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Informação, Participação Cívica e Controle da Gestão Pública: Análise dos Websites das Capitais Brasileiras Othon Jambeiro1 Rosane Sobreira2 3 Lorena Macambira Resumo - Este trabalho analisa os Websites das Câmaras de Vereadores e Prefeituras das 26 Capitais dos Estados brasileiros, visando verificar se e como interagem com os cidadãos. Para tanto foram investigados: (1) o Design Estrutural; (2) a disponibilização de ferramentas de participação cívica; e (3) o fornecimento de informações que permitam aos cidadãos conhecer e acompanhar as ações e projetos do poder público municipal. Três etapas foram percorridas para a realização da pesquisa. A primeira compreendeu a construção de um instrumento de coleta de dados. A segunda foi a localização dos Websites das Prefeituras e Câmaras de Vereadores das Capitais, por meio de Ferramentas de Busca na Internet e a aplicação do instrumento de coleta de dados. A terceira e última etapa compreendeu a tabulação, análise e interpretação dos dados. Em termos conceituais a pesquisa opera na perspectiva teórica da relação entre cidadania, democracia, e tecnologias de informação e comunicação. São assumidas duas premissas básicas: (1) as instituições políticas, econômicas e sociais do município são focadas como loci primários de prática democrática e, como tais, formadoras de cidadãos; (2) tecnologias de informação e comunicações são fatores-chave para o exercício da cidadania e conseqüente ampliação e aprofundamento da participação social e política dos cidadãos. Os resultados mostram que as Capitais estão longe de aproveitar as potencialidades que a Web oferece, para a criação de serviços informacionais capazes de ampliar o acesso do cidadão às informações governamentais, e fazê-los participar da gestão e do controle das ações das Municipalidades. Palavras-Chave – Informação e Participação Cívica; Informação e Poder Público; Web Sites Municipais. Abstract - This work analyzes the Websites of the Boards of local Councillors and Town Halls of the 26 capitals of the Brazilian States, in order to verify if and how they interact with the citizens. For this were investigated: (1) the Websites Structural Design; (2) the availability in them of tools for civic participation; and (3) the provision of information by the web sites to enable citizens to know and follow the actions and projects of the municipal public power. The research was made in three stages. The first comprised the construction of a data collection instrument. The second was the localization of the Web Sites of the City Halls and Chambers of Councilors of the capitals, by means of search tools on the Internet and the application of an instrument for data collection. The third and last stage comprised the tabulation, analysis and interpretation of data. The conceptual approach of the research operates in the theoretical perspective of the relationship between citizenship, democracy, and information and communication technologies. Two basic assumptions are assumed: (1) the political, economic and social institutions of the city are focused as the loci for primary democratic practice; (2) information and communication technologies are key factors for the exercise of citizenship and consequent broadening and deepening of social and political participation of citizens. The results show that the Capitals are far from benefiting from the potential that the Web offers, for the creation of information services able to extend the access of the citizen to government, and make them participate in the management and control of the actions of the Municipalities.

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Mestre em Ciências Sociais (USP), PhD em Comunicação (University of Westminster, Londres), Professor Titular do Instituto de Ciência da Informação/Universidade Federal da Bahia (ICI/UFBA), Pesquisador 1-B/CNPq. 2 Bolsista de Apoio Técnico de Nível Superior - ATNS/CNPq 3 Bolsista de Iniciação Científica - IC/CNPq

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Key-Words - Information and Civic Participation; Information and Public Power; Municipal Web Sites. Resumen – Este trabajo analiza los websites de las consejalías y los ayuntamientos de las 26 capitales de los Estados brasileños, con la finalidad de averiguar si y cómo interactúan con los ciudadanos. Ante ello, se han investigado: (1) el design estructural; (2) la disponibilidad de herramientas orientadas a la participación cívica; y (3) la oferta de informaciones las que permiten a los ciudadanos conocer y acompañar las actividades y proyectos del poder público municipal. La realización de la investigación se la hizo a través de tres etapas. La primera abarcó la construcción de una herramienta de recogida de datos. La segunda se refiere al levantamiento de los websites de los ayuntamientos y las consejalías de las capitales, con la aplicación de un instrumento de recogida de datos. La tercera y última etapa hace referencia a la tabulación, análisis e interpretación de datos. En cuanto al aspecto conceptual, la investigación conlleva una perspectiva teórica acerca de la relación entre ciudadanía, democracia y tecnologías de la información y comunicación. Se tiene en cuenta dos premisas básicas: (1) a las instituciones políticas, económicas y sociales se las considera loci primarios de la práctica democrática y, ante ello, formadoras de los ciudadanos; (2) las tecnologías de información y comunicación son factores-clave en lo que al ejercicio de la ciudadanía respecta y consecuentemente interfieren en la ampliación y profundización de la participación social de los ciudadanos. Los resultados demuestran que las capitales no aprovechan las potencialidades las que ofrece la web para crear servicios informativos, capaces de ampliar al ciudadano las informaciones gubernamentales, además de promocionar su participación en la gestión y el control de las actividades municipales. Palabras-clave: Información y Participación Cívica; Información y Poder Público; Websites Municipales.

1 Introdução

O fim do regime militar, em 1985, permitiu que emergentes estratos populacionais da sociedade brasileira começassem a representar novos papéis na construção da dimensão pública da sociedade, particularmente na formulação e implementação de políticas públicas. Isto caracterizou, com relativa nitidez, a ampliação da participação dos cidadãos nos diversos aspectos da sociedade brasileira. Sobretudo por meio da educação formal e da luta por melhores condições de vida, via sindicatos, organizações não-governamentais e partidos políticos, muitas pessoas alcançaram patamares superiores de participação social. Em conseqüência, aprofundaram a prática da cidadania, dentro e fora dos círculos restritos às tradicionais elites políticas, econômicas e intelectuais. Essas modificações trouxeram à tona o debate sobre a necessidade de consolidar, na sociedade brasileira, pelo menos dois princípios básicos, fundamentais para o avanço da cidadania: (1) igualdade potencial de todos os membros individuais da sociedade; (2) inclusão de todos eles nos processos sociais básicos, ainda que 2


tenham, circunstancialmente, possibilidades desiguais de apropriação dos benefícios destes processos. Quanto ao primeiro princípio, sua base está em que a democracia tem como postulado fundamental a afirmação da igualdade essencial de todos os seres humanos, sendo recusada a divisão da humanidade em seres superiores e inferiores. O segundo princípio se traduz na afirmação da democracia como o sistema que se realiza plenamente apenas quando todos os indivíduos alcançam a situação de poderem ser centros de influência nos processos decisórios da sociedade. A vontade social, portanto, deve ser a expressão de todos, na medida de sua capacidade, vontade, preparo, domínio dos meios necessários e disposição de participar em sua construção. Dahlgren (1995, p. 136), citando Marshall, menciona três dimensões da cidadania (civil, política e social) e conceitua a política como sendo o direito do indivíduo de participar do exercício do poder, expresso no direito de informação, participação, reunião, livre associação e liberdade de expressão. Tais direitos têm, hoje, estreita relação com as tecnologias de informação e comunicações (TICs). Seu crescente uso tem estimulado a realização pessoal de cada pessoa humana, assim como a democratização dos processos sociais, maior transparência dos governos e conscientização da população quanto à sua responsabilidade na administração dos serviços públicos. É crescente a crença de que a participação de cidadãos permanentemente ativos e informados é a chave para a construção de uma sociedade democrática. Este trabalho se situa nesta relação entre TICs e participação cívica. Ele analisa os Websites das Câmaras de Vereadores e Prefeituras das 26 Capitais dos Estados brasileiros, visando verificar se e como interagem com os cidadãos. Para tanto foram investigados: (1) o Design Estrutural; (2) a disponibilização de ferramentas de participação cívica; e (3) o fornecimento de informações que permitam aos cidadãos conhecer e acompanhar as ações e projetos do poder público municipal. Três etapas foram percorridas para a realização da pesquisa. A primeira compreendeu a construção de um instrumento de coleta de dados. A segunda foi a localização dos Websites das Prefeituras e Câmaras de Vereadores das Capitais, por meio de Ferramentas de Busca na Internet e a aplicação do instrumento de coleta de dados. Essa etapa foi realizada entre setembro e dezembro de 2010 e complementada em acessos posteriores, no decorrer de 2011. A terceira e última etapa compreendeu a tabulação, análise e interpretação dos dados. 3


Em termos conceituais a pesquisa opera na perspectiva teórica da relação entre cidadania, democracia, e tecnologias de informação e comunicação. São assumidas duas premissas básicas: (1) as instituições políticas, econômicas e sociais do município são focadas como loci primários de prática democrática e, como tais, formadoras de cidadãos; (2) tecnologias de informação e comunicações são fatoreschave para o exercício da cidadania e conseqüente ampliação e aprofundamento da participação social e política dos cidadãos. Considera-se que a contribuição do cidadão na construção de um governo mais eficiente depende essencialmente do seu acesso à informação pública. É a partir dela que pode instrumentar-se para propor ações, expor criticas, acompanhar o cumprimento de metas, e fiscalizar as ações do governo e a gestão dos recursos do município. Aos governantes cabe manter suas gestões em permanente transparência e assegurar dispositivos que possibilitem e estimulem a participação da população. Aliadas - não exclusivas, mas imprescindíveis - no processo de construção de governos eficientes, transparentes e democráticos, as TICs necessitam, para bem operarem, de ações favorecedoras de inclusão digital da população e investimentos em infra-estrutura tecnológica. Com isso os governantes podem aumentar: (1) a eficiência administrativa, inclusive com o trabalho em rede; (2) a oferta de serviços online; (3) a transparência da gestão, com a divulgação de informações para a população; e (4) o recebimento de sugestões, críticas e apoios. Os resultados obtidos na coleta de dados são apresentados em quadros e discutidos em cada um dos aspectos considerados relevantes. 2 Sobre Eficiência e Transparência da Gestão Pública Os governos, em todos os níveis, estão, cada dia mais, diante de possibilidades e desafios para a promoção de eficiência e transparência da administração pública. Isto significa incluir, em seus processos decisórios, a mais ampla gama de representações da sociedade civil, assegurando os meios para que “todos os segmentos da sociedade estejam representados e possam participar da gestão” (Teixeira, 2004, p. 14). São múltiplas as ações para alcançar eficiência – que abrange economia de custos e racionalidade administrativa e operacional – e transparência de gestão – que depende de fluxos de informação multidirecionais e canais de comunicação de vários níveis, que permitam participação social e política.

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Na gestão participativa, as decisões são tomadas em consonância com as opiniões dos cidadãos, ou seja, a democracia não se expressa somente nas eleições periódicas, mas também durante os mandatos, nos processos decisórios sobre o que, quando e como fazer. As propostas são submetidas à discussão pública e todos podem criticar, sugerir e julgar. Tem-se tornado evidente que se a população participa do processo decisório, a conseqüência é uma gestão mais eficiente. Para que as pessoas possam opinar e interferir é preciso que disponham de informações fidedignas, com base nas quais poderão desenvolver seu senso crítico. A transparência de gestão tem aí importante papel, garantindo os fluxos de informação e canais de comunicação necessários para assegurar que os cidadãos possam participar, opinar e partilhar as decisões. Para Uhlir (2006, p. 14), “alguns dos maiores valores associados à disseminação da informação governamental de domínio público são a ‘transparência’ da governança e a promoção dos ideais democráticos [...].” Além disso, acredita-se que a possibilidade de participação na gestão pública proporciona satisfação à população, que se sente mais respeitada e menos oprimida. Quando um governo expõe suas ações e presta contas, submete-se à avaliação da população e se distancia de uma forma autoritária de governo. O diálogo constante e direto com a população permite-lhe detectar falhas na gestão e corrigi-las, assim como obter resposta rápida sobre aceitação ou recusa de novos programas e projetos. A transparência nas decisões confere ao governo maior credibilidade e inibe a corrupção, pois “quanto maior for a quantidade de informação disponível abertamente pelo governo e sobre o governo, menor será a possibilidade deste governo conseguir ocultar atos ilegais, corrupção e má administração” (Uhlir, 2006, p. 14). A transparência, portanto, estimula a democratização, dando a todos a possibilidade de conhecer, criticar e opinar sobre as ações do governo, otimizando-o e reduzindo caminhos de autoritarismo, corrupção e ineficiência. Num governo autoritário, ao contrário, as decisões e informações são mantidas sob sigilo, ficando os cidadãos à margem do processo decisório. A condição primordial para uma gestão democrática é que informações relevantes que envolvem o governo possam ser acessadas facilmente e de forma compreensível pelos cidadãos. Dowbor (2004, p. 3) chama a atenção para o fato de que “na ausência de informações articuladas para permitir a ação cidadã informada, geramos pessoas passivas e angustiadas.” Neste sentido, uma política de informação deve ser concebida para orientar as ações que estejam focadas na “produção e 5


disseminação da informação pública, que satisfaça as necessidades dos cidadãos [...]” (Uhlir, 2006, p. 17), com especial atenção para os menos favorecidos. É importante a existência desta política, porque “a informação é um recurso efetivo e inexorável para as prefeituras e cidades, principalmente quando planejada e disponibilizada

de

forma

personalizada,

com

qualidade

inquestionável

e

preferencialmente antecipada, para facilitar as decisões dos gestores locais e também dos seus munícipes” (Rezende, 2005, p. 1). Em suma, só é possível participar daquilo que se conhece. O cidadão que desconhece as ações e as informações governamentais não tem instrumentos para interferir na gestão pública, ainda que lhe seja dada a oportunidade. O governo que não promove o acesso nem põe em debate público suas ações e informações, está dificultando o exercício da democracia. Uhlir (2006, p. 37) afirma que “a maximização do fluxo aberto e irrestrito de informação entre o governo e o público é um aspecto fundamental para uma sociedade democrática e para a promoção de uma boa governança”. Pode-se mesmo afirmar que o nível de democratização de um Estado é proporcionalmente direto ao nível de transparência do seu governo. Ou, como diz Jardim: “[...] maior o acesso à informação governamental, mais democráticas as relações entre o Estado e sociedade civil” (1999, p. 49). 3 Cidadania e Tecnologias de Informação e Comunicações Devido ao grande volume de informação produzida, registrada e divulgada pelos órgãos públicos, torna-se necessário a cada dia, maior qualidade de meios de processamento, guarda, transmissão e recuperação. O desenvolvimento de tecnologias avançadas de informação e comunicação (TICs) vem ajudando a equacionar este problema, vez que permite a criação de serviços em meio eletrônico. Essas

tecnologias

agilizam

a

produção,

processamento,

armazenamento,

disseminação e recuperação da informação, dentro e fora dos órgãos públicos. A transparência e a eficiência da gestão pública vêm se beneficiando, nos últimos anos, do crescente uso dessas tecnologias, especialmente da Internet, por vários segmentos de governo. É significativa a presença na Web de informações sobre ações governamentais, prestação de contas de gastos e investimentos, oferta de serviços online, dentre outras aplicações. Sorj afirma que o uso da Internet contribui para a reforma e democratização do Estado, destacando-se entre seus benefícios a “redução da corrupção, da apropriação privada dos bens públicos e o enorme

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desperdício e ineficiência aos quais o estado e o funcionalismo público estiveram associados” (2003, p. 88). As TICs permitem interação mais rápida, prática e dinâmica entre governo e sociedade e podem ser utilizadas pelo poder público para disponibilizar informações confiáveis e tematicamente organizadas, para que sejam rapidamente localizadas e utilizadas. Na verdade, passou-se a exigir dos gestores municipais a “organização da informação segundo as necessidades práticas dos atores sociais que intervêm no processo de desenvolvimento social” (Dowbor, 2004, p. 4). De fato, a disponibilidade de informações e serviços de caráter público, em meio eletrônico, aumentou significativamente nos últimos anos. Os governos parecem buscar cada vez mais a informatização dos seus serviços. Fugini, Maggiolini e Pagamici dizem que a utilização de TICs tem sido progressiva, tendo-se privilegiado inicialmente a aquisição de tecnologias e a informatização das rotinas de trabalho. “Depois do longo período em que a TIC estava confinada a uma função de apoio à burocracia interna, a sua utilização começou a se mover para o exterior, para a interação com cidadãos e empresas” (2005, p. 305). Contudo, a simples criação de Websites e a divulgação, por meio deles, de informações do governo, não garantem uma gestão transparente. Divulgar relatórios ou notícias promocionais na Internet não é exatamente promover cidadania. Dowbor (2004, p. 3) chama a atenção para o fato de que “na ausência de informações articuladas para permitir a ação cidadã informada, geramos pessoas passivas e angustiadas.” Devem ser fornecidas informações sobre os distintos aspectos da gestão, claras, de relevância e de fácil compreensão por todos. A adoção das TICs não é um objetivo em si mesmo e sim um método. Ou seja, elas são ferramentas fundamentais para alcançar objetivos previamente definidos, particularmente dois, considerados primordiais, que são a transparência e a eficiência da gestão. O governo, por consegüinte, deve ser transparente, isto é: (1) publicar informações e promover o fácil acesso a elas, conscientizando os cidadãos da importância de ter conhecimento das suas ações; (2) ouvir e levar em consideração as insatisfações e críticas; (3) submeter-se à avaliação constante, a fim de verificar o nível de satisfação dos cidadãos em relação à gestão. Conforme Teixeira as TICs se constituem num poderoso instrumento de apoio à administração pública, pois permitem: (1) a oferta de novos serviços; (2) a ampliação da eficiência e da eficácia dos serviços públicos; (3) a melhoria da qualidade dos serviços prestados; (4) a construção de novos padrões de relacionamento com 7


cidadãos e de novos espaços para a promoção da cidadania. Ele adverte, contudo, que é preciso garantir o acesso às informações a todos os cidadãos, evitando uma segregação entre os que podem e sabem usar as tecnologias de informação e os que não têm esta possibilidade (2004, p. 9). Com efeito, as mudanças que as TICs propiciam implicam no treinamento tanto dos servidores públicos quanto dos cidadãos. É essencial que o poder público desenvolva políticas amplas de inclusão digital, que permitam inserir ambos os segmentos na chamada Sociedade da Informação. No caso da inclusão digital dos cidadãos, em particular, Santos defende sua capacitação para que possam transformar a realidade, “interferindo nos espaços democráticos existentes ou criando novos espaços para o desenvolvimento da justiça, da paz e da igualdade, através do uso das tecnologias de informação e comunicação” (2005, p. 89). O fato, contudo, é que grande parte da população brasileira não dispõe de recursos para utilizar essas facilidades, não tem capacitação adequada e, muitas vezes, não tem conhecimento sobre seu potencial. Independentemente do uso das TICs, escolaridade, poder aquisitivo, posição social ou inserção em determinados grupos de referência, são variáveis que condicionam fortemente a acessibilidade à informação e aos serviços públicos. Grande parte da população está mal posicionada nessas variáveis: são os excluídos sociais, quase sempre também excluídos digitais. Para reduzir a distância entre os “privilegiados” e os “não privilegiados” é necessária, pois, a intervenção dos governos e de organizações da sociedade civil, visando, por um lado, o aperfeiçoamento dos mecanismos sobre os quais se pode construir uma sociedade democrática, e, por outro, expandir os meios de estímulo ao exercício da cidadania e da gestão participativa. Além de preparo tecnológico, as pessoas precisam saber acessar as informações de que necessitam, compreendê-las e usá-las. Isto significa que, juntamente com o treinamento dos indivíduos para o domínio tecnológico, haja também capacitação de cidadãos, conscientes de seu papel na sociedade e aptos para identificar e localizar a informação de que necessitam. Inclusão digital e inclusão social são, pois, duas faces de um mesmo problema. Como ressaltam Borges e Machado, há “um círculo vicioso entre exclusão digital e social: sem acesso aos recursos econômicos e educacionais para utilizar-se dos benefícios do mundo digital, o indivíduo enfrenta dificuldades para inserir-se socialmente” (2004, p. 181). Em suma, as TICs estão criando novas possibilidades para o exercício da cidadania. Elas permitem que informações produzidas por diversas instituições, 8


governamentais ou não, sejam amplamente e rapidamente divulgadas. O acesso à informação constitui a condição sine qua non para que os cidadãos possam cumprir seus deveres e usufruir de seus direitos, bem como para solucionar seus problemas. Conseqüentemente, a utilização das TICs, especialmente da Internet, pode aumentar a eficácia dos serviços, desenvolver ou reforçar a sociedade civil e fortalecer as relações entre governo e sociedade. 4 Internet e Governo Eletrônico: Aspectos Conceituais O conceito de portal surgiu a partir da intensificação do uso de hiperlinks pelos Websites. Da forma inicial aos usos atuais, como adverte Lara-Navarra (2007), não há uma forma única para o uso do termo, frente à variedade proporcionada por uma Internet rica em informação. Ainda assim, ele considera que os conteúdos são os elementos que definem o êxito de um portal. O uso de Websites pelos governos, como ferramenta de publicidade, transparência de seus atos e disponibilização de serviços iniciou-se na década de 1990, sendo crescente a migração de informações e serviços para o meio digital. Há nisto visível intenção de obter visibilidade, mas nem sempre há evidências de busca de proximidade dos cidadãos. O termo mais utilizado para designar essas iniciativas é Governo Eletrônico (egov). Com ele pode-se, entre outras coisas, melhorar a prestação de serviços públicos, reduzir custos, incentivar a participação cívica e promover a transparência governamental, por meio de prestação de contas e publicação de informações acerca das atividades do governo. A capacidade de fomentar exercício de cidadania está entre as principais vantagens que os portais governamentais podem suscitar. O acesso a eles permite o uso de serviços públicos remotamente, desafogando os atendimentos presenciais, ao mesmo tempo em que expande o número de usuários que podem ser atendidos em um determinado espaço temporal. O e-gov é, hoje, parte importante das políticas governamentais de informação, como o define Jardim:

[...] estratégia pela qual os governantes fazem uso das novas tecnologias para oferecer à sociedade melhores condições de acesso à serviços e garantindo maiores oportunidades de participação social no processo democrático (2004, p. 160).

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O objetivo do governo eletrônico, no plano ideal, é, pois, implantar meios para que o cidadão possa exercer seu direito à informação, ter acesso às contas do governo e cumprir com seus deveres, como conhecer e se manter em dia com as obrigações de pagamento de taxas e impostos (Jardim, 2004; Finquelievich, Baumann, Jara, 2001). Vaz acrescenta que o e-gov possui o papel de modernizador da administração pública, pois a revisão dos processos informacionais e a informatização promovem necessariamente o avanço organizacional (2003).

Duarte, após conceituar portal como um Website que agrupa “conteúdo, organização de domínio, massividade, linguagem e serviços”, apresenta o conceito de portal de governo eletrônico como:

[...] um veículo de comunicação via Internet, concebido e administrado por um órgão, ou por uma instituição do governo, para agregar informações e serviços, fornecendo-os diretamente, ou facilitando sua localização em diversos sites especializados (2004, p. 327-328). Com a convergência de tecnologias digitais, o portal governamental pode, inclusive, estender suas funcionalidades a diversas outras formas de comunicação, como a telefonia celular e a computação móvel. Tecnologicamente, os portais devem garantir acessibilidade aos usuários, respeitados seus distintos níveis de conhecimento, sendo necessário que as mais diversas configurações de equipamentos interligados à Internet possam executar as interfaces construídas. Por isso os portais devem ser agradáveis e de fácil acesso, para não inibir o usuário que precisa resolver suas necessidades informacionais. Devem, igualmente, ser construídos com conteúdos estruturados de forma tal que seja fácil ao usuário entendê-los. Além disso, é preciso que haja neles informações e serviços úteis, que atendam às necessidades dos usuários. Mas os aspectos estruturais e tecnológicos não são os fatores principais para que uma iniciativa de portal de governo eletrônico tenha êxito. Essa questão é, nos dias de hoje, periférica, apesar de relevante. Os informáticos e os profissionais de informação e comunicação tem conhecimento suficiente e dispõem das melhores plataformas para alcançar a diversidade de habilidade tecnológica dos usuários. O problema se encontra no comportamento do cidadão frente à sua necessidade informacional e sua demanda por serviços. Há que haver motivação e certeza de efetividade, isto é, as pessoas devem estar convencidas de que usar o Portal significa poder resolver seus problemas melhor e mais rapidamente, do que deslocar-se até postos de serviço fisicamente disponíveis (Quiroga e Carceglia, 1999; Borges, 2005, p. 53).

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A garantia de acesso aos portais de serviço público depende, portanto, da capacitação dos cidadãos para seu uso e da capacidade desses portais de dar rápida, compreensiva e eficaz resposta às suas solicitações. Uhlir adverte, inclusive, que as informações devem ser categorizadas como administrativa e não-administrativa, pelo seu interesse e audiência, sendo que algumas delas são essenciais para o exercício da cidadania e outras podem possuir valor econômico em mercados específicos (2006, p. 23-25). No caso do município, a “distância” entre o cidadão e o poder público local é menor que a “distância” que o mantém longe das instâncias estaduais e federais. Ela pode ser maior ou menor, dependendo do tamanho da cidade, mas comparativamente oferece sempre a possibilidade de contato direto entre a população e a administração pública. A cidade é, na realidade, um ambiente que favorece a convivência das pessoas e grupos sociais, inclusive porque boa parte de seus problemas básicos estão interrelacionados. Apesar da proximidade física entre os cidadãos e os gestores públicos locis, Sanchez (apud Alves, 2003) considera que se deve recuperar a Web como espaço de discussão política sobre a cidade, compreendendo que os portais municipais devem ser locais de interação entre os cidadãos, criando um ambiente coletivo de diálogo e, possivelmente, decisão. Isso realmente pode gerar uma relação ímpar, via Web, entre a população, os problemas encontrados pela sociedade e a fonte de solução, representada pelo poder público. Os Websites de governo podem ter, portanto, grande significado no atendimento das necessidades imediatas do cidadão, de serviços, de informações sociais, econômicas e políticas, e de participação nos processos decisórios da municipalidade e da comunidade. A pesquisa cujos resultados são adiante apresentados adota o conjunto conceitual até aqui abordado, advogando que o e-governo municipal se realiza plenamente quando estimula maior interação e transparência entre governo e sociedade e amplia, via ferramentas específicas de participação cívica on-line, o espaço para o exercício da cidadania e da prática democrática. 5 Procedimentos A pesquisa foi realizada entre setembro e dezembro de 2010 e atualizada no decorrer de 2011, obedecendo aos seguintes procedimentos: A - Observação preliminar – em primeiro lugar foram acessados e analisados aleatoriamente alguns Websites de Prefeituras e Câmaras de Vereadores. Buscou-se verificar que conteúdos e ferramentas apareciam e como eram apresentados, em termos de Design Estrutural. B - Instrumento de Coleta De Dados – com base no conhecimento adquirido na análise preliminar construiu-se um instrumento de coleta de dados, destinado à análise dos Websites, adotando-se três variáveis:

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Variável 01 – Design Estrutural do Website, tomado como facilitador ou dificultador do acesso à informação, e explicitado na existência de Ferramenta de Busca e Mapa do Site; Variável 02 - Ferramentas de Participação Cívica On-line, explicitadas na existência de Fale Conosco, Chat, Fórum; Enquete; Ouvidoria; Contato Direto com o Prefeito (Websites de Prefeituras) e com os Vereadores (Websites de Câmaras); Variável 03 – Disponibilização de Informações Para o Controle Social da Gestão, explicitadas na presença de Agenda do Prefeito (Websites de Prefeituras), Pauta das sessões (Websites de Câmaras); Plano Diretor do Município; Prestação de Contas/Orçamento Participativo; Propostas/Projetos do Executivo (Websites de Prefeituras) e Projetos em Apreciação na Câmara (Websites de Câmaras). As variáveis foram valoradas de forma diferenciada: À Variável 01, de natureza predominantemente técnica, foi atribuído o valor de dois pontos, sendo que cada item que a compõe vale um ponto. Cada item que compõe a Variável 02 vale um ponto, perfazendo o total de quatro pontos. Também no caso da Variável 03, cada um dos seus itens vale um ponto, igulamente perfazendo quatro pontos. Consideradas as três variáveis, cada Website analisado pode, portanto, atingir no máximo dez pontos, isto é, dois da primeira Variável, quatro da segunda e outros quatro da terceira, como consta no Quadro I.

Quadro I – Itens que compõem as variáveis e sua valoração Variável 01 - Design Estrutural do Website 1.1 Ferramentas de Busca 1.2 Mapa do Site

Variável 02 -Ferramentas de Participação Cívica On-line 2.1 Fale Conosco/Chat/Fórum 2.2 Enquete 2.3 Ouvidoria 2.4 Contato direto com o Prefeito (Websites de Prefeituras)/ Contato direto com os Vereadores (Websites de Câmaras)

Variável 02 - Informações Para o Controle Social da Gestão 3.1 Agenda do Prefeito/Pauta das sessões 3.2 Plano Diretor 3.3 Prestação de Contas/ Orçamento Participativo 3.4 Propostas/Projetos do Executivo e Projetos em Apreciação na Câmara

Vale 2 (dois) pontos Vale 4 (quatro) pontos Vale 4 (quatro) pontos No total, cada Website pode atingir no máximo 10 (dez) pontos A pontuação de cada Capital foi feita a partir da existência de até dois websistes – um da Prefeitura e outro da Câmara de Vereadores. Como cada Website pode acumular até 10 pontos, a Capital que tiver os dois poderá atingir 20 pontos.

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Por Região varia a pontuação, a depender do número de Capitais abrangidas por cada uma delas. Assim: o Norte, com sete Capitais, pode atingir 140 pontos; o Nordeste, com nove Capitais, 180; o Centro-Oeste e o Sul, com três Capitais cada, 60; e o Sudeste, com quatro Capitais, 80 pontos. Dada esta variedade, o indicador, para efeito de análise comparativa das Regiões, foi sempre o percentual e não o número absoluto. O modelo de instrumento permitiu não só conhecer objetivamente cada Website, mas também compará-los entre si, assim como comparar Estados e Regiões.

6 Resultados 6.1 Existência de Websites Verificou-se em primeiro lugar a existência de Websites em cada município da amostra. O total possível (26 Capitais, todas com um Website da Prefeitura e outro da Câmara de Vereadores) era 52 Websites, mas foram encontrados 49, vez que Macapá (Capital do Amapá) não possui nenhum dos dois e Boa Vista (Capital de Roraima) possui apenas o da Prefeitura, o que corresponde a 94,23%. Consideradas as Regiões, o Norte é a única que não alcança o total possível. Nas demais todas as Prefeituras e Câmaras de Vereadores têm Websites.

6.2 Estrutura e Conteúdo dos Websites O Quadro II mostra os resultados obtidos na análise da estrutura e do conteúdo dos Websites, de acordo com as variáveis estabelecidas. Para compreendê-lo deve-se levar em conta a seguinte observação: ao invés de expressar quantidades de Websites, os números nele expostos expressam valores, isto é, mensuração de qualidade, segundo as três variáveis utilizadas na pesquisa: Design Estrutural, Ferramentas de Participação Cívica On-line e Disponibilização de Informações para o Controle Social da Gestão.

Quadro II – Pontuação alcançada pelos websites, de acordo com cada variável Regiões Norte

N o r

Macapá Manaus Rio Branco Boa Vista Porto Velho Palmas Belém TOTAL Maceió

Variáveis 2o

1o

Capitais

Total dos pontos

3o

P

C

P

C

P

C

P

C

X 2 1 0 1 1 2 7 1

X 0 1 X 1 1 1 4 2

X 2 1 2 1 3 1 10 2

X 1 1 X 1 2 1 6 2

X 3 3 3 3 2 2 16 1

X 3 1 X 3 2 2 11 0

0 7 5 5 5 6 5 33 4

0 4 3 0 5 5 4 21 4

Percentual Total e do total percentual dos final dos pontos pontos das P C Capitais 0% 0% 0 0% 70% 40% 11 55% 50% 30% 8 40% 50% 0% 5 25% 50% 50% 10 50% 60% 50% 11 55% 50% 40% 9 45% 47% 30% 54 38% 40% 40% 8 40% 13


CentroOeste Sudeste Sul

Salvador Fortaleza São Luís João Pessoa Recife Teresina Natal Aracaju TOTAL Cuiabá Campo Grande Goiânia TOTAL Belo Horizonte São Paulo Rio de Janeiro Vitória TOTAL Florianópolis Curitiba Porto Alegre TOTAL TOTAL GERAL

1 1 1 1

1 0 1 1

3 1 0 2

2 2 1 1

2 1 1 3

3 2 2 1

6 3 2 6

6 4 4 3

60% 30% 20% 60%

60% 40% 40% 30%

12 7 6 9

60% 35% 30% 45%

1 1 1 2 10 2 1

0 1 0 1 7 1 1

1 3 2 1 15 2 1

2 2 2 2 16 1 4

2 3 2 1 16 3 2

1 2 1 0 12 4 3

4 7 5 4 41 7 4

3 5 3 3 35 6 8

40% 70% 50% 40% 45% 70% 40%

30% 50% 30% 30% 39% 60% 80%

7 12 8 7 76 13 12

35% 60% 40% 35% 42% 65% 60%

2 5 2

1 3 1

1 4 2

2 7 3

3 8 3

4 11 4

6 17 7

7 21 8

60% 57% 70%

70% 70% 80%

13 38 15

65% 63% 75%

2 2

2 1

1 4

3 2

4 2

4 2

7 8

9 5

70% 80%

90% 50%

16 13

80% 65%

1 7 0 2 1 3

0 4 1 1 2 4

3 10 1 1 1 3

1 9 3 1 2 6

1 10 2 2 2 5

0 10 2 4 4 10

5 27 3 5 4 12

1 23 6 6 8 20

50% 67% 30% 50% 40% 40%

10% 57% 60% 60% 80% 67%

6 50 9 11 12 32

30% 62% 45% 55% 60% 53%

32

22

42

44

54

54

129

120

Fonte: Pesquisa de campo, setembro de 2010.

6.2.1 Variável 01 - Design Estrutural do Website 1o Item: Ferramentas de Busca No Norte, nas sete Capitais, cinco Prefeituras (71% ) e quatro Câmaras (57%) dispõem dessa ferramenta em seus Websites. No Nordeste, todas as Prefeituras também dispõem da ferramenta, mas entre as Câmaras apenas cinco (55%) as disponibilizam. No Centro-Oeste, todos os Websites das Prefeituras e das Câmaras têm ferramenta de busca. No sudeste, apenas uma Câmara falha neste ponto, o mesmo ocorrendo no Sul com uma Prefeitura. A melhor situação, portanto, é do Centro-Oeste, onde todas as capitais têm Ferramentas de Busca, tanto nas Prefeituras quanto nas

14


Câmaras de Vereadores. A pior situação é a do Norte, onde 29% das Prefeituras e 43% das Câmaras de Vereadores não têm tais ferramentas. 2o Item: Mapa do Site A ferramenta “Mapa do Site” está presente apenas em dois Websites de Prefeituras da Região Norte e outros dois na Região Centro-Oeste. A primeira tem sete Capitais, apresentando, portanto, percentual muito baixo (28%) de freqüência dessa ferramenta. A segunda Região, contudo, por ter apenas três Capitais, apresenta alto índice de freqüência (67%). Os Websites das Câmaras de Vereadores destas duas regiões não dispõem desse recurso. No Nordeste, apenas o Website de uma Prefeitura e o de duas Câmaras de Vereadores disponibilizam esse recurso em seus Websites. Considerando-se a existência de nove Capitais nesta Região, observa-se uma freqüência muito baixa no uso dessa ferramenta tanto pelas Prefeituras (11%), quanto pelas Câmara de Vereadores (22%). O Sudeste e o Sul têm situação menos pior neste quesito: na primeira, três (75%) das Prefeituras e uma (25%) das Câmaras disponibiliza esse recurso em seu Website; no Sul, uma (33%) das Prefeituras e uma das Câmaras de Vereadores (33%) disponibilizam o Mapa do Site em seus Websites. A situação é ruim em todas as regiões, portanto, sendo menos ruim no Sudeste e no Sul. Os destaques na Variável Design Estrutural do Website foram as Prefeituras de: Manaus e Belém, no Norte; Aracaju, no Nordeste; Cuiabá e Goiânia, no Centro-Oeste; Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro, no Sudeste; e Curitiba, no Sul. E as Câmaras de: Maceió, no Nordeste; São Paulo, no Sudeste; e Porto Alegre, no Sul. Todas com pontuação máxima. O destaque negativo coube às Prefeituras de Boa Vista, no Norte, e Florianópolis, no Sul, assim como às Câmaras de: Manaus, no Norte; Fortaleza, Recife e Natal, no Nordeste; e Vitória, no Sudeste. Não conseguiram qualquer ponto nesta Variável.

6.2.2 Variável 02 - Ferramentas de Participação Cívica On-line 1o Item: Chat/Fórum/Fale Conosco

15


No Norte, quatro (57%) das Prefeituras e quatro (57%) das Câmaras dispõem de alguma dessas ferramentas. No Nordeste, seis (67%) das Prefeituras e sete (78%) das Câmaras também dispõem. No Centro-Oeste, todas as Prefeituras (100%) e duas (67%) das Câmaras dispõem. A Região Sudeste se destaca neste item, vez que todos os Websites das quatro Capitais, tanto das

Prefeituras

quanto das Câmaras de Vereadores

disponibilizam uma ou mais ferramentas para participação cívica dos cidadãos. A Região Sul, por sua vez, apresenta baixa performance no item, com apenas uma (33%) das Prefeituras e duas (67%) das Câmaras disponibilizando uma ou mais dessas ferramentas. A melhor situação é, pois, do Sudeste. A pior é a do Sul. O Norte e Nordeste ficam, neste caso, em situação intermediária, superadas pelo Sudeste e também pelo Centro-Oeste. 2o Item: Enquete Este item é o que apresenta menor freqüência nos Websites das Prefeituras e Câmaras de Vereadores: está presente em apenas um (14%) Website de uma Câmara de Vereadores, na Região Norte; em três (33%) Prefeituras e uma (11%) Câmara, no Nordeste; em uma (33%) Câmara no Centro-Oeste; em uma (25%) Prefeitura e uma (25%) Câmara, na Região Sudeste; e em nenhum Website de Prefeitura ou Câmara, na Região Sul. Este Item foi apurado separadamente por ser diferenciado, em termos de destinação. Isto é, visa conhecer, num período determinado, a opinião dos cidadãos a respeito de uma determinada proposta. O Chat e o Fórum destinam-se mais a longos debates temáticos, com justificativas e fundamentações, enquanto que o Fale Conosco e a Ouvidoria são veículos de queixas, denúncias e solicitações. De qualquer forma, este Item confirma a situação mostrada no anterior: embora a situação seja ruim em todas regiões, é menos pior no Sudeste, onde 25% das Prefeituras e das Câmaras fazem enquetes, e completamente ruim no Sul, onde nenhuma Prefeitura nem Câmara usa esta ferramenta de participação cívica. 3o Item: Ouvidoria No Norte, a ferramenta Ouvidoria está presente em três (43%) dos Websites de Prefeitura e em apenas um (14%) Website de Câmara No 16


Nordeste, quatro (44%) das Prefeituras e três (33%) das Câmaras dispõem dessa ferramenta de participação em seus Websites. No Centro-Oeste, apenas uma (33%) Prefeitura e uma (33%) Câmara a disponibilizam em seus Websites. No Sudeste, a ferramenta foi localizada em três (75%) dos Websites das Prefeituras e uma (25%) das Câmaras. A Região Sul apresenta um quadro similar: duas (67%) Prefeituras e uma (33%) Câmara disponibilizam Ouvidoria em seus Websites. Também apurado separadamente, por sua especificidade, este Item segue a tendência geral verificada na Variável como um todo. A melhor situação está nas regiões Sudeste e Sul. A pior situação é do Norte. 4o

Item:

Contato

Direto

com

o

Prefeito

(Websites

de

Prefeituras) e com os Vereadores (Websites de Câmaras) No Norte, apenas três (43%) das sete Prefeituras de Capitais possibilitam o cidadão a fazer contato direto, via ferramentas digitais, com o Prefeito. Situação pior ainda é a dos Websites das Câmaras de Vereadores das Capitais da Região: esta ferramenta não é disponibilizada em nenhum deles. No Nordeste, apenas duas (22%) das Prefeituras e cinco (55%) das Câmaras

disponibilizam em seus Websites ferramenta que possibilita

ao

cidadão entrar em contato diretamente com o Prefeito e com os Vereadores. No Centro-Oeste e no Sul a situação é diferente: nenhum dos Websites das Prefeituras possui ferramentas que possibilitem o contado direto dos cidadãos com os Prefeitos, mas os Websites de todas as Câmaras disponibilizam ferramentas para os cidadãos contatarem diretamente cada um dos Vereadores. No Sudeste, a freqüência dessas ferramentas é equilibrada: os Websites de duas (50%) das Prefeituras das quatro Capitais e de duas (50%) das quatro Câmaras de Vereadores disponibilizam esse tipo de ferramentas, para acesso tanto ao Prefeito quanto aos Vereadores. As regiões Centro-Oeste e Sul têm a mesma situação, isto é, não existe possibilidade de contato direto do cidadão com o Prefeito, embora exista com relação a todos os Vereadores. A pior situação é a do Norte,

17


onde nenhuma Câmara possibilita isto e apenas três das sete Prefeituras (43%) o fazem. Atingiram pontuação máxima neste Item a Prefeitura do Rio de Janeiro, no Sudeste, e a Câmara de Campo Grande, no Centro-Oeste. A Prefeitura de São Luís, no Nordeste, ao contrário, não conseguiu sequer um ponto nesta Variável.

