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EXPEDIENTE Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación Volume XIV, Numero 2, May. a Ago. de 2012 - www.eptic.com.br ISSN 1518-2487 Revista avaliada como “Nacional B” pelo Qualis/Capes Eptic On Line, DIRETOR

Delia Crovi (UNAM - México)

César Bolaño (UFS - Brasil)

Dênis de Moraes (UFF - Brasil)

EDITOR

Diego Portales (Univ. del Chile)

Valério Cruz Brittos (UNISINOS – Brasil)

Dominique Leroy (Un. Picardie – França) Edgar Rebouças (UFPE - Brasil)

EDITORES ADJUNTOS Luis A. Albornoz (Un. Carlos III - Espanha) Francisco Sierra (Un. Sevilla – España)

Enrique Bustamante (UCM – Espanha) Enrique Sánchez Ruiz (UG – México) Francisco Rui Cádima (UNL – Portugal) Gaëtan Tremblay (Un. de Québec - Canadá)

EDITOR DO DOSSIÊ “ECONOMIA POLÍTICA DO RÁDIO E MÍDIA SONORA” Marcelo Kischinhevsky (UERJ – Brasil)

Gilson Schwartz (USP - Brasil) Giovandro Marcus Ferreira (UFES - Brasil) Graham Murdock (Loughbrough Univ. - UK) Guillermo Mastrini (UBA – Argentina)

APOIO TÉCNICO Joanne Mota (UFS – Brasil) Elizabeth Azevedo Souza (UFS – Brasil) PARECERISTAS AD HOC Alexandre Barbalho (UFCE – Brasil) Bruno Araújo Torres (UNIVIÇOSA – Brasil) Cida Golin (UFRS – Brasil) Cíntia Sanmartin Fernandes (UFRJ – Brasil) Dóris Fagundes Haussen (PCRS – Brasil) Felipe Trotta (UFF – Brasil) Gisele Sayeg (ANHAMBI – Brasil) Graziela Bianchi (UTP – Brasil) Herom Vargas (USCS – Brasil) Juliano Maurício de Carvalho (UNESP – Brasil) Leandro Comassetto (INEP – Brasil) Micael Herschmann (UFRJ – Brasil) Nair Prata (UFOP – Brasil) Patricia Mauricio (PUCRJ – Brasil) CONSELHO EDITORIAL Abraham Sicsu (Fund. Joaquim Nabuco – Brasil) Alain Herscovicci (UFES – Brasil) Alain Rallet (Univ. Paris - Dalphine-França) Anita Simis (UNESP - Brasil) Cesare G. Galvan (UFPb - Brasil)

Hans - Jürgen Michalski (Univ. Bremen - Alemanha) Helenice Carvalho (UNISINOS – Brasil) Isabel Urioste (Un. Compiègne – França) Jean-Guy Lacroix (Un. de Québec - Canadá) Jorge Rubem Bitton Tapia (UNICAMP - Brasil) Joseph Straubhaar (Univ. Texas - EUA) Juan Carlos de Miguel (Un. Pais Vasco - Espanha) Luiz Guilherme Duarte (UOPHX - EUA) Marcelo Kischinhevsky (UERJ – Brasil) Márcia Regina Tosta Dias (FESPSP - Brasil) Marcial Murciano Martinez (UAB – Espanha) Marcio Wohlers de Almeida (UNICAMP - Brasil) Murilo César Ramos (UnB – Brasil) Nicholas Garham (Westminster Unv. - UK) Othon Jambeiro (UFBA - Brasil) Pedro Jorge Braumann (UNL – Portugal) Peter Golding (Loughborough Univ. - UK) Philip R. Schlesinger (Stirling Univ. - UK) Pierre Fayard (Un. Poitiers – França) Ramón Zallo (Un. Pais Vasco – Espanha) Reynaldo R. Ferreira Jr. (UFAL – Brasil) Roque Faraone (Um. de la República - Uruguai) Ruy Sardinha Lopes (USP – São Carlos – Brasil) Sérgio Augusto Soares Mattos (UFRB - Brasil) William Dias Braga (UFRJ – Brasil)


Presentación A segunda edição da Revista EPTIC Online em 2012 traz dossiê sobre a Economia Política do Rádio e da Mídia Sonora, que começou a ser gestado dois anos antes, durante o XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, realizado na Universidade de Caxias do Sul (UCS), em Caxias do Sul (RS). Na ocasião, uma reunião com os professores Valério Cruz Brittos (Unisinos) e César Bolaño (UFS), representando o Grupo de Pesquisa (GP) Economia Política da Informação, Comunicação e Cultura, e Luiz Artur Ferraretto (hoje na UFRGS) e Marcelo Kischinhevsky (UERJ), do GP Rádio e Mídia Sonora, selou a realização de uma frutífera mesa conjunta no congresso da Intercom do ano seguinte, ocorrido na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), em Recife (PE). Jornalista polivalente e incansável, antes de se tornar um dos maiores nomes da EPC em nível internacional, Valério Brittos transitou entre a academia e as redações de Pelotas e, posteriormente, Brasília, ao longo dos anos 1980 e 90, tendo atuação marcante no rádio, com passagens pela Rádio Bandeirantes AM, pela Alfa FM e pela Rádio Cultura de Pelotas. Valério, um observador atento da indústria da radiodifusão sonora, foi o mentor do dossiê que chega neste momento aos leitores. Trabalhou nesta edição, apesar dos graves problemas de saúde que o abateram no primeiro semestre, mas, infelizmente, não pôde ver o resultado desta parceria inédita de dois importantes GPs da Intercom. Nesse sentido, o dossiê ora apresentado constitui uma homenagem – entre muitas outras que virão – ao saudoso professor, jornalista, pesquisador, editor, articulador Valério Brittos, um exemplo tanto como figura humana quanto intelectual. O dossiê é aberto com dois textos que estabelecem rico diálogo. “Considerações sobre a Economia Política do rádio no Brasil”, de César Bolaño, que abriu a mesa conjunta dos GPs na Intercom em 2011, propõe uma releitura da radiodifusão sonora no país, através do prisma da EPC, apoiando-se em trabalhos de autores dedicados ao estudo do rádio, como Gisela Ortriwano e Ferraretto. Na sequência, o próprio Ferraretto, com o artigo “Uma proposta de periodização para a história do rádio no Brasil”, dá um passo adiante em reflexão anterior, identificando quatro fases na trajetória da radiofonia, que poderão balizar futuros estudos – implantação, difusão, segmentação e convergência. Em seguida, dois trabalhos que propõem novas leituras sobre a mídia sonora, à luz da EPC: “Inovação e institucionalização na indústria fonográfica brasileira: Um estudo de caso das estratégias de negócio de músicos autônomos no entorno digital”, de Leonardo de Marchi (UniFOA/UFRJ), e “Mediações fonográficas: uma análise dos negócios, regulações, usos e apropriações das tecnologias no contexto de ascensão de uma indústria da música”, de Henrique Ramos Reichelt (UFF). E fechando o dossiê, três artigos dedicados a um dos principais focos de preocupação da EPC, a comunicação comunitária, alternativa ou popular: “O rádio comunitário em São Paulo: Um breve olhar sobre o cenário atual”, de Eduardo Vicente (USP), oferece um panorama da diversidade das emissoras comunitárias na capital paulis; “Configurações e tendências das rádios comunitárias do interior paulista”, de Marcelo de Oliveira Volpato (Umesp), traz um mapeamento semelhante, mas com foco


na região de Bauru, no interior paulista; e, por fim, “Teoria e prática jornalística em uma rádio comunitária: estudo do programa Ecolândia – o mundo onde a gente vive”, de Mariana Cervi Soares (UFSM) e Gisele Dotto Reginato (UFRGS), discute as características e as especificidades do radiojornalismo numa emissora de baixa potência. Esta edição traz ainda uma entrevista com o principal nome no país dos estudos de mídia sonora, Micael Herschmann, professor do Programa de PósGraduação (PPGCOM) da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ) e autor de livros como Indústria da música em transição (Ed. Estação das Letras e das Cores, 2010) e organizador da coletânea Nas bordas e fora do mainstream musical. Novas tendências da música independente no início do século XXI (Ed. Estação das Letras e das Cores, 2011). Herschmann considera o estudo do campo híbrido da música e da comunicação como uma porta de entrada para o conhecimento social e defende novos aportes teórico-metodológicos para o enriquecimento da perspectiva da EPC. Este número da EPTIC Online traz ainda resenhas dos livros Podcasting. Nuevos modelos de distribuición para los contenidos sonoros, de J. Ignacio Gallego (Barcelona: Editorial UOC, 2010), e Horizontes do Jornalismo: Formação superior, perspectivas teóricas e novas práticas profissionais, coletânea organizada por Marcelo Kischinhevsky, Fabio Mario Iorio e João Pedro Dias Vieira (Rio de Janeiro: Ed. EPapers, 2011).

Boa leitura!

César Bolaño Diretor da Revista Eptic

Marcelo Kischinhevsky Coordenador do Dossiê “Economia Política do Rádio e Mídia Sonora”


A música como forma de conhecimento social Entrevista: Micael Herschmann Marcelo Kischinhevsky1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCS/UERJ) Ao longo da última década, Micael Herschmann, professor do Programa de PósGraduação (PPGCOM) da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ) e pesquisador do CNPq, consolidou-se como o principal nome brasileiro dos estudos sobre as interfaces entre os campos da Comunicação e da Música. Carioca, historiador de formação, transita com desenvoltura entre os estudos culturais críticos e a Economia Política da Comunicação, produzindo pesquisas que resultaram em livros de referência transdisciplinar. Entre eles, Indústria da música em transição (Ed. Estação das Letras e das Cores, 2010), Lapa, cidade da música (Ed. Mauad, 2007) e a coletânea Nas bordas e fora do mainstream musical. Novas tendências da música independente no início do século XXI (Ed. Estação das Letras e das Cores, 2011), que reuniu um time de colaboradores como George Yúdice, Keith Negus, Luiz Albornoz e Felipe Trotta. Com Albornoz, aliás, lidera projeto de pesquisa internacional financiado pela CAPES e pela Agencia Española de Cooperación Internacional para el Desarrollo, unindo a ECO/UFRJ e a Universidad Carlos III de Madrid, sobre a economia da música no Brasil e na Espanha. Aos 47 anos, comanda desde 2004 o Núcleo de Estudos e Projetos (NEPCOM) da ECO/UFRJ e, depois de atuar na coordenação do PPGCOM – único do país avaliado pela CAPES com a nota 6 – entre 2007 e 2009, tem se dedicado a consolidar o campo de estudos de Comunicação e Música. O último passo nessa direção foi a criação de um Grupo de Pesquisa na Intercom, o GP Comunicação, Música e Entretenimento, que estreou no XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, realizado em 2012 na Unifor, em Fortaleza (CE), contabilizando 32 trabalhos submetidos, dos quais 30 foram aprovados. “Para um GP recém-fundado, é um início auspicioso. Acho que está se fortalecendo e amadurecendo uma rede nacional de pesquisadores de comunicação & música, com o boom dos eventos acadêmicos, em âmbito nacional, dedicados a estas reflexões e estudos”, diz Micael, referindo-se à proliferação de eventos dedicados a este campo interdisciplinar, como Musicom, MusiMid e Comúsica. Influenciado pelo trabalho de Jacques Attali – que conheceu por meio de uma edição mexicana do clássico livro Bruits (1977), que propõe uma leitura da música (e do ruído) sob o prisma da economia política –, Herschmann vê as manifestações musicais como uma forma de acesso à realidade social e defende o resgate de uma “agenda expandida” de pesquisa e o diálogo entre a EPC e outras correntes teóricas de matriz crítica, possibilitando um “mergulho, de fato, no cotidiano dos atores sociais”. A seguir, os principais pontos da entrevista. Sua formação é de historiador, mas sua trajetória o aproximou da Comunicação nos anos 1990 e, na última década, o levou a um campo de estudos pouco 1

Professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e do Departamento de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCS/UERJ) e doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Email: marcelok@uerj.br


explorado: a interface entre Música e Comunicação. Seu trabalho apresenta clara influência da Economia Política da Comunicação, enfatizando questões como a economia da cultura e as políticas públicas, percebendo a música como uma indústria midiática. Como se deu esse percurso? No inicio da minha trajetória acadêmica, pode-se dizer que mais do que um estudioso da música, eu me considerava um pesquisador do espaço urbano, que empregava a música como canal de acesso aos atores, ao cotidiano. Claro que ninguém mergulha no fascinante universo da música impunemente e hoje a música desempenha um papel crucial no meu trabalho, constitui-se em um campo do conhecimento. Acho que o livro Indústria da Música em Transição, que publiquei em 2010, certamente foi um marco na minha trajetória, marcou um momento de maior maturidade. Nesta publicação o leitor nota claramente que a música é apresentada não só como objeto, mas também como um instrumental teórico-metodológico. Evidentemente, esta mudança – na maneira de se relacionar com a música – foi ocorrendo à medida que fui reorganizando e tornando mais interdisciplinar e ousado meu ofício. Sou um historiador da cultura (ou se preferir das mentalidades) de formação, que encontrou no campo da comunicação não só a possibilidade de poder realizar pesquisas em torno de temáticas mais contemporâneas, mas também mais liberdade (menos patrulhamento acadêmico) para desenvolver estudos, de uma perspectiva mais interdisciplinar. Sempre quis problematizar a realidade social, o entorno social. Hoje continuo utilizando a história como ferramenta, mas sem dúvida a antropologia e a sociologia são aliadas valiosas no meu ofício. Uma das coisas que mais aprecio no meu cotidiano como pesquisador é a oportunidade de realizar um denso trabalho de campo, com entrevistas e observações. É daí que extraio inspiração, que tento trazer contribuições para a renovação do pensamento acadêmico a respeito da sociedade contemporânea. De uns anos para cá, influenciado pela obra de [Jacques] Attali, comecei a defender também o campo da música como uma forma importante de conhecimento, de acesso à realidade social. Entretanto, voltando a minha trajetória: no início dos anos de 1990, comecei a trabalhar com o universo da música por conta de questões sociais que mobilizavam imensamente os cariocas (naquela ocasião menos orgulhosos com sua cidade). Fui uma das testemunhas oculares dos arrastões das praias da Zona Sul e fiquei mexido com o bullying da cobertura midiática daqueles eventos. Assim, na minha tese analisei a questão da violência e da criminalidade frequentemente associada ao mundo do funk e aos funkeiros (infelizmente ainda hoje este debate continua sendo reeditado pelos setores mais conservadores da sociedade), tentando oferecer uma interpretação mais complexa que permitia questionar a tese de que vivíamos numa “cidade partida” naquela época. Este trabalho teve grande repercussão na ocasião (foi finalista do prêmio Jabuti, na categoria Ensaios) e foi então que percebi o quanto a música era importante – uma espécie de élan social – para estudar o Rio de Janeiro. Analisando retrospectivamente, constato que minha tese de doutorado, depois convertida no livro O funk e o hip-hop invadem a cena (Ed. UFRJ, 2000), foi desenvolvida dentro de uma perspectiva dos Estudos Culturais, muito inspirada nos estudos desenvolvidos por importantes pesquisadores como Stuart Hall e Raymond Williams e que ela pavimentou a minha aproximação com a Economia Política da Comunicação, que se concretizou mais claramente na segunda metade da década passada.


Em conferência no Encontro Internacional da ULEPICC-Federação, em Madri, em 2009, você advogou uma reaproximação da EPC com os Estudos Culturais Críticos, argumentando que as duas vertentes de pesquisas teriam muito a ganhar com a retomada de um diálogo. De que forma, na sua opinião, a perspectiva da EPC pode ser enriquecida pela interlocução com outras vertentes teóricas? Sempre tive grande admiração pela agenda de pesquisa proposta pelos Estudos Culturais britânicos (mais especificamente pela Escola de Birmingham) e estava de acordo com parte das criticas que alguns teóricos da EPC dirigiam aos estudos culturais. Estas críticas geraram grande mal estar ao denunciar que vinham sendo desenvolvidas nas últimas décadas (especialmente nos EUA) pesquisas nas quais se focaria em excesso a dimensão do consumo (segundo os críticos viria se praticando neste estudos uma espécie de “textualismo”, viriam se realizando pesquisas destituídas de uma perspectiva mais crítica e pouco comprometidas com a justiça social) e se deixariam de lado os aspectos e dinâmicas produtivas, que envolvem o objeto de estudo. Concordo com importantes intelectuais ibero-americanos como García Canclini e Martín-Barbero de que precisamos voltar a desenvolver pesquisas abrangentes, necessitamos voltar a construir diagnósticos mais abrangentes. Evidentemente, não se trata de reeditar uma perspectiva totalizadora, isto é, reinvestir em utopias ou perspectivas modernas. Contudo, as sociedades destes países têm demandas expressivas, necessitam preencher algumas grandes lacunas e são, portanto, “famintas” dos resultados que podem ser alcançados por este tipo de estudos. Como sugere Martín-Barbero em um dos seus livros, Ofício do cartógrafo, é preciso que tentemos construir “arquipélagos” e/ou “mapas noturnos”, que deem conta em alguma medida da realidade ibero-americana. Entretanto, reconheço que tudo conspira contra hoje: poucas verbas destinadas à área de pesquisa e educação, disseminação de uma “cultura produtivista estéril” nos programas de pós-graduação das universidades e a rotina cada vez mais estressante da carreira acadêmica, entre outras dificuldades que se poderia mencionar. Na realidade, o que defendi no Congresso da ULEPICC de Madri foi o resgate da “agenda estendida”, postulada pela Escola de Birmingham. O próprio [Armand] Mattelart, com quem dividi esta mesa na ocasião, em seu livro escrito com [Érik] Neveu sobre os estudos culturais, já argumentava que, apesar do distanciamento e das polêmicas históricas que envolveram teóricos destas correntes, era ainda possível aproximar os estudos culturais da economia política da comunicação, desde que houvesse uma redefinição das agendas de pesquisa. Depois de alguns anos vendo estas correntes se distanciarem, Mattelart se mostrava um pouco mais cético quanto a esta aproximação, mas reconhecia a importância histórica da agenda de Birmingham. Portanto, em função do tipo de pesquisa que desenvolvo sempre transitei como desenvoltura entre os pesquisadores da EPC. A minha discordância com a agenda da EPC é que dificilmente os pesquisadores desta corrente contemplam uma perspectiva mais antropológica, ou seja, realizam um “mergulho”, de fato, no cotidiano dos atores sociais. Acho que a adoção da antropologia como ferramenta de pesquisa poderia contribuir para tornar os estudos de EPC mais complexos e inovadores.


Nos últimos anos, seu trabalho tem enfocado diversas manifestações de ativismo cultural, como os festivais de música independente e a ação dos empreendedores do circuito do samba e do choro na Lapa, boêmio bairro carioca. Em que medida estas manifestações representam a emergência de novas relações sociais, culturais, políticas e econômicas, num momento de transição do modo de produção capitalista? Não há certa romantização do ativismo por determinados pesquisadores, sobretudo os entusiastas das novas tecnologias de informação e comunicação? Concordo que alguns pesquisadores acabam por simplificar um pouco o debate em torno das novas tecnologias da comunicação e informação. Em outras palavras, muitas vezes (e acredito que de forma involuntária) parte expressiva da literatura que trabalha com noções como Web 2.0 ou mesmo Música 2.0, termina por reduzir as reflexões em torno dos seus objetos de estudo. Acredito que isso ocorra porque é preciso que o pesquisador busque certo distanciamento e seja capaz de perceber (e a História enquanto campo de estudo é pródiga em exemplos) as continuidades e rupturas que vêm ocorrendo no mundo contemporâneo, especialmente nas últimas duas décadas. Por exemplo, minhas pesquisas com a indústria da música do século XXI sugerem mudanças importantes nos hábitos dos consumidores em relação aos fonogramas e aos direitos de propriedade (questões relacionadas às intensas trocas – a chamada pirataria – realizadas pelos atores utilizando as novas tecnologias), mas, ao mesmo tempo, estes estudos sugerem também continuidades na grande mobilização do público em torno da música ao vivo (palpável no crescente sucesso de cenas e circuitos locais ou de festivais). De modo geral, nas minhas pesquisas, tento manter uma postura cautelosa, evitando construir uma argumentação apologética ou sombria da atualidade. Por exemplo, nas pesquisas que desenvolvi com os circuitos do samba e choro da Lapa ou da seresta de Conservatória [distrito do Sul Fluminense]: apesar do enorme sucesso destes casos (mesmo em uma época de crise da indústria da música) que estão alicerçados em concertos, apresentações ao vivo, há grandes dificuldades que vêm sendo enfrentadas por estas localidades e que afetam direta e indiretamente os atores envolvidos, seu cotidiano, a sustentabilidade destas atividades que gravitam em torno da música. Há grandes riscos e desequilíbrios nesses territórios, que dificultam a evolução dos patamares de DLS [Desenvolvimento Local Sustentável] já alcançados. Mesmo na pesquisa que venho elaborando sobre cenas locais, festivais independentes ou do mainstream: ainda que identifique estratégias interessantes, inovadoras e sustentáveis, tenho evitado tratá-las como um “modelo” (de negócio), que poderia ser transferido para outras situações e localidades. Este tipo de argumentação é bastante perigosa: simplifica a realidade social e o conjunto de reflexões que poderiam ser desenvolvidas. De qualquer maneira, percebo que as relações produtivas e mesmo o capitalismo estão em transição hoje. É possível constatar idas e vindas, certa perplexidade dos atores sociais. Acho que cada vez mais nos distanciamos de um contexto fordista e industrial ou de serviços, passando a conviver mais diretamente com um capitalismo que privilegia a informação, o conhecimento, a experiência, espetáculo e os afetos. Neste contexto, o ativismo e engajamento dos atores sociais – que frequentemente emerge em torno da música ao vivo – pode ser significativo para ampliar a cidadania e a sustentabilidade dos territórios. Tomando como referência os casos já mencionados e estudados na minha última pesquisa: o estrondoso sucesso econômico da Lapa ou


mesmo de Conservatória não teria sido alcançado se não houvesse engajamento, uma mobilizadora afetividade dos artistas e consumidores, em relação a certos gêneros musicais – considerados “de raiz” – tais como samba, choro ou seresta. Como você vê o papel da EPC hoje, no campo da comunicação e da cultura, num momento em que diversos países ibero-americanos rediscutem seus marcos regulatórios? Acredito que a Economia Política da Comunicação vem desempenhando historicamente um importante papel no debate que visa repensar os marcos regulatórios nos países ibero-americanos. Os estudos da EPC são valiosos na construção de diagnósticos e propostas de renovação. Inclusive, vários pesquisadores desta corrente, em diferentes países, atuaram em comissões que realizaram um trabalho fundamental ao apontar os problemas dos marcos regulatórios anteriores e o que poderia ser aperfeiçoado. Várias dos argumentos desenvolvidos pelos intelectuais desta corrente de estudo foram adotados por diferentes países. Evidentemente, essas mudanças dependem de um xadrez político complexo e de atuação mais efetiva da sociedade civil, em diferentes contextos. De qualquer modo, acho que os pesquisadores da EPC devem continuar buscando ampliar o diálogo com a sociedade e com representantes de outras correntes de estudos. Na minha opinião, esta postura mais aberta é muito importante, pois muitas vezes os insucessos dos marcos regulatórios ou das políticas públicas ocorrem porque estes não são construídos de forma endógena e democrática. Acredito que no mundo capitalista atual os afetos e o ativismo da multidão podem ser significativos nestes processos tão importantes. O tema do 4º Encontro Nacional da ULEPICC-Brasil, a ser realizado na UERJ em outubro, é “Políticas públicas e pluralidade na comunicação e na cultura”. Como você vê o atual papel do Estado na regulação dos mercados da comunicação e da cultura? Após praticamente dez anos de governo do Partido dos Trabalhadores (PT), o que mudou na sua opinião? Considero esta discussão da maior relevância, apesar de nunca tê-lo tomado como enfoque central das minhas pesquisas. Contudo, sempre tentei – na minha atuação como pesquisador –, com minhas reflexões, subsidiar a reelaboração de políticas públicas que privilegiassem a pluralidade na comunicação e na cultura. Infelizmente, o retrospecto das políticas públicas adotadas, especialmente no Brasil, não é nada favorável. Os casos exitosos construídos no Brasil em geral não têm o “dedo do Estado” (aliás, quando o poder público entra em cena, de forma frequente, pela postura e cultura tecnocrática da instituição, tende a atrapalhar mais do que ajudar), isto é, os raros exemplos de sucesso são resultado da iniciativa associativa e criativa dos atores sociais. Claro que a dificuldade e a responsabilidade histórica não é do governo do PT. É sempre complicado conduzir o espinhoso processo de renovação de políticas públicas, mais democráticas. E quanto ao Ministério da Cultura, cuja ministra, Ana de Hollanda, está prestes a completar dois anos de gestão sob constante fogo cruzado? Evidentemente, houve um retrocesso nos últimos anos na gestão de Ana de Hollanda no MinC. Muito do que foi feito na gestão do [ex-ministro Gilberto] Gil e do [seu sucessor, o também ex-ministro Juca] Ferreira foi lamentavelmente abandonado. Mas confesso que não tenho muitas expectativas: na verdade, não acredito em políticas


que venham “conduzindo a sociedade”. Acredito que as políticas podem ser mais efetivas quando atendem ao “clamor” da mesma, isto é, quando vêm a reboque, fortalecendo iniciativas democráticas em curso. Além disso, para agravar e/ou complicar este quadro e o debate sobre políticas públicas, é possível constatar que as novas tecnologias não vêm cumprindo a expectativa que parte da sociedade tinha: se, por um lado, se ampliou o acesso e o espaço na dinâmica produtiva (pois só aparentemente a “cauda é realmente longa”), por outro lado, infelizmente boa parte do que é consumido no Brasil ou no mundo são produtos ou serviços chamados de blockbusters, produzidos massivamente pelas majors de comunicação, cultura e entretenimento. Evidentemente, há exceções e nichos de mercado importantes que estão felizmente emergindo em todo o mundo: o setor da música no Brasil, inclusive, está incluído entre essas exceções. Meu interesse pelos circuitos e cenas está fundamentado nos indícios de que estes casos exitosos (de razoável sustentabilidade) vêm se tornando mais numerosos em diferentes localidades e, no futuro, podem fomentar a pluralidade cultural num mundo globalizado. Em resumo, acredito que este congresso [o 4º Encontro Nacional da ULEPICC-Brasil] será uma ocasião especial para tratar dessas temáticas de grande importância e atualidade. Quais os próximos passos em termos de pesquisa acadêmica? Estou em vias de dar uma nova guinada no meu trabalho de pesquisa, deixando um pouco de lado as problemáticas diretamente associadas à transição da indústria da música e me voltando novamente aos estudos de cultura urbana (e culturas juvenis). Continuo refletindo sobre a capacidade das experiências musicais ao vivo, das sociabilidades e afetividades em mobilizar um significativo segmento da sociedade hoje. Contudo, pretendo me dedicar a estudar – nos próximos anos – a relação entre música, juventude e territorialidade, particularmente na cidade do Rio de Janeiro. Em linhas gerais, nesta investigação pretendo buscar avaliar a importância das atividades musicais realizadas ao vivo – na forma de concertos, blocos e “rodas” –, para a revitalização de espaços da cidade do Rio de Janeiro. Parte-se do pressuposto de que as “territorialidades sônicas-musicais” constroem novos mapas urbanos (mais ou menos temporários): com grande recorrência os espaços fragmentários das cidades contemporâneas são reconfigurados pelas sonoridades. No caso do Rio, há uma “cultura musical de rua”, praticada especialmente por grupos juvenis, capaz de criar condições não só para a ampliação da sociabilidade, mas também para a ressignificação criativa dos espaços da urbe. Assim nos novos estudos que estou iniciando em breve, pretendo analisar a dinâmica de produção, circulação, divulgação e consumo de alguns grupos musicais de rua – os quais tocam com regularidade na área central da cidade, mobilizando expressivos segmentos sociais locais – que atuam no registro de “gêneros” importantes como samba, choro e jazz. Assim, pretendo analisar nesta pesquisa cenas/circuitos e suas respectivas territorialidades sônicas-musicais com o intuito de se refletir sobre as possibilidades de promover e alcançar patamares de Desenvolvimento Local Sustentável nesta localidade. O que você tem lido?


No âmbito dos estudos de música, destaco três livros: • YÚDICE, George. Nuevas tecnologías, música y experiencia. Barcelona: Gedisa, 2007. • FRITH, Simon. Sound Effects. Nova York: Pantheon Books, 1981. • NEGUS, Keith. Géneros musicales y la cultura de las multinacionales. Barcelona: Paidós, 2005. Mas há outras referências teórico-metodológicas importantes, às quais estou sempre retornando, como: • ATTALI, Jacques. Ruídos. México: Siglo XXI, 1995. • MAFFESOLI, Michel. O ritmo da vida. Rio de Janeiro: Record, 2007. • LAZZARATO, Maurizio; NEGRI, Antonio. Trabalho imaterial. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. • DU GAY, Paul e outros (orgs.). Doing Cultural Studies: the story of the Sony Walkman. Londres: Sage, 1997. • SANTOS, Milton. Território e Sociedade. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000. • JENKINS, Henry. Fans, bloggers and gamers. Nova York: New York University Press, 2006. No momento, estou lendo uma coletânea muito interessante com os resultados de uma pesquisa realizada com jovens na cidade do México e Madri (que trata também do universo da música), coordenada por Néstor García Canclini, intitulada Jóvenes, culturas urbanas y redes digitales (Ed. Fundación Telefónica, 2012). E o que tem ouvido? Em geral, escuto tudo que cai na minha mão, sou bem eclético, escuto tudo que encontro na web. Ultimamente, tenho escutado, nos meus playlists, muitos fonogramas dos seguintes artistas: Céu (Caravana sereia bloom), EST (Seven days of falling), Jorge Drexler (Amar la trama), Stacey Kent (The boy next door) e Maria Bethânia (Oasis).


Considerações sobre a Economia Política do rádio no Brasil César Bolaño1 Universidade Federal de Sergipe (UFS) Resumo: Este trabalho tem por objetivo sistematizar algumas reflexões sobre a economia política do rádio no Brasil, partindo de considerações gerais que desembocarão numa proposta de periodização. Não se trata de um estudo da História do rádio, mas da construção de uma ferramenta de análise (a periodização) absolutamente necessária para uma correta perspectiva dos processos sociais no sentido da Economia Política da Comunicação (EPC), que constitui o fundamento teórico do presente texto, o qual se apóia em estudos mais propriamente históricos, especialmente no livro clássico de Gisela Ortriwano (1985) e num artigo de Luiz Artur Ferraretto (2009),2 que traça uma periodização preliminar bem fundamentada, que procurarei reconstruir, tratando de precisar os pontos de corte e de articulá-la com a minha própria periodização da televisão brasileira (Bolaño, 2004). Trata-se de um trabalho ainda inicial, que se restringe basicamente ao rádio comercial e espera ser enriquecido a partir da contribuição dos colegas mais diretamente vinculados aos estudos sobre o rádio. Palavras chave: rádio, televisão, economia política, comunicação. Resumen: Este trabajo tiene como su objetivo sistematizar algunas reflexiones acerca de la economia política de la radio en Brasil, a partir de las consideraciones generales que implican en una propuesta de periodización. No es necesariamente se una investigación acerca de la História de la radio, sino de la construccion de una herramienta de análisis (periodização) absolutamente necessária para obtnerse una perspectiva correcta acerca de los procesos sociales hacia la Economía Política de la Comunicación (EPC), basis del fundamento teórico de este texto, que se basa en los estudos históricos mas propiamente, especialmente em el libro clásico de Gisela Ortriwano (1985) y en un artículo de Luiz Artur Ferraretto (2009),3 que describe una periodización preliminar bien fundada, que intentaré reconstruir, tratando de aclarar los puntos de corte y de articular-la a mi própia periodización de la televisión brasileña (Bolaño, 2004). Este es um trabajo muy temprano, que se limita basicamente a la radio comercial e espera ser enriquecido a partir de la contribución de los colegas más directamente vinculados a los estudos acerca de la radio. Palavras chave: radio, televisión, economía política, comunicación. Abstract: This paper aims to systematize some reflections about Brazilian radio political economy, starting from a general preamble that will lead in timeline proposal. This is not about the history of radio itself, but the construction of an analysis tool (timeline) absolutely necessary for a correct perspective about the social processes 1

Doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professor Adjunto IV da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e professor convidado do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade de Brasília (Unb). Especialidades/Linhas de Pesquisa: Economia Política da Comunicação e da Cultura; Tecnologias da Informação e da Comunicação e Desenvolvimento Regional; Economia do Audiovisual, Telecomunicações e Internet. Bolano.ufs@gmail.com. 2 Além destes apóio-me também em Federico (1982), Moreira (1991), Haussen (2004), Kischinhevsky (2007) e outros que serão referidos ao longo do texto. 3 Além destes apóio-me também em Federico (1982), Moreira (1991), Haussen (2004), Kischinhevsky (2007) e outros que serão referidos ao longo do texto.


towards the Political Economy of Communication (PEC), which is the theoretical foundation of this text, which relies in historical studies, especially in the classical book of Gisela Ortriwano (1985) and in an article of Luiz Artur Ferraretto (2009), which outlines a well-founded preliminary timeline that I will reconstruct, trying to clarify the cutting points and articulating it to my own timeline of Brazilian television (Bolaño, 2004). This is paper is just the beginning of a work that is restricted basically to the commercial radio and expects to be enriched with other colleagues contribution more directly linked to the studies about radio itself. Key words: radio, television, political economy, communication. Introdução A EPC no Brasil tem discutido muito pouco o rádio. Seus estudos mais frequentes têm se concentrado na televisão ou, mais recentemente, na internet. Outros objetos – como o rádio, o cinema, a informática, as telecomunicações, a indústria fonográfica – têm sido abordados de forma mais esporádica. Não se trata, é preciso deixar claro, de uma deficiência, nem mesmo de falta de interesse da EPC, mas fundamentalmente, a meu ver, do seu ainda precário reconhecimento, no conjunto do campo da Comunicação, como paradigma teórico transversal e interdisciplinar, passível de aplicação às diferentes áreas dos campos da Cultura, Comunicação e Informação. No que se refere ao meu próprio trabalho, a opção inicial pelo mercado brasileiro de televisão – nos idos da década de 80 do século passado, quando a EPC ainda não fora inaugurada no país – ao invés de uma análise mais genérica, do conjunto das indústrias culturais e da comunicação, deveu-se à necessidade de uma abordagem em profundidade sobre o núcleo central da Indústria Cultural brasileira. A preocupação com a criação do que hoje se conhece como EPC, desde então, tinha como princípio, não obstante, a constituição de um amplo programa de pesquisas que pudesse abarcar o conjunto da produção simbólica e em diálogo com outras disciplinas. No caso do rádio, a questão é bem complexa porque se trata precisamente do núcleo central de uma “Indústria Cultural”, se se pudesse utilizar essa expressão, anterior ao surgimento da TV. A historiografia da Comunicação no Brasil tenderá, por isso, a equalizar as duas situações, assim como, tenderá a pensar a história da televisão como uma sucessão de ciclos de hegemonia, equalizando também, por exemplo, o poder do conglomerado de Assis Chateaubriand com aquele da Rede Globo, embora se trate, como demonstrei já em 1986 (Bolaño, 2004), de duas situações bem diferentes, para não dizer opostas.


A hegemonia da Globo, a partir da construção da sua rede nacional, iniciada ao final de 1969, marca, na verdade, uma ruptura fundamental entre um mercado concorrencial, não integrado nacionalmente, com baixas barreiras à entrada, para outro, um oligopólio altamente concentrado, que se define em nível nacional. Só então se pode falar, rigorosamente, em Indústria Cultural, entendida como a forma especificamente capitalista de produção cultural, sob o Capitalismo Monopolista, o que coincide com as transformações por que passava a publicidade, conforme estudo pioneiro de Maria Arminda do Nascimento Arruda (1985), em conformidade com as transformações mais gerais do capitalismo tardio brasileiro (Cardoso de Mello, 1982). Note-se que, de um ponto de vista micro-econômico, pelo mesmo processo de passagem da concorrência ao oligopólio por que passou o mercado brasileiro de televisão entre 1965 e 1970, passaria o mercado de TV segmentada, entre 1992 e 1995, como bem apontou Valério Brittos (2001), de modo que é possível aplicar um modelo teórico muito semelhante para o estudo desse novo setor da Indústria Cultural. O mesmo Brittos (1999) mostra, por outro lado, que essa mudança, ao consolidar a nova indústria concorrente da TV de massa, terá um rebatimento sobre esta, que entra então naquilo que o autor chama de “fase da multiplicidade da oferta”, conceito que eu também passei a utilizar, a partir da segunda edição de Mercado Brasileiro de Televisão (Bolaño, 2004). Mas neste caso não há uma ruptura na estrutura hegemônica da grande Indústria Cultural brasileira, que permanece nucleada na TV de massa, hegemonizada pela Rede Globo, ainda que, em longo prazo, o panorama tenda a mudar, tanto pela multiplicidade, quanto pela expansão da internet comercial, a partir também de 1995. É esse o processo que estamos vivendo hoje e que torna crucial o acompanhamento da economia política da internet, da convergência e da digitalização. Mas, se o passado ensina, um estudo da história do rádio, na perspectiva da EPC, poderá, no mínimo, apontar questões que se apresentam hoje também, ainda que de forma distinta. Por outro lado, o processo mais recente de digitalização do rádio, assim como toda a história anterior de adaptação do mesmo às mudanças determinadas pelo meio hegemônico, apresenta interesse óbvio para o conhecimento dos processos atuais, que prometem mudar radicalmente a Indústria Cultural. O objetivo deste artigo é traçar algumas considerações visando contribuir para o debate dessas questões. O rádio na EPC


Na taxonomia corrente da EPC francesa, o rádio é definido, ao lado da televisão de massa, como “cultura de onda”.4 Isto significa que se trata de um setor em que a função central, de controle do processo produtivo, é a de programação e não a de edição, como nas indústrias mais tradicionais, da edição (literária, fonográfica, cinematográfica), que produzem uma mercadoria individual (livro, disco, CD), vendida no mercado, ou acessível através do pagamento de ingresso (filme). No rádio e na TV, o produto é constituído de uma grade de programação, transmitida diariamente, cuja estrutura é definida de acordo com hábitos de audiência, em função de horário e padrões de comportamento de um público que se procura fidelizar, pois o financiamento depende, não do pagamento de ingresso ou da compra de uma mercadoria individualizada, mas de um “terceiro pagante”, que pode ser o Estado (rádio pública), ou os anunciantes (rádio comercial). Mas essa definição não é inerente à tecnologia. Williams (1974), no seu antológico estudo sobre a televisão, esclarece as relações entre desenvolvimento tecnológico, mudanças sociais e forma cultural. O surgimento do broadcasting é um evento histórico, mais do que tecnológico. A opção pelo modelo, público ou comercial, adotado finalmente pelo rádio, quando se reconheceu o seu interesse enquanto veículo de massa, dependeu, em cada país, da particular correlação de forças, em função da conjuntura histórica vivida. O caso do rádio é de particular interesse porque o seu modelo organizacional, a solução a que se chegou em cada caso, determinou a opção posterior para a televisão. Assim, o momento de constituição do primeiro sistema de broadcasting, ou de cultura de onda, ou de radiodifusão simplesmente, é crucial porque constitui a gênese precisamente de tudo o que estaria por vir. Conhecemos a posição de Brecht (1927-1935), nos inícios da chamada era do rádio, enfatizando as enormes possibilidades emancipatórias que o novo meio propiciava, dependendo, todavia, da situação do equilíbrio de forças e das estratégias que os interessados na emancipação poderiam adotar para utilizar efetivamente esse instrumento em seu favor. O meio debutava então, os poderes não estavam ainda constituídos, tudo era possível. À mesma época mais ou menos, Alejo Carpentier sinalizava a urgência em crear un Arte radiofónico, una preceptiva del radio, del mismo modo que existe un Arte poético y una preceptiva literaria. Las posibilidades del radio son ilimitadas. Mil géneros inéditos, pueden nacer a su amparo. Basta enfocarlo con un poco de imaginación y de iniciativa (Carpentier, 1933, apud López, 2003). 4

Para uma resenha crítica, ver Bolaño (2000).


A posterior consolidação do rádio, e principalmente da TV, reduzirá drasticamente os graus de liberdade, seja no que se refere à criação estética, seja no da criatividade social, mas na América Latina e em outras partes do mundo, as rádios comunitárias, as educativas, as rádios piratas, toda uma série de experimentos mostrarão que aquelas potencialidades, que parecem tão remotas na indústria de TV, permanecem vivas em um meio em que, caracteristicamente, a oligopolização encontra importantes limites5. Neste ponto, evidenciam-se certas insuficiências da EPC francesa, que tive a oportunidade de apontar em outra ocasião (Bolaño, 2000), pois falta-lhe uma teoria micro-econômica capaz de explicar a dinâmica dos mercados culturais para além da descrição dos processos de trabalho ou da produção de taxonomias como aquela que separa as indústrias de onda das de edição. As diferentes indústrias culturais e da comunicação encontram-se sujeitas a três forças sociais, que exigem, cada uma delas, o cumprimento de uma função: publicidade, propaganda, programa. O rádio e a TV podem ser tomados como paradigma desse modelo, já que as indústrias de edição, ainda que possam (e devam) ser também pensadas de acordo com essas categorias, adequam-se essencialmente a uma lógica de exclusão pelos preços, e a internet é o paradigma de algo mais complexo, que podemos definir sob os conceitos de economia de redes ou de clube. A função propaganda está ligada aos interesses do Estado e, no caso do rádio brasileiro, teve no governo Vargas o seu momento paradigmático, ainda que a Rádio Nacional funcionasse de acordo com o modelo comercial publicitário. Em todo caso, não custa lembrar que a função propaganda não se realiza necessariamente por empresa estatal. No período do Governo militar, por exemplo, o instrumento principal da propaganda foi a Rede Globo de Televisão. A função publicidade é precisamente aquela vinculada ao processo de acumulação do capital monopolista6. O cumprimento de ambas as funções, que deverão necessariamente realizarse no nível do conjunto da Indústria Cultural, mas não necessariamente de cada indústria cultural particular em todos os momentos, exige uma inserção social, que defini como função programa, mas que se refere essencialmente à exigência que se faz a qualquer indústria cultural de atender a necessidades de reprodução simbólica do mundo da vida dos homens e mulheres que compõem aquele público consumidor 5

Sobre as rádios comunitárias no Brasil e na França, vide Leal (2008). Para o caso da Bolívia, ver Camacho Azurduy (2001). Sobre rádios locais, vide Chaparro Escudero (1998). 6 Para uma análise rigorosa sobre essas classificações, ver Bolaño (2000). Sobre o rádio no governo Vargas, vide Jambeiro (org., 2003); Haussen (1997).


de cultura, transformado, assim, em audiência. É a venda da mercadoria audiência que permite o financiamento das empresas que concorrem nos mercados da cultura de onda (Bolaño, 2000). Periodização do rádio no Brasil – de 1923 a 1950 Segundo Ferraretto (2009), a era do rádio tem início no Brasil no dia 1 de maio de 1923, com o começo das operações da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro que, para Maria Elvira B. Federico (1982) e para Gisela Ortriwano (1985), teria ocorrido um pouco antes, em 20 de abril. Em São Paulo, a Rádio Educadora Paulista será inaugurada no dia 30 de novembro do mesmo ano. Mas ainda em 1919, lembra Ferraretto, em 6 de abril, fundava-se, em Recife, o Rádio Clube de Pernambuco, que já teria feito transmissões experimentais bem no início dos anos 1920, a década da implantação de um sistema de clubes de rádio, ou associações de ouvintes, de caráter amador. “Pode-se aventar que, de início, os entusiastas da radiodifusão sonora chegam a confundir” os papéis de público e radialista (Ferraretto, 2009, p. 97). O rádio fazia a sua aparição como um brinquedo de elite, de cunho estritamente experimental, realizado por entusiastas da tecnologia, que se dedicam a escutar “irradiações provenientes de embarcações (radiocomunicação), de particulares (radioamadorismo), de estações telegráficas (radiotelegrafia) e de sociedades ou clubes de radiófilos”, que constituem, estas últimas, as primeiras emissoras de rádio (idem, p. 98). É certo que já em 1924 surge a primeira rádio a receber autorização para transmitir anúncios, o Rádio Clube do Brasil. Mas estávamos em plena em plena República Velha, a industrialização brasileira ainda não deslanchara e não haveria mercado publicitário para sustentar um sistema como o que se implantaria na década seguinte. A Revolução de 30 e o início da industrialização mudarão radicalmente o ambiente em que o rádio brasileiro se insere, implantando, de uma vez, a contradição publicidade-propaganda, que marca as diferenças de interesse entre, de um lado, os capitais individuais, que precisam comunicar-se com um público amplo, visando a concorrência e, de outro, o Estado e os grupos políticos, que procuram no meio, uma forma de legitimar suas posições. Os diferentes estudiosos do rádio no Brasil consultados apontam, ao longo dos anos 1930, a consolidação de um modelo comercial de rádio, financiado pela publicidade, ainda que o Estado apareça também “não raro, como financiador de empreendimentos” (idem, p. 101).


