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PRODUÇÃO DE REDES NO FACEBOOK E TRABALHO SEMIÓTICO NÃO-REMUNERADO: UM ESTUDO EMPÍRICO DA PÁGINA DO COLETIVO RIO NA RUA

PRODUCCIÓN DE REDES EN FACEBOOK Y TRABAJO SEMIÓTICO SIN REMUNERACIÓN: UN ESTUDIO EMPÍRICO DE LA PÁGINA DEL COLECTIVO RIO NA RUA PRODUCING NETWORKS ON FACEBOOK THROUGH NON-PAID SEMIOTIC WORK: AN EMPIRICAL STUDY ON THE PAGE OF RIO NA RUA’S COLLECTIVE

Marcela CANAVARRO Graduada em Jornalismo pela Eco/UFRJ e mestranda na linha de Tecnologias da Comunicação e Estéticas, na mesma escola, com defesa de dissertação prevista para maio de 2014. É também doutoranda no curso de Mídias Digitais na Universidade do Porto (Portugal), programa conjunto das faculdades de Jornalismo, Belas Artes, Economia e Engenharia Informática. Obteve, em 2012, o título de especialista em Mídias Digitais e Interativas, pelo Senac-Rio email: mcanavarro@gmail.com

Revista Eptic Online Vol.16 n.2 p.176-192 mai-ago 2014 Recebido em 16/03//2014 Aprovado em 29/04/2014


Produção de redes no Facebook e no trabalho semiótico não-remunerado – Marcela Canavarro

Resumo Este artigo é parte da pesquisa de dissertação de Mestrado da autora e descreve as dinâmicas e os valores constituintes da rede gerada pela página Rio na Rua, no Facebook, que realiza a cobertura das manifestações populares no Rio de Janeiro, desde junho de 2013. Com a descrição do processo de constituição e manutenção da rede criada pelo Rio na Rua, pretendemos demonstrar que a interação dos usuários na plataforma não é apenas atividade de consumo do serviço, mas criadora de rede dentro do ecossistema de redes da plataforma. Esta interação converte-se, assim, em trabalho semiótico produtivo, pois configura-se em etapa essencial para produção de signos, vendidos como palavras-chave para os anunciantes.

Palavras-chave redes sociais; trabalho semiótico; Facebook; trabalho gratuito

Resúmen Este artículo es parte de la pesquisa de la autora, en el âmbito de su Mestrado, y describe las dinâmicas y los valores constituintes de la red de Rio na Rua en Facebook, que hace la cobertura de las manifestaciones populares en Rio de Janeiro, desde junio de 2013. A través de la descripción de los procesos de constituición y manutención de la red criada por Rio na Rua, buscamos demonstrar que la interacción de los usuários en la plataforma no és solamente una actividad de consumo del servicio, pero tambiém es creadora de una red dentro del ecosistema de redes en la plataforma. Desta manera, esta interacción convierte-se en trabajo semiótico productivo y és una parte imprescindible de la producción de signos vendidos por Facebook en la forma de palabras-clave para los anunciantes.

Palabras-clave redes sociales; trabajo semiótico; Facebook; trabajo gratuito

Summary This paper is part of a broader research of the author's Master's Thesis and describes dynamics and values that constitute Rio na Rua's ("Rio on the street") network on Facebook. The page covers frequent popular riots in Rio de Janeiro, since june 2013. Through the description of the constitution and maintenance of the network created by Rio na Rua, we seek to demonstrate that users interaction on the platform is not just a consumption activity of the service offered by Facebook. It also creates a network within the network ecossystem of the platform. Therefore, the interaction is a semiotic and productive work as it is an essencial task on producing signs which are sold by Facebook as keywords to advertisers.

Keywords social networks; semiotic work; Facebook; no paid work

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Produção de redes no Facebook e no trabalho semiótico não-remunerado – Marcela Canavarro

Apresentação O modelo de negócios do Facebook baseia-se em sua capacidade de disseminar anúncios direcionados a grupos específicos de usuários, de acordo com seu perfil de interação. Diferentemente das mídias tradicionais, como TV, rádio ou um outdoor, o valor da inserção publicitária no Facebook não se baseia apenas no tamanho da audiência ou no tempo gasto naquele espaço. Para que a publicidade seja direcionada a cada perfil de usuários no Facebook, é essencial que estes produzam redes dentro do ecossistema de redes que o site oferece (sem cobrar pelo serviço).

1- Sobre esta divisão de trabalho, ver o artigo Maisvalia 2.0, de Marcos Dantas, publicado nesta edição da Eptic Online. Um trabalho também interessante para a compreensão da exploração comercial do intelecto geral foi publicado por Pasquinelli (O algoritmo do PageRank do Google: um diagrama do capitalismo cognitivo e da exploração da inteligência social geral. 2010. 9 p. Disponível em: http://matteopasquinelli. com/docs/Pasquineli_ PageRank_pt.pdf. Acesso em: 26/02/2014)

Neste artigo, apresentamos parte do estudo empírico que realizamos em nossa pesquisa de Mestrado, na linha de Tecnologias da Comunicação e Estética, na Escola de Comunicação da UFRJ. O trabalho baseia-se na análise da página do Rio Na Rua, que faz a cobertura cidadã das manifestações populares no Rio de Janeiro, desde junho de 2013. Pretendemos contribuir para a compreensão de dinâmicas e valores que constroem incessantemente as comunidades e redes de relações sociais no Facebook. Com estes agrupamentos, gerados por trabalho produtivo de usuários, é possível produzir aquilo que é vendido aos anunciantes: o signo, sob a forma de palavra-chave. A interação realizada pelos usuários do Facebook gera valor na cadeia de produção da empresa. Sem redes não há produto a ser vendido aos anunciantes. E sem o trabalho dos usuários, a rede não se forma. Eles convertem-se, portanto, em trabalhadores não-remunerados, um dos elos de uma divisão de trabalho que envolve trabalhadores contratados e assalariados (que desenvolvem e aprimoram constantemente a plataforma, incluindo aí seu algoritmo), trabalhadores gratuitos (que criam redes e transformam fluxos de conhecimentos, afetos e relações sociais em signos passíveis de captura pelo sistema computacional) e o algoritmo (que realiza trabalho morto de processamento destes signos e define, a partir das tendências extraídas da interação dos usuários, as palavras-chave que serão capazes de promover vendas1).

Metodologia

Para análise do objeto de estudo, utilizamos o método da observação empírica do processo de produção de signos da página Rio Na Rua. Reunimos também dados e informações extraídos do Facebook. Buscamos, assim, indícios e evidências que comprovem que esta atividade, como trabalho vivo de produção de signos, é geradora de valor na cadeia produtiva do Facebook.

Nesta fase da pesquisa empírica, observamos os seguinte elementos:

a) Relatórios de estatísticas (conhecidos como Facebook Insights); b) Menções em outras páginas no Facebook; c) Menções do Rio Na Rua na imprensa tradicional (do Brasil e no exterior) e alternativa; d) Grafos de visualização das redes, extraídos a partir das ferramentas Netvizz e Gephi,

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e que permitem analisar, com relativa facilidade, uma quantidade massiva de dados da rede; e) Mecanismos da plataforma para linkar o conteúdo com diversas redes, como a hashtag, o botão de compartilhamento e o feed de notícias; f) Comunicações internas do grupo, realizadas presencialmente ou por e-mails e pads colaborativos. Como uma das integrantes do coletivo analisado, a autora deste trabalho esteve envolvida em todas as etapas de constituição do grupo. Todas as menções a diálogos presenciais envolveram a participação da autora, que também acompanha regularmente a lista de e-mails e os pads colaborativos. Para análise dos dados coletados, utilizamos a formulação teórica de redes sociais na Internet da pesquisadora Raquel Recuero (2009).

Análise Empírica

Em junho de 2013, irrompeu, no Brasil, um movimento popular de grande proporção. Motivados, inicialmente, pela demanda de revogação do aumento de 20 centavos nas passagens de ônibus em todo o país, milhares de manifestantes saíram às ruas no Rio de Janeiro e em São Paulo, na primeira quinzena de junho. Depois de quatro manifestações, com adesão crescente, nas duas maiores cidades do Brasil, a onda de protestos, iniciada pelo Movimento Passe Livre (MPL) em São Paulo, e pelo Fórum de Lutas Contra o Aumento da Passagem, no Rio de Janeiro, eclodiram em todo o país. No dia 20/06/2013, pelo menos 70 cidades levaram multidões às ruas. Neste momento, a pauta do movimento já havia se ampliado para além do aumento de 20 centavos na tarifa dos ônibus (que, aliás, já havia sido revogado na maior parte das cidades): no Rio, a pessoas pediam mais dinheiro para a saúde e a educação; o fim da corrupção e da repressão policial ao movimento popular; a paralisação das remoções de famílias em áreas que receberiam obras de infraestrutura para a Copa do Mundo e as Olimpíadas; e a revisão dos contratos assinados com a FIFA para a realização do Mundial de futebol no país, entre outras medidas direcionadas aos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Para 11/07/2013, foi decretada uma greve geral (que teve adesão parcial dos sindicatos), e houve protestos generalizados em todos os 26 estados do Brasil, além do Distrito Federal. Neste período, cresceu também a percepção de que a imprensa tradicional não trazia informações confiáveis sobre as manifestações. Começaram a circular nas redes sociais relatos e imagens (fotos e vídeos) de situações vividas e/ou presenciadas à distância pelos manifestantes que desmentiam a versão da mídia tradicional. Enquanto a velha imprensa dava desproporcional destaque às cenas de vandalismo e confronto entre manifestantes e policiais, as redes sociais eram inundadas por vídeos que mostravam abuso policial na repressão aos protestos, essencialmente pacíficos. A credibilidade da imprensa tradicional era, talvez pela primeira vez na história do Brasil, colocada em xeque em âmbito nacional

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e de forma contundente. 2- Opinião publicada no dia 13/06/2013, disponível em: www.youtube.com/ watch?v=f8kQ8G2HUYs. Acesso em: 12/08/2013. Retratação disponível em: www.youtube.com/ watch?v=1RcZrPzol4I . Acesso em: 12/08/2013.

Os vídeos do Youtube retratavam também hostilidade de milhares de pessoas aos repórteres das redes de televisão, em especial da Rede Globo, que teve seus profissionais expulsos da cobertura de manifestações em diversas cidades, como Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, João Pessoa, Macaé, Maringá, São Luís e até Londres e Madri, onde cidadãos brasileiros lançaram movimentos de apoio aos protestos no Brasil. Foi dado início a uma campanha espontânea e massiva de usuários dos sites de redes sociais contra a maior emissora de televisão do país, que chegou a se retratar2 em seus principais telejornais pelo tratamento dado às manifestações no início do levante popular. Paralelamente ao ceticismo na imprensa tradicional, emergiram novos canais para a busca por informações sobre o que acontecia nas ruas - e na militância fora delas. E m estudo realizado no MediaLab da UFRJ, os grafos sociais extraídos do Twitter, a partir de dados relativos à palavra-chave #ProtestoRJ, muito popular durante as manifestações no Rio, mostraram que: o centro do grafo está habitado por uma multidão de pequenos nós (atores) conectados entre si. E, como se pode ver, este centro é extremamente vasto, ocupando quase toda a rede. O que nos indica que a rede #protestosRJ, especialmente nos dias 16 e 17 de junho, é massiçamente constituída por uma multiplicidade de atores e ações “menores”, no sentido de ser formada por pessoas quaisquer, mas intensamente conectadas. Diferentemente dos grandes nós que estão na periferia, eles fazem falar muitos outros atores, pois não apenas são retuitados como retuitam muito. De fato, muitos dos que estão mais ao centro do grafo têm uma ação quase que inversa aos que estão na periferia. Em vez de terem um número pequeno de postagens com grande difusão, são os mediadores de um grande número de postagens vindas de diferentes atores. Não são pontos de difusão, mas pontos de mediação, tradução (BRUNO, NASCIMENTO, MAZOTTE, 2013).

Neste contexto, somando-se aos esforços espontâneos e voluntários nas redes sociais, nasceu o Rio Na Rua, um coletivo formado por estudantes e profissionais de diferentes áreas, todos jovens entre 24 e 35 anos, com o objetivo de produzir narrativas sobre os protestos que tomavam as ruas da cidade, pelo menos duas vezes por semana. O grupo se descreve no Facebook como uma iniciativa independente de cobertura das manifestações no Rio de Janeiro. A página é administrada por comunicadores e funciona a partir da colaboração de leitores e das pessoas presentes nos atos e manifestações na cidade. Todas as informações são checadas e rechecadas antes das postagens. Acreditamos que todos têm direito de se manifestar nas ruas e, por isso, todos os partidos e entidades devem ser respeitados (RIO NA RUA, 2013).

Nas manifestações populares de 2013, no Brasil, os veículos que se mostraram independentes da grande mídia na cobertura dos eventos viram um crescimento vertiginoso de sua audiência. A página Rio Na Rua entrou no ar no Facebook no dia 26/06/2013, às 23h45.

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Em menos de três semanas, o coletivo era acompanhado por mais de 3 mil pessoas (dado de 15/07/2013) - um quadro de internautas localizados em 20 países (a esmagadora maioria, claro, no Brasil) e em oito estados do Brasil, além do Distrito Federal. Em 12/08/2013, eram 8.734 pessoas acompanhando a página. A página chegou a ganhar 1.400 novos seguidores em apenas um dia (22/07/2013). Em 13/07/2013, o painel administrativo indicava que, nos últimos 7 dias, os posts foram vistos por mais de 234 mil usuários únicos, um aumento de 55% em relação à semana anterior. Os compartilhamentos feitos por usuários cresceram 1.034% no mesmo período, ultrapassando 15 mil histórias geradas a partir dos posts iniciais. A rede criada pelo Rio na Rua apresenta certas propriedades e determinados valores comuns às redes sociais na Internet e descritos por Recuero em um aprofundado estudo publicado em 2009. Utilizamos estas propriedades para analisar como se deu a criação, manutenção e evolução da rede do Rio na Rua no Facebook.

Grau de conexão

Recuero (p. 71) aponta a propriedade que se refere a um ponto conectado a outros pontos quaisquer da rede: O grau de conexão é simplesmente a quantidade de conexões que um determinado nó possui. (...) É, assim, também uma descrição de quantos nós compõem a vizinhança de um determinado nó (Scott, 2000; Wasserman & Faust, 1994). (...) Quanto maior o grau de conexão, mais popular e mais central é o nó na rede.

Nós com alto grau de conexão são entes geradores de maior valor na rede do que nós com baixo grau de conexão. Em redes distribuídas ou descentralizadas todo nó é potencialmente gerador de um alto grau de conexão: não há, em princípio, limitações estruturais para nenhum dos nós. As redes são heterogêneas. 3- Segundo as regras do Facebook a presença de empresas e outras pessoas jurídicas no Facebook deve ser feita através do registro de uma página. Os perfis, via de regra, pertencem a indivíduos e não a marcas

Em nossa análise, o valor da página do Rio na Rua no Facebook, do ponto de vista do grau de conexão, é determinado por: a) número de perfis que seguem a página; b) número de páginas que seguem a página3. Quanto mais “seguidores”, maior o grau de conexão. Em 10/07/2013, o RnR tinha 1.499 pessoas seguindo a página. Uma semana depois (17/07/2013), este número mais do que duplicou, saltando para 3.495. Este padrão de crescimento praticamente se manteve na semana seguinte, atingindo 5.869 seguidores, em 24/07/2013, e a página fechou o mês com 7.743. No mês de julho, a rede cresceu e a página ganhou valor, do ponto de vista do grau de conexão. Desde sua estréia no Facebook até a data em que estas páginas são escritas, em 23/01/2014, houve 39 dias em que mais de 100 pessoas começaram a seguir a página, conforme mostra a tabela 1. O RnR tinha, em fins de janeiro de 2014, 16.488 perfis seguindo a página. Do ponto de vista do valor gerado pelo grau de conexão, o mês de julho foi o mais “ren-

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tável”. Tabela 1: Quantidade de novos seguidores da página do RnR no Facebook em dias com mais de 100 novas “curtidas”.