6.2.3 Variável 03 – Informações Para o Controle Social da Gestão 1o Item: Agenda Prefeito (Websites de Prefeituras) e Pauta sessões (Websites de Câmaras) A agenda do Prefeito foi localizada apenas em um Website de cada uma das regiões Norte (14%), Nordeste (11%) e Sudeste (25%). Nas demais regiões esse Item informacional não foi localizado em nenhum dos Websites analisados. No que se refere à disponibilização da Pauta das Sessões da Câmara de Vereadores esse Item informacional está presente em quatro (57%) dos Websites da Região Norte; quatro (44%) do Nordeste; todos (100%) os Websites de Câmaras do Centro-Oeste; três (75%) do Sudeste; e dois (67%) do Sul. O resultado deste Item, no que se refere à agenda do Prefeito, é péssimo

em

todas

as

regiões,

sendo

praticamente

inexistente

a

disponibilização desta informação. Quanto à pauta das sessões das Câmaras de Vereadores a melhor situação é a do Centro-Oeste, onde tal pauta está em 100% dos Websites das Câmaras. A pior situação é a do Nordeste, onde apenas está em 44% dos Websites. 2o Item: Plano Diretor No Norte, exceto por Macapá – que não tem Website - o plano diretor está disponível para a consulta pública em todos os Websites pertencentes às Prefeituras. No que se refere às Câmaras, contudo, apenas uma (14%) disponibiliza a Lei em seu Website. No Nordeste o plano está disponível em oito (89%) dos nove Websites das Prefeituras, mas apenas dois (22%) dos Websites das Câmaras o disponibilizam. No Centro-Oeste, o plano diretor 18


está disponível em dois (67%) dos três Websites das Prefeituras e em todos os Websites das Câmaras. No Sudeste, o plano diretor está disponível em três (75%) dos Websites das Prefeituras e em dois (50%) dos Websites das Câmaras. No Sul, o plano diretor foi localizado apenas em um Website, o que corresponde a 33% da Região. Contudo, ele está disponível em todos os Websites das Câmaras. No conjunto, considerando tanto os Websites das Prefeituras quanto os das Câmaras, a melhor situação é a do Centro-Oeste. A pior é a do Norte. Tomando-se isoladamente as Prefeituras e as Câmaras a situação difere. Nos Websites das Prefeituras o Plano Diretor está mais presente no Nordeste e menos no Sul. Nos das Câmaras, o Plano aparece mais no Centro-Oeste e no Sul e menos no Nordeste. 3o Item: Prestações de contas/ Orçamento participativo A prestação de contas é disponibilizada, na Região Norte, por cinco (71%) das Prefeituras e por duas (28%) das Câmaras, por meio dos seus Websites. No Nordeste apenas três (33%) das Prefeituras e três (33%) das Câmaras a disponibilizam. A situação é um pouco melhor no Centro-Oeste, onde isto é feito pelos Websites de todas as Prefeituras e por dois (67%) dos três Websites das Câmaras. No Sudeste, onde se esperava maior freqüência de disponibilização desta informação, isto é feito por três (75%) das Prefeituras e duas (50%) das Câmaras. Quem brilha neste item é a Região Sul, onde a prestação de contas é disponibilizada nos Websites de todas as Prefeituras e Câmaras de Vereadores das Capitais. O Item informacional Orçamento Participativo não está presente na maioria esmagadora dos Websites das Prefeituras e Câmaras de Vereadores das Capitais dos Estados brasileiros. Está disponível apenas nos Websites de duas Prefeituras, no Nordeste, e em uma, no Sul; e em uma Câmara de Vereadores, no Sudeste. 4o Item: Propostas e Projetos do Poder Executivo/Projetos em Apreciação na Câmara No Norte a divulgação das Propostas e Projetos do Poder Executivo é feita por quatro (57%) das Prefeituras e os Projetos em Apreciação na 19


Câmara por quatro (57%) das Câmaras, em seus Websites. No Nordeste três (33%) das Prefeituras divulgam suas Propostas e Projetos e três (33%) das Câmaras divulgam os Projetos em Apreciação pelos Vereadores. No Sudeste, três (75%) das Prefeituras divulgam, em seus Websites, suas Propostas e Projetos e duas (50%) das Câmaras os Projetos em Apreciação. No Sul apenas uma (33%) das três Prefeituras das Capitais divulgam suas Propostas e Projetos, e duas (67%) das três Câmaras divulgam os Projetos em Apreciação. Neste item o grande destaque é a Região Centro-Oeste, onde os Websites de todas as Prefeituras e de todas as Câmaras divulgam, respectivamente, as Propostas e Projetos do Poder Executivo, e os Projetos em Apreciação em todas as Câmaras de Vereadores. A análise da Variável como um todo, revela que o Item Agenda do Prefeito é péssimo em todas as regiões, sendo praticamente inexistente a disponibilização desta informação. Quanto à Pauta das Sessões das Câmaras de Vereadores a melhor situação é a do Centro-Oeste, onde tal pauta está em 100% dos Websites das Câmaras. A pior situação é a do Nordeste, onde apenas está em 44% dos Websites. No conjunto, a Região Sudoeste está em ótima situação nesta Variável. A pior situação é a do Nordeste. Tomando-se as Prefeituras e as Câmaras isoladamente, o Centro-Oeste se destaca positivamente. O destaque negativo, contudo, varia: no caso das Prefeituras a pior situação é a do Sul e do Nordeste; no caso das Câmaras, o Nordeste se isola na pior situação. Conseguiram o máximo de pontos nesta Variável: a Prefeitura de São Paulo, no Sudeste, e as Câmaras de: Cuiabá e Goiânia, no Centro-Oeste; Belo Horizonte e São Paulo, no Sudeste; e Curitiba e Porto Alegre, no Sul.

Considerando o conjunto das Variáveis, o desempenho dos Websites das Capitais, tanto das Prefeituras como das Câmaras de Vereadores, não foi satisfatório. Na primeira Variável, que trata do Design Estrutural, os Websites das Prefeituras atingiram apenas 32 pontos e os das Câmaras 22, o que

20


corresponde a, respectivamente, 61% e 42% do total dos pontos possíveis de serem atingidos. Com relação à segunda Variável, que trata das Ferramentas de Participação Social Online, a pontuação atingida também foi baixa: os Websites das Prefeituras obtiveram 42 pontos e os das Câmaras 44, o que representa 40% e 42% do total dos pontos possíveis de serem atingidos. Quanto ao desempenho dos Websites na terceira Variável, que trata das Informações para o Controle Social da Gestão, foi um pouco melhor, comparado com as anteriores, mas é insatisfatório: os Websites das Prefeituras atingiram 55 pontos ao final e os das Câmaras 54, o que, em percentual, corresponde a 53% e 52% da pontuação máxima da Variável. No reverso, as Câmaras de Maceió e Aracaju, no Nordeste, e Vitória, no Sudeste, não conseguiram um ponto sequer nesta Variável. Ao final do Quadro II está a pontuação geral, correspondendo ao somatório de todos os pontos obtidos nas Variáveis, por todos os Websites analisados. As Prefeituras alcançaram 129 pontos e as Câmaras 120 pontos, que correspondem a 50% e 46%, respectivamente, da pontuação máxima, que é de 260 pontos.

6.4 Avaliação Global, por Região (Quadro III) Das 26 capitais dos estados brasileiros apenas uma – Macapá, capital do Estado do Amapá – não tinha, até maio de 2011, Websites da Prefeitura e da Câmara de Vereadores. Uma outra – Boa Vista, capital de Roraima – tinha, na mesma data, apenas o Website da Prefeitura. As demais dispõem de Websites em pleno funcionamento, mas, como demonstra esta pesquisa, quase sempre atendendo pouco ao que se espera, em termos de prática democrática. 6.4.1 Norte Na Região Norte a Prefeitura de Manaus foi a que conseguiu maior número de pontos: sete, correspondentes a 70%. Seu Website se destaca pelo Design Estrutural e pela disponibilização de Informações para o Controle Social da Gestão. Com seis pontos (60%), a Prefeitura de Palmas, capital do Tocantins, ficou em segundo lugar. Seu Website obteve destaque 21


na Variável Ferramentas de Participação Cívica On-Line, atingindo 75% dos pontos. Exceto por Macapá – que, como já visto, não tem Websites na Prefeitura nem na Câmara de Vereadores - as demais Capitais atingiram cinco (50%) pontos no total. Os Websites das Prefeituras de Rio Branco (Acre), Boa Vista (Roraima) e Porto Velho (Rondônia) conseguiram atingir 75% dos pontos no que se refere à disponibilização de Informações para o Controle Social da Gestão; e Belém atinge 100% dos pontos na Variável Design Estrutural. Entre as Câmaras, a de Porto Velho e a de Palmas se sobressaem, ambas atingindo cinco pontos (50%). A primeira se destaca por obter 75% dos pontos da Variável Informações para o Controle Social da Gestão, enquanto

que

a

segunda

por

obter

50%

Ferramentas de Participação Cívica On-Line.

dos

pontos

na Variável

As Câmaras de Manaus e

Belém também atingiram a mesma pontuação. Ambas, ao final, ficaram com quatro (40%) pontos e se destacam por terem atingido 75% e 50%, respectivamente, da pontuação da Variável Informações para o Controle Social da Gestão. A menor pontuação da Região foi atingida por Rio Branco: três pontos (30%), um item de cada Variável. 6.4.2 Nordeste Dentre as nove Prefeituras analisadas a de Teresina foi a que obteve melhor pontuação: sete, o que representa 70% do total. As Prefeituras de Salvador e de João Pessoa obtiveram a segunda melhor pontuação, ambas atingindo seis pontos ao final.. Em contraponto, São Luís foi a que obteve a pontuação mais baixa: apenas dois pontos, que correspondem a 20% do total.

Com

relação

às

Câmaras,

a

de

Salvador

obteve

o

melhor

desempenho, atingindo seis pontos, destacando-se pela pontuação obtida na Variável Informações para o Controle Social da Gestão. Os Websites das Câmaras de Aracaju e Maceió, além de estarem entre os que atingiram apenas três pontos (30%), destacam-se por não disporem de Informações para o Controle Social da Gestão. 6.4.3 Centro-Oeste O Website da Prefeitura de Cuiabá obteve sete pontos, o que representa 70% do total. Apesar de ser a maior pontuação da Região, no 22


Website foram localizadas poucas ferramentas que permitem a participação do munícipe na gestão pública. Em segundo está o Website da Prefeitura de Goiânia, com seis pontos (60%), e em terceiro o da Prefeitura de Campo Grande, com quatro pontos (40%). Ambos só obtiveram boa pontuação na Variável Informações para o Controle Social da Gestão. Entre os Websites das Câmaras, o que pertence a Campo Grande apresenta melhor desempenho ao atingir oito pontos, 80% do total. Tal pontuação se deve a disponibilização de Ferramentas de Participação Cívica On-Line e Informações para o Controle Social da Gestão. Os demais Websites da Região, pertencentes às Câmaras de Goiânia e Cuiabá, atingiram, respectivamente,

sete (70%) e seis (60%) pontos. Ambas se

destacaram na Variável Informações para o Controle Social da Gestão, mas a Câmara de Cuiabá revela-se muito fraca no que diz respeito a Ferramentas de Participação Cívica On-Line. 6.4.4 Sudeste No caso dos Websites das Prefeituras, o do Rio de Janeiro apresentou melhor desempenho ao atingir oito pontos, que corresponde a 80% do total, destacando-se por atingir a pontuação máxima nas Variáveis Design Estrutural do Website e Ferramentas de Participação Cívica On-Line. Essa pontuação foi a maior alcançada entre todos os Websites de Prefeituras analisados na pesquisa. Belo Horizonte e São Paulo, ao final, conseguiram obter o mesmo numero de pontos, sete, que representa 70%. Contudo, São Paulo atingiu pontuação máxima nas Variáveis Design Estrutural do Website e Informações para o Controle Social da Gestão. Os cinco pontos alcançados pelo Website da Prefeitura de Vitória, que correspondem a 50% do total, foi a mais baixa pontuação da Região. Entre as Câmaras, o Website de São Paulo alcançou nove pontos (90%), a maior pontuação atingida entre as Capitais da Região e entre todas as Capitais que compõem o universo da pesquisa. Nesse Website foram localizados todos os itens relacionados ao Design Estrutural do Website, à disponibilização de Informações para o Controle Social da Gestão e 75% dos itens sobre as Ferramentas de Participação Cívica On-Line. Em contraponto, o Website da Câmara de Vitória obteve apenas um ponto, 23


sendo a mais baixa obtida na Região e entre todas as Câmaras que integram o universo da pesquisa. 6.4.5 Sul O Website da Prefeitura de Curitiba conseguiu atingir a maior pontuação da Região, cinco pontos (50%) no total. Contudo, o desempenho de

Curitiba

é

insatisfatório,

pois

em

seu

Website

existem

poucas

Ferramentas de Participação Cívica On-Line, assim como são parcas as Informações para o Controle Social da Gestão. O desempenho de Porto Alegre

e

Florianópolis

também

é

insatisfatório.

Elas

atingiram,

respectivamente, quatro e dois pontos no total. Florianópolis se destaca por não ter conseguido pontuar em nenhum dos itens que compõem a Variável Design Estrutural do Website. Comparados com os Websites das Prefeituras os das Câmaras apresentam um desempenho mais satisfatório. A Câmara de Porto Alegre conseguiu oito pontos, tendo 50% dos pontos da Variável Ferramentas de Participação Cívica On-Line e 100% dos pontos nas demais Variáveis. Tanto Florianópolis como Curitiba atingiram seis pontos, mas Florianópolis se destaca por obter 75% dos pontos da Variável relativa às Ferramentas de Participação, e Porto Alegre por atingir a pontuação máxima da Variável Informações para o Controle Social da Gestão.

No cômputo geral as melhores situações são as do Sudeste e do Centro-Oeste, onde há maior possibilidade de participação cívica nas gestões municipais, via Websites das Prefeituras e Câmaras de Vereadores. No Sudeste, os Websites não só disponibilizam mais frequentemente Ferramentas de Busca e de participação, quanto permitem conexão direta do cidadão com Prefeitos e Vereadores. O Centro-Oeste se destaca tanto na possibilidade de contato direto dos cidadãos com seus representantes no poder público municipal, quanto na disponibilização do Plano Diretor e de outras informações que permitem o controle público da gestão. Seus Websites são também munidos de Ferramentas de Busca, o que os torna amigáveis aos cidadãos, assim como expõem as propostas e projetos dos Prefeitos e Câmaras de Vereadores. 24


Contrariamente ao que se pensava, a Região Sul não se destacou no que se refere a Ferramentas de Busca, nem a ferramentas de participação cívica, tendo ganho evidência neste último item apenas no que se refere a Ouvidoria. Seus principais destaques foram: a possibilidade de contato direto dos cidadãos com o Prefeito e os Vereadores; e a exibição de prestação de contas nos portais de seus Websites. Os Websites das capitais das regiões Norte e o Nordeste, como se esperava, destacam-se negativamente, quando comparados com os das outras regiões. O Nordeste destaca-se positivamente apenas num item: é onde se dá maior freqüência de Prefeituras que disponibilizam o Plano Diretor em seus Websites. A pontuação final dos Websites oscila entre 30% e 70% da pontuação máxima que pode ser atingida na Região. O destaque vai para os Websites das Câmaras do Centro-Oeste, com 21 dos 30 pontos possíveis de serem atingidos, o que representa 70%. De modo geral as Câmaras apresentaram melhor desempenho que as Prefeituras. As regiões Norte e Nordeste ficaram abaixo de 50% dos pontos possíveis. Na primeira, certamente seu desempenho foi prejudicado pela inexistência dos Websites da Prefeitura e da Câmara de Macapá e da Câmara Boa Vista. Na segunda, contudo, os dados revelam negligência do poder público, no que tange ao acesso e divulgação das informações governamentais, bem como na promoção da participação cívica na gestão pública, por meio de seus Websites. O Centro-Oeste e o Sudeste se destacam pelo percentual de pontos atingidos: a primeira Região obteve o maior percentual entre as Câmaras (70%), enquanto a segunda obteve o maior percentual de pontos entre as Prefeituras (67%). A Região Sul, por sua vez, apresenta um resultado diferenciado.

As Prefeituras alcançaram apenas 37% dos pontos, o mais

baixo resultado da Região, mas Câmaras atingiram 67% dos pontos, o mais alto da Região. Isto é, obteve o pior desempenho entre as Prefeituras e o segundo melhor desempenho entre as Câmaras.

25


7 Conclusão Os resultados mostram quão longe está o Poder Público Municipal das Capitais dos Estados Brasileiros de aproveitar as potencialidades que a Web oferece, para a criação de serviços informacionais capazes de ampliar o acesso do cidadão às informações governamentais, e fazê-los participar da gestão e do controle das ações das Municipalidades. A qualidade dos Websites deixa muito a desejar, pelo menos no que se refere às Variáveis utilizadas nesta pesquisa: o Design Estrutural, Ferramentas de Participação Cívica On-Line, e Informações para o Controle Social da Gestão. Elas são o mínimo necessário para que os cidadãos possam conhecer e acompanhar as ações e projetos das municipalidades. As situações encontradas mostram que as capitais não preenchem as exigências postas por estas variáveis. Uma ou outra se sobressai em uma ou outra Variável, mas não se verificou nenhum caso em que todas as variáveis sejam preenchidas. Diga-se, aliás, que o preenchimento que se buscou diagnosticar seria uma evidência de busca de proximidade do poder público municipal com os cidadãos. E não só: a literatura e relatos de pesquisas anteriormente realizadas vem demonstrando que os Websites das municipalidades efetivamente podem melhorar a prestação de serviços públicos, reduzir custos, incentivar a participação cívica e promover a transparência governamental, por meio de prestação de contas e publicação de informações acerca das atividades do governo. Não foi, contudo, o que se viu nesta pesquisa. O fomento do exercício de cidadania exige muito mais das Prefeituras e Câmaras municipais das capitais brasileiras. Será necessário que implantem em seus Websites ferramentas que permitam ao cidadão exercer seu direito à informação, ter acesso às contas do governo e cumprir com seus deveres cívicos. Esses Websites, ao contrário de instrumentos de propaganda de governo ou vitrines formais de gestão, devem ser locais de interação entre o poder público e os cidadãos, criando um ambiente coletivo de diálogo e, possivelmente, decisão coletiva.

26


Somente com este espírito o chamado e-governo pode estimular a participação cívica e a transparência entre governo e sociedade, ampliando assim o espaço para o exercício da cidadania e da prática democrática.

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Mercado y política. La consolidación de un dominio compartido: Telefónica y Telecom en el mercado argentino de telecomunicaciones (1989-2011). Gustavo Fontanals∗ Resumen: Se indaga la evolución del mercado argentino de telecomunicaciones desde la privatización de ENTel hasta la actualidad, focalizando en las estrategias de las compañías emergentes (Telefónica de Argentina y Telecom Argentina) para consolidar su posición dominante, bloqueando el ingreso de nuevos competidores y expandiéndose con fuerza a los nuevos sectores de negocios. Se postula que el esquema emergente del proceso privatizador ubicó a las compañías en una posición estructural privilegiada, que a su vez supieron consolidar y reforzar posteriormente en cada una de las coyunturas de cambio, influyendo efectivamente sobre los procesos decisorios de las políticas públicas sectoriales. De este modo, más allá de la liberalización del sector y su modificación con la expansión de nuevos servicios en régimen de competencia (telefonía móvil, provisión de acceso a Internet), de los vaivenes económicos y del cambio de los elencos gobernantes y de sus orientaciones políticas, ambas compañías han logrado mantener un sólido dominio compartido sobre un sector de negocios de vital importancia y altamente rentable. Palabras Clave: Telecomunicaciones, Telefónica de Argentina, Telecom Argentina, Empresas y Gobiernos Resumo: Este artigo investiga a evolução do mercado argentino de telecomunicações desde a privatização de ENTel até a atualidade, com foco nas estratégias das companhias emergentes (Telefónica de Argentina e Telecom Argentina) para consolidar a sua posição dominante, através do bloqueio da entrada de novos concorrentes e da expansão para novos sectores de negócios. Nossa hipótese é que o esquema emergente do processo de privatização deixou às companhias numa posição estrutural privilegiada, que a sua vez elas souberam consolidar e reforçar posteriormente em cada momento crítico de mudança, influindo efetivamente sobre os processos decisórios das políticas públicas setoriais. Assim, além da liberalização do sector e sua modificação com a expansão de novos serviços em regime de concorrência (telefonia móvel, provisão de acesso a Internet), das flutuações econômicas e da mudança dos elencos governantes e suas orientações políticas, ambas companhias conseguiram manter um sólido domínio compartilhado sobre um sector de negócios de vital importância e altamente lucrativo. Palavras-chave: Telecomunicações, Telefónica de Argentina, Telecom Argentina, Empresas e Governos

Abstract: This paper explores the evolution of Argentina's telecommunications market since ENTel's privatization until the present, focusing on the strategies of the incumbent companies (Telefónica de Argentina and Telecom Argentina) to consolidate their dominant position, by blocking the entrance of new competitors and expanding their presence into new business sectors. We hypothesize that the emerging scheme of privatization process has left the companies in a privileged structural position, which in turn they were able to consolidate at every critical juncture, effectively influencing on decision-making processes. In this way, beyond the sector' liberalization and modification through the appearance of new ∗

Universidad de Buenos Aires, Investigador del Programa de Historia Política y del Archivo de Historia Oral de la Argentina Contemporánea (AHO), Instituto de Investigaciones Gino Germani.

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services on a competitive basis (mobile telephony, Internet access provision), economic fluctuations and changes in governments' political orientations, these companies have managed to maintain a shared dominance under this critical and highly profitable business. Keywords: Telecommunications, Telef贸nica de Argentina, Telecom Argentina, Business and Government relations

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I. Introducción Este trabajo apunta a indagar la dinámica política que configuró la evolución del mercado argentino de telecomunicaciones desde la privatización de la Empresa Nacional de Telecomunicaciones (ENTel) hasta la actualidad. Para ello, se explora la interacción en el tiempo entre los intereses y estrategias de las compañías emergentes (Telefónica de Argentina y Telecom Argentina) y los actores políticos encargados de la toma de decisiones de las políticas públicas relativas al sector. Se parte de considerar exhaustivamente el esquema emergente de la privatización, bajo el supuesto de que es allí, en un proceso de negociaciones reservadas y discrecionales en el que los oferentes quedaron muy fortalecidos, que se configuró una posición estructural de dominio para las compañías, muy difícil de revertir posteriormente. Así, se dio origen a un monopolio compartido sobre todos los servicios de telefonía básica, con derechos exclusivos por un período muy prolongado, y un régimen tarifario que daba lugar a altas ganancias garantizadas. Asimismo, se autorizó a esas compañías a participar de otros servicios (existentes y por venir) en régimen de competencia, lo que les permitiría hacer uso de esa posición privilegiada para expandir su dominio hacia el “sector ampliado de las telecomunicaciones”. En este sentido, las compañías lograron posteriormente conservar y expandir su control sobre el sector en cada de las denominadas coyunturas críticas, circunstancias en las que esa evolución podría haberse modificado. Para ello, desarrollaron en general una acción concertada, coordinando sus estrategias frente al resto de los actores intervinientes. A lo largo de la convertibilidad, se destacaron los procesos de licitación de los sustitutos próximos y directos de la telefonía fija (telefonía celular y sistema de comunicaciones personales -PCS-), y el modo en que se produjo la liberalización del sector. Tras la crisis de 2001, las telecomunicaciones quedaron sujetas al tratamiento general que el Congreso dispuso para todas las privatizaciones (Ley de Emergencia Pública), que preveía la pesificación y el congelamiento de las tarifas, y el inicio de un proceso de renegociaciones contractuales, que se estipulaba debía ser “integral e histórico”. Sin embargo, terminó derivando nuevamente en un proceso de negociaciones reservadas, en el que los objetivos antiinflacionarios y políticos del gobierno se cruzaron con los de preservación de negocios de las compañías. A partir de allí, la estructura del sector quedó prácticamente “congelada”, limitándose el ingreso de potenciales competidores, en pleno provecho de las empresas dominantes.

Breve consideración teórico-metodológica

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Desde el punto de vista teórico, este trabajo se enmarca en la línea de estudios sobre las relaciones empresas y gobiernos (business and government relations), y más específicamente sobre las modalidades de acción política de los actores económicos (Lindblom, 1980; Torre, 1991; Acuña, 1994; Schneider, 2004 y 2009; Parsons, 2007; Murillo, 2009; Bonvecchi, 2011). La intención es dar cuenta de cómo los actores empresarios influyen en los procesos de decisión de políticas públicas, pero a la vez cómo las políticas públicas implementadas determinan la configuración de los sectores de negocios. Para ello, se toma en consideración un tipo particular de actor empresario, los proveedores privados de servicios públicos. Como destaca Murillo (2009), éstos suelen tomar a la acción política como un recurso y una estrategia crucial para la consecución de sus intereses económicos. La importancia que las decisiones de políticas públicas tienen para el desarrollo de sus negocios los lleva a procurar influir en forma directa sobre los procesos decisorios. Lo que se complementa con las características propias de esos actores, dotados de importantes recursos para la acción política: se trata de actores concentrados, por lo que están en mejores condiciones de concertar sus intereses y estrategias, y que manejan sectores económicos cruciales por su importancia estructural (insumos de uso difundido) y económica (nivel de actividad, de empleo, de pago de impuestos, de inversiones y promesas de inversión, etc.). Esto les otorga una capacidad privilegiada de acceso a los procesos decisorios. A los fines analíticos, no obstante, seguimos la advertencia que Torre (1998) retoma de Thomas y Grindle (1991), que sugiere poner el foco de atención en las elites gubernamentales, en tanto locus y actores privilegiados de la toma de decisiones, dado que a fin de cuentas tienen las responsabilidades constitucionales y administrativas para la implementación de las políticas. Desde allí, entonces, atendemos a sus relaciones con los actores económicos intervinientes en cada coyuntura. Finalmente, debemos tener en cuenta que el trabajo pretende indagar un proceso político de largo plazo, y a la vez abocarse al estudio de los procesos concretos de toma de decisiones (dado que es allí cuando se terminan definiendo los resultados de las políticas). Para ello, se utiliza la técnica de rastreo sistemático de procesos decisorios (Hall, 2003), procedimiento que procura dar cuenta de dos características básicas de los procesos políticos: su desarrollo a lo largo del tiempo y su impulso en base a agencia. A su vez, el enfoque de narrativas analíticas (Levy, 1997; Bates y otros, 1998) hace posible considerar tanto los procesos de largo plazo en su conjunto como las coyunturas críticas identificadas en su interior (Capoccia y Kelemen, 2006), por medio de una descripción consistente que

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pone énfasis no sólo en el marco institucional, sino también en la interacción de los objetivos, los recursos y las estrategias de los actores intervinientes1. II. El esquema de partida: la conformación de un monopolio amplio y prolongado sobre las telecomunicaciones argentinas

Las privatizaciones y la regulación pública desde una perspectiva política Las denominadas reformas estructurales, con las privatizaciones como punta de lanza, fueron anunciadas por Carlos Menem a los pocos días de asumir el gobierno, en medio de una emergencia profunda, que comprendía una fuerte crisis económica y de capacidades estatales. Eso asestaba un golpe formidable sobre la autoridad política, pues se hacía evidente la falta de capacidades de gobierno (Palermo, 1999). La adopción del programa reformista resultó uno de los componentes básicos de la estrategia política de Menem, centrado en la necesidad de generar recursos de gobierno para revertir esa descomposición. Así, a partir de la vinculación del mandato electoral recibido con un espacio político de acción ampliado ante la crisis, logró imponer sobre el resto de los actores sociales y políticos una fuga colectiva hacia adelante, que combinaba las políticas de ajuste y estabilización reclamadas con la implementación de las reformas (Palermo y Torre, 1992). Y ello, muy importante para el proceso aquí considerado, a través de una fuerte economía de capacidades institucionales: el gobierno logró concentrar el diseño de las políticas, verticalizar la ejecución, reducir el número de actores involucrados y simplificar al máximo los instrumentos y procedimientos utilizados (Palermo y Novaro, 1996)2. De esta forma, el extremo deterioro de las capacidades institucionales y de gestión estatales fue convertido en una “virtud” por el nuevo gobierno (Palermo, 1999): la

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Una falencia notoria de esta perspectiva analítica, focalizada en las relaciones entre los actores empresarios y los gobiernos, es que tiende a depreciar la influencia de otros actores relevantes sobre el proceso, como pueden ser los organismos multilaterales de crédito, los consultores técnicos o financieros internacionales, los gobiernos de los países de los propietarios de las compañías, los sindicatos u otros poderes estatales como el Congreso, la Justicia u organismos descentralizados. No obstante, la narrativa desarrollada procura resaltar aquellas instancias en las que las posturas de esos actores tuvieron una influencia decisiva sobre el proceso político considerado, principalmente en aquellos casos en los que se complementaron con las estrategias de los actores aquí estudiados. 2 Esto comprendió el casi inmediato desarrollo de poderes discrecionales por parte del Poder Ejecutivo, colocándose por sobre el Legislativo y el Judicial, mediante la aprobación de las leyes “ómnibus” de Reforma del Estado y de Emergencia Económica y la politización de la Justicia a través de la ampliación de la Corte Suprema. La Ley de Reforma del Estado autorizaba la privatización de una importante cantidad de empresas públicas (listadas en su anexo) por medio de decretos del Poder Ejecutivo Nacional (PEN), lo que posibilitó iniciar el proceso a gran velocidad desde el principio (Llanos y Margheritis, 1999). Asimismo, la supresión o reemplazo de órganos de control garantizó el avance sin inconvenientes y la politización de la Justicia reducir la capacidad de influencia de otros actores de veto institucionales y no institucionales (Gerchunoff y Torre, 1996).

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concentración de las capacidades decisorias en su cima y la simplificación de los requerimientos institucionales (simples decretos y resoluciones del Poder Ejecutivo Nacional -PEN-) hicieron posible una elevada discrecionalidad en la definición de las políticas a implementar y en los términos de negociación con los otros actores intervinientes. Ese rápido proceso fue crucial. Sin embargo, se presentaba la necesidad de sostenerlo en el tiempo. Apareció entonces la estrategia coalicional del presidente, destinada a lograr apoyo socioeconómico concreto para esos recursos de gobierno en formación (Palermo y Novaro, 1996). Así, emprendió la búsqueda de sustento efectivo por parte del “mundo de los negocios”, que todavía no se prestaba a brindar más que un apoyo difuso a las políticas lanzadas, dada su “sorpresiva reorientación” (Acuña, 1996). Es aquí donde el proceso de reformas en general y las privatizaciones en particular ocuparon un lugar central como parte de una estrategia política. En pleno contexto de crisis, el anuncio de un vasto programa privatizador fue una de las principales respuestas ofrecidas por el gobierno para ganar credibilidad en el mundo de los negocios y recomponer relaciones con los acreedores externos (Palermo y Torre, 1992; Palermo y Novaro, 1996). Así, la política privatizadora operó primeramente como una herramienta macroeconómica y fiscal, destinada a estabilizar la economía, privilegiándose la cancelación masiva de deuda pública externa con el propósito de superar el estrangulamiento financiero del sector público (Gerchunoff y Canovas, 1995; Kosacoff y Heymann, 2000). Pero fundamentalmente se convirtió en la herramienta de una estrategia política, destinada a lograr la incorporación efectiva de esos sectores como beneficiarios del programa privatizador, ofreciendo tanto la capitalización nominal de acreencias externas como seguros nichos rentísticos de negocios (Palermo, 1995; Schamis, 1999; Etchemendy, 2001; Basualdo y Azpiazu, 2002). De este modo, las privatizaciones aparecen desde el comienzo dominadas por una racionalidad política de corto plazo, que se impuso por sobre cualquier racionalidad macroeconómica (social o sectorial) de largo plazo (Palermo, 1999). Lo que contó con importantes repercusiones sobre los resultados obtenidos. La premura y abarcatividad con la que se implementó el proceso, en un contexto de crisis y con un gobierno débil dispuesto a emitir señales favorables, implicó por un lado el incremento del poder relativo y la capacidad de demanda de los grupos económicos interesados (Gerchunoff, 1993; Palermo, 1995). En un proceso de negociación abierta de los términos de transferencia, del que se tiene muy poca información pública, se terminaron definiendo aspectos cruciales de la estructura de los sectores de negocios emergentes, en general muy favorables a las nuevas operadoras (Schvarzer, 1993; Margheritis, 1999). Asimismo, se terminó otorgando un “tratamiento residual” (Oszlak y Felder, 1998; Spiller, 1998; Vispo, 1999) sino “funcional” (Abeles, Forcinito y Schorr,

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1998; Azpiazu y Basualdo, 2002) a la regulación pública, con definiciones precarias e imprecisas de los marcos regulatorios y de las capacidades de los entes. Esto implicó, en la generalidad de los casos pero en forma marcada en los que abrieron el camino, la conformación de posiciones privilegiadas para las compañías emergentes, que las dejó muy bien paradas de cara a la evolución posterior.

La privatización de ENTel como mascarón de proa La transferencia de la empresa de telecomunicaciones es considerada como el “buque insignia” o “mascaron de proa” que abrió paso a las privatizaciones posteriores (Palermo, 1995; Margheritis, 1999; Abeles, 2001). La misma permitiría dotar de legitimidad política al proceso en su conjunto, por medio de la presentación de un temprano ejemplo exitoso de transferencia, que a su vez registrara una rápida mejora del servicio (el mensaje era no sólo “se puede hacer”, sino que “privatizar sirve”). Como sostenían varios manuales del buen privatizador en boga, el ejemplo de BT en Inglaterra había enseñado que iniciar un programa

de

privatizaciones

de

más

vasto

alcance

con

las

compañías

de

telecomunicaciones nacionales tenía un carácter estratégico (Banco Mundial, 1989). Es que se trataba de un negocio con un horizonte promisorio, que tenía buenas posibilidades de atraer inversiones locales o externas (con el consecuente ingreso de capitales), que afectaba principalmente a sectores medios, y que en general conllevaba una rápida modernización y mejora del servicio (Duch, 1994; Wellenius y Stern, 1994; Khambato, 1998). El caso argentino se convirtió tempranamente en modelo (Ramamurti, 1996; Molano, 1997), con el anuncio casi inmediato a la asunción de Menem de la intención de venta de ENTel, como punta de lanza de un proceso de reformas de largo alcance destinado a “modernizar la estructura económica argentina”. La transferencia se puso a cargo de una interventora especialmente designada por el Presidente, María Julia Alsogaray, con reconocidas credenciales liberales y privatistas. Fue ella, junto con un grupo cerrado de asesores personales, quien tuvo a su cargo la mayor parte de las negociaciones con los potenciales interesados, en las que se definió de modo “interactivo” los rasgos de la transferencia y la estructura posterior del sector (Verbitsky, 1991; Schvarzer, 1993; Petrazzini, 1996; Margheritis, 1999)3. 3

Hacia el final del proceso, en un contexto de crisis que se prolongaba, ante el descontento social creciente por los aumentos tarifarios anunciados y los reclamos políticos a un Presidente que todavía no había logrado un control pleno sobre sus “fuerzas propias” (los legisladores y los sindicatos peronistas), la interventora fue desplazada de la toma de decisiones, y las negociaciones se centraron en los propios Ministros de Obras y Servicios Públicos y de Economía, Roberto Dromi y Erman González. Eso no implicó sin embargo una revisión de las decisiones ya tomadas: el foco

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La estrategia del gobierno se suscribió a la regla de oro de concretar la operación de venta lo antes posible, procurando a la vez valorizar al máximo el negocio a transferir. Esto le permitiría enviar una clara señal sobre sus renovadas intenciones pro-mercado al mundo de los negocios, a la vez que conseguir un alivio relativo en la situación fiscal (vía el ingreso de efectivo en divisas) y un acercamiento con los acreedores externos (a través de la capitalización de títulos de deuda). La regla suponía concretar la operación en corto plazo, lo que fue asumido como una autoimposición por el elenco gobernante, y terminó incrementando aún más el poder de negociación de los grupos interesados (Palermo, 1995; Hill y Abdala, 1996; Margheritis, 1999). Se dio así origen a una dinámica de interacción directa entre el gobierno y los potenciales interesados (tanto grupos económicos locales y extranjeros como bancos acreedores), en la que por medio de negociaciones reservadas se procedió a consensuar los términos de transferencia. A lo largo de ese proceso, se terminó tomando una serie de decisiones cruciales sobre los términos de venta y la estructuración posterior del sector, mucho más orientadas a “sacarle brillo a las joyas” (entrevista Rodolfo Barra, AHO) para atraer y retener a los inversores interesados que a consideraciones sociales o sectoriales. Miradas retrospectivamente, cada una de esas decisiones resultaron en la conformación de una posición estructural de dominio para las compañías emergentes, sobre la cual éstas se montaron hábilmente para condicionar la evolución posterior. Consideramos brevemente a continuación las principales decisiones cruciales que permitieron la configuración de un esquema de partida tan privilegiado para las incumbentes.

Las decisiones cruciales durante la privatización: la formación un monopolio amplio y prolongado con ganancias extraordinarias • Dos empresas separadas sin competencia: la división regional de ENTel para su privatización. Se analizaron inicialmente divisiones más grandes en base a la experiencia internacional (principalmente la decisión en Estados Unidos en 1982 de dividir la AT&T, dando lugar a la emergencia de las denominadas Baby Bells); se llegó a tres zonas en una primera versión del pliego; finalmente quedó en dos áreas. En esto pesaron las

estuvo puesto en las tarifas fijadas a partir de la privatización, y más allá del anuncio de que se reducirían los aumentos acordados, el modo en que se definió su actualización por inflación implicó mantenerlos. Lo que sí se resolvió en esa etapa final fue el cambio de uno de los adjudicatarios, con la salida de la estadounidense Bell South por el consorcio liderado por Telecom Italia y France Telecom. Al respecto, se ha sostenido que la compañía italiana contaba con muy buen acceso al ministro Dromi y que el gobierno italiano intercedió en forma directa sobre el presidente argentino (Clarín, 30/10/199).

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recomendaciones de las consultoras externas (Marino, 1991), bajo el argumento de que de este modo se compensaba la intención de multiplicar el número de participantes en la licitación con la de generar compañías lo suficientemente grandes como para atraer a los inversores, y promover una suerte de “competencia por comparación” entre los dos operadores con reservas de mercados regionales (es decir, sin competencia). Por otro lado, se suponía que esas dos compañías de gran tamaño iban a competir efectivamente entre sí una vez finalizado el plazo de exclusividad (Mairal, 1994; Wellenius, 1994). • Un control amplio sobre el sector: los servicios de telecomunicaciones que se incluyeron en las empresas a transferir. Se otorgaron derechos exclusivos (regionales) sobre la totalidad de la telefonía básica, la cual fue definida en forma amplia, integrando los servicios de comunicaciones locales, urbanas e internacionales a través de enlaces fijos. Esto contradecía las recomendaciones internacionales, que aconsejaban separar los mercados con mayor posibilidad de introducción de competencia, como llamadas internacionales e incluso interurbanas (Wellenius y Stern, 1994). A esto se incorporaron los servicios de telex y transmisión de datos a nivel internacional, también en exclusividad temporal. Finalmente, se brindó a las licenciatarias la posibilidad de participar, en régimen de competencia, en otros servicios existentes (como telefonía celular en el AMBA, telex y transmisión de datos a nivel nacional y radio móvil marítimo) así como en nuevos servicios que aparecieran no incluidos en la definición de telefonía básica4. • Un monopolio prolongado: la duración de los derechos exclusivos sobre telefonía básica. A cada empresa se le otorgó reservas de mercado en sus respectivas áreas por un plazo mínimo de 7 años, con posibilidad de extenderlas por 3 años más en caso de cumplir con las metas de expansión y calidad (las que a su vez, fueron establecidas muy débilmente). A pesar de la retórica desmonopolizadora con la que se anunció el proceso, se consideró desde el principio un plazo de reserva de 5 años, que se extendió prontamente ante una demanda que los interesados repetirían de ahí en adelante: como una contrapartida a los requerimientos de expansión y ante el muy incierto contexto macroeconómico del país (Urtizbondo, 1999). Poco se dijo entonces de su consecuencia: reservas tan prolongadas les garantizaban a las compañías ventajas de precedencia insoslayables ante la liberalización posterior, que serían muy difíciles de revertir aún con medidas activas de asistencia al ingreso de nuevos competidores. A su vez, esto se reforzaba con la posibilidad de que las empresas con servicios en reserva pudieran

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Esto, como veremos, fue muy importante posteriormente pues se vio reflejado en el ingreso de las adjudicatarias a los mercados de PCS y de provisión de acceso a Internet, claros exponentes de esos nuevos servicios por venir.

