câmara dos Deputados sobre Mídia Alternativa presidida pela deputada federal Luciana Santos (PCdoB-PE). A subcomissão funciona no âmbito da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática desde dezembro de 2011 e, ao longo desse período, ouviu uma série de especialistas sobre o tema. O relatório final dos trabalhos da subcomissão foi aprovado em 13 de novembro de 2013 e foi transformado em projeto de lei para seguir em votação no plenário da Câmara dos Deputados.

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

38


Financiamento público da mídia privada no Brasil - Larissa S. Ormay; Theófilo M. Rodrigues

O relatório final apresentado pela deputada Luciana Santos é formado por 17 itens que, em síntese, afirmam ser responsabilidade do governo federal e de suas agências o fomento das mídias alternativas e a pluralidade e diversidade na distribuição das verbas oficiais de publicidade. De forma concreta, o relatório propõe que 20% da publicidade oficial do governo federal seja apenas para o que classifica como mídia alternativa, isto é, veículos de mídia como emissoras de radiodifusão de sons e de sons e imagens comunitárias; alguns canais de programação de distribuição obrigatória transmitidos por meio do serviço de acesso condicionado; emissoras de radiodifusão de sons e de sons e imagens educativas; produtoras brasileiras regionais independentes; e veículos de comunicação de pequeno porte. Em resumo, as propostas do relatório são as seguintes: •

Sugestão de Projeto de Lei que permite a inserção de anúncios publicitários na programação das emissoras de radiodifusão comunitária, até o limite de 20% do tempo diário de irradiação;

Sugestão de Projeto de Lei que permite a inserção de anúncios publicitários na programação das emissoras de radiodifusão educativa, até o limite de 20% do tempo diário de irradiação, e dá outras providências;

Sugestão de Projeto de Lei que obriga o investimento de, no mínimo, 20% das verbas destinadas à publicidade dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário Federais em divulgação por meio de emissoras de radiodifusão comunitária, de radiodifusão educativa e de veículos de comunicação caracterizados como microempresa, empresa de pequeno porte ou empresa individual de responsabilidade limitada;

Sugestão de Projeto de Lei que cria o Fundo de Desenvolvimento da Mídia Independente;

Sugestão de Projeto de Lei que transforma o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações em Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações e de Radiodifusão;

Proposta de Indicação sugerindo ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio a criação de programas específicos de apoio a veículos de mídia alternativa, especialmente por meio do BNDES;

Sugestão de Projeto de Lei que cria o Programa Nacional de Apoio à Mídia Independente e faculta a pessoas físicas ou jurídicas a opção pela aplicação de parcelas do Imposto sobre a Renda no apoio direto a projetos editoriais apresentados por veículos de mídia independente;

Proposta de Indicação sugerindo ao Ministério da Cultura a criação de linhas de fomento destinadas especificamente a veículos de mídia alternativa;

Proposta de indicação à Casa Civil sugerindo o aporte de mais recursos no sistema

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

39


Financiamento público da mídia privada no Brasil - Larissa S. Ormay; Theófilo M. Rodrigues

público de comunicação, em especial na Empresa Brasil de Comunicação (EBC), de modo a tornar este setor estratégico nas políticas de democratização das comunicações no País. Todavia, o debate acerca da redistribuição não ficou circunscrito ao âmbito nacional. Começaram a surgir mais recentemente algumas propostas nos parlamentos regionais que caminham nessa direção. O Distrito Federal é um desses casos de sucesso. A Proposta de Emenda à Lei Orgânica 51/2013 indica que 10% das verbas de publicidade dos poderes locais deverão ser repassados para veículos da blogosfera e da imprensa comunitária. A proposta da deputada distrital Luzia de Paula (PEN) foi aprovada por unanimidade na Câmara Legislativa do Distrito Federal e aceita pelo governador Agnelo Queiroz (PT). Outro caso exemplar vem do Rio Grande do Sul. Em 28 de junho de 2012 foi apresentado na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul o Projeto de Lei 159/2012 de autoria do deputado estadual Aldacir Oliboni (PT). Após uma rápida tramitação de apenas dois anos a proposta foi sancionada pelo governador Tarso Genro (PT) como Lei 14.541/2014, que instituiu a Política Estadual de Incentivo às Mídias Locais, Regionais e Comunitárias. A lei destina 20% das verbas de publicidade do executivo, legislativo e judiciário para as mídias alternativas. No Rio de Janeiro foi aprovada na Câmara Municipal em 16 de abril de 2001 a Lei 3219/01, de autoria do vereador Otávio Leite (PSDB). A lei assegura que 10% das verbas oficiais de publicidade do município sejam destinadas aos jornais alternativos. Conforme a lei, jornais alternativos são aqueles que possuem uma tiragem mínima de cinco mil exemplares e que são dirigidos a regiões, bairros ou segmentos específicos da sociedade. A Lei 3219/01 se diferencia do que vem sendo proposto nos dias atuais ao limitar a cota de investimento público apenas em jornais alternativos. Eleito deputado estadual no Rio de Janeiro pelo PSDB, Otávio Leite apresentou na Assembleia Legislativa o Projeto de Lei 81/2003 com o mesmo conteúdo que já havia sido aprovado na Câmara Municipal dois anos antes. Contudo, seu projeto não logrou sucesso na ALERJ e foi arquivado. De modo um pouco diferente, a deputada Enfermeira Rejane (PCdoB-RJ) apresentou na Assembleia Legislativa no dia 23 de maio de 2013 o Projeto de Lei 2248/2013. A proposta da deputada comunista é a de que 20% da publicidade oficial do governo do estado do Rio de Janeiro seja destinado à mídia alternativa como jornais comunitários, rádios e TVs comunitárias e blogs. Mas, ao contrário do Distrito Federal, no Rio de Janeiro a proposta tem encontrado maiores obstáculos. De acordo com informações de seu mandato, na semana seguinte à apresentação do PL na ALERJ o gabinete da deputada Rejane recebeu a visita de advogados da Editora Abril para pedir a retirada do projeto. Em São Paulo o deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL) seguiu o exemplo da deputada comunista do Rio de Janeiro e apresentou em 12 de junho de 2013 o Projeto de Lei 376/2013 na ALESP. O conteúdo dos dois projetos é muito semelhante. Segundo sua proposta, Art. 1 - Os órgãos e as entidades dos Poderes Legislativo e Executivo Estadual destinarão no mínimo 20% (vinte por cento) da verba reservada

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

40


Financiamento público da mídia privada no Brasil - Larissa S. Ormay; Theófilo M. Rodrigues

à publicidade oficial para a publicação de obras, anúncios, editais, programas, serviços e quaisquer campanhas de interesse público em jornais alternativos, blogs ou portais eletrônicos e em rádios e TVs comunitárias.

O pano de fundo de todas essas iniciativas parlamentares é a percepção de que a democracia precisa de uma maior pluralidade e diversidade em seus meios produtores de informação e que o Estado tem papel fundamental a cumprir através da redistribuição de suas verbas de publicidade. Assim, cabe ao Estado evitar a concentração econômica que cria oligopólios, garantindo um financiamento específico para a mídia alternativa. A mídia alternativa representa, deste modo, a possibilidade de a sociedade contar com a produção de uma informação diversa daquela que já está estabelecida pelos grandes meios. Como nos mostra um importante especialista no tema, Dennis de Oliveira (2011), a mídia alternativa cumpre um importante papel, dentre outros, de ampliar as vozes da esfera pública, agindo como um elemento problematizador do processo instituinte de determinadas vozes feito pela mídia hegemônica.

Conclusão

Há ainda que ser realizado um grande esforço para que o Estado brasileiro cumpra o seu papel no tocante à mídia e efetivamente observe o “princípio da complementaridade”, isto é, o equilíbrio entre os sistemas privado, público e estatal de comunicações, como reza o artigo 223 da Constituição de 1988. Para isso, a reorientação da distribuição dos recursos da publicidade oficial precisa contribuir, de fato, para a consolidação dos sistemas público e comunitário de mídia no país. Apesar da ausência de um marco regulatório da comunicação no Brasil, as propostas legislativas apontadas, impulsionadas pelos movimentos sociais e organizações da sociedade civil, sugerem os primeiros movimentos institucionais do país no sentido de promover a democratização da comunicação. No plano teórico, a Economia Política da Comunicação (EPC) aparece como um marco fundamental, por não apenas contemplar a análise dos aspectos materiais da economia, mas transcendê-los, indo até a análise do poder nos processos de produção simbólica em torno dos sistemas informativos. A questão da comunicação é, enfim, tão crucial para a democracia quanto complexa, demandando um tipo de análise ampla, tal como permite a EPC. Observando-se a falsa neutralidade dos critérios técnicos de distribuição de recursos de publicidade entre os veículos de mídia privada no Brasil, ante o jogo de poder envolvido, é preciso reconhecer que o Estado brasileiro deve honrar o compromisso com a democracia e com o respeito ao direito à comunicação em sua integridade, que não se limita à observância de aspectos meramente formais de cumprimento desse direito. A questão do financiamento público da mídia privada no Brasil provoca a formulação de uma EPC capaz de desmascarar e denunciar as reais relações de poder que a suposta neutralidade pelo uso de “critérios técnicos” de distribuição de recursos encobre, visando compatibilização entre realidade prática e abordagem teórica dos problemas envolvidos,

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

41


Financiamento público da mídia privada no Brasil - Larissa S. Ormay; Theófilo M. Rodrigues

que incidem gravemente sobre a democracia brasileira.

Referências ABREU, A. A. A modernização da imprensa (1970-2000). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. ALBORNOZ, L.. Comunicação plural, diversidade cultural. In: DANTAS, M.; KISCHINHEVSKY, M. (Orgs.), Políticas públicas e pluralidade na comunicação e na cultura. Rio de Janeiro: E-papers, 2014. BASTOS, C. R.. Os limites à liberdade de expressão na Constituição da República. Revista Forense, v. 96, 349, p.43-51, 2000. BORGES, Altamiro. A ditadura da mídia. São Paulo: Anita Garibaldi, 2009. CABALLERO, F. S.. Diversidad, sociedade de la información y política audiovisual: la experiencia europea. Temas, n. 74, pp. 13-20. Havana, 2013. DANTAS, Marcos. A lógica do capital informação: a fragmentação dos monopólios e a monopolização dos fragmentos num mundo de comunicações globais. Rio de Janeiro: Contraponto, 2002. FARIAS, E. P.. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação, 2ª ed., Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2000. GORGEN, James. Apontamentos sobre a regulação dos sistemas e mercados de comunicação no Brasil. In: (ORGS) SARAVIA, Enrique; MARTINS, Paulo Emilio; PIERANTI, Octavio Penna. Democracia e regulação dos meios de comunicação de massa. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008. LIMA, Venício Artur de. Regulação das comunicações: história, poder e direitos. São Paulo: Paulus, 2011. LIRA, A., OLIVEIRA, J. Política pública de informação na perspectiva do controle social na Ciência da Informação: o caso do programa é pra ler da Prefeitura Municipal de João Pessoa. Biblionline, v. 1, n. 2, 2005. MESSIAS, R. B. Transparência e a desconcentração na publicidade do governo federal. In: Observatório da Imprensa, 16 abr. 2013. MIGUEL, Luis Felipe. Um Ponto Cego nas Teorias da Democracia: Os Meios de Comunicação, BIB, Rio de Janeiro, n. 49, pp. 51-77, 2000.

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

42


Financiamento público da mídia privada no Brasil - Larissa S. Ormay; Theófilo M. Rodrigues

MOSCO, Vincent. The political economy of communication. London: Sage, 2ª ed, 2009. OLIVEIRA, Dennis de. Jornalismo alternativo: um potencial para a radicalização da democracia. Signo pensam, Bogotá, v. 30, n. 58, Jun. 2011. RAMONET, Ignacio. A explosão do jornalismo: Das mídias de massa à massa de mídias. São Paulo: Publisher Brasil, 2012. REBOUÇAS, Edgar. Que bases teóricas para os estudos de políticas e estratégias de comunicações?, 2003. Disponível em: http://en.scientificcommons.org/14914502 . Acesso em: 24 jul. 2014. PIERANTI, Otávio Penna. Políticas para a mídia: dos militares ao governo Lula. São Paulo: Lua Nova, 2006.

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

43


RADIOJORNALISMO, CONVERGÊNCIA E ECONOMIA POLÍTICA DA COMUNICAÇÃO: análise da produção de conteúdos em rádios na internet, o caso da Teresina FM EL PERIODISMO DE RADIO, CONVERGENCIA Y ECONOMÍA POLÍTICA DE COMUNICACIÓN: análisis de la producción de contenidos en la radio en internet, el caso de Teresina FM

RADIOJOURNALISM, CONVERGENCE AND POLITICAL ECONOMY OF COMMUNICATION: analysis of content production in radio on the internet, the case of Teresina FM

Thays Helena Silva TEIXEIRA Mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Pequisadora do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Economia Política e diversidade (Comum), com ênfase nos estudos sobre radiojornalismo, convergência midiática e economia política da comunicação Email: thays.teixeira1@hotmail.com

Jacqueline Lima DOURADO Doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS (2009). Chefe de Departamento de Comunicação Social (DCS-CCE) e professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação PPGCOM/ UFPI (Mestrado). Líder do Grupo de Pesquisas em Comunicação Economia Política e Diversidades - COMUM/ UFPI. É pesquisadora do Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade - CEPOS (UNISINOS/Ford Foundation) e Superintendente de Comunicação da Universidade Federal do Piauí Email: jacdourado@uol.com.br

Revista Eptic Online Vol.16 n.3 p.44-58 set.-dez 2014 Recebido em 30/07/2014 Aprovado em 15/08/2014


Radiojornalismo, convergência e economia política... – Thays Teixeira; Jacqueline Dourado

Resumo O artigo mostra como as características da convergência midiática estão presentes nos programas do radiojornalismo produzido em emissoras de rádio brasileiras, especificamente a Teresina FM, em sua versão hipermidiática. Sob a perspectiva analítico-descritiva, esta pesquisa aborda os conteúdos radiojornalísticos na internet considerando a indústria da radiodifusão brasileira, focando como os formatos produtivos se apresentam na convergência midiática. Deste cenário, analisa-se o conteúdo produzido e suas diferentes plataformas e como tais mecanismos são adotados pela indústria radiofônica. Desenvolve-se o artigo a partir da Economia Política da Comunicação, seguindo este referencial teórico também se incorpora a contribuição dos estudos em comunicação digital. A alteração envolve muito mais do que uma nova caracterização do meio, mas também de uma adequação empresarial. Observa-se que a emissora apresenta elementos da convergência, e se encontra em pleno processo de transição para a plataforma da internet.

Palavras-chave: Radiojornalismo; Convergência midiática; Economia Política da Comunicação; Hipermediações.

Resumen El artículo muestra cómo están presentes las características de convergencia de medios en el periodismo de radio producido en programas brasileños, especialmente en la estacione de radio Teresina FM, en su versión hipermedia. Bajo el enfoque analítico-descriptivo, esta investigación aborda el contenido radiojornalísticos en Internet teniendo en cuenta la industria de la radiodifusión brasileña, centrándose en cómo se presentan los formatos productivos en la convergencia de medios. En este escenario, se analiza el contenido producido y sus diferentes plataformas y cómo estos mecanismos son adoptados por la industria de la radio. Desarrolla el artículo desde el punto de vista de la Economía Política de la Comunicación y también incorpora la contribución de los estudios en comunicación digital. El cambio implica mucho más que una nueva caracterización del medio, sino también una aptitud corporativa. Se observa que la red tiene elementos de la convergencia, y está en el proceso de transición a la plataforma de Internet. Palabras clave: El periodismo de radio; Convergencia de los medios; Economía Política de la Comunicación; Hipermediaciones.

Abstract The article shows how the characteristics of media convergence are present in the radio journalism produced in Brazilian radio stations programs, specifically Teresina FM, in its hypermedia version. Under the analytical-descriptive approach, this research addresses the radiojornalísticos content on the internet considering the Brazilian broadcasting industry, focusing on how productive formats are presented in media convergence. In this scenario, analyze the content produced and their different platforms and how these mechanisms are adopted by the radio industry. Develops the article from the Political Economy of Communication, following this theoretical framework also incorporates the contribution of studies in digital communication. The change involves much more than a new characterization of the medium, but also a corporate attitude. It is observed that the network has elements of convergence, and is in the process of transition to the internet platform. Keywords: Radiojournalism; Media convergence; Political Economy of Communication; Hypermediation.

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

45


Radiojornalismo, convergência e economia política... – Thays Teixeira; Jacqueline Dourado

Das ondas para a convergência A imagem de uma família reunida na sala em torno do rádio para escutar a radionovela favorita é coisa registrada em fotografias antigas. A imagem mudou. A mudança veio também para o rádio e não apenas para as famílias brasileiras que trocaram a relação familiar em torno desse meio de comunicação, primeiro pela televisão e em seguida por múltiplos computadores espalhados pela casa. Esse processo de transição é complexo e demanda adaptações no sentido de permanecer nesse ambiente produtivo, de modo atrativo e transgressor, características que sempre fizeram parte da história do rádio. Essas modificações colocam o rádio em um momento completamente diferente daquele da era de ouro. O memento não é de grandes audiências, não tira mais as pessoas de casa para assistir ao vivo os disputadíssimos programas de auditório. Mas os “caros ouvintes”, ainda estão ali presentes, de uma maneira diferente, ainda assim participativos e aprendendo a lidar com as ferramentas do mundo digital. Das ondas para a internet, o rádio trouxe consigo o seu modo interativo de produzir os conteúdos e os adaptou aos novos modelos da plataforma digital. Nisso, a produção convergente vem indicando tendências diferenciadas e novos formatos para o rádio, inclusive um novo rádio. Aqui compreendemos o novo rádio como sendo uma transformação dos modelos tradicionais, especificamente o analógico, sem perder de vista que essas alterações são consequências de adaptações aos processos digitais, o que resulta em uma complexidade e heterogeneidade pertinentes ao rádio na internet. (MEDITSHC, 2010). Conforme retrata Kischinhevisky (2012) os modelos produtivos para o rádio não estão claramente delineados e por tal razão é possível observar diversas nuances para internet. Elege-se o conceito de novo rádio como o resultante dos processos de mudanças tecnológicas, de conteúdo, profissionais e empresariais, afetando consideravelmente a cadeia produtiva do rádio. Partindo dessas noções e transformações este estudo busca compreender como se dá a produção de conteúdo radiojornalístico na emissora Teresina FM – localizada no estado do Piauí (Brasil) – e como estes conteúdos possuem as características da convergência midiática. A pesquisa estuda fundamentalmente a formação e a estruturação da produção de conteúdos no mercado do radiojornalismo hipermidiático no Piauí, focando principalmente em como os formatos produtivos se apresentam na convergência midiática. Deste cenário, analisa-se o conteúdo produzido e suas diferentes plataformas e como tais mecanismos são adotados pela indústria radiofônica piauiense, especificamente na emissora Teresina FM, objeto deste estudo de caso. Desenvolve-se o artigo a partir da Economia Política da Comunicação (EPC), seguindo este referencial teórico também se incorpora a contribuição dos estudos em comunicação digital, no sentido de compreender os elementos da convergência midiática de uma forma ampliada e contextualizada. Por EPC têm-se o entendimento das relações sociais que constituem mutuamente a produção, a distribuição e o consumo de produtos culturais e de comunicação no modo capitalista de produção. (MOSCO, 2009). A discussão proposta por Kischinhevisky (2010) a respeito de uma economia politica para o rádio debate esses

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

46


Radiojornalismo, convergência e economia política... – Thays Teixeira; Jacqueline Dourado

processos de produção, distribuição e consumo dos conteúdos radiofônicos e como se constituem na indústria da radiodifusão. Nesse espectro o debate gira em torno do processo econômico das emissoras e a consequente transformação dos conteúdos para que a produção no radiojornalismo se mantenha rentável. O radiojornalismo hipermidiático e sua produção são entendidos como inovação, principalmente pelo fato de atualizarem o modelo tradicional na produção radiofônica. O que proporciona uma maior rentabilização para as empresas de comunicação que estão envolvidas nesse processo de remodelação da estrutura produtiva do rádio. Realiza-se desse modo uma abordagem metodológica analítica e descritiva, revisando, levantando e observando os elementos referentes à teoria e como estão presentes no objeto, isso acontece por meio da análise documental, bibliográfica, do conteúdo propriamente. Com as análises observa-se um mercado do radiojornalismo preocupado com as transformações e exigências econômico-tecnológica-culturais e que investe massivamente numa produção de conteúdos que garante uma maior mobilidade entre os produtores e os consumidores do radiojornalismo. A investigação também aponta que os conteúdos multimídia existem, mas de uma forma ainda reticente, entretanto em expansão. Há uma cautela na velocidade produtiva.

Dimensões da convergência e a relação com o rádio

A princípio a noção de convergência parece simples e remete a ideia de unir vários elementos em um único ambiente. Tal perspectiva não é insignificante, e tem sua lógica. No entanto, a convergência midiática está inserida em um ambiente muito mais complexo do que este. O debate epistemológico sobre o termo ganha corpo e faz com que os estudos sobre a comunicação midiática ampliem seu universo analítico no ambiente das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC’s), alterando drasticamente os sistemas de produção de conteúdos para a mídia, e logicamente para o rádio. Como intercede Jenkins (2006), a convergência trata-se de uma transformação social, porque permite uma intensificação no consumo de informações via múltiplos dispositivos. O rádio, por exemplo, intensifica seu processo de convergência ainda na década de 90 quando o uso do telefone celular nos processos de produção de conteúdos se torna cotidiano (FERRARETO, 2012). Certamente que o processo de convergência trata-se de um universo mais amplo que o midiático, quando faz referência ao modo como as tecnologias são envolvidas no cotidiano social das pessoas. Há de fato uma redefinição, ou melhor, reestruturação dos processos nas indústrias de comunicação. Neste aspecto a convergência midiática é uma consequência da convergência industrial já que os elementos de estruturação econômica, como as fusões e aquisições de empresas de comunicação, bem como de todos os

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

47


Radiojornalismo, convergência e economia política... – Thays Teixeira; Jacqueline Dourado

setores foram responsáveis pela aceleração dessa cultura da convergência nas sociedades contemporâneas. (JENKINS, 2006). Obviamente alguns setores das indústrias sofrem mais com essas transformações como é o caso das indústrias de comunicação, informação e de telecomunicações. Consequentemente o que se percebe são o aparecimento de novas vias e níveis de inovação. Assim o setor da comunicação aprofunda os processos de convergência dentro do espectro produtivo ao qual está habituado. Ademais, há a confirmação que o epicentro da convergência não é a tecnologia, mas os processos econômicos, políticos e sociais que estão por trás das transformações observadas diretamente nesses meios. Na escala da comunicação, especificamente da midiática, os primeiros processos de convergência em âmbito digital iniciaram nos anos de 1990, com a inserção das emissoras de televisão e de jornais impressos na internet. Esses canais passaram a possuir sites com informações sobre as suas atividades. (LOPEZ, 2010). Nesta migração, os jornalistas dos meios tradicionais eram os responsáveis pela adaptação de conteúdos. Essa adequação é um reflexo inicial do que se consolidaria posteriormente como uma característica dos meios convergentes, a alteração laboral e o surgimento de profissionais mais generalistas e menos especializados. A convergência é um processo complexo e envolve diversos ambientes produtivos. No caso jornalístico também envolve a alteração na cultura profissional e produtiva desses meios. Como explica Kischinhevsky (2010), a convergência das mídias acarreta novas sociabilidades e incrementa toda a produção com a inclusão dos formatos e elementos digitais. Desse modo, a convergência permite a instituição de um novo ambiente de produção jornalística, que envolve todos os meios de comunicação considerando a tecnologia como um ambiente indutor e os processos sociais como espaço para a produção dessas novas sociabilidades. Isso faz da convergência um processo que não pode ser compreendido sob apenas uma visão e sim em múltiplos aspectos, essa visão em conjunto coloca em debate os sistemas midiáticos e seu desenvolvimento, como uma consequência da digitalização. A aparição desses meios mais cooperativos, de novos produtos comunicativos e de novas formas de consumo midiáticos mais participativos que os proporcionados pelos meios de massa, favorecem os atributos formadores de meios de comunicações da fase da convergência. Desse modo, não é possível pensar um meio de comunicação digital que não esteja inserido nesse espectro. Essas caracterizações sobre o processamento dos meios de comunicação digitais permitem algumas reflexões sobre a reconfiguração do radiojornalismo e a sua inserção num complexo midiático de escala industrial. Assim a redação radiofônica esta envolvida nos mesmos padrões das demais redações e os processos de convergência podem ser aplicados a ela. (LOPEZ, 2010). As transformações na produção de conteúdos radiofônicos se intensificam e como prevê Kischinhevsky (2010), o rádio tende a acabar, no modelo como conhecemos hoje, obviamente não há prazo para isso. Nesse cenário é importante compreender de que convergência jornalística está se falando e porque ela é adotada como um processo complexo e de múltiplas dimensões.

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

48


Radiojornalismo, convergência e economia política... – Thays Teixeira; Jacqueline Dourado

A convergência jornalística é um processo multidimensional que facilitado pela implantação generalizada das tecnologias digitais de telecomunicação afeta o âmbito tecnológico, empresarial, profissional e editorial dos meios de comunicação, propiciando uma integração de ferramentas, espaços, métodos de trabalho e linguagens anteriormente desaguadas, de forma que os jornalistas elaborem conteúdos que se distribuam através de múltiplas plataformas, mediante a linguagem própria de cada uma. (SALAVERRIA; NEGREDO, 2008, p.45)

O termo múltiplo é o elemento chave na compreensão da fase da convergência. Isso coloca por terra a ideia de único, da definição do senso comum e também põe em xeque a confusão entre integração e convergência. A convergência seria o processo de instituição da integração das redações jornalística e não sinônimos. As múltiplas dimensões da convergência apontam para um evidente reflexo da migração dos meios para o ambiente digital. Entendida como um processo, a convergência não acontece por igual em todos os meios, e nas várias empresas de comunicação, portanto varia conforme as necessidades podendo ser enfática, em uma ou outra dimensão. Assim, com base na definição anterior as dimensões da convergência são de ordem: tecnológica, empresarial, profissional e de conteúdos. (SALAVERRIA; NEGREDO, 2008). Por causa disso podem acontecer em níveis e ambientes diferentes, ou em vários desses ambientes.

Dimensões da convergência

Nesse processo convergente, os meios midiáticos, ou seja, as indústrias de comunicação necessitam renovar as suas programações de modo a manter as suas audiências e também a continuidade da segmentação do público, reforçando que todas essas práticas respondem as conveniências estratégicas das empresas. As transformações tecnológicas acarretaram modificações nos processos comunicacionais, de modo substancial na rotina de produção dos jornalistas, no tipo de trabalho desenvolvido nos variados suportes. Além do que permitiu a formulação de novos conteúdos. Especificamente nos meios midiáticos, os processos de convergência, ainda que sob uma perspectiva de mudança estrutural, acontecem de maneira simultânea nas dimensões empresarial, de conteúdo e profissional e dependem da constituição direta da convergência tecnológica. (SALAVERRIA; NEGREDO, 2008; SCOLARI, 2008 KISCHINHEVSKY, 2010, LOPEZ, 2010,) Todavia essa dependência é limitada, visto que pode sugerir um determinismo tecnológico que se constrói com irreal. A dimensão tecnológica diz respeito às ferramentas e aos sistemas de produção e de difusão, além do desenvolvimento direto de novas tecnologias. A dimensão empresarial parte do princípio da diversificação midiática e da estrutura das empresas de comunicação. As estratégias econômicas, e as ações publicitárias também afetam esse nível. A convergência profissional afeta diretamente o trabalhador (jornalista e comunicadores), que passam a

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

49


Radiojornalismo, convergência e economia política... – Thays Teixeira; Jacqueline Dourado

desenvolver novas capacidades produtivas. “O jornalismo de hoje se caracteriza por uma polivalência cada vez maior, que o leva a assumir tarefas que no passado eram patrimônios de diferentes jornalistas.” (SALAVERRIA; NEGREDO, 2008, P.48). A convergência de conteúdos diz respeito a uma produção que combina ao mesmo tempo, texto, imagem, som e movimento. Ou seja, é a disponibilização de um mesmo conteúdo em formatos diferentes e combinados. Amplamente e em termos de gênero, a convergência de conteúdos é que mais afeta a produção do radiojornalismo. A alteração nas redações e a produção de conteúdos são evidentes em análises sobre a convergência associadas à forma como as empresas reagem a esses processos. Cada grupo empresarial avalia as características e perfil de seu público, dos meios de comunicação que possuem, das formas e ciclos produtivos, das tecnologias que dispõem para aplicar em longo prazo nas estratégias comerciais e comunicacionais, e o perfil dos próprios jornalistas. Por isso a ausência de um padrão único de convergência jornalística, mas há elementos comuns e esperados em cada uma das referidas dimensões. A multiplicidade de plataformas não está restrita apenas a convergência profissional, aquela na qual reformula o espectro do produtor de conteúdos, o jornalista ou comunicador. No rádio ela é evidente em todas as dimensões descritas anteriormente. “O rádio não é uma ilha, integra um ecossistema comunicativo em constante mutação, complexo e com adaptações” (CEBRIAN-HERREROS, 2011, P. 69). Essas modificações alteraram o espaço comunicativo desse meio de comunicação e o ambiente da convergência foi um dos maiores responsáveis por essas evidentes modificações O rádio devido as suas características peculiares teve um desenvolvimento diferente se comparado com outros meios de comunicação. A incorporação da Frequência Modulada (FM) ampliou o campo de atuação desse meio e acrescentou temáticas as tradicionais programações generalistas. Seguido disso a história do rádio ainda incorporou as redes de satélites e cabo, e se uniu a outros meios como a televisão e a telefonia. Desenvolveram-se assim, as três plataformas clássicas de difusão: “ondas hertzianas, cabo e satélite com modelos fundamentalmente unidirecionais” (CEBRIAN-HERREROS, 2011, P.70). Depois destas há ainda o surgimento de outras duas plataformas: a internet e a telefonia móvel. As últimas plataformas foram responsáveis por uma alteração no ecossistema comunicativo sem precedentes. Elas se viralizam em subplataformas que alteram não só a estrutura de funcionamento do rádio, mas de todos os demais meios de comunicação, onde as mudanças de cada um deles repercutem nos demais. Essa angulação aponta que as transformações nas plataformas são inevitáveis. Existe uma ampliação de ofertas que passam das plataformas do rádio tradicional (dial), às mais recentes que estão nos computadores, telefones, tablets e redes sociais. Essa migração combina adaptações aos conteúdos que são produzidos para cada uma dessas plataformas, e também surgem produtos que não existiam anteriormente, provocando novas perspectivas e condições produtivas. Desse modo é importante compreender o papel do rádio nas grandes mutações, princi-

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

50


Radiojornalismo, convergência e economia política... – Thays Teixeira; Jacqueline Dourado

palmente permeadas pela inovação tecnológica. Esse contexto de transição tecnológica provoca mudanças no próprio universo radiofônico, de maneira mais contundente nas plataformas de atuação. “Mas o rádio não se restringe à tecnologia. Transforma a tecnologia em comunicação, em conteúdo, em linguagem sonora” (CEBRIAN-HERREROS, 2011, P.72). A tecnologia é importante não como mero suporte de produção, registro, distribuição ou recepção, mas porque introduz outras variáveis comunicativas, promove outros conteúdos e emprega outras linguagens de acordo com o grupo de usuários, com seus territórios e com cada período. Muda a tecnologia, renova-se a sociedade, modificam-se os gostos, mas prevalece a comunicação mediada pela inovação tecnológica entre os membros da sociedade. (CEBRIAN-HERREROS, 2011, P72).

O rádio não é mais o mesmo de quando ele começou em 1923, mas caminha para um novo rádio, isso tudo permitido pelas inovações tecnológicas e pelas novas modalidades sonoras que vão surgindo: podcasts, audioblogs e áudio fóruns. Cebrian-Herreros (2011) reforça que o surgimento de novas plataformas não supõe o desaparecimento imediato da anterior, ou das anteriores. O rádio hipermidiático está imerso nesse ambiente. Mesmo com a incorporação do digital e das suas inovações, a produção analógica ainda é presente e em cidades do interior brasileiro ela predomina. O que acontece é um acumulo de modelos e ofertas, onde o usuário é o principal definidor daquela que irá se sobrepor. Existe assim a presença de todas as plataformas mesmo que estas estejam em constantes reajustes. Os mesmos conteúdos aparecem nas diferentes mídias, e no máximo passam por transformações e adaptações pertinentes a cada ambiente. “O rádio entrou em uma fase de transição permanente provocada pela aceleração da tecnologia. E não se vislumbra um ponto fixo de chegada”. (CEBRIAN-HERREROS, 2011, P73). A lógica multiplataforma também é denominada de cross-media, o termo diz respeito aos aspectos relacionados com a produção, difusão e consumo dos conteúdos por meios dos vários sistemas midiáticos que integram um único grupo de comunicação. (SALAVERRIA; NEGREDO, 2008, P.53). A capacidade de ampliar o uso dos conteúdos tem uma visada a mais, que unicamente o relacionamento tecnológico, a empresa está interessada também na rentabilidade que essa lógica editorial acarreta. É importante ressaltar que a convergência multimídia é diferente de convergência multiplataforma. Na maioria dos casos os termos andam de mãos dadas, mas de fato dizem respeito a processos diferentes. No caso da convergência multimídia o que está em jogo é a produção de conteúdo e como eles são mesclados nos vários meios de comunicação dos grupos (SCOLARI, 2010). A convergência multiplataforma diz respeito às plataformas físicas propriamente ditas e como elas alteram a estética dos conteúdos e dos profissionais que os produzem. (KISCHINHEVSKY, 2010; CEBRIAN-HERREROS, 2011; PRATA, 2012). Antes o radialista era locutor e produzia os conteúdos que iam ao ar, no caso de jornalista, no entanto isso era feito em equipe. Atualmente o profissional multiplataforma produz o

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

51


Radiojornalismo, convergência e economia política... – Thays Teixeira; Jacqueline Dourado

conteúdo, distribui via elemento sonoro, audiovisual e textual pela internet, compartilha os arquivos via redes sociais e páginas das emissoras, e ainda manobram os recursos técnicos dentro do estúdio.

Um conceito de rádio convergente

Essas modificações não alteram apenas a compreensão dos meios de comunicação digitais, elas os transfiguram. É o caso do rádio, que quando adota a digitalização já amplia o espectro dos seus ouvintes. A hipertextualidade garante a radiofonia um novo patamar de interatividade e consequentemente reforça as ações multimídia. Portanto, esses elementos são primordiais para compreender como aponta Lopez (2010) o que é o radiojornalismo hipermidiático, ou seja, o rádio que está baseado nas transmissões de conteúdos jornalísticos por meio da hipermediação. Revelando o rádio a um momento histórico, onde existe uma nova mediação do meio tradicional e a sua transmissão para o ambiente digital, a remediação como explicam Bolter e Grusin (2000) contexto em que os meios de comunicação se afetam, alteram-se não necessariamente de maneira linear historicamente. Em primeiro lugar, podemos pensar em algo como uma progressão histórica, de novos meios de comunicação remediando os antigos e, em especial da mídia digital remediando os seus antecessores. Mas a nossa é uma genealogia de afiliações, não uma história linear, e nesta genealogia, a mídia mais antiga também pode remediar a mais jovem. (BOLTER; GRUSIN, 2000, apud LOPEZ, 2010, P.114)

Ora, assim o que se vê é a mídia interligada, os meios de comunicação não são mais específicos e precisam uns dos outros para que funcionem. É fato que o rádio de hoje necessita dos elementos da digitalização para o seu efetivo funcionamento. As modificações nos processos de fabricação do conteúdo também alteram a relação com o ouvinte, que na fase da convergência é um ouvinte-usuário, e como alerta Lopez (2010), ele pode interferir de modo direto na programação, opinando, corrigindo cruzando informações e até mesmo participando diretamente do programa por meio de chats, e outros elementos de conversação como as redes sociais. O rádio então se revisita, e, por conseguinte, altera as suas rotinas narrativas não perdendo as suas características fundamentais, mas gerando novos espaços de difusão de informação. O que se tem é a construção de uma notícia ampliada. O radiojornalismo hipermidiático é esse ampliado, que parte de uma multiplicidade de plataformas imersas no ecossistema comunicativo, e que é capaz de produzir conteúdos noticiosos considerando não apenas a força e a forma da sonoridade, mas sendo elemento resultante da digitalização, onde muitos indivíduos podem produzir conteúdos para outros tantos (o processo de reticularidade), conteúdos estes não apenas sonoros mais, textuais, audiovisuais e infográficos resultando em conteúdos multimidiáticos, e que convergem para uma linguagem expandi-

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

52


Radiojornalismo, convergência e economia política... – Thays Teixeira; Jacqueline Dourado

da por isso mesmo hipertextual, e que tem a participação interativa do seu ouvinte. Essas modificações reverberam em questões geracionais, os jornalistas mais antigos têm dificuldades diretas de se adequar a essa realidade e por isso a importância de redações mistas, onde existe uma relação de troca entre a experiência e a habilidade produtiva de conteúdo usando as novas tecnologias. Salaverria e Negredo (2008) reforçam que esta mescla garante a produção de conteúdos jornalísticos eficientes e que mantêm os princípios tradicionais do jornalismo. O rádio onde este jornalista irá atuar também é novo. Trata-se do rádio hipermidiático, que fala em diversas linguagens, em distintos suportes e, ainda assim, mantém no áudio seu foco. Embora a produção do rádio através de múltiplas plataformas e linguagens seja crucial para o jornalista, para a emissora atrair uma nova parcela do público, o rádio em si precisa se manter como tal. O áudio precisa ser independente e, ao mesmo tempo, complementar. Nem todo ouvinte pode – ou quer – buscar um aprofundamento, uma multiplicidade de linguagens – seja através do rádio digital ou do suporte web da emissora. (LOPEZ, 2010, P.119)

As inovações vigentes para o radiojornalismo reforçam que as tecnologias, bem como as demais faces da convergência midiática colocam o rádio em um momento de complexa definição, mas que caminha de um modo sem retorno para os processos de hipermediação atendendo a uma lógica capitalista do mercado de ordem global.

Teresina FM: produção de conteúdos na internet

Com apenas cinco outorgas de funcionamento para emissoras FM comerciais, a cidade Teresina (capital do Piauí) é a que mais possui empresas legalizadas no estado, dentre estas três emissoras possuem sinal de transmissão pela internet. E apenas uma está presente com uma página específica de emissora, não utilizando o ambiente da web exclusivamente como reprodutor do seu conteúdo sonoro. Esta emissora é a Teresina FM (91,9 MHZ e www.teresinafm.com.br), que entrou no ar oficialmente no dia 16 de agosto de 2006, e o seu programa de estreia foi o ‘Revista da Manhã’, até hoje existente. Por causa dessa peculiaridade a emissora se constitui o objeto de estudo. A utilização da internet é compreendida como um espaço de ampliação e transformação da emissora, a considerar que tal fato reitera a vigência de um novo rádio como consequência da digitalização. A Teresina FM faz parte de um grupo empresarial (Sistema Integrado de Comunicação LTDA). O grupo não possui portal de notícias, mas realiza uma parceria empresarial com portal 180 graus (Grupo Eugênio). A rádio está localizada na cidade de Teresina e possui dois modelos de transmissão, o dial e a versão online. Suas formas de transmissão possuem conteúdos que carregam vestígios da convergência midiática.

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

53


Radiojornalismo, convergência e economia política... – Thays Teixeira; Jacqueline Dourado

A produção de notícias na versão online ( www.teresinafm.com) da Teresina FM acontece com a transmissão da programação jornalística sonora, produção noticiosa textual, imagética e com uso de podcasts. Essa expansão dos processos produtivos não ocorre somente como acréscimo dos conteúdos na internet. Esse aspecto fomenta coletivas mudanças, inclusive em como os profissionais da emissora se comportam diante das demandas do ambiente digital, o mesmo se dá com a empresa que economicamente precisa de adequar a este panorama. (DEL BIANCO, 2012). A Teresina FM possui a aba Notícia onde ficam elencadas as matérias produzidas pelos profissionais que compõem a emissora, ou não, podendo ser postadas matérias nacionais, locais e até internacionais. Quando postada matéria há uma etiquetação indicativa do responsável pela publicação e ao fim do texto existe a assinatura do autor. Essa ampliação do conteúdo para formatos diferentes (sonoro, textual e imagético) colocam a dimensão de conteúdos em evidência, essa ampliação reitera a convergência de serviço, onde uma mesma informação se distribui em diversos meios. A expansão da produção de linguagem multimídia privilegia a perspectiva de que o usuário/ouvinte está interessado em um gama de formatos e que isso atende a essa demanda. O que coloca o rádio como um ecossistema comunicativo (CEBRIAN-HERREROS, 2011), que não pode ser dissociado dos demais meios muito menos dos caminhos produtivos que os sistemas de comunicação têm seguido. A sessão das Notícias não apresenta uma grande diversificação de formatos multimídia. Os posts são apenas com textos e imagens paradas que são acopladas ao longo da parte escrita. Na parte inferior de cada reportagem existe um Box para que o usuário/ouvinte possa fazer os comentários a respeito do material que está disponível ou a respeito de qualquer tema de seu interesse. No espaço há a pergunta a seguinte pergunta: Qual a sua opinião sobre isto? O espaço oferece ainda as ferramentas de compartilhamento do conteúdo e interação por meio de redes sociais que ficam logo abaixo da matéria. É possível compartilhar esse conteúdo pelo Facebook, Twitter, Google+1, Tumblr e por email. Além da opção de curtir aquele conteúdo. As ferramentas de compartilhamento e interação condizem com as características da dimensão tecnológica da convergência no momento em que estas permitem a difusão dessas informações em ambientes comunicativos que não são necessariamente vinculados ao meio de comunicação de onde parte a notícia. Quanto à composição destes conteúdos observou-se uma tentativa de adequação do texto a uma linguagem estilística que pudesse lembrar o texto radiofônico tradicional, sem perder a lógica de que a plataforma onde aquele conteúdo estava sendo veiculada era outra. Assim, o que temos é a busca por um modelo próprio para a escrita web-radiofônica, no sentido reforçar a potencialidade e identidade da marca, Teresina FM música e informação. Tal fator destaca que as modificaçoes na cadeia produtiva da emissora são evidentes mas ao mesmo tempo são cautelosas. Se há uma mudança na forma que o conteúdo vai ao ar é certo que isso afeta a rotina e o formato produtivo. Nesse aspecto, a organização informativa da página da emissora destaca ofertas de programação em continuidade, de

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

54


Radiojornalismo, convergência e economia política... – Thays Teixeira; Jacqueline Dourado

fragmentação dos programas e dos serviços radiofônicos que pode ser assim como a questão da escrita, uma maneira de reforçar a identidade da marca. Essa perspectiva também é presente, na produção sonora, quando no meio dos programas informativos aparecem as vinhetas da Teresina FM. No texto escrito isto é marcante quando o uso de expressões como “disse no Revista da Manhã da Teresina FM”, reiterando a informação sonora, além de disponibilizar uma fotografia produzida dentro do estúdio da emissora. Seguindo a programação noticiosa que é fornecida pela página da emissora. A aba Podcast torna notória a perspectiva apontada por Cebrian-Herreros (2011), de que uma das novidades que a convergência midiática, principalmente de ordem tecnológica, permitiu ao rádio a configuração de seus produtos nos novos formatos de podcasts para que os usuários possam seguir seus conteúdos na página mediante streaming ou download para escutá-los em outros locais e horários. A Teresina FM oferta uma ferramenta de busca onde o usuário/ouvinte possa buscar por meio de uma palavra-chave aquele áudio que ele necessita. Não havia até o momento de conclusão desta pesquisa uma listagem como todos os podcasts disponíveis para serem baixados. A listagem que é feita com as notícias textuais não se repete com a oferta dos arquivos sonoros. Os podcasts são as matérias veiculadas pela rádio sonora, refletindo a digitalização dos processos de produção e a consequente mudança na rotina produtiva e nos produção cultural da emissora, visto que assim como as notícias textuais, os responsáveis pela produção dos arquivos para download são os próprios jornalistas (profissional multiplataforma). A emissora apresenta em sua versão online uma tendência para a atualização contínua dos conteúdos. Durante todo o dia há uma variação das notícias que são dispostas para os consumidores na página da emissora, mesmo nos horários onde na versão sonora não está sendo veiculando programas jornalísticos. Isso aponta que o tempo de produção de conteúdos para as duas plataformas é diferenciado e reitera a noção da convergência midiática como um momento onde as rotinas produtivas são divergentes, mas que o resultado desse processo produtivo é uma convergência de ofertas. Dito de outro modo, isso ocasiona uma diferenciação nos modelos de produção, entretanto reforça que a multiplicidade de conteúdos tende a ser disponível em um número ampliado de ambientes. A Teresina FM online e dial está na convergência uma vez que seus conteúdos revelam tais aspectos. Essas modificações inviabilizam dizer quando isso acontecerá por completo, mas certamente, as fases históricas já demonstram a evidente preocupação com a presença no ambiente em rede, na internet.

Convergindo para uma conclusão

A tecnologia digital e os elementos evidentes da fase da convergência forçaram uma nova referência para o conceito de rádio, por isso a adoção nesta pesquisa do radiojornalismo hipermidiático. A mudança de plataforma fez com que os profissionais se adaptassem ao

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

55


Radiojornalismo, convergência e economia política... – Thays Teixeira; Jacqueline Dourado

uso das novas ferramentas para o processamento dos novos conteúdos. São radialistas tradicionais se adaptando, ou até mesmo se familiarizando com equipamentos mais velozes, tão rápidos como o som de suas vozes emitidas pelas ondas do rádio de outrora. São programas de computadores variados com que precisam lhe dar diariamente, mas nem sempre há os profissionais mais novos no sentido de promover uma transição menos abrupta para o modelo convergente de produção. Essa ausência é observada na Teresina FM, onde a colaboração de profissionais com menos tempo de carreira é praticamente inexistente, o que evidencia uma maior pressão sobre os antigos em se acostumar rapidamente a estas demandas, velocidades e tecnologias. A produção de conteúdos para o radiojornalismo na convergência midiática faz parte de um processo de transformação da estrutura desse meio de comunicação, mas não está completamente consumada. Ou seja, o processo ainda passará por muitas transformações, e os caminhos que seguirão ainda não estão completamente definidos. O que se observou no desenvolvimento deste estudo foi que o radiojornalismo no Piauí tomou como horizonte o modelo das hipermediações, e que para alcançar este patamar opera com as características da convergência, mas não as contempla em sua totalidade, eis a beleza do processo. Enquanto as velozes mudanças tecnológicas tem um peso considerável na constituição produtiva, as dimensões, empresarial e de conteúdos, ainda necessitam de maior atenção, precisam ser tornar mais clarificadas. Ora, há uma confirmação da existência de elementos multimídia na produção de conteúdos, mas eles acontecem de maneira restrita – poucas matérias sonoras são contempladas por múltiplos formatos textuais e quando acontecem se restringem a textos escritos e fotografias, não há presença de vídeos, ou extensão em infografias – o que evidencia o pleno processo de implantação dessas novas demandas para a indústria da radiodifusão piauiense. Os podcasts foram incorporados como uma sessão específica na emissora a partir de maio de 2013, o que denota o pleno processo de alteração produtiva na Teresina FM. Salienta-se que as modificações no modo de fazer do radiojornalismo, bem como dos demais meios de comunicação que se encontram enviesados pela perspectiva da convergência se dão nas múltiplas dimensões descritas neste espaço. Quer dizer, os processos transformadores vivenciados pela radiodifusão certamente refletem a mistura de todas estas interfaces e no Piauí não é nada diferente.

Referências Bibliográficas

BOLAÑO, Cesar. Considerações sobre a economia política do rádio. Eptic – Revista Eletrônica Internacional de Economia Política das Tecnologias da Informação e Comunicação, Aracaju: Observatório de Economia e Comunicação da Universidade Federal de Sergipe, v. XIV, n. 2, maio-ago. 2012.

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

56


Radiojornalismo, convergência e economia política... – Thays Teixeira; Jacqueline Dourado

BRITTOS,V.C. Mídia, tecnologia e sistema. In: Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación. Vol.V, n.1, Ene/Abr. 2003. BRITTOS, V.C.O rádio brasileiro na fase da multiplicidade da oferta. Verso & Reverso, São Leopoldo: Editora da Unisinos, ano 16, n. 35, p. 31-54, jul.-dez. 2002. CEBRIAN-HERREROS, M. O rádio no contexto da comunicação multiplataforma. In: Revista Rádio-Leituras. Ano II. Nº 02. Edição Julho-Dezembro, 2011. DEL BIANCO, Nélia. Rádio e o cenário da convergência tecnológica. In: DEL BIANCO, Nélia (Org.). O rádio brasileiro na era da convergência. São Paulo: Intercom, 2012. p. 16-37. (Coleção GPs, 5). DEL BIANCO, Nélia Rodrigues. Noticiabilidade no rádio em tempos de internet. In: FEDERAÇÃO LUSÓFONA DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO. VI Congresso Lusófono de Ciências da Comunicação, Covilhã, 2004. 16f.

FERRARETTO, L.A. Uma proposta de periodização para a história do rádio no Brasil. In: Revista de Economia Política de las Tecnologias de la Información y de la Comunicación. (Epitic online) Vol. XIV, n.2, May-Ago, 2012. FERRARETTO, L.A; KISCHINHEVSKY, M. Rádio e convergência: uma abordagem pela economia política da comunicação. Revista Famecos, Porto Alegre, v. 17. n. 3 .p. 173-180, 2010. JENKINS, H. A cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2011. KISCHINHEVSKY, M. O rádio sem onda: convergência digital e os novos desafios na radiodifusão. Rio de Janeiro: e-Papers, 2007. KISCHINHEVSKY, Marcelo. Notas para uma economia política do radiojornalismo. Brazilian Journalism Research; Brasília; Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo, v. 6, n. 2, p. 70-82, 2010 KISCHINHEVSKY, Marcelo. Rádio social – Uma proposta de categorização das modalidades radiofônicas. In: DEL BIANCO, Nélia (Org.). O rádio brasileiro na era da convergência. São Paulo: Intercom, 2012. p. 38-67. (Coleção GPs, 5). LOPEZ, D.C. Radiojornalismo hipermidiático: tendências e perspectivas do jornalismo de rádio all news brasileiro em um contexto de convergência tecnológica. Covilhã; LabCom Books, 2010. MEDITSCH, Eduardo. A informação sonora na webmergência: sobre as possibilidades de um radiojornalismo digital na mídia e pós-mídia. In: MAGNONI, Antônio Francisco; CARVALHO, Juliano Francisco de (Org.). O novo rádio: cenário da radiodifusão na era digital. São Paulo: Senac, 2010. p. 203-38. MOSCO, V. La economía política de la comunicación. Barcelona: Editorial Bosch,

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

57


Radiojornalismo, convergência e economia política... – Thays Teixeira; Jacqueline Dourado

2009. SAID, G.F; et al. Panorama do Rádio em Teresina. In: PRATA, N (Org.). Panorama do Rádio no Brasil. Florianópolis: Editora Insular, 2011. SALAVERRÍA, R. ; NEGREDO, S. Periodismo integrado: convergencia de medios y reorganización de redacciones. Barcelona: Editorial Sol 90, 2008. SCOLARI, C. Hipermediaciones. Barcelona: Gedisa, 2008.

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

58


MÍDIA REGIONAL NO BRASIL: UMA ANÁLISE DOS SUBSISTEMAS MIDIÁTICOS DAS REGIÕES NORTE E SUL MEDIA REGIONAL EN BRASIL: UN ANÁLISIS DE SUBSISTEMAS DE MEDIOS DE LAS REGIONES O NORTE Y SUR REGIONAL MEDIA IN BRAZIL: AN ANALYSIS OF MEDIA SUB SYSTEMS IN THE NORTHERN AND SOUTHERN REGIONS

Pâmela Araujo PINTO Doutoranda do Programa do PPGCOM-UFF e membro do Laboratório de Pesquisa em Mídia e Democracia. Mestre em Comunicação pela UFF (2010). Jornalista pela Universidade Federal do Maranhão (2007). Pesquisa orientada pelo prof. Dr. Afonso de Albuquerque. Email: pinpamela@gmail.com

Revista Eptic Online Vol.16 n.3 p.59-78 set.-dez 2014 Recebido em 09/07/2014 Aprovado em 29/07/2014


Mídia Regional no Brasil: uma análise dos subsistemas midiáticos ... – Pâmela Araújo Pinto

Resumo Este estudo trata da diversidade da mídia regional do Brasil, a partir da análise dos subsistemas de mídia das regiões Norte e Sul. A pesquisa coletou 29 cidades do Norte (377 veículos) e 58 cidades do Sul (843 meios). Estes dados foram obtidos com o cruzamento das outorgas de radiodifusão comercial do Ministério das Comunicações, dos jornais cadastrados na Associação Nacional de Jornais (ANJ) e da rede de cidades descrita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). A mídia regional foi segmentada em supraestadual, estadual e subestadual e analisada à luz dos enquadramentos “Características do mercado e concentração das mídias” e “Laços com políticos”. Foram identificadas semelhanças e diferenças entre os subsistemas, bem como desafios. Defende-se o reposicionamento dos estudos sobre a mídia regional para contemplar a diversidade e a relevância do tema.

Palavras-chave mídia regional; subsistemas de mídia; diversidade; mídia brasileira.

Resumen Este estudio aborda la temática de los medios regionales de comunicación en Brasil a partir del análisis de los subsistemas de medios que existen en las regiones del Norte y el Sur. Se aplicó una encuesta en 29 ciudades del Norte, a 377 medios, y en 58 ciudades del Sur, a 843 medios, que luego se cruzó con los datos obtenidos de las subvenciones de radiodifusión comercial del Ministerio de Comunicaciones, los periódicos registrados en la Asociación Nacional de Periódicos (ANJ) y las ciudades descritas por el Instituto Brasileño de Geografía y Estadística (IBGE). Dichos elementos demostraron que la concentración de medios en algunos lugares y los lazos políticos que se crean entre diferentes actores sociales, los medios regionales de comunicación se han segmentado en supraestatales, estatales y subestatales. Asimismo, se evidenciaron semejanzas y diferencias entre los subsistemas y algunos desafíos para los medios de comunicación que constatan la relevancia de seguir investigando este tema y de profundizar en estudios sobre la diversidad y diversificación de medios regionales brasileños. Palabras clave medios regionales de comunicación, subsistema de medios de comunicación, diversidad; media brasileña.

Abstract This papper is about the diversity of regional media in Brazil, from the analysis of subsystems of media of North and South regions. The survey collected 29 northern cities (377 vehicles) and 58 cities in the South (843 media). These data were obtained with informations of broadcasting grants of Ministry of Communications, data from National Press Association (ANJ) and Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE). The regional media was segmented in supraestate, state, substate and analyzed according to the frameworks “market characteristics and media’s concentration an politic entail”. Similarities and differences between the subsystems were identified as well as challenges. Argues the repositioning of studies on regional media to encompass the diversity and relevance of the topic. Keywords: regional media; media subsystems; diversity; Brazilian media.