Mas é preciso deixar claro que se trata de um meio de reduzido alcance e baixo custo, adequado a um mercado publicitário incipiente, como o que atendia às necessidades da industrialização brasileira na sua primeira fase (industrialização restringida). Pode-se imaginar que a função propaganda foi hegemônica ao longo de todo o período que abrange a Revolução de 30, a Revolução Constitucionalista de 32 e todo o Estado Novo, ainda que a importância da publicidade tenha sido naturalmente crescente. De qualquer forma, podemos seguir a indicação de Ferraretto e considerar o ano de 1931 como um primeiro ponto de corte na nossa periodização: Com a conformação do rádio espetáculo no início dos anos 1930 a partir do trabalho de César Ladeira, primeiro na Record, de São Paulo, e depois na Mayrink da Veiga, no Rio de Janeiro, criam-se as possibilidades concretas para que o veículo atenda às necessidades de divulgação de produtos e serviços de terceiros. A ele, Ortriwano [...] atribui a criação do elenco exclusivo e remunerado, base da profissionalização do meio que irá permitir o surgimento dos programas de auditório, humorísticos e novelas, principais conteúdos para o mercado anunciante da época (Ferraretto, 2009, p. 100).

O ano de 1931 foi justamente o da compra da Record por Paulo Machado de Carvalho, que iniciará as mudanças referidas no sentido da profissionalização e da organização adequada do meio para a venda de publicidade, bem como a definição dos principais produtos veiculados. Também de 1931 (27 de maio) é o Decreto 20.047, regulamentado pelo Decreto 21.111, de 1 de março de 1932, que implanta o estatuto jurídico da radiodifusão no país (Federico, 1982, p. 50). Um segundo ponto de corte é definido pela estatização da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, em 1941, embora o modelo comercial não tenha se alterado com isso, antes pelo contrário. O aporte de recursos, em todo caso, deve ter sido significativamente elevado a partir de então, nessa e nas rádios privadas, comandadas então pelos principais capitães de indústria da época, como Paulo Machado de Carvalho, Assis Chateaubriand, Roberto Marinho. O rádio da década de 1940 tinha pretensões de ser um veículo nacional e algumas emissoras, como a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, o eram. No rádio estavam as notícias, as novelas, os espetáculos musicais, os programas de auditório, as transmissões esportivas, os programas humorísticos. As equipes eram grandes e os custos com o pessoal, altos (Calabre, 2005, p. 288).

O alegado caráter nacional da Rádio Nacional certamente não se refere ao que viria a ocorrer posteriormente com a televisão, a partir do desenvolvimento do sistema de satélites e de microondas da Embratel. Mas há já, de fato, a constituição de padrões de produção e modelos de organização comuns, a constituição de um star


system nacional e uma vinculação do rádio com a indústria fonográfica que prenunciam movimentos de integração muito mais avançados que ocorrerão mais adiante. A fundação do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE), em 1942, demonstra o avanço que o setor publicitário já alcançara no país. Ferraretto interpreta corretamente o processo, quando aponta que “se, de um lado, o rádio transformara-se em negócio, de outro, faltam ainda requisitos para a sua estruturação em nível de indústria cultural” (Ferraretto, 2009, p. 102). O autor lembra, por exemplo, que, até 1960, apenas 38,5% dos domicílios brasileiros contavam com um aparelho de rádio daqueles de válvulas, de grandes dimensões, funcionando a eletricidade. Apenas a popularização dos aparelhos portáteis transistorizados, nos anos 1960, mudaria essa situação (idem, p. 103). Trata-se de um sistema peculiar, comercial, mas tendo à frente, no processo competitivo, uma empresa estatal, que realiza não apenas as funções propaganda e programa, mas a própria publicidade. Pode-se conjecturar que a relativa fragilidade dos capitais investidos no setor tornou-os incapazes de bem atender, seja às necessidades de propaganda do Governo Vargas, seja aquelas do mercado publicitário, em expansão. O Estado entra como um ator a mais no mercado, para atender ambas as necessidades, ao mesmo tempo em que distribui benesses aos capitães da indústria radiofônica nacional. Seja como for, o que se tem [até o final dos anos 1950] é um rádio não mais como uma atividade de diletantes, já como negócio, mas, ainda, pelas próprias dificuldades do capitalismo brasileiro, sem condições de se constituir como indústria, em caráter massivo, de conteúdo (idem, p. 105).

Em última instância, apenas com a implantação do Capitalismo Monopolista seria possível ultrapassar essa condição. Mas aqui há um problema para o qual Renato Ortiz (1994) – a referência do autor para mostrar, corretamente, a referida condição – não é suficiente. É preciso entender também as determinações de primeira instância. E elas nos dizem que a constituição da Indústria Cultural no Brasil não é obra da indústria do rádio, embora esta tenha sido um ponto de passagem importante. Como lembra Lia Calabre, “nas décadas de 1930 e 1940 era muito comum que as empresas jornalísticas, principalmente as de grande porte, possuíssem também emissoras de rádio. O principal exemplo é o do grupo dos jornais associados de Chateaubriand” (Calabre, 2005, p. 289). Pois bem, essas mesmas empresas são as que disputarão o mercado de televisão comercial a partir da sua implantação em 1950. Este é o terceiro e principal


ponto de corte, até aqui, da nossa periodização. Note-se que a propriedade cruzada de meios de comunicação na mesma praça é genética no caso do capitalismo cultural brasileiro. A pretendida nacionalização que, segundo Lia Calabre, na citação anterior, já estava presente no rádio dos anos 1940, encontrará na televisão o seu móvel ideal. Na estratégia dos conglomerados multimídia que disputarão o mercado brasileiro de televisão, ao rádio será destinado um espaço bem diferente, explorando justamente as suas potencialidades de veículo dirigido ao público local. Periodização do rádio e da TV no Brasil – 1950 a 1995 Mas isto não ocorre ainda em 1950 porque, do ponto de vista, agora sim, dos determinantes em última instância, as condições ainda não estão postas. Apenas após a conclusão da última etapa do processo de industrialização, no período do Plano de Metas (industrialização pesada), a condição referida por Ortiz estará dada, mas mesmo então não se poderá falar em Indústria Cultural no sentido rigoroso do termo. Faltam elementos de infra-estrutura, fundamentais, que só serão implantados com a reestruturação do setor de telecomunicações promovida pelo governo militar, na segunda metade dos anos 1960. E falta, sobretudo, uma reordenação profunda do mercado brasileiro de televisão, realizada a partir de 1965, com a entrada da Rede Globo de Televisão no mercado, a grande vencedora do processo que culminará com a constituição do sistema das redes nacionais, ao longo dos anos 1970. Não devo estender-me aqui na periodização do mercado brasileiro de televisão, que tive a oportunidade de definir, com todo detalhe, em outra ocasião (Bolaño, 2004). Basta dizer que, entre 1950 e 1965, a indústria do rádio conviverá com uma indústria de televisão também essencialmente concorrencial, localizada e de baixas barreiras à entrada. No que se refere à concorrência intermídia, entre 1950 e 1955, o rádio segue como segundo colocado na destinação do investimento publicitário, com 24% do total, abaixo do jornal, que também se mantém (em 36%). A televisão não aparece ainda nessas estatísticas, mas já em 1960 atinge um patamar de 9%, enquanto o jornal cai para 33% e o rádio, para 14%. Em 1962, a TV salta para 24,7% e em 1963 assume definitivamente a primeira colocação (Bolaño, 2004, pp. 61 e 65). Tive a oportunidade de analisar sistematicamente esses dados, entre 1962 e 1984 (idem, p. 66 e seg.). Apenas para citar um dado, o rádio cai de 23,6% para 8,1% no período, enquanto a TV passa dos 24,7% citados para 62,1%. A revista também


perde bastante (de 27,1% para 12,7%) e o jornal se mantém numa posição mais ou menos confortável, caindo de 18,1% para 14,8%, num movimento muito sinuoso. Em 1965, ano de entrada da Globo no mercado de TV e nosso quarto ponto de corte, o rádio ainda detinha 19,5% da verba de mídia no Brasil e a TV, 32,8%. Até então, pode-se afirmar que há certo equilíbrio de forças entre os dois meios, pois a própria TV se organizava também como meio essencialmente local. Experimental de início, vai-se pouco a pouco consolidando, importando do rádio uma parte fundamental dos produtos que este desenvolveu e que, na TV, adquirem outras características. É o caso da novela, que terá uma importância crucial no futuro da televisão brasileira, como se sabe. Com a entrada da TV Globo, abre-se o período de transição, que termina ao final de 1969, com a constituição da primeira rede nacional. Esse é o quinto ponto de corte da nossa periodização. Gisela Ortriwano resume bem o movimento de resistência do rádio, ao longo dos anos 1970, sobretudo, auxiliado por duas inovações técnicas de grande significado para o meio: o transistor e a expansão das emissoras em FM. No início [após o impacto da TV], foi reduzido à fase do vitrolão: muita música e poucos programas produzidos. Como o faturamento era menor, as emissoras passaram a investir menos, tanto em produção quanto em equipamento e pessoal técnico e artístico. O rádio aprendeu a trocar os astros e estrelas por discos e fitas gravadas, as novelas pelas notícias e as brincadeiras de auditório pelos serviços de utilidade pública. Foi-se encaminhando no sentido de atender às necessidades regionais, principalmente ao nível da informação (Ortriwano, 1985, p. 21).

A autora fala ainda no início de um processo de “especialização” nas cidades grandes, enquanto que aquelas do interior eram obrigadas a contentar-se com um “trivial variado” de baixo custo. Também fala de uma revolução no campo noticioso, com um novo tipo de programação lançado já em 1954, pela Rádio Bandeirantes de São Paulo. O fundamental, entretanto, para a autora, é a massificação dos aparelhos transistorizados: Das produções caras, com multidões de contratados, o rádio parte agora para uma comunicação ágil, noticiosa e de serviços. Aliado a outros avanços tecnológicos, o transistor deu ao rádio sua principal arma de faturamento: é possível ouvir rádio a qualquer hora e em qualquer lugar, não precisando mais ligá-lo às tomadas (idem, p. 22).

Já em 1959, afirma, “o rádio brasileiro está em condições de acelerar sua corrida para um rádio-jornalismo mais atuante, ao vivo, permitindo que reportagens fossem transmitidas diretamente da rua e entrevistas realizadas fora dos estúdios” (idem). Também em 1959, a Rádio Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, lança um novo


formato: o dos serviços de utilidade pública, começando pelos de achados e perdidos, até os de meteorologia, passando pelas ofertas de emprego, informações sobre as condições das estradas etc. Na mesma época, a Rádio Tamoio, do Rio de Janeiro, introduz o modelo “música, exclusivamente música”. “Estas duas alternativas passam a caracterizar a programação radiofônica nos anos 60” (idem, p. 23). Assim, ao longo de toda a década de 1960, o rádio vai se transformando, adaptando-se à nova situação. Em 1968, a Rádio Excelsior de São Paulo muda sua programação e se transforma, com grande sucesso, segundo Ortriwano, em rádio exclusivamente musical. Era o início do chamado “milagre brasileiro”, que marcava o fim da longa crise que se seguira ao final do processo de industrialização, aprofundada em 1964, pela política ortodoxa do primeiro governo militar. É nesse momento que começa a expansão das rádios FM, a grande inovação da década de 70 do século passado. Estamos ainda no período de transição iniciado em 1965. Aprofundava-se, por um lado, a queda da participação do rádio no faturamento publicitário, de que falei acima – ainda que o impacto efetivo tenha sido amortecido pela conjuntura favorável do “milagre”. Aliás, como sabemos, a expansão do investimento publicitário sobreviverá ainda por algum tempo após o final do ciclo expansivo da economia brasileira. Por outro lado, o rádio já vinha se adaptando, como vimos, à nova situação, ao longo da década de 1960, de modo que, nos anos 1970, quando se instala o sistema das redes nacionais de televisão no Brasil, o velho broadcasting radio já estava superado. A partir de então, as duas indústrias que formam o setor de radiodifusão no Brasil passam a apresentar trajetórias opostas. Enquanto a TV vai-se expandindo sob a forma de oligopólio concentrado, integrado em nível nacional, com programação centralizada e audiência massiva no sentido estrito, o rádio volta-se cada vez mais para o público local, buscando a “especialização”, sem nunca chegar a constituir um mercado do tipo oligopólio concentrado. A concorrência se dará sempre praça a praça, entre um número relativamente grande de emissoras, com um nível reduzido barreiras à entrada. O movimento de constituição de redes de rádio, nos anos 1980, não chegará a alterar essa situação na sua essência, já que, em qualquer caso, o modelo concorrencial permanece em cada praça. É claro que a participação em uma rede de programação pode significar vantagem para uma determinada empresa, numa determinada situação, mas, esse é


apenas um elemento a influenciar uma concorrência que se dá sempre em nível local, por uma audiência local, que busca no rádio justamente aquele meio de proximidade que a chamada televisão de massa não pode ser. Trata-se de dois negócios de dimensões completamente díspares, com estruturas de custos e barreiras à entrada totalmente diferentes. Assim, enquanto o modelo da comunicação de massa migra para a televisão e lá se consolida, o rádio (que não deixa de ser um meio de comunicação de massas, no formato da cultura de onda, por isso) segue o caminho da segmentação. A expansão das FM nos anos 1970, que centralizará a programação exclusiva ou prioritariamente musical, em estéreo, vai nesse mesmo sentido. É interessante notar como as grandes empresas oligopolistas avançam também nesse setor, dando mais um passo na propriedade cruzada dos meios de comunicação. A esse respeito, se tomarmos o caso mais óbvio, das Organizações Globo, a trajetória é absolutamente exemplar. A concessão de uma operação de rádio, em 1944, representa um salto em relação à posse de um simples jornal na cidade do Rio de Janeiro. A função propaganda parece ter sido preponderante, naquele momento, pelo que se pode deduzir de Lia Calabre: Desde os primeiros tempos, a Rádio Globo se colocou na posição de opositora ao governo de Getúlio Vargas e de seus aliados. No início dos anos 1950, a rádio se transformou no principal veículo de divulgação da campanha do jornalista Carlos Lacerda contra o presidente Vargas. Em 1954, no momento do suicídio do presidente, a Globo foi alvo da ira de populares que a acusavam de ser uma das responsáveis pela morte de Getúlio. Ainda no campo político, a emissora seguiu o restante da década de 1950 em campanha contra o presidente Juscelino Kubitschek, participou da campanha que tentava impedi-lo de tomar posse, chegando a ser retirada do ar, por algumas horas, em maio de 1956. Os microfones da Globo estavam sempre abertos aos pronunciamentos dos políticos da UDN, candidatos aos cargos majoritários (Calabre, 2005, p. 291).

Em 1957 ocorre a outorga à Rádio Globo de uma “concessão para o estabelecimento de uma estação de rádio-televisão no Rio de Janeiro, que em 1965 materializou-se na TV Globo do Rio de Janeiro” (idem, p. 287), marco da transição do mercado brasileiro de televisão, como vimos. A posição da Globo durante todo o período do regime militar é sobejamente conhecida (ver, por exemplo, Bolaño, 2004; Bolaño e Brittos, 2005). Foi esse precisamente o período de construção do oligopólio, sob sua liderança, e de constituição, paralelamente, dos hábitos de audiência e do gosto, que perduram até hoje. A empresa acaba assumindo a posição de líder absoluta da jovem Indústria Cultural brasileira. A TV se torna o seu grande negócio,


que lhe garante lucros e poder político, colocando-a, no início dos anos 1980, como enfatizam João Manuel Cardoso de Mello e Fernando Novais, no topo da sociedade brasileira, formando parte do “verdadeiro núcleo duro do poder econômico e político” nacional: Às grandes corporações multinacionais já operando com sucesso em 1960, vieram se juntar várias outras recém-chegadas, ou as de há muito instaladas que ampliaram significativamente suas atividades, como por exemplo, a Ford e a General Motors: todas acumulam capital aceleradamente e crescem vertiginosamente. Na banca, tinha havido uma ampliação enorme dos negócios acompanhada por uma concentração excessiva de capital e pela profunda renovação das instituições financeiras líderes (o caso especialmente do Bradesco e do Itaú). Surgira uma mega-empresa de comunicações, a Globo, uma grande editora de revistas, a Abril, e a imprensa se transformara definitivamente numa corporação moderna. O empreiteiro de obras públicas tornou-se um mega-empresário, politicamente muito influente. O capitão de indústria, comandante de grupo econômico, controlava um montante de riqueza em muito acrescido. Havia agora um número bem maior de grandes empresários da indústria, do comércio, dos transportes etc. (Cardoso de Mello; Novais, 2009, pp. 75-76).

Essa é a composição das elites empresariais brasileiras ao final do governo militar. Este, “ao banir, pela violência, as forças do igualitarismo e da democracia, produziu, ao longo de seus 21 anos de vigência, uma sociedade deformada e plutocrática, isto é, regida pelos detentores da riqueza” (idem, p. 69). No interior desse conjunto, vale acrescentar, a posição da Globo é especial, pois não se trata simplesmente de uma empresa, como a Ford ou o Itaú, mas de uma empresa cujo produto é informação e entretenimento, ideologia, para as massas. Suas operações radiofônicas formarão, nessas condições, uma linha secundária de ação, mas integrada e coerente do ponto de vista das estratégias políticas e empresariais, em relação ao grande negócio que é a TV de massa. No mercado brasileiro de televisão, o ano de 1980 pode ser tomado como um importante ponto de corte (o sexto, na nossa periodização integrada da radiodifusão), porque é marcado pela saída da Tupi, a pioneira do setor, que abre espaço para a entrada de novos capitais na TV de massa. A grande questão que se apresentava ao mercado publicitário naquele momento era o da segmentação, ou seja, da tomada de consciência, durante a crise, dos limites do modelo hegemônico da TV de massa. Gisela Ortriwano detecta, no início dos anos 1980, três tendências na indústria do rádio: a especialização, a formação de redes e o surgimento do que à época se


conhecia como rádios livres7. Eu próprio acompanhei de perto o debate sobre a segmentação nessa época (Bolaño, 1987; 2004). Essa tendência à segmentação se dará também pela valorização do rádio, naquele momento, e de outras mídias, como as revistas, ou mesmo na TV aberta, com o aparecimento de novos canais em UHF, mas o que o mercado esperava, de fato, era a nova televisão, a pagamento, via cabo ou satélite. Os primórdios do debate remontam aos anos 70 do século passado, mas é a partir de 1989 que deslancha o movimento que culminará em 1995 com a plena oligopolização da TV segmentada, sob o comando também das Organizações Globo, em disputa com o conglomerado Abril. Aqui localizamos o sétimo ponto de corte, seguindo a definição de Valério Brittos (1999) de “fase da multiplicidade da oferta”. A partir daí, a situação torna-se bem mais complexa porque, ademais da multiplicidade da oferta, entendida como aquele momento em que tanto a TV de massa quanto a segmentada se organizam sob a forma de oligopólio concentrado, disputando público entre si e enfrentando, ademais, uma série de novas programações que tenderão a achatar os índices de audiência da TV de massa, reduzindo, por exemplo, aqueles da Rede Globo, em benefício da Record e do conjunto das “outras” (Bolaño e Brittos, 2007), expande-se também, de forma avassaladora, a internet, uma inovação radical, que constitui um novo paradigma para o conjunto das indústrias culturais e da comunicação, seja ao apresentar uma poderosa alternativa para o preenchimento do tempo livre do público que constitui a audiência da televisão, seja porque se constitui em espaço geral de digitalização, para onde tende a convergir toda a produção simbólica no capitalismo da terceira revolução industrial. O que torna o problema mais complexo é que os modelos de análise das indústrias culturais não se aplicam diretamente à economia da internet, pois se trata de um meio convergente, em que determinações próprias da economia da comunicação e da cultura se misturam com outras da economia das telecomunicações e, especialmente, da economia da informação, com o acesso remoto a bancos de dados (Bolaño; Herscovici; Castañeda; Vasconcelos, 2007).

Multiplicidade da oferta e economia política da internet

7

Estas últimas evoluirão, como sabemos, para a constituição de um grande movimento de rádios comunitárias, cuja análise foge aos limites deste artigo. Sua existência, de qualquer forma, reforça a caracterização de um mercado concorrencial, com reduzidas barreiras à entrada. Sobre os inícios do movimento das rádios livres, vale citar Machado, Magri e Masagão (1986).


A fase da multiplicidade da oferta, na minha visão, representa o auge daquele movimento chamado de “especialização” por Gisela Ortriwano, analisando o caso do rádio, que chega aos anos 1980 como tendência principal do conjunto das industriais culturais e da comunicação, melhor definida como de segmentação das audiências, dados os limites atingidos pela expansão da comunicação de massa segundo o modelo inaugurado com o surgimento da Indústria Cultural, a partir do período de transição 1965-1970, que redundou, ainda nos anos 1980, no aparecimento da TV segmentada a pagamento. A oligopolização desse mercado em 1995, ano da decretação também da Lei do Cabo, muda, como já apontado, a configuração do conjunto da indústria de televisão, com impactos, evidentemente, que deverão ser estudados, sobre o rádio e sobre as demais indústrias culturais. De um ponto de vista mais amplo, a segmentação está relacionada a um movimento do lado da oferta de bens simbólicos, coerente com o aprofundamento das necessidades de diversificação dos oligopólios que constituem o núcleo hegemônico da economia brasileira, na crise do padrão de acumulação vigente ao longo do período militar. Na verdade, quando se fala em massificação, deve estar claro que se trata de uma dinâmica própria do Capitalismo Monopolista, em que a diversificação constitui a fundamento da concorrência capitalista nos mercados de bens de consumo diferenciado ampliado (confira a definição em Bolaño, 2000), que formam o núcleo do mercado anunciante que sustenta a Indústria Cultural. A segmentação não muda a dinâmica massificação/diversificação, mas representa uma mudança de tendência importante, como resposta ao esgotamento das possibilidades de expansão do sistema com base na configuração dos mercados própria da segunda revolução industrial. Trata-se, nesse sentido, de uma mudança estratégica em resposta à crise do padrão de acumulação, que aprofunda, por outro lado, a tendência de fragmentação social e de individualização de massa, próprias do sistema, especialmente na sua fase monopolista. A multiplicidade da oferta é, em última instância, decorrência disso e representa a consolidação de uma nova estrutura do sistema dos meios de comunicação de massa que se seguiu à crise do modo de regulação a que muitos se referem como “taylorista-fordista”, ou seja, é um modelo de organização das indústrias culturais e da comunicação, na sua busca por adequar-se à produção flexível (Harvey, 1989). Apóia-se em determinados desenvolvimentos tecnológicos (da FM à TV via satélite), mas o fundamental é a mudança do modo de regulação de que faz parte. Um


movimento interno, em todo caso, à Indústria Cultural em resposta à crise do modo de regulação. O surgimento e expansão da internet, por outro lado, é um movimento externo, que tem uma história própria – ligada às necessidades também de diferenciação da indústria das telecomunicações, da indústria da informática, nos modelos de acesso à informação e nas necessidades do complexo industrial-militar-acadêmico norteamericano (Bolaño, Herscovici, Castañeda, Vasconcelos, 2007) – que se sobreporá àquele movimento interno, operando como paradigma alternativo, com pretensões à hegemonia no próprio campo cultural. Esse movimento inesperado, vindo de indústrias com maior poder de acumulação, terá um impacto sobre as indústrias culturais no sentido de reduzir, de imediato, as barreiras à entrada solidamente construídas no período anterior. O lançamento da TV digital pode ser entendido, nessas condições, como uma reação a esse movimento, que preserva a lógica própria da velha Indústria Cultural, contra a lógica da internet. A disputa entre essas duas alternativas, uma procurando subsumir a outra (não eliminá-la obviamente) será uma batalha épica, que passa, por exemplo, por soluções técnicas para a digitalização do vídeo, pela ampliação dos sistemas de banda larga, pela possibilidade efetiva de sua universalização etc. O processo ainda está longe do fim, mas as tendências já são conhecidas. Não me estenderei mais nisto, mas vale notar que aqui seria de extrema valia uma análise em termos de “trajetórias tecnológicas” (cf. Bolaño, 2004, p. 71 e segs.), pois se trata efetivamente de mudança estrutural no sentido schumpeteriano. A fase da multiplicidade da oferta, iniciada em 1995, deveria ser entendida, portanto, como uma longa fase de transição, cujo fim não parece estar na ordem do dia, mas sobre o qual é preciso especular, no sentido proposto no parágrafo anterior, em termos da convergência (no sentido próprio do termo) de três trajetórias tecnológicas (telecomunicações, informática, indústrias culturais). O processo de digitalização geral da produção simbólica industrializada é um dos elementos centrais desse movimento, que devemos estudar com a maior atenção.

Palavras finais Conhecemos o que ocorre com as indústrias editoriais, a imprensa on line, a música e o próprio rádio. O grande problema – que, quando resolvido, significará, podemos supor, como hipótese de trabalho, o final da disputa e da própria fase da


multiplicidade da oferta nos termos aqui adotados, com a consolidação de uma nova estrutura hegemônica, baseada em poderosas barreiras à entrada – é o da televisão. O estudo do que ocorreu com o rádio, com a sua entrada na internet, ou com o impasse em relação à plataforma digital, é de fundamental interesse para o levantamento de hipóteses sobre a TV. Por outro lado, a recepção de TV através de mecanismos portáteis, coloca-a em concorrência direta com o rádio. Estes são os temas atuais e futuros que é preciso estudar. Qual o futuro do rádio nessas condições? O que ocorreu com o seu ingresso na internet? Ganhou imagem? Teria, nesse sentido, alguma vantagem técnica sobre a TV, na disputa pela hegemonia nas redes móveis, dado o seu conhecimento acumulado como meio essencialmente local e segmentado? Poderia, por outro lado, a rede, por exemplo, de rádios comunitárias, de que não se falou muito aqui, mas que é parte integrante da problemática geral, servir como rede de acesso à internet? Poderíamos pensar, assim, em uma internet que, articulada às comunidades, aos pontos de cultura do MinC, ou outros núcleos de produção de conteúdo local, independente, alternativo, constituir uma verdadeira internet popular? Poderíamos, assim, pensar em uma terceira opção em relação à disputa, acima referida, entre a lógica da internet e aquela da TV digital? Uma internet popular via rádio, articulando núcleos de produção de conteúdo para diferentes veículos, inclusive a TV comunitária? Pode-se pensar, nesse sentido, uma política de comunicação e desenvolvimento,

vinculada

a

um

projeto

nacional,

como

tenho

defendido

insistentemente, inspirado muitas vezes, nos últimos tempos, em Celso Furtado (Bolaño, 2011, por exemplo)? A EPC brasileira, nomeadamente o grupo CEPOS, da UNISINOS, o OBSCOM, da UFS, isoladamente ou em colaboração, o GT de Economia Política da INTERCOM, ou da ALAIC, a Rede EPTIC, entre outros, tem se dedicado ao acompanhamento da TV digital terrestre, da economia política da internet, mas ainda não teve a oportunidade, salvo em momentos particulares (como em Bolaño e Brittos, 2007), de voltar-se ao estudo sistemático do rádio. A colaboração com o GT de Rádio e Mídia Sonora da INTERCOM pode ser a forma mais adequada de agregar conhecimento novo e arejar a nossa própria visão da problemática da comunicação no capitalismo. Foi com a intenção de contribuir para esse diálogo que este texto foi elaborado. Bibliografia


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Inovação e institucionalização na indústria fonográfica brasileira: Um estudo de caso das estratégias de negócio de músicos autônomos no entorno digital1 Leonardo De Marchi2 Resumo: Neste artigo, realiza-se um estudo de caso exploratório das estratégias de negócio no entorno digital de artistas brasileiros: O Teatro Mágico, Móveis Coloniais de Acaju, Forfun e Calcinha Preta. O objetivo é observar regularidades que revelem a difusão de inovadoras práticas de distribuição e comercialização de produtos relacionados à música por uma nova categoria de produção fonográfica, os “artistas autônomos”. A hipótese é que ocorre uma “institucionalização” de determinadas estratégias de negócio aplicadas no entorno digital por esses agentes do mercado fonográfico. Através da análise de sites dos artistas e entrevistas individuais semiestruturadas, demonstra-se que práticas como a distribuição gratuita de fonogramas ou a venda de produtos de merchandising são adotadas de forma sistemática pelos artistas autônomos estudados. Conclui-se que tal institucionalização dessas estratégias de negócio aponta o início de uma nova fase da destruição criadora da indústria fonográfica no Brasil. Palavras-chave: indústria fonográfica; produção independente; inovação; institucionalização; abordagem político-cultural dos mercados. Resúmen: En ese artículo, se presenta un estudio de caso de tipo exploratorio de las estrategias de negocio en el entorno digital de los artistas brasileños: O Teatro Mágico, Móveis Coloniais de Acaju, Forfun e Calcinha Preta. El objetivo es observar regularidades que revelen la difusión de innovadoras prácticas comerciales de productos relacionados a la música por una nueva clase de producción discográfica, los “artistas autónomos”. La hipótesis es que se pasa una “institucionalización” de determinadas estrategias de negocio en el entorno digital por esos agentes del mercado discográfico. A través de la observación de las páginas web de los artistas seleccionados y entrevistas individuales semi-estructuradas, se enseña que prácticas como la de distribución gratuita de fonogramas por internet o la venta de productos de “merchandising” en tiendas virtuales son adoptadas de manera sistemática por los artistas aquí estudiados. Se concluye que hay una institucionalización de determinadas estrategias, lo que desvela el comienzo de una nueva etapa en la destrucción creadora de la industria disquera en Brasil. Palabras clave: industria discográfica; sector independiente; innovación; institucionalización; abordaje político-cultural de los mercados. Abstract: This paper presents an exploratory case study of the business strategies applied by the Brazilian artists in the digital environment: O Teatro Mágico, Móveis Coloniais de Acaju, Forfun and Calcinha Preta. The objective is to identify the diffusion of innovative business strategies among a new category of phonographic producers, the “autonomous artists”. The hypothesis is that a repetition of some business strategies among these new band-ventures in the digital environment can be identified, what constitutes an “institutionalization” of these commercial practices. By analyzing the artists’ web pages and semi-structured interviews with these agents, it is demonstrated that some practices such as the free distribution of record files and the selling of merchandising are adopted in a systematic way. After all, it is concluded that a process of institutionalization of business practices is in progress among autonomous artist and it can be considered a new phase of the creative destruction of the record industry in Brazil. Key words: Record industry; independent production; innovation; institutionalization; politicalcultural approach of the markets.

1


1. Introdução Ao longo dos últimos anos, a indústria a fonográfica experimenta uma transformação significativa das maneiras de se produzir, distribuir e consumir música gravada. De um arranjo que tinha na gravadora o agente articulador da cadeia produtiva, a facilitação do acesso às tecnologias de gravação sonora permitiu uma descentralização da produção e distribuição de fonogramas, criando novas categorias de produtores. Atualmente, a produção de fonogramas passa a se organizar em torno de distintos tipos de agentes produtivos, os quais estabelecem relações estratégicas e pontuais entre si a fim de realizarem projetos específicos, como o lançamento de um disco, sua distribuição digital, divulgação via redes sociais na internet, entre outras possibilidades. Assim, tornou-se impraticável sustentar a tradicional dicotomia entre

grandes

gravadoras

(corporações)

e

gravadoras

independentes

(pequenas e médias empresas) que antes resumia mais ou menos apropriadamente a estrutura desse campo de produção de bens culturais. No Brasil, desde a década de 1990, a indústria fonográfica experimenta tal descentralização. Em um primeiro momento, isso permitiu o florescimento de novas gravadoras independentes, que se tornaram uma das principais plataformas para o lançamento de novos artistas acessarem ou mesmo a continuidade das carreiras de nomes consagrados. Recentemente, porém, chama a atenção o crescente número de músicos que, com financiamento próprio, produzem e distribuem suas próprias obras através das redes digitais, ou entorno digital. Na medida em que prescindem de qualquer gravadora para a realização de suas obras, é plausível classificá-los de “artistas autônomos”. Com efeito, a maneira pela qual essa categoria de produção fonográfica ganha espaço na indústria fonográfica revela aspectos críticos na atual reestruturação do negócio de música. Diferindo das gravadoras em relação à estrutura e aos objetivos, essas bandas utilizam de forma intensiva as tecnologias digitais da comunicação e adotam sem reticências novas estratégias de negócio em música, como a distribuição gratuita de seus fonogramas e a comunicação direta com seus fãs via redes sociais na internet.

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Assim, transformaram-se no lócus da inovação na indústria fonográfica brasileira. Neste artigo, analisam-se as estratégias de negócio aplicadas por um grupo de artistas autônomos. O objetivo é observar regularidades que revelem a difusão de inovadoras práticas de distribuição e comercialização de produtos relacionados à música no entorno digital. Partindo da premissa de que a indústria da música funciona como certo tipo de “laboratório” para a atual reestruturação das indústrias culturais (HERSCHMANN, 2010), a hipótese é que se torna possível encontrar uma repetição sistemática de algumas das estratégias de negócio aplicadas entre agentes autônomos, caracterizando um fenômeno de “institucionalização” (JESPPERSON, 1991) dessas inovações comerciais. Assim, decidiu-se realizar um estudo de caso exploratório, a partir da observação das atividades de quatro notórios artistas autônomos, a saber, O Teatro Mágico, Móveis Coloniais de Acaju, Forfun e Calcinha Preta, além de entrevistas individuais semiestruturadas. Assim, espera-se entender a dinâmica do processo de inovação e transformação na indústria fonográfica.

2. Uma interpretação político-cultural da destruição criadora dos mercados:

inovação

e

institucionalização

desde

uma

perspectiva

sociológica Para a análise da reorganização desse importante ramo das indústrias culturais, adota-se neste artigo uma perspectiva sociológica dos mercados, especificamente a “abordagem político-cultural” (political-cultural approach) (FLIGSTEIN, 2001). Buscando conjugar perspectivas teóricas e metodológicas objetivistas e intersubjetivistas, a abordagem político-cultural pressupõe que os mercados funcionam como “campos” (BOURDIEU, 1977, 2005), isto é, um espaço social no qual há uma concorrência entre agentes em torno de interesses específicos. O mercado-como-campo é constituído por agentes (indivíduos, empresas, Estados, entidades internacionais, entre outras possibilidades) dotados previamente de capitais (econômico, social e cultural) distribuídos de forma 3


desigual, seja pela história individual (habitus) seja por legislações de regulação dos mercados. A interação entre agentes acarreta posições assimétricas entre si, originando uma divisão relacional entre dominantes e dominados. O reconhecimento da posição ocupada por cada agente no campo gera, por seu turno, certa estabilidade nas relações de troca, algo que pode ser classificado de uma “cultura local”, ou seja, uma teia de representações simbólicas

da

realidade

norteadoras

das

ações

dos

agentes.

Pois,

considerando suas possibilidades de ação no campo, os agentes podem fazer previsões e realizar investimentos baseados nas interpretações das ações de seus parceiros e/ou concorrentes (WEBER, 1999). Assim, os agentes envolvidos em um mercado estão sempre buscando ou reproduzir sua posição ou a transformar, de acordo com as condições conjunturais nas quais e com quem interagem. Logo, a abordagem político-cultural pressupõe que os mercados resultam das práticas dos agentes ao mesmo tempo em que as pressupõem. Já as práticas pressupõem sistemas simbólicos que estruturam a ação social. Não obstante, os mercados não se resumem às vontades e ações dos indivíduos, os quais produzem de forma consciente o campo, reproduzindo-o de maneira inconsciente (princípio da não consciência dos agentes). É neste sentido que as instituições desempenham uma importante função na formação e reprodução dos mercados. Deve-se notar que a definição de “instituição” aqui utilizada está em sintonia com o chamado “novo institucionalismo sociológico”. De acordo com essa corrente, tal termo deve ser entendido não só como “[...] regras, procedimentos ou normas formais, mas também os sistemas de símbolos, os esquemas cognitivos e os modelos morais que fornecem ‘padrões de significação’ que guiam a ação humana” (HALL; TAYLOR, 2003, p. 19)3. Isto implica dizer que elas incorporam e sistematizam determinadas relações sociais, fornecendo parâmetros para a construção de identidades e formulação das ações dos agentes (FLIGSTEIN, op. cit.). Nesse sentido cognitivistacultural, a instituição é um conceito amplo, cuja formação se dá através de 4


variadas maneiras. Uma delas é o que Ronald Jepperson (1991) sugere classificar de “institucionalização”4, que é a repetição sistemática pelos agentes de determinadas ações sociais. Para Japperson, na medida em que determinada prática ganha legitimidade e fluência entre os agentes, a ação social (que por ser conjuntural, é única) passa a ser referência para outros grupos de agentes, garantindo que essa ação se torne algo que ultrapasse as percepções e ações daqueles próprios indivíduos. É isso que pode torná-la uma instituição (convenções informais ou mesmo leis positivadas). Em geral, a abordagem sociológica se ocupa adequadamente da formação e do funcionamento regular dos mercados modernos. Mas se mostra reticente ao explicar mudanças na estrutura social dos mercados. Por exemplo, uma pergunta legítima em relação à abordagem político-cultural seria: não estaria, assim, todo mercado condenado à reprodução contínua de seu status quo original? Se a resposta for negativa, como ocorre a mudança, uma vez que a predisposição dos diversos capitais predispõe a localização dos agentes no campo “em última instância”? É nesse ponto que a teoria schumpeteriana da inovação pode ser útil ao debate. O economista Joseph A. Schumpeter defendia que o capitalismo caracteriza-se por ser um sistema dinâmico que varia entre um estado de equilíbrio de oferta e demanda e períodos de intensa transformação de seu modus operandi ([1911] 1982). Ele acreditava que o fator que inicia essa operação era o que chamou de “inovação”, alguma intervenção que rompesse com as rotinas de determinado comércio, iniciando uma reformulação estrutural de um mercado. A inovação deveria ser introduzida por agentes que se encontrassem numa posição menos privilegiada na hierarquia de determinado mercado, o “empreendedor” (entrepreneur). Seu objetivo seria justamente romper a regularidade das trocas econômicas, criando uma brecha para estabelecer uma nova ordem em que, em última instância, colocasse-o em uma posição privilegiada entre seus antigos concorrentes. A este fenômeno, chamou tardiamente de “destruição criadora” (creative destruction) ([1942] 2010). 5


A descrição acima da teoria de Schumpeter apresenta um latente acento sociológico, não por acaso. Esse economista valeu-se da teoria sociológica de seu tempo para realizar sua própria teoria econômica. Não há espaço, aqui, para empreender uma análise sociológica do pensamento de Schumpeter. Basta sinalizar a viabilidade de uma leitura político-cultural da destruição criadora. Entendendo que, em um mercado moderno, os agentes buscam estabelecer sistemas de dominação que lhes concedem parâmetros para negociar, a inovação se torna um importante instrumento de poder para os agentes dominados do campo. Afinal, ela rompe com as práticas estabelecidas, ou melhor, com o senso prático que conduz as ações dos agentes no dia-a-dia das relações de troca, abrindo espaços para novas possibilidades econômicas e relações de poder. Após um período em que inovações são introduzidas, algumas passam a ser adotadas sistematicamente por um conjunto de agentes. Tal fenômeno pode ser classificado de institucionalização, no sentido cognitivo-cultural atribuído anteriormente. Na medida em que as inovações se institucionalizam, criam uma nova cultura local para o mercado em transição, dando novo norte ao funcionamento do campo. É importante sublinhar que ao manter o enfoque nas relações de poder, a abordagem político-cultural pode aportar importantes contribuições teóricas e metodológicas entre a sociologia econômica e a economia política. Afinal, propõe-se associar os estudos das relações materiais às estruturas culturais (hermenêutica) e às práticas cotidianas (fenomenologia). Infelizmente, não há espaço aqui para discutir esse aspecto. Não obstante, espera-se que a seguinte análise dos músicos autônomos abra um diálogo entre a economia política da comunicação e a sociologia econômica.

3. Transformações estruturais da indústria fonográfica brasileira e a nova organização do setor independente De acordo com a literatura especializada, foi apenas a partir dos anos 1960 que uma série de fatores contribuiria para que a indústria fonográfica brasileira se tornasse um negócio de grandes proporções (cf. DIAS, 2000; 6


MORELLI, 2009). Em poucos anos, a entrada de novas gravadoras multinacionais no país no país, a inovação tecnológica e o surgimento de uma nova geração de compositores e intérpretes, além do crescimento econômico alavancado pela industrialização da economia (desenvolvimentismo), fariam o negócio de fonogramas crescer de forma intensa, transformando o Brasil o sexto maior mercado de discos no mundo, segundo a International Federation of Phonographic Industry (IFPI) (ibid.). Esse conjunto de inovações faria com que a configuração da indústria fonográfica brasileira passasse de um cenário de competição entre gravadoras nacionais e multinacionais para, em linhas gerais, uma concentração de mercado em um reduzido grupo de corporações multinacionais e uma nacional, ou grandes gravadoras, com escassa participação de empresas independentes locais. Fator crítico para isso foi o movimento de concentração da produção artística e industrial de fonogramas nas grandes corporações, aumentando as barreiras de entrada no mercado de discos (DE MARCHI, 2011). Nos anos 1990, contudo, esse arranjo produtivo passou a se descentralizar. Um fator fundamental desse processo se encontra na própria atitude das grandes gravadoras, as quais passaram a adotar medidas que visavam otimizar sua produtividade. Entre elas, pelo menos duas merecem destaque. A primeira é a adoção da tecnologia digital como paradigma tecnológico dessa indústria. Assim, decidiu-se cessar a fabricação de discos em vinil e de fitas magnéticas cassete em favor da produção de discos digitais, o Compact Disc (CD). Isso permitiria diminuir custos de produção e impor um único formato aos consumidores, mais caro do que seus antecessores, ampliando rapidamente a arrecadação do mercado de discos. A segunda é a terceirização dos equipamentos de produção de fonogramas. Em razão das contínuas

integrações

horizontais

pelas

quais

passavam

as

grandes

gravadoras no mercado internacional, também as filiais brasileiras passaram a terceirizar equipamentos como estúdios de gravação, fábricas de prensagem de CD, sistemas de armazenamento e distribuição dos discos (DIAS, op. cit.). Tais mudanças conjunturais foram críticas para que a produção fonográfica se descentralizasse. A tecnologia digital tornava mais acessível a 7


produção de fonogramas e diferentes agentes passaram a se valer de redes de serviços de distribuição de discos, criadas para atenderem às demandas das grandes gravadoras, para acessar o mercado nacional. Em poucas palavras, a indústria fonográfica local se convertia em uma empresa em rede5 (CASTELLS, 2003). Isso possibilitou o surgimento e rápida consolidação de uma nova geração de gravadoras brasileiras, ou “nova produção independente”, o que pode ser considerado como a principal inovação daquele período (DE MARCHI, 2006; VICENTE, 2006). Em um primeiro momento, o resultado dessas mudanças foi um círculo virtuoso de crescimento do mercado de discos: entre 1990-1999, houve um crescimento de 114,38% das vendas (cf. DE MARCHI, 2011). No entanto, as consequências dessa digitalização da produção e da nova divisão do trabalho entre empresas fonográficas demonstrariam ser mais profundas. Isto ficou claro quando, nos anos 2000, notou-se uma contínua diminuição da venda de discos físicos (CDs e DVDs) em lojas revendedoras. De acordo com os dados fornecidos pela Associação Brasileira de produtores de Discos (ABPD), entre 1999 e 2009 houve um declínio da venda de unidades físicas da ordem de 72,66% (ibid.). Tal declínio expressa a crescente complexidade da produção e do consumo de fonogramas no Brasil. Em decorrência da racionalização dos investimentos de grandes gravadoras e de gravadoras independentes em Artistas & Repertório (A&R) e das facilidades de acesso aos consumidores via entorno digital, um número crescente de músicos passou a produzir e distribuir suas próprias obras. Isso criou outra categoria de produção fonográfica, a qual se pode classificar de artistas autônomos6. Diferindo de grandes gravadoras e gravadoras independentes tanto em sua estrutura quanto em suas estratégias comerciais, tais agentes podem inovar com mais frequência nas formas de distribuição de seus produtos. Dessa forma, tornam-se lócus privilegiado da inovação na atual conjuntura de destruição criadora da indústria fonográfica.

8


4. Novas estratégias de negócio dos artistas autônomos no entorno digital: estudos de caso de O Teatro Mágico, Móveis Coloniais de Acaju, Forfun e Calcinha Preta Para se compreender o funcionamento do setor independente de produção fonográfica no Brasil, decidiu-se analisar algumas das estratégias de negócio7 de certos artistas autônomos, através da realização de um estudo de caso exploratório. Entre os objetos de pesquisa escolhidos, estão as bandas O Teatro Mágico, Móveis Coloniais de Acaju, Forfun e Calcinha Preta. Sua escolha justifica-se por: (a) destacarem-se pela inovação na gestão de suas carreiras, (b) serem artistas localizados em diferentes partes do país, (c) usarem de forma intensiva as tecnologias de informação e comunicação (TICs) digitais em rede. Buscou-se observar que tipo de meios de comunicação essas bandas utilizavam no entorno digital, como lidavam com seus fonogramas (distribuíam de graça ou vendiam, ou mesclavam ambas as opções) e, ainda, se utilizavam o entorno digital para comércio ou apenas comunicação com outros agentes (fãs, meios de comunicação de massa etc.). É preciso destacar que o objetivo da análise que se segue não é avaliar se tais estratégias são ou não “eficientes” desde um ponto de vista econômico (o que seria impraticável de avaliar, uma vez que dados financeiros não são fornecidos ao público). Visa-se perceber, ao contrário, o modus operandi desses empreendimentos. Assim, escolheu-se o método do estudo de caso de tipo exploratório por entender que ele possibilita responder às questões levantadas neste artigo, ou seja, identificar algumas características comuns e frequentes desse tipo de produção de bens culturais. Como técnica de pesquisa, adotou-se a análise dos sites dos artistas, cuja observação foi realizada ao longo dos meses de agosto e novembro de 2011, levando em consideração sua forma, conteúdo e conexões (redes sociais na internet, outros sites, blogs etc.), além de entrevistas individuais semiestruturadas com membros ou responsáveis (empresários, assessores de imprensa) pelas bandas citadas8. A seguir, apresenta-se um breve resumo das características de cada uma das bandas estudadas.