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participar en los otros servicios en régimen de competencia (lo que también contradecía las recomendaciones internacionales). • Una compra barata: el precio base fijado para cada empresa, la modalidad de capitalización de acreencias, y la adopción por parte del Estado de los pasivos existentes. La literatura, en un espectro que cubre de los más críticos (Azpiazu y Basualdo, 2002) a los más expectantes (FIEL, 1999), coincide en que el precio final pagado fue muy bajo: US$ 214 millones en efectivo y US$

5028 millones de títulos de deuda a valor nominal (con

cotización de mercado de entre el 14 y el 19 %). Asimismo, la empresa se transfería sin pasivos, los que incluso se habían incrementado considerablemente durante la transferencia, tanto por la “racionalización” encarada como por la instalación de líneas no habilitadas que recibieron las nuevas prestatarias (Gerchunoff y otros, 1993; Herrera, 1998). Esta significativa subvaluación de los activos transferidos implicó una inversión de ingreso muy baja para las nuevas propietarias, que pudieron recuperar muy rápidamente, lo que les permitió disponer prontamente de las ganancias obtenidas. • Ganancias garantizadas I. Tasa de retorno: la incorporación de una tasa de retorno del 16 % garantizada para las compañías, lo que incluía la posibilidad de obtener un subsidio estatal en caso de que no se alcanzase. Al respecto, es muy interesante remarcar la renuncia expresa por parte de las operadoras a esa garantía entre la adjudicación y la firma de los contratos de transferencia. Cabe preguntarse qué las llevó a renunciar, y la respuesta quizá provenga de que pudiera implicar a su vez una “revisión” en caso de que esa rentabilidad se superase (Abeles, 2001). • Ganancias garantizadas II. Tarifas: el mecanismo de regulación tarifaria adoptado y la fijación de la tarifa de partida. Se estableció que las tarifas se regularían mediante un mecanismo de price cap o precio tope, que implicaba una disminución gradual de las tarifas en base a un coeficiente de eficiencia que tuviera en cuenta las ganancias futuras de productividad. Esto hacía central la definición de las tarifas de partida, sobre las cuales se harían las adecuaciones posteriores, sea por variación de costos o por el coeficiente de eficiencia. Buena parte de la literatura coincide en que las mismas fueron fijadas demasiado elevadas (Gerchunoff y otros, 1993; Schvarzer, 1993; Palermo, 1995; Margheritis, 1999; Abeles, Forcinito y Schorr, 1998; Azpiazu, 2003), de modo que por un lado quedaron neutralizados los efectos potenciales del coeficiente de eficiencia, a la vez que se garantizó la obtención de ganancias extraordinarias para las operadoras a lo largo de todo el período que rigió ese mecanismo (al menos, hasta la segunda etapa de la liberalización en noviembre del 2000). Como remarca Abeles (2001), previo a la transferencia la interventora aplicó un incremento de tarifas medido en dólares cercano al 700 % (mientras que la

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inflación mayorista fue de 450% y la variación del tipo de cambio fue del 235 %): el precio del pulso expresado en dólares pasó de 0,47 centavos a 3,81 centavos5. • Ganancias garantizadas III. Indexación: los mecanismos de ajuste de tarifas. Inicialmente se definió un ajuste mensual en relación a la variación del IPC, pero producto de la fuerte variación del tipo de cambio registrada a fines del ‘89 y comienzos del ‘90, para la firma de los contratos las adjudicatarias solicitaron un mecanismo mixto que contemplara una ponderación las variaciones del IPC y del tipo de cambio que finalmente se implementó. • Ganancias garantizadas IV. Apropiación de la eficiencia futura: La definición del coeficiente de eficiencia previsto en el price cap. Se definió, sin mediar ninguna metodología de cálculo concreta (Abeles, Forcinito y Schorr, 1998), un coeficiente fijo del 2 % que sería aplicable recién después del tercer año de concesión, y que aumentaba al 4 % para el cuarto año, cuando era previsible una mejora sustancial de la productividad (tanto por la “racionalización” de la empresa como por las modernizaciones tecnológicas). • Racionalización de la empresa previa a la transferencia I: los proveedores. Existía un acuerdo previo con Italia por el Digi II (instalación de una red de fibra óptica en el Área Metropolitana de Buenos Aires -AMBA-) que los oferentes querían dejar de lado y finalmente se cumplió en forma muy restringida. Pero principalmente se dio lugar a la renegociación de los contratos de provisión preestablecidos y se estableció la libertad de compra, (dejando de lado toda regulación del estilo “compre nacional”). De este modo, las compañías emergentes renegociaron por un lado contratos vigentes con bajas de hasta el 50 %, a la vez que iniciaron nuevos convenios con proveedores externos, en muchos casos compañías vinculadas o que ya tenían acuerdos con las casas matrices de la operadoras. La llave de cambio habría sido la autorización a los proveedores y a los contratistas para participar en los consorcios, lo que se reflejó fuertemente en los grupos adjudicatarios (Verbitsky, 1991; Herrera, 1992 y 1998).

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Hay aquí una discusión sobre que en realidad semejante aumento de taritas era lo adecuado pues se estaba modificando la forma de financiamiento de la empresa: durante la gestión estatal, y especialmente en los últimos años, la empresa “colocaba” las tarifas principalmente en base a motivaciones políticas (podían ser utilizadas como herramienta antiinflacionaria, o como subsidio encubierto social o sectorial -tarifa social, subsidio a la producción-). Y en general, particularmente en los últimos años, la recaudación se destinaba a cubrir las necesidades operativas de la empresa, mientras que la inversión (si había) se financiaban por otros medios (aportes del Tesoro o créditos tomados por la empresa) (Gerchunoff y Castro, 1993). La privatización implicaba pasar a una tarifa de mercado, que cubriera las necesidades operativas y de inversión (FIEL, 1999). No obstante, según la mayor parte de la literatura, las compañías elevaron sustancialmente las previsiones económicofinancieras que presentaron al gobierno para poder desarrollar el negocio, principalmente cuando ya se había definido quiénes eran los adjudicatarios y se acercaba el momento de hacerse cargo de la empresa. De hecho, la parte más considerable de este aumento se resolvió ahí, luego de la adjudicación y antes de la transferencia (y, como vimos, aunque luego se anunció su reversión finalmente no se produjo).

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• Racionalización de la empresa previo a la transferencia II: el plantel de empleados, las condiciones laborales y el “problema sindical” en general. Bajo la estrategia de “sacarle brillo” al negocio, el gobierno debía dar cuenta de lo que en general podemos denominar problema laboral. Se trababa de una empresa con una importante planta de empleados, con un sindicato único (Federación de Obreros y Empleados Telefónicos de la República Argentina - FOETRA) y con una serie de beneficios adquiridos (como estabilidad laboral, descuento en tarifas telefónicas, condiciones de trabajo) que los diferenciaba del sector privado (Brinkman, 1999; Senen Gonzalez, 2000). La estrategia del gobierno para resolver el “problema” comprendió cinco componentes, en una lógica de premios y castigos (Palermo, 1995; Margheritis, 1999): la reglamentación del derecho a huelga en los servicios públicos; la cooptación del titular de FOETRA, Julio Guillán, nombrado Subsecretario de Comunicaciones; la suspensión del convenio colectivo y la pérdida de los beneficios para los empleados; la expulsión de personal, bajo modalidades diversas como jubilación anticipada, retiro voluntario o despido; y la inclusión del Programa de Propiedad Participada. Lo cierto es que, en un contexto de caos y de aceptación social del proceso de privatización, la oposición gremial no logró nunca articularse como un poder de veto a la transferencia (Palermo, 1995; Senen González y Bosoer, 1999). Las nuevas empresas, sobre la base del “trabajo” realizado por el gobierno, negociaron la suscripción de nuevos convenios colectivos entre 1991 y 1992, mucho más restrictivos que los anteriores (Pierbattisti, 2008).

Esta dinámica de negociaciones se recogió institucionalmente en una sucesión de decretos modificatorios y revisiones sobre los contratos de transferencia que prosiguió hasta el momento mismo de la adjudicación (Verbitsky, 1991; Beker y otros, 2001). Y que derivó finalmente en la conformación de un esquema de mercado particular. Se constituyeron dos grandes empresas de telefonía básica con monopolios regionales por un período prolongado (mínimo de 7 años, con posibilidad de 3 años adicionales): Telefónica en la región sur del país y Telecom en la región norte, distribución que se repetía en el AMBA. Para comunicaciones telefónicas, telex y transmisión de datos a nivel internacional se creó una empresa de propiedad compartida (Telintar), con los mismos plazos de reserva de mercado. Finalmente, para la prestación de otros servicios en régimen de competencia se conformaron otras dos empresas de propiedad compartida: Startel para telex y transmisión de datos a nivel nacional y radio móvil marítimo, y Miniphone para la provisión de telefonía móvil celular en el AMBA (donde pasó a competir con Movicom, a quien se le había adjudicado el servicio en 1988).

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Como sostiene Forcinito (2005), “este diseño originario de la estructura de mercado [...] presentaba fuertes inconsistencias con vistas a la ulterior apertura del mercado a nuevos operadores, en la medida en que promovía la integración vertical y horizontal de las empresas, en lugar de la separación de los segmentos más competitivos de los monopólicos (como los servicios de transmisión de datos y el servicio básico telefónico) y/o la desagregación de la prestación del servicio básico de corta y larga distancia nacional e internacional con el fin de promover una competencia oligopólica, que era admitida crecientemente en la prestación de éstos últimos”. Sucede que, considerado desde el punto de vista del gobierno, su estrategia distaba del mero interés de promover la posterior introducción de competencia en el sector (Gerchunoff, 1993; Petrazzini, 1996; Abeles, Forcinito y Schorr, 1998). En cambio, se orientaba principalmente a concretar la operación en muy corto plazo y en maximizar en lo posible el precio de venta. Desde aquí, es entendible que, como forma de valorizar el negocio, se decidiera mantener los “privilegios heredados” del monopolio estatal: las reservas de mercado sobre los servicios exclusivos. Asimismo, que se haya otorgado a las nuevas empresas la posibilidad de ingresar en otros sectores en competencia, lo que les permitiría extender su posición dominante hacia el “sector ampliado de las telecomunicaciones” (Schorr, 2001). Todo lo cual permitía prever una rentabilidad excepcional para las nuevas empresas, reflejada en sus elevadas tasas de ganancia. Éstas a su vez se veían “garantizadas” desde el inicio mediante el incremento de las tarifas de partida y la instauración de un coeficiente de eficiencia muy bajo y aplicable recién años después, neutralizando las ventajas potenciales del sistema price cap. Así como todas las medidas de “racionalización” previa de la empresa, en relación al pasivo, los proveedores y el “problema laboral” en general. Desde el lado de los actores económicos, la dinámica de negociaciones con un gobierno débil en contexto de crisis, condicionado a su vez al cumplimiento de su propia regla de autoexigencia temporal, hizo posible la aparición (por vez primera y en grado extremo) de un rasgo de los procesos de privatización y regulación que se repetiría continuamente en los años siguientes: el “oportunismo empresario” (Thwaites Rey y López, 2001). Se trata de “[...] utilizar la debilidad ocasional del Estado en un determinado momento para imponerle condiciones más que beneficiosas para los privados” (3). Utilizando para ello diferentes tipos de amenaza, como el peligro de que no se concrete el proceso de transferencia, el “abandono” de una concesión, o la negociación de la realización de inversiones económica o políticamente bien vistas en el corto plazo por la concesión de nuevas ventajas particulares (como una extensión de plazos de reserva o concesión). Ese

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oportunismo empresario fue hábilmente empleado por los consorcios de Telefónica y Telecom al momento de la definición de las condiciones de transferencia, y lo continuaron aplicando eficazmente en cada una de las decisiones cruciales relativas al sector. Finalmente, esta dinámica política permite comprender también el “tratamiento residual” o “funcional” otorgado a la regulación pública sectorial, en provecho de las compañías reguladas. En medio de la premura, e inserto en un discurso privatista que entendía que con el simple paso de la actividad al ámbito del mercado mejoraría la eficiencia, se consideró innecesario “perder tiempo” en esas tareas (entrevista a Rodolfo Barra, AHO). De este modo, recién se concretó la creación del ente regulador después de la transferencia, y éste no entró en plenas funciones sino hasta meses más tarde (la Comisión Nacional de Telecomunicaciones, luego transformada en Comisión Nacional de Comunicaciones). Además, no se estableció una adecuada definición de sus capacidades y competencias, ni de sus relaciones con otros organismos del gobierno (específicamente el PEN, directamente por Presidencia o a través de la Secretaría de Comunicaciones). Como resalta la literatura sobre el tema (López y Felder, 1998; Oszlak y Felder, 1998; Spiller, 1998; Vispo, 1999), a lo largo de los dos gobiernos de Menem el organismo no contó nunca con autonomía respecto al PEN, que como veremos no sólo lo intervino por largo tiempo y en repetidas ocasiones, sino que también transfirió muchas de sus funciones a la Secretaría de Comunicaciones (principalmente las de determinación de las políticas de regulación, dejando en manos del ente las de control). III. La expansión del dominio: las decisiones cruciales durante el período de exclusividad. Los privilegios monopólicos y regulatorios que recibieron las compañías como resultado del proceso de transferencia no sólo fueron conservados sino que lograron incrementarlos posteriormente, por medio de un accionar concertado (Petrazzini, 1996) en una lógica similar de negociaciones discrecionales con el gobierno. Exponemos a continuación las principales decisiones del período que permitieron a las compañías consolidar sus ventajas de precedencia e incluso reforzarlas, aumentando la garantía de ganancias extraordinarias, frenando la entrada de nuevos jugadores e ingresando en nuevos sectores del negocio. • La dolarización de las tarifas: la modificación del mecanismo de ajuste tarifario. La Ley de convertibilidad de febrero de 1991 prohibió expresamente todas las indexaciones en la economía (lo que junto con la fijación del tipo de cambio era su objetivo central). Inmediatamente, comenzaron a circular rumores respecto a su aplicación a las compañías privatizadas y a las telefónicas en particular, dado que los contratos de transferencia

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establecían expresamente mecanismos de indexación y las empresas sostenían que en caso de aplicarse se entraría en flagrante violación (entrevistas a Horacio Liendo y a Juan José Llach, AHO). Se inició entonces un nuevo proceso de negociaciones directas entre las empresas y el Ministerio de Economía (por medio de la flamante Subsecretaría de Privatizaciones), que dio lugar a una suerte de “acuerdo de caballeros”. Por un lado, las empresas aceptaban no actualizar sus tarifas, dejando de lado el mecanismo de indexación. A cambio, recibían la diferencia por la reducción del IVA imputable a sus servicios del 16 % al 8 % sin la modificación de las tarifas a los usuarios, lo que representó un sacrificio de los ingresos fiscales del gobierno a favor las empresas (Herrera, 1992; Gerchunoff, 1993). Efectivamente, de marzo a noviembre de 1991 las telefónicas no realizaron ninguna actualización tarifaria, período en que no obstante se registró una “inflación residual” cercana al 80 %. Las compañías volvieron a la carga, y se emprendió un nuevo proceso de negociaciones reservadas, que culminaron en la sanción en noviembre del decreto 2.585/91 del PEN. El mismo establecía “la conveniencia de expresar el valor del pulso telefónico en dólares”, e incorporaba un nuevo mecanismo de indexación, sosteniendo que “es legalmente aceptable contemplar las variaciones de precios en otros países de economías estabilizadas como, por ejemplo, los Estados Unidos”. Esa decisión resulta de extrema importancia porque es el primer caso de tarifas de un servicio público que fueron fijadas en dólares y actualizadas según la inflación de los Estados Unidos, lo que posteriormente fue tomado como punto de partida en los contratos de otros casos de privatización. Asimismo, fue muy significativo para explicar tanto las ganancias extraordinarias de las compañías a lo largo de la convertibilidad como la evolución dispar de los precios relativos (pronto la inflación local pasó a ser menor que la de los EUA, lo que se empeoró todavía más en los años finales de la convertibilidad, cuando hubo deflación a nivel local). Esta nueva garantía de ganancias excepcionales terminó otorgando a las compañías incumbentes el respaldo económico necesario tanto para consolidar su dominio como para expandirlo a nuevos sectores durante la convertibilidad (Schorr, 2001). Finalmente, esa cláusula fue una de las principales

argumentaciones

de

las

compañías

para

la

presentación

de

juicios

internacionales ante el CIADI luego de la pesificación de 2002. • Reapropiación de la eficiencia: la incorrecta aplicación del coeficiente a las tarifas. A partir de renegociaciones opacas entre el gobierno y las compañías, y en abierta contradicción con las normas, se definió primero una prórroga adicional de un año para su implementación, y posteriormente se permitió su “aplicación compensada”, posibilitando que

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se aplique sólo a las llamadas internacionales (que ya estaban más expuestas a la competencia -a través del sistema call back- y se preveía irían bajando de precio) y exceptuando a las llamadas locales (en reserva). Esta posibilidad de compensación entre servicios, prohibida en la normativa original y viabilizada por un decreto del PEN, es lo que posteriormente hizo posible el modo en que se aplicó el rebalanceo tarifario (Abeles, Forcinito y Schorr, 1998). • Readecuación de las tarifas de cara a la liberalización: la implementación y definición del rebalanceo tarifario. Se postula en las recomendaciones internacionales que como paso previo a los procesos de liberalización de los mercados de telecomunicaciones se realice un rebalanceo de tarifas, de modo de evitar que los operadores preexistentes apliquen subsidios cruzados entre servicios, imponiendo tarifas predatorias en algunos segmentos (los más abiertos a la competencia) para obstaculizar el ingreso de nuevos jugadores (Rozenwurcel, 1999). Eso se empezó a discutir en 1995, y derivó en la intervención de la CNT por parte del gobierno, dada la postura contraria de sus funcionarios concursados a implementar esa política (Vispo, 1999). Finalmente en 1997, producto de negociaciones discrecionales entre las compañías y el gobierno (a través de la Secom y de la CNT intervenida), se lo puso en práctica, pero de modo contrario a los postulados internacionales. Con la apertura en el horizonte, se procedió a incrementar las tarifas de las llamadas locales –todavía reservadas, y con una mayores barreras a la entrada de competencia− en relación a las interurbanas e internacionales – prontas a la liberalización, y con mayores competidores potenciales−. Es decir, las telefónicas obtuvieron un incremento de precios en los segmentos más cautivos (aún luego de la liberalización), a la vez que se dio una rebaja en el que se podía prever habría mayor competencia (lo que por un lado hacía presuponer que los precios bajarían igualmente, pero además reducía los incentivos para los ingresantes y habilitaba a las incumbentes a la aplicación de subsidios cruzados desde el segmento más caro y cautivo) (Forcinito, 2001)6. Estas medidas se fundaron sobre el decreto anterior que permitía la compensación entre tipos de servicio. Lo cierto es que uno de los presupuestos del rebalanceo era mantener la neutralidad, que los ingresos de las compañías no se incrementen, y esto claramente no fue así, sino que se elevaron considerablemente (Azpiazu, 2003).

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Por otro lado, otro de los aspectos que comprendió el rebalanceo fue el incremento relativo de las tarifas de usuarios residenciales en relación a usuarios comerciales (se aumentó el abono y se eliminaron los minutos libres), lo que puede explicarse a partir de las políticas de tipo “devaluación fiscal” impulsadas por el gobierno, orientadas a elevar la competitividad de la economía argentina sin alterar la convertibilidad (Gerchunoff y otros, 2003).

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• La expansión en telefonía móvil y el bloqueo a la competencia: la adjudicación de licencias del Sistema de Comunicaciones Personales (PCS). Se trata de un proceso bastante extenso que merece un estudio propio sobre el modo en que se dio la interacción de los actores intervinientes (las propias Telefónica y Telecom, pero también las compañías que venían brindando telefonía celular –Movicom y CTI−, otras empresas interesadas en ingresar al sector, el Gobierno y la Justicia, entre otros) pero que supera los límites de este trabajo. Se presenta aquí sucintamente focalizando en el modo en que la resolución de ese proceso permitió a las compañías analizadas reforzar su posición de privilegio en el sector de las telecomunicaciones. La tecnología PCS, a diferencia de la celular, constituye un sustituto directo de la telefonía básica, dado que permite brindar tanto servicios de telefonía móvil como fija a precios competitivos. “De allí que la política de concesiones de nuevas licencia para el servicio de telefonía fija y móvil mediante esta tecnología constituyera un aspecto regulatorio estratégico desde una perspectiva de mediano/largo plazo, en la medida que abriría la posibilidad a que otras empresas lograran ingresar al mercado y, por lo tanto, erosionasen en alguna medida la posición dominante que las LSB [licenciatarias del servicio básico] heredaban del período de exclusividad” (Forcinito, 2001, 246). De hecho, así fue concebida inicialmente por la Secretaría de Comunicaciones, que en 1995 lanzó por primera vez un llamado a la concesión de licencias para la región del AMBA. Esa convocatoria pronto fue suspendida por una serie de acciones judiciales interpuestas por las compañías de telefonía celular (Miniphone, compartida por Telefónica y Telecom, y Movicom), que sostenían que contaban con la exclusividad para la prestación de servicios de telefonía móvil7. Tras esas demandas, el gobierno congeló la iniciativa. Dos años después, sin mediar ninguna resolución, volvió a convocar (Decreto 92/97) a un proceso para otorgar dos licencias para el servicio en el AMBA, con las que se podría comenzar a prestar telefonía móvil inmediatamente y telefonía fija una vez finalizado el período de exclusividad (que, como veremos, había sido extendido hasta 1999). Y un rasgo central de esa normativa, en consonancia con lo arriba descripto, es que se excluía del mismo a los operadores del servicio básico telefónico y a sus empresas vinculadas. Parecía que finalmente se iba a abrir paso a un esquema de competencia en el mercado de telecomunicaciones. Sin embargo, la convocatoria fue otra vez impugnada judicialmente por las compañías, y el proceso se suspendió. 7

Sostenían que la concesión original a Movicom le otorgaba la exclusividad para estos servicios en el AMBA hasta el 2003. Por su parte, la normativa de la transferencia de ENTel sostenía simplemente que los “nuevos servicios telefónicos” (aquellos no incluidos en la definición de telefonía básica) se prestarían en régimen de competencia, y que las adjudicatarias podían participar.

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Sorpresivamente el año siguiente, el mismo día que se dictó el Decreto que reglamentaba el Plan de Liberalización de las Telecomunicaciones (264/98), se dio a conocer el Decreto 266/98, que volvía a convocar a la concesión de licencias, tanto para el AMBA como para las dos regiones del interior del país (12 licencias en total, 2 en el AMBA y 4 en cada una de las regiones), y que permitía la participación de las telefónicas. Y se establecía un método de subasta por mayor oferta. Los manuales de economía enseñan que en situaciones de este tipo, que tratan de un mercado protegido con operadores preestablecidos y concentrados, éstos tienden a maximizar sus ganancias no de modo marginal, sino obstaculizando el ingreso de nuevos jugadores (Robinson, 1973). Era de esperar que los operadores preestablecidos (principalmente las compañías telefónicas de las que estamos tratando -que operaban en varios segmentos del mercado- pero asimismo las de telefonía celular que también se enfrentaban a un sustituto directo), con el horizonte de liberalización cercano, presentaran las mejores ofertas. Pero asimismo se incorporó en los pliegos la posibilidad de que las compañías preestablecidas pudieran mejorar la oferta, incluso aunque no hubiera un empate técnico. De este modo, el diseño de la licitación resultó un “traje a medida” (Forcinito, 2001) para las empresas preestablecidas, y principalmente para Telefónica y Telecom, que eran quienes más tenían por perder tanto con este sustituto directo como con la liberalización que se avecinaba. Explicar esta situación resulta complicado. Se debe tener en cuenta el contexto de un gobierno saliente y la tentación de definir la estructura futura del mercado antes de irse. ¿Qué frutos obtendría el gobierno a cambio de otorgar tantos beneficios? La literatura no ofrece respuesta clara a esto, y en general se menciona el poder de los grupos económicos concentrados para promover sus intereses (Schorr, 2001; Azpiazu, 2003). • La extensión del monopolio y la asimetría defensiva de cara a la liberalización: la ampliación del período de exclusividad para los servicios de telefonía básica y el Plan de Liberalización de las Telecomunicaciones. Cuando en noviembre de 1997 finalizaron los siete años del período de exclusividad, el gobierno no dio a conocer ninguna resolución sobre el tema. Recién en marzo de 1998, por medio del Decreto 264/98 (conocido como Plan de liberalización de las Telecomunicaciones) se dio una definición acerca de la prórroga, a la vez que se establecía el modo de la apertura posterior. En cuanto a la prórroga, se dispuso de modo parcial, debido al cumplimiento irregular de las metas de inversión (se había dado una fuerte expansión de la red, pero de modo muy desigual a nivel regional): se estableció que las compañías conservaran sus reservas de mercado por dos años más, tras lo cual habría otro año de apertura restringida.

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Esa apertura comenzaría en noviembre de 1999, con el ingreso dos nuevas compañías que serían seleccionadas por licitación. Los consorcios que quisieran participar debían estar integrados por operadores de servicios de telefonía móvil, operadores de redes de televisión por cable y operadores telefónicos independientes (las cooperativas). Esto se justificaba en la necesidad de que las nuevas empresas ya contaran con infraestructura instalada. No obstante, constituía en la práctica otro “traje a medida” (Forcinito, 2001), en este caso a favor de las compañías de telefonía celular: en los hechos, los dos consorcios iban a tener que incluir a Movicom y a CTI. Puesto en perspectiva, puede entenderse como una suerte de compensación, tanto por la extensión del período de exclusividad a las telefónicas como por la definición que se había dado a la licitación de PCS. Más importante para los intereses de las compañías que estamos analizando son las disposiciones que se tomaron con respecto a la segunda etapa de apertura, la liberalización plena prevista para noviembre de 2000. En el Reglamento General de Licencias y el Plan Nacional de Licencias se fijaron los requisitos y obligaciones que deberían cumplir los potenciales ingresantes. En la práctica, constituían importantes barreras a la entrada, cuando las recomendaciones internacionales indican lo contrario, la conveniencia de políticas de incentivo al ingreso de nuevos operadores. Entre estas barreras se destacan la exigencia de licencias particulares para cada tipo de servicio (lo que requería la acumulación de licencias para poder prestar distintos servicios); los elevados requerimientos patrimoniales; los altos niveles mínimos de inversión comprometida y las

metas de

cobertura sumamente exigentes a los pocos años. A su vez, no se instrumentaba ningún mecanismo de “asistencia indirecta”, como la obligación de arrendamiento de redes, la fijación de las condiciones de interconexión, la portabilidad numérica de los usuarios o el sistema de selección directa del operador de llamadas internacionales (Castro Rojas, 2000; Forcinito, 2001; Aguiar, 2007). De esta forma, el proceso de liberalización promovido por el gobierno de Menem instauró efectivamente una regulación asimétrica, pero que al contrario de las recomendaciones habituales beneficiaba a los actores preestablecidos y no a los ingresantes. Nuevamente, la explicación de esta situación no es sencilla. Sin duda, se trató de una política conjunta con la licitación de PCS, tendientes a definir el esquema futuro del negocio antes de la entrega del mando. Los objetivos del gobierno, que definió ambas políticas discrecionalmente por medio de la Secretaría de Comunicaciones dependiente del PEN, no son fáciles de dilucidar. Por su parte, las compañías emergentes quedaban muy fortalecidas de cara a la apertura: su monopolio sobre el servicio básico había sido extendido, la

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liberalización que se avizoraba dificultaba el ingreso de competencia y habían expandido su negocio sobre el potencial sustituto directo (el sistema PCS). III. Resistiendo los cambios institucionales: la redefinición de la liberalización durante el gobierno de La Alianza. El gobierno de Fernando de la Rua asumió en diciembre de 1999 con un fuerte discurso de cambio a nivel institucional, orientado a priorizar el funcionamiento de las instituciones por sobre la toma de decisiones personalizadas y discrecionales (que se denunciaba había potenciado la corrupción). Lo que se estimaba impactaría en relación a las compañías privatizadas, por lo menos en lo referido a la regulación pública. Más allá de eso, así como se postulaba la continuidad del esquema económico (básicamente de la Convertibilidad y la apertura económica), no se anunciaban modificaciones de importancia respecto a las empresas de servicios públicos. No se mencionaba una reversión del proceso, y apenas se refería a los elevados niveles de ganancia y a los altos precios relativos de las tarifas producto de su dolarización e indexación (Novaro, 2010). En el caso que nos ocupa, el gobierno de la Alianza no modificó la estructura de precios relativos establecida mediante el polémico rebalanceo tarifario, ni la dolarización e indexación de las tarifas. Esos, sin duda, constituyen dos grandes triunfos de Telefónica y Telecom, que mantuvieron así protegidos sus intereses de ganancias, consolidando su posición de fuerza ante eventuales competidores. En cuanto a la política de liberalización, en septiembre de 2000 se sancionó el Decreto 764/2000, que daba de baja las decisiones del gobierno anterior y establecía una nueva normativa para el sector (vigente en la actualidad). La misma comprendía una mejora nominal en el esquema regulatorio con vista a la liberalización del sector y el ingreso de competencia, flexibilizando los requerimientos para acceder a licencias nacionales de telecomunicaciones. Se definió una licencia única para todo tipo de servicios de telecomunicaciones (lo que suprimía la segmentación anterior), se redujeron los requerimientos de patrimonio e infraestructura propia, se estableció la obligatoriedad de reventa de servicios y arrendamiento de redes (que no existía), y se dio una mejor definición de las condiciones de interconexión y sus precios (Forcinito, 2001; Aguiar, 2007). No obstante, en un contexto de crisis económica creciente, con un gobierno débil cada vez más sensible a las demandas “oportunistas” de las compañías establecidas, la mayoría de esos aspectos no tuvieron reglamentación posterior, y nunca fueron aplicados (Krakowiak, 2005; Forcinito, 2005; Aguiar, 2007). Entre éstos, debe destacarse la ausencia de reglamentación sobre la reventa de servicios entre las empresas a precios regulados

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(algo que como veremos sigue vigente todavía). Constituye esto una de las principales barreras tras las cuales Telefónica y Telecom protegen sus negocios en telefonía fija, pero que a su vez les ha permitido extenderlo sobre el negocio de provisión de acceso a Internet: precios de reventa y/o de interconexión a sus redes muy elevados, que dejan escaso o nulo margen de ganancia para los potenciales competidores. Lo que se complementa con la ausencia de reglamentación sobre la desagregación del bucle local (el último tramo de la red que conduce directamente al domicilio del abonado), que desalienta el tendido de redes troncales de los potenciales ingresantes, ante la necesidad de extender su capilaridad hasta cada punto de prestación de servicios. Asimismo, tampoco se reglamentó sobre portabilidad numérica (en telefonía fija o celular) ni sobre discado directo para llamadas internacionales, otras dos medidas recomendadas como incentivo a la competencia. De este modo, a pesar de los anuncios de varias empresas a lo largo del año 2000 sobre sus intenciones de ingresar en el mercado de telecomunicaciones liberalizado, sólo muy pocas lo hicieron en forma efectiva. Como dijimos, ante la ausencia de políticas expresas de reventa de servicios, interconexión y desagregación del bucle local, se hacía necesario para las ingresantes el tendido de redes propias hasta el punto de prestación de servicio. Así, los pocos tendidos nuevos que se realizaron se concentraron en zonas de alta rentabilidad de las grandes ciudades (centro o microcentro o zonas empresariales), en general orientadas a brindar servicio al segmento corporativo (lo que permitía compensar los costos del tendido por cantidad de líneas y facturación). Unas pocas empresas, como Iplan, Metrotel o Telmex, ingresaron al sector con esos objetivos, y en general tuvieron que replantear y focalizar sus planes de negocio ante el agravamiento de la crisis económica durante 2001. De esta forma, más allá de la retórica inicial de la política de liberalización de la Alianza hacia el sector, tanto Telefónica como Telecom lograron preservar fuertemente sus posiciones originales, congelando de hecho el ingreso de nuevos jugadores en los segmentos más cautivos (llamadas locales, nacionales e incluso internacionales). Por otra parte, concretaron entre ellas una suerte de acuerdo de caballeros, por el que tendieron a respetar la división geográfica emergente de la privatización, sin avanzar con la instalación de tendidos sobre las áreas de la otra. La previsión inicial de que la creación de dos empresas de buen tamaño culminaría tras la liberalización en una competencia efectiva entre ellas nunca se concretó, porque las mismas resolvieron más conveniente resguardarse a sus respectivas áreas, sobre las que podían mantener una posición monopólica o al menos dominante (Azpiazu y Schorr, 2003; Fontanals, 2008).

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Asimismo, por medio de una activa política de adquisiciones y fusiones sustentada en el mantenimiento de excepcionales niveles de rentabilidad, expandieron su dominio sobre un sector pujante del negocio, la provisión de acceso a Internet (Schorr, 2001; Azpiazu y Schorr, 2003). De este modo, fueron adquiriendo o sacando del mercado a la mayoría de las empresas independientes que habían surgido para prestar ese servicio (que estaba en régimen de competencia desde sus orígenes), en buena medida porque esas firmas dependían de sus redes para prestarlo y les aplicaban cargos muy elevados de arrendamiento.

IV. Crisis y planteos de revisión: la Ley de Emergencia Pública y el llamado a renegociación de contratos de servicios públicos La crisis de fines de 2001 pareció presentarse con un punto de inflexión para el desarrollo del sector. El Poder Legislativo, que había dado sustento a la designación de Eduardo Duhalde como Presidente, decidió intervenir por primera vez en la política de regulación de las telecomunicaciones desde la privatización8. La Ley de Emergencia Pública y de Reforma del Régimen Cambiario, que establecía el fin de la Convertibilidad, sostenía con respecto a las empresas privatizadas en su conjunto la pesificación y desindexación de las tarifas hasta tanto se diera un proceso de redefinición de las relaciones contractuales. Se establecía que las mismas debían iniciarse inmediatamente y centrarse en “[...] el impacto de las tarifas sobre la competitividad de la economía y en la distribución de los ingresos; la calidad de los servicios y los planes de inversión, cuando ellos estuviesen previstos contractualmente; el interés de los usuarios y la accesibilidad de los servicios; la seguridad de los sistemas comprendidos; y la rentabilidad de las empresas”. Con esto, se suponía que se abriría el camino a una importante renegociación caso por caso, realizando una revisión integral e histórica de los procesos de transferencia y regulación (Azpiazu y Schorr, 2003). En un clima de descontento general, en el que a su vez las empresas demandaban contra la pesificación y congelamiento de tarifas y por seguros de cambio para sus deudas, se dio origen a un discurso crítico difundido, tanto a nivel social como entre la mayoría de los actores políticos (Novaro, 2010). El mismo se centraba en tres puntos. Por un lado, el tema tarifario, donde se reclamaba se debía tomar en consideración las elevadas tasas de ganancia de las empresas a lo largo de la década anterior. Por otro, 8

Como vimos, en ese momento había cedido sus atribuciones sobre el tema al PEN por medio de la Ley de Reforma del Estado, limitándose de ahí más a un control meramente simbólico por medio de una Comisión Bicameral de Seguimiento, la cual, sólo en contadas ocasiones, hizo públicas las “preocupaciones” de ese cuerpo.

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en cuanto a sus deudas en dólares, se planteaba considerar cuánto de ese pasivo se debía a decisiones propias de las compañías, que habían preferido ese medio para la financiación de las inversiones por sobre la reinversión de utilidades o que incluso se habían endeudado (en muchos casos con sus propias matrices) con objetivos no sectoriales (principalmente, la valorización financiera). Finalmente, se sostenía que era momento de poner en la mesa de negociaciones los frecuentes incumplimientos contractuales y de los planes de inversión (Azpiazu y Schorr, 2003). Las compañías reaccionaron, arrastrando tras de sí el apoyo de los organismos multilaterales de crédito y de los países de origen de los propietarios de las compañías, que salieron a reclamar públicamente la actualización de las tarifas (acorde a la devaluación) y el freno de revisiones profundas (Krakoviak, 2005; Forcinito, 2005). En un contexto de crisis prolongada, el gobierno de Duhalde no accedió a los pedidos de aumento de tarifas, pero por otra parte tampoco avanzó en otras dimensiones de renegociación, pateando el asunto hacia el gobierno siguiente (Azpiazu y Schorr, 2003; Krakowiak, 2005). V. Recuperación económica y consolidación del dominio compartido: las políticas de telecomunicaciones durante los gobiernos de Néstor y Cristina Kirchner El gobierno de Néstor Kirchner inició una segunda etapa de renegociación de los contratos con las compañías privatizadas, el cual, tal como ocurrió en otros campos, se emprendió con una retórica de fuerte enfrentamiento. Se inició el proceso nombrando como asesores en la materia a investigadores del Área de Economía y Tecnología de la Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales (FLACSO Argentina), quienes a lo largo de la década anterior se habían opuesto fuertemente al modo en que se habían concretado las privatizaciones e implementado la regulación pública. Se anunció públicamente la necesidad de encarar una revisión profunda de los contratos con todas las compañías de servicios públicos. Por su parte, la mayoría de las empresas concesionarias (entre ellas las telefónicas) presentaron demandas internacionales ante el CIADI, reclamando compensaciones por la violación de contratos que implicaba la devaluación y pesificación. No obstante, tal como había ocurrido en el comienzo de las privatizaciones, el tema pronto se vio signado por problemas macroeconómicos y políticos más generales: los manejos macroeconómicos y el intento de controlar el proceso inflacionario que siguió a la devaluación, y el proceso de renegociación de la deuda externa (Bonvecchi, 2011; entrevista a Roberto Lavagna, AHO).

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En este contexto, se culminó nuevamente en una dinámica de negociaciones directas y discrecionales con las compañías, concentradas crecientemente en los altos funcionarios del Ministerio de Planificación e Infraestructura liderados por Julio De Vido (Forcinito, 2005). Se cuenta de nuevo con muy poca información pública sobre las mismas, de las que sólo se dieron a conocer las Cartas de Intención suscriptas con cada una las empresas. En general, en ellas se anunciaba un acuerdo común a casi todas las renegociaciones: el mantenimiento del congelamiento tarifario, y la transferencia de fondos públicos para hacer frente a los planes de inversión (Azpiazu y Schorr, 2003). En ningún caso se mencionaron revisiones contractuales ni sanciones por incumplimientos previos, ni el otorgamiento de seguros de cambio u otro tipo de compensaciones. No obstante, una mirada retrospectiva sobre la evolución posterior permite suponer otro tipo de “intercambios acordados”, nunca reconocidos institucionalmente. En el caso de telecomunicaciones, las negociaciones estuvieron centradas en la Secretaría de Comunicaciones, a cargo de Guillermo Moreno. Las compañías, como marcamos, focalizaron sus reclamos en la actualización tarifaria (o en su defecto en la instauración de subsidios estatales), y en la obtención de seguros de cambio para deudas y/o importación de equipamiento. El gobierno centró su estrategia en mantener el congelamiento tarifario, punto central de su estrategia antiinflacionaria (Bonvecchi, 2011). Asimismo, como política general para todos los sectores de la economía, nunca se procedió a la instauración de algún tipo de seguro de cambio como remedo a la devaluación. De este modo, entre 2003 y 2006 se suscribieron tres Cartas de Intención con Telefónica y Telecom respectivamente, que ratificaban el congelamiento tarifario para el sector del negocio sujeto a regulación pública, que además era el que más sensibilidad social y política movía en ese momento: la telefonía fija9. No obstante, las empresas quedaban habilitadas para modificar sus tarifas en los sectores no regulados, la telefonía móvil y la provisión de acceso a Internet, lo que empezaron a hacer a medida que se superaba la situación de crisis, y que gradualmente se fueron constituyendo en los más dinámicos para sus ingresos (Digiworld, 2007; Carrier, 2011). La evolución posterior del sector permite postular la existencia de un acuerdo más amplio emergente de esas negociaciones. Se trataría de una nueva versión de un “acuerdo de caballeros”. Por su lado, las compañías asumían la continuidad del congelamiento tarifario, e incluso aceptaban retirar las demandas ante el CIADI. A cambio, el gobierno les habría concedido un “congelamiento” de la estructura del sector, paralizando completamente

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El esquema de liberalización vigente establecía la continuidad de la regulación tarifaria mientras que no hubiera competencia efectiva en el sector.