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

60


Mídia Regional no Brasil: uma análise dos subsistemas midiáticos ... – Pâmela Araújo Pinto

Apresentação O objetivo deste texto é apresentar a diversidade da mídia regional brasileira, por meio da análise de dois subsistemas de mídia localizados no Norte e no Sul do país. Apesar das diferenças geográficas e socioeconômicas, poderão ser verificadas semelhanças entre as duas regiões que fazem parte do sistema brasileiro de mídia comercial. Este estudo utiliza a análise proposta na tese de doutorado acerca do tema. O texto foi dividido em três partes centrais, além das considerações finais e desta apresentação. No primeiro tópico foram abordadas questões do reposicionamento proposto neste trabalho sobre a mídia nas regiões como a utilização do conceito de sistema para descrever sua organização. Na seção seguinte foi exposta a estratégia metodológica para delimitar a mídia regional a partir da sua diversidade e dinâmica. A terceira parte foi dedicada à análise das mídias comerciais destas regiões. A abordagem sistêmica buscou superar a polarização centro (desenvolvido) e margens (atrasadas) e defender que a mídia é formada por um conjunto de elementos em interação, ou seja, os subsistemas que a compõem. Em seguida, foram apresentadas três categorias elaboradas para organizar a diversidade da mídia e dos seus respectivos grupos: 1) Supraestaduais – formada por grupos de mídia cuja atuação ultrapasse os limites do estado de origem; 2) Estaduais – agrega grupos cuja atuação coincide com os limites do estado; 3) Subestaduais – composta por veículos e ou grupos com cobertura pontual em alguns municípios. Esta segmentação aponta uma necessidade observar os laços entre as mídias regionais e as empresas de referência nacional como recurso para entender as mídias regionais. Também foram feitas contextualizações acerca das questões históricas, políticas e das diferenças socioeconômicas e geográficas dos subsistemas para entender como a configuração centro e margem influenciou a estruturação da mídia no país. A metodologia aplicada é resultante de uma pesquisa exploratória que elaborou um panorama composto por mídias das regiões do país, segmentadas a partir da junção de duas ferramentas: o trabalho “Regiões de Influência das Cidades” (REGIC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Pesquisa (IBGE), e o mapa da radiodifusão comercial brasileira ofertado pelo Ministério das Comunicações (MC), em 2011. A estes dados foram somados os números de jornais impressos oferecidos pela Associação Nacional de Jornais (ANJ) (2013). Foram coletadas informações sobre o mercado de mídia de 29 cidades da região Norte (com 377 veículos de radiodifusão e impressos) e de 58 cidades do Sul (com 843 meios). Os dados resultantes deste cruzamento de informações foram analisados com dois enquadramentos: a) Características do mercado e concentração das mídias (quais os tipos de veículos predominam e a presença de laços econômicos com grupos de referência nacional e ou regionais); e b) Laços com políticos. Buscou-se explorar as semelhanças e diferenças entre ambos, inseridos no contexto de redes brasileiras de radiodifusão (nas quais empresas de referência nacional necessitam de empresas regionais para expandir o sinal em todo o país). Semelhanças como o predomínio das retransmissoras de TV como principal tipo de mídia, a propriedade de veículos por parte de políticos e os fortes vínculos com as empresas de

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

61


Mídia Regional no Brasil: uma análise dos subsistemas midiáticos ... – Pâmela Araújo Pinto

radiodifusão de referência nacional foram encontradas. Foram acentuadas as diferenças entre os dois mercados regionais, desde a consolidação proporcionada pela economia fortalecida no Sul, como uma maior barganha por programação regional nas afiliadas. Os subsistemas da mídia brasileira guardam variações que precisam ser estudadas para abranger a complexidade da configuração midiática do país. Este primeiro esforço será amadurecido ao longo do andamento da pesquisa, mas já aponta questões fundamentais para a valorização deste tema na comunicação.

Aspectos da configuração midiática brasileira e a questão regional Em 2013, o MC informou que há 8.444 emissoras de radiodifusão comercial licenciadas no Brasil e a ANJ apontou a existência de 727 jornais diários. Somados formam um conjunto de 9.167 veículos divididos entre as cinco regiões do Brasil. Deste total, 22% dos veículos estão localizados nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. Além destas capitais há diversos tipos de empresas de comunicação divididas entre as demais unidades da federação que recebem o nome de mídia regional. Entretanto, o conceito de mídia regional precisa ser complexificado nos estudos de comunicação, pois apresenta uma variedade de configurações. A começar pela própria estruturação dos mercados, com diferentes níveis de desenvolvimento. Tomando a mídia impressa como exemplo, verificamos que em 2013 havia 46 jornais diários em toda o Norte. Número igual aos 46 impressos diários do Rio Grande do Sul - compondo a soma de 185 jornais do Sul (ANJ, 2013). Há uma composição de diferentes arranjos de mídia, com maior e menor desenvolvimento econômico; com produção de conteúdo de forma independente e ou atrelada a empresas de grandes centros, sobretudo, as de radiodifusão; concentrada nas capitais e ou equilibradas entre as cidades e com vínculos com interesses políticos. O estudo da mídia regional nesta perspectiva permite tanto o entendimento das variações no mercado de mídia brasileiro, incluindo o ambiente regional muitas vezes observado de forma homogênea e inferior, como a relação estabelecida entre as empresas regionais e as de referência nacional e também os possíveis laços com políticos. Propõe-se uma abordagem sistêmica para descrever a mídia no Brasil, abandonando a polarização com a qual tradicionalmente ela é explicada (HALLIN e MANCINI, 2004; GÖRGEN, 2009; PINTO, 2013). Utilizaremos a Teoria Geral dos Sistemas, que descreve o sistema como o conjunto de elementos em interação (BERTALANFFY, 1977). Argumenta-se que a mídia é formada por um conjunto de elementos em interação - os subsistemas que a compõem. Entende-se que o conjunto dos sistemas da mídia brasileira se dá a partir da perspectiva relacional entre o subsistema midiático de referência nacional e dos diversos subsistemas regionais. Delimitamos os cinco subsistemas de mídia, utilizando como critério a área geográfica de atuação dos veículos: subsistemas das regiões Centro-Oeste, Norte, Nordeste, Sudeste e Sul. Esta configuração impede a polarização entre centro e margem, pois cada subsistema tem importância na composição do todo. Para compreender os diferentes tipos de mídias e grupos que existem no ambiente regional e dos vínculos mantidos com as empresas de referência nacional foram criadas três categorias para o estudo da mídia regional: 1) Supraestaduais – formado por grupos de

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

62


Mídia Regional no Brasil: uma análise dos subsistemas midiáticos ... – Pâmela Araújo Pinto

mídia cuja atuação ultrapasse os limites do estado de origem. Os grupos supraestaduais possuem afiliação com empresas de referência nacional; 2) Estaduais – agrega grupos cuja atuação coincide com os limites do estado. Os grupos podem ser afiliados a grupos de referência nacional e ou afiliados a grupos subnacionais; 3) Subestaduais – composto por veículos e ou grupos de abrangência mais restrita, com cobertura pontual em alguns municípios. Estes podem ser afiliados a grupos subnacionais, tanto como podem ser independentes. Esta divisão permite estudar as diferenças entre as mídias das regiões brasileiras, com variados tamanhos e alcance, e reforça o argumento dessa ser analisada como um sistema, em interação constante. Também busca os vínculos dos subsistemas regionais com os grupos políticos. A contextualização das diferenças socioeconômicas, históricas e sociais das áreas geográficas dos cinco subsistemas auxilia a compreensão da mídia regional. Observou-se uma relação entre o tamanho dos mercados e as condições de desenvolvimento das regiões, conforme podemos atestar na tabela 1. Tabela 1: Ranking de veículos comerciais no Brasil e o PIB

Estas disparidades são explicadas por Santos (2009) como resultantes de diferentes processos de desenvolvimento econômico, político e social. Para ele, nem todas as partes do país tiveram acesso, simultaneamente, aos avanços tecnológicos, o que ocasionou em uma integração tardia. A integração nacional “física” iniciou com melhorias nos transportes e na criação de meios de comunicação decorrentes da industrialização do país, e se concretizou depois da 2ª Guerra Mundial. A integração “simbólica” amadureceu no período da ditadura militar (1964-1985), com os programas nacionalistas. O geógrafo explica que estas mudanças ocorreram a partir das regiões Sudeste e Sul, onde as formas produtivas capitalistas foram incorporadas pioneiramente, proporcionando um desenvolvimento que as diferencia. Assim o autor explicou a polarização entre centro e margem do país. O federalismo também aponta a formação destas áreas de influência. A República Federativa do Brasil buscou descentralizar o poder imperial com a divisão do país em três esferas: federal, estadual e municipal. Surgiu um pacto federativo brasileiro, criado para amortecer as disputas internas de poder e as diferenças socioeconômicas do país (SOUZA, 2001; ARRETCHE, 2001). Ele expõe as tensões entre a tentativa de descentralização do estado e a busca pela autonomia da diversidade regional (LINHARES, 2012).

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

63


Mídia Regional no Brasil: uma análise dos subsistemas midiáticos ... – Pâmela Araújo Pinto

O presidente Campos Sales (1898 - 1902) criou a Política dos Governadores - sistema pelo qual a força política dos atores que estavam no centro de poder era consolidada com o apoio de atores regionais. Com a Política dos Estados, a periferia legitimava o poder central e este concedia benesses aos chefes de estado. Esta política reforçou o papel desempenhado pelos estados ao longo da República, atribuindo o protagonismo aos estados localizados no centro em detrimento dos estados periféricos (LESSA, 2001). Esta lógica perdurou até a implantação da Constituição Cidadã de 1988, com perspectiva de descentralizar a organização estatal e o consequente protagonismo dos municípios, em uma tentativa de ampliar a cooperação com a União e os estados (LINHARES, 2010). A trajetória do federalismo brasileiro pontuou o viés histórico de organização política que impactou o posicionamento das capitais São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília como polos de centralização, em detrimento das outras regiões. Esta recuperação histórica da implantação do federalismo reforçou a compreensão desta polarização tradicional, que vem sendo questionada diante do fortalecimento das regiões. O Produto Interno Bruto (PIB) serviu de parâmetro para comparar as desigualdades entre os anos de 1920, 1970 e 2007 (IPEA, 2010). Até 1970 houve um crescimento das desigualdades e entre 1970 e 2007 houve um decréscimo da concentração do PIB no Sudeste. Essa concentração revela que 10% dos municípios mais ricos são responsáveis por 78,1% do PIB do país (idem). Aponta-se uma desconcentração quando se observa a diminuição do PIB do Sudeste e o aumento das demais regiões (IPEA, 2010b). O IPEA (2011) atribuiu estas últimas mudanças às políticas da gestão do presidente Lula da Silva (2002 a 2010) e à recuperação do crescimento econômico do país. Estas mudanças impactaram o mercado regional, que passou a ser incluído nas estratégias públicas e nas privadas. Na comunicação foi possível identificar influências desta valorização do regional tanto no setor público como em iniciativas do setor privado. A regionalização foi instituída como diretriz da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, em 2003, e se tornou perceptível com a descentralização de mercado das cotas publicitárias e da valorização de diferentes tipos de veículos. No âmbito privado a busca pelo mercado regional empreendida pelas empresas midiática de referência nacional foi descrita em Pinto (2013). Esta inclusão do regional nas estratégias de gestão e negócios reforça a necessidade de reposicionar o olhar nestes espaços, passando para uma perspectiva crítica e relacional.

Estratégias metodológicas para um regional diverso e dinâmico Uma medida relevante para a valorização deste tema nos estudos de mídia é uma abordagem metodológica capaz de sintetizar a variação dos subsistemas regionais que compõem a mídia brasileira. Neste estudo, elaborou-se um panorama composto por mídias comerciais das regiões do país, segmentadas a partir da junção de duas fontes primárias: dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Pesquisa (IBGE), com o trabalho “Regiões de Influência das Cidades” (REGIC), e do Ministério das Comunicações, com um mapa das outorgas radiodifusão comercial, publicado em 2011.

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

64


Mídia Regional no Brasil: uma análise dos subsistemas midiáticos ... – Pâmela Araújo Pinto

O REGIC foi criado para apresentar as conexões entre a rede urbana brasileira, que foram modificadas pela introdução de novas tecnologias, alterações nas redes técnicas e pelo aprofundamento da globalização na economia. Ele é baseado em um sistema urbano, composto pelas localidades centrais e pelos sistemas reticulares. A definição dos centros da rede urbana brasileira foi baseada em informações sobre a subordinação administrativa no setor público federal, na atuação de empresas privadas, na oferta de equipamentos e em serviços capazes de gerar centralidade (malha aérea, áreas de cobertura das emissoras de TV, a oferta de ensino superior e etc.). Assim, as cidades foram divididas em cinco grandes níveis, divididos em subníveis: 1) Metrópoles, com 12 capitais: (a) Grande Metrópole Nacional: São Paulo; (b) Metrópole Nacional: Rio de Janeiro e Brasília; (c) Metrópoles: Belém, Manaus, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Curitiba, Goiânia e Porto Alegre; 2) Capital Regional, composto por 70 cidades, subdivididas em: capitais regionais A, B e C, dentre elas as capitais não consideradas metrópoles; 3) Centro Sub-regionais, com 169 cidades, segmentadas em A e B; 4) Centros de Zonas, formado por 556 cidades, divididos em centros de zonas A, B e C; 5) Centro local, contemplando os demais municípios do país. Selecionamos 246 municípios e inserimos os dados de outorgas comerciais da radiodifusão do país. O documento expôs a presença de rádio em Ondas Curtas (OC); Ondas Médias (OM); Ondas Tropicais (OT) e Frequência Modulada (FM); Emissoras de Televisão (TV) e Retransmissoras de Televisão (RTV) em cidades das cinco regiões. Somaram-se a este conjunto de dados informações referentes à presença dos jornais impressos obtidas em uma pesquisa exploratória em sites: Associação Nacional de Jornais, Mídia Dados, Instituto Verificador de Circulação, Guia de Mídia, Donos da Mídia e de associações de mídia regional. Inserimos o número população neste mapa e obtivemos uma amostra da mídia regional brasileira. Os dados resultantes deste cruzamento de informações serão analisados à luz de dois enquadramentos: a) Características do mercado e concentração das mídias (quais os tipos de veículos predominam e a presença de laços econômicos com grupos midiáticos de referência nacional e ou regionais); e b) Laços com políticos. Este vínculo foi obtido pelo cruzamento dos dados de fontes primárias, na publicação do MC “Relação de Sócios e Diretores por Entidades”, de 2013, com a lista de políticos (governadores, senadores, deputados federais e estaduais em exercício), e o banco de dados do site Donos da Mídia.

Análise dos subsistemas Norte e Sul: um recorte da mídia regional do Brasil Esta análise abordará os subsistemas do Norte e do Sul, apesar de considerar os cinco subsistemas de mídia no contexto das suas reflexões. Observando o perfil das mídias nas cinco regiões identificamos semelhanças quanto as suas composições: as retransmissoras de televisão representam 56% dos veículos de radiodifusão comercial do Brasil. São os veículos em maior quantidade nos cinco subsistemas; As emissoras de rádio FM e OM oscilam entre o segundo e o terceiro tipo predominante de veículos; os jornais impressos são o quarto tipo de mídia comercial em todas as regiões, representando oito por cento no conjunto de mídias do Brasil; Por fim, as emissoras de TV são o quinto principal veículo comercial no

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

65


Mídia Regional no Brasil: uma análise dos subsistemas midiáticos ... – Pâmela Araújo Pinto

Brasil. Os cinco subsistemas mantêm uma conexão com as cidades centrais por possuírem vínculos econômicos com as redes de radiodifusão. Este dado pode ser atestado pelo número de RTV’s e a formação, em rede, do sistema de radiodifusão do país. Apesar destas proximidades, há discrepâncias na composição dos subsistemas, que acabam por refletir o desequilíbrio entre as partes do país. A amostra do subsistema Norte conta com 29 cidades mapeadas no REGIC, incluindo as sete capitais, com 321 veículos de radiodifusão comercial, apontados pelo MC e 46 jornais diários, listados pela ANJ. A amostra do Sul foi composta por 58 cidades do REGIC, seus 658 meios de radiodifusão e 185 jornais diários. O conjunto de cidades selecionadas no Norte equivale a 6,5% das 449 cidades, mas concentra 35,7% do total de veículos de radiofusão comercial da região. No Sul, as cidades representam 4,8% dos 1.191 municípios e somam 36,3% das mídias. No Norte observou-se uma concentração de veículos nas capitais, tanto as sedes dos veículos impressos quanto as emissoras das redes de radiodifusão. No Sul não há esta polarização, pois a distribuição dos veículos é equilibrada.

Aspectos da mídia regional no Norte O Norte é a região menos densamente ocupada por veículos de mídia no país (ANJ, 2012; MC, 2011). Sua população de 16 milhões de habitantes está distribuída entre 450 municípios, dos quais 29 foram inseridos neste estudo. Abaixo listaremos as características deste subsistema, seguindo os enquadramentos propostos. a) Características do mercado e concentração das mídias As metrópoles possuem o maior número de veículos de radiodifusão do grupo, com 35 e 30 veículos (Manaus e Belém), o que representa para uma população de 58% da amostra um total de 33% das outorgas concedidas. Já as Capitais Regionais B (Porto Velho e Palmas) totalizam 29 e 11 tipos de mídia comercial, o que representa para uma população da amostra de 12% um total de 21% das outorgas concedidas; Boa Vista, Macapá e Rio Branco fazem parte do nível das Capitais Regionais C, com 19, 20 e 12 outorgas cada, e representam 18% da população da amostra e 26% das outorgas. Os níveis Centro Sub-regional A e o B, não detalhados na Tabela 3, são formados por cidades de médio e pequeno porte.

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

66


Mídia Regional no Brasil: uma análise dos subsistemas midiáticos ... – Pâmela Araújo Pinto

Neste mercado, as retransmissoras de televisão comercial são o tipo de mídia de maior presença em todas as cidades, chegando a 13 registros em Porto Velho. O Pará tem as únicas cidades com apenas um tipo veículo registrado, Abaetetuba, com três retransmissoras de TV’s, e Capanema com duas. As rádios FM e as OM são o segundo tipo de veículo com maior presença. As emissoras de TV estão mais presentes nas Metrópoles, nas Capitais Regionais B e C e em duas cidades Cacoal (RO) e Gurupi (TO), Centros Sub-regionais B. No Norte há forte penetração de veículos de radiodifusão, com predominância das TV’s, seguidas das rádios FM e OM. Tal característica implica em uma aproximação significativa com os subsistemas de referência nacional, por meio do sistema de afiliadas de TV e de RTV’s, nos quais empresas regionais firmam contrato com redes de abrangência nacional. As principais redes de TV Globo, SBT, Record, Band e Rede TV possuem retransmissoras nos estados do Norte. A Tabela 4 tem uma síntese dos grupos da região.

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

67


Mídia Regional no Brasil: uma análise dos subsistemas midiáticos ... – Pâmela Araújo Pinto

Todas as capitais possuem emissoras afiliadas a estas cinco redes, exceto Palmas. A Rede Globo aponta a cobertura de 338 municípios da região, o que representaria 74,5% de cobertura; a Band descreve em seu atlas a presença em 228 dos municípios; a Rede TV está em 156 cidades, já a Record aponta apenas a porcentagem de cobertura de 59% dos domicílios. O atlas de cobertura do SBT não estava disponível, mas pelo estudo dos grupos de mídia da região, observam-se afiliadas ao SBT em todos os estados. Já as redes de rádio são escassas, foram localizadas apenas três em toda a região Norte. Trata-se da Jovem Pan FM de Manaus, afiliada da Jovem Pan FM Sat, do grupo Machado de Carvalho, que atua em 11 estados, de três regiões do país. A rádio de Manaus pertence à Rede Calderaro de Comunicação, grupo detentor de sete veículos no Amazonas (TV afiliada à Record, um jornal de circulação ampla no estado e cinco rádios), sediados na capital e em duas cidades próximas; a Rádio CBN, pertencente às Organizações Globo está no Pará, com a Liberal AM, pertencente ao grupo Organizações Rômulo Maiorana; no Tocantins com a CBN Tocantins, pertencente ao grupo OJC; e no Amazonas, por meio da Manaus AM e da Itacoatiara AM. A CBN Manaus pertence ao grupo subestadual rede de Rádio e Televisão Tiradentes, que tem uma emissora de rádio FM e retransmite a TV Esporte Interativo. Já a CBN de Itacoatiara não pertence a grupos de mídia, e seus proprietários declarados não são políticos, possuem outra outorga de FM no mesmo município; a rede Transamérica, com sete emissoras franqueadas nos estados do Amazonas, com uma rádio em Manaus; em Rondônia, com uma emissora na capital e três no interior; e em Roraima, com uma emissora na capital e outra no interior. Em Manaus pertence ao grupo Raman Neves de Comunicação, proprietário da TV Em Tempo (SBT) e de mais quatro veículos; Em

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

68


Mídia Regional no Brasil: uma análise dos subsistemas midiáticos ... – Pâmela Araújo Pinto

Rondônia pertence ao Sistema Meridional de Comunicação e em Roraima está vinculada ao grupo Caracaraí de Comunicação, sem vínculos aparentes com políticos ou redes, sendo proprietária apenas das duas rádios. Percebeu-se a atuação de grupos de mídia nas três categorias supraestaduais, estaduais e subestaduais na região. Apenas o grupo Rede Amazônica, sediado em Manaus, foi encontrado como supraestadual. A Organização Jaime Câmara penetra a região do Tocantins, mas é originária do Centro-Oeste; há exemplos de grupos estaduais e subestaduais, apresentados a seguir. Nas três segmentações observou-se um forte vínculo entre grupos de mídia regional e empresas de referência nacional, atestado pela predominância das RTV’s dentre os demais veículos, como ilustrou a Tabela 4. Os diferentes grupos oferecem suporte para a expansão das redes de radiodifusão, enquanto estas encontram em parceiros regionais/locais a possibilidade de difundir seu conteúdo. O mercado midiático no Norte é centralizado nas capitais e concentrado em um número pequeno de empresas. Três grupos (Grupo Rede Amazônica, OJC e Organizações Rômulo Maiorana) detêm cerca de 37 veículos de radiodifusão, dentre eles as emissoras afiliadas à Rede Globo de todas as capitais da região, parte significativa das retransmissoras no interior dos estados e das rádios de diferentes frequências. Tais empresas são fortalecidas pelo laço econômico e pela credibilidade dos veículos de referência nacional e passam a concentrar veículos. A Rede Amazônica e as Organizações Jaime Câmara são do tipo supraestadual, por sua atuação ultrapassar os estados de origem; A Organização Rômulo Maiorana é estadual, com ampla abrangência no Pará. Em comum, há a concentração dos veículos e os fortes vínculos econômicos com o grupo nacional organizações Globo. Observa-se que a utilização deste vínculo com uma empresa “nacional” agrega valor aos demais veículos dos respectivos grupos, que são conglomerados multimídias, com diferentes suportes. Outro viés deste vínculo é a limitação das programações locais/regionais, pois as TV’s afiliadas às redes nacionais cumprem as grades oficiais. A grade da Rede Globo cumprida pela Rede Amazônica tem inserção de quatro programas jornalísticos locais, o “Bom Dia Amazônia”, o “Jornal Estadual 1ª Edição”, o “Globo Esporte Estadual” e o “Amazônia TV”, exibidos de segunda-feira a sábado, totalizando uma média de duas horas de conteúdo local; e os programas semanais “Amazônia em Revista”, “Viagens pela Amazônia”, “Zappeando” e “Amazônia Rural”, exibidos aos sábados, com uma média de uma hora e quatorze minutos de programação. Na Rede Anhanguera, da OJC, os programas locais são mais sintéticos, havendo o “Bom Dia Tocantins”, o “Jornal Anhanguera 1ª Edição”, o “Jornal Anhanguera 2ª Edição”, todos de segunda a sábado, além do programa “Frutos da Terra”, aos sábados, e do “Jornal do Campo”, exibido aos domingos. No Pará os telejornais “Bom Dia Pará”, “Jornal Liberal 1ª Edição”, “Globo Esporte Pará” e “Jornal Liberal 2ª Edição” consomem duas horas e meia da grade local. Aos sábados é exibido o programa “É do Pará” e domingo vai ao ar o “Liberal Comunidade”, ambos com 30 minutos de duração. A TV Globo é o veículo presente em todas as cidades estudadas neste recorte.

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

69


Mídia Regional no Brasil: uma análise dos subsistemas midiáticos ... – Pâmela Araújo Pinto

Nos sistemas estaduais e subestaduais predominam laços com redes de radiodifusão como Band, SBT, Record e Rede TV, a exemplo de grupos como: a) Sociedade Acreana de Comunicação Fronteira, afiliada do SBT, com dois veículos, a TV Rio Branco, na capital, e o jornal O Rio Branco; b) Em Rondônia, o Sistema Meridional de Comunicação afiliado à rede Band, com uma televisão em Porto Velho, a TV Meridional, e cinco rádios FM nas cidades do interior; o Sistema Gurgacz de Comunicação, afiliada a Rede TV! Rondônia, presente em 21 cidades, a Rádio Alvorada AM, a Rádio Globo, a SGC Cabo e o jornal Diário da Amazônia; o Sistema Imagem de Comunicação, afiliado à Record, com uma emissora de TV e RTV’s no interior, duas emissoras FM na capital, e duas no interior; c) em Roraima a Rede Tropical de Comunicação, proprietária da TV Tropical, afiliada do SBT, e da Tropical FM, ambas em Boa Vista; d) na cidade de Tucuruí o Sistema Floresta de Comunicação é afiliado à rede do SBT, por meio da TV Floresta, e de cinco RTV’s no interior do estado. Possui ainda uma rádio FM e outra OM; O grupo Ponta Negra possui a TV Ponta Negra, afiliada ao SBT, e uma rádio AM, na cidade de Santarém. e) no Amapá, a Rede Marco Zero de Comunicação detém três veículos, a TV Amazônia, afiliada ao SBT, e duas rádios localizadas em Macapá.

b) Laços com políticos A partir da lista de sócios proprietários do MC, constatou-se a propriedade de 94 veículos por 11 políticos (ex-presidente, senadores, deputados, ex-governadores e prefeitos). Tal propriedade é verificada em diferentes níveis de sistemas midiáticos do Norte. Como exemplo dos primeiros, temos a Fundação Verdes Florestas, com duas rádios na cidade de Cruzeiro do Sul, de propriedade da ex-deputada estadual Idalina Onofre (2007-2011) (PPS); o Grupo Siqueira Campos, de propriedade do ex-governador do Tocantins, Siqueira Campos (PSDB), com mandatos em 1989 a 1991; 1995 a 1998; 1999 a 2002, reelegendose em 2010, com 10 outorgas de radiodifusão, sendo duas rádios FM, uma na capital e outra no interior, e três OM, uma em Palmas e duas no interior, além da Folha Popular, jornal que circula na capital e cinco RTV’s. Dentre os grupos estaduais estão: a Rede Brasil Amazônia de Comunicação, no Pará, de propriedade do senador Jader Barbalho (PMDB) - com mandatos de 1995 a 2001, no Senado; de 1975 a 1983 e de 2003 a 2011, na Câmara dos Deputados; de 1971 a 1975, na Assembleia Legislativa do Pará, e como governador deste estado, de 1983 a 1987 e de 1991 a 1994 - e de sua ex-mulher, a deputada federal Elcione Barbalho (PMDB), com mandatos consecutivos desde 1995. O grupo tem 13 outorgas, sendo duas emissoras de TV, uma em Belém e outra em Marabá, duas rádios FM, todos sediados na capital e de duas rádios AM, uma em Belém e outra no interior, uma rádio OT, sete RTV’s no interior, além do jornal Diário do Pará; o Sistema Gurgacz, de propriedade do senador de Rondônia, Acir Gurgacz (PDT), com mandato desde 2009, ex-prefeito da cidade de Ji-Paraná, em 2000, e irmão do atual vice-governador do estado; no mesmo estado o senador Odacir Soares, com mandatos desde 1991, tem nove emissoras de rádio; No Amapá, o Sistema Beija-Flor de Radiodifusão, afiliado com Rede TV!, tem a TV Tucuju e cinco rádios, na capital e no interior. Estes veículos são de propriedade do senador Gilvam Borges, com dois mandatos consecutivos pelo PMDB, de 1995 a 2011.

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

70


Mídia Regional no Brasil: uma análise dos subsistemas midiáticos ... – Pâmela Araújo Pinto

O ex-presidente José Sarney, senador pelo Amapá desde 1991 possui, no Maranhão, 37 outorgas de radiodifusão que formam o conglomerado Sistema Mirante, afiliado à Rede Globo. O Norte tem o menor Produto Interno Bruto (PIB), com 5,3%, e o menor Índice Potencial de Consumo (IPC), indicador do potencial de consumo de cada município, com 5,4%, segundo o IBGE. Estes dados, somados à forte dependência econômica das cidades da região da administração pública, apontam um mercado vulnerável e com baixo rendimento comercial aos empreendimentos midiáticos. O pequeno número de veículos nos estados e a presença de veículos controlados por políticos, em diferentes contextos socioeconômicos, são reflexos deste cenário que expõe a relação entre mídia e política nos diferentes sistemas regionais. Estas características refletem no predomínio do grupo supraestadual Rede Amazônia e dos diversos grupos estaduais vinculados às redes nacionais de radiodifusão, tendo em vista o predomínio das RTV’s como a principal mídia. Porém, um aspecto positivo foi verificado na análise da dinâmica deste contexto. Trata-se de um dado que aponta alternativas à concentração de mídia nas capitais do Norte, percebido no número dos veículos da imprensa no Pará, com registro de dez impressos nas cidades de Marabá e Santarém, o mesmo número de jornais das capitais Belém e Manaus.

Aspectos da mídia regional do Sul O Sul tem o segundo maior número de mídia do país, com cerca de 19% dos veículos comercias. Os estados do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul somam 27,3 milhões de habitantes, em 1.191 cidades. Serão avaliadas 841 veículos distribuídos em 58 cidades. a) Características do mercado e concentração midiática As metrópoles Curitiba (47 veículos) e Porto Alegre (40) e a capital regional Florianópolis (39) somam o maior número de veículos da região, com 32% das outorgas. As nove Capitais Regionais B somam 45% das outorgas e as sete Regionais C tem 23,65% de veículos. O maior número de veículos fora das capitais é de 27, em Londrina (PR), e o menor é de quatro em Ivaporã (PR). As 263 RTV’s são as mídias mais presentes. Todas as cidades da amostra têm jornal impresso, somando 185 títulos. As emissoras de rádio OM (159) e FM (154) mantém equilíbrio nos cinco subníveis. As 59 emissoras de televisão têm menor presença nos Centros Sub-Regionais B. A tabela 5 apresentará as 321 outorgas distribuídas até o nível das capitais regionais. Os Centros Sub-Regionais A têm 286 veículos e o B tem 163, com uma média de 12 veículos divididos em 24 cidades e 13,5 veículos em 15 cidades, respectivamente. Por seguirem um padrão das capitais regionais eles foram suprimidos da tabela. Estes veículos são gerenciados por grupos de comunicação nos três estados. O principal grupo da região, o terceiro do país, é a Rede Brasil Sul de Comunicação (RBS), afiliada à Rede Globo e detentora de 57 veículos. Ele é supraestadual, por ter veículos de radiodifusão e jornais, empresas de mídia (internet, TV a cabo, gravadora, etc.) no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Outro grupo supraestadual, mas com menor porte, é o Grupo Petrelli de Comunicação, afiliado à Rede Record, à Record News, à Sat FM, com 14 emissoras no PR e em SC. Uma síntese de grupos com maior número de veículos têm presença

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

71


Mídia Regional no Brasil: uma análise dos subsistemas midiáticos ... – Pâmela Araújo Pinto

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

72


Mídia Regional no Brasil: uma análise dos subsistemas midiáticos ... – Pâmela Araújo Pinto

subestadual, a exemplo do Grupo Pampa (RS) e do Grupo CBV (SC). Eles foram detalhados abaixo na tabela 6, que ilustram o perfil dos grupos de mídia dos três estados.

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

73


Mídia Regional no Brasil: uma análise dos subsistemas midiáticos ... – Pâmela Araújo Pinto

Os grupos de mídia do Sul são vinculados às redes de cobertura nacional como Globo, SBT, Record, Band e Rede TV. A Rede Globo informou a cobertura de 100% da região Sul; a Rede Record anunciou 90% de cobertura; a Band apontou a cobertura de 745 cidades (62,5%); a Rede TV apenas informou a existência de 40 emissoras da rede, com cerca de 3.500 municípios no Brasil. O SBT não disponibilizou atlas de cobertura, mas se percebe o número de afiliadas ao analisar os grupos regionais e também no site da emissora, que destaca região Sul por meio do canal SBT RS, no menu principal TV local (há apenas o canal do RS e do DF). No canal destinado ao Rio Grande foram localizados dois programas locais (“Heranças do Sul” e “Mas Bah”), exibidos aos sábados. No Paraná a Rede Massa, afiliada do SBT, aponta 100% da cobertura do estado. Sua programação tem três programas locais: os jornais “Da Massa” e o “SBT Paraná” e o “Negócios da Terra”. O SBT Santa Catarina, de propriedade do sistema SCC, tem um programa “Oh de casa”, exibido aos domingos. Na semana mantém uma programação variada com os seguintes programas semanais: “Vips & Business”, “Programa do Jota”, “Brasil Caboclo” (cobertura de eventos), “Segurança e cidadania” (da Polícia Militar de SC), no ar há sete anos. Aos sábados são veiculados as atrações “Campo Sustentável”, “Programa Vera de Toledo”, “Dete Zandavalli”, “Programa do Bottino”, “Raízes e Tradição” e “Bon Vivant” sobre variedades. No site da TV Pampa, afiliada da Rede TV no Rio Grande do Sul, foram localizados os seguintes programas regionais: “Algo Mais” (religioso), “Jornal da Pampa” e “Pampa Meio Dia” (jornalísticos), “Studio Pampa” (entretenimento), “Pampa Debates”, “Rosaura Fraga” (culinária), todos transmitidos de segunda a sexta-feira. No sábado é exibida a revista eletrônica “Pampa Show” e no domingo é veiculado o programa automobilístico “Marcas e Veículos”. A análise da grade da RBS TV acentua a existência de variações entre os subsistemas da mídia regional, pois aponta que mesmo em uma relação pré-estabelecida, como as grades de programação das redes de radiodifusão, pode haver diferença entre os subsistemas. No caso dos subsistemas Norte e Sul verificamos diferentes formas de negociação de cada mercado com as empresas de radiodifusão, neste caso as Organizações Globo. Enquanto as afiliadas da Rede Amazônia cumprem uma grade “padrão”, com inserções determinadas pela emissora, na RBS TV além dos programas comuns a todas as afiliadas (“Bom Dia Rio Grande”, “Jornal do Almoço”, “Globo Esporte RS”, “RBS Notícias”), há 9 programas somando aproximadamente três horas extras de programação. No sábado são exibidos os programas “Vida e Saúde”, “Anonymus Gourmet” (com 10 anos), “Curtas Gaúchos”, “Patrola” (há 12 anos no ar), todos com meia hora de duração. No domingo são exibidos os programas “Campo e Lavoura” (40 minutos), “Galpão Crioulo” (com mais de 30 anos), com uma hora, “Teledomingo”, programa de reportagens veiculado às 0h35, por meia hora. Este grupo concentra o maior conglomerado de mídia da região.

Os mesmos grupos afiliados às redes de TV são afiliados a redes de rádio nacionais como a Rede Jovem Pan, Rede Band Sat, Rádio Globo, Rede CBN e regionais como a rede de rádio Gaúcha Sat, do grupo RBS (presente no Sul e nos estados de MT, MS, RO, AL, AM, além a transmissão em TV´s por assinatura).

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

74


Mídia Regional no Brasil: uma análise dos subsistemas midiáticos ... – Pâmela Araújo Pinto

b) Laços com políticos Ao cruzar os dados do MC com os nomes de políticos em exercício (senado, governadores e deputados) dos três estados, acrescidos de informações do banco de dados do site Donos da Mídia, verificou-se a existência de 54 veículos de 38 políticos, sendo oito em Santa Catarina, com 12 veículos; No Paraná são 22 políticos com 31 outorgas e no Rio Grande do Sul são oito políticos e 11 veículos. Há políticos que possuem vínculos indiretos com os veículos de radiodifusão. É o caso do deputado federal Carlos Roberto Massa Júnior, filho do apresentador e empresário Carlos Roberto Massa (Ratinho), proprietário da rede Massa, afiliada do SBT desde 2008, no Paraná. Em 2002 o filho do apresentador foi eleito deputado estadual. Em 2006 e 2010 Carlos Roberto Massa Júnior foi eleito deputado federal. Cozer e Christofoletti (2009) apontam que em Santa Catarina dois dos três senadores - Neuto De Conto (PMDB), político desde a década de 1970 e com o último mandato de senador encerrado em 2011, e João Raimundo Colombo (DEM), com mandato de senador concluído em 2010, quando foi eleito o atual governador de Santa Catarina – e, inclusive, o ex-governador e ex-vice-governador do estado, Leonel Pavan (PSDB), entre 2007 e 2010, são sócios dirigentes de veículos de comunicação. Além deles, o atual prefeito de Florianópolis e ex-deputado estadual, entre 2007 e 2013, César Souza Júnior (DEM) e outros quatro prefeitos são proprietários de veículos. No Rio Grande do Sul um deputado estadual, um deputado federal e seis prefeitos são sócios-proprietários de 11 rádios OM e duas FM, todas situadas no interior. No Paraná, o senador Wilson de Matos (PSDB ), eleito em 2007 e reeleito até 2015, cinco deputados estaduais e seis federais e 10 prefeitos são proprietários de 29 rádios. Três prefeitos do Paraná são proprietários de rádios comunitárias em Fortaleza (CE), Caruaru (PE) e em Batayporã (MS). Nos três estados os políticos são vinculados a várias legendas (PMDB, PP, DEM, PSL, PPS, PSDB e PDT). Mesmo sendo o segundo mercado de mídia do país (e o regional com maior número de empresas), o Sul possui alguns desafios quanto ao fortalecimento das mídias regionais. Nas três esferas da mídia regional (supranacional, estadual e subestaduais) há uma forte dependência dos grupos de referência nacional. Nos grupos subestaduais há influência de políticos concessionários de outorgas de radiodifusão, sobretudo de rádios OM.

Considerações Finais O olhar sobre a mídia regional precisa ser reposionado nos estudos brasileiros de comunicação, decorrente da valorização do contexto regional no país. Ele precisa superar perspectivas que atribuem aos diferentes espaços regionais uma uniformidade e atentar para as características destes mercados de comunicação, com perfis variados, no intuito de compreender o seu papel e a sua influência. A abordagem sistêmica sobre a mídia propicia um entendimento mais complexo deste cenário, sobretudo ao propor compreendê-lo em camadas, ao segmentar as diferentes mídias regionais em supraestaduais, estaduais e subestaduais e com isso apontar seus vínculos com grupos de referência nacional e com políticos. Analisamos os subsistemas do Norte e do Sul para evidenciar a complexidade e alguns desafios das mídias regionais no Brasil. Buscamos explorar as semelhanças e diferenças en-

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

75


Mídia Regional no Brasil: uma análise dos subsistemas midiáticos ... – Pâmela Araújo Pinto

tre ambos, inseridos no contexto de redes brasileiras de radiodifusão. Destacam-se como semelhanças o predomínio das retransmissoras de televisão como principal tipo de mídia nas duas regiões e o consequente vínculo com os grupos de mídia de referência nacional. A forte concentração de mídias é presenciada nos dois subsistemas, sobretudo nas esferas supraestaduais e estaduais e é praticada por afiliadas à Rede Globo. Os grupos Rede Amazônia, Organizações Jaime Câmara (OJC), Grupo RBS, Organizações Rômulo Maiorana e Rede Paranaense de Comunicação somam, aproximadamente, 100 veículos de mídia. Grupos do Sul e do Norte afiliados a outras redes de radiodifusão também concentram mídia, mas em menor proporção. A lista de sócios proprietários de outorgas de radiodifusão comercial, atualizada em 2013, pelo MC, aponta a presença de proprietários das empresas com cargos políticos nas duas regiões do país. No Norte acontece de forma mais explícita, sobretudo nas capitais. No Sul, a maioria dos políticos opta por adquirir veículos no interior. As diferenças também foram notadas, a mais expressiva diz respeito à relação entre as empresas regionais e as de referência nacional. Todas as afiliadas a redes no Sul possuíam uma grade regional de programação, enquanto no Norte a grade era restrita à parte jornalística. O mercado do Norte é muito concentrado nas capitais, enquanto no Sul há mais equilíbrio na distribuição de veículos nas capitais e no interior. Os jornais impressos apontam esta diferença, pois estão presentes em todas as cidades analisadas, contexto diferente na região Norte, onde os veículos estão nas capitais. Este primeiro estudo aponta a necessidade de compreensão da mídia regional a partir das suas diferenças e semelhanças e, principalmente, do reconhecimento da sua diversidade e da investigação dos laços entre mídias regionais e os grupos de referência nacional.

Referências

ARRETCHE, Marta. Federalismo e Democracia no Brasil: a visão da ciência política norteamericana. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v.15, n.4, p. 23-31. 2001. BERTALANFFY, Ludwig Von. Teoria Geral dos Sistemas. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1977. COZER, Karis Regina Brunetto. CHRISTOFOLETTI, Rogério. Oligopólio no sistema de radiodifusão de Santa Catarina. In: Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul, 10, Intercom Sul 2009, Blumenau. Anais...São Paulo: Intercom, 2009.1 CD-ROM. GÖRGEN, James. Sistema central de mídia: proposta de um modelo sobre os conglomerados de Comunicação no Brasil. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Informação) – Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação, UFRGS, Porto Alegre, 2009. HALLIN, Daniel C; MANCINI, Paolo. Comparing media systems: three models of media and politics. New York: Cambridge University Press, 2004.

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

76


Mídia Regional no Brasil: uma análise dos subsistemas midiáticos ... – Pâmela Araújo Pinto

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. REGIC, Região de Influência das Cidades. Rio de Janeiro, 2008. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Evolução da Divisão Territorial do Brasil 1872-2010. Rio de Janeiro, 2011. Disponível em: <http://geoftp.ibge. gov.br/organizacao_territorial/divisao_territorial/evolucao_da_divisao_territorial_do_ brasil_1872_2010/evolucao_da_divisao_territorial_do_brasil_publicacao_completa.pdf>. Acesso: 15 fev. 2013. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Região Norte aumenta participação no PIB Nacional. Rio de Janeiro, 2012. Disponível em: <http://saladeimprensa.ibge. gov.br/noticias?view=noticia&id=1&busca=1&idnoticia=2265>. Acesso: 20 jan. 2013. INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Desigualdade da renda no território Brasileiro. Brasília: Ipea, ago. 2010 (Comunicado do Ipea, n. 60). INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Desigualdade regional recente: uma nota a partir de dados estaduais. Brasília: Ipea, dez. 2010 (Comunicado do Ipea, n. 71). INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Desafios contemporâneos na gestão das Regiões Metropolitanas. Brasília: Ipea, out. 2011 (Comunicado do Ipea, n. 116). LESSA, Renato. A invenção da República no Brasil: da aventura à rotina. In: CARVALHO, Maria Alice Rezende de (Org.). República no Catete. Rio de Janeiro: Museu da República, 2001. LINHARES, Paulo Tarso Frazão; CUNHA, Alexandre. Cooperação federativa: a formação de consórcios públicos no Brasil. In: INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em Desenvolvimento: Estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: Ipea, 2010. 3 v. LINHARES, Paulo Tarso; LASSANCE, Antônio; MENDES, Constantino Cronemberger. (Org.). Federalismo à brasileira: questões para discussão. Brasília: Ipea, 2012. PINTO, Pâmela Araujo. Mídia regional: nem menor, nem maior, um elemento integrante do sistema midiático do Brasil. Revista Ciberlegenda, Niterói, n. 29, p. 97-105, dezembro de 2013, p. 97-105. SANTOS, Milton. A Urbanização Brasileira. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009. SOUZA, Celina. Federalismo e Gasto Social no Brasil: Tensões e Tendências. Lua Nova, São Paulo, n. 52, p. 5-28. 2001, p. 5–28.

Sites Visitados Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Disponível em: <http://www.anatel.gov. br/Portal/exibirPortalInternet.do>. Acesso: 26 jul. 2013.

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

77


Mídia Regional no Brasil: uma análise dos subsistemas midiáticos ... – Pâmela Araújo Pinto

Associação Nacional dos Jornalistas (ANJ). Jornais do Brasil. Rio de Janeiro, 2013. Disponível em: <http://www.anj.org.br >. Acesso: 02 ago. 2013. Portal do Ministério das Comunicações. Disponível em: <http://www.mc.gov.br/acoes-eprogramass/radiodifusao>. Acesso: 10 jul. 2014. Portal Donos da Mídia. Disponível em: <http://www.donosdamidia.com.br/ >. Acesso: 02 fev. 2014. Portal Senado Federal. Disponível em: <http://www.senado.gov.br>. Acesso: 20 jul. 2014. Portal Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br>. Acesso: 20 jul. 2014. Portal do Sistema Brasileiro de TV. Disponível em: <http://www.sbt.com.br>. Acesso: 02 ago. 2013. Portal Rede Bandeirantes. Disponível em: <http://www.band.uol.com.br/>. Acesso: 02 ago. 2013. Portal da Rede Globo. Disponível em: <http://comercial2.redeglobo.com.br/atlasdecobertura/Paginas/Home.aspx>. Acesso: 02 fev. 2014. Portal da Rede TV. Disponível em: <http://www.redetv.com.br/ >. Acesso: 02 fev. 2014. Portal da Rede Record. Disponível em: <http://comercial.rederecord.com.br/tabid/54/Default.aspx>. Acesso: 02 fev. 2014.

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

78


Dossiê Temático Economia Política da Comunicação: uma perspectiva epistemológica

Apresentação Alain Herscovici

As Ciências da Comunicação, e mais especificamente a Economia Política da Comunicação, constituem ciências “novas” em relação às outras áreas de conhecimento, notadamente as Ciências ditas exatas, e as Ciências Sociais, das quais fazem parte a Economia e a Sociologia. Seu campo de estudo ainda está em formação, e a própria definição do objeto de estudo está sendo discutida. Por esta razão, uma reflexão epistemológica é necessária; por esta razão, a revista EPTIC on line resolveu trazer à tona este tema. No âmbito de uma perspectiva pluralista, o dossiê apresenta várias abordagens e fornece assim interpretações diferentes, no que diz respeito à análise das atividades ligadas à Cultura, à Informação, ao Conhecimento e à Comunicação, no capitalismo contemporâneo, e aos métodos empregados. Após uma entrevista de César Bolaño, um dos fundadores da Economia Política da Comunicação no Brasil, Alain Herscovici apresenta uma panorama geral relativo às problemáticas epistemológicas e às suas diferentes vertentes. Raimundo de Sousa Leal Filho realiza uma análise econômica da Informação e do Conhecimento e da Inovação, a partir dos trabalhos de seminais de Arrow e de Nelson. Ancizar Navaez estuda os diferentes discursos relativos à “Sociedade Informacional” e a natureza da ruptura que caracteriza este “capitalismo informacional”; finalmente, José Duran analisa as modalidades específicas a partir das quais atua a lei do valor no campo da produção cultural. Esses elementos deveriam permitir definir e esclarecer o debate epistemológico, e fortalecer assim a Economia Política da Comunicação.

Revista Eptic Online Vol.16 n.3 p.79 set.-dez 2014


Entrevista A Dimensão crítica da EPC e sua luta epistemológica

Cesar Bolaño Possui graduação em Comunicação Social Com Habilitação Em Jornalismo pela Universidade de São Paulo (1979), mestrado em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (1986) e doutorado em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (1993). Foi o fundador da Rede EPTIC, o primeiro presidente da União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura e presidente da Associación latinoamerica de los investigadores de la Comunicación – ALAIC. Atualmente é professor associado IV da Universidade Federal de Sergipe e diretor da Revista Eptic online.

Por Alain Herscovici

Qual é a contribuição da Economia Política da Comunicação (EPC) às Ciências da Comunicação e à própria Ciência Econômica? Em que medida a EPC pode contribuir à redefinição do campo de estudo e do próprio objeto de estudo dessas duas disciplinas científicas? A EPC é um campo de estudos com larga tradição na área de Comunicação, que remonta, no caso anglo-americano, aos anos 60 do século passado. Na verdade, diferentes tradições surgiram isoladamente, em diferentes regiões. Na França, por exemplo, a área era conhecida originalmente como Economia da Comunicação e da Cultura (ECC). A sua transformação se deu posteriormente, a partir do momento em que esse subcampo começa a unificar-se em nível internacional, basicamente pela ação aglutinadora da sessão de Economia Política da IAMCR/AIERI/AIECS, a partir de 1992, eu diria. A denominação EPC deve-se a sua origem no interior do campo da Comunicação, mas o objeto de estudo específico foi-se ampliando na obra de diferentes autores, para incluir a informação, o conhecimento, as telecomunicações,

Revista Eptic Online Vol.16 n.3 p.80-83 set.-dez 2014 Entrevista realizada em julho de 2014


A Dimensão crítica da EPC sua luta epistemológica - César Bolaño

a informática. A fronteira do conhecimento em que se situa, em todo caso, é aquela das Ciências Sociais, especialmente a Economia Política, e os estudos de Comunicação. Com o advento da Internet, em particular, esses diferentes objetos tendem a convergir e a EPC talvez seja a única disciplina acadêmica que tem tido a capacidade de enxergar o processo em sua totalidade, em função da sua inerente interdisciplinaridade. As especificidades do objeto, no que se refere tanto à Economia Política (como as peculiaridades dos processos de trabalho e de valorização), quanto à Comunicação (as questões que enseja para o conceito de mediação, por exemplo) colocam desafios teóricos de importância para ambas disciplinas. No limite, tendo em vista a importância crescente dos referidos setores econômicos que a denominação engloba, os próprios fundamentos dessas disciplinas podem ver-se questionados, mas isso é uma questão de pesquisa.

Quais foram, segundo você, os trabalhos fundadores da EPC, em nível mundial, e em nível latino-americano?

Em nível mundial, os fundadores são bem conhecidos: Baran e Sweezy, Dallas-Smythe e Herbert Schiller são os primeiros. Depois viriam as contribuições europeias e latino-americanas. O mais importante deles talvez seja Raymond Williams, que influenciará tanto os estudos ingleses como os franceses, tanto a EPC quanto os Estudos Culturais ingleses. Também Enzensberger terá uma influência crucial sobre o pensamento da escola francesa, ao lado de Jacques Attali. Ainda na França, eu citaria, além do mais conhecido, Bernard Miège, o Dominique Leroy, com seu trabalho clássico sobre as artes do espetáculo, que influenciará decididamente o mais importante dos autores da segunda geração da escola francesa, Alain Herscovici. Nessa segunda geração, eu incluo também os principais nomes espanhóis e quebequenses. Na Inglaterra, há muitos nomes, como Nicholas Garnham, Graham Murdock ou Peter Golding. Nos Estados Unidos há também uma segunda geração notável, em que se destacam nomes como Vincent Mosco e Janet Wasko. Essas escolas anglófonas influenciaram ainda muitas outras áreas geográficas, como se pode observar na participação nos congressos da IAMCR/AIERI/AIECS. A América Latina constitui um caso muito particular, pois o pensamento crítico em Comunicação assumiu aqui inicialmente a forma de Teorias da Dependência e do Imperialismo Cultural. A EPC latinoamericana surge nos anos 1980, em diálogo com essa tendência anterior e não com a EPC europeia ou mesmo a norte-americana. Os primeiros trabalhos foram os de Schmucler, colaborador de Mattelart (que tem um lugar aparte nessa história, pois representa a influência do pensamento latino-americano na formação da EPC europeia e francesa), e Eriberto Muraro, na Argentina, Patricia Arriaga, no México, Diego Portales, no Chile, entre outros. Marques de Melo, como Valério Brittos, situa o nascimento do campo no Brasil, com a publicação de meu primeiro artigo na RBCC, em 1987, precedendo de um ano o livro de 1988 (Mercado brasileiro de televisão). Antes de mim, na linha das Teorias da Dependência, outros autores já haviam trabalhado temas referentes às relações entre

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

81


A Dimensão crítica da EPC sua luta epistemológica - César Bolaño

Comunicação e Capitalismo, como Sergio Capparelli, que depois desenvolveria trabalhos muito ligados à escola francesa, ou Luis Gonzaga Motta, um dos fundadores da ALAIC. A fundação do campo se dará, no entanto, com sua revista, seus grupos de trabalho e programas de pesquisa, ao longo dos anos 1990, com a criação do portal EPTIC, da revista EPTIC Online e posteriormente da ULEPICC.

Quais são as especificidades da EPC em relação às análises já realizadas no campo da Comunicação e da Economia?

A grande especificidade da EPC frente a essas duas disciplinas, na minha própria definição, é a articulação da problemática da subsunção com a da mediação, estendendo a Crítica da Economia Política para a Crítica da Comunicação e da Cultura, o que significa um passo importante no conhecimento da totalidade das relações sociais capitalistas, livre de alguns fardos do passado.

Como se manifesta a dimensão crítica que caracteriza a EPC? A EPC se distingue da pura Economia da Comunicação, ou da Economia da Cultura, com enfoques mais ortodoxos, por situar-se essencialmente no campo do marxismo, ainda que importando elementos importantes de outras escolas de pensamento econômico, como a microeconomia heterodoxa, no meu caso e de Valério Brittos. No campo sociológico, há um diálogo direto com as diferentes teorias críticas da sociedade, inclusive a velha Escola de Frankfurt e os trabalhos de Bourdieu, mas também com os Estudos Culturais e amplos setores do campo da Comunicação. Um aspecto central para a definição da EPC como teoria crítica é o seu engajamento nas lutas sociais pela democratização das comunicações.

É possível caracterizar uma escola latino-americana da EPC? Em que medida esta escola se diferencia da Escola francesa, ou da escola dos Estudos Culturais, por exemplo? A escola brasileira, se considerarmos o meu próprio trabalho, mais especificamente o segundo (Indústria Cultural, Informação e Capitalismo), realiza uma crítica detalhada (interna e externa) da velha ECC francesa, a qual, por exemplo, negligencia o estudo da con-

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

82


A Dimensão crítica da EPC sua luta epistemológica - César Bolaño

corrência. Com relação aos Estudos Culturais, as diferenças são obvias, visto que se trata, no caso dos latino-americanos, de duas vertentes de crítica às Teorias da Dependência Cultural. No primeiro caso, trata-se de um “recuo crítico” a Marx (o que é o programa de todas as escolas da EPC em nível mundial) para esclarecer pontos nebulosos da perspectiva anterior, enquanto que no segundo, trata-se de uma crítica inicialmente influenciada por um certo marxismo, mas que em seguida abandonará essa perspectiva, considerada economicista, em favor do pensamento dito pós-moderno, redundando no relativismo e, paradoxalmente, em outro tipo de determinismo, mais grosseiro, tecnológico.

Em que medida os desenvolvimentos propiciados pelas TIC permitem questionar e, eventualmente, reformular as ferramentas teóricas utilizadas pelos estudos em EPC? Trata-se também de uma questão para pesquisa. Dou apenas um exemplo: a ECC francesa sentiu profundamente o impacto da Internet. A ideia de economia dos contadores, por exemplo, de Miège, mostrou-se bastante insuficiente e de fôlego curto. Gaëtan Tremblay e seu grupo, ao contrário, avançaram mais com o conceito de clube, importado dos economistas, que Alain Herscovici e eu também utilizamos. Se pensarmos nos puros termos de uma economia das indústrias culturais (de onda ou de edição), nos escapará o aspecto central, que é a sua convergência com a economia das telecomunicações (redes) e da informação, criando uma espécie de híbrido para cuja análise a velha ECC não estava aparelhada. Entre os franceses, quem avança mais nessa área é o próprio Herscovici, mas trocando em boa medida a tradição da ECC pelo pensamento econômico heterodoxo. Do ponto de vista da teoria do valor e do enfoque sociológico de fundo, no entanto, não há muita diferença com a sua perspectiva de origem, radicalmente francesa. Em certos aspectos há mesmo um aprofundamento nessa linha da interpretação de certos fatos que eu próprio avalio de outra maneira.

Você acha necessário e importante dissociar as análises realizadas em termos de EPC e uma atuação militante nos campos da Cultura, da Informação, do Conhecimento e da Comunicação? Porquê?

Acho que não se pode dissociar a teoria das lutas sociais porque senão estaremos negando a ideia de práxis, que é a característica fundamental do pensamento crítico. É isso que nos distingue.