9


4.1. O Teatro Mágico Formado em 2003, na cidade de Osasco (SP), por Fernando Anitelli, ator, vocalista e compositor da banda. O Teatro Mágico (TM) é um grupo musical e trupe circense, composta de treze componentes. De acordo com a página

do

grupo

na

Wikipédia

(http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Teatro_M%C3%A1gico), o TM mistura gêneros musicais como MPB e rock progressivo. Sem nunca ter assinado com uma gravadora, lançou três álbuns gravados em estúdio (“Entrada para raros”, de 2003, “O segundo ato”, de 2008, “A sociedade do espetáculo”, de 2011), além de três DVDs gravados de seus concertos (“Fragmentos III”, de 2007, “Entrada para raros, ao vivo”, de 2008, “O segundo ato, ao vivo”, de 2009). De acordo com os dados fornecidos no site do grupo, ao longo de oito anos de atividade, a banda vendeu mais de 300 mil CDs e 120 mil DVDs, além de ter seis milhões de arquivos digitais baixados por empresas eletrônicas, como Trama Virtual e Palco MP3. Sua página na internet (http://oteatromagico.mus.br/) é seu principal meio de comunicação. O site é dividido em nove seções principais: “home” (página principal), “sobre” (história do grupo), “blog”, “discos” (lista de discos do grupo), “wiki” (link para a página na Wikipédia), “fotos”, “vídeos” (link para o canal no Youtube), “apoios” (financiadores do site), “contatos”. Há ainda janelas secundárias através das quais é possível, por exemplo, baixar todos os álbuns da banda, além de ver a “agenda de shows”, onde estão as datas de seus concertos. Na loja virtual do site, o usuário pode comprar uma série de produtos de merchandising (adesivos, camisetas de diferentes tamanhos e estampas, livros, bonés e moletons) e os CDs e DVDs da banda (vendidos por R$ 5,00, empacotados em cartolina ou slim, R$ 15,00, para os discos em capa de acrílico, e uma caixa deluxe, incluindo CD e DVD, por R$ 23,00), além dos discos do projeto solo de Anitelli, o Gustavo Anitelli Trio (pelos mesmos preços). Desde o site, também é possível acompanhar as ações da banda nas redes sociais Youtube, Twitter, Facebook, Orkut, Myspace e Tumblr.

4.2. Móveis Coloniais de Acaju 10


O grupo foi formado em 1998, na cidade de Brasília (DF), por um grupo de

amigos.

De

acordo

com

sua

página

na

(http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%B3veis_Coloniais_de_Acaju),

Wikipédia a

banda

realiza uma mistura de sonoridades de rock e pop. Ela conta, hoje, com nove músicos e um produtor (Fabrício Ofuji). Sem nunca ter assinado com uma gravadora, o grupo possui três álbuns de estúdio lançados e um DVD de suas apresentações ao vivo. Seu primeiro registro foi o extended play (EP) “Móveis Coloniais de Acaju”, de 2001. Em 2005, através de financiamento da Secretaria Municipal de Cultura do Distrito Federal, produziram e lançaram o disco “Idem”. Em 2008, produziram o disco “C_mpl_te”, distribuído pela gravadora Trama, em formato digital para baixar gratuitamente (através da Trama Virtual) e físico. Essa descrição deixa claro que a forma pela qual a banda realiza seus produtos é através de alianças estratégicas com outros agentes do mercado fonográfico. A gravação e a distribuição dos discos contaram, por exemplo, com distintos agentes, como gravadoras, novos intermediários do entorno digital (NIED) e estúdios terceirizados. Assim também são produzidos os videoclipes da banda, acessíveis através de seu site e seu canal no Youtube. Associando-se à empresa de produtos alimentícios Sadia, realizaram uma ação publicitária/gravação do vídeo “Dois sorrisos”. Posteriormente, a banda se associou ao canal de televisão a cabo MTV Brasil para a realização do vídeo “O tempo”. Conforme o próprio Ofuji reconheceu em entrevista concedida para esta pesquisa, o site é o nó articulador (hub) das ações da banda na internet. Este é dividido em sete seções principais: “banda” (história do grupo), “música” (discografia, com a possibilidade de ouvir os dois primeiros discos e baixar o terceiro), “fotos”, “blog”, “notícias”, “loja dos Móveis”, “festival” (festival anual que o grupo promove em Brasília, reunindo artistas e produtores do mercado de música). Na loja do site, podem-se comprar produtos de merchandising (camisetas, ecobag, abridores de garrafa, bottons, chaveiros, entre outros itens) e os CDs e o DVD da banda (a versão simples, slim, por R$ 6,00, o disco em acrílico por R$ 18,00, em embalagem especial, digipack, por R$ 23,00, enquanto o DVD é vendido em formato slim por R$ 6,00 e em caixa por R$ 11


25,00). Através do site, é possível observar as atividades da banda nas redes sociais Youtube, Twitter, Facebook, Myspace, Orkut e Fotolog.

4.3. Forfun Formada em 2001, na cidade do Rio de Janeiro, a banda é composta hoje de quatro integrantes. De acordo com sua página na Wikipédia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Forfun), o grupo perpassa diferentes gêneros da música popular, como o rock, o reggae, o funk e o samba-rock. Sua discografia é composta de três álbuns de estúdio, além de contarem com faixas publicadas em coletânea da MTV Brasil. Ao contrário dos grupos anteriores, o Forfun esteve durante certo tempo ligado ao conhecido produtor musical Arnolpho Lima Filho, ou “Liminha”, quem os levou para gravar seu primeiro disco, “Teoria dinâmica gastativa” (2005), pelo selo Supermusic, então ligado à grande gravadora Universal Music. No entanto, seus discos mais recentes, “Polisenso” (2008) e “Alegria compartilhada” (2011), foram produzidos de forma autônoma. A análise feita para esta pesquisa indica que seu site é o nó articulador das atividades da banda no entorno digital. Ele está dividido em sete partes principais: “blog”, “vídeos” (que remete ao canal do Youtube da banda), “fotos”, “loja”, “letras”, “cifras” (onde se podem baixar as notações musicais das composições da banda), “contato”. Além disto, há uma agenda de concertos e links que permitem baixar o disco “Alegria compartilhada” ou ouvi-lo por streaming. Desde o site, também é possível acessar as redes sociais em que a banda possui presença: Youtube, Twitter, Flickr e Facebook. Aliás, neste caso, a banda disponibiliza as músicas de seu terceiro disco para ouvir por streaming (através de um programa chamado Band Rx) e a venda de material de merchandising, como camisetas. Isto também pode ser feito na loja virtual da banda, administrada pela empresa eletrônica Punkshop, onde se podem comprar camisetas e os CD “Polisenso” (R$ 20,00) e “Alegria Compartilhada” (R$ 10,00).

4.4. Calcinha Preta

12


A banda foi formada em 1995, na cidade de Aracajú (SE), pelo compositor e empresário Gilton Andrade e seu irmão Wilamis. O grupo conta, atualmente, com 14 músicos e quatro dançarinos. Diferentemente dos artistas anteriores, que podem ser agregados sob o título de pop-rock brasileiro, a Calcinha Preta é um dos principais expoentes do gênero musical conhecido por forró eletrônico. Sem ter passado por gravadoras, sua discografia é composta de 16 álbuns de estúdio, nove álbuns com gravações de concertos e quatro DVDs de concertos. Em 2009, uma de suas composições, “Você não vale nada, mas eu gosto de você” (Dorgival Dantas), foi utilizada na trilha sonora de uma telenovela da Rede Globo de Televisão, tornando a banda conhecida nacionalmente. De acordo com dados fornecidos em seu site, ao longo de sua carreira, foram vendidos cinco milhões de CDs e 650 mil cópias de DVDs. O site da banda é também o centro operacional de suas atividades no entorno digital. Ele é dividido em nove seções principais: “agenda” (constando as datas e locais de concertos), “loja virtual”, “notícias”, “mural de recados” (onde os fãs deixam mensagens para os membros da banda e para outros fãs), “downloads” (em que se podem baixar papel de parede para computadores e três canções do grupo), “fotos”, “fã clube” (onde constam os endereços e contatos dos fã-clubes da banda), “vídeos” (link que remete ao canal no Youtube) e “banda” (histórico). Além disto, ainda conta com uma webradio e contatos para a contratação dos concertos, aparentemente a principal fonte de renda do grupo9. Em sua loja virtual, é possível comprar camisetas, CDs (entre R$ 9,90 e R$ 12,90) e DVDs (entre R$ 14,90 e R$ 19,90). É importante notar que, diferentemente dos outros grupos, o Calcinha Preta parece ter nos discos físicos uma fonte importante de renda – o que talvez explique o restrito número de arquivos digitais disponibilizados para serem baixados gratuitamente (três). Também através do site é possível verificar que as atividades da banda nas redes sociais da internet se limitam ao Youtube, Twitter e Orkut, o que pode estar relacionado às práticas de comunicação no entorno digital de seu público.

13


5. Análise comparativa das estratégias de negócio dos artistas autônomos: O quadro a seguir sistematiza algumas das características antes descritas:

Tabela 1: Quadro comparativo das estratégias de negócio dos artistas autônomos

Interação com o público e formação de mercado

Estratégias de negócio

Presença em NIED

O Teatro Mágico

Móveis Coloniais de Acaju

Forfun

Calcinha Preta

Site principal Blog Orkut Facebook Twitter Youtube Myspace Outros Versão em língua estrangeir a Loja no site Download gratuito Venda de discos físicos Venda de merchandi sing Contato e agenda de concertos Venda de ingressos Trama Virtual Palco MP3 iMusica iTunes

http://oteatromagico.m us.br/ Sim Sim Sim Sim Sim Sim Tumblr Não

http://www.moveiscoloni aisdeacaju.com.br/ Sim Sim Sim Sim Sim Sim Fotolog Sim (inglês)

http://forfun.art.br/ Sim Sim Sim Sim Sim Não Flickr Não

http://www.bandacalcinhapreta.c om.br/ Não Sim Não Sim Sim Não Não Não

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim (discografia completa) Sim

Sim (um disco)

Sim (um disco)

Sim (3 músicas)

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Não

Não

Não

Não

Sim

Sim

Não

Não

Sim Não Não

Não Sim Não

Sim Sim (faixas em compilações) Não

Outros

Não

Não Sim Sim (aplicativo e podcast) Terra Sonora

Terra Sonora

MTV Brasil (videoclipe), Sadia (videoclipe)

Punkshop (venda online)

Terra Sonora (faixas em compilações) MC3 (marketing e venda shows), JV (produções de eventos artísticos)

Parcerias com outras empresas Fonte: elaboração própria.

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As descrições realizadas anteriormente e a tabela acima possibilitam chegar a conclusões parciais acerca do fenômeno dos artistas autônomos.

5.1. A organização de bandas-empresas O primeiro aspecto que chama a atenção nessas bandas é a forma pela qual conduzem suas carreiras. É notável a visão empresarial que adotam para gerir seus grupos musicais. Neste sentido, o Móveis Coloniais de Acaju é um exemplo interessante. Conforme afirmou Fabrício Ofuji, empresário da banda, em entrevista para esta pesquisa: 2008, quando a gente estava gravando o disco [“C_mpl_te”], é também o ano em que a gente resolve formalizar a banda como uma empresa. Para entender o que é o Móveis hoje, a diferença entre a gravação do [disco] “Idem” para o “C_mpl_te”, a gente mudou em questão de assinatura e processo de trabalho. Enquanto naquele a gente tem a autoria em primeiro plano, ou seja, quem trazia a ideia da letra ou da música era quem assinava por ela, no disco seguinte a gente já entendeu que [...] o processo [de composição] de fato é coletivo. [...] essa era a forma que a gente se apresentava administrativamente, digamos, porque a gente dividia na estrutura que a gente tinha os papéis de uma empresa mesmo, de ter um responsável pela nota fiscal, outro responsável pela parte financeira/contábil, outro que fazia a prospecção de shows, outro que fazia a parte da divulgação. E vendo essa necessidade de se formalizar, [para] entrar em processos de editais e em questão também de nota fiscal, a gente decidiu em 2008 se tornar uma empresa. (Fabrício Ofuji, entrevista concedida em 26/10/2011).

A transformação da banda em empresa implica uma série de novidades em relação à condução das atividades de um empreendimento artístico. Por exemplo, acarreta a aplicação de técnicas de administração de empresas à atividade artística. Assim, ainda de acordo com essa fonte, a banda possui um planejamento semestral de suas atividades e alterou inclusive a forma pela qual passa a assinar as composições. Ao invés de individualizar a assinatura de suas músicas (uma importante fonte de renda para os artistas), todos os membros da banda-empresa assinam, o que significa repartir os lucros entre os dez músicos e o produtor, igualmente sócios nesse empreendimento. Isto também é perceptível na forma pela qual operacionalizam suas produções.

Como

qualquer

empresa

contemporânea,

estas

bandas

estabelecem parcerias com distintos agentes, a fim de realizar objetivos 15


específicos como vender produtos de merchandising (Punkshop), de produzir videoclipes (MTV, Sadia) ou ainda de distribuição de discos digitais e físicos (Trama Virtual), caracterizando o que se chamou de empresa em rede. Claro está que os artistas autônomos passam a gerir suas atividades de forma racional com respeito a fins, conforme as gravadoras brasileiras independentes já vinham fazendo desde os anos 1990 (DE MARCHI, 2006). Um dado fundamental para se compreender as estratégias destas bandas é ter em conta que os concertos ao vivo são sua atividade comercial principal, pese que números sobre o faturamento das bandas com essa atividade não sejam divulgados. Conforme Micael Herschmann (2007, 2010) afirma, uma das características mais distintivas do atual processo de destruição criadora da indústria da música reside em que os fonogramas perdem valor como produto, enquanto que os concertos ao vivo se convertem na principal fonte de renda dos artistas. Essa hipótese se confirma no caso dos artistas autônomos, particularmente. Um importante indício está na distribuição gratuita de fonogramas e, para tanto, na adoção de instrumentos legais de flexibilização dos direitos autorais, como o Creative Commons. A razão dessa estratégia se deve ao entendimento por parte dos detentores dos direitos autorais de que (a) a venda de discos não é uma fonte de ingressos tão importante quanto o concerto ao vivo para artistas autônomos e que, portanto, (b) é preferível utilizá-los, em parte, para ampliar as redes de fãs que atendam aos eventos. Isto é, a distribuição gratuita funciona como uma técnica de divulgação da obra desses artistas e, consequentemente, de formação de público10.

5.2. Institucionalização das estratégias de negócio A tabela 1 revela repetições de técnicas de negócio entre os artistas selecionados. Em primeiro lugar, ela demonstra que os meios de comunicação no entorno digital são elementos fundamentais para essas bandas-empresas. Em todos os casos, os sites das bandas são o nó articulador (hub) dessa rede de comunicação. A partir deles, controlam-se as atividades nas redes sociais da internet, em particular aquelas que possuem maior uso no Brasil: Orkut, Facebook, Twitter e Youtube. Essa utilização concomitante de site/blogs e 16


redes sociais revela um interesse em manter um contato direto com o público, em diferentes frentes. O objetivo é múltiplo. Assim, os fãs funcionam como consumidores

(comprando

discos

e/ou

produtos

de

merchandising),

divulgadores das atividades dos grupos, formadores de opinião e agentes que atraem outros fãs (através das redes sociais), entre outras possibilidades de associação com as bandas-empresas (crowdfunding). A disponibilização de fonogramas digitais para baixar de forma gratuita também se apresenta como estratégia bastante utilizada. No entanto, deve-se notar que essa técnica varia de acordo com os interesses de cada empreendimento. Assim, o MCA e o TM disponibilizam boa parte de seus catálogos gratuitamente para seus fãs. O Calcinha Preta libera, entretanto, apenas algumas amostras (três faixas), sinalizando que a venda de discos físicos ainda é uma fonte importante de renda para seu empreendimento. Aliás, é valido ressaltar que as bandas aproveitam seus concertos para produzirem DVDs que serão, posteriormente, vendidos em suas lojas virtuais. As lojas em linha também aparecem como característica comum. Em todos os casos, vendem-se tanto material de merchandising (camisetas, botões, adesivos, livros etc.) até discos físicos em diferentes pacotes (CD, DVD, caixas conjugando esses dois produtos em edições especiais). Com isto, ampliam-se as fontes de renda da empresa, diversificando os produtos oferecidos.

5.3. Relações entre artistas autônomos e os novos intermediários do entorno digital

Conforme

se

observou

em

outra

oportunidade

(DE

MARCHI;

ALBORNOZ; HERSCHMANN, 2011), o mercado de bens culturais no entorno digital encontra em determinadas empresas eletrônicas agentes fundamentais para a conexão de produtores e consumidores de conteúdos digitais. Por isto, classificaram-se tais empresas de novos intermediários do entorno digital (NIED).

17


Nesse sentido, deve-se notar que, por um lado, os artistas autônomos se valem bastante das chamadas redes sociais na internet (sobremaneira, Facebook, Youtube, Twitter e Orkut), além do que se classificou, em outra oportunidade, de médios NIED (DE MARCHI, 2011). Em especial, a empresa eletrônica Trama Virtual tem sido utilizada como parceiro preferencial para difundir a obra desses artistas pelo entorno digital. Por outro, é notável a baixa penetração em grandes NIED. Por exemplo, os MCA e o Forfun participam do Terra Sonora (http://sonora.terra.com.br/) com dois discos cada, a banda Calcinha Preta possui apenas algumas faixas, incluídas em coletâneas de vários artistas, e o TM se encontra totalmente ausente dessa empresa. O mesmo ocorre com a loja virtual iMusica (http://www.imusica.com.br/). O que há de importante nisso é que tais empresas são um portal de acesso ao lucrativo mercado de telefonia celular ou de televisão digital e até mesmo a NIED internacionais, como iTunes e Spotify11. Isso indica que a formação de público desses artistas se concentra naqueles que se interessam diretamente por seu som, o que gera uma rede de consumidores especializada. E é interessante perceber que poucos são os artistas que disponibilizam seus sites em língua estrangeira (exceção feita aos Móveis Coloniais de Acaju, que apresentam uma versão resumida de seu site em língua inglesa). Fica claro, portanto, que o público-alvo dessas plataformas de comunicação é constituído prioritariamente por fãs residentes no Brasil.

5.4. Continuidades com a indústria fonográfica

Se as características acima descritas representam inovações no atual contexto da indústria fonográfica, também devem ser consideradas as continuidades que se estabelecem com as tradicionais estratégias desse negócio. É interessante notar que estes artistas autônomos replicam muitas das técnicas de marketing e publicidade utilizadas antes pelas gravadoras. Isto é evidente com a gravação de discos (ainda que para serem “baixados” gratuitamente), a ênfase em “músicas de trabalho” destacadas das demais

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produções através de videoclipes e a produção, além da venda de produtos de merchandising. Outro aspecto que chama a atenção é o trabalho da imagem dos artistas. Pode-se encontrar, neste sentido, tanto um tratamento na imagem de todos os integrantes do grupo, como ocorre com o Calcinha Preta, quanto a ênfase na figura do “líder da banda”, o que é particularmente forte no caso do TM. Finalmente, a presença desses artistas nos meios de comunicação de massa, seja na MTV Brasil seja na Rede Globo de televisão. Isto demonstra o entendimento por parte desses empreendedores da importância desses tradicionais agentes para a ampliação de seu público e fortalecimento de suas marcas.

6. Considerações finais A análise das atividades dos artistas autônomos no entorno digital possibilitou detectar importantes características da atual reestruturação da indústria fonográfica. A primeira é a consolidação dessa outra categoria de produção. As transformações do mercado fizeram com que tanto grandes gravadoras

quanto

gravadoras

independentes

racionalizassem

seus

investimentos em A&R. Além disso, a facilidade de acesso e manuseio das tecnologias de gravação sonora permitiu aos artistas assumirem a produção de suas obras e a condução de suas próprias carreiras. A incapacidade de veicular toda a resultante produção de conteúdos e a ampliação dos canais de distribuição desses produtos pelo entorno digital tornam mais que desejável, de fato necessário, o desenvolvimento da produção autônoma como uma categoria estável e reconhecida nessa indústria. Outra singularidade reside na transformação das bandas em verdadeiras empresas. A entrevista realizada e a verificação da repetição das estratégias de negócio das bandas estudadas sugerem que há entre esses artistas uma compreensão de que a soberania de suas carreiras artísticas está atrelada ao seu êxito como empreendimentos comerciais. Isso requer que também as bandas

sejam,

tal

como

ocorre

com

as

gravadoras,

administradas 19


racionalmente. Nesse sentido, é válido afirmar que agora são os próprios músicos que assumem as funções e as visões de mundo que antes condicionavam as atividades dos burocratas das gravadoras. Futuramente, será importante analisar que tipo de relações comerciais os artistas autônomos estabelecem com grandes gravadoras e/ou gravadoras independentes. Tal conjuntura é fundamental para se compreender o significado da institucionalização das estratégias de negócio entre os artistas autônomos. Conforme

se

demonstrou,

determinadas

práticas

têm

sido

repetidas

sistematicamente, como o uso intensivo de meios de comunicação interativos (sites, blogs, redes sociais), a distribuição gratuita de fonogramas ou ainda a venda de discos e de produtos de merchandising através de lojas administradas pelos próprios artistas. Isso indica que tais técnicas são entendidas por esses empreendedores como sendo mais “adequadas” para seus objetivos, criando exemplos a serem seguidos por outros produtores da mesma categoria. Isto não significa que todos os demais artistas autônomos devam ou venham a copiar o que as bandas aqui estudadas realizam. Significa, sim, que aponta no horizonte certa estabilidade nas relações comerciais no entorno digital, evidenciando uma cultura local desse mercado. Assim sendo, sugere-se uma nova etapa da destruição criadora da indústria fonográfica, uma fase na qual experimentações aleatórias de comercialização de produtos e serviços relacionadas à música começam ser adotadas por agentes em condições similares: outros artistas autônomos e, portanto, agentes dominados na configuração desse mercado. Evidentemente, essa é uma conclusão parcial, mas que abre toda uma nova gama de questões para investigações futuras.

Bibliografia BOURDIEU, Pierre. Outline of a theory of practice. Cambridge: Cambridge University Press, 1977. ________. The social structures of the economy. London: Polity, 2005. CASTELLS, Manuel. A galáxia da Internet: reflexões sobre a Internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.

20


CHANDLER, Alfred D. The essential Alfred Chandler: essays towards a historical theory of big business. Boston, Massachusetts: Harvard Business School Press, 1988. DE MARCHI, Leonardo; ALBORNOZ, Luis A.; HERSCHMANN, Micael. Novos negócios fonográficos no Brasil e a intermediação do mercado digital de música. Famecos, Porto Alegre, v. 18, n. 1, pp. 279-291, jan.-abr. 2011. DE MARCHI, Leonardo. Indústria Fonográfica e a Nova Produção Independente: o Futuro da Música Brasileira?. Comunicação, Mídia e Consumo, São Paulo, v. 3, pp. 167-182, 2006. _________. Transformações estruturais da indústria fonográfica no Brasil 19992009: Desestruturação do mercado de discos, novas mediações do comércio de fonogramas digitais e consequências para a diversidade cultural no mercado de música. Tese de Doutorado em Comunicação e Cultura pelo Programa de PósGraduação da Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2011. DIAS, Márcia T. Os donos da voz: indústria fonográfica brasileira e mundialização da cultura. São Paulo: Boitempo, 2000. FLIGSTEIN, Neil. The architecture of markets: an economic sociology of twenty-first century capitalist societies. New York/Oxfordshire: Princeton University Press, 2001. HALL, Peter A.; TAYLOR, Rosemary C. R. Três versões do neo-institucionalismo. Lua Nova, nº 58, pp. 193-223, 2003. HERSCHMANN, Micael. Indústria da música em transição. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2010. ________. Nas bordas e fora do mainstream musical: tendências da música independente no início do século XXI. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2011. JEPPERSON, Ronald L. Institutions, institutional effects, and institutionalism. In: POWELL, W.; DI MAGGIO, P. The new intuitionalism in organizational analysis. pp. 143-163. Chicago: The University of Chicago Press, 1991. MORELLI, Rita C. L. Indústria fonográfica: um estudo antropológico. 2ª ed. Campinas: Ed. Unicamp, 2009. SCHUMPETER, Joseph A. A teoria do desenvolvimento econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1982. __________. Capitalism, socialism and democracy. London: Routledge, 2010. VICENTE, Eduardo. A vez dos independentes(?):um olhar sobre a produção musical independente do país. E-Compós: Revista da Associação Nacional de PósGraduação em Comunicações. Brasília, 2006. WEBER, M. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: Ed. UnB; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999. 1

Uma versão deste artigo foi apresentada no XI Seminário Internacional da Comunicação, realizado na Faculdade de Comunicação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em 2011. 2 Doutor em Comunicação e Cultura pelo Programa de Pós-Graduação da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor do curso de Comunicação Social do Centro Universitário de Volta Redonda Fundação Oswaldo Aranha (UniFOA, RJ). O autor gostaria de agradecer a Pedro Simões Corrêa Graça, aluno de Publicidade e Propaganda da UniFOA, e a Daniel Domingues, do coletivo Ponte Plural (Niterói-RJ), pela ajuda decisiva na obtenção de informações para este artigo. Email: leonardodemarchi@gmail.com

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Distinguindo-se de institucionalismos concorrentes, como o econômico e o da ciência política, o novo institucionalismo sociológico rejeita o pressuposto de que as instituições resultam meramente do acordo harmonioso e tácito de agentes racionais em busca de fins específicos – o que subjuga a existência, reprodução e transformação das instituições à sua “eficiência” e/ou “conveniência” – em favor de explicações culturais e históricas das instituições. 4 De acordo com a definição do sociólogo Ronald L. Jepperson (1991, p. 145), quem busca diferenciar “instituição”, “institucionalização” e “ação social” na teoria sociológica, a “institucionalização” é o processo através do qual uma ordem ou padrão social (sequência de interações sociais padronizadas) atinge certo estado ou propriedade. Representa um processo coletivo de repetição sistemática de certa ação social. E é o processo que tende à criação de uma “instituição”, ainda que não se confunda com ela. 5 Por “empresa em rede”, Castells entende que como “a forma organizacional construída em torno de projetos de empresas que resultam da cooperação entre diferentes componentes de diferentes firmas, que se interconectam no tempo de duração de dado projeto empresarial, reconfigurando suas redes para a implementação de cada projeto. [...] Tomadas em conjunto, essas tendências transformaram a administração de negócios numa geometria variável de cooperação e competição segundo o tempo, o lugar, o processo e o produto.” (2003, p. 58). 6 Propõe-se neste artigo o tipo-ideal de “artista autônomo” para designar todo músico que financia a produção e a circulação de sua obra sem vínculo empregatício com qualquer tipo de gravadora, seja uma grande corporação seja uma empresa independente, seja de capital multinacional seja de capital nacional. O objetivo é evitar a confusão com o termo “gravadora independente”, que constitui outra categoria de análise. Conforme Herschmann (2011, pp. 9-10) ressalta, se é difícil estabelecer hoje uma clara linha divisória entre o que é mainstream e o que é independente, é igualmente importante entender que essas são categorias utilizadas pelos agentes sociais envolvidos com a produção de música e que, para um pesquisador desse tema, faz-se crítico levar tais categorias em consideração. Daí a importância de delinear outra categoria para esse fenômeno da indústria fonográfica. Cabe ressaltar, ainda, que essa a produção da própria obra fonográfica pelos próprios artistas está longe de ser uma novidade na história da indústria fonográfica brasileira, tendo sido uma forma importante já na década de 1970 (cf. DE MARCHI, 2006). Mas se afirma neste artigo que, atualmente, constituem uma categoria à parte na organização dessa indústria, com uma função social distinta da de épocas anteriores. 7 O sentido de “estratégia” adotado neste texto é o formulado por Alfred Chandler (1988, p. 174), segundo quem esta é a determinação de metas de longo prazo e objetivos básicos de um agente econômico e a adoção de ações e de alocação de recursos necessários para atingi-los. 8 Entrevista realizada com o produtor dos Móveis Coloniais de Acaju, Fabrício Ofuji, em 26 de outubro de 2011, via computador (Skype). Deve-se sublinhar que se abordaram membros das outras bandas aqui estudadas a fim de que concedessem entrevista para esta pesquisa. No entanto, por uma série de razões, não foi possível realizar outras entrevistas. 9 A banda Calcinha Preta possui uma parceria com duas empresas, a MC3, para a venda de concertos, e a JV Produções e Eventos Artísticos Ltda., a qual aluga e monta estruturas (palco, iluminação, etc.) para grandes eventos. 10 Deve-se notar que, no caso da distribuição feita através do site da Trama Virtual, ainda que o download seja gratuito para o usuário, os artistas são ressarcidos, através de um sistema no qual a Trama possui um grupo de empresas associadas que pagam uma mensalidade, que é distribuída aos artistas que possuem suas músicas baixadas pelo site. Cf. http://tramavirtual.uol.com.br/download_remunerado/. 11 Apenas o Móveis Coloniais de Acaju possui alguma presença no iTunes, através de um aplicativo para celular (um programa feito por um fã da banda) e a presença de canções de algumas canções para baixar em podcast. No entanto, não há venda dos discos da banda pela loja da Apple.

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Uma proposta de periodização para a história do rádio no Brasil 1

Luiz Artur Ferraretto Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

RESUMO Com base na economia política da comunicação, apresenta uma proposta de periodização para a história do rádio no Brasil, considerando o predomínio das emissoras comerciais. Para tanto, toma como variáveis o ambiente comunicacional, a regulação legal destas atividades, as tecnologias empregadas, os tipos de conteúdos ofertados e, a partir destes dois últimos, os hábitos de consumo. Identifica, assim, como pontos de corte: (1) a regulamentação da publicidade; (2) a televisão, a transistorização dos receptores e a frequência modulada; e (3) a telefonia móvel, a internet comercial e as tecnologias e práticas a elas relacionadas. Como resultado, propõe a divisão da história do rádio brasileiro em quatro fases – de implantação, difusão, segmentação e convergência –, elencando as características de cada uma destas. PALAVRAS-CHAVE: RÁDIO; BRASIL; HISTÓRIA; PERIODIZAÇÃO; ECONOMIA POLÍTICA DA COMUNICAÇÃO. ABSTRACT Based on the political economy of communication, a proposal of periodization is presented for the history of radio in Brazil, considering the predominance of commercial radio stations. For this, communicational environment, legal regulation of these activities, technologies used, the kind of content offered are used as variables, and based on the last two, the habits of public consumption. Hence, the identification of crossover points: (1) publicity regulation; (2) television, transistorization of the receptors, and modulated frequency; and (3) mobile telephony, commercial internet, and the technologies and practices related to them. As a result, the division of the history of Brazilian radio into four phases is proposed – implantation, diffusion, segmentation, and convergence –, describing the characteristics of each one of these. KEY WORDS: RADIO; BRAZIL; HISTORY; PERIODIZATION; POLITICAL ECONOMY OF COMMUNICATION. RESUMEN Sobre la base de la economía política de la comunicación, presenta una propuesta de periodización para la historia de la radio en Brasil, teniendo en cuenta el predominio de las emisoras comerciales. Para ello, toma como variables el ambiente comunicacional, la regulación legal de estas actividades, las tecnologías empleadas, los tipos de contenidos que se ofrecen y, a partir de estos dos últimos, los hábitos de consumo. Identifica, así como puntos de corte: (1) la reglamentación de la publicidad, (2), la televisión, la transistorización y la y frecuencia modulada, y (3) la telefonía móvil, Internet comercial y las tecnologías y prácticas a ellas relacionadas. Como resultado, se propone la división de la historia de la radio brasileña en cuatro fases: De implementación, difusión, segmentación y convergencia, enumerando las características de cada uno de ellas. PALABRAS CLAVE: RADIO, BRASIL, HISTORIA, PERIODIZACIÓN, ECONOMÍA POLÍTICA DE LA COMUNICACIÓN.

A ampla gama de reflexões possibilitadas pela economia política da comunicação como base teórica não exclui, obviamente, a abordagem histórica. Neste sentido, o objeto de estudo representado pelo rádio brasileiro – em especial no que diz respeito às emissoras comerciais – ganha substancial amparo. Tal tarefa careceria de profundidade caso não considerasse a dinâmica do sistema capitalista, ainda mais ao se constatar que pensar o negócio de radiodifusão – hegemônico, desde a década de 1930, na conformação das es1

Doutor em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS. 1


tações – constitui-se, de fato, na busca pela compreensão da trajetória do próprio meio, embora, por óbvio, seja necessário observar, também, particularidades inerentes a outros tipos de emissoras, como as comunitárias, educativas, estatais e públicas2. Em cada um destes, há, é certo, influências dos delineamentos gerais determinados pelos gestores das empresas de comunicação na exploração do rádio como fonte de acumulação, seja na administração, no financiamento ou na programação. Desta maneira, pretende-se ir ao encontro de alguns aspectos gerais característicos da abordagem pelo viés da economia política da comunicação identificados por Vincent Mosco (1996, pp. 27-38): (1) a priorização da mudança social e da transformação histórica, que, para os teóricos marxistas, passa, necessariamente, por um exame da dinâmica do sistema capitalista; (2) a tentativa de compreender a totalidade social, ou seja, a identificação de elos dos campos econômico e político com o amplo entorno cultural e social, sendo, portanto, básica a ideia da observação do objeto de estudo em um contexto mais abrangente; (3) a inclusão de uma perspectiva em que se destaca uma espécie de filosofia moral, objetivando explicitar posições éticas a respeito de práticas econômicas e políticas, muitas vezes mascaradas pelos interesses nelas envolvidos; e (4) a abordagem considerando a questão da práxis, ou seja, a relação que se estabelece entre o ser humano, produzindo e transformando o mundo e a si mesmo, e o seu entorno. A articulação aqui apresentada é consequência de estudos históricos realizados para descrever, de modo analítico, a conformação da indústria de radiodifusão sonora no Rio Grande do Sul, que resultaram na dissertação Rádio no Rio Grande do Sul (anos 20, 30 e 40): dos pioneiros às emissoras comerciais (2000) e na tese Rádio e capitalismo no Rio Grande do Sul: as emissoras comerciais e suas estratégias de programação na segunda metade do século 20 (2005), ambas defendidas no Programa de Pós-graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e, posteriormente, publicadas na forma de livro. Um esboço aparece no artigo Rádio e capitalismo no Brasil: uma abordagem histórica (2009), apresentado em versão inicial dois anos 2

No Brasil, país de escassa tradição republicana em que a legislação é imprecisa e o estado de direito alternou-se ao longo da história com períodos ditatoriais, há uma diferenciação mal definida entre o estatal e o público, sendo que, obviamente, o segundo engloba o primeiro. O artigo 223 da Constituição Federal de 1988 estabelece a competência do Executivo para a outorga dos serviços de radiodifusão sonora (rádio) e de som e imagem (televisão) e a complementaridade dos sistemas privado (comercial), público e estatal. Foram ignoradas, então, as já existentes emissoras educativas. Ficaram de fora também as comunitárias reconhecidas juridicamente somente em 1998 pela Lei 9.612. Agravando este quadro de indefinições, não ocorreu a necessária regulamentação posterior do artigo 223. Vale lembrar, ainda, que toda outorga de estação emissora parte do Estado, decorrendo disto a constatação de que toda estação de rádio realiza, por si, um serviço público. 2


antes no ora descontinuado Grupo de Trabalho Economia Política e Políticas da Comunicação, durante o 16º Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de PósGraduação em Comunicação (Compós). No campo do rádio, esta proposta de periodização parte do descrito por autores como Gisela Swetlana Ortriwano (1985), Maria Elvira Bonavita Federico (1982) e Sonia Virgínia Moreira (1991), baseando-se também em uma revisão das informações históricas apresentadas em Rádio – O veículo, a história e a técnica (FERRARETTO, 2000). Nos estudos brasileiros de economia política, é tributária de reflexões de César Ricardo Siqueira Bolaño (1988) e Valério Cruz Brittos (1999/2002). Salienta-se, ainda, que, mesmo baseada em uma delimitação diversa, considera-se a periodização a seguir como complementar à delineada por Bolaño (2011), meritória ao aplicar ao rádio sua proposta anterior, baseada na sucessão de ciclos de hegemonia e voltada à análise histórico-econômica da televisão brasileira (1998/2004).

Periodização proposta O que se descreve na sequência busca amparo metodológico em Agnes Heller (1997, p. 130), procurando identificar cortes – pontos de ruptura –, essenciais às periodizações: “[...] o historiador nos faz compreender que neste corte ocorreu algo decisivo que transformou outro acontecimento ou uma série deles em passados e produziu outros futuros”. Na trajetória do meio rádio no Brasil, identificam-se, assim, quatro marcos, considerando, portanto, que estes se encontram em consonância com o descrito por esta autora: “O que chamo de corte, que é – em outras palavras – compreender a descontinuidade na continuidade, é o princípio organizativo de toda obra historiográfica e, consequentemente, uma ideia universalmente constitutiva da historiografia” (HELLER, 1997, p. 130). A partir da conformação das emissoras como empresas, o princípio organizativo desta periodização reside no posicionamento mercadológico destas estações. Este deriva, por sua vez, da introdução de novas tecnologias no ambiente comunicacional, que obrigam redefinições na oferta de conteúdos, gerando, assim, padrões diferenciados de consumo cultural. Sem desconsiderar o contexto cultural, econômico, político e social, procura articular, de forma mais específica, (1) a relação do rádio com outros meios, (2) os hábitos de consumo da audiência em termos de produtos simbólicos, (3) os conteúdos radiofônicos predominantes ao longo do tempo, (4) as tecnologias comunicacionais, (5) as estratégias empresariais dominantes e (6) os movimentos hegemônicos e contra-hegemônicos dentro do 3


setor. Delimitam-se, deste modo, já sob a vigência do negócio, fases caracterizadas pela estratégia empresarial dominante. Por este critério, o ponto de partida é a transição do rádio como entidade associativa para o rádio como empresa voltada ao lucro, tendo por ponto de corte a regulamentação legal da publicidade no meio. Não se desconsidera, no entanto, o surgimento das primeiras emissoras brasileiras, nem, após o advento do rádio comercial, a estruturação de estações sem finalidade lucrativa – comunitárias, educativas, estatais e públicas. Forma hegemônica Entidade associativa

Primeiro corte Regulamentação da publicidade

Forma hegemônica Rádio como negócio

Figura 1 – Primeiro corte historiográfico

Delimitam-se, portanto, uma (1) fase de implantação3, que corresponde à instalação das estações pioneiras, organizadas sob a forma de entidades associativas; e, na sua sequência, sob a hegemonia do rádio comercial, outros três períodos estruturados com base na estratégia empresarial dominante: (2) fase de difusão, (3) fase de segmentação e (4) fase de convergência. Na denominação destes três últimos, consideram-se definições e teorizações apresentadas por Raimar Richers (1991), Suzy dos Santos (2009) e Valério Cruz Brittos (1999/2002). De Richers, vem a diferenciação entre difusão e segmentação: Ao desenvolver a sua estratégia de marketing, a empresa tem duas opções fundamentalmente distintas para se dirigir ao mercado. A uma delas chamarei de difusão, porque consiste em espalhar os produtos pelo mercado afora, sem se preocupar com quaisquer diferenças que possam existir entre os compradores em potencial. São os produtos em si, em particular a maneira como eles se diferenciam de outras ofertas semelhantes, que devem se impor ao mercado e assegurar o sucesso da empresa. A segmentação, por sua vez, parte da premissa inversa: a demanda não é uniforme, mas sim heterogênea, o que justifica uma concentração dos esforços de marketing em determinadas fatias específicas do mercado. (RICHERS, 1991, p. 15)

Por sua vez, o termo convergência é tomado, de modo mais genérico, para expressar a consciência em nível empresarial da aproximação entre comunicação de massa, informática e telecomunicações, corporificada, no caso do rádio comercial, na disponibilização de conteúdo radiofônico para além das ondas eletromagnéticas. Tem-se claro, como observa Santos (2010, p. 79), que este processo não se reduz ao tecnológico, mas envolve “um leque de possibilidades”. A exemplo do que faz Suzana Barbosa (2009), no marco do projeto Convergencia digital en los medios de comunicación en Es3

A mesma expressão é utilizada por Gisela Swetlana Ortriwano (1985, p. 13-4) ao se referir a este período. 4


paña (2006-2009)4, considera-se que este processo ocorre em quatro âmbitos: (1) tecnológico, a infraestrutura de produção, distribuição e recepção de conteúdos em suportes digitais, tais como computadores, gravadores, softwares de edição e gestão de conteúdos, bases de dados, redes de fibra ótica etc.; (2) empresarial, a origem e a composição dos capitais que controlam os grupos de comunicação, suas alianças, fusões e aquisições, participações societárias cruzadas etc.; (3) profissional, a integração de estruturas para produção de conteúdos distribuídos em múltiplos suportes, as mudanças nas rotinas e nas relações de trabalho, a redução no número de vagas e as questões relacionadas à formação e à qualificação de mão de obra em ambiente multimídia; e (4) dos conteúdos, a programação, considerando-se a exploração de novas linguagens e formatos possibilitados pela hibridização de formas simbólicas desenvolvidas para difusão multiplataforma. Na contemporaneidade, assume-se, ainda, como dominante a vigência, na comunicação, de uma fase da multiplicidade da oferta, formulação desenvolvida por Valério Cruz Brittos (1999, p. 32) para descrever o mercado de televisão após a introdução da modalidade por assinatura e definida, já em uma abertura para o rádio (BRITTOS, 2002), como um período no qual ocorre um aumento da quantidade de agentes, provocando maior concorrência e, por fim, acréscimo substancial de produtos disponíveis. É possível identificar no meio rádio várias das características elencadas pelo professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos: (1) verifica-se uma passagem de uma lógica de oferta a uma lógica de demanda, presente, por exemplo, na disponibilização, via internet, de arquivos com gravações de material já transmitido ou na constante participação do ouvinte pelo telefone (por voz, ao vivo ou gravada, ou por mensagem escrita), correio eletrônico, redes sociais, chats etc.; (2) ocorrem manifestações de transição do modelo de comunicação ponto-massa, usado por todas as estações de rádio que transmitem em ondas hertzianas, para o ponto-ponto, próprio dos conteúdos distribuídos no sistema de podcasting; (3) multiplicam-se ações empresariais no sentido de disponibilizar o conteúdo radiofônico nos mais diversos suportes tecnológicos (celulares, computadores, MP3 players, notebooks, palm tops, tablets...); e (4) observa-se, a exemplo do ocorrido com a TV, uma sinergia do rádio com outros meios dentro de um mesmo grupo empresarial. Pode-se dizer, portanto, que, dentro do modelo de periodização aqui proposto, a fase de convergência deriva da teorização de Brittos a respeito da multiplicidade da oferta. 4

Estudo desenvolvido por um grupo de 24 pesquisadores espanhóis e financiado pelo Ministério da Educação e Ciência daquele país. 5


Na delimitação das fases de difusão, segmentação e convergência, consideram-se, como marcos, a introdução de novos meios, suportes e/ou tecnologias de comunicação, a saber: (1) a televisão aberta, o receptor transistorizado e a frequência modulada; e (2) a telefonia móvel, a internet e tecnologias derivadas. Estratégia empresarial dominante Segundo corte

Difusão

Televisão aberta, transistorização e frequência modulada

Estratégia empresarial dominante Terceiro corte

Segmentação

Telefonia móvel, internet e tecnologias derivadas

Estratégia empresarial dominante

Convergência

Figura 2 – Segundo e terceiro cortes historiográficos Cronologicamente, portanto, são estas as quatro fases nas quais aparece dividida,

na sequência, a história do rádio brasileiro, em cada uma delas existindo indícios de sua superação no futuro, daí a sobreposição de suas datas-limite: (1) fase de implantação, do final da década de 1910 até a segunda metade dos anos 1930; (2) fase de difusão, do início da década de 1930 até a segunda metade dos anos 1960; (3) fase de segmentação, do final da década de 1950 até o início do século 21; e (4) fase de convergência, de mea-

1910

1920

1930

1940

1950

1960

1970

Telefonia celular Internet

Frequência modulada

Receptor transistorizado

Televisão

Regulamentação da publicidade

dos da década de 1990 até a atualidade.