Data

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39

27/06/2013 30/06/2013 04/07/2013 11/07/2013 12/07/2013 13/07/2013 14/07/2013 15/07/2013 17/07/2013 18/07/2013 22/07/2013 23/07/2013 25/07/2013 26/07/2013 27/07/2013 31/07/2013 08/08/2013 09/08/2013 11/08/2013 12/08/2013 13/08/2013 14/08/2013 15/08/2013 20/08/2013 21/08/2013 26/08/2013 28/08/2013 07/09/2013 11/09/2013 28/09/2013 29/09/2013 30/09/2013 01/10/2013 02/10/2013 07/10/2013 15/10/2013 16/10/2013 17/10/2013 18/10/2013

Quantidade de novos seguidores (perfis) 477 648 117 697 134 261 364 162 352 251 1.472 515 215 1.058 169 165 167 359 119 154 124 340 272 186 102 159 111 295 113 116 122 175 818 447 230 200 232 164 171

Fonte: formulação da autora, com dados do Facebook Insights.

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Dois dias destacam-se dos demais, por atraírem mais de 1.000 novos seguidores: 22 e 27 de julho. O dia 01/10/2013 também foi relevante para a geração de valor produtivo da rede do ponto de vista do grau de conexão. As três datas foram marcadas por manifestações de grandes proporções, com cobertura de 5 a 12 horas ininterruptas realizada pelo Rio Na Rua. Ao observar a evolução da página, é possível notar que os dias com grandes manifestações na rua tendem a atrair mais seguidores, já que a proposta do coletivo é levar à sua audiência informações confiáveis sobre os protestos em tempo real. É também nestes dias que a colaboração entre a página e seus seguidores se torna mais forte, com mensagens recebidas de forma pública ou privada no Facebook, em que as pessoas reportam informações relevantes para divulgação. As interações públicas, como comentários e compartilhamentos, geram mais visibilidade da página na rede e, desta forma, tendem a atrair novos seguidores. Nas figuras abaixo, pode-se comparar a evolução do número de novos seguidores (fig.1) e o alcance que as publicações da página tiveram (fig. 2), ao longo dos meses de julho a outubro. O alcance da publicação é definido pelo número de vezes que esta é impressa no feed de notícias de qualquer usuário do Facebook. Cada vez que alguém curte, compartilha ou comenta a publicação de uma página, ela é potencialmente visível para toda a sua rede de amigos. Verifica-se, com a análise das linhas formadas nos dois gráficos, um mesmo padrão de comportamento das duas medidas, indicando que um maior alcance da publicação tende a se reverter em mais seguidores, ampliando o valor produtivo da rede. De forma análoga, um alto grau de conexão é um fator gerador de valor, pois tende a gerar mais visibilidade e aumentar o alcance das publicações na rede de amigos dos seguidores. É um movimento que se retroalimenta.

Fig. 1: Evolução no número de novos seguidores da página do RnR no Facebook, entre julho e outubro de 2013, indica geração de valor a partir do aumento do grau de conexão.

Fonte: Facebook Insights.

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Fig. 2: Evolução do alcance das publicações da página do RnR no Facebook, entre julho e outubro de 2013.

Fonte: Facebook Insights.

Multiplicidade 4- Um grafo é um conjunto de nós ligados por arestas e representam um campo delimitado onde efetivam-se diversas conexões, podendo envolver diferentes redes ou apenas parte de uma rede. Em recentes pesquisas nos campos das Ciências Humanas e Sociais, têm sido bastante utilizadas as visualizações de grafos sociais, a partir da coleta de dados em sites de redes sociais. 5- Recuero (2009) aponta que uma “característica das comunidades em redes é apontada por Newman e Park (2003): a estrutura da comunidade produz clusterização, ou seja, permite que os nós agreguem-se ainda mais uns aos outros. Isso equivaleria a dizer que a estrutura de comunidade tende a formarse juntando nós cada vez mais próximos e tende a ficar cada vez mais densa” (p.148).

Recuero (2009) aborda a propriedade da densidade, que “é referente à quantidade de conexões que um grafo4 possui. Uma rede de weblogs totalmente conectados (onde todos eles fazem links entre si) é uma rede densa, pois há um número máximo de conexões possíveis em todos os nós” (p. 72). A densidade máxima de uma rede é, assim, atingida quando os nós estabelecem entre si a maior multiplicidade de conexões possíveis, ou seja: todos os entes da rede estão conectados entre si. Uma alta densidade de nós em uma rede promove o fenômeno de clusterização5, gerando comunidades dentro da rede ou mesmo novas redes. Nos grafos sociais do RnR, podemos comparar a densidade da rede a partir de dois filtros: conexões com outras páginas em até um nível de profundidade (apenas as conexões da página - fig. 3) ou em até dois níveis de profundidade (as conexões da página e as conexões destas conexões - fig. 4). Esta é uma característica importante de sites de redes sociais como o Facebook: as conexões acontecem em efeito cascata. Quanto mais seguidores a página tiver, mais chances ela tem de ser vista pelos amigos destes seguidores. A plataforma funciona de forma a potencializar a densidade da rede, aumentando, assim, a quantidade de interações possíveis e efetivamente realizadas. Desta forma, gera-se mais valor a partir da propriedade da densidade: os signos, enquanto resultados do trabalho semiótico produtivo, circulam por redes com mais nós.

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Fig. 3: Visualização da rede em um nível de profundidade. O tamanho dos nós indica o valor da página quanto ao peso dos links que saem diretamente dela (HUB). As cores dos nós representam a clusterização em 4 comunidades (modularity class).

Fonte: Dados coletados do Facebook em 11/04/2014, com Netvizz v1.0 e visualizados com Gephi v0.8.2. Fig. 4: Visualização da rede em dois níveis de profundidade, no dia da remoção da Favela da Telerj, no Engenho Novo. O tamanho dos nós indica o valor da página quanto ao peso dos links que saem diretamente dela (HUB). As diferentes cores representam a clusterização em 8 comunidades (modularity class).

Fonte: Dados coletados do Facebook em 11/04/2014, com Netvizz v1.0 e visualizados com Gephi v0.8.2.

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A multiplicidade também se refere à multiplexidade da rede: No caso das redes sociais na Internet, poderíamos dizer que a multiplexidade pode ser inferida, por exemplo, a partir das ferramentas utilizadas para manter uma mesma conexão social. Imaginemos, por exemplo, que um determinado ator A utiliza o Orkut, o Google Talk e o Twitter para manter uma conexão com o outro ator B. Essa variedade de plataformas poderia indicar uma multiplexidade do laço (p.77).

Além do Facebook, o RnR utiliza blog, canal do Youtube, perfil do Twitter, dois canais no Twitcasting (para streamings ao vivo), um canal acessório no Bambuser, um canal no Soundcloud (para publicações em áudio) e o rádio por ondas de frequência (no momento, com transmissão suspensa). O grande desafio de ter tantos canais é mantê-los atualizados e dinâmicos, de forma a ter uma rede coesa. Especialmente nos dois primeiros meses de funcionamento, quando boa parte dos procedimentos foram definidos, os colaboradores do RnR debateram, através de e-mails e conversas presenciais, qual seria a melhor função para cada canal. Assim, estes assumiram diferentes papéis na difusão da produção semiótica: a) Página no Facebook: principal canal de mobilização em tempo real. É dinâmico e eficiente para conquistar nova audiência, devido à estrutura em rede para visualização e compartilhamento de conteúdo. No entanto, não gera memória e não se mostra como o canal adequado para produzir acervo histórico, pois é difícil encontrar uma publicação antiga. Também não permite a busca por palavra-chave; 6-“Os etherpads (tão comuns na camada digital para o 15M como as assembleias são na camada física) são uma ferramenta web colaborativa de edição de textos em tempo real, o que permite aos autores modificar simultaneamente um texto e ver todas as modificações do resto dos participantes em tempo real, com capacidade de mostrar o que escreve cada um através de uma cor própria. Também tem uma janela de chat que facilita a edição linear” (TORET, 2013, p.48. Tradução nossa).

b) Blog: canal para gerar memória, pois permite eficiente categorização de assuntos, busca por palavra-chave e é indexado por buscadores. O blog faria um papel semelhante ao que os jornais impressos exercem atualmente: uma consolidação de fatos já publicizados, em uma narrativa lógica. Em um segundo momento, o blog passou a ser utilizado para publicar histórias consideradas menos contextuais e, portanto, necessárias a um acervo histórico. Uma outra função do blog foi a publicação de textos opinativos, escritos coletivamente em pads6 colaborativos, e de links para vídeos do canal do RnR no Youtube. c) Canal no Youtube: eficiente para a publicação de vídeos gravados e posteriormente editados. Foi considerado um canal importante na geração de memória, assim como de mobilização; d) Canais de streaming ao vivo no Twitcasting e no Bambuser: canais para transmissão de vídeo ao vivo, direto de manifestações, eventos e debates. Acompanhou uma tendência nas manifestações populares em todo o mundo, em que o streaming serviu como prova para registrar truculência policial, inocentar manifestantes presos e mobilizar as redes digitais enquanto os protestos aconteciam nas ruas. Cabe aqui determo-nos um pouco nos dois ítens anteriores constituintes da rede do RnR: o Youtube e os canais de streaming. Ambos servem para compartilhar vídeos, mas com características distintas. Enquanto um foi considerado importante para a memória do movimento (embora também capaz de gerar mobilização), o outro ganhou destaque por ge-

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rar mobilização instantânea (embora também pudesse ter trechos incluídos em um acervo histórico). Houve muitos debates no grupo para decidir o que seria priorizado, diante da limitação de equipamento e colaboradores disponíveis para realizar o trabalho: o vídeo consolidado, publicado dias depois, ou o vídeo com transmissão em tempo real. O debate ficou especialmente acalorado no momento de escolher que equipamentos, diante da verba reduzida recolhida entre os membros do grupo. Optou-se por um cartão SD com transmissão Wi-Fi, para possibilitar boas fotos direto do front, e um aparelho celular com plano 4G de Internet, para o streaming ao vivo. Isto ocorreu porque: i) considerou-se o streaming com maior potencial de atrair novos seguidores, capaz, assim, de aumentar o grau de conexão da rede; ii) identificou-se o streaming como uma nova linguagem que deveria ser explorada na produção semiótica do grupo. Em reunião presencial, debateu-se a semelhança do streaming ao vivo com a linguagem radiofônica, já que, em ambos, os sentimentos do “ao vivo” e do fato ainda inacabado são determinantes. Em um pad colaborativo em que se consolidam as diretrizes do grupo, lê-se algumas características da transmissão ao vivo que motivaram, em um primeiro momento, a prioridade a este tipo de vídeo: 1- A narração é de extrema importância para o streaming. Devido à qualidade da imagem, a narração serve não só para contar ou esclarecer o que se passa, mas também para dar um direcionamento parcial ao que acontece. Narrar sempre, tendo o bom senso de ficar calado em momentos importantes, ex: conversas relevantes entre manifestantes, policiais, informes importantes, flagrantes etc. É ideal que se preste muita atenção ao que se passou para depois resumir para os espectadores. 2- Em momentos mais calmos, é ideal que se interaja com os comentários. Isso cria público e satisfaz a carência das pessoas. Em momentos tensos, esqueça os comentários e narre como se estivesse narrando uma corrida de cavalos. 3- Um resumo do que acontece é ideal de tempos em tempos. Um bom medidor para isso é o número de espectadores. Quando esse número está em vertiginosa ascensão, é bom que o resumo se dê com mais frequência. Por resumo entende-se de onde saiu o ato, qual caminho percorreu, do que o ato se trata (é bom estar inteirado com o assunto, passando infos importantes que darão credibilidade à transmissão e ao coletivo), além de selecionar momentos importantes que deem um panorama do clima da manifestação. É bom também dizer sempre o local exato onde se está, isso é importante para a base (comunicação interna do RnR, não disponível para acesso externo. Publicado em 24/10/2013).

O guia com as diretrizes gerais também motiva o narrador a divulgar os outros canais do RnR, assim como “começar a transmissão com um enquadramento pertinente e evitar de iniciar apontando o celular pro chão. Esses primeiros segundos estabelecem a imagem que vai virar o thumbnail desse vídeo posteriormente”. Nota-se aí um esforço de se estabelecer diretrizes que contribuam para a estratégia de multiplexação da rede, assim como de orientar a produção semiótica para potencializar a geração de valor resultante do signo compartilhado;

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e) Perfil no Twitter: em princípio, o grupo optou por gerar atualizações automáticas no Twitter, a partir do que se publicava no Facebook. Depois que os processos de produção e publicação se organizaram, o coletivo passou a ter alguém dedicado a customizar o conteúdo para o Twitter, considerado relevante para atingir conectores fora do Rio de Janeiro. A maioria dos posts vinha acompanhada de link para o blog ou para o Twitcasting, como forma de promover os outros canais e mobilizar em tempo real. Caso não houvesse um link específico para divulgar, priorizava-se atualizações acompanhadas de foto, pois acreditava-se que estas tendiam a gerar mais visualizações e compartilhamentos do que publicações sem imagens associadas; f) Perfil no Soundcloud: a necessidade de uma conta na rede social de áudio surgiu quando foi feita uma entrevista, utilizando um gravador de som e não uma câmera de vídeo. Nenhum dos canais já utilizados permitia a publicação de arquivos de áudio (a não ser que fossem acompanhados por uma tela preta ou com fotos genéricas, o que não foi considerado adequado). O canal no Soundcloud foi pouco utilizado pois não foi priorizado como mais um canal de mobilização, mas como um recurso necessário para o caso de se publicar conteúdo apenas em áudio; 7- Sobre a Rádio Interferência é possível saber mais em: http://pt.wikipedia.org/wiki/ Rádio_Interferência

g) Programa em rádio comunitária: o último canal criado pelo grupo nasceu em novembro de 2013 e aproveitou um espaço na grade da Rádio Interferência7 para incluir um programa semanal que cobrisse temas relativos às manifestações, com eventuais entradas ao vivo, entrevistas com pessoas relevantes no cenário das manifestações, e entretenimento, sempre relacionado ao protesto político. Diante da proposta feita por um dos integrantes de ampliar o escopo de atuação para o rádio, houve um debate com cerca de 100 emails e uma reunião ao vivo, para decidir se o programa seria feito e para que serviria no conjunto de produção semiótica do grupo. Destaco alguns trechos:

Sobre multiplexação e divulgação em outros canais do grupo:

•“tem que divulgar que toda terça tem nosso programa, na Internet. Vai funcionar como um podcast. Melhor ainda, com horário fixo”. (colaborador A) •“A idéia é essa: divulgar que está no ar, e no dia seguinte, divulgar o link do podcast no soundcloud, a nuvem de som”. (colaborador B) •“Acho que a interação [com os ouvintes] pode ser pelo twitter que é mais rápido (o facebook demora um pouco para atualizar) e aproveitamos e chamamos o tráfego pra lá!” (colaborador C)

Sobre produção semiótica:

•“Acho que podemos criar um conceito para as músicas que serão tocadas. Definir que assuntos abordaremos em cada programa. Ler textos opinativos escritos por nós, exclusivamente para o rádio. Com uma linguagem mais radiofônica. Entrevistas com convidados: DDH, ativistas, Rafucko, coletivos de mídia independente, acadêmicos, etc. Também pensar em quem vai falar, de que forma. Teremos “quadros”. Podemos dividir esses quadros por pessoas, enfim... vamos pensando. Mas acho que devemos dar bastante importância para esse programa! (colaborador A)

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Produção de redes no Facebook e no trabalho semiótico não-remunerado – Marcela Canavarro

•“Acho que pode ser um pulo do gato pra gente. Principalmente por essa questão de sair do facebook e alcançar novas pessoas”. (colaborador A)

A estratégia de multiplexação é comumente seguida por outros coletivos de cobertura independente das manifestações no Rio e em outros lugares do mundo. Ao comentar as formas organizativas do movimento 15M, na Espanha, Toret (2013) afirma que Pode-se falar de uma constelação de identidades pessoais e coletivas que têm crescido exponencialmente no momento da explosão do movimento, criando um ecossistema de identidades coletivas que estão em plataformas distintas e, assim mesmo, estão relacionadas entre elas. Estas identidades coletivas seriam motores, exercendo uma liderança temporal distribuída (temática espaço-temporal) do processo (p. 49).