Eptic Online 16(3) 2014

Artigos e Ensaios

83


ECONOMIA POLÍTICA DA COMUNICAÇÃO: UMA TENTATIVA DE DEFINIÇÃO EPISTEMOLÓGICA ECONOMÍA POLÍTICA DE LA COMUNICACIÓN: UN INTENTO DE DEFINICIÓN EPISTEMOLÓGICA POLITICAL ECONOMY OF COMMUNICATION: AN ESSAY OF EPISTEMOLOGICAL DEFINITION.

Alain HERSCOVICI Doutor em Economia pelas Universidades de Paris I Panthéon-Sorbonne e de Amiens, Coordenador do Grupo de Estudo em Macroeconomia (GREM) e do Grupo de Estudo em Economia da Cultura, da Informação, do Conhecimento e da Comunicação (GEECICC) do Mestrado em Economia da UFES, membro da ULEPICC- Brasil e Professor do Departamento de Economia e do Mestrado em Economia da UFES Email: alhersco.vix@terra.com.br).

Revista Eptic Online Vol.16 n.3 p.84-98 set.-dez 2014 Autor Convidado


Economia Política da Comunicação: uma tentativa de definição epistemológica – Alain Herscovici

Resumo Este texto se propõe em desenvolver uma reflexão epistemológica relativo à definição e à construção da Economia Política da Comunicação (EPC). Esta análise será aplicada tanto às Ciências da Informação e da Comunicação quanto à Ciência Econômica, e fornecerá elementos para construir um Programa de Pesquisa Científica (PPC) que tenha coerência interna e que seja adequado para estudar as atividades ligadas à Cultura e à Comunicação. Em uma primeira parte, estudarei a maneira como a EPC se posiciona no campo da Economia; em uma segunda parte, mostrarei como a EPC pode contribuir para a construção e a consolidação de um PPC no campo das Ciências da Informação e da Comunicação.

Palavras chaves Epistemologia – Economia Política – Cultura, Informação e Conhecimento - Historicidade.

Resumen Este texto tiene como objetivo desarrollar una reflexión epistemológica sobre la definición y la construcción de la Economía Política de la Comunicación (EPC). Este análisis se puede aplicar tanto a Ciencias de la Información y Comunicación como a la Ciencia Económica, y proporcionar elementos para construir un programa de Investigación Científica (PIC) que tiene consistencia interna y es adecuado para el estudio de las actividades relacionadas con la cultura y la comunicación. En una primera parte, se estudiará cómo se posiciona la EPC en el campo de la economía; en una segunda parte, se muestra cómo la EPC puede contribuir a la construcción y consolidación de una PIC en el campo de las Ciências de la Información y de la Comunicación. Palabras-llaves: Epistemología – Economia Política- Cultura, Información y Conocimiento- Historicidade

Abstract This text aims to develop an epistemological reflection relative to the definition and the construction of the Political Economy of Communication. This analysis will be applied both to Information and Communication Sciences (ICS) and to Economic Science, and will provide elements to design a Scientific Research Program (SRP) with internal consistency that allows to study the activities related to culture and communication. In a first part, will study how the Political Economy of Communication is positioned in the field of economics; in a second part, I will demonstrate how the Political Economy of Communication can contribute to the construction and consolidation of a SRP in the field of CIC. Key-word Epistemology- Political Economy- Culture, Information and Knowledge – Historicity

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático

85


Economia Política da Comunicação: uma tentativa de definição epistemológica – Alain Herscovici

As Ciências da Informação e da Comunicação (CIC) são disciplinas ainda “jovens”: seu campo está se estruturando, e seus paradigmas em construção. Por essas razões, a reflexão epistemológica é de primeira importância: além de questionar as outras Ciências Sociais (principalmente a Sociologia e a Economia), ela deveria participar amplamente à construção de paradigmas que lhe são próprios. No âmbito de tal perspectiva, a Economia Política da Comunicação (EPC) pode assumir um papel relevante, assim como no debate relativo à Epistemologia Econômica. Ela permite questionar os diferentes paradigmas utilizados tanto na Ciência Econômica, quanto nas CIC. Histórica e epistemologicamente, a abordagem conhecida como Economia Política da Comunicação se relaciona diretamente com as seguintes áreas: Cultura, Informação, Conhecimento e Comunicação1. A respeito do primeiro ponto, é interessante observar que os primeiros trabalhos em termos de Economia da Cultura (Leroy 1980, Baumol and Bowen, 1967, Herscovici 1995, Bolaño, 2000) ressaltaram as especificidades econômicas desses setores. Hoje, uma série de mecanismos que eram próprios ao setor da Cultura está se propagando para o conjunto das atividades econômicas: o caráter aleatório da valorização econômica, as dificuldades, para não dizer a impossibilidade, de determinar teoricamente o valor dessas produções e de medi-las, a concorrência que atua fora dos preços, a produção importante de externalidades, etc. A industrialização da Cultura foi progressivamente substituída pela “culturização” da Economia. 1- Esta relação é apenas indicativa, e não exaustiva; seria possível incluir o conjunto das produções simbólicas, e o que se costuma chamar de “Economia criativa”.

É óbvio que este trabalho não pretende ser exaustivo: várias correntes, tanto na Economia quanto nas CIC, não serão analisadas. Meu objetivo é outro: ele consiste em fornecer elementos para construir um Programa de Pesquisa Científica (PPC) que tenha coerência interna e que seja adequado para estudar as atividades ligadas à Cultura e à Comunicação. Em uma primeira parte, estudarei a maneira como a EPC se posiciona no campo da Economia; em uma segunda parte, mostrarei como a EPC pode contribuir para a construção e a consolidação de um PPC no campo das CIC.

I) A Economia Política da Comunicação: uma análise crítica. 2- Boyer, Robert, 1987

O título desta primeira parte se refere ao livro do economista francês 2, Robert Boyer que, nos anos 80, tentou definir a chamada Escola Francesa da Regulação. Em função da heterogeneidade das diferentes correntes desta escola, e da dificuldade para definir um paradigma próprio, Boyer resolveu avaliar o estado da arte desta corrente teórica. Minha proposta é parecida, pelo fato de tentar definir, a partir de uma reflexão epistemológica, a EPC.

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático

86


Economia Política da Comunicação: uma tentativa de definição epistemológica – Alain Herscovici

1) Um debate em termos de epistemologia econômica No seio das Ciências Econômicas, a EPC se define a partir de vários tipos de incompatibilidades: 1.1 Em relação à chamada “Economia neoclássica”, a EPC se define fora de qualquer mecanismo de maximização micro ou macroeconômico, e de qualquer posição de equilíbrio que, “naturalmente”, o sistema deveria alcançar. Por outro lado, é impossível definir a EPC a partir do referencial da concorrência pura e perfeita walrasiana (Herscovici, 2013 (a)). O sistema de preços não divulga a totalidade das informações relativas aos componentes qualitativos dos bens e dos serviços e, por definição, os bens não são homogêneos. É igualmente impossível estudar as atividades ligadas à Cultura, à Informação e ao Conhecimento a partir do individualismo metodológico, e isto por várias razões: (a) os “gostos” não podem ser concebidos como dados exógenos; eles são o produto de determinadas relações sociais, ou seja, da interdependência generalizada dos agentes e das diferentes modalidades de manifestação do princípio do “Habitus” (Bourdieu, 1997, Herscovici, 1995). (b) Na era das redes sociais e do desenvolvimento das diferentes redes eletrônicas, as novas formas de valorização econômica estão intrinsecamente ligadas à criação de utilidade social, ou seja, à interdependência dos agentes. O funcionamento das redes de compartilhamento de arquivos digitais ilustra perfeitamente este mecanismo (Herscovici, 2013 (b)). 1.2 Em relação à Economia Clássica ligada ao valor trabalho é possível afirmar que os custos em trabalho não regulam os mercados dos bens simbólicos: a valorização desses bens é totalmente independente dos custos diretos e indiretos em trabalho. Ricardo já afirmava que sua teoria do valor trabalho não se aplicava aos bens cuja oferta não pode ser aumentada pela quantidade de trabalho aplicada na sua produção: objetos de arte, vinhos raros, etc.( 1982, p. 43 e 44). Neste caso, o valor desses bens só pode ser explicado a partir de sua escassez. Não existem preços reguladores a partir dos quais oscilam os preços de mercado: a partir do momento que não há como determinar, a partir de critérios objetivos, o valor intrínseco deste tipo de bens, os mercados são altamente especulativos. Esta dimensão especulativa é uma das características do capitalismo contemporâneo, e se aplica tanto no mercado das artes, quanto nos mercados financeiros ou naqueles ligados aos diferentes tipos de capital intangível. (a) O paradoxo de Van Gogh (Herscovici 2008 (a)) indica que, nesta economia, não existem relações entre os custos de produção e as receitas. (b) Esses bens não possuem um valor intrínseco, mas trata-se de um valor autoreferencial que, obrigatoriamente, flutua com o tempo (Orléan, 2011).

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático

87


Economia Política da Comunicação: uma tentativa de definição epistemológica – Alain Herscovici

2) A EPC e o marxismo Esta discussão parece fundamental para definir a EPC e o tipo de relações que ela tece com as diferentes formas de heterodoxias econômicas. 2.1 Uma primeira linha de pensamento, no seio da EPC, mantém uma ligação direta com a economia de Marx: o conceito de mercadoria continua sendo explicativo, assim como os conceitos decorrentes de exploração e de mais-valia. Dallas Smythe (1977) já falava em mercadoria quando analisava o desenvolvimento dos mercados publicitários próprios ao sistema de televisão privada: Para autores como Zallo (1988) e Bolaño (2000, p. 203 e seguintes), a categoria mercadoria permite estudar as produções simbólicas: à medida que esses bens se caracterizam por uma valorização particularmente aleatória, este caráter aleatório se manifesta na esfera da realização, e não na esfera da produção (Bolaño, 2000, p. 203 e 206). O conceito de mercadoria continua sendo explicativo, assim como aquele de mais-valia. Bourdieu (1977, p. 9) chega a uma conclusão semelhante quando ele afirma que “ (...) são as contribuições, inclusivas, as menos conhecidas que é preciso considerar para ver que a produção da obra de arte (...) não constitui uma exceção à lei da conservação da energia social.” 2.2 É possível contestar esta interpretação a partir do seguinte raciocínio: o valor de uso de um bem cultural é intrinsecamente ligado às especificidades do trabalho aplicado neste tipo de produção. Na linha da escola francesa do GRESEC de Grenoble, a valorização no mercado se implementa a partir do trabalho concreto, ou seja, especifico, aplicado na produção, e não a partir do trabalho abstrato, por natureza, indiferenciado. Em relação às categorias de Marx, não houve transformação do trabalho concreto em trabalho abstrato e, consequentemente, esses bens não apresentam as características de uma mercadoria. Eles podem ser assimilados ao capital fictício: são negociados a partir de um preço determinado no mercado, mas este preço não mantém nenhuma relação com a quantidade de trabalho abstrato necessário para sua produção (Herscovici, 1995). Em função da autonomia da forma preço em relação ao valor, o preço deixa de expressar o valor: esses bens têm preços, mas não criam valor, sob a forma da produção de mercadoria. Em nível agregado, esses setores são improdutivos. A partir deste tipo de análises, há duas teses presentes: aquela que interpreta o desenvolvimento da internet e dos “comuns” como uma superação do capitalismo (Negri e Lazaratto, 2001), e aquela que interpreta o desenvolvimento dessas diferentes formas de capital intangível como novas configurações históricas do capitalismo. A primeira tese assimila a socialização crescente da produção de Informação à socialização de suas modalidades de apropriação. A partir de uma perspectiva diferente, a segunda tese implica em uma redefinição do próprio capitalismo: este se caracteriza pela ampliação social dos mecanismos de mercado, mas esta ampliação se implementa fora a forma mercadoria. Esta interpretação utiliza os trabalhos de Braudel (1985); neste caso, o capitalismo está ligado ao desenvolvimento dos mercados globalizados especulativos e não concor-

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático

88


Economia Política da Comunicação: uma tentativa de definição epistemológica – Alain Herscovici

renciais (Idem), e não à extensão da lógica da mercadoria que caracteriza um capitalismo essencialmente industrial (Herscovici, 2008(b)). À medida que a mercadoria não constitui mais a forma genérica do capital, não é mais possível raciocinar em termos de exploração, nem de mais-valia. Não obstante, é preciso ressaltar que, nesta segunda tese, não se trata de uma superação do capitalismo: (a) à medida que a lógica de mercado se amplia para várias atividades sociais (por exemplo, a negociação dos direitos de poluição, a partir dos trabalhos de Coase (1960)), o sistema continua sendo governado por uma lógica capitalista. (b) Se as formas de valorização se modificaram, as modalidades de inserção e de remuneração do trabalho também se modificaram; as modificações dos diferentes sistemas de Direitos de Propriedade Intelectual (DPI) privados caracterizam uma economia rentista (Bolaño, Herscovici, 2005) na qual o salário não representa mais a única forma de remuneração do trabalho. Isto implica, obrigatoriamente, em novas formas de subsunção do trabalho imaterial. (c) Finalmente, novas contradições surgem: enquanto a produção de conhecimento e de informação é um processo cada vez mais socializado, a ampliação e o desenvolvimento dos diferentes sistemas de DPI privados se relacionam com modalidades de apropriação sociais essencialmente privadas (Herscovici, 2012 (a)).

3) As outras análises possíveis

3.1 Não podemos deixar de citar os trabalhos pioneiros de Akerlof (1970), Grossman e Stiglitz (1976, 1980), que construíram uma Nova Economia da Informação. Essas abordagens estudam principalmente o papel e a função dos preços na economia, e ressaltam o fato que, contrariamente ao que afirma a teoria neoclássica padrão, este sistema de preços não transmite a totalidade das informações relativas aos componentes qualitativos dos bens e dos serviços (Herscovici, 2012 (b)). Por outro lado, elas permitem refutar os resultados teóricos do modelo neoclássico, e constituem um paradigma alternativo (Stiglitz, 2003). Chamarei esta abordagem de Economia da Informação, com maiúscula; para evitar as ambiguidades, chamarei de economia da informação, com minúscula, a análise econômica dos setores que produzem informação, principalmente aqueles ligados à Cultura, ao Conhecimento e à própria Informação. A Economia da Informação se aplica ao conjunto dos mercados: mercados dos bens e serviços, mercados financeiros e mercado do trabalho. As especificidades econômicas das diferentes formas de capital intangível são tais que, obviamente, o sistema de preços constitui um sinal imperfeito no que diz respeito aos componentes qualitativos desses bens. É assim possível estudar a economia da informação a partir do instrumental teórico forneci-

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático

89


Economia Política da Comunicação: uma tentativa de definição epistemológica – Alain Herscovici

do pela Economia da Informação. 3.2 Finalmente, é preciso mencionar as diferentes formas de economia institucionalistas, dos trabalhos pioneiros de Veblen e Commons aos trabalhos de Williamson e Ostrom. Os dois primeiros autores enfatizam o papel crucial que as instituições cumprem nas modalidades concretas de funcionamento dos mercados e de acumulação do capital. A partir do conceito de especificidade dos ativos, Williamson ressalta os limites dos mecanismos de mercado e do sistema de propriedade privado que lhe é ligado (2000, 2002): Ostrom (2000) mostra, a respeito dos commons, porque, e em que condições, sistemas coletivos de propriedade intelectual podem ser mais eficientes que sistemas privados. Esta perspectiva permite esclarecer os termos do debate relativo à natureza do sistema de DPI a ser aplicado na internet, e às suas implicações sociais e econômicas.

II) EPC e Ciências da Comunicação: rumo à constituição de um paradigma específico

1) A epistemologia das CIC 1.1 O estado da arte As Ciências da Comunicação surgiram nos anos 50, a partir da Engenharia e da Teoria da Informação, com os trabalhos de A. Moles, do determinismo tecnológico com a tese de Mac Luhan, ou da tradição marxista crítica, com a Escola de Frankfurt. Hoje, com os desenvolvimentos importantes e acelerados das diferentes Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC), surgiram novas correntes: Pierre Lévy (2000), por exemplo, retoma as teses de Mac Luhan e afirma a primazia da Tecnologia em relação às variáveis sociais, políticas e econômicas. Certas análises de inspiração marxiana (Négri e Lazaratto, 2001), a partir de um instrumental teórico diferente, afirmam, igualmente, a primazia da Tecnologia. As Ciências da Comunicação, assim como as Ciências da Informação, são disciplinas ainda “jovens”, comparadas com outras oriundas das Ciências Sociais, por exemplo a Ciência Econômica: a partir do século XVIII, é possível falar em autonomização desta Ciência, com o surgimento da escola fisiocrática e com a obra de Adam Smith; no século XIX, este movimento se firmou com os economistas clássicos e, no século XX, com a escola neoclássica. As CIC são disciplinas ainda não totalmente estruturadas, de um ponto de vista metodológico. A estruturação de um campo científico se implementa a partir dos seguintes elementos: (a) A construção e a definição do objeto de estudo. (b) A definição de diferentes paradigmas (Kuhn, 1991) ou de diferentes Programas de Pesquisa Científica (PPC) (Lakatos, 1970); eles constituam o núcleo duro (hardcore) a partir

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático

90


Economia Política da Comunicação: uma tentativa de definição epistemológica – Alain Herscovici

do qual as diferentes análises serão desenvolvidas e os diferentes modelos construídos.

(c) A definição de critérios que permitem avaliar o valor científico de cada paradigma, e efetuar assim uma reconstrução racional das evoluções deste campo científico. À luz desses elementos, as CIC se definiram, principalmente, a partir do nível (a), ou seja, a partir da definição do objeto de estudo: a Comunicação Social. Se a construção do objeto de estudo é uma condição necessária para fundar uma Ciência, ela não é uma condição suficiente; é preciso construir paradigmas próprios e elaborar critérios de escolha entre os diferentes paradigmas ou PPC. Talvez seja em função desta ausência de um ou de vários paradigmas próprios que as CIC sempre importaram paradigmas provenientes das outras Ciências Sociais: na Sociologia Política, os trabalhos de Habermas (1978) relativos à construção do conceito de espaço público, na Sociologia da Cultura, os trabalhos sociológicos e antropológicos de Bourdieu (1997), etc. Quanta mais “imatura” a Ciência, maior a propensão a importar paradigmas que provém de disciplinas mais estruturadas. A Economia não escapa desta regra: quando Walras (1926) escreveu seus Elementos de Economia Pura, seus objetivos consistiam em utilizar o método e os instrumentos que proviam da Matemática e da Física para aproximar a Economia das Ciências ditas exatas, ou seja, para que a Economia se tornasse uma Ciência Social mais “exata” que a Sociologia, a História ou a Antropologia. Quando uma determinada disciplina científica torna-se madura, ela constrói seus próprios paradigmas e seus próprios PPC; neste caso, ela pode continuar importando instrumentos analíticos das outras disciplinas, mas ela integra esses nos seus próprios paradigmas. Por exemplo, a Matemática, na Ciência Econômica, pode ser considerada como uma simples ferramenta, uma Ciência instrumental. Finalmente, a discussão relativa aos critérios de cientificidade e de escolha racional de um PPC é bastante complexa, e ela permanece, ainda hoje, “aberta”. As CIC ainda não alcançaram este segundo nível; mostrarei, neste artigo, em que medida a EPC constitui um dos elementos essenciais para alcançar este nível e para consolidar assim o campo das CIC. A problemática geral levantada neste trabalho é a seguinte: qual

pode ser o papel da Economia Política da Comunicação, neste processo de “consolidação epistemológica” das CIC? Qual seria o papel da EPC na renovação da Ciência Econômica? Tais são, a meu ver, as questões pertinentes, hoje.

1.2 Os diferentes tipos de determinismo e seus limites. O estudo das produções ligadas à Cultura e, de uma maneira mais geral, às produções simbólicas, sempre foi objeto de vários tipos de reducionismo. - Uma análise puramente estética parte da hipótese da autonomia do campo de produção:

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático

91


Economia Política da Comunicação: uma tentativa de definição epistemológica – Alain Herscovici

ela se refere unicamente às leis internas do campo e ignora assim qualquer determinismo externo. - A análise sociológica abre a perspectiva: ela ressalta o fato que determinismos externos existem. Os bens simbólicos não são o simples produto da lógica interna do campo, e os determinismos externos são mediatizados pelas estruturas especificas do campo social analisado (Bourdieu, 1997). No entanto, esta problemática estuda principalmente a dimensão ideológica e política contida nessas produções. Neste sentido, certos autores (Herscovici, 1995) ressaltaram os limites explicativos das análises oriundas da Escola de Fran;ckfurt, pelo fato dessas limitarem-se à dimensão puramente sociológica. - Da mesma maneira, existe um determinismo tecnológico: a tecnologia se desenvolveria a partir de uma lógica própria, e conseguiria impor sua lógica em relação aos componentes sociais, econômicos e políticos. Autores como Mac Luhan, Pierre Lévy e Negri e Lazaratto afirmam a primazia das estruturas tecnológicas em relação aos outros componentes sociais. A evolução tecnológica autônoma determina as estruturas sociais e econômicas: para Lévy, a internet consegue implementar uma democracia digital a partir da criação de uma inteligência coletiva: para Negri e Lazaratto, o desenvolvimento dos comuns tem que ser interpretado como uma superação do capitalismo.

3- Por exemplo, Adam Smith e David Ricardo reconhecem que a propriedade privada da terra aparece quando a terra se torna escassa.

Todos os trabalhos de antropologia ressaltam uma causalidade diferente: a passagem da oralidade para a escrita só foi possível a partir de uma estruturação prévia em classes sociais (Lévi-Straus, 1987). Por outro lado, as diferentes formas de economia solidária não representam uma abolição da lógica mercantil: ao contrário, essas lógicas se relacionam com as novas formas de concorrência que atuam na era digital (Herscovici, 2013 (b)). - Finalmente, é possível falar em determinismo econômico: a análise econômica consiste, segundo a definição clássica de Robin, em realizar uma alocação eficiente dos recursos escassos. Esta concepção da Economia é altamente redutora: a escassez não representa uma característica natural dos bens. Ele possui uma dimensão social e histórica. Por exemplo, o desenvolvimento da digitalização dos arquivos ligados ao som, ao texto e à imagem, criou uma abundância: o sistema de DPI tem por objetivo recriar uma escassez relativa. Se, na teoria econômica, os DP se explicam a partir da escassez 3, hoje, a relação de causalidade é invertida: é o sistema de DPI privado que tenta reconstruir a escassez social. De uma maneira mais geral, é possível, hoje, redefinir o próprio objeto da Ciência Econômica: em função do progresso continuo da produtividade do trabalho social e da abundância que resulta do progresso técnico, o objeto desta Ciência não se limita às condições de produção: ele se relaciona com as modalidades de governança escolhidas, ou seja, com as modalidades de apropriação das riquezas produzidas. O debate atual sobre o regime de DP aplicável na internet ressalta esta dimensão.

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático

92


Economia Política da Comunicação: uma tentativa de definição epistemológica – Alain Herscovici

4- No que diz respeito a uma análise mais aprofundada, ver Herscovici (1995).

5- É interessante notar que, na época de Luiz XIV, na França, as academias reais de música e de teatro tinham um pode de monopólio sobre a difusão publica das diferentes obras (Leroy, 1980)

2) As principais evoluções históricas: as modificações da natureza do objeto de estudo. As principais evoluções históricas relativas à Cultura, Informação e Conhecimento, podem ser resumidas da seguinte maneira 4: A época pré-capitalista se caracteriza pela primazia do valor de uso (Braudel, 1988). As atividades simbólicas não cumprem nenhum papel econômico direto nas atividades de reprodução material. Suas funções são puramente ideológicas, no sentido gramsciano. É por esta razão que essas atividades sempre foram controladas pelas diferentes formas de poder político: a Igreja, na idade média, a nobreza, e poder real 5 e o poder político do Estado moderno. A economia da representação e a economia da repetição constituem as primeiras fases da mercantilização dessas atividades. Na primeira, o setor das artes cênicas se estrutura a partir de uma lógica mercantil e, na segunda, as inovações tecnológicas se traduzem pela industrialização deste setor: uma matriz original é reproduzida industrialmente, sem precisar da intervenção do trabalho artístico/intelectual. Não obstante, o peso econômico direto dessas atividades é relativamente pouco importante no produto nacional, e esses setores são regulados a partir de lógicas econômicas específicas, distintas de uma lógica puramente industrial. Mesmo reproduzidos industrialmente, esses bens continuam se valorizando a partir das especificidades do trabalho aplicado na produção da matriz original. Na economia da diferenciação (Herscovici, 1995), a Cultura e a Informação cumprem uma função direta ligada á lógica global de acumulação do capital. Nesta fase oligopolista e globalizada, bens materiais, serviços e espaços geográficos precisam se diferenciar para poder se valorizar: as firmas desenvolvem imagens institucionais, pelo fato de associaremse a determinadas produções culturais. Da mesma maneira, os espaços geográficos precisam se diferenciar, para integrarem os espaços globalizados dinâmicos e para atrair o capital, por natureza, transnacional; eles vão construir imagens midiáticas específicas e, para isto, eles vão se associar amplamente, via financiamentos, às diferentes produções culturais. Nesta fase, os financiamentos privados da Cultura e da Informação permitem implementar esta dupla diferenciação; nesta fase, a Cultura e a Informação assumem um papel cada vez mais importante na lógica global de acumulação. A Economia do Google corresponde à ampliação deste movimento: as novas formas de valorização econômica estão diretamente ligadas à criação de utilidade social, no seio das diferentes redes sociais. O valor de uma rede social depende da quantidade de usuários: quanto maior esta quantidade, maior o valor que a firma que controla a rede poderá negociar para vender seus espaços publicitários (o que hoje é chamado de double sided markets).

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático

93


Economia Política da Comunicação: uma tentativa de definição epistemológica – Alain Herscovici

3) Uma interdisciplinaridade necessária, mas que tipo de interdisciplinaridade? A partir dessas evoluções, é possível tirar as seguintes conclusões: enquanto a lógica mercantil não penetrou neste setor, as funções sociais eram diretamente ligadas a funções ideológicas. Neste sentido, a análise dessas atividades fazia parte da superestrutura da sociedade e eram estudadas a partir de uma abordagem puramente sociológica. À medida que as atividades ligadas à Cultura e à Informação participam cada vez mais diretamente da acumulação capitalista, sua dimensão econômica é cada vez mais importante: pelo próprio peso econômico desses setores, e pelo papel que essas atividades assumem na regulação macroeconômica do sistema. A Cultura e a Informação se tornaram elementos da infraestrutura. Como tais, eles vão ser objetos de uma dupla análise econômica: aquela que se relaciona com a economia do setor, e aquela que estuda as relações entre este setor e o conjunto das outras atividades econômicas. A análise não pode se limitar a uma dimensão específica, seja ela estética, sociológica ou econômica; tal análise será obrigatoriamente limitada. No âmbito de uma abordagem interdisciplinar, essas diferentes dimensões precisam ser estudadas nas suas especificidades e nas suas relações de interdependência. Para evitar de cair na armadilha do reducionismo, a EPC tem que ser, intrinsecamente, interdisciplinar. Mas a interdisciplinaridade é uma prática difícil: acredito que não seja possível dar conta de todas as dimensões de determinados fatos sociais. O estudo científico nunca esgota todas as possibilidades embutidas no real; conforme preconizava Marx, é preciso passar do abstrato ao concreto pensado (1972). Certos autores fracassaram ao tentar estudar todas as dimensões dos fatos culturais, informacionais e comunicacionais (Castells, 1998). Uma proposta viável para a EPC deveria permitir evitar esta dispersão e, ao mesmo tempo, o fechamento excessivo: i) A dispersão implica em tentar relacionar e estudar as dimensões múltiplas ligadas à Cultura e à Informação. Toda construção teórica, todo modelo, seja ele formal ou não, constitui, obrigatoriamente, uma simplificação da realidade estudada. É impossível realizar um mapa geográfico com escala 1. A dispersão pode ser evitada a partir da construção de uma problemática clara e, por natureza, limitada. A análise será realizada a partir desta problemática. ii) O fechamento também deve ser evitado: por exemplo, a economia neoclássica padrão considera que os gostos individuais são constantes e exógenos: propositalmente, a análise econômica ignora os diferentes determinismos sociais quando se trata de estudar as modalidades de consumo ligados à Cultura e à Informação. Tal fechamento é excessivo, à medida que ele ignora mecanismos fundamentais desta economia e não permite elaborar políticas públicas eficientes e coerentes. À medida que, nesta economia, a apropriação simbólica é uma condição necessária prévia a todas as formas de apropriação econômica, ignorar as modalidades desta apropriação significa ignorar um determinante desta economia.

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático

94


Economia Política da Comunicação: uma tentativa de definição epistemológica – Alain Herscovici

6A maior parte das políticas de democratização cultural encontrou este obstáculo.

7- Em função deste princípio sociológico de denegação das práticas econômicas usuais, contrariamente ao que acontece na produção industrial, o artista não vai aumentar sua produção quando os preços de mercado aumentam.

Várias políticas públicas fracassaram pelo fato de seus promotores acreditarem que a diminuição dos preços dos bens culturais se traduziria obrigatoriamente por um aumento da participação das classes mais populares. Essas políticas só podiam fracassar pelo fato delas não tratarem, igualmente, das modalidades de apropriação simbólicas prévias necessárias à apropriação econômica6. Um outro exemplo é fornecido pelo que Bourdieu (1997) chama a denegação das práticas culturais usuais, por parte dos artistas e dos outros produtores culturais. De um ponto de visto sociológico, o artista tem que praticar esta denegação, para que seu gesto artístico seja “sacralizado”; é a condição necessária e suficiente à acumulação simbólica que permite uma acumulação econômica posterior. Esta especificidade mostra nitidamente que as curvas de oferta são atípicas: quando a demanda aumenta, ou seja, quando o artista consegue acumular um capital simbólico, o aumento dos preços é maximizado: como a oferta permanece constante7, o ajustamento se realiza unicamente a partir do aumento dos preços. A análise sociológica explica esta escassez, a qual se traduz por uma economia rentista e altamente especulativa. O fechamento da economia neoclássica é excessivo pelo fato de rejeitar fora de seu campo de investigação variáveis fundamentais que permitem definir as especificidades desta economia. Assim, uma proposta viável para a EPICC pode consistir em incluir, em uma problemática econômica, elementos que provêm de outras disciplinas e, mais especificamente, de outras Ciências Sociais. Tal escolha se justifica a partir das seguintes razões: (a) ela permite evitar o fechamento ou a abertura excessiva. (b) Ela permite construir um paradigma (ou PPC) próprio, a partir dessas modalidades de integração das diferentes dimensões sociais da Comunicação e assim autonomizar o campo das CIC. (c) Este paradigma corresponde às evoluções do objeto de estudo, à medida que as atividades que relevam da Cultura, da Informação e da Comunicação estão cada vez mais ligadas a uma lógica econômica.

Conclusão

Podemos constatar assim que a contribuição da EPC é fundamental no que concerne à construção, à consolidação e à autonomização do campo das CIC. Além de fornecer um paradigma coerente, ela corresponde às evoluções relativas à natureza do objeto de estudo. A EPC evita a dispersão que caracteriza vários trabalhos em CIC, e o fechamento próprio à Economia dominante (o que poderíamos chamar de “economicismo”).

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático

95


Economia Política da Comunicação: uma tentativa de definição epistemológica – Alain Herscovici

Finalmente, a EPC permite construir modelos de interpretação coerentes que tenham condições de explicar a realidade da Cultura e da Informação, e que correspondam às evoluções históricas de longo prazo.

Referências Baumol W. and Bowen W., 1967, Performing Arts The Economic dilemma, MIT press Bolanõ, César, 2000, Indústria cultural e capitalismo, Hucitec, São Paulo. Boyer, Robert, 1987, La Théorie de la régulation: une analyse critique, La Découverte, Paris. Bourdieu, Pierre (1977), La production de la croyance. Contribution à l´économie des biens symboliques, in Actes de la Recherche en Sciences Sociales, n. 13, Editions de Minuit, Paris. Braudel, Fernand (1979) Civilisation matérielle, économie et capitalisme XVe-XVIIIème siècle. 2. Les jeux de l´échange, Armand Colin, Paris. ------------------------- (1985), La dynamique du capitslisme. Paris: Champs Flammarion. Castells, Manuel, 1998, La société en réseaux, Fayard, Paris. Coase, Ronald H., 1960, The Problem of Social Cost, Journal of Laws and Economics. Grossman S.J. and Stiglitz J.E, 1976,, “Information and Competitive Price system”, The American Economic Review, May 76, Vol.66 n.2.

--------------------------------------, 1980, On the Impossibility of Informationally Efficient Markets, The American Economic Review, Vol. 70, No. 3, (Jun. 1980), 393-408. Habermas J., 1978, L’espace public. Archéologie de la publicité comme dimension constitutive de la société bourgeoise, Editions Payot, Paris. Herscovici Alain, 1995, Economia da Cultura e d Comunicação, EDUFES, Vitória. -------------------, 2008 (a), Direitos de Propriedade intelectual, novas formas concorrenciais e externalidades de redes. Uma análise a partir da contribuição de Williamson, Working Papers, IE/UFRJ. -------------------, 2008 (b), Production immatérielle, travail et valeur. Éléments pour une analyse de l’économie de la connaissance. In: Éric George;Fabien Granjon. (Org.). Criti-

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático

96


Economia Política da Comunicação: uma tentativa de definição epistemológica – Alain Herscovici

ques de la société de l´information. 1ed.Paris: L´Harmattan, v. 1, p. 85-124. ------------------------, 2012 (a) , Informação, Conhecimento e Direitos de Propriedade Intelectual: os limites dos mecanismos de mercado e das modalidades de negociação privada. A contribuição de Williamson à análise dos Direitos de Propriedade Intelectual. Economia e Sociedade (UNICAMP. Impresso), v. 21, p. 54-72. -------------------, 2012 (b), Opacidade dos preços, assimetrias de informação e especulação: uma análise a partir da Economia da Informação de Stiglitz.. In: V Encontro Internacional da Associação Keynesiana Brasileira, 2012, São Paulo. Anais do V Encontro da AKB.

--------------------, 2013 (a), A Economia Neoclássica: rumo a uma definição epistemológica, VI Encontro da Associação Keynesiana Brasileira, Vitória.

-------------------, 2013 (b), Economia de redes, externalidades e estruturas de mercado: o conceito de concorrência qualitativa.. Revista Brasileira de Inovação, v. Vol12, p. 87125. Kuhn, Thomas S., 1991, A estrutura das revoluções científicas, Editora perspectiva, São Paulo. Lakatos, Imre, 1970, History of Science and Its Rational Reconstructions, Proceedings of the Biennial Meeting of the Philosophy of Science Association, Vol. 1970, pp. 91136. Levi-Strauss, 1987, Claude, Race et Histoire, Editions Denoël, Paris.

Leroy Dominique, 1980, Économie des arts du spectacle vivant, Economica, Paris. Lévy, Pierre, 2000, «A Revolução contemporânea em matéria de comunicação», Para navegar no Século XXI, F.M.Martins, J.M. da Silva, organizadores, EDIPUCRS, Porto Alegre. Mc Luhan, Marshall , 1968, Pour comprendre les média, Seuil, Paris. Marx, Karl, 1972, Contribution à la critique de l’économie politique, Editions Sociales, Paris. Negri A., Lazzarato M., 2001, Trabalho imaterial, DP&A Editora, Rio de Janeiro Orléan André, 2011. L´empire de la valeur. Refonder l´Économie, Paris, Éditions du Seuil. Ostrom Elinor, 2000, Private and Common Property Rights, Workshop in Political Theory and Policy Analysis, Population and Environmental Change, Indiana University.

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático

97


Economia Política da Comunicação: uma tentativa de definição epistemológica – Alain Herscovici

Ricardo, David, 1982, Princípios de Economia Política e Tributação, Abril Cultural, São Paulo, 1982.

Smythe, D.W., 1977, . “Communications: Blindspot of Western Marxism”. Canadian Journal of Political and Society Theory 1 (3): 1–28. Stiglitz, J., 2003, Information and the Change in the Paradigm in Economics, Part 1, American Economist;

Fall 2003, p.6-26.

Walras L, 1926, Elements d´Economie Politique Pure, ou théorie de la richesse sociale, Pichon, Duran Auzian éditeurs, Paris. Williamson, Oliver, The New Institutionnal Economics: Taking Stock, Looking Ahead, Journal of EconomicLitterature, Vol. XXXVIII (September 2000). -------------------------, 2002, The Theory of the Firm as Governance Structure: Form Choice to Contract, Journal of Economic Prospectives – Volume 16, Number 3 - Summer 2002

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático

98


CONHECIMENTO, INFORMAÇÃO E FINANCIAMENTO DA INOVAÇÃO: anotações de uma leitura sugerida para Arrow e Nelson Conocimiento, información y financiamiento para la innovación: notas de una lectura sugerida para Arrow y Nelson Knowledge, information and financing for innovation: notes from a suggested lecture on Arrow and Nelson

Raimundo de Sousa LEAL FILHO Professor e pesquisador da Fundação João Pinheiro; professor do Departamento de Economia da Pucminas. Doutor em Economia pelo CEDEPLAR/UFMG. Email: raimundo.sousa@fjp.mg.gov.br.

Revista Eptic Online Vol.16 n.3 p.99-115 set.-dez 2014 Recebido em 01/08/2014 Aprovado em 30/08/2014


Conhecimento, Informação e Financiamento da Inovação - Raimundo de Sousa Leal Filho

Resumo O estudo do financiamento da inovação, por definição, requer contribuições de diferentes áreas especializadas do saber econômico que geralmente não se comunicam entre si. Este artigo argumenta que não é adequado aplicar a análise financeira convencional para tratar esse tipo especial de investimento. Os estudiosos da inovação enfatizam a maior incerteza relativa à viabilidade técnica (custos), ao tempo de maturação das pesquisas e experimentações, ao comportamento dos compradores/ usuários dos produtos finais, e às estratégias de empresas rivais (particularmente no que diz respeito à adoção de novas tecnologias similares); ao contrário, no enfoque neoclássico para finanças corporativas, o investimento inovativo simplesmente estaria associado a uma classe de risco mais elevado. Este artigo pretende avaliar, a partir de uma discussão dos desenvolvimentos teóricos da literatura sobre aspectos financeiros da atividade inventiva (originada ao final da década dos cinquenta com as contribuições de Arrow e Nelson), se e em que medida interseções nos programas de pesquisa em finanças, estruturas de mercado e inovação com informação e apropriabilidade imperfeitas podem constituir uma base teórica efetiva para o tratamento do financiamento da inovação.

Palavras-chave financiamento, inovação, tecnologia.

Resumen El estudio de la financiación de la innovación, por definición, requiere contribuciones de diferentes áreas especializadas de conocimiento económico que generalmente no se comunican con el otro. Este artículo argumenta que no es apropiado aplicar el análisis financiero convencional para el tratamiento de este tipo especial de inversión. Los estudiosos de la innovación enfatizan la mayor incertidumbre sobre la viabilidad técnica (costos), el tiempo de maduración de investigaciones y experimentos, el comportamiento de los compradores o usuarios de los productos finales, y las estrategias de las compañías rivales (particularmente en lo relativo a la adopción de nuevas tecnologías como); por el contrario, en el enfoque neoclásico de finanzas corporativas, la inversión innovadora simplemente sería asociado con una clase más alta de riesgo. Este artículo pretende evaluar, con una discusión de los desarrollos teóricos de la literatura sobre los aspectos financieros de la actividad inventiva (originado en los finales de los cincuenta con aportes de Arrow y Nelson), si y en qué medida los programas de investigación en finanzas, estructuras de mercado y la innovación con información imperfecta y apropriabilidade pueden constituir una base teórica efectiva para el tratamiento de la financiación de la innovación. Palabras-clave financiación, innovación, tecnología.

Abstract The study of the financing for innovation, almost by definition, calls for contributions from different specialized areas within economics which barely communicate with each other. This paper makes the case that conventional financial analysis is not appropriate to understand this special type of investment. Scholars from innovation studies emphasizes the greater uncertainty with respect to technical viability (costs), completion timetables for R&D, buyers’ behavior, other incumbent firms or potential rivals’ strategies, etc., but within the traditional neoclassical approach for corporate finance, an innovative investment would simply be assigned to a riskier class, and potential cross-fertilization gains from financial and innovative studies would be lost. This article then intends to evaluate, starting with some remarks over the literature on financial aspects of the inventive activity (as exposed during the late fifties by Arrow and Nelson), if and to what extent intersections at research programs on finance, market structures and innovation with imperfect information and appropriability could constitute an effective theoretical basis for understanding the financing of innovation. Key-Words financing, innovation, technology.

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 100


Conhecimento, Informação e Financiamento da Inovação - Raimundo de Sousa Leal Filho

Introdução*

* - o autor agradece os comentários feitos pelos pareceristas.

O estudo do financiamento da inovação requer a contribuição de áreas especializadas do saber econômico que geralmente não se comunicam, visto que a análise financeira convencional não constitui um referencial teórico apropriado para lidar com este tipo especial de investimento.

1-Absoluta desatenção ao contexto: o problema do financiamento da inovação seria idêntico para firmas novas ou incumbentes, que operam em setores de atividade dominados pelos fornecedores ou baseados em ciência ou intensivos em escala (Pavitt, 1984, p. 358-364); para startups de parques tecnológicos universitários ou firmas com abundância de recursos próprios que podem facilmente obter financiamento de terceiros (desde instrumentos de dívida tradicionais, como uma letra de câmbio comercial, passando por empréstimos bancários, chegando à emissão de ações negociáveis em bolsa de valor); para empreendimentos realizados no século XIX ou no século XXI; para firmas localizadas numa economia com um sistema de inovações maduro ou num enclave exportador de bens primários, etc.

Portanto, cabe responder: o que confere especificidade ao investimento inovativo? No que difere a compra de uma máquina adicional para a fabricação de um produto já estabelecido no mercado, da adoção de aperfeiçoamentos em processos produtivos ou na criação de novos processos e/ou produtos?

2- O custo marginal do capital, nesta acepção, também pode ser interpretado como a taxa de capitalização de mercado da corrente de rendimentos incertos gerados perpetuamente pelos ativos já existentes, onde o conceito de incerteza se reduz a risco num contexto de probabilidade objetiva, de forma que cada elemento do fluxo de rendimentos futuros pode ser considerado uma variável aleatória com distribuição de probabilidade determinada unicamente por uma distribuição conjunta de probabilidades bem definida. (Cf. MODIGLIANI & MILLER, 1958, p. 265)

A regra de decisão, então, poderia ser apresentada na seguinte forma: o projeto será realizado se sua maturação – independente da forma como foi financiado – elevar o valor de mercado da firma. Por conseguinte, a diferença entre investimento convencional (que não altere a tecnologia de produção, o cardápio de produtos gerados pela firma, ou a forma de organização do negócio) e investimento inovativo fica reduzida à classe de risco ao qual se associa o projeto.

No caso de equipamentos já testados no mercado, pouca dúvida há de haver sobre a sua viabilidade técnica, ou sobre os seus custos, sobre o tempo de maturação necessário para que os frutos do investimento comecem a ser colhidos; o comportamento dos compradores e as estratégias dos concorrentes são razoavelmente conhecidos. Neste nível de abstração1, a distinção entre investimento convencional – aquele que não altera a rotina de produção, distribuição, circulação e consumo dos bens e serviços afeitos à atividade inovativoou às atividades em que atuam as organizações que o realizam – e investimento (que, por oposição, altera a rotina do fluxo circular de produção e consumo do setor e da economia) ficaria reduzida a uma questão estatística: são diferentes as distribuições de probabilidade que caracterizam expectativas de custos, duração e retornos daqueles projetos considerados individualmente. A tarefa do gestor individual responsável pela aprovação de uma proposta de inovação, numa estrutura de governança para a firma que tenha sido capaz de alinhar os seus interesses aos dos proprietários, seria caracterizada pela busca de projetos com uma taxa de retorno esperada superior ao custo marginal do capital para a firma na classe de risco2 apropriada.

Neste artigo, propõe-se uma avaliação da medida em que antecedentes teóricos da literatura sobre aspectos financeiros da atividade inventiva possam ser considerados compatíveis com aplicações da economia da informação3 ao estudo da relação entre finanças, estruturas de mercado e inovações tecnológicas. Além desta introdução, na segunda seção se realiza uma discussão das contribuições teóricas da Arrow e Nelson do final da década dos cinquenta, com o objetivo de identificar

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 101


Conhecimento, Informação e Financiamento da Inovação - Raimundo de Sousa Leal Filho

3- Abordagem teórica que parte do relaxamento dos postulados neoclássicos ad hoc de existência de mercados completos e de que toda informação relevante poderia ser livremente acessada (sem custos econômicos) pelas partes interessadas. Para Stiglitz (2002), mais do que uma extensão do cinturão protetor do programa neoclássico, o enfoque da economia da informação representaria uma mudança no paradigma.

características específicas dos processos inovativos; na terceira seção são elencados os principais argumentos da literatura sobre informação imperfeita e estruturas de mercado para aplicação ao problema do financiamento da inovação; na quarta seção, se avalia em que medida esta representa um avanço na discussão sobre o financiamento da inovação.

4- Novamente, a referência aqui é à incerteza num contexto de probabilidades objetivas bem-definidas. No restante da discussão do artigo de Arrow – a não ser quando indicado em contrário – é a esta acepção que se refere o termo incerteza. Em momento algum o reconhecimento de incerteza knightiana se faz necessário ao argumento desenvolvido pelo autor, ao contrário do sugerido por Dosi et al. (2006, p. 892) quando afirmam: “Innovation-related knowledge [...] involves “non-probabilizable” risk, that is, genuine Knightian uncertainty (almost by definition, there is no known probability distribution over the arrival of innovations, and, even less so, as Arrow already emphasized, contingency markets on something which nobody can figure out yet)”.

Arrow (1962, p. 612) identificou o que chamou de fator moral na existência de mercados futuros incompletos quando a produção de uma determinada mercadoria ocorre em condições de incerteza4 e, para o desenvolvimento do seu argumento, supôs que os insumos (custos) eram conhecidos pelos produtores, que o resultado da produção seria dependente da realização de estados da natureza incertos, e adicionou três considerações principais.

2.Uma releitura dos fundamentos teóricos na literatura sobre produção da atividade inventiva 2.1. Incerteza, fator moral e indivisibilidades na produção e no consumo da informação

Primeira, contratos poderiam ser escritos entre compradores e produtores que especificariam o preço a ser pago em cada realização dos estados da natureza, e haveria um equilíbrio geral, único e estável, com as mesmas propriedades Pareto-ótimas do equilíbrio geral competitivo de Debreu (em condições de certeza), e o próprio risco receberia uma alocação ótima: […] the markets for commodity-options in this ideal model serve the function of achieving an optimal allocation of risk bearing among the members of the economy. This allocation takes account of differences in both resources and tastes for risk bearing. Among other implications, risk bearing and production are separated economic functions. The use of inputs, including human talents, in their most productive mode is not inhibited by unwillingness or inability to bear risks by either firms or productive agents. (p. 611)

No contraponto (mercados incompletos com inexistência de arranjos institucionais ou organizacionais para a realocação de risco), os preços praticados nos mercados de bens finais seriam uma função do estado da natureza realizado, e os responsáveis pelo negócio não teriam acesso a qualquer mecanismo para negociar a transferência de riscos. Agentes com aversão ao risco, neste caso, sofreriam perda de bem-estar. Entre estes dois casos extremos, conforme apontado por Arrow e ressaltado na literatura econômica sobre contratos incompletos em condições de informação imperfeita5, arranjos institucionais criados para lidar com o problema de mercados futuros incompletos – por exemplo, seguros e contratos financeiros com garantias reais parciais6 – mitigam perdas de eficiência na alocação de riscos, mas criam problemas de incentivo que geram perdas de eficiência na alocação técnica dos recursos existentes. Até aqui, percebe-se que mesmo levando em consideração a pertinência real do problema de informação imperfeita, não se distingue o caso do investimento inovativo de qualquer outro tipo de investimento que também produza bens contingentes a estados da natureza

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 102


Conhecimento, Informação e Financiamento da Inovação - Raimundo de Sousa Leal Filho

5Para tratamentos recentes do tema em livrostextos de microeconomia para estudantes de pósgraduação, veja-se, por exemplo, Mas-Colell, Whinston & Green (1995, pp. 436-507), Varian (1992, pp. 172-194 e 368-386) e Bowles (2004, pp. 299-330); para um tratamento mais específico da subárea dos contratos incompletos sob informação imperfeita, vejase, por exemplo, Salanié (1998, 2000), Milgrom & Roberts (1992), Tirole (1988 [1997]) e Hart (1995). Para uma introdução à discussão sobre a importância da estrutura de financiamento da firma em condições de informação imperfeita, Stiglitz (1988). No caso da produção de conhecimento, a dificuldade de distinção entre os efeitos do componente aleatório que descreve a realização dos “estados da natureza” e das decisões e ações adotadas pelos produtores é aguçada, de forma que estas atividades são praticamente não-seguráveis e definições sobre os arranjos para o seu financiamento, não-triviais. 6 - Bens ou ativos oferecidos como colaterais pelo tomador do empréstimo. 7- Cf., por exemplo, a posição assumida por Pavitt: “[...] assumptions equating technology with either science or information are misleading, and can result in unbalanced or inaccurate policy prescriptions.” (1999, p. 4). Trata-se, aqui, de um primeiro passo na busca de delimitação conceitual de noções como “ciência” e “tecnologia” no programa de pesquisa neoclássico, e das dificuldades que derivam daí para a discussão das complexas inter-relações que se estabelecem entre estas. 8- As implicações desta ideia fundamental de Arrow, junto com a noção de que a corporação opera como sua própria “companhia de seguros”, foram detalhadamente exploradas por Albuquerque (1996) para a discussão do conceito de sistema nacional de inovações.

estocásticos. Se apenas este primeiro ponto for incorporado na discussão do problema do financiamento da inovação, a diferença fundamental entre investimento convencional e investimento inovativo ainda seria reduzida a uma questão de atribuição do último a uma classe de risco superior. Conclui-se que o argumento do autor não pode dispor de considerações adicionais sobre características que sejam específicas do problema estudado, qual seja da “produção de informação como uma mercadoria especial”. Vale lembrar que o caso em discussão, relativo à produção de novo conhecimento, não corresponde identicamente à realização de um investimento inovativo, embora se qualifique como uma importante dimensão7 sua – o componente da pesquisa, da invenção e das descobertas científicas neste envolvidas. Nesta perspectiva, uma segunda consideração necessária parte da constatação de que a entrega de novo conhecimento pelo seu produtor o coloca diante de um dilema: o produto da pesquisa é, em si, valioso para o mercado à medida que carregue nova informação; ao mesmo tempo, no momento em que a nova informação entre na posse do seu comprador, pode ser difundida a custo próximo de zero para qualquer outra parte interessada – e por isto mesmo deixa de ter valor mercantil para o seu produtor original. 8 Na analogia com o investimento inovativo, é possível então afirmar que parte da recompensa, na forma de lucro extraordinário derivado do monopólio temporário da inovação, deixaria de ser apropriada caso sua adoção permitisse que firmas rivais pudessem facilmente imitá-la (a questão das patentes será discutida mais adiante): With suitable legal measures, information may become an appropriable commodity. Then the monopoly power can indeed be exerted. However, no amount of legal protection can make a thoroughly appropriable commodity of something so intangible as information. The very use of the information in any productive way is bound to reveal it, at least in part. Mobility of personnel among firms provides a way of spreading information. Legally imposed property rights can provide only a partial barrier, since there are obviously enormous difficulties in defining in any sharp way an item of information and differentiating it from other similar sounding items (ARROW, 1962, p. 615).9

Há, ainda, uma terceira dificuldade, relacionada às “propriedades desconfortáveis” da demanda por informação: o uso da informação pelo comprador também é sujeito ao problema de indivisibilidade, e a presença de incerteza, combinada com apropriabilidade incompleta da nova informação, cria um paradoxo fundamental na definição da demanda por informação: “its value for the purchaser is not known until he has the information, but then he has in effect acquired it without cost”10 (ARROW, 1962, p. 615). As questões levantadas por Arrow sobre o problema da apropriabilidade do novo conhecimento, num contexto de incerteza, remetem aos dilemas de gestão da hierarquia interna das organizações – no que diz respeito às formas de relacionamento do departamento de P&D com os demais setores da firma – ou da gestão de contratos entre firmas deman-

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 103


Conhecimento, Informação e Financiamento da Inovação - Raimundo de Sousa Leal Filho

9 - Esta citação também foi selecionada por José Maria F. J. da Silveira, na apresentação deste ao artigo de Arrow republicado na seção “Idéias Fundadoras” da Revista Brasileira de Inovação, volume 7, número 2, de julho/dezembro de 2008, p. 261-267.

10 - Apenas se o vendedor pudesse reter plenos direitos de propriedade no uso da informação (apropriabilidade completa), isto não seria um problema.

dantes de pesquisas sobre processos e produtos e firmas especializadas na produção de inovações. Do ponto de vista teórico, a indagação que então se coloca é a seguinte: por que novo conhecimento é criado, e por que é tão comum que as próprias firmas beneficiárias deste novo conhecimento prefiram operar suas próprias atividades de P& D? O duplo papel da informação, como um produto e como um insumo, implica interdependência entre unidades da cadeia de produção do conhecimento e, portanto, presença de retornos crescentes na sua utilização. O reconhecimento deste duplo papel agrava as dificuldades assinaladas acima: To appropriate information for use as a basis for further research is much more difficult than to appropriate it for use in producing commodities; and the value of information for use in developing further information is much more conjectural than the value of its use in production and therefore much more likely to be underestimated. Consequently, if a price is charged for the information, the demand is even more likely to be suboptimal. (ARROW, 1962, p. 618)

O fato econômico central sobre o processo de pesquisa é que este é devotado à produção de novo conhecimento, e pela própria definição de conhecimento a invenção deve ser um processo intrinsecamente arriscado, pois o conhecimento obtido nunca pode ser perfeitamente predito a partir dos insumos e é impossível prever se poderá de fato adquirir valor para o mercado, pois sua utilização prática é incerta e o seu consumo, da parte de terceiros, é não-rival. Arrow (1962, p. 616) sugere que a única forma, no sistema de empresa privada, de minimizar este problema é a condução da pesquisa em grandes corporações com muitos projetos em andamento, de modo que a grande corporação funcione como sua própria companhia de seguro. Ao fazer esta sugestão, está implicitamente assumindo que os ativos criados pela pesquisa serão fortemente complementares aos ativos já existentes na firma, e que a integração vertical da P&D na firma é uma solução superior à subcontratação da pesquisa – inclusive da perspectiva do seu financiamento. Embora esta não seja uma conclusão generalizável, outra implicação do argumento de Arrow é irrefutável – a apropriação privada das recompensas da pesquisa gera uma alocação subótima de recursos: “Whatever the price, the demand for information is less than optimal for two reasons: (1) since the price is positive and not at its optimal value of zero, the demand is bound to be below the optimal; (2) as seen before, at any given price, the very nature of information will lead to a lower demand than would be optimal.” (ARROW, 1962, p. 617)

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 104


Conhecimento, Informação e Financiamento da Inovação - Raimundo de Sousa Leal Filho

Do lado do produtor, a cobrança de um preço pela utilização do conhecimento gerado na pesquisa depende da capacidade deste criar direitos de propriedade: a solução legal do problema de incentivos requereria um “detalhamento intolerável dos direitos parciais de propriedade” no ato de patentear as invenções, o que seria incompatível com as reais possibilidades de enforcement do sistema de patentes. 11- Daí sua proposta de que o tratamento desta questão possa evoluir a partir da análise institucionalista dos custos de transação de Oliver Williamson, e do reconhecimento de que as decisões relevantes dos agentes econômicos envolvidos na produção e na distribuição do conhecimento e da informação são inexoravelmente tomadas num contexto de incerteza forte no sentido póskeynesiano: “a incerteza forte permite justificar o fato dos contratos serem incompletos” (id., ibid., p. 684). 12- Que não seja da propriedade do apicultor. Não está em discussão se a produção de conhecimento corresponde ou não a um caso de bem meritório.