1980

1990

2000

2010

Implantação Difusão Segmentação

6


Convergência

Figura 3 – Modelo de periodização historiográfica proposto

Complementa-se, deste modo, o inicialmente proposto em Rádio e capitalismo no Brasil: uma abordagem histórica (FERRARETTO, 2009) e que suscitou reflexões parcialmente incluídas em Rádio e convergência: uma abordagem pela economia política da comunicação (FERRARETTO; KISCHINHEVSKY, 2010). Como neste último, vai-se ao encontro do que Roger Fidler (1998) chama de midiamorfose, processo de transformação dos meios de comunicação no qual interagem necessidades percebidas, pressões políticas e concorrenciais, além de inovações sociais e tecnológicas: A midiamorfose não é tanto uma teoria, mas um modo de pensar a respeito da evolução tecnológica dos meios de comunicação como um todo. Ao invés de estudar cada modalidade separadamente, leva-nos a ver todas elas como integrantes de um sistema interdependente e a reparar nas semelhanças e relações existentes entre as formas do passado, do presente e as emergentes. Ao estudar o sistema de comunicação como um todo, veremos que os novos meios não surgem por geração espontânea, nem de modo independente. Aparecem gradualmente pela metamorfose dos meios antigos. E quando emergem novas formas de meios de comunicação, as antigas geralmente não deixam de existir, mas continuam evoluindo e se adaptando. (FIDLER, 1998, p. 57).

Com base no que Fidler (1998, p. 66) chama de princípios da midiamorfose, pode-se analisar o que ocorreu na passagem entre as fases de difusão, segmentação e convergência. Assume-se, portanto, para esta periodização, que ao longo da história do rádio brasileiro: [...] aparecem os princípios (1) de coevolução e coexistência com o novo e (2) de metamorfose. A TV surge do acréscimo proporcionado pela imagem aos conteúdos radiofônicos. A internet incorpora tudo de todos os meios anteriores. O rádio, no passado, adapta-se à televisão, fugindo da concorrência pela segmentação do conteúdo e pela alteração do seu prime time, que passa da noite para a manhã, e, graças à transistorização, pela mobilidade do receptor. E, na contemporaneidade, usa a web como fonte de conteúdo e suporte de transmissão. Caracterizado pela ideia de que as formas novas carregam os traços dominantes das que lhe são anteriores, o princípio (3), de propagação, configura-se na transposição de conteúdos para a TV e, no último decênio, na constante utilização do áudio na internet tanto em modalidades que o rádio, gradativamente, incorpora como suas – as emissoras exclusivas da web e os programas distribuídos por podcasting – quanto em outras – os canais de música em portais, por exemplo. O (4), de sobrevivência do meio, é quase autoexplicativo. Os meios são compelidos à adaptação e à evolução. O rádio tem, assim, procurado se amalgamar à internet e ao celular, mesmo que emissoras mais tradicionais demonstrem dificuldade em reconhecer esta tendência. Isto vai também ao encontro do princípio (5), de oportunidade e necessidade. Sem a banda larga, a escuta de emissoras via internet não teria se desenvolvido. Aventa-se, ainda, a possibilidade, de um lado, de uma acelerada decadên7


cia das transmissões em amplitude modulada pela ausência deste tipo de recepção em celulares ou em MP3 players, e, em sentido contrário, da recuperação das estações em AM pela veiculação via internet e recepção em telefones de terceira geração ou mesmo pela cessão de espaço na faixa de FM quando da migração do analógico para o digital. Em um ou em outro, pode-se fazer presente o princípio (6) de Fidler, o de adoção postergada, segundo o qual as novas tecnologias sempre tardam mais do que o esperado para se converterem em êxitos comerciais. (FERRARETTO; KISCHINHEVSKY, 2010, p. 175-176).

Compartilha-se, desta maneira, a ideia de que o meio sofre, ao longo do tempo, aquilo que Nair Prata (2009, pp. 79-80), por empréstimo da obra de Fidler, denomina de radiomorfose.

A fase de implantação De modo muito semelhante ao que vai acontecer no final do século 21 com a internet, a chegada do rádio no Brasil aparece, em um primeiro momento, como uma forma de colocar o indivíduo em contato com o mundo, pelo menos, para a parcela da população que tem, na época, condições econômicas para adquirir os caros aparelhos receptores, lentamente disponibilizados nas principais cidades. É, no entanto, o interesse econômico que vai impulsionar a chegada do meio ao país, de fato, visto como um novo mercado a ser conquistado. Após a Primeira Guerra Mundial, com o fim da produção amparada pelo conflito no front europeu, as grandes indústrias eletroeletrônicas dos Estados Unidos buscam novos mercados para garantir e ampliar seus níveis de lucro. As demonstrações públicas da tecnologia de transmissão sonora a distância promovidas pela Westinghouse Electric and Manufacturing Company e pela Western Electric Company durante a Exposição Internacional do Rio de Janeiro vão ao encontro do que Karl Marx (apud IANNI, 1996. p. 138) havia identificado, em Para a crítica da economia política, como característica inata do capitalismo: Quanto mais desenvolvido o capital, quanto mais extenso é, portanto o mercado em que circula, mercado que constitui a trajetória espacial de sua circulação, tanto mais tende simultaneamente a estender o mercado e a uma maior anulação do espaço através do tempo [...]. Aparece aqui a tendência universal do capital, o que o diferencia de todas as formas anteriores de produção.

Estas demonstrações vão atrair e reforçar o interesse de aficionados pelo novo meio, então ainda confundido com a radiotelefonia. São eles que se organizam, quase como um hobby, em clubes e sociedades dedicadas à escuta e à transmissão, a base das primeiras estações de rádio brasileiras. Este tipo de entidade tem, então, a finalidade, 8


como salienta Maria Elvira Bonavita Federico (1982, p. 33), “além de divulgar os conhecimentos sobre o rádio, de angariar novos adeptos e até mesmo propiciar-lhes treinamento para se constituírem pelo menos em radioescutas”. Os dados existentes indicam semelhanças entre estes pioneiros identificados pela imprensa da época como radiófilos, semfilistas ou amadores da radiofonia (ou da radiotelefonia): São eles entusiastas com conhecimento da tecnologia radiofônica e outros ligados ao ensino e, mesmo, ao comércio, muitos mantendo boas relações com a classe política. Cada sócio tem de pagar, além da joia inicial, uma mensalidade, o que, constatada a inadimplência da maioria, será fatal para a sobrevivência destas agremiações. As transmissões ocorrem, em geral, à noite e em dias esparsos, sem uma continuidade entre um conteúdo e outro. Assim, à conferência científica seguem-se minutos de silêncio até que alguém, como se estivesse em um sarau em uma típica casa burguesa, apresente talvez um número de piano ou de violão, podendo ocorrer mesmo a afinação do instrumento à frente do microfone. (FERRARETTO, 2009, pp. 97-98).

No imaginário desta parcela da elite brasileira, a possibilidade de captar irradiações provenientes, inclusive, de outros países reveste-se de uma ideia de moderno que Renato Ortiz (1994. p. 32) identifica em outros dois fatos da época, a crescente consolidação do cinema e a urbanização do Rio de Janeiro, a então capital do país: Em ambos os casos, [...] a ideia de moderno se associa a valores como progresso e civilização; ela é, sobretudo, uma representação que articula o subdesenvolvimento da situação brasileira a uma vontade de reconhecimento que as classes dominantes ressentem. Daí o fato de essa atitude estar intimamente relacionada a uma preocupação de fundo, o que diriam os estrangeiros de nós, o que reflete não somente uma dependência aos valores europeus, mas revela o esforço de esculpir um retrato do Brasil condizente com o imaginário civilizado.

Dentro dos valores burgueses, portanto em voga, as irradiações têm pretensão educativo-cultural, incluindo, além de música gravada e ao vivo, até mesmo palestras de cunho científico. Neste quadro, expressões musicais mais populares como samba vão encontrar, de início, resistência para serem veiculadas. Os clubes e sociedades de rádio são orientados, assim, por um associativismo idealista de elite misturado a certo entusiasmo tecnológico: voltada à ilustração dos ouvintes, impõe-se uma perspectiva cultural e científica. Neste sentido, destacam-se as iniciativas pioneiras do Rádio Clube de Pernambuco, fundado em 1919 na cidade de Recife, e da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, organizada no ano de 1923, na então capital federal, por Edgard Roquette-Pinto, espécie de ícone intelectual deste processo. É dele uma definição que resume como o meio era então visto por estes primeiros entusiastas: “Rádio é o jornal de quem não sabe ler; é o mestre de quem não pode ir à escola; é o divertimento gratuito do pobre; é o animador de novas esperanças; o consolador dos enfermos; o guia dos sãos, desde que o realizem com espírito 9


altruísta e elevado” (ELECTRON, 16 mar. 1926, p. 1). De outra parte, intensificando o caráter elitista, além da origem social dos pioneiros, aparecem os custos – relativamente altos – envolvidos: (1) na obtenção de uma licença para a escuta, uma particularidade de então; (2) no pagamento dos encargos para se tornar sócio da entidade responsável pela estação de rádio; e (3) na compra de aparelhos receptores. (1) Pelo lado da indústria eletroeletrônica internacional, o Brasil é visto como um novo mercado para a comercialização de equipamentos. (2) O rádio começa quase como um hobby de integrantes da burguesia, que se articulam em clubes e sociedades mantidas pelo pagamento de mensalidades. (3) O conteúdo expressa uma ideia de difusão cultural e educativa dentro dos valores burgueses de então. (4) A cultura popular encontra resistência em sua veiculação nos clubes e sociedades de rádio. (5) Predomínio do associativismo idealista de elite.

Quadro 1 – Características da fase de implantação

A fase de difusão Embora o problema do financiamento das irradiações, à medida que a ideia de sustentação baseada na mensalidade deparava-se com a inadimplência dos associados dos clubes e sociedades de rádio, já apontasse para a busca de recursos por meio de reclames, a opção comercial só se desenvolve após o Decreto 21.111, de 1º de março de 1932. É este que, complementando outro, o de número 20.047, de 27 de maio do ano anterior, regulamenta a publicidade radiofônica e estipula, em seu artigo 73, o limite de 10% do conjunto da programação para este tipo de conteúdo. Desde a década de 1920, no entanto, já eram veiculados anúncios. Tanto a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro quanto o Rádio Clube do Brasil5, ambos na capital federal, mantinham, como registra Gustavo Lisboa Braga (2002, p. 28-35) o chamado fundo de broadcasting, uma arrecadação junto a empresas comerciais que doavam, mensalmente, de 20 a 50 mil réis por mês em troca da citação de seus nomes e da referência a uma espécie de pequeno slogan, o chavão. Conforme a mesma fonte, em 1927, surge o anúncio comercial propriamente dito no Rádio Clube, que vende textos de 30 palavras a 5 mil réis, quando veiculados durante o dia, e a 10 mil réis para a faixa noturna, na época, o horário nobre. Os decretos 20.047 e 21.111 regulamentam, ainda, o papel do Estado na outorga das frequências a serem ocupadas. 5

Fundado em fundada em 1º de junho de 1924, o Rádio Clube do Brasil constitui-se na segunda entidade deste tipo a se organizar no Rio de Janeiro. 10


Desta forma, ficam definidas as bases do rádio brasileiro: um serviço público, já que sua existência depende do governo federal, mas com possibilidade de exploração comercial. Consequentemente, como observado em reflexão anterior (FERRARETTO, 2009), o meio passa a ocupar posição central no processo de acumulação dada a dependência do círculo mercantil-capitalista em relação à comunicação empresa-consumidor. Ramón Zallo (1988, p. 41) define esta relação: Nos sistemas comerciais tradicionais, o meio de comunicação assume o papel de agente comercial dos anunciantes, ou seja, uma função que faz parte do dispositivo de marketing das empresas. Os meios comerciais de comunicação de massa podem existir por serem, simultaneamente, uma área produtiva autônoma de programas e emissões e um dispositivo do ciclo de circulação de mercadorias das empresas compradoras de espaço.

A partir de 1932, portanto, as emissoras começam, gradativamente, a se estruturar como negócio comunicacional. Os dados existentes (TOTA, 1990, p. 71) indicam que a Rádio Record, de São Paulo, constitui-se, a partir de 1931, quando passa a ser controlada por um grupo do qual faz parte Paulo Machado de Carvalho, em uma das primeiras estações a ser pensada como empresa. Neste processo, destaca-se o radialista César Ladeira: A Record adotou um novo modelo de programação organizado por César Ladeira, introduzindo o cast profissional e exclusivo, com remuneração mensal. A partir daí, começa a corrida e as grandes emissoras contratam a peso de ouro astros populares e orquestras filarmônicas. E mesmo as de pequeno porte procuram também ter o seu pessoal fixo. Essa mudança aguçou – ou mesmo desencadeou – o espírito de concorrência entre as emissoras, inclusive as de outros estados, que imitaram a programação lançada pela Record. (ORTRIWANO, 1985, p. 17).

Estrutura-se uma programação, explorando, em um primeiro momento, os quartos de hora com números musicais ao vivo de artistas do cast da emissora, fórmula que entra em declínio na primeira metade da década de 1940, quando o rádio passa a se dedicar, cada vez mais, à dramaturgia – em especial, às novelas –, aos humorísticos e aos programas de auditório. As emissoras procuram atingir a maior parcela possível do público em potencial, que é tomado como um todo e por uma média de gosto. A representar bem este período, a Nacional, do Rio de Janeiro, vai se consolidar como um fenômeno de audiência, fazendo jus à sua denominação e espraiando-se pelo território do país como a única emissora a exercer na história do meio uma hegemonia que ultrapassasse a sua região de origem. Tal predomínio baseia-se em uma situação também única: encampada no ano de 1941 pelo governo federal, constitui-se como uma espécie de emissora estatal, 11


mas, por meio da publicidade, de financiamento privado. A Nacional não é, no entanto, um caso isolado de sucesso comercial. Outras também cativam ouvintes e anunciantes. Na segunda metade dos anos 1940 e na década seguinte, são exemplos: as rádios Tupi, do Rio de Janeiro e de São Paulo, e a Farroupilha, de Porto Alegre, pertencentes a Assis Chateaubriand, principal empresário de comunicação da época; a Mayrink Veiga, do Rio de Janeiro, ligada à família de mesmo nome; e a Record, de São Paulo, de Paulo Machado de Carvalho, proprietário das Emissoras Unidas, que incluem, ainda, Bandeirantes, Excelsior, Panamericana e São Paulo. Conforme Renato Ortiz (1994, p. 57), citando Fernando Henrique Cardoso (1972, p. 142), estes empresários caracterizam-se como capitães de indústria, dirigentes que se pautam por decisões instintivas e pela obtenção de favores governamentais para a manutenção de seus negócios. É Chateaubriand, com empreendimentos nas principais cidades do país, que Ortiz define como “tipo ideal do capitão de indústria” (ORTIZ, 1994, p. 58). O dono dos Associados fundamenta a realização dos seus empreendimentos em acordos políticos, guiando-se mais por sua própria experiência e/ou instinto do que pelo cálculo racional das possibilidades do mercado. De outra parte, como o fazem os capitães de indústria, de modo geral, vê o Estado a partir de uma posição ambígua. Ao mesmo tempo em que defende a iniciativa privada contra a intervenção do poder público, Chateaubriand tem consciência da necessidade de grandes quantias de capital para o crescimento dos seus negócios. Quantias cuja fonte mais abundante na situação brasileira de então é o Estado. (FERRARETTO, 2009, p. 102).

Como destaca Renato Ortiz (1994, p. 48), a estruturação do rádio como negócio não significa a ascensão deste ao patamar de indústria cultural. De fato, limitada pelo estágio do capitalismo brasileiro na época, esta apenas se delineia sem chegar a se consolidar. A respeito, faz-se necessário retomar, então, alguns aspectos do conceito proposto por Theodor Wiesengrund-Adorno e Max Horkheimer: (1) tratada como objeto da indústria cultural – “um elemento de cálculo”, na expressão de Adorno (1978, p. 288) –, e não como seu sujeito, a audiência obtida na irradiação de conteúdos, pela carência de instrumentos para a sua aferição6, não consegue ser comercializada como produto7; (2) apontada por Adorno e Horkheimer, a assimilação de formas industriais de organização do trabalho e de racionalização da produção no processamento de bens culturais, em realidade, já existe, pelo menos, nas grandes emissoras do país; (3) chega também a se estruturar um sis6

Símbolo deste tipo de levantamento, o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) surge em 1942. Suas pesquisas, no entanto, tornam-se mais abrangentes e ganham confiabilidade e precisão somente na década de 1970. 7 Assume-se aqui a proposição de Dallas Smythe (1983) em uma série de raciocínios a respeito da TV e, sem dúvida, válidos para a radiodifusão sonora. Conforme o professor canadense, a forma de mercadoria constituída pelas comunicações produzidas para as massas e financiadas pelos anunciantes é o público. 12


tema de vedetes, o que ocorre na associação do rádio ao cinema e à fonografia, com quem as principais emissoras compartilham astros e estrelas – “tipos ideais da nova classe média”, na expressão de Adorno e Horkheimer (1986, p. 136) –, e a jornais e revistas, que fazem a divulgação destas personalidades; e (4) ocorre uma orientação do conteúdo por uma motivação comercial em que a lógica do lucro suplanta a da arte, situação, obviamente, comum ao rádio como negócio. No entanto, falta a tudo isto a sociedade de consumo, que só começa a se constituir, com base no crédito pessoal para aquisição de mercadorias e serviços, na década de 1970. (1) Estruturação e início do predomínio do rádio comercial, embora a realidade do período impeça a ascensão do meio ao patamar de indústria cultural. (2) Definição legal do caráter da radiodifusão no Brasil: outorga governamental com possibilidade de exploração comercial. (3) Profissionalização das emissoras com a contratação de um quadro de pessoal próprio para o qual são definidas funções específicas e estruturadas rotinas de trabalho. (4) Programação baseada, de modo majoritário, no espetáculo dos humorísticos, novelas e programas de auditório, mas com espaços reduzidos destinados à cobertura esportiva, à música gravada e aos noticiários. (5) Público, em geral, tomado como um todo ao qual se destina à programação, uma série de conteúdos trabalhados segundo uma média de gosto. (6) Predomínio da Rádio Nacional, do Rio de Janeiro. (7) Emissoras comerciais atuam em um mercado caracterizado pela vigência do capitalismo competitivo ou liberal. (8) Predomínio na gestão dos chamados capitães de indústria.

Quadro 2 – Características da fase de difusão

A fase de segmentação De 1950, quando a televisão é introduzida no país, através da TV Tupi-Difusora, de São Paulo, até a segunda metade da década de 1960, momento em que este novo meio passa a dominar a captação de verbas publicitárias, altera-se significativamente a conformação do rádio brasileiro. De fato, as emissoras enfrentam uma crise que não envolve apenas redução de audiência e faturamento. Perde o espetáculo para todos – as novelas, os humorísticos e os programas de auditório –, que, acrescido de imagem, migra para a televisão. Esta, por sua vez, impõe ao ambiente comunicacional uma nova forma de relacionamento com os bens culturais massivos. Diferentemente dos projetores e das telas de cinema – apesar da força dos filmes já, em grande parte, coloridos –, o televisor está na sala das casas como uma janela que se abre para o mundo. As cinzentas figuras que se movem no tubo de imagens tornam-se, assim, próximas em uma simulação diária de contato pessoal. Talvez resida aí a explicação para o que ocorre com o rádio. Abandonando o 13


texto escrito dos scripts de outrora, o meio vê surgir um novo protagonista: o comunicador também a simular uma relação próxima, em uma conversa constante – e imaginária – com o ouvinte, um bate-papo mais exclusivo ainda a partir da disseminação dos receptores transistorizados. Radinhos de pilha tornam-se comuns a partir do início dos anos 1960, ocorrendo o mesmo com os autorrádios na década seguinte, época em que começam também a surgir mais e mais estações em frequência modulada. Com a posse de estações em AM e FM, um mesmo empresário, quase ao natural, obriga-se a oferecer conteúdos diferenciados em uma e outra, fugindo da ilógica possibilidade de concorrer com si próprio. Uma vez que as empresas radiofônicas começaram a encarar o fato de que a televisão lhes havia usurpado seu posto como distribuidores de entretenimento geral para as massas, começaram a experimentar novos formatos e descobriram que, coletivamente, podiam abordar por fragmentos o seu público anterior, formulando fortes chamamentos a frações determinadas da população (HONAN, 1981, p. 98).

Na passagem para esta nova realidade, quatro fatores são fundamentais: (1) a sociedade de consumo que começa a se conformar em paralelo ao chamado Milagre Econômico Brasileiro, ao final do qual vai restar o crédito pessoal como forma consolidada de aquisição de bens; (2) a população urbana superando a rural, de acordo com o censo de 1970, com 66% dos habitantes do país – ou 61,5 milhões de pessoas, concentrando-se em cidades, parte deles nos chamados bolsões de pobreza; (3) a ascensão do jovem ao status de categoria social ao longo da década de 1960; e (4) a revogação do Ato Institucional nº 5, em 31 de dezembro de 1978, e o processo de redemocratização do país, com a promulgação de uma nova Constituição Federal, em 1988, e as eleições presidenciais no ano seguinte. De um lado, a sociedade de consumo, mesmo que mais no plano do imaginário – não a aquisição em si, mas a ideia, reforçada pela publicidade, de sua realização por meio do crediário –, cria parte das condições para a consolidação das indústrias culturais. De outro, as condições sociais apontam para a possibilidade de voltar o conteúdo das emissoras a parcelas do público. Neste processo, destacam-se três opções: (1) voltando-se a ouvintes das classes C, D e E, com mais de 25 anos e escolaridade, frequentemente, inferior à conclusão do ensino fundamental, embora isto não possa ser tomado como uma regra absoluta, surge o rádio popular com uma programação baseada na coloquialidade de seus comunicadores, no sucesso fácil das músicas veiculadas, na constante prestação de serviços – não raro descambando para o assistencialismo – e na exploração do noticiário policial; (2) para um público de até 25 anos, das classes A e B, de nível, pelos pa14


drões da época, secundário8 ou universitário, começa a surgir na segunda metade dos anos 1960 o rádio musical jovem, que se consolida ao longo da década de 1970; e (3), explorando o sempre necessário acesso à notícia e se beneficiando da abertura política, começam a se constituir emissoras dedicadas ao jornalismo e focadas, em especial, no público adulto, das classes A e B e com acesso ao ensino médio e/ou superior. Estas últimas vão aproveitar a transistorização por outro viés, o da irradiação ao vivo no palco de ação dos fatos. Simulando uma conversa, o ouvinte ganha, em cada um destes segmentos, respectivamente, um tipo diferenciado de interlocutor virtual: o comunicador popular, o disc-jóquei ou o âncora. Segmento Rádio popular Rádio musical jovem Radiojornalismo

Público Parcelas empobrecidas e marginalizadas Secundaristas, vestibulandos e universitários das classes média e média alta Adultos das classes A e B com ensino médio e/ou superior

Interlocutor Comunicador popular Disc-jóquei (DJ) Âncora

Figura 4 – Principais segmentos e formas de interlocução com o ouvinte

Como já referido em outra ocasião: Fazendo valer as formulações teóricas de Smythe [sobre a audiência como produto], as rádios, embasadas em uma nova realidade empresarial e econômica, passam, assim, de fato, a oferecer, como produto aos anunciantes, percentuais de audiências, mensurados cientificamente e especificados quantitativa e qualitativamente. Deste modo, quanto maior o número de ouvintes aferido [...] em um programa ou horário específico, tanto mais caro este custará ao anunciante. (FERRARETTO, 2009, pp. 106107)

Em paralelo, no contexto macroeconômico, dá-se a superação do capitalismo competitivo ou liberal pelo monopólico: O que distingue o capitalismo monopólico do da fase anterior – denominado de competitivo ou liberal – é antes de mais nada a mudança nas regras da competição. Nos mercados competitivos, numerosas empresas disputam a preferência dos compradores mediante preços mais baixos ou vantagens análogas, tais como prazos mais longos de pagamento, descontos etc. Nos mercados monopólicos, a preferência dos compradores é disputada por pequeno número de grandes firmas mediante diferenciação dos produtos, prestígio da marca e publicidade. O público consumidor é persuadido de que a marca e a aparência do produto representam qualidade superior e, portanto, justificam o pagamento de um preço mais alto (SINGER, 1987, p. 75).

É, portanto, característica desta fase histórica a conglomerização. Grupos articulam-se, de modo, por vezes, oligopólico, no campo da propriedade cruzada dos meios, controlando, simultaneamente, jornais, emissoras de rádio e/ou estações de TV. Desen8

Equivalente ao atual ensino médio. 15


volvem, inclusive, alianças em que o hegemônico nacionalmente associa-se ao hegemônico regional. É o caso, por exemplo, das Organizações Globo (Rio de Janeiro) e da Rede Brasil Sul de Comunicação (Porto Alegre). Em segmentos mais específicos, atuam também algumas pequenas e médias empresas, cujo menor porte não impede, em casos determinados, o sucesso de seus empreendimentos na área de radiodifusão sonora. Os conglomerados, no entanto, tendem a criar poderosas barreiras à entrada de concorrentes. Alguns chegam a operar redes via satélite, ampliando o alcance de seus negócios. Neste quadro, em termos de gestão, as indústrias culturais vivem também o advento daqueles que Fernando Henrique Cardoso (1972, p. 150) denomina homens de empresa: Em oposição aos capitães de indústria e aos industriais tradicionais, os homens de empresa não têm mais a obsessão pelo lucro rápido e imediato obtido pela manipulação do mercado ou de favores oficiais, nem a obsessão pela exploração total e irracional do trabalho ou pelo contrário usurário dos gastos. Metodização do trabalho, especialização de base tecnológica da produção, expectativa de lucros a prazos médios e espírito de concorrência são as características básicas das preocupações dos homens de empresa. Entretanto, o que fundamentalmente os distingue dos capitães de indústria é que, ao contrário destes últimos, que vivem cerrados no círculo de giz de suas fábricas, os homens de empresa têm as preocupações voltadas para a “sociedade como um todo” [...].

Segundo o autor, a motivação dos homens de empresa é distinta da que caracteriza os capitães de indústria: “[...] no plano da fábrica, são movidos pelo desejo de construir uma ‘indústria verdadeira’, no plano da visão geral que têm do mundo, desejam construir o capitalismo no Brasil” (CARDOSO, 1972, p. 151). Cabe lembrar que estas considerações do sociólogo baseiam-se na análise de opiniões e posicionamentos coletados no início da década de 1960, demonstrando a passagem de um perfil de empresário industrial para outro. Coincidentemente, na mesma época, mas no campo da comunicação, dáse a institucionalização do setor econômico representado pela radiodifusão com a fundação, em 27 de novembro de 1962, da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). A entidade surge de uma mobilização para derrubar, junto ao Congresso Nacional, diversos vetos – contrários à livre iniciativa e às empresas privadas, na visão dos proprietários de estações – impostos pelo governo João Goulart ao Código Brasileiro de Telecomunicações. Até 1964, do ponto de vista dominante entre os radiodifusores, a construção do capitalismo dar-se-á no apoio à derrubada do presidente da República e, nas décadas seguintes, na proximidade com o Ministério das Comunicações, criado em 1967, e cujos titulares – em especial, durante a ditadura militar – seriam presença frequente nos congressos da Abert. 16


Ao longo deste período, desenvolvem-se alternativas à hegemonia do rádio comercial. De um lado, sob o regime militar, ocorre o incentivo ao surgimento de estações educativas, em geral ligadas, direta ou indiretamente, ao então Ministério da Educação e Cultura. Com a redemocratização, vai crescer, à margem das outorgas, o movimento das rádios comunitárias, regulamentado pela Lei 9.612, de 20 de fevereiro de 1998. A decadência das emissoras de cunho educativo e a relativa confusão gerada pelo artigo 223 da Constituição Federal de 1988, ao estabelecer os sistemas privado (comercial), público e estatal, mantém, desde então, um debate inconcluso a respeito das caracterizações e dos limites de cada uma destas modalidades. De resto, em termos de conteúdo, fora não haver o foco na obtenção de lucro, estas rádios não raro emulam o produzido em suas correlatas comerciais. (1) A radiodifusão sonora constitui-se como um ramo particular da indústria cultural. (2) De 1960 a 1970, a televisão passa a liderar o mercado de comunicação, tanto em termos de audiência quanto no que diz respeito às verbas publicitárias. (3) A transistorização permite, de um lado, a portabilidade do receptor (radinho de pilha e autorrádio) e, de outro, a mobilidade na transmissão com a presença da emissora no palco de ação dos acontecimentos. (4) Empresas começam a operar, além das em ondas médias, também estações em frequência modulada, faixa que, gradativamente, se torna hegemônica. (5) Criam-se condições para a segmentação: de 1960 a 1970, a população urbana ultrapassa a rural; no mesmo período, o jovem constitui-se como categoria social passível de ser trabalhada como consumidor; e, na virada da década de 1970 até a segunda metade dos anos 1980, ocorre a redemocratização do país. (6) Comunicador torna-se a figura central das irradiações, que ganham, assim, coloquialidade. (7) Ascensão dos homens de empresa sob a vigência do capitalismo monopólico. (8) Predomínio de conglomerados operando sob propriedade cruzada. (9) Formação de redes via satélite. (10) Desenvolvimento de outras modalidades de radiodifusão sonora além da comercial: comunitária, educativa, estatal e pública.

Quadro 3 – Características da fase de segmentação

A fase de convergência A gradativa consolidação da telefonia celular, introduzida no país em 1990, e da internet, cujo acesso comercial é liberado aos brasileiros no ano de 1995, vai fazer com que se conforme uma nova fase histórica em termos de rádio, na qual influenciam também novos modos de acesso à informação e de relacionamento derivados destas duas tecnologias. Sem excluir a ideia de focar o conteúdo em parcelas da audiência, as emissoras, em realidade, ultrapassam este tipo de posicionamento: em um processo que começa a ganhar força no final da primeira década do século 21, passam a buscar não apenas o 17


segmento específico, mas se conscientizam da necessidade de estarem com sinal disponível a esta parcela da audiência independentemente do suporte técnico utilizado. Neste particular, algumas iniciativas empresariais ilustram este momento: (1) em 1995, a emissora de São Paulo da Central Brasileira de Notícias, rede do segmento de jornalismo ligada às Organizações Globo, passa a replicar o seu sinal de ondas médias, de forma pioneira, em frequência modulada; (2) aproveitando a experiência da CBN, treze anos mais tarde, a Gaúcha AM, de Porto Alegre, estação voltada ao jornalismo e uma das empresas do Grupo RBS, faz o mesmo, com um reposicionamento mercadológico que se constitui em uma espécie de profissão de fé na convergência, com seus gestores admitindo a necessidade de a rádio estar presente em todo o suporte tecnológico possível; (3) a atitude semelhante, no ano seguinte, da Super Rádio Tupi, do Rio de Janeiro, quebrando a ideia de que a conversa e o entretenimento voltados ao segmento popular eram característicos – para alguns empresários e pesquisadores, até então, exclusivos – da amplitude modulada; e (4) a estratégia crescente, desde o final dos anos 1990, da CBN de uso da rede mundial de computadores não apenas para download e streaming, mas para disponibilizar conteúdo relacionado à sua marca produzido por âncoras, comentaristas e repórteres exclusivamente para a web. O meio rádio começa, assim, a extrapolar a sua base de transmissão hertziana tradicional. Como já se observou em outra oportunidade a partir de Mariano Cebrián Herreros (2001): Escuta-se rádio em ondas médias, tropicais e curtas ou em frequência modulada, mas [...] [o meio] também se amalgama à TV por assinatura, seja por cabo ou DTH (direct to home); ao satélite, em uma modalidade paga exclusivamente dedicada ao áudio ou em outra, gratuita, pela captação, via antena parabólica, de sinais sem codificação de cadeias de emissoras em AM ou FM; e à internet, onde aparece com a rede mundial de computadores ora substituindo a função das antigas emissões em OC, ora oferecendo oportunidade para o surgimento das chamadas web radios ou, até mesmo, servindo de suporte a alternativas sonoras assincrônicas como o podcasting. Tal pluralidade pode ser estendida aos modos de processamento de sinais – analógico ou digital –, à definição legal da emissora – comercial, educativa ou comunitária –, ao conteúdo – jornalismo, popular, musical, cultural, religioso... [...] Tudo, ainda, tendo de considerar estratégias empresariais de complementaridade entre meios diversos sob controle de um mesmo grupo econômico ou até aquela migração da própria audiência de uma mídia a outra na combinação de conteúdos, semelhantes ou não, proporcionada pela esfera comunicacional em que a sociedade humana transformou-se. (FERRARETTO, 2007, f. 2).

Ao não se restringir mais apenas às transmissões por ondas eletromagnéticas, o rádio pende de um conceito de viés tecnológico para um novo, amparado na sua lingua-

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gem específica, como definido anteriormente em parceria com Marcelo Kischinhevsky (In: ENCICLOPÉDIA INTERCOM, 2010, v. 1, p. 1.009-1.010): Meio de comunicação que transmite, na forma de sons, conteúdos jornalísticos, de serviço, de entretenimento, musicais, educativos e publicitários. Sua origem, no início do século 20, confunde-se com a de, pelo menos, outras duas formas de comunicação baseadas no uso de ondas eletromagnéticas, para transmissão da voz humana a distância, sem a utilização de uma conexão material: a radiotelefonia, sucessora da telefonia com fios, e a radiocomunicação, essencial para a troca de informações, de início, entre navios e destes com estações em terra ou, no caso de forças militares, no campo de batalha. [...] De início, suportes não hertzianos como web rádios ou o podcasting não foram aceitos como radiofônicos [...]. No entanto, na atualidade, a tendência é aceitar o rádio como uma linguagem comunicacional específica, que usa a voz (em especial, na forma da fala), a música, os efeitos sonoros e o silêncio, independentemente do suporte tecnológico ao qual está vinculada.

Nesta fase de convergência, defende-se que o rádio mantém duas características desenvolvidas anteriormente: (1) a possibilidade de recepção da informação enquanto o indivíduo realiza outra atividade; e (2) a capacidade do meio atuar como uma espécie de companheiro virtual, com cada integrante do público recebendo a mensagem como se fosse o único destinatário desta. Ambas são acentuadas por uma particularidade, que remonta à passagem dos grandes aparelhos valvulados – situados, até então, na sala das residências – para os diminutos radinhos de pilha – passíveis de serem transportados com facilidade. Trata-se do que Marcelo Kischinhevsky (2008) chama de cultura da portabilidade, hoje presente no uso de celulares, tocadores de áudio e vídeo, tablets e assemelhados: A portabilidade, naturalmente, não é fundada pelas novas tecnologias de informação e comunicação, nem se desenvolve a partir da oferta de tocadores multimídia a preços acessíveis. Esta cultura remonta ao advento do transistor, que viabilizou o rádio a pilha e, posteriormente, o walkman. (KISCHINHEVSKY, 2008, f. 7)

É a portabilidade associada ao celular, que reúne – no relevante para esta reflexão – telefonia, internet e rádio, constituindo-se em uma das principais responsáveis pela ideia de interatividade presente nas transmissões e dominante nesta fase histórica. Vale observar que não se trata de nada próximo de um contato face a face, mas sim de uma simulação deste, uma ampliação a partir da coloquialidade já existente na fala do comunicador. É a quase-interação mediada, citada por John Thompson (2002, pp. 78-79) e correspondente às relações sociais estabelecidas pelos meios de comunicação de massa, com a produção de formas simbólicas para um número indefinido de receptores potenciais em um fluxo de informação predominantemente em sentido único e, portanto, monológico. 19


De forma mais ampla, a exemplo de outros setores, a indústria de radiodifusão sonora incorpora o novo regime de acumulação, que caracteriza o sistema capitalista após a crise do petróleo e seus reflexos na década de 1970, assim identificado por David Harvey (1996, p. 140): A acumulação flexível [...] é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional.

A respeito, recorda-se observação anterior: Nas indústrias culturais ligadas à radiodifusão sonora, a acumulação flexível caracteriza-se pelo aquecido mercado de arrendamento de radiofrequências, pela terceirização de espaços na programação, pelos frouxos mecanismos de gestão, pela precarização nas relações de trabalho e pelo acúmulo de funções imposto a radialistas e jornalistas. A desregulamentação não se resume às relações entre capital e trabalho ou à continuidade de práticas amparadas nos limbos legais gerados por imprecisões ou interpretações levianas do Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, e de outros instrumentos legislativos correlatos e/ou posteriores. (FERRARETTO; KISCHINHEVSKY, 2010, pp. 174-175).

Ainda no plano empresarial, verifica-se certa indecisão frente à realidade suscitada pelas, agora, nem tão novas tecnologias de informação e comunicação. Um exemplo é o equacionamento como produto da audiência obtida via rede mundial de computadores. De acordo com o Comitê Gestor da Internet no Brasil (mar. 2009), 46% dos internautas conectados em território nacional escutam rádio, com preponderância deste meio, ou assistem TV on-line. Sem dados qualitativos confiáveis a respeito e dada a considerável dispersão desses ouvintes, as emissoras têm dificuldades em valorizá-los junto aos anunciantes9. De forma embrionária, os radiodifusores já começam a criar, no entanto, novos espaços de veiculação publicitária, como os banners em aplicativos para smartphones incluídos, no início da década de 2010, entre as possibilidades oferecidas ao mercado publicitário. De resto, a fase de convergência é ainda campo a requerer certo vagar na análise de algumas de suas manifestações. Pode-se questionar, por exemplo, se vão vingar comercialmente estações de conteúdo voltado, de modo exclusivo, à internet ou se as emissoras em branded content – as que incorporam na sua denominação o nome de um 9

Alguns consultores têm sugerido o preenchimento de um cadastro com o fornecimento de dados básicos do ouvinteinternauta, além da definição de um usuário e de uma senha para o acesso via rede ao sinal da emissora, acesso que permaneceria sem cobrança direta. 20


anunciante daí sendo definido o seu segmento de atuação – são um modismo ou uma realidade mais duradoura. Fora do sistema de radiodifusão privado, vale levantar indagações sobre o modelo de financiamento das comunitárias, educativas, estatais e públicas calcado no chamado apoio cultural. Deve-se, com certeza, lembrar que, em tempos de convergência, há a clara necessidade de repensar também os marcos regulatórios. (1) Redefinição das transmissões radiofônicas para além das ondas hertzianas. (2) Reposicionamento conceitual com o meio sendo tomado por sua linguagem específica e não mais apenas pela tecnologia envolvida. (3) Valorização da participação do ouvinte. (4) Coincide com a hegemonia do sistema capitalista e com um perfil de gestor, crescentemente, voltado à integração, sob a acumulação flexível, dos empreendimentos regionais às tendências da globalização. (5) Busca por novas formas de comercialização. (6) Indefinição, no âmbito do negócio, sobre o futuro das transmissões on-line e de suas possibilidades de comercialização. (7) Necessidade de repensar o modelo de financiamento das emissoras comunitárias, educativas, estatais e públicas. (8) Repensar os marcos regulatórios como imperativo provocado pela nova realidade criada a partir da convergência.

Quadro 4 – Características da fase de convergência

Considerações finais Ao longo deste artigo, sem pretender esgotar as diversas particularidades da trajetória do rádio brasileiro, procurou-se demonstrar a validade de um modelo de periodização baseado, após o advento do rádio comercial, na hegemonia de estratégias de mercado específicas. Pondera-se, no entanto, que a ideia de predominância, por lógica, não significa a exclusão de outros posicionamentos. O associativismo comum aos pioneiros da radiodifusão, por exemplo, retornou de forma mesmo que menos institucionalizada na maneira como muitas web rádios conformam-se, juntando novos entusiastas cotizados para cobrir os custos envolvidos e voltados à produção de conteúdos hipersegmentados para as comunidades virtuais próprias da internet. Mesmo aquele rádio que buscava o público em sua totalidade segue vigente, de certo modo, em pequenas estações interioranas com suas programações organizadas por horários, cada um destes dirigidos a audiências distintas: Em geral, entre 6 e 8h, ocorrem emissões para um público bem genérico com informações para quem está acordando, entremeadas, com frequência, por músicas. Na sequência, entram programas jornalísticos abordando os principais fatos do município e da região, voltados aos formadores locais de opinião. Parte da manhã ou da tarde, no entanto, é preenchida com comunicadores popularescos com a emissora procurando 21


atingir, deste modo, as classes C e D. Além disto, a programação pode incluir transmissões esportivas locais. (FERRARETTO, 2000, p. 60)

Outro aspecto a considerar é que esta proposta não pretende refutar outras elaboradas a partir de bases teóricas semelhantes, embora sobre princípios organizativos diversos a gerar também pontos de corte diferentes dos aqui apresentados. Nesta reflexão, quer-se, em síntese, contribuir para um debate que não se esgota: o dedicado à história do rádio brasileiro à luz da economia política da comunicação. Como todo conhecimento, trata-se sempre de algo em processo. E, no caso dos estudos históricos, de tarefa extremamente necessária para compreender as razões do que hoje ocorre, projetando criticamente possibilidades para o futuro e tentando evitar problemas identificados em outros períodos históricos.

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Mediações Fonográficas: uma análise dos negócios, regulações, usos e apropriações das tecnologias no contexto de ascensão de uma indústria da música Henrique Ramos Reichelt1 Universidade Federal Fluminense (UFF) henrique.reichelt@yahoo.com.br Resumo: O presente artigo investiga a configuração das mediações musicais ocorridas ao longo do final do século XIX e início do XX, a partir do surgimento dos primeiros dispositivos de reprodutibilidade sonora. Em uma perspectiva histórica, são abordadas disputas entre empresas produtoras de aparelhos, gravadoras de discos e emissoras de rádio em função da regulação, da formação de seus mercados e das condições de apropriação dos ouvintes. Palavras-chave: Indústria da música. Tecnologias da informação e da comunicação. Mediações musicais. Abstract: This paper investigates the configuration of musical mediations occurred during the late nineteenth and early twentieth centuries, from the appearance of the first sound device reproducibility. In a historical perspective, are discussed disputes among companies producing equipment, record labels, radio stations according to the setting, the formation of markets and their conditions of appropriation of the listeners. Keywords: Music industry. Information and communication technology. Musical mediations. Resumen En este trabajo se investiga el entorno musical de las mediaciones que se produjeron durante los finales del siglo XIX y principios, a partir de la aparición de los primeros dispositivos de reproducción de sonido. En una perspectiva histórica, se discuten las disputas entre las empresas productoras de equipos, compañías discográficas y emisoras de radio en función de la regulación, la formación de sus mercados y las condiciones de la propiedad de los oyentes. Palabras clave: Industria de la música. Tecnología de la información y la comunicación. Las mediaciones musicales. Introdução

Em 1877, Thomas Édison registra a patente da primeira máquina capaz de gravar e reproduzir sons: o fonógrafo. A partir deste momento é dada uma nova

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Mestre em Comunicação Social pela UFF, cursou Master em Sociologia, Arte, Cultura e Mediações Técnicas na Universidade Pierre Mendès France (Grenoble II), na França. Membro do LabCULT – Laboratório de Pesquisa em Culturas e Tecnologias da Comunicação.


potencialidade para a música, que até então, só poderia existir com a presença de um músico executando um instrumento. No entanto, alguns anos foram necessários para que se estabelecesse um circuito que configurasse a existência da música gravada como uma realidade social. Inicialmente, o fonógrafo foi idealizado como gravador e reprodutor de voz. A concepção de sua utilidade estava muito mais voltada para o mundo do trabalho do que para o do entretenimento. Ele servia principalmente para registrar reuniões, discursos, declarações, recados, bem como para auxiliar no ensino aos cegos e na pronúncia de idiomas (PICCINO, 2008, pp. 2-3). Contudo, as primeiras tentativas de exploração comercial do fonógrafo não encontram uma colocação forte o bastante para alavancar as vendas do aparelho. Desta forma, considerando suas maneiras de uso e apropriação, pode-se dizer que o fonógrafo sempre serviu ao entretenimento, pois em contrapartida a seu fracasso comercial como utilitário para gravação e reprodução de voz, ele fazia sucesso como excentricidade técnica em feiras científicas e apresentações circenses. Dentre as muitas limitações tecnológicas e operacionais do fonógrafo, cabe citar a restrição do tempo de gravação, a baixa durabilidade do registro, que se deteriorava rapidamente, e a impossibilidade de copiar o fonograma. Estes problemas foram minimizados por Emile Berliner com a invenção do gramofone. A tecnologia utilizada nele era a mesma do fonógrafo. Ambos registravam o som a partir de um processo de gravação realizado pela vibração de uma agulha que produzia sulcos em uma base de cera em forma de um cilindro, no caso do fonógrafo, e de um disco, no caso do gramofone. A diferença fundamental do invento de Berliner é que posteriormente produzia-se um negativo destes sulcos em uma matriz de cobre que possibilitava a feitura de cópias do fonograma. Ao final do processo, estas cópias recebiam um tratamento químico que garantia maior durabilidade aos fonogramas inscritos em disco. Além disso, a reprodução dos sons gravados era muito mais prática que a do fonógrafo. No entanto, o processo de fabricação da matriz metálica necessitava de uma estrutura industrial que poucos estariam dispostos a pagar. Por isso, o gramofone foi criado apenas como um aparelho de escuta e não de registro sonoro. A atividade de gravação dos sons foi separada do invento, dando origem então, a um novo campo profissional


especializado e a um novo mercado de fonogramas, ambos desenvolvidos por empresas “gravadoras”, que vão encontrar na música o grande filão para o escoamento de uma produção cada vez mais industrializada. Esta primeira fase da fonografia, caracterizada pela tecnologia mecânica de gravação, dura até meados dos anos 20. Ela apresenta uma guerra de standards (CHANAN, 1995; BEUSCART, 2006, p. 51) entre as empresas de seus inventores: Edison (fonógrafo) e Berliner (gramofone). O mais importante a se sublinhar neste período histórico é que a composição do modelo de negócio das duas empresas estava centrada na venda do aparelho de reprodução e não da música comercializada em suporte. Gradualmente, o valor gerado se transfere do aparelho para o disco, na medida em que as tiragens foram aumentando e amortizando os investimentos

da

produção

fonográfica.