Ainda não está claro que tipos de sinergia eles podem gerar entre si, em termos de audiência, mas o RnR observou um aumento significativo de “assinantes” de seu canal no Youtube quando solicitou aos seus seguidores do Facebook que assim o fizessem. Isto ocorreu na ocasião em que o Youtube lançou um serviço de streaming pelo site e o RnR precisaria atingir um número mínimo de assinantes para ter acesso à nova funcionalidade. Com a campanha no Facebook para conseguir adesões, foi possível chegar ao número necessário rapidamente. A multiplexação da rede é um fator constituinte da rede e, portanto, gerador de valor produtivo para as empresas em que estas redes se baseiam. Construir uma rede múltipla é parte do trabalho semiótico dos usuários. A definição de papéis de cada canal, estabelecida pelo RnR procurou configurar tais media de forma a atingir o maior potencial semiótico de cada um deles. No documento colaborativo de comunicação interna, que estabelece as diretrizes gerais de publicação, inclui-se a seguinte recomendação: 2.1 Toda postagem deverá ser feita inicialmente no site, incluindo tags e posicionando o post na categoria correta. 2.2 Após a postagem nos sites, segue-se a divulgação nas redes sociais: um post no Twitter e após a postagem no Facebook, sempre linkando para o site.

Os resultados deste cuidado em gerar sinergia entre os canais e multiplicar as portas de entrada para a rede do RnR pode, em parte, ser mensurado através dos Insights do Facebook - as estatísticas da página, fornecidas gratuitamente pela plataforma. No mês de julho, conforme já apresentamos acima, a taxa de crescimento da página foi alta: o número de seguidores dobrou a cada semana, nas três primeiras semanas do mês. Apenas nos dias 22/07 e 26/07, respectivamente, 1.472 e 1.058 novos seguidores curtiram a página. No dia 22, o post menos popular foi visto 1,3 mil vezes e o mais visualizado, 98,6 mil vezes. Cruzando este dado com a estatística de “referências externas”, que aponta o número de vezes que a página é citada em outras plataformas que não o Facebook, o destaque, no dia 22/07, é da plataforma Twitcasting.com (ver figs. 5 e 6): tratava-se de uma manifesta-

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ção de grande repercussão, em que a trasmissão online do Rio Na Rua proliferou pela rede. Vale lembrar que cada menção é visualizada por diversas pessoas. Fig. 5: Lista de sites que mencionaram o Rio Na Rua, gerando visitas à página do Facebook, no dia 22/07/2013.

Fonte: Facebook Insights

Fig. 6: Evolução de visitas à página do Rio Na Rua no Facebook a partir de menções externas, entre julho e outubro de 2013.

Fonte: Facebook Insights

Aparentemente, a transmissão online ao vivo também aumenta a taxa de envolvimento dos seguidores com a página. A “taxa de envolvimento” é calculada a partir do número de pessoas que curtiram, comentaram, compartilharam ou clicaram na publicação e é um dos fatores criadores da rede e geradores de valor produtivo. No dia 22/07/2013, 12 publicações geraram taxas de envolvimento entre 11% e 20%; 12 publicações ficaram com taxas

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entre 21% e 30%; 6 atingiram taxas entre 31% e 40%; e o pico de envolvimento chegou a uma taxa de 44%. O curioso é que o percentual de envolvimento não segue, necessariamente, o número absoluto de popularidade do post: o que se avalia, neste caso é, dentre as pessoas que visualizaram, qual o percentual que se envolveu com a publicação. Vemos, assim, que o post mais visto, com 98,6 mil visualizações, gerou uma taxa de envolvimento de 12%, enquanto o post que mais envolveu, com taxa de 44%, foi visualizado apenas 1,7 mil vezes. Uma outra referência externa relevante no mês de julho foi uma matéria publicada na editoria Internacional do site El País, da Espanha, em que tratava das manifestações no Brasil. É interessante notar que, embora o El País não seja um canal da multiplexidade da rede do Rio Na Rua, a matéria que versava sobre as mídias alternativas durante os protestos no Brasil, com amplo destaque para a transmissão ao vivo em complementariedade à cobertura tradicional, serviu como um conector. A capacidade de aparecer em diversos canais deve, assim, extrapolar as fronteiras da própria rede para aumentar o valor dela. É notável o destaque do buscador Google nas visitas à página do RnR a partir de menções em plataformas externas ao Facebook. No entanto, é difícil definir o que motivou a busca dos usuários a partir da palavra-chave que levou a tais acessos. Uma hipótese que deve ser melhor estudada é se a multiplexação da rede resulta em mais acessos provenientes do Google.

Dinamismo

Recuero (2009) cita Watts para enfatizar que “não há redes ‘paradas’ no tempo e no espaço. Redes são dinâmicas e estão sempre em transformação. Essas transformações, em uma rede social, são largamente influenciadas pelas interações” (p. 79). As redes sociais adquirem movimentos próprios que, por vezes, somam e constroem um determinado laço social e, outras, enfraquecem ou mesmo destroem esse laço. É justamente a partir destes fluxos de desterritorialização e reterritorialização que a rede social se constitui, se renova incessantemente e pode, assim, ser monetizada pela empresa que lhe dá suporte na Internet. Tais fluxos se dão a partir de interações mediadas por signos, ou seja, a partir do trabalho semiótico de quem interage, que promovem dinâmicas de cooperação, competição e conflito. De acordo com a teoria das redes exposta por Recuero (2009), “os processos dinâmicos das redes são consequência direta dos processos de interação entre os atores” (p. 80). As dinâmicas construídas coletivamente e que dão a característica da emergência às redes sociais, também são processos semióticos realizados pelos usuários-trabalhadores gratuitos em plataformas não-pagas de produção e compartilhamento de conteúdo, como o Facebook. Recuero (op.cit.) considera que “todo processo dinâmico nas redes sociais será considerado emergente e capaz de impactar a estrutura” (p. 80).

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Produção de redes no Facebook e no trabalho semiótico não-remunerado – Marcela Canavarro

Conclusões No presente trabalho, apresentamos uma parte dos elementos que foram analisados em nossa pesquisa de Mestrado, onde descrevemos, pormenorizadamente, não apenas estes, mas também as dinâmicas de cooperação, competição e conflito, além dos valores constituintes da rede, como reputação, visibilidade, popularidade e autoridade. A partir destes elementos, expostos aqui e na pesquisa mais extensa, procuramos descrever parte do trabalho de produção de signos realizado pelos colaboradores do Rio na Rua. É a partir do resultado deste trabalho que a rede se constitui. Acreditamos que a venda de palavras-chave para anunciantes do Facebook dependa diretamente do processo de constituição, manutenção e evolução das diversas redes existentes dentro do ecossistema de redes, que é o Facebook. Conforme explica Recuero (2009), “um longo período sem interação e sem manutenção dos laços, por exemplo, pode enfraquecer um grupo e mesmo, fragmentá-lo” (p. 83). Entendemos, assim, que a atividade promovida pelos usuários no Facebook é indispensável para que estas redes continuem a existir. Mesmo que a plataforma produzida pelos trabalhadores contratados pelo Facebook permaneça, sem a interação dos usuários sua função se esvai: dar suporte à constituição de redes, que produzirão signos, que serão transformados em palavraschave pelo algoritmo do sistema, para serem vendidas aos anunciantes. A interação dos usuários torna-se, assim, trabalho produtivo e gerador de valor na cadeia de produção do Facebook.

Referências

BRUNO, F., NASCIMENTO, L., MAZOTTE, N. #Protesto RJ: atores menores fazem a rede. Disponível em: http://medialabufrj.wordpress.com/2013/08/05/protestorj-atores-menoresfazem-a-rede/ . Acesso em: 12/08/2013. RECUERO, R. Redes sociais na Internet. Porto Alegre, RS: Sulina, 2009. RIO NA RUA. Página do Facebook disponível em: www.facebook.com/rionarua. Rio de Janeiro, 2013/2014. TORET, J (org.). Tecnopolítica: la potencia de las multitudes conectadas. El sistema red 15M, un nuevo paradigma de la política distribuida. Catalunha: Universidade Aberta da Catalunha, 2013. Disponível em: http://www.uoc.edu/ojs/index.php/in3-working-paperseries/article/view/1878. Acesso em: 08/12/2013.

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CONVERGÊNCIA; JOVENS DIGITAIS E TENDÊNCIAS PARA A RECEPÇÃO RADIOFÔNICA NO SÉCULO XXI CONVERGENCIA; JÓVENES DIGITALES Y TENDENCIAS PARA LA RECEPCIÓN DE RADIO EN EL SIGLO 21 CONVERGENCE; DIGITAL YOUNGS AND TRENDS FOR THE RADIO RECEPTION IN THE 21ST CENTURY

Antonio Francisco MAGNONI Professor na Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, SP, Brasil. Jornalista, profes sor de Jornalismo Radiofônico, de Projetos Experimentais e tutor do Grupo PET de Rádio e Televisão no Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (Faac/Unesp) de Bauru. Pós Doutor pela Universidad Nacional de Quilmes. Doutor em Educação pela Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC/Unesp) de Marília, SP Email: afmagnoni@gmail.com

Giovani Vieira MIRANDA Pós-Graduando pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Midiática da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), câmpus de Bauru. Graduado em Comunicação Social - Jornalismo pela mesma instituição Email: giovani.vieira.miranda@gmail.com

Revista Eptic Online Vol.16 n.2 p.193-201 mai-ago 2014 Recebido em 26/02/2014 Aprovado em 20/04/2014


Convergência; jovens digitais e tendências para a recepção radiofônica – Antonio Magnoni; Giovani Miranda

RESUMO O trabalho tem por objetivo apresentar uma análise teórico-aplicada sobre a relação dos jovens integrantes da Geração Internet com as formas de recepção dos conteúdos esboçadas em meio ao atual cenário de convergência de meios e linguagens. O artigo pretende evidenciar a relação direta desses jovens com o rádio e apresentar dados que possam servir de referência para as atuais pesquisas sobre recepção e cultura midiática. Para tanto, são apresentados dados de uma pesquisa empírica sobre hábitos, formas e índices de consumo com interferência direta nos modelos e processos de gestão do meio na atualidade.

Palavras-chave Comunicação, Convergência, Geração Internet

RESUMEN El trabajo tiene como objetivo presentar un análisis teórico y aplicado de la relación de los jóvenes miembros de la Generación Internet con formas de recepción del contenido descrito en medio del escenario actual de la convergencia de medios y lenguajes. El documento tiene como objetivo destacar la relación directa de estos jóvenes con la radio, y presentar datos que pueden servir de referencia para la investigación actual sobre la recepción y medios de cultivo. Para ello, los datos de una investigación empírica sobre los hábitos, las formas y los niveles de consumo con los modelos de interferencias directas y procesos de gestión se presentan hasta hoy. Palabras Claves Comunicación, Convergencia, Generación de Internet

ABSTRACT The paper aims to present a theoretical and applied analysis of the relationship of the young members of Generation Internet with forms of reception of content defined in the current scenario of convergence of media and languages. The paper aims at highlighting the direct relationship of these young people with the radio, and present data that can serve as reference for the current research on reception and media culture. Para ello, los datos de una investigación empírica sobre los hábitos, las formas y los niveles de consumo con los modelos de interferencias directas y procesos de gestión se presentan hasta hoy. Keywords Communication, Convergence, Internet Generation

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Convergência; jovens digitais e tendências para a recepção radiofônica – Antonio Magnoni; Giovani Miranda

Introdução

O presente trabalho é derivado de um estudo teórico e de campo para mensurar o interesse de estudantes adolescentes de 12 a 17 anos pela programação de rádio, seja audição em receptores tradicionais, pelo computador ou por outros dispositivos digitais portáteis. Os adolescentes constituem o principal grupo social da denominada Geração Y ou Geração da Internet. São pessoas em formação sociocultural, educacional, psicológica e profissional. Portanto, são intensamente influenciadas pelas culturas da informática, da comunicação audiovisual e também pela globalização cultural e econômica. Por isso representam um público estratégico para as tradicionais pesquisas de mensuração de índices de recepção, de configuração do mercado e também de entendimento das mudanças que vão ocorrendo na cultura midiática comercial. Afinal, conforme surgem novas tecnologias de comunicação pública, aparecem novas possibilidades e hábitos comunicativos individuais e coletivos. O rádio é o veículo brasileiro mais antigo no campo da comunicação eletrônica e prossegue com a maior cobertura nacional, além de liderar a abrangência e audiência local, quando comparado aos demais meios de comunicação de massa. Na pesquisa realizada buscamos alguns subsídios teóricos e metodológicos da Economia Política da Comunicação, para identificar e analisar os hábitos de consumo de mídia dos adolescentes entrevistados. É pelas características intrínsecas da radiodifusão brasileira, que consideramos essencial tentar visualizar quais as possibilidades do rádio na era digital. Afinal, ele é o único veículo com abrangência local e regional, em um cenário de predomínio dos oligopólios de televisão aberta, conglomerados de vários meios, que produzem e veiculam em suas grades de programação, conteúdos que priorizam a cobertura dos principais polos metropolitanos do país. As grandes redes de televisão ignoram a existência das populações de uma enorme quantidade de pequenas cidades brasileiras. Também consideramos que a mudança mais radical que está sendo promovida pela digitalização midiática, é aquela que incide sobre a cultura de consumo simbólico, e também material. Os novos hábitos de consumo de informações, sejam jornalísticas, de entretenimento e de publicidade, se estabeleceram e prosperaram conforme os veículos de comunicação foram surgindo durante o século 20. Os novos meios realizaram entre si, articulações sinérgicas dentro da divisão do trabalho e dos segmentos de atividades específicas que passaram a compor o vasto mercado urbano-industrial, que foi sendo continuamente ampliado pelo crescimento das “indústrias culturais”. A grande revolução em termos de avaliação de produtividade e sobretudo da eficácia econômica e societal (para o conjunto da sociedade), com relação à revolução informacional, é o fato que não podemos mais considerar que a economia essencial é uma economia dos custos do trabalho. O que Marx chama de trabalho vivo, ou seja, a atividade humana, torna-se fundamental para o funcionamento do novo par homem-tecnologias informacionais. Quanto mais se avança nas gerações informáticas, com o aperfeiçoamento dos sistemas, mais a pre-

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Convergência; jovens digitais e tendências para a recepção radiofônica – Antonio Magnoni; Giovani Miranda

sença humana e a interatividade se tornam fundamentais. E é nesse sentido que a formação, o acordo, as atividades que na época de Marx e de Adam Smith eram chamadas de improdutivas, tornam-se absolutamente essenciais para o desenvolvimento econômico. É essa contradição que o capitalismo tem para resolver (LOJKINE, 1999. p. 96).

O principal legado produtivo desde o início da Era Moderna foi a organização do trabalho operário fabril, um grande gerador de mais-valia e que recebeu um impulso extraordinário com a multiplicação das linhas de montagem, cujas estruturas técnicas sofisticadas sustentaram o crescente aumento mundial da produção e do consumo material até o final dos anos 1960. No entanto, é preciso ressaltar que houve também entre as sociedades urbano-industriais do século XX, a expansão simultânea e geométrica do trabalho imaterial ou não produtivo, derivado principalmente das chamadas indústrias culturais ou criativas. Desde o início do desenvolvimento dos atuais meios informáticos e de comunicação foi possível criar uma diversidade de ferramentas tecnológicas para produção simbólica e para a transformação do trabalho abstrato em mercadorias culturais. Elas se tornaram as principais fontes de uma modalidade de produção imaterial, que adquiriu crescente dinamismo com a “nova economia digital” desenvolvida a partir de 1960 e 1970. Aquelas décadas deram início à expansão da informatização industrial e das telecomunicações, graças às novas tecnologias transistorizadas desenvolvidas desde os anos 1950. O transistor foi o insumo tecnológico mais relevante do surto científico registrado após a Segunda Guerra Mundial e permitiu a produção e difusão de novas tecnologias repetindo um contexto semelhante à ocorrida após a Grande Guerra de 1914/18. Naquele período de entre guerras houve o desenvolvimento da radiodifusão, do cinema sonoro e colorido e das tecnologias de televisão, além da evolução significativa dos meios automotores e da aviação civil e militar (MAGNONI, 2001). O aprimoramento da tecnologia do transistor ou da microeletrônica, durante os anos 1950, foi a matriz primordial da indústria informática japonesa. Esta se difundiu mundialmente nos anos 1970 e, com isso, projetou o Japão como um dos maiores produtores de tecnologias e de mercadorias eletrônicas e computacionais. Os japoneses foram os pioneiros na utilização do computador e do conceito de redes informacionais, com a intenção de aposentar as velhas linhas de montagens fabris e de superar as recorrentes crises estruturais do modelo de produção taylorista-fordista. Foi o modelo japonês que primeiro mostrou ao mundo capitalista o potencial da automatização e da robotização manufatureira. Com o desenvolvimento dos meios de transferência (transporte, comunicações e transmissão de energia), característica essencial da organização espacial da sociedade moderna – uma sociedade umbilicalmente ligada à evolução da técnica, à aceleração das interligações e movimentação das pessoas, objetos e capitais sobre os territórios –, tem lugar a mudança, associada à rapidez do aumento da densidade e da escala da circulação. Esta é a origem da sociedade em rede. Nos anos 1970 já não se pode mais desconhecer a relação em rede, que então surge, ar-

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Convergência; jovens digitais e tendências para a recepção radiofônica – Antonio Magnoni; Giovani Miranda

ticula os diferentes lugares e age como a forma nova de organização geográfica das sociedades, montando a arquitetura das conexões que dão suporte às relações avançadas da produção e do mercado. É quando junto à rede se descobre a globalização (MOREIRA, 2007, p.57).