Daí a importância de que a pesquisa (em especial, a pesquisa básica) envolva amplo leque de variedades de estudo concorrentes entre si, mas financiadas livremente – de forma que a consolidação de um fluxo irrestrito de informações entre os grupos de pesquisa não seja inviabilizada pela necessidade de reposição de gastos e/ou pela busca de recompensas individuais. É inescapável concluir, junto com Arrow, que a mercantilização da produção dos insumos básicos da inovação – novos conhecimentos genéricos que possam se materializar em novas máquinas e equipamentos, novos processos e organizações, novos produtos, etc. – não é capaz de gerar resultados compatíveis com os recursos e com as necessidades das modernas sociedades capitalistas. Mais ainda, é necessário concordar com Herscovici (2012, p. 681-685), que o adequado tratamento epistemológico do fenômeno da mercantilização do conhecimento e da informação requer incorporar uma adequada discussão do “caráter especulativo” da sua produção e comercialização. 11 2.2. Pesquisa básica e a falsa dicotomia ciência versus tecnologia

13- Nelson concede, como passo inicial, que a pesquisa básica seja tratada como um produto homogêneo e que a tecnologia de produção de novos conhecimentos, disponível aos laboratórios privados, esteja igualmente disponível aos laboratórios públicos. Daí conclui que a existência da produção privada de pesquisa básica, para além da pesquisa pública livremente acessível, constitui por si só evidência de que seria socialmente recomendável aumentar os gastos com a pesquisa pública (p. 304). Haveria, neste caso, o problema de se estabelecer qual o nível de produção ótima da pesquisa básica em universidades públicas ou agências governamentais, compreendido este nível de produção como equivalente a um montante de subsídio pigouviano, com toda a dificuldade que o estabelecimento de tal subsídio acarreta. Não está em discussão se a produção de conhecimento corresponde ou não a um caso de bem meritório.

Nelson (1959a, p. 297) propõe inicialmente que a produção de pesquisa básica seja compreendida como um caso de economias externas. Tomada esta sugestão ao pé da letra, o problema teórico em pauta se igualaria à produção de educação ou de medicina preventiva – em oposição à produção e/ou ao consumo de um bem que não gere quaisquer efeitos diretos que influenciem as possibilidades de escolha de outros agentes. Neste sentido, a pesquisa científica receberia o mesmo status teórico que a produção de um apiário próximo a um pomar: 12 […] when the marginal value of a ‘good’ to society exceeds the marginal value of the good to the individual who pays for it, the allocation of resources that maximizes private profits will not be optimal. For in these cases private-profit opportunities do not adequately reflect social benefit, and, in the absence of positive public policy, the competitive economy will tend to spend less on that good ‘than it should’. (NELSON, 1959a, p. 298)

A diferença, caso houvesse, seria antes quantitativa que qualitativa – no montante de valor presente líquido social que a produção do apiário pudesse gerar em comparação à produção de pesquisa científica básica. 13

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 105


Conhecimento, Informação e Financiamento da Inovação - Raimundo de Sousa Leal Filho

No entanto, o conhecimento gerado pela pesquisa básica tem a característica de ser um recurso comum, no sentido de poder ser explorado por vários beneficiários sem se esgotar, mas sem estar sujeito a resultados de ação coletiva não coordenada do tipo tragédia dos comuns: Knowledge is a canonical case of something that is non-rivalrous in use […]. The notion that I can tell you what I know, and then you will know it, and I will too, almost surely has been widely understood by sophisticated persons for a long time. There is no ‘tragedy of the commons’ for a pure public good like knowledge. (NELSON, 2004, p. 462)

14- Daí que, também, a possibilidade de “internalizar as externalidades” (COASE, 1960) não deva ser facilmente admitida, quando se trata da produção de um algo tão complexo em sua natureza social e econômica quanto o próprio conhecimento.

Rigorosamente, a definição de bem público puro requer a combinação dos atributos de consumo não-rival com a impossibilidade de exclusão de consumidores não-autorizados pelo produtor. Este não é o caso – sequer do conhecimento gerado pela pesquisa básica, quanto mais da inovação em geral – e, à medida que a exclusão do consumo do conhecimento gerado pela pesquisa básica seja possível, isto não implica que direitos precisos de propriedade, com custos de transação negligenciáveis, possam ser facilmente operacionalizados. 14 Na verdade, o segredo industrial e as vantagens do pioneirismo, obtidos quando surgem dificuldades não-desprezíveis de imitação, constituem os principais mecanismos de apropriação utilizados na grande maioria dos casos em que a pesquisa básica é realizada por laboratórios privados. 15

15- É destacado na literatura que apenas em situações bastante específicas o uso de patentes pode ser de fato considerado um mecanismo de apropriação eficiente: ramos em que “a composição do produto é relativamente fácil de definir e limitar”, como por exemplo: “indústrias farmacêuticas, de química orgânica, de materiais plásticos, de fibras sintéticas e de vidro” – pois a composição química define o produto nestes casos – e “ramos produtores de equipamentos como compressores de gás e de ar, instrumentos científicos, máquinas-ferramentas e outros produtos similares”. (NELSON, 2006b, p. 110)

Nelson (1959b) postula que o adequado tratamento destas questões requer o esforço de promover a distinção conceitual entre ciência e tecnologia: Invention and scientific research, though tending increasingly to conjoin in practice, are best kept separate conceptually. Scientific research may be defined as systematic investigation for the purposes of discovering new knowledge, where, in this context, knowledge may be loosely translated as ability to predict. No strict line can be drawn between scientific research and all other human activities. Men have always experimented and observed and have always generalized and theorized, thus men have always been, at least in a limited way, scientists. And knowledge has often (usually?) been acquired in activities not consciously directed toward the pursuit of it. But even fuzzy definitions often have value. (NELSON, 1959b, p. 105)

Esta distinção foi absorvida pela literatura, e representa o fundamento da atual convenção que diferencia ciência, tecnologia, e inovação (C,T&I) de acordo com os seguintes eixos: à ciência corresponderiam a produção de novo conhecimento na pesquisa básica e aplicada, o interesse público e a ética da revelação e da divulgação (disclosure); à tecnologia corresponderiam a pesquisa aplicada e a atividade inventiva (P&D), o interesse particular e a ética do sigilo e da discrição (secrecy); à inovação corresponderiam a introdução da mudança técnica e a transformação do sistema produtivo, a produção e a comercialização das novas máquinas, equipamentos, produtos, processos e técnicas de gestão (enterprise).

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 106


Conhecimento, Informação e Financiamento da Inovação - Raimundo de Sousa Leal Filho

16- À medida que não estejam orientados por objetivos precisamente definidos, os esforços de pesquisa podem resultar na construção de novo conhecimento suficiente para a criação de invenções radicais (revolucionárias), o que seria muito menos provável no caso da pesquisa aplicada a um objetivo preciso definido ex-ante. 17- A Lei Bayh-Dole, de 1980, permitiu às universidades patentear e licenciar, com exclusividade, invenções financiadas por fundos federais. (THURSBY & THURSBY, 2003) Veja-se, também, NELSON (2004).

Para lidar com este tipo de sutileza, as definições vagas e fluidas de pesquisa científica básica (não delimitada por objetivos bem definidos) e de pesquisa aplicada (voltada para o alcance de objetivos claramente especificados, normalmente vinculados à busca de soluções para problemas práticos) devem ser pensadas como um continuum de possibilidades (NELSON, 1959a). Assim, cria-se um pano de fundo apropriado para a proposição de que a busca de recompensas privadas, por si só, não é capaz de reunir recursos suficientes para produzir pesquisa básica na escala socialmente eficiente. 16 Por conseguinte, para que uma firma privada financie pesquisa básica, seria necessário que o novo conhecimento gerado pudesse ser aproveitado pela própria firma ou facilmente codificado para viabilizar o patenteamento de suas possíveis aplicações práticas. Porém, não é usual que o novo conhecimento gerado em pesquisa básica seja transformado rapidamente em aplicações práticas. É frequente que o surgimento de possíveis aplicações práticas dependa da maturação do ambiente socioeconômico, de forma que a demanda social latente pelos frutos da nova tecnologia possa ser explorada lucrativamente: Even when a scientific discovery underlies an invention, the discovery may contain the seeds of many potential inventions, and economic factors may then determine which potential applications are selected for exploitation. These economic factors may take the form either of new, or newly intensified, latent demands, or of a greater intensity of the latent demands satisfied by the inventions actually made, as compared to that of the demands which remain unsatisfied.” (SCHMOOKLER, 1962, p. 18) Além disso, é muito comum o uso das descobertas de pesquisa básica como insumo de novas pesquisas. Por este motivo, a ética da disclosure que caracteriza o mundo acadêmico não deveria admitir o patenteamento de “leis” ou fatos naturais pelos professores ou instituições de pesquisa responsáveis pelo seu estabelecimento ou comprovação.

18 - Por exemplo, Paul Geroski, no seu survey da literatura sobre os mecanismos de apropriação dos retornos da atividade inventiva para o Handbook of the Economics of Innovation and Technical Change, assinala textualmente: “[...] Since heavy R&D spending often takes place in sectors where appropriability is problematic and is often done by only a relatively small number of very capable firms, one suspects that total R&D investment depends more on R&D capabilities (and on competition between capable firms) than it does on appropriability conditions.” (1995, p. 120)

No seu reexame do “Simple economics [...]”, Nelson reafirma seu compromisso com esta ética, ao discutir as possíveis consequências negativas do uso indevido da possibilidade de exclusão reconhecida na Lei Bayh-Dole17 sobre o sistema de inovações norte-americano: In my old paper, I recognize that for-profit firms spending their own money on R&D is not an arrangement that will get much basic research done. In my paper, I sought to explain why some big firms do have significant programs of basic research, but that was a prelude to my argument that the major part of the funding burden needed to be on government. I also proposed there that universities were a better locus than industry for the performance of publicly funded basic research because both the motives for university researchers and general beliefs regarding the mission of universities encouraged open publication. Obviously, I did not anticipate the surge of university patenting that has occurred over the past quarter century.” (2006a, p. 912)

Esta teorização, entretanto, entra em choque com o fato empírico, comumente enfatizado na literatura18, de que algumas poucas empresas realizam regularmente orçamentos consideráveis com gastos nos seus laboratórios de P&D, especialmente quando suas atividades são relacionadas a setores industriais “baseados em ciência”.

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 107


Conhecimento, Informação e Financiamento da Inovação - Raimundo de Sousa Leal Filho

19- Nelson (1959a) faz questão de evitar qualquer confusão entre a noção de base tecnológica da firma e seu poder de mercado: “A wide technological base (usually involving a diversified set of products) does not imply a position of monopoly power in any or all of the product markets, nor does a monopoly position in a market imply a wide technological base” (p. 303).

2.2 A base tecnológica das firmas privadas

20- Cf. Chandler (1990).

Economias de escopo podem ser exploradas na produção, na distribuição, e na pesquisa em grandes empresas.20 A rationale para uma firma diversificar o seu cardápio de bens e serviços advém da expectativa de que existem processos subutilizados na capacidade produtiva do grupo empresarial – que poderiam ser explorados conjuntamente numa nova linha de produtos.

Uma explicação para este aparente conundrum enfatiza o papel da “base tecnológica” das firmas privadas. Para Nelson (1959ª: 302), a estreiteza ou a amplidão da base tecnológica de uma firma deveria guardar uma relação direta com sua propensão para financiar a realização de pesquisa básica. O conceito de base tecnológica da firma, introduzido de forma embrionária em 1959, não deve ser confundido com variáveis de estrutura industrial, como tamanho da firma ou concentração do market-share. 19 Antes, assinala como estratégias de crescimento da firma, com base na construção de economias de escala e de escopo, poderiam integrar a consolidação dos laboratórios de pesquisa privadas.

Para que sejam produtivas e evitem diversificação excessiva, explorações de economias de escopo requerem a realização de investimentos complementares que tornem efetiva a possibilidade de exploração conjunta de recursos. Este parece ser, particularmente, o caso da pesquisa básica apontado por Nelson (1959a, p. 302). A sugestão da existência de um vínculo entre a amplitude da base tecnológica da firma e a consolidação da moderna corporação multidivisional, multiproduto e capital-intensiva é explicitada sem constrangimentos: “Strangely enough, economists have tended to see little economic justification for giant firms not built on economies of scale. Yet it is the many-product giants, not the single-product giants, which have been most technologically dynamic […]”. (NELSON, 1959a, p. 303) Esta perspectiva escapa aos herdeiros neoclássicos de Arrow, especialmente no que diz respeito à segunda parte do seu artigo, na qual se estabelece o chamado replacement effect. Na comparação entre payoffs estáticos de firmas bem-sucedidas no desenvolvimento de uma inovação em processo (redutora de custos), com patentes de duração infinita e sob diferentes estruturas de mercado, Arrow concluiu: The only ground for arguing that monopoly may create superior incentives to invent is that appropriability may be greater under monopoly than under competition. Whatever differences may exist in this direction must, of course, still be offset against the monopolist’s disincentive created by his preinvention monopoly profits.” (1962, p. 622)

O objetivo do autor era simplesmente justificar a intuição de que monopolistas têm mais a perder quando inovam, e tanto mais quanto maior fosse o efeito da inovação nas condições do mercado que exploram. Como inovações mais radicais resultam em grande redução do custo de produção, provavelmente também implicam redução no preço do

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 108


Conhecimento, Informação e Financiamento da Inovação - Raimundo de Sousa Leal Filho

21- Veja-se, também, a discussão do problema da subadititividade dos custos em Herscovici (2012).

22-Escapa completamente a esta leitura reducionista de Schumpeter que o principal objetivo do autor, nos capítulos 7 e 8 de Capitalismo, socialismo e democracia é questionar a utilidade de uma abordagem teórica da dinâmica capitalista desde uma perspectiva que enfatize o problema da alocação ótima de recursos escassos; ou seja, o que se encontra no último Schumpeter é antes o chamado para a construção de uma outra teoria, na qual a referência ao equilíbrio como eixo organizador do pensamento seja substituída pela referência à inovação enquanto núcleo das estratégias competitivas dominantes nas organizações capitalistas. Para uma discussão profundamente esclarecedora, que vai à essência da questão, vejase Nelson (2006a, p. 145163). Para um exemplo – infelizmente muito influente – de uma leitura reducionista tanto de Schumpeter quanto de Arrow, vejamse a seguintes passagens de Tirole (1988): “[…] Schumpeter’s basic point – that monopoly situations and R&D are intimately related – is articulated in two clearly distinct arguments: that monopolies are natural breeding grounds for R&D, and that if one wants to induce firms to undertake R&D one must accept the creation of monopolies as a necessary evil. We will ignore the first argument, whilst is controversial and which is not central to Schumpeter’s thesis; we will focus on the second argument, which accords to innovation the status of a public good, the supply of which must be encouraged by a system of patents […]”, e “[…] The dilemma of the patent system is that, in encouraging R&D, it prevents the diffusion of innovation and consequently creates a noncompetitive situation.” (p. 390)

produto, com o que parte do retorno da nova tecnologia reverte ao consumidor. Dessa consideração Arrow sugere a existência de um viés do inovador a favor da adoção de melhorias incrementais, que reduzissem os custos apenas moderadamente (1962, p. 622). Por outro lado, também ficou estabelecido na literatura o efficiency effect, que atua no sentido contrário ao replacement effect de Arrow. Gilbert & Newbery (1982) demonstraram que, se numa indústria com produto homogêneo duas firmas em duopólio não produzem um montante de lucro maior que uma única empresa em monopólio, o incentivo de um monopolista para permanecer no mercado patenteando uma inovação é maior que o incentivo do entrante em se tornar uma firma em duopólio através da adoção de uma nova tecnologia. 21 A questão fundamental, aqui, é que do ponto de vista puramente teórico não há critério para estabelecer qual dos dois efeitos tenderia a prevalecer. Sem referência à história e ao contexto, não é possível resolver o enigma da chamada hipótese schumpeteriana – como é chamada a leitura superficial do último Schumpeter (do Capitalismo, socialismo e democracia) que destaca apenas uma suposta defesa da proteção ao monopólio como um “mal necessário” para incentivar o esforço inovativo. 22 Também neste aspecto, Nelson (1959b) já colocava as perguntas sobre a natureza da relação entre grande empresa, concorrência e inovação desde uma perspectiva inescapavelmente realista e, por isto mesmo, capaz de produzir respostas muito mais esclarecedoras: “It may be that market organization of an industry is not so important as other factors, in particular a thriving scientific base and rapidly growing demand.” (p. 109) Não apenas o autor destacava o papel crucial do tamanho do mercado, em oposição à ênfase em sua estrutura, como qualificava a diretiva de Schmookler (1962) – reconhecendo a importância dos fatores que atuam pelo lado da demanda no estímulo à atividade inventiva (demandpull innovation drive) como elementos endógenos à interação entre progresso tecnológico e crescimento econômico –: [...] in all cases [the most technologically dynamic] industries do rest on a well-developed and developing science and have experienced a rapid growth of demand, though, as has been mentioned before, this rapid growth of demand is certainly in part a result, as well as a cause, of technological progress. (NELSON, 1959b, p. 109)

3. À guisa de conclusão: informação imperfeita e os limites, as possibilidades e as alternativas para o diálogo entre os estudos sobre finanças e inovações Dasgupta e Stiglitz propuseram que a relação entre estrutura de mercado e inovação deveria receber tratamento endógeno, superando a discussão sobre causalidade e abrindo espaço para a busca de fundamentos na determinação da sua coevolução.

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 109


Conhecimento, Informação e Financiamento da Inovação - Raimundo de Sousa Leal Filho

Dentre estes, o papel das fontes de financiamento da firma inovadora é destacado: Now if firms are forced to finance their R & D expenditure from internal funds there is a clear presumption that industrial concentration is positively correlated with R & D activity. […] However […], we supposed a perfect capital market with a view to demonstrating that one does not need to resort to the internal finance hypothesis if one wants to argue that only a limited number of firms will typically be engaged in competing R & D activities. (1980, p. 288)

Entretanto, houve pouco avanço na identificação dos aspectos mais fundamentais à coevolução entre estruturas de mercado e esforço inovativo das firmas. 23 - Evidências recentes da “inconclusividade” deste debate: Czarnitzki & Kraft (2004) apresentaram resultados de uma estimação Tobit com controle de seletividade, numa amostra do Mannheim Innovation Panel (contratado ao Centre for European Economic Research pelo governo alemão), que refutam a hipótese Gilbert-Newberry – confirmada, por outro lado, no estudo de Blundell, Griffith & Van Reenan (1999) sobre uma amostra da SPRU/Sussex.

Sua conclusão, de que o número de firmas envolvidas em competição através de gastos em P&D seria determinado pela correlação entre as probabilidades de sucesso dos projetos de pesquisa, em última análise pouco acrescenta23 à compreensão da questão proposta e é apenas indicativa de um caminho mais promissor para o estudo da inovação. Nesta trilha, maior ênfase precisa ser conferida ao detalhamento concreto de características setoriais que condicionam as possíveis trajetórias tecnológicas para as firmas, e à imbricação entre uma decisão contextualizada de inovar e a escolha do padrão de financiamento numa economia monetária concreta. Nesse sentido, vale registrar os resultados obtidos em estudos empíricos sobre setores de atividade específicos, em períodos e locais determinados. Por exemplo, Blundell, Griffith & Van Reenan (1999) implementaram uma estratégia econométrica inovadora para lidar com os problemas de dupla causalidade, heterogeneidade não-observável e falhas de mensuração – comuns no estudo da relação entre estrutura de mercado e inovação –, utilizando um painel de firmas manufatureiras britânicas no período de 1972 a 1982, com especial ênfase à indústria farmacêutica. Os autores encontraram evidência de dominância do efficient effect sobre o replacement effect, à qual relacionaram a maior capacidade de autofinanciamento das grandes corporações modernas: It is often asserted that the superior performance of large firms in innovating is because they have higher cash flows from which to finance investment in R&D. Our findings suggest that this is not the whole story – dominant firms innovate because they have a relatively greater incentive to do so. Firms with high market shares who innovate get a higher valuation on the stock market than those who do not. (BLUNDELL, GRIFFITH & VAN REENAN, 1999, p. 551)

Estes resultados são importantes para fundamentar uma premissa para abordagens (e modelagens) alternativas ao problema do financiamento da inovação: é necessário contextualizar as diretrizes da política de C, T & I a partir da construção dos conceitos básicos para o estudo da tecnologia e da inovação, para além do seu tratamento como meras falhas de mercado.

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 110


Conhecimento, Informação e Financiamento da Inovação - Raimundo de Sousa Leal Filho

Tal premissa abre possibilidades interessantes para a construção de uma perspectiva teórica que integre finanças e inovações. Notadamente, permite uma aproximação a uma visão da economia contemporânea na qual predominam grandes corporações com elevada capacidade de autofinanciamento (MINSKY, 1986, p. 154). Gastos com pesquisa e desenvolvimento de processos e produtos podem ser (ao menos, parcialmente) compreendidos como despesas de rotina dos negócios – com um status teórico semelhante às despesas de marketing e de comercialização orientadas para diferenciação de marcas e conquistas de posições no mercado –; portanto, como parte da rotina competitiva das firmas. Nesta dimensão, não diferem substancialmente de outras despesas correntes recuperadas nos preços praticados nas vendas de produtos finais: In the firm’s view the cash required to fulfill financial commitments on debts and to validate the capital assets owned by the firm is a cost. A minimum price necessary to validate a firm’s past investment decisions, its liability structures, and its way of doing business for each output is determined by adding the technological costs and the sum of the ancillary, overhead, financing, and capital costs per unit of output […]. In a modern corporate economy in which the firms that produce and sell output have large bureaucracies, engage in extensive product development, and advertise their products, prices must not only cover technically determined labor costs and validate past investment decisions, but must also cover the costs of these activities. (MINSKY, 1986, p. 155-156)

24 Embora exista uma tendência de redução da incerteza inerente ao processo inovativo. Cf. Nelson: “Thus the evidence is that, though the expected profitability of an invention in a particular field affects the rate of inventive activity in that field, the tremendous uncertainties involved in making any major technological breakthrough preclude either the routinization of invention or the precise prediction of invention” (1959b, p. 115); e “In this era of biotechnology it is obvious, if it was not before, that both the funders and the undertakers of research often have well in mind the possible social and economic payoffs from what they are doing.” (2006a, p. 456)

Vale notar que rotinização da pesquisa, tanto no moderno laboratório de P&D da grande empresa, quanto na ciência universitária e suas redes de incubadoras associadas, não implica rotinização completa do processo inventivo. Em particular, alguma previsibilidade sobre impactos da P,D&I não elimina a incerteza associada aos resultados do empreendimento inovador24, nem implica negação da sua dimensão de formação de novo capital – quando se executa a decisão de inovar e se criam, para a empresa, novos ativos tangíveis e intangíveis. É nesta última dimensão, aliás, que se coloca a questão crucial da necessidade de gestão e regulação do sistema financeiro e do mercado de capitais para adequada sustentação de um circuito de finance e de funding que garanta a viabilidade financeira dos novos empreendimentos (sejam numa empresa já estabelecida no mercado ou numa nova empresa): The creation of resources is a process in time. It involves what Keynes called enterprise: the forecasting of the prospective yield of assets over their whole life. Keynes’s dichotomy between enterprise and speculation draws attention to the financial structure as an essential element in the capital development process. In a successful capitalist economy the financial structure abets enterprise. When finance fosters speculation the performance of a capitalist economy falters. (MINSKY, 1992, p. 11-12)

Conforme se enfatizou neste artigo, a firma que desenvolve pesquisa básica não pode ter projetos específicos de inovação hipotecados ou de alguma maneira vinculados com sua fonte particular de financiamento – seja com recursos próprios ou com obtenção de recur-

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 111


Conhecimento, Informação e Financiamento da Inovação - Raimundo de Sousa Leal Filho

sos de terceiros –: o portfólio de projetos da firma é que deve ser o ativo contra o qual se avalie a adequação da concessão de crédito para a inovação. Nelson, ao desvincular o conceito de base tecnológica da firma do tamanho da empresa, deu um passo muito importante na discussão desta questão, ao associar a indução do investimento em inovação à existência de um florescente ambiente científico para abrigar a empresa e à perspectiva de rápido crescimento da demanda para as potenciais descobertas e/ou aperfeiçoamentos resultantes. 25-Cf. Chandler, 2005: “By 1992 Amgen was the first biopharmaceutical firm to show Sales of a billion dollars. Its revenues in 1996 reached US$ 2,4 billion. By then, [...] Amgen had definitely “made it” by becoming a financially successful integrated core pharmaceutical enterprise. It accomplished this by building an integrated learning base [...]. Amgen also followed plans to diversify its product line by developing Kineret, a new treatment for rheumatoid arthritis. In 2002 Amgen acquired Immunex, adding capabilities and products in oncology and anti-inflammatories; the transaction was valued US$ 16 billion” (p. 271-272).

Nesta perspectiva, é adequado pensar a pequena empresa de base tecnológica oriunda da universidade como um conjunto de ativos altamente especializados que adquire liquidez em função da possibilidade de sua aquisição futura no mercado financeiro. A criação de um ambiente institucional favorável no sistema financeiro, p. ex. para operações de private equity nas quais possíveis compradores se financiam através de operações mais convencionais – sejam com empréstimos bancários ou com o lançamento de ações e/ou de títulos corporativos de longo prazo no mercado de capitais − é essencial para a exploração dessa potencialidade. O caso da Amgen − uma gigante da biofarmacêutica que surgiu com um investimento inicial de venture capital de US$ 50 mil em 1980, como um empreendimento de biólogos conectados à UCLA −, é exemplar. As descobertas científicas da empresa viabilizaram em 1984 sua joint venture com a madura Kirin Brewery, empresa japonesa do ramo de bebidas, o que elevou seu capital a US$ 12 milhões e permitiu a produção em larga escala e a exploração comercial dos seus primeiros produtos. 25

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, Eduardo da Motta. Notas sobre a contribuição de Kenneth Arrow para a fundamentação teórica dos “sistemas nacionais de inovação”. Revista Brasileira de Economia, v. 50, n. 2, p. 227-242, 1996. ARROW, Kenneth J. 2010. The economics of inventive activity over fifty years. In: LERNER, Josh & Scott STERN (Eds.). Rate and direction of inventive activity. Chicago: NBER/ University of Chicago Press (preliminary draft), 2010. Disponível em: http://www.nber.org/ books/lern11-1. Acesso em: 10 abr. 2011. ______. Economic welfare and the allocation of resources for invention. In: NELSON, Richard R. (Ed.). The rate and direction of inventive activity: economic and social factors. Princeton: National Bureau of Economic Research/Princeton University Press, p. 609-626, 1962. BLUNDELL, Richard; Rachel GRIFFITH & John VAN REENEN. Market Share, Market Value

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 112


Conhecimento, Informação e Financiamento da Inovação - Raimundo de Sousa Leal Filho

and Innovation in a Panel of British Manufacturing Firms. The Review of Economic Studies, v. 66, n. 3, p. 529-554, 1999. BOWLES, Samuel. Microeconomics: behavior, institutions, and evolution. Princeton: Russell Sage Foundation, 584 p., 2004. CHANDLER JR., Alfred D. Shaping the industrial century: the remarkable story of the evolution of the modern chemical and pharmaceutical industries. Cambridge, MA; London, England: Harvard University Press, 366 p., 2005. ______. Scale and scope: the dynamics of industrial capitalism. Cambridge: Harvard University Press, 780 p., 1990 [1994]. COASE, Ronald H. The Problem of Social Cost. Journal of Law and Economics, v. 3, n. 1, p. 1-44, 1960. CZARNITZKI, Dirk; KRAFT, Kornelius. An empirical test of the asymmetric models on innovative activity: who invests more into R&D, the incumbent or the challenger? Journal of Economic Behavior & Organization, v. 54, p. 153-173, 2004. DASGUPTA, Partha; STIGLITZ, Joseph E. Industrial structure and the nature of innovative activity. The Economic Journal, v. 90, n. 358, p. 266-293, 1980. DOSI, Giovanni; MALERBA, Franco; RAMELLO, Giovanni B.; SILVA, Francesco. Information, appropriability, and the generation of innovative knowledge four decades after Arrow and Nelson: an introduction. Industrial and Corporate Change, v. 15, n. 6, p. 891-901, 2006. GEROSKI, Paul A. Markets for technology: knowledge, information and appropriability. In: STONEMAN, Paul (Ed.). Handbook of the economics of innovation and technological change. Oxford: Blackwell Publishers Ltd, p. 90-131, 1995. GILBERT, Richard J.; NEWBERY David M.G. Preemptive patenting and the persistence of monopoly. The American Economic Review, v. 72, n. 3, p. 514-526, 1982. HART, Oliver. Firms, contracts, and financial structure. Oxford: Clarendon Press, 228 p. 1995. HERSCOVICI, Alain. Informação, conhecimento e Direitos de Propriedade Intelectual: os limites dos mecanismos de mercado e das modalidades de negociação privada - a contribuição de Williamson à análise dos Direitos de Propriedade Intelectual. Economia e sociedade, v. 21, n. 3 (46), p. 667-694, dez. 2012. MAS-COLELL, Andreu; WHINSTON, Michael D.; GREEN, Jerry R. Microeconomic theory. Oxford: Oxford University Press, 981 p., 1995. MILGROM, Paul; ROBERTS, John. Economics, organizations, and management. Upper Saddle River: Prentice-Hall, 621 p., 1992.

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 113


Conhecimento, Informação e Financiamento da Inovação - Raimundo de Sousa Leal Filho

MINSKY, Hyman P. Stabilizing an unstable economy. New York: McGraw Hill, 395 p., 1986 [2008]. MODIGLIANI, Franco; MILLER, Merton H. The cost of capital, corporation finance and the theory of investment. The American Economic Review, v. 48, n. 3, p. 261-297, 1958. NELSON, Richard R. Some features of research by economists on technological change foreshadowed by “The Rate and Direction of Inventive Activity”. In: LERNER, Josh & Scott STERN (Ed.). Rate and direction of inventive activity. Chicago: NBER/University of Chicago Press (preliminary draft), 2010. Disponível em: http://www.nber.org/books/lern11-1. Acesso em: abr. 2011. ______. Reflections on “The simple economics of basic research”: looking back and looking forward”. Industrial and Corporate Change, v. 15, n. 6, p. 903-917, 2006a. ______. O capitalismo como motor de progresso. In: NELSON, Richard R. As fontes do crescimento econômico. Campinas: Editora da UNICAMP, p. 89-143, 2006b. ______. Schumpeter e as pesquisas contemporâneas sobre a economia da inovação. In: NELSON, Richard R. As fontes do crescimento econômico. Campinas: Editora da UNICAMP, p. 145-163. 2006c. ______. Por que as empresas diferem e qual é a importância disso? In: NELSON, Richard R. As fontes do crescimento econômico. Campinas: Editora da UNICAMP, p. 145-163. 2006d. ______. The market economy, and the scientific commons. Research Policy, n. 33, p. 455-471, 2004. ______. The Co-evolution of Technology, Industrial Structure, and Supporting Institutions. Industrial and Corporate Change, v. 3, n. 1, p. 47-63, 1994. ______. The simple economics of basic research. Journal of Political Economy, v. 67, n. 3, p. 297-306, 1959a. ______. The economics of invention: a survey of the literature. The Journal of Business, v. 32, n. 2, p. 101-127, 1959b. PAVITT, Keith. The nature of technology. In: PAVITT, Keith. Technology, management, and systems of innovation. Cheltenham: Edward Elgar Publishing Limited, p. 3-14, 1999. _______. Sectoral patterns of technical change: towards a taxonomy and a theory. Research Policy, n. 13, p. 343-373, 1984. RAPINI, Márcia Siqueira. O financiamento dos investimentos em inovação no Brasil. Rio de Janeiro: Tese de doutorado apresentada ao Instituto de Economia da UFRJ, 145 p., 2010. SALANIÉ, Bernard. The microeconomics of market failures. Cambridge, MA: Massa-

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 114


Conhecimento, Informação e Financiamento da Inovação - Raimundo de Sousa Leal Filho

chusetts Institute of Technology, 223 p., 2000. ______. The economics of contracts: a primer. Cambridge, MA: Massachusetts Institute of Technology, 223 p., 1998. SCHMOOKLER, Jacob. Economic sources of inventive activity. The Journal of Economic History, v. 22, n. 1, p. 1-20, 1962. STIGLITZ, Joseph E. Information and the Change in the Paradigm in Economics. The American Economic Review, v. 92, n. 3, p. 460-501, 2002 ______. Why Financial Structure Matters. The Journal of Economic Perspectives, v. 2, n. 4, p. 121-126, 1988. STOKES, Donald E. O quadrante de Pasteur. Campinas: Editora da Unicamp, 248 p., 2005. STONEMAN, Paul (Ed.). Handbook of the economics of innovation and technological change. Oxford: Blackwell Publishers Ltd., 583 p., 1995. THURSBY, Jerry G.; THURSBY, Marie C. University Licensing and the Bayh-Dole Act. Science, n. 301, p. 1052, p. 2003. TIROLE, Jean. The theory of industrial organization. Cambridge, MA: The Massachusetts Institute of Technology Press, 479 p., 1988 [1997]. VARIAN, Hal R. 1992. Microeconomic analysis. New York: W. W. Norton, 506 p. VON HIPPEL, Eric. The sources of innovation. Oxford: Oxford University Press, 218 p., 1988.

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 115


¿Sociedad digital o capitalismo cultural? El informacionalismo como utopía neoliberal Sociedade digital ou capitalismo cultural? O informacionalismo como utopia neoliberal ¿Digital Society or Cultural Capitalism? Informationalism as Neoliberal Utopia

Ancízar NARVAEZ M Doctor en Educación, Magister en Comunicación Educativa. Licenciado en Ciencias Sociales. Profesor Asociado de la Universidad Pedagógica Nacional de Colombia Email:ancizar.narvaez@gmail.com

Revista Eptic Online Vol.16 n.3 p.116-134 set.-dez 2014 Autor Convidado


¿Sociedad digital o capitalismo cultural?... - Ancízar Narváez M

Resumen El punto clave de la discusión entre la Economía política de la comunicación y la cultura y los Estudios culturales es la relación entre capitalismo y cultura. Como enfoque, la Economía política no se reduce a una interpretación teórica divergente de los fenómenos comunicativos sino que se constituye en una verdadera alternativa epistemológica, en cuanto construye su objeto, no desde la autonomía de los medios y las tecnologías, sino desde la inserción de los mismos dentro del desarrollo del capitalismo Así que la relación entre capitalismo y tecnología, como objeto y como pregunta, y la primacía del capitalismo sobre la tecnología, como hipótesis, son los dos ejes de esta presentación.

Palabras clave: Economía política, Estudios culturales, Tecnología, Capitalismo

Resumo: O ponto chave da discussão entre a Economia Política da Comunicação e da Cultura e os Estudos Culturais é a relação entre capitalismo e cultura. Como enfoque, a Economia política não se reduz simplesmente a uma interpretação divergente dos fenômenos comunicativos, mas constitui uma verdadeira alternativa epistemológica, enquanto constrói seu objeto, não a partir da autonomia dos meios e das tecnologias, mas pela inserção dos mesmos dentro do processo de desenvolvimento do capitalismo. Assim, a relação entre capitalismo e tecnologia, como objeto e como pergunta, e a primazia do capitalismo sobre a tecnologia, como hipótese, são os dois eixos deste artigo. Palavras-chave: Economia política, Estudos Culturais, Tecnologia, Capitalismo

Abstract The key point of discussion between the political economy of communication and culture, on the one hand, and cultural studies, on the other one, is the relationship between capitalism and culture. As an approach, political economy is not only a divergent theoretical interpretation of communicative events but constitutes a real epistemological alternative since it constructs its object, not from the autonomy of the media and technology, but from the insertion of them in the development of capitalism. So the relationship between capitalism and technology, such as object and as a question, and the primacy of capitalism above technology, as hypotheses, are the two axes of this presentation. Keywords : Political Economy, Cultural Studies, Technology, Capitalism

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 117


¿Sociedad digital o capitalismo cultural?... - Ancízar Narváez M

Introducción

Según Herscovici (1999, p. 18), existe un conjunto de corrientes dentro de los estudios económicos de la comunicación y la cultura, que suelen llamarse también de Economía Política y que se ocupan de diferentes problemas, a saber:

a) la corriente neoclásica, interesada fundamentalmente en demostrar la inefi ciencia de la intervención pública (bastante concordante con la pretendida incon veniencia de la intervención del Estado en la cultura y la educación);

b) la neoschumpeteriana, que se ocupa de las evoluciones tecno-económicas (trayectorias tecnológicas);

c) la del crecimiento endógeno, que justifica la intervención del Estado para alcanzar el óptimo social de las tecnologías;

d) las “afirmativas”, que estudian las modalidades de financiación y de merca do de las culturas y, por tanto, su importancia económica (justificar económica mente la existencia de la cultura); y, finalmente,

e) la economía política propiamente crítica (Herscovici et al, 1999, p. 18).

La economía política crítica tiene como fuente y anclaje epistemológico el materialismo histórico. Este se encuentra bien sintetizado en la frase tal vez más citada de Marx, pero a la vez objeto de muchas y a veces muy desafortunadas interpretaciones (Cfr. Narváez, 2013, pp. 61-76). Como se encuentra en el Prólogo de la contribución a la crítica de la Economía Política (1973[1859], p. 518), la formulación de Marx es explícita: “El conjunto de estas relaciones de producción forma la estructura económica de la sociedad, la base real sobre la que se levanta la superestructura jurídica y política a la que corresponden determinadas formas de conciencia social” (resaltados añadidos). En esta hipótesis, la metáfora base-superestructura se configura así (esquema 1):

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 118


¿Sociedad digital o capitalismo cultural?... - Ancízar Narváez M

Esquema 1. Formación socio-económica. Base y superestructura en el materialismo histórico

Superestructura

Ideológica (ideas dominantes) Jurídico-política (derecho, Estado) Relaciones de producción

Propietarios-no propietarios Clases sociales

Fuerzas productivas

Dominantes-dominadas Fuerza de Habilidades trabajo Conocimientos Hábitos Medios de Instrumentos de W producción Objetos de W

Base (Modo de producción predominante)

Fuente: Elaboración del autor Aunque las fuerzas productivas (el conocimiento y la técnica) también son parte del modo de producción, no son ellas las que lo definen o lo agotan1, sino la propiedad sobre ellas y la distribución del excedente económico producido (relaciones de producción y distribución). Como se ve, son las relaciones de propiedad y, por tanto, la estructura de clase, las que están en la base de la política y la ideología dominante. Esta representación sugiere que la historia es la historia de las luchas de clases, del conflicto. Fontana (1999, p. 256) llama la atención sobre el hecho de que las tendencias en la periodización de la historia tienen más o menos dos vertientes: por un lado, la que va del Neolítico a la revolución industrial y a la era nuclear; por otro, la que va del modo de producción de la comunidad primitiva al modo de producción de la sociedad socialista. La primera, obviamente, es la que no cuestiona ni critica el orden social sino que ve al capitalismo como el punto de llegada de la historia; está basada en lo que el materialismo histórico llamaría las fuerzas productivas; para la primera, la historia se basa en la lógica del progreso; es la versión liberal y burguesa de la historia. La segunda afirma abiertamente que el desarrollo histórico consiste en la superación del capitalismo, considerado el último episodio de la prehistoria de la humanidad. Se basa en las relaciones de producción; para ella, la lógica de la historia no es el progreso técnico sino la revolución social; es la versión socialista y de la clase obrera. El problema ha sido que lo que se llama marxismo ortodoxo ha llegado a concebir la base económica como las fuerzas productivas (técnica, en términos de Habermas) y no como las relaciones de producción (ética y política). Mientras tanto, los detractores han considerado que eso es determinismo económico, cuando en realidad se trata de un determinismo técnico. Luego, el determinismo técnico produce objetivamente clases sociales, las cuales se diferencian por el oficio (nuevas profesiones y profesiones infuncionales), cayendo así en el más puro funcionalismo (que confunde clase con función), el cual, por definición, excluye el conflicto como motor de la historia (Giddens, 1999). Mientras tanto, el materialismo histórico concibe la lucha de clases como el motor de la historia.

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 119


¿Sociedad digital o capitalismo cultural?... - Ancízar Narváez M

Sin embargo, para el marxismo las clases sí existen objetivamente, pero no porque se produzcan físicamente, sino porque se producen socialmente en las relaciones de producción, es decir, por las relaciones de propiedad sobre las fuerzas productivas y, por consiguiente, por las relaciones de poder. Como dice Fontana, “Confunidir el capitalismo con el desarrollo de las fuerzas productivas ha hecho olvidar que su esencia no reside en la maximización del producto, sino en la del beneficio…” (Fontana, 1999, p. 259). De modo que las clases son ética y políticamente producidas, no técnicamente generadas. La comprensión de estas relaciones objetivas es lo que le permite a una clase tener una auto-representación llamada conciencia, que la convierte de ‘clase en sí’ en ‘clase para sí’. La negación de esta segunda versión del materialismo histórico, es decir, la negación de la existencia objetiva de las clases, como reacción contra la primera, o sea, la de la generación física de las clases, o materialismo vulgar, es lo que llevó a una corriente de interpretación, llamada giro culturalista (Hall, 2007; Hoggart, 1958; Laclau y Mouffe, 2004) a pasar de las clases como relaciones objetivas a una construcción o formación cultural, cuya auto-representación no sería ya la conciencia (sobre una situación objetiva, que no depende de su voluntad), sino la identificación con un relato compartido, como una cultura compartida. En este sentido, la clase ya no es más una posición socio-económica, sino una construcción cultural auto relatada, una especie de etnia social (Grimson, 2012; Connor, 1998). En esta nueva versión de la conflictividad social el esquema del materialismo histórico queda para unos enriquecido –y para otros diluido– en lo que Zallo (2012, p. 55) llama un nuevo modelo social, según el cual los conflictos de clase, raza y sexo, etnia, género y grupo etario, quedan en el mismo nivel (Murdock, 2000) (esquema 2). En estos conflictos, la agencia del sujeto ya no se determina por la conciencia, sino por la identidad o por la cultura; los conflictos dejan de ser de redistribución socio-económica para pasar a ser conflictos de reconocimiento cultural (Fraser, 1998). Pasamos de los intereses a los códigos (esquema 2). Esquema 2: Base-superestructura, según el materialismo cultural

Ideológica Superestructura

Base (Modo de producción)

Jurídico-política

Relaciones de producción Fuerzas productivas

Fuente: Elaboración del autor

MulticulturalismoInterculturalidad Postmodernismo Redistribución Reconocimiento, inclusión Identidad: Raza, sexo, etnia, edad Propiedad: Clases Medios de producción Conocimientos - Hábitos Tecnologías

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 120


¿Sociedad digital o capitalismo cultural?... - Ancízar Narváez M

Como se puede ver, si pasamos de diferenciar la sociedad por la propiedad y el ingreso a diferenciarla por las identidades culturales, entonces pasamos, en el plano político, de la lucha por la redistribución económica a la lucha por el reconocimiento cultural y la inclusión (Kimlycka, 1996), cualquier cosa que eso signifique. Así mismo, pasamos, en el plano de la superestructura ideológica, del liberalismo y el socialismo como ideologías dominantes duras, a otras menos definidas socioeconómicamente como el multiculturalismo y la interculturalidad, manifestaciones del pensamiento postmoderno.

Economía política y epistemología

Pero el principal problema de los culturalistas no es el reconocimiento de las nuevas conflictividades, sino su atadura tecnológica. Se empiezan a hacer nuevamente periodizaciones de la comunicación y de la sociedad en términos tecnológicos como la llamada, ya oficialmente, Sociedad informacional (Castells, 1999), o Edad de la información (Gates, 1997) o Sociedad Digital (Levy, 2007). De esto se desprende que las tecnologías están determinando nuevas sensibilidades, nuevas formas de pensamiento, nuevas identidades, nuevas subjetividades, y hasta transformaciones sociales. Con esto, volvemos a una suerte de materialismo vulgar, el mismo que se reprochaba al marxismo. Sin embargo, la principal implicación epistemológica de estas maneras dicotómicas de clasificar las tendencias de investigación en comunicación es la disputa entre las formas de construir los objetos, lo que se puede ver como la contraposición entre objetos pre construidos y objetos construidos (Bourdieu, Passeron y Chamboredorn, 1993). De ahí se desprenden dos grandes tendencias de investigación sobre la comunicación y la sociedad: la primera, el llamado Determinismo tecnológico (Winston, 1999) y la segunda, el determinismo social (Williams, 1996), las cuales se traducen en una periodización de la sociedad y la comunicación, por un lado, en términos adquisiciones técnicas, y por otro, de relaciones sociales, lo que en el materialismo histórico sería, por un lado, periodización en términos de fuerzas productivas y, por otro, en términos de relaciones de producción. En la primera confluye toda una tradición sociológica tecnoutópica, tecnófila y determinista, en la que se incluyen tanto el materialismo vulgar como alguna parte de los Estudios culturales. Se basa en el objeto autoevidente o en la confusión entre el objeto y el corpus de investigación. En la segunda se incluyen quienes inscriben la tecnología como un elemento más en procesos sociales, económicos y políticos, en una palabra, culturales e históricos. Se basan en la concepción del objeto como relación no evidente, por ejemplo, entre tecnología y cultura o entre tecnología y capitalismo. El punto clave de la discusión en la Economía política de la comunicación y la cultura es, desde luego, la relación entre capitalismo y cultura, que fue la preocupación inicial de los estudios culturales en sus dos grandes versiones (Mattelart y Neveu, 2004). Sin embargo, en la actualidad la preocupación de los Estudios culturales parece ser la relación entre tec-

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 121


¿Sociedad digital o capitalismo cultural?... - Ancízar Narváez M

nología y cultura, y no entre tecnología y capitalismo. Como enfoque, la Economía política no se reduce entonces a una interpretación teórica divergente de los fenómenos comunicativos sino que se constituye en una verdadera alternativa epistemológica en cuanto construye su objeto, no desde la autonomía de los medios y las tecnologías, sino desde su inserción, o más bien, desde su funcionalidad (si se permite la expresión) dentro del desarrollo del capitalismo. Así que la relación entre capitalismo y tecnología, como objeto y como pregunta, y la primacía del capitalismo sobre la tecnología, como hipótesis, son los dos ejes de esta presentación, lo cual contrasta con otras prioridades como la tecnología, la información, el mercado, la recepción y otros asuntos muy apreciados para lo que se supone es un giro culturalista.

Economía política: medios y capitalismo

La historia de los medios ha tenido por lo menos dos tendencias, las cuales han dado origen a dos tipos de políticas cuyo predominio ha caracterizado las relaciones entre comunicación y política al menos desde la segunda mitad del siglo XX; así mismo, han hecho de la Unesco un espacio de confrontación entre dos formas de entender la comunicación, que dan origen a dos grandes tendencias políticas: el Nomic y la política de Libre Flujo de la Información. La primera, basada en la teoría del imperialismo cultural ejercido a través de las industrias culturales de los países del Norte (Shiller, 1976; Smythe, 1981), trajo como resultado la lucha por el Nuevo Orden Mundial de la Información y la Comunicación (Nomic). Dicha propuesta se plasmó en el Informe de la Unesco, conocido como Informe MacBride (1993 [1980]), en el que se reivindicaba el derecho de todas las naciones y de los estados dependientes a desarrollar políticas nacionales de comunicación que contribuyeran a corregir las desigualdades de la información. Como se sabe, la aprobación de esta propuesta provocó el retiro de Estados Unidos y Gran Bretaña y su bloqueo económico a esta agencia de la Onu por cerca de 20 años, aduciendo que dicha organización era hostil a los intereses occidentales. La segunda tendencia tiene su origen en la tradición tecno-utópica de la cibernética y la ingeniería (Wienner, 1997; Schannon y Weaver, 1948). Pero no sólo los ingenieros sino también los sociólogos (Bell, 1981) habían advertido sobre el cambio social basado en las tecnologías. También teóricos de la comunicación como Enzesberger ([1971] 1999) y Baudrillard ([1985] 1999) habían puesto el acento del cambio en la técnica. Esta segunda tendencia cobra especial impulso en la segunda mitad de los setentas. En efecto, en 1978 se habían publicado simultáneamente dos informes que pretendían dar cuenta del Nuevo Orden mundial pero de manera contraria a las preocupaciones de la Unesco. En Francia, el Informe Nora-Minc, por los apellidos de sus autores y cuyo título es La informatización de la sociedad (Minc, 1980), solicitado por el presidente Valery

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 122


¿Sociedad digital o capitalismo cultural?... - Ancízar Narváez M

Giscardd’Estaing; y en Canadá, el Informe sobre el saber, elaborado por Lyotard, solicitado por el gobierno canadiense y publicado como La condición post-moderna (Lyotard, 1993). En ambos informes están, ya no en germen sino maduras, las preocupaciones que habrían de guiar, a partir de los años ochenta, las políticas de educación, comunicación y cultura y la economía del conocimiento. Las preocupaciones de Nora y Minc eran tres y todas ellas premonitorias para la economía política de la comunicación y la cultura: a) el problema de soberanía, es decir, quién manejaría las redes de telecomunicaciones y quién manejaría las bases de datos con información de los usuarios; b) los beneficios que se producirían por mayor productividad y la distribución de los mismos; y c) lo que los autores llaman el problema del desarrollo de la sociedad, expresado en una pregunta elocuente ¿No nos estaremos encaminando hacia una división entre una élite intelectual que sería el amo virtual del lenguaje tradicional y una sociedad que vería modificado su propio idioma habitual debido a la irrupción de uno más pobre en cuanto a su naturaleza, el lenguaje usado para dialogar con la máquina? (Minc, 1980, p.5).

Por su parte, las preocupaciones de Lyotard consisten en que, en la situación del mundo que él está describiendo, la pregunta del gobierno, del empresario y del estudiante a los profesores, a la educación y a la universidad en general, no es si lo que se está enseñando es verdad, sino si lo que se enseña se vende (lógica del capital) o si lo que se enseña es efectivo (lógica del poder). Las respuestas no se hicieron esperar. Las políticas neoconservadoras de Tatcher en Inglaterra y Reagan en Estados Unidos, vinieron de frente contra el Estado de Bienestar y las conquistas de los trabajadores. Las privatizaciones de las empresas de telecomunicaciones y de los sistemas nacionales de radiodifusión se impusieron como políticas nacionales; la libertad de comercio y el libre flujo, pero férreamente controlados por las transnacionales, se impusieron como políticas globales y la desfinanciación de la educación pública y la infantilización de la población (para poder dialogar con la máquina) se convirtieron en sinónimo de la eficiencia y la calidad de la educación. Pero es que ya este nuevo Zeitgeist había empezado a construirse desde antes con el golpe de péndulo que significó el otorgamiento del premio Nobel de Economía a los dos más prominentes promotores de la economía neoclásica: en 1974 se había galardonado a Von Hayeck y en 1976 se había hecho lo propio con Milton Friedman (Santos, 1993), autores que tienen en común el ataque al Estado de Bienestar y la reivindicación de la economía de mercado puro, cuya aplicación es lo que llamamos Neoliberalismo. Una vez terminada la Guerra Fría y el conflicto Este-Oeste, proliferaron las teorías liberales que veían al mundo como un inmenso mercado de información y aparecen las teorías basadas en la libertad del consumidor, principalmente sostenidas por Bill Gates (1997 [1995]), quien habla de la Edad de la Información y del capitalismo sin fricciones; y por Castells (1999), quien habla de La Era de la Información y de un nuevo capitalismo; se habla pues de las autopistas de la información y de la sociedad red, así como de la Socie-

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 123


¿Sociedad digital o capitalismo cultural?... - Ancízar Narváez M

dad digital(Levy, 2007). Los nombres son una nueva versión de lo que se conoció como la teoría del Libre Flujo de la Información –así como la globalización es, para algunos, “la versión neutral del imperialismo”-. En este caso, ya no se habló más de dependencia, de dominación o de imperialismo cultural, sino de Globalización, y de Sociedad del conocimiento y de Sociedad de la Información (Mattelart, 2002). Esta última denominación se impuso como política oficial a los gobiernos del mundo a través de la llamada Cumbre Mundial de la Sociedad de la Información, cuyas dos rondas se realizaron en 2003 (Suiza) y 2005 (Túnez). Las diferencias entre las dos orientaciones teóricas y las dos orientaciones políticas son abismales. En el primer caso, el Nomic otorgaba un papel fundamental al Estado, sobre todo en el Tercer Mundo, en la promoción de la información y la comunicación. En el segundo caso, el papel de promotor de la sociedad de la información se le otorga casi exclusivamente al capital privado, convirtiendo al Estado en poco más que una facilitador y garante de la acción del capital a través de una regulación a posteriori que se ejerce sobre hechos cumplidos (Mattelart, 2003). De hecho, en la mayoría de los casos la regulación es posterior a la privatización de las empresas y éstas imponen los criterios y los funcionarios que han de regularlas. En este período el debate desde la Economía Política de la Comunicación y la Cultura (Epcc) ya no tiene como adversarios solamente a los teóricos funcionalistas y la investigación administrativa, sino a los teóricos de los Estudios culturales, supuestamente más críticos que la teoría crítica, creadora del término. ¿Cuáles son los puntos de divergencia entre ambas escuelas? Mientras los estudios culturales están centrados en problemas aparentemente neutrales como la Ciberculuta y la Sociedad Digital, la Sociedad de la Información y del Conocimiento, la globalización cultural y la interculturalidad, etc., la Economía política no deja de centrar su interés en los problemas relacionados con las características del capitalismo contemporáneo, las relaciones capital-trabajo y las relaciones-centro periferia. ¿Transformación social o reestructuración capitalista? En la línea que va del materialismo mecanicista al determinismo técnico, hay quienes hablan, tal vez con algo de ligereza o de optimismo, del advenimiento de una nueva sociedad (como se habla de nuevos movimientos sociales o nuevas ciudadanías); por eso se oye hablar de profundas transformaciones sociales y culturales, de cambio de época, de nuevos paradigmas y, sobre todo, de la necesidad de abandonar viejas formas de pensar la sociedad, queriendo decir con “viejas” formas de pensar, formas críticas que pongan el acento no en el nuevo optimismo sino en el lado oscuro de los cambios. Ya no se habla de economía sino de tecnología y cultura. En este sentido, la categoría “cultura” ha devenido también en un recurso ideológico y teleológico para evadir las preguntas realmente incómodas para el sistema: por ejemplo, para oponerla a la política y a la economía, con el argumento, en el primer caso, de que hoy, en un estadio supuestamente más avanzado de la modernidad, las nuevas ciudadan-

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 124


¿Sociedad digital o capitalismo cultural?... - Ancízar Narváez M

ías no se deben entender como interesadas en el poder, el Estado y lo público, sino en la vida cotidiana (las nuevas clases medias, según Picó, 1999, pp. 274-75); y en el segundo caso, con el argumento de que las reivindicaciones de los ciudadanos son ahora por el ‘reconocimiento’ cultural y no por la ‘redistribución’ económica. En otras palabras, la misma cultura que ha creado el capitalismo como postura ética basada en la libertad, contra el dogmatismo y el absolutismo, se ha encargado de eliminar la discusión sobre el capitalismo lanzando la discusión hacia problemas derivados como el de la sobremodernidad (Augé) o la desmodernización (Touraine), la sociedad del riesgo (Beck), la era de la información (Castells) y, en el más osado de los casos, hacia la globalización (Beck, García C.) o la versión neutral del imperialismo, como la llama Mattelart, por mencionar algunos. Desde las posiciones críticas de la Economía Política de la Comunicación y la Cultura, en cambio, no se asume la situación actual como una nueva sociedad sino como una nueva etapa en el desarrollo del capitalismo, lo cual permite explicar la contradicción entre, por una lado, el aumento de la riqueza, de la producción, de la productividad, del dinero circulante y del consumo y, al mismo tiempo, el aumento de la pobreza, la exclusión, la desigualdad, la violencia y la guerra, por otro (Pnud, 2013). Esta diferencia se expresa técnicamente como la diferencia entre lo que sería una transformación social y lo que sería una reestructuración capitalista. La diferencia entre uno y otro concepto radica en que, mientras una transformación social implica un cambio en los objetivos del sistema, esto es, un cambio en el modo de producción (de capitalismo a estatismo, por ejemplo) y, por consiguiente, un cambio en las prioridades de distribución del excedente, en la reestructuración no ocurren cambios en los objetivos del sistema sino cambios en las relaciones entre los componentes estructurales del sistema (Castells, 1999). Así, en la etapa actual, no hay cambio del capitalismo a otro sistema, sino cambios en las relaciones entre los componentes del sistema capitalista, esto es, hay cambios en las relaciones entre Capital, Trabajo y Estado como agentes principales en el funcionamiento y la reproducción del sistema. Por lo tanto, si a lo que estamos asistiendo es a una nueva etapa del capitalismo, a una reestructuración del sistema, entonces las preguntas que esto sugiere no pueden ser otras que éstas: ¿Cuál o cuáles son las características de este nuevo capitalismo? ¿Cómo lo podemos nombrar? ¿Cómo son las nuevas relaciones entre capital y trabajo? ¿Cuál es el nuevo rol del Estado? Según Bertens (citado por Picó, 1999, p. 269), Vivimos en un capitalismo multinacional tardío que está caracterizado por nuevos modelos de consumo, por un ritmo de producción más rápido de las áreas de la moda y el estilo, por una obsolescencia planificada de los productos, y por una omnipresencia de la publicidad y los medios de comunicación.