O

crescimento

e

o

consequente

barateamento da venda de discos e gramofones incitavam a preferência dos novos empresários do ramo a explorar a tecnologia de Berliner. Thomas Edison, percebendo a desvantagem de seu invento frente à popularidade que o gramofone ganhara com a venda de discos, aperfeiçoou o fonógrafo e se associou à empresa Columbia, em 1888, também para produzir e comercializar fonogramas musicais. Em 1901, Berliner reestrutura sua empresa, rebatizado-a Victor Talking Machine. A partir de então, comandada por Eldridge Johnson (SUISMAN, 2009, p. 101), a empresa adota uma estratégia de expansão internacional da patente de gravação de discos, licenciando o direito de exploração comercial de fonogramas para outras empresas. Consequentemente, o disco tornouse muito mais disponível no mercado do que o cilindro, chegando no ano de 1900 a um catálogo de 5.000 músicas (VICENTE, 1996, p. 15). No entanto, outras empresas também ofereciam aparelhos reprodutores, sobretudo fora dos EUA, onde as patentes do fonógrafo e do gramofone ainda não haviam sido registradas, ou não tinham a mesma proteção. Na França e na Rússia, por exemplo, o aparelho dominante era outro. Criado pela empresa Pathé Frères, ele possibilitava tanto a leitura de discos como a de cilindros, bem como o registro sonoro (BEUSCART, 2006, p. 51). Em 1914, a patente do gramofone expira permitindo a livre exploração do invento. Após este acontecimento, o fonógrafo e o cilindro entram gradualmente em declínio até serem substituídos definitivamente pelo padrão do disco.


O sucesso do disco deve-se não apenas ao modo industrial cuja reprodutibilidade se dá a partir de um mesmo fonograma, mas também ao modo cultural que essa inerente massificação é constituída no mercado. A tecnologia do fonógrafo não permitia a duplicação de maneira industrial. Sendo assim, cada cilindro produzido continha um registro sonoro único, entretanto, este que poderia ter sido um fator de diferenciação do cilindro, não foi explorado. Edison contratava músicos que registravam até 80 versões da mesma música por dia (FLICHY apud BEUSCART, 2006, p. 51). Isso dissipava o caráter exclusivo da performance tanto na execução musical, que tendia à padronização da produção devido à forma de trabalho dos músicos, quanto na percepção do público consumidor, que encontrava no ponto de venda uma oferta homogênea. Berliner, que desde o princípio concebeu o gramofone como um aparelho tocador de música, dava mais destaque ao caráter artístico-musical. Edison que, num primeiro momento, direcionou o fonógrafo para os escritórios, ao reposicionar seu invento ao mercado musical, produzia “música sentimental”, “tropical”, “cômica”, “irlandesa”, “negra” (VICENTE, 1996, p. 15) sem se desprender do caráter de registro sonoro a que o aparelho também servia. O fonógrafo e o gramofone, assim como outros aparelhos existentes, ofereciam acervos específicos de fonogramas. Desta forma, a tomada de decisão de compra por parte do consumidor tinha, além da qualidade sonora, o acesso a um determinado catálogo musical como fator fundamental. Sendo assim, mesmo que as empresas não estivessem propriamente interessadas na venda dos suportes, tinham na produção fonográfica um interesse estratégico fundamental e procuravam distinguir seus catálogos. Esse talvez tenha sido o principal erro de Thomas Edison. Através de sua empresa ele adotou a seguinte estratégia: Eu prefiro depender da qualidade das gravações e não da reputação dos cantores [...] Nós não ligamos para a reputação dos artistas, dos cantores, ou dos instrumentistas. Tudo que nós desejamos é que a voz seja a mais perfeita possível. Não é nossa intenção fabricar artistas ou vender registros usando o nome do artista […] Nós pretendemos confiar inteiramente no tom e na alta qualidade da voz. (SUISMAN, 2009, p. 128)

Edison nem mesmo atribuía crédito aos músicos responsáveis pelo registro em seu catálogo de títulos. Neste constava apenas o nome da música e de seu compositor. Victor também procurava confiar na qualidade sonora e colocá-la no


centro de seu negócio, mas adotara a estratégia inversa, ou seja, trabalhava antes o nome do intérprete e não o do compositor. Essa decisão de apostar preferencialmente na mediação da performance musical em lugar da mediação da composição de uma obra, como fazia Edison e a indústria editorial de partituras, deve-se também a outras razões – como as necessárias adaptações do negócio fonográfico às regulamentações do direito autoral – que serão discutidas na sequência deste trabalho. Contudo, as razões de seu sucesso, sem dúvida, estão na adequação do produto musical à forma como ele vinha sendo consumido. As novas práticas de escuta, surgidas com o advento da música gravada, voltavam-se antes para as características sonoras da gravação, do que para as que eram entendidas como musicais até então. Eldridge Johnson, a cargo da Victor, resolveu seguir a fórmula adotada pelos jornalistas Joseph Pulitzer e William Randolph Hearst: “nomes dão notícia”, pois estabelecem a dramaticidade a partir de uma história de vida. Foi através de Caruso que esta estratégia mostrou-se viável conferindo à Victor mais de um milhão de cópias vendidas numa época em que as vendas de disco não alcançavam grandes cifras. Investindo no intérprete, estava-se investindo em uma performance. Não uma execução propriamente “musical” como delimitava a partitura e a mediação dos concertos, mas uma performance sonora que aportava traços da presença de um grande artista. Além disso: O problema enfrentado pelo negócio fonógrafo não era apenas comercial, mas também de escuta. Como a tecnologia do rádio condensava o som com um microfone elétrico e amplificava-o com um alto-falante elétrico, geralmente o rádio soava mais alto e claro que os reprodutores de fonogramas, cuja tecnologia acústica mudara muito pouco em um quarto de século. (SUISMAN, 2009, p. 267)

A eletrificação da indústria fonográfica só ocorreu na segunda metade de 1920, enquanto o rádio se expandiu nacionalmente pelos EUA desde início da década. Nesta corrida tecnológica, o fonógrafo de Edison ficará para trás sem conseguir se adaptar antes de sua extinção. Victor, por sua vez, não só adaptou seu invento como estabeleceu um acordo com a Radio Corporation of America (RCA) para associar a coexistência dos dois meios musicais:


[...] a partir de 1926, Victor começou a vender unidades combinadas, chamada Victrola-Radiolas, que integrava os rádios RCA ao seu Gramofone. Outras empresas haviam começado a comercializar unidades de combinação anteriormente, mas Victrola-Radiolas representou a união dos líderes dos dois campos. (SUISMAN, 2009, p. 268)

Gravação elétrica

Na década de 1920, o desenvolvimento de aparelhos movidos a energia elétrica amplia muito a presença da música no cotidiano das pessoas. Ainda no final do século XIX, o telégrafo e o telefone já funcionavam através da eletricidade para a transmissão de informações sonoras. É a partir das pesquisas de aprimoramento destes sistemas de comunicação que novos inventos, como o próprio fonógrafo2, vão surgir. Essa nova base tecnológica resultará no abandono das tecnologias mecânicas de gravação e reprodução, que progressivamente, serão substituídas pelo padrão elétrico. A adoção de tecnologias elétricas nos estúdios de gravação representou uma significativa melhora dos fonogramas. No processo de gravação mecânica o som era captado por um grande cone que passava a vibração para a agulha gravadora. Os músicos necessitavam emitir um alto volume de seus instrumentos, que concorriam com a voz do cantor, a qual precisava ser ainda mais forte para se destacar. Em função disso, muitos instrumentos não podiam ser utilizados, sobretudo os de percussão, e eram constantemente substituídos por técnicas de sonoplastia. Com a inserção do microfone nos estúdios, a potência sonora antes necessária para transmitir a vibração para a agulha gravadora ficou a cargo da energia elétrica, que amplificava os sons de baixa amplitude. Consequentemente, uma gama maior de frequências (graves e agudos) pôde ser captada e gravada, possibilitando um resultado mais próximo da experiência real de escuta, ao capturar nuances sonoros, que se perdiam no processo puramente acústico das tecnologias mecânicas de gravação. 2

“THOMAS ALVA EDISON (1847-1931) encontrava-se, em 1877, envolvido com experimentos com o objetivo de aumentar a velocidade de transmissão do telégrafo. Sua idéia era pré-gravar as mensagens em código Morse na forma de indentações em uma fita de papel. Essa fita era então passada em alta velocidade por um relé conectado a um teclado Morse. Edison logo notou que quando a fita de papel era movida rapidamente o aparelho emitia um ruído semelhante à fala humana. Isso lhe deu a idéia de gravar as indentações por meio de uma agulha conectada a um diafragma que captaria diretamente o som de sua voz. (IAZZETTA, 1996, p. 49)


É o microfone que vai permitir uma nova forma de cantar num estilo mais coloquial e sussurrado (o estilo dos crooners tais como Bing Crosby, ou no caso brasileiro, Francisco Alves e Carmen Miranda); e sua associação à amplificação e aos alto-falantes permite que vozes até então vistas como pequenas possam ser registradas e apreciadas com qualidade. Da mesma forma, o desenvolvimento de estilos como o jazz – onde instrumentos, como o baixo, devem ser ouvidos com nitidez e sutileza; ou posteriormente do rock-and-roll e sua estética da distorção de guitarras amplificadas são altamente dependentes destas inovações. (SÁ, 2006, pp.4-5)

Esta mudança vai oferecer maiores condições técnicas para que a música popular ganhe cada vez mais a preferência dos consumidores e das empresas fabricantes de discos. Como já foi mencionado, o processo de gravação mecânica limitava a presença de certos instrumentos (coincidentemente aqueles mais utilizados na música popular como os de percussão) e, sobretudo, impunha a entonação de um padrão vocal operístico que, ainda assim, não era suficiente para destacar com clareza a pronúncia da letra de uma música. Consequentemente, nas primeiras décadas da produção fonográfica: [...] a música erudita foi, praticamente, a única a ser comercializada, e as gravações de cantores líricos europeus tornaram-se os primeiros grandes sucessos de venda no mercado norte-americano. Assim, num primeiro momento, a aceitação da nova invenção pela classe média teve de passar por sua associação a um “referencial elitista de alta cultura, (ao qual) a música europeia era considerada muito superior à música popular produzida nos EUA.” Esta situação só começou a ser superada quase 30 anos mais tarde, com o surgimento do Tim Pan Alley Publisher, ocorrida em 1928. (VICENTE, 1996, p.17)

Além das limitações técnicas, também as estratégias de lançamento, tanto dos aparelhos de som como de seus respectivos discos e cilindros, procuravam associar a qualidade do som à qualidade musical das grandes obras, igualando a escuta de fonogramas à das salas de concerto (SUISMAN, 2009). Como descrito anteriormente, a principal razão do estabelecimento do disco como suporte padrão deve-se, além da questão da reprodutibilidade, à concessão de licenças para que outras empresas produzissem discos, o que ampliou o catálogo de fonogramas deste suporte, garantindo então a preferência do consumidor pelo gramofone. Desta forma, a maioria das pequenas empresas produtoras de discos tinha sim seu modelo de negócios centrado na comercialização de suporte, pois não trabalhavam com a venda do gramofone. Em função disso, talvez a música popular estivesse mais


presente no disco do que nos outros suportes e essa diversidade de catálogo tenha colaborado para a vitória do gramofone. No entanto, considerando as razões já citadas acima (limitações técnicas e qualidade sonora dos aparelhos associada ao acesso de um catálogo musical específico) certamente as gravadoras preferiam investir na música erudita, pois os artistas de maior reconhecimento do grande público vinham dela. Até a década de 1920, a principal forma de comercialização da música estava a cargo da indústria editorial (BEUSCART, 2006, p. 53), embora ainda na fase mecânica a venda de suportes fonográficos tivesse alcançado cifras bastante representativas. As gravadoras buscavam nos sucessos de venda de partituras o referencial do que deveria ser gravado para enfrentar a forte concorrência deste emergente mercado. Tratava-se de uma cadeia de produção cujo ponto de partida era o concerto. Os sucessos de público e crítica atraíam os editores que transcreviam as peças para a partitura. Esta seria consumida por músicos profissionais, que a utilizavam para a realização de outros concertos, como também por músicos amadores que as usavam dentro do ambiente doméstico. Uma vez que as partituras obtivessem êxito comercial, os discos apareciam como alternativa de acesso das músicas resultantes desta cadeia.

Alguns anos mais tarde, esse

processo irá se inverter. A indústria fonográfica desenvolve autonomia na prospecção de artistas que, devido às grandes tiragens de discos e os pesados investimentos de promoção, farão com que os produtores de espetáculos ao vivo e a indústria editorial paute suas produções com base na demanda deste outro mercado. Mas, nos primeiros anos da fonografia, “artistas” em nada ajudavam nos negócios, pois criavam atritos com a indústria editorial com relação ao não pagamento de direitos autorais, pois as leis ainda não prescreviam qualquer tipo de determinação quanto aos fonogramas. Como a prioridade era a venda de aparelhos e não de discos, era preferível pagar uma pequena quantia a um cantor desconhecido, que registrasse obras clássicas de domínio público, do que gravar as obras da moda de um novo cantor-compositor que já tivesse contratos assinados com editoras.


Dois aspectos interligados darão as condições para que essa mudança ocorra: o desenvolvimento da radiodifusão e a revisão das leis de direito autoral.

Rádio e direito autoral

No início do século XX, para se ter uma cópia (em partitura) de uma música, pagava-se, embutido em seu preço, os direitos autorais da obra, bem como uma taxa seria cobrada para a execução pública da mesma. No entanto, para a execução de uma música em ambiente doméstico, ou sua gravação em estúdio privado (estando a música presente ou não em uma partitura comprada), a lei nada previa. Naturalmente, conforme a indústria fonográfica crescia, os editores começavam a reclamar que ela estava vivendo à custa de seu trabalho enquanto que as gravadoras argumentavam que não existe propriedade sobre ideias e que seu ofício não causava perdas, nem aos artistas, nem as editoras, mas ao contrário, tendia a aumentar as vendas de partituras e suas execuções públicas. Em função desta disputa, o Congresso Nacional Americano revê o Copyright Act em 1909, visando, em favor dos artistas, evitar a formação de monopólios. O “direito de reprodução mecânica” é assegurado aos artistas e editores, permitindo que estes cobrassem das gravadoras o preço que quisessem para o registro de suas músicas, mas, uma vez que uma música fosse gravada, o pagamento de direitos teria valor fixado pelo Congresso (0,02 cents por cópia) para novas gravações (LESSIG, 2004, pp. 68-71; BEUSCART, 2006, pp. 55-56). Essas determinações vão estimular a indústria fonográfica a contratar novos artistas, que ainda não tinham cedido seus direitos à indústria editorial, bem como músicos intérpretes ao invés de compositores, mais um fator que levou as gravadoras a buscar na música popular a base do conteúdo para o seu negócio. A história do desenvolvimento da radiodifusão nos primeiros anos da década de 1920 é bastante parecida com a da fonografia. No princípio, o conteúdo radiofônico era produzido por “amadores” e o interesse de empresas como Westinghouse, General Electric (GE) e RCA estava centrado na venda dos aparelhos. Junto a esses “amadores” elas financiavam estações transmissoras como


uma estratégia de ampliação das vendas de seu produto, assim como faziam as empresas de Edison e Berliner, responsáveis pelo fonógrafo e o gramofone, respectivamente, com a venda de discos. Como a utilização do rádio nesta época era muito parecida com a do telefone e de certa forma concorria com ele, a empresa de telefonia American Telephone and Telegraph (AT&T) também entrara neste mercado. No entanto, enquanto empresa telefônica, ela tinha interesse na constituição de um modelo de negócios baseado na cobrança do conteúdo produzido pelos usuários, enquanto que as fabricantes de rádio eram adeptas a uma taxação sobre a venda do aparelho. O desenvolvimento comercial da radiodifusão acabou seguindo o caminho proposto pela gigante AT&T, embora pouco depois esta se afaste deste mercado temendo retaliações antitruste. Pelas mesmas razões, em 1926, a RCA une-se à Westinghouse e à GE para formar uma subsidiária em comum: a National Broadcasting Company (NBC). Enquanto isso, outros atores da radiodifusão se aliam à Columbia para formar a Columbia Broadcasting Company (CBS). Ambas empresas de comunicação atuantes até os dias de hoje. Na medida em que o rádio vai ganhando novos adeptos e profissionalizando sua inserção, a radiodifusão passa a ser compreendida como uma execução pública para as obras musicais. Em função disso, instaura-se um novo embate agora entre a indústria fonográfica e as empresas de rádio que difundiam gratuitamente a música produzida por essas. A lei americana já previa o pagamento de direitos autorais aos compositores pela execução pública de suas músicas. Logo, as rádios deveriam pagar diretamente a estes ou a seus editores. Como a indústria fonográfica não havia investido na formação de escritórios de direito autoral, mas, ao contrário, antes apostara na contratação de músicos intérpretes de canções já gravadas para pagar uma menor quantia de direitos de reprodução mecânica, sua estratégia a levou para o caminho menos favorável no tocante à nova concorrência do rádio. Finalmente, com a crise de 1929, o valor do mercado fonográfico se reduz para um terço do que valia anteriormente quebrando com a maioria das pequenas produtoras de discos e resultando na aquisição das duas maiores gravadoras e produtoras de aparelhos pelas empresas radiofônicas. A Columbia, responsável pelo fonógrafo, passa para o controle da CBS que abandona o suporte readaptando a empresa para a produção de discos. A Victor, por sua vez, é comprada pela NBC, tornando-se a RCA/Victor.


Mesmo antes da crise, o cenário não era favorável. O desenvolvimento do rádio ocorre muito rapidamente e oferece maiores vantagens ao consumidor. A primeira, e mais evidente delas, é a possibilidade de se escutar música gratuitamente. A partir da tecnologia elétrica algumas possibilidades de modulação sonora são oferecidas, como o controle do volume. O rádio já nasce eletrificado, com caixas de som, microfone (lembrando que nos primeiros anos os aparelhos eram também transmissores) e uma maior potencialidade de intervenção do usuário para customizar a escuta musical. Essas inovações só foram adotadas pela indústria fonográfica na segunda metade da década de 1920, quando as práticas radiofônicas já estavam amplamente difundidas. Além disso, se seu público consumidor quisesse obter uma qualidade sonora equiparável à do rádio, necessitava substituir o aparelho reprodutor mecânico que havia comprado anteriormente por um elétrico, pois embora esse também servisse para tocar os novos discos produzidos a partir da tecnologia elétrica de gravação, sua tecnologia mecânica não reproduzia a mesma qualidade sonora. Desta forma, era mais provável que os consumidores de discos, a priori, aderissem ao rádio.

A configuração da indústria fonográfica

A situação de concorrência entre dois meios musicais, disco-rádio, também é muito similar à situação atual estabelecida entre disco e internet. Num primeiro momento, ambos surgem amparados na tecnologia do telefone, cujo funcionamento é baseado num modelo de comunicação ponto-a-ponto. Para a indústria fonográfica, que vive até os dias de hoje da venda de suportes musicais, ambos os meios ofereciam, através da compra de um único produto (aparelho receptor de ondas de rádio/computador), acesso musical gratuito. A diferença crucial, que fez com que uma nova configuração se estabelecesse em menos de 10 anos, para o primeiro caso, e que, passados mais de 10 anos, para o segundo, ainda não se tenha uma conformação estável, deve-se à regulamentação do mercado. No caso do surgimento do rádio, como já foi dito, a concorrência estabelecida que prejudicava o mercado fonográfico não se alterou,


pois a lei foi mantida. No caso da internet, salvo algumas exceções, a legislação permanece a mesma, mas mesmo considerando-as, atualmente, a indústria fonográfica privilegia-se diante desta situação. Além disso, rapidamente a regulamentação radiofônica se estabeleceu, privilegiando o fenômeno da expansão e da interconexão das estações transmissoras, capitaneado pela CBS e pela NBC, que já difundiam programas nacionais. As bandas de frequência passaram para a tutela do Estado, que permitia a concessão de licenças para a sua utilização. A partir de então, se estabelece a profissionalização das atividades ligadas ao rádio, em detrimento das práticas de “rádio amador”, cuja utilização ponto-a-ponto foi desestimulada e, em determinados casos, até mesmo proibida. Atualmente, a velocidade de conexão da internet não privilegia um ator determinado. A regulamentação da banda do tráfego de internet é matéria de discussão recente ainda sem quaisquer efeitos práticos. A “neutralidade de rede3”, foi posta em questão por empresas como o Google que demandam a constituição de uma banda específica para o tráfego de mídia, por exemplo. Trata-se da composição de uma rede específica dentro da rede mundial de computadores por onde só poderia passar o tráfego relativo a audiovisuais, por exemplo, garantindo então, o fornecimento de alta qualidade de imagem (HD) sem interrupção (configuração na qual o Google seria privilegiado, através de sua popular plataforma de vídeos: Youtube). A indústria fonográfica, num primeiro momento, constituía-se como um negócio de venda de aparelhos mecânicos e seus respectivos suportes musicais. A diversidade de aparelhos, ou seja, de plataformas de acesso ao conteúdo musical, os quais concorriam entre si, tinham a música, ou melhor, um acervo de conteúdo sonoro, atrelado diretamente a eles. Em função disso, não se configurou propriamente um novo modelo de difusão musical. Os concertos e a indústria editorial, via venda de partitura, regiam a oferta e a demanda de músicas. Isso só ocorreu quando a formação de outra indústria de novos aparelhos propôs uma nova plataforma: o rádio. Este mercado incipiente estava igualmente estruturado para a

3

A neutralidade da rede (ou neutralidade da Internet, ou princípio de neutralidade) significa que todas as informações que trafegam na rede devem ser tratadas da mesma forma, navegando a mesma velocidade. É esse princípio que garante o livre acesso a qualquer tipo de informação na rede. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Neutralidade_da_rede> Acesso em: 4/4/2011.


venda de aparelhos, mas, estes, enquanto plataformas de acesso musical, não concorriam entre si, pois a música circulava livremente entre eles, através de seus “programas radiofônicos”. Sendo assim, instaurava-se uma “crise” de produção fonográfica que levou à “fusão” das empresas destes dois mercados. A partir de então é que o disco, em sua união umbilical com o rádio, vai se afirmar enquanto suporte centralizador das mediações suplantando a indústria editorial como a principal plataforma de difusão musical. Setenta anos mais tarde, o desenvolvimento da internet, atrelado à indústria de softwares, propõe uma nova plataforma de acesso musical, através do desenvolvimento do MP3, que vai suplantar a configuração da indústria fonográfica enquanto principal difusora da música gravada por meio de uma série de “programas” P2P inaugurados pelo Napster. Novamente, instaura-se uma “crise” de produção da música gravada que, embora tenha levado a algumas fusões, segue ainda sem definição. Diversas tentativas de estabelecimento de um mercado conjunto para o disco e o MP3 foram tentadas pela indústria fonográfica, mas nunca como uma ação conjunta. Todas as plataformas propostas para internet, celular, entre outros suportes, dão acesso a um acervo sonoro específico e concorrem entre si. No entanto, a empresa Apple, através da união umbilical do MP3 com seu aparelho reprodutor iPod e seu programa agregador iTunes, conseguiu oferecer uma plataforma que desse acesso indiscriminado ao acervo musical da música gravada e, com isso, tem se firmado cada vez mais como standard para o MP3, em detrimento das práticas computacionais “amadoras” de acesso musical. Talvez, assim como as empresas produtoras de equipamentos elétricos, da primeira metade do século XX, se converteram em empresas de mídia (ou ao menos passaram a dedicar boa parte de seu negócio a ela), a Apple chegue a reestruturar seu negócio para a atividade midiática (o que de certa forma já vem fazendo) a ponto de customizar seus aparelhos ao conteúdo específico que tem sob sua gerência. Embora, como descrito anteriormente, o rádio, enquanto meio musical, tenha se mostrado superior em diversos aspectos técnicos e sociais, levando a uma desestruturação da indústria fonográfica cujas empresas foram internalizadas pela indústria de equipamentos elétricos que exploravam a radiodifusão, é o disco que vai


se fortalecer, estabelecendo-se definitivamente enquanto mídia central das mediações musicais.

Modelo de produção e negócios fonográfico: Star System

A partir dos anos 1930, o rádio e o disco ampliaram muito a presença da música no cotidiano das pessoas. As gravadoras, que anteriormente dedicavam-se quase que exclusivamente ao registro da música clássica, passaram a investir cada vez mais na música popular, dando origem a novas classificações e gêneros musicais. O rádio, por sua vez, desenvolveu grandes estruturas, passando a contratar músicos e orquestras inteiras para a execução diária. Sustentado a partir do modelo publicitário, seu interesse estava centrado na produção de programas populares que, consequentemente, ampliariam seu público ouvinte, enquanto a indústria fonográfica tinha o interesse de divulgar seus artistas e consolidá-los no mercado. Estes dois meios vão trabalhar conjuntamente promovendo um ao outro. A constante colaboração com o rádio vai estabelecer o modelo de produção da indústria fonográfica que se percebe até hoje: o Star System. Trata-se do investimento pesado na promoção de poucos artistas populares de sucesso de vendas mais garantido, que arrecadariam o suficiente para compensar as prováveis perdas iniciais de novos artistas ainda desconhecidos. O já citado Caruso foi a primeira estrela da indústria fonográfica. Ainda no final do século XIX, ele já contava com ampla popularidade através dos concertos que, aliados à fonografia, expandiram enormemente o seu sucesso.

Embora a

Victor, tivesse investido na imagem e na personalidade de Caruso destacando suas qualidades de performance na execução musical, ele atuava como um garoto propaganda, pois essas características serviam antes para a promoção da qualidade sonora do Gramofone e do disco. Uma vez que o modelo de negócios da indústria se posiciona efetivamente para a venda de discos, sendo este o único suporte musical, a mediação da qualidade tecnológica não se faz mais necessária, pois a concorrência de mercado não se estabelece nesse sentido. A questão de quem


produz e de como um disco é concebido passa a atrapalhar o processo de mediação artística devido à perda de identidade das empresas produtoras, tanto pela percepção do público, quanto pela perda da mediação de uma cultura de produção das empresas. Além disso, a concentração do mercado americano, que em meados dos anos 1940 chegou a 99% para RCA/Victor, Columbia e Decca (DOWN, 2006, p. 208), impunha um procedimento administrativo, cuja racionalização e automatização de certos processos contribuíam para isso. Suisman ilustra essa situação através da retomada de algumas percepções da época: O crítico músical do New York Times Jon Pareles observou esse paradoxo: quanto mais as grandes empresas de música cresciam, mais elas pareciam invisíveis. Com a sua tremenda influência econômica e cultural, elas forçaram o pequeno, produtores independentes das rádios e das lojas de varejo, de tal forma que a impessoalidade de suas estruturas corporativas se tornou a norma, fazendo cada vez mais escassos outros modelos da cultura musical. Mesmo que as pequenas empresas muitas vezes conservassem um sentido de identidade humana, Pareles escreveu: “não são fãs de música”, pensa, “Meu Deus, eu quero aquele álbum, porque é da Reprise Records, não da Columbia. (SUISMAN, 2009, p. 208)

Frente a essa configuração, a estratégia das empresas consistia cada vez mais em “esconder” o processo de mediação realizado por elas. Quem e como um disco era produzido passam a ser destacados cada vez menos, dando lugar a mediações que privilegiam não a qualidade tecnológica do meio, mas a qualidade técnica que só um grande artista poderia desempenhar. Essa é uma das características básicas do Star System frente ao modelo anterior. A primeira indústria a adotar esse modelo foi a cinematográfica. Antes deste sistema os estúdios vendiam filmes por metragem. Nem mesmo as histórias contidas ali eram significativas para o negócio. Seus atores eram funcionários dos estúdios e não tinham uma identidade pessoal ligada aos personagens. Posteriormente, essa lógica é invertida, o que inclusive leva a posição de diretor a um status artístico. Paralelamente ao estabelecimento deste sistema, configura-se pouco a pouco um determinado conhecimento, oriundo, sobretudo do número de vendas e da audiência dos programas radiofônicos, dos gostos do público. Progressivamente, tentativas de segmentação do mercado vão resultar na formação de gêneros musicais cada vez mais específicos, que, além disso, serviriam também para representar a personalidade dos artistas (estrelas). O público, que se organizava em


fã-clubes de amantes das tecnologias sonoras (seja ao redor do fonógrafo, do gramofone ou do rádio), passa a fundar instituições centradas em um ou mais artistas, em que as tecnologias eram apenas um meio de acesso a um universo cultural musical. Neste período de retomada da grande depressão americana é que, basicamente, todas as características do modelo de negócios da indústria fonográfica vão se estabelecer. Sua forma de atuação no mercado se mostrará ainda bastante diversa nos próximos anos, mas, em relação à definição dado por Simon Frith, a configuração estava dada. Segundo o autor, a indústria fonográfica é: Uma indústria de direitos, dependente das normativas legais da propriedade e de licenças sobre um amplo aspecto dos usos das obras musicais; uma indústria de edição impressa que facilita o acesso do público às obras, mas que assim mesmo depende da criatividade dos músicos e compositores; uma indústria de talentos, dependente de uma gestão efetiva dos compositores e músicos, mediante o uso de contratos e desenvolvimento de um star system; uma indústria eletrônica que depende da utilização pública e doméstica de diferentes tipos de equipamentos e componentes eletrônicos (FRITH, 2006, pp. 61-62)

Referências BEUSCART, Jean-Samuel. La construction du marché de la musique en ligne : L’insertion économique et juridique des innovations de diffusion musicale en France. Tese de doutorado, Cachan: ENS, 2006. Disponível em: <http://www.melissa.enscachan.fr/IMG/pdf/TheseJSBeuscart.pdf> Acesso em: 01/02/2011. CHANAN, Michael. Repeated takes: a short history of recording and its effects on music. London/New York: Verso, 1995. DOWN, Timothy. “From 78s to MP3s: The embbeded impact of technologie in the market for prerecorded music”. In: LAMPEL, Joseph, SHAMSIE, Jamal & K. LANT Theresa. (Org.). The business of culture: strategic perspectives on entertainment and media. New Jersey: Lawrence Erlbaum Association, 2006. p. 205-226. FRITH, Simon. “La indústria de la música popular”. in: In: FRITH, Simon, STRAW, Will, STREET, John (Orgs.). La outra historia del rock. Trad. Jorge Conde. Barcelona: Ediciones Robinbook, 2006. p.53-86. IAZZETTA, Fernando. Sons de Silício: corpos e máquinas fazendo música. São Paulo: Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, 1996. LESSIG, Lawrence. Cultura Livre: como a grande mídia usa a tecnologia e a lei para bloquear a cultura e controlar a criatividade. São Paulo: Trama, 2005.


PICCINO, Evaldo. Um breve histórico dos suportes sonoros analógicos. Campinas: Revista Sonora; Vol. 1, No 2 (1), 2008. Disponível em: <http://www.sonora.iar.unicamp.br/index.php/sonora1/article/view/15/14> Acesso em: 01/03/2011. SÁ, Simone Pereira de. A música na era de suas tecnologias de reprodução. In: Revista ECompós (Brasília), 2006. p. 1-15. VICENTE, Eduardo. A música popular e as novas tecnologias de produção musical. Dissertação de mestrado. Campinas: Universidade de Campinas, 1996.


O rádio comunitário em São Paulo: Um breve olhar sobre o cenário atual Eduardo Vicente1 Resumo: Este texto se propõe a oferecer um breve olhar sobre o cenário atual das rádios comunitárias autorizadas da cidade de São Paulo. Até janeiro de 2012, informações do Ministério das Comunicações apontavam para a existência de 34 emissoras de São Paulo nesta situação. Como forma de contextualizar a atuação destas rádios, ofereceremos inicialmente uma visão atualizada do cenário da radiodifusão em FM na cidade de São Paulo. A seguir, apresentaremos uma breve descrição de algumas das emissoras comunitárias já autorizadas e desenvolveremos uma reflexão acerca dos desvios, impasses, contradições e potencialidades evidenciados neste cenário. Palavras-Chave: Radiodifusão; Rádios Comunitárias; Rádio em São Paulo Abstract: This text aims at offering a quick glance on the present scenario of the so-called community broadcasting radio stations, duly authorized in the city of São Paulo. Up until January 2012 the Ministry of Communications recognized the existence of 34 radio stations of this kind in São Paulo. In order to contextualize the operation of these stations we will start by offering a present view of the FM broadcasting in the city. Following that we will present a brief description of some of the community stations already licensed and will develop a reflection on evident deviations, impasses, contradictions and potentialities in this scenario. Keywords: Radio Broadcasting; Community Radio; São Paulo Radio Resúmen: Este texto se propone a ofrecer una breve mirada sobre el presente escenario de las radios comunitarias licenciadas en la ciudad de São Paulo. Hasta enero del 2012 el Ministerio de las Comunicaciones reconocía la existencia de 34 emisoras de este tipo en la ciudad. Para contextualizar la actuación de estas radios empezaremos con una visión actualizada de las transmisiones por FM en São Paulo. En seguida, presentaremos una breve descripción de algunas de emisoras comunitarias ya licenciadas y desarrollaremos una reflexión sobre los desvíos, impases, contradicciones y potencialidades percibidos en este escenario. Palabras clave: Radiodifusión; Rádios Comunitárias; Rádio en São Paulo

Introdução O objetivo desta comunicação é fornecer uma visão atualizada do processo de implantação de rádios comunitárias na cidade de São Paulo. Como se sabe, no Brasil o termo “radiodifusão comunitária” (radcom) refere-se a uma modalidade de emissora criada pela Lei 9.612 de 19/2/19982. Embora essa lei seja uma inegável conquista no sentido de possibilitar uma maior democratização do meio radiofônico, consequência do “movimento pelas rádios livres” dos anos 80 e vinculada ao processo de redemocratização do país (NUNES FERREIRA, 2006, p. 99), é forçoso reconhecer que a legislação impõe muitas limitações para a operação das emissoras comunitárias e grandes dificuldades para a obtenção da autorização de funcionamento.


Segundo a legislação, são competentes para executar a radcom fundações e associações comunitárias, sem fins lucrativos, desde que legalmente instituídas e devidamente registradas, sediadas na área da comunidade para a qual pretendem prestar serviço e cujos dirigentes sejam brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos. A autorização será válida por três anos, sendo permitida a renovação por igual período. A potência autorizada para emissoras comunitárias é extremamente reduzida: igual ou inferior a 25 watts. O limite para a área de cobertura é de apenas 1,0 Km de raio e a distância mínima entre estações de radcom é estabelecida pela legislação em 4,0 km. Ainda segundo a Lei 9.612, a rádio comunitária deve divulgar a cultura, o convívio social e eventos locais, noticiar os acontecimentos comunitários e de utilidade pública, além de promover atividades educacionais e outras para a melhoria das condições de vida da população. Ela não pode veicular publicidade 3 ou ter vínculos com partidos políticos ou instituições religiosas. As FM comunitárias de uma cidade devem, ainda, operar todas na mesma frequência que, no caso de São Paulo, é a de 87,5 MHz. Também deve ser destacada, entre as dificuldades encontradas pelas emissoras comunitárias, a questão da morosidade do processo de autorização, tanto que apenas em 2008, ou seja, dez anos depois da aprovação da lei, foi obtida a primeira autorização de funcionamento por uma emissora da cidade de São Paulo. A partir

daí,

no

entanto,

o

número

de

autorizações

parece

ter

crescido

significativamente. Dados de 23 de janeiro de 2012, do Ministério das Comunicações, apontam para a existência de 575 rádios comunitárias já autorizadas ou em processo de autorização no Estado de São Paulo, estando 34 delas na capital4. Muitos autores tem se dedicado ao tema da legislação e das lutas sociais em torno da radiodifusão livre e comunitária no país. São aqui destacados, entre eles, os trabalhos de Machado (1986), Amayo (1992), Nunes Ferreira (2006) e Silva (2010), que foram utilizados no presente texto. Não se pretende retomar aqui este debate, mas oferecer um quadro da forma pela qual, a partir da legislação vigente, uma nova cena de rádios comunitárias autorizadas está se consolidando em São Paulo. Sobre a opção de apresentar exclusivamente emissoras autorizadas, é evidente o fato de que, metodologicamente, a escolha oferece um terreno seguro


para a pesquisa, já que os dados e estatísticas sobre as emissoras consideradas ilegais seriam, naturalmente, incompletos e imprecisos. Mas é preciso ressaltar que o recorte estabelecido é, na verdade, o objetivo básico do texto, ou seja, entender quais têm sido os resultados práticos da legislação vigente. Não se trata, portanto, de ignorar a existência de centenas (ou, mais provavelmente, milhares) de emissoras que operam na cidade fora do marco legal estabelecido, mas de concentrar-se nas que preferiram ajustar-se a esse marco ou, em diversos casos, que foram criadas a partir dele. O presente texto irá circunscrever sua análise a 12 das 34 emissoras autorizadas. A escolha destas emissoras, em detrimento das demais, deveu-se a três razões básicas: a representatividade das emissoras escolhidas, tanto em termos dos projetos políticos e sociais que representam quanto das tendências que expressam dentro do universo de emissoras autorizadas na cidade de São Paulo; o fato de veicularem sua programação também através da internet – o que sugere uma maior consistência e abrangência de seus projetos, além de ter facilitado o levantamento de seu histórico e a análise de sua programação5; e o fato de estarem distribuídas pela cidade de forma razoavelmente ampla, representando todas as suas principais regiões. Ainda assim, é sempre preciso ressaltar o caráter pessoal e subjetivo das escolhas aqui realizadas. De qualquer modo, entendo que a amostragem expressa, como esse texto tentará demonstrar, muitas das virtudes, impasses e contradições do modelo de implantação de radiodifusão comunitária no país. E, talvez mais importante do que isso, aponta para o fato de que provavelmente já temos dados e emissoras implantadas em número suficiente para permitir uma discussão mais profunda sobre o cenário que está se estabelecendo.

O cenário radiofônico paulistano Mas gostaria de oferecer, inicialmente, uma breve descrição do quadro atual das emissoras de FM da cidade de São Paulo. O Brasil, como se sabe, adotou um modelo comercial de radiodifusão onde as frequências pertencem ao Estado e são entregues na forma de concessões a grupos privados. Assim, o país acabou se distanciando dos modelos público e estatal, utilizados pelo Japão e por diversos


países da Europa. Dentro do modelo adotado, as emissoras do país são tradicionalmente classificadas como comerciais, religiosas, educativas, públicas, ilegais (ou piratas) e comunitárias. Considerando-se que a cidade de São Paulo possui uma população de aproximadamente 11 milhões de habitantes – que se eleva a 19 milhões se considerarmos sua região metropolitana (a “Grande São Paulo”) formada por 39 municípios –, é bastante problemático precisar quantas emissoras são ouvidas em toda a cidade. Os dados dos grupos de pesquisa tendem a apontar para um grupo de 36 emissoras de FM mais ouvidas6. A maior parte delas tem uma programação predominantemente musical. A segmentação tradicionalmente adotada pelas emissoras musicais do país as divide em três categorias: adulto-qualificado, jovem e popular. A denominação “adulto-qualificado” refere-se a emissoras que se dirigem às classes A e B e veiculam, principalmente, MPB, classic rock, pop internacional7 , jazz, música clássica e instrumental. As emissoras educativas da cidade, Rádio USP e Cultura FM8, vinculam-se a essa categoria, bem como algumas de suas rádios comerciais: pelo menos duas delas, Nova Brasil FM e Kiss FM, especializaram-se em gêneros musicais específicos da categoria veiculando, respectivamente, MPB e classic rock. Na categoria “jovem” as emissoras são tradicionalmente vinculadas a gêneros musicais como a música pop internacional e a música eletrônica, bem como a artistas nacionais que, de alguma maneira, dialogam com esse público e esses gêneros musicais. São Paulo conta com pelo menos seis emissoras que podem ser incluídas nessa categoria, destacando-se entre elas a Band FM e a Mix. Mas as emissoras mais ouvidas da cidade são, sem dúvida, as da categoria “popular”. Algumas delas tocam exclusivamente música sertaneja, que é sem dúvida o gênero musical mais consumido atualmente no país. Mas a maioria toca também música romântica brasileira e internacional, hits da música pop internacional e hits de outros gêneros musicais massivos brasileiros como a axé music, o tecnobrega e o forró. A rádio mais ouvida da cidade, a Tupi FM9, é uma rádio popular totalmente dedicada à música sertaneja. A cidade conta também com algumas rádios religiosas. Nossa Rádio, Aleluia, Vida FM e Deus é Amor, por exemplo, apresentam uma programação composta por gospel music – predominantemente brasileira – e mensagens religiosas, estando a


maioria delas ligada a igrejas pentecostais. Curiosamente, não há nenhuma emissora de FM católica em São Paulo. Por outro lado, há uma emissora esotérica, a Mundial FM. Na área de jornalismo, a cidade conta com duas emissoras no formato All News tradicional (CBN e Band News) e uma terceira no formato All News & Sports (Estadão ESPN). Há ainda uma emissora dedicada exclusivamente a informações sobre o trânsito (SulAmérica Trânsito). Algumas questões mais gerais sobre as emissoras de FM de São Paulo são significativas para o presente texto. A primeira é a da divulgação musical. Embora não existam dados ou pesquisas sobre o tema, é evidente a concentração dessa divulgação em uns poucos artistas e gêneros musicais de grande repercussão, ligados

a

grandes

gravadoras

(especialmente

majors

internacionais)

que

estabelecem contratos de divulgação com as emissoras para a promoção de seus artistas. A esse respeito, um fato significativo é o de que, segundo dados da Crowley/Music Media, publicados mensalmente pela revista Billboard Brasil, nenhum artista brasileiro figurava entre os dez mais tocados nas rádios da cidade de São Paulo no período de 19 de fevereiro a 18 de março de 2012. E todos eles eram artistas vinculados às quatro maiores gravadoras do mundo: Sony, EMI, Universal e Warner10. O aparente controle dessas empresas sobre a programação das rádios parece evidenciar uma certa falta de autonomia das emissoras11. A significativa presença de emissoras customizadas na cidade também parece apontar para esta questão. Até recentemente, eram quatro as emissoras de São Paulo que podiam ser enquadradas nessa categoria: Mit FM (patrocinada pela fabricante de veículos Mitsubishi); Oi FM (patrocinada pela empresa de telefonia de mesmo nome); Fast FM (patrocinada pela Nestlé) e a já citada SulAmérica Trânsito (patrocinada pela seguradora de mesmo nome). No entanto, dois desses projetos (Mit FM e Oi FM) acabaram encerrados em 12

2012 , demonstrando que o rádio ainda é um setor bastante arriscado para o estabelecimento de novos modelos de negócios. Além de sua baixa participação nos investimentos em publicidade realizados no país13, o veículo também é impactado pelas discussões acerca da adoção de um modelo de digitalização que já se arrasta há pelo menos dez anos.


Desse modo, e considerando-se os interesses econômicos das empresas e as limitações do mercado radiofônico, o conjunto de emissoras de FM da cidade de São Paulo parece reunir poucas condições para expressar a real diversidade cultural da metrópole, bem como seu complexo contexto social. Uma vez que as emissoras educativas da cidade acabam por também se concentrar na difusão musical associada ao jornalismo, torna-se evidente o enorme espaço de atuação que se apresenta para as emissoras comunitárias, bem como o amplo leque de demandas que lhes caberia atender. As rádios comunitárias em São Paulo14 A primeira autorização de funcionamento para uma rádio comunitária de São Paulo, como já foi apontado aqui, ocorreu em 2008. Será apresentada, a seguir, uma breve descrição de algumas das 34 emissoras que tiveram seu funcionamento autorizado (seja de forma definitiva ou provisória) até janeiro de 201215. A intenção desta apresentação, como já foi mencionado aqui, é ilustrar tanto a diversidade de propostas de atuação quanto algumas das tendências predominantes no cenário. Com esse objetivo, dentre as 34 emissoras autorizadas, foram escolhidas para essa análise as 12 apresentadas a seguir. Apesar de a legislação claramente proibir essa ligação, diversas das rádios comunitárias da cidade parecem estar vinculadas a algum grupo religioso (católico ou protestante). Entre elas podemos destacar:

Ágape

FM (http://radioagapefm.org.br/): inaugurada em junho de 2011 e

pertencente à Associação Cultura Comunitária do Imirim (Zona Norte de São Paulo), funciona no anexo de uma igreja católica e foi idealizada por um padre e pela equipe da “pastoral da comunicação” da sua igreja16. A audição da programação revela que a rádio veicula música católica, mensagens de padres e também oferece uma programação musical variada. Além disso, apresenta um programa informativo voltado para o público feminino (Espaço Mulher), um programa sobre língua portuguesa (Nó na Língua) e programa especial sobre a memória do bairro, entre outros.


Radio

AME

(http://www.associacao-ame.com.br/):

Mantida

pela

Associação

Mensagem de Esperança, ligada ao pastor Jabes Alencar e à Assembleia de Deus do Bom Retiro (centro de São Paulo), a emissora mantém uma programação composta por músicas e mensagens religiosas.

Ternura FM (http://www.radioternurafm.com.br/): Ligada à Associação Cultural Comunitária Ternura de Perus, a emissora tem uma programação composta basicamente por mensagens de pastores. Em horários alternativos apresenta uma programação musical secular (especialmente música internacional), além de um noticiário às 9h.