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la concesión de nuevas licencias y la aplicación de los mecanismos de incentivo a la entrada de competidores antes mencionados. Por un lado, por medio de diversas resoluciones administrativas, como la demora continua a la aprobación de solicitudes de licencias o el no otorgamiento de numeración para prestar servicio, se bloqueó el ingreso de nuevos interesados en participar del negocio (Aguiar, 2007). Por otro lado, respecto a las empresas que ya habían ingresado, se replicó un esquema de regulación asimétrica defensiva. Principalmente, no se reguló en ningún momento sobre los mecanismos de arrendamiento de red y los precios y condiciones de interconexión (Forcinito, 2005). Al respecto, debemos resaltar que aunque las tarifas del servicio básico se mantuvieron congeladas, ambas telefónicas lograron establecer contratos de interconexión con otras empresas firmados luego de la devaluación que incorporaban indexación vía CER, lo que prácticamente las dejó sin márgenes para operar. Y ante lo cual la autoridad reguladora (la SECOM) nunca tomó intervención (Krakowiak, 2005). Por otro lado, tampoco se avanzó con la reglamentación de la portabilidad numérica (en telefonía fija o celular10). En definitiva, se dio lugar a una reversión en el proceso de liberalización, en el cual los pocos jugadores que llegaron a establecerse entre la liberalización de noviembre de 2000 y la crisis de 2001 han visto reducir su participación. Lo que explica que Telecom y Telefónica hayan elevado nuevamente su participación en telefonía fija, acaparando más de un 91 % del mercado entre las dos, y respetando su tradicional distribución concertada.

La asunción de Cristina Fernández de Kirchner como Presidente no implicó modificación alguna a esta situación. La nueva versión del “pacto de caballeros” impulsada por Moreno, que intercambia el mantenimiento de tarifas en telefonía fija por el congelamiento de la estructura de mercado del sector, parece haber sido muy bien tomada por las compañías. Éstas siguieron registrando muy buenos resultados operativos, producto de un acelerado proceso de renegociación de sus deudas en dólares vinculado a los buenos ingresos que esas tarifas les seguían garantizando en ese sector y a las ganancias extraordinarias y crecientes de los otros dos nichos “liberalizados” en los que, como consecuencia del proceso aquí tratado, aseguraron su posición de liderazgo: telefonía móvil y provisión de acceso a Internet. Esto habría promovido que la situación se estabilizara: las empresas conservan sus buenos negocios casi en soledad y el gobierno se presenta como garante del mantenimiento de las tarifas (aunque sólo en uno de los productos ofrecidos, y

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Se anunció a principios de 2011 su aplicación exclusivamente a telefonía celular, pero luego se postergó hasta 2012, por retrasos en la selección de la firma encargada del cruce de datos.

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justamente el menos dinámico). En los últimos años, de la situación del sector casi no se habla, sólo se realiza cada tanto algún anuncio conjunto las compañías y el gobierno con nuevas promesas de inversión, siempre con muy buena difusión en los medios de comunicación. Por lo demás, se avanza en “piloto automático”. Conclusiones Argentina cuenta en la actualidad con un mercado de telecomunicaciones altamente concentrado, con muy pocos y grandes jugadores: Telefónica de Argentina y Telecom Argentina, claramente dominantes si consideramos al sector en su conjunto, a las que se suma un tercer jugador de importancia en telefonía móvil (Claro, ex CTI, desde 2008 propiedad del holding America Movil) y en provisión de acceso a Internet (Fibertel, subsidiaria de Cablevisión, controlada por el Grupo Clarín). Las compañías aquí analizadas controlan en conjunto más del 90 % del mercado de telefonía fija, y cerca del 70 % de los de telefonía móvil y provisión de acceso a Internet (Carrier, 2011). Y en general, con la excepción de telefonía móvil (que no depende para su prestación de la red de enlaces fijos), no compiten entre sí, sino que respetan una participación concertada, acorde a la división regional que les dio origen. Esta situación no se corresponde con la enunciada en la normativa que sustentó la privatización de ENTel y que dio origen al nuevo sector de negocios, donde se anunciaba repetidamente que el proceso de transferencia al sector privado culminaría en la conformación de un mercado competitivo. Como vimos, los objetivos centrales del gobierno en ese momento eran otros, destinados a concitar el apoyo efectivo del “mundo de los negocios” y en valorizar el negocio a transferir lo más posible. De este modo, más allá de la retórica, la definición que se fue dando de la estructura del sector durante la transferencia terminó configurando una posición estructural de dominio para las empresas emergentes, que dificultaba la posterior introducción de competencia, aún con la aplicación de políticas activas de asistencia. Sin embargo, esas políticas de asistencia nunca se implementaron. Por el contrario, se registra en este trabajo una larga secuencia de decisiones cruciales posteriores donde esa posición dominante se replicó, sea frenando el ingreso de potenciales competidores como posibilitando la expansión de las incumbentes sobre los nuevos sectores del negocio. Asimismo, se replicó en general una dinámica de toma de decisiones surgida al inicio del proceso, consistente en negociaciones opacas y discrecionales entre pocos actores empresarios interesados (fundamentalmente las compañías aquí tratadas, con la intervención ocasional de otras según la política considerada –como pueden ser las de telefonía celular en la licitación de PCS) y altos funcionarios del gobierno de turno. En

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esas negociaciones tendieron a predominar los intercambios particularistas por sobre consideraciones sectoriales o sociales de largo plazo: gobiernos interesados en fortalecerse políticamente, mejorar su situación fiscal o en estabilizar su política económica procedieron a cambio a dar cuenta de los intereses de ganancia o de protección de negocios de las empresas dominantes. Este trabajo pretende aportar luz sobre un proceso poco conocido, procurando explicar cómo las compañías incumbentes han logrado conservar su posición de dominio durante un plazo tan extenso. Más aún considerando que se trata de un sector económico estratégico como insumo de uso difundido, que representa una buena porción del PBI nacional y cuenta con tasas de rentabilidad muy elevadas. Y se concluye que esas compañías han sido muy hábiles, no sólo en sus decisiones de negocios, sino principalmente en su desempeño como parte de un extenso proceso político en la que se han tomado sucesivas decisiones de políticas públicas. Para decirlo más claro: han sabido operar como actores políticos Esto nos permite retomar las consideraciones del marco analítico. El trabajo apunta a resaltar la importancia de estudiar la emergencia y consolidación de un nuevo tipo de actor empresario, los proveedores privados de servicios públicos. Como marcamos, constituyen un caso privilegiado para el estudio de las modalidades de acción política de los actores económicos, dada la

importancia que las decisiones de política pública tienen para la

configuración de sus sectores de negocios. Asimismo, el hecho de que en general esas decisiones se tomen por medio de actos administrativos a cargo del PEN (decretos o resoluciones) ha promovido una lógica de negociación e intercambio (en general discrecional y reservada) en la que esos actores ven incrementada su capacidad de influencia. Lo que se refuerza con una alta dote de recursos para la acción política: son actores concentrados con buenas posibilidades de concertar intereses y estrategias, y con una elevada capacidad de presión dada su posición estructural (manejo de servicios públicos, insumos de uso difundido) y económica (alto nivel de actividad, de empleo, de pago de impuestos, de inversiones, etc.). Como demuestra el proceso aquí indagado, estos actores han tomado buena nota de esta situación, y han sabido operar muy eficazmente sobre los procesos decisorios, actuando políticamente en defensa de sus intereses de negocios. En definitiva, ha sido centralmente la acción política lo que los ubica como los actores económicamente ganadores.

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Virtualidades em Movimento e Ciberdemocracia: #foramicarla em Natal - RN Fernando Vicente Alves Belarmino de Macedo 1 fernando.kde@gmail.com Lucimara Rett 2 lucimararett@uol.com.br Maria da Graça Silveira Gomes da Costa 3 mariaggomes@hotmail.com Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Resumo: O movimento #foramicarla, engendrado a partir das redes sociais, pode ser considerado um marco no uso das redes sociais e comunidades virtuais como plataforma de mobilização política. Por meio da etnografia, como base teórico-metodológica, buscou-se investigar o uso da internet e do ciberespaço como lugares de articulação e mobilização social durante a manifestação ocorrida, em 2011, na cidade de Natal – RN, pedindo o impeachment da atual prefeita da cidade, Micarla de Sousa. O Twitter, utilizado como meio de articulação do movimento, e a Twitcam, principal suporte para as transmissões das atividades diárias dos manifestantes, durante o acampamento de ocupação da Câmara Municipal de Vereadores de Natal, corroboraram para a consolidação de um espaço heterogêneo e democrático por excelência, para práticas políticas contemporâneas, naquilo que podemos chamar de ciberdemocracia. Palavras-chave: Redes Sociais; Tecnologias de informação e comunicação; Twitcam; Movimentos Sociais; #foramicarla. Abstract: #foramicarla movement, begotten from social networks, can be considered a milestone in the use of social networks and virtual communities as a platform for political mobilization. Through ethnography, theoretical and methodological base, we sought to investigate the use of internet and cyberspace as places of articulation and social mobilization during the protests held in 2011 in Natal - RN, asking for the impeachment of the current mayor city, Micarla de Sousa. Twitter, used as a means of articulating the movement, and Twitcam, main support for the broadcasts of the daily activities of the protesters, during the occupation camp of the City Council Chamber, corroborated for the consolidation of a heterogeneous and democratic space par excellence to contemporary political practices, what we call cyberdemocracy. Key-words: Social Networks; Information technology and communication; Twitcam; Social movements; #foramicarla. Resumen: El movimiento #foramicarla, engendrado a partir de las redes sociales, puede ser considerado um hito en el uso de redes sociales y comunidades virtuales como una plataforma de movilización política. A través de la etnografía, como base teórica metodológica, buscamos investigar el uso de la internet y del ciberespacio como lugares de articulación y movilización social durante la manifestación que tuvo lugar en 2011, en la ciudad de Natal-RN, pidiendo la destitución de la actual alcalde de la ciudad, Micarla de Sousa. El Twitter, utilizado como medio de articulación del movimiento, y la Twitcam, principal apoyo para las emisiones de las actividades cotidianas de los manifestantes durante el campamento de ocupación del Ayuntamento de la Ciudad corroboran para la consolidación de un espacio democrático y heterogéneo por excelencia para la práctica política contemporánea, lo que podríamos llamar ciberdemocracia.


Palabras clave: Redes Sociales; Tecnologías de la información y la comunicación; Twitcam; Movimientos sociales; #foramicarla.

Introdução O movimento #foramicarla, engendrado a partir das redes sociais como o Orkut e o Facebook, e que pede o impeachment da prefeita da cidade de Natal - RN, Micarla de Souza, vinha ganhando força desde o inicio de 2010, com pequenas manifestações nas ruas, como o bloco carnavalesco Xôinseto4. No entanto, foi a partir da manifestação do dia 25 de maio de 2011, articulada, principalmente, por meio do Twitter, que o movimento ganhou força e notoriedade popular. A partir de 2008, com o crescimento das ferramentas de mídia social, com destaque para os usos informativos do Twitter e as possibilidades de relacionamento do Facebook, o cenário ficou mais complexo, pois se criou um fluxo intenso de informações produzidas e/ou disseminadas pelos próprios usuários, sem necessidade de mediação institucional (CARVALHO, 2011, p. 102).

Quase mil pessoas, em sua maioria estudantes, pararam uma das principais avenidas da cidade e, a partir daí, o movimento ganhou vários adeptos das mais diversas esferas sociais. Depois dessa manifestação, mais dois atos públicos foram organizados, de novo por meio das comunidades virtuais, culminando na ocupação da Câmara Municipal de Vereadores de Natal (CMN) pelos manifestantes no dia 11 de Junho de 2011, pedindo o estabelecimento de uma Comissão Especial de Investigação (CEI) acerca dos contratos de aluguéis e serviços feitos pela prefeitura durante a gestão de Micarla de Souza. Esse acampamento, batizado pelos manifestantes de “Acampamento Primavera Sem Borboleta” durou 10 dias e contou com mais de 50 acampados fixos, além de um incontável número de manifestantes, curiosos, políticos e jornalistas que visitavam a CMN diariamente. Por meio desse acontecimento, que assumiu contornos de um modelo mais clássico do fazer político, percebe-se um hibridismo de práticas militantes mediadas pelo uso de tecnologias como a Twitcam5 e da transmissão ao vivo 24 horas, ao mesmo tempo em que foi estabelecido o diálogo com instituições como a Ordem dos Advogados do Rio Grande do Norte (OAB/RN), com os partidos políticos e com a grande imprensa na negociação junto aos vereadores da casa. Com as possibilidades trazidas ou reforçadas pela Web 2.0, o público tornou‐se fonte de informação, muitas vezes noticiando antes dos veículos de referência. Basta um aparelho móvel conectado para que sejam publicados relatos por meio de vídeo, texto e fotos, direto do local dos acontecimentos (CARVALHO, 2011, p. 101).


Assim, tomando-se o movimento como objeto de estudo, foi feita uma investigação acerca da função da internet e do ciberespaço como locais de articulação e mobilização social, bem como de práticas políticas contemporâneas. Prosumers e movimentos sociais A convergência das mídias, por suas características, não pode ser considerada somente pelo aspecto tecnológico, mas, sobretudo, social e cultural, como definiu Henry Jenkins: Por convergência, refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que desejam. Convergência é uma palavra que consegue definir transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais, dependendo de quem está falando e do que imaginam estar falando (JENKINS, 2009, p. 29)

A concepção de convergência trouxe à luz, a cultura participativa (ou colaborativa), onde não se pode mais considerar a passividade dos receptores dos diversos meios de comunicação tradicionais. De acordo com Cecilia Almeida Salles (2009, p. 141), “há, nas propriedades associadas à interatividade, algo que, para compreendermos as conexões da rede da criação, parece-nos importante destacar: a influência mútua – um elemento agindo em outros e sendo afetado por outros elementos”. A cultura participativa ganhou maior articulação e visibilidade com o advento das redes sociais no Brasil. O país destaca-se mundialmente no uso da ferramenta. O Brasil é o quinto maior mercado do mundo para redes sociais online, segundo uma pesquisa da empresa comScore, que mede audiência na Internet. No país, sites de relacionamento social tiveram 35,2 milhões de visitantes únicos em julho de 2010. Os Estados Unidos lideram o ranking, com 174 milhões. Vemos que o Brasil está à frente de países desenvolvidos mas não tão populosos, e também de algumas nações emergentes com imensa população. Em uma reportagem da revista americana Time sobre a popularidade do Twitter no Brasil, a vice‐presente de vendas internacional do Twitter, Katie Stanton, caracterizou o povo brasileiro como “voraz”. Outros especialistas entrevistados confirmam esse status e dão outros insights como a democracia, a queda da barreira entre celebridade e público e a sede por tendências de fora do país, justificando a transformação do Brasil num ambiente extremamente participativo nas redes sociais (GIARDELLI, 2011, p. 58-59).

Rapidamente, as redes sociais foram apropriadas e transformadas em mídias sociais, fenômeno que impacta a maneira como a informação circula, favorecendo um momento de hiperconexão entre grupos e comunidades. O que muitos chamam de "mídia social" hoje, compreende um fenômeno complexo, que abarca o conjunto de novas tecnologias de comunicação mais participativas, mais rápidas e mais populares e as apropriações sociais


que foram e que são geradas em torno dessas ferramentas. É um momento de hiperconexão em rede, onde estamos não apenas conectados, mas onde transcrevemos nossos grupos sociais e, através do suporte, geramos novas formas de circulação, filtragem e difusão dessas informações (RECUERO, 2011, p. 14).

Aliado ao advento, tanto da cultura participativa, como das mídias sociais, temos, ainda, o crescimento da oferta de tecnologia mobile, bem como uma maior facilidade de acesso à mesma, no Brasil, o que promove a participação e interatividade por parte dos usuários das redes sociais. Quando o celular saiu dos laboratórios, há menos de 30 anos, era difícil imaginar que ocuparia o lugar da estrela no tradicional mercado de telecomunicações do futuro. Em 2011 os acessos no Brasil pela conexão 3G ultrapassam a banda larga tradicional. Mesmo sem a pretensão de servir a centenas de milhões de pessoas, o que seria apenas para falar se transformou em um vasto filão de produtos e serviços em rede (FERNANDO, 2011, p. 39).

Este contexto, portanto, favorece a atuação dos prosumers, neologismo criado a partir da fusão dos termos, em inglês, producer (produtor) e consumer (consumidor), proposto por Alvim Toffler (1980), que designa o novo papel do consumidor na pós-modernidade, bem como uma nova relação entre produção e consumo de informação. Com o suporte tecnológico mobile e com o acesso às mídias sociais, o indivíduo produz, não somente para si, mas passa a compartilhar essa informação por ele produzida – e outras que ele apenas reproduz – com um grande número de pessoas conectadas. Basta um computador ou um telefone celular e um sinal de Internet e espalhamos crenças, valores, sentimentos e fatos, falamos daquilo que amamos ou detestamos em blogs, videos, fotos, microblogs, ferramentas de geolocalização, etc. Desenvolvemos conteúdo e passamos a ser relevantes para uma ou mais pessoas, influenciando decisões (LOUREIRO, 2011, p. 79).

Jenkins (2009, p. 30) explica que “a expressão cultura participativa contrasta com noções mais antigas sobre a passividade dos espectadores dos meios de comunicação”. Essa condição propicia o desenvolvimento de novas narrativas no ciberespaço. Há 15 anos, quem imaginaria que email ou celular seriam assim tão parte de nós? O desenvolvimento da democracia digital e a possibilidade de criação de narrativas segmentadas por interesses, geradas a partir de inputs emergentes que utilizam vários recursos, meios e canais para o afloramento espontâneo de uma nova democracia social, está sendo capaz de transformar as narrativas sociais no mais novo território de disputa e luta na sociedade informacional (FERRARI , 2011, p. 97-98).

Diante o cenário exposto, há que se considerar, ainda, o alcance que essa informação obtém por meio da hiperconectividade entre os usuários das redes sociais. As mídias sociais potencializam o buzz, [...] que é a amplificação do boca a boca, a capacidade de provocar discussões e faze‐las alcançar o máximo de audiências. Todos os dias são


criadas estratégias de marketing e comunicação que têm como principal objetivo “viralizar” uma mensagem para aumentar exposição e influência (LOUREIRO, 2011, p. 80).

Todas essas condições favorecem a utilização do ciberespaço como ágora cibernética. Os manifestantes dispõem de novas ferramentas e, com o domínio da tecnologia e a disponibilidade de conexões com a internet, podem conseguir um alcance antes inimaginável e obter relevância e repercussão das suas causas. Mas para que a informação estruturada relevante socialmente aconteça, à margem avassaladora da utilização de sistemas que proporcionam a conversação, é necessário que se construam tecnologicamente ambientes baseados em redes sociais, mas possuindo a intencionalidade de se construir informação estruturada e relevante socialmente (LIMA, 2011, p. 25).

Dessa maneira, o ciberespaço se apresenta como um local heterogêneo e democrático, por excelência, propício à cultura colaborativa e, portanto, também à formação de comunidades com interesses ou idéias em comum, que pode servir como extensão online dos movimentos sociais. O que mudou? A mobilização social? Não, essa não. Sempre existiu e provavelmente nunca deixará de existir na história humana. Juntos, sempre tivemos mais força para lutar contra o que não achávamos certo. As mobilizações sociais derrubaram reis, mudaram sistemas econômicos, trouxeram novas formas de ver o mundo. A novidade é como esses grupos se comunicam. [...] hoje, tudo pode ser feito online. Bastam instantes para atingir um número enorme de pessoas. O custo de participação é menor e o leque de temas e opções é infinitamente maior. E se é mais fácil participar em diferentes frentes, cresce também o impacto do que está sendo feito (BARRETO, 2011, p. 162).

Assim, a mobilização social se torna uma manifestação híbrida, mesclando a ocupação do espaço físico com o ciberespaço, o que pode impactar na sua forma, mas não na sua essência.

A internet e as ecologias humanas Todo grupo organizado, balizado pelo contexto em que foi concebido, cria um discurso de legitimação que serve para arregimentar e convencer seus integrantes a lutar por seus ideais. Desde o fim dos anos 1980 com a disseminação mais ampla do fenômeno da globalização vemos novos elementos se consolidarem na forma como as sociedades veem a si mesmas e, consequentemente, na forma como se explicam. Dentre vários fatores que caracterizam o mundo globalizado, podemos destacar a noção de "instantaneidade" e “desterritorialização” criada pela disseminação e penetração dos meios de comunicação de massa no mundo como um todo. Dessa forma, eventos que ocorrem em locais e fusos horários distintos são transmitidos e noticiados ao vivo e uma rebelião que


acontece em um país é acompanhada diariamente com apreensão por pessoas do outro lado do globo. Da mesma forma, as mídias sociais corroboram com esse processo. [Elas] são grandes facilitadoras, uma vez que sincronizam diferentes grupos espalhados num mesmo país ou no mundo, facilitam a coordenação das ações e ajudam a documentar o que está acontecendo. E por mais que se questione o grau de ativismo destas redes, estudos já apontam que as mídias sociais, ao contrario de uma visão comum, estão expondo mais pessoas a questões humanitárias e sociais (BARRETO, 2011, p. 163).

A

internacionalização

de

capitais,

informações

e

pessoas

contribuiu

para

um

enfraquecimento do conceito de estado-nação, trocado cada vez mais por instituições e crenças supranacionais. Para Guattari (1987), o Capitalismo Mundial Integrado (termo, segundo ele, preferível à globalização que estaria muito ligada às noções economicistas do fenômeno da “mundialização” contemporânea) colonizou o conjunto do planeta, de forma que nenhuma atividade humana e nem setor de produção ficam de fora de seu controle e da disseminação de suas tecnologias. Segundo o autor, a inovação tecnológica abre, todos os dias, novas possibilidades de interação e põe em marcha a produção das máquinas. Máquinas, na concepção de Guattari, podem ser entendidas como uma organização de fluxos, uma engrenagem de produção regida por forças que circulam e afetam o mundo. Elas engendram-se umas às outras, selecionam-se, eliminam-se, fazendo aparecer novas linhas de potencialidades e agenciamentos. A semiotização capitalista codifica essas mudanças rapidamente propondo (re)significações próprias. No entanto, a proliferação maquínica ultrapassa a capacidade de recentralização e axiomatização do sistema. Produz em suas margens, mas também em seu coração, áreas de autonomia temporariamente desorientada, aberta a outros trabalhos de interpretação. A idéia da produção maquínica da subjetividade é especialmente relevante ao pensarmos a internet e os seus usos como espaços de montagem de agenciamentos coletivos. Aqui, a tecnologia não vai mais ser entendida como acessório a ser utilizado, mas como objeto de composição dos sujeitos (OLIVEIRA, 2005). As tecnologias correspondem à subjetividade coletiva dos “humanos-coisas” na sociedade. Assim como a escrita e a posterior reprodutibilidade técnica em jornais e livros foi uma invenção sociotécnica revolucionária, a informatização trazida pelo uso do computador representa uma mudança de paradigma que corresponde ao nomadismo das redes e fluxos internacionais e que transforma, de maneira significativa, o que Guattari chamou das três ecologias: o meio-ambiente, as relações sociais e a subjetividade humana (GUATTARI, 2002; LÉVY, 1993).


A internet permitiu a criação de um novo espaço de interação humana – o ciberespaço – que vem se revelando como um lugar privilegiado para o desenvolvimento de novas possibilidades de experimentação da vida coletiva, constituindo-se em uma espécie de ágora virtual da contemporaneidade, em especial, através das redes sociais e comunidades virtuais. Há um novo ecossistema mídiático em formação, contendo os meios de comunicação analógicos, surgidos a partir das concepções econômicas da Revolução Industrial, e as redes digitais conectadas, que possuem conexões topológicas descentralizadas e de baixa hierarquia, fornecendo novas possibilidades de consumo de conteúdo e alterando a relação estabelecida, pelo modelo broadcasting, entre a audiência e as suas preferências informacionais. Nessa estrutura informacional emergem possibilidades de estabelecer diferentes tipos de relação entre emissor de conteúdo informativo de relevância social e a audiência (LIMA, 2011, p. 24).

Para Pierre Lévy (1993) as tecnologias agem, enquanto máquinas, forjando uma cognição coletiva, através de jogos cooperativos em que acumulam conhecimentos, sendo assim, é preciso pensar nos efeitos da subjetividade nas redes de interface e nos mundos que emergem provisoriamente de condições ecológicas locais. O ciberespaço, segundo Lévy (2003), se caracteriza pela inclusão, transparência, universalidade e pela interlocução entre todos os sujeitos conectados, gerando simetria na comunicação. Essa maior acessibilidade à informação produz, de acordo com o autor, cidadãos politicamente mais ativos e socialmente mais conscientes, o que implica em novas exigências políticas. Desta forma, as redes sociais trazem à cena uma conjuntura política diferenciada que viabiliza novas formas de mobilização social de maneira contra hegemônica, causando uma ruptura com os modelos tradicionais de mobilização política que se caracterizam pela predominância dos partidos políticos como organizadores de mobilização, com protestos na forma de passeatas e piquetes, pela invisibilidade das mídias de massa e pela repressão do Estado. O modelo contemporâneo de mobilização política e social se distingue pela descentralização dos movimentos sociais, que não são mais organizados, mas disputados pelos partidos. Essa mobilização se dá de forma rizomática, através das teias de contatos nas redes sociais, onde protestos em forma de petições virtuais, flashmobs, abaixo-assinados on-line, entre outros, são articulados. Fernando Barreto (2011, p. 163), acrescenta que “se tudo começa com pequenos passos como mudanças no avatar, tweets e assinaturas de petições online, alguns seguem adiante, participam de discussões, aprofundam no tema e promovem ações ainda maiores e chegam a incluir essas lutas no seu dia-a-dia”. Esse modelo molecular do fazer político se opõe à política-espetáculo que personaliza as questões,


massificando e impedindo a participação ativa e autonomia dos cidadãos na vida política e social das cidades (LEVY, 1998). A partir dos anos 1990, a falência do modelo tradicional de organização partidária na sociedade neoliberal impulsiona o processo de desmobilização geral dos movimentos populares a nível mundial (NEVES, 2007). Com a posterior popularização das redes sociais, vemos um contrafluxo nessa tendência, revigorando as iniciativas populares. Nesse contexto, a emergência das comunidades virtuais de base territorial dentro das redes sociais contribui para “a renovação da democracia local e para a intensificação de todas as formas de laço social fundadas na proximidade geográfica” (LEVY, 2003, p. 377) e esse processo permite que movimentos como o #foramicarla e a Primavera Árabe6, possam emergir. Cientes de que existem condições estruturais no mundo que proporcionam o aparecimento de movimentos contra hegemônicos em diferentes continentes, os manifestantes se inserem nesse movimento mais amplo, notadamente ligando o #foramicarla aos eventos que ocorreram no mundo árabe, a primavera árabe. Essa adesão é notável no discurso dos manifestantes, como vemos nesta fala destacada em uma reportagem de Matheus Magenta (2011, online)7 para a Folha de São Paulo: "A insatisfação em Natal começou por questões locais, mas acabou se conectando com as revoltas árabes principalmente no uso da internet, que leva as críticas às ruas de maneira pacífica".

Virtualidades em movimento A etnografia se apresenta como base teórico-metodológica viável para o acompanhamento dos diversos processos que se desenrolam em um espaço privilegiado de interação como os movimentos sociais, levando em consideração, na pesquisa, a dimensão subjetiva dos acontecimentos. Dessa forma, o trabalho de campo consistiu na observação e participação do cotidiano do acampamento Primavera Sem Borboleta, desde as maiores mobilizações, até a as ações diárias, como a limpeza do chão e a divisão de tarefas entre os acampados. O acampamento foi montado no pátio interno da CMN – Câmara Municipal de Vereadores de Natal – após três grandes mobilizações populares, todas articuladas por meio das redes sociais online. Ele foi, portanto, um ato corporificado daquilo que já vinha sendo tratado há algum tempo na web. Na sua estruturação, cerca de 50 jovens se fixaram na Câmara, com suas barracas e colchões infláveis (figura 1).


Figura 1 – Acampamento montado na CMN – Câmara Municipal de Vereadores de Natal. Fonte: Pedro Feitoza – junho de 2011.

Os acampados foram recebidos de forma pacífica pelos funcionários da CMN, isso em meio ao expediente de trabalho dos funcionários da casa, que desempenhavam suas funções de trabalho, dentro do possível. Durante os dias em que se mantiveram na Câmara, os manifestantes contaram com a colaboração de cidadãos e algumas instituições como sindicatos de trabalhadores, que doavam dinheiro, comida, material de limpeza e todo o tipo de material necessário para a sobrevivência do grupo. Esse, no entanto, manteve-se, acima de tudo, a partir de cotas e solidariedade mutua entre seus participantes. Foram montadas comissões responsáveis pela organização, limpeza, defesa e alimentação dos acampados, ao mesmo tempo em que outros grupos de trabalho, como a comissão jurídica e a jornalística, se articulavam com outros grupos para manter o acampamento em funcionamento. A mistura de chuvas, de calor excessivo e de racionamento de banhos (só dois banheiros estavam disponíveis para os manifestantes), criavam uma atmosfera de fortes cheiros que incomodavam os visitantes não acostumados. O dia a dia na CMN era marcado por grande euforia e grande medo, pois não era possível determinar quanto tempo mais eles poderiam ou não continuar seu protesto na Câmara, e perpetuavam sua estadia através de vários habeas corpus. Tampouco era possível determinar se as doações de marmitas, feitas pelos sindicatos, iam ou não ser suficientes


para os acampados do dia, já que o acampamento era aberto e o número de participantes variava de acordo com o dia. O sentimento de paranóia era alimentado por rumores de que espiões se infiltravam no movimento e de que o comando da polícia civil agiria com violência se fosse necessário para que se retirasse os acampados. Um dos elementos particulares que chamam a atenção analítica no movimento é o que se chamou posteriormente de TV #Xôinseto, criada com a utilização do recurso Twitcam, ferramenta de comunicação audiovisual que interage com o microblog Twitter. Usando a estrutura conceitual proposta por Hannerz no seu artigo “Fluxos, híbridos e fronteiras”, fazemos uma análise de aspectos culturais que perpassam a questão da sociabilidade e do debate político. Dessa forma, caracterizamos o acampamento primavera sem borboleta como um espaço de fronteira, no sentido de que ali convergiram uma série de movimentos e acontecimentos que não se aglutinariam de outra forma (HANNERZ, 1997). Nesse novo híbrido, formado ali, a Twitcam desempenhou um papel importante. Com a popularização de computadores móveis, netbooks e smartphones, somada à disseminação cada vez maior de redes de internet sem fio, tanto no formato Wi-Fi como no 3G, vimos as condições tecnológicas necessárias para algo novo na comunicação do movimento. Carril Fernando (2001, p. 41), acrescenta que “a Internet nos aparelhos móveis corre mais rápido que o mundo em tela grande, pois sempre recomeça com novos paradigmas, aproveitando pouco o seu legado. O futuro deve passar a adicionar funcionalidades em qualquer rede como o Wi-Fi”. Cientes dessas novas tecnologias, os manifestantes colocaram uma câmera ao vivo, que transmitia pela internet, 24 horas por dia, todos os dias do acampamento. Esse novo fator, híbrido do modelo clássico e do contemporâneo, faz uma fusão dos dois que traz implicações para a análise. Dar a uma coletividade o meio de proferir um discurso plural, sem passar por representantes, é o que está em jogo, do ponto de vista tecnopolítico, na democracia do ciberespaço. Essa fala coletiva poderia, por exemplo, apresentar-se como uma linguagem complexa ou um espaço dinâmico, um mapa móvel das práticas e idéias do grupo. Cada um poderia se situar em um mundo virtual para cujo enriquecimento e modelagem todos contribuiriam por meio dos seus atos de comunicação (LÉVY, 1998, p. 66).

Um das coisas que notamos é que essa nova tecnologia vem cercada de um discurso falacioso. A maior vantagem da Twitcam, segundo os manifestantes, é poder criar um canal de comunicação de duas vias, entre manifestantes físicos e virtuais, a fim de que os virtuais pudessem ver o que acontecia no manifesto físico e, como feedback, deixassem mensagens através do Twitter, ou seja, participando também. Podemos definir a mídia social como aquela utilizada pelas pessoas por meio de tecnologias e políticas na Web com fins de compartilhamento de opiniões, idéias, experiências e perspectivas. Tem como características o formato de conversação e não de monólogo; procura facilitar a discussão


bidirecional e evitar a moderação e a censura; tem como protagonistas as pessoas e não as empresas ou marcas, isto é, quem controla sua interação com as corporações são os próprios usuários; tem como principais valores a honestidade e a transparência; e privilegia a distribuição em vez da centralização, uma vez que têm diversos interlocutores que tornam a informação heterogênea e rica (TERRA, 2011, p. 86).

O fato é que essa comunicação, apesar de suportada por uma mídia social, não aconteceu bidirecionalmente. Os militantes físicos ficaram completamente absorvidos na experiência intensa que estavam vivendo e acabaram não recebendo as mensagens deixadas no Twitter, que por sua própria estrutura, impede uma recuperação das mesmas, acabando com a segunda via da comunicação. Apesar de se fundamentar em um discurso que não corresponde

às

práticas,

a

Twitcam

teve

conseqüências

não analisadas

pelos

manifestantes, que são extremamente positivas para o movimento no sentido de que, ao deixar mensagens no Twitter da câmera, o manifestante virtual aumentava o seu sentimento de pertencimento ao movimento físico, o que reforçava o movimento como um todo, de forma recursiva à medida que isso se espalha entre todos os espectadores virtuais. Além disso, também era uma forma dos manifestantes físicos acompanharem o acampamento quando não podiam estar presentes por algum motivo, como trabalho. Existe um resgate de pertencimento dentro dessas redes; mais pessoas têm voz para falar de assuntos que lhes interessam com maior ou menor conhecimento de causa, sem hierarquia e com pluralidade de olhares. Uma vez parte de um grupo, mais forte e mais ligada a uma determinada causa a pessoa fica (BARRETO, 2011, p. 163).

Outro elemento que a Twitcam traz, é a dicotomia já conhecida da câmera de televisão tradicional, que é a questão da fronteira entre ação e performance, mas que é analisada de forma insuficiente exatamente por causa desse paralelo com a TV. Ao fazer um paralelo com a câmera tradicional, os manifestantes imputam à Twitcam, um alcance que ela não possui, refletindo em uma preocupação exagerada com a performance, a qual se mostra infundada, na prática. São duas posturas porque são duas plataformas. A reação corporal, de quebra, alerta sobre como a Internet se dilui tranquilamente com a comunicação massiva. A conversa entre vários, ou todos‐todos, já existia, embora não houvesse forma tecnológica que permitisse a organização dos diálogos. A integração das plataformas – e das posturas – nos coloca à mercê de um consumo social de conteúdo. Só não vale esquecer que a mídia social valida ainda mais a iconografia da televisão. [...] E não parece haver, pelo menos no médio prazo, a possibilidade de suprimir a contemplação que a TV traz. Mas essa mistura potencializa a busca do ser humano por um discurso que construa um sentido. Agora, com a mídia social, conversando mais com o fazedor de sentidos. E, quando possível, transformando o sentido para os outros ‐ os seguidores (SPECK , 2011, 119).


A Twitcam nos parece, portanto, no caso de sua utilização pelos manifestantes de #foramicarla, muito mais próxima do panóptico8 (FOUCAULT, 2004) do que da câmera de TV tradicional (BOURDIEU, 1997). Em um ambiente caracterizado dessa forma, é previsível que exista uma grande dose de criatividade cultural (HANNERZ, 1997). Escolhemos, então, um movimento pontual que ilustra situações desse tipo, que analisamos pelo método etnográfico. O momento em questão se refere à expulsão do POR – Partido Operário Revolucionário – do acampamento, expulsão essa na qual os anarquistas e apartidários participaram ativamente. Em certo momento, o referido partido entrou no acampamento distribuindo panfletos que deslegitimavam o movimento e o qualificavam como “oportunismo eleitoreiro petista”. Depois disso, foram até o microfone na intenção de fazer um ato na câmara contra a ocupação da mesma. O natural era de se esperar que os militantes petistas fossem os mais indignados com essa atitude e tentassem inviabilizar tal ato. O que aconteceu foi algo bem mais generalizado, expressando a solidariedade mecânica que se estabeleceu ali (DURKHEIM, 1978). Todos os militantes que estavam em volta, de movimentos variados, formaram uma massa de acossamento (CANETTI, 1995) e, aos gritos, expulsaram o grupo adversário do local, um acontecimento que pode surpreender muitos que escutavam o discurso do grupo de ser “democrático” e “plural”. Considerações Finais A convergência, a hiperconectividade, bem como o acesso aos dispositivos mobile e às mídias sociais favorecem novas formas de organização da sociedade contemporânea, comprovando que a cultura colaborativa vai além da questão tecnológica, contemplando, ainda, aspectos culturais e sociais. Munidos

de

equipamentos

e

tecnologia

que

propiciam

essa

hiperconectividade,

manifestantes de movimentos sociais, como o #foramicarla, aqui estudado, ganham voz e representatividade, além de um alcance muito maior de suas causas. Há, no entanto, uma disjunção entre os aspectos sociológicos e antropológicos. Vemos que o movimento é bem sucedido, mas percebemos que essa adesão se dá de forma muito mais discursiva do que estrutural. Os manifestantes sabem que essa nova forma de manifesto funciona, mas não parecem entender, exatamente, o porquê. Apesar de se enquadrar como um movimento de vanguarda, no aspecto macro, a manifestação, nos seus aspectos mais cotidianos, muitas vezes recaiu em um discurso ultrapassado, como a nomenclatura TV #Xôinseto, utilizada para denominar as transmissões


das atividades dos manifestantes acampados, que invoca um mecanismo claramente herdeiro da forma de organização do segundo espírito do capitalismo (BOLTANSKI, 2002, p. 06). Assim, a tecnologia que poderia permitir interatividade, ou pelo menos, uma comunicação bidirecional, foi apropriada pelos manifestantes como se fosse um meio de comunicação massivo. O grupo de manifestantes do movimento #foramicarla pode ser considerado plural, mas nem tanto. Isso mostra o papel que uma consciência mecânica de grupo promove na mente das pessoas, fazendo com que as mesmas se comportem de uma forma como não se comportariam se estivessem sozinhas ou praticando uma ação reflexiva, confrontando sociabilidade e política. Esses “desvios” têm que ser levados em consideração na hora de se fazer uma análise dos posicionamentos políticos tomados pelo grupo, que podem ser de natureza política ou não. A sensação de pertencimento, incrementada pelas características das redes sociais, fortalecem o senso de cidadania e das solidariedades orgânicas, que se referem ao coletivo de forma monolítica quando eles professam a ideia da organização em rede. Mesmo assim, pode-se dizer que o espaço cibernético serviu de ágora durante o movimento #foramicarla e as mídias sociais utilizadas pelos manifestantes, em especial o Twitter e a Twitcam, promoveram

uma

mobilização

social

híbrida,

on/offline,

e

uma

prática

política

contemporânea, que podemos chamar de cibercidadania. Referências BARRETO, F. Mídias sociais e mobilização social. In: BRAMBILLA, A. Para entender as mídias sociais. E-book, abril de 2011. p.162-165. BOLTANSKI, L.; CHIAPELLO, E. The new spirit of capitalism. Conference of Europeanists. Chicago, 2002. BOURDIEU, P. Sobre a Televisão, seguido de A influência do jornalismo e Os Jogos Olímpicos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1997. CANETTI, E. Massa e poder. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. CARVALHO, L. Mídias sociais e coberturas participativas. In: BRAMBILLA, A. Para entender as mídias sociais. 2011. p. 101-106. DURKHEIM, E. Durkheim. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Coleção os pensadores). FERNANDO, C. Mídias sociais e mobilidade. In: BRAMBILLA, A. Para entender as mídias sociais. E-book, abril de 2011. p. 39-42. FERRARI, P. Mídias sociais e narrativas digitais. In: BRAMBILLA, A. Para entender as mídias sociais. E-book, abril de 2011. p. 93-96.