Esta caracterización sintética merece, sin embargo, algunas matizaciones, o por lo menos algunas explicaciones de lo que se entiende por multinacional, por tardío y, desde luego, aventurar alguna idea sobre la estructura política que le corresponde. En todo caso, lo

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 125


¿Sociedad digital o capitalismo cultural?... - Ancízar Narváez M

importante es que se acepta la existencia del capitalismo como condición básica de la sociedad actual. Sobre esto se pueden avanzar hipótesis más o menos demostrables. Por ejemplo, desde el punto de vista técnico, estamos ante un capitalismo informacional, según Castells, pero es preferible hablar de un capitalismo cognitivo. Desde el punto de vista político, estaríamos ante un capitalismo imperial o global, según las preferencias, pues en el primer caso, se daría gran importancia a los Estados-nación en la jerarquía mundial (Hard y Negri, 2002) y en el segundo, se daría mayor importancia a las empresas transnacionales (Robinson, 2007). La dinámica social y política de este nuevo capitalismo sigue siendo la relación capitaltrabajo, no sólo en el plano micro-económico sino sobre todo en el macro-económico, pero las relaciones de fuerza entre ambos agentes han cambiado sustancialmente a favor del capital y en detrimento del trabajo, no sólo en aspectos económicos sino en aspectos políticos y del poder, pues el capital está a la ofensiva, triunfante y, por tanto, optimista, mientras que los trabajadores están a la defensiva, sufriendo derrotas sucesivas y sin un proyecto alternativo unificado, ya sea para proponer un nuevo capitalismo o un modo alternativo de producción. Sobre el Estado, en parte está dada la hipótesis en relación con el capitalismo imperial o global, pero si el Estado tiene un nuevo rol este puede implicar dos direcciones: por un lado, creación, fortalecimiento y defensa de mercados internos y, por consiguiente, incorporación del trabajo en las propuestas de desarrollo; o, por otro lado, incorporación de la nación en el mercado internacional en condiciones de subordinación y de vasallaje imperial, con lo cual sólo se incorporan en los proyectos de desarrollo las propuestas del capital, tanto nacional como extranjero. Como en el primer caso lo que importa es la producción (mercado interno) y en el segundo lo que importa es el consumo y la circulación de mercancías (Tratados de Libre Comercio), ello nos lleva a otra diferencia clave con los Estudios Culturales, pues para los teóricos de esta tendencia existe una primacía del consumo sobre la producción y del consumo simbólico (cultural) sobre el consumo material, mientras que para los teóricos de la Economía Política existe una primacía de la producción sobre el consumo, y la posibilidad de privilegiar el consumo simbólico sobre el material habla más bien de grados de desarrollo que permiten que la sociedad dedique más o menos recursos tanto a la producción como al consumo de bienes culturales. Como mostré en otra parte, existe una correspondencia entre PIB per cápita y la importancia de la industria cultural en la estructura económica nacional (Narváez, 2010 c), así como una correspondencia entre PIB per cápita proporción del mismo como inversión en Educación Superior y en investigación. En ambos casos, el PIB per cápita actúa como multiplicador (Narváez, 2010, Alaic). En efecto, para los Estudios Culturales lo que da a los sujetos un lugar en el mundo es su capacidad de consumo, con lo que las personas crean un estilo de vida (manera de vestir, uso del tiempo libre, etc.) que los sitúa en uno u otro grupo; según este argumento, “En nuestra cultura postmoderna los grupos de estatus fijos o, en términos tradicionales, las clases sociales han desaparecido como determinantes de los nuevos modelos de consumo.

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 126


¿Sociedad digital o capitalismo cultural?... - Ancízar Narváez M

La postmodernidad habría superado así la sociedad de clases” (Picó, 1999, pp. 277-278). El mismo autor agrega que “damos cada vez más importancia a las actividades que realizamos fuera del lugar de trabajo. No trabajamos ya para cubrir nuestras necesidades primarias sino para consumir en muchas otras actividades que hasta hace poco considerábamos superfluas o secundarias” (p. 278), es decir, en la nueva sociedad habríamos superado el estado de sobrevivencia para elevarnos a un estado de felicidad, basado en la realización de nuestras aspiraciones más sublimes. Pero esto no es todo; según esta tendencia, el consumo es la forma de “establecer las diferencias entre grupos sociales, y no solamente […] de expresar diferencias que ya existen como resultado de un conjunto autónomo de factores económicos” (Picó, 1999, p. 278). ¿No es esto música celestial para el capital? Según esto, el estatus social se lo pone el individuo, no sus condiciones materiales de existencia. Además, si el individuo no se acostumbra a consumir bienes que le den estatus es porque está “atrasado” respecto a las nuevas tendencias de consumo, pero no porque tenga que resolver necesidades materiales, las cuales ya son irrelevantes. Aunque en el mismo texto se advierte que: la cultura del consumo se basa en la gran expansión que ha experimentado la producción de mercancías en el capitalismo, lo que ha dado pie a una gran acumulación de cultura material en forma de bienes de consumo y espacios de comercio y tiempo libre (Picó, 1999, pp. 276-77),

esto no parece desanimar a los culturalistas, quienes no logran articular el consumo con el mercado y éste con el aumento de la producción, y siguen insistiendo en que lo crucial en el momento actual es “el significado y el alcance de las nuevas tecnologías de la información y la comunicación, que a la vez facilitan otros procesos como la globalización y el consumismo, que está eclipsando la posición central de la producción” (Lyon, citado por Picó, 1999, p. 270, resaltado agregado). Frente a estas tendencias de análisis, desde la Economía Política de la Comunicación y la Cultura se plantean por lo menos dos puntos de divergencia: por un lado, la primacía de la producción sobre el consumo, no sólo por la persistencia de la vieja ley de Say, según la cual toda oferta crea su propia demanda, sino porque si lo que nos da un lugar en el mundo es nuestro consumo, lo que nos da un lugar en el consumo es nuestra renta y lo que nos permite participar en la renta es nuestra posición en la producción. Según Bourdieu (citado por Chartier, 1996, p. 95), “Una clase se define tanto por su Ser percibido como por su Ser, tanto por su consumo –que no necesita ser ostentatorio para ser simbólico– como por su posición en las relaciones de producción (aun cuando sea cierto que ésta rige a aquél)”. Es decir, no es sólo que la producción regula el consumo sino que regula, a la vez, la posición de clase. Por otro lado, no hay sustituto para los bienes materiales porque no hay sustituto para la sobrevivencia. El hombre tiene que resolver efectivamente necesidades y si aquí se plantea el problema de la relación entre bienes materiales y simbólicos se plantea en términos de desarrollo. Aunque este concepto es occidental y moderno y ha caído en desgracia para

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 127


¿Sociedad digital o capitalismo cultural?... - Ancízar Narváez M

algunos teóricos (Cfr. Escobar, 1998, p. 403), la versión más elemental del concepto sería que el desarrollo se mide por el grado en que las personas y las sociedades logran superar el estado de subsistencia para poder consumir más bienes y servicios simbólicos. En tal sentido, la orientación que tome el Estado y la nación tienen que ver con el valor agregado a los productos y, por tanto, con la calificación del trabajo y también del consumo. En efecto, la intelectualización del trabajo exige competencias culturales y también la intelectualización del consumo. Eso sería un capitalismo cultural. El informacionalismo como mistificación del capitalismo cultural

Aquí adquiere actualidad la polémica de los años setentas entre Smythe y Murdock sobre la función de los medios en el capitalismo. Más allá de si los medios venden productos a las audiencias o, al contrario, venden audiencias a los anunciantes, funciones ambas meramente económicas, la polémica se centra en si los medios hacen parte de la infraestructura económica o de la superestructura ideológica. Para Smythe (2006, p. 25), “Los medios norteamericanos desempeñan un papel de bisagra en el sistema de medios mundial, como fuente de propiedad e inversión, como exportador de productos, tecnologías y estilos organizacionales, y como exportadores de material mediático en lengua inglesa”. En una palabra, los medios norteamericanos son fundamentalmente un agente económico. A esto responde Murdock (2006, p. 12) con una afirmación contundente: “Smythe no está solo cuando insiste en que los sistemas contemporáneos de comunicación de masas deben ser analizados como parte integral de la base económica así como de la superestructura”. Pero agrega (p. 15), muy en la línea del marxismo que se considera europea, que: “…vender audiencias a los anunciantes no es la raison d´être primordial de los media. Más bien están en el negocio de vender explicaciones del orden social y de las desigualdades estructurales y canalizar las esperanzas y aspiraciones hacia objetivos legitimados. En resumen, trabajan con y a través de la ideología, vendiendo el sistema”. Nada qué agregar, pues en algún sentido, ambos tiene razón. El informacionalismo parte del supuesto de que la Información es la “fuente de la productividad y el poder, debido a las nuevas condiciones tecnológicas que surgen en ese período histórico” (Castells, 1999, p.47). Pero resulta que en la crisis de 2009 (Portafolio, 2009) se generalizaron los despidos en los medios de comunicación en todo el mundo y en 2014 serán despedidos 18 mil trabajadores de Microsof. Como dije en otra parte (2010 c) de repente nos dimos cuenta de que los trabajadores intelectuales no éramos ajenos a la subsunción del trabajo en el capital, pues hasta ahora casi no nos hemos asumido como trabajadores. Pero como quiera que el control de la empresa productiva, llámese mediática, educativa o artística, no está en nuestras manos, nuestra condición es la de trabajadores, intelectuales, pero trabajadores finalmente.

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 128


¿Sociedad digital o capitalismo cultural?... - Ancízar Narváez M

Pero más allá del poder que tienen los capitalistas sobre las empresas ¿Qué es lo que permite a las empresas mediáticas u otras prescindir de sus trabajadores intelectuales mejor formados? La respuesta es: el informacionalismo. En efecto; si entendemos el trabajo intelectual como aplicación de un conocimiento, el trabajador cuenta con dos tipos de este: el conocimiento codificado y el conocimiento tácito. En cuanto el conocimiento se codifica, se convierte en información, se desprende del sujeto, se enajena y es apropiado por el capital; el conocimiento codificado se incorpora al capital fijo; el conocimiento tácito, en cambio, en cuanto es inescindible del sujeto conocedor, hace imposible prescindir del trabajador sin prescindir del conocimiento (Herscovici, 2006, p. 30). Con el uso generalizado de las TIC, lo que viene sucediendo es que más conocimiento tácito se está volviendo conocimiento explícito, codificado, por tanto, expropiado al trabajador. En este sentido, el trabajador intelectual va perdiendo importancia como creador de valor de cambio, de mercancías, y adquiere valor como creador de valor de uso para el capital, de valor indirecto, de ideología. Esto es lo que conduce a una situación de precariedad del trabajo, pues ahora el trabajador intelectual recibe, a cambio de mantener el empleo, salarios más bajos y condiciones más precarias; pero eso no es lo peor: al trabajador intelectual se le exigen menos habilidades y más compromiso, es decir, más sumisión y más ideología, pues gracias a las TIC, las habilidades productivas pueden ser remplazadas. Esto no es ni bueno ni malo; es simplemente capitalismo, y en el capitalismo las tecnologías favorecen el poder de quienes ya tienen poder, favorecen la riqueza de quienes ya tienen riqueza. En consecuencia, el conocimiento tácito va quedando reducido a la capacidad comprensiva y crítica, así como a las actitudes y valores. La subsunción de algunos de los EC con el informacionalismo los convierte en una corriente absolutamente acrítica desde el punto de vista ético-político y mistificadora desde el punto de vista cognitivo. Según el nuevo evangelio de la Cibercultura, la crítica es una actitud reaccionaria y nostálgica, “es la coartada de un conservadurismo hastiado, incluso de las posiciones más reaccionarias”,como lo sostiene Levy (2007, p. 206). Es más, esto es un asunto del siglo XVII y XVIII. Desde el punto de vista cognitivo, se despacha con una descalificación: “Toda crítica no es pensante” (p. 207). Precisamente la tradición crítica, como examen de los alcances y limitaciones del pensamiento, es la tradición cognitiva occidental por excelencia. Crítico y pensante es una tautología. Lo contrario es justamente, lo que podríamos llamar el ‘fetichismo de la tecnología’, un producto del pensamiento mítico.

Referencias

Apple, Michael (2003). The State and the Politics of Knowledge. New York and London: RoutledgeFalmer. Baudrillard, J. ([1985] 1999). “The Masses: The Implossion of the Social in the Media” In:

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 129


¿Sociedad digital o capitalismo cultural?... - Ancízar Narváez M

Marris, J. & Thornham, S. (1999). Media Studies. A Reader. Edinburgh: Edinburgh University Press. Pp. 98-108. Bell, D. (1993 [1981]). “Las telecomunicaciones y el cambio social”. En: De Moragas, M. (ed.). Sociología de la comunicación de masas. Barcelona: Gustavo Gili, 3ª edición. 4 vol. Bolaño, C., Mastrini, G. y Sierra, F. (2005). Economía política, comunicación y conocimiento. Una perspectiva crítica latinoamericana. Buenos Aires: La Crujía. Bolaño, C. (2000). Indústria cultural, informaçao e capitalismo. Sao Paulo: HucitecPolis. Bolaño, C. (1999). “La problemática de la convergencia informática-telecomunicacionesaudiovisual”. En: Mastrini, G. y Bolaño, C. Globalización y monopolios en la comunicación en América Latina.Buenos Aires: Biblos, pp. 29-47. Bourdieu, P., Chamboredon, J.C. y Passeron, J.C. (1993). El oficio de sociólogo. Madrid: Siglo XXI. Bowles, S. and Gintis, H. (2001). Education and Inequality. In: Macionis, J. J. y Benokraitis, N. (edits.), Seeing Ourselves.Classic, Contemporary and Cross-Cultural Readings in Sociology. New Jersey: Prenctice Hall, pp. 356-362. Burke, P. (2006). La revolución historiográfica francesa. La escuela de los Annales: 1929-1989. Barcelona: Gedisa. Bustamante, E. (Coordinador) (2003). Hacia un nuevo sistema mundial de comunicación. Las industrias culturales en la era digital. Barcelona: Gedisa. Carvajal, G. (2012). La técnica instrumental en Leroi-Gourham versus la técnica de la destreza y el principio en Aristóteles. Bogotá: Upn. Inédito. Maestría en Educación, Seminario “Comunicación, cultura y técnica”. Castells, M. (1999). La era de la información. México: Siglo XXI editores. 3 Vol. Chartier, R. (1996). Escribir las prácticas. Foucault, De Certau, Marin. Buenos Aires: Manantial. CONNOR, W. (1998). Etnonacionalismo. Madrid: Trama editorial, 1998. Crovi, D. y Sierra, F. (2005). Sociedad de la Información y Educación telemática. Economía, política y lógicas de socialización del conocimiento. En: Bolaño, C., Mastrini, G. y Sierra, F. Economía política, comunicación y conocimiento. Una perspectiva crítica latinoamericana. Buenos Aires: La Crujía, pp. 149-180. Curran, J. & Gurevitch, M. (2000). Mass Media and Society. London: Arnold. Enzensberger, H. M. ([1971] 1999). “Constituents of a Theory of the Media”. In: Marris, J.

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 130


¿Sociedad digital o capitalismo cultural?... - Ancízar Narváez M

&Thornham, S. Media Studies. A Reader. Edinburgh: Edinburgh University Press. Pp. 68-91. Escobar, A. (1999). “El final del salvaje”. Naturaleza, cultura y política en la antropología contemporánea. Bogotá: Cerec-Icanh. Escobar, A. (1998). La invención del Tercer Mundo. Construcción y reconstrucción del desarrollo. Bogotá: Norma. Ferguson, M. y Golding, P. (1998). Economía Política y Estudios Culturales. Barcelona: Bosch. Fontana, J. (1999). Historia: análisis del pasado y proyecto social. Barcelona: Crítica. Fraser, N. (1998). Iustitia Interrupta. Bogotá: Siglo del hombre. García, N. (2004). Diferentes, desiguales y desconectados. Mapas de interculturalidad. Barcelona: Gedisa. Garnham, N. (1993). “Contribución a una economía política de la comunicación de masas”. En: Moragas, M. Sociología de la comunicación de masas. Barcelona: Gustavo Gili, pp. 108-140. Garnham, N. (1998). “Economía política y la práctica de los Estudios Culturales”. En: Ferguson, M. y Golding, P. Economía Política y Estudios Culturales.Barcelona: Bosch, pp. 121-144. Gates, B. (1997). Camino al futuro. Bogotá: McGraw Hill, 2ª edición. Giddens, A. “Trabajo e interacción en Habermas”. En: Política, sociología y teoría social. Barcelona. Paidós, 1997. Grimson, A. (2012). Los límites de la cultura. Crítica de las teorías de la identidad. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica. Hall, S. (2007). “Richard Hoggart, the Uses of Literacy and the Cultural Turn”. In: International Journal of Cultural Studies, 10(1) (2007): 39–49. Disponible en: http://red. pucp.edu.pe/wp-content/uploads/biblioteca/100616.pdf, Consulta 2014-06-30. Hall, Stuart (1994). “Estudios culturales: dos paradigmas”. En: Revista Causas y Azres, 1(1). Pp. 27-44. En línea, disponible en: http://www.cholonautas.edu.pe/modulo/upload/ ESTUDIOS%20CULTURALES%20DOS%20PARADIGMAS.pdf, recuperado junio 8/2014 Hardt, M. Y Negri, A. (2002). Imperio. Buenos Aires: Piados. Herscovici, A. et al. (1999). “Economía política de la comunicación y la cultura: una presentación”. En: Mastrini, G. y Bolaño, C. Globalización y monopolios en la comunicación en América Latina. Buenos Aires: Biblos, pp. 9-25. Herscovici, Alan (2006). “Conocimiento, capitalismo inmaterial y trabajo: algunos elemen-

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 131


¿Sociedad digital o capitalismo cultural?... - Ancízar Narváez M

tos de análisis”. Escribanía, 17 (25-35). Hoggart, R. (1958). The Uses of Literacy.Aspects of working-class life with special reference to publications and entertainments. London: Peguin Books (in asociation with Chatto and Windus). Kymlicka, W. Ciudadanía multicultural. Barclona: Paidós. Laclau, E. y Mouffe, C. (2004). Hegemonía y estrategia socialista. Hacia una radicalización de la democracia. Buenos Aires: FCE. Lévy, P. (1999) ¿Qué es lo virtual? Barcelona: Paidós. Lévy, P. (2007). Cibercultura. La cultura de la sociedad digital. México: AnthroposUniversidad Autónoma Metropolitana. Lyotard, J-F. (1993). La condición postmoderna. Informe sobre el saber. México: REI. México. Macionis, J. J. y Benokraitis, N. (edits.) (2001), Seeing Ourselves. Classic, Contemporary and Cross-Cultural Readings in Sociology. New Jersey: Prenctice Hall. Martínez B., A. (2004). De la escuela expansiva a la escuela competitiva.Dos modos de modernización en América Latina. Barcelona: Anthropos. Marx, K. (1973 [1859]). “Prólogo de la contribución a la crítica de la Economía Política”. En: Marx, K. y Engels, F. Obras escogidas. Moscú: Progreso. Tomo III. Mastrini, G. y Bolaño, C. (1999). Globalización y monopolios en la comunicación en América Latina. Buenos Aires: Biblos. Mastrini, G. y Petroselli, E. (2000). El ejército industrial de reserva en el marco de la producción editorial. En: Escribanía, nº 5. Manizales: Universidad de Manizales. Julio-diciembre, pp. 69-76. Mattelart, A. (2002). Historia de la sociedad de la información. Barcelona: Paidós. Mattelart, A. (2003 a). “La sociedad de la información. El enfrentamiento entre proyectos de sociedad”. En: Diálogos de la Comunicación, nº 67. Lima: Felafacs. pp. 20-28. Mattelart, A. (2003). Geopolítica de la cultura. Bogotá: Ediciones desde abajo. Mattelart, A. y Mattelart, M. (1997). Historia de las teorías de la comunicación. Barcelona: Paidós. Mattelart, A. y Neveu, E. (2004). Introducción a los Estudios Culturales. Barcelona: Paidós. Mattelart, A. y Schmucler, H. (1983). América Latina en la encrucijada telemática. Barcelona: Paidós.

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 132


¿Sociedad digital o capitalismo cultural?... - Ancízar Narváez M

McLuhan, M. (1994). Comprender los medios de comunicación. Barcelona: Paidós. McLuhan, M. (1997). “El medio es el mensaje”. En: Martín-Barbero, J. y Silva, A. Proyectar la comunicación. Bogotá: Tercer mundo-Universidad Nacional. Pp. 55-69. Minc, A. (1980). La informatización de la sociedad, [en línea] Disponible en: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/critica/nro7/minc.pdf, recuperado 2013-04-02 Mosco, Vincent (1996). The Political Economy of Communication. London: Sage. Murdock, G. (2000). Reconstructing the Ruined Tower: Contemporary Communications and Questions of Class. In: Curran, J. & Gurevitch, Ml. Mass Media and Society. London: Arnold. Murdock, G. (2006). “Los agujeros negros del marxismo occidental: Respuesta a Dallas Smythe”. En: CIC Cuadernos de Información y Comunicación, vol. 11, 11-22. Narváez, A. (2004). “La sociedad de la información o la utopía económica y cultural del neoliberalismo”. En: Revista Mediaciones, nº 3. Bogotá: Cumd, pp. 145–165. ISSN: 1692–5688 Narváez, A. (2009). Educación, comunicación y capitalismo cultural. Cultura alfabética, cultura mediática y desarrollo. Bogotá: Upn, inédito. Narváez, A. (2010) Alaic (2010). “Educación, tecnología y “Sociedad del conocimiento”: una lectura desde la economía política”. X Congreso, Bogotá, Pontificia Universidad Javeriana, Septiembre. Narváez, A. (2010 a). “La crisis en los medios y los medios en la crisis”. En: Mediaciones, n° 10, Bogotá, Corporación Universitaria Minuto de Dios, pp. 141-154. Narváez, A. (2013). Educación y comunicación: del capitalismo informacional al capitalismo cultural. Bogotá: Fondo Editorial Universidad Pedagógica Nacional. Negroponte, N. (1995). Ser digital. Buenos Aires, Atlantis. Trad. Dorotea Pläking. [en línea] Disponible en: http://sistemas2.dti.uaem.mx/evadocente/programa2/Ipres003004_13/documentos/Sintesis_NicolasNegroponge_SerDigital.pdf, recuperado 2013-04-02 Picó, Joseph (1999). Cultura y modernidad. Seducciones y desengaños de la cultura moderna. Madrid: Alianza. Pnud (2013). Humanity Divided: Confronting Inequality in Developing Countries. United Nations Organization, November. Portafolio (2009). “Oleada mundial de despidos masivos”. Bogotá, 21 de enero. Robinson, W. (2007). Una teoría sobre el capitalismo global.Bogotá: Desde abajo. Santos, C.L. (1993). Los premios Nobel de Economía. Bogotá: Cat Editores.

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 133


¿Sociedad digital o capitalismo cultural?... - Ancízar Narváez M

Shannon, C. E. (1948). “A Mathematical Theory of Communication”.In: The Bell SystemTechnicalJournal, 27(379-423), July, October. Sierra, F. (2006). Políticas de Comunicación y Educación. Crítica y desarrollo de la sociedad del conocimiento. Barcelona: Gedisa. Smythe, D. W. (2006). “Réplica a Graham Murdock.En: CIC Cuadernos de Información y Comunicación, vol. 11 23-30. Thompson, E.P. (1977). La formación histórica de la clase obrera. Inglaterra: 17801832. Vol. III. La presencia de la clase obrera. Barcelona: Laia. Wiener, N. (1997). “Cibernética y sociedad”. En: Martín-Barbero, Jesús y Silva, Armando (1997). Proyectar la comunicación. Bogotá: Tercer mundo-Universidad Nacional. Pp. 21-33. Williams, R. (1996). “La tecnología y la sociedad”. En: Causas y Azares, año 3, n°4, invierno, Buenos Aires, pp. 155-172. Trad. Gabriela Resnik. http://www.rehime.com.ar/escritos/ documentos/idexalfa/w/williams/Williams_baja.pdf Winston, B. (1999). “How are media born?” En: Marris, J. & Thornham, S. Media Studies. A Reader. Edinburgh: Edinburgh University Press. Pp. 786-801. Zallo, R. (2012). Estructuras de la comunicación y la cultura. Políticas para la era digital. Barcelona: Gedisa. Zallo, R. (1988). Economía de la Comunicación y la Cultura. Madrid: Akal

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 134


A VUELTAS CON LA CATEGORÍA DE VALOR EN LA PRODUCCIÓN DE ARTE ÀS VOLTAS COM A CATEGORIA DE VALOR EM A PRODUÇÃO DE ARTE WORKING ON THE CATEGORY OF VALUE IN THE PRODUCTION OF ART

Dr. José María DURÁN Doutor em História da Arte e profesor de Historia da Cultura na Hochschule für Musik Hanns Eisler em Berlim. Autor de Da natureza de escritores, artistas e vermes. Ensaio sobre o pracer do traballo nun diálogo con Karl Marx (2014), Iconoclasia, historia del arte y lucha de clases (2009), Hacia una crítica de la economía política del arte (2008), y editor de William Morris: Trabajo y comunismo (2014) y Aínda, O Capital. Novas perspectivas acerca de Marx e O Capital en Alemaña (2009) E-mail: jmduran@web.de>

Revista Eptic Online Vol.16 n.3 p.135-149 set.-dez 2014 Recebido em 07/07/2014 Aprovado em 10/08/2014


Às voltas com a categoria de valor em produção de arte - José María Durán

Resumen Se plantea el problema del valor en la producción de obras de arte. El valor se discute primero en relación a la sociología del campo artístico y su enfoque respecto a la forma mercancía de los productos artísticos. Después se examina la posición que el trabajo artístico asume en el proceso de producción en cuanto productor de valor. Finalmente, se plantea un análisis de la sustancia del valor en referencia a la originalidad de los trabajos artísticos que es formalizada como propiedad intelectual.

Palabras clave arte, mercancía, valor, trabajo abstracto, original.

Resumo Apresenta-se a questão do valor na produção de obras de arte. Primeiro, o valor é discutido em relação á sociologia do campo artístico e seu enfoque a respeito da forma mercadoria dos produtos artísticos. O trabalho artístico é examinado, depois, em relação a posição que assume no processo de produção como produtor de valor. Finalmente, propõe-se uma análise da substância do valor com referência a originalidade dos trabalhos artísticos que é formalizada como propriedade intelectual. Palavras-chave arte, mercadoria, valor, trabalho abstracto, original.

Abstract It is posed the question of value in the production of works of art. First, value is discussed considering the sociology of the artistic field and its approach to the commodity-form of artistic products. Following, it is examined the position that artistic labour takes in the production process as producer of value. Finally, an analysis of the substance of value is put forward in relation to the originality of artistic works, which is formalised as intellectual property. Keywords art, commodity, value, abstract labour, original.

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 136


Às voltas com a categoria de valor em produção de arte - José María Durán

1. Introducción

Una teoría económica del arte de inspiración marxiana debe comenzar formulando preguntas básicas respecto a cuestiones fundamentales que en la literatura económica marxista se han planteado alrededor del concepto valor-trabajo (Durán, 2011 y 2012). En el primer capítulo del primer volumen de El Capital Marx nos enfrenta a la cuestión principal que nos interesa ahora: Un objeto puede ser un valor de uso sin ser valor. Este es el caso cuando su utilidad no es mediada por el trabajo […]. Un objeto puede ser útil y producto del trabajo humano, sin ser una mercancía. Quien satisface sus necesidades a través de su producto crea valores de uso, pero no mercancías. Para producir mercancías no es suficiente con producir valores de uso, se han de producir valores de uso para otros, valores de uso sociales. {Ni siquiera para otros, simplemente […]. Para convertirse en una mercancía, el producto que le sirve a otros como valor de uso tiene que ser transferido gracias al intercambio.} (Marx, 1986, p. 55.)

Los valores de uso sociales a los que Marx se refiere como mercancías son claramente valores de cambio, en los que las cualidades naturales de los productos del trabajo han desaparecido (ibídem, p. 52). Pongámoslo de otra manera: para poder acceder a los valores de uso de estos productos sociales debemos primero adquirirlos en el mercado, es decir, estos productos sociales se deben realizar primero como valores de cambio antes de poder ser consumidos como valores de uso; y no deberíamos olvidar que a la realización de los valores de cambio en el mercado le antecede su producción como tales valores. Recordemos, escribe Marx, “que las mercancías se materializan como valores en cuanto que son expresión de la misma unidad social, trabajo humano” (ibídem, p. 62). En relación a la cuestión fundamental de los productos del trabajo humano que se realizan como valores en la relación mercantil, este artículo trata de responder a las siguientes preguntas: qué hace de una obra de arte una mercancía, y en qué consiste esa unidad social que es el trabajo humano gastado en la producción de obras de arte. Problematicemos pues estas dos cuestiones.

2. El problema de la obra de arte como mercancía

El filósofo alemán Boris Groys nos proporciona el perfecto punto de partida pues expresa la primera cuestión de la que queremos ocuparnos de una manera que en apariencia es de sentido común. Groys afirma: “La obra de arte es una mercancía como cualquier otra” (Groys, 2003, p. 9). A donde Groys nos quiere conducir con su afirmación es a una reformulación de la producción artística no en cuanto proceso de producción (Vorgang der Produktion) sino como un acto de selección (Akt der Selektion) (ibídem, p. 11, cf. Durán, 2012, p. 207). De ahí la teoría del artista en cuanto consumidor, y no como productor. Groys no tiene éxito con su propuesta, como no lo tiene cualquiera que quiera seguir un

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 137


Às voltas com a categoria de valor em produção de arte - José María Durán

camino semejante en el análisis económico del arte. Convertir al artista en un consumidor no explica la tenaz realidad de la obra de arte como mercancía, como ésta tampoco se explica por sí misma. Que las obras de arte sean objetos de intercambio mercantil parece de lo más evidente. El mercado de arte no es algo nuevo ni tampoco específico de las economías capitalistas. Se podría afirmar que a finales del siglo XV Albrecht Dürer gestionaba ya una empresa artística de bastante éxito (Schmid, 2003), y siempre se le ha atribuido al artista renacentista un cierto olfato para los negocios (O’Malley, 2005, Guerzoni, 2006, Nelson; Zeckhauser, 2008, cf. Durán, 2011, p. 1-4). De cualquier forma, a partir de la llamada Golden Age del siglo XX (Hobsbawm, 1996) el carácter más puramente económico de la mercancía arte se ha vuelto si cabe más visible que nunca (Watson, 1992, Herchenröder, 2000, Velthuis, 2005, Thompson, 2008, Graw, 2008, Robertson; Chong, 2008, Horowitz, 2011, Lind; Velthuis 2012). El así llamado compromiso salarial del fordismo después de la segunda guerra mundial no sería ajeno a este hecho en lo que concierne a una progresiva profesionalización tanto de los artistas como de los intermediarios, sobre todo en los Estados Unidos de América (Crane, 1987, Caplan, 1998). El amante de arte hoy no es capaz de abstenerse de echarle un vistazo, siquiera inocente, al precio detrás de la obra otorgándole a éste un cierto valor de guía a la hora de medir la aceptación social y calidad de la misma. El dinero impulsa innovación, se nos dice, también en el mundo del arte, reflejando el precio la importancia social real de los modernos maestros. Los mercados serían pues los auténticos jueces del buen arte (Grampp, 1989, Cowen, 1998). El juicio de Cowen parece a todas luces definitivo: “El arte contemporáneo es un arte capitalista y la historia del arte ha sido la historia de la lucha por establecer mercados” (ibídem, p. 36). Pensemos que de lo que ahora se trata no es de cuestionar el hecho de si existe un mercado de obras de arte que podamos definir como capitalista, sino de analizar con los instrumentos teóricos a nuestro alcance cómo es esto posible. El intercambio mercantil de bienes no significa por sí mismo un mercado capitalista. Existen otros aspectos que tienen que ver con el carácter de mercancía de la fuerza de trabajo, la propiedad de los medios de producción o el rol del dinero, que son de una importancia fundamental. El capital estructura la realidad social, afirmaba Groys en un coloquio organizado por Peter Sloterdijk en la Hochschule für Gestaltung de Karlsruhe (Jongen, 2007). El capital estructura la realidad social a través de su ausencia pues, a imagen y semejanza de Dios, es lo único que nos falta. Vivimos, mantiene Groys, “en una sociedad que se estructura alrededor de la falta de dinero. El capitalismo es una sociedad que se estructura a través de la falta de capital y en la que todo el mundo espera una inversión, esto es, un patrocinio como si fuese la gracia divina” (ibídem, p. 20). El diagnóstico de Groys parece a primera vista pertinente a la hora de entender las necesidades del negocio del arte, cuyo único fin sería el de seducir al dinero. Antiguamente se construían catedrales para seducir a Dios, continúa Groys: “Los bienaventurados pretendían así embellecer su alma para ganarse la gracia divina. Hoy se prepara todo, se embellece todo con la expectativa de convertirlo en una mercancía o de ofrecerlo como activo para una buena inversión” (ibídem, p. 21). Este ofrecimiento caracteriza en definitiva el encuentro entre los poseedores de mercancías en el mercado. Mientras uno ofrece dinero, el otro ofrece su capacidad de trabajo; o en el

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 138


Às voltas com a categoria de valor em produção de arte - José María Durán

caso del artista moderno, se ofrece el resultado del trabajo creativo o la promesa de que con la inversión adecuada el proceso creativo será puesto sin más dilación en marcha. De hecho, muchas obras de arte, debido a su complejidad y esfuerzo, no se realizan a no ser que se consiga el dinero necesario para su producción. Muchos artistas contemporáneos viven con el estigma de Boullée, el genial arquitecto ilustrado cuyos diseños se quedaron en meros proyectos. No obstante, el simple hecho empírico de la relación comercial no da respuesta a la complejidad de la equivalencia expresada en la fórmula “x de la mercancía A = y de la mercancía B”, o “x de la mercancía A vale y de la mercancía B”. Esta forma simple del valor encierra el misterio de toda forma del valor, escribía Marx, y en su análisis reside la dificultad real (Marx, 1986, p. 63, cf. Milios; Dimoulis; Economakis, 2002, p. 23-30). El valor es el resultado de la relación social en la que los productos del trabajo se ven inmersos en el modo capitalista de producción. Como tal, el valor se hace realidad en la relación de cambio (valor de cambio) y a través del dinero: digamos, pues, que un Picasso vale 5 euros. Pero ello no nos debe distraer del hecho de que el valor de la mercancía es creado en el proceso de producción, y ello porque lo que hace posible el intercambio de mercancías es la conmensurabilidad de los trabajos (ibídem, p. 17-21). Gouverneur escribe al respecto: cuando decimos que una mercancía tiene valor estamos diciendo que posee trabajo abstracto que se manifiesta en el valor de cambio de las diferentes mercancías puestas en equivalencia a través del intercambio. El fenómeno visible de los precios oculta la realidad del valor. Detrás de los precios subyacen los intercambios entre los tiempos de trabajo indirectamente social de los productores. […] Cuando la mercancía realiza el salto mortal de su venta, da lugar a la realización del valor, que es el reconocimiento por parte del mercado del carácter social del trabajo gastado en su producción. Así, producción y venta son momentos necesarios del valor (Gouverneur, 2011, p. 36-37).

Pero la obra de arte parece ser ajena a estas determinaciones que giran en torno a la categoría de trabajo abstracto (Rubin, 1973, p. 166). Uno no puede imaginarse un trabajo más concreto que el del poeta, y nadie se atrevería a postular que el valor de los poemas de Brecht se reduce a la suma de horas invertidas en su producción. Otros determinantes han de ser considerados para poder hacer frente a la realidad de que la obra de arte

1- Ver una aproximación preliminar al problema de la conmensurabilidad de los trabajos artísticos en Durán, 2012, p. 212-216 y 2011, p. 5-6. En el punto 4 trataremos de dar un respuesta definitiva a esta cuestión; respuesta que, no obstante, es más de índole teórica que económica.

nunca ha dejado de ser una mercancía. Claro que se podría sostener que el trabajo de los artistas no sería en primer término el de producir productos destinados al mercado. Otros serían los que hacen uso de la coyuntura específicamente capitalista y construyen un valor de mercado adecuado al producto artístico con el único fin de extraer beneficios. No obstante, desde nuestro punto de vista el concepto marxiano de trabajo abstracto es de una importancia teórica crucial a la hora de evitar confusiones como en las que incurría la economía política clásica para la cual el trabajo concreto gastado en la producción de una mercancía constituía la base del valor de esa mercancía (Heinrich, 2006, p. 218, Milios; Dimoulis; Economakis, 2002, p. 8-9). No son los trabajos concretos de los artistas los que están sujetos al valor y la equivalencia en el mercado, sino su trabajo abstracto.1 De ahí que el análisis económico de las obras de arte sea completamente ajeno a la calidad o

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 139


Às voltas com a categoria de valor em produção de arte - José María Durán

2- Hay que tener en cuenta que en los análisis económicos del arte esta suele ser la conclusión normalmente aceptada sin discusión; y que parte del hecho de que las obras de arte (teniendo en mente únicamente el arte visual) son ejemplares únicos no sujetos a reproducción (Durán, 2012, p. 209-212).

sentido de las mismas. Podríamos entonces resaltar la siguiente conclusión para el análisis: si no queremos sucumbir a la ilusión neoclásica de que el valor de la mercancía artística se remite a la estimación individual (ya sea de amantes del arte, coleccionistas o expertos) y que la suma monetaria dispuesta a pagar por la mercancía artística es la expresión real de un sentimiento estético,2 debemos entonces afirmar categóricamente que la evaluación económica del arte no tiene nada que ver con la calidad artística (es decir, ni con la historia del arte ni con la estética), y por lo tanto que cualquier análisis que postule que el mercado (o las relaciones capitalistas de mercado) supone necesariamente una pérdida de calidad en el objeto artístico, es decir, el gran arte sólo es posible fuera del o contra el mercado, es simplemente falso. El análisis que aquí proponemos acerca del valor de los productos de arte supone rechazar el modelo de las relaciones de mercado como el único factor determinante en el valor de la mercancía artística (Durán, 2012, p. 208). Según este modelo el valor de las mercancías no es posible remitirlo al proceso de producción porque los trabajos concretos sólo son conmensurables en el cambio. El valor de las mercancías tiene su origen en las relaciones de mercado y sería el dinero el que hace a las mercancías conmensurables (Reuten, 2011, p. 192, 197). A este respecto uno se puede imaginar un paradigma que postularía lo siguiente: los trabajos concretos artísticos no se pueden considerar como productores de valor en el proceso de producción. A los trabajos concretos artísticos se les asignaría a posteriori a través del dinero un valor de mercado. Esta sería la función de los agentes e intermediarios en el mercado; es decir, la creación del valor de mercado de las mercancías artísticas. ¿Quién produce el valor de la obra de arte?, se pregunta Bourdieu. Valor no es para Bourdieu una categoría económica en sentido estricto. La interacción entre el valor de mercado y el valor simbólico-cultural se estructura en el campo artístico (Bourdieu, 1995, p. 253). Valor de mercado y valor cultural aparecen como resultado de las estrategias que se suceden en el interior del campo. La obra de arte fuera del campo es simplemente un recurso natural que espera a ser descubierto, según lo expresa la ideología del campo (ibídem). El artista, escribe Bourdieu, que, al escribir su nombre en un ready-made, le confiere un precio de mercado sin proporción con su coste de fabricación, debe su eficacia mágica a toda la lógica del campo que le reconoce y le autoriza; su acto no sería más que un gesto insensato o insignificante sin el universo de los oficiantes y de los creyentes que están dispuestos a producirlo como dotado de sentido y de valor (ibídem, p. 256).

Para que la inversión en artistas de agentes e intermediarios sea lucrativa estos deben invertir no sólo en la obra, en su materialidad, sino también en prestigio, reputación, fama, etc., es decir, en capital simbólico que es el producto específico “de una inmensa empresa de alquimia simbólica a la que contribuyen, con la misma convicción y con beneficios muy desiguales, el conjunto de los agentes implicados en el campo de producción” (ibídem, p. 257). Existiría, así pues, una asimetría entre la esfera inmediata de producción artística, esto es, la esfera del artista trabajando con valores naturales ajenos al mercado artístico, y el campo de producción que se orienta específicamente al mercado de productos artísticos. Aunque no existe ningún capital simbólico que no se construya sobre la base del

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 140


Às voltas com a categoria de valor em produção de arte - José María Durán

trabajo artístico inmediato, serían los agentes del campo los que extraen valor del trabajo artístico inmediato. Es decir, son los agentes del campo los que producen un determinado valor económico gracias a su inversión en valor simbólico. En el campo de producción el agente se convierte en el “creador del creador”, según lo expresa Bourdieu (ibídem, p. 255). La sociología del campo artístico de Bourdieu describe relaciones de mercado como un lugar de producción; la producción de la creencia y de valores simbólicos que en sentido estricto no se pueden reducir a la lógica mercantil (ibídem, p. 128-133). En cualquier caso, la cuestión acerca de la mercancía obra de arte encuentra su respuesta en los agentes que conforman el campo de producción. Entendida como un recurso natural la obra de arte no es sólo un bien sin precio, sino que es, sobre todo, un objeto sin valor. A este respecto, faltaría aún un examen serio de la sociología del campo artístico en relación tanto a la teoría institucional del arte (Dickie, cf. Wacquant, 2005, Van Maanen, 2009) como a la estética de la mercancía (Haug, 2009). Un examen tal de conjunto podría proporcionarnos instrumentos teóricos muy valiosos para analizar la dimensión económica real del campo artístico o mundo del arte. Por otra parte, conseguiríamos también establecer límites precisos (si fuese el caso) con respecto a las industrias culturales en cuanto que diferentes del campo específicamente artístico, así como reconocer puntos de conexión con estas. La sociología del campo artístico de Bourdieu es de gran ayuda a la hora de desmontar la creencia neoliberal que postula que la excelencia artística merece ser bien pagada, y que los precios son perfectos indicadores de la excelencia. De ello se deduce que el valor artístico o estético de la obra (esto es, el valor intrínseco que el artista produciría) se refleja en la evolución de los precios (Grampp, 1989). Bourdieu demuestra que lo contrario es el caso. El valor se crea en el campo, y los precios son el resultado de las coyunturas específicas a las que el campo está sujeto, en relación a la economía en general, pero independiente de ésta. Así es posible que en momentos de crisis económica se mantenga, e incluso se explote, la creencia en ciertos artistas que se transforman así en activos a la espera de convertirlos en dinero en efectivo una vez superada la crisis. Las propias fluctuaciones del campo habrán de demostrar que muchos coleccionistas de arte a la espera de cuantiosos rendimientos están realmente sentados sobre una pila de obras que en verdad no valen nada. Cuando la creencia se desmorona, el precio se muestra en su auténtica artificialidad. Ahora bien, la pesquisa del valor que se conduce según los parámetros de la sociología del campo artístico, aunque de enorme importancia, deja intacto lo que ocurre en la producción de la obra. No se plantea el problema del valor como una cuestión de la producción de obras de arte en cuanto tales. Por ello pensamos que habría que distinguir entre la sociología del campo artístico y la crítica de la economía política del arte. Fundamental sería, en este último sentido, analizar las posiciones económicas concretas que asumen los artistas en relación a su trabajo, y teniendo siempre en mente una premisa que consideramos fundamental: el artista no vende su fuerza de trabajo sino los productos de su trabajo. De esta premisa se deduce algo de crucial importancia que la sociología del campo artístico pasa por alto. Para poder vender los productos de su trabajo el artista se tiene que constituir primero como propietario de lo que acontece en el proceso de producción (Durán, 2011, p. 5-6). Es decir, el artista debe ser capaz de producir la obra de arte, su materialidad y los significados que conlleva, como propiedad privada, esto es, como suya. Esta producción, que supone de hecho una producción de valor, es el resultado de un proceso histórico

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 141


Às voltas com a categoria de valor em produção de arte - José María Durán

específico que conocemos como capitalismo.

3. Producción y valor en el mundo del arte

La literatura económica describe los mercados de trabajo de los artistas según un modelo extremadamente competitivo lleno de riesgos e incertidumbres. El mercado de trabajo es descrito como “una red de pequeñas empresas ad hoc cuya actividad se va adaptando de un proyecto a otro […]. En este sentido, las ganancias de los artistas, como las de otros trabajadores autónomos, dependen no sólo de su capacidad, talento y esfuerzo, sino también de cómo desempeñan las funciones de gestión empresarial” (Menger 2006, 774-775, cf. De Monthoux, 2004). Los autónomos constituyen una categoría ciertamente compleja, que se puede determinar en relación al trabajador y al empresario al mismo tiempo. Su proceso de reproducción se asemeja al proceso de circulación del capital, pues se trata de comprar medios de producción que se consumen productivamente con el fin de crear una mercancía cuyo valor es mayor que el valor de los elementos consumidos en su producción. Marx ya se había planteado el comportamiento de estos autónomos que no emplean ningún trabajador, es decir, que no producen como lo hace el capitalista (Marx, 1982, p. 2179). Aparecen en el mercado como productores independientes de mercancías, sus relaciones de producción no tienen en un principio nada que ver con el intercambio entre capital y trabajo y, por tanto, no se encuentran subsumidos bajo la producción específicamente capitalista (ibídem, p. 2180). El objetivo de la producción de mercancías no es el de “obtener una ganancia destinada a la acumulación, sino obtener un ingreso destinado al consumo” (Gouverneur, 2011, p. 112). Esta situación del autónomo con respecto a la relaciones sociales generales que se encuentran determinadas por el modo capitalista de producción deviene esquizofrénica: “En cuanto poseedor de los medios de producción es un capitalista, en cuanto trabajador es su propio asalariado. Se paga así pues un salario como capitalista y extrae el beneficio de su capital, es decir, se explota a sí mismo como trabajador y se paga en la forma de la plusvalía el tributo que el trabajo le debe al capital” (Marx, 1982, p. 2180). No obstante, la cuestión principal es que los medios de producción no se le enfrentan como capital, y además está el hecho de que no utiliza fuerza de trabajo asalariada, aparte de la propia. Estas dos determinaciones sitúan al autónomo en los intersticios del modo de producción capitalista. La tendencia muestra que o bien se convierten paulatinamente en capitalistas, es decir, consiguen expandir su capacidad de reinversión de su excedente en un sentido propiamente capitalista, o bien son expropiados de esta capacidad (deudas, competencia…) y se convierten en asalariados o desempleados. La cuestión ahora es analizar si este marco general es también aplicable a lo que ocurre en el proceso de producción artístico, independientemente de los concretos valores artísticos o estéticos creados. En general podemos afirmar siguiendo a Gouverneur que los artistas son productores mercantiles (Gouverneur 2011, p. 23) que en la mayoría de los casos no emplean trabajo asalariado (ibídem, p. 26), aunque subsisten de las ventas de sus productos por lo que su trabajo se podría considerar como indirectamente social; es decir, social porque sus pro-

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 142


Às voltas com a categoria de valor em produção de arte - José María Durán

ductos no tienen un carácter privado para el consumo privado, e indirecto porque el acceso a los productos viene sancionado por el mercado (ibídem, p. 26-27). Como creadores de valores de uso social, la tendencia en las sociedades dominadas por el modo capitalista de producción nos muestra que los artistas, siempre que su productividad muestre una tendencia al alza, mantienen una posición social que les permite apropiarse de trabajo ajeno. Tendríamos que estudiar bien lo que ocurre en el interior del espacio de producción artístico, es decir, examinar el trabajo en su dimensión económica específica, la forma que éste asume y cómo se consume, por ejemplo en el caso de los asistentes, para poder llegar a un análisis de la producción artística como producción de valor. Muchos talleres de artistas contemporáneos son en realidad pequeñas empresas que utilizan trabajo asalariado, y cuya forma mercantil sería la de una sociedad limitada. Existe una transposición curiosa de este hecho, por la cual el artista que dirige el taller de producción aparece no como poseedor de capital sino como poseedor de ideas, lo que le permite reunir en el taller diferentes competencias profesionales con el fin de implementar sus ideas. De esta manera el proceso de reproducción del capital se metaforiza y, en consecuencia, se disimula. Pero si las ideas hacen el arte, como afirmaba el artista norteamericano Sol LeWitt en 1967, tenemos que reconocer que otro (diferente al artista) ha de fabricar la obra. ¿Quién necesita trabajar, cuando se poseen ideas? En la ideología postmoderna del arte el trabajo y el sudor simplemente han desaparecido; lo que no es más que el reflejo en el mundo del arte de los procesos globales de acumulación flexible y tercerización. El taller del artista Olafur Eliasson, por ejemplo, se presenta no como un lugar de producción sino de investigación, esto es, como un lugar de producción de conocimiento, no de obras. Su imagen se corresponde con la de la sociedad postindustrial que ha implementado el cambio a la sociedad de servicios, así como con la centralidad del General Intellect como determinación del postfordismo según la teoría socio-económica del Operaísmo (Virno 2004). Al no estar involucrado en la producción de riqueza, en un sentido material de la misma, esta organización flexible permitiría, desde las premisas propias de la creación artística, una crítica al taller fordista y serviría de ejemplo de la naturaleza cooperativa del trabajo. La obra no existe como tal, sino como un proceso que carece de un lugar definido y es el resultado de una multitud de manos. El artista británico Antony Gormley definía su taller como un organismo en expansión, un lugar para el trabajo cooperativo creativo y la experimentación. La fascinación que aún ejercen los ready-made de Duchamp así como el arte conceptual está basada justamente en la desaparición de los procesos de fabricación. La estructura flexible del taller de Eliasson le permite expandirse y reducir la producción en función de la demanda real. Algo que Eliasson asume con total naturalidad: “Hace un par de años se amplió bastante y crecimos de 15 a 25, a 35, a 45 empleados. Incluso llegamos a contar con 50. Pero ahora hemos vuelto a los 35” (citado en Ursprung, 2010, p. 149). Algunos de sus empleados son asalariados, otros son trabajadores freelance, y también hay investigadores y académicos que son invitados a participar en proyectos concretos. Como modelo se puede pensar en el toyotismo caracterizado por la producción just in time y un modelo de trabajo flexible que permite una mayor interacción entre trabajadores y entre trabajadores y managers (Coriat, 1992). En este sentido, con su falta de centralidad (en el taller de Eliasson la oficina del manager no existe propiamente) y gracias a su visibilidad (Eliasson se mueve por todo el taller discutiendo los proyectos en marcha) el taller aparece

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 143


Às voltas com a categoria de valor em produção de arte - José María Durán

como una extensión natural de la subjetividad y creatividad del artista. No debemos olvidar que los productos creados en el taller, sean o no fabricados después, le pertenecen a Eliasson. Esto hecho no se deriva exactamente de la propiedad de Eliasson de los medios de producción, siempre que definamos estos medios de una manera convencional. A Eliasson le pertenece cualquier resultado creativo derivado del manejo que hagan sus asistentes con cualquier medio que esté a su alcance. Pues los medios sólo están relativamente predeterminados y, como el mismo trabajo, son valorados en relación a su flexibilidad. Por lo tanto, no nos encontramos con la producción en masa de mesas que son todas iguales, sino con la producción de las cantidades necesarias de una multitud diferente de cosas. La forma de determinar la propiedad privada de este proceso, por tanto, del artista como propietario de los medios así como de los resultados del trabajo, se entiende en cuanto emanación de la subjetividad del artista, es decir, como su propiedad intelectual, o algo que le pertenece naturalmente. Digamos que de esta manera se entiende en el mundo del arte el derecho a la propiedad de los medios de producción: pues estos son únicamente medios para la expresión o manifestación material de la subjetividad artística, así como el derecho al uso de trabajo ajeno a fin de implementar la idea artística: Él es el autor. Nos paga por hacer cosas para él. Es ok, afirmaba hace un par de años una asistente de Eliasson (Lisa Jugert entrevistada por Matthias Dell, 2010).

4. ¿Qué es lo que ofrecen los artistas en el mercado como su propiedad exclusiva?

3- Pero esta emanación no es una propiedad natural de los individuos, aunque se presente como tal. Su conceptualización forma parte del horizonte del derecho burgués desde Locke, cuyo ideal consistía en una sociedad de propietarios independientes de mercancías en las que se expresan las voluntades de sus productores propietarios.

Como cualquier otro valor de uso social, la obra de arte es producto del trabajo humano. A esta realidad del trabajo humano se le impone en el modo capitalista de producción la forma mercancía del producto del trabajo. La forma mercancía de la obra de arte surge de la relación específica que existe entre la actividad del artista y el resultado de la actividad en cuanto que este se manifiesta como su propiedad. Esta relación determina lo que podríamos denominar como lo abstracto en el trabajo concreto artístico, pues es una relación homogénea a la que le tiene sin cuidado los contenidos concretos de los trabajos. Ahora bien, lo característico de esta relación es que se trata de algo más que de un gasto físico de músculos, nervios y cerebro, como lo había puesto Marx en Zur Kritik para definir el trabajo simple o (en) abstracto (Marx, 1971, p. 18). Lo específico del trabajo artístico consiste en que a la manipulación específica, tanto intelectual como física, de contenidos sígnicos se le atribuye un carácter diferenciado, único, que es diferente en cada sujeto y, por tanto, se considera como algo propio, como emanación individual.3 Pero una cosa es apropiarse de ideas que se materializan en obras concretas únicas: los poemas están siempre hechos de otros poemas, las novelas de otras novelas, decía el influyente crítico literario Northrop Frye. Otra cosa bien diferente es que de este hecho se derive una propiedad privada sobre el hecho creativo, esto es, la propiedad intelectual privada de los productos del trabajo. La propiedad intelectual que se le supone a todo artista está siempre en relación a la forma

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 144


Às voltas com a categoria de valor em produção de arte - José María Durán

mercancía de los productos de su trabajo, de hecho la presupone, y es esta capacidad de trabajo la que el artista vende en el mercado. Para poder aparecer en el mercado como tratante de mercancías el artista debe poder afirmar que los productos de su trabajo (o del trabajo de su taller) son su propiedad intelectual, es decir, son originales, emanaciones de su ser. Y en esto consiste la forma mercancía de la obra artística que ha de ser producida como tal, es decir, como propiedad privada, antes de poder ser vendida en el mercado. El artista debe poder crear las obras como su propiedad intelectual para poder reclamar el resultado del proceso de producción o creación como suyo y, por tanto, para poder aparecer en el mercado como poseedor privado de mercancías. Sherman y Bently escriben: Una de las características principales de la ley de propiedad intelectual pre-moderna era que asumía que los autores, inventores o diseñadores eran los portadores de una voluntad autónoma innata que de alguna manera era pre-social y pre-legal. Es esta voluntad, o trabajo mental el que la ley se propuso proteger y apoyar. Además de disponer la manera cómo las categorías eran ordenadas y los límites establecidos, el trabajo mental (o creativo) también influyó en la duración, alcance y naturaleza de la propiedad. No es del todo falso sugerir que el trabajo mental fue el principio organizador más influyente de la ley de propiedad intelectual pre-moderna. A pesar de su prominente rol, a finales del siglo XIX la ley desplaza su atención del trabajo mental y la creatividad para centrarse en el objeto mismo (Sherman; Bently, 1999, p. 173).