SoulVida FM (http://www.radiosoulvida.com/): Ligada à Associação Cultural Comunitária Princesa Isabel. A programação é composta pelos programas diários de três pastores e por uma programação musical que inclui música gospel e secular (nacional e internacional).

Rádio Cantareira FM (http://www.radiocantareira.org/): Regularizada em 2010, a emissora existe desde 1995 e pertence à Associação Cantareira, uma ONG criada naquele mesmo ano na Zona Norte de São Paulo. Em seu site ela afirma ter “como prioridade o olhar e as ações dos movimentos sociais, entidades e comunidades da região”. A associação parece ter vínculos com setores progressistas da Igreja Católica e mantém projetos ligados a temas como meio ambiente, direitos humanos e alfabetização de jovens e adultos, entre outros (http://www.cantareira.org/.). A programação da emissora é predominantemente musical, mas ela transmite também um noticiário local, focando questões da comunidade, além de apresentar dicas culturais e informativos de interesse geral ao longo de sua programação.

Há também rádios vinculadas a associações de diferentes finalidades, como:

Estúdio 100 FM (http://www.studio100.com.br/): Operando em Pirituba, Zona Oeste da cidade, a emissora foi regularizada em 2011, mas criada em 1996 por “um grupo de jovens amigos de Pirituba que organizava festas em colégios da região, resolveu


que precisava expandir suas atividades e promover uma integração e uma participação maior da comunidade”. A emissora tem como objetivo “a promoção de ações sociais, de entretenimento e integração de jovens da comunidade de Pirituba” 17 . A programação é quase que exclusivamente musical, com grande predominância da música eletrônica internacional. Mas ela tem também programas dedicados à música nacional.

Rádio StarSul (http://www.starsulfm.com.br/home.htm): A emissora surgiu em 1996 e, segundo informações obtidas em seu site, está vinculada a uma associação que realiza projetos assistenciais como “campanhas do agasalho, shows beneficentes, entrega de cestas básicas, brinquedos, doces e entretenimento as pessoas carentes” da região de Perus, Zona Oeste da cidade. A programação é bastante diversificada, com dicas culturais, programas sobre culinária e até sobre tarô, além de música variada e predominantemente nacional.

Ideia FM (http://www.ideiafm.com.br/a-radio/): Vinculada à Associação Cultural Amigos do Brooklin a emissora atende a uma das regiões mais ricas da cidade, abrangendo os bairros de Brooklin, Campo Belo, Vila Olímpia, Moema, Itaim e Vila Nova Conceição. Sua programação musical é focada principalmente no pop rock nacional e internacional. Além disso, a emissora apresenta programas ligados a diversos temas, especialmente esportes.

Há ainda emissoras que parecem se vincular muito mais a indivíduos ou a projetos de interesse econômico e particular do que a demandas mais propriamente sociais ou comunitárias. Dois exemplos podem ser citados:

Rádio Show FM. A emissora pertencente à Abraqua – Associação Brasileira de Qualificação e Ensino Pró-Rádio (região Sudeste da Cidade). A Associação é ligada à Radioficina, uma escola de formação profissional para radialistas de propriedade de Cyro César Silveira. A intenção é que a emissora seja também uma “oportunidade para colocar seus alunos, futuros radialistas, em situação real de trabalho”18. Segundo sua página no Facebook19, a emissora atinge os bairros de Vila


Monumento, Aclimação, Ipiranga, Klabin e Vila Mariana. A emissora não transmite sua programação através da web.

RC Itaquera 87.5 FM (http://www.rcitaquera.com.br/). Vinculada à Associação Videomaker do Brasil, a emissora tem uma programação eminentemente musical onde predomina o gênero sertanejo. A Associação realiza atividades sociais difusas na

região

de

Itaquera

e,

como

pode

ser

verificado

em

seu

site

(http://www.pauloferraz.com.br/associacao.htm), é presidida por Paulo Ferraz Simões.

As mais importantes emissoras comunitárias da cidade são, sem dúvida, aquelas ligadas a movimentos sociais organizados em grandes favelas. Os dois principais exemplos do grupo de rádios já autorizadas são:

Rádio Nova Paraisópolis (http://www.novaparaisopolisfm.com.br): A emissora foi autorizada em agosto de 2010 e está vinculada ao Fórum Multientidades, que “congrega as ONGs do bairro e foi criado em 1994”20. Paraisópolis localiza-se na Zona Sul da cidade e é a segunda maior favela de São Paulo, sendo superada apenas pela favela de Heliópolis. A programação da emissora é predominantemente musical e bastante variada. Além disso, apresenta noticiários locais e abre espaços para recados e apelos de moradores da comunidade21.

Rádio Heliópolis (http://www.heliopolisfm.com.br/): A Rádio Heliópolis é, sem dúvida, a mais importante e antiga rádio comunitária de São Paulo. Segundo informações contidas no site da emissora, a rádio surgiu em maio de 1992 como “Rádio Popular de Heliópolis”, transmitindo sua programação através de alto-falantes instalados em postes, em dois pontos da comunidade. Ela foi criada pela UNAS, União de Núcleos, Associações e Sociedades dos Moradores de Heliópolis e São João Clímaco, uma ONG criada a partir da Associação de Moradores de Heliópolis. Foi apenas em agosto de 1997 que foram iniciadas as transmissões em FM, com equipamentos comprados a partir do apoio de uma ONG alemã. Naquele momento, a emissora operava na frequência de 102,3 MHz (SILVA, 2010, p. 28). A rádio


acabou multada algumas vezes por funcionar sem autorização e, em 2004, teve seus equipamentos confiscados pelas autoridades policiais. Em 2006, a rádio foi novamente fechada pela Anatel (Agencia Nacional de Telecomunicações), mas por um curto período, e em outubro daquele ano foi publicada a sua permissão provisória de funcionamento. A publicação da autorização definitiva ocorreu em março de 2008, tornando-a a primeira rádio comunitária oficial de São Paulo. Os locutores da emissora são moradores da localidade. Eles se alternam na apresentação de programas de duas horas de duração no período das 6h à meianoite, de segunda a sábado, e das 6h às 23h durante o domingo, sendo muitos dos programas apresentados por duplas de locutores. Com isso, a rádio chega a ter 12 locutores diferentes durante a semana22. A música é predominante na programação, que possui desde programas dedicados a gêneros específicos (rap, forró, jovem-guarda, sertanejo, black music nacional e internacional etc.) até aqueles que tocam música variada atendendo a pedidos de ouvintes. A religião também está presente na programação da emissora, que em novembro de 2009 passou a retransmitir o programa radiofônico do padre Reginaldo Manzotti23. No levantamento que ofereceu em 2010 sobre a programação da emissora, Silva (2010) citava ainda programas como o “Catraca Livre”, que buscava apresentar “dicas de cultura gratuitas ou de baixo custo, além de discutir teatro, cinema e shows com os ouvintes”, e os programas feitos por profissionais do posto médico da região, que esclareciam dúvidas da população e, no caso do programa específico sobre a Aids, chegavam a fazer exames e distribuir preservativos na emissora. Silva também destacava a prestação de serviços e os recados à comunidade dentro da programação, além de apontar que a rádio já teve programas específicos para o debate de temas de interesse da comunidade, mas que eles não estavam mais presentes na grade.

Uma breve análise do cenário Uma análise da programação e dos sites dessas emissoras nos permite algumas conclusões sobre seu perfil. Uma bastante evidente é a de que a presença da música é predominante na programação de todas elas. Além dessa ser uma


maneira fácil de preencher a grade, a veiculação musical permite o estabelecimento de uma maior identificação entre a emissora e a comunidade a que se dirige. Embora elas sigam, de um modo geral, as tendências predominantes na programação musical das emissoras comerciais da cidade, ainda assim representam um espaço para um consumo musical um pouco mais diferenciado, tanto através de programas dedicados a gêneros específicos quanto pela abertura de espaços para as gravações de artistas locais (especialmente de rap) – presente em ao menos três emissoras: Heliópolis, Paraisópolis e Cantareira FM. Embora vedada pela legislação, a forte presença religiosa é outra característica marcante das emissoras, já que mesmo algumas das que não possuem ligações mais explícitas com grupos religiosos acabam por transmitir missas e programas de padres e pastores. Isso parece demonstrar, por um lado, que a religião se mantém como uma importante fonte de apoio e de intermediação com a comunidade para as rádios em geral. Por outro, demonstra uma distorção do projeto das rádios comunitárias, que permite que a cena acabe sendo ocupada por grupos de poder religiosos de modo similar ao que ocorre no âmbito das emissoras comerciais. A AME 87.5 FM, por exemplo, é apresentada em redes sociais da internet não como uma emissora comunitária, mas como “uma rádio gospel da Igreja Assembleia de Deus do Bom Retiro, na presidência do Pr. Jabes Alencar, na direção do Pr. Flavio Simões”24. A citação desses nomes no site também aponta para um outro aspecto já destacado aqui, que é o de que – ao contrário do previsto na legislação – algumas das emissoras apresentadas parecem estar muito mais ligadas a indivíduos do que propriamente a associações. Além dos casos já citados da Rádio Show e da RC Itaquera, é possível constatar em alguns dos projetos de rádios comunitárias religiosas, como o mencionado no parágrafo acima, a presença destacada de um padre ou pastor, e não necessariamente da ação coletiva de uma comunidade religiosa. Outra questão significativa é a da eficiente presença na internet das emissoras. Como já foi comentado aqui, com exceção da Rádio Show todas as emissoras descritas puderam ser ouvidas através da rede. Além disso, muitas delas apresentavam em seus sites também a grade de programação semanal. Isso


demonstra que, pelo menos por essa via, as emissoras estão conseguindo superar a enorme restrição ao seu funcionamento representada pelo limite de 25 Watts de potência para seus transmissores e de 1 km de raio para o seu alcance. Outro ponto que merece destaque no cenário analisado é o de sua aparente despolitização, entendida aqui principalmente como a redução dos espaços para debates de questões relevantes e para a participação dos membros da comunidade. Com exceção da Cantareira FM e das rádios de Heliópolis e Nova Paraisópolis, nenhuma das emissoras analisadas manifesta um claro apoio a movimentos sociais, propõe debates de questões locais ou mesmo incentiva uma maior participação de seus ouvintes em suas atividades. Na própria Rádio Heliópolis, que, como vimos, emergiu de um importante processo de luta, uma certa despolitização também parece evidente na grade atual, considerando-se a grande predominância da programação musical. Sob esse aspecto, embora alguns dos participantes do projeto da Rádio Heliópolis entrevistados por Sérgio Pinheiro da Silva entre 2009 e 2010 tivessem afirmado que, durante a programação musical da emissora, podiam ser discutidos problemas sociais pelos locutores ou realizados debates com a comunidade, outros lamentavam a falta de um maior compromisso dos locutores com as questões sociais, sua tendência a reproduzir os modelos de programação das emissoras comerciais e questionavam até que ponto a rádio cumpria de fato sua função comunitária (SILVA, 2010, pp. 38-43). Entendo que essa questão da reprodução do modelo de programação das emissoras comerciais por parte das comunitárias merece ser mais bem discutida. O breve olhar oferecido no presente texto sobre as grades de programação de algumas das emissoras comunitárias de São Paulo sugere que, de fato, há uma tendência no sentido da reprodução do modelo tradicional das emissoras comerciais. No caso da programação musical, já discutido aqui, temos uma significativa aproximação não apenas entre os repertórios musicais veiculados. A própria segmentação das emissoras comerciais entre jovem, popular e adultoqualificado é, em alguma medida, reproduzida no âmbito das comunitárias. No grupo de emissoras não religiosas analisado, poderíamos sem grandes dificuldades incluir a Estúdio 100 na categoria “jovem”, a Ideia FM na “adulto-qualificado” e


praticamente todas as demais na categoria popular. É de se notar, também, a ausência nas grades das emissoras de programas musicais de caráter educativo, que ofereçam informações adicionais sobre as músicas veiculadas ou uma melhor contextualização de seus gêneros e artistas, capaz de oferecer ao público elementos adicionais para a sua compreensão e apreciação. E essa reprodução dos modelos dominantes nas emissoras comerciais parece se manter no restante da grade. Nesse aspecto, uma questão a ser ressaltada é a da aparente ausência de programas de caráter educativo e/ou de utilidade pública. Embora programas de saúde e de língua portuguesa sejam veiculados, como vimos, pelas rádios Ágape e Heliópolis, respectivamente, esse procedimento está longe de ser predominante entre as emissoras comunitárias aqui analisadas. Essa questão se torna ainda mais inquietante se considerarmos que programas desse tipo podem ser obtidos pelas emissoras sem custo algum, já que diversas ONGs, empresas e associações privadas, além de diversos órgãos públicos, produzem programas e séries sobre saúde, educação e direitos humanos, entre outros temas, para veiculação livre por rádios comunitárias25. Isso parece sugerir que a ausência desses programas na grade dessas emissoras deve-se muito mais à sua ocupação com programas de interesse da própria rádio (o que pode ser particularmente verdadeiro no caso das emissoras religiosas) ou, o que parece ser mais comum, à adoção do modelo tradicional de transmissão em FM, baseado na veiculação musical com ou sem a presença ao vivo do locutor. Seja qual for o caso, o fato é que a reprodução do modelo de programação das emissoras comerciais por parte das comunitárias representa um notável desvirtuamento desse que deveria ser um importante modelo alternativo de comunicação para a população da periferia dos grandes centros urbanos. Mais desastroso até do que a presença já citada aqui de interesses religiosos e pessoais no setor. Afinal, trata-se de um modelo que, para assumir a posição de alguns de seus críticos mais proeminentes: privilegia a simples difusão de conteúdos em detrimento da expressão individual e artística (BALSEBRE, 1994); baseia-se numa audição superficial e desatenta, onde a informação é reduzida e a redundância aumentada (SCHAFER, 1997); e, contrariamente ao proposto por Bertold Brecht


ainda na década de 1930, pressupõe muito mais a transmissão unilateral e a recepção acrítica do que a transformação do ouvinte em enunciador (BRECHT, 2006). E em relação a essa questão da hegemonia dos modelos comerciais de rádio, é preciso também ressaltar o papel pouco efetivo que a academia tem cumprido no sentido da apresentação de modelos alternativos e na pesquisa de formatos, gêneros e linguagem que permitam uma visão mais rica e abrangente das possibilidades comunicativas do veículo. Como tive oportunidade de observar em trabalho recente (VICENTE, 2011), entendo que a tradição acadêmica brasileira, de um modo geral, concentra-se muito mais na discussão do rádio enquanto veículo do que enquanto linguagem, dificultando assim uma compreensão mais clara do potencial expressivo da produção radiofônica (especialmente da ficcional) bem como do caráter eminentemente conservador dos formatos privilegiados no modelo comercial hegemônico. De qualquer forma, e independentemente das críticas aqui formuladas, é forçoso reconhecer, em vários dos exemplos aqui apresentados, a forte vinculação de rádios comunitárias a projetos sociais sólidos, bem como a um longo processo de luta por reconhecimento e organização, além de seu extraordinário potencial para a integração local, a representação e o fortalecimento dos laços identitários e da autoestima de comunidades carentes da periferia de São Paulo.

Referências bibliográficas AMAYO, Genny Cemin de. Rádio Público na Cidade de São Paulo. Tese de doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1992. BALSEBRE, Armand. El Lenguaje Radiofónico. Madrid, Cátedra, 1994. BRECHT, B. Teoria do Rádio (1927-1932). In: MEDITSCH, E. (org). Teorias do Rádio. Porto Alegre: Insular-Intercom, 2006. MACHADO, Arlindo et al. Rádios Livres: a reforma agraria no ar. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1986. NUNES FERREIRA, Gisele Sayeg. Rádios Comunitárias e Poder Local: estudo de caso das emissoras legalizadas da Região Noroeste do Estado de São Paulo. Dissertação de mestrado. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2006.


SCHAFER, Murray R. Rádio Radical. In: Rádio Nova: constelações da radiofonia contemporânea, n° 2, pp. 27-40. Rio de Janeiro: UFRJ/ECO/Publique, 1997. SILVA, Sérgio Pinheiro da. Rádio Comunitária, os desafios do ambiente educativo da Heliópolis FM. Dissertação de mestrado. São Paulo: Faculdade Cásper Líbero, 2010. VICENTE, Eduardo. Em busca do rádio de autor: apontamentos para uma rediscussão crítica da história do rádio no país. In: Significação – Revista da Cultura Audiovisual, n. 36, pp. 87-100. São Paulo: ECA/USP, ago/dez 2011.

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Doutor em Comunicação. Professor do Curso Superior do Audiovisual e do Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais (PPGMPA) da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Email: eduvicente@usp.br. 2 O texto da lei pode ser acessado em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9612.htm. 3 A única possibilidade publicitária para as rádios comunitárias é o chamado “apoio cultural”, que permite apenas a menção do nome do anunciante vinculado a um determinado programa. 4 http://www.mc.gov.br/radio-comunitaria/processos-autorizados. Acessado em 5/2/2012. Vale ressaltar a flagrante desproporcionalidade entre as emissoras autorizadas para o interior e para a cidade de São Paulo, que responde, nos dados apresentados, por apenas 6% das autorizações concedidas para o Estado. Embora o presente texto não se dedique a esse tema, entendo que essa questão deva ser levada em consideração em pesquisas mais aprofundadas sobre as rádios comunitárias do Estado. 5 A única exceção, como se verá, foi a Rádio Show FM. 6 http://www.audiofive.com/blog/audiencia-das-emissoras-fm-na-cidade-de-sao-paulo/. Acessado em 20/1/2012. 7 Vale observar que a música pop internacional, em suas diferentes variantes, estará presente em todos os segmentos aqui citados. 8 A Rádio USP veicula predominantemente notícias e MPB. Já a Cultura FM concentra-se na veiculação de música erudita. 9 http://bastidoresdoradio.com/noticias.htm#Audiencias_das_emissoras_FM_SP. Acessado em 12/2/2012. 10 Revista Billboard Brasil, ed. 29, abr/2012, p. 88. Presença tão maciça da música internacional não se repetia nas outras 13 cidades do Estado e do restante do país abarcadas pela pesquisa. 11 Assim, embora existam milhares de bandas e artistas independentes na cidade de São Paulo, sua possibilidade de acesso às emissoras comerciais da cidade, para a divulgação de seus trabalhos, é praticamente nula, não existindo atualmente nenhuma rádio da cidade que dedique programas específicos à divulgação de artistas novos ou independentes. 12 A Mit FM teve as suas atividades encerradas em março de 2012. A Oi FM passou a operar exclusivamente pela internet em janeiro do mesmo ano. 13 Segundo dados de 2008, do projeto Inter-Meios, o rádio respondeu naquele ano por apenas 4.2% dos gastos publicitários do país, conf. Mercado publicitário cresce 12,8% em 2008 in http://www.direitoacomunicacao.org.br/content.php?option=com_content&task=view&id=4777. Acessado em 08/02/2012. 14 O autor gostaria de agradecer as indicações oferecidas por Gisele Sayeg Nunes Ferreira para a constituição deste cenário. 15 As 34 associações que obtiveram concessões foram: Comunidade Spicilegium Dei de Amparo Social e Cristão, Associação Cultural Star, União Social do Jardim Santana e Adjacências, Associação Casa da Cidade, Associação Cultural Comunitaria Libertação, Associação Cultural Comunitária LBR, Associação Cultural Rádio Comunitária Tiradentes-FM, Associação Cultural Comunitária Inteira Ação, Associação de Difusão dos Amigos de Vila Alpina, Associação Cidadã, Associação Cultural de Radiodifusão de Vila Dalila, Associação Cultural Comunitária Asa Dourada, Assoc. e Movimento Comunitário Beneficente Educ. Cultural Saúde FM, União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis, Associação Cultural Comunitária do Imirim, Associação Cultural Comunitária da Paz, Sociedade Cultural Cívica Brasileira, Associação Comunitária de Comunicação e Cultura do Tucuruvi, Ass. Mensagem de Esperança, Associação Cultural Amigos do Brooklin, Associação Cultural


Comunitária Princesa Isabel, Associação Cultural Comunitária Everest, Associação Cultural Comunitária Zona Sul, Associação Cultural Rádio Livre Comunitária Studio 100 FM, Associação Cantareira, Associação Cultural Comunitária Ternura de Perus, Associação de Comunicação Alvorada do Bairro Pedreira, Unas – União dos Núcleos, Associações e Sociedades de Moradores de Heliópolis e São João Clímaco, Associação Videomaker do Brasil, Associação Rádio Comunitária Caminho Para a Vida, Assoc. Cultural Comunit. Pró Desenv. Infantil de Parelheiros, Abraqua – Ass. Bras. de Qualif. e Ensino Pró-Radio, Organização dos Moradores de Pirituba e Associação Cultural Comunitária Milênio. 16 http://www.saopaulodefato.com.br/inauguracao-da-radio-agapefm-87-5-do-imirim/. Acessado em 11/1/2012. 17 http://www.studio100.com.br/home/index.php?pg=a_radio&id=2. Acessado em 2/1/2012. 18 www.jornaldocambuci.com.br/edicoes/ED_1223.pdf. Acessado em 8/2/2012. 19 http://www.facebook.com/pages/RadioShow875/287251131299152?sk=info. Acessado em 23/4/2012. A emissora não possui site. 20 http://paraisopolis.org/, acessado em 2/2/2012. 21 Em emissoras mais ligadas a favelas, como as de Nova Paraisópolis e de Heliópolis, que será apresentada a seguir, a transmissão de recados dirigidos a moradores é uma constante, bem como pedidos em favor de membros mais carentes da comunidade (por remédios, roupas, equipamentos médicos etc). 22 http://www.heliopolisfm.com.br/ acessado em 2/2/2012. 23 http://www.padrereginaldomanzotti.org.br/index.php/noticias/radios/radios-irmas-novembro. Acessado em 4/2/2012. 24 http://www.orkut.com/Main#Community?cmm=93361472&hl=pt-BR. Acessado em 8/2/2012. 25 Entre inúmeros exemplos podemos citar as produções da Oboré, empresa de São Paulo que atua na área de comunicação popular e oferece significativo leque de programas (especialmente na área de saúde) em http://www.obore.com.br/cms-conteudo/59_programas_spots_jingles_apresentacao.asp; os programas produzidos para o Prêmio Roquette Pinto, criado pela Associação das Rádios Públicas do Brasil (Arpub) em 2010, disponíveis em http://www.arpub.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=271&Itemid=259; e os programas e spots da Rádio INCA, criada pelo Instituto Nacional do Câncer (ligado ao Ministério da Saúde) e disponibilizados em http://portal.saude.gov.br/portal/saude/area.cfm?id_area=1282.


Configurações e tendências das rádios comunitárias da região administrativa de Bauru, no interior paulista1 Marcelo de Oliveira Volpato2 Universidade Metodista de São Paulo – UMESP volpatomarcelo@gmail.com Resumo Este texto apresenta as principais discussões de pesquisa realizada no segundo semestre de 2009, que mapeou as tendências e configurações das 23 rádios comunitárias legalizadas na Região Administrativa de Bauru, interior paulista. Com o objetivo de entender como estas emissoras operam e qual sua relação com a população local, promove-se uma discussão acerca dos modelos de programação e gestão adotados, assim como das estratégias de sustentabilidade, promoção da cidadania e participação popular e as circunstâncias do processo de legalização. Utiliza-se do estudo de casos múltiplos e de pesquisa bibliográfica, além de entrevistas com os gestores das emissoras, estudo de documentos e observação da programação. Palavras-chave: Comunicação Comunitária; Rádio Comunitária; Interior Paulista; Abstract This paper provides the main discussions of research conducted in the second half of 2009 that mapped trends and configurations of the 23 legal community radio stations active in Administrative Region of Bauru, located in Brazil’s state of São Paulo. Its objective was to understand how they operate, their relation to the local population by means of to research their programming, management models strategies for sustainability, citizenship and promoting popular participation and the circumstances of the case legalization. The methodology of research adopted was the study of multiple cases combined to bibliographical research, also interviews with managers of the radio stations, study of documents and observation of their programming. Keywords: Community Communication; Community Radio; Countryside of São Paulo Resumen Este texto presenta los principales debates de la investigación llevada a cabo en el segundo semestre de 2009, que proporcionó una cartografía de las principales tendencias y características de las estaciones de radios comunitarias legalizadas de la Región Administrativa de Bauru, Estado de São Paulo, por un total de 23 estaciones. Los objetivos fueron comprender la relación de estas radios con la población local y aprender cómo estas están operando, incluyendo los modelos de gestión adoptados, las circunstancias que fueron aprobadas, si y cómo han hecho posible la participación y cómo han contribuido a la expansión de la ciudadanía. La obra se fundamenta en el estudio de casos múltiples, como el tipo de investigación, así como de la revisión bibliográfica. Las técnicas empleadas fueron entrevistas con los directores de las radios, el estudio de los documentos y observación de sus programaciones. Palabras clave: Comunicación comunitaria; Radio Comunitaria; Interior de São Paulo

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Síntese da dissertação de Mestrado “Configurações e tendências das rádios comunitárias do interior paulista da região de Bauru”, defendida pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). 2 Mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo e jornalista pela Universidade de Marília. E-mail: volpatomarcelo@gmail.com


Introdução No Brasil, o estudo sobre rádios comunitárias – apenas uma das inúmeras maneiras de se forjar a comunicação comunitária e popular – tem encontrado um contexto social singular após 1998, ano de instituição e legalização do serviço de rádio comunitária no País. Claro que, antes disso, inúmeras rádios livres e comunitárias já existiam, mas a partir dessa data, casos legalizados começaram a surgir. Este texto apresenta o resultado de uma pesquisa empírica realizada no segundo semestre de 2009, que buscou apreender as principais tendências das 23 rádios comunitárias legalizadas do interior paulista, da Região Administrativa3 de Bauru. Do ponto de vista metodológico, trata-se de um estudo de casos múltiplos e que se utiliza também de pesquisa bibliográfica. As técnicas utilizadas foram entrevistas com os gestores das emissoras, estudo de documentos e observação da programação. O trabalho representa apenas uma das inúmeras possibilidades de se pesquisarem os fenômenos comunicacionais, em específico as configurações da comunicação comunitária no País, neste início de século. Muito mais do que oferecer conclusões e considerações prontas, espera-se ter trazido à luz do conhecimento

científico

indicativos

sobre

esse

segmento

do

campo

da

Comunicação, além de outras questões para serem investigadas que, ao partirem destes

apontamentos,

propiciem

maiores

avanços

na

sistematização

do

conhecimento.

Rádio Comunitária: alento e esperança na democratização das comunicações As rádios comunitárias são emissoras de baixa potência, regidas pela Lei 9.612, de 1998. As emissoras que merecem ser nomeadas como tal são aquelas que veiculam informações de interesse da população, abertas à participação popular e que contribuem para o desenvolvimento local, para a ampliação da cidadania, da 3

Região Administrativa é uma subdivisão do Estado que agrupa municípios levando em consideração aspectos geopolítico-econômicos. O Estado de São Paulo divide-se em 15 Regiões Administrativas: Metropolitana de São Paulo, Registro, Baixada Santista, São José dos Campos, Sorocaba, Campinas, Ribeirão Preto, Bauru, São José do Rio Preto, Araçatuba, Presidente Prudente, Marília, Central, Barretos e Franca. A Região Administrativa de Bauru possui 39 municípios.


educação e da cultura dos integrantes da comunidade. Possuem vocação comunitária porque estão intimamente ligadas à realidade local, assumindo com intensidade um compromisso com o desenvolvimento da comunidade e de seus integrantes. Em outras palavras, apresentam finalidades, motivações, estratégias, conteúdos e gestão voltados para o bem-comum, isto é, para a ampliação da cidadania e da educação da sociedade. Possuem uma forma peculiar de trabalho que se diferencia, em alguns aspectos, das emissoras público-governamentais, comerciais e/ou religiosas, principalmente quanto à gestão, conteúdos, objetivos e finalidades. Quando colocada a serviço da população local, a emissora é capaz de cumprir sua função social, integrando os cidadãos e desenvolvendo suas capacidades. Nas palavras de López Vigil (2004, p. 508), comunitário não é uma declaração de princípios assinada no primeiro dia de emissões e que depois fica guardada na gaveta. É um estilo de viver, de pensar, de relacionar-se com o público. Uma escala de valores. Aqueles que trabalham em uma rádio comunitária têm de responder com a mão na Bíblia, no Corão, no Capital ou na fotografia de sua mãe: ‘Trabalho prioritariamente para o meu próprio benefício ou para ajudar a melhorar a qualidade de vida de meus semelhantes?’. Tal é a pergunta que deve queimar-lhes a alma.

O que se nota é que as rádios efetivamente comunitárias desenvolvem um trabalho diferente de outros tipos de emissoras porque se colocam à disposição das necessidades locais, fomentando projetos solidários de mobilização e transformação da atual realidade social. O que faz uma emissora comunitária não é sua potência baixa, sua transmissão em FM, sua autorização de funcionamento pelo Ministério das Comunicações, modo de produção artesanal ou precário, sem anúncios de apoiadores, mas sim seu modus operandi, isto é, sua proposta de trabalho, ancorada em princípios democráticos, socioculturais, educativos e participativos. Há também que se desmistificar um conceito que vem sendo defendido de que as rádios comunitárias devem trabalhar pela comunidade. Sem dúvida, a emissora que assim o faz cumpre uma função importante. Mas há que ir além e proporcionar canais efetivos de participação, para que a própria população local


preste serviços para si mesma. Por isso se diz que uma emissora comunitária precisa ter gestão da “comunidade”, quando os próprios cidadãos vão administrá-la em benefício de suas principais necessidades e a partir de sua realidade, produzindo uma comunicação autóctone e participativa. Em última instância, há que se recuperar algo dito há quase 80 anos, pelo alemão Bertold Brecht (2005 [1932], p. 42), sobre a necessidade de transformar o rádio de aparelho de distribuição em aparelho de comunicação: O rádio seria o mais fabuloso meio de comunicação imaginável na vida pública, um fantástico sistema de canalização. Isto é, seria se não somente fosse capaz de emitir, como também de receber; portanto, se conseguisse não apenas se fazer escutar pelo ouvinte, mas também pôr-se em comunicação com ele. A radiodifusão deveria, conseqüentemente, afastar-se dos que a abastecem e constituir os radiouvintes como abastecedores (BRECHT, 2005 [1932], p. 42).

Para isso, é mister que os gestores da emissora tenham como primazia a pluralidade de vozes, que sejam capazes de criar canais para o envolvimento dos cidadãos no dia a dia da rádio, em suas funções, criando um sentimento mobilizatório, na construção e no fortalecimento de “identidades projeto”4 e identidades locais; uma gestão participativa que viabilize a participação popular, na qual seus integrantes envolvam-se no aprimoramento gradual de seu projeto comunitário. Os veículos de cunho comunitário e, neste caso, especificamente as rádios comunitárias, possuem condições de desenvolver processos educativos não somente pelos conteúdos veiculados, mas também por aqueles envolvidos na produção de mensagens, no planejamento e gestão da mídia. Capacitam para a realidade, para a atuação social e para o exercício dos direitos e deveres. Em outras palavras, educa-se para a cidadania. Conforme mostra Mário Kaplun (1978, p. 3435), junto ao desenvolvimento da inteligência, este tipo de educação procura o desenvolvimento da consciência. Visa promover um processo que leva ao questionamento e à transformação dessa visão de mundo acomodada e fatalista que assola as massas latino4

Ver Manuel Castells (1999, p. 24).


americanas e que se constitui um empecilho tão paralisante para seu desenvolvimento genuíno.

O que se nota é que espaços como a família, ambiente profissional, a participação em mobilizações populares e a participação no fazer comunicação comunitária promovem processos educativos5 mais eficazes do que a simples veiculação de conteúdo com este fim. Por exemplo, quando as pessoas se organizam para planejar e produzir uma reportagem sobre meio ambiente, entrevistam especialistas, pesquisam, produzem textos, gravam, editam, levam ao ar, desenvolvem processos educativos mais aprofundados qualitativamente em comparação à simples recepção de conteúdos midiáticos sobre meio ambiente e educação ambiental. São experiências que têm sido observadas em projetos concretos de comunicação comunitária e, portanto, não se trata de elucubrações. Até mesmo o Relatório do Grupo de Trabalho Interministerial6, criado entre 2004 e 2005, por Decreto do presidente da República, com a finalidade de analisar o panorama da radiodifusão comunitária no Brasil, propor melhorias em seus procedimentos legais, visando à ampliação do acesso da população na participação, teve que reconhecer tais benesses educativas destas mídias. Conforme aponta o documento, a radiodifusão comunitária exerce o papel de construtora da cidadania, não apenas por propiciar a discussão dos conteúdos das mensagens divulgadas, como pela possibilidade de participação popular em sua produção, em seu planejamento e em sua gestão. Diz respeito ainda ao direito constitucional das pessoas manifestarem livremente sua opinião e terem acesso à diversidade de ideias por meio desses sistemas como garantia da ocupação da esfera pública. Este exercício se concretiza através do uso dos meios de comunicação comunitária (MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES, 2005, p. 11).

Na mesma perspectiva, a educação propiciada pela mídia comunitária configura-se como promotora de cidadania porque faz do cidadão sujeito ativo da 5

Ver exemplos em Peruzzo (2007a, p. 84). Sob coordenação do Ministério das Comunicações, o GTI era composto ainda por representantes da Casa Civil da Presidência da República, da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica da Presidência da República, da Secretaria-Geral da Presidência da República, da Assessoria Especial da Presidência da República, do Ministério da Educação, do Ministério da Cultura, nomeados pela Portaria nº 76, de 10 de fevereiro de 2005. Importante registrar que se trata de um documento ainda não divulgado pelos órgãos federais, permanecendo, ainda, de certa forma, em certo sigilo. 6


sua realidade, capaz de transformá-la. Mudando sua forma de pensar, ampliando sua própria consciência e, por isso, conscientizando-se da realidade social e de seu entorno, o próprio indivíduo passa a desenvolver suas próprias potencialidades e as do local onde vive. Por isso, defende-se a premissa filosófica de que “o meio é produto do homem”, pois um homem educado para a realidade e para a cidadania fará um meio, uma sociedade melhor, transformando-a.

Rádios comunitárias da Região Administrativa de Bauru Com uma área total de 16.105 km², o que representa 6,5% do território do Estado, a Região Administrativa (RA) de Bauru está localizada no Centro-Oeste Paulista, na porção central de São Paulo. Composta por 39 municípios, no ano de 2008 registrou 1.070.555 habitantes, ou seja, 2,6% do total do Estado (SEADE, 2009, p. 4). Do total de 39 municípios da RA de Bauru, apenas 23 deles possuíam rádio comunitária7 com outorga para funcionamento do Ministério das Comunicações, em 26 de maio de 20098. São elas: 87 FM, de Agudos; Alternativa FM, de Lins; Centenário FM, de Mineiros do Tietê; Cidade Jaú FM, de Jaú; Rádio Criança, de Presidente Alves; Eclusa FM, de Igaraçu do Tietê; Educadora FM, de Iacanga; Educadora Ruah, de Duartina; Fama FM, de Borebi; Jornal FM, de Pirajuí; Objetiva FM, de Cabrália Paulista; Pongaí FM, de Pongaí; Popular FM, de Bocaina; Rainha FM, de Reginópolis; Real FM, de Piratininga; Renascer FM, de Guaimbê; Rádio RM, de Bauru; Rádio RM 97, de Lençóis Paulista; Serena FM, de Bariri; Sol FM, de Arealva; Terra FM, de Getulina; Verde é Vida FM, de Itapuí; Rádio Vila Nova, de Macatuba.

Por um diagnóstico dos dados Fazer

rádio

comunitária

não

implica

a

aplicação

de

um

modelo

predeterminado. Cada emissora, então, possui características relativas aos diversos fatores que a integram e perpassam, em outras palavras, concernentes ao contexto sociocultural-econômico-político da localidade em que estão instaladas e, talvez 7

As configurações de cada uma das 23 emissoras estudadas estão detalhadas em Volpato (2010, pp. 87-130). A pesquisa de mestrado, que serviu como base para a elaboração deste texto, considerou 26 de maio de 2009 como data-limite para composição da amostra. 8


principalmente, à forma de gestão adotada por seus administradores, representantes e colaboradores. Refere-se aqui às motivações e finalidades de surgimento, às circunstâncias de outorga junto ao Ministério das Comunicações, às formas e conteúdos de programação, à relação com as legislações, às formas de sustentação, ao interesse ou desinteresse em promover a participação popular e a cidadania, às formas de relacionamento com a população e com as instâncias do poder local. As emissoras estudadas estão mais próximas, ao menos fisicamente, da população local, estimulando e promovendo laços de identidade que, se comparados à grande mídia, tendem a ser mais fortes e baseados em sentimentos de pertença, já que estão em jogo sentimentos comunitários e localistas, como a vizinhança, a familiaridade e ações de interesse coletivo. Apesar de não apresentarem as características dos conceitos clássicos de comunidade, não deixam de engendrar formas de ações solidárias e de articulação junto a suas audiências locais. Como exemplo, pode-se citar a multiplicidade de serviços de arrecadações e doações materiais, de capacitação técnico-profissional, de organização de eventos beneficentes, de conscientização da população por meio da informação ou, ainda, pela veiculação de mensagens de cunho emocional e de autoestima, promovidas por tais emissoras. Infere-se que a comunicação promovida pelas rádios comunitárias não se atém a limites territoriais imutáveis e absolutos9. Assim, na prática, na maioria das vezes, não há como distinguir entre a comunidade, o local e a região, pois são formas de comunicação dinâmicas, que rompem demarcações territoriais físicas, já que se relacionam muito mais aos elementos identitários. Já que se configuram como mídias locais e comunitárias, as iniciativas de comunicação parecem contribuir para o fortalecimento de algumas identidades locais. As iniciativas estudadas dão conta de demonstrar, empiricamente e de forma preliminar, como estes movimentos ocorrem. Se ao darem visibilidade às mensagens e conteúdos intrínsecos às suas localidades, ao mobilizar a população para determinado fim, visando a algum tipo de ajuda mútua, seja material, emocional, intelectual, espiritual, ao capacitar técnica e/ou profissionalmente, 9

Sobre as inter-relações e diferenças entre dimensões espaciais, ver Peruzzo e Volpato (2009).


promovem identidades localistas e comunitaristas; ao reproduzir programas, formatos e conteúdos da grande mídia, ao se servir dela como fonte jornalística ou, mesmo, ao comprometer a política editorial da emissora com interesses das instâncias do poder, ao não primar pela pluralidade local, ao não viabilizar canais efetivos de participação, contribuem para o fortalecimento de identidades legitimadoras das instituições dominantes. Resta-nos entender em que medida as rádios comunitárias brasileiras estão contribuindo para a construção de cada uma dessas identidades. Nota-se que existem casos de emissoras que começam suas atividades abertas à participação e primando pela prestação de serviços e pela cidadania, mas que, com o passar do tempo, por um ou outro motivo, acabam com uma gestão centralizadora que transforma a emissora em instituição privada, como também pode ocorrer o contrário. Há casos ainda de emissoras que, mesmo tendo algum tipo de vínculo religioso – porque possui uma programação gospel ou porque algum de seus gestores está ligado a alguma igreja – desenvolvem importantes trabalhos em suas localidades. Há também casos de emissoras que se serviram do auxílio de algum representante político para agilizar a morosidade dos processos de outorga, mas nem por isso possuem vínculo político-partidário. Nestes casos, nem mesmo a presença destes membros políticos junto à equipe de gestão, determinando ou sugerindo a veiculação de algum conteúdo, foi observada. E há também aquelas rádios comunitárias que possuem apoios culturais de empresas privadas e que se mantêm independentes, sem fins lucrativos e com um foco na “rentabilidade sociocultural”, na perspectiva apontada por Rafael Roncagliolo (apud LÓPEZ VIGIL, 2004, p. 505). Uma emissora pode abarcar diversas características e, ao mesmo tempo, manter-se comunitária. Por terem a contingência como uma de suas propriedades, há que se ter prudência ao estabelecer classificações para estas rádios. Sem dúvida, como mostra Peruzzo (2007a, p. 70), “a flexibilidade na classificação das rádios comunitárias é recomendável”. É claro que existem casos de emissoras estritamente monopolizadas, seja por algum segmento religioso, por algum político ou mesmo por algum membro da população local. Tais casos, sem dúvida, apresentam distorções. Mas também não podem ser generalizados.


As emissoras da RA de Bauru, de certa forma, possuíram ou possuem alguma relação ora com segmentos religiosos, ora com representantes de instâncias do poder local ou federal, ora com empresas. Entretanto, na maioria das vezes, esse vínculo não representa um desvio. Como exemplo, pode-se citar a Rádio RM, de Bauru, em que alguns de seus gestores são membros da Igreja Católica, mas a própria igreja ou seu representante local nem participam das decisões tomadas pela rádio. Ou também, o caso da Rádio Vila Nova, de Macatuba, em que seu gestor ocupa o cargo de vereador no município, mas está aberta à participação de voluntários e cumpre importante papel como única emissora da cidade. Cita-se ainda o caso da Fama FM, de Borebi, que recorreu a um deputado federal para agilizar a tramitação de concessão de outorga, mas que não possui nenhuma ligação e nem sofre nenhuma ingerência do político. Destaca-se também a Centenário FM, de Mineiros do Tietê, que teve ajuda de membros da Igreja Católica no início da fase de implantação, ou a Eclusa FM, que possui uma gestão centralizada em duas pessoas e sustentabilidade centrada na arrecadação de apoios culturais, mas desenvolve inúmeros trabalhos sociais junto à população local. Também não é por isso que se configuram como rádios comunitárias idealizadas. A maioria destes 23 casos não abarca todas as características da comunicação comunitária, como programação de interesse local, sem fins lucrativos, promotora da cidadania, aberta à participação, gestão coletiva, preocupação com a promoção de processos educativos. Uns desenvolvem melhor uma programação mais plural, outros estão mais próximos dos assuntos locais; uns promovem cursos de capacitação, outros tentam contestar o status quo. Como diz Peruzzo (2007a, p. 70), para ser comunitária não é necessário comportar, ao mesmo tempo, todas as suas dimensões, “pois fazer comunicação comunitária implica um processo que tende

ao

aperfeiçoamento

progressivo,

principalmente,

quando

assumido

coletivamente”. Vale registrar que, dentre as 23 rádios estudadas, algumas delas possuem finalidades completamente distorcidas quanto às suas finalidades, formas de gestão, conteúdos veiculados, por exemplo. Existem casos de emissoras que são monopolizadas, com uma gestão fechada e que atuam como empresas comerciais ou como veículos de marketing político local. Do total de emissoras da RA de Bauru,


a quantidade que ficou com algum tipo de vínculo evidente é a seguinte: a) comercial: 5; b) político-partidário: 2; c) religioso evangélico: 2; d) religioso católico: 4. É importante registrar que as emissoras que possuem algum tipo de vínculo com a Igreja Católica, são bastante abertas e estão preocupadas em desenvolver um trabalho social, enquanto que as rádios com vínculos a Igrejas Evangélicas apresentam-se com programação estritamente gospel e gestão centralizada, preocupando-se mais com o proselitismo religioso. Para tentar classificar cada caso, apontando seus reais vínculos e relações, uma possibilidade seria estudá-los um a um e se servir de observação participante como recurso metodológico, para entender a dinâmica e apreender qual o foco de trabalho da equipe responsável pela gestão. Ainda assim, é preciso cautela. Podese incorrer em um diagnóstico precipitado e tendencioso.

Programação Cada uma das 23 emissoras possui peculiaridades em suas grades de programação. Enquanto a Eclusa FM e a Renascer FM, por exemplo, possuem predomínio de programas religiosos, na Educadora FM, de Iacanga, há maior incidência de musicais. Existem também aquelas emissoras, como a Objetiva FM, de Cabrália Paulista, e Fama FM, de Borebi, que transmitem músicas de forma automatizada na quase totalidade dos horários porque não possuem voluntários. Nestes casos, resta-nos a dúvida: por que a emissora ainda não conseguiu mobilizar as pessoas de seu entorno para participarem como produtores de conteúdo? Algumas características recorrentes nas 23 emissoras também se destacam. Esses casos tendem a primar por grades de programação de predomínio musical. Nessa perspectiva, podem estar reproduzindo a lógica dos padrões de rádios locais. Por outro lado, a preponderância é por músicas sertanejas, estilo que encontra pouco respaldo em algumas rádios comerciais da região, a exemplo da Rádio 96 FM, de Bauru, e da Jovem Pan FM, de Marília, o que indica que as rádios comunitárias podem se configurar como uma alternativa de conteúdo, atendendo a um segmento de ouvintes que não se identifica com as emissoras convencionais. Nos casos da Eclusa FM e Renascer FM, há predomínio de veiculação de músicas de estilo gospel. Se por um lado essas rádios segmentam sua programação


e não dão abertura à pluralidade religiosa da população local, por outro, podem também estar atendendo a outro segmento que não encontra seus interesses musicais e de conteúdos nas rádios comerciais. Há casos ainda de rádios que vendem espaços na grade de programação, seja para segmentos religiosos, políticos, locutores e outros interessados em ter algum programa na emissora da cidade. Como exemplo, pode-se citar a Jornal FM, de Pirajuí que vende espaços para locutores e para igrejas evangélicas. Como defende Adilson Cabral Filho (2008, pp. 8-9), trata-se de uma prática perversa e que compromete o caráter público da emissora: A submissão aos interesses privados de anunciantes que sustentam comercialmente as rádios coloca belas iniciativas a perder e perverte o sentido político de suas práticas. Por outro lado, a própria compreensão da rádio como locatária de espaços de programação não é tão menos perversa, impondo aos programadores o acesso a partir de sua competência financeira e elitizando a iniciativa a partir do limite àqueles que não dispõem de condições para terem disponível o acesso ao meio para se expressarem, ou que fazem de seu programa algo mais comercialmente vendável para contar com o interesse de anunciantes.