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1

Fernando Vicente Alves Belarmino de Macedo é graduando em Ciências Socais pela UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. É bolsista do programa de educação tutorial do curso. Desenvolve pesquisas na área de antropologia da globalização.

2

Lucimara Rett é publicitária, Doutora em Comunicação pela Umesp e Professsora Adjunta no curso de Comunicação Social da UFRN. Integra os grupos de pesquisa ‘Imagem, Mercado e Tecnologia’ (UFRN) e ‘Mídia, Cultura e Memória’ (Unip). Tem como foco de pesquisa, tanto a cibercultura e a convergência das mídias, como a regionalização e o desenvolvimento do mercado publicitário.

3

Maria da Graça Silveira Gomes da Costa é estudante do Bacharelado em Ciências Sociais da UFRN e da formação em Psicologia pela UnP – Universidade Potiguar, bolsista de Iniciação Científica do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq), integrante do Grupo de Pesquisa Corpo, gênero e sexualidade da UFRN.

4

O nome do bloco faz referência à imagem da borboleta, usada pela prefeita durante sua campanha eleitoral pelo Partido Verde (PV).

5

Plataforma de transmissão online da webcam de um computador via Twitter.

6

Onda de protestos ocorridos a partir de dezembro de 2010 no Oriente Médio e Norte da África articulados majoritariamente através de mídias on-line como Youtube, Facebook e Twitter.

7

Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=44672>.

8

"Michel Foucault discussed the idea at length in Discipline and Punish (1975) and describes the panopticon as an apparatus of power by virtue of the field of visibility it creates. Because it made inmates always conscious of being visible, he argued, an automatic functioning of power was ensured" (OXFORD, s/d, online).

Michel Foucault discutiu a ideia à exaustão em Vigiar e Punir (1975) e descreve o panóptico como um aparato de poder, em virtude do campo de visibilidade que ele cria. Devido ao fato do panóptico tornar os encarcerados sempre cientes de estarem visíveis, ele argumenta, um mecanismo de poder automático é assegurado [tradução nossa]. Disponível em: <http://www.enotes.com/oxsoc-encyclopedia/panopticon>.


Cultura y desarrollo: propuesta de un nuevo modelo César Bolaño1 Universidade Federal de Sergipe Joanne Mota2 Universidade Federal de Sergipe

"En busca de un nuevo modelo". Es como podemos resumir la discusión que tuvo con Prof. Dr. Arturo Guillén, quien habló acerca de los métodos histórico-estructurales propuestos por Celso Furtado a fin de contribuir para entender los problemas sociales y económicos actuales. Destacando la importancia de la cultura en el proceso de e aplicación de un proyecto de desarrollo verdaderamente nacional. Guillénes profesor en el

Departamento

actualmente

de

es presidente

Economía de de

la

Universidad

Autónoma de

la red Eurolatinoamericana de Estudios

México y para

el

Desarrollo" Celso Furtado". Celso Furtado dejó muy claro la importancia de la cultura como vector de desarrollo en muchos de sus estudios. Hábleme de esta discusión.

Efectivamente Celso Furtado fue el pensador estructuralista latinoamericano que más avanzó en la consideración de la cultura dentro del proceso de desarrollo. Considero que Celso no sólo fue el economista cepalino más importante del siglo XX, sino un científico social con una visión multidimensional de los procesos sociales (económica, social, política, y cultural), que no se encuentra en otros economistas cepalinos de su generación, como es el caso de Prebisch para mencionar solamente al pionero de esa escuela. Su método histórico-estructural le da una gran trascendencia a su obra.

1

Doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), professor de Economia da Universidade Federal de Sergipe. Atualmente é presidente da Associação Latinoamericana de Investigadores da Comunicação (ALAIC). E-mail: bolano.ufs@gmail.com. 2 Graduanda em Jornalismo pela Universidade Federal de Sergipe. Vinculada ao Observatório de Economia e Comunicação (OBSCOM/UFS), bolsista de iniciação científica, orientada pelo Professor Doutor César Bolaño, no projeto "Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento". E-mail: joannemota@gmail.com.


Furtado expuso el asunto de la cultura en el desarrollo en dos direcciones principales. Por un lado, estudió cómo la difusión internacional de la sociedad industrial en los países

latinoamericanos

de

la

periferia

capitalista

imponía

en

la

élites

agroexportadoras dominantes, insertadas en la modernización capitalista, formas de consumos suntuario importadas de los centros, que no se correspondían con el bajo nivel de desarrollo de las fuerzas productivas en nuestros países. Ello condicionaba, entre otras la brutal desigualdad en la distribución del ingreso y la heterogeneidad estructural que marcan al capitalismo latinoamericano desde su nacimiento.

Asimismo advirtió cómo el proceso de industrialización arrancado con la sustitución de importaciones, condujo a partir de los años sesenta, a la trasnacionalización del sistema productivo y al dominio de las empresas transnacionales (ETN) en las ramas más dinámicas del sistema productivo, reforzando por esa vía, la adopción de formas de consumo, impulsadas por las propias ETN, que no se correspondían con el nivel de desarrollo alcanzado. La trasnacionalización acabó desarticulando y destruyendo los proyectos nacionales de desarrollo que Brasil. México, Argentina y otros países habían logrado articular en el periodo pos-depresión de los años treinta.

Por otro lado, Furtado tenía muy claro la importancia de la cultura en el proceso de diseño y puesta en vigor de un proyecto nacional de desarrollo auténtico. Para él no podría alcanzarse el desarrollo y superarse la condición de subdesarrollo de nuestras naciones sin una incorporación creativa de las grandes masas de la población en ese proyecto, no sólo respaldándolo, sino contribuyendo a su diseño y a su concreción histórica. Como dice en su extraordinario libro “Creatividad y cultura” (19) - el cual es una critica profunda y radical de la civilización industrial capitalista - Furtado “cualesquiera que sean las antinomias que se presenten entre las visiones de la historia que surgen en una sociedad, el proceso de cambio social que llamamos desarrollo adquiere cierta nitidez cuando lo relacionamos con la idea de la creatividad (…) Por lo tanto – concluye - en la creatividad hay implícito un elemento de poder.

El comportamiento del agente que no ejerce el poder es simplemente adaptativo”. La situación actual de cambio que vive América Latina en la búsqueda de estrategias alternativas de desarrollo, evidencia la validez de lo afirmado por Celso: no habrá desarrollo verdadero ni salida del neoliberalismo y de la crisis, creo, si no se construyen nuevos bloques de poder.


Usted preside la Red Celso Furtado en México, donde principales

estudios

realizados

son desarrollados los

por la

Red

y el

que

de

Estudios

del

Desarrollo

está

integrada

por

cientos

refleje

del

pensamiento furtadiano en México.

La

Red

Eurolatinoamericana

(www.redcelsofurtado.edu.mx)

de

Celso

Furtado

investigadores

latinoamericanos, europeos y de otros países interesados en el estudio de los problemas del desarrollo. Fue creada en 1998, por la iniciativa de varios profesores mexicanos dela UNAM y de la Universidad Autónoma Metropolitana, entre los que me encuentro, y del profesor francés Gérard de Bernis, quien convenció a Celso Furtado, con quien había desarrollado una bonita amistad durante el exilio de éste en París, para que la Red llevara su nombre.

La creación de la Red se concretó en una etapa de hegemonía del pensamiento único, neoliberal y neoclásico. Aunque las crisis financieras recurrentes ya asomaban su rostro (crisis del tequila, crisis asiática), el peso ideológico del neoliberalismo en las universidades y fuera de ellas todavía era y es, muy grande. Nos preocupaba, entre otras cosas, el abandono de la teoría del desarrollo en los planes de estudio.

La contribución de la Red ha sido la del fomento de la discusión y análisis de los problemas actuales del desarrollo de América Latina. Hemos efectuado cinco coloquios internacionales y publicado tres libros, el último de ellos Desarrollo y transformación en América Latina(2010), coordinado por el que habla, Gregorio Vidal y José Deniz y editado por el Fondo de Cultura Económica.

En cuanto la segunda parte de su pregunta, podría decirle que la influencia de la escuela estructuralista en México, y con ello de Furtado, fue muy grande en mis épocas de estudiante allá por los años sesenta, y tal vez desde los cincuenta. Sus contribuciones eran publicadas por la revista mexicana Trimestre Económico, después convertida por los economistas neoliberales en nicho del pensamiento único) y sus libros publicados por el Fondo de Cultura Económica. Con la crisis de los setentas y con el ascenso del neoliberalismo, su influencia se fue perdiendo, aunque se conservaron reductos del pensamiento heterodoxo en las universidades publicas, que esperemos cobren fuerza.


¿Cuál es la importancia de las relaciones culturales entre Brasil y México?

Existen fuertes vínculos culturales entre Brasil y México. Soy un firme creyente de la identidad latinoamericana y de lazos cada vez mayores entre nuestros pueblos, como lo muestran ahora procesos como MERCOSUR y UNASUR, por mencionar sólo los más cercanos a la realidad brasileña. Infortunadamente México, durante la época neoliberal y en contra la tradición de su política exterior, se alejó de América Latina y nuestra élite busco anclarse desesperadamente en el proyecto estadounidense. Es de esperarse un reacercamiento de México con América Latina, no sólo por que su economía reclama urgentemente una mayor diversificación, sino porque nuestro país tendrá que encontrar su lugar dentro de las tendencias a la multipolaridad existentes. El Centro Internacional Celso Furtado de Políticas de Desarrollo el celebrado el debate sobre la pertinencia del pensamiento original de Furtado en el ultimo noviembre. ¿Como usted evalua la reunión?

Me pareció un encuentro de un gran interés, del cual aprendí mucho. Creo que lo discutido nos ayudó a entender a Furtado en su real dimensión. No solamente como el gran economista que fue, sino como un intelectual orgánico, multidimensional, hombre de gran cultura y profundo conocimiento de la historia; y no sólo un pensador original, sino un hombre de la praxis, que entendió siempre que, como decía Marx, no sólo hay que comprender al mundo, sino transformarlo.


Redes sociais e participação política na esfera pública José Aparecido de Oliveira* Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix aparece@gmail.com Resumo: Neste artigo aborda-se a utilização dos espaços de discussão da internet nas eleições presidenciais de 2010 no Brasil, bem como são avaliadas as possibilidades e desafios desse emergente espaço público. A análise fundamentou-se na história dos meios de comunicação, comunicação política, espaço público e marketing político. Os resultados permitem inferir que as novas tecnologias de informação (e-mails, spams, redes sociais, sites, etc.) constituem desafios para a comunicação institucional ou partidária, além de trazer novas exigências no trato com a comunicação interna e externa. Palavras-chave: Esfera Pública; Comunicação Política; Comunidades Virtuais. Abstract: The article analyzes the use of online discussion boards on Brasil’s 2010 presidential elections, and evaluates the challenges and possibilities in this emerging public space. The analysis was based on the history of the communication channels; political communication, public spaces and political marketing. The results allow us to infer that the new information technologies (emails, spam, virtual communities, websites, etc.) present true challenges to political party and institutional communication, as well as new demands in treatment of internal and external communication. Key words: Public Sphere; Political Communication; Virtual Communities. Resumen Este artículo aborda el utilización de foros de discusión en Internet en las elecciones presidenciales de 2010 en Brasil, son evaluados, así como las posibilidades y desafíos de esa esfera pública emergente. El análisis se basó en la historia de los medios de comunicación, comunicación política, el espacio público y el marketing político. Los resultados permiten inferir que las nuevas tecnologías de información (e-mail, spam, comunidades virtuales, sitios, etc.) retos para la comunicación institucional o de partido, y traer las nuevas exigencias en el tratamiento de la comunicación interna y externa. Palabras clave: Esfera Pública; Comunicación Política; Comunidades Virtuales.

Introdução

Já é bastante recorrente a literatura que busca pesquisar o impacto das crescentes transformações sociais dos últimos anos, decorrentes das novas *

Doutorando em Ciências da Comunicação. Jornalista e editor de periódico científico. Professor de Humanidades do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix e de Filosofia da Faculdade de Estudos Administrativos de Minas Gerais (FEAD), Belo Horizonte, MG.


tecnologias de comunicação. Com novas possibilidades de interação mais horizontais – se comparadas com o rádio e a TV –, surge a necessidade de avaliar e repensar as alterações no cotidiano, sobretudo quando está em jogo o argumento – otimista – de que as novas tecnologias de comunicação podem revitalizar a democracia e suas instituições por meio da ampliação da participação civil. Por outro lado, percebem-se também preocupações sobre o potencial interativo das redes telemáticas, vistas como um grande perigo para as instituições. No campo das organizações e instituições, mesmo as mais tradicionais, esses efeitos são mais latentes. Exemplos para esta reflexão foram as últimas campanhas eleitorais para a Presidência da República em 2006, a campanha para o Referendo sobre a comercialização de armas de fogo, realizado em outubro de 2005, e a campanha eleitoral para Presidência da República em 2010, sem falar nos recentes processos que culminaram com ruptura de algumas ditaduras do mundo árabe, que mobilizou milhares de internautas, demonstrando um “novo espaço” de mobilização e discussão na internet. Novas ferramentas, como o correio eletrônico (e-mail), blogs individuais ou de redes sociais (Orkut, MySpace, Twitter e Facebook) se destacaram como suportes para “mediar” ou “macular” o intenso debate que marcou esses eventos. No caso da campanha presidencial de 2010, observa-se que o embate travado pelos canais de comunicação das novas tecnologias não somente potencializam os efeitos da propaganda eleitoral na televisão, como chegaram a pautar as estratégias de campanhas dos dois candidatos mais bem colocados nas pesquisas que foram para o segundo turno: José Serra, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT). No caso dos dois presidenciáveis, observa-se que a questão religiosa, sobretudo ligada à descriminalização do aborto e à união civil dos homossexuais, tornou-se objeto de amplo debate na internet, forçando os candidatos a rever o discurso e a buscar apoio nos segmentos católico e protestante da sociedade brasileira.1 A mudança deveu-se à forte onda de boatos e de manipulações ocorrida nos canais da internet – vídeos, panfletos, diálogos em redes sociais, emergindo de setores conservadores de igrejas evangélicas e também da Igreja Católica. Apesar de uma pesquisa haver demonstrado a irrelevância da questão do aborto sobre o

1

A candidata Dilma Rousseff chegou a se pronunciar em um manifesto aos eleitores religiosos, afirmando que, se eleita, sancionaria o projeto que criminaliza a homofobia (PLC 122), "nos artigos que não violem liberdade de crença, culto e expressão".

2


comportamento do eleitor, é inegável a mudança de postura dos candidatos. (KRAMER, 2010) Circunstâncias e efeitos similares ocorreram durante a Reforma Protestante, na qual os reformadores fizeram forte uso da publicação de literatura (panfletos), bem como nas discussões que antecederam a eclosão da Revolução Francesa. Esses dois eventos históricos, apesar de outras implicações e consequências, teriam seu alcance diminuído não fosse a emergência de um meio técnico recente: a prensa de Gutemberg. Talvez o novo neste desafio seja a urgência de buscar compreender o fenômeno das novas tecnologias de informação e comunicação, que altera todo o quadro hierárquico institucional, suas implicações para as instituições da sociedade civil, as exigências de administração da visibilidade e as transformações que afetam o exercício do poder e os espaços de discussão criados pelas novas tecnologias. Não seria exagerado afirmar que, de outra forma, corremos o risco de compreender o fenômeno apenas em parte ou, no todo, somente em um futuro em que novas interfaces de comunicação e informação já tenham superado os recentes suportes que interferem não apenas na agenda política dos candidatos, como também nos mecanismos de administração da visibilidade das instituições. Internet e participação política

A internet tornou-se um caminho alternativo para as relações sociais e dialógicas não-presenciais, gerando novos meios para a produção e divulgação da(s) cultura(s) e, para o funcionamento menos refratário dos sistemas políticos e da política de subordinação dos indivíduos. Com ela ocorre a transnacionalização das relações, uma desterritorialização dos relacionamentos sociais e organizacionais, agindo às margens das legislações, da soberania do Estado e dos detentores do poder (KACZMARCZYK, 2010). Uma das discussões mais centrais na atualidade reside em saber o verdadeiro papel das novas mídias como agente de “democratização”. Boa parte da literatura sobre democracia digital reconhece o potencial de interação horizontal em massa das novas tecnologias da informação e comunicação (TICs). Esse otimismo faz com que pesquisadores vejam a internet como uma oportunidade para a revitalização da democracia ao franquear

novas

formas

de participação cidadã,

horizontal,

independentemente das grandes estruturas políticas e organismos de comunicação de

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massas, tornando o Estado mais ágil, transparente e próximo do cidadão (CASTELLS, 2003; FERGUSON, 2002, p. 104; CEBRÍAN, 1999, p. 17). A capacidade de interação horizontal ampliada permitira ao cidadão interferir com seu respectivo governo na condução da coisa pública, o que repercutiria em mudanças no modo de operação da política contemporânea (SILVA, 2005, p. 451). Negri e Hardt (2001, p. 320) chegaram a ver a internet como o

principal exemplo dessa estrutura de rede democrática. Um número indeterminado e potencialmente ilimitado de nós, interconectados, comunica-se sem ponto central de controle... [...]. Este modelo democrático é o que Deleuze e Guattari chamam de rizoma, uma estrutura de rede não hierárquica e não centralizada. Essas visões positivas sustentam, ainda, que o uso em larga escala das novas tecnologias da informação e comunicação (TICs) seria capaz de transformar as relações sociais e políticas, com maior fluxo de informação, reforço de laços comunitários, revigorando a participação do cidadão e gerando novas formas de relações com o poder. Sob esse prisma favorável, a internet é vista como um “revigorante” da esfera pública política argumentativa, uma vez que concede expressão a vozes marginais, sem as barreiras da censura governamental ou dos interesses das indústrias de entretenimento e da informação (MITRA, 2001, p. 45), e porque oferece a possibilidade de reciprocidade discursiva advinda da esfera civil. (ALLAN, 2003) No entanto, uma visão alternativa e moderada limita essas transformações apenas a um rearranjo do sistema democrático liberal, admitindo repercussões importantes (maior participação do cidadão na deliberação dos negócios públicos ou, no caso das visões mais negativas, maior controle pelas forças de mercado), mas não tão significativas a ponto de se afinarem com a ideia de uma “revolução”. (SILVA, 2005, p. 453) Castells (2003), nesse tom de moderação, sublinha a importância de utilizar o enorme potencial da internet para reviver a democracia, não como substituição da democracia representativa por meio do voto, mas para organizar grupos de conversação, plebiscitos indicativos e consultas sobre distintos temas, disseminando informações na sociedade. Já as visões contrárias ao potencial “democratizante” da internet partem do pressuposto de que a rede mine todas as formas de “autoridade” e afete negativamente o comportamento e ameace a segurança individual e coletiva. Sunstein

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(2001) afirma que a internet poderá criar uma república de pessoas que só acessam sites, informações e argumentos com os quais possuem afinidade, evitando o debate de ideias característico do espaço público. Atualmente ocorre um debate mais cauteloso em relação ao verdadeiro alcance da intervenção transformadora dessas tecnologias, principalmente no que diz respeito à política. (MAIA, 2002) As contradições que apoiariam essa cautela estariam na exclusão digital, no ambiente digital desorganizado, fragmentação, falta de competência dos cidadãos comuns para discutir e encaminhar temas específicos, pluralidade cultural, etc. A interpretação corrente mais recente dá conta de que as novas tecnologias de comunicação modificam apenas alguns aspectos, e não a íntegra, de campos sociais tradicionalmente estabelecidos (comércio ou a política). Há uma extensão nos canais de comunicação com o ciberespaço, sem constatar mudança efetiva quanto à comunicação política, como a visão de Habermas (2003, p. 107), que aponta para a formação de outras modalidades de esfera pública:

Em sociedades complexas, a esfera pública forma uma estrutura intermediária que faz a mediação entre o sistema político, de um lado, e os setores privados do mundo da vida e sistemas de ação especializados em termos de funções, de outro lado. Ela representa uma rede supercomplexa que se ramifica espacialmente num sem número de arenas internacionais, nacionais, regionais, comunais e subculturais, que se sobrepõem umas às outras. Em síntese, a posição mais corrente coloca a esfera pública virtual como conversação civil e busca compreendê-la como um complemento para melhor formação cívica, um lugar de debates de naturezas distintas, mas sem maior viabilidade de se aliar à deliberação plena, à decisão efetiva quanto à implantação das políticas públicas (MARQUES, 2006, p. 172). Se de um lado temos uma fragmentação e diluição da capacidade de resistência com as novas tecnologias, percebem-se também novos espaços propícios ao desenvolvimento dos direitos humanos (ISHAY, 2008, p. 316). Pesquisadores também apostam numa nova estrutura política a partir do uso das novas tecnologias, que permitem fluxos comunicacionais livres e universais, essenciais para a percepção das injustiças, o desenvolvimento do espírito crítico e a busca por soluções coletivas (JOSGRILBERG, 2010, p. 177). A internet e as eleições presidenciais de 2010

5


Após repassar rapidamente a discussão sobre o papel da internet na esfera pública política, é possível perceber, também, seus riscos. Sem qualquer meio de oferecer regulação ou restrições, a internet apresenta-se como um grande perigo para as instituições que tenham limitações e dificuldades em se comunicar com seus públicos, interno e externo, pois o espaço público exige um esforço de educação, de construção de espaços coletivos e um mínimo de regulação para funcionar de forma responsável e não se tornar monopólio de indivíduos ou grupos. (SORJ, 2006, p. 124) Isso pôde ser comprovado nas operações de marketing político, realizadas no âmbito das eleições presidenciais de 2006, que evidenciaram uma forte campanha digital. Conforme a pesquisa de Sorj (2006), na época, mais de 600 mil comunidades anti-Lula predominavam no Orkut, espaço eletrônico de jovens de classe média. Já as comunidades pró-Lula/anti-Alckmin passavam pouco dos 100 mil, o que evidencia uma “desintermediação” com a gigantesca e rica conversação entre milhões de indivíduos. (PEREIRA, 2006) Fenômeno semelhante ocorreu durante o referendum sobre a comercialização de armas de fogo no Brasil. Além das estratégias da campanha do NÃO, houve um intenso trabalho de propaganda não oficial (forma moderna de propagar rumores) de pessoas que fizeram uso do marketing viral2 ao enviar spams (e-mails não solicitados) com informações alarmistas, dados distorcidos, ilustrados com imagens retiradas dos campos de concentração nazistas e textos que correlacionavam desarme com os mais diferentes massacres e genocídios (SORJ, 2006, p. 132). Uma vez que boa parte da população chegou ao referendum sem posições definidas, pesquisas evidenciaram que muitos dos argumentos utilizados para justificar o voto do NÃO provinham do material que circulou na rede, e não da campanha oficial. (CUNHA, 2006) Com a utilização da internet nas campanhas eleitorais para a Presidência de 2006 e no referendum sobre o comércio de armas em 2005, amparados pelos aspectos panfletários da Reforma e da Revolução Francesa, e da pertinente literatura em comunicação, é possível inferir sobre o fenômeno da questão religiosa que permeou a campanha presidencial de 2010, fazendo com que os dois candidatos mais bem colocados se reposicionassem em suas estratégias de campanha. Seguindo uma tendência constante no referendum e nas recentes campanhas eleitorais, uma intensa onda de informações circulou pelos canais da internet durante as eleições em 2010. Os principais candidatos usaram fartamente “centrais de boatos” 2

Segundo Sterne e Priore (2000, p. 6), o marketing viral abrange o planejamento e a execução de ações que têm como objetivo principal estimular o marketing boca a boca da empresa pela internet, aproveitando-se das redes virtuais de contato.

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para disseminar ou controlar informações por meio das mídias sociais. O site da campanha petista3 recebeu mais de sete mil denúncias. Dilma Rousseff e José Serra tiveram, juntos, mais de 800 mil seguidores no Twitter, além de campanhas em contas das redes sociais Facebook, Orkut e YouTube. (COURA; GROSSI, 2010) O tema mais comum na campanha esteve ligado ao debate religioso, sobretudo relacionado à descriminalização do aborto e à união civil de homossexuais. O primeiro ataque partiu de um vídeo produzido pelo pastor da Primeira Igreja Batista de Curitiba, Paschoal Piragine, que ligava o voto em candidatos do Partido dos Trabalhadores à iniquidade. Mais de três milhões de internautas assistiram ao vídeo, postado no YouTube, o que motivou declaração de repúdio da Aliança de Batistas do Brasil, que condenou o que chamou de “estratégia político-religiosa de demonização do Partido dos Trabalhadores”. Do lado católico, um vídeo postado no YouTube por dom Aldo Pagotto, e que ligava à legalização do aborto ao Partido dos Trabalhadores, recebeu mais de 100 mil acessos. Seguiram-se, também, ataques mediante impressos assinado por bispos que coordenam a Regional Sul da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O padre Paulo Sampaio Sandes e os bispos dom Nelson Westrupp – de Santo André – dom Benedito Beni dos Santos e dom Airton José dos Santos, com integrantes da ala ultraconservadora, divulgaram panfletos atribuindo um suposto posicionamento favorável do PT ao aborto. Os panfletos e também vídeos foram divulgados antes das eleições e até no dia 3 de outubro, configurando crime eleitoral. A CNBB divulgou nota oficial, em 16 de setembro, quando os primeiros panfletos foram distribuídos, afirmando que somente sua Assembleia Geral pode falar em nome da entidade. No dia 8, a nota foi reiterada ao desautorizar “qualquer decisão contrária à da Assembleia Geral, que não vetou candidatos ou partidos". A instituição, em sua nota, “não indica nenhum candidato”, dizendo que, no entendimento do episcopado brasileiro, “a escolha é um ato livre e consciente de cada cidadão”. A entidade também negou credibilidade à homilia transmitida pela TV Canção Nova, em que o padre José Augusto pediu aos fiéis que não votassem em Dilma no segundo turno. Apesar de a CNBB desautorizar o pronunciamento dos sacerdotes, um documento de quatro páginas foi novamente distribuído por ocasião das celebrações do dia de Nossa Senhora Aparecida, 12 de outubro, durante celebrações em

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O endereço www.dilma13.com.br foi retirado do ar após a campanha presidencial. Em seu lugar pode ser encontrado o site <http://blogdadilma.blog.br/>, porém com conteúdo distinto do primeiro. Acesso em: 20 out. 2010.

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Contagem-MG, e no santuário da padroeira, em Aparecida do Norte, SP. (COURA, 2010) No dia 15 de outubro, uma gráfica de Guarulhos informou a impressão de 2,1 milhões de panfletos encomendados pela diocese de Guarulhos-SP. A pedido do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a Polícia Federal (PF) apreendeu, em 17 de outubro, 1 milhão de panfletos com o conteúdo produzido pela Comissão em Defesa da Vida, em uma gráfica no bairro Cambuci, em São Paulo. O material, com a logomarca da CNBB e as assinaturas do presidente, vice-presidente e secretário-geral da Regional Sul 1, recomendava aos eleitores votos somente a candidatos ou candidatas de partidos contrários à descriminalização do aborto. (FAVARO, 2010) Apesar de diversas manifestações contrárias de religiosos católicos, a polêmica prosseguiu e teve seu auge no dia 28 de outubro, quando o papa Bento XVI recebeu, em Roma, um grupo de bispos do Maranhão. Sem citar especificamente as eleições que ocorreriam quatro dias depois, o papa reforçou a posição da Igreja a respeito do aborto e recomendou a defesa de símbolos religiosos em ambientes públicos. "Quando projetos políticos contemplam aberta ou veladamente a descriminalização do aborto, os pastores devem lembrar os cidadãos o direito de usar o próprio voto para a promoção do bem comum", disse numa clara condenação ao voto na candidata Dilma Rousseff. (MAYRINK, 2010) De acordo com o jurista Cândido Mendes, o papa teria adentrado em matéria de específica competência dos leigos no corpo da Igreja, conforme o Concílio Vaticano II. “A hierarquia pode advertir, mas não interferir na autonomia dos leigos no exercício do voto”, disse. Mendes mencionou a Constituição Pastoral Gaudium et Spes, segundo a qual "os leigos devem considerar as prioridades da justiça social, da aceleração do desenvolvimento ou da construção da paz, na luta contra a violência". (ALC NOTÍCIAS, 2010) O candidato José Serra, por sua vez, foi poupado dos ataques de religiosos, mesmo tendo assinado, em 1998, quando era ministro da Saúde, norma técnica do SUS que ordenava regras para fazer anticoncepção de emergência ou abortos, previstos em lei, até o 5º mês de gravidez. Em seu programa de TV buscou se beneficiar da temática religiosa ao utilizar mulheres grávidas e ainda distribuiu santinhos com a inscrição “Jesus é a verdade e a justiça”, frase que teria dito em visita a uma feira de artigos religiosos. A temática religiosa, contudo, voltou-se contra o próprio candidato. Durante evento no Rio de Janeiro, Mônica Serra, esposa do candidato, disse a um evangélico

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que a candidata Dilma Rousseff teria defendido a descriminalização do aborto e é a favor de "matar criancinhas". Cerca de um mês depois, duas ex-alunas de Mônica no curso de dança da Universidade Estadual de Campinas, relataram que a então professora lhes contou em uma aula, em 1992, que fez um aborto quando estava no exílio com o marido em 1973. (NOBLAT,

2010)

A resposta das duas instituições acima (Aliança Batista e CNBB), se comparada com a intensidade da propaganda panfletária, traduz-se no fenômeno do dilema conservador, como ocorreu com a Igreja Católica durante a propaganda dos panfletos protestantes após a invenção da prensa. É normal que a resposta institucional demore, não ocorra ou não venha de forma a sanar o problema em sua plenitude, uma vez que a resposta correta à mensagem pode, portanto, ser a resposta errada em termos de meio. (BRIGGS; BURKE, p. 90) Tanto a nota da CNBB quanto o pronunciamento da Aliança Batista não se configuram como respostas consistentes aos ataques. A nota da CNBB sequer tem o peso de um pronunciamento formal. No site da entidade, três dias após a publicação da nota, era difícil acessá-la em meio a outras informações paroquiais. Em recente nota sobre a declaração do papa dias antes das eleições, o vice-presidente da CNBB procurou disfarçar a clara divisão política entre os 300 bispos em atividade no Brasil.4 Tais fenômenos, mediados pelo potencial de mobilização e discussão criados pela internet, apresentam consequências e desafios para a comunicação das instituições. A primeira delas é a fragmentação da autoridade – semelhante ao que ocorreu durante as restrições impostas aos jornais franceses durante o Iluminismo (BRIGGS; BURKE, 2004), e também a transferência de alguma espécie de poder dos meios de comunicação de massa para os indivíduos, já que “os dispositivos das novas tecnologias de comunicação e informação, interativos e multifuncionais, tem sido frequentemente notados como recursos para fortalecer o processo democrático." (MAIA, 2008, p. 277)

A recepção e o indivíduo-consumidor ocupam lugar central na concepção neoliberal da sociedade. Michel de Certeau insiste na capacidade dos usuários em desviar, contornar a racionalidade dos dispositivos estabelecidos pela ordem estatal e comercial. Contrário a Foucault, sobre as ‘redes da tecnologia observadora e disciplinar’, de Certeau pensava ser fundamental explorar as redes da antidisciplina. Mediante os múltiplos processos de 4

Disponível em <http://arquidiocesedecampogrande.org.br/arq/component/content/article/64-noticias-decapa-destaques/3501-nota-da-cnbb-em-relacao-ao-momento-eleitoral.html>. Acesso em: 16 out. 2010.

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consumo, de Certeau afirma que o poder não mais existe. (MATTELART, 1999, p. 155) Outro desafio, conforme Sorj (2006), é fazer com que a internet funcione realmente como espaço público, o que seria possível com uma regulação mínima da rede e sistemas de certificação para identificar os emissores no futuro. Isso equivale, no campo institucional, a responsabilidades por parte dos emissores de mensagens. Ele também acrescenta outro desafio às instituições e ONGs – rever suas estratégias de comunicação, promovendo sites e mensagens que sigam além do próprio gueto, gerando um efetivo debate de ideias e cidadãos capazes de analisar criticamente as várias intenções. (SORJ, 2006, p. 136) Além dessas considerações, é importante que as instituições acompanhem de perto a evolução e o aperfeiçoamento das novas tecnologias de comunicação, uma vez que cada novo meio de comunicação tende a criar um perigoso monopólio de conhecimento (INNIS, 1950 apud BRIGGS; BURKE, p. 18). E esse desafio parece ser crucial, ao menos para as instituições tradicionais, que ainda veem com ressalvas a apropriação das novas tecnologias de comunicação desde os tempos da invenção do rádio e da televisão. Além das novas posturas de comunicação e da apropriação dos novos “espaços públicos” criados pela internet, é preponderante que as instituições mantenham ativos uma agenda e um projeto que discutam, reflitam e promovam, interna e externamente, os contornos de sua identidade, agenda e missão. Sem o fortalecimento institucional e a promoção de espaços de discussão democráticos e solidamente alicerçados, em todas as suas esferas e instâncias, toda e qualquer prática institucional sofrerá críticas e manipulações de toda ordem, trazidas pelas novas formas de rumor (spams, e-mails, blogs, sites, redes sociais, etc.). Para fazer frente aos perigos da “democratização” desregulamentada trazida pela internet, será necessário o fortalecimento do espaço público nas instituições, criando canais sólidos, transparentes e competentes de diálogo e reflexão, bem como facultando a liberdade ao exercício público da palavra e da ação. (ARENDT, 1972, 191-192) Hoje há uma confusão entre espaço público como lugar de expressão e mediação, e como lugar de hierarquização normativa. Esse espaço, que tem vocação para receber todos os discursos emitidos publicamente e garantir sua mediação, não tem – teoricamente – vocação para transformar-se em um sistema normativo de hierarquização dos bons e maus discursos... Há um risco real de empobrecimento simbólico do espaço público democrático midiatizado; e, para salvar esse conceito essencial à

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democracia, é preciso limitar sua extensão no modo político, racional e laico. (WOLTON, 2004, p. 230-236, grifos do autor) Em tempos de antagonismos (e também de agonias) de caráter político, devese evitar lançar um olhar sobre esses desafios meramente sob o prisma ideológico, já que os desafios recaem sobre todas as instituições em razão da desregulamentação no intercâmbio de informações mediado pelas novas tecnologias de informação. No caso da revolução digital no cenário do marketing político, trazida pela internet, esta ainda se encontra em fase inicial. Referências ALC NOTÍCIAS. Disponível em: <http://www.alcnoticias.net/interior.php?lang=689&codigo=18117>. Acesso em: 10 out. 2010. ALLAN, S. Mediating citizenship: online journalism and the public sphere new voices. Development, v. 46, n. 1, 2003. ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1972. BRIGGS, Asa; BURKE, Peter. Uma história social da mídia: de Gutemberg à internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. CEBRÍAN, J. L. A rede. São Paulo: Summus, 1999. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB). Disponível em: <http://arquidiocesedecampogrande.org.br/arq/component/content/article/64-noticiasde-capa-destaques/3501-nota-da-cnbb-em-relacao-ao-momento-eleitoral.html>. Acesso em: 16 out. 2010. COURA, Paula. Panfleto contra PT distribuído em celebração. O Tempo. Belo Horizonte, Política, p. 6, 13 out 2010. COURA, Paula; GROSSI, Pedro. Internet vira palco de ataque. O Tempo, Belo Horizonte, 22 out. 2010, Caderno Política, p. 6. CUNHA, Christina Vital da. Referendo das armas: propaganda televisiva e percepções da população. Comunicações do ISER: referendo do sim ao não: uma experiência da democracia brasileira, n. 62, p. 57-70, 2006. FAVARO, Tatiana. CNBB reconhece erro ao posicionar-se contra Dilma. Agência Estado, 17 out. 2010. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,cnbb-reconhece-erro-ao-posicionar-secontra-dilma,626036,0.htm. Acesso em: 22 out. 2010.

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Políticas de Ciência e Tecnologia: Articulação entre Padrão Tecnológico e Inovação dos Países * Davys Sleman de Negreiros * * Universidade Federal de São Carlos – UFSCar Resumo: Em um ambiente concorrencial cada vez mais intenso e complexo, sobretudo com o processo de abertura comercial, as atividades de P&D se tornaram fundamentais para os países/regiões em desenvolvimento atingirem um elevado padrão tecnológico que conduza à conformação de novos processos e produtos. Como estratégia para se elevar o padrão tecnológico e estimular a inovação, o estado de São Paulo por meio da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) criou a Rede ONSA, visando entre outros objetivos sanar o principal gargalo da citricultura paulista, ou seja, os problemas fitossanitários. As redes de pesquisa permitem, portanto, a interação entre diversos agentes que acabam gerando conhecimentos complexos e interdisciplinares, além da redução de custos e riscos para os países/regiões. Palavr as-chave: Redes de Pesquisa, Sistema Nacional de Inovação, Citr icultura Paulista

1 SISTEM AS N ACION AIS DE INOV AÇ ÃO E REDES DE PESQUIS A A abertura comercial trouxe consigo seu braço polít ico, conhecido como neoliber alism o. De acordo com este, o Estado deve restringir sua participação na economia, deixando que sua regulação se f aça através das f orças do mercado. Segundo esta perspectiva, o Estado deve ser um agente regulador, que cont role apenas inf lação e dívida e não um participante. Subjacentes a isso estão a desestatização e a privatização. Todavia, não se pode dizer que tal postura seja a mais coerente para um programa de desenvolvimento cient íf ico e tecnológico, pr incipalmente em um país subdesenvolvido. O desenvolvimento de um País depende estruturalmente de uma Polít ica de Ciência e Tecnologia, que est abeleça pr ior idades e invest imentos para pesquisa, bem como conexões entr e os diversos agent es que compõem uma rede e crie inst ituições que f avoreçam o intercâmbio e a incor poração dos result ados da pesquisa na at ividade produt iva. As inst ituições, de acordo **

Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar; Professor Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia - IFRO - Campus Colorado do Oeste; Avaliador ad hoc Institucional e de Cursos do INEP/MEC; Especialista da ANDI/UNICEF - Agência Nacional do Direitos das Crianças e Adolescentes na Imprensa; Pesquisador do NEMP-UFSCar - Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade Federal de São Carlos


com

North

(1990),

não

podem

ser

relegadas

a

segundo

plano,

principalmente, no estudo do ambient e econôm ico e do ambiente inovativo e podem ser organizações f ormais – universidades, agências governamentais, etc – ou um conjunt o de regras e/ou normas construídas pelos indivíduos – tabus,

costumes,

t radições,

leis,

etc.

cujo

objetivo

é

pré-def inir

e

padronizar a condut a. (Dosi & Orsenigo, 1988). A ausência de inst ituições que sir vam como elemento ar ticulador entre as at ividades de pesquisa e a indústria (Br idge Institut ions) é apontada por

Herrera

(1995)

como

o

mais

sério

entrave

ao

cresciment o

e

desenvolvimento da América Latina. A desconexão existente entre o sistema de P&D e a sociedade a que pertencem f az com que os inst itutos de pesquisa se tornem ilhas de excelência, contribuindo pouco para a resolução dos problemas básicos de uma região. Em países desenvolvidos a situação é diametralment e oposta, estando os sistemas de P&D diretam ente envolvidos com os objetivos nacionais e com o progresso social, ou seja, o progresso cient íf ico se ref lete diretamente na indústria, na agricultura e no aumento da produção. Os países desenvolvidos também f ormulam polít icas que procuram integrar os pesquisadores, a f im de criar um f luxo de inf ormações que possam f avorecer a atividade cient íf ica e inovadora. Como exemplo, citamos a Alemanha, que já na pr imeir a metade do século XIX organizou seus Institutos Públicos de Pesquisa. Esse f oi um importante passo para a inst itucionalização e organização da pesquisa cient íf ica (OCDE, 1992). Outro problema apontado por Herrera (1995) se ref ere ao pouco comprometimento verif icado nos gover nos de países subdesenvolvidos em prior izar, f ortemente, invest imentos em C&T. Os programas criados padecem de grande instabilidade, por estarem sempre subordinados a outros aspectos macroeconômicos. I sso f az com que os ref eridos países apresentem duas f ormas de polít ica de C&T: a Polít ica Explícita e a Polít ica I mplícit a: La p r im er a es l a ‘ po l ít ic a of ic ia l ’ ; es l a qu e s e ex p r es a e n l as l e yes , r eg l am en tos y es t at u tos d e l os c uer pos e nc ar g a d os d e l a p l an if ic ac i ó n d e l a c i enc i a, e n los p l an es de d es ar r o l l o, e n l as d ec l ar ac io n es gu b er nam en ta l es , et c .; e n r es um en : c ons t it u ye e l c u er po d e d is p os ic i o nes y n or m as q ue s e r ec o n ec en c om únm en t e c om o la p o lí tic a c i e nt íf ic a d e um país . La S e gu n da , la p o lí t ic a c ie nt íf ic a im pl íc i t a, au n qu e es la q ue r ea lm en t e d e ter m i na e l pa p e l d e l a c ie nc ia en l a s oc ie d ad , es


m uc ho m ás d if íc i l de i de n tif ic a r , p or q u e c a r ec e de es tr uc t ur ac ió n f or m al ; e n es enc i a, ex pr es a l a d em an da c i en tíf ic a y t ec no l ó g ic a de ‘pr o ye c t o n ac i o n a l’ v ig e nt e en c ad a pa ís ( H ER R ER A , 1 99 5 :1 0 6) .