¿No deberíamos observar en este desplazamiento un punto de inflexión en la transformación del trabajo concreto en trabajo abstracto en la esfera propia del derecho burgués? Pues el desplazamiento del foco de atención, del trabajo intelectual al objeto o resultado del trabajo intelectual, no es simplemente un desarrollo inmanente de la ley, sino que responde a los procesos de transformación que experimenta el trabajo artístico en relación a su creciente comercialización. Sherman y Bently afirman que el vocabulario de la economía política y del utilitarismo sustituyó en el curso del siglo XIX al de la jurisprudencia (ibídem, p. 176). Sabemos que en este sentido la tarea de ley es la de proteger las relaciones de cambio entre poseedores de mercancías: el sujeto legal, escribía Pashukanis, es “un propietario abstracto elevado a los cielos” (Pashukanis, 1983, p. 121). De esta forma, al poner su énfasis en el objeto sujeto a protección, la ley está de hecho determinando el estatus del productor como artífice (autor) de una mercancía. Pero lo que aquí está en juego no es el grado de innovación o novedad de la obra, esto es, la esfera del trabajo concreto. Por el contrario, la ley pone al descubierto que la propiedad mercantil del objeto, aquella que la ley coloca bajo su protección, es el simple hecho de que la obra tiene que tener su origen en el autor, es decir: ser producto de su trabajo, que –en definitiva– es lo que el término original quiere decir. De aquí se deriva también que todo autor debe reconocer en las obras que produce el estatus original de todos aquellos otros autores en los que su obra puede estar basada, de lo contrario estaría incurriendo en plagio. Qué innovador es lo que un artista escribe o pinta, la cualidad que la obra posee, todo ello es irrelevante desde el punto de vista de la ley. Sherman escribe:

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 145


Às voltas com a categoria de valor em produção de arte - José María Durán

Una de las consecuencia de usar la relación autor - obra como relación marco que determina la originalidad, es que la ley de derechos de autor le presta poca atención a si la obra es innovadora. Esto es, el significado que se le da a la originalidad en la ley de derechos de autor es diferente del significado convencional (Sherman, 2002, p. 408).

Quiere decir que original en el sentido que le da la ley al término no se refiere a los valores de uso de los trabajos concretos, sino al trabajo en sí como momento constituyente de la producción de mercancías. Y en este sentido la ley contempla todos los trabajos artísticos sujetos a su protección bajo el mismo prisma, de hecho como trabajos iguales o homogéneos. Fija una medida, que se corresponde, pues no puede ser de otra manera, con una medida del valor en el mercado. Esta se expresa de la siguiente forma: la obra de arte como el resultado de un acto original, esto es, como propiedad. La ley de propiedad intelectual se vio obligada a presentar su objeto de una manera que pudiera estar sujeto a cálculo, afirman Sherman y Bently: El problema es que el trabajo y la creación no eran fácilmente cuantificables […] el trabajo de una vida podía estar concentrado en una página llena de símbolos matemáticos […]. Al desplazar la noción de trabajo incorporado en la creación hacia el objeto en sí, todas las dificultades encontraron una solución: si bien era difícil exponer el trabajo de una forma que lo hiciese calculable, la obra clausurada y su contribución económica podían estar sujetas a cálculo (Sherman; Bently, 1990, p. 180).

4- Pero esta sustancia del valor no es el precio, así como tampoco es una magnitud simplemente “dada” o “inmutable” (Krätke, 2001, p. 178). El “valor de mercado” tiene que ser tenido aún en cuenta, como todos aquellos otros factores que contribuyen al precio de la mercancía artística. Aquí sólo hemos querido postular la existencia del valor en el interior de los procesos de producción

El trabajo creativo invertido no se puede reducir a cantidades, no se puede medir ni en tiempos ni en costes; y en este sentido no es posible hablar del trabajo artístico en relación al trabajo abstracto socialmente necesario. No obstante, la medida que la ley reconoce supone la expresión normativa de la relación comercial que se observa en el intercambio mercantil de productos artísticos. Lo que quiere decir que en el proceso de cambio de una obra de arte por dinero no estamos cambiando por dinero el resultado de un trabajo concreto, sino la expresión objetivada del trabajo artístico en cuanto acto original, es decir, propiedad; y en ello consiste la sustancia del valor de la obra de arte, es decir, la forma mercancía del producto artístico.4 La capacidad de trabajo del artista consiste, desde un punto de vista mercantil, en esta originalidad del trabajo empleado que le pertenece y, por tanto, que está en el derecho de explotar económicamente. Para que el artista pueda acceder al mercado como propietario de los productos que ha creado se tienen que dar por constituidas todas las relaciones de propiedad en las que se apoya el sistema capitalista. Y una propiedad fundamental en este sentido es la de la propia fuerza de trabajo individual. A este supuesto le podemos añadir en el caso del artista moderno la propiedad de la realidad. Es decir, el artista debe ser capaz de producir como propiedad privada la realidad de la que hace uso para elaborar su producto artístico.

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 146


Às voltas com a categoria de valor em produção de arte - José María Durán

Referencias

BOURDIEU, Pierre. Las reglas del arte: Génesis y estructura del campo literario. Traducción: Thomas Kauf. Barcelona: Anagrama, 1995. CAPLAN, Lee (Ed.). The Business of Art. New York: Prentice Hall/National Endowment for the Arts, 1998. CORIAT, Benjamin. Pensar al revés: Trabajo y organización en la empresa japonesa. México DF: Siglo XXI, 1992. COWEN, Tyler. In Praise of Commercial Culture. Cambridge: Harvard University Press, 1998. CRANE, Diana. The Transformation of the Avant-Garde: The New York Art World, 1940-1985. Chicago: The University of Chicago Press, 1989. DE MONTHOUX, Pierre. The Art Firm: Aesthetic Management and Metaphysical Marketing. From Wagner to Wilson. Stanford: Stanford University Press, 2004. DELL, Matthias. Ich-AG Kunst. der Freitag, Berlin, 27 de mayo de 2010. DURÁN, José María. Elementos para una Crítica de la Economía Política del Arte. Eptic On Line, São Cristóvão, Vol. XIII, no 2, p. 1-15, maio-abril de 2011. DURÁN, José María. El valor de las obras de arte desde una perspectiva marxista. Ensayos de Economía, Medellín, no 40, p. 205-217, enero-junio de 2012. GOUVERNEUR, Jacques. La economía capitalista: Una introducción al análisis económico marxista. Traducción: Xabier Gracia. Madrid: Maia, 2011. GRAMPP, William D. Pricing the Priceless: Art, Artists and Economics. New York: Basic Books, 1989. GRAW, Isabelle. Der große Preis: Kunst zwischen Markt und Celebrity Kultur. Köln: DuMont, 2008. GROYS, Boris. Einführung. Kunstwerk und Ware. In: GROYS, Boris. Topologie der Kunst. München: Hanser, 2003, p. 9-29. GUERZONI, Guido. Apollo e Vulcano: I mercati artistici in Italia (1400-1700). Venezia: Marsilio, 2006. HAUG, Wolfgang Fritz. Kritik der Warenästhetik: Gefolgt von Warenästhetik im HighTech-Kapitalismus. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2009. HEINRICH, Michael. Die Wissenschaft vom Wert: Die Marxsche Kritik der politischen Ökonomie zwischen wissenschaftlicher Revolution und klassischer Tradition. Münster:

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 147


Às voltas com a categoria de valor em produção de arte - José María Durán

Westfälisches Dampfboot, 2006. HERCHENRÖDER, Christian. Kunstmärkte im Wandel: Vom Jahrzehnt des Umbruchs in die Gegenwart. Düsseldorf: Wirtschaft und Finanzen, 2000. HOBSBAWM, Eric. The Age of Extremes: A History of the World, 1914-1991. New York: Vintage, 1996. HOROWITZ, Noah. Art of the Deal: Contemporary Art in a Global Financial Market. Princeton: Princeton University Press, 2011. JONGEN, Marc (Ed.). Der göttliche Kapitalismus: Ein Gespräch über Geld, Konsum, Kunst und Zerstörung. München: Wilhelm Fink, 2007. KRÄTKE, Michael R. La renovación de la economía política: donde Marx sigue siendo insustituible. In: MUSTO, Marcello (Ed.). Traducción: Guillermo Almeyra. Tras las huellas de un fantasma: La actualidad de Karl Marx. México DF: Siglo XXI, 2011, p. 166-184. LIND, Maria; VELTHUIS, Olav (Eds.). Contemporary Art and Its Commercial Markets: A Report on Current Conditions and Future Scenarios. Berlin: Sternberg Press, 2012. MARX, Karl. Zur Kritik der politischen Ökonomie, MEW 13. Berlin: Dietz, 1971. MARX, Karl. Das Kapital, erster Band, MEW 23. Berlin: Dietz, 1986. MARX, Karl. Zur Kritik der politischen Ökonomie (Manuskript 1861-1863), MEGA II/3.6. Berlin: Dietz, 1982. MENGER, Pierre-Michel. Artistic Labor Markets: contingent work, excess supply and occupational risk management. In: GINSBURGH, Victor A.; THROSBY, David (Eds.). Handbook of the Economics of Art and Culture. Amsterdam: North-Holland, 2006, p. 765-811. MILIOS, John; DIMOULIS, Dimitri; ECONOMAKIS, George. Karl Marx and the Classics: An Essay on Value, Crisis and the Capitalist Mode of Production. Aldershot: Ashgate, 2002. NELSON, Jonathan K.; ZECKHAUSER, Richard J. The Patron’s Payoff: Conspicuous Commissions in Italian Renaissance Art. Princeton: Princeton University Press, 2008. O’MALLEY, Michelle. The Business of Art: Contracts and the Commissioning Process in Renaissance Italy. New Haven: Yale University Press, 2005. PASHUKANIS, Evgeny B. Law & Marxism: A General Theory. London: Pluto Press, 1983. REUTEN, Geert. Una transustanciación recorre... la sustancia introversa ideal y la forma extroversa ideal del valor en El Capital. In: MUSTO, Marcello (Ed.). Traducción: Ernesto Vargas Gil. Tras las huellas de un fantasma: La actualidad de Karl Marx. México DF: Siglo XXI, 2011, p. 185-200.

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 148


Às voltas com a categoria de valor em produção de arte - José María Durán

ROBERTSON, Iain; CHONG, Derrick (Eds.). The Art Business. London: Routledge, 2008. RUBIN, Isaak Illich. Essays on Marx’s Theory of Value. Montréal: Black Rose, 1973. SCHMID, Wolfgang. Dürer als Unternehmer: Kunst, Humanismus und Ökonomie in Nürnberg um 1500. Trier: Porta Alba, 2003. SHERMAN, Brad. Appropriating the Postmodern: Copyright and the Challenge of the New. In: McCLEAN, Daniel; SCHUBERT, Karsten (Eds.). Dear Images: Art, Copyright and Culture. London: Ridinghouse, 2002, p. 405-419. SHERMAN, Brad; BENTLY, Lionel. The Making of Modern Intellectual Property Law. Cambridge: Cambridge University Press, 1999. THOMPSON, Don. The $12 Million Stuffed Shark: The Curious Economics of Contemporary Art and Auction Houses. London: Aurum, 2008. URSPRUNG, Philip. Arbeiten in der globalen Kunstwelt. Olafur Eliassons Werkstatt und Büro. In: DIERS, Michael; WAGNER, Monika (Eds.). Topos Atelier: Werkstatt und Wissensform. Hamburger Forschungen zur Kunstgeschichte VII. Berlin: Oldenbourg Akademieverlag, 2010, p. 137-150. VAN MAANEN, Hans. How to Study Art Worlds: On the Societal Functioning of Aesthetics Values. Amsterdam: Amsterdam University Press, 2009. VELTHUIS, Olav. Talking Prices: Symbolic Meanings of Prices on the Market for Contemporary Art. Princeton: Princeton University Press, 2005. VIRNO, Paolo. A Grammar of the Multitude: For an Analysis of Contemporary Forms of Life. Los Angeles: Semiotext(e), 2004. WACQUANT, Loïc. Mapear o campo artístico. Sociologia, problemas e práticas, Lisboa, no 48, p. 117-123, maio-agosto de 2005. WATSON, Peter. From Manet to Manhattan: The Rise of the Modern Art Market. New York: Random House, 1992.

Eptic Online 16(3) 2014

Dossiê Temático 149


POLÍTICAS SUB-NACIONALES DE FOMENTO A LA PRODUCCIÓN AUDIOVISUAL. EXPERIENCIAS EN LA ARGENTINA POLÍTICAS SUB-NACIONAIS DE INCENTIVO À PRODUÇÃO AUDIOVISUAL. EXPERIÊNCIAS NA ARGENTINA SUB-NATIONAL POLICIES PROMOTING AUDIOVISUAL PRODUCTION. EXPERIENCES IN ARGENTINA

Leandro GONZALES Licenciado en Comunicación, maestrando en Ciencias Sociales, investigador y docente en la Universidad Nacional de General Sarmiento (UNGS, Buenos Aires). E-mail: legonzal@ungs.edu.ar

Revista Eptic Online Vol.16 n.3 p.150-166 set.-dez 2014 Recebido em 19/12/2013 Aprovado em 15/02/2014


Políticas sub-nacionales de fomento a la producción audiovisual – Leandro Gonzales

Resumen El artículo aborda las políticas de fomento a la producción audiovisual a nivel sub-nacional en la Argentina, es decir, aquellas que rigen sobre provincias o municipios. Los objetivos son examinar la bibliografía existente y describir los distintos aspectos implicados en el fenómeno. El texto se nutre de aportes teóricos y analíticos referidos a los países desarrollados y se basa en investigaciones sobre los casos de las provincias de San Luis y San Juan, el municipio de Moreno y la Ciudad Autónoma de Buenos Aires. Estas políticas han contribuido a la descentralización de la producción audiovisual, tradicionalmente concentrada en Buenos Aires. Sin embargo, se señalará que las políticas locales son indisociables del contexto nacional y global. La importancia de estudiar estas políticas radica en que en su gestación e implementación se ponen en disputa concepciones sobre el rol del Estado, el valor de la cultura y el modelo de desarrollo subyacente.

Palabras clave políticas del audiovisual, industrias culturales, cine, Argentina

Resumo Este artigo aborda as políticas sub-nacionais de incentivo à produção audiovisual na Argentina, isto é, aqueles que são implementadas nas províncias ou municípios. Os objetivos são revisar a literatura e descrever os diversos aspectos envolvidos no fenômeno. O texto baseia-se em contribuições teóricas e analíticas relacionadas com os países desenvolvidos, assim como em pesquisas sobre experiências nas províncias de San Luis e San Juan, no município de Moreno e da Cidade Autônoma de Buenos Aires. Estas políticas têm contribuído para a descentralização da produção audiovisual, historicamente concentrada em Buenos Aires. No entanto, observa-se que as políticas locais são inseparáveis do contexto nacional e global. A importância de estudar essas políticas é que, em sua concepção e implementação são postas em disputa concepções acerca da papel do Estado, o valor da cultura e do modelo de desenvolvimento subjacente. Palavras-chave políticas audiovisuais, indústrias culturais, cinema, Argentina

Abstract This article addresses the sub-national policies to promote audiovisual production in Argentina, that is, those who govern provinces or municipalities. The objectives are to review the literature and describe the various aspects involved in the phenomenon. The text draws on theoretical and analytical contributions related to the developed countries and is based on research on cases in the provinces of San Luis and San Juan, the municipality of Moreno and the Autonomous City of Buenos Aires. These policies have contributed to the decentralization of audiovisual production, traditionally concentrated in Buenos Aires. However, will be noted that local policies are inseparable from the national and global context. The importance of studying these policies is that in its conception and implementation are put in dispute perspectives on the role of the state, the value of culture and the underlying development model. Keywords audiovisual policies, cultural industries, film, Argentina

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 151


Políticas sub-nacionales de fomento a la producción audiovisual – Leandro Gonzales

Introdución

1- El artículo se relaciona con mi tesis de Maestría en Ciencias Sociales (UNGSIDES) y se enmarca dentro de una investigación mayor, titulada “Producción y consumo audiovisual: Formas y circuitos alternativos, políticas y geografía”, dirigida por José A Borello en la UNGS.

Este artículo pretende realizar una primera aproximación a la cuestión de las políticas de fomento a la producción audiovisual a nivel sub-nacional, entendiéndose por ello a los programas que rigen sobre provincias o municipios en la Argentina1. Como tal, se propone dos objetivos principales: examinar la bibliografía existente y describir los distintos aspectos implicados en el fenómeno. El texto se nutre de algunos aportes teóricos y analíticos referidos a los países desarrollados, donde estas experiencias tienen una mayor antigüedad. Por otro lado, se basa en investigaciones recientes que abordan casos que están teniendo lugar en distintos puntos del territorio nacional. Estos se refieren, particularmente, a las provincias de San Luis y San Juan, al municipio de Moreno, y a la Ciudad Autónoma de Buenos Aires. También se recurre a distintas fuentes secundarias (periodísticas, sitios web, etc.) para dar cuenta de otras experiencias incipientes que, hasta el momento, no han sido estudiadas por investigadores. Antes de avanzar sobre estos casos, no obstante, parece necesario reconstruir el contexto en el que surgen estas políticas y analizar qué otros fenómenos intervienen. En primer lugar, se introducirá una discusión sobre la diversidad de enfoques que presentan las políticas de fomento al audiovisual (y a las industrias culturales en general). Luego, el surgimiento de estas políticas será puesta en diálogo con políticas que funcionan a escala nacional, por un lado, y con una serie de fenómenos globales relativos a la producción audiovisual, por el otro. En síntesis, se sostiene que las políticas locales son indisociables del contexto nacional y global.

Dos momentos en la política de fomento Tal vez simplificando un poco, puede decirse que existieron dos momentos distintos relacionados con las políticas públicas de fomento al audiovisual. En un primer momento, que data desde principios de siglo XX, las políticas de fomento estuvieron sostenidas por la idea de que el cine constituía un fenómeno masivo y estratégico en la construcción de representaciones sociales. Los estados nacionales intervinieron para favorecer la producción de películas cuyos temas estuvieran relacionados con la cultura y la historia de estas naciones. Al mismo tiempo, la producción de contenidos nacionales tenía el objetivo de contrarrestar la sobreabundancia de películas extranjeras. En muchos casos, las políticas de fomento fueron condición necesaria para la existencia misma de un “cine nacional”. Es decir, esta primer etapa estuvo caracterizada por un espíritu proteccionista, tanto en el sentido económico como cultural (Aprea, 2008). El segundo momento comienza a darse a mediados de la década de 1980 y con una concepción más amplia ya que incluye a la televisión, la publicidad y otras expresiones del

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 152


Políticas sub-nacionales de fomento a la producción audiovisual – Leandro Gonzales

audiovisual. Esta etapa está caracterizada por una mayor conciencia del aporte que estas actividades hacen a la sociedad en el marco de las industrias culturales. Es decir, ya no sólo se las valora por la importancia simbólica de los contenidos en pantalla sino también por lo que está detrás: una cadena de valor que genera empleo e innovación. En estos casos, las naciones no sólo intervienen con fines proteccionistas, sino también de manera activa y estratégica para generar un mercado con conexiones globales. Para comprender esta segunda etapa hay que tener en cuenta el contexto. Por un lado, tal como señalan Asheim y Cruz (2007), una de las principales características de la economía del conocimiento global es que las naciones y regiones compiten entre sí sobre la base de competencias y productos exclusivos. En los países desarrollados, las industrias culturales se han convertido en la base del crecimiento económico. Estos autores estudian el caso de la industria cinematográfica de Nueva Zelanda, que ha gozado de un crecimiento sostenido durante los últimos años en buena medida debido a su “clase creativa” y a sus recursos culturales y naturales. Esta caracterización coincide con la presentada por Andres y Chapain (2013) respecto a las políticas de fomento a las “industrias culturales y creativas” en general. Históricamente, sostienen, ha habido dos perspectivas diferentes: la primera, culture-centric, está basada en la valoración de la cultura en tanto actividad sin fines de lucro (en contraste con la lógica del mercado). Esta concepción está estrechamente vinculada con el patrimonio (museos, teatros, etc.) y expresiones artísticas (como la pintura, música, teatro, etc), es decir, se refiere principalmente a la cultura clásica de Europa occidental. Aquí la principal forma de intervención estatal es el apoyo directo a la cultura con fondos públicos, en tanto constituye un deber cívico. Los propósitos, entonces, están relacionados con el acceso y la participación ciudadana, la educación, el bien público y el interés nacional. En cambio, la perspectiva econo-centric se basa en una definición más amplia ya que incluye una mayor cantidad de actividades (desde el software y los videojuegos hasta la publicidad y el diseño), las cuales están apoyadas por políticas que tienden a la sustentabilidad y el desarrollo económico de las mismas. Esto implicó un acercamiento entre las manifestaciones masivas, populares y comerciales ligadas al entretenimiento, y el elitista mundo de la alta cultura. En este caso, el fomento a las actividades se da a partir de la articulación entre el sector público y el sector privado, lo cual implica una mayor presencia del mercado. Algunas de las metas son el crecimiento económico, la exportación de bienes y servicios, la innovación, el resurgimiento del espacio urbano y el city-marketing. Andres y Chapain subrayan que la primera perspectiva ha tenido mayor predominio en las políticas nacionales, incluso desde fines del siglo XIX; mientras que las ciudades y regiones se han inspirado en la segunda perspectiva, de manera creciente desde los ‘80. Si bien estos puntos de vista acarrean concepciones culturales distintas, y existe una discusión en torno a los términos “industrias culturales” e “industrias creativas”, no se trata de polos opuestos sino que, de hecho, se implementan con distintos niveles de articulación en muchas ciudades. El arte y la cultura están dejando de ser actividades meramente subsidiadas, y su financiamiento comienza a ser considerado una inversión que no carece de beneficios económicos. De hecho, Pratt (2011) afirma que en la actualidad las grandes

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 153


Políticas sub-nacionales de fomento a la producción audiovisual – Leandro Gonzales

ciudades se esfuerzan por justificarse sobre la base de su oferta cultural; y sugiere que, en contraposición a los discursos economicistas, podría decirse que la cultura es “la nueva base económica”. Para estas ciudades, el objetivo de generar contenidos locales puede ser secundario; dado que lo que se busca es atraer proyectos de cualquier procedencia bajo el supuesto de que tendrán un impacto positivo en las economías locales. Es decir, estas políticas funcionan como un mecanismo de atracción de capital e inversiones. Incluso son consideradas como una forma de impulsar el turismo. Una caracterización similar, aunque específica para la producción audiovisual, es la que hacen Cucco y Richeri (2011), para quienes hay básicamente dos motivos para la creación de políticas regionales: por un lado, el deseo de apoyar a la producción cultural local y el talento creativo presente en la región, que de otra manera no tendría posibilidades de emerger; por el otro las razones son puramente económicas. Los autores distinguen entre el “modelo latino”, encarnado por Francia y otros países del mediterráneo, que apoyaron históricamente la producción cinematográfica sobre la base del valor cultural de las películas (culture driven funds); y el “modelo continental”, que a principios del siglo XXI comenzó a emerger siguiendo lógicas y objetivos económicos (economy driven funds). También señalan que en la actualidad, salvando escasas excepciones, los fondos suelen ser una combinación de ambas lógicas. Por lo tanto, teniendo en cuenta estas caracterizaciones de las políticas públicas, es posible ahora pasar al análisis de los casos concretos.

Importancia de las politicas audiovisuales

Suele afirmarse que Nigeria, la India y Estados Unidos, los tres países que mayor cantidad de producciones anuales realizan, son los únicos que se valen exclusivamente del mercado para sostener sus niveles de producción. Para el resto, las políticas de regulación y fomento son imprescindibles, incluso para países como Francia que tienen una gran tradición cinematográfica y aceptables cuotas de mercado local. Desde ya, el diseño de políticas es sólo el punto de partida, y su efectiva implementación puede ser muy distinta. Más aún, la cantidad de producciones anuales no es en sí mismo un indicador de que una política sea exitosa, ya que otras variables como la distribución, exhibición y la cuota de mercado son igual de importantes. No obstante, para países como la Argentina contar con una ley de fomento a la actividad constituye una condición sine qua non para sostener su producción. Ahora bien, la importancia de los marcos legales a nivel nacional ha conducido a que los estudios existentes sobre las políticas de regulación y fomento de la producción audiovisual se concentren mayormente en la escala nacional, sin realizar un énfasis similar en el estudio de las políticas sub-nacionales. De hecho, de allí también se deriva la creencia

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 154


Políticas sub-nacionales de fomento a la producción audiovisual – Leandro Gonzales

generalizada de que no existen políticas explícitas de apoyo al cine en los Estados Unidos, creencia que va acompañada por la afirmación de que allí la actividad se apoya exclusivamente en el mercado. Sin embargo, en los Estados Unidos muchos estados y ciudades tienen políticas de apoyo a la producción cinematográfica. Sin ir más lejos, Foster y Terkla (2011) contabilizan 44 estados que, al menos, brindan incentivos fiscales. Por ello, a continuación se realizará un breve repaso por los tres niveles en el que intervienen las políticas de fomento a la producción audiovisual: nacional, supranacional y sub-nacional.

Políticas a nivel nacional

A partir del año 2004, la Argentina ha alcanzado un volumen de producción cinematográfica que no sólo supera los niveles históricos de la “era de oro” (1935-1955, aproximadamente), cuando llegaron a producirse casi sesenta películas en un año, sino que desde el año 2010 esa cifra viene siendo duplicada con regularidad. Según reporta el INCAA, en 2012 se estrenaron 145 películas nacionales, la cifra más alta de toda la historia.

Figura 1. Películas nacionales estrenadas por año.

Fuente: elaboración propia, en base a Getino (1998), Anuarios INCAA (2009; 2010; 2011; 2012) y SINCA (2010).

La producción cinematográfica se encuentra estrechamente ligada a otras tales como la televisiva, la publicitaria, etc. A su vez, se asocian a ella una gran cantidad de servicios especializados. Todo este conjunto se ha desarrollado a partir de políticas y marcos legales como la Ley de Fomento y Regulación de la Actividad Cinematográfica (17.741, del año 1994) y la Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual (LSCA, n° 26.522, del año 2009). Impulsado por estos instrumentos, el entramado productivo ha presentado un importante crecimiento que ubica a la Argentina entre los principales exportadores audiovisuales del mundo.

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 155


Políticas sub-nacionales de fomento a la producción audiovisual – Leandro Gonzales

Cuadro 1. Principales exportadores de servicios audiovisuales y conexos, 2009 y 2010 (millones de dólares y porcentajes)

Fuente: OMC (2012).

Sin lugar a dudas, las políticas que implementa el INCAA desde 1994 han contribuido en gran medida a este panorama. No obstante, sus atribuciones van más allá de subsidiar y financiar la producción, con lo cual es posible identificar algunas falencias. En un estudio empírico reciente (Borello y González, 2012), se encontró que los productores tienen un considerable nivel de acuerdo con las políticas del INCAA, pero también existe un alto nivel de inconformismo respecto a su implementación. La LSCA, que regula los servicios de comunicación audiovisual, se ha implementado con limitaciones: por un lado, porque el principal grupo de medios ha objetado la constitucionalidad de dos artículos y la Corte Suprema debe expedirse; por el otro, porque la autoridad de aplicación no ha cumplido suficientemente con su tarea, sea por acción u omisión. Hay un caso concreto que señala los límites de la implementación de ambos textos legales: la cuota de pantalla televisiva, medida fundamental para el financiamiento y la exhibición del cine nacional. Su reglamentación, ignorada por el INCAA, se hizo con la LSCA. Pero eso no bastó para que se cumpla2. ¿Qué implica la cuota de pantalla televisiva? El artículo 67 de la LSCA obliga a los canales de aire a adquirir los derechos de emisión de al menos 8 películas al año antes de que éstas entren en etapa de rodaje. La ley también prevé que un conjunto diverso de licenciatarios destine el 0,5% de su facturación anual a la compra de “derechos de antena”. Cabe señalar que tampoco los canales han hecho demasiado por su cumplimiento. 2- “Nadie nunca nada”, Haciendo Cine, octubre de 2012.

En cambio, sí se ha avanzado en objetivos como el de “promover la conformación y desarrollo de conglomerados de producción” (art. 153). Para ello, se ha lanzado el Programa Polos Audiovisuales Tecnológicos que divide al país en nueve regiones (polos). Cada polo agrupa una cantidad de nodos que se definen como “sistemas productivos locales integrados por cooperativas, organizaciones sociales afines al sector audiovisual, PYMES, productores independientes, televisoras y organismos públicos locales”3. Este programa ha contribuido, sin duda, a la descentralización de la producción audiovisual.

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 156


Políticas sub-nacionales de fomento a la producción audiovisual – Leandro Gonzales

Internacionalización y regionalización del cine y el audiovisual

Otro fenómeno que convive con las políticas nacionales es la deslocalización de la producción cinematográfica, dando lugar a lo que algunos autores han denominado como “el complejo cinematográfico internacional contemporáneo” (Goldsmith y O’Regan, 2003) o como “un paisaje audiovisual policéntrico” (Scott, 2005). Aquí las políticas operan a nivel supranacional, dado que intervienen dos o más países, o incluso regiones enteras. Una de las manifestaciones más notorias de este fenómeno es el auge de la co-producción internacional (Ciller y Beceiro, 2013). Por caso, entre los años 2000 y 2012 se estrenaron 160 películas argentinas en Europa, de las cuales sólo 51 eran exclusivamente nacionales4. García Canclini (2012) señala que este fenómeno pone en cuestión la idea de un “cine nacional”: a propósito del Oscar obtenido por El secreto de sus ojos (Campanella, 2009), introduce el interrogante sobre la “nacionalidad” de una película financiada mayormente por España y que incluso había competido entre los films españoles en los premios Goya. Esto se da en el marco de una economía cada vez más global, en la que pierde peso la referencia nacional y en cambio cobra mayor importancia lo local y regional (Sturgeon, 2001). Morley y Robins (1995) sugieren que esta situación da forma a un espacio transnacional, el cual tiene un efecto paradójico al revalorizar lo local. Es decir, lo local se presenta como una forma de contrarrestar el potencial homogeneizador de la producción global.

3 Programa Polos: http ://www.tda.gob. a r / contenidos/programa_ polos_audiovisuales.html 4- LUMIERE: http://lumiere. obs.coe.int/web/search/ index.php 5- La RECAM (Reunión Especializada de Autoridades Cinematográficas del Mercosur) “es un órgano consultor del MERCOSUR en la temática cinematográfica y audiovisual, formado por las máximas autoridades gubernamentales nacionales en la materia”. Fuente: http://www.recam. org/?do=recam

A propósito de la creación del Mercosur, Moguillansky introduce la “figuración de espacios identitarios” regionales. Señala que el cine “tiene un rol central (…) en la formación de un imaginario regional para el Mercosur, que amplíe el conocimiento mutuo y contribuya a fortalecer la dimensión simbólica de la integración del bloque” (2009: 3). Por ello, su análisis tiene como objeto a las películas en tanto discurso sobre el espacio fronterizo entre Brasil y Uruguay. Analiza la construcción de ese espacio tanto en el plano simbólico-discursivo de las películas como en el de las políticas que sostienen la actividad, lo cual se hace manifiesto en otro texto en el que subraya la importancia de la creación de la RECAM5 (Moguillansky, 2010). En este segundo texto sostiene que al momento de su creación (1995) en el Mercosur regía una concepción neoliberal que no concebía el desarrollo de políticas culturales. Pero los cambios ocurridos a partir de 2003 significaron, entre otras cuestiones, el ingreso de la industria cinematográfica en la agenda, creándose la RECAM. Una de sus primeras medidas buscó impulsar la circulación de cine argentino en Brasil y viceversa. La instancia regional posibilitó, además, tejer acuerdos directamente con la Unión Europea. No obstante, hasta el momento estas y otras medidas han tenido un alcance limitado. Otro espacio regional en el que se implementan políticas audiovisuales es Ibermedia6, que nació inspirado en el programa Media (de la UE). Sin embargo, como señala Paz García, la ejecución de ambos programas registra grandes diferencias en el destino de los recursos: el 92% del fondo Ibermedia se destina al proceso creativo, que incluye la modalidad de coproducción (81%) y desarrollo (10,3%),

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 157


Políticas sub-nacionales de fomento a la producción audiovisual – Leandro Gonzales

tan sólo un 4% a la fase de promoción, distribución y delivery, frente al 64% del fondo Media destinado a la distribución (55%) y promoción (9%) de las obras audiovisuales europeas. (2011: 2-3)

García Canclini destaca la importancia de Ibermedia, pero sin olvidar los inconvenientes a los que debe hacer frente: Todavía la relación es muy asimétrica, ya que el gobierno español aporta dos tercios de los fondos de Ibermedia. El papel central de los españoles también se aprecia en la exhibición: la única ciudad en la que pueden verse en una misma semana 5 a 10 películas de distintos países latinoamericanos no es Buenos Aires, ni Bogotá, ni Sao Paulo, ni México DF, sino Madrid (2012:7).

6-Ibermedia se creó en 1996 y es definido como “un programa de estímulo a la coproducción de películas de ficción y documentales realizadas en nuestra comunidad integrada por diecinueve países. Nuestra misión es trabajar para la creación de un espacio audiovisual iberoamericano por medio de ayudas financieras y a través de convocatorias que están abiertas a todos los productores independientes de cine de los países miembros de América Latina, España y Portugal”. Fuente: http://www. programaibermedia.com/elprograma/ 7-Fuente: http://www. clarin.com/espectaculos/ cine/gaturro-movioindia_0_332966888.html

Hay otro fenómeno más a considerar, y tiene que ver con lo que es definido como crossborder cultural production por Wasko y Erickson (2008) o como runaway production por Christopherson (2006). Aunque siempre ha habido producciones en búsqueda de locaciones particulares, en los últimos años la selección de locaciones se hace bajo el imperativo de reducir costos. Por ejemplo, muchas de las producciones de Hollywood se están filmando en otras ciudades de Estados Unidos (Foster y Terkla, 2011) o en Canadá (Scott, 2005), atraídas por incentivos. Esto representa una oportunidad para muchos países. Más aun teniendo en cuenta el auge del cine de animación en 3D, dado que la tecnología permite que se pueda producir prácticamente en cualquier lugar. De hecho, entre la producción de Gaturro: la película (Cova, 2010) y la de Metegol (Campanella, 2013) se puede observar un cambio de estrategia: mientras la primera fue realizada parcialmente en la India (por una empresa especializada en animación7), la segunda fue hecha en la Argentina y con la intención de desarrollar capacidades8 que permitan un modelo de negocios basado en la venta de servicios al exterior.

Políticas sub-nacionales en la Argentina

8 -El INCAA, la Academia de las Artes y Ciencias Cinematográficas de la Argentina, y la ENERC (Escuela Nacional de Experimentación y Realización Cinematográfica), dependiente del INCAA, presentaron un programa de becas para la especialización en Animación de Personajes en 3D. Fuente: http://www. escribiendocine.com/ noticia/0006973-industriacampanella-y-mazurepresentaron-el-programade-becas-para-animacionen-3d/

Históricamente, la actividad audiovisual ha estado fuertemente concentrada en Buenos Aires (GONZALES, 2013). Las experiencias en el “interior” han sido esporádicas y generalmente asociadas a iniciativas privadas o a escuelas de cine. Es decir, no contaron con un apoyo estatal local que permitiera su desarrollo. Por eso resulta necesario enfatizar la importancia de las políticas de fomento que han surgido y están surgiendo en distintos puntos del país desde principios de siglo XXI.

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 158

En parte debido a su novedad, estas políticas sólo recientemente han comenzado a suscitar el interés de los investigadores. En este apartado se abordarán los casos de las provincias de San Luis y San Juan, el municipio de Moreno en la provincia de Buenos Aires, y la Ciudad Autónoma de Buenos Aires. También se comentarán algunos casos sobre los cuales no existe bibliografía, que serán evocados por medio de artículos periodísticos y


Políticas sub-nacionales de fomento a la producción audiovisual – Leandro Gonzales

otras fuentes similares. Barnes et al (2013) analizan el caso de San Luis Cine (SLC), un programa de fomento ambicioso en sus objetivos y pionero en lo que respecta a políticas audiovisuales en el interior. Incluso dentro de la propia provincia la actividad audiovisual tenía escasos antecedentes. Los autores nutren su análisis a partir de entrevistas (con funcionarios, productores y otros trabajadores que se desempeñan en la actividad) y de reportes presupuestarios de la provincia. En 2001 se promulgó la ley provincial 5.280, de fomento a la industria del cine, pero que también contemplaba otros objetivos (tales como la generación de empleo y el impulso al turismo). Esta ley creaba un fondo de fomento para otorgar subsidios, créditos sin interés y becas, además de una exención impositiva para las productoras. Por ejemplo, los créditos para largometrajes podían cubrir hasta un 80% de los costos que la producción gastara en la provincia (con independencia de los costos totales de la misma, y de si incluye rodaje fuera de San Luis). La ley también creó la San Luis Film Commission. Por su parte, los productores beneficiados se comprometían a contratar un mínimo de mano de obra local, rodar una cantidad determinada de jornadas en la provincia y ofrecer cursos de capacitación gratuitos para estudiantes y público en general. La experiencia se inició con un fondo de fomento considerable que ascendía a los $20.000.000. Hasta 2004, se habían producido 14 proyectos en total, lo cual permitió que muchas personas se capaciten con la práctica. Ese mismo año se produjo un cambio en el marco legal: la ley vigente fue reemplazada por la Nº VIII-0240-2004, que sigue los lineamientos generales de la primera pero introduce novedades, como la posibilidad de que la provincia participe como co-productora. Es decir, de este modo, la provincia hace un aporte minoritario en proyectos que ya tienen algún tipo de financiamiento (público o privado). Habitualmente se trata de co-producciones internacionales, que no cuentan con subsidios del INCAA y por lo tanto tienen una mayor necesidad de recuperar la inversión por la vía comercial. Asimismo, la provincia se asegura la distribución internacional de estas películas, lo cual a su vez puede contribuir a fomentar el turismo. El cambio legal significó un balance sobre lo hecho, e incorporó elementos tendientes a corregir falencias, como la exigencia de garantías a fin de recuperar los créditos otorgados. A diferencia del INCAA, SLC no es un ente autárquico, sino que depende de un Ministerio y su fondo de fomento se compone a partir de una partida presupuestaria del estado provincial El fondo rondó, con altibajos, la cifra inicial, aunque desde 2010 se redujo a los $10.000.000 anuales. Sin embargo, tanto los funcionarios como los realizadores consideran que no se trata tanto de un recorte como de un uso más criterioso y eficiente de los recursos, dado que ha aumentado el dinero recuperado por los créditos otorgados A partir de 2011 también se incorpora una prospectiva de los proyectos que serán financiados, lo cual, sumado a lo antedicho, evidencia la intención de tener un mayor control sobre las inversiones. En total, entre 2002 y 2011 se invirtieron cerca de $180 millones y se produjeron 44 largometrajes, de los cuales 14 fueron co-producciones (casi en su totalidad con España) y 17 contaron con el apoyo del INCAA.

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 159


Políticas sub-nacionales de fomento a la producción audiovisual – Leandro Gonzales

Entre los logros, se pueden destacar el mantenimiento de una política pública durante más de diez años, que ha asumido la necesidad de crear y consolidar un ambiente capaz de suplir las necesidades de la actividad. Esto involucra a instituciones de formación (Universidad de la Punta y Universidad Nacional de San Luis), la construcción de infraestructura (estudio de filmación) y una oficina que facilita los permisos de rodaje. En este contexto han surgido entidades que nuclean y representan a los trabajadores, algunas empresas de servicios y equipos de trabajo locales. Por otro lado, como déficits pueden señalarse la rotación de funcionarios, la escasa articulación con el INCAA y la producción televisiva, y la falta de especialistas en ciertos rubros de producción. Además, el mercado local es insuficiente para volver rentables las producciones de SLC, ya que la provincia tiene 431.588 habitantes. Si el mercado nacional es acotado para la producción de Buenos Aires, más aún para la de San Luis. Muchas de las cuestiones señaladas pueden ser consideradas lógicas para una experiencia pionera y sin antecedentes. Por eso mismo, estudiar el caso de San Luis puede servir para comprender otras experiencias que surgieron con posterioridad. Una segunda provincia en aprobar una ley de cine es la de San Juan. Vila (2012) analiza el caso a partir de la aprobación en el año 2003 de la “Ley de promoción y difusión del cine” (n° 7.415). Su sanción creaba una oficina con las funciones propias de las film offices: respaldo logístico, información, contactos, permisos y autorizaciones. Pero además de atraer producciones del ámbito nacional e internacional, la ley se proponía difundir cine nacional en la provincia; desarrollar estrategias para la actividad; vincularla con el área de promoción técnica, cultural y económica; incorporar profesionales locales y, tal vez lo más importante, financiar proyectos. El financiamiento fue contemplado desde el inicio como un complemento para aquellos que ya contaran con una inversión. El fondo de fomento se conformaría a partir de recursos obtenidos por la prestación de servicios, aportes de particulares y ONG, fondos del Estado nacional y una partida presupuestaria del gobierno provincial. Sin embargo, el cambio de gestión tras la aprobación de la ley atentó contra su ejecución, a tal punto que nunca fue reglamentada. Desde entonces sólo se realizaron algunas actividades, principalmente con fondos provenientes del INCAA, mientras que una partida presupuestaria está destinada al funcionamiento del cine móvil. Durante la gestión que aprobó la ley se financiaron tres cortometrajes producidos en la provincia. Vila señala que esta situación se enmarca en una desconfianza general que existe en el poder político provincial respecto a la importancia de las industrias culturales. Sin embargo, la actividad audiovisual está creciendo de la mano de iniciativas privadas y de políticas nacionales, principalmente las del INCAA y las que se desprenden de la LSCA, como el Plan de Fomento de la TDA y el Programa Polos Audiovisuales Tecnológicos. Además de San Luis y San Juan, hay otras tres provincias que en los últimos años han comenzado a diseñar políticas para la actividad audiovisual. En 2011 la legislatura de Río Negro sancionó la Ley 4.675 por medio de la cual se crea la Comisión de Filmaciones Río

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 160


Políticas sub-nacionales de fomento a la producción audiovisual – Leandro Gonzales

9- http://latamcinema.com/ noticia.php?id=3631

10-http://www.legisrn.gov. ar/prensa2/desarro_prensa. php?cod=1843

1 1 - h t t p : / / w w w . legislaturamendoza.gov. ar/?p=4536

12LatAm. comisiones latinoamericanas. noviembre 2012

Especial fílmicas N°2,

Negro, dependiente de la Agencia Río Negro Cultura. Sus funciones son extender los permisos de filmación, supervisar los sets y percibir el canon correspondiente por la utilización del espacio público9. El proyecto de ley se basó en un estudio-diagnóstico previo, titulado “Potencialidad de la Provincia de Río Negro como Sede de Producciones audiovisuales Nacionales e Internacionales”10. A su vez, la creación de la Comisión supone un primer paso hacia la discusión y sanción de una ley de cine, que desde el principio estuvo entre las aspiraciones de la provincia. Otro caso es el de Mendoza, que hace unos años comenzó a trabajar en dos proyectos de ley: la creación de una Film Commission y el fomento a la actividad. El primero apunta a la promoción nacional e internacional de las locaciones y a facilitar la realización de producciones en la provincia. El segundo está destinado principalmente a productores y realizadores locales. A diferencia de San Luis, en Mendoza se está pensando en que el estado participe por medio de créditos y sin construir estudios y otro tipo de infraestructura. Es decir, no como co-productor, sino como facilitador. La Film Commission fue creada en abril de 2013 mediante la Ley nº 8.54611, mientras que el proyecto de la ley de cine continúa siendo debatido en foros. Estas políticas se articularían, por un lado, con los nuevos canales de TDA: “Acequia TV”, canal público, y “Señal U”, de la UNCuyo. Por el otro, con las actividades que actualmente está llevando a cabo la Dirección de Industrias Creativas (dependiente del Ministerio de Cultura), como el MENDOC, Festival de Cine Documental que se viene desarrollando desde 2009. También en la provincia de Córdoba hay expectativas similares. En los últimos años ha producido cine en cantidad y calidad, a partir de una articulación sectorial que ha impulsado la demanda por políticas de fomento. Incluso han presentado ante la Agencia Córdoba Cultura el proyecto para crear una comisión de filmaciones12, pero aún no ha sido tratada en la Legislatura. Por otro lado, Blinoff (2013) estudia el caso del municipio de Moreno, que desde 2009 ha estado ejecutando políticas para “promover el desarrollo local de las Industrias Culturales y de la comunicación como ámbitos de generación de empleo genuino y factores implícitos en el proceso de democratización e inclusión social”, inspiradas en la LSCA. Una de las primeras medidas fue transformar la Dirección General de Prensa en la Dirección General de Comunicación Social y Prensa. Se trata de un cambio que trasciende lo nominal, ya que busca actualizar el esquema comunicacional al nuevo paradigma que instaura la LSCA. El municipio ha asumido distintos roles: agrupar y organizar a los actores, sistematizar información para diseñar políticas, y planificar las actividades relacionadas con la producción audiovisual. Se conformó un equipo de trabajo interdisciplinario con el fin de “impulsar las experiencias de comunicación presentes en su territorio y avanzar en el proceso de implementación de la nueva Ley de Medios” (2013: 6). Dos iniciativas que se destacan son el “Foro abierto de comunicación” y el “Programa de capacitación y comunicación comunitaria”. El primero nuclea a actores afines al espacio comunicacional local: referentes de organizaciones sociales, del sector privado, miembros de instituciones educativas y funcionarios.

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 161


Políticas sub-nacionales de fomento a la producción audiovisual – Leandro Gonzales

Estas características transformaron al Foro en un espacio inédito de reflexión sobre la realidad comunicacional local y de debate de propuestas. Una de sus contribuciones fue la creación de un mapa de medios locales que incluye a más de un centenar de espacios comunicacionales. Pero lo más importante es que permitió poner en evidencia la necesidad de “repensar el ámbito de la comunicación actualizando perspectivas y enfoques, planificando toda esa actividad en términos productivos” (2013: 8). Por su parte, el “Programa de capacitación y comunicación comunitaria” fue impulsado con el objetivo de promover la generación de recursos, vínculos y espacios formativos para las organizaciones sociales. Desde que se inició el programa, se fortalecieron los medios comunitarios existentes e incluso se crearon algunos nuevos. Partiendo del consenso sobre lo limitado del mercado local y de la necesidad de que los emprendimientos sean autosustentables, en 2012 el municipio convocó a emprendedores para conformar “Hecho en Moreno Audiovisual”, una iniciativa de trabajo asociado entre productores locales y el municipio para generar contenidos televisivos y cinematográficos. Inspirados en los principios de la economía social, se implementan estrategias que permitan superar los obstáculos a partir de la organización sectorial y cooperativista de los productores. Al mismo tiempo, esta iniciativa se propone rediseñar el campo laboral audiovisual en términos productivos. Gionco (2012) estudia el proceso de discusión y sanción de la Ley 3.876 (“Régimen de Promoción para las Actividades Audiovisuales”) en la Ciudad de Buenos Aires, pero también repasa las políticas preexistentes. Señala que desde 1999 se realiza el BAFICI, festival de cine independiente, que se ha constituido en un espacio fundamental para la exhibición de cine no comercial. En 2003 se creó el BASet (permisos de locación), atendiendo a la creciente demanda generada por la actividad tanto local como extranjera, y contribuyendo a su consolidación. También existe desde 2009 la Buenos Aires Film Commission. Finalmente, en septiembre de 2011 se sancionó y en febrero de 2012 se reglamentó la mencionada ley. La ley disponía, por un lado, la asimilación de la actividad audiovisual con la industrial, lo cual supone el acceso a créditos especiales del Banco Ciudad. Por el otro, creó el Distrito Audiovisual, un espacio de 720 hectáreas en el cual las productoras instaladas allí obtienen beneficios fiscales. Según la autora, la sanción de esta ley se da en el marco de una tendencia general de las políticas sobre industrias culturales de la Ciudad que ponen el foco principalmente sobre sus aspectos económicos. En 2006, el ejecutivo trasladó la dependencia administrativa de la Subsecretaría de Industrias Culturales al Ministerio de Producción. Este cambio se profundizó en la gestión siguiente, que introdujo un cambio de concepción al reemplazar la noción de “industrias culturales” por la de “industrias creativas”, que privilegia los impactos materiales de la producción cultural, por encima de su valor simbólico. Más aún, la nueva Dirección General de Industrias Creativas pasó a depender de la Subsecretaría de Inversiones del Ministerio de Desarrollo Económico.

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 162


Políticas sub-nacionales de fomento a la producción audiovisual – Leandro Gonzales

En este contexto el Jefe de Gobierno presentó el proyecto ante la Legislatura. Fue controversial desde el inicio, dado que, si bien fueron convocados representantes de los sindicatos y asociaciones de la industria, sus propuestas fueron desestimadas. Esto condujo a que estos representantes y un grupo de diputados presentaran proyectos alternativos. La versión final del proyecto, no obstante, no se diferenció en términos generales de la propuesta inicial. Las voces disidentes planteaban una serie de cuestiones, tales como reivindicar el carácter artístico-cultural de la producción audiovisual. También cuestionaban la tesis de clusterización que subyace al proyecto, señalando que dentro del Distrito ya están instaladas las empresas más grandes, que se beneficiarían de incentivos que no necesitan. Otra cuestión objetada fue que la creación del Distrito estaría asociada a un proceso de gentrificación, una reconversión urbana que podría desplazar a los actores y a la población de menores recursos. Finalmente, fue controversial la incorporación de las empresas de distribución y exhibición entre las beneficiarias de la ley, dado que las que dominan estos rubros son principalmente transnacionales. Además de esta ley, la Ciudad cuenta con dos mecanismos de fomento a la producción audiovisual. Sin embargo, tal como lo describe Rueda (2010), estos son de carácter inespecífico dado que se enmarcan en programas de fomento a la cultura y el arte en general. El primero es la Ley de Mecenazgo (n° 2264), por la cual el Ministerio de Cultura selecciona y promueve proyectos con el objetivo de que sean apoyados por contribuyentes (particulares y/o empresas), que obtendrán a cambio una exención impositiva. El segundo funciona bajo el programa del Fondo Metropolitano de la Cultura, las Artes y las Ciencias, que destina fondos relativamente modestos. En ambos casos se trata de fondos que fomentan exclusivamente la producción, dejando de lado otras cuestiones como la distribución y circulación.

Consideraciones Finales

A modo de cierre, cabe reflexionar sobre los principales aportes y desafíos de estas políticas. Una cuestión importante radica en la discusión sobre el carácter cultural y/o económico de las políticas de fomento. Parece evidente que el cálculo económico es una de las motivaciones que persiguen los programas más ambiciosos. Este objetivo impone la necesidad de obtener resultados, es decir, de indicadores que señalen el buen funcionamiento y por lo tanto justifiquen la existencia misma de las políticas, sobre todo cuando otorgan beneficios que se justifican en base a su aporte al desarrollo local, en términos de empleo, turismo, etc. Aunque la medición del impacto sea de difícil captación, su intento es imprescindible. Esto supone un desafío tanto para los diseñadores de políticas como para los investigadores. Dicho esto, no hay que olvidar que el cine es también un producto cultural, esto es, que conlleva valor simbólico y por lo tanto puede contribuir a generar identidad sobre el propio territorio y sus habitantes, así como también puede aportar una diversidad que escasea

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 163


Políticas sub-nacionales de fomento a la producción audiovisual – Leandro Gonzales

cuando la producción está concentrada en un único punto geográfico. En este sentido, puede decirse que la cuestión cultural está lejos de ser relegada. En países como la Argentina, estas políticas contribuyen en gran medida a descentralizar la actividad. Productores y realizadores están accediendo, por primera vez, a la posibilidad de llevar a cabo sus proyectos, que incluyen paisajes y acentos regionales que no tenían lugar en las salas y los canales de televisión del país. Esto se verifica claramente en provincias como Córdoba, Mendoza y San Luis. Dado que se ha insistido en considerar el contexto en el que surgen estas políticas, puede decirse que su surgimiento es también un desarrollo del complejo productivo audiovisual nacional. Finalmente, resulta necesario llevar a cabo un seguimiento de estas políticas, para analizar no sólo su implementación sino también sus etapas de gestación, en las que se ponen en disputa nociones transversales sobre el rol del Estado, el valor de la cultura y el modelo de desarrollo subyacente. Por eso valdría además considerar experiencias similares que, con mayor trayectoria, tienen lugar en Europa y Estados Unidos; como así también empezar a tejer vínculos con casos latinoamericanos, en el marco de una integración regional que contempla lo audiovisual, y lo trasciende.

Referencias

ANDRES, L. & CHAPAIN, C. The Integration of Cultural and Creative Industries into Local and Regional Development Strategies in Birmingham and Marseille: Towards an Inclusive and Collaborative Governance? Regional Studies, 47:2, 2013, 161-182. APREA, G. Cine y políticas en Argentina. Buenos Aires: UNGS-Biblioteca Nacional, 2008. ASHEIM, B. & CRUZ, S. Cultural Industries, Talent Attraction and Knowledge Bases – The New Zealand Film Industry as Constructed Advantage. The 2nd International Seminar on Regional Innovation Policies, Salzburg, 2007. BARNES, C.; BORELLO, J.; CASTRO, D.; GONZÁLEZ, L. La producción cinematográfica en la provincia de San Luis y la experiencia de San Luis Cine (Proyecto PICT 2007-0776). En: El sistema audiovisual y las ciencias sociales, 13 y 14 de junio de 2013, UNGS, Buenos Aires. BLINOFF, J. J., El rol del Estado Municipal en la planificación local de la industria audiovisual en el marco de nuevas tecnologías y legislaciones. En: El sistema audiovisual y las ciencias sociales, 13 y 14 de junio de 2013, UNGS, Buenos Aires. BORELLO, J. A., y GONZÁLEZ, L. Características de la producción audiovisual en la Argentina: Resultados de una encuesta reciente a productoras. Revista Imagofagia, n°6, octubre, 2012.

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 164


Políticas sub-nacionales de fomento a la producción audiovisual – Leandro Gonzales

CHRISTOPHERSON, S. Behind the scenes: how transnational firms are constructing a new international division of labor in media work. Geoforum, 37(5), 2006, 739-751. CILLER, C. y BECEIRO, S. Coproducciones cinematográficas en España: análisis y catalogación. Revista Eptic Online, 15(2), 2013, 234-246. CUCCO, M., & RICHERI, G. Film Commissions as a Driver for Economic and Cultural Development. Fourth Euro-Mediterranean Dialogue on Public Management, Rabat, Marruecos, 2011. FOSTER, Pacey C. y TERKLA, David. Film and Television Production in Massachusetts: The Beginning of Hollywood East? Mass Benchmarks. Vol. 13, No. 2, 2011, pp. 21-31. GETINO, O. Cine argentino entre lo posible y lo deseable. Buenos Aires: Ciccus, 1998. GIONCO, P., Distrito audiovisual de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires: ¿régimen de promoción o de concentración económica? III Congreso Internacional AsAECA, Córdoba, 2012. González, L. (2013). “Cine y geografía. Hacia un estado del arte, con foco en la Argentina”. Biblio 3W. Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 25 de diciembre, Vol. XVIII, nº 1054. <http://www. ub.es/geocrit/b3w-1054.htm>. [ISSN 1138-9796]. GOLDSMITH, B. y O’REGAN, T., Cinema Cities, Media Cities: The Contemporary International Studio Complex, Griffith University, Brisbane, 2003. MOGUILLANSKY, M. Lugares comunes. Acerca de la figuración de espacios identitarios en el cine del Mercosur. V Jornadas de Jóvenes Investigadores del Instituto de Investigación Gino Germani, Universidad de Buenos Aires, 2009. MOGUILLANSKY, M. Cine, política y Mercosur. Un balance de los comienzos de una política cinematográfica regional. Políticas Culturais em Revista, 2(2), 2010. MORLEY, D., & ROBINS, K. Spaces of Identity: Global Media. Electronic Landscapes and Cultural Boundaries, London and New York: Routledge, 1995. PAZ GARCÍA, C. La comercialización intra e interregional del cine euro-iberoamericano en la era digital. Revista Eptic Online, 13(2), 2011. PRATT, A. C. An economic geography of the cultural industries. The SAGE Handbook of Economic Geography, 322, 2011. RUEDA, M.L. Por una ley municipal de cine. La revista del CCC. Enero / Abril, n° 8, 2010. SCOTT, A. On Hollywood: the place, the industry. Princeton NJ: Princeton University Press, 2005.