A maioria das informações jornalísticas veiculadas pelas emissoras é construída com base em notícias da mídia comercial, seja da região ou da grande mídia, alguns retirados da internet, de jornais da própria cidade ou cidades vizinhas. Em alguns casos se produzem algumas informações de caráter local, mas de forma bastante tímida. Tal tendência também foi diagnosticada por Terezinha Silva (2008, p. 256): A maioria ainda não conseguiu avançar para além de uma programação majoritariamente musical. Não conseguem fazer produção própria de notícias, em geral divulgadas apenas sob a forma de avisos de utilidade pública; as campanhas educativas são eventuais e os debates sobre problemas do município e demandas da cidadania são raros ou inexistentes.

Em diversos casos, como da 87 FM, Eclusa FM, Educadora Ruah, Rádio RM de Lençóis Paulista, Terra FM, Vila Nova FM, foi possível identificar a postura de não desenvolver um “jornalismo de contestação” e/ou de denúncias. Trata-se da prática do não conflito, do não atrito e do não mexer em feridas também diagnosticada por


Silva (2008, p. 110): “a programação não avançaria para além do musical, para conteúdos mais críticos, porque isso implicaria debate local e polêmicas, que repercutiriam na sustentação econômica e político-social da rádio”. Nessa perspectiva, essas rádios não desenvolvem formas de comunicação de linha contra-hegemônica porque se inserem na lógica do fluxo de informação dominante. Sua grande maioria, na maior parte do tempo, não consegue contestar o atual sistema e suas instâncias de poder, nem ao menos geram espaços públicos de debate, que provoquem a reflexão, ou o fazem de forma quase insignificante. Nenhuma forma mais efetiva de contestar o status quo foi encontrada, ou por falta de interesse ou por desconhecimento e falta de capacitação de alguns gestores, ou, ainda, pela histórica tradição brasileira de subordinação e falta de consciência mobilizatória. Como também constatou Peruzzo (2004, pp. 149-158), em pesquisa desenvolvida no final da década de 80 e início de 90, do século passado, “as limitações em relação ao conteúdo da comunicação popular escrita e de áudio são gritantes, tanto na linguagem quanto na variedade da programação ou dos materiais divulgados”. Quase 20 anos depois, ao se estudarem estas 23 rádios, constata-se que se avançou muito pouco para além de alguns avisos de utilidade pública, de raras notícias sobre decisões políticas locais e da veiculação de informações retiradas da grande mídia. É praticamente inexistente a veiculação de conteúdos críticos, como constatou Peruzzo (2004, p. 156), nos meios de comunicação ligados aos movimentos sociais: “tanto em nível de denúncia descritiva quanto de interpretação ou de opinião, levantando reivindicações, apelando à organização e à mobilização popular, apontando para a necessidade de mudanças”. Sobre as formas de produção, na grande maioria dos casos, as emissoras têm apresentado características da “imprensa artesanal”, para citar Wilson Bueno (1977, p. 202), com infraestrutura precária e mão de obra, voluntária ou não, sem competência técnica, como também identificou Peruzzo (2004, p. 150). Mas existem casos de emissoras que dispõem de instalações bem equipadas, como Educadora FM, Jornal FM e 87 FM.

Gestão


Cada vez mais se percebe a importância de gestores capacitados para o trabalho popular, abertos a um projeto público-político de rádio comunitária e capazes de envolver a população no fazer comunicação. Quando a gestão possui outro foco, o lucro, o proselitismo religioso ou político-partidário, os reflexos no conteúdo, nas motivações e nas formas de participação popular da emissora apresentam-se de forma bastante clara. Em outras palavras, pode-se dizer que, na maioria dos casos, são o foco e as intenções da equipe de gestão que dão o tom de uma rádio comunitária. Nesse sentido, concorda-se com Peruzzo (2007a, p. 70), ao dizer que uma rádio se mostra mais comunitária na medida em que o modelo de gestão adotado for coletivo, democrático e constituído com base em critérios de representatividade. As rádios comunitárias do interior paulista adotam, em sua grande maioria, um modelo de gestão centralizada em uma ou duas pessoas, como nos casos da Popular FM, Terra FM, Jornal FM, Educadora FM, Pongaí FM, Fama FM, Objetiva FM, Sol FM. Foi possível identificar uma forma de gestão pouco mais coletiva na Alternativa FM, que reúne seus diretores mensalmente para deliberações e tomada de decisões. Nem sempre os membros da Associação mantenedora são os responsáveis pela gestão da emissora e, em alguns casos, a Associação não opera na prática, como no caso da Sol FM. No caso da Rádio RM 87, de Lençóis Paulista, existe um gestor que faz a mediação entre os membros da Associação e a rádio. Para os entrevistados, a existência e as funções do Conselho Comunitário e da Associação mantenedora não estão muito claras. Para alguns, trata-se da mesma organização. Isso significa que, na prática, o Conselho Comunitário, exigência do artigo 8 da lei 9.612/98, responsável por acompanhar a programação da emissora, não atua. A programação fica fadada a não cumprir suas finalidades educativas, culturais, artísticas e outras, previstas em lei. A grade de programação, então, geralmente é decidida pelos gestores ou por membros da emissora. No caso da 87 FM, existe um “diretor de programação” que, contratado pelo gestor da rádio, planeja e administra os programas, seus nomes e horários. Não foi possível identificar mecanismos de rotatividade e representação na constituição dos cargos de gestão. A rádio Vila Nova FM alega fazer eleições


anualmente, entretanto a mesma pessoa está à frente da emissora desde sua criação. Vale registrar que, em algumas rádios, seus gestores ocupam, ocuparam ou tentaram ocupar cargos políticos no município. Como exemplo, citam-se os casos da Renascer FM, Sol FM, Eclusa FM, Educadora FM, Popular FM e Vila Nova FM. Se os mesmos se serviram de sua popularidade na emissora para conquistar visibilidade política na cidade, carece de investigação. Em geral, segundo os casos estudados e conforme também diagnosticou Orlando Berti (2009, p. 282), ao pesquisar rádios comunitárias do sertão do Piauí, “as emissoras que têm dono ou com controle firme de alguma pessoa, geralmente são as mais utilizadas política e comercialmente e são as que têm menores compromissos com a causa coletiva da comunicação”. Como exemplo de exceção a essa tendência, cita-se a Educadora FM que, apesar de ter uma gestão centralizada em duas pessoas, desenvolve inúmeras campanhas sociais na localidade. A real finalidade da promoção das campanhas, por parte dos gestores, também carece de melhor investigação, já que um deles se candidatou como vice-prefeito às eleições de 2008, usando um nome que fazia alusão à emissora: “Fulano da rádio”. Há que se registrar também o caso da Popular FM, com acesso e gestão monopolizados pela família do ex-prefeito da cidade, nas gestões de 1997-2000 e 2001-2004. Em outros casos, a capacitação dos gestores para o trabalho popular e para a administração de rádios comunitárias, quer seja na competência de se criarem canais de participação popular, na implantação de repórteres populares ou na mobilização para atuação como locutores, técnicos de som, redatores, faria das emissoras exemplos mais democráticos e participativos. É o caso da Rádio RM 87, de Lençóis Paulista, Eclusa FM, Real FM, Terra FM e Verde é Vida FM. Existe o interesse por parte de alguns gestores em abrir a rádio à participação, mas não sabem bem como lidar com tal prática. É para esses casos que poderiam entrar em cena cursos de capacitação promovidos por universidades e organizações do terceiro setor, interessadas na democratização das comunicações.

Circunstâncias de outorga e legislação


Há muito tempo se sabe da existência de morosidade e excessiva burocracia, por parte do Ministério das Comunicações, nos processos de outorga, desde o momento em que a Associação protocola um projeto de rádio comunitária, até a concessão da autorização provisória. A média de espera das rádios comunitárias da RA de Bauru foi de cinco a dez anos, desde a data de protocolo do pedido até o início efetivo de operação da emissora, o que já pode ser considerado como um primeiro desafio de acesso ao sistema de radiodifusão comunitária, no Brasil. A morosidade e burocracia, de certa forma, têm levado a três consequências principais, conforme pudemos diagnosticar: a) muitas emissoras acabam operando na ilegalidade, pois não conseguem autorização do órgão federal competente; b) como forma de resolver o impasse, algumas rádios têm procurado a ajuda de políticos, para agilizarem a outorga; c) podem representar repressões à mobilização popular. A grande maioria das rádios comunitárias estudadas afirma que a restrição à veiculação de espaços publicitários e à área de cobertura são as principais falhas da Lei 9.612. Nas palavras de Wagner de Oliveira10, da Fama FM, o setor de radiodifusão comunitária carece de uma reformulação em suas leis: Rádio comunitária, para existir, tinha que se mudar, há 30 anos, a legislação. Dar poder, dar força, dar verba porque senão, como é que você, dentro de um sistema capitalista, vai viver sem ter capital? Não tem condição. Então, se você quer que o seu exército vença a batalha, arme o seu exército.

Um aspecto exaustivamente apontado pelos entrevistados relaciona-se à área de cobertura das rádios comunitárias. Segundo alguns deles, como Luis Claudio da Silva, da Renascer FM, existe uma necessidade de a emissora atingir toda a cidade. Ela [a Lei] tem vários pontos falhos, eu diria. Ela restringe a potência da rádio para uma potência muito pequena, com uma wattagem muito pequena, que é 25 watts, no máximo. E isso, em municípios grandes, é uma dificuldade, na área rural. Então, é um dos pontos falhos. Ela não permite que nós tenhamos comerciais iguais aos das 10

Todos os depoimentos de gestores de emissoras citados neste texto foram retirados de Volpato (2010).


rádios grandes, que deveríamos ter, abrir este leque para expandirmos.

Aumentar a potência da emissora para servir determinado segmento da comunidade é, a nosso ver, uma necessidade e algo que poderia ser repensado pelos representantes do legislativo federal. Contudo, vale dizer que, como em um processo social multifacetário, interesses desvirtuados sempre existirão, como é o caso de emissoras, intituladas como comunitárias e que possuem interesse em aumentar seus públicos para, assim, aumentar sua receita, como a Rádio Sol FM: Uma emissora que tem a propagação das suas ondas mais longe, obviamente aumenta o número de ouvintes. Aumentando o número de ouvintes, aumentam-se os apoios culturais. Então, são destes apoios que sobrevivem a emissora. Enquanto a gente estiver em um universo pequeno, obviamente que os apoios serão menores também. E aí fica difícil balançar a receita. É por isso que eu vejo necessário que aumente a potência dos transmissores.

Faz-se importante registrar ainda que existem pontos da Lei 9.612 que ajudam no funcionamento e na manutenção dos aspectos públicos das emissoras. Como exemplo, poder-se-ia citar a obrigatoriedade de se instituir um Conselho Comunitário para acompanhar a programação, além de outros artigos que garantem as finalidades comunitárias, de integração da comunidade, educativas, culturais, de utilidade pública, vedando o proselitismo. Entretanto, ao menos nos casos estudados, não se constatou fiscalização, por parte das instâncias legais, para garantir o efetivo cumprimento das normas. Observa-se, irrefutavelmente, que o atual sistema de fiscalização tem-se mostrado insuficiente para garantir que práticas ilegais e/ou com outros interesses que não aqueles garantidos pela instituição do serviço de radiodifusão comunitária no Brasil sejam denunciadas e eliminadas.

Promoção da cidadania A experiência tem mostrado que as rádios comunitárias são um espaço em potencial para a prática, o incentivo e aprendizado da cidadania. É claro que isso se dá na proporção em que existe interesse e capacitação para tal. Muito há que se avançar, mas se reconhece que muito já se caminhou neste sentido. Fato é que o


movimento de radiodifusão comunitária tem forjado formas de desenvolvimento de cidadania que, atreladas ao fazer comunicação, tem proporcionado a ampliação da consciência, capacidades e possibilidades dos cidadãos. Como mostra Cogo (2004, p. 48), experiências de cidadania marcadas pela efemeridade, instabilidade e desterritorialização, pautadas e organizadas pelo pertencimento a múltiplas identidades e redes sociais, interagem no espaço público, especialmente midiáticos, associando matrizes clássicas a novos modos de expressão cidadã, que resultam de competências e habilidades para apropriação e usos dos recursos comunicacionais e midiáticos, como os digitais, não raramente desenvolvidas à margem da educação formal.

As rádios comunitárias do interior paulista tendem a contribuir para a promoção da cidadania na divulgação de informações de utilidade pública, na realização de campanhas de arrecadação de alimentos, de materiais de utilidade doméstica, como móveis, eletrodomésticos, na divulgação de oportunidades de emprego, na veiculação de mensagens de autoestima e religiosas, na capacitação técnica. Existe forte mobilização para participação da população local apenas em meras campanhas sociais e beneficentes, na formação de agregações solidárias e de fraternidade, na criação de consciência da atual realidade pessoal e local, bem como no incentivo à melhoria, na democratização da informação e do acesso aos meios de comunicação, no desenvolvimento econômico local. Contudo se subutiliza o potencial para o debate, para a contestação do atual sistema social e político, para a denúncia, para reivindicação. Sem dúvida, o principal freio que tem impedido tal prática, ao menos nos casos estudados, tem sido decorrente das relações com as diversas instâncias do poder local, como Prefeitura, Câmara e seus representantes, o que, na maioria das vezes, tem limitado a atuação das rádios para a veiculação de conteúdos alternativos e de contestação11. Como também identificou Terezinha Silva (2008, p. 267), as emissoras se relacionam com o “poder público local numa lógica de concertação muito mais do que de oposição sistemática, especialmente nos 11

Podem-se retomar os dizeres de Peruzzo (2007a, p. 89), para quem democratizar a comunicação implica também, mas não somente, a “ampliação da geração de conteúdos dos setores não dirigentes e dominantes da sociedade”.


municípios de pequeno e médio porte, onde a rádio é o único ou principal veículo de comunicação, inclusive para o governo municipal”. Quase inexpressivos são os casos em que se optou pela oposição aos poderes locais e, mesmo assim, se deu por algum motivo que não o interesse público, mas o particular, de defender e dar visibilidade para estes e tecer críticas àqueles outros, sejam partidos políticos ou pessoas. Em outros casos, subutiliza-se esse potencial pela simples ignorância em lidar com o trabalho popular. É mister dizer que as rádios comunitárias também contribuem para o desenvolvimento econômico do entorno de onde estão instaladas. Vale recuperar o exemplo da Verde é Vida FM e sua campanha de valorização do comércio local. O município de Itapuí dista cerca de 40 km da cidade de Jaú, considerada um polo econômico e industrial regional que atrai consumidores das cidades vizinhas, como é o caso de Itapuí. A emissora promoveu uma campanha de incentivo ao consumo na própria cidade, promovendo o comércio local. Não há como deixar de registrar o potencial de capacitação técnicoprofissional das rádios comunitárias. A Terra FM, por exemplo, promoveu cursos de capacitação para locutores e a Renascer FM conseguiu, dando espaço para participação popular, formar profissionalmente alguns cidadãos que hoje têm a locução em rádio como profissão. Por tudo isso, esta pesquisa também endossa a tese de que as rádios comunitárias possuem potencial para a promoção da cidadania junto àqueles que dela participam e não somente pela veiculação de conteúdos educativos, como tem feito, por exemplo, o Canal Futura, que possui uma programação voltada à educação e à utilidade pública, mas não é aberto à participação popular. Nesse sentido, muitas possibilidades de promoção da cidadania ainda estão por fazer. Ao entrevistar os gestores, notou-se que, para quase todos eles, a promoção da cidadania se resume à divulgação de eventos da localidade, veiculação de spots de campanhas de saúde, divulgação de informações de utilidade pública. Como já procuramos discutir, existem casos em que os líderes de rádios comunitárias não têm a cidadania como foco de trabalho, entretanto, pode-se diagnosticar que a grande maioria subutiliza o “potencial cidadão” das emissoras


porque desconhece as suas possibilidades. Mais uma vez, reitera-se a importância de cursos de capacitação para os gestores.

Participação popular As rádios comunitárias, mesmo levando em conta toda esta sua atual complexidade e pluralidade de tendências, representam importante avanço na democratização das comunicações. De forma institucionalizada, no Brasil desde 1998, existe um sistema de radiodifusão comunitária e local, ao contrário do que constatou Peruzzo (2004, p. 150), no início da década de 1990, quando, então, não existia no Brasil “uma mobilização mais ampla em torno da reivindicação de acesso à concessão de emissoras de rádio e televisão comunitárias e locais”. Mobilizou-se e conquistou-se acesso e participação mais efetivos, por parte de segmentos das classes subalternas, aos sistemas públicos de concessão de meios de comunicação, já que participação é conquista, para citar Pedro Demo (1988, p. 18), e não pode ser entendida como dádiva, concessão ou algo preexistente, mas como um processo que se constrói, em constante lapidação. Por isso mesmo, não é porque se conquistou o reconhecimento e amparo legal para tal prática que o processo está finalizado. Pelo contrário, ainda há muito que se conquistar. A garantia de participação dos segmentos populares como efetivos representantes e gestores das rádios comunitárias, garantindo que estas emissoras estejam nas mãos e sob o poder dos diversos segmentos das classes subalternas e não nas mãos de oportunistas, é um dos novos desafios do setor. Como já foi altamente trabalhado por pesquisadores da área, como Peruzzo (2004, 2007a), as rádios comunitárias possuem o potencial de viabilizar a participação popular no fazer comunicação. Em outras palavras, existe a possibilidade de o receptor se tornar emissor, produzindo mensagens, como locutor, como redator e, em casos mais avançados, planejando os rumos da rádio e administrando a emissora ou sua instituição mantenedora. Retomam-se aqui os níveis de participação popular apontados por Peruzzo (2004) e utilizados nesta pesquisa: a) mensagens: participação nas entrevistas, depoimentos, denúncias, avisos; b) produção: participação na produção de notícias, artigos, poesias, conteúdos, duração de programas, horários, locução, edição; c) planejamento:


participação na política editorial, objetivos, formatação dos programas; d) gestão: participação em todo o processo de administração e controle do veículo. A participação popular, no caso das rádios comunitárias estudadas, acontece, em sua grande maioria, no nível das mensagens, quando as pessoas participam pedindo e dedicando músicas, enviando recados, sendo entrevistadas, dando avisos. Dá-se por meio de telefonemas, cartas, bilhetes, e-mails e até por comunicadores virtuais instantâneos. Além disso, existe a opção de participação presencial, quando as pessoas vão até a emissora solicitar músicas ou mandar recados. Mas ainda ocorre no nível das mensagens. Como também diagnosticou Berti (2009, p. 284), em algumas emissoras, avisos como perda de documentos, venda de materiais domésticos, nota de falecimento e outros são cobrados. Em alguns casos, ainda, até mesmo a participação no nível das mensagens é prejudicada porque a emissora possui programação automatizada por computador. Nos casos em que não existem voluntários e/ou funcionários, por que não promover canais de participação para preencher a programação com locutores e técnicos de som? Desconhecimento das possibilidades ou falta de interesse e consciência da importância da democratização das comunicações? Torna-se importante registrar que, para os gestores das rádios comunitárias do interior paulista, participação da população é sinônima tão somente de pedir músicas. Questionados sobre como a população participa na emissora, davam respostas como “Ah! Eles participam muito. Estão sempre pedindo músicas por telefone, por carta ou bilhete. A audiência é bem forte!”. Mais uma vez, mostraram desconhecer as possibilidades de participação na comunicação popular. A participação no nível de produção de mensagens e programas mostrou-se bastante restrita nas rádios estudadas. Não foi possível constatar a existência de nenhuma

estratégia

de

viabilização

de

participação

neste

nível.

Muito

provavelmente, a população nem sabe que possui o direito de participar nas rádios comunitárias, como locutor, redator, técnico de som. Assim, a emissora perde a oportunidade de criar laços de pertencimento mais sólidos com a população local. Até mesmo aqueles gestores que possuem interesse comercial ou político perdem a oportunidade de interagir de forma mais efetiva com seus ouvintes, que poderiam estar participando como produtores e emissores. Sem dúvida, devem ter receio de


abrir espaço para a participação e perderem seu modo alternativo de lucro. Poucos são os voluntários que participam no nível da produção, talvez porque não existam canais de incentivo à participação e esta se torna insustentável, como alertou Peruzzo (2004, p. 282): “é necessário criar e desenvolver mecanismos que viabilizem a participação, sem o que esta não ocorre e não se sustenta”. Nessa perspectiva, parece que as palavras de Hans Magnus Enzensberger (2003 [1970], p. 17) continuam fazendo sentido, uma vez que a participação popular, isto é, a transformação do receptor em emissor ainda parece ser evitada conscientemente: A evolução de um simples meio de distribuição para um meio de comunicação não é um mero problema técnico. Ela é evitada conscientemente, por boas ou más razões políticas. A diferenciação técnica entre emissor e receptor reflete-se na divisão de trabalho entre produtores e consumidores da sociedade; esse mecanismo adquire intenso contorno público na indústria da consciência. Em última análise, essa evolução reside na contradição básica entre classes dominantes e dominados (de um lado, o capital monopolista ou burocracia monopolista e, de outro, as massas dependentes).

Sendo assim, a população não tem acesso à participação nos níveis de planejamento e de gestão, restritos, na grade maioria dos casos, a uma ou duas pessoas e, em poucos casos, a mais de duas. Em outras palavras, com base nas rádios comunitárias estudadas, quanto se avançou para além das relações capitalistas de dominação e exclusão? Apesar desse panorama, é importante dizer que uma rádio comunitária que desenvolva qualquer um dos níveis de participação discutidos acima consegue prestar válidos serviços à população local. Mas, também é importante registrar que quanto mais democrática for a emissora, mais contribuirá para a ampliação da cidadania e para a transformação e melhoria local.

Considerações finais Considera-se que não existe uma forte tradição, no contexto em que esses casos foram estudados, de mobilização popular e reivindicação. As pessoas parecem ainda ter certa resistência em aceitar que podem ser senhores de sua história, independente de governo ou de outras forças sociais, já que por meio da


participação em uma rádio comunitária existe a possibilidade de se trabalhar para o desenvolvimento social e para a ampliação da consciência e da cidadania. As rádios comunitárias estudadas não nasceram como consequência de uma sólida mobilização da população local, mas sim do empenho de profissionais e amantes do rádio, por incentivo do próprio governo, por interesses particulares, ou seja, essas emissoras não nasceram da organização e movimentação comunitária e popular. Claro que essa tendência não pode ser generalizada porque sabemos de vários casos em que as pessoas se organizaram para reivindicar determinado objetivo de melhoria social. Há que se concluir que as rádios comunitárias estudadas desenvolvem uma forma de comunicação que tende a se assemelhar mais às características da mídia local do que às da mídia comunitária, alternativa e popular. A capacitação dos gestores sobre a lida com o trabalho popular poderia vir a ser uma medida para atenuar o problema. Os mesmos não demonstraram consciência de que a comunicação comunitária possui conteúdos diferentes dos veiculados pela grande mídia porque dá visibilidade à voz das classes subalternas, por meio da participação popular. Referências ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações. Portal on-line. Disponível em: http://www.anatel.gov.br/. Acesso em: nov 2007-fev 2010. BERTI, Orlando Maurício de Carvalho. Os processos comunicacionais nas rádios comunitárias legalizadas do sertão do Piauí. 2009. 372 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) – Universidade Metodista de São Paulo. BUENO, Wilson C. Caracterização de um objeto-modelo conceitual para a análise da dicotomia imprensa industrial/imprensa artesanal no Brasil. 1977. 486 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação) – Universidade de São Paulo, SP. BRECHT, Bertold. Teoria do rádio. In: MEDITSCH, Eduardo (org.). Teorias do rádio: textos e contextos. Florianópolis: Insular, 2005. v. 1. [1932]. CABRAL FILHO, Adilson Vaz. A promoção do desenvolvimento humano pelas rádios comunitárias do estado do Rio de Janeiro. Trabalho apresentado ao GT “Economia Política e Políticas de Comunicação”, do XVII Encontro da Compós, na UNIP, São PauloSP, jun. 2008. CARNICEL, Amarildo Batista. O jornal comunitário com estratégia de educação nãoformal. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2005. (Tese de Doutorado – Educação).


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Teoria e prática jornalística em uma rádio comunitária: estudo do programa Ecolândia – o mundo onde a gente vive Mariana Cervi SOARES1 Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) mariana.cs@live.com Gisele Dotto REGINATO2 Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) giselereginato@gmail.com Resumo Este artigo visa discutir a rotina de produção do programa Ecolândia – o mundo onde a gente vive, radiojornal sobre meio ambiente e qualidade de vida, transmitido em uma rádio comunitária da cidade de Santa Maria, na região central do Rio Grande do Sul. Para tanto, a proposta metodológica é composta por dois eixos: análise de materiais (áudios e roteiros) e observação da rotina produtiva. Através da interligação das duas sistemáticas, contextualizamos a produção do programa em uma análise conjunta, buscando compreender como o radiojornal está inserido em uma mídia comunitária, resguardando suas características jornalísticas específicas. Entre os principais resultados deste estudo está a verificação da importância de ampliar as discussões entre as práticas e a teoria no eixo da comunicação comunitária. Palavras-chave: Rádio Comunitária; Jornalismo Público; Jornalismo Popular; Radiojornalismo; Rotina de produção. Abstract This paper discusses the routine production of the program Ecolândia – o mundo onde a gente vive, radiojornal about the environment and quality of life, transmitted in a community radiobroadcast in the city of Santa Maria, in the central region of Rio Grande do Sul. For this, the methodological proposal is composed of two axes: an analysis of materials (audio and scripts) and observation of routine production. Through the interconnection of both systems we contextualize the production of the program in a joint analysis, seeking to understand how the radiojornal is inserted in a community media, safeguarding its journalistic specific characteristics. Among the main results of this study is the verification of the importance of broadening discussions between practice and theory in the axis of community communication. Key-words: Community Radio; Civic Journalism; Popular Journalism; Radiojournalism; Routine production. Resumen Este artículo analiza la producción habitual del programa Ecolândia – o mundo onde a gente vive, radiojornal sobre el médio ambiente y la calidad de vida, transmitido de una radio comunitaria en la ciudad de Santa Maria, en la región central de Rio Grande do 1

Jornalista graduada em Comunicação Social – habilitação Jornalismo, pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: mariana.cs@live.com. 2 Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Jornalista e mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), onde atuou como professora substituta do curso de Jornalismo. E-mail: giselereginato@gmail.com.

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Sul. Para esto, la propuesta metodológica se compone de dos ejes: un análisis de los materiales (audio y guión) y la observación de la rutina de producción. Através de la interconexión de ambos sistemas, contextualizamos la producción del programa en un análisis conjunto, tratando de entender cómo el radiojornal se inserta en un médio de comunicación comunitários, salvaguardando sus características periodísticas. Entre los principales resultados de este estudio es la constatación de la importancia de ampliar las discusiones entre práctica y teoría en el eje de la comunicación comunitaria. Palabras clave: Radio Comunitaria; Periodismo Público; Periodismo Popular; Radiojornalismo; Rutina de la producción.

Introdução O programa Ecolândia – o mundo onde a gente vive3, transmitido semanalmente na rádio comunitária Caraí (106.3 FM)4, faz parte de um projeto de extensão universitária do curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Em 2011, a equipe completou cinco anos de trabalho em parceria com a rádio, que abrange a Região Sul de Santa Maria/RS. Com base no considerável tempo de atuação do Ecolândia inserido no ambiente da Caraí e, também, como prática de extensão dos estudantes, observamos a necessidade de analisá-lo. Partindo da natureza comunitária do objeto, entendemos a importância de discutir sobre produtos comunicacionais que estejam fora do eixo da mídia de massa, devido ao seu papel no desenvolvimento social. Em contrapartida ao cenário da mídia hegemônica, existem meios alternativos, geralmente de cunho popular, como, por exemplo, a rádio comunitária na qual está inserido nosso objeto de estudo. Como lembra Peruzzo (2007, p.1), iniciativas dessa natureza são formas de expressão que “pretendem ampliar a conquista de direitos de cidadania, não somente para pessoas individualmente, mas para o conjunto de segmentos excluídos da população”. Além de propor uma reflexão sobre a comunicação alternativa, o intuito de estudar o Ecolândia também é o de entender o tipo de Jornalismo que o programa produz. Mesmo inserido em uma rádio comunitária, o radiojornal é realizado por acadêmicos do curso de Jornalismo e a comunidade da região não dirige a edição do programa, apenas tem espaço de participação. Sendo assim, nosso objetivo principal 3

Ao longo do trabalho utilizaremos apenas “Ecolândia” como referência ao objeto de análise, devido à extensão do nome do programa. 4 A emissora tem um site, no endereço <http://www.caraifm.com.br>, que disponibiliza um aplicativo para se ouvir a rádio online e, também, informações como histórico e programação.

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é analisar de que forma os conceitos se aplicam ao programa, por meio do estudo dos seus materiais e da observação das atividades exercidas pela equipe. Através da integração dos conceitos que utiliza, o Ecolândia procura justificar as suas práticas enquanto programa de teor jornalístico. Como o trabalho da equipe é desenvolvido? A produção dos alunos atende às necessidades de um programa jornalístico em uma rádio comunitária? São questões como essas que nos provocaram a pensar e investigar o trabalho do Ecolândia, a partir da análise do pólo de emissão. O estudo ainda coloca em evidência a rádio Caraí, emissora comunitária que transmite o programa semanalmente. Mesmo que seja um veículo alternativo de comunicação, ela possui um forte vínculo com a comunidade da Região Sul de Santa Maria, comportando-se como um veículo tradicional para os moradores. Assim, percebemos a importância de entender de que forma um programa idealizado para uma comunidade específica é produzido, congregando os pilares das teorias e da prática da comunicação. O Ecolândia na rádio Caraí: as origens e o trabalho da equipe

O Ecolândia é um radiojornal semanal destinado aos ouvintes da Caraí FM, rádio que funciona regularmente desde 2004 na cidade de Santa Maria. A emissora é integrante da Associação Cultural de Divulgação Comunitária da Vila Tropical e Região Sul de Santa Maria, fundada em 22 de novembro de 1998. A criação da rádio foi impulsionada pelo casal Paulo Roberto Aguiar Rodrigues e Roselaine Magrini, moradores do Bairro Urlândia, local onde fica a Caraí. O ponto vermelho da figura abaixo marca o final da Rua Caracaraí, na qual fica a sede da emissora.

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Figura 01: Mapa que mostra parte dos arredores da Rádio Caraí. Fonte: Google Maps. Mapa editado para este artigo.

A iniciativa de fundar a Caraí surgiu após a sanção da Lei nº 9612/985, que previa extinguir as emissoras piratas e legalizar as rádios comunitárias, através de autorização da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL). Reconhecida pela ANATEL, a rádio começou a funcionar regularmente desde recebimento da licença. A Caraí conta com uma programação diversificada – musical, informativa, religiosa e esportiva – com a participação de moradores e colaboradores. Atuando desde o início em parceria com a rádio Caraí, o programa Ecolândia surgiu no Programa de Educação Tutorial (PET) do curso de Comunicação Social da UFSM, em uma época em que os alunos buscavam uma forma prática de desenvolver um projeto extensionista que envolvesse atividades externas à Universidade. A época de criação do programa foi de experimentação, pois os alunos estavam conhecendo o próprio Ecolândia. Era necessário pensar nos objetivos da produção, conceber a temática principal do programa e entender as demandas da Caraí e do público. Os temas sobre meio ambiente e qualidade de vida surgiram devido ao interesse dos alunos nestas pautas e, também, na falta de programas desse caráter na programação da rádio. Nesse período, alunos dos cursos de Relações Públicas e Publicidade e Propaganda também participavam da produção. No entanto, com o passar do tempo, devido ao desenvolvimento do programa e ao maior comprometimento com a 5

Lei nº 9.612, de 19 de fevereiro de 1998, que instituiu o Serviço de Radiodifusão Comunitária no Brasil.

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comunidade, a equipe percebeu a necessidade de profissionalizar o trabalho realizado na produção semanal dos alunos. Assim, o radiojornal tornou-se um projeto voltado especificamente aos acadêmicos de jornalismo. Atualmente, participam estudantes de diversos semestres da graduação. A rotina de trabalho envolve as etapas de reunião de pauta, produção, apuração, edição e apresentação, sendo que todas essas tarefas estão distribuídas em uma escala semestral. Segundo a equipe, “os alunos, dessa forma, têm a oportunidade de desenvolver as habilidades da profissão de jornalista, passando por todas as fases de produção” (AMARAL et al., 2011, p.3).

Um radiojornal sobre meio ambiente e qualidade de vida em uma rádio comunitária

O Ecolândia tem como objetivo principal produzir conteúdos a partir de duas temáticas centrais: meio ambiente e qualidade de vida. A ideia da equipe é levar para a comunidade um jornalismo local, que dê prioridade aos fatos que permeiam o dia a dia do seu público, através do assunto que nortear a produção da semana. O programa justifica a escolha pelas pautas ambientais devido ao pouco espaço que essas recebem na mídia tradicional, pois, quando aparecem, a abordagem é repleta de termos rebuscados, que dificultam a compreensão do conteúdo. O programa Ecolândia se propõe a transmitir informações ambientais de uma forma diferente daquela encontrada nos meios de comunicação tradicionais e mais próxima da realidade da comunidade. A superficialidade dada ao tratamento da notícia ambiental é outro fator que prejudica o entendimento sobre as questões ambientais. Em virtude disso, mostrase a relevância da decodificação de uma linguagem técnico-científica e a necessidade de um enfoque local e aprofundado (ECOLÂNDIA, 2011, p.5).

Para realizar essa tarefa, semanalmente os integrantes se propõem a transformar os jargões técnicos em uma abordagem condizente com a realidade econômica e social da comunidade da Região Sul de Santa Maria. Até o ano de 2008, a equipe trabalhava com uma ideia subjetiva do seu público, pois durante a fase inicial não foi realizada uma pesquisa de opinião com os moradores. Quando o projeto completou dois anos de atuação com a comunidade, já com sua estrutura mais

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fundamentada, a equipe resolveu, então, que era necessário um estudo para conhecer a sua audiência e melhorar o programa. Sendo o Ecolândia um projeto de extensão em atividade há pouco tempo, passou por um processo demorado de construções e modificações práticas. [...] Foi consenso entre os integrantes do projeto que estava na hora de realizar um aprimoramento na abordagem dos temas tratados pelo Ecolândia. Quem melhor do que o público, ou público em potencial do programa, os ouvintes da rádio Caraí, para dar-nos a direção das mudanças a serem efetuadas no programa? [...] Apesar de esta pesquisa estar sendo realizada tardiamente no projeto Ecolândia, com relação ao tipo de público, o grupo sempre trabalhou com a existência, mesmo que subjetiva, de ouvintes de classe baixa, já que em áreas próximas da Rádio Caraí existem focos de pobreza visíveis. Os resultados da pesquisa confirmam algumas das hipóteses trabalhadas (OLIVEIRA; GOMES; ROSA, 2008, p. 3-11).

Assim, com uma ideia mais clara de para quem estavam realizando o trabalho, os integrantes do Ecolândia tiveram suporte para, cada vez mais, fazer com que as pautas fossem pensadas com um enfoque local, valorizando a comunidade e entendendo suas necessidades. Atreladas aos enfoques ambientais, estão presentes, também, as questões sobre qualidade de vida. Segundo a equipe, esses temas estão interligados, uma vez que a integração dos dois eixos faz parte da “convivência que cada um mantém consigo mesmo, com os outros e com a natureza” (ECOLÂNDIA, 2011, p. 6). Dessa forma, além de abordar pontos como saneamento básico, coleta seletiva e desastres naturais, o Ecolândia também trabalha com temas como riscos de automedicação, doenças sexualmente transmissíveis e cuidados com a alimentação. Já que o programa se configura como um radiojornal, além da presença de quadros sobre a temática central, há também espaço para notícias. Assim, as edições semanais trazem blocos informativos sobre questões importantes para o dia a dia e o desenvolvimento das comunidades, primando por informações próximas ao público, reforçando a característica do jornalismo local. Rádio comunitária como veículo de comunicação

O surgimento de emissoras de rádio comunitárias está ligado intrinsecamente à possibilidade de participação popular na construção da comunicação. No Brasil, elas foram muito importantes para o processo de redemocratização do país, sendo que a origem de várias rádios aconteceu ainda durante o período ditatorial, de forma 6


clandestina. O advento dessas emissoras modificou a realidade do rádio como meio de comunicação massivo, até mesmo misturando os papéis de emissor e receptor. Nelas, pela pequena potência dos transmissores, fala-se para um grupo de ouvintes próximos ao espaço, procurando estabelecer uma via de mão dupla. Nesse caso, a proximidade é incentivada inclusive pela participação de integrantes da comunidade ao microfone não só como entrevistados, mas também exercendo a função de comunicadores (FERRARETTO, 2006, p. 25).

A premissa fundamental de uma rádio comunitária – que a seja de fato e não apenas por fachada – é a de ser um espaço para uma programação de interesse social, que contribua para a construção da cidadania6 e democratize a informação, trabalhando com a realidade da comunidade próxima à emissora. Assim, a ideia é de que os próprios moradores das imediações de uma rádio comunitária possam participar ativamente na sua construção e consolidação, produzindo conteúdos e envolvendo-se na gestão desse espaço. A emissora comunitária é baseada em princípios da comunicação libertadora que tem como norte a ampliação da cidadania. Ela carrega, aperfeiçoa e recria o conhecimento gerado pela comunicação popular, comunitária e alternativa no contexto dos movimentos sociais na América Latina desde as últimas décadas do século XX (PERUZZO, 2006, p.1).

As rádios comunitárias carregam consigo diversas nomeações. Alguns exemplos são: rurais, alternativas, livres, participativas, populares. Apesar da diversidade, o objetivo do trabalho é semelhante. Uma emissora comunitária, independente de sua alcunha, tem o desafio de democratizar a informação, transformando o meio onde está inserida. Dessa forma, a participação popular é incentivada, sendo que as programações, em sua maioria, são feitas por voluntários e colaboradores das próprias comunidades, que dispõem de seu tempo e trabalham de forma cooperativa para auxiliar no desenvolvimento social. É claro que existem distorções inseridas no campo das rádios comunitárias, seja por falta de experiência ou por uso inapropriado da concessão à emissora. No

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Entendemos cidadania como Peruzzo (2007). Segundo a autora, o conceito envolve os eixos de liberdade e igualdade, pois ambos estão ligados aos processos de uma sociedade democrática, na qual a cidadania pode ser conquistada através da conscientização para com os temas da vida em sociedade. “[...] Democracia no poder de comunicar é condição para ampliação da cidadania. É um caminho para o exercício da cidadania em sua dimensão cultural, que por sua vez se entrelaça nas lutas pela democratização das outras dimensões da cidadania, como a econômica e a política” (PERUZZO, 2007, p. 19).

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entanto, o trabalho coletivo desencadeado por essas iniciativas é importante para o fomento de uma comunicação mais plural, que permita espaços às comunidades que, não raras vezes, são esquecidas nos meios tradicionais da mídia massiva. A narrativa jornalística na rádio comunitária

As mensagens que constituem o campo do jornalismo estão imbricadas à cultura social. Em suma, esse campo é visto como a instância da notícia, local de visibilidade dos acontecimentos. Por muito tempo, acreditou-se que o jornalismo funcionava como um espelho da realidade, ou seja, as notícias narravam os eventos do mundo tal qual aconteciam. Como sintetiza Pena (2005, p.125), essa visão entende que “a imprensa funciona como um espelho do real, apresentando um reflexo claro dos acontecimentos do cotidiano”. A partir disso, o estigma da objetividade acompanhou o jornalismo, como se, de fato, o texto do jornalista mostrasse a vida como ela é, sem interferências dos demais campos sociais. No entanto, com o avanço dos estudos na área e a profissionalização do próprio jornalismo, essa visão tornou-se obsoleta. Segundo Rosa (2003), o discurso jornalístico não é um refletor da realidade, pois traduz e constrói a sociedade através de seu próprio discurso, [...] simulando realidades mediante todo um sistema próprio de cada veículo, em que os jornalistas captam um certo número de informações e que são transformadas em notícias por meio do discurso perpassado pelas rotinas produtivas, pela experiência do jornalista, pela ideologia e cultura do veículo (ROSA, 2003, p.58).

A difusão de tecnologias de informação e dispositivos eletrônicos, como o rádio, por exemplo, trouxe novas configurações para a atividade jornalística. Além da linguagem, uma mudança muito significativa foi a aceleração do ritmo informativo. O volume de informações, em relação aos primórdios do jornalismo, tornou-se cada vez maior e a sociedade ficou ainda mais conectada. [...] Percebemos que os homens encontram-se interligados, independentemente de suas vontades. Somos todos cidadãos do mundo, mas não no antigo sentido, de cosmopolita, de viagem. Cidadãos mundiais, mesmo quando não nos deslocamos, o que significa dizer que o mundo chegou até nós, penetrou nosso cotidiano (ORTIZ, 1998, p.8).

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Essa nova configuração trouxe consigo a ideia de que a notícia é algo passageiro e efêmero, pois o fluxo informativo parece não ter limites. No entanto, essa é uma visão simplista do processo da notícia, pois além de informar sobre acontecimentos, ela faz parte da construção social. O jornalismo tem a ver com a vida, [...] porque aquilo que é notícia só é notícia porque tem algum potencial de transformar a realidade. Então, o jornalismo não lida com o efêmero. O jornalismo lida com a transformação. As notícias de amanhã, elas refletirão nos efeitos das notícias de hoje. Portanto, o jornalismo está enraizado como ferramenta essencial no contexto da vida, no contexto da realidade, no contexto da construção do presente (CHAPARRO, 2008).

Nesse sentido, é interessante perceber a existência da narrativa jornalística em uma rádio comunitária. Canais de comunicação alternativos pressupõem a emancipação social, sendo fundamental a presença de ferramentas para a construção e a divulgação de informações, como forma de ampliar o acesso ao conhecimento. Assim, o programa jornalístico em uma rádio comunitária é um espaço para a divulgação dos fatos locais e da opinião da comunidade, mas sem esquecer também dos acontecimentos de ordem global, que conectam os diversos grupos sociais. Um desafio que se apresenta para a construção desse conhecimento junto à audiência é a dificuldade de o rádio transmitir as informações de maneira mais palpável e concreta. Quando assistimos à televisão, lemos jornal ou notícias na internet, temos um importante sentido que auxilia a nossa compreensão: a visão. Já no rádio, a situação é diferente. Arnheim lembra que o gênero radiofônico impõe uma cegueira, pois “a essência do rádio consiste justamente em oferecer a totalidade somente por meio sonoro” (apud MEDITSCH, 2005, p. 62). A pobreza ilustrativa que caracteriza o rádio provoca, dessa forma, a necessidade de estratégias para captar a atenção dos ouvintes na mensagem transmitida. Inicialmente, o rádio reproduzia o jornalismo impresso. Não existia uma linguagem definida para esse novo meio, era a primeira vez que a palavra deixava de ser escrita e lida para ser falada e ouvida. Essa transição exigiu o surgimento de hábitos e convenções que fossem próprios ao novo ambiente. É por isso que a linguagem é tão importante para a informação no rádio: quando não há clareza na fala, dificilmente a mensagem será compreendida, principalmente se o conteúdo é mais denso – como o texto informativo.

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A impossibilidade do ouvinte deter-se sobre o enunciado, repetir a leitura ou mesmo determinar a velocidade da enunciação obriga a uma extrema simplificação sintática e semântica, com frases curtas em ordem direta, contendo preferencialmente uma única ideia, expressa com precisão e clareza tais que neutralizem qualquer ambiguidade (MEDITSCH, 2001, p. 184).

Mesmo com as dificuldades impostas pela sua própria natureza, o rádio é um meio que imprime muita credibilidade, especialmente pela persuasão imposta por sua linguagem. Ou seja, a voz que fala no rádio entra em contato direto com ouvinte, causa proximidade e interfere no cotidiano. Resguardadas as características técnicas, importantes para qualquer emissora radiofônica, devemos voltar ao cenário da mídia comunitária. O programa jornalístico nessas rádios, além de falar com o ouvinte, deve conhecê-lo. Geralmente, devido à possibilidade de vastas audiências, o rádio fala para todos. No entanto, as rádios comunitárias, além de serem construídas pela comunidade, por lei têm abrangência menor que uma rádio convencional (apenas 1Km). Ou seja, a sua fala é restringida tanto por motivos sociais quanto por questões burocráticas. A configuração de uma audiência específica é fundamental para o planejamento, a organização e a produção de um radiojornal em uma rádio comunitária. O jornalista sempre imagina seu texto para um público ideal e, dessa forma, experimenta de certa maneira o lugar do ouvinte, a partir do seu próprio lugar. Nesse sentido, a questão da objetividade, que comentamos inicialmente, deve ser repensada cada vez mais. Afinal, uma notícia não apresentará o fato exatamente como aconteceu, mas será uma construção narrativa sobre ele que será destinada a determinado público. Esse a interpretará de uma maneira única, através de sua vivência. Sendo assim, o desafio do radiojornalismo comunitário está além da simples técnica. Ele entende a participação ativa do repórter e o conhecimento da comunidade para que a mensagem seja compreendida e, como lembrou Chaparro (2008), envolva alguma espécie de transformação social. O jornalismo proposto pelo Ecolândia

O programa, inserido no ambiente de uma rádio comunitária, procura desenvolver conhecimento junto ao público da região de abrangência da emissora. Assim, a cada semana a equipe se propõe a, além de divulgar informações, também contar com a participação do ouvinte e saber a sua opinião sobre as pautas que serão 10


discutidas no radiojornal. Essa é uma característica que tem um forte apelo comunitário, devido ao incentivo à participação dos ouvintes, e que também é um princípio do Jornalismo Público7, um dos conceitos utilizados pela equipe. Segundo Fernandes, uma das ocupações desse jornalismo é [...] difundir experiências e interpretações, de tal modo que seja possível a um grupo social compreender determinadas situações, em favor de si mesmo. [...] É esse caminho, de trazer grupos periféricos para o centro das cidades ou para estimular os bairros a pensar em auto-soluções, que o Civic Journalism defende (FERNANDES, 2008, pp. 35-36).