De 1950 até o final de 1980, também foi registrada uma gigantesca expansão dos serviços globais de telecomunicações, tanto por cabo quanto por satélite. Nesse período, passou a ocorrer um ciclo mundial de desenvolvimento moderno intenso e contínuo, que já era sustentado majoritariamente pelas novas ferramentas informatizadas. A fusão de processadores com equipamentos de telecomunicações permitiu transformar as informações analógicas em dados, fator que facilitou aos emissores a transmissão e distribuição de mensagens em escala e velocidades sem comparação, além de facilitar imensamente o armazenamento e a recuperação de todos os tipos de informações. Com o desenvolvimento da internet comercial desde os anos 1990, foi possível aos agentes internacionais públicos e privados planejarem e efetuarem políticas de mundialização ou globalização, com a aplicação de sistemas e ferramentas computacionais em larga escala, um evento que gerou um novo ciclo de transformação radical da economia capitalista. Assim, a competitividade regional e mundial passou a depender fortemente da produção ou da importação de processadores e de programas digitais e também da disponibilidade de serviços de redes digitais para poder gerir, renovar, mudar ou fechar complexos industriais. As redes digitais também facilitaram a digitalização e reorganização de todas as estruturas de informação e serviços públicos e privados. Mesmo o planejamento, a gestão e as estratégias de produção rural e de exploração de recursos naturais passaram a receber, pelas redes, uma interferência bem maior do circuito industrial e financeiro mundial. Durante a década de 1970, as potencias capitalistas definiram como projeto estratégico a robotização industrial e a informatização dos conglomerados mundiais de comunicação, com a respectiva expansão dos serviços de telecomunicações. Enquanto a produção de bens materiais reduzia drasticamente os postos de trabalho, houve o crescimento acentuado da produção simbólica, que também aumentou a participação dos bens e serviços imateriais nos índices de lucratividade e acumulação da economia tradicional. A disseminação de novos hábitos de consumo simbólico em todas as sociedades contemporâneas ajudou a universalizar a “modernização” e permitiu relativa padronização dos costumes e da cultura, sobretudo entre os povos ocidentais. Para Saviani (1984), quando distinguimos a produção material de um lado e a produção não-material de outro, esta distinção está sendo feita sob o aspecto do produto, da finalidade, do resultado. Quando nós falamos que a educação é uma produção não-material [como também as atividades de comunicação e de produção cultural], isto significa que a atividade que a constitui se dirige a resultados que não são materiais, diferentemente da produção material, que é uma ação que se desenvolve e se dirige a resultados materiais. É neste sentido que está posta a distinção. No entanto, nós sabemos que a ação que é desenvolvida pela educação é uma ação que tem visibilidade, é uma ação que só se exerce a partir de um suporte material [o mesmo ocorre com os fluxos de informação e com a ação da comunicação mediática] e, portanto, ela

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se realiza num contexto de materialidade (SAVIANI, 1984, p.244-5). Nos últimos 20 anos, o barateamento e a popularização das tecnologias digitais permitiram que muitos tipos de dispositivos fossem rapidamente incorporados ao cotidiano de bilhões de pessoas, independente da condição econômica, cultural ou da região geográfica em que elas vivam. Apesar da imensa diversidade de inovação científica e tecnológica, que permitiu multiplicar o desenvolvimento de todas as atividades produtivas em um intervalo de menos de sete décadas, para alguns bilhões de trabalhadores das muitas sociedades modernas, o efeito mais visível de tantas transformações foi a constante redução da oferta de postos de trabalho. Isso sem contar as perdas de direitos e a precarização de relações trabalhistas instituídas por governos ultraliberais, apesar da intensa resistência social, política e sindical. A intensa competição industrial e comercial entre as potências alimenta também a repetição dos surtos de crise do capitalismo global e aumenta ainda mais os índices mundiais de automatização produtiva. O ritmo e quantidade de inovações ocorridas na segunda metade do século passado transformaram radicalmente todos os espaços e atividades humanas desenvolvidas até aquele momento. Com a organização em rede o espaço fica simultaneamente mais fluído, uma vez que ao tornar livres a população e as coisas para o movimento territorial, a relação em rede elimina as barreiras, abre para que as trocas sociais e econômicas se desloquem de um para outro canto, amplificando ao infinito o que antes fizera com os cultivares. É então que as cidades se convertem em nós de uma trama. Diante de um espaço transformado numa grande rede de nodosidade, a cidade vira um ponto fundamental da tarefa do espaço de integrar lugares cada vez mais articulados em rede (MOREIRA, 2007, p.59).

A partir de 1930, o Brasil adotou um projeto agressivo de urbanização e de modernização industrial, um contexto que inseriu o operariado como uma importante classe de trabalhadores produtivos. O investimento que Getúlio Vargas realizou para construir uma estrutura político-administrativa para atender ao Estado favoreceu o crescimento das camadas sociais médias. Assim, houve significativa expansão nacional do mercado de bens de consumo. O rádio comercial, o cinema, a propaganda, a comunicação impressa se firmaram naquela época como componentes decisivos da ordem econômica, política e como instrumentos de referência para a complexa e diversificada cultura nacional. Tais fatores exigiram, dos meios de comunicação, readequações constantes para pudessem atender as rápidas mudanças da realidade brasileira. A televisão brasileira começou antes que os ciclos de urbanização populacional e de industrialização estivessem concluídos. O novo veículo nasceu privado, dependente de tecnologia muitíssimo cara e só conseguia se sustentar em áreas urbanas industrializadas e densamente povoadas, como São Paulo e Rio de Janeiro. Naquela época o país possuía poucos polos metropolitanos e, mesmo assim, a TV serviu ao projeto “moderno” e desenvolvimentista de Juscelino Kubistschek, apesar da falta de volume e de solidez econômica para alimentar toda a cadeia comercial de um veículo muito custoso para os padrões de faturamento publicitário existente no mercado interno dos anos 1950.

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Assim, coube à ditadura militar de 1964, favorecer com condições técnicas, financeiras e políticas, um projeto de televisão comercial brasileira organizada em rede nacional. Os militares escolheram a televisão para reproduzir e ampliar o papel econômico, político e ideológico, que o rádio comercial havia desempenhado nas décadas de 1930, 40 e 50. Para Ortiz (1988), a expansão dos meios de comunicação, da indústria cultural e do mercado publicitário na década de 1960 também está vinculada aos recursos do Estado, principal investidor naquele período. Enquanto o rádio “inaugurou” a modernidade brasileira, a televisão realizou a transição de uma modernização tardia para uma pós-modernidade precoce, que foi tomando forma nos anos 1970, dentro de um projeto de desenvolvimento autoritário e atrelado aos interesses de internacionalização econômica. Durante o “milagre brasileiro”, a televisão em rede nacional instigou o consumo de mercadorias materiais e simbólicas produzidas pela indústria brasileira e também auxiliou o proselitismo pró-regime durante o período mais conturbado dos governos dos generais.

A informatização dos meios de comunicação

Durante a década de 1980, a digitalização começou a ganhar relevância dentro dos grandes meios de comunicação, um processo que adquiriu forma com a introdução experimental de computadores nas redações de veículos impressos, e pouco depois, nos estúdio de produção de conteúdos de programação para televisão, nas produtoras de vídeo, em agências de publicidade e em gravadoras de áudio. Nas emissoras de rádio, a informatização dos estúdios começou a se popularizar nos anos 1990, tanto na produção artística e publicitária, quanto no radiojornalismo. Inicialmente, os computadores serviram como máquinas mais avançadas de escrever e de compor páginas, pois dispunham de diversos recursos para redigir, revisar e formatar textos, e também, para “diagramar” e montar matrizes de impressão de jornais e revistas. Tais inovações permitiam substituir antigas ferramentas e aperfeiçoar muitíssimo a qualidade de todas as etapas de editoração, além de atualizar e agilizar a produção gráfica em geral. Nos grandes veículos e nos grupos midiáticos concentrados em polos metropolitanos, nas grandes “praças” gráficas e publicitárias, houve a rápida substituição de antigas ferramentas e de processos comunicativos, o que trouxe de imediato, diversos reflexos nos modelos de negócios e no mercado de trabalho. A comprovada qualidade da produção feita com ferramentas digitais, a rapidez operacional e também a redução de despesas com pessoal, serviços e materiais instigou proprietários de veículos ou de grupos midiáticos, a adquirir equipamentos importados (ou até contrabandeados) com custos sempre menores. Assim,

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equipamentos e programas informáticos substituíram muitos trabalhadores. Mais uma vez as mudanças produtivas causaram problemas sociais enquanto a economia nacional enfrentava crises contínuas e uma sequência de ajustes drásticos, que resultavam sempre em retração do mercado de trabalho. A preocupação dos grupos de proprietários de veículos começou a aumentar em meados de 1990, quando os brasileiros que dispunham de computadores domésticos começaram a utilizar a internet e logo descobriram que o novo meio era um imenso sistema aglutinador e localizador de conteúdos midiáticos, escritos, pictóricos, fotográficos e audiovisuais. Rapidamente, as linguagens e conteúdos da imprensa, da fonografia, do cinema, do rádio e da TV passaram a ser “puxados” para os inúmeros ambientes da rede mundial de computadores. O movimento empírico e entusiasmado dos “internautas” pioneiros contribuiu para que as novas culturas de comunicação interativa e de multimediação se desenvolvessem bem antes da digitalização dos antigos meios, o novo comportamento coletivo de recepção e fruição de conteúdos e linguagens pela internet se disseminou facilmente entre os usuários conectados.

A Concepção De Um Novo Ambiente Radiofônico

A atual etapa de convergência de mídia faz com que os jovens sejam analisados como uma nova geração de consumidores diários de vários tipos de mídia, desde que o acesso ao conteúdo de cada uma delas possa ocorrer preferencialmente num mesmo dispositivo ou plataforma digital. O rádio é um veículo de comunicação sonora com programação de predomínio local e regional, cujas emissoras ainda preservam a tecnologia analógica de transmissão e de recepção. Portanto, os radiodifusores se deparam com um cenário com dificuldade crescente para atrair os jovens e adolescentes, que somente utilizam dispositivos ou terminais de comunicação digitais, interativos e com capacidade de oferecer fluxos multilaterais. Embora o rádio ainda permaneça muito bem posicionado entre os meios com grande alcance entre várias as camadas sociais, alguns indicadores oficiais revelam o declínio gradual de consumo de aparelhos receptores, o aumento da abrangência da televisão recém-digitalizada e a ascensão do consumo de novas mídias digitais, que despontaram no mercado brasileiro durante a década passada. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2000, 87,9% dos lares brasileiros tinham um aparelho de rádio em casa, contra 87,2% da televisão. O rádio permanecia como o aparelho de comunicação mais encontrado nos domicílios brasileiros. Resultados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD 2011) relativos às TICs mostram um cenário diferente com os receptores de televisão presentes em 96,9% das residências, seguidos do uso de aparelhos de telefones fixos ou móveis, com 89,9%, um aumento de

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três pontos percentuais em relação a 2010. Os receptores de rádio aparecem na terceira posição, com 83,4%. Apesar de apresentar um crescimento de dois pontos percentuais em relação ao ano anterior, a pesquisa do IBGE constatou que ele era o único item com constante diminuição de consumo nos domicílios brasileiros. A aquisição de receptores de rádio apresenta maior queda de consumo desde 2001. Os números das TICs no Brasil mostram um novo panorama da comunicação, no qual os receptores tradicionais de rádio perdem espaço para os demais dispositivos digitais, enquanto a televisão digital lidera o consumo de eletrodomésticos. No entanto, a momentânea liderança não ameniza a preocupação das grandes redes de televisão com a crescente concorrência dos microcomputadores conectados e dos tabletes e smartphones com internet portátil, dispositivos móveis que no disputado território da convergência digital, em algumas circunstâncias são aliados na disseminação da televisão portátil, em outros, são inimigos ao servir de ferramentas para a desconstrução das grades lineares e unilaterais de programação das redes tradicionais de TV. A popularização do ciberespaço acena com boas possibilidades de inovação para o rádio brasileiro, enquanto aciona o sinal de alerta para radiodifusores e profissionais do setor. A mudança que fustiga o veículo não é apenas tecnológica, é conceitual e dos hábitos culturais de recepção da comunicação radiofônica. Assim, as pesquisas e teorias clássicas sobre o veículo e suas linguagens, também passam a ser confrontadas pela conjuntura atual. (…) parece que o início do século 21 está preparando outra mutação na maneira que as pessoas se comunicam. Se olharmos para a direção certa, será possível detectar os primeiros sinais de comunidades virtuais que se distanciam dos desktops e saem do ciberespaço. É a chegada dos sem fio. A essência desses novos grupos tem um nome: mobilidade. Eles se conectam por telefones, celulares, palmtops ou pequenos radiotransmissores de curto alcance. São os portáteis. O essencial é poder estar ‘sempre’ ligado em qualquer lugar. (COSTA, 2002, p. 74) Jenkins (2009, p. 293) acredita que esse é um momento de transição, no qual “o papel político da Internet está se expandindo, sem diminuir o poder da mídia de radiodifusão”. Para o autor, as velhas e novas mídias se colidem e o fenômeno pode ser descrito como um fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes midiáticos, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca de experiência de entretenimento que desejam. Convergência é uma palavra que consegue definir transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais, dependendo de quem está falando e do imaginam estar falando (JENKINS, 2009, p. 29) Nesse aspecto, a convergência dos meios de comunicação proporcionada pelas novas tecnologias cria uma nova relação entre o público e os produtores de conteúdo. Jenkins aponta que o fenômeno da convergência não é viabilizado apenas pela presença de aparelhos sofisticados, mas sim por meio das interações sociais dos consumidores individuais dos conteúdos das mídias, ou seja, faz parte do comportamento desse consumidor recep-

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tor e emissor, relação quase sem pontos de limites: Em vez de falar sobre produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis separados, podemos agora considerá-los como participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de regras, que nenhum de nós entende por completo. Nem todos os participantes são criados iguais. Corporações – e mesmo indivíduos dentro de corporações de mídia – ainda exercem maior poder do que qualquer consumidor individual, ou mesmo um conjunto de consumidores. E alguns consumidores têm mais habilidades para participar dessa cultura emergente. A convergência não ocorre por meio de aparelhos, por mais sofisticados que venham a ser. A convergência ocorre dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com outros. (JENKINS, 2009, p. 30) O processo de convergência e suas inúmeras possibilidades é um ambiente atrativo por propiciar formas fáceis de comunicação e o surgimento de redes de interações e sociabilidade. Cada vez mais, esse é um território gerador de relações com a presença significativa de códigos e estruturas. Essa geração nem sempre é inédita, mas adaptada às condições de espaço e tempo virtuais da convergência. Essa multiplicação dos canais faz com que os conteúdos elaborados, produzidos e divulgados não se limitem em etapas impostas de cima para baixo, mas por um novo paradigma democrático e compartilhado. Apesar da mudança induzida pela expansão da digitalização de todos os meios de comunicação, em plena era da imagem e da comunicação interativa, o rádio resiste em sua forma original, como veículo unissenrorial, com seus repertórios orais-sonoros vinculados ao linguajar popular, aos diversos sotaques, aos vocabulários, expressões e percepções culturais locais e regionais (MAGNONI; MIRANDA, 2012). Ao mesmo tempo, é um veículo versátil, que se serve para difundir os diversos padrões e sentidos de informação, cultura e de consumo entre setores populares e médios e até entre os setores ricos da sociedade brasileira. Com a digitalização, tornou-se necessário detectar as diferentes maneiras das novas gerações consumirem informação e entretenimento em vários suportes, muitas vezes ao mesmo tempo. No entanto, as pesquisas de identificação das formas de relacionamento e de consumo midiático não podem ficar limitadas a grupos sociais específicos (MAGNONI; MIRANDA, 2012).