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 165


Políticas sub-nacionales de fomento a la producción audiovisual – Leandro Gonzales

STURGEON, T. J. How Do We Define Value Chains and Production Networks? IDS bulletin, 32(3), 2001, 9-18.

VILA, M. C. Políticas públicas para el fomento de la producción cinematográfica y audiovisual en San Juan. En: XVI Jornadas Nacionales de Investigadores en Comunicación. UCSE, 2012. WASKO J. & ERICKSON, M (Eds) Cross-border cultural production; economic runaway or globalization? Cambria Press, Oregon.

Otras Fuentes:

Anuarios INCAA (2009; 2010; 2011; 2012) y SINCA (2010). Especial comisiones fílmicas latinoamericanas. LatAm Cine N°2, noviembre 2012. “Nadie nunca nada”, Haciendo Cine, octubre de 2012. OIC (2004). Industrias culturales en la Argentina: Los años ´90 y el nuevo escenario post-devaluación. Buenos Aires. Organización Mundial del Comercio (2012). Estadísticas del comercio internacional 2011. http://www.wto.org/spanish/res_s/statis_s/its2011_s/its2011_s.pdf

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 166


LA TELEVISIÓN NACIONAL DEL URUGUAY: TNU UNA APROXIMACIÓN DESDE LA ECONOMÍA POLÍTICA DE LA COMUNICACIÓN TELEVISIÓN NACIONAL DO URUGUAY: TNU UMA APROXIMAÇÃO A PARTIR DA ECONOMIA POLÍTICA DA COMUNICAÇÃO TELEVISIÓN NACIONAL DEL URUGUAY: TNU A POLITICAL ECONOMY OF COMMUNICATION APPROACH

Gianela TURNES Economista egresada de la Facultad de Ciencias Económicas y Administración, Universidad de la República, Uruguay. Maestranda en Información y Comunicación Universidad de la República, Docente del Departamento de Ciencias Humanas y Sociales de la Facultad de Información y Comunicación, Universidad de la República Email: gianela.turnes@fic.edu.uy

Revista Eptic Online Vol.16 n.3 p.167-187 set.-dez 2014 Recebido em 08/04/2014 Aprovado em 11/06/2014


La televisión nacional del uruguay: TNU una aproximación desde la EPC – Gianela Turnes

Resumen El presente artículo es parte de los resultados de la investigación desarrollada sobre el sistema de televisión de Uruguay en el marco de la Maestría en Información y Comunicación. En él se analizan algunos aspectos de la acción y gestión del canal nacional de televisión del Uruguay desde el enfoque de la Economía Política de la Comunicación Latinoamericana. En particular, se contrastan los postulados teóricos y metodológicos propuestos por César Bolaño a partir de su concepción de mediación como categoría clave para la comprensión del campo de la comunicación. A partir de ese concepto, y del análisis del rol de la publicidad y la propaganda en la industria cultural, así como de la consideración del fenómeno subyacente de subsunción real del trabajo intelectual en el capital, se observa el caso de tnu (Televisión Nacional del Uruguay), inserto en un mercado de televisión que se aproxima con un modelo regulacionista, proponiendo una interpretación de su patrón tecnoestético en la coyuntura actual.

Palabras clave: Economía Política de la Comunicación, propaganda, publicidad, subsunción del trabajo intelectual en el capital, televisión pública, patrón tecnoestético

Resumo O artigo è um dos produtos da pesquisa referida ao sistema da televisão do Uruguai no marco da Maestria em Informação e Comunicação. Ele discorre alguns aspectos da ação e gestão do canal nacional da televisão do Uruguai a partir do enfoque da Economia Política da Comunicação Latinoamericana. Particularmente, contrastam se os postulados teóricos y metodológicos propostos por César Bolaño, a partir da sua concepção da mediação como categoria chave para a compreensão do campo da comunicação. Partindo desse conceito, e da análise do papel da publicidade e da propaganda na industria cultural, assim como da consideração do fenômeno subjacente da subsunção real do trabalho intelectual no capital, observa-se o caso da TNU (Televisión Nacional do Uruguay), inserido num mercado de televisão que aproxima-se de um modelo regulacionista, propondo uma interpretação do seu padrão tecno-estético na conjuntura atual. Palavras chave: Economia Política da Comunicação, propaganda, publicidade, subsunção do trabalho intelectual no capital, televisão pública, padrão tecno-estético Abstract This article is part of the investigation developed around the television system in Uruguay, within the Information and Communication Magister Program. It analyzes some aspects of the action and management of the Uruguayan national television channel - tnu (Televisión Nacional del Uruguay) from the point of view of Latin American Political Economy of Communication. Specifically, it aims to corroborate the theoretical and methodological postulates used by César Bolaño in his conception of mediation as a key category for the comprehension of the communicational field. Departing from this concept, and from the analysis of the rol of publicity and propaganda in culture industry, as well as from the consideration of the underlying phenomenon of real subsunction of intellectual work into the capital, the article observes the tnu case, which is set in a television market that is approached with a regulationist model, offering an interpretation of its techno esthetic pattern in present situation. Key words: Political Economy of Communication, Propaganda, Publicity, Intellectual work subsunction into the capital, public TV, techno esthetic pattern.

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 168


La televisión nacional del uruguay: TNU una aproximación desde la EPC – Gianela Turnes

Introducción

El presente artículo es parte de los resultados de la investigación desarrollada sobre el sistema de televisión de Uruguay en el marco de la Maestría en Información y Comunicación. La televisión de Uruguay atraviesa – en consonancia con la situación global del sector - un proceso que hace esperar profundos cambios. Por una parte se prepara para el apagón analógico de 2015 y la probable reestructura del mercado que traerá la generación del dividendo digital en el espectro radioeléctrico. Por otra, monitorea el proceso de aprobación de la nueva regulación nacional de la actividad audiovisual – que podría imponer condiciones muy novedosas a su acción -. A la vez, procura adaptarse a las exigencias que las tecnologías multimedia ponen en juego sobre la conformación de su oferta, proyectando posibilidades y riesgos. En este panorama de transformación del sector, la televisión nacional pública parece proyectarse en busca de una nueva ubicación en el sistema. Siendo un participante de la actividad televisiva uruguaya desde sus comienzos, y habiendo mantenido un perfil testimonial de escaso peso en el conjunto hasta años recientes, hoy pueden observarse algunos elementos que indican una intención de reposicionamiento dentro del sector. Se propone analizar estos indicios de transformación de los objetivos, estrategias y gestión del canal desde la óptica de la crítica a la Economía Política de la Comunicación Latinoamericana, procurando identificar las contradicciones propias del modo de producción capitalista incluidas en esa búsqueda de reformulación de la identidad del canal. El texto que se utiliza como marco teórico base es Industria Cultural, Información y Capitalismo, de César Bolaño, complementado con algunas ideas de Celso Furtado, que Bolaño también ha incorporado a su análisis. En el capítulo 1 se presenta el marco teórico de la Economía Política de la Comunicación Latinoamericana, aplicado a la industria cultural propia del capitalismo monopolista, incorporando elementos del análisis microeconómico considerados de utilidad para la comprensión de la conformación de los mercados de televisión en su coyuntura actual. En el capítulo 2 se describen sintéticamente las características centrales de la acción de tnu como canal público nacional en la coyuntura actual de transición a la televisión digital terrestre, señalando los distanciamientos registrados o previstos respecto a su ubicación tradicional dentro del sector. En el capítulo 3 se articulan teoría y datos empíricos a efectos de proponer una interpretación de economía política de la comunicación a la acción del canal público. En el capítulo 4 se presentan las reflexiones finales y propuestas de líneas de investigación sobre el tema para el futuro.

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 169


La televisión nacional del uruguay: TNU una aproximación desde la EPC – Gianela Turnes

1. La Economía Política de la Comunicación Latinoamericana y su abordaje de la industria cultural televisiva

La Economía Política de la Comunicación Latinoamericana, según la propone César Bolaño, es presentada como una crítica a la economía de la comunicación hegemónica, a semejanza de la crítica a la economía política de los autores clásicos que realizaba Karl Marx en su obra para el S XIX. Esta recuperación del enfoque marxista y su aplicación a la comunicación, es un esfuerzo teórico y metodológico de Bolaño por formular una teoría general crítica, marxista, aplicada a la comprensión del fenómeno de la comunicación mediática en el contexto del capitalismo monopolista del S XXI. 1.1.Una teoría marxista de la comunicación en el capitalismo monopolista

Bolaño fundamenta la necesidad de esta teoría en las diferencias que la realidad de la época presente plantea respecto al momento en que Marx desarrolló su pensamiento. Esta evolución de la organización del sistema en torno a la cultura puede comprenderse siguiendo a Nicholas Garnham en su distinción de los dos momentos de la cultura en la perspectiva materialista histórica: un primer momento de la ideología alemana de Marx y Engels de capitalismo competitivo, cuando la cultura era parte de la superestructura y era cultura de clase (época en que Marx desarrolla su teoría y escribe El Capital); y un segundo momento del capitalismo monopolista donde la superestructura es industrializada, momento de la industria de masas explicitada por la Escuela de Frankfurt, en que el capital pasa a producir la cultura. Es en este segundo momento cuando la industria cultural opera como mecanismo central del sistema, con un fuerte rol económico directo generado por la producción cultural, pero también con un rol indirecto que es su acción reproductora del sistema de consumo a través de la publicidad, y como garante de cohesión social a través de la propaganda. Con este aporte, Bolaño propone recuperar la mirada teórica, metodológica e histórica de Marx sobre el capitalismo competitivo del S XIX, para actualizarla y extenderla a las actividades culturales, ya que ellas no fueron más que marginalmente analizadas por el filósofo alemán, y particularmente porque el rol que toca a estas actividades en la fase actual del capitalismo monopolista es central para sostener y reproducir la lógica del sistema. De esta forma, el planteo de Bolaño incluye por una parte una crítica a la teoría de la comunicación hegemónica, referida a la forma en que ella define el concepto de mediación, y por otra parte, una crítica a la apariencia de libertad e igualdad entre los participantes del acto comunicativo, que es también un cuestionamiento a la realidad que esas posiciones teóricas producen y consolidan como ideología. Esta ideología - en su concepción marxista como apariencia falsa que encubre la realidad – refiere a la libertad de información y a la igualdad entre los agentes. Los Medios de Comunicación de Masas (en adelante MCM) son

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 170


La televisión nacional del uruguay: TNU una aproximación desde la EPC – Gianela Turnes

1-Bolaño utiliza el término interversión como la acción de presentar lo contradictorio como si fuera no contradictorio, siguiendo a Rui Fausto.

actores clave en el sistema, puesto que su función es afirmar y asentar esta ideología de la libertad de información, que encubre la realidad caracterizada por las fuertes diferencias entre los participantes de la acción comunicativa y por la relación de poder que ejerce el capital sobre el trabajador en el proceso productivo. A esta relación de poder Bolaño denomina subsunción del trabajo en el capital, y ella solo está mediada “por la estructura burocrática de la gran empresa”. La comunicación vertical capitalista que se produce en el ámbito de la empresa como manifestación de la relación de dominación se caracteriza por ser “jerarquizada, objetiva y directa, no mediada” (Bolaño, 2013, p.61). En este sistema donde los MCM y la industria cultural son claves en la interversión que enmascara las contradicciones del sistema (desigualdad y subsunción) como si fueran no contradictorias (igualdad y libertad), la información es central para organizar el poder1.

“El error de todos los liberales y posmodernistas preocupados en definir la situación presente como una novedad histórica (o poshistórica, dirían) basados justamente en el desarrollo de los grandes medios de comunicación es precisamente el de ignorar la esencia contradictoria de la información bajo el capitalismo, plegándose a una visión dorada de la información en la competencia” (Bolaño 2013, p. 68). “Los medios de comunicación de masas,…, al garantizar la aparente igualdad, presente en la libertad de acceso a la información de dominio público, encubren la desigualdad fundamental que se expresa en el carácter de clase de la información en el proceso de trabajo, realizando, para usar los términos de Rui Fausto, la interversión que hace que la información adquiera su forma, en ese sentido, característicamente ideológica. Así, al preservar el momento de la igualdad de acceso general a la información, los medios de comunicación de masas permiten que la desigualdad se ejerza en el nivel del proceso productivo” (Bolaño 2013, p. 69).

En consecuencia, la comprensión del rol de los MCM en el proceso de reproducción del capital es fundamental para explicar el funcionamiento del sistema. Para esa comprensión, será necesario acudir al concepto de esfera pública burguesa de Habermas, que definida para el capitalismo competitivo consistía en “la forma de manifestación de las contradicciones de la información” (Bolaño, 2013, p. 137). En el capitalismo monopolista, esta esfera pública reconfigurada tiene a la industria cultural – y en ella a los MCM - como forma de manifestación renovada de aquellas contradicciones. El análisis de Bolaño propone un marco conceptual para comprender las relaciones y contradicciones que se producen entre los agentes que integran la estructura de MCM en un período y espacio determinado, y la forma en que estos agentes contribuyen y son esenciales para la reproducción del capital.

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 171


La televisión nacional del uruguay: TNU una aproximación desde la EPC – Gianela Turnes

1.2. El método de la Derivación de las Formas

Para comprender el fenómeno de la comunicación, Bolaño utiliza la metodología de la Escuela alemana de la Derivación del Estado a partir del Capital. Así como esta escuela proponía en los años 70s– a partir de la lectura de El Capital de Marx y sus razonamientos sobre el Estado - que éste es un mecanismo esencial para la defensa de la forma de producción capitalista, operando según las determinaciones de ese capital, Bolaño extiende el procedimiento de derivación, buscando ahora en los desarrollos de El Capital aquellos análisis que puedan ser extrapolados para su aplicación al fenómeno de la comunicación. El objetivo es poner en evidencia la contradicción del mundo capitalista que opera a través de la industria cultural, a partir del análisis de la categoría conceptual simple de la comunicación. En primera instancia el método consiste en definir la forma “ley” como condición de existencia de la circulación simple de mercancía. La ley trae consigo la existencia de una fuerza coercitiva no económica capaz de formular, aplicar y garantizar su cumplimiento. En segunda instancia, es necesario determinar las características que esa fuerza coercitiva debe tener para adaptarse a los requerimientos de la circulación del capital. Esta fuerza no económica es inherente para asegurar los procesos económicos, por ejemplo, las transacciones de bienes entre los agentes (Bolaño, 1993). De esta forma, Bolaño asigna al debate alemán sobre la Derivación del Estado el mérito de haber puesto en evidencia la separación entre poder económico y poder político que es propia del capitalismo. El Estado es necesario para permitir el desarrollo del capitalismo. En un sistema donde los derechos de propiedad están en la base de las transacciones que permiten la acumulación del capital, el Estado como defensor de ese derecho resulta fundamental en la reproducción del sistema capitalista. Bolaño continúa esta línea de razonamiento para mostrar otra separación clave: “la de la esfera cultural en relación con la esfera económica y con el Estado” (Bolaño, 1993, pág. 27). Así como demuestra que el Estado es necesario para posibilitar la circulación capitalista, así también la actividad cultural es necesaria para la acumulación del capital y la reproducción del sistema 1.3. La categoría simple información y su contradicción esencial en el capitalismo

La categoría comunicación en su forma más simple – sostiene Bolaño - trae consigo una contradicción esencial del capitalismo, al ignorar el componente antropológico de todo acto comunicativo. La apariencia de igualdad y libertad que sostiene la ciencia económica en el acto comunicativo del intercambio de bienes, por ejemplo, puede estar presente pero no es exclusiva ni imperativa: hay un momento de esencia más allá de la apariencia. En él intervienen las diferencias entre los participantes del acto comunicativo (lo que la Escuela Neo institucionalista de la economía llama asimetrías de información), así como la pérdida de libertad que implica la subsunción del trabajo en el capital, propia del sistema capita-

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 172


La televisión nacional del uruguay: TNU una aproximación desde la EPC – Gianela Turnes

lista. Esta pérdida de libertad está en las diferencias de poder que implican los distintos accesos a la información entre los agentes, por ejemplo, entre trabajadores y capitalistas: los últimos controlan a los primeros a través de la información para lograr una mayor eficiencia en la venta de su fuerza de trabajo. A partir de este análisis del ejercicio del poder capitalista a través de la manipulación de la información de clase, directamente asociada al proceso productivo, Bolaño concluye que la información es funcional y pieza clave en el sistema capitalista como forma de organización del poder. Comprender la forma en que la información se organiza y favorece determinados intereses de ciertos agentes es clave para comprender los fundamentos del sistema capitalista. Para caracterizar el proceso de subsunción del trabajo en el capital, en una aproximación histórica, Bolaño destaca las etapas del proceso de subsunción del trabajo intelectual en el capital, señalando cómo la información y el conocimiento de los procesos cambiaron de manos en una dinámica que partió de la subsunción formal en la etapa de la industria manufacturera, a la subsunción real en la etapa de la industria capitalista. En el primer momento el capitalista incorpora trabajadores artesanales a la producción, y esos trabajadores mantienen consigo sus conocimientos y los vuelcan al proceso productivo. En esta etapa la subsunción es meramente formal, ya que la información necesaria para cumplir el proceso productivo se mantiene en manos de la clase trabajadora. Con el tiempo, el capitalista aprende los procesos, divide el trabajo, contrata trabajadores intelectuales que se apropian del conocimiento del trabajador, incorpora tecnologías que permiten sustituir al trabajador por dispositivos automáticos y aquí la subsunción se completa como tal y se transforma en real, ya que el trabajador pierde el control sobre el proceso de trabajo. De forma paralela a la acumulación primitiva del capital definida por Marx, Bolaño llama a esta apropiación del conocimiento del trabajador por el capitalista acumulación primitiva del conocimiento, y señala que ambos procesos – la apropiación de capital y la del conocimiento – están en la base del desarrollo del sistema capitalista.

1.4. Las formas funcionales: Publicidad y Propaganda

Una vez determinado el rol fundamental de la información en el proceso capitalista, Bolaño establece que hay dos formas de información que son adecuadas o funcionales para las determinaciones del modo de producción capitalista: la publicidad y la propaganda. Para caracterizarlas es necesario diferenciar la información ligada al proceso productivo (información de clase), que circula activando las estructuras de poder y no es información mercancía, de aquella unidireccional que está ligada al proceso de competencia y sí se transforma en información mercancía intercambiable en el mercado, a través de la acción de los MCM. Cuando la información se fetichiza como información de masas y adquiere la forma de mercancía, autonomizándose de su condición de información de clase,

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 173


La televisión nacional del uruguay: TNU una aproximación desde la EPC – Gianela Turnes

para cumplir funciones de reafirmación del sistema, es posible discriminar dos funciones opuestas que le toca cumplir: la propaganda y la publicidad. En el Cuadro I se presentan las contradicciones de la información capitalista según los agentes interesados y según su forma de circulación:

Cuadro I - Contradicciones inherentes a la forma capitalista información

Información

Reservada

Para la masa

Punto de vista del capital

Punto de vista del Estado

Relacionada al proceso de producción

Disputa entre grupos por el control de porciones del aparato estatal

Dirigida a estrategias del capital individual ante los demás

Disputa entre Estados nacionales

publicidad

propaganda

Fuente: Elaboración propia en base a Bolaño 2013, Capítulo 1

Las dos formas que adopta la información en el mundo capitalista se diferencian según el agente que opera con ellas. Así, en el punto de vista del capital se observan las motivaciones del capital individual en el uso de la información, en tanto que en el del Estado, la competencia se produce en el interior mismo del propio capital general, en las disputas entre grupos y entre Estados por obtener el control.

2-Aunque Bolaño reconoce que la propaganda no es monopolizada por el Estado, acepta en el nivel teórico la simplificación de considerarla restringida sólo a ese ámbito. No obstante, señala que en un análisis empírico esta simplificación podría problematizarse, dado que todos los grupos con intereses políticos en relación a las masas tratarán de utilizar la propaganda y los MCM para hacer llegar sus mensajes al público. Este aspecto se retomará al analizar el caso concreto de tnu

La publicidad tiene un carácter ideológico indirecto, en el sentido que el mecanismo por el que opera – al servicio de la competencia capitalista - requiere de la construcción de la cultura de masas y de la constitución de modos de vida regidos por el consumo de mercancías que aseguran el proceso mercantil y la reproducción del capital. La propaganda – por el contrario - es la forma directamente ideológica de información, monopolizada por el Estado y por los sectores del capital que controlan los MCM, para asegurar la cohesión social y la continuidad del sistema en un contexto de desigualdad social generada por el propio sistema, desigualdad que necesita ser enmascarada2. La propaganda opera entonces diluyendo en las apariencias las contradicciones inherentes, lo que le otorga un carácter esencial al funcionamiento del sistema. Si bien Bolaño reconoce la dificultad empírica para distinguir entre las formas concretas - propaganda o publicidad - que adquiere la información mercancía cuando está circulando, enfatiza sobre la necesidad de establecer con claridad esta distinción a nivel teórico, señalando las contradicciones de intereses, entrecruzamientos y juegos de alianzas que

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 174


La televisión nacional del uruguay: TNU una aproximación desde la EPC – Gianela Turnes

se registran entre Estado y capital en el manejo de una y otra. Estos intereses del Estado – como capital general – y de los capitales individuales privados, que se entrecruzan en la dinámica del sistema, encuentran en los MCM un instrumento necesario para producir la mediación con la mercancía audiencia. El Estado necesita la atención del público para asegurar la reproducción ideológica y la legitimación del sistema, y no puede ofrecer propaganda directamente, precisa de los MCM. Del mismo modo, el capital individual necesita de la publicidad para acelerar los procesos de rotación del capital. “El Estado es el mayor inversor publicitario a escala nacional, y representa el 25% del total de la inversión realizada en este rubro en el Uruguay” (Buquet, Lanza y Rabinovich, p. 28). Los MCM cumplen un rol esencial en el sistema, al transformar la información de clase en información de masa, “a través de un campo particular de prácticas, la Industria Cultural, compuesta, en verdad, de un conjunto de industrias y de empresas que contratan el trabajo cultural, único capaz, en principio, de producir el efecto de empatía que transforma las multitudes en audiencia” (Bolaño, 2003, p.7). Tiene particular interés en el análisis de Bolaño el aspecto referido a los mecanismos que hacen posible el cumplimiento de los objetivos del Estado y los del capital individual. En ambos casos, la doble contradicción propia de la nueva esfera pública del capitalismo monopolista hace posible la legitimación y reproducción del sistema. Esto es, la doble subsunción del trabajo en el capital, y de la cultura en la economía. Esta doble subsunción está en el núcleo de las nuevas formas de producción del capitalismo monopolista, cuando ya se ha completado la expropiación de los saberes de los trabajadores y opera una nueva categoría de trabajadores intelectuales subsumidos en el capital. Estos nuevos trabajadores intelectuales tienen un rol clave en el control del trabajador manual, en la mejora de la productividad que asegure la rentabilidad capitalista y en la difusión de los nuevos patrones de consumo que reproducen el capital. A continuación se resume el modelo caracterizando la acción de los agentes según sus objetivos, racionalidades, agentes de mediación, formas que adquiere la información que ofrecen y mecanismo del sistema que la posibilita. Cuadro II – Modelo de Análisis de Bolaño para una estructura de Medios Masivos

AGENTE

ESTADO

Racionalidad De capitalista colectivo ideal hacia la cohesión social

Micro económica CAPITAL con efectos macro sociales

Mecanismo que lo posibilita

Objetivo

Directamente ideológica

Trabajo cultural y subsunción del trabajo en el capital

Reproducción ideológica y legitimación

Indirectamente ideológica

Trabajo cultural y subsunción del trabajo en el capital

Competencia por diferenciación

Ofrece

Mediador

Forma de información

Propaganda

Canales abiertos privados y públicos

Publicidad

Canales abiertos privados

Fuente: Elaboración propia en base a Bolaño 2013, Capítulos 1, 2 y 3

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 175


La televisión nacional del uruguay: TNU una aproximación desde la EPC – Gianela Turnes

1.5 Patrón tecno estético y subsunción de la cultura en el capital

Siguiendo a Habermas, Bolaño analiza el concepto de nueva esfera pública a partir de la acción de los MCM, promoviendo la integración social a través de la generación de públicos “consumidores de cultura”, por oposición al concepto de público “pensador de cultura” en la distinción histórica planteada por Adorno y Horkheimer. Esa nueva esfera pública de control del Estado ya no es la del S XIX, de control de la opinión pública por la burguesía. Este es el tiempo de la industria cultural, y en este tiempo, toca a los MCM constituir una forma de control hacia el modo de vida y de consumo a través de los mensajes publicitarios. Esta función se cumple según los impulsos de los capitales individuales que compiten entre sí por apropiarse de tramos del mercado. Este mercado que se busca captar es segmentado – con tendencia a la individualización – y en él opera la publicidad como mecanismo de afirmación de los patrones de consumo necesarios a la reproducción del sistema. En este proceso, la lógica de mercado se ha extendido a la cultura y a los modos de vida de las personas como pieza central en la articulación de los mecanismos de reafirmación del sistema capitalista. La generalización del concepto de marca que introduce en las mercancías una dimensión simbólica generadora de adhesión en el consumidor, desarrollada según Bolaño por Pilati en 1990, y a su vez reconocida heredera de las ideas de Pierre Bourdieu sobre habitus y lógica de la distinción, permite explicar el concepto de patrón tecno estético. Para definirlo, Bolaño remite a su análisis de la tv brasileña y de los modelos con que los canales operaban en los años 80s, diferenciados por sus propuestas de contenidos, estrategias de competencia, formas de organización, gestión y financiamiento, a partir del concepto de Dominique Leroy de sistema tecnoestético, referido a las características que definen el estilo o género en que se ofrece una actividad cultural. La definición de Bolaño de patrón tecnoestético remite a “una configuración de técnicas, de formas estéticas, de estrategias, de determinaciones estructurales, que definen las normas de producción cultural históricamente determinadas de una empresa o de un productor cultural particular para quien ese patrón es fuente de barreras a la entrada” (Bolaño, 2013, p.258). Su concepción de barreras a la entrada va más allá de la definición estrictamente microeconómica de la organización industrial, y se extiende al poder simbólico que fideliza al consumidor y evita la entrada de competidores en el segmento propio. El mecanismo de absorción de la cultura y del modo de vida a los impulsos del capital requiere que las empresas establezcan cada una su propio modelo tecnoestético, a través del cual puedan promover la relación de fidelidad de su público. La generación de mercancía audiencia es el objetivo de la competencia al interior de la industria cultural en el proceso de mediación. De esta forma, al incluir el patrón tecnoestético en el eje de la competencia, se incorpora el trabajo cultural a la competencia capitalista, produciéndose la subsunción de la cultura en la economía, de la misma forma en que se producía originalmente en el capitalismo competitivo la subsunción del trabajo en el capital. Se registra entonces un doble proceso de subsunción ocurriendo en el desarrollo del capitalismo monopolista: por

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 176


La televisión nacional del uruguay: TNU una aproximación desde la EPC – Gianela Turnes

una parte la subsunción del trabajo en el capital tal como se analizó para el capitalismo competitivo, y por otra la subsunción de la cultura en la economía, por el carácter de mediación social que reviste la cultura y que es esencial al sistema para el sostenimiento de la cohesión social y el modo de vida orientado al consumo. Suponiendo que el patrón tecnoestético definido como estrategia de un MCM permite identificar su posicionamiento competitivo en el sector, será útil analizar las características de ese patrón para comprender la dinámica de esa parte del sistema.

1.6 Otros aportes teóricos útiles para el análisis: Cesareo y Furtado

En el capítulo 3 de “Industria Cultural. Información y Capitalismo” Bolaño discute las condiciones de funcionamiento de la industria cultural, revisando las dos tradiciones marxistas para su abordaje. De ese análisis, se ha elegido la perspectiva italiana de la década del 1970, a través de la mirada de Giovanni Cesareo que cita Bolaño, con el fin de utilizarla en el análisis posterior de tnu. Este enfoque señala la existencia de una contradicción entre la productividad del capital y el conjunto de la productividad social: los MCM producen según sus leyes internas (sus necesidades económicas y políticas), y no según las necesidades del proceso social, presentando al público una realidad fragmentada. La forma aparato de organización de los MCM que caracteriza Cesareo extendiendo el concepto de Althusser de aparato estatal, exige: “a) introducir cantidades crecientes de información, a diferentes niveles, en los procesos materiales de producción” para aumentar la productividad, mejorar el control de la empresa y crear y canalizar el mercado; “b) producir modelos de conducta que compensen el descenso en la disciplina previamente impuesta por los aparatos productivos […] y por los aparatos represivos. Existe la necesidad de producir modelos de conducta que implementen o hasta sustituyan las normas que el aparato educativo (y la familia igualmente) es cada día menos capaz de producir y transmitir a las generaciones más jóvenes” (Cesareo, 1979, citado por Bolaño 2013, p. 144). Por otra parte, en el artículo “Ruptura no plano da racionalidade. Apropiaçao marxiana de um conceito de Furtado”, Bolaño recupera la definición de Celso Furtado del año 1978, que señalaba que esta ruptura en el plano de la racionalidad ocurre “cuando el agente está capacitado para modificar el medio en que actúa, presentando en su comportamiento un factor volitivo creador de un nuevo contexto” (Furtado, 1978, p.17 citado por Bolaño, traducción propia). Esta definición implica la articulación entre creatividad y poder, y por oposición, la carencia de poder asociada a un comportamiento meramente adaptativo. Más adelante en el mismo texto, considerando el análisis histórico estructural de Furtado sobre el Estado nación europeo moderno, Bolaño describe cómo el sistema global de cultura es base para la construcción del poder económico, distinguiendo al menos dos momentos de ruptura en el plano de la racionalidad en el proceso histórico: el primer

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 177


La televisión nacional del uruguay: TNU una aproximación desde la EPC – Gianela Turnes

momento de ascenso de la burguesía comercial en el S XVI, al que llama Modernización, y en el que se realiza la acumulación primitiva de capital; y el segundo momento de Industrialización con la revolución científica que habilitó la Revolución Industrial, en el que se produce la acumulación primitiva del conocimiento. En este segundo momento se promueve un doble proceso de expropiación del conocimiento a la clase trabajadora, y de unificación de esos saberes expropiados en el conocimiento científico. El propio Furtado señalaba en 1974 la contradicción inherente en la promoción de la posibilidad de un modo de consumo para todos que en la práctica no es generalizable y solo es privilegio de minorías. Si los modos de vida y patrones de consumo promovidos por el capitalismo industrial se pudieran extender indiscriminadamente a todos, se pondrían en riesgo las posibilidades de sobrevivencia de la especie humana por el carácter predatorio del sistema productivo que subyace al modo de producción capitalista. Resulta también adecuado para este trabajo retomar los aportes de Celso Furtado acerca del rol del Estado en la promoción de los procesos de desarrollo de las sociedades, vistos desde las funciones que pueden atribuirse a un canal de tv pública de un país periférico como Uruguay. En 1999 Furtado escribía: “Tener o no tener acceso a la creatividad, esa es la cuestión” señalando el reto de ser capaces de “contribuir al enriquecimiento del patrimonio común de la humanidad”, o ser “relegados al papel pasivo de simples consumidores de bienes culturales comprados en los mercados”. Ante esta disyuntiva, la propuesta de Furtado preveía –entre otras acciones - la definición de una estrategia nacional de desarrollo que activara la diversidad, heterogeneidad estructural y variedad cultural, geográfica e histórica, construyendo equidad social, y la apropiación del poder sobre los centros de decisión y de acción públicos que fueran reducidos por el control externo. En particular, generar vías propias diferentes para que la sociedad avance desligada de los modelos ideales exógenos. Alcanzar el desarrollo implica desmontar el sistema de privilegios y de dependencia cultural que excluye a las masas populares (Brandao, 2012).

2. La televisión pública nacional de Uruguay: de Canal 5 SODRE a tnu 2.1 El sector de televisión abierta

La televisión uruguaya se organiza desde sus comienzos en 1955 a través de un modelo de preponderancia privada. En él, 3 canales comerciales de Montevideo se apropiaban en 2011 del 95% de la torta publicitaria total que recibía el sector, y del 98% de la audiencia (Buquet y Lanza, 2012). Estos canales operan desde sus comienzos con licenciamiento gratuito del Estado para su uso del espectro público, a través de concesiones precarias que son automáticamente renovadas al vencer sus plazos. El cuarto agente del mercado a nivel nacional – tnu, el canal público - no ha constituido nunca una amenaza comercial para estos canales, ya que históricamente se ha apropiado de una porción de mercado mínima.

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 178


La televisión nacional del uruguay: TNU una aproximación desde la EPC – Gianela Turnes

Actualmente el parlamento procesa un proyecto de legislación de servicios de comunicación audiovisual – ya aprobado por la Cámara Baja – que puede alterar algunos de los parámetros que conforman el sistema. Si bien el proyecto de ley no tiene un enfoque integral en atención a la convergencia tecnológica, su llegada junto con la apertura de llamados para otorgamiento de licencias de televisión digital comercial, pública y comunitaria, las expectativas por el dividendo digital que proyecta el apagón analógico, el posible filtrado de recursos publicitarios que internet absorberá, y las percepciones de las empresas acerca de la reconfiguración de sus modelos de negocios ante los cambios sobrevinientes, conducen a prever- desde una mirada regulacionista - una etapa de crisis ante el cambio trascendente en las condiciones de operación de los agentes. El rol de tnu en estos cambios no ha sido aún dimensionado.

2.2 televisión nacional del Uruguay - TNU

Se han utilizado como insumos para este capítulo el documento publicado en la página web del canal “Proyecto comunicacional tnu”, así como información relevada en entrevista a la Directora de la División Financiero Contable del canal, Cra. Maritza Pereira y el estudio de la programación de la televisión uruguaya de Buquet, Lanza y Radakovich de 2013, así como información histórica disponible en la web del Ministerio de Educación y Cultura. El canal 5 comienza a emitir en 1963, siendo parte del Servicio Oficial de Radiodifusión (SODRE), dependiente del Ministerio de Educación y Cultura (MEC). En 2002 el canal es separado del SODRE, ubicándose como una unidad ejecutora independiente bajo la misma órbita del MEC, pero con vínculo más directo para acceder a la autoridad. En la actualidad se procesa a nivel parlamentario una ley de servicios de comunicación audiovisual que habilita al Poder Ejecutivo a crear una nueva Unidad Ejecutora que nuclee a las emisoras estatales, a tnu y al Instituto de Cine del Uruguay. La concreción de este cambio organizacional no alteraría las relaciones formales de dependencia de tnu respecto del MEC, aunque podría significar un avance en el reconocimiento de la especialización de la acción de los MCM públicos. El canal tiene alcance nacional, a través de una red de 23 repetidoras en el interior del país. Su estructura se organiza a partir de un cargo de Dirección de particular confianza del Poder Ejecutivo, que ha registrado alta rotación en años recientes. Actualmente es ocupado por una documentalista de trayectoria en el medio. La estructura se completa con varias Asesorías, Divisiones y Departamentos, armada con una lógica jerárquica de burocracia tradicional, sin que se manifiesten instancias de coordinación entre áreas, y en particular, sin roles de planificación estratégica asignados funcionalmente.

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 179


La televisión nacional del uruguay: TNU una aproximación desde la EPC – Gianela Turnes

2.2.a Programación Con respecto a la programación del canal, del trabajo de Buquet, Lanza y Radakovich se destaca que en los últimos años “la televisión pública privilegia los documentales, arte y cultura y ficción (nacional y europea)” (p.7). Asimismo, señala que tnu prioriza la emisión de documentales en su programación (38,8 %), que se completa por partes iguales entre programas periodísticos, de arte y cultura, y deportivos (p. 9). El estudio señala dos características destacables de tnu que lo diferencian de las emisoras privadas: es el canal que otorga más espacio en su grilla a los informativos (el 33% de los informativos totales del sistema se emite por tnu), así como a periodísticos y programación infantil (la mitad de la emisión total de estos contenidos en el sistema, corresponde a tnu) (p. 9). Respecto a la emisión de ficción, el estudio señala que la programación del canal ha registrado cambios significativos en años recientes, privilegiando la proyección de cine nacional y series europeas (de la observación directa de la grilla de programación se extrae que los contenidos de este género provienen de la BBC y de tve casi exclusivamente). El porcentaje de la programación de tnu de origen nacional en 2012 alcanzó al 48% del total emitido (p. 13). El horario central (Prime time) de tnu se distribuye prioritariamente entre títulos nacionales y europeos, con un margen adicional para producciones argentinas (mayoritariamente de la televisión oficial) (p. 17).

2.2.b Recursos financieros El canal cuenta en su plantel con una funcionaria dedicada a la venta de publicidad, con experiencia en ventas en la actividad en el sector privado. Tnu recibe – además de los recursos presupuestales que no alcanzan los u$s 8 millones anuales – ingresos por venta de publicidad a avisadores, en el entorno de los u$s 2 millones anuales. De ellos, alrededor del 90% corresponde a publicidad contratada por organismos públicos3. De acuerdo a la investigación de Buquet, Lanza y Rabinovich, la mayoría de los organismos estatales no cumple con esta disposición sobre publicidad oficial, ubicando su gasto publicitario en tnu en el entorno del 12% del gasto total oficial en publicidad en 2010.

2.2.c Trabajadores Los trabajadores del canal se dividen formalmente en dos grupos: los funcionarios públicos presupuestados con salarios relativamente bajos y experticia en muchos casos proveniente de su segunda ocupación en un canal privado, y los trabajadores contratados por caché – que no tienen condición de funcionarios públicos – y son periodistas especializados que generan remuneraciones sensiblemente más altas, con procesos de contratación supeditados a las decisiones de la dirección del canal. Es posible que esta dualidad en el tratamiento al personal esté generando dificultades en la gestión. Además, existen contratos con varias empresas de mantenimiento y servicios, a cargo de la vigilancia, limpieza, recepción y transporte del canal. Esto es, los servicios de apoyo se encuentran tercerizados. Existen además becarios y estudiantes universitarios en prácticas pre profesionales.

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 180


La televisión nacional del uruguay: TNU una aproximación desde la EPC – Gianela Turnes

3-según el art. 17 de Ley 17.904 de Rendición de Cuentas y Balance presupuestal 2004, el 20% de la pauta publicitaria estatal debe emitirse por el canal oficial y las emisoras del SODRE

2.2.d Contenidos La producción de contenidos que se expresa como producción propia, opera en los hechos bajo un mecanismo de subcontratación en que el canal no produce, sino que se limita a financiar a productoras privadas que son elegidas por las autoridades del canal sin mecanismos que aseguren transparencia. En estas actividades rige la discrecionalidad de la Dirección. Se prevé que para 2014 se instrumente un nuevo mecanismo de llamado a productoras interesadas en proveer servicios de contenidos, de modo de mejorar las condiciones de equidad de acceso para las productoras.

2.2.e Control de Gestión El control de la gestión de tnu está a cargo del Tribunal de Cuentas, a quién debe remitir sus previsiones de adquisiciones luego de su envío a Presidencia de la República. Aproximadamente la mitad del presupuesto se destina a adquisición y producción de contenidos, en base a excepción de obra artística que permite evitar los mecanismos de licitación pública previstos para las compras estatales. 2.2.f Autodefinición de TNU La propuesta que expresa el canal para HD prevé un esquema generalista con producción regional en el interior del país, con el objetivo de “informar, educar y entretener”, y la posibilidad de producir contenidos para distintas plataformas (one seg, tabletas, teléfonos inteligentes, etc.). La Misión definida en su Proyecto Comunicacional TDT puede resumirse en promover programación de calidad, garantizar información de interés, promover valores democráticos, difundir la cultura nacional y el conocimiento de otras sociedades, fortalecer los vínculos con televisoras públicas latinoamericanas y promover la producción nacional. La Visión del canal destaca su objetivo plural e incluyente, de reconocida calidad, innovador y difusor de la cultura en sentido amplio.

3. TNU: una interpretación de Economía Política de la Comunicación

En base a los elementos relevados y presentados en el capítulo 2, se caracteriza al sector televisivo uruguayo por la presencia predominante del capital privado - a través de los tres canales comerciales que operan como oligopolio - ofrecen publicidad a la mercancía audiencia, que la recibe a través de su marco de cultura popular propia. Esa audiencia es a la vez proveedora del trabajo intelectual que permite elaborar la propuesta publicitaria. La capacidad de consumo acorde con los afanes rentabilizadores del capital privado está garantizada a través de la aplicación de este mecanismo de la publicidad, que está mediado por la industria cultural televisiva. En el sector público, tnu opera como canal a nivel nacional, con escasa participación en las mediciones de audiencia, y en la torta publicitaria.

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 181


La televisión nacional del uruguay: TNU una aproximación desde la EPC – Gianela Turnes

Es posible postular que la presencia del canal dentro del sistema de tv abierta ha sido más visible en los últimos 2 años, en base a la renovación de su programación, el intento de redefinición de su imagen, y la búsqueda de identificación del público, así como también por la discusión pública que la nueva legislación ha generado, que incluye la redefinición del rol del canal en el sistema. Se observa un impulso declarativo por adaptar la propuesta comunicativa a los desafíos de la convergencia digital, sin que puedan preverse transformaciones concretas en habilidades técnicas o disponibilidad financiera para hacerlo. Esta contradicción puede derivar del choque de intereses divergentes al interior de los grupos que componen los niveles de decisión estatal. Los mecanismos de adquisición de servicios audiovisuales habilitan la discrecionalidad de la dirección, a pesar de los controles burocráticos impuestos a través de líneas jerárquicas del sistema, remitiendo a la contradicción esencia – apariencia que está en la base del análisis de la Economía Política de la Comunicación.

3.1. Una interpretación del patrón tecnoestético del canal

Se propone a continuación un esquema a priori para caracterizar el patrón tecnoestético de un canal televisivo, con el fin de contrastar empíricamente la pertinencia de sus componentes propuestos (particularmente los determinantes de las ventajas), y de ajustar la definición del patrón en base a un relevamiento concreto para el caso de tnu. Las características del canal incluidas en la primera columna del cuadro que sigue fueron propuestas a partir de la lectura de la experiencia señalada por Bolaño para su estudio de la televisión brasileña, complementada con la información que se obtuvo en un relevamiento exploratorio acerca de los factores que podrían ser determinantes en la definición de perfil de tnu.

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 182


La televisión nacional del uruguay: TNU una aproximación desde la EPC – Gianela Turnes

Cuadro III - Propuesta a priori de caracterización de patrón tecnoestético televisivo

Ventajas Estéticas

• Diversidad • Territorialidad Programación

• Mezcla por géneros • Mezcla por objetivos: información, entretenimiento, educación, cultura • Hacia el servicio público / propaganda

Forma • Hacia el mercado / pubOrganizacional licidad

Mecanismo de toma de decisiones

• Estrategias de anticipación a la competencia

Ventajas Económicas

Ventajas Tecnológicas

• Peso de publicidad en el total

• Tecnología digital

• Integración vertical en producción propia • Economías de escala y de alcance en conglomerados • Capital privado/ Estatal • Dependencia jerárquica en el grupo económico o en el Estado • Estrategias de anticipación a la competencia

• Conocimientos técnicos • Convergencia multimedia

• Grado de facilidad/ dificultad para incorporar cambios • Formas de contratación y fidelización de trabajadores • Rotación de personal y aprendizajes • Estrategias de anticipación a la competencia

• Eficiencia financiera Disponibilidad de recursos financieros

Modelo de negocios

• Definición de patrón propio • Estrategia de seguimiento del patrón hegemónico

• Imagen identitaria • Fidelización

• Reproducción del capital • Empleo

Producción

Coproducción

Compra

Tv interactiva

Servicios vía internet

Acceso por internet

• Incorporación de tecnología y RRHH para productividad/ eficiencia

• Presencia multiplataforma

• Rentabilidad Acceso a mercados inter nacionales

• Afianzamiento y difusión del modelo estético

• Visibilidad • Afianzamiento del negocio

• Incorporación de avances tecnológicos

• Crecimiento

Fuente: Elaboración propia en base a Bolaño 2013, capítulo 5 y a informaciones varias sobre el sistema televisivo uruguayo

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 183


La televisión nacional del uruguay: TNU una aproximación desde la EPC – Gianela Turnes

Siguiendo el esquema presentado arriba, se propone a continuación una interpretación de las características relevadas del canal que podrían estar definiendo las condiciones para la construcción de su patrón tecnoestético. Se entiende que estos elementos, así como otros que puedan surgir en la profundización del relevamiento, deberían considerarse en un análisis de las posibilidades del canal para realizar sus objetivos en el proceso de digitalización, atendiendo particularmente a las formas en que se procesan las decisiones, los decisores implicados, los objetivos explícitos y aquellos que son parte de la esencia propagandista del medio.

Cuadro IV - Elementos clave de tnu para definir su patrón tecnoestético Elemento

Características en tnu

Programación

el canal emite las 24 hs, con una propuesta generalista, de información, educación y entretenimiento, pluralista, innovadora, con importante participación nacional y de televisoras públicas de calidad

Forma Organizacional

Unidad Ejecutora dependiente del Ministerio de Educación y Cultura, en proceso de reorganización bajo la misma órbita, como nueva Unidad Ejecutora unida a las radioemisoras oficiales y al ICAU

Mecanismo de toma de decisiones

Está habilitado a comprar sin licitación por excepción de obra artística: contratos con productoras utilizan este mecanismo sin asegurar transparencia. Debe enviar solicitudes de compras a Presidencia de la República y luego al Tribunal de Cuentas, exigiendo gran anticipación

Disponibilidad de recursos financieros

No dispone de autonomía financiera, el presupuesto asignado asciende al equivalente a u$s 8 millones anuales, en general los mecanismos presupuestales impiden ejecutar la totalidad; exigencias de planificación y determinación de objetivos estratégicos y metas ignoran la ausencia de personal capacitado para planificar. Bajos niveles de remuneración al personal. Esfuerzos todavía incipientes de capacitación Debilidades de infraestructura y formación hacia el apagón analógico

Modelo de negocios

Acceso a mercados internacionales

Producción propia: el canal provee el financiamiento, las productoras privadas con las que existe acuerdo del canal se ocupan de toda la producción de contenidos Adquisición de enlatados en el mercado internacional con predominancia de compras a BBC y TV Española No se exporta producción del canal

Fuente: Elaboración propia en base a Bolaño 2013 y relevamiento propio

Una investigación de la acción del canal podría confirmar o complementar el esquema y permitir la definición de su patrón tecnoestético, y con él como fundamento podría contrastarse para determinar cómo operan las formas funcionales propaganda y publicidad.

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 184


La televisión nacional del uruguay: TNU una aproximación desde la EPC – Gianela Turnes

3.2 Las perspectivas ante la tv digital

La llegada de la televisión digital y el apagón analógico previsto para 2015 empujan al canal a una redefinición de su patrón tecnoestético, sin contar con recursos financieros, trabajadores capacitados, ni organizacionales o de gestión. Los posibles avances en la generación de audiencia del canal que pueden ser fruto de sus mejoras de programación quizá conduzcan a una mayor visibilidad en el conjunto, y a mejorar el cumplimiento del rol de propaganda del canal. Los plazos definidos en la regulación estatal para avanzar hacia la digitalización no han sido cumplidos hasta hoy, y las carencias de infraestructura indican que no se podrán recuperar los atrasos incurridos. No se observa una estrategia de preparación hacia la producción de contenidos en convergencia tecnológica o por ejemplo, de aprovechamiento de la condición estatal para proveer servicios vía internet. Si bien la legislación en proceso en el Parlamento prevé la autorización al canal para producir contenidos y emitirlos en asociación con la empresa estatal de telecomunicaciones, y existe un convenio de colaboración técnica y de contenidos con antel, no se ha podido obtener información sobre los avances alcanzados en ese sentido. Actualmente parte de las emisiones nacionales de tnu llegan a localidades del interior a través de las antenas de la Administración Nacional de Telecomunicaciones (antel), que cobra un arrendamiento oneroso al canal por el servicio. En cambio, sí se han verificado esfuerzos por incluir en la programación de la señal espejo que el canal incorporará con el dividendo digital, contenidos elaborados por la Universidad de la República.

4. Reflexiones finales

La aplicación de un modelo de análisis marxista de la comunicación en la industria cultural al canal estatal uruguayo tnu ha permitido vislumbrar algunos aspectos de la acción del canal – y del Estado a través suyo - que podrían indicar el rol que se le atribuye como agente de propaganda. La asignación del presupuesto nacional al canal es escasa y – unida a sus limitaciones organizacionales - no permite una adecuada preparación para la reconversión tecnológica y regulatoria que se avecina. Parece existir un desdoblamiento entre su rol “natural” de propaganda estatal, y los medios disponibles para cumplirlo. Sin embargo, se observan indicios de intenciones de algunos agentes vinculados a la operación del canal en el sentido de mejorar su captación de audiencia y su imagen ante la opinión pública. Este viraje en la imagen que el canal busca proyectar puede responder al predominio de sectores estatales atentos a la importancia de los MCM estatales como herramientas de

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 185


La televisión nacional del uruguay: TNU una aproximación desde la EPC – Gianela Turnes

propaganda, en particular, los grupos asociados al partido de gobierno interesados en prolongar su presencia en los lugares de decisión. Este mecanismo electoral constituye la parte más notoriamente visible de la forma propaganda para afirmar la cohesión social y la sostenibilidad del sistema, en una coyuntura donde los grupos pujan por mantener, obtener o recuperar el poder político. Sin embargo, el contexto del canal inmerso en un sistema de preponderancia privada que lucha por mantener su fuente de financiamiento publicitario juega en contra de este redireccionamiento. En esta coyuntura de redefinición de roles, capacidades y generación de valor del canal estatal, parece razonable proyectarlo a futuro retomando las miradas de Furtado y de Cesareo. Investigar los caminos posibles para procurar a nivel del trabajo una creación de producción propia – mucho más allá que la producción de contenidos - como mecanismo de generación de autonomía y de liberación cultural latinoamericana respecto de los sistemas hegemónicos que son herramientas del capital. Sin olvidar en la pesquisa la búsqueda de vías para neutralizar la manipulación inherente del dispositivo de dominación mediático al servicio del capital, resumido en la concepción de forma aparato disciplinadora y abarrotada de información.

Referencias

Bolaño, César (2013. Industria cultural, información y capitalismo, Gedisa, Barcelona ------------------- Ruptura no plano da racionalidade. Apropriaçao marxiana de um conceito de Furtado. Seminario: A informaçao e o cohecimento sob as lentes do marxismo, Belo Horizonte: UFMG, PPG em Ciencias da Informaçao, 23 – 24 de novembro de 2011 ------------------- Comunicação, poder e ideologia no capitalismo de hoje. Uma teoria da televisão à luz do caso brasileiro ------------------ (1993). Capital, Estado e Industria Cultural, Tesis de Doctorado, Campinas ------------------ (2003). A centralidade da chamada Economía Política da Comunicaçao na construçao do camjpo académico da Comunicaçao: uma contribuiçao critica. Compós. Associaçao Nacional dos Programas de Pos-Graduaçao em Comunicaçao Bolaño, César, Herscovici, Alain y Mastrini, Guillermo (1999). Economía Política de la comunicación y la cultura: Una presentación. En Globalización y monopolios en la comunicación en América Latina. Hacia una Economía Política de la Comunicación. Bolaño y Mastrini (comp.) Biblos Brandao, Carlos (2012) Celso Furtado: Subdesarrollo, Dependencia, cultura y creatividad. Instituto Multidisciplinar da UFRRJ, EPTIC Vol. XIC Nº 1 Ene – Abr 2012

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 186


La televisión nacional del uruguay: TNU una aproximación desde la EPC – Gianela Turnes

Buquet, Gustavo y Lanza, Edison (2012). La televisión privada comercial en Uruguay. Caracterización de la concentración de la propiedad, las audiencias y la facturación. Montevideo. FESUR -------------y Rabinovich, David (2012). Ni premio ni castigo. Inversión, mecanismos y procedimientos de asignación de la publicidad oficial en Uruguay. Estándares de protección de la libertad de expresión para una regulación democrática de este recurso estatal. FESUR -------------y Radakovich, Rosario (2013). Diversidad y programación en la televisión abierta en Uruguay, FESUR Faraone, Roque (2013). Izquierda hoy. Fundación Vivian Trías. Ediciones de la Banda Oriental Furtado, Celso (1983) Breve introducción al desarrollo, un enfoque interdisciplinario. Cap. 1. Fondo de Cultura Económica, México, disponible en http://www.eumed.net/ cursecon/textos/furtado-visiglob.htm, recuperado en 20/11/2013 Garnham, Nicholas (2005). From cultural to creative industries. An analysis of the implications of the“creative industries” approach to arts and media policy making in the United Kingdom. International Journal of Cultural Policy, Vol. 11, No. 1, 2005 Moreno, Angeles (2005). El discurso de identidad de la televisión pública. La autopromoción de Televisión Española. Revista Telos Rodríguez, Lourdes (2011). Hacia una ley de servicios de comunicación audiovisual. Relatoría del proceso de participación y consulta. FESUR Sierra, Francisco (2011).Consumo cultural y poder mediático. En Albornoz, Luis a. (comp.) Poder, Medios y Cultura. Paidós. Stolovich, Luis et alt (2003). La industria audiovisual uruguaya ¿Realidad o ficción? Su impacto sobre las Pymes. Asociación CULTUREC. Tnu – proyecto comunicacional TDT, disponible en www.tnu.com.uy, recuperado en 3/12/2013

Páginas web consultadas: http://es.observatorioradiodifusao.net.br/ www.mec.gub.uy www.tnu.com.uy

Eptic Online 16(3) 2014

Investigação 187


MANUAIS DE CONDUTA EM MÍDIAS SOCIAIS E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A DEMOCRACIA DIGITAL: UM ESTUDO DE MANUAIS BRASILEIROS MANUALES DE CONDUCTA EN MEDIOS SOCIEALES Y SU APORTACIÓN A LA DEMOCRACIA DIGITAL: UN ESTUDIO DE MANUALES BRASILEÑOS CONDUCT MANUALS IN SOCIAL MEDIA AND ITS CONTRIBUTION TO DIGITAL DEMOCRACY: A STUDY OF BRAZILIAN MANUALS

Roseane ANDRELO Doutora em Educação (Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP/Araraquara); Mestre em Comunicação e graduada em Comunicação Social: Jornalismo (UNESP/Bauru). Professora dos cursos de graduação e pós-graduação da UNESP/Bauru. Email:roseane.andrelo@faac.unesp.br

Maria Lucilene Dantas de MATOS Mestranda em Comunicação (Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" – UNESP/BAURU); Pós-graduada em Marketing (UFSC) e Licenciada em Letras - Centro Universitário Adventista de São Paulo. Analista da Embrapa. Email: maria.matos@embrapa.br

Revista Eptic Online Vol.16 n.3 p.188-200 set.-dez 2014 Recebido em 20/07/2014 Aprovado em 20/08/2014


Manuais de conduta em mídias sociais.... – Roseane Andrelo, Maria de Matos

Resumo As tecnologias de informação e comunicação têm contribuído para a concretização de ideais de participação da população em decisões públicas, bem como no auxílio ao combate à corrupção e de atos ilícitos no governo. Afinal, a democracia passa pelo direito à informação. O governo, nas diversas esferas, incentiva o uso responsável da internet. Manuais de conduta e normas têm sido publicados por segmentos públicos para direcionar o uso responsável dessas ferramentas pelos seus agentes. Este artigo tem como objetivo verificar se os manuais atendem aos princípios da democracia digital. Foram analisados manuais de conduta em mídias digitais de quatro organizações públicas brasileiras: Embrapa; Secretaria de Comunicação do Governo Federal; Poder Judiciário e Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Como metodologia, foi utilizada a análise de conteúdo, a partir de critérios voltados à transparência e incentivo ao engajamento cívico.