O Projeto Nacional de um país dever ia guardar grande conexão com um Sist ema Nacional de Inovação (SNI). Esse Sist ema, composto por uma série de agentes, econômicos e não- econômicos, teria como principal f unção incentivar e criar mecanismos e instrumentos para a instit ucionalização da pesquisa e desenvolvimento, como f orma de se agregar maiores condições de compet itividade. (OCDE, 1992). Caberia também ao SNI a coordenação das atividades de P&D e a pr ospectiva (foresight) tecnológica. Para

que

adequadamente, envolvidas.

um é

SNI

tenha

necessário

Destacam-se

maiores

um

grupo

aquelas

condições

de

de

inst ituições

responsáveis

f uncionar diretamente

pela

pesquisa

(Universidades, Inst itutos Públicos de Pesquisa, Grandes Empresas e seus Departamentos internos de P&D, Incubadoras, Empresas Especializadas, ONGs,

Organismos

governamentais, públicas

de

Militares

empresas,

f omento,

e

câmaras

mercado

de

outros), setoriais), capitais,

planejamento

(órgãos

f inanciamento

(agências

empresas,

bancos,

órgãos

supranacionais), dentre outros. O SNI deve ter um f uncionamento permanente, e se parece muito com uma rede de pesquisa. A grande dif erença reside no f ato que redes de pesquisa são normalmente desenvolvidas para responder a um problema, ou executar um projeto específ ico, enquant o o SNI deve ter um f uncionamento permanent e. As redes são um aspecto f undamental dentro de um SNI: Ne t wor k s ar e an im po r ta nt c om p on em t of n at i on a l s ys tem s of i nn o v at i on . A n im por t an t f unc t io n of s c ie n c e a nd tec n o lo g y po l ic y is to s tr e n gt h en ex is t i ng in n o v at i o n- r el a te d n et wo r k s an d t o h e lp bu i l d n et wor k s in ar eas wh er e th e y ar e. W hil e, m an y n et wo r k s do n ot n ec es s ar i l y c o inc i de wi th t h e bo u nd ar i es of t he n at i on a l ec o nom i es , t h e us e of i nn o v at i on r e la te d l i nk ag es as p o lic y i ns t r um en t c an on l y oc c ur o n th e bas is of a pr o p er i d en t if ic at i on of s uc h l i nk ag es an d th e ir c at e gor i za t i o n ( O CD E , 1 9 92) .

Na atualidade, de acordo com Dal Poz (2000), os EUA estruturam uma importante rede de pesquisa em inovação genômica que deu origem a novos produtos e pr ocessos biot ecnológ icos. Esta rede art icula set ores de P&D públicos e privados e também invest imentos de ambas as esf eras.


Uma das redes que mais tem se desenvolvido nos últ imos anos, principalmente nos países em desenvolvimento, se r ef erem à conexão entre as universidades e as empresas. Histor icamente, as univer sidades públicas desenvolviam

grandes

projetos

ligados

à

pesquisa

básica,

enquanto

Institutos Públicos de Pesquisa dedicavam-se à Pesquisa Aplicada e ao Desenvolvimento Tecnológico. Porém a necessidade de enxugamento do Estado introduziu um novo perf il às universidades. A f im de legit imarem socialmente sua importância, passaram a criar mais “ links” com as atividades industriais, e desenvolver também pesq uisa aplicada e desenvolvimento de produtos e processos. Visando

a

capacitação

de

mão-de-obra

especializada

e

o

desenvolvimento de produtos e pr ocessos na área de biot ecnologia, o estado de São Paulo por meio da FAPESP (Fundação de Ampar o à Pesquisa do Estado de São Paulo) dest inou recursos da or dem de US$ 25 milhões na montagem de um complexo sistema de oper ações que r ecebeu o nome de ONSA. Esta Rede possui um a es tr ut ur a de pe s qu is a l e v e, f l ex í v e l e ef ic ie nt e , um a es p éc i e de ins t it ut o v ir tu a l d e p es q u is a - a O N S A, O r g an i za t i o n f or N uc l eo t id e S e qu e nc in g a n d A na l ys is - s em par e d es , d es c en tr al i z ad o e bas e ad o n a i dé i a d e r e d e d e l ab or at ór ios , tom ad a d e em pr és t im o a a l g un s gr an d es pr oj et os i nt er n ac i on a is , em par tic u l ar o d o s e q üe nc i a m ento g en ét ic o da S ac c h ar om yc es c er e vi s i ae ( l e ve d ur a) . S ó q ue a es s a i dé i a, a i nic i at i v a p a u lis t a a gr eg o u pr i nc í p ios d e l i d er a nç a e hi er ar qu i a pr ó pr i os d e um ins t it u to c o n v enc i o na l , c he g an d o a um a r ec e i ta , n o m ín im o, or i gi n a l ( Re v is ta N ot íc ia s F a p es p , n. º 3 1, m aio d e 1 99 8) .

A inf ra-estrutura da rede que conta com 33 laborat órios — incluindose aí o do coordenador de DNA do projeto — um centro de bioinf ormática, 2 laboratór ios

centr ais

de

sequenciamento

e

29

laboratór ios

de

sequenciamento espalhados por algumas cidades do Estado, todos com seqüenciadores

novos

e

outros

equipamentos

indispensáveis.

A

Rede

desenvolve quatro projetos: Genoma Cana, Genoma Câncer, o Genoma Xanthomonas citri e o Genoma Xylella f astidiosa. A

Rede

sequenciamento

ONSA

se

completo

destacou da

bactéria

inter nacionalmente Xylella

f astidiosa

ao

realizar

causadora

o da

doença denom inada de Clorose Variegada dos Citros (CVC), popularmente conhecido como “am arelinho”.


Dando, dessa f orma, um importante passo para solucionar um dos maiores obstáculos à competit ividade da citr icultura brasileira que é a questão da f itossanidade. À exceção das crises econôm icas enf rentadas pelo setor – normalment e causadas pela superprodução, associadas às boas saf ras na Flórida – os problemas relativos à sanidade dos pomares já f oram responsáveis por cr ises histór icas no setor, cuja solução nor malmente vinha do investimento do governo em pesq uisas que pudessem erradicar tais problemas. Os problemas de f itossanidade der ivavam, em parte, de negligência daqueles que produziam as mudas. Isso porque mudas e borbulhas sempre f oram vistas como f ator de custeio, o que resultava em constantes tentat ivas de reduzir seu impacto na estrut ura de custos, ainda que comprometesse a qualidade. Hoje se compreende a import ância de se obter m udas sadias para o cult ivo, e investe-se mais nesse aspect o. A percepção de que mudas e borbulhas dever iam ser mais bem preparadas e desenvolvidas para originar os pomares veio nos anos 40, quando o vír us da “t risteza” provocou a morte e erradicação de cer ca de 12 milhões de plantas. Através da atuação de vár ios órgãos de pesquisa governamental – com destaque para o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), desenvolveram-se f erramentas para combat er a praga, incluindo a adoção de um novo porta-enxerto, mais r esistente à “tristeza” , o limão- cravo. Isso permit iu a recuperação da citricultura brasileira. Na década de 1960, quando começava a se consolidar o mercado internacional para o suco brasileiro, um a nova doença atacou os pomares com grande intensidade. Tratava-se do cancro cítrico. Cent enas de pomares f oram erradicados, e diversos municípios tiveram sua produção banida do mercado.

Novament e,

esf orços

f oram

f eitos

para

erradicar

a

doença.

Destaque-se a importância do Fundecitr us, que estabeleceu sua Campanha Estadual para Prevenção do Cancro Cítr ico, em 1984. Acreditava-se que a doença havia sido def init ivamente vencida, mas o cancro cítr ico surgiu novament e, com grande intensidade a partir de 1997, tendo a lar va minador a como grande “aliada” para dissem inação na área de plantio. Durante a “varredura” realizada entre maio a novembro de 1999, no int erior de São Paulo, f oram detect ados 4. 026 f ocos, em 132 municípios, sendo que 333 são f ocos novos. Foram erradicadas 1,3 milhão de plantas (Amar o, 1999).


Houve ainda outras doenças que atacaram os pomares, mas seu ref lexo f oi menos intenso e nocivo. Entr etanto, na década de 1990 surgiu a Clorose

Var iegada

dos

Citros

( CVC),

popularmente

conhecidoacomo

“amarelinho, ataca a copa da planta e já aniquilou diversas ár eas produtoras no norte do estado, tornando-se a pr incipal inimiga da citricultura no Estado de São Paulo. As ár vores af etadas apresentam ramos excessivamente carregados de f rutos muito pequenos, precocemente amar elecidos e com casca extremamente dura, o que compromete sua utilização pela indústr ia de suco, já que poder ia danif icar a própria extrat ora. Além disso, o sabor é tão ácido que compromete também o consumo da f ruta in natura. A transmissão da bactér ia é f eita principalment e por cigarrinhas e por borbulhas inf ectadas. As f ormas mais comuns de controle envolvem a poda das ár vor es inf ectadas e a subst ituição por mudas seguramente sadias, caso contrário a doença poderá se alastrar por todo o pomar. Um ref lexo de sua r ápida dissem inação e conseqüências aterradoras pode ser vista pelos prejuízos já causados no Estado de São Paulo, onde o “amar elinho” atingiu cerca de 34% dos pomares, com prejuízos da ordem de US$ 200 milhões (Pinazza & Alimandr o, 2000). Não ser ia exagero af irmar que o “amarelinho” const itui a principal ameaça já existent e à citricultur a paulista. Embora haja f ormas de controle, a necessidade de mais pesquisas que possam viabilizar um controle mais intenso é iminent e, pois o Br asil é na at ualidade o pr incipal produtor mundial de citros, sendo o estado de São Paulo a pr incipal região pr odutora, concentrando também a maior parte das indústrias processadoras. Apesar das indústr ias processadoras de SCCL serem muito importantes para a econom ia brasileira (geração de divisas) , se os problemas f itossanitários e de qualidade não f orem combatidos, as laranjas (subsist ema de produção citr ícola)

deixar ão

de

existir

e

de

impulsionar

o

subsistema

de

processamento industrial, provocando graves problemas socioeconômicos (Neves, 2000). A Rede ONSA se coloca, assim, como uma excelente e necessár ia polít ica de diminuição do atraso tecnológico e ampliação da capacidade competit iva do set or citr ícola paulista, mostrando que a organização da P&D em países em desenvolvimento na f orma de redes de pesquisa possibilita a articulação de grupos interdisciplinares – cada vez mais necessários ao


esf orço inovat ivo – e a geração de conheciment os complexos, além de partilhar custos e riscos num ambiente altamente complexo e competit ivo.

As redes de pesquisas mostram que as cooperações, parcerias e outras formas de relacionamento entre pesquisadores, universidades, centros

e

institutos

de

pesquisa,

incubadoras

de

tecnologias

e

empresas devem ser estimuladas pelo Estado e também pelo setor privado

como

estratégia

para

se

elevar o

padrão

tecnológico

e

estimular a inovação nos países da América do Sul. REFERÊNCI AS AMARO, A. A. Busca Incessant e. in Revista Agroanalisys, Vol. 19. nº 05. 1999. BONACELLI, M. B. e Salles-Filho, S.L. M. Formação e Arti culação de Cadeias Produti vas e Cadeias Inovat ivas na Agropecuária da América Latina e do Cari be: O Financiamento da Pesquisa em C&T. Campinas, DPCT/Unicamp, 2000. DAL POZ, M. E. A Rede de Inovações Genômica nos Est ados Unidos. in Revista Redes, Agosto de 2000 DOSI, G. The natur e of the innovati ve process. in DOSI, G. et al (orgs) Technical Change and Economic Theor y, London: Pinter Publishers, 1988. DOSI, G. e Orsenigo, L. Coor dination and tr ansf ormation: an over view of structures, behaviours and change in evolut ionar y environments. in DO SI, G. (orgs) Technical Change and Economic Theor y, London: Pinter Publishers, 1988 FREEMAN, C. Net w orks of innovat ors: A synt hesis of research issues. Research Policy, vol. 20, 1991. HERRERA, A. Los Determinantes Sociales de la política cientifica en Am erica Latina. Politica Cient if ica explicita y Política Cient íf ica Implicita. in Revista Redes. Vol.2 nº 25. 1995. MACHADO, M. A & Teóf ilo Sobrinho, J. A Cadeia Produti va da Citricultura. in MCT, Agronegócio Brasileiro – Ciências, Tecnologia e Competitividade, 2. ed. 1998. ________________. Projeto Genom a F APESP: Um Marco para a Citr icultura. in Revista Preços Agr ícolas, março de 2000. MARTINELLI JUNIO R, O. O Complexo Agroindustrial no Brasil: um estudo sobre a agroindústr ia citr ícola no Estado de São Paulo, Dissertação de Mestrado, Faculdade de Economia e Adm inistração/USP, São Paulo, 1987. NEVES, E. M. Economia da Produção Citrícola e Efeitos Al ocati vos. in Revista Preços Agr ícolas, Abril de 2000. NOHRI A, N. Is a netw ork perspective a usef ul w ay of studyi ng organizations? in NOHRI A, N. e ECCLES, R.G. (eds.) Net works and organizat ions: struct ure, f orm and action. Boston, Massachussets., Har vard Business School Press, 1992. NORTH, D. Instituti ons, institutional change and economi c performance. Cambridge: Cambridge Univer sit y Pr ess, 1990. OCDE, Technology and Econom y – The Key Relat ionships. 1992.


PINAZZA, L.A. & Alimandro, R. Agroanalisys, Vol. 20 nยบ 05. 2000.

Nascido

par a

Vencer.

in

Revista


MIL’ TONS: uma identidade cultural musical Alberto Carlos de Souza1 Resumo: Estudo que busca discutir os lugares de memória nas obras fonográficas “Minas” e “Geraes”, de Milton Nascimento, lançadas em 1975 e 1976, respectivamente; vistas pela crítica da época como as mais representativas do “movimento” Clube da Esquina. Tais obras foram engendradas num contexto em que o Brasil vivia um momento de forte repressão política, circunstância na qual Milton e seus parceiros percebem a oportunidade de, em “Minas” cantar para dentro, em suas raízes interioranas e, em “Geraes”, cantar para fora, ao incorporar à sua musicalidade elementos latino-americanos. “Minas” e “Geraes” têm o significado de serem “lugares sem frestas” - onde não há “desbunde”, muito pelo contrário, há exposição de resistência nos corpos, na paixão, nos sentimentos, na fé e na memória. Palavras-Chave: Milton Nascimento; Música Popular Brasileira; Lugares de Memória; identidade cultural. Abstract: A study that discusses the places of memory in the works phonograph "Minas" and "Geraes", Milton Nascimento, launched in 1975 and 1976, respectively, seen by critics of the season as the most representative of the "movement" Clube da Esquina. Such works have engendered an environment in which Brazil was experiencing a time of severe political repression, a situation in which Milton and his partners realize the opportunity in "Minas" sing in, in their roots in the countryside, and "Geraes”, sing out, by incorporating elements of its musicality of Latin America. "Minas" and "Geraes" has the meaning of being "places without gaps" - where there is no "desbunde”, on the contrary, an exposition of resistance within the body, passion, feelings, faith and memory. Keywords: Milton Nascimento; Brazilian Popular Music; Places of Memory; Cultual identity. Resumen: Estudio que pretende analizar el lugar de la memoria de obras fonográficas "Minas" y "Geraes", Milton Nascimento, lanzado en 1975 y 1976, respectivamente, visto por los críticos de la época como la más representativa del "movimiento" Clube da Esquina. Estas obras fueron engendrados en un contexto en el que Brasil fue un momento de intensa represión política, una circunstancia en la que Milton y sus socios la oportunidad de realizar en la "mina" en el canto, el interior de sus raíces, y "generar", cantando a cabo, al tiempo que incorpora elementos de la musicalidad de América Latina. "Minas" y "Geraes" el significado de ser "lugares vacíos, sin" - donde hay "chivo", por el contrario, hay exhibiciones de fuerza en el cuerpo, la pasión, los sentimientos, la fe y la memoria. Palabras Clave: Milton Nascimento, la música popular brasileña, asientos con memoria, la identidad cultural.

Introdução

1

Doutorando em Humanidades, pela Universidad Nacional de Rosário(UNR)- Argentina. Mestre em História pela Universidade Salgado de Oliveira- Niterói/RJ. Professor de Arte da Secretaria Municipal de Educação de Vitória e Serra/ES. Acsouza71@bol.com.br


Este estudo – um diálogo entre História e Cultura – buscou apresentar um momento da música brasileira no cenário histórico que se apresenta na década de 1970, confrontando, ao mesmo tempo, a biografia (musical e individual) de Milton Nascimento, tendo como ponto de partida os discos “Minas” e “Geraes”. Dentre toda a vasta discografia de Milton Nascimento, a nossa escolha se deu por “Minas” (1975) e “Geraes” (1976) obras consideradas pela crítica como a produção musical mais representativa do movimento Clube da Esquina. Além disso, estas obras permitem uma interpretação em que se destaca o tema da identidade. Dessa forma, Hall (2006) entende que neste tempo em que nós vivemos, marcado pela globalização, a crise de identidade é inevitável. Assim posto, entendemos ser função da escola criar junto ao alunado um espaço de valorização de seu patrimônio cultural e para tal, consideramos a teoria dos lugares de memória – conforme proposição de Nora (1984) em que a teoria dos lugares da memória foi formulada e desenvolvida a partir dos seminários orientados por Nora na École Pratique de Hautes Etudes, de Paris, entre 1978 e 1981, sendo editada em “Les Lieux de Mémorie”, uma obra composta por quatro volumes. Reportando-se à memória nacional francesa, Nora, nesta obra, considera ser importante inventariar os lugares onde a memória – cada vez mais ameaçada de desaparecer -, ainda permanece encarnada. Objetivo

Este estudo buscou discutir o lugar da memória na obra poética “Minas” (1975) e “Geraes” (1976). Caminhada Metodológica

Nossas fontes de estudo foram os discos “Minas” e “Geraes” lançados, respectivamente, em 1975 e 1976, entrevistas e livros tendo como tema a vida e obra de Milton Nascimento. Onde só foram usadas as músicas compostas por Milton e seus parceiros que estão nos LP’s “Minas”(1975) e “Geraes”(1976), gravados pelos Estúdios EMI/ODEON, as músicas selecionadas foram as seguintes: Fé cega, faca amolada, Saudade dos aviões da Panair, Gran Circo, Ponta de Areia , Trastevere, Idolatrada, aula e Bebeto, Menino, Promessas do Sol, Lua Girou, Circo Marimbondo, Primeiro de Maio, O Cio da Terra.


O conceito de lugares de memória, conforme concepção de Nora (1992) foi a baliza norteadora do relatório. A teoria dos Lugares de Memória foi formulada a partir dos seminários orientados por Pierre Nora entre 1978 a 1981, na École Pratique des Hautes Études – em Paris. A partir de 1984, sob sua direção, iniciou-se a edição de “Les lieux de mémoire”, uma obra que partindo da constatação do rápido desaparecimento da memória nacional francesa, propôs o inventariamento dos lugares onde a mesma ainda se mantinha de fato encarnada, graças à vontade dos homens e apesar da passagem do tempo. Para Nora (1992) símbolos, festas, emblemas, monumentos, comemorações, elogios, dicionários e museus são lugares de memória. A Musicalidade de Milton Nascimento

Milton Nascimento é reconhecido nacionalmente como um ícone mineiro. Mas, engana-se quem pensa que ele nasceu e foi criado no bucólico Bairro de Santa Teresa, em Belo Horizonte. Milton nasceu no Bairro da Tijuca, Rio de Janeiro, em 26 de agosto de 1942. Mas quem era essa criança? Poderia ser, como nos diz Del Priore (2007), uma criança como muitas outras crianças brasileiras, como aquelas que estão em toda parte, com destinos variados e variados rostos: rostinhos mulatos, brancos, negros e mestiços. Algumas amadas ou outras simplesmente usadas. Milton era filho de Maria do Carmo, uma empregada doméstica que veio do interior de Minas e que trabalhava na residência do casal Carvalho Silva, mas que acabou morrendo vitimizada pela tuberculose quando a criança tinha apenas um ano. Em relação à inserção das mulheres de classes menos favorecidas no trabalho, como foi o caso de Maria do Carmo, moça negra e interiorana, temos de considerar que historicamente as mesmas sempre foram pressionadas a obter remuneração “[...] As empregadas domesticas (...) existem desde o fim da escravatura. No campo, as mulheres sempre estiveram presentes na lavoura, basta ver qualquer ilustração de colheitas de café ou cana de açúcar para constatá-lo...” (SOUZA, 1997, p. 182). Buscando analisar a condição feminina, no século XIX, na cidade do Rio de Janeiro, especificamente no que diz respeito às atividades laborais, Leite (1984) registrou, a partir de uma seleção da documentação naquele século, extraída de livros escritos ou traduzidos para o português, que as escravas, além dos serviços domésticos ou trabalho na roça, também eram utilizadas como aguadeiras, amas-de-leite, lavadeiras, rendeiras ou vendedoras. Esta autora constatou, também, a partir de registros de Gendrin, datados de 1817, que as mulheres (brancas) do Brasil, além de preguiçosas,


eram muito mais cruéis que os homens, na tarefa de “educar” os seus negros e negras. Pois bem, com a morte de Maria do Carmo o pequeno Bituca foi mandado para a casa de sua avó, em Juiz de Fora. Nesse ínterim, Lilia se casa e vai morar na cidade de Três Pontas no interior de Minas Gerais. Muito ligada ao pequeno Bituca, só sossegou quando obteve a guarda do menino. Esse laço de afeto que nasceu entre Bituca e Lilia, uma vez fortalecido, seria estendido a todas as mulheres. Tempos depois, com a ajuda de Fernando Brant, Milton fez um hino de valorização à mulher. Em “Idolatrada” (NASCIMENTO; BRANT, 1975), a mulher tem muitas qualidades que Bituca aprendeu a reconhecer em Lília: ela é corajosa, cuidadora da casa e da família, amiga e verdadeira. Os fragmento da letra desta música, que apresentamos a seguir, dá conta disto: “Grande é grande a tua coragem, o teu amor (...) Tu és mulher, cuidas da casa e da família...”. Pela primeira vez, um trem comparece na vida do pequeno Milton. Do Rio de Janeiro para Três Pontas a viagem foi de trem. Zino, perdido na leitura de um romance. Lilia contagiada com a alegria de Bituca; para ela, era como se o menino estivesse brincando de viajar num Trenzinho Caipira. Em, com saudades, Lília se lembrou do tempo em que estudava na escola pública e que foi aluna de Villa-Lobos. “Lá vai o trem com o menino (...) Vai pela serra, vai pelo mar” (SADIE,2002). O encanto que tinha pelos bondes do Rio de Janeiro automaticamente foi transferido para os trens. Muitos anos depois, juntamente com o Fernando Brant, Milton Nascimento estaria resgatando de sua memória recordações dessa viagem, numa de suas músicas, ao falar de outra estrada de ferro; citada por eles como uma estrada “natural” que ligava Minas ao mar: estamos falando da Estrada de Ferro Bahia-Minas, construída no final do séuclo XIX e desativada na década de 60, que ligava o oeste de Minas Gerais ao sul da Bahia ((HISTÓRIA DA ESTRADA DE FERRO BAHIA-MINAS, 2008). Tratavase da música “Ponta de Areia” (NASCIMENTO; BRANT, 1975).

Naquela viagem de trem, na qual foi pela primeira vez para Três Pontas, Bituca também se encantou pelas montanhas e cafezais. Somou-se a isso, no decorrer dos anos em que viveu naquela cidade, o encanto pelas lendas contadas pelos seus avós paternos, o amor de sua mãe, as invenções de seu pai, a religiosidade mineira, a comida trivial, as sessões dominicais de cinema, as brincadeiras com as outras crianças e com o seu maior brinquedo – a música. Tudo isso foi parte da travessia de Milton em direção à mineiridade – sentimento ou noção da particularidade do jeito


mineiro de ser. Jeito de ser mineiro, uma coisa que brota da terra, o “O Cio da Terra” (NASCIMENTO; HOLLANDA, 1976), na qual nasce o trigo que forja o milagre do pão, onde se decepa a cana e, roubada a sua doçura, se lambuza de mel. Das casas em que morou em Três Pontas, Milton guarda boas lembranças dos quintais que tinham de tudo, anuncia: Circo Maribondo. Carro de som na rua e a meninada em alvoroço. O palhaço em bom tom pergunta à garotada: Hoje tem marmelada? Perdidos nessas lembranças de um tempo que não volta mais, Milton Nascimento e Ronaldo Bastos sonham enquanto rabiscam a letra da música “Circo Marimbondo”: eu cheguei de longe, não me atrapaia (NASCIMENTO; BASTOS, 1976). Noutro espaço desse tempo que não volta mais, Milton – agora com o Márcio Borges -, continua falando de circo. Um outro circo, o circo humano, no qual o palhaço, corre um risco que pode ser simbólico ou real. Conforme adverte Goudard (2009, p. 25), no circo, “A vida é colocada em jogo na cena, e a morte – para ser julgada? – é verdadeira e frequentemente convocada”.

Em “Gran Circo” (NASCIMENTO; BORGES, 1975), Milton e Márcio Borges parecem reduzir o mundo a um picadeiro, no qual todos nós podemos ser palhaços famintos ou bailarinas loucas. Milton tinha cinco anos quando ganhou o seu primeiro instrumento que foi uma gaita de uma escala só. Foi com o seu segundo instrumento musical, uma gaita dotada de sustenidos e bemóis, que a família percebeu que “o menino tinha jeito para a coisa”. O pequeno Milton fez todos os seus estudos iniciais em uma escola pública e que, curiosamente, levava o nome de um padre negro: tratava-se do Grupo Escolar Cônego Victor. Por parte destas crianças negras Bituca, por morar no seio de uma família branca, ouvia com freqüência desaforos do tipo, “Ô macaco!” (DUARTE, 2006). um de seus melhores amigos até hoje. Noutra casa, na mesma rua em que a família de Bituca morava, outro menino vivia encantado pela música. Seu nome – Wagner -, e, que por ser filho de uma professora de piano e acordeão, estava acostumado a conviver com música o tempo todo. A genialidade musical de Bituca começa na sua mais tenra infância; desde pequeno já inventava e musicava suas próprias histórias.

A participação de crianças na obra de Milton e o seu afeto pelas mesmas é algo muito presente em sua vida e obra. Milton tem um filho biológico, o Pablo, nascido em 1972 e fruto de seu relacionamento com Káritas. Ao que parece, Káritas teve uma grande


importância na vida de Milton. A letra da música “Primeiro de Maio” (NASCIMENTO; HOLLANDA, 1972), ao falar de uma mulher cujo corpo é comparado a uma oficina onde ela – tecelã -, fia nas malhas do seu ventre um novo ser do amanhã, até parece ter sido feita sob a inspiração de Káritas grávida. Entretanto, Milton Nascimento afirma não ter apenas um, mais muitos filhos: "As pessoas falam: ‘Ah, seu filho...’. Em vez de um filho, tenho milhares que vou semeando por aí. Sempre que alguma coisa me toca, quero trazer para perto. É assim na música, na vida, no palco" (VIANNA, 2006). Supomos que esse gosto pelo repente, Bituca adquiriu do seu pai - Senhor Josino. Uma dessas histórias cantadas por Bituca, “Porcolitro”, acabou ficando muito conhecida pela meninada trespontana. Era a história de um litro de leite que virou porco e que saiu pelo mundo protagonizando muitas aventuras. Durante oito anos, Porcolitro encantou o imaginário de Bituca e de toda a criançada trespontana. Trilhar uma estrada, com fé cega, faca amolada. Uma estrada que começa em Três Pontas e vai dar, de início, em Belo Horizonte e, depois, em todo o mundo. Brilhar e acontecer. Uma caminhada com muitos irmãos e irmãs de fé. Um encontro, no ano de 1975, com um desses muitos irmãos de fé - o Ronaldo Bastos. Aonde vai dar essa estrada? Numa música: “Fé cega, faca amolada” (NASCIMENTO; BASTOS, 1975). Bituca formou o seu primeiro grupo musical quando ainda era adolescente: ele tinha apenas catorze anos de idade e ainda morava em Três Pontas. Participaram deste grupo outros quatro amigos: Dida, Paulo, Carlinhos e Vera. O grupo se chamou “Luar de Prata” e se inspirou no grupo musical norte-americano The Platters. Com a entrada de Wagner Tiso no grupo, nasce entre ele e Bituca “[...] uma parceria que iria durar por toda a vida. Milton Nascimento e Wagner Tiso foram parceiros em composições, em espetáculos, discos, conjuntos de bailes, em bancos de praças e botequins” (DUARTE, 2006, p. 57). As apresentações do grupo “Luar de Prata”, com Bituca no vocal, eram cada vez mais freqüentes e, logo, o grupo seria conhecido não apenas em Três Pontas, mas em toda a região. O grupo chegou a gravar duas músicas do “The Platters”, num disco de 78 rotações. Os meninos sempre eram levados pelos pais ou tios para eventos onde se apresentavam. Bituca, além de tocar sanfona e gaita, ou no vocal, ganhou de sua avó materna o instrumento que viria a ser a sua marca registrada: um violão. Bituca em pouco tempo dominou a arte de tocar o violão e, dessa forma, o instrumento foi inserido no grupo musical. Aos poucos o grupo “Luar de Prata” foi deixando de existir, pois seus integrantes, excetuando Bituca, tinham, por diversas razões, mudado de cidade. Bituca formou um novo grupo, intitulado “Milton Nascimento e seu conjunto” e a estréia do mesmo aconteceu no Automóvel Clube de


Três Pontas. Milton estava estudando o segundo ano do curso técnico de Comércio, em três Pontas, quando foi convocado para servir na Escola dos Sargentos das Armas (ESA), em Três Corações, o serviço militar. Morando em Alfenas, Wagner Tiso fundou um conjunto apropriadamente chamado W’s Boys: todos os integrantes – Wagner, Waine, Wanderley e Wesley -, tinham o nome iniciado pela letra W. Convidado por Tiso a participar nos finais de semana como um dos crooners do grupo, Bituca não teve escolha a não ser trocar seu nome: de Milton passou a ser o Wilton Nascimento. O “Tamba Trio”, formado por Luis Eça, Bebeto Castilho e Hélcio Milito foi a grande referência musical para este grupo. E começa a aventura de Milton por muitas estradas. Um primeiro caminho que vai dar em Belo Horizonte, a cidade moderna. Outros caminhos... Um caminho foi dar em Roma. Na milenar Roma, um rio - o Tibre. Trans Tiberim, o rione Trastevere. Em Trastevere, uma igreja privilegiada – a Basílica de Santa Cecília, a padroeira da música. Na mesma Roma, na Igreja de Santa Maria della Vitória, uma obra prima absoluta, observada por Janson (1992) O Êxtase de Santa Teresa. Em Belo Horizonte, a cidade moderna, no bairro de Santa Teresa, em êxtase, o menino Bituca, que havia se metamorfoseado em Wilton, volta a ser Milton: calado, ouvindo e sorrindo como sempre. Sempre na companhia de muitos amigos. Junto com um destes, o Ronaldo Bastos, constrói em versos a “Trastevere” (NASCIMENTO; BASTOS, 1975) moderna – a cidade de Belo Horizonte. Na capital mineira, estando com vinte anos, pois o rapaz nunca quis depender financeiramente de seus pais. Milton precisava arrumar um emprego, pois, ainda naquele tempo, não dava para viver só de sua música. Para sobreviver, conseguiu uma vaga de escriturário numa estatal brasileira. Naquele tempo Milton e os irmãos Tiso – Wagner e Gileno -, formavam um trio musical de nome Holiday. A entrada de Milton e dos irmãos Tiso no “Célio Balona” se deu pelas mãos de Pacifico Mascarenhas, considerado a maior referência bossa-novista mineira em todos os tempos. De imediato, Milton foi contratado como crooner fixo daquele famoso conjunto, no qual permaneceu por dois anos. Corria o ano de 1963. Milton continuava participando do Conjunto Célio Balona, e no tempo que restava ainda tocava no Holiday ou fazia apresentações solo em bares. Mesmo com tantas ocupações ainda arranjou tempo para formar o grupo Evolussamba, que tocava samba em uma boate japonesa de Belo Horizonte. Pouco antes das festas de fim de ano, Milton recebeu a notícia do adoecimento de sua mãe.


Entrou em pânico, até lembrar que lá em Três Pontas, uma mulher ficar doente correspondia a engravidar. Entre o natal e o dia dos Reis Magos, comemorado em seis de janeiro, nas duas semanas que passou em Três Pontas, Milton Nascimento aproveitou toda a calmaria interiorana para refletir sobre os rumos que queria dar à sua vida. E surge o “Evolussamba” como algo inusitado, um grupo de samba pra tocar numa boate japonesa. Tudo nesse conjunto musical parecia ser muito doméstico e improvisado. O grupo “Evolussamba” seguia seu rumo tocando samba na boate japonesa. Numa dessas apresentações, o Danilo Vargas – diretor e apresentador de um programa dominical na televisão mineira -, que os convidou para uma apresentação no programa “A tarde é nossa”, na extinta TV Itacolomi. O sucesso foi tão grande, mas, se dependesse da timidez de Bituca, nada disso teria acontecido, pois foi a contragosto que ele topou a empreitada de tocar na televisão. No ano de 1964, início do mês de março pairou várias nuvens, sobre os Estados de São Paulo e Minas Gerais, instalava-se como uma brisa quente, um boato, da queda do então presidente da república, Jango, pelos militares. Transcorrido aquele mês, o boato tornou-se fato real e foi o general Castello Branco quem deu um telefonema a um deputado amigo informando que “a fatura estava liquidada”. Era o começo da Ditadura no Brasil, instalada no dia 31 daquele mês, mas que teve como prenúncio muitos fatos relevantes e que serviram para aumentar a instabilidade política, dentre outras, a Conservadora Marcha com Deus pela Liberdade e os movimentos com milhares de pessoas na capital paulista e mineira, protestando contra medidas políticas adotadas pelo presidente Jango (GASPARI, 2003). Passeatas estudantis, revoltas e o golpe sendo instalado pelos militares ... Um turbilhão de acontecimentos todos ao mesmo tempo. Uma nuvem cinzenta paira sobre o céu da Pátria, Mãe gentil. Dúvidas, muitas dúvidas. Então o menino Bituca tímido e calado desaparece, dando vez ao jovem Milton, crítico, consciente. Ao compor, com o seu amigo Ronaldo Bastos, “Menino” (Nascimento, Bastos, 1976), talha a ferro e fogo, a bala que rasga seu peito. O dia 31 de março de 1964 marcou o início de um dos períodos mais críticos de nossa história. No mesmo dia, uma boate estava sendo inaugurada na sobreloja do Edifício Maleta. Mesmo assim, os jovens freqüentadores do edifício Maleta foram à inauguração da Boate Berimbau, afinal a vida continuava com ou sem ditadura. Tocar ou cantar nessa boate, era o sonho de consumo de qualquer músico da cidade, pois, nesta casa só tocava “fera”. Então, Wagner juntamente com Milton e Paulo Braga formou o “Berimbau Trio”. Com esta formação foram convidados a tocar nessa que era


a casa de shows mais conceituada de Belo Horizonte, como todas as demais capitais brasileiras, tentava se adaptar ao novo regime – a ditadura-, e cercada por militares que garantiam a ordem e os bons costumes da Nação. Enquanto isso, em Três Pontas, e todas as demais cidades do interior do Brasil, a população festejava o golpe militar na crença ingênua de que o mesmo nos livrava da ameaça do comunismo. A cidade moderna, idealizada pelo engenheiro paraense Aarão Reis em 1897, com o nome de “Cidade de Minas”, vão sendo ofuscados pelas sombras dos militares. Sufocados, os jovens Milton e Brant sonham com o horizonte perdido e, na esperança de reavê-lo, fazem promessas. Promessa de luz, promessa pro sol, também pedem coisas pra lua de prata ou pros deuses gregos. Vagando como zumbis numa tragédia que oprime, em sinal de resistência à opressão, Milton e Fernando Brant rascunham “Promessas do Sol” (Nascimento, Brant, 1976). As apresentações na Boate Berimbau estavam agendadas para o “Berimbau Trio” por todos os finais de semanas. Num dos intervalos da apresentação do grupo, Márcio Borges, que estava na platéia, se aproximou de Milton. O refinamento intelectual do rapaz a nosso ver, Márcio – de maneira muito sensível -, havia percebido algo que limitava a tensão psíquica do cantor, referida por Ostrower (1987, p. 27) como “uma intensificação do viver, um vivenciar-se no fazer”. Bem diretivo, quis logo saber: O que está havendo? A partir daquela conversa, ao que parece, um bloqueio – referido por Milton, como dor no peito -, começou a se dissipar. Isto também marcou o início de uma relação muito intensa e produtiva entre os mesmos. Tal despertar se deu de forma inusitada: certa ocasião os dois saíram para assistir, às duas da tarde, um filme: “Uma mulher para dois”, de François Truffaut. Milton e Márcio Borges saíram do cinema, às dez da noite, após três sessões consecutivas e encantados com tudo. Nesse momento, nascia o grande compositor. Para a alegria de Márcio Borges, Bituca propôs ao amigo: “[...] Vamos lá pra tua casa agora. Pega um violão pra mim, um papel e um lápis, que nós vamos começar a compor.” (DUARTE, 2006, p. 94). E então, num arrebatamento, escreveram de uma única vez, três músicas, das muitas que ainda iriam compor, a partir daí: “Paz do amor que vem” (Novena), “Gira, girou” e “Crença”. Outro amigo, de grande influência em sua vida – Fernando Brant -. Com Brant, Milton assinaria muitas de suas canções. Com estes dois amigos e muitos outros, todos tendo em comum o gosto pela música, é que nasceu o movimento denominado “Clube da Esquina”. Mas de que esquina estamos falando? Estamos nos referindo à confluência das ruas Divinópolis e Paraisópolis, no Bairro de Santa Teresa, na cidade de Belo Horizonte. Naquela esquina havia o “Bar do


Tuchão”, onde Milton e seus amigos costumavam se encontrar. Daí a expressão “Clube da Esquina”. Entre os principais membros deste movimento, podemos citar Milton Nascimento, Fernando Brant, Márcio e Lô Borges, Beto Guedes, Nelson Ângelo, Wagner Tiso, Toninho Horta, Robertinho Silva, Novelli, Nivaldo Ornelas, Ronaldo Bastos, Tavinho Moura e Murilo Antunes. Trata-se, no entanto, de uma lista incompleta. Na cidade moderna, ainda sufocada pela ditadura, um grupo de jovens sentados à mesa de um bar. Cansados de tanta cerveja, decidem, pelo menos naquela noite – entre uma conversa e outra -, só tomar Coca-cola. Conversas sobre o que? Montanhas, trens, trilhos, igrejinhas. E, também, sob obviedades que começam a passar pelas cabeças de Milton e Brant: coisas do tipo, onde tomamos a nossa primeira Coca-cola? Saudades do tempo das vacas magras em que só se dava para viajar de ônibus? Decididamente, não. Viajar, agora, só se for em aviões. Saudade de que, então? Saudade dos Aviões da Panair (NASCIMENTO; BRANT, 1975). Mas, observa Garcia (2000), que, a rigor, o Clube da Esquina não “começa” numa esquina, mas nas escadarias e apartamentos do Edifício Levy. Como já foi referido anteriormente,

por

volta

de

1963,

Milton

Nascimento

morava

numa

pensão/apartamento do quarto andar deste edifício e no décimo sétimo andar morava a numerosa família Borges, com muitos filhos, dentre eles, Lô e Márcio. Tendo esses rapazes um mesmo interesse em comum – a música -, a aproximação entre eles foi inevitável. A inserção de Milton no panorama musical popular brasileiro – como era muito comum em sua época - se deu através dos festivais. A sua primeira aparição como cantor foi no Festival Nacional da Música Popular da TV Excelsior, em São Paulo, no ano de 1966, quando defendeu a música “Cidade Vazia”, de autoria de Baden Powell. Nesse festival, a grande vencedora foi “Porta Estandarte”, de Geraldo Vandré e Fernando Lona, sob a interpretação de Tuca e Airton Moreira. “Cidade vazia” foi classificada em quarto lugar e Milton, por sua interpretação, ganhou o primeiro troféu de sua carreira: o “Berimbau de Bronze”. Neste mesmo ano, Elis Regina inclui no seu álbum “Elis”, lançado pela CBD-Philips, uma de suas músicas – a “Canção do sal”; considerada pelos críticos como a sua primeira aparição expressiva enquanto compositor. Com esta canção – e com a ajuda de Elis -, Milton nascimento começa a ganhar prestígio: “[...] não era só mais uma bela voz, era um compositor de vanguarda, dizia-se.” (DUARTE, 2006, p. 113). A ajuda de Elis foi decisiva e se deu através de um convite para participar do programa televisivo (ao vivo) “O fino da bossa”, do qual era, juntamente com Jair Rodrigues, apresentadora. Nesta ocasião fizeram um dueto com


a “Canção do sal”, arrancando muitos aplausos da platéia. Milton estava conseguindo viver razoavelmente bem – dividia um quarto de pensão com o seu primo Jacaré -, na Vila Mariana. Quando faltava dinheiro, tinha o suporte daquele primo que estava morando em São Paulo para estudar o “científico”. Por essa ocasião, compôs “Irmão de fé”, música que inscreveu no Festival Berimbau de Ouro. No entanto, logo Milton não pode mais contar com o apoio do primo que havia terminado seus estudos. Ao voltar para o Rio, Milton foi à casa de Caetano Veloso, a quem costumava visitar. Naquele dia, sentia-se particularmente triste. O que se passa, perguntou Caetano. Milton referiu estar triste, pois soubera que um casal de amigos havia se separado. Milton começou a tocar uma melodia. Tempos depois, agora em sua casa, Bituca recebendo Caetano, começou a dedilhar novamente aquela música. Caetano lhe presenteou, ali na hora, com a letra. Assim nasceu “Paula e Bebeto” (NASCIMENTO, VELOSO, 1975), a história de um casal que se amava de qualquer maneira, pois “qualquer maneira de amor vale a pena, qualquer maneira de amor vale amar”. Retornando a São Paulo, dessa vez as coisas se tornaram melhores: apareceram novos trabalhos e novos amigos. Um desses, o cantor Agostinho dos Santos, decidiu apadrinhá-lo. E foi pelas de Agostinho dos Santos que Milton chegou ao Rio de Janeiro. Agostinho tomou conhecimento que, desde a desclassificação de “Irmão de fé” Milton andava meio decepcionado com os festivais de música, de tal modo que ninguém seria capaz de fazê-lo mudar de opinião. E as inscrições para o II Festival Internacional de Canção (FIC) estavam abertas. Como garantir da participação de Milton Nascimento? A saída foi usar um artifício, pedir para o amigo gravar três das suas composições numa fita, de posse daquela fita, Agostinho dos Santos inscreveu Milton e as três músicas no II FIC. Foi por intermédio de Elis Regina que Milton soube estar inscrito no II FIC e, o que é melhor, classificado. No Rio de Janeiro, na noite da festa, o Maracanãzinho estava lotado. Desta vez, um público diferente, mais colorido. Num lugar especial, nas cadeiras de pista, bem próximo do palco, lá estavam eles: Lília, Zino, a família Brant e muita gente que veio de Três Pontas. Dentre eles, seu amigo de infância, o Dida. No desfecho deste festival, o saldo foi muito positivo para Milton Nascimento: Travessia foi premiada com o segundo lugar, Milton ganhou o prêmio de Melhor Interprete e foi o artista mais aplaudido do festival. “Minas” foi criado numa época de grande crise financeira na vida de Milton Nascimento, de tal forma que nem ele mesmo pode entender como criou algo tão claro.