Objeto e Metodologia Da Análise

Nosso instrumento analítico foi um estudo quantitativo e qualitativo desenvolvido em duas escolas de ensino fundamental e médio de Bauru, interior de São Paulo. O universo amostral foi de 100 estudantes, com distintos níveis socioeconômicos e culturais. Para abordar o grupo selecionado, foram utilizados questionários com perguntas abertas e fechadas para

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identificar os tipos de produtos de comunicação mais consumidos e quais veículos têm a preferência dos estudantes. Em tempo, os hábitos, formas e índices de consumo de outros meios de comunicação pelo público delimitado foram confrontados com os índices gerais de audiência radiofônica, que também deverão revelar em qual dispositivo receptor de rádio são sintonizadas as programações prediletas e quais tipos de atrações ainda seduzem os grupos pesquisados dentro do ambiente definido anteriormente.

1 -De acordo com Tapscott (2010), corresponde aos nascidos entre 1965 e 1976. No período considerado, logo após a fase baby boom, a taxa de natalidade nos Estados Unidos ficou 15% menor. Segundo o autor, essa geração também atende pelo nome de Baby Bust (Retração da Natalidade), embora o termo não tenha sido incorporado. Geração X é uma referência ao título de “Generation X: Tales for an Accelerated Culture” do escritor Douglas Coupland, romance em que um grupo de pessoas que sentiam excluídas da sociedade e estavam perdendo oportunidades para seus irmãos mais velhos. 2 - Nascidos a partir de 1994 e que entraram nos anos 2000 com menos de 10 anos de idade, em pleno desenvolvimento da internet e de outras inovações tecnológicas pós-modernas ou pós-industriais. Esses estão em permanente busca pelo novo, em constante contato com Redes Sociais, blogues, celulares, computadores, iPods, videojogos e conjuntos de telas e vídeos em alta definição.

Para estabelecer as relações entre do cenário esboçado anteriormente com o consumo de conteúdos radiofônicos e os hábitos, formas e índices de consumo do rádio pelos jovens, foi realizada uma pesquisa empírica com estudantes pertencentes a denominada Geração Internet com o intuito de retratar o perfil deles, compará-los às definições compreendidas por outros autores e, enfim, apontar as tendências de recepção radiofônica, em um contexto nacional de rápida digitalização de todos os meios de comunicação e dos sistemas de produção da indústria cultural, que foi desenvolvida desde a metade do século XIX. A Geração Internet é representada, segundo Tapscott (2010), pelos nascidos entre 1977 e 1997, compreendendo a atual faixa etária de 15 e 35 anos de idade. Várias outras denominações também são utilizadas para identificar essa geração, tais como Geração Digital, Millenials, Geração Y e Nativos Digitais. Todas são válidas para o desenvolvimento e aplicação desta pesquisa, uma vez que elas, por si só, já revelam as características e comportamentos do segmento escolhido. Tais denominações revelam pontos que servem de base para definir o perfil dessa faixa populacional relacionados a sua proximidade com tecnologias como a internet e o universo digital, características fundamentais para as diferenças entre a denominada Geração X1, e a seguinte, a Geração Z2. Para tanto, foi realizada a elaboração da estrutura dos questionários para a coleta de dados, sendo esse composto por 16 (doze) questões divididas em dois blocos: 1) Dados pessoais e 2) e de Recepção. O primeiro grupo de perguntas teve como objetivos traçar o perfil individual do entrevistado, dos pais ou responsáveis e o perfil socioeconômico da família. O segundo bloco, por sua vez, visou identificar o posicionamento dos jovens em relação ao veículo rádio com foco na forma de recepção e consumo de conteúdos levando em consideração o público pesquisado. A redação das questões foi realizada com linguagem clara, sem a utilização de termos técnicos para facilitar o entendimento. Além disso, o questionário foi elaborado com poucas questões de referência pessoal. Optamos pelo uso preferencial de questões impessoais, com redação direta e estrutura de perguntas mistas, com a formulação de questões fechadas e espaço para complementação das respostas.

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Tendências de uma Identidade de um novo ouvinte

A pesquisa quantitativa aplicada entre os jovens das duas instituições de ensino revela que o rádio é um veículo de comunicação que acompanha a rotina da maioria deles, estando presente em diversos momentos cotidianos. Todos os estudantes abordados apontaram que ouvem rádio. Quando indagados sobre a frequência, ocorreu um empate (34%) entre aqueles que afirmaram que ouvem sempre e os que ouvem raramente. Uma questão de destaque é a influência que os pais e familiares exercem nos jovens sobre o consumo de conteúdos radiofônicos, uma vez que o rádio está mais presente nas rotinas de seus pais, pertencentes à Geração X. Do total de estudantes abordados, 61% apontaram que seus pais ouvem rádio frequentemente e 19% indicaram que eles ouvem raramente ou com frequência não determinada. A influência dos pais e dos avôs para a manutenção do hábito de escutar rádio e para a formação de uma nova geração de ouvintes ficou evidente no momento em que 52% dos entrevistados revelaram receber influência direta dos pais e 10% dos avós, em contraste com os 38% que disseram terem criado o hábito sem nenhum tipo de influência. Ou seja, 62% dos ouvintes nativos digitais revelam que tiveram influência das de gerações anteriores na formação do hábito de ouvir rádio, números que também revelam a ligação desses jovens com os demais membros da família. Dos jovens abordados, 29% dos jovens que responderam o questionário apontaram que ouvem rádio no carro, 19% no computador, 17% no celular e um empate de 11% no receptor convencional (rádio portátil, microsystem, receiver) e dispositivos como MP3, MP4 e iPods, sendo apenas 9% apontaram que ouvem rádio pela internet do celular. (Obs: os jovens que ouvem no carro, disseram então, que ouvem junto com seus pais, uma vez que a maioria deles ainda não tem idade para dirigir) O ouvir rádio no carro é um cenário frequente principalmente nas cidades de médio a grande porte. Nesses locais, o rádio do carro tornou-se um companheiro no trânsito durante o trajeto para o trabalho ou para casa, para a escola ou durantes os congestionamentos cada vez mais frequentes. Pelo fato do público alvo ser composto por jovens estudantes sem carteira de habilitação, pode-se inferir que o ato de ouvir rádio no carro é um hábito adquirido devido à influência de terceiros, principalmente dos pais. Segundos dados do Target Group Index, divulgados pelo grupo Ibope Media (2012), para os membros da Geração X, o rádio é uma mídia que proporciona comodidade, interação social, participação, além se ser um meio ágil para transmitir notícias e informações de utilidade pública. Dessa forma, para os pais do público analisado, o rádio no trânsito funciona como veículo prestador de serviços, informando em tempo real os principais acontecimentos da cidade, desde as condições do trânsito, boletins informativos e previsão do tempo. “O rádio reconstrói o espaço urbano em movimento, a cidade da pressa, das vias de circulação, do trânsito de automóveis”.

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Quando comparados aos dados de onde esses jovens costumam ouvir rádio, percebese que o carro aparece em primeiro lugar com 42% da preferência, seguido de perto por aqueles que indicaram sintonizar determinada programação em suas casas (37%). Esses dados necessariamente não representam que o estudante está acompanhando a programação de uma emissora no dial do aparelho do automóvel. Por pertencerem a uma geração conectada com os mais variados aparelhos tecnológicos e pelo fato do rádio estar incorporado em grande parte deles, o dado é significativo para evidenciar o hábito de esses jovens usarem a mídia em questão mais no automóvel do que na própria casa. Provavelmente os 10% que apontaram ouvir rádio na rua marcaram a opção em contraste ao ouvir no automóvel. No entanto, quando consideramos as escolas distintamente, observa-se a predominância do ouvir rádio em casa entre os estudantes da rede pública, que são mais necessitados economicamente e possuem menor disponibilidade do automóvel como transporte até a escola. Ao todo, foram 40% das respostas em contraste com os 36% daqueles que sintonizam no carro. A situação se inverte quando consideramos os estudantes da rede particular, sendo que 50% das respostas apontaram para que há preferência em ouvir o rádio do carro, em contraposição aos 36% dos que disseram que ouvem mais em casa. Dos jovens entrevistados nas escolas para a pesquisa, a maioria (67%) revelou ainda que prefere acompanhar a programação de emissoras FM, seguidos por aqueles que preferem os conteúdos de emissoras da internet (17%) e 12% ainda preferem as rádios AM. Apenas 4% dos entrevistados revelaram preferir fazer downloads de podcasts, a sintonizar determinada emissora. O desinteresse pelas estações AM se destaca nas duas instituições analisadas. Não há diferença significativa entre o percentual dos ouvintes que preferem estações FM na rede pública (65%) e na rede privada (68%). Já a audiência de webrádios é mais expressiva entre aqueles que estudam na rede particular, totaliza 25% em comparação aos 10% da rede pública. A mesma situação é observada no caso dos podcasts: 5% das respostas do colégio particular apontam para ouvintes que baixam conteúdos radiofônicos da internet, contra os 3% dos ouvintes de escola pública, um indicador claro de que a cultura de uso de determinado dispositivo digital depende diretamente da possibilidade de acesso. Em tempo, o levantamento desta pesquisa também envolveu informações subjetivas sobre o que atrai e o que repele os ouvintes em relação ao rádio AM/FM e às webradios. Os dados indicam que para os jovens o rádio é utilizado como elemento de entretenimento e descontração. Independentemente do tipo de aparelho ou de emissora, a preferência dos jovens ainda é pela programação musical. Do total de respostas, 64% apontaram preferir ouvir música no rádio, seguido por um empate entre a programação de notícias em geral e de humor, com 11% cada. Por outro lado, o que mais incomoda os jovens nas programações das emissoras tradicionais ou pela internet são os comerciais (53% das respostas), fato que indica a necessidade de uma mudança de estratégia pelo mercado publicitário. Suprimir os intervalos publicitá-

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rios é uma missão quase impossível para o atual modelo de negócio da radiodifusão, em que a maioria das emissoras se distribui em cidades brasileiras pequenas e medias e vive principalmente das inserções pagas modicamente pelo mercado varejista e não encontrariam outros meios de sustentar os custos da atividade radiofônica. Em tese, portanto, os números levantados pela pesquisa devem servir como fonte de preocupação para os radiodifusores, pois mostra uma tendência do público pertencente à geração Y, de rejeitar os formatos tradicionais dos intervalos comerciais, optando pela troca de estação. A rejeição por mais da metade dos entrevistados, aos intervalos publicitários apresenta-se como um problema futuro bastante intrincado para a radiodifusão comercial. Talvez a digitalização das emissoras e a convergência de parte da programação para a internet poderão oferecer novos instrumentos e canais para que o rádio consiga definir outras estratégias para sustentar seu modelo de negócio. Música ruim (24% das respostas) é o segundo fator mais lembrado pelos entrevistados, para justificar a repulsa ao rádio, seguido pela repetição de conteúdos na programação (17%) das emissoras tradicionais. Por último, com a pesquisa é possível destacar que a identificação dos jovens abordados com a programação local; premissa confirmada quando 43% apontam preferir uma emissora da sua cidade. Se somarmos os 17% dos ouvintes que sintonizam emissoras da região, o número de ouvintes locais e regionais passa para 60%. No entanto, os jovens dão maior preferência à programação de uma emissora disponível na internet (20%), a uma emissora especificamente da região de Bauru (17%). Esses dados, em suma, confirmam o fato do rádio local ainda exercer forte influência entre os seus ouvintes, mesmo em tempo de internet e de convergência, no qual as barreiras da geografia e do dial foram rompidas. A seguir, são disponibilizados alguns gráficos resultantes da pesquisa de campo:

Figura 1 – Influência dos pais no hábito de ouvir rádio, 2013, autoria própria

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Figura 2 – Frequência com que os entrevistados ouvem rádio, 2013, autoria própria

Figura 3 – Os diferentes modos de ouvir rádio pelos jovens digitais, 2013, autoria própria

Figura 4 – Lugares onde os entrevistados costumam ouvir rádio, 2013, autoria própria

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Figura 5 – As preferências na programação, 2013, autoria própria

Figura 4 – Sintonia preferida, 2013, autoria própria

Considerações Finais

Com as pesquisas quantitativas elaboradas, bem como suas análises qualitativas, fica evidente que os jovens integrantes da Geração Y, desde os indivíduos mais velhos, hoje com 36 anos de idade, até os mais novos, com 16 anos em 2013, estão em constante procura por conteúdos midiáticos. No entanto, a relação desses jovens com os veículos de comunicação não é a mesma da vivenciada pelos seus pais e avós e outros pertencentes às gerações anteriores. Diferentemente do que muitos imaginavam, o advento e propulsão das novas tecnologias não foram determinantes para a superação das mídias tradicionais existentes. Pelo contrário, essas contribuíram para a criação de um ambiente de convergência de meios e tecnologias. Em muitos casos, alterou-se a forma como os conteúdos produzidos eram

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consumidos e as novas tecnologias colaboraram para que ocorresse maior produção de conteúdos e que esses conteúdos fossem disseminados para variadas plataformas e com diferentes processos de recepção. Para a maioria desses jovens, o rádio é consumido por curtos períodos de tempo, seja no carro, no celular enquanto caminha ou pega ônibus, ou na internet. O uso mais freqüente do rádio convencional ocorre no rádio do carro, provavelmente nos trajetos para a escola e para a casa. Como os jovens entrevistados não possuem carteira de habilitação, o consumo dos conteúdos é influenciado por outras pessoas, geralmente seus pais. Fica evidente que o ouvir rádio ainda encarado por muitos como fundo musical para outras atividades ou para circunstâncias transitórias. Dessa forma, apesar de estar ligado por períodos mais curtos de tempo, o rádio costuma ser o som principal enquanto realizam outras atividades que requerem mais atenção, especialmente a visual, como dirigir ou navegar na internet. Essa característica entre os Ys é ainda mais intensifica, uma vez que esses são jovens caracterizados pela simultaneidade de atividades realizadas e com o consumo de mídias o comportamento não é diferente. Com a portabilidade e acentuada convergência de meios, o rádio deixou de ser um veículo exclusivamente doméstico e pode ser encontrado e consumido em outros aparelhos. Os integrantes da Geração Y estão em contato com grande diversidade nos modos de ouvir, em comparação com a geração de seus pais e avós, pois já podem escutar em arquivos MP3 de tocadores digitais, no rádio por celular e por internet, podcasts, webradios e sites musicais ou até mesmo estações de rádio retransmitidas por TV a cabo. Dessa forma, os novos ouvintes não estão mais presos às ondas hertzianas e ao espaço geográfico. A internet veio potencializar essa característica. Já é possível ouvir pela internet, emissoras locais em qualquer parte do mundo. Além da transmissão de conteúdo via streaming em tempo real, algumas emissoras produzem conteúdos exclusivamente para serem disponibilizados na internet. No entanto, o rádio convencional ainda tem um poder muito forte sobre a rotina das pessoas. As rádios locais e suas programações variadas fazem parte do cotidiano dos jovens. Verifica-se maior preferência pelas emissoras FM que ainda reproduzem a onda jovem das segmentações implementadas a partir da década de 1970 e focam uma programação musical com os hits do momento.