Palavras-chave: manuais de conduta; mídias digitais; democracia digital; Brasil.

Resumen Las tecnologías de información y comunicación han colaborado para la concretización de ideales de participación de la población en decisiones públicas, así como en el combate a la corrupción y de actos ilegales en el gobierno. Al final, la democracia se consolida por el derecho a la información. El gobierno, en sus diversas esferas, incentiva el uso responsable de la Internet. Manuales de conducta y normas han sido publicados por segmentos públicos para direccionar el uso responsable de esas herramientas por sus agentes. Ese artículo tiene como objetivo verificar si los manuales atienden a los principios de democracia digital. Para ello, fueron analizados manuales de conducta en medios sociales de cuatro organizaciones públicas brasileñas: Embrapa; Secretaría de Comunicación del Gobierno Federal; Poder Judiciario y Secretaría de Salud del Distrito Federal. Como metodología, fue utilizado el análisis de contenido, partiendo de criterios orientados a la transparencia e incentivo al compromiso ciudadano. Palabras-clave: manuales de conducta; medios digitales; democracia digital; Brasil.

Abstract Information and communication technology have contributed to the realization of the ideals of citizen participation in public decisions, as well as to help in fighting corruption and wrongdoing in government. After all, democracy entails the right to information. The government, in many spheres, has encouraged the responsible use of the internet. Conduct manuals and standards have been published for public segments to direct the responsible use of these tools by their agents. This article aims to determine whether the manuals comply with the principles of digital democracy. Conduct manuals were analyzed in digital media from four Brazilian public organizations: Embrapa; Department of Communication of the Federal Government; Judiciary and Health Department of the Federal District. As a methodology, content analysis, based on criteria focused on transparency and encouraging civic engagement was used. Keywords: Conduct manuals; digital media; digital democracy; Brazil.

Eptic Online 16(3) 2014

Investigaçao 189


Manuais de conduta em mídias sociais.... – Roseane Andrelo, Maria de Matos

Introdução A internet consolida-se como importante meio para acesso à informação, promoção do engajamento cívico e à prática da democracia de forma transparente. É dotada de inúmeras ferramentas que podem dar suporte ao diálogo entre governo e cidadão. O avanço das tecnologias de informação e comunicação (TICs) possibilitou aos cidadãos informações diversificadas, permitindo maior capacidade de escolha e de participação na esfera pública. Sabe-se que a democracia, que envolve a existência de condições de participação na tomada de decisões que afetam as pessoas, depende do direito à informação, inclusive aquelas produzidas pelos órgãos públicos. No Brasil, essa situação ganhou destaque a partir de 2011, com a promulgação da Lei de Acesso à Informação. Soma-se a isso o acesso crescente à internet. Pesquisa realizada no primeiro trimestre de 2012 sobre o uso das TICs no País aponta dados relevantes sobre o uso da rede. Dos usuários de internet pesquisados, 84% buscaram informações nos três meses da pesquisa, 73% utilizaram redes sociais e 65% utilizaram o governo eletrônico no período de um ano (CGI.BR, 2012). Várias esferas de governo no Brasil têm elaborado estratégias para uso de mídias digitais. O portal brasil.gov.br, por exemplo, passou por duas remodelagens nos últimos quatro anos. A última, em 2013, apresenta como objetivo “ampliar o acesso do cidadão à informação pública, serviços, prestação de contas e participação popular nas decisões” (BRASIL, 2013). Isso indica o reconhecimento do direito do cidadão à informação. Alguns debates ocorridos em anos anteriores trouxeram importante contribuição para a consolidação deste direito universal, reconhecido e institucionalizado pelas democracias (ANDI; ARTIGO 19, 2009). Empresas e Governo percebem as novas mídias como ferramentas que oferecem oportunidades e riscos. O apoio e o incentivo ao uso responsável desse recurso são percebidos em algumas instâncias públicas. Manuais de conduta e normas surgem no Brasil a partir de abril de 2012 e têm sido publicados por alguns segmentos públicos para direcionar o uso responsável dessas ferramentas pelos seus agentes, compreendidos aqui como servidores e colaboradores. Mas o tema ainda requer o estudo deste instrumento como ferramenta para o engajamento do cidadão no contexto da democracia digital. Podem estes manuais contribuir com a prática da democracia digital? Como estes manuais podem se caracterizar como ferramentas de comunicação para a democracia? Para buscar respostas a essas perguntas, foram escolhidos, para análise, quatro manuais de conduta da instância pública, publicados entre 2012 e 2013: Manual de Conduta em Mídias Sociais da Embrapa (2012); Manual de Orientação e Atuação da Secretaria de Comunicação do Governo Federal (2012); Manual de Redes Sociais do Poder Judiciário do Conselho Nacional de Justiça (2012) e Manual de Conduta em Mídias Sociais da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (2013). Tais documentos têm servido de base e incentivo à publicação de outros manuais e têm trazido o debate sobre a importância dos mesmos. À luz de estudos sobre internet (JENKINS, 2012), direito à informação (MENDEL, 2009; SILVA, 2005) e comunicação para a democracia (ROTHBERG, 2009), foi realizada uma

Eptic Online 16(3) 2014

Investigaçao 190


Manuais de conduta em mídias sociais.... – Roseane Andrelo, Maria de Matos

análise descritiva dos manuais escolhidos, verificando as principais diferenças e semelhanças, transparência, acesso e oferta de informação. Este estudo propõe-se a identificar nos manuais de conduta em mídias digitais a presença de princípios da democracia digital. A pesquisa dá visibilidade ao processo de gestão das mídias pelos órgãos de governo que se apropriam das TICs para entrega de seus produtos e serviços à sociedade. Os resultados aqui apresentados fazem parte da pesquisa de mestrado em andamento que contempla estudo de caso da Embrapa com comunidades indígenas, buscando identificar como a empresa se apropria de ferramentas de comunicação para transferir suas tecnologias a essas comunidades. No caso desse artigo, optou-se por uma análise comparativa com outras organizações públicas.

Democracia digital A informação é considerada como um elemento fundamental para a existência e a manutenção da democracia que, em sentido mais genérico, “gira em torno da capacidade dos indivíduos de participar de modo efetivo da tomada de decisões que os afeta” (MENDEL, 2009, p. 4). A ideia de participação, portanto, perpassa a discussão sobre direito à informação que, por sua vez, interliga-se à noção de cidadania, considerada como o exercício de direitos e deveres civis, políticos e sociais. Entre os direitos civis, que se referem às liberdades individuais, destaca-se a liberdade de expressão. No que diz respeito aos direitos políticos, a informação permite a escolha política. O direito à informação é um instrumento para a ampliação dos direitos sociais básicos, como saúde, educação e transporte. Ao considerar a gestão pública, a informação é ferramenta essencial de combate à corrupção e de atos ilícitos no governo. Afinal, a democracia também implica prestação de contas e, consequentemente, boa governança, uma vez que o público tem o direito de acompanhar as ações de seus representantes e de participar de um debate aberto sobre a tomada de decisões. Os cidadãos precisam ser capazes “de avaliar o desempenho do governo, o que depende do acesso à informação” (MENDEL, 2009, p. 5). É premissa para isso a consciência de que os órgãos públicos detêm informação em nome da população e não para eles próprios. Se devem dispor de informações solicitadas, em países onde há legislações específicas, também devem efetuar a divulgação rotineiramente.

Um princípio subjacente básico que rege o direito a informação é o princípio da divulgação máxima, que flui diretamente das garantias internacionais primárias do direito à informação. Este princípio envolve a presunção de que toda informação sob o controle de órgãos públicos deve estar sujeita à divulgação e esta presunção somente poderá ser afastada quando houver risco prevalente de lesão a um interesse público ou privado legítimo. Outros padrões essenciais são os de que sistemas e processos devem ser estabelecidos para efetivar o direito à informação na prática e de que os órgãos públicos devem envidar todos

Eptic Online 16(3) 2014

Investigaçao 191


Manuais de conduta em mídias sociais.... – Roseane Andrelo, Maria de Matos

os esforços razoáveis para facilitar o acesso. Ademais, devem ser implementados sistemas independentes de apelação para impedir a administração de exercer um poder discricionário indevido na interpretação da abrangência de exceções ao direito de acesso, bem como em outros aspectos do direito. (MENDEL, 2009, p. 30)

Várias mudanças ocorridas na sociedade colaboraram para que o direito à informação seja compreendido e exigido pela sociedade e fornecido nos mais diversos níveis de governo. Uma delas diz respeito aos avanços das TICs, principalmente a internet. Características como ausência de fronteiras; conexão simultânea entre milhões de pessoas; flexibilidade, ao permitir que usuários acessem conteúdos sob demanda, personalizando-os de acordo com seus interesses; possibilidade de dispor informações em diversas linguagens; fluxo incessante de informações e interação mais horizontal fazem com que a rede possibilite ao cidadão comum meios de contribuir nos processos decisórios. Novas realidades sociais têm sido construídas a partir das possibilidades de interação oferecidas pela internet. A revolução do conhecimento leva à “cultura da convergência, onde as velhas e as novas mídias colidem, onde mídia corporativa e mídia alternativa se cruzam.” (JENKINS, 2012, P. 29). As organizações necessitam reinventar-se para fortalecer a ligação com seus grupos de interesse e estabelecer novas formas de comunicação. As instituições e seus agentes se apropriam das redes sociais midiáticas para interagir com seus pares e seus públicos. Assim, cidadão e Estado apropriam-se dos recursos midiáticos, embora, nem sempre com o mesmo nível e interesse. Esse cenário faz com que o acesso à informação e à internet seja debatido como ingrediente importante para o exercício da cidadania. No Brasil, o acesso à rede de computadores ainda reflete desigualdades, mas é crescente. Dados do IBOPE Mídia indicam que o número de brasileiros com acesso à internet já ultrapassa 105 milhões no segundo trimestre de 2013 (IBOPE, 2013). Isso indica que a democratização dos meios coloca à disposição do cidadão importante instrumento para o exercício da democracia, cabendo à gestão pública disponibilizar informações adequadas a este exercício. Esses dados são significativos, mas levam a outra reflexão: o acesso é apenas um dos elementos que dão suporte para a participação em uma sociedade democrática. A informação para exercício da cidadania requer características que permitam ao cidadão um diagnóstico adequado. “Alguns dados relevantes podem ser mais significativos para a formação do cidadão que muitas informações acessórias” (ROTHBERG, 2009, p. 6). Para garantir a participação, é preciso possibilitar a interatividade entre cidadãos e governos, por meio da tecnologia, o que pode ser feito em diferentes níveis. Silva (2005), ao olhar para portais de governos, propõe cinco graus de democracia digital. O primeiro é caracterizado pela ênfase na disponibilidade de informação e na prestação de serviços públicos. Nos portais, há circulação de informações governamentais, porém, com fluxo de interação de mão única. No segundo grau, usa-se as TICs para colher a opinião e utilizar esta informação para a tomada de decisão política, mas sem diálogo efetivo com a esfera civil. No terceiro, verifica-se o princípio de transparência e prestação de contas, com a

Eptic Online 16(3) 2014

Investigaçao 192


Manuais de conduta em mídias sociais.... – Roseane Andrelo, Maria de Matos

publicidade voltada para fortalecer a cidadania. No quarto grau, há criação de processos e mecanismos de discussão, visando o convencimento mútuo para se chegar a uma decisão política, tomada pelo próprio público. Tira a esfera civil do papel de consulta e a coloca como agente da decisão política. E, por fim, no quinto grau, a esfera civil ocupa o lugar de esfera política na produção da decisão, com o Estado sendo governado por plebiscito. A gestão adequada da ferramenta de comunicação contribui para a democracia, porém, uma política de informação deve prever a formação do público para o acesso e o uso adequado do conteúdo disponibilizado pelos órgãos públicos. O ideal é que uma política de acesso à informação venha acompanhada de ações voltadas à formação de competências informacionais. “Para ser ‘competente em informação’, a pessoa deve ser capaz de reconhecer quando a informação é necessária e ter a habilidade de localizar, avaliar e usar efetivamente esta informação e usar a informação de forma que os outros também possam aprender com ela” (AMERICAN LIBRARY ASSOCIATION, 1989, APUD HATSCHBACH; OLINTO, p. 3, 2008). De toda forma, é possível dizer que o governo, nas diversas esferas, tem ampliado consideravelmente o acesso à informação. No entanto, nos últimos dois anos, a preocupação com a conduta dos “porteiros” da informação online, ou seja, agentes que atuam entre o cidadão e a lei (ANDI; ARTIGO 19, 2009, p. 10), tem sido objeto de atenção de instituições e governo, que passam a adotar manuais para orientar a atuação de seus agentes nas mídias interativas. É sobre eles que trata a próxima seção.

Manuais brasileiros de conduta em mídias digitais A iniciativa pioneira no âmbito do governo foi da Embrapa, empresa do Governo Federal, que publicou dois manuais em abril de 2012. O primeiro contemplando orientações sobre conduta e comportamento de empregados e colaboradores. O segundo com orientações para gestores das mídias sociais. O Governo Federal, através de sua Secretaria de Comunicação Social, publicou um primeiro Manual de orientação para atuação em redes sociais em outubro de 2012 e uma versão atualizada do mesmo manual em maio de 2013, que contempla conceitos, diretrizes e conduta de servidores e colaboradores. Em janeiro de 2013 a Secretaria de Saúde do DF publicou seu Manual de conduta em mídias sociais contemplando conceitos, orientações e regras. Em fevereiro de 2013, o Conselho Nacional de Justiça lançou o Manual de Redes Sociais do Poder Judiciário, com informações específicas sobre Facebook e Twitter, apresentando conceito, estrutura, regras e questões de segurança. Estas iniciativas demonstram que as organizações envolvidas compreendem a importância de políticas e diretrizes bem definidas para atuação em mídias digitais. O que requer o estabelecimento de regras claras para os colaboradores vinculados às mesmas no que diz

Eptic Online 16(3) 2014

Investigaçao 193


Manuais de conduta em mídias sociais.... – Roseane Andrelo, Maria de Matos

respeito à conduta no meio digital. Para análise dos manuais, foram definidas as seguintes categorias:

Apresentação: a instituição demonstra o que vai ser delineado e tem assim um instrumento inicial para despertar interesse do usuário para o conteúdo; • Objetivo: definição do que se pretende alcançar com o documento; • Síntese: resumo dos temas abordados; • Engajamento: itens que tratam especificamente de interação da instituição com o cidadão e • Conteúdo: síntese dos tópicos.

Manual da EMBRAPA Apresentação: A Embrapa apoia o uso responsável das ferramentas de comunicação online, pois reconhece os potenciais benefícios profissionais, institucionais e sociais da atuação de seus empregados e colaboradores nessas mídias. Objetivo: A Empresa oferece orientações para que seus empregados, bolsistas, estagiários e prestadores de serviços possam se referir à Embrapa. Síntese: Dá orientações para seguir sempre que mencionarem, publicarem ou compartilharem conteúdos envolvendo a Embrapa em mídias sociais. Expõe condutas, comportamentos e atitudes que a Empresa espera de seus empregados e colaboradores, particularmente no ambiente digital. Engajamento: Recomenda que utilizem, com responsabilidade, as mídias sociais para apresentar soluções tecnológicas da instituição para consumidores reais ou potenciais, no Brasil e no exterior, compartilhar e consultar conteúdos multimídia relevantes para o avanço e a divulgação da ciência, obter opiniões para melhoria de ações, produtos e serviços da Empresa, identificar demandas da sociedade por produtos e serviços que podem ser gerados pela Embrapa, fortalecer a imagem da Embrapa como instituição de excelência em pesquisa agropecuária, moderna, mais próxima do cidadão, e promover o diálogo com a sociedade e usuários das mídias sociais.

O conteúdo do manual está exposto no quadro 1.

Quadro 1. Conteúdo do Manual de Conduta em Mídias Sociais da Embrapa.

Eptic Online 16(3) 2014

Investigaçao 194


Manuais de conduta em mídias sociais.... – Roseane Andrelo, Maria de Matos

Fonte: elaborado pelas autoras

Manual do GOVERNO FEDERAL Apresentação: Não tem. Objetivo: Estipular melhores práticas e guiar os agentes da comunidade Sicom no uso de redes sociais, incluindo a geração de conteúdo, interação com o usuário e atuação em casos de crise. Síntese: Conceitos básicos, Diretrizes de linguagem verbal e visual, Metodologias e ativações, Monitoramento de redes sociais, Manual interno de conduta para colaboradores, Gerenciamento de crise. Engajamento: O usuário só entende quem fala a mesma língua que ele. Busca um relacionamento mais pessoal e próximo com as empresas. A linguagem da comunicação deve promover essa aproximação. O primeiro princípio é que uma rede é pautada principalmente pela troca de informação – e troca pressupõe um retorno de ambos os lados. Ter um relacionamento sólido com o seu público, transformando-o em uma camada de blindagem institucional natural, orgânica, fruto da confiança mútua.

O quadro 2 traz o conteúdo disponibilizado.

Quadro 2. Conteúdo do Manual de Orientação para Atuação em Redes Sociais do Governo Federal.

Fonte: elaborado pelas autoras

Manual da SECRETARIA DE SAÚDE DO DISTRITO FEDERAL Apresentação: Necessidade de dialogar com usuários e participar das conversas que dizem respeito à sua área de atuação. Objetivo: Direcionar os responsáveis pelos perfis das redes sociais das unidades de saúde do DF para delimitar um padrão na atuação e facilitar o intercâmbio de informações entre as unidades de saúde e a secretaria para agilizar a entrega da informação à população.

Eptic Online 16(3) 2014

Investigaçao 195


Manuais de conduta em mídias sociais.... – Roseane Andrelo, Maria de Matos

Síntese: Não tem. Engajamento: Manter um diálogo contínuo com os cidadãos; informar a população sobre as ações da Secretaria de Saúde do DF e das respectivas unidades de saúde; prestar serviço de utilidade pública oferecendo informações que podem facilitar o dia a dia e melhorar a qualidade de vida da população e engajar a população nas ações e programas da SES/DF.

O quadro 3 demonstra os conteúdos:

Quadro 3. Conteúdo do Manual de conduta nas mídias sociais da Secretaria de Saúde do Distrito Federal

Fonte: elaborado pelas autoras

Manual do PODER JUDICIÁRIO Apresentação: Abre-se espaço para o cidadão dar sua opinião e participar utilizando as mídias sociais, não apenas como instrumento de publicidade, mas como forma de aproximação a seu público-alvo. Objetivo: visa mostrar como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vem trabalhando nas mídias sociais e como essa experiência pode servir de modelo à gestão de outros canais digitais do Judiciário. Síntese: São apresentadas as estratégias utilizadas, as regras de manuseio, os métodos de prevenção e fluxo de publicações, além de técnicas para atrair o interesse do público e práticas necessárias à gestão e segurança das redes sociais. Engajamento: Para alcançar esse estágio de relacionamento, é fundamental oferecer menos propagandas e notícias de pouco apelo e mais conteúdos relevantes e atrativos para os leitores.

O quadro 4 demostra o conteúdo do manual:

Eptic Online 16(3) 2014

Investigaçao 196


Manuais de conduta em mídias sociais.... – Roseane Andrelo, Maria de Matos

Quadro 4. Conteúdo do Manual de Redes Sociais do Judiciário.

Fonte: elaborado pelas autoras

Considerações finais

Observa-se que os quatro manuais apresentados foram formulados com objetivo institucional contemplando em seu conteúdo a preocupação com a transparência da conduta nas redes sociais midiáticas. O manual da Embrapa é completo no que diz respeito à orientação sobre a postura dos colaboradores, informações técnicas das ferramentas e contempla o maior número de redes digitais. Fica claro que seu foco principal são os empregados e colaboradores, com preocupação secundária com o cidadão. No entanto, a recomendação de uso das redes abrange vários aspectos relacionados à entrega de seus produtos à sociedade. O manual publicado pela Secretaria de Comunicação Social do Governo Federal traz diretrizes importantes para os agentes públicos com teorias mais completas sobre as redes sociais e internet. Abrange aspectos mais gerais e destina apenas um capítulo para a conduta dos servidores que atuam na rede. Também contempla um número significativo de ferramentas de redes digitais. Há preocupação com o bom relacionamento com o cidadão, mas com objetivos mais institucionais. O manual da Secretaria de Saúde do DF apresenta acentuada preocupação com o usuário final do sistema de saúde e pauta mais discretamente a conduta dos servidores. O manual do Conselho Nacional de Justiça é o que mais contempla o relacionamento com o cidadão, tema pautado em todas as seções do documento. Já a partir da “Apresentação”, enfatiza o relacionamento com o cidadão e a importância das redes digitais serem utilizadas como instrumento de aproximação. O Manual Jurídico sobre Facebook e Twitter apresenta-se como modelo de gestão que pode ser utilizado em outros canais digitais. A análise de conteúdo dos manuais permitiu observar que as organizações governamentais aqui estudadas entendem a potencialidade das TICs no processo de democratização da

Eptic Online 16(3) 2014

Investigaçao 197


Manuais de conduta em mídias sociais.... – Roseane Andrelo, Maria de Matos

informação. Há interesse em estreitar laços com o cidadão no ambiente digital. Demonstra ainda o incentivo aos seus agentes para utilização das mídias digitais. Mas a análise do impacto e resultado da publicação dos manuais não pode ser visualizada a partir desta análise e requer uma investigação posterior sobre o comportamento dos usuários. Verificando semelhanças entre os quatro manuais estudados, percebe-se que todos tratam de conduta de servidores e colaboradores, alguns com mais ênfase, com destaque para o da Embrapa que é bem enfático neste aspecto. Outra semelhança que se observa é a presença de orientações técnicas quanto ao uso das ferramentas digitais. Percebe-se ainda que todos têm a preocupação de estreitar e otimizar o relacionamento com o cidadão, mas o manual do CNJ apresenta isto de forma mais acentuada. Quanto às diferenças significativas, o manual da Embrapa diferencia-se dos demais por apresentar um capítulo específico sobre penalidades para o uso inadequado da rede e preocupação com propriedade intelectual. O manual da Secretaria de Saúde é o único que apresenta em seus objetivos a preocupação explícita com o engajamento do cidadão. O manual do Governo Federal tem diretrizes bem gerais e é o único que inclui o gerenciamento de crise. Quanto ao manual da Justiça, seu principal diferencial é o estabelecimento de metas para dar resposta ao cidadão. Consequentemente o manual da Justiça é o que alcança maior grau de democracia digital, com mais indícios de transparência e comprometimento com a participação do cidadão. Em segundo lugar está o da Secretaria de Saúde que se preocupa com a informação qualificada para o cidadão e oferta de produtos midiáticos que promovam seu engajamento. Os manuais do Governo Federal e Embrapa apresentam maior preocupação organizacional e preservação da imagem institucional. Os quatro manuais são publicações importantes para nortear o exercício responsável da democracia digital pelos agentes públicos. A publicação destes instrumentos indica comprometimento das organizações com a ética e a transparência na gestão das redes sociais. Tais publicações orientam colaboradores e contribuem para a sistematização de boas práticas que podem ser adotadas por outras organizações. As instituições públicas e privadas estão diante de uma plataforma virtual de relacionamento. Compreendem as potencialidades desta nova realidade. Estão inseridas neste contexto, mas ainda não estavam preparadas para lidar com os riscos de sua presença online. A ausência dessa experiência gerou crises que necessitaram de intervenção. A publicação destas diretrizes de conduta é uma importante ação proativa e preventiva. A comunicação pública que tem como foco a cidadania requer maior grau de interação. Neste cenário as mídias sociais formam o cenário perfeito para uma gestão responsável, comprometida com as necessidades do cidadão. A sociedade civil está cada dia mais conectada e com mais oportunidade de ouvir e ser ouvida, o que a torna ainda mais consciente de seu direito à informação e do seu papel na tomada de decisões em políticas públicas que afetam a sua vida.

Eptic Online 16(3) 2014

Investigaçao 198


Manuais de conduta em mídias sociais.... – Roseane Andrelo, Maria de Matos

Referências

ANDI; ARTIGO 19. Acesso à informação e controle social das políticas públicas. Brasília, DF: ANDI; Artigo 19, 2009. 132 p. BRASIL. Manual de orientação para atuação em redes sociais. Brasília – DF, 2013. Disponível em: http://luisgustavocorporativo.files.wordpress.com/2013/07/manual_redes_sociales_maio_2013.pdf. Acesso em 28 de novembro de 2013. CGI.BR – COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL. Pesquisa sobre o uso das tecnologias da informação e da comunicação no Brasil: 2012. Apresentação. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2012. EMBRAPA. Secretaria de Comunicação. Embrapa em mídias sociais: documento orientador. Brasília – DF, 2012. Disponível em: <http://manualmidias.sct.embrapa.br/documentos/embrapa_em_midias_sociais_edicao_1.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2013. EMBRAPA. Secretaria de Comunicação. Manual de conduta em mídias digitais. Brasília – DF, 2012. Disponível em: <http://manualmidias.sct.embrapa.br/documentos/manual_de_conduta_em_midias_sociais_edicao_1.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2013. GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. Secretaria de Saúde. Manual de conduta nas mídias sociais. Brasília – DF, 2013. Disponível em: <http://pt.slideshare.net/sesdistritofederal/manual-de-conduta-nas-midias-sociais-sesdf>. Acesso em: 28 nov. 2013. HATSCHBACH, M.H.; OLINTO, G. Competência em informação: caminhos percorridos e novas trilhas, Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, São Paulo, v. 4, n.1, jan/jun 2008. Disponível em: <C:\Users\Roseane\Downloads\RBBD-4(1)2008competencia_em_informacao-_caminhos_percorridos_e_novas_trilhas.pdffile:///C:/Users/ Roseane/Downloads/RBBD-4%281%292008-competencia_em_informacao-_caminhos_ percorridos_e_novas_trilhas.pdf>. Acesso em: 22 jun. 2014. IBOPE. Número de pessoas com acesso à internet no Brasil chega a 105 milhões. 2013. Disponível em: <http://www.ibope.com.br/pt-br/noticias/paginas/numero-de-pessoas-com-acesso-a-internet-no-brasil-chega-a-105-milhoes.aspx>. Acesso em: 01 jul. 2014. JENKINS, H. Cultura da convergência: a colisão entre os velhos e novos meios de Comunicação. Tradução: Susana Alexandria. 2a ed. São Paulo: Aleph, 2009. MENDEL, T. Liberdade de informação: um estudo de direito comparado. 2 ed. Tradução: Marsel N. G. de Souza. Brasília: UNESCO, 2009. PODER JUDICIÁRIO. Conselho Nacional de Justiça. Manual de Redes Sociais do Judiciário. Brasília – DF, 2013. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/eventos/encon-

Eptic Online 16(3) 2014

Investigaçao 199


Manuais de conduta em mídias sociais.... – Roseane Andrelo, Maria de Matos

tro_nacional_de_comunicacao_do_poder_judiciario/apresentacoes/MANUAL.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2013. ROTHBERG, D. Informação de diagnóstico, democracia e inclusão digital, Liinc em Revista, v. 5, n. 1, p. 4-18, 2009. Disponível em: <http://revista.ibict.br/liinc/index.php/liinc/article/ viewFile/292/193>. Acesso em: 21 de ago. 2013. SILVA, S.P. Graus de participação democrática no uso da internet pelos governos das capitais brasileiras, Opinião Pública, v. 11, n. 2, p. 450-468, 2005. Disponível em: < http:// www.scielo.br/pdf/op/v11n2/26422.pdf>. Acesso em 11 jan. 2014.

Eptic Online 16(3) 2014

Investigaçao 200


César Bolaño. Mercado Brasileño de Televisión.Buenos Aires: Cooperativa Gráfica El Río Suena, 2013, 242 pp

El Mercado Brasileño de Televisión desde la perspectiva de la EPC

Gianela TURNES Economista egresada de la Facultad de Ciencias Económicas y Administración, Universidad de la República, Uruguay. Maestranda en Información y Comunicación Universidad de la República, docente del Departamento de Ciencias Humanas y Sociales de la Facultad de Información y Comunicación, Universidad de la República Email: gianela.turnes@fic.edu.uy

Este libro clave para comprender el fenómeno de la comunicación mediática en décadas recientes, analiza el sistema comercial brasileño de televisión, ofreciendo una mirada crítica al sector en el capitalismo monopolista, a la vez que explora las posibilidades de articular esa mirada con aportes asociados a la ortodoxia microeconómica para mejorar el poder explicativo de las investigaciones. En él Bolaño describe los hitos históricos en la conformación del sistema de tv en Brasil, y explica el sentido de su evolución de mercado – las estrategias que han definido las trayectorias empresariales y sus patrones de calidad - , y evalúa los determinantes sobre los que se asienta el sistema, esto es, los factores que definen cómo se distribuye el presupuesto de las emisoras y sus pujas por apropiarse de la torta publicitaria.

Revista Eptic Online Vol.16 n.3 p.201-205 set.-dez 2014 Recebido em 08/04 Aprovado em 10/06


Mercado Brasileño de Televisión desde la perspectiva de la EPC - Gianela Turnes

El texto se organiza en tres partes. Las dos primeras tuvieron su primera edición en portugués en 1988, y la tercera fue incorporada como una ampliación y actualización para la segunda edición del libro, en 2004. Recientemente se ha publicado esta primera edición en español, como reconocimiento al carácter teórica y metodológicamente fundacional de este análisis, camino de estudio necesario ahora también accesible para los investigadores de la economía política de la comunicación de la sub región de habla hispana. En la primera parte el autor introduce al lector en los aspectos teóricos y metodológicos que utilizará para abordar el análisis. La segunda y la tercera partes son dedicadas a revisar la evolución histórica del sector, estableciendo una división en dos grandes etapas: desde el surgimiento de la tv hasta el año 1985, y la fase que el autor llama de “multiplicidad de la oferta”, que ubica entre 1985 y 1999, caracterizada por la reconformación del mercado y la reformulación adaptativa de las estrategias de los agentes a partir de la incorporación del impacto de las nuevas TICs, culminando con la etapa de segmentación televisiva de comienzos del milenio. El libro se completa con las perspectivas del sistema de tv ante los desafíos de la convergencia tecnológica, la digitalización, el auge de las comunicaciones y la competencia por el financiamiento en este nuevo contexto. La primera parte comienza con la crisis de comienzos de los años 60 que derivó en procesos de concentración, centralización y destrucción de capital, para alcanzar una nueva expansión desde 1968. Bolaño explica cómo la crisis política redundó en la elección del patrón de acumulación que rigió la expansión subsiguiente. En el sector televisivo - surgido en la década de 1950 como un sistema comercial en competencia, a partir de las concesiones de onda otorgadas por el Estado a privados - se produce en los años 70 una restructuración hacia una organización oligopólica que es para el autor el signo de la incorporación de la tv propiamente como Industria Cultural en Brasil, adquiriendo un carácter nacional, que la hizo capaz de vehiculizar la actividad publicitaria que crecía. Bolaño sostiene que es entonces cuando información y cultura pasan a ser mercancías en la Industria Cultural, y se incorporan como tales en el proceso de acumulación de capital desatado en el país. Esta asociación histórica entre Industria Cultural y capitalismo monopolista queda en evidencia a través de la publicidad y su rol para eliminar la competencia por precio, sustituyéndola por la diferenciación de productos, motor de promoción del consumo masivo clave para el crecimiento de la gran empresa. Es relevante el énfasis en el doble rol de la Industria Cultural en el sistema: empresa capitalista monopólica y aparato ideológico que potencia su penetración y avanza en la socialización de los individuos allí donde los sistemas de enseñanza no son eficaces. Es en la clara distinción de este doble rol que Bolaño sitúa el eje para la comprensión del funcionamiento del sistema, que implica la consideración del papel del elemento publicidad referido a su contexto histórico concreto, y no como un mercado desprendido de los otros dos elementos centrales del sistema: la televisión y el público. Constatando que la televisión se apropia de la mayor parte de la torta publicitaria, situándose en el núcleo del proceso competitivo de la Industria Cultural, Bolaño deduce la necesidad de un análisis microeconómico de su estructura de mercado, formas de competencia y barreras a la entrada, ya que ellas son la base económica sobre la que se organiza el siste-

Eptic Online 16(3) 2014

Resenhas 202


Mercado Brasileño de Televisión desde la perspectiva de la EPC - Gianela Turnes

ma. Así, para caracterizar al patrón de competencia en una estructura de mercado, acude a dos elementos que la definen conjuntamente: la inserción productiva de las empresas, y las estrategias de competencia. En este juego de competencia asigna un rol central a las barreras a la entrada de competidores efectivos y potenciales, que señala adoptan un carácter dinámico, con distintas formas en las distintas etapas del proceso competitivo. Respecto al elemento público, Bolaño lo divide en dos grupos diferenciados: la masa de tele espectadores por un lado, y el grupo minoritario que accede al consumo diferenciado que propone la publicidad, derivado de la alta concentración del ingreso en la economía brasileña, por otro. Señala además la entrada en juego del agente gobierno que – paralelamente a la forma en que las empresas buscan colocar sus productos – requiere de la radiodifusión para que cumpla también con sus objetivos ideológicos. Así, objetivos comerciales e ideológicos de la publicidad tensan la búsqueda de la televisión por obtener el “público – objetivo”. A ese respecto, discute las opciones estratégicas de las emisoras a partir de la distinción entre el público de interés del programa y el público de interés para el comercial. La consideración de estos aspectos presentes en la negociación entre emisoras y anunciantes es - para Bolaño - fundamental para comprender las transformaciones en la estructura del mercado televisivo, junto a las transformaciones tecnológicas de incidencia más reciente en ese negocio. El conflicto entre la obtención de audiencia máxima y la identificación del individuo consumidor particular está presente en el negocio. El texto incorpora luego consideraciones tecnológicas, con aspectos que inciden tanto en la producción como en la distribución de producto. Respecto a ésta, destaca que el alcance territorial de la emisión se relaciona con los costos que las emisoras están dispuestas a asumir. Respecto a la producción, se define por la búsqueda de excelencia técnica impuesta por el mercado publicitario y la propia mecánica competitiva entre emisoras, asociada a la barrera financiera para adquirir equipamientos y personal especializado. Aquí el autor destaca otra particularidad de esta industria: el tamaño del capital de la empresa – más que su escala de producción - es determinante para el éxito en la competencia por avisadores a través de la eficiencia técnica. Bolaño sostiene que a fines de la década del 60 están dados los factores para el desarrollo de la Industria Cultural y la expansión del sector televisivo, con el predominio de la Red Globo a lo largo de la década del 70: existe un sistema desarrollado de tv comercial, un sector publicitario fuerte vehiculizado principalmente a través de la tv, un mercado de consumo revitalizado por cambios institucionales que favorecieron la concentración del ingreso hacia sectores de consumo suntuario, y un sistema de telecomunicaciones que habilitaba el alcance nacional de las redes de tv, aunados a la expansión económica del período. A continuación, fundamentando con profusa información cuantitativa, analiza la evolución creciente de la inversión publicitaria en Brasil, caracterizada por la competencia entre emisoras. Analiza luego los vínculos entre mercado e innovación e incorporación de tecnología, partiendo de los modelos neoschumpeterianos de competencia y su aplicación al mercado televisivo. Este capítulo fue escrito con posterioridad a los anteriores, y revisa el planteo de aquellos considerando estos aportes, observando la relación entre cambio

Eptic Online 16(3) 2014

Resenhas 203


Mercado Brasileño de Televisión desde la perspectiva de la EPC - Gianela Turnes

técnico y estructura de mercado. Señala acertadamente que el cambio tecnológico es exógeno al sector: viene dado por los avances en sectores correlativos de telecomunicaciones, electrónica y computación, lo que determina que la competencia se juegue solo en el campo financiero: quien dispone de capitales para adquirir la nueva tecnología originada afuera, se sitúa en mejor posición competitiva. Sostiene la pertinencia de analizar la competencia a partir de las estructuras de mercado. Ella es para Bolaño consecuencia de acciones y estrategias pasadas, como la innovación o imitación pasada de la empresa, el grado de apropiación que ella ha hecho de esa innovación y las oportunidades tecnológicas a que ha accedido. Adopta de este enfoque el concepto de “ambiente de selección”, condición del contexto que puede ser determinante en el éxito o fracaso de una estrategia competitiva. Atendiendo a la tipología sectorial de Pavitt, atribuye al sector televisivo la condición de dominado tecnológicamente por proveedores. Estos proveedores de tecnología se dividen en 2 grupos, según incidan en las condiciones de producción de programas o en las de su transmisión. En el segundo grupo se ubica la evolución de las telecomunicaciones, que exige a las emisoras capacidad financiera para incorporarlas aumentando la cobertura. En el sector de producción de programas por otra parte, señala que la clave es el aprendizaje, y su incorporación se produce a diferencia de los sectores tradicionales, no para abatir costos y mejorar la productividad, sino para diferenciar el producto: es una innovación que encarece costos. Con esta mirada, analiza algunos aspectos del liderazgo de O Globo. Bolaño acepta y fundamenta el uso de categorías neo schumpeterianas de análisis del sector tales como aprendizaje, asimetrías, trayectoria, que resultan útiles para reafirmar su interpretación sobre el predominio del capital oligopólico en él. Sin embargo, relativiza su capacidad de explicación completa, ya que entiende que la problemática del sector televisivo es más compleja que lo que estos modelos pueden explicar cuando, por ejemplo, no consideran la importancia del sector estatal perdiendo de vista su rol en el proceso competitivo: provisión de infraestructura, financiación de I & D, regulador, otorgante de concesiones, operador directo. Luego, complementa el análisis sobre el vínculo entre mercado y tecnología analizando los aportes de Saläun sobre el Audio Visual en Francia y Europa, con una perspectiva dinámica. Bolaño encuentra que es posible aproximar tanto la mirada de Saläun sobre los ciclos de vida de la producción cultural como la aproximación neo schumpeteriana propuesta antes. La primera parte del libro se completa con un modelo de análisis conjunto de la Industria Cultural y el Audio Visual como marco para estudiar la televisión segmentada. En él utiliza el concepto de trayectorias tecnológicas del Audio Visual, y señala tres trayectorias tecnológicas diferentes posibles. En la segunda parte, Bolaño aborda la historia económica de la tv brasileña entre 1950 y 1985. Aprovecha este desarrollo histórico para cuestionar los análisis que otorgan importancia excesiva a la cuestión administrativa en la definición de las trayectorias de las emisoras, obviando las diferencias en los tamaños de los capitales que las respaldaban. Asimismo, asigna un rol crucial a la política nacional de telecomunicaciones: en 1968 se implanta el Sistema Nacional de Telecomunicaciones, concomitante con la necesidad de la Industria

Eptic Online 16(3) 2014

Resenhas 204


Mercado Brasileño de Televisión desde la perspectiva de la EPC - Gianela Turnes

Cultural y con el advenimiento de la Doctrina de la modernización: era necesario un sistema moderno de comunicaciones en una economía capitalista avanzada. Y para dinamizar el mercado de consumo se requería publicidad. En la explicación de Bolaño, el Estado está presente tanto con la posibilidad de aplicar censura como en las condiciones del sistema de concesiones que genera subordinación de los concesionarios al Estado, habilitando el uso político de las concesiones, sea como amenaza, o en el uso de espacios de aire para propaganda oficial. Analiza también en esta parte el “Patrón Globo de calidad”. O Globo construye barreras de ingreso para sostener su posición dominante: eleva requerimientos de capital a competidores. Como cierre de la segunda parte, Bolaño plantea sus conclusiones a las partes I y II, sintetizando las características de la dinámica del sistema de tv en cada etapa, destacando la necesidad de completar el análisis incluyendo al Estado y demás sectores que componen la Industria Cultural. Propone además líneas para proyectar los desarrollos futuros del sistema, bajo la influencia de los avances tecnológicos y teniendo en cuenta la estructura de distribución del ingreso de Brasil. Reafirma que esta estructura es determinante para comprender la dirección de avance de las nuevas modalidades como la tv paga, y el grado de absorción que ellas pueden captar de la torta publicitaria. Finalmente, la tercera parte del libro explica el período 1985 – 1999, que define como de Multiplicidad de la oferta. En ella analiza los principales movimientos estratégicos de las redes en el período de estabilidad de los años 80 y las transformaciones significativas en la década del 90, con la expansión de tv segmentada. Las empresas definen sus estrategias y éstas determinan sus trayectorias y su patrón de calidad. Éste pasa a ser una ventaja competitiva, a la vez que una limitante para estrategias futuras, pues ha definido un aprendizaje en un cierto sentido y no en otro. Se pregunta cómo se viabiliza un sistema privado de tv de masas sobreviviendo en el sistema dual (de masas / de pago) cuyo público no es el buscado por los anunciantes, ¿con financiamiento público que lo necesita por sus razones ideológicas? Después de 1995 se consolida la tv segmentada con multiplicidad de oferta de “canales de todo tipo”, y vínculos entre los grupos de tv segmentada, las programadoras y sus canales nacionales e internacionales. Señala dos diferencias entre la tv segmentada y la de masas: el predominio hegemónico en tv segmentada no es tan claro como el de la tv de masas y la interacción entre lo económico y lo político es más fuerte en esta última, donde los intereses por la propaganda son claves. La tv segmentada está altamente internacionalizada, en contraste con la tv de masas, nacional. Atribuye esta distinción a la lógica de la tv segmentada que exige alianzas estratégicas entre oligopolios nacionales e internacionales, y a las altas exigencias de programación, con escasa producción independiente nacional en Brasil. Por último, en las consideraciones finales señala que la tv puede perder su centralidad dado el proceso de convergencia, digitalización e importancia de las comunicaciones e internet, proceso que no implica una democratización sino una expansión de la lógica capitalista. Asimismo, proyecta las opciones para los propietarios de canales de tv nacionales. Presentando una descripción y explicación exhaustiva de los fundamentos detrás de las acciones de los agentes, el libro es una rica contribución a la comprensión de uno de los mercados televisivos más importantes de América Latina, poniendo en relieve sus particularidades nacionales, y a la vez, proporcionando también un marco teórico y metodológico para extender su aplicación a otros sistemas de la región.

Eptic Online 16(3) 2014

Resenhas 205


Comunicação para a cidadania: reflexões a partir do GP da Intercom

Fernanda Coelho da Silva Castro Graduada e Mestre em Comunicação Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Sua área de interesse concentra-se no eixo comunicação - cidadania – educomunicação Email: fernandahauck@yahoo.com.br

O livro Comunicação e cidadania: objetos, conceitos e perspectivas, organizado por Cláudia Regina Lahni e Juciano de Sousa Lacerda, foi publicado pela Editora Intercom e é fruto de pesquisa coletiva de participantes do Grupo de Pesquisa Comunicação para a Cidadania da Intercom. Os textos do livro têm em comum a reflexão sobre os conceitos de cidadania em trabalhos apresentados no GP, em Congressos Nacionais da Intercom, no período de 2001 (quando o Comunicação para a Cidadania teve seu início) até 2011, primeiro ano da coordenação do GP de Cláudia Regina Lahni e Juciano de Sousa Lacerda, respectivamente, coordenadora e vice em 2011-2012. A obra é de grande relevância não apenas para os participantes do grupo, como também para qualquer pesquisador que se interesse pela temática da Comunicação para a Cidadania. Pois, além de refletir sobre os conceitos de cidadania, a obra traz os principais referenciais teóricos, com pesquisa da bibliografia utilizada nos trabalhos do grupo e os temas que mais aparecem no percurso do Grupo de Pesquisa Comunicação para a Cidadania

Revista Eptic Online Vol.16 n.3 p.206-210 set.-dez 2014 Recebido em 01/04/2014 Aprovado em 30/06/2014


Comunicação para a cidadania: reflexões a partir do GP da Intercom - Fernanda C. Castro

O primeiro texto, de Cicilia M. Krohling Peruzzo e Maria Alice Campagnoli Otre, analisa os artigos apresentados no ano de 2001 e constata uma certa fragilidade do conceito de cidadania, que, segundo as autoras, está mais nítido nas práticas analisadas. A questão metodológica é apresentada como um possível desafio para os anos seguintes. A análise dos trabalhos de 2002 coube a Juciano de Sousa Lacerda, Juliana Bulhões A. Dantas e Iano Flávio de Souza Maia. Os autores trabalharam em dois eixos: analisar os enfoques sobre cidadania em objetos e objetivos e identificar os principais autores utilizados. A conclusão é de que houve riqueza e diversidade de objetos e temas como também de abordagens teóricas. Conforme os autores, não há número significativo de artigos sobre o conceito de cidadania, porém, esta se apresenta como problemática para discutir temas como direitos, questões de gêneros, entre outros. Quanto ao aspecto teórico, observouse uma hegemonia do pensamento latino-americano, com autores como García Canclini, Martín-Barbero e Cicilia Peruzzo. No texto seguinte, Denise Cogo e Daniel Barsi Lopes não apontam grandes mudanças nos textos apresentados em 2003 em relação aos anos anteriores. “Cidadania” continua sendo um tema que permeia os artigos e não discutida enquanto conceito. Para Cogo e Lopes, a cidadania é menos uma dimensão conceitual e mais uma dinâmica em movimento. Os autores afirmam que, nessa perspectiva de uma cidadania em movimento, é possível perceber que o espaço do NP se abre para a emergência de dois outros modos de vivência da cidadania: a cidadania cultural, relacionada às demandas por identidade e por reconhecimento no contexto dos chamados novos movimentos sociais, e a cidadania global. Em 2004 é possível perceber algumas mudanças. Rozinaldo Antonio Miani avalia que certos trabalhos apresentados nesse ano foram importantes para consolidar alguns daqueles que viriam a ser eixos principais do GP, como “movimentos sociais”, “identidades culturais” e “redes sociotécnicas”. O autor aponta ainda para o surgimento de novos temas e de novos objetos, o que amplia os marcos constitutivos do que se poderia caracterizar como campo específico da Comunicação e Cidadania. A pluralidade de temas e de metodologias se consolida como característica marcante do GP. O autor se arrisca a dizer que há uma significativa presença de autores de outras áreas nos textos analisados, o que é bastante coerente uma vez que a comunicação relaciona-se a diversas esferas da vida em sociedade. Além do conceito de cidadania, o conceito de comunidade, sobre o qual não há grande delimitação teórica, também é recorrente nos artigos de 2004. As autoras Cláudia Regina Lahni e Daniela Auad analisaram os artigos apresentados no GP Comunicação para a Cidadania no ano de 2005, a fim de verificar a discussão sobre relações de gênero e exercício de direitos. Lahni e Auad perceberam que os coordenadores do GP são pouco utilizados como referência teórica. Segundo elas, uma maior utilização de tais pesquisadores como aporte teórico seria importante para a construção de legitimidade nesse campo de saber. Como aspecto positivo, as autoras apontaram o uso do conceito de cidadania como exercício de direitos, luta pela manutenção e ampliação, associado à comunicação e à participação como base para grande parte dos artigos.

Eptic Online 16(3) 2014

Resenhas 207


Comunicação para a cidadania: reflexões a partir do GP da Intercom - Fernanda C. Castro

Quanto ao gênero, foi percebida uma contradição: apesar de a participação feminina no GP ser maior do que a masculina e da abertura do grupo para diversas temáticas ligadas a movimentos sociais populares contemporâneos, isso não se traduziu em reflexões sobre relações de gêneros em 2005, quando se completou o trigésimo aniversário do Ano Internacional da Mulher, proclamado pela ONU. O texto que analisa os artigos do ano seguinte, de Bruno Fuser, recebeu o título de “Encontro de 2006: riscos de perda do conceito-base do GP”, que, por si só, já revela algo importante. Um primeiro dado que merece ser destacado é a baixa incidência, apenas vinte por cento, de “cidadania” entre as palavras-chave dos artigos. Em alguns deles, o termo não aparece nem mesmo do corpo do texto. Nos textos em que o conceito de “cidadania” aparece associado a uma diversidade de dimensões da vida contemporânea, o que, segundo o autor, expressa a pluralidade no entendimento do que seja ou possa ser uma comunicação para a cidadania. A cidadania, como já apontado anteriormente, aparece como um tema que permeia os artigos e não como um conceito que deva ser discutido e desenvolvido. Isso, conforme Fuser, gera uma baixa aderência dos trabalhos à questão da cidadania, que dá nome ao GP e, que, portanto, é o tema principal do mesmo. Em 2007, Catarina Tereza Farias de Oliveira e Márcia Vidal Nunes analisaram aspectos relacionados essencialmente à categoria de cidadania em sua relação com os processos midiáticos, políticos e socioculturais, bem como aspectos teórico-metodológicos presentes nas escolhas realizadas pelos autores, para recortar e analisar seus objetos de pesquisa. De tal análise, as autoras concluíram que dos métodos e estratégias utilizados pelos artigos do GP, as reflexões teóricas e levantamentos bibliográficos pautaram a produção teórica e metodológica do grupo. Oliveira e Nunes percebem uma novidade: o conceito de cidadania foi refletido criticamente. A pesquisa qualitativa e de inserção em campo foi adotada em menor forma, e, menos ainda, a pesquisa com caráter de intervenção. Orlando Maurício de Carvalho Berti analisou os artigos apresentados no ano de 2008, com o intuito de elucidar como é que ocorre a discussão sobre Comunicação e Cidadania e quais os principais conceitos usados para tais temas. O autor conclui que “cidadania” é tratada principalmente como a crença de que a comunicação pode e deve agir em prol da melhoria social. Isso é dado principalmente na ajuda, intervenção e praticidade de ações de grupos sociais, raciais, sexuais, comunitários, alternativos, populares, liberais, de movimentos setorizados, que querem a construção de um país e respectivos grupos e comunidades, mais justo, igualitário e democrático. Atitudes comunicacionais cidadãs, de acordo com Berti, principalmente no campo científico em que determinados padrões muitas vezes exigem uma determinada pureza do que é estudado. Mas, em contrapartida a esse tipo de pensamento, o autor aponta que os estudos evocados também mostram o lado social, principalmente em encarar os objetos como sujeitos ativos, vivos, dinâmicos e com muito a ensinar, inclusive aos próprios cientistas. Quanto aos referenciais teóricos, o autor percebeu que são usados principalmente autores brasileiros, o que, na avaliação de Berti, prova a consolidação dos estudos nacionais. Conforme o autor, a forte presença de estudos de pesquisadores nacionais e suas respectivas teorizações já formam um campo teórico suficiente para legitimar o campo brasileiro em

Eptic Online 16(3) 2014

Resenhas 208


Comunicação para a cidadania: reflexões a partir do GP da Intercom - Fernanda C. Castro

respeitabilidade e socialização de ideias. Nos 45 artigos apresentados em 2009, Denise Teresinha da Silva observou que os termos comunicação e cidadania apareceram 10 e 13 vezes respectivamente dentre as palavraschave. Silva avalia que os conceitos de cidadania trabalhados nos artigos estão ligados à ideia de participação popular de forma crítica e organizada nos processos decisórios de construção da realidade em que os sujeitos estão inseridos com a finalidade de modificá-la para um cenário mais solidário, justo e igualitário com a utilização de uma comunicação alternativa. A sociabilidade é construída no cotidiano das pessoas, na vivência do grupo ou movimento social do qual participam, tendo na comunidade um local de proteção social, de força coletiva e de construção de identidades. Uma questão pontual que perpassa praticamente todos os textos é o fato da comunicação comunitária efetivar o direito de comunicar, sendo uma forma de resistência às mensagens hegemônicas produzidas pelos meios de comunicação de massa. Isto, segundo a autora, proporciona um certo modo de empoderamento do sujeito cidadão, permitindo que ele possa refletir sobre os problemas do local onde vive e reafirme o seu compromisso na construção de um outro mundo. O meio de comunicação passa a ser um lugar para a manifestação da cidadania de grupos minoritários desprovidos do acesso às mídias tradicionais, bem como das diferentes expressões identitárias; ser uma voz que não está ligada aos grupos dominantes, ao estímulo ao consumismo exacerbado; ser um espaço de discussão plural, com potencial mobilizatório, participação aberta da comunidade; ser um instrumento de luta que propicie um engajamento social com um olhar crítico sobre a própria realidade com vistas ao desenvolvimento local. Em suma que a cidadania possa ser constituída a partir da comunicação. Alexandre Barbalho e Tarciana Campos analisaram os artigos apresentados no ano de 2010. Para identificar os usos e noções de cidadania, os autores resolveram agrupá-los em sete tipos de ênfases conceituais. São eles: 1. perspectiva minoritária; 2. perspectiva cultural; 3. perspectiva digital; 4. perspectiva comunicativa; 5. perspectiva da democratização; 6. a concepção comunitarista e 7. perspectiva da florestania. A perspectiva minoritária trata da cidadania sob a ótica da afirmação das vozes das minorias. Os artigos analisados nesse item tratam da relação entre comunicação, cidadania e grupos minoritários, como mulheres, negros, indígenas e jovens. Na perspectiva cultural, temos uma outra abordagem de cidadania, a cidadania cultural e digital. Dentre os artigos analisados nesse item, destacamos o de Cicilia M. Krohling Peruzzo, que aponta o ciberespaço como um novo lugar para a comunicação comunitária e alternativa, além de se referir a questões como inclusão e exclusão digital. Cidadania comunicativa é definida, no texto de Cristóvão Domingos de Almeida, como “estratégia de ação coletiva, sem constrangimento, no espaço público”. Num outro grupo, estão os artigos que desenvolvem uma ênfase conceitual de cidadania sob a perspectiva da democratização, ressaltando a atuação dos movimentos sociais organizados ou não.

Eptic Online 16(3) 2014

Resenhas 209


Comunicação para a cidadania: reflexões a partir do GP da Intercom - Fernanda C. Castro

Barbalho e Campos perceberam também uma recorrente aproximação entre o conceito de cidadania e o de comunidade. Para finalizar os tipos de cidadania, os autores citam a contribuição de Francisco de Moura Pinheiro ao trazer para o debate do GP um novo conceito que está sendo gestado na região Norte do país, mais especificamente no Acre: o de “florestania”. Pinheiro aponta em seu artigo o esforço e os contratempos em torno da junção entre “florestas” e “cidadania” da qual resulta o neologismo “florestania” como suporte de um modelo de exploração sustentável dos recursos florestais “baseado no equilíbrio das relações entre homens e ambiente” (p.05). A partir dos artigos de 2011, Maria Luiza Martins de Mendonça e Joseane Alves Ribeiro analisaram o percurso histórico e perceberam ampliações do conceito de cidadania. Segundo elas, se em momentos históricos anteriores se poderia concebê-lo, sobretudo, como a vigência plena das três dimensões de direitos – civis (relacionados às liberdades individuais), políticos (participação na vida política por meio de sua presença direta ou indireta no poder público) e sociais (participação no patrimônio coletivo de uma sociedade) –, esses direitos se estenderam a outras esferas da atividade humana, entre elas a da comunicação. Encerrando o livro, Cláudia Regina Lahni e Juciano de Sousa Lacerda afirmam que a ideia de tal pesquisa “foi voltar os olhos para nós mesmos” (p. 281). Acreditamos que nessa frase resida a grande importância do livro, já que refletir sobre a pesquisa talvez seja o caminho mais curto para fortalecer o campo da pesquisa em comunicação, em especial, quando pensamos na relação entre comunicação e cidadania, para a qual há tantos entendimentos e possibilidades.

Eptic Online 16(3) 2014

Resenhas 210


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.