De fato, o disco “Minas” resiste ao passar do tempo e nunca envelhece com o passar dos anos, pois seu repertório é constantemente revisitado e reinterpretado por seus autores e novos interpretes, com seus arranjos, energia e vigor em seu repertório (BAHIANA, 2006). Enquanto “Geraes” foi uma espécie de continuação de “Minas”. No entanto, enquanto “Minas” esteve fiel à mineiridade – lembranças, paisagens, igrejinhas e trens -, “Geraes” incorporou elementos da latinidade às toadas mineiras. O resultado, aclamado pela crítica, foi uma fusão de ritmos interioranos e latinoamericanos. Muitos foram os amigos convocados para a gravação de “Geraes”. Isso só serviu para atestar o prestígio de Milton Nascimento, visto que, alguns deles – já bastante famosos -, estavam ali apenas para participar do coro. Uma mistura de vozes famosas e anônimas. Havia amigos de todos os lugares: gente do tempo do Clube da Esquina, todos os participantes do “Som Imaginário” (já extinto), Miúcha, Toninho Horta, Bebel, Chico Buarque, Tavinho, Noguchi, Pii e outros. Também participaram de “Geraes” Mercedes Sosa, que fez um dueto com Milton em “Volver a los deciesiete” (de autoria de Violeta Parra), o “Grupo Água”, que participou das músicas “Caldeira”, “Promessas do Sol” e “Minas Gerais” e Clementina de Jesus, fazendo dueto em “Circo Marimbondo”. O LP “Geraes”, juntamente com “Meus caros amigos”, de Chico Buarque foram os discos mais vendidos no ano de 1976. Um das músicas que mescla o tradicional jeito mineiro de ser com a latinidade é “Lua girou” (NASCIMENTO, 1976). O fragmento da letra desta música dá conta disso: “A lua girou, girou, Traçou no céu um compasso”. Considerações Finais

Como na canção acima, a vida de

Milton Nascimento também girou; o menino

experimentou fases como se fosse a lua. O pequeno Bituca foi minguante quando perdeu a sua mãe e foi mandado para Juiz de Fora. Não fosse todo o desvelo de Lília, a sua nova mãe, a história que contamos acima teria sido outra, como a história de muitos meninos largados à sua própria sorte. Quando, juntamente com Lília e Zino, Bituca toma o trem em direção a Três Pontas, o menino experimenta a sua fase crescente. E crescente, o menino torna-se cheio. Pleno do afeto de seus pais e também pleno de criatividade, ao descobrir Porcolitro e a música.Por fim, Bituca abre-se para o novo. Quando vai morar em Três Corações, lugar onde serviu o exército, torna-se Wilton. Depois, já em Belo Horizonte, vira


(novamente) Milton. E nesse processo, torna Milton Nascimento, um mineiro sereno que caminha por uma estrada chamada mundo. Referências BAHIANA, Ana Maria. Nada será como antes: MPB anos 70 – 30 anos depois. Rio de Janeiro: Ed. SENAC, 2006. BORGES, Márcio. Os sonhos não envelhecem: histórias do Clube da Esquina. São Paulo: Geração Editorial, 1996. DEL PRIORE, Mary. História da criança no Brasil. 6 ed. São Paulo: Contexto, 2007. D’INCAO, Maria Ângela. Mulher e família burguesa. In: DEL PRIORE, Mary. (Org.). História das mulheres no Brasil. 9 ed. São Paulo: Contexto, 2008. p. 223 – 240. DUARTE, Maria Dolores Pires do Rio. Travessia: a vida de Milton Nascimento. Rio de Janeiro: Record, 2006. GARCIA, Luis Henrique Assis. Coisas que ficaram muito tempo por dizer: o Clube da Esquina como formação cultural. 2000. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2005. GASPARI, Elio. A ditadura derrotada. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. GOUDARD, Phelippe. A estética do riso: do corpo sacrificado ao corpo abandonado. In: WALLON, Emmanuel (Org). O circo no risco da arte [Tradução Ana Alvarenga; Augustinho de Tugny; Cristiane Lage]. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. p. 25-31. HALL, Stuart. Identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro. DP&A, 2006. HISTÓRIA DA ESTRADA DE FERRO BAHIA-MINAS. Diário de Alcobaça – Bahia: guia virtual. Alcobaça, 4 ago 2008. Disponível em: www.alcobaca.bahia.net/2008/08/vdeo-histria-da-estrada-ferro-bahia.html. Acesso em 6 set. 2009. JANSON, H.W. História da arte. 5 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. LEITE, Mirian Moreira. A condição feminina no Rio de Janeiro – século XIX: antologia de textos de viajantes estrangeiros. São Paulo: Hucitec, 1984. NASCIMENTO, Milton. Milagre dos peixes. Rio de Janeiro: EMI/ODEON, 1973. 1 CD: digital, estéreo. NASCIMENTO, Milton. Milagre dos peixes ao vivo. Rio de Janeiro: EMI/ODEON, 1974. 1 CD: digital, estéreo. NASCIMENTO, Milton. Lua girou – arranjo e adaptação de Milton Nascimento sobre tema folclórico. In: NASCIMENTO, Milton. Geraes. Rio de Janeiro: EMI/ODEON, 1976. 1 CD: digital, estéreo. 61.192.511 NASCIMENTO, Milton; BASTOS, Ronaldo. Clube da esquina. Rio de Janeiro: EMI/ODEON, 1972. 1 CD: digital, estéreo. NASCIMENTO, Milton; BASTOS, Ronaldo. Fé cega, faca amolada. In: NASCIMENTO, Milton. Minas. Rio de Janeiro: EMI/ODEON, 1975. 1 CD: digital, estéreo. 61.245.259


NASCIMENTO, Milton; BASTOS, Ronaldo. Menino. In: NASCIMENTO, Milton. Geraes. Rio de Janeiro: EMI/ODEON, 1976. 1 CD: digital, estéreo. 61.192.481 NASCIMENTO, Milton; BASTOS, Ronaldo. Gran circo. In: NASCIMENTO, Milton. Minas. Rio de Janeiro: EMI/ODEON, 1975. 1 CD: digital, estéreo. 61.274.774 NASCIMENTO, Milton; BASTOS, Ronaldo. Trastevere. In: NASCIMENTO, Milton. Minas. Rio de Janeiro: EMI/ODEON, 1975. 1 CD: digital, estéreo. 61.247.782 NASCIMENTO, Milton; BASTOS, Ronaldo. Circo marimbondo. In: NASCIMENTO, Milton. Geraes. Rio de Janeiro: EMI/ODEON, 1976. 1 CD: digital, estéreo. 61.192.473 NASCIMENTO, Milton; BRANT, Fernando. Saudade dos aviões da Panair (Conversando no bar). In: NASCIMENTO, Milton. Minas. Rio de Janeiro: EMI/ODEON, 1975. 1 CD: digital, estéreo. 61.192.406 NASCIMENTO, Milton; BRANT, Fernando. Idolatrada. In: NASCIMENTO, Milton. Minas. Rio de Janeiro: EMI/ODEON, 1975. 1 CD: digital, estéreo. 61.247.740 NASCIMENTO, Milton; BRANT, Fernando. Ponta de areia. In: NASCIMENTO, Milton. Minas. Rio de Janeiro: EMI/ODEON, 1975. 1 CD: digital, estéreo. 61.247.731 NASCIMENTO, Milton; BRANT, Fernando. Promessas do sol. In: NASCIMENTO, Milton. Geraes. Rio de Janeiro: EMI/ODEON, 1975. 1 CD: digital, estéreo 61.192.422 NASCIMENTO, Milton; HOLLANDA, Francisco Buarque de. O cio da terra. In: NASCIMENTO, Milton. Geraes. Rio de Janeiro: EMI/ODEON, 1976. 1 CD: digital, estéreo. 60.299.355 NASCIMENTO, Milton; HOLLANDA, Francisco Buarque de. Primeiro de maio. In: NASCIMENTO, Milton. Geraes. Rio de Janeiro: EMI/ODEON, 1976. 1 CD: digital, estéreo. 60.299.231 NASCIMENTO, Milton; VELOSO, Caetano. Paula e Bebeto. In: NASCIMENTO, Milton. Minas. Rio de Janeiro: EMI/ODEON, 1975. 1 CD: digital, estéreo. 61.247.758 NORA, Pierre. Les lieux de mémorie. Paris: Editions Gallimard, 1992. OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Vozes, 1987.

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Comunicação e Cultura e as perspectivas latino-americanas RODRÍGUEZ, Octavio. O Estruturalismo Latino-Americano. Rio de Janeiro - Ed: Civilização Brasileira. 2009. Págs. 700.

Joanne Mota1 Universidade Federal de Sergipe Ao longo de seus capítulos a obra O Estruturalismo Latino-Americano, escrita por Octávio Rodríguez, apresenta-nos uma ampla análise das contribuições desenvolvidas, no século XX, pelos estruturalistas latino-americanos. Influenciados pela tradição cepalina, estes pesquisadores olharam atentamente para as questões do desenvolvimento econômico, social e político da região, e para a relação “complexa entre o centro e a periferia”. Como se vera no texto, o autor, um relevante técnico da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), guia o leitor por uma viagem minuciosa, na qual se entrelaçam realidade e teoria, contribuições e conceitos de grandes pesquisadores. Mais do que uma reconstituição histórica do pensamento econômico e social, o livro apresenta “ideias-chave” do estruturalismo, tentado responder à questão de quais são as verdadeiras causas do subdesenvolvimento e de qual caminho trilhar para a superação. Dividido em três partes, a obra abre sua reflexão apresentado os caminhos que levaram à sua consolidação, uma ampla introdução apresenta, didaticamente, os conceitos que serão discutidos ao longo do livro, bem como a sistematização dos mesmos. Segundo o autor, aspectos como as transformações do cenário político mundial,

o

desenvolvimento

das

relações

comerciais

e

a

velocidade

das

transformações técnicas demarcaram o diálogo entre centro e a periferia. Além disso, Rodríguez destaca que tais aspectos além de aumentar as distâncias entre essas regiões – centro e periferia - também evidenciaram novas “brechas” para a manutenção dessa relação.

1

Estudante do curso de Comunicação Social/ Jornalismo, pela Universidade Federal de Sergipe. Bolsista iniciação científica no projeto "Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento", desde 2007, que é vinculado ao Observatório de Economia e Comunicação (OBSCOM/UFS), que é coordenado pelo Prof. Dr. César Ricardo Siqueira Bolaño.


Com foco no resgate do pensamento da Cepal, Rodríguez também abre caminho para discussão do chamado “enfoque da dependência”, para tanto reuniu diversas contribuições, com destaque para a contribuição do pensador Celso Furtado. Além disso, demonstrou como o pensamento cepalino influenciou outras escolas, especialmente a produção de conhecimento desenvolvida na Universidade de Capinas, com destaque para as contribuições de João Manuel Cardoso de Mello, Luiz Gonzaga Belluzzo, Maria da Conceição Tavares, Fernando Henrique Cardoso e José Serra. Com uma abordagem histórico-estrutural, também adicionou, às discussões levantadas na obra, o pensamento de figuras como Raúl Prebisch e Aníbal Pinto. A

partir

dessas

contribuições,

Octávio

Rodriguez

reflete

sobre

os

desenvolvimentos analíticos e empíricos realizados na segunda metade do século XX, e demonstra, através desse compilado de contribuições, uma visão alternativa ao pensamento único e de cunho neoliberal. Embora, em diversos trechos da obra, o autor reconheça que a proposta apresenta ainda careça de muito mais estudos, o que deixa claro que a presente obra serve de combustível para a continuação acerca das reflexões sobre o estruturalismo latino-americano e o que seria uma “teoria do subdesenvolvimento”. Na primeira parte, que está dividida em quatro capítulos, o autor resgata os fundamentos de estruturalismo latino-americano desenvolvidos na década de 1950. No qual levanta a discussão sobre a “concepção do sistema centro-periferia” (capítulo 1), a “análise da industrialização periférica” (capítulo 2), além de discutir os aspectos centrais da “teoria de deterioração dos termos de troca” (capítulo 3) e do “enfoque estruturalista da inflação” (capítulo 4). Nesta primeira parte Rodríguez toma como base reflexões gerais desenvolvidas por Raúl Prebisch no final da década de 1940. A partir disso, apresenta-nos algumas formalizações de fundamentação econômica, com destaque para o desenvolvimento da política de industrialização, os critérios de alocação dos recursos e a seleção de tecnologia na região. Na segunda parte do livro, que é composta de seis capítulos, Rodríguez destaca o desenvolvimento e as transformações sociais ocorridas nas décadas de 1960 e 1970. Para tanto, reflete sobre o desenvolvimento e sua relação com as estruturas sociais e políticas (capítulos 5 e 6). Neste ponto, o autor explica o que seria a chamada “tendência à estagnação” e sua relação com malformações das estruturas sociais, além disso, demonstra como tais fatores sociais inibem a continuidade do desenvolvimento.


Ainda na segunda parte do livro, o Rodríguez discute as reflexões sobre os “estilos de desenvolvimento” e as transformações industriais, a partir de fundamentos analíticos e sociopolíticos (capítulo 7 e 8) propostos por Aníbal Pinto. Desse modo, aprofunda-se a discussão sobre os comportamentos da demanda de bens de consumo, o caráter regressivo da distribuição da renda, a adoção do consumo conspícuo, e os papéis assumidos pelas empresas transnacionais, nacionais e pelo Estado. Outro ponto abordado nesta sessão diz respeito à reflexão desenvolvida por Celso Furtado sobre a dicotomia desenvolvimento/cultura (capítulo 9). Neste ponto, o autor discorre sobre como Furtado atribui uma “noção de totalidade” construída a partir do sistema global de cultura, e de como o conceito de desenvolvimento é alinhado a esse sistema. Este que é composto pelo que Furtado chamou de cultura material – formada pelos conhecimentos tecnológicos e estruturas produtivas e econômicas - e a cultura não-material – formada pelos conjuntos de ideias e valores. Além disso, Rodríguez enfatiza que o sistema cultural é dinâmico, ou seja, está sujeito a mudanças contínuas, o que amplia a necessidade de um olhar mais fino sobre esse tema. O autor ainda discute o processo de “transculturação”, que pode ser resumido como um processo contínuo de penetração de elementos estrangeiros nos diferentes componentes da cultura. Esta reiterada penetração, estimulada pelo já citado consumo conspícuo, se configura como uma trava ao desenvolvimento de valores e ideias encontrados na cultural não-material. Além disso, o autor acrescenta que o presente capítulo se concentra na maneira como Furtado percebe a “civilização industrial”, refletindo sobre suas principais características, como se desenvolve em nível mundial e seu comportamento frente à periferia. No capítulo 10 o autor faz uma breve consideração sobre a “democracia e seus conteúdos”, a qual está amparada em reflexões feitas nos anos 1970 por José Medida Achavarría e Raúl Prebisch. Segundo o autor, o ponto em questão resgata certos princípios éticos que reafirmam certos conteúdos básicos da democracia, estes que podem induzir e/ou dinamizar o desenvolvimento do sistema global de cultura. Na terceira e última parte Rodríguez abre a discussão sobre o “neoestruturalismo” e os aspectos de desenvolvimento desde 1980 até o início de século XXI. Formado por cinco capítulos, este ponto da obra discute sobre as primeiras bases analíticas do chamado “neo-estruturalismo” (capítulo 11). De base cepalina, esta expressão é usada para designar certas contribuições analíticas surgidas a partir


dos anos 1980. Um dos aspectos levantados neste capítulo diz respeito às análises de desenvolvimento em longo prazo e a renovação dos modos de avaliar o progresso técnico. O autor também levanta a discussão sobre o papel fundamental dos processos de aprendizagem, os quais se amparam no conhecimento sobre os bens a serem produzidos e os métodos que impulsionarão tal produção. O capítulo 12 reflete sobre as propostas estratégicas para a década de 1990. Valendo-se das estratégias de desenvolvimento em longo prazo elaboradas pela Cepal, e somadas às contribuições de Fernando Fajnzylber, o presente capítulo discute sobre os processos de desenvolvimento latino-americanos e sobre o tipo de estratégia para a superação de possíveis obstáculos. Outro ponto abordado na terceira parte refere-se “a globalização e assimetrias centro-periferia” (capítulo 13). Fundamentado na discussão do capítulo anterior, o autor discorre sobre a conexão entre as políticas de longo prazo e as políticas macroeconômicas, consideradas de curto prazo. Além disso, a partir das contribuições cepalinas, Rodríguez retrata como o processo de globalização, alinhado ao rápido avanço técnico das últimas décadas, deu origem “não só a uma crescente interdependência, mas também a amplas desigualdades internacionais”. De acordo com o autor, estas desigualdades podem ser classificadas também como “assimetriaschave”, característica saliente do sistema internacional nos dias atuais. No capítulo 14, Rodríguez disserta sobre “o desenvolvimento como processo integral”. Voltado aos âmbitos econômico, social e político, o autor busca refletir sobre o que ele considerou ser “a ideia mais cara à história da Cepal”. Olhando para o desenvolvimento como uma totalidade em movimento, destacando o papel dos “agentes-chave” e do Estado, o autor explica como se desenvolvem “as estratégias de transformação estrutural”. Ainda nesta parte, o autor resgata duas discussões: a primeira, fala sobre o pleno exercício da cidadania; e o segunda, fala sobre o fortalecimento das identidades culturais da região. O autor encerra sua obra discutindo a renovação da agenda do desenvolvimento (capítulo 15). Como próprio autor destaca em sua didática introdução, esta parte resume-se na reunião de temas que precisam compor a agenda das ações de desenvolvimento. Nesse sentido, Rodríguez elucida questões sobre a ocupação da força de trabalho, a influência internacional nesse processo, as assimetrias financeiras, a condução macroeconômica, as relações sociopolíticas, o papel do Estado, a identidade cultural e o desenvolvimento, e por fim, os caminhos para o desenvolvimento nacional. Segundo o autor, tais questões serão apresentadas


a partir dos pressupostos da corrente estruturalista latino-americana, porém, Rodríguez destaca que a principal sustentação dessas considerações se encontra nas contribuições de Celso Furtado, estas que servirão de guia para o conjunto da argumentação tanto dos aspectos analíticos como dos aspectos empíricos. Ao longo dos capítulos, Rodríguez deixou claro que as transformações porque passaram as nações latino-americanas, sejam as de ordem política, sejam as de ordem econômica, ou ainda as de conhecimento, demonstram o longo caminho que aquelas ainda têm pela frente. Além disso, o autor destaca que junto com o processo de inovação tecnológica surgi também uma nova demanda de reivindicações sócias, nas quais os agentes sociais e o Estado assumem novos papéis. Segundo o autor, toda esta conjuntura elabora um ambiente rico, porém complexo para os setores que estão no cerne da relação centro-perifeira.


Celso Furtado e a Formação da Cultura Brasileira Maria Eduarda da Mota Rocha Universidade Federal de Sergipe (UFPE) me.rocha@uol.com.br*

Resumo: Em tempos de resgate da contribuição de Celso Furtado sobre a cultura, este artigo analisa especificamente os argumentos e pressupostos de um pequeno texto publicado por ele sobre a formação da cultura brasileira, tecendo comparações e contrastes com autores que trataram do mesmo tema e com as linhas gerais da formação econômica do Brasil segundo o próprio Furtado. Palavras-chave: Furtado, Cultura, Barroco Abstract: This article analyses the main propositions of a small text of Celso Furtado about the building up of Brazilian culture, in comparison to the work of others authors that focused the same subject and also in comparison to the work of Furtado about the building up of Brazilian economy. Key words: Furtado, Culture, Baroque style

Resumen: En tiempos de recuperación de las contribuiciones de Celso Furtado acerca de la cultura, ese artículo examina especificamente los argumentos y supuestos de un breve texto publicado por él acerca de la formación de la cultura brasileña, a partir de comparaciones y contrastes con los autores que se ocuparon del mismo tema y con las líneas generales de la formación económica de Brasil según el próprio Furtado. Palabras claves: Furtado, Cultura, Barroco

Nos dias de hoje, a especialização do trabalho intelectual chegou a tal ponto que pode soar estranho recuperar a contribuição de um economista sobre a cultura, tanto mais se esta contribuição é retomada a partir de um texto aparentemente tão despretensioso como é “Formação Cultural do Brasil” (Furtado, 1999). Mas este é exatamente o propósito deste artigo. Antes de mais nada, justifica essa empreitada o fato de que Celso Furtado faz parte de uma geração e de uma tradição de pensamento em que a distinção entre as diversas disciplinas das humanidades não faz muito sentido, e demonstrar esse fato é o mesmo que tecer uma crítica ao excesso de especialização que tem afastado essas disciplinas umas das outras, com perdas para todas elas. *

Professora do Departamento de Ciências Sociais e da Pós-Graduação em Sociologia da UFPE. Autora de vários artigos sobre cultura, mídia e consumo, e dos livros A Nova Retórica do Capital: a publicidade brasileira em tempos neoliberais (Edusp, 2010) e Pobreza e Cultura de Consumo em São Miguel dos Milagres (Edufal, 2002).


No caso de Celso Furtado, a abrangência de perspectiva transparece no uso do conceito de “formação” para tratar da economia, centro de suas preocupações, mas também da cultura, como veremos no caso do texto acima citado. O conceito de “formação” conecta as diferentes dimensões da vida social, ao tratá-la como uma totalidade em processo. Através dele, a perspectiva do materialismo dialético se manifesta no pensamento de Furtado, articulando a economia e a cultura em um nível muito fundamental em que se apresentam enquanto dimensões de uma mesma realidade em transformação. Atento à complexidade da vida social, Furtado sublinha, em diversas passagens, a dimensão cultural do desenvolvimento, por assim dizer, econômico. Vejamos esta definição que ele dá ao próprio termo: “processo de mudança social pelo qual um numero crescente de necessidades humanas – preexistentes ou criadas pela própria mudança –

são

satisfeitas através de uma diferenciação no sistema produtivo decorrente da introdução de inovações tecnológicas” (Furtado, 1964, 27). O caráter histórico das necessidades humanas é destacado, como uma crítica ao tratamento usual da economia. Se são históricas e não inatas, as necessidades humanas são culturais. Sendo assim, o próprio processo de desenvolvimento não pode ser entendido como estritamente econômico, como mera oferta de bens, e sim, como um “projeto de autotransformação social” que necessariamente põe em pauta os valores da coletividade humana em questão. Diz Furtado: “O desenvolvimento, além de ser um fenômeno de aumento da produtividade do fator trabalho que interessa aos economistas, é um processo de adaptação das estruturas sociais a um horizonte em expansão de possibilidades abertas ao homem. As duas dimensões do desenvolvimento – econômica e cultural – não podem ser captadas senão em conjunto” (Furtado, 1975, 129). Portanto, a cultura está pressuposta em toda a teorização sobre o desenvolvimento econômico que Furtado desenvolve, e isso não tem passado despercebido entre seus estudiosos (Cf. Bolaño, 2011) . Mas ela também foi objeto de uma atenção enquanto dimensão específica da totalidade em processo que constitui a vida social, em um texto de 1984 intitulado “Reflexões sobre a cultura brasileira”, republicado em 1999 sob o título “Formação Cultural do Brasil” (Furtado, 1984; Furtado 1999). O conceito de formação utilizado para pensar a cultura e a economia brasileira vincula Furtado à grande tradição de pensamento social cuja obra seminal é “Formação do Brasil Contemporâneo”, de Caio Prado Júnior, publicada em 1942. Para este autor, o “sentido da colonização” é uma linha mestra e ininterrupta de acontecimentos que se sucedem em ordem rigorosa, dirigida com certa orientação. Do ponto de vista metodológico, isto implica que os fatos particulares devem ser abordados buscando essa linha.


O conceito de formação expressa essa concepção, que se que se espraiou entre a intelectualidade brasileira desde então. Sua popularidade se explica muito por seu potencial explicativo acerca da condição própria a um país periférico de desenvolvimento dependente, no qual a constituição da nação foi/é um processo tortuoso, problemático, cheio de impasses, mas também, de possibilidades. A formação é um processo com sentido, e este sentido, via de regra, é a internalização de certa dinâmica, econômica, política, literária... Como conceito, guarda uma relação umbilical com o marxismo e sua perspectiva histórica, ao focar a maneira como um determinado fenômeno se manifesta ao longo do tempo. Na sucessão temporal em que organiza os fatos, o conceito de formação aponta para um preenchimento progressivo do ente em questão, que vai ganhando as suas determinações. Ao final do processo, o que estava pressuposto, o que só existia em potência, passa a existir de fato, na medida em que passa a ter em si mesmo as suas próprias determinações. A análise furtadiana da economia brasileira pode ser vista sob esse prisma, na medida em que ela traça uma internalização progressiva das variáveis fundamentais e do comando da acumulação capitalista. Mas o lugar do Brasil na divisão internacional do trabalho o torna mais vulnerável às ondas de influência que vem do centro do sistema capitalista mundial, de maneira que a formação é um processo inconcluso e problemático. O mesmo acontece na interpretação da cultura brasileira, como veremos. Mas antes de chegar ao texto de Furtado, é importante registrar, nas trilhas de Paulo e Otília Arantes, que o tema da formação é uma verdadeira obsessão nacional (1997). Como preocupação e idéia, esteve presente até mesmo lá onde o conceito não é tão explícito, como em Casa Grande e Senzala (1933), de Gilberto Freyre, Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda, e nas primeiras obras de Caio Prado Júnior. Desde então, está no título e no centro de livros que versam sobre temas muito diferentes, tais como Os Donos do Poder – Formação do Patronato Político Brasileiro (1958), de Raimundo Faoro, Formação da Literatura Brasileira (1959), de Antônio Cândido, e, claro, Formação Econômica do Brasil (1959), do próprio Furtado. Dito isto, fica clara a inserção deste autor em uma tradição de pensamento caracterizada sobretudo pela problematização do processo de constituição da nação em suas múltiplas dimensões, como o Estado, a economia, a literatura. Esse legado comum é, sobretudo, o próprio conceito de formação e as implicações que ele traz, como a perspectiva histórica e o reconhecimento do caráter problemático da emergência da nação. Mas as respostas de cada autor tem muitas especificidades, como não poderia deixar de ser em se


tratando de obras dessa envergadura. Como sublinham Paulo e Otília Arantes Arantes, a formação, no mais das vezes, é situada no futuro, como algo a ser conquistado: a superação

da

inorganicidade,

da

herança

portuguesa

rural

e

personalista,

do

patrimonialismo atávico do Estado... Talvez somente Antonio Cândido se distancie dessa visão ao perceber, na literatura, uma dimensão da vida brasileira que se autonomizou o suficiente para que se possa falar em formação como um processo concluído. A partir de Machado de Assis, completa-se a literatura brasileira enquanto um sistema tripartite, que articula uma tradição anterior e vincula de modo sistemático, não errático ou casual, o autor, sua obra, e o público (Cândido, 1959). De certa forma, o texto de Celso Furtado sobre a formação cultural do Brasil expressa as duas perspectivas, a de um processo que atinge um patamar a partir do qual é possível falar em uma cultura brasileira formada, mas também a de que a autonomia desta cultura permanece problemática. Ele começa apresentado o processo através do qual a cultura brasileira se constituiu, de fato, como algo diferente da sua matriz européia. Mas termina apontando os riscos que, já no século XX, ameaçavam fazer retroceder essa cultura a uma condição subordinada e, de certa forma, inautêntica. Vamos, então a uma apresentação de seus principais argumentos. O ponto de partida de Furtado é a idéia de que a sociedade brasileira é fruto da mundialização da civilização européia no século XVI (Furtado, 1984). A colonização tem início com a transposição de instituições sociais, culturais, econômicas, do centro do sistema capitalista mundial para a sua periferia. Entender a cultura brasileira exige, antes de mais nada, que se especifique de que instituições estamos falando, porque o centro do capitalismo não é homogêneo. Isso implica em entender a posição particular do mundo ibérico em relação ao resto da Europa. Do ponto de vista cultural, a disputa entre o tradicionalismo católico e o racionalismo próprio das áreas protestantes do Norte da Europa teria levado Portugal e Espanha a uma espécie de volta sobre si mesmo do qual o barroco é o resultado. A “fuga do mundo” que é própria do barroco (Bosi, 1982, 38) expressa a necessidade de resistência ao racionalismo crescente das áreas protestantes européias e se transplanta para as colônias, onde sofre uma série de adaptações. Assim tem inicio a formação da cultura brasileira. De saída, ela seria barroca e portuguesa na temática e no estilo, mas, ao incorporar progressivamente motivos locais e valores culturais dos dominados, ela começaria a se diferenciar de sua matriz lusitana. Da mesma forma como no plano da interpretação da economia brasileira, a idéia de formação liga a situação local ao centro ao mesmo tempo em que aponta a sua diferenciação paulatina.


Neste ponto, a análise de Furtado se aproxima da quela de Antonio Cândido, para quem o barroco expressa a presença, na colônia, da religião como princípio político, administrativo,

mas

também

estético

e

filosófico

(Cândido,

1973).

Tratando

especificamente da literatura, Cândido destaca como ponto essencial o ajustamento de uma tradição literária já provada (a portuguesa) às novas condições de vida nos trópicos. Os poucos escritores tinham formação lusitana; o público ou era português ou era determinado por necessidades práticas (administrativas e religiosas). Só no XIX, surgiram escritores aqui formados escrevendo para um magro público local (Cândido, 1973). Mas qual o lugar das outras matrizes da cultura brasileira em seu processo formativo? Tão importante quanto identificar a presença das três heranças, portuguesa, negra e indígena, é discernir a tônica de interação entre eles. A formação desta cultura equivale à sua diferenciação em relação à matriz européia, a partir da adaptação de uma tradição metropolitana às condições da colônia, como no caso da literatura dos três primeiros séculos. Mas esta diferenciação é alcançada também através do hibridismo entre a cultura dos brancos e dos demais. Entretanto, a mestiçagem cultural é pensada sob o crivo da dominação e isso aproxima a reflexão furtadiana muito mais de Florestan Fernandes do que de Gilberto Freyre, por exemplo (Fernandes, 1972; Freyre, 2005). Analisando especificamente o lugar do negro e do mulato na composição da cultura brasileira, Florestan Fernandes reconhece, como Furtado, que o Brasil criado a partir da sociedade colonial não é resultado da vontade isolada do colonizador branco. Mas adverte que esta sociedade foi montada para este branco. A “união” foi fundada na imposição de cima para baixo, e não no respeito a diferentes culturas postas em contato. A principal conseqüência é que as heranças culturais que não se harmonizaram ao padrão de unidade nacional se perderam no processo.

Uma maior interação construtiva entre

diferentes heranças culturais teria ocorrido mais nas comunidades de subsistência, cuja influência nos rumos do país foi pequena.

De maneira que, antes de alcançar uma

verdadeira democracia, do ponto de vista cultural, a sociedade brasileira impôs ao negro sua negação como raça portadora de cultura (Fernandes, 1972, 15). Em direção semelhante, Furtado conclui que o português, sendo minoria do ponto de vista demográfico, teria conseguido impor sua língua e sua religião aos demais grupos étnicos por causa de sua posição de mando que lhe permita permanecer ligado à sua cultura de origem, o que não acontecia com os outros elementos da sociedade colonial, que iam perdendo sua identidade originária. Na visão dos dois autores, a cultura brasileira


expressa essa relação de dominação, muito mais do que um “encontro das raças” que constitui uma concepção bastante vulgarizada do seu processo de formação. A unidade forçada que caracteriza a nossa cultura nos três primeiros séculos recebe de Furtado o nome de “síntese barroca” e constitui o primeiro momento da formação da cultura brasileira. Em primeiro lugar, porque o catolicismo era muito mais do que uma religião, era uma visão de mundo que se espalhava para todas as dimensões da vida social, política, econômica e, claro, cultural em sentido amplo. Tanto que ele abarcava o grosso da produção simbólica que deixou registro: a literatura, quase sempre restrita a sermões e a relatórios de membros do clero (Cândido, 1973), mas sobretudo a arquitetura e a escultura sacras que são praticamente sinônimo de cultura brasileira do período colonial, especialmente em Pernambuco e na Bahia dos primeiros séculos, e em Minas Gerais e no Rio de Janeiro do século XVIII. Descrevendo a “síntese barroca” como a onipresença da matriz católica na cultura brasileira, Furtado avança outra idéia muito interessante: a de que este quadro cultural praticamente se congelou nos três primeiros séculos, devido, em primeiro lugar, ao próprio imobilismo do mundo ibérico, mais resistente à influência das correntes de pensamento burguesas, protestantes e racionalistas. Em segundo lugar, temos o fato de que este imobilismo era muito maior na colônia, mais distante da presença daquelas correntes que se tornava cada vez mais inevitável mesmo no sul da Europa. Neste sentido, a cultura brasileira aparece como um ramo que se desprendeu do tronco principal e se desenvolveu paralelamente até ser religado ao centro no final do século XVIII, quando aquelas correntes passaram a ser mais fortemente difundidas na colônia através dos filhos de senhores rurais que voltavam das universidades européias. O barroco mineiro da segunda metade do século XVIII é um momento que marca o auge e o início do declínio dessa unidade forçada da cultura brasileira segundo a matriz branca e católica. Isso explica porque Furtado vai considerar Aleijadinho o “último gênio da Idade Média”, como um resquício de uma forma cultural cuja existência é devida à própria condição colonial que lhe reservava um lugar que ela já não podia ter no centro do sistema (Furtado, 1984). Neste ponto, ele parece não levar em consideração a influência do Renascimento sobre a cultura barroca, salientada por Bosi quando trata especificamente da literatura. Para este autor, os descobrimentos alimentaram uma concepção messiânica da Coroa e da nobreza, cujos traços arcaizantes foram acentuados pela Contra-reforma e pela Companhia de Jesus. É nesse mundo que se incuba a maneira barroco-jesuítica, e, por isso, ele se volta para si mesmo, mas não retorna à mentalidade medieval, porque


herda as duas formas de elocução que são próprias ao Renascimento: o classicismo e o maneirismo. A razão desta discrepância entre os autores pode estar no tipo de produção cultural por eles considerada. O século XVIII pode ser visto, simultaneamente, como o auge da cultura barroca, no ciclo da mineração, e como o começo do seu declínio, pela emergência das primeiras manifestações de arcadismo e classicismo na literatura. Antonio Cândido aponta para a formação de uma camada neoclássica sob o sedimento barroco, relacionada ao Ciclo Pombalino iniciado em meados do século XVIII, quando a confiança na razão veio alargar a visão religiosa de mundo e, em vez da transfiguração que é própria da literatura no período anterior, impôs-se cada vez mais uma preocupação com a investigação e a fidelidade ao real (Cândido, 1973).