Referências

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Convergência; jovens digitais e tendências para a recepção radiofônica – Antonio Magnoni; Giovani Miranda

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POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS PARA O SOFTWARE LIVRE NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: o uso do programa Scribus no Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Uberlândia POLÍTICAS PÚBLICAS FRENTE AL SOFTWARE LIBRE EN LA EDUCACIÓN SUPERIOR: la utilización del programa Scribus en el Curso de Periodismo en la Universidad Federal de Uberlândia

PUBLIC POLICIES FOCUSED ON FREE SOFTWARE IN COLLEGE EDUCATION: using Scribus program in Journalism Course of the Federal University of Uberlândia Adriana Cristina Omena dos SANTOS Possui graduação em Comunicação Social pela Universidade Metodista, Mestrado e Doutorado em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo ECA/USP. Atualmente é coordenadora e professora do Programa de Pós-Graduação em Tecnologias, Comunicação e Educação (PPGCE) e professora no curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Uberlândia, bem como líder dos grupos de pesquisa em Interfaces Socais da Comunicação e em Novas Tecnologias da Comunicação e Informação na mesma instituição Email: adriomena@gmail.com

Ricardo Ferreira de CARVALHO Bacharel em Comunicação Social, Técnico em Editoração no curso de Jornalismo/UFU e Mestrando em Educação na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) Email: ricardo@faced.ufu.br

Revista Eptic Online Vol.16 n.2 p.211-225 mai-ago 2014 Recebido em 20/02/2014 Aprovado em 15/04/2014


Políticas públicas voltadas para o software livre na educação superior – Adriana Omena, Ricardo de Carvalho

Resumo O artigo apresenta reflexões sobre políticas públicas de comunicação e tecnologias, em especial sobre o uso de microcomputadores e softwares, que, aparentemente consolidado, necessita análise em sua constante evolução. O texto tem como problematização o fato de que o mercado desenvolve softwares proprietários, em contraposição ao ideal colaboracionista do movimento do software livre que possibilita a participação e inclusão digital que se pretende adotar através de políticas públicas estendendo sua utilização aos órgãos de ensino público. Aborda, também, o conceito de software livre e sua adoção no ensino superior, mediante resoluções adotadas pelo estado brasileiro analisando a experiência no Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Uberlândia – UFU, no uso do software livre SCRIBUS. Metodologicamente usou pesquisa documental para localizar os dados e informações disponibilizados pelo governo federal e instituição objeto da análise. Realiza uma comparação com um modelo semelhante de software proprietário, destacando que o uso do software livre é confiável, possibilitando desenvolver o espírito solidário e colaboracionista necessários no ambiente da universidade, ampliando o conhecimento e não meramente o “adestramento no apertar de botões” e constata, com base nos documentos, que a iniciativa ainda é vista com resistência e o uso, mesmo nas IES públicas, precisa ser intensificado.

Palavras-Chave software livre; jornalismo; políticas públicas Resumen El artículo presenta reflexiones acerca de las de políticas públicas de las tecnologías y de la comunicación, en particular acerca del uso de las microcomputadoras y programas informáticos, que aparentemente consolidado, carece de análisis en su constante evolución. El documento tiene por objeto cuestionar el hecho de que el mercado desarrolla los software propietarios, en lugar de la ideaización del movimiento de software libre que permite la participación y la inclusión digital, que se pretende adoptar por medio de las políticas públicas que extienden su uso a los órganos de la educación pública. También se discute el concepto de software libre y su adopción en la educación superior por las resoluciones adoptadas por el estado brasileño, así como para examinar la experiencia del uso de software libre Scribus en el curso de Periodismo de la Universidad Federal de Uberlândia - UFU. Metodológicamente se utiliza la investigación documental para encontrar los datos y la información proporcionada por la institución y el gobierno federal acerca del objeto de análisis. Hace una comparación con un modelos similares de software propietario, señalando que el uso de software libre es fiable, lo que permite desarrollar el espíritu comunitario y de colaboración necesaria en el ámbito universitario, la ampliación del conocimiento y no solamente al "acondicionado como pulsadores de los botones" y nota, basado en los documentos, que la iniciativa está siendo vista con la resistencia y es necesario intensificar el uso, incluso en las IES públicas. Palabras clave software libre, el periodismo , la política pública Abstract The paper presents reflections about public policies in communication and technologies, in particular on the use of microcomputers and software, which, apparently consolidated, needs analysis in its constant evolution. The text aims to question the fact that the market develops proprietary software, as opposed to the collaborationist ideal of the free software movement, that enables digital inclusion and participation, which is intended to be adopted through public policies, extending its use to the public education agencies. It also discusses the concept of free software and its adoption in college education through resolutions adopted by the Brazilian state, analyzing the experience of the Journalism Course at Federal University of Uberlândia - UFU - on the use of free software Scribus. Methodologically, document research was used to find the data and information provided by the federal government and the object institution of the analysis. A comparison with a similar proprietary software model is made, highlighting that the use of free software is reliable, allowing to develop the communitarian and collaborationist spirit needed in the university environment, expanding the knowledge and not merely the "dressage at the pressing of buttons". It is noted, based on the documents, that the initiative is still seen with resistance and its use, even in public CEIs (College Education Institutions), needs to be intensified. Keywords free software; journalism, public policies

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Políticas públicas voltadas para o software livre na educação superior – Adriana Omena, Ricardo de Carvalho

Políticas Públicas e software livre: um longo caminho a percorrer

Ainda que atualmente seja possível compreender o tema políticas de comunicação e de tecnologia como um dos matizes do amplo tema de políticas públicas, “não existe uma única, nem melhor, definição sobre o que seja política pública embora ‘[...] Dye (1984) sintetiza a definição de política pública como o que o governo escolhe fazer ou não fazer’” (SOUZA, 2006, p.1). Para a autora, política pública busca colocar o governo em ação, analisar essa ação ou propor mudanças no rumo ou curso dessas ações. São também da autora as considerações de que [...] a maior parte das definições enfatizam o papel da política pública na solução de problemas [...] e ignoram a essência da política pública, isto é, o embate em torno de idéias e interesses [...] deixam de lado o seu aspecto conflituoso e os limites que cercam as decisões dos governos [...] deixam também de fora possibilidades de cooperação que podem ocorrer entre os governos e outras instituições e grupos sociais (SOUZA, 2006, p. 2).

As preocupações que desencadearam este trabalho estão diretamente relacionadas às considerações apresentadas acima, haja vista que a proposta é discorrer especificamente acerca do processo de debate das políticas públicas de comunicação no Brasil e do envolvimento dos cidadãos no uso das tecnologias da informação, em particular na formação em jornalismo. Neste contexto, vale ressaltar que desenvolver qualquer reflexão acerca do assunto políticas de comunicação deve considerar a conjuntura atual da economia política da comunicação, com seus conglomerados midiáticos e as relações econômicas destes. Tal situação pode facilmente ser percebida quando nos deparamos com conceitos como “capital informacional”, “sociedade do conhecimento” e “economia da cultura”, termos específicos da contemporaneidade e estreitamente vinculados à situação atual, na qual a informação e a capacidade criativa e comunicacional passam a ter papel fundamental na economia de mercado. Outro ponto que contribui para a problematização do assunto reside no fato de que, paradoxalmente, contrário à definição de que política pública seria o que o governo decide ou não realizar, o tema está diretamente relacionado a cidadania e ao acesso á informação. As políticas públicas, seja em tecnologias, saúde, segurança, educação, comunicação etc., são projetos, e todo tipo de formalização jurídico-legal com o objetivo de equacionar os problemas sociais nas diversas esferas e propiciar vida cidadã aos indivíduos de determinada sociedade, são ações que visam a garantir os direitos fundamentais coletivos e difusos da sociedade. Neste contexto, as políticas públicas de comunicação, tendo como pilares a democratização da comunicação e o direito à comunicação/informação, somadas a uma visão política

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da economia da cultura, são fatores que servirão como elemento central para acompanhar o grau de envolvimento da democracia no país, garantindo políticas públicas que sirvam efetivamente de referência segura para ações da sociedade civil e do Estado. Reside neste ponto indícios de transdisciplinaridade do tema, em que a tecnologia perpassa assuntos como política pública, ensino, software livre dentre outros e se mostra como uma fio condutor para a pesquisa. As políticas de comunicação e seus temas correlatos são questões de extrema relevância quando se entende comunicação como elemento-chave para a democracia, haja vista que o grau de democracia de um país depende diretamente da pluralidade e diversidade de ideias e dos valores que circulam pelo espaço público. Para valorizar os encaminhamentos e o momento atual referente a tais temas, é necessário, no entanto, que o poder público, os movimentos sociais, as organizações empresariais e não-governamentais e a sociedade civil como um todo pensem em maneiras de contribuir para o processo de construção de políticas públicas de comunicação e tecnologias no sentido de viabilizar uma agenda que atenda os anseios e necessidades do país, daí a importância de utilizar exemplos do uso de software livre em IES públicas do Brasil na análise. Cabe acrescentar às considerações o fato de que as transformações ocorridas na sociedade estão intimamente ligadas às tecnologias e, em cada período, umas são mais proeminentes do que outras. O período que atravessamos tem as tecnologias digitais como ponto dominante, haja vista que com a evolução ocorrida nos últimos tempos os equipamentos que anteriormente traziam os programas embarcados – o software era tido como um acessório do hardware – deixaram de tê-los resultando na independência das indústrias de softwares que se firmam num mercado crescente. Vários são os fatos que colaboraram para a evolução das tecnologias da informação e comunicação no avanço do desenvolvimento sócio-tecnológico do Homem. Na verdade o uso de tecnologias de microcomputadores e softwares, aparentemente consolidado, ao olhar mais atento, necessita análise em sua constante evolução. No processo evolutivo destaca-se que as tecnologias desenvolvem-se e ampliam-se para solucionar problemas e que surgem a partir das necessidades humanas, de muito trabalho de pesquisa e incentivos técnicos e econômicos, uma vez que “ [...]As novas tecnologias da informação não são simplesmente ferramentas a serem aplicadas, mas processos a serem desenvolvidos. Usuários e criadores podem tornar-se a mesma coisa.[...]” (CASTELLS, 1999, p. 69) Neste contexto cabe ressaltar que a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 9394/96 (LDBEN) estabelece no Capítulo IV, artigo 43, as finalidades da educação superior, objetivando a busca e troca de conhecimento e, em seu item III “suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração” (BRASIL, 1996).

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1-Ou software restrito é aquele cujo código fonte é conhecido apenas pela empresa que o desenvolveu

É necessário considerar em tais reflexões o fato de que os custos para utilização das tecnologias têm sido reduzidos no decorrer do tempo no entanto o pagamento de licenças com softwares proprietários1 requer investimentos algumas vezes ainda elevados por parte das instituições de ensino. Somado a isso, ressalta-se que a visibilidade e divulgação dos softwares proprietários é fortalecida e mantida pelas empresas criadoras através de estratégias comerciais, o que os torna preferidos pelos consumidores. No entanto o produto é oferecido em código fechado – apenas para execução – e a instalação em mais de um equipamento está vinculada às quantidades adquiridas e ao referido pagamento por elas. Na verdade com o passar do tempo a indústria de software torna-se um negócio altamente lucrativo e um número pequeno de empresas formam praticamente um monopólio. Naturalmente começa a surgir como modelo de negócio os softwares não proprietários para confrontar tal monopólio de mercado e passa a chamar a atenção da comunidade técnica e acadêmica no mundo. Apesar de muito mais acessível o software não proprietário ou software livre ainda é desacreditado pelo grande público, no entanto, por sua proposta de custos menores, tem angariado adeptos junto a empresas que passam a apoiar pesquisadores nessa área. Com vistas a uma Política Pública voltada para o Software livre o Governo brasileiro, através do Ministério do Planejamento, com a criação do Grupo de Trabalho Interministerial no ano 2000, instituiu o programa de Governo Eletrônico através do Decreto Presidencial de 03 de abril de 2000, “com a finalidade de examinar e propor políticas, diretrizes e normas relacionadas com as novas formas eletrônicas de interação” (BRASIL, 2000). “E as ações deste Grupo de Trabalho em Tecnologia da Informação (GTTI) foram formalizadas pela Portaria da Casa Civil nº 23 de 12 de maio de 2000, e incorporadas às metas do programa Sociedade da Informação, coordenado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia.” (BRASIL, 2013) Em suas diretrizes gerais o Governo Eletrônico tem em seu item 3º: “O Software Livre é um recurso estratégico para a implementação do Governo Eletrônico” e

A Universidade Federal de Uberlândia-MG (UFU), na figura de instituição pública ligada ao governo federal, por meio de seu Conselho Diretor na Resolução nº 08/2011, Artigo 1º, aprova o Plano Diretor de Tecnologia da Informação da Universidade como instrumento básico da política de Tecnologia da Informação da instituição. No item 2.3 – Alinhamento Estratégico consta em suas ‘Necessidades e Princípios o princípio de Utilização de Software Livre’, concomitante às regras do Governo Federal. (UFU, 2011)

[...] deve ser entendido como opção tecnológica do governo federal. Onde possível, deve ser promovida sua utilização. Para tanto, deve-se priorizar soluções, programas e serviços baseados em software livre que promovam a otimização de recursos e investimentos em tecnologia da informação. Entretanto, a opção pelo software livre não pode ser entendida somente como motivada por aspectos econômicos, mas pelas possibilidades que abre no campo da produção e circulação de conhecimento, no acesso a novas tecnologias e no estímulo ao desenvolvimento de software em ambientes colaborativos e ao desenvolvimento de software nacional. A escolha do software livre como opção prioritária onde cabível, encontra suporte também na preocupação em garantir ao cidadão o direito de acesso aos serviços públicos sem obrigá-lo a usar plataformas específicas. (BRASIL, 2000)

A Universidade Federal de Uberlândia-MG (UFU), na figura de instituição pública ligada ao governo federal, aprova o Plano Diretor de Tecnologia da Informação2. Mesmo com

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a resolução que sugere o uso de software livre, em acordo com decreto governamental, esses programas são pouco utilizados e leva, em primeira instância, ao aumento de gastos com a aquisição de softwares proprietários, quando não à cópias ilegais – pirataria – dos programas “eleitos” pelo mercado como melhores. Especificamente no Curso de Comunicação – habilitação em Jornalismo na UFU, para as disciplinas referentes à produção de material impresso, opta-se pelo uso dos softwares livres, o que causa estranheza aos alunos ingressantes, que chegam com a cultura do software proprietário. Cabe ressaltar que, neste aspecto, as instituições de ensino, de acordo com a LDBEN, têm a finalidade de “formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua” (BRASIL, 1996). Em um mundo globalizado, onde as TICs estão em evolução constante, e devido a popularização de seu uso através da internet, junto ao cidadão comum, as instituições de ensino, de acordo com sua finalidade, são responsáveis em estimular o aprendizado voltado a compartilhar o conhecimento, incentivar ideias de colaboracionismo entre os estudantes e fomentar novas oportunidades profissionais atuando também em seu papel extensionista. Estas são questões que merecem reflexão e incentivam a proposta apresentada neste artigo.