Como o Ecolândia vai ao ar todas as sextas-feiras, semanalmente a equipe tem uma reunião de pauta. No encontro, são discutidos o assunto que será trabalhado no programa e seus enfoques, além de outras atividades, como o planejamento de ações com a comunidade, produção de pesquisas e avaliação das edições ao vivo. A cada semana é pautado um assunto sobre os temas meio ambiente ou qualidade de vida. A equipe busca alternar entre um assunto e outro, para o programa não ficar muito “verde” ou “de serviço”8. A proposta é sempre trabalhar um jornalismo engajado com as duas pautas, desenvolvendo-as a partir das opiniões dos moradores, das contradições que existem e produzir um conhecimento menos superficial. Assim, a ideia é que as pautas produzam algum sentido para a comunidade. Essa também é uma característica do Jornalismo Público, que propõe que os ouvintes aprendam algo para o seu dia a dia com a prática jornalística. Um dos principais objetivos do Jornalismo Público é ter mais em conta o ponto de vista dos cidadãos para construir a agenda informativa e oferecer elementos para que esses temas da iniciativa cidadã encontrem canais de ação a partir da informação e da convocatória dos meios de comunicação para o debate público (CASTELLANOS, 1999, p.1)

Assim, para que as pautas da comunidade e as de interesse público sejam trabalhadas no programa, os repórteres do Ecolândia procuram manter uma postura de observação. Nos momentos em que visitam o bairro devem buscar assuntos que

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“Jornalismo Público” é uma tradução ao termo Civic Journalism (CJ), proposta por Fernandes (2008). Como forma de tornar o conceito mais claro durante a leitura, utilizaremos o termo traduzido. 8 Através da observação da rotina da equipe, notamos a utilização destes termos durante as reuniões nos momentos de discussão sobre as possíveis pautas.

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precisam ser debatidos e dialogar com os ouvintes para compreender quais temas querem ouvir na programação da rádio. Um cuidado especial da equipe é com a linguagem adotada na produção dos programas. É muito importante que os ouvintes consigam entender a mensagem que está sendo transmitida. Segundo Prado (1989, p. 20), a informação apresentada em um programa de rádio deve ter um tom natural. Ou seja, devido à natureza puramente oral do rádio, a linguagem assumida deve ser mais próxima à fala do que à escrita, pois se está literalmente falando para alguém. Preciosismos e expressões rebuscadas enfraquecem o trabalho radiofônico, uma vez que a agilidade e a instantaneidade da informação radiofônica imprimem um ritmo diferente para a compreensão das notícias: o da audição. Assim, há uma preocupação constante da equipe em fazer um texto bem elaborado, mas didático, sem termos prolixos e distantes da população. Como lembra Ferraretto (2001, p.204), “a simplicidade é uma regra básica do texto radiofônico, preparado para um público genérico, ou seja, qualquer pessoa apta a ligar um receptor e sintonizar uma emissora”. Ainda, deve-se lembrar de que a equipe do Ecolândia tem a proposta de trabalhar com o Jornalismo Popular, uma realidade bem distante do chamado jornalismo de referência9. Estigmatizado pela comunidade jornalística devido às características sensacionalistas e assistencialistas que cercam os jornais populares da mídia tradicional, muitas vezes o jornalismo feito para as comunidades populares não é levado a sério. Amaral (2006) propõe uma revisitação a esse conceito, mostrando alternativas para a construção jornalística voltada para as classes mais baixas. A autora também comenta sobre os aspectos do conhecimento do público-alvo e da linguagem, pontos importantes para o jornalista que se propõe a esse trabalho. O jornal popular também deve ter cuidados para aproximar-se da linguagem do público, sem deixar de tratá-lo como cidadão. Para isso, o jornalista não pode ficar circunscrito ao seu mundo de classe média. Precisa conhecer a realidade das escolas públicas e do atendimento público à saúde. [...] Deve mesclar responsabilidade social, competência na apuração e na contextualização do fato e sensibilidade para descrevê-lo do ponto de vista popular, numa linguagem simples e didática (AMARAL, 2006, pp. 109-126). 9

Ao trabalharmos com a noção de jornalismo de referência, cabe destacar a problematização de Vidal-Beneyto de que o conceito não trata dos veículos de maior circulação, mas sim dos que mais influência têm sobre a opinião pública de seus países (apud MAROCCO; ZAMIN; BOFF, 2009).

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Escolhido o tema, a equipe do Ecolândia discute os possíveis enfoques para cada quadro de áudio do programa. O radiojornal é organizado por uma série de diferentes momentos: participação do público, através de enquete, entrevista em profundidade com os moradores10 e quadro ao vivo interativo; reportagens com fontes diversificadas, tanto oficiais como não-oficiais; reportagem de cunho cultural e histórico sobre a cidade; entrevista com fontes especializadas – esta uma tarefa mais difícil, dependendo do tema que será tratado na semana. Até se precisar o tema da entrevista, por mais rápida que seja esta decisão – e sempre é veloz na comunicação coletiva –, os parâmetros que a contornam provêm de vários pontos de partida devidamente articulados. [...] Vale lembrar Nietzsche: sob a superfície de qualquer fenômeno há uma rede de forças atuantes. Assim também a análise crítica sobre as fontes de informação, os “eleitos” para darem o seu testemunho, para falarem acerca da pauta (MEDINA, 2008, p.25).

Além dos quadros de áudio, cada edição do Ecolândia traz blocos de notícias e dicas culturais. Geralmente é realizada uma seleção de notícias e dicas relacionadas a várias áreas, como trânsito, saúde, política, educação, tal qual na mídia tradicional. No entanto, como o programa está inserido em uma rádio comunitária, a ideia é trabalhar com um jornalismo local, focado no dia a dia da comunidade da Região Sul. Segundo Dornelles (2006, p. 69), a imprensa local possui três aspectos que a caracterizam: a proximidade do lugar, a familiaridade e a diversidade. Assim, durante a produção do programa, a equipe adota esses referenciais como valores-notícia, ou seja, elementos que auxiliam a equipe a transformar os acontecimentos em notícias para o público da Caraí. Por isso, faz-se uma seleção de acontecimentos que tenham impacto nessas comunidades e sejam acessíveis ao público, algumas de interesse público e outras de serviço. Durante a apresentação ao vivo do programa, outro repórter tem a função de acompanhar a edição para, posteriormente, apresentar uma avaliação geral na reunião de pauta. As observações são discutidas pela equipe como forma de trazer

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A ideia da equipe do programa é a construção de perfis humanizados, que valorizem as pessoas da comunidade. “Ao contrário da espetacularização, a entrevista com finalidade de traçar um perfil humano não provoca gratuitamente [...]. Esta é uma entrevista aberta que mergulha no outro para compreender seus conceitos, valores, comportamentos, histórico de vida” (MEDINA, 2008, p.18, grifo da autora).

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melhorias para o programa. Essa avaliação também era divulgada no blog do Ecolândia11, com o objetivo de socializar as informações discutidas pela equipe. A partir dessa apresentação do trabalho desenvolvido pela equipe, além das questões conceituais que norteiam a própria produção, procuramos entender a atividade jornalística do Ecolândia inserido em uma mídia comunitária. Devido ao período de atuação e ao trabalho sequencial desenvolvido pela equipe, buscamos trazer o programa para a área da pesquisa, investigando-o para proporcionar novas discussões e questionamentos sobre as produções em comunicação. Da produção ao produto: análise do programa Ecolândia

Através do estudo do Ecolândia, percebemos que dois conceitos são fundamentais para o trabalho desenvolvido pela equipe do programa: Jornalismo Popular e Jornalismo Público. Tais conceitos dão suporte para a produção de um programa semanal em uma rádio comunitária. Além disso, outro ponto em questão são as próprias pautas, focadas, principalmente, nos temas meio ambiente e qualidade de vida, o que traz um universo de análise específico. A confluência entre todos esses conceitos em um radiojornal é base para entender como a equipe mescla os diversos pontos propostos por cada conceituação nas edições do programa. Então, torna-se relevante compreender: como é o trabalho dos alunos inseridos em uma emissora comunitária, e o que isso influencia na produção dos programas? Os conceitos propostos pela equipe se efetivam na prática? Como é o jornalismo realizado pelos alunos a partir de suas propostas? E a rotina semanal, como é praticada? Para responder a essas perguntas, utilizamos uma metodologia composta por dois eixos: análise de materiais (áudios e roteiros) e observação da rotina produtiva. Através da interligação das duas sistemáticas, contextualizamos a produção do programa em uma análise conjunta. Estudamos o programa durante o segundo semestre de 2011. Para sistematizar a pesquisa, selecionamos um roteiro por mês e o seu respectivo áudio para analisar. A partir da observação, constituímos sete categorias, as quais foram baseadas nos estudos prévios sobre Rádio, Comunicação Comunitária, Jornalismo Popular e Jornalismo Público. A partir de cada uma delas, buscamos encontrar 11

Disponível em: <http://www.ecolandia.wordpress.com>. Desde o início de 2012, a equipe não divulga mais as avaliações na plataforma online.

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características que demonstrassem se o programa está ou não adequado aos conceitos aos quais se propõe e entender sua produção jornalística. Para evidenciar o total de trechos encontrados e o tipo de conteúdo, construímos um gráfico quantitativo.

Figura 02: Gráfico indicando a média de trechos encontrados de cada categoria de análise referente aos scripts.

Confrontando as categorias, percebemos que todas têm ao menos um trecho correspondente às características propostas inicialmente, como podemos ver nos exemplos abaixo (as marcações em itálico evidenciam pontos de cada categoria): 1. Interpelação aos ouvintes: Esperamos nos aproximar das questões ambientais que fazem parte do nosso dia-a-dia junto com vocês. 2. Informações de interesse público: Prefeitura anuncia instalação de câmeras de vigilância na praça Saldanha Marinho. Serão instaladas doze câmeras de monitoramento que estarão funcionando 24 horas por dia, a partir de hoje. 3. Prestação de serviços: Os doadores podem comparecer ao Hemocentro de segunda a sexta-feira, das 8 horas da manhã até as 5 da tarde. Para mais informações, ligue para o Hemocentro no número 32 21 52 62. 4. Preocupação com o público ouvinte e valorização da comunidade: No microfone aberto de hoje, saiba a opinião dos moradores sobre o consumo de produtos biodegradáveis.

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5. Linguagem simples e popularização das temáticas: O bicho de hoje é uma ave que lembra bastante uma sexta-feira treze. Lembra, porque é símbolo de má sorte e por se alimentar da carne de animais mortos. 6. Incentivo ao desenvolvimento da comunidade: E não esqueça, o trânsito seguro exige atenção e cuidado! Faça sua parte! 7. Participação do público na produção: Será que as pessoas conhecem o que são produtos biodegradáveis ou sabem sua importância? O Microfone aberto foi às ruas para saber a opinião dos moradores sobre o assunto.

Além desses trechos, vários outros foram encontrados na produção, correspondendo aos temas e conceitos propostos pela equipe. Nesse sentido, percebemos que algumas características eram mais presentes que outras nos roteiros dos programas. Isso também foi estudado nos áudios, o que confirma a interdependência das duas esferas do programa. De modo geral, as características com mais incidência são: interpelação ao ouvinte, informações de interesse público, popularização das pautas e prestação de serviços e linguagem simples. Um ponto positivo observado é que, apesar de trazer informações gerais sobre a cidade, boa parte das notícias do radiojornal tem um enfoque mais local, preservando a característica da comunicação comunitária. No entanto, apesar de essa preocupação existir, nem todas as semanas a equipe consegue que as notícias sejam focadas na comunidade. Em alguns roteiros encontramos notícias que mostram fatos importantes em um contexto geral, mas que, à luz das categorias de análise, fogem das propostas do Ecolândia e da ideia de mídia comunitária. Assim, notamos que, apesar dos acertos, a equipe também encontra algumas dificuldades para manter o rigor conceitual. Como nos lembra Biz (2006, p.45), a informação por si só não é garantia de que o receptor a tenha compreendido, se a ele não forem apresentadas as condições suficientes para entendê-la. Outros pontos marcantes na produção são a preocupação com o público-alvo e a participação dos moradores na produção, categorias que, muitas vezes, são interdependentes. Observamos que a preocupação da equipe com o público se dá, em grande parte, pela própria ênfase de sua participação na produção. Inserida nesse contexto está a valorização dos acontecimentos e das histórias da comunidade, reforçando o papel do Ecolândia no seu trabalho com os eixos comunitário e local, como podemos perceber no exemplo a seguir:

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O nome do perfil de hoje é VANDERLEI DOMINGUES DE OLIVEIRA. No prédio onde trabalha, já é conhecido dos moradores. Acompanhe conosco a história desse trabalhador e morador do Bairro Lorenzi.

Segundo Dornelles (2006), o jornal local “tem por filosofia editorial atender aos anseios e reivindicações da comunidade como um todo, dando cobertura aos acontecimentos que tenham proximidade junto ao leitor” (p. 65). No caso do Ecolândia, junto ao ouvinte. Por fim, ainda em relação às categorias, o programa também trabalha o desenvolvimento da comunidade através da conscientização. Essa preocupação é presente, principalmente, quando o assunto da semana é alvo de polêmica ou é de conhecimento geral, como a falta de segurança, os problemas no trânsito e as questões de preservação ambiental. Como se tratam de temas comuns ao cotidiano, a conscientização sobre os mesmos é muito importante, principalmente se a intenção é formar uma audiência socialmente responsável, como propõe o Jornalismo Público. No entanto, observamos que esses trechos ficam relegados, geralmente, a questões mais rotineiras, e, talvez por isso, apareçam com menos frequência na produção do Ecolândia. Percebemos que a equipe poderia investir mais nessa questão, até mesmo inserindo mais trechos durante as edições, seja nas pausas de identificação do programa ou durante a locução de blocos de notícias, por exemplo. Além das análises de categorias, também estudamos os áudios. Observamos que existem diferenças bem marcantes entre a apresentação e o roteiro que a está guiando durante a edição do programa. Algumas frases, palavras e expressões que originalmente não se encontravam no script foram adicionadas de improviso. Por muito tempo, a improvisação predominou na elaboração das emissões informativas, sendo quase sempre esquecidas as características do próprio rádio que, a rigor, se opõe às teorias que o definem como incapaz de levar adiante uma comunicação de maior profundidade do que a simples transmissão do fato, sem permitir que 12 o "contexto" desse fato possa ser apreendido (GARCIA, 2006 ).

No entanto, isso não quer dizer que o improviso deva ser condenado. Ele tem a possibilidade de funcionar como característica da linguagem radiofônica, pois confere à apresentação um ar de coloquialidade e proximidade, principalmente nas inserções ao vivo. O roteiro do Ecolândia trabalha em um regime aberto, permite certas liberdades para que o programa flua mais naturalmente. O improviso, no entanto, não 12

Documento eletrônico sem paginação.

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deve ser feito como amadorismo, mas sim para auxiliar a produção, facilitando a compreensão do que já está inserido no roteiro. A improvisação no Ecolândia é notada em vários momentos, como podemos observar no exemplo abaixo, em que as marcações em itálico são as inserções improvisadas: As inscrições para o concurso vão até o dia cinco de abril, feitas apenas pela internet. A gente vai passar no final pra vocês o site para fazer a inscrição. E só para dar um aviso, então, a gente já teve uma ouvinte que nos ligou agora, a dona Mariza Bolzan. Ela nos ligou e já acertou o bicho. Mas, então, não deixe, igual né, de continuar [...] ouvindo o nosso programa e conferindo outras dicas do bicho.

Assim, mesmo com notícias de conhecimento mais amplas, observamos a veiculação de informações que ressaltam aspectos da realidade do cotidiano dos ouvintes. Ora, o que desejam os moradores de um bairro, por exemplo? Claro que é importante acompanhar os acontecimentos nacionais e mundiais. Entretanto, eles estão também muito interessados em conhecer o funcionamento do sistema de transportes, os problemas da segurança, individual e coletiva, de limpeza e conservação das ruas, de policiamento, do posto de saúde, das vagas nas escolas, da riqueza da cultura local, que também, merecem ser divulgados (BIZ, 2006, p.14).

Questões como essa são vistas seguidamente no programa. É possível perceber a preocupação de que o ouvinte entenda o que está sendo dito e identifiquese com aquilo. Em um dos quadros do programa, chamado Microfone Aberto (tipo enquete), apontamos uma sonora do repórter que, além de falar a partir de um local da região, preocupou-se com a questão descritiva, auxiliando a compreensão do ouvinte. Ao fundo, os sons dos carros e do movimento situaram o tema do programa (trânsito), possibilitando melhor compreensão da pauta. Olá ouvintes do Ecolândia, eu estou às margens da BR-392, agora são 15 para as 9 da manhã, e o trânsito é bastante intenso, com destaque para caminhões de grande e médio porte. [...] Atravessar a rodovia é um desafio. É preciso muita paciência, ou sorte do trânsito melhorar um pouquinho e nos dar a oportunidade de atravessar.

Considerações finais

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A partir deste estudo sobre a rotina de produção e os conteúdos produzidos por um programa voltado à mídia comunitária, procuramos mostrar essa face da comunicação, que cada vez mais está em evidência, especialmente devido à facilidade de acesso às informações que encontramos atualmente em nossa sociedade. Concomitantemente, tivemos a oportunidade de refletir sobre as questões do Jornalismo Público e do Jornalismo Popular inseridos nesse panorama. Percebemos que a interligação dos dois conceitos para o trabalho do Ecolândia é muito importante, pois ambos indicam as formas como os conteúdos serão apurados, produzidos e finalizados pela equipe. A questão da premissa cidadã, proposta principalmente pelo Jornalismo Público, e a da proximidade com o público, trazida pelo Jornalismo Popular, são dois pilares fundamentais ao programa, o que podemos observar através da análise de seus conteúdos e da rotina produtiva. O trabalho desenvolvido também nos permitiu aprofundar os conhecimentos a respeito do formato e da linguagem em rádio, uma mídia já consolidada no cotidiano brasileiro. A investigação sobre a atuação em rádio foi de grande valia para o entendimento do nosso objeto de pesquisa, pois grande parte das propostas conceituais do Ecolândia se concretiza especialmente devido ao formato de radiojornal. Se o programa fosse voltado especificamente a outra mídia, as estratégias seriam diferentes, bem como a linguagem, as discussões de pauta e a relação com os ouvintes. Um ponto interessante que observamos nas análises é que, mesmo com o planejamento e a maturidade do projeto, existem obstáculos que o Ecolândia necessita ultrapassar para que o trabalho tenha ainda mais plenitude em sua realização. Exemplo disso é a própria questão do conhecimento do público, que ainda precisa ser reforçada, para que esse também compreenda melhor a proposta do programa. Pensamos que a equipe também possa organizar-se cada vez melhor para o desenvolvimento das atividades. A rotina acadêmica é um fator determinante nas dificuldades de produção semanais, mas como os membros aceitam o desafio do trabalho, esse é mais um motivo para que a comunicação entre os integrantes se intensifique. No entanto, apesar dos obstáculos, é interessante perceber como a rede de colaboração em uma rádio comunitária é importante, especialmente porque envolve o trabalho voluntário. Os alunos, mesmo não participando ativamente do dia a dia da 19


comunidade da Região Sul de Santa Maria, têm o interesse de conhecê-la e o comprometimento de toda semana levar conteúdos para os programas, independente dos problemas técnicos ou desencontros da rotina de produção. Nesse sentido, percebemos a capacidade da rádio comunitária de atingir outros públicos – como os próprios universitários –, mesmo que a premissa seja a de ser voltada para uma comunidade específica. Ainda, é importante trazer novos estudos para a área da comunicação comunitária e alternativa, pois podemos refletir sobre um eixo diverso, mostrando possibilidades comunicativas que não pertençam somente aos grandes veículos midiáticos. É fundamental que tenhamos bibliografias nesse sentido, pois podem servir como formas de reflexão e de estudos para estudantes e profissionais da comunicação, além dos demais públicos, que terão a oportunidade de conhecer outro viés do fazer comunicativo. Assim, nossa proposta foi fomentar uma discussão, apontar alguns erros e acertos de uma produção desse tipo, para que se possa construir um conhecimento acerca da realidade do trabalho jornalístico fora da mídia tradicional. A interdependência entre as proposições teóricas e a prática de trabalho também nos levaram a perceber a importância da formação acadêmica dos alunos para a produção do programa. Mesmo que a parte visível do projeto seja a entrada ao vivo todas as sextas-feiras na Rádio Caraí, o planejamento da equipe demanda discussões, reuniões e estudos de como construir conhecimentos com uma comunidade diversa. Provavelmente, fora do ambiente universitário, esses alunos não teriam a oportunidade de reflexão e prática tão atreladas, o que reforça a importância das ações de extensão durante o ensino superior. Nesse sentido, além da bagagem de experiência que os alunos adquirem, há a contrapartida de que é um trabalho real, feito para pessoas que poderão construir novas opiniões a partir da divulgação do conhecimento. Consideramos, por fim, que a análise de todas as esferas do programa, além do estudo bibliográfico, possibilitou uma percepção ampla de nosso objeto de pesquisa. Tentamos transportar a visão global da mídia comunitária para um caso particular – o Ecolândia –, que a tem como suporte principal, mas também desenvolve outras especificidades da competência jornalística. Referências 20


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Horizontes do Jornalismo: Formação superior, perspectivas teóricas e novas práticas profissionais. KISCHINHEVSKY, Marcelo, IORIO, Fabio Mario, VIEIRA, João Pedro Dias (org.). Rio de Janeiro: Ed. E-Papers, 2011. 225p. Adriana Gomes Ribeiro1

Nunca a atividade e conteúdos jornalísticos tiveram tanta circulação como nesse momento de “consolidação da internet e da explosão das mídias sociais”, no entanto, a institucionalidade da profissão está abalada. Com esta afirmação os organizadores de Horizontes do Jornalismo apresentam a coletânea de artigos que aborda alguns dos desafios do jornalismo e da formação do jornalista na atualidade. A coletânea é fruto de textos e discussões do 5º Encontro Rio-Espírito Santo de Professores de Jornalismo, realizado em 27 de maio de 2011, na Faculdade de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCS/UERJ). No encontro, 30 trabalhos foram apresentados; desses, 13 estão publicados no livro – todos textos de professores da graduação e pósgraduação em Comunicação de universidades do Estado do Rio de Janeiro. O mote do evento que gerou o livro era “'a formação superior como elemento constituinte e legitimador do campo do jornalismo”. A discussão remetia à decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2009, que extinguiu a exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista. Esta medida, ainda em vigor, está sendo revista pelo Senado. Para a professora Mirna Tonus, que escreve o prefácio do livro, a decisão do STF “colocou em xeque a legitimidade de um campo de formação superior que está em construção desde 1947, quando da criação dos cursos na Faculdade Casper Líbero (...)”. Mirna aponta que esse movimento contribuiu para a elaboração de uma nova proposta de diretrizes para a formação em jornalismo junto ao Conselho Nacional de Educação. Havia a necessidade de novas diretrizes?, pergunta Mirna, e responde: “Se pensarmos nas mudanças pelas quais passou o jornalismo durante esses anos, especialmente na última década, podemos afirmar que sim”. É sobre essa perspectiva, da necessidade de novos olhares e diretrizes para a prática e a formação do jornalista, que boa parte dos artigos publicados nesta coletânea se debruça. Os artigos foram divididos em três capítulos: Jornalismo em perspectiva; Entrelinhas e Experiências e Intervenções. No primeiro capítulo, três artigos apresentam considerações sobre a prática e a formação do jornalista, levantando questões sobre o mercado de trabalho, o ensino e a pesquisa. O segundo capítulo, com quatro artigos, aborda estudos de caso do jornalismo contemporâneo e discute a produção de informação que convive com o cenário e lógicas da indústria cultural, da cultura de massas e da sociedade do espetáculo. O último capítulo, dedicado a experiências e intervenções, apresenta um maior número de trabalhos, seis artigos, voltados, em sua

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Doutoranda em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e membro do Grupo de Pesquisa Educação e Mídia (Grupem/PUC-Rio), é mestre em Comunicação, Educação e Cultura em Periferias Urbanas pela Faculdade de Educação da Baixada Fluminense da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FEBF/UERJ) e jornalista formada pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ). Email: gomesribeiroadriana9@gmail.com.


maioria, a pensar questões a partir da prática docente. Três desses artigos abordam interessantes possibilidades de redefinição de práticas da profissão a partir das atividades de extensão ou laboratoriais dos cursos de comunicação. Beatriz Becker, abrindo a coletânea, reflete sobre “reconfigurações das mediações jornalísticas e suas relações com a pesquisa e o ensino”. A autora chama a atenção para alguns problemas enfrentados pelos profissionais da mídia, tais como a tênue fronteira entre jornalismo e assessoria de imprensa; a fusão entre notícia, entretenimento e publicidade; o imediatismo e instantaneidade da notícia. Para ela, há a “necessidade de construir perspectivas capazes de concretizar um ensino inovador e independente que não seja apenas reprodutor de valores e ideias dos sistemas de mídias tradicionais (...)”. Entendendo a internet e as redes sociais como potencialmente benéficas em relação a cidadania e a democracia, acredita que, nesse momento, “a necessidade de qualificação da formação e do trabalho jornalísticos é reafirmada”. Ainda que o profissional tenha perdido o status de principal fonte de notícias, para Becker, justamente pelo grande volume de informações a que estamos submetidos, “maior é a necessidade de intermediários capazes de filtrar, organizar, priorizar dados e conteúdos”. João Batista de Abreu procura apresentar as novas práticas profissionais numa era de convergência de mídia, atentando para exemplos do jornalismo impresso e online. O autor lembra que o modelo de negócios da imprensa escrita está ameaçado, e uma das consequências dessa ameaça é que, “cada vez mais (…) os editores são estimulados a explorar temas e enfoques de maior apelo, sem levar em conta o valor-notícia”. Caminhando na contramão desse cenário, uma outra perspectiva para a prática do jornalista seria “aprofundar as questões do cotidiano (...) Deixar de lado o noticiário factual e enfatizar os features”. Mas, para ele, não é isso o que ocorre no dia-adia das redações, onde a velocidade de apuração se “aproxima ao ritmo das agências internacionais de notícias”, a jornada se tornou mais intensa e “o repórter trabalha simultaneamente para várias mídias”. Procurando problematizar ideias de democratização associadas à internet e ao jornalismo colaborativo, o autor chama a atenção para o fato de que ainda são poucos os que controlam o fluxo informativo, e esse controle ainda está associado a “interesses políticos e econômicos dos países hegemônicos”, dado que, segundo ele, os adeptos da mídia livre e do jornalismo colaborativo ainda não levam em conta. Leise Taveira dedica seu texto a tecer contrapontos teóricos à decisão do Supremo Tribunal Federal em relação à inexigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista. Para ela, a decisão do STF se baseia na teoria do espelho, de base positivista, que “procura definir o jornalista como um observador desinteressado que se limita a reportar a realidade, como se fosse o reflexo de um espelho”. Entendendo que esta teoria é anacrônica, Taveira busca outros referenciais teóricos para dialogar com os conceitos de jornalismo com os quais trabalhou o relator do voto vencedor, procurando também verificar o tratamento dado por outras fontes jurídicas ao assunto. A autora dialoga então com conceitos e proposições de Traquina, Berger e Luckmann e Muniz Sodré, entre outros. Taveira reafirma a necessidade do diploma para o profissional, pleiteando que, quanto mais qualificado, mais capaz ele será de tratar a informação de maneira completa e polifônica, portanto, democrática. O artigo de Nemézio Amaral Filho abre o capítulo intitulado Entrelinhas. Este trabalho analisa notícias publicadas no The New York Times, Le Monde, G1 e Época sobre a morte do terrorista Osama Bin Laden. O autor argumenta que os grandes veículos jornalísticos apresentaram


o ocorrido com o que chama de “discurso do assassinato justificável”; a partir daí, propõe algumas questões sobre a mídia jornalística brasileira. Para Nemézio, a naturalização desse “assassinato seletivo” “foge do escopo deontológico dos códigos de ética que procuram gerir o jornalismo enquanto ofício”. Tentando pensar uma ideia de “cidadania internacional”, em certo ponto o autor pergunta como “o mundo foi preparado para aceitar este discurso (…)?”. Uma das abordagens que faz é em relação à aproximação de ficção e realidade: séries de TV e indústria cinematográfica preparariam o terreno para a aceitação sem questionamentos de estereótipos do mal – caso do tratamento dado a Bin Laden. Ressaltando a importância da distinção entre jornalismo e entretenimento, o artigo termina com um apelo a uma formação profissional para o jornalista que seja “ética holística, muito além dos códigos deontológicos”. Segundo Nemézio, os professores de Jornalismo precisam se reciclar humanisticamente, de maneira que possam garantir a formação de um novo profissional: “o cidadão-jornalista, que o mundo midiatizado precisa com urgência”. Leonel Azevedo de Aguiar e Luisa Prochnik dão sequência ao capítulo Entrelinhas com outro estudo de caso, no qual levantam questões metodológicas da teoria do newsmaking. Os autores adaptaram a metodologia de Nelson Traquina para verificar a hipótese de que “critérios de noticiabilidade permanecem iguais, mesmo em coberturas jornalísticas feitas por diferentes países”. Para testar essa hipótese, compararam, durante o período da Copa do Mundo em 2010, notícias sobre o cotidiano da Seleção Brasileira em três websites, originários da América do Norte (Sports Illustrated), da Argentina (Olé.com) e do Brasil (Lancenet!). Os autores consideraram que a metodologia adotada na pesquisa mostrou-se adequada, e concluíram ter encontrado os mesmos valores-notícia nos sites jornalísticos pesquisados. A notícia e sua relação com a indústria cultural e com a simulação midiática do espetáculo são os temas de que trata o artigo de Fabio Mario Iorio. O autor procura mostrar que o “fenômeno da mídia” diferente de ser um “mero resultado do avanço tecnológico”, se inscreve “no lugar central do ordenamento do necessário do Capitalismo vigente”. Apoiado em leituras de autores como Adorno e Horkheimer, Iorio discute o lugar de produção das notícias – que fazem nascer a realidade cotidiana –, problematizando seu potencial democrático: se a versão cultural dominante vem da Mídia, como se conformar com uma ideia de isenção e neutralidade? No artigo de Iorio, ainda são os problemas do século XX os que assombram a prática do jornalista. Alexandra Aguirre encerra o segundo capítulo, também problematizando aspectos da comunicação de massas e da produção de informação, mas sugere que a reinvenção do jornalismo passa “pela mudança no uso das tecnologias, da comunicação de massa às tecnologias interativas”. Alexandra se pergunta sobre diferenças históricas de tecnologias de comunicação: entre, por exemplo, os meios massivos e a comunicação mediada por computador. Opta por discutir essas questões, problematizando ideias de mensagem hegemônica à luz de três autores que pensaram a recepção aos meios de massa de uma perspectiva não homogênea: Jesús Martín-Barbero, Alessandra Aldé e Carlos Eduardo Lins da Silva. O terceiro e último capítulo, intitulado Experiências e Intervenções, apresenta reflexões provocadas por práticas de extensão e laboratoriais levadas a cabo nos cursos de Comunicação da UERJ (laboratório de produção radiofônica e projeto de extensão em jornalismo comunitário no Morro dos Macacos) e da UFRJ (laboratório de webcomunicação), e também reflexões suscitadas pela prática docente. Uma exceção é o artigo de Ana Lúcia Vaz, que propõe repensar a profissão e a formação do jornalista a partir de uma experiência de cobertura, acompanhamento de notícias e da


observação do cotidiano de uma favela que sofreu desabamentos em virtude das fortes chuvas no Rio, em abril de 2010. Marcelo Kischinhevsky discute resultados das atividades e da circulação dos conteúdos produzidos no Laboratório de Áudio da FCS/UERJ – AudioLab. O projeto se preocupa em não ser apenas um espaço para aquisição de competências técnicas em relação à produção de programas para o rádio, mas também criar “um espaço para a reflexão acadêmica sobre a mídia sonora”, que passa por uma nova etapa – a das plataformas digitais. Para Kischinhevsky, com as plataformas digitais a circulação de conteúdos ganha novo sentido. Esta percepção levou o AudioLab a postar os conteúdos que produz em websites colaborativos, caso do Radiotube. Acessível nas mídias sociais, esse novo fazer radiofônico foi batizado de rádio social pelo autor. Kischinhevsky tem apostado na possibilidade das atividades laboratoriais serem também uma forma de intervenção do futuro jornalista na realidade social, oferecendo contrapartidas à comunidade em que estão inseridos. Cristina Rego Monteiro da Luz inicia seu artigo com uma constatação: “o ensino do jornalismo digital (…) desafia”. Ao longo do texto a autora apresenta aspectos desse desafio, que vão desde a falta de referenciais didáticos, até questões que dizem respeito à mentalidade do “professor analógico” frente aos “alunos digitais”, ou ainda à falta de equipamentos. A partir dessa constatação, Cristina narra uma bem sucedida experiência laboratorial que auxiliou a superação de alguns desses desafios: a criação do “F5” – Laboratório de Webcomunicação. A ideia da criação do laboratório partiu de alunos do curso de publicidade da Escola de Comunicação da UFRJ, que se tornaram monitores. Uma das conquistas dessa experiência foi proporcionar um espaço de aprendizagem no qual “a hierarquização básica de percepção do professor como fonte referencial do conhecimento a ser repassado foi substituída pelo conjunto de experiências de cada um dos quatro monitores”. Para ela a experiência com o “F5” mostrou que propostas experimentais são grandes ferramentas “para estabelecer uma prática menos engessada na forma de construir relações de aprendizagem em ambiente acadêmico”. Os encontros no laboratório, mais do que ensinar técnicas, estimulam a criatividade. É a partir da necessidade, forjada pela criação, que as técnicas são aprendidas. Luiza Mariani faz um relato do Projeto de Extensão da Faculdade de Comunicação Social da UERJ intitulado Jornalismo Comunitário no Morro dos Macacos. Este projeto, que teve início no ano 2000 e durou sete anos, promoveu oficinas de jornalismo para adolescentes e crianças, formando turmas com idades diversas (13 a 16 anos; 10 a 11 anos; 15 a 17 anos). Segundo Luiza, algumas das crianças permaneceram por mais de cinco anos na oficina. As atividades oferecidas eram semanais e a proposta de trabalho se pautava em reflexões de Cornelius Castoriadis e Paulo Freire. Assim, a rotina do meio ambiente e a vontade dos alunos determinava a condução do ensino de noções do texto jornalístico, este referenciado por autores como Nilson Lage e Mário Erbolato. Luiza destaca que uma das conquistas do projeto foi “o aprendizado que a comunidade ofereceu à professora e estagiários, durante o estreito contato mantido”. Outra conquista foi a criação da Agência de Notícias Nova Vila (Anvi), em 2002, concebida e gerida pelos participantes da oficina. Ana Lucia Vaz faz uma crítica à atuação do profissional de jornalismo e propõe repensar sua formação, estimulada por uma experiência que vivenciou, ao cobrir o cotidiano de uma favela atingida pelas chuvas em 2010. Para Ana, a legitimação do jornalismo como profissão depende de um novo perfil profissional “mais voltado à escuta dos sujeitos sociais, capaz de contribuir para a redução das distâncias e da violência social”. Essa constatação se deveu à observação do


descompasso entre o que apurou, em suas idas à comunidade atingida, e a cobertura feita pelos jornais impressos – que, segundo ela, contavam uma história distorcida, ignoravam informações indispensáveis e exageravam outras. O pouco interesse dos moradores pelo que falavam deles no jornal fez a autora pensar na impossibilidade que tinham de se “reconhecer nos veículos de massa”. Daí a necessidade de se rever o perfil do profissional de jornalismo, que deve estar apto à escuta do outro, recriando seu lugar de mediador social. Soraya Venegas Ferreira e Milton Júlio Faccin levantam, em seu artigo, uma discussão pertinente a diversos segmentos e áreas de ensino: o plágio – assunto e questão presentes em sua prática como docentes, principalmente das disciplinas que orientam os trabalhos finais do Curso de Comunicação Social da Universidade Estácio de Sá. Os autores ressaltam que, com o surgimento da internet, se acentua a crise do conceito de autoria e o plágio se torna um assunto crônico. Para eles, “o aluno que comete plágio contribui para que as ideias percam seus vínculos históricos, abortandoas da grande teia de conhecimento humano que as deu origem”. Ao longo de seu texto, os autores apresentam digressões sobre a questão da autoria, além de tratar das sutilezas, implicações jurídicas e tentações do plágio. O último artigo da coletânea, de Angela de Faria Vieira, também é fruto de reflexões suscitadas pela prática docente. Ministrando os cursos Teorias do Jornalismo e Mídia, Educação e Cultura, Angela se deparou com questões como o poder do jornalista e a necessidade da formação de um agente social “comprometido com um trabalho de valor comunitário”. Essas e outras questões foram trabalhadas nos cursos com o auxílio de uma bibliografia composta por Nelson Traquina, Pierre Bourdieu, Eric Hobsbawn e Ismar Soares, entre outros, e na dimensão de operar a partir de uma abordagem transversal do ponto de vista epistemológico e metodológico. Discutindo mercado, formação e novos desafios para a prática do jornalismo, o livro se mostra não um receituário, mas um excelente ponto de partida para se reavaliar tanto o cotidiano da atuação profissional como os currículos e metodologias das graduações em jornalismo.


Rumo ao rádio expandido Lena Benzecry1 Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) lena.benzecry@gmail.com

Resenha do livro: GALLEGO, J. Ignacio. Podcasting. Nuevos modelos de distribuición para los contenidos sonoros. Barcelona: Editorial UOC, 2010. (315 págs.). Resumo: A obra em questão fornece subsídios necessários para se entender o que é,

como se faz e para onde vai o rádio hoje. Trata-se de uma pesquisa de fôlego que percorre uma meticulosa trajetória a respeito da tecnologia do podcasting e a capacidade de adaptação do meio radiofônico à Era da Convergência Tecnológica em que estamos vivendo. A partir de um arcabouço teórico metodológico ligado aos estudos culturais britânicos, que bebe das fontes da Economia Política da Comunicação (EPC), aliada aos estudos de cibercultura, o autor aborda questões como: a) o surgimento e evolução do podcasting; b) a distribuição de conteúdos de áudio via internet e os novos modelos de negócio imbricados nesse contexto; c) o novo papel desempenhado pelas audiências; d) estudos de caso oriundos da Espanha e de outros países europeus; e) reflexões que contribuem para a discussão no meio dos estudos ligados à radiodifusão e às mídias sonoras, em torno do que é e o que não é rádio na contemporaneidade. Palavras-chave: podcasting, radiodifusão, convergência.

O que significa fazer e ouvir rádio hoje? Esta é uma pergunta sem resposta precisa. O rádio, em termos de conceito e forma, está se transformando de forma irrevogável e vem gerando muitas dúvidas em relação ao seu futuro. Não porque se imagina que ele vá acabar conforme alguns pessimistas preconizaram no passado, mas porque ele vem ganhando novas formas de produção, consumo e difusão que estão contribuindo para que a sua definição extrapole o meio de comunicação em si, bem como o suporte ao qual está vinculado. Pesquisadores no Brasil e no exterior vem se dedicando ao tema, mais intensamente nos últimos cinco anos. Juan Ignacio Gallego Pérez, ligado ao Departamento de Jornalismo e Comunicação Audiovisual da Universidade Carlos III de Madrid, na Espanha, é um deles. O livro Podcasting. Nuevos modelos de distribuición para los contenidos sonoros, ainda sem tradução para o português, apresenta o

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Bolsista CNPq, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ), vinculada à linha de pesquisa de Mídia e Mediações Socioculturais.


resultado de anos de trabalho do professor e pesquisador dedicado a estudar a relação entre o rádio, a música e as novas tecnologias de informação e comunicação (NTICs). Na obra, Gallego apresenta uma pesquisa de fôlego que percorre uma meticulosa trajetória a respeito da tecnologia do podcasting e a capacidade de adaptação do meio radiofônico à Era da Convergência Tecnológica em que estamos vivendo. Com arcabouço teórico-metodológico ligado aos estudos Culturais Britânicos, ao mesmo tempo em que bebe das fontes da Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (EPC), aliada aos estudos de Cibercultura, Gallego dialoga com estudiosos europeus como Anderson (2007), Cebrián Herreros (2001 e 2007), Jenkins (2008) e Sterne (2008); bem como com os brasileiros Kischinhevsky (2007 e 2008), Herschmann (2008) e Primo (2005), entre outros. Dividido em seis capítulos e com prefácio de Rosa Franquet Calvet, catedrática de Comunicação Audiovisual e Publicidade da Universidade Autônoma de Barcelona, a obra aborda de forma clara e detalhada os seguintes tópicos: surgimento e evolução do podcasting; aspectos relativos à distribuição de conteúdos de áudio via internet e os novos modelos de negócio imbricados nesse contexto; o novo papel desempenhado pelas audiências, a partir do momento que se estabelece uma nova forma de se fazer e de se escutar rádio; estudos de caso oriundos não apenas da Espanha, como também de outros países europeus; para, ao final, apontar reflexões que contribuem para a discussão atual no meio dos estudos ligados à radiodifusão e às mídias sonoras, em torno do que é e o que não é rádio. Segundo o autor, em 1996 começaram a ocorrer as primeiras transmissões de rádio via internet e, hoje, estamos diante de um panorama de convergência, no qual a difusão de conteúdos sonoros se realiza a partir de diferentes plataformas, e por intermédio de diferentes tecnologias, caracterizando um cenário de mudança nas formas de produção, distribuição e consumo. Nesse sentido, a obra de Gallego nos ajuda a entender: o que é, quais as possibilidades de uso e quais as consequências do podcasting para a radiodifusão. Entre suas reflexões destaca-se a relevância atribuída ao surgimento do streaming, uma forma recente de distribuição de conteúdo multimídia, via internet, através da qual as informações não são arquivadas pelo usuário. Gallego alega que a o streaming globalizou as emissões locais, favorecendo o aparecimento de ouvintes globais que coexistem com aqueles que ainda priorizam sua emissora favorita,


notícias e músicas locais. Ambos se beneficiaram das transmissões online, ora consumindo-as de forma fixa, diante do seu desktop, ou móvel, via celular, MP3 portáteis e afins. O streaming foi, portanto, o embrião do podcasting, que, além disso, proporciona a partir de um processo automatizado a assinatura do conteúdo por parte dos usuários. Os ouvintes podem fazer assinaturas dos podcasts, assim como fazem de uma revista ou jornal, dessa maneira novos episódios podem ser baixados automaticamente pelo programa de gerenciamento de arquivos sonoros que o usuário tiver instalado em seu computador e sincronizado pelos seus aplicativos móveis (celulares e tablets) para ser consumido oportunamente. Nesse contexto, emissoras comunitárias e livres também adquiriram uma facilidade maior na formação e manutenção de seus públicos, uma vez que conquistaram um espaço sem fronteiras para continuar ou iniciar emissões sem tantas restrições legislativas. O livro traz ainda discussões sobre direito autoral na internet e aponta para uma questão central: o podcast está relacionado a uma nova forma de se conceber o rádio ou trata-se de um novo canal de comunicação? Por tudo isso, trata-se de uma leitura recomendada para os estudiosos, curiosos e amantes do rádio e das novas tecnologias de comunicação e informação, que promete embasar as discussões rumo ao que alguns autores já classificam como Rádio Expandido.

Referências: Anderson, C. La economia Long Tail: de los mercados de masas al triunfo de lo minoritário. Barcelona: Urano, 2007. Cebrian Herreros, M. La radio em la convergencia multimídia. Barcelona, Gedisa, 2001. ____. Modelos de radio, desarrolos e innovaciones: del diálogo y participación a la interactividad. Madrid. Fragua, 2007. Herschmann, M. e Kischinhevsky, M. A geração podcasting e os novos usuários do rádio na sociedade do espetáculo e do entretenimento. In: Famecos. Porto Alegre: PUC-RS, n. 38, 2008. Kischinhevsky, M. O rádio sem onda. Convergência digital e novos desafios na radiodifusão. Rio de Janeiro: E-Papers, 2007.


Jenkins, H. Convergence Culture. Barcelona. Paidós, 2008. Primo, A. Para além da emissão sonora: as interações no podcasting. In: Intexto. Vol. 2, 2005. Sterne, J. The politcs of podcasting. In: Fibreculture. Internet, theory, criticism research, 2008. Disponível em: < http://www.fibreculture.org/journal/issue13/issue13_sterne.html> último acesso em 10/07/2012.


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