Neste período, muitos brasileiros matemáticos,

médicos e cientistas naturais, formados em Coimbra e outros centros da Europa foram os mentores dos levantes liberais no Brasil. A eles se somava os nossos primeiros publicistas, mas a produção literária permanecia muito restrita pela ausência de público local. O que se vê, então, é o Bosi chama de “discronia de formas expressivas” (1982, 40). Enquanto a escultura e a arquitetura praticamente ignoravam o classicismo e todas as outras correntes ilustradas, como fez Aleijadinho, na poesia, a influência destas correntes já se fazia sentir. Os produtores de literatura estavam muito mais próximos da ilustração do que os mestres-de-obra e os compositores religiosos de Minas Gerais e Bahia, cujos modelos remontavam ao barroco seiscentista (Bosi, 1982, 38). A divisão social expressa nas formas culturais de cada tipo de produção indica o início do segundo momento da formação da cultura brasileira, caracterizada pelo afastamento entre a elite e o “povo”, segundo Furtado (1984). No caso da produção cultural que deixou registro, essa divisão se expressa na discronia entre a criação de artistas influenciados pela ilustração e os demais. Mas ela se estende ao conjunto da cultura brasileira, como mostra Furtado ao tratar do segundo momento de sua formação. Entretanto, antes de analisá-lo, é interessante registrar o paralelo entre esta interpretação da dinâmica cultural e a visão furtadiana da dependência na esfera econômica. Em ambas as dimensões, ondas de inovação vindas do centro provocam complexos reajustes nas sociedades dependentes, mas, a cada rodada, se deparam com um campo de forças mais espesso, em que a influência daquelas ondas é cada vez mais filtrada pela dinâmica local. Neste sentido, um fator explica muito do congelamento do quadro cultural no Brasil, ou da lentidão na sua transformação: a ausência de uma


burguesia mercantil poderosa que disseminasse as correntes de pensamento racionalistas em contraposição à síntese barroca que expressava o poder do Estado, da Igreja (indissociáveis naquele contexto) e da elite agrária. Furtado atenta para o fato de que, diferentemente de outras colônias, as atividades mercantis que guiavam o processo econômico aqui permaneceram mediadas por agentes metropolitanos. Até muito tardiamente, não se formou uma classe de comerciantes capaz de disputar o poder com os senhores rurais e o congelamento do quadro cultural brasileiro expresso no barroco manifesta esta situação. A posição subordinada das outras matrizes, indígenas, negras e mestiças, também ajuda a explicar a força e a longevidade da síntese barroca. Mas isso não significa que toda a cultura estivesse diluída nesta síntese. A língua, por exemplo, ao mesmo tempo em que é expressão maior da dominação branca e católica, ao incorporar palavras de outras origens manifesta a presença daquelas outras matrizes. “Síntese”, então, não significa abolição do outro, mas sua incorporação em uma posição subalterna. O exemplo mais cabal é a Igreja dos Homens Pretos, diferente daquela para os homens brancos, mas ainda uma igreja católica. Além desta diferenciação em termos sociais, existe uma outra, geográfica, que Furtado introduz no seu argumento: a presença barroca era muito mais forte nos centros exportadores, onde se concentrava a maior parte dos brancos católicos. Nas franjas da colônia, as misturas interculturais foram criando as manifestações que diferenciavam as regiões entre si. Nos porões e nos rincões, a cultura brasileira ia se diversificando na medida mesma em que ia se hibridizando, enquanto no altar as manifestações barrocas permaneciam sendo reverenciadas. O segundo momento da formação cultural do Brasil é justamente a ruptura desta síntese barroca, a partir da segunda metade do século XVIII. Aqui também é possível traçar um paralelo com a Formação Econômica do Brasil, com aquilo que Furtado descreve como o encerramento da etapa colonial (1979, Parte II, Cap. VII). Neste período, a economia brasileira articulou-se ao sistema econômico em maior expansão na época: a Inglaterra. O Ciclo do Ouro, a chegada da Corte, a Independência marcam a crescente abertura ao sistema mundial sem a mediação de Portugal. Ocorreu um aumento significativo da urbanização e da chegada de imigrantes de outras nacionalidades européias. Com o café e o algodão, sob efeito da Revolução Industrial, alterou-se o lugar do Brasil na divisão internacional do trabalho: de produtor de bens de luxo, como o açúcar até então, para bens de consumo de massa, como o café rapidamente veio a ser (Braudel, 1995, 222). Isto teve efeitos muito mais dinamizadores na periferia, do ponto de vista dos


negócios intermediários que uma produção em larga escala demanda, tais como o comércio,

os

transportes,

as

finanças.

Além

disso,

em

1808

intensificou-se

significativamente a formação de um aparelho administrativo mais amplo e centralizado, que seria a base do Estado nacional a partir de 1822. Em certas passagens, Furtado parece minimizar os efeitos dessas mudanças, quando identifica como saldo do período apenas a instalação de um rudimentar sistema administrativo, de um banco e a preservação da unidade nacional (1979, Parte III, Cap. XX). Provavelmente, isso se deve ao contraste com as possibilidades desperdiçadas, um elemento normativo que permeia sua obra e em função do qual os fenômenos históricos são avaliados. De todo modo, encerrada a etapa colonial, emergiu uma economia, uma sociedade e, como já veremos, uma cultura mais complexa na ex-colônia. Do ponto de vista da estrutura social, surgiram mais níveis intermediários e tipos sociais situados entre os senhores e os escravos, nos quais as correntes de pensamento racionalistas ganharam cada vez mais força, inclusive porque, desde o início do século XIX, passaram a contar com as Faculdades de Direito e Medicina como centros difusores, na Bahia, em Pernambuco, no Rio de Janeiro e em São Paulo. A maior disseminação de tradições de pensamento burguesas e racionalistas criou, nos principais núcleos urbanos, grupos sociais que contestavam a matriz católica a partir daquelas correntes. Do ponto de vista estritamente cultural, como vimos, a principal conseqüência é a ruptura da síntese barroca através de uma divisão entre a elite e o “povo”. No tocante ao estilo de vida, essa divisão se explica em parte pela dinâmica da modernização dependente, em que o excedente gerado pela exportação de produtos primários e retido localmente, é usado para modelar os padrões de comportamento de forma a estimular a importação de bens de consumo. Isto permite uma europeização maior das elites e sua diferenciação em relação aos hábitos de consumo locais. O resultado é que a ruptura pós-barroco não deu lugar a um novo processo criativo, mas à imitação. Em certo sentido, essa interpretação pode ser aproximada àquela de Roberto Schwarz, quando trata da disparidade entre a sociedade brasileira escravista e as idéias liberais européias difundidas na época de Machado de Assis (Schwarz, 2000, 12). A principal marca deste novo quadro cultural é mesmo a divisão entre a elite e o “povo”. A primeira se voltava para os outros centros da cultura européia, de onde brotava os fluxos de bens de consumo. O “povo” era reduzido a símbolo do atraso, enquanto sua criatividade e herança cultural não-européia eram desvalorizadas. Esse desprezo lhe permite continuar seu processo formativo com relativa autonomia, até pelo menos o


advento do romantismo no Brasil. Suas influências não-européias se consolidaram e as diferenças regionais se ampliaram. Teríamos, assim, uma nova etapa da formação cultural do Brasil, em que, mais preocupada em reproduzir padrões de consumo e de pensamento europeus, as elites nacionais teriam afrouxado o controle sobre os intercâmbios e hibridismos culturais que aconteciam nas margens da sociedade brasileira e que constituíam um momento crucial daquela formação, interrompido a partir do começo do século XX. O terceiro momento do nosso processo formativo no âmbito da cultura é justamente aquele em que as elites se voltam para as culturas populares em busca de elementos para compor a identidade nacional. Na verdade, pelo menos do ponto de vista da literatura, o romantismo do século XIX já era marcado por este propósito. Mas, na literatura romântica, o “povo” permanecia mais um tema do que um elemento cuja experiência moldava de fato a forma literária propriamente dita, em função das “distorções idealizantes” que marcaram aquela tradição (Bosi, 1982, 154). Já Furtado se concentra no advento de uma cultura de massas, no século XX, como o principal fator de desestabilização do quadro cultural baseado na dicotomia elite/povo. Na base material dessa mudança, esteve o isolamento provocado pelas Guerras e pela crise do café, que intensificaram a industrialização apoiada no mercado interno. Além disso, o despontar da economia norte-americana no cenário mundial dotou aquele país de meios de difusão cultural extraordinários, como o cinema, a publicidade, o rádio e, mais tarde, a televisão. Por outro lado, internamente, a urbanização tornava mais visível a presença do “povo” e a industrialização e a racionalização do Estado abriam caminho para o surgimento de novas ocupações que fizeram crescer a classe média, estimulando o surgimento de uma cultura em que os diferentes tipos sociais pudessem se reconhecer. Furtado está longe de ser o único a perceber o caráter transclassista da cultura de massa. Na verdade, esta visão é recorrente em autores de perspectivas tão diferentes quanto Jesus Martin Barbero e Gabriel Cohn. Como mostrou este último autor, historicamente, a cultura de massa significou um processo de nivelamento cultural que forjou um novo espaço de produção e consumo de formas simbólicas, constituído em função de um público consumidor emergente identificado como classe média (Cohn, 1973, 55). Este universo cultural, em formação na Europa desde pelo menos o século XVIII, foi estendendo suas fronteiras e ocupando espaços até então destinados às culturas populares ou à produção cultural voltada à elite cortesã. Na verdade, o nivelamento cultural designado pelo termo “cultura de massa” fomentou um novo compromisso entre as


camadas populares e a burguesia tornada elite hegemônica. Martín-Barbero identifica o mesmo processo através do qual a cultura de massa veio a ser este âmbito de integração das camadas inferiores à sociedade urbano-industrial, integração esta mais simbólica do que propriamente material ou política (1987, 134). Não se trata da aniquilação de matrizes culturais populares ou mesmo eruditas, mas de seu redirecionamento rumo à composição da hegemonia burguesa. Esta hegemonia pautou-se fortemente na integração das camadas populares ao mercado de bens materiais e simbólicos, adensando aquele público identificado por Cohn. Furtado observa o mesmo processo e reconhece que o “nivelamento cultural” que conduz as classes médias e populares na direção de uma cultura de massas faz com que a relação entre elas seja de envolvimento, mais do que de exclusão. Mas o quadro passa a ser condicionado pela presença de uma indústria transnacional de cultura que opera como instrumento de modernização dependente, restando apenas alguns enclaves de autonomia criativa entre segmentos de classe média sensíveis ao valor das culturas populares, onde se esboça a possibilidade de uma nova síntese, desta vez, não baseada na dominação dos brancos sobre os demais, e sim, na interlocução livre entre as diferentes matrizes culturais. Isso porque, apesar da força da indústria transnacional de cultura, o fato mais importante do século XX, no tocante à cultura brasileira, é a descoberta do país real pelos artistas e intelectuais, apesar de comprimidos entre a influência daquela indústria e a maior visibilidade das culturas populares. Mas a conclusão de Furtado é a de que tanto estas culturas quanto os enclaves de classe média estão ameaçados de “descaracterização”.

Com a expansão dos meios de comunicação de

massa em escala global, resta saber quem terá direito ou não à criatividade e quem será relegado à condição de meros consumidores de bens culturais. Apesar de o caráter transnacional da indústria cultural brasileira não ter se confirmado ao longo do tempo (Ortiz, 1988), as pistas deixadas por Furtado são muito interessantes. Elas permitem, inclusive, uma comparação com a Formação Econômica do Brasil, pelos três momentos que caracterizam ambos os processos, econômico e cultural. Mas as suas direções não parecem as mesmas. No primeiro, há a formação de um sistema econômico autônomo que, apesar de avançar sem se completar devido ao padrão dependente, passa a ser cada vez mais capaz de gerar seu próprio impulso de crescimento, pela sedimentação de elementos trazidos a cada nova fase que levam à crescente internalização das variáveis econômicas fundamentais. Já no plano da cultura, a ênfase está mais na perda de unidade e de autonomia diante da cultura de massas americanizada, a


partir do século XX. Em ambos, a formação conduz à modernização dependente, termo que expressa a própria ambigüidade do conceito de “formação”, como algo que caminha em certa direção, mas que ainda não se completou. Em ambos, Furtado aponta a necessidade de uma vontade coletiva que possa levar a economia brasileira a satisfazer as necessidades de seu povo e a cultura, a expressar os seus valores. Esta é, talvez, a sua mensagem mais poderosa e atual.

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Celso Furtado: subdesenvolvimento, dependência, cultura e criatividade Carlos Brandão1 Instituto Multidisciplinar da UFRRJ

“O ponto de partida do estudo do desenvolvimento deveria o horizonte de aspirações da coletividade em questão” (Furtado, 1969). Resumo: O ensaio pretende apresentar alguns elementos da base teórico-metodológica de Celso Furtado que procuram articular o processo de desenvolvimento/subdesenvolvimento com os conceitos de dependência, cultura e criatividade. São discutidos os desafios para se engendrar estratégias de desenvolvimento que acionem/mobilizem a riqueza cultural presente na diversidade brasileira e legitimem renovado padrão civilizatório. Palavras-chave: Celso Furtado; Subdesenvolvimento; Cultura. Abstract: This essay intends to present some components of Celso Furtado’s theoreticalmethodological basis that seeks to articulate the process of development / underdevelopment with the concepts of dependency, culture and creativity. It is scrutinized the challenges to devise development strategies that trigger/mobilize cultural richness in Brazilian diversity and legitimize renewed civilizatory standards. Key Words: Celso Furtado; Underdevelopment; Culture. Resumen: Este estudio se propone presentar algunos elementos de la base teórico-metodológica de Celso Furtado que buscan articular el proceso de desarrollo / subdesarrollo con los conceptos de dependencia, cultura y creatividad. Es analizado los retos para diseñar estrategias de desarrollo que desencadenan / movilizan la riqueza cultural de la diversidad brasileña y legitimar renovado padrón civilizatorio. Palabras clave: Celso Furtado; Subdesarrollo; Cultura.

Introdução Como desatar as energias da criatividade contida e valorizar a riqueza cultural, revelada ou latente, de uma civilização nacional com altas heterogeneidade e diversidade? Como construir trajetórias mais autônomas, ancoradas em seu específico patrimônio cultural, e vias mais plurais e alternativas de desenvolvimento?. São questões complexas como essas que Celso Furtado irá se colocar, tentando realizar um afastamento da discussão do processo de desenvolvimento, assentada meramente em parâmetros econômicos, para redirecioná-la para o contexto maior das opções societais e da busca 1

Professor do Instituto Multidisciplinar da UFRRJ. Doutor, Livre Docente e Professor Titular pelo Instituto de Economia da Unicamp. Pós-doutor pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Bolsista do CNPq. Pesquisador da temática do Desenvolvimento e do Planejamento Regional. Coordenador do site www.interpretesdobrasil.org. Coordenador do Observatório Celso Furtado para o Desenvolvimento Regional. E-mail: carlosantoniobrandao@gmail.com.


soberana por ampliação de seu leque de oportunidades. Sua vasta obra associa o esforço pelo desenvolvimento recorrentemente aos processos de iniciativa, criatividade, melhorias nos “sistema de incitações”, inventividade e enriquecimento do universo de valores capazes de incrementar a capacidade de ação, superando a passividade e o imobilismo das decisões que perpetuam as estruturas anacrônicas da aculturação e da dependência. Assim, ele nos deixa uma mensagem consistente de necessidade contínua de construção de cidadania, dignidade, segurança e proteção, com radicalidade democrática, redistribuição de renda, riqueza, poder e acesso ao Estado, combate às heterogeneidades estruturais e valorização da riqueza cultura civilizacional específica de dados âmbitos e escalas regionais e nacionais. Ele propõe um esforço intelectual e político de transformação social que, enraizado em nossas especificidades históricas, seja capaz de lograr a constituição de formas sociais mais reveladoras, mobilizadoras e acionadoras de nossa criatividade e diversidade cultural, “fazendo aflorar nossas energias contidas”, para desmontar vigorosamente nossas máquinas e estruturas de reprodução de desigualdades sociais e regionais. Este ensaio procura sistematizar algumas contribuições de Celso Furtado e pretende apresentar alguns elementos de sua base teórico-metodológica que procuram articular o processo de desenvolvimento/subdesenvolvimento com os conceitos de dependência, cultura e criatividade. São discutidos os desafios para se engendrar estratégias de desenvolvimento que acionem/mobilizem a riqueza cultural presente na diversidade brasileira e legitimem renovado padrão civilizatório, que logre forjar novo patamar de homogeneidade social e se traduza em enriquecimento cultural, em apropriação dos avanços tecnológicos e na legitimação de estratégias que busquem romper com os impasses do subdesenvolvimento. A natureza dos processos de desenvolvimento/subdesenvolvimento, decisões, valores e o papel da riqueza cultural O conceito de desenvolvimento proposto pela obra furtadiana se baseia no estudo da natureza do processo de exercitar opções alternativas frente a uma temporalidade construída mais larga (e não-imediatista), apta a escolhas autônomas, apresentando trajetórias abertas, sujeitas a decisões estratégicas, em ambiente de incerteza, e de diferenciação de poder (de comando sobre o destino) de agentes desigualmente constituídos. Parte de uma perspectiva que desenvolvimento, necessariamente envolve tempo e espaço nas decisões de como alocar (intertemporalmente, interespacialmente,


intersetorialmente etc.) ativos, recursos, capacitações, produtivamente ou não, ou seja, envolve a questão da destinação do excedente social. Furtado questiona as formas através das quais determinada sociedade extrapola suas necessidades momentâneas (engendrando um horizonte temporal de decisões), dando uso não conjuntural aos seus feitos coletivos, gerando propósitos não-instantâneos e diretos, podendo eleger opções alternativas com criatividade. Sua elaboração teórica parte da tentativa de entendimento da problemática da destinação do excedente social. Se pergunta as razões porque algumas sociedades nacionais esterilizam seu excedente, outras tem ele drenado para órbitas improdutivas, enquanto outras experiências logram alta retenção, multiplicação e reprodutividade do mesmo. Da discussão da retenção/utilização ou esterilização do excedente brotariam as indagações sobre o poder de comando, abrindo espaço ao cálculo intertemporal, a “atos planejadores” de preocupação com um quadro temporal para além do momentâneo, gerando possíveis vias, trajetórias, estilos e modos de desenvolvimento, estruturando opções e possibilidades (abrindo respostas diversas a problemas concretos em um ambiente de incerteza) e disputas dos agentes e centros decisionais pelas disjuntivas de aplicação alternativas dos recursos. Neste contexto o processo de desenvolvimento deve ser interpretado por suas estruturas, sujeitos e agentes cruciais tomando decisões e provocando reações a decisões, em um contexto histórico em aberto, contingente, à espera de forças sociais que lhe dêem conteúdo e sentido e logrem construir trajetórias específicas e autônomas, assentadas em sua específica riqueza cultura, e vias plurais alternativas de desenvolvimento. Por isso, seu estudo deve procurar “identificar a natureza do sistema de dominação: seu relacionamento com a estratificação social, seus meios de legitimação, sua organização no espaço, seus meios de reprodução etc.” (Furtado, 1980, p. 33)2. Ou seja, o processo de desenvolvimento exige a assunção da conflitualidade, da dinâmica de ação das facções das classes sociais, identificar sujeitos sociopolíticos portadores de decisão transformadora. Seria fundamental então atentar para a natureza do cálculo, da decisão e do comando societal sobre certo excedente disponível que uma determinada sociedade promove criativamente. Analiticamente seria importante questionar quais as mediações teóricas e históricas se deveriam construir acerca das decisões estratégicas, o comportamento e a mentalidade classial, isto é, como se estruturam os poderes e as hierarquias que determinam as decisões cruciais sobre como manter ou redistribuir os aumentos de produtividade e os frutos do trabalho social. Impõe-se, neste contexto, a 2

“o livro que não existe (...) deve sair em busca de uma teoria social global, na qual se entronquem (...) a teoria das decisões intertemporais, a teoria da estratificação e a teoria do poder” Furtado (1976, p. 11).


discussão da necessidade de análise da natureza das unidades dominantes, nas esferas pública e privada. De averiguar o carácter do Estado, enquanto condensação da conflitualidade dessa sociedade e a racionalidade/mentalidade da classe empresarial. Ou seja, realizar o devido dimensionamento dos poderes público e privados. Para procurar responder tais questões estruturais seria importante investigar o que Furtado denomina de parâmetros não-econômicos em seus contextos institucionais e históricos. Ele fixou definitivamente sua mensagem convicta de que “não existe o estritamente econômico”: “Não existe uma realidade social cujo estudo seja da competência da economia. A matéria de estudo desta é certa classe de problemas sociais”. Assim, era preciso olhar a história, buscando apreender a diacronia dos processos concretos, nem todos passíveis de serem explicados por meros fatores econômicos. Tinha uma perspectiva analítica de que construir as determinações adequadas (e hierarquizá-las) é o grande desafio das pesquisas na área social, exigentes da construção das requeridas mediações teóricas e históricas. Ou seja, a concretude e a historicidade intrínseca dos processos sociais não poderiam ser negligenciadas, ao se buscar interpretar a recorrência e a reiteração dos processos de desenvolvimento desigual e combinado e as heterogeneidades estruturais (produtivas, sociais, culturais, espaciais etc.) especificamente nacionais, que devem ser convenientemente mediadas e apropriadamente determinadas. Seria preciso assumir o caráter contingente da história em aberto, pois “mais do que transformação, o desenvolvimento é invenção. As condições requeridas para que este elemento se manifeste com vigor, dão-se historicamente” Furtado (1994, p. 37). Uma vez consolidadas, as ações estratégicas pelo desenvolvimento deveriam fundar estruturas e mecanismos sociais robustos e blindados, capazes de gerar “forças preventivas e corretivas nos processos de excessiva concentração de poder”. Construir o verdadeiro caminho para o processo de desenvolvimento nacional, no sentido de facultar escolhas e estender e ampliar seu leque de oportunidades, requer o enfrentamento em várias frentes conflitivas, forjando novo patamar de homogeneidade social, que se traduza em enriquecimento cultural e em apropriação social dos avanços tecnológicos e novos padrões civilizatórios. Desse modo, o papel das estruturas sociais e de poder não poderiam estar ausentes da análise. Desenvolvimento é tensão. É distorcer a correlação de forças, importunar diuturnamente as estruturas e coalizões tradicionais de dominação e reprodução do poder. É exercer em todas as arenas políticas e esferas de poder uma pressão tão potente quanto o é a pressão das forças que engendram e perenizam o subdesenvolvimento. Celso Furtado e o estruturalismo latino-americano – certamente o maior esforço já


realizado na história do pensamento social de criação teórica autônoma na periferia do capitalismo - o subdesenvolvimento não é estágio, fase ou estado, e não está rumando (linear e automaticamente) a uma situação superior e ideal de “progresso”. É, sobretudo, uma malformação estrutural com grande capacidade de persistência, cumulatividade e alta capacidade de reprodução, isto é, uma quase irreversibilidade. É persistente, pois “não passa” com o tempo. Ao contrário, é cumulativo, tende a se agravar com o tempo, e é dificilmente reversível, no sentido que recorrentemente reforça suas estruturas tradicionais de dominação. Ou seja, se não for contraposto por forças de enfrentamento/intervenção poderosas, não será superado. O subdesenvolvimento é face e não fase do processo de desenvolvimento. Não é uma etapa no percurso pré-definido de um caminho/marcha uniforme de um país “em desenvolvimento”. É uma face do processo global, inserido no contexto mais geral das transformações na escala mundial de expansão do sistema capitalista. É uma conformação, ou deformação constituinte e singular. Não há tão-somente um retraso. Há uma retardação, no sentido constitutivo-genético, do ser subdesenvolvido portar deformidades estruturais dificilmente superáveis. Essas e outras características fazem com que as tentativas de romper com o subdesenvolvimento encontrem enormes constrangimentos, dentre eles os políticos e os culturais, pois seria preciso identificar as bases sociais e os sujeitos portadores de potencial de transformação das estruturas de poder e combater a força da modernização da americanização caricata dos estilos de vida das minorias afluentes da sociedade, propugnando por valores que combatam a racionalidade instrumental com uma racionalidade substantiva dos fins, sempre procurando efetivar as potencialidades humanas e adensar as forças sociais que possam ampliar a margem nacional de arbítrio soberano. Torna-se premente analisar os mecanismos de produção e reprodução de estruturas de dominação arcaica, malformadas ou deformadas. Para pensar os impasses do subdesenvolvimento brasileiro é preciso analisar suas especificidades históricas e culturais, que devem ser buscados em sua composição genética, nas especificidades de seu processo de colonização, sendo “fruto do processo de mundialização do desdobramento geográfico da civilização europeia a partir do início do século XVI”, segundo um projeto ambicioso de expansão mercantil a partir de Portugal, “preocupado apenas em preservar e ampliar seu patrimônio territorial (...) Nos três séculos período colonial desenvolveu-se no Brasil uma cultura que, sendo portuguesa em sua temática e estilo, incorpora não apenas motivos locais mas também toda uma gama de valores das culturas dos povos dominados (...) A permanência de certos traços da cultura brasileira explica-


se pela estabilidade dos sistema de dominação social latifundiárioburocrático (...) O distanciamento entre elite e povo será a característica marcante do quadro cultural que emerge nesse período. As elites, como que hipnotizadas, voltam-se para os centros da cultura europeia (...) O povo era reduzido a uma referência negativa, símbolo do atraso, atribuindo-se significado nulo à sua herança cultural não europeia e recusando-se valia à sua criatividade” (Furtado, 1984, p. 20 e seguintes).

Todo esse conjunto de circunstâncias históricas travou e truncou o processo cultural criativo, cristalizando a aculturação de nossas elites e a exacerbação posterior de uma modernização dependente fundada nas “tendências atávicas de nossa sociedade ao elitismo e à opressão social” (Furtado, 1984, p. 27). O Brasil será marcado por toda uma gama de “sistemas de símbolos importados que com frequência ressecam nossas raízes culturais”, com a “produção de bens culturais que buscam a uniformização dos padrões de comportamento, base da criação de grandes mercados” (Furtado, 1984, p. 31). O elitismo nobilitador de posições da classe dominante, garantindo a recorrente assimilação, transplantação, modernização e ocidentalização dos estilos importados de vida, conduzirá ao deperecimento de sistemas de cultura. A difusão da civilização industrial, com a infiltração dos critérios de racionalidade instrumental irá enrijecer e disseminar a dependência cultural. É neste contexto que nosso autor enquadra e posiciona a situação histórica periférica: na moldura do movimento das grandes transformações civilizatórias, a partir do longo século XVI, no palco europeu da exacerbação da concorrência de seus sistemas nacionais interestatais, “que aumentaram consideravelmente a capacidade expansiva do centro em direção a outras áreas”. As porções do território mundial dependentes, que têm “suas estruturas econômica e sociais moldadas do exterior, mediante a especialização do sistema produtivo e a introdução de novos padrões de consumo, viriam a constituir a periferia do sistema” (Furtado, 1989, p. 20). Nos espaços nacionais subdesenvolvidos se impõe uma recorrente desconexão entre a acumulação de capital e a diversificação produtiva com inovação e conteúdo tecnológico autônomo. O que se diversifica são os padrões de consumo e exacerba-se, ao longo da história, a coação para que se direcionem parcelas crescentes do excedente social para essa diversificação e não para a acumulação reprodutiva, aprofundando e arraigando as heterogeneidades estruturais no conjunto da sociedade, jazendo a população alheada dos frutos e dos benefícios do progresso técnico material, que fica circunscrito apenas ao núcleo modernizado. Assim, “o comportamento dos grupos que se apropriam do excedente, condicionado que é pela situação de dependência cultural em que se encontram, tende a agravar as desigualdades sociais, em função do


avanço da acumulação” (Furtado, 1974, p. 82). Dessa forma, nesses países periféricos e dependentes, propagandeia-se a possibilidade de um modo societário de consumo para todos, porém ele não tem a possibilidade de ser generalizável, pois “o estilo de vida criado pelo capitalismo industrial sempre será o privilégio de uma minoria. O custo em termos de depredação do mundo físico, desse estilo de vida é de tal forma elevado que toda tentativa de generalizá-lo levaria inexoravelmente ao colapso de toda uma civilização, pondo em risco as possibilidades de sobrevivência da espécie humana” (...) A ideia de desenvolvimento apenas tem sido de utilidade para mobilizar os povos da periferia e leva-los a aceitar enormes sacrifícios, para legitimar a destruição de formas culturais ‘arcaicas’, para ‘explicar’ e fazer ‘compreender a necessidade’ de destruir o meio físico, para justificar formas de dependência que reforçam o caráter predatório do sistema produtivo” (Furtado, 1974, p. 75).

A natureza do subdesenvolvimento precisa ser apreendida, tanto pela órbita da produção (através das formas específicas de apropriação e realocação do excedente), quanto pela órbita da circulação (pelo uso do excedente resultante da adoção de padrões de consumo conspícuos), pois ambas “engendram a dependência cultural que está nas bases do processo de reprodução das estruturas sociais correspondentes” (Furtado, 1974, p.80). Nos sistemas nacionais de concorrência o Estado desempenha papel crucial de centro de regulação-coordenação-impulsão do sistema econômico. Seu papel é decisivo para estruturar vias históricas possíveis e alternativas de se reter e comandar excedente social e colocar em ação as potencialidades de um sistema de forças produtivas3, que lograsse constituir um “sistema econômico nacional” e promover a acumulação reprodutiva. Porém, a consolidação de uma base material moderna, competitiva e dinâmica nos países periféricos encontra bloqueios estruturais. Tal base industrial autônoma e endógena deveria estar ancorada na “indústria de bens de equipamentos, cuja importância relativa indica a capacidade de autotransformação do sistema econômico, porém essa se encontra em fase formativa e sem uma política deliberada que assegure o avanço tecnológico nesse setor” (Furtado, 1983, p. 81). O Brasil detém, nesse sentido, um sistema industrial ainda em formação, sem a consistência de um sistema industrial maduro4, dirigido por especializações pontuais espúrias e exogeneizadas. 3

Furtado procura resgatar de Georg Friedrich List (1789-1846) o conceito de “sistema de forças produtivas”, pois “as atividades produtivas devem ser vistas como um todo articulado”. 4 “Um sistema industrial não é um montão de investimentos. É um conjunto de elementos articulados, cuja coerência decorre da subordinação de cada um de seus elementos constitutivos à lógica do todo. Essa coerência é dada seja pelos mercados, seja pelo planejamento. Em todas as economias capitalistas modernas combinam-se essas duas formas de coordenação” (Furtado, 1983, p. 22).


A trajetória truncada do processo de subdesenvolvimento recorrentemente trava o processo de homogeneização e o acesso mais amplo a direitos fundamentais, ao lado de configurar uma deformada aplicação de recursos produtivos que reduzem a eficiência do sistema econômico e coloca o país em uma posição marginal e subordinada no contexto internacional, dificultando a construção plena da nação. São realizadas opções na orientação da acumulação que a distanciam das formas mais reprodutivas e desvirtuam e entorpecem os centros de decisão nacional, sobretudo o aparelho de Estado. Para fazer frente a tais desafios seria preciso legitimar e afirmar a necessidade da presença constitutiva do Estado e do planejamento para consubstanciar estratégias concretas de desenvolvimento, dotadas e fundadas em maiores níveis de “racionalidade das decisões que comandam processos sociais, evitando que surjam processos cumulativos e não-reversíveis em direções indesejadas”, segundo o conceito de planejamento de Furtado, que ressalta o papel do alargamento dos horizontes temporais da ação pública para revelar os conflitos de interesses postos na sociedade. Como enfrentar a falta de “homogeneidade social” e os percalços da modernização dos modos de vida miméticos? Como construir os aparelhos motores nacionais de provisão de crédito e de progresso técnico e de aprendizado em situações rígidas de dependência?. Às formas clássicas de dependência, se juntam sucessivamente “formas mais sutis e insidiosas de dependência, infiltradas nos circuitos financeiros e tecnológicos, que vieram substituir a tutela antes exercida pelos mercados externos na regulação de nossa atividades produtivas” (Furtado, 1984, p. 27). Na verdade, “as relações externas de dependência estão introjetadas nas estruturas de dominação social” (Furtado, 1978, p. 115). Como afirma Furtado “a superação do impasse com que nos confrontamos requer que a política de desenvolvimento conduza a uma crescente homogeneização de nossa sociedade e abra espaço à realização das potencialidades de nossa cultura” (2002, p. 36). “a questão central se limita a saber se temos ou não possibilidade de preservar nossa identidade cultural” (2002, p. 36).

Ou em outros termos, o grande desafio civilizatório brasileiro é saber se “continuaremos a contribuir para o enriquecimento do patrimônio comum da humanidade ou seremos relegados ao papel passivo de simples consumidores de bens culturais adquiridos nos mercados. Ter ou não ter acesso à criatividade, eis a questão” (Furtado, 1999, p. 53). Com certeza, elaborar e armar estratégias nacionais de desenvolvimento requererá mobilizar e ativar a diversidade, heterogeneidade estrutural e variedades cultural, geográfica e histórica do múltiplo e continental Brasil, assentadas na construção de maior homogeneização social, isto é, que se promovam mudanças nas relações de propriedade,


buscando habilitar os atores mais destituídos e marginalizados. Apenas dessa forma será possível revelar recursos materiais e simbólicos (acionar cultura material e espiritual) e mobilizar sujeitos sociais e políticos buscando ampliar o campo de ação da coletividade, aumentando sua autodeterminação e liberdade de decisão. O desafio político é ganhar poder de comando sobre os centros de decisão, em uma situação em que alguns poucos “nichos de comando” estão internalizados e a maioria se encontra sob o controle exógeno, e em que há o progressivo estreitamento dos horizontes temporais (e da legitimidade) paras as ações públicas estruturantes e coordenadoras. Tal tarefa histórica não é fácil, pois as forças políticas e econômicas que procuram perpetuar o atraso estrutural da situação de subdesenvolvimento devem ser enfrentadas cotidianamente por uma interpretação que reconheça que quando se fala em desenvolvimento, no adequado sentido de “alargamento dos horizontes de possibilidades”, se está falando necessariamente na construção de ações e políticas públicas desmanteladoras de dinâmicas e estruturas que representam e recrudescem o atraso econômico e político. Há a necessidade de construção de elementos teóricos - resgatando a História e as especificidades nacionais em situação de subdesenvolvimento – e construir centros de decisão e respostas políticas próprias, com criatividade e não seguindo “modelos ideais traçados por outros”. Importa analisar o contexto em que se constituíram e reproduziram (inconclusa e travadamente) as classes sociais em um ambiente de atraso estrutural e subdesenvolvimento. Assim, torna-se difícil tensionar a correlação de forças políticas postas no bloco no poder. Cristaliza-se a reprodução de certo tipo de dominação interna, com desigualdades estruturadas, sistemáticas e reprodutíveis de poder. A obra de Furtado provê elementos teóricos adequados para o estudo da dinâmica das estruturas (derivadas, de forma mediada, da lógica da acumulação de capital e do funcionamento de parâmetros não-econômicos) e dos agentes e sujeitos (entranhados em interesses e conflitos de facções de classe), que em contextos históricos, institucionais e territoriais concretos tomam decisões mais ou menos transformadoras da ambiência em que estão inseridos. Em sua crítica às posições teóricas do mainstream, Celso Furtado indica que falta a elas apreender a Estrutura (entendida como “relações que caracterizam um conjunto econômico localizado no tempo e no espaço”) para se elaborar teoricamente acerca do processo de desenvolvimento que seria “o estudo (no tempo) das modificações das matrizes estruturais desses modelos que acompanham a intensificação da divisão social do trabalho,


vale dizer: o aumento da produtividade do trabalho no plano macroeconômico e a diversificação da demanda no plano social – é a matéria central da teoria do desenvolvimento” (Furtado, 1967, p. 71).

É neste sentido que se impõe a investigação das decisões intertemporal dos agentes, da estratificação social, do poder diferencial dos sujeitos, e seus mecanismos de reprodução. Assim, uma contribuição teórica fundamental de Furtado é sua discussão sobre as interações entre decisões e estruturas e sua distinção entre microeconomia (teoria das decisões dos agentes cruciais) e macroeconomia (articulação complexa e estrutural das decisões e reações às decisões dos agentes, com forte conteúdo coletivo e natureza política). A interpretação furtadiana, contrária à visão das teorias do crescimento equilibrado (que defendiam uma coordenação abrangente de decisões empreendidas simultânea e complementarmente, e com sincronia em vários domínios), discutirá o papel da ação e da geração dinâmica de diacronias, posto que enxerga o processo de desenvolvimento como uma cadeia de desequilíbrios que se retroalimentam. Há segundo os estruturalistas, um conjunto

de

elementos

desbalaneamentos,

em

funcionamento

desproporcionalidades

dinâmico,

instabilizadoras,

prenhe que

de

contradições,

acabam

induzindo

desdobramentos na intersetorialidade dinâmica do sistema econômico. Tais dinamismos têm seu comando nas macrodecisões de alguns agentes cruciais, daí a necessidade da análise ter por base empírica esses agentes poderosos que logram estruturar e dar dinâmica às “cadeias de reações provocadas por decisões autônomas”. Só assim, “será possível identificar fatores que aumentam ou reduzem sua capacidade de reação”. Segundo seu esquema teórico (Furtado, 1967), decisão pode ser concebida sob dois prismas: 1) como um elemento em uma cadeia (resposta a uma situação dada); 2) como um centro de irradiação, capaz de influenciar o comportamento de outros agentes (capaz de transformar determinada situação social). Furtado diz que as primeiras, de natureza econômica, são provocadas pelos mecanismos de mercado. Mas é a segunda modalidade de decisões que importa quando se pensa em desenvolvimento, posto que são tomadas por agentes que “creem em condições de poder modificar o curso dos acontecimentos prefigurados pelo mercado”. Importa entender a propagação das decisões econômicas, distinguindo entre aquelas que apresentam ponderável grau de autonomia, daquelas induzidas. Furtado fala de três decisões autônomas principais: 1) as que dizem respeito ao plano de utilização da renda; 2) as ligadas ao processo de transformação material ao longo dos elos das cadeias de produção; 3) as que criam riqueza renovada (capacidade produtiva nova). Estas últimas, em sua relação dinâmica com as demais “constitui a matéria do desenvolvimento” (Furtado, 1967, p. 87). Ele afirma que “o estudo do


desenvolvimento tende a concentrar-se na caracterização das estruturas, na identificação dos agentes significativos e nas interações entre determinadas categorias de decisões e as estruturas. Estas condicionam o processo de irradiação e a eficácia no espaço e no tempo das decisões, mas ao mesmo tempo são por elas determinados” (Furtado, 1967, p. 92).

Como “toda decisão envolve uma forma de exercício de uma forma de poder”, seria preciso

“ver os processos econômicos como cadeia de decisões e estas como estruturas de poder (...) Não existe organização sem coordenação e controle, e para que se efetivem a coordenação e o controle é indispensável que existam centros diretores capazes de definir objetivos (...) todo centro de decisão tende a aprofundar o seu horizonte temporal, isto é a planejar sua ação (...) neste contexto da economia vista como uma organização, a ideia de planejamento como técnica destinada a elevar a eficiência dos centros de decisão surge naturalmente” (Furtado, 1967, p. 92).

Neste contexto, “importa identificar a natureza do sistema de dominação: seu relacionamento com a estratificação social, seus meios de legitimação, sua organização no espaço, seus meios de reprodução etc.” (Furtado, 1980, p. 33). Celso Furtado (1978, p. 17) irá sintetizar sua elaboração teórico-metodológica na primorosa passagem: “A ruptura no plano da racionalidade ocorre quando o agente está capacitado para modificar o meio em que atua, apresentando no seu comportamento um fator volitivo criador de novo contexto. O campo do possível amplia-se e a racionalidade passa a requerer uma visão mais abrangente da realidade. Assumindo a criatividade, o agente impõe a própria vontade, consciente ou inconscientemente, àqueles que são atingidos em seus interesses pelas decisões que ele toma. Implícito na criatividade existe, portanto, um elemento de poder. O comportamento do agente que não exerce poder é simplesmente adaptativo (...) A faculdade de transformar o contexto em que atua eleva o agente à elemento motor do sistema econômico (...) Constitui, evidentemente uma forma de poder a capacidade de iniciativa desses agentes privilegiados que modificam o contexto em que atuam ou que evitam que outros o modifiquem contra seus interesses”. ]

É imperativo analisar as assimetrias e irreversibilidades na influência de algumas decisões sobre outras. Sobretudo de alguns agentes e a transmissão dos impulsos iniciais de suas decisões (e as reações provocadas) ao longo da cadeia. Este ponto é crucial, pois a visão do mainstream parece acreditar que a situação consensual ex-ante de atores e unidades equipotentes será alcançada facilmente. As reações em cadeia, dependentes do nível de desenvolvimento das forças produtivas e da complexidade e do grau de diversificação da estrutura produtiva, possuem


poder de encadeamento diverso. As macrodecisões em um contexto ou ambiente macroeconômico são resultantes da interação de uma pluralidade de decisões cruciais. São, neste sentido, politizadas por natureza. Dentre um

vasto conjunto de decisões algumas

prevalecem,

posto que

macroestratégicas. Essas macrodecisões têm em seu centro o papel dos agentes e unidades dominantes, concentradores de prestígio, autoridade e influência e portadores de potencial de disrupção do curso dos processos e dos contextos em que atuam. Tais agentes são, sobretudo, as empresas oligopólicas transnacionais e o Estado, ambos com força desestabilizadora das cadeias de decisão, pois suas ações se fundam em previsões globais, já que são dotados de poder e informações que permitem “uma avaliação antecipada do resultado final da cadeia de reações”. Assim, as estratégias de desenvolvimento consistentes e efetivas requerem uma “ação diretora do Estado sobre o conjunto do sistema econômico” e devem ser forjadas na escala nacional. Furtado diz que “com a análise macroeconômica keynesiana emergiu uma teoria da coordenação das decisões econômicas que valorizaria consideravelmente os centros de decisão a nível nacional” Furtado (1980, p. 30). A escala espacial nacional cumpre para ele papel insubstituível: o poder nacional deve defender a criação de oportunidades internalizadas de acesso a bens e serviço e coordenar a abertura de horizontes de enriquecimento material e cultural nas fronteiras internas. A escala nacional é também uma configuração cultural, social e política. Caracteres distintivos em dado recorte espacial são definidos pelas peculiares estruturas de propriedade, distribuição da renda e da riqueza e de consumo de suas classes sociais. Por outro lado, configurações sociais criativas, estruturas de inventividade e processos inovativos e de