Características do movimento pelo software livre

A ideologia do software livre surge como um novo paradigma, não para excluir os instrumentos anteriores, mas sim para agregar, possibilitando uma escalada de conhecimento, baseando-se no princípio do compartilhamento de conhecimento. Essa ideologia originase da produção de tecnologia ao longo dos anos: tudo o que é criado é baseado em algo já feito ou pensado anteriormente. Partindo desse pressuposto, o conceito de propriedade intelectual não deveria existir, porque as coisas não são feitas a partir do nada, elas são o aperfeiçoamento de ideias já pensadas por outros indivíduos, já que Durante a história da humanidade, os processos criativos levaram o ser humano a disponibilizar o conhecimento como um bem público. [...] No entanto, a partir de certo período da nossa história, surgiu o conceito de propriedade intelectual. Criaram-se regras que impedem a disseminação do conhecimento como um bem público, que o tratam como um bem privado. (VALOIS, 2003, p 288)

Por essa razão, existe o movimento que luta pelo ideal de conhecimento partilhado, devido ao acumulo de conceitos que ao longo de milhares de anos levaram ao surgimento do que

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existe hoje. O movimento do software livre defende que o trabalho conjunto de milhares de pessoas envolvidas com a tecnologia produz ferramentas com alta qualidade, pois cada usuário enxerga os problemas à sua maneira e o devolve melhorado para a sociedade. Ao contrário das empresas que detém o software proprietário, na qual um seleto e pequeno grupo de funcionários desenvolve um programa passível de dificuldades e impossível de ser alterado por quem comprar os direitos. “O desenvolvimento do software livre envolve um número tão grande de horas de programação qualificada a um custo orçamentário zero que dificilmente uma grande corporação poderia dispor de algo equivalente” (RAYMOND apud SILVEIRA, 2003). As bases da filosofia do software livre são lançadas em 1984, quando o americano Richard Stallman, após deixar o Laboratório de Inteligência Artificial do MIT (Massachusetts Institute of Technology), iniciou o projeto GNU (http://www.gnu.org/) que consistia em um conjunto de ferramentas e programas para gerar um Sistema Operacional, um ambiente de programação, um ambiente de editoração e gerenciadores de arquivos, lançando as bases da filosofia de software livre. O movimento ganhou força pelo mundo com o início e expansão da Internet, que tornou possível espalhar pela rede o sistema GNU/Linux, livre, completo e funcional. Entretanto, foi em 1992 que surgiu um sistema operacional que compilou todos os programas e ferramentas do GNU em um núcleo central. O sistema foi desenvolvido pelo finlandês Linus Torvald e foi denominado de Linux - “Linus for Unix”. Desde então, milhares de desenvolvedores em todo o mundo têm trabalhado de forma cooperativa, produzindo software livre para as mais diversas aplicações. Estes desenvolvedores formam uma rede dedicada à produção de tecnologia a qual nenhuma universidade ou empresa isolada pode se comparar, uma vez que o movimento de software livre agrega desenvolvedores independentes, empresas, pesquisadores de universidades e qualquer um que desejar compartilhar código ou simplesmente consumi-lo. (FSF, 2013) A corrente do software livre agrega três características a esse tipo de programa, para além de serem politicamente corretos, “o uso do software livre […] gera uma grande economia em razão do não pagamento de licenças” (SILVEIRA, 2003, p.41). Em primeiro lugar, o software livre instiga o conhecimento do indivíduo quando tem como base o “pensar” e não somente o “fazer funcionar”. Ou seja, a ferramenta é apenas um instrumento de trabalho, seja ela paga ou de livre acesso, mas para utilizar bem qualquer ferramenta, é preciso ter conhecimento do que está por trás daquela tecnologia. Segundo, os custos mínimos garantidos pelo uso de programas livres facilita sua utilização por qualquer pessoa, em qualquer lugar. E em terceiro lugar, a ideia do conhecimento partilhado acompanha a ideia de comunidade, visto que é preciso trabalhar em conjunto para melhorar as ferramentas. O maior equívoco em relação ao software livre reside na questão da gratuidade: o movimento não leva em consideração só o preço dos produtos, mas a liberdade em utilizar e modificar de acordo com suas necessidades. O importante para os defensores do software livre é a questão do compartilhamento. O uso de um programa proprietário vincula-se ao pagamento. Assim, obtém-se a licença de uso do programa, sem garantias de poder modificá-lo conforme necessidade e sujeito a defeitos do desenvolvedor. “Teoricamente,

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ela estabelece um copyright – ‘propriedade intelectual’. É ele, o proprietário do copyright, que possui alguns direitos exclusivos sobre esse bem, e pode consignar, vender ou doar tais direitos para outrem.” (PINHEIRO apud SILVEIRA, 2003, p. 276) Para utilizar um programa livre também há uma licença, porém, ela é gratuita e é chamada de Licença GNU, qualificada como permissiva, sendo distribuída pela Free Software Foundation (FSF). As licenças de software livre defendem e garantem as quatro liberdades essenciais da Filosofia GNU, e para ser considerado software livre, o software deve ser licenciado de forma a garantir quatro liberdades (numeradas a partir de zero como na linguagem c/c++): 0. Executar o software com propósito comercial ou não;

1. Estudar o código fonte;

2. Redistribuir o software como forma de ajudar ao próximo;

3. Modificar o software para que atenda às suas necessidades.

Diante do exposto, o conhecimento torna-se processo de aquisição interdependente nos indivíduos. O compartilhamento e liberdade para disseminar conhecimento estão estreitamente ligados à filosofia do software livre, de tal maneira que o valor intelectual permanece na sua criação e manutenção. Não se trata apenas de sua possível gratuidade, mas a valorização do conhecimento como bem público e disponível.

O software livre no Brasil

O software livre está diretamente ligado à questões sociais. E um país como o Brasil, com os problemas sociais que possui, deveria mesmo se preocupar com a inclusão digital? É uma pergunta feita pelo professor Sérgio Amadeu da Silveira, que ele mesmo responde dizendo que a inclusão digital é o primeiro passo para resolver os problemas. Primeiramente, porque o computador e a internet é que movimentam a sociedade atual e, segundo, porque traz oportunidades para as pessoas entenderem as tecnologias. SILVEIRA (2003, p. 43) reforça que “o combate à exclusão digital está intrinsecamente ligado à democratização e à desconcentração do poder econômico e político”. Entretanto, como já foi exposto, a ideologia do software livre diz que disponibilizar um computador não é ensinar as pessoas a pensarem. Um bom exemplo disso são as escolas de ensino fundamental e médio que possuem computadores financiados pelo governo, mas que estão sem uso ou em mal estado. Para mudar isto, o governo precisa investir em políticas de inclusão digital, desde a esfera dos municípios e estados, para tornar a ação efetiva.

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A primeira medida a ser tomada, é incentivar o uso do software livre. Usar software proprietário é o mesmo que deixar que as empresas fornecedoras determinem de que forma os usuários vão executar suas atividades, além de ser uma atitude errônea o poder público usar produtos de origem privada. “O risco de entregar o poder de decisão para empresas fornecedoras é desvirtuar as políticas públicas, subordinando as metas de universalização e projetos mais viáveis de inclusão aos interesses mercantis de determinadas empresas.” (SILVEIRA, 2003, p. 32) Outra razão para optar pelo software livre é a questão dos gastos. Como dito, os programas livres têm baixo custo e alta qualidade tecnológica, pois muitas mentes trabalham para melhorá-los. Assim sendo, num país com tantos problemas sociais, temos o poder de reverter prioridades e usar em outras áreas criticas o dinheiro que se paga por licenças a Sistemas Operacionais de qualidade duvidosa. Hoje, a adoção do software por países em desenvolvimento é marcante, assim como a fusão desse movimento com uma via antiglobalização. (PINHEIRO apud SILVEIRA, 2003, p. 278)

Por esses motivos, foi criado o Projeto de Lei nº 2269 que incentiva os órgãos públicos a utilizarem o software livre. A proposta foi apresentada pelo Deputado Walter Pinheiro na Câmara dos Deputados, no ano de 1999 e “coloca o Brasil em sintonia com a tendência mundial de adoção dos programas de livre distribuição pelo poder público” (PINHEIRO apud SILVEIRA, 2003, p. 278). A ideia proposta pela Lei é que o governo e suas instituições optem prioritariamente por programas públicos, por se tratar de órgãos de representação do povo, que possuem o dever de utilizar serviços que não tragam custos desnecessários, de forma a gastar recursos melhor aplicáveis em outros serviços. A iniciativa deve ser incentivada também em consonância com os estados e municípios, levando os governos a criarem programas que ofereçam o ensino do uso de software livre nas escolas, criando uma geração que enxergue o conhecimento como livre e partilhado. Para garantir o cumprimento do Projeto de Lei e dos incentivos ao ensinamento da ideologia do compartilhamento, torna-se imprescindível o surgimento de organizações nãogovernamentais (ONG) que não apenas sigam o que é proposto pelo governo, mas também desenvolva seus projetos de educação digital. Um exemplo de ONG é o Comitê de Incentivo à Produção do Software GNU e Alternativo (CIPSGA), que difunde na sociedade propostas que unem os pontos mais importantes da Filosofia da FSF com a Tecnologia da Informação. A existência do CIPSGA enfatiza que não é possível acabar com a exclusão digital sem adotar a ideologia do software livre e do conhecimento partilhado. Percebe-se também a importância de pressionar o Poder Público para a execução dos projetos para educar a população a usar e defender os programas livres em detrimento do pagamento de direitos. A política da utilização de programas livres aliada à utilização de fato de softwares livres deve começar com a informatização efetiva das escolas e bibliotecas públicas, onde serão um instrumento didático para estimular o desenvolvimento tecnológico nacional. Este

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desenvolvimento se dará tanto pela economia em pagamentos de royalties a empresas estrangeiras, quanto na educação dos jovens para adotarem a ideologia do compartilhamento. Um benefício dessa educação digital será na formação de novos técnicos para a manutenção dos softwares livres, já que seu emprego nas escolas despertará o interesse das empresas em se capacitarem para atender a demanda crescente de equipamentos públicos. O argumento mais válido para a inclusão aliada ao livre é que não é correto usar dinheiro público em linguagem privada, como já salientamos em outro tópico deste trabalho. As duas vantagens mais destacadas no uso do software livre para o desenvolvimento econômico e social local são o código aberto e a inexistência do pagamento de royalties pelo seu uso. O código aberto permite que qualquer programador habilidoso crie soluções que melhor atendam às necessidades do seu cliente. A inexistência de royalties permite que toda a renda gerada pela empresa local de suporte e desenvolvimento fique com ela. (SILVEIRA, 2003, p 42)

Essa introdução do software livre no ensino público mudaria a relação que a população tem atualmente com os softwares, pois são educados com programas pagos, perceptível pelo domínio da empresa Microsoft no mercado, e, por isso, desconhecem outros mecanismos de trabalho. Com o incentivo e exemplo do Estado por meio de sistemas operacionais livres, haverá uma inversão desses valores na sociedade, viabilizando uma rede livre, aberta e não-proprietária. É preciso mais investimento nesse sentido, para que todo o país tenha a consciência de que serviços públicos devem utilizar ferramentas públicas e investir o dinheiro economizado em outras áreas. Um programa de desenvolvimento de TI, especialmente orientado à inclusão digital, educação e capacitação técnica pode ser um ponto de partida efetivo para consolidar uma indústria de hardware e software que agregue valor à economia nacional, com base em equipamentos otimizados e softwares não-proprietários. (SILVEIRA, 2003, p 40)

Seguindo esses ideais, a inclusão digital chega a ser uma política pública que precisa ser implantada. Para torná-la possível, quatro pressupostos devem ser observados. O primeiro, é a necessidade do reconhecimento de que a exclusão digital amplia a miséria já enfrentada pelo país. Segundo, a era da informação e o mercado não irá produzir pensando nos extratos pobres, por isso torna-se essencial a base nos programas livres e abertos. Em terceiro lugar, a inclusão digital abre brechas cada vez maiores para o desenvolvimento da sociedade, como destacado anteriormente. E quarto, a unânime aceitação de que a liberdade de expressão e o direito de se comunicar são destinadas a todos os indivíduos.

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O sofware livre Scribus nas disciplinas de diagramação

Criado junto à Faculdade de Educação, o curso de Comunicação Social: habilitação em Jornalismo da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), intimamente ligado às TICs, desenvolve, entre outras, disciplinas relacionadas a materiais impressos que utilizam software para diagramação. Há que se ressaltar, contudo, que a grande quantidade de softwares dificulta o aprendizado específico para cada plataforma computacional. O dia a dia não permite empregar todos os programas usados para produção de páginas em material impresso. Sendo assim, a integração teórico-prática-acadêmica, pode ser obtida pela pesquisa e aplicação de tecnologias que, ao mesmo tempo, sejam acessíveis e modernas. Não necessariamente desenvolver experts num ou noutro programa. Desta forma desenvolve-se as competências e habilidades requeridas nas relações com os veículos e com equipamentos, softwares e ferramentas utilizados no fazer jornalístico durante a formação universitária. Neste contexto os softwares livres prestam-se como ferramentas acessíveis. Quando da implantação dos laboratórios fez-se o levantamento das necessidades e, num primeiro momento, optou-se pelo software de diagramação InDesign (ADOBE,2013), desenvolvido pela empresa Adobe, por ser reconhecido no mercado profissional, mas de elevado custo, mesmo porque não seria instalado em apenas uma máquina, e sim várias existentes no Laboratório Agência de Notícias. Numa análise mais atenta das necessidades das disciplinas, no entanto, verificou-se que na produção dos materiais impressos, as aulas precisam estimular a investigação e pesquisa, e não apenas o uso de um programa de computador específico. Dentre alguns disponíveis optou-se pelo software livre Scribus (SCRIBUS, 2013), um programa open source – de código fonte aberto – que produz lay outs de páginas profissionais para trabalhos impressos. A título de exemplificação e para subsidiar as considerações apresentadas, analisaremos brevemente os dois programas: um proprietário InDesign, e outro livre, Scribus.

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Tela de trabalho com exemplo de página de diagramação do InDesign com seus elementos gráficos Adobe inDesign

Tela de trabalho com exemplo de página de diagramação do Scribus mostrando os quadros dos elementos e uma página do jornal laboratório Senso Incomum, produzido pelos alunos do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de UberlândiaMG

Scribus

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A diagramação em ambos os programas é o trabalho de distribuição de elementos na página. Diagramar é fazer o projeto de distribuição gráfica das matérias a serem impressas (textos, títulos, fotos, ilustrações etc.) de acordo com determinados critérios jornalísticos e visuais. Distribuir técnica e esteticamente, em um desenho prévio, as matérias destinadas à impressão. (BARBOSA; RABAÇA apud SILVA, 1985, p. 41) Pelo uso de quadros (frames), que podem conter textos, imagens e figuras, os programas permitem organizar o material pelos espaços e não espaços – chamados brancos – das páginas. O branco faz parte da página e normalmente é utilizado como recurso estético. A valorização do branco da página representa o espaço de circulação das ideias do leitor e os fluxos, os caminhos deixados pelo designer. O branco proporcionado compensa a perda de espaço pela beleza e leveza da página. (HOELTZ, 2001, p. 7-8) Existem ferramentas para alterar as características de formatação, cor e tamanho, por exemplo, nos dois softwares; nos dois os quadros de textos podem ser distribuídos por diversas páginas e o fluxo de longos textos ser mantido. E tantos outros recurso em comum que, no entanto, tem as posições e ícones – imagens ou símbolos gráficos que representam a execução de uma ferramenta – diferentes entre eles. O que se quer mostrar é que o Scribus, programa livre, produz o mesmo material que um programa proprietário. Tanto num quanto noutro o fazer jornalístico acontece.

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Considerações finais

No Brasil, os estudos e publicações acerca de processos decisórios dominam a produção acadêmica em detrimento de estudos sobre a implementação das decisões que subsidiam as políticas públicas. Do mesmo modo, no plano teórico, as abordagens associadas ao papel das ideias e do conhecimento na produção de políticas públicas também têm sido ignoradas. Neste contexto, é de extrema importância que este artigo sirva como impulsionador para uma continuidade do estudo, observando a implantação e o uso do software livro no ensino superior, uma vez que diante deste contexto de mudanças algumas alterações significativas têm ocorrido no mundo do trabalho e no surgimento e reconfiguração de várias profissões dentre elas a de jornalista. Quanto a estas alterações Michelazzo (2003, p. 265), afirma que “[…] as profissões de base estão desaparecendo num ritmo frenético devido à informatização, enquanto novas profissões nascem a cada dia e vagas deixam de ser preenchidas em razão da falta de aptidões relacionadas em sua maioria a tecnologia”. Especificamente na área jornalística “figuras como a do revisor, por exemplo, desapareceram, pois ficaria a cargo do jornalista, além da redação, a revisão de seus textos, auxiliada por corretores ortográficos automáticos, embutidos nos softwares de edição de texto instalados nos computadores” - (TONUS; OMENA, p. 2, 2007). É preciso ressaltar que o emprego de tecnologias da informação e comunicação (TIC) tem transformado a prática jornalística e o perfil do profissional, evidenciando a agilidade e presteza no trato da informação que, como a comunicação, não são o centro dessa revolução tecnológica, mas sim sua aplicação para geração de conhecimentos. O fazer jornalístico apresenta-se em constante mudança, atrelado às TICs, o que o torna campo de construção permanente, sobre o qual é necessário manter estudos também constantes, além de assistir as inter-relações humanas e tecnológicas. Nesta atividade apresentam-se ferramentas capazes de proporcionar a melhora em termos de custo e relacionamentos onde o profissional não deve ser um mero observador, mas sim atuar como crítico construtivo. Diante do exposto, no âmbito social o estudo abrange o aspecto de grupo-comunidade, pelo próprio caráter do software livre, e custos acessíveis, desligados de tecnologias proprietárias, fomentando a inclusão digital pela educação propiciando bem-estar não só pelo “apertar de botões”, mas pelo “pensar”, fortalecendo-a como fator determinante de mudanças. Não é o uso deste ou daquele programa pelo aluno, pelo curso ou pela Universidade. É, antes, a cultura do software livre de colaboracionismo e liberdade a ser incentivada.

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A universidade constituiu-se em sede privilegiada e unificada de um saber privilegiado e unificado feito dos saberes produzidos pelas três racionalidades da modernidade: a racionalidade cognitivo-instrumental das ciências, a racionalidade moral-prática do direito e da ética e a racionalidade estético-expressiva das artes e da literatura. (SANTOS, 1995, p. 223) A universidade pública deve incentivar políticas públicas que permitam o desenvolvimento de novas ideias e que possam fortalecer seu papel institucional e de responsabilidade social. Desde ângulo vê-se a necessidade premente da capacitação, melhorando oportunidades, onde o software livre, acessível, permite a inclusão no cenário educacional e profissional, “desenvolvendo aptidões e formando caráter” (MICHELAZZO, 2003, p. 270). O objetivo deste artigo, ao apresentar informações acerca do uso do software livre no ensino de jornalismo na UFU, foi relatar a experiência sobre a articulação interdisciplinar que deve estar atendo ao uso das tecnologias e relacionado às políticas públicas de comunicação e deve ter como viés e objetivo a síntese transformadora. É importante ressaltar que, apesar do objeto ter definidos seus limites de atuação, a discussão proposta permitirá não apenas alertar para as especificidades do uso de tecnologias no ensino de jornalismo, mas para as possibilidades que as políticas públicas voltadas para o uso de software livre pode oferecer.

Referências bibliográficas

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Políticas públicas voltadas para o software livre na educação superior – Adriana Omena, Ricardo de Carvalho

SILVA, Rafael Souza. Diagramação: o planejamento visual gráfico na comunicação impressa. São Paulo: Summus, 1985. SILVEIRA, Sergio Amadeu (Org.). Software livre e inclusão digital. São Paulo: Conrad Editora, 2003 SOUZA, Celina. Políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologias. no. 16. Porto Alegre. Jul./Dez. 2006 TONUS, Mirna; OMENA, Adriana - Breve panorama da inserção das tecnologias da informação e comunicação na formação de jornalistas em Uberlândia-MG – trabalho apresentado no FORUM NACIONAL DE PROFESSORES DE JORNALISMO / XIIIENCONTRO NACIONAL DE PROFESSORES DE JORNALISMO, 2010. UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA – Plano diretor de Tecnologia da Informação – 2011 – Disponível em: <http://www.cgti.ufu.br/sites/cgti.ufu.br/files/ResolucaoCONDIR-2011-08.pdf> VALOIS. Djalma. Copyleft. In: CASSINO, João; SILVEIRA, Sérgio Amadeu (Org.), Software livre e inclusão digital. São Paulo: Conrad Editora, 2003.

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Resenha

Claves para una lectura del itinerario intelectual de Armand Mattelart Daniela Parra HINOJOSA Graduada em Comunicação pela Universidad Iberoamericana de Puebla (México), fotógrafa e Mestranda em Estudos Latinoamericanos pela Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM) Email: dan.parra@yahoo.com

Como resultado de una exhaustiva investigación realizada entre 2005 y 2011 en el marco de su tesis doctoral, Mariano Zarowsky nos otorga una imprescindible guía de lectura –o de posibles lecturas– sobre la producción teórica de un autor fascinante cuyo aporte al pensamiento de la comunicación no ha sido reconocido aún a cabalidad. Gracias a la distancia generacional que le otorga su juventud, el autor consigue sortear varios peligros al embarcarse en esta tarea de reconstrucción reflexivo: por un lado, logra escapar al romanticismo o idealismo con la figura del autor preguntándose más bien sobre las condiciones de emergencia y los procesos político-culturales de una época que llevaron a Mattelart, a muy temprana edad, a generar propuestas y visiones pioneras y originales sobre la comunicación. Por otro lado, evita la tentación de ser una mera biografía, pues nos trae una mirada que transita entre la historia intelectual, la historia de los estudios en comunicación y la sociología de la cultura, que piensa el presente a partir de las lecciones del pasado. En medio de esta tríada, el autor ve acertadamente en Mattelart un personaje privilegiado que trasciende las fronteras disciplinarias, epocales y geográficas.

Revista Eptic Online Vol.16 n.2 p. mai-ago 2014 Recebido em 27/02/2014 Aprovado em 01/04/2014


Claves para una lectura del itinerario intelectual de Armand Mattelart

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Transitando desde el Chile de Salvador Allende, nombrado por el autor como el “laboratorio chileno” hasta la Europa contemporánea, la figura y vida de Mattelart son en realidad un pretexto para dimensionar un entramado de producción de pensamiento inevitablemente ligado a la historia de los estudios en comunicación y los cambios epistemológicos y metodológicos de las ciencias sociales de los últimos cuarenta años. Ofreciéndonos otras lecturas frente a los malentendidos y visiones fraccionadas y parciales de la obra de Mattelart que lo mantienen aun hoy en un lugar periférico del mundo intelectual, el autor reabre el debate sobre los ‘60 y ‘70 clausurados con el advenimiento de la “contrarrevolución cultural” (27) que generó un cambio epistémico a partir de los ‘80. Zarowsky se pregunta por las experiencias, las lecciones, los logros y las derrotas, sobre los tránsitos, las continuidades, y las rupturas que, con el paso de los años, nos demuestra que aquella pregunta por el lugar del intelectual en los procesos de movilización social sigue siendo más que vigente. Mediante la utilización del testimonio, entrevistas con el propio Mattelart y gente cercana a él, además de una especial atención a la producción de revistas especializadas como “espacios de sociabilidad intelectual” (32), el autor nos da cuenta de un itinerario intelectual siempre abierto, revelando a un hombre que, como menciona Héctor Schmucler en el prólogo del libro, ha ido siempre a contracorriente en su condición de intelectual exílico, de forastero. Schmucler reconoce la forma en que Zarowsky logra sortear los estereotipos respecto del pensamiento de Mattelart mediante “un verdadero ejercicio de ‘historia conceptual’ donde las ideas adquieren significación en contextos precisos, en diálogo con otros conceptos, igualmente comprensibles al calor de sus propias historias y de las disputas de la época” (18). El punto de partida del libro plantea varias problemáticas centrales: ante el éxito que obtuvo su más reconocida obra Para leer al Pato Donald (1972), Mattelart se convirtió en una figura de cierto modo petrificada en dicha propuesta teórica –la del imperialismo cultural– y se le dio una “imagen estereotipada del intelectual politizado latinoamericano del periodo” (21). Como lo señala el autor, la obra que intentaba desmitificar un concepto y una práctica comunicacional devino en mito a partir de una lectura selectiva, homogeneizada y lineal que, no casualmente, corresponde con una lectura de la propia historia de los estudios de la comunicación. Sin querer reproducir lo ya dicho, esta investigación busca: […] dar cuenta de la inserción de Mattelart en una serie de formaciones culturales e instituciones de nuevo tipo que se desarrollaron en el laboratorio chileno, y en los debates político-culturales que entonces lo atravesaron, y que permiten explicar sus tomas de posición teóricas y la singularidad de su pensamiento (Zarowsky, 2013, p.58).

Para el logro de este objetivo, el autor dedicará buena parte del libro a caracterizar el laboratorio chileno y la forma en que Mattelart, quien había llegado en 1962 como demógrafo para formar parte, entre otros espacios, del Centro de Estudios de la Realidad Nacional (CEREN) de la Universidad Católica de Santiago, dio un giro hacia el marxismo, radicalizando sus elaboraciones teóricas y analizando el papel de los medios de comunicación de masas y las industrias culturales al calor de la llamada “vía chilena al socialismo”

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en su intento por crear una “nueva cultura”. El perfil heterodoxo de Mattelart servirá para poner en relación diferentes espacios, tradiciones de pensamiento y prácticas políticas en función de alternativas culturales y comunicacionales en el contexto del gobierno de la Unidad Popular. De esta manera, Zarowsky traza claramente la compleja propuesta teórica de Mattelart: una crítica a la comunicación de masas a través de un análisis materialista de la cultura y la comunicación y un trabajo de desnaturalización de la actividad comunicativa burguesa que conduciría posteriormente a su propuesta de un análisis de clase de la comunicación o crítica de su economía política. Ahí plasmaría sus nociones sobre partido político, Estado, clase, hegemonía, imperialismo cultural, entre otros. Al reconocer las dinámicas históricas y espacios de participación en donde colaboró Mattelart, como la Editora Nacional Quimantú, los Cuadernos de la Realidad Nacional, así como su cercanía con el Movimiento de Izquierda Revolucionaria (MIR), el autor desmitifica Para leer al Pato Donald (1972) y sus lecturas como una obra ingenua o nostálgica, sino inserta en “una disputa político-cultural muy precisa” (101). Era una obra que se preguntaba por la vida cotidiana y su relación con los complejos mecanismos de la cultura de masas. Así, serán las redes de intercambio político, editorial e institucional las que contribuirán a la maduración del pensamiento de Mattelart y no una propuesta teórica aislada o simplemente politizada. A continuación, el autor analiza los años de exilio que Mattelart sufriría después del golpe de Estado en Chile en 1973. Los avatares de su tiempo en Francia le dan a Zarowsky pautas para examinar los desplazamientos intelectuales que van del centro a la periferia y de vuelta al centro, asunto poco atendido en la historia intelectual. Aquí, el autor caracterizará a Mattelart como una figura mixta e híbrida, “[…] un intelectual mediador o traductor capaz de poner en diálogo espacios diferenciados de la actividad social, tradiciones intelectuales y formaciones culturales de diversos espacios nacionales” (125). Gracias a su participación junto con Chris Marker en la creación del filme La Spirale (1975) sobre la experiencia chilena, Mattelart pudo elaborar varias hipótesis sobre el funcionamiento de la hegemonía y la dialéctica del poder, así como cuestionar el propio concepto de imperialismo en el contexto de internacionalización y concentración de la producción de capital. Con el advenimiento del gobierno de François Miterrand, las lecciones obtenidas en Chile adquirían toda vigencia y fue Mattelart uno de los que mejor supo señalar e interpretar las limitaciones, obstáculos, logros y aprendizajes de ese proceso. Es posteriormente cuando Mattelart se convierte en ese pretexto al que aludíamos anteriormente. El cosmopolitismo del intelectual belga le permite a Zarowsky descubrir la existencia de una “esfera pública internacional popular” y en consecuencia, una “internacional popular de la comunicación” compuesta de redes y espacios de entrecruzamientos múltiples. La presencia de Mattelart como un “conector” de diferentes esferas de la práctica social, tradiciones intelectuales y formaciones culturales de espacios nacionales heterogéneos de sur a norte y viceversa (Zarowsky, 2013), hace al autor conceptualizar un espacio abigarrado, asimétrico e históricamente determinado. El papel protagónico que Mattelart jugaría en la Conferencia Internacional sobre Imperialismo Cultural en Argelia

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en 1977, su participación en la elaboración de políticas de comunicación para la transición socialista del gobierno del Frente de Liberación de Mozambique (Frelimo) en 1978, su viaje a Nicaragua en 1985 para conocer el proyecto comunicacional del sandinismo y su papel en la revista Comunicación y Cultura, son algunas de las experiencias analizadas por el autor que dejan ver […] la compleja trama de articulaciones conflictivas entre lo dominante y lo subalterno –hecha de oposiciones pero también de apropiaciones en uno y otro sentido– en la que se entretejió esta esfera pública internacional popular en la que situamos su trayectoria y que su propia figura nos ayuda a componer y problematizar (179).

Esta trama, desmembrada por la ofensiva neoconservadora de los ‘80, opacaría el reconocimiento de la mirada descentrada de Mattelart sobre el papel de las nuevas tecnologías y sus cruces con la comunicación popular. Ensombrecería su modo de construcción de conocimiento, formas de trabajo, acercamientos y modos de enunciación de la realidad investigada, siempre en articulación, siempre en diálogo. Imbuyéndose en la complejidad de esta época, el autor constata el nomadismo de Mattelart durante el periodo de Miterrand caracterizado por la institucionalización de las ciencias de la comunicación en Francia. La importancia de este periodo será el aporte que junto con Ives Stourdzé realizará con el informe Tecnología, cultura y comunicación (1982) en donde desplazaría algunas de sus posiciones teóricas criticando la “ilusión tecnofílica” tan de moda proponiendo una redefinición de la relación entre democracia, ciencia y tecnología en función de la apropiación social. Sin embargo, como menciona Zarowsky, el triunfo del liberalismo y la desilusión del gobierno de Miterrand a partir de 1984, consolidará un cambio de episteme, un nuevo régimen de verdad cuestionado en la obra Pensar los medios (1986) donde Armand y Michelle Mattelart proponen un programa de investigación que supera el determinismo tecnológico, el exclusivismo del análisis de contenido y la ausencia de enfoques históricos sobre la comunicación. Con este camino andado, Zarowsky nos trae en la segunda parte del libro un análisis completo y complejo que une pensamiento de la vida y vida de pensamiento, es decir, una mirada hermenéutica del mapa cognitivo de Mattelart para pensar el presente (Zarowsky, 2013). Estas claves de lectura, siempre abiertas, rescatan una noción marginada que contiene el potencial para comprender a la sociedad contemporánea a través de la crítica de la comunicación y la cultura. Los ambiciosos proyectos genealógicos sobre la comunicación que emprendió Mattelart retoman de manera innovadora a Gramsci, Lenin y Benjamin en su intento por pensar el capitalismo contemporáneo. En este sentido, y sin poder ahondar en esta interesante sección del libro, el autor da cuenta de los elementos teóricos, escuelas de pensamiento y personajes que influyeron en el pensamiento de Mattelart para desembocar en un primer gran programa de investigación que después sería en cierta manera abandonado por él mismo: un análisis de clase de la comunicación. Con la publicación de la obra Communication and Class Struggle (19791983) junto con Seth Siegelaub, Mattelart buscaba “[…] sentar las bases teóricas, conceptuales y epistemológicas de un pensamiento marxista sobre la comunicación y la cultura

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Claves para una lectura del itinerario intelectual de Armand Mattelart

1-Las introducciones a los dos volúmenes de Communication and Class Struggle (1979-1983) fueron traducidas por primera vez al español por Mariano Zarowsky y publicadas como Para un análisis de clase de la comunicación (2010) y Para un análisis de las prácticas de comunicación popular (2011) ambos editados por la Cooperativa Gráfica El Río Suena de Buenos Aires, contando con la revisión y prefacio de Mattelart

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[…]” (159) que pudiera asimismo articularse con las prácticas sociales heterogéneas de la comunicación popular. Esta propuesta sugestiva y poco conocida1 hizo visible un vacío teórico de la economía política de la comunicación: el lugar del conflicto y la lucha de clases en los procesos económico-culturales no como una dimensión secundaria ni autónoma, sino como constitutiva de dichos procesos (Zarowsky, 2013). Por último, el autor analiza el concepto de “comunicación-mundo” desarrollado por Mattelart en la década de los noventa para “poner de relieve el carácter internacional de los procesos en los que se despliega y se comprende la función y el valor de la comunicación, de sus técnicas y dispositivos, pero también de la manufactura de sus representaciones y conceptos” (Zarowsky, 2013, p.258). Así, el intelectual belga emprenderá la enorme tarea de presentar una genealogía de las empresas transnacionales de la comunicación y una interrogación sobre el modelo global de desarrollo, una indudable interrogación epistemológica. Retomando y, una vez más, dialogando con los conceptos de economía-mundo y sistema-mundo de Immanuel Wallerstein y Fernand Braudel, pero también recuperando a Gramsci y a Walter Benjamin, Mattelart indagará sobre las relaciones entre redes de comunicación, las representaciones sobre ellas y la internacionalización y división internacional del trabajo en el espacio mundial. De esta manera, Mattelart iría, también una vez más, a contracorriente de la utopía comunicacional y develaría a la comunicación-mundo no como un triunfo, sino como una respuesta a la crisis capitalista, resultado de luchas y resistencias de clase y de carácter internacional. En síntesis, con este trabajo, Mariano Zarowsky reactualiza no sólo a Mattelart como figura central del pensamiento de la comunicación para pensar sobre todo a América Latina analizando no sólo un libro, sino toda una obra abierta y cambiante. Pero además, como mencionamos, reconstruye todo un andamiaje político, histórico, cultural e intelectual paradójico y emergente que da cuenta del quiebre de proyectos políticos, de sueños sometidos y de posibilidades también ganadas. Leer en esta clave el itinerario de Mattelart a través de los ojos de Zarowsky, nos conduce a interrogarnos, tanto como a él, “nuestra propia praxis intelectual y poner de manifiesto aquello que este itinerario tiene para decir sobre nuestro presente” (289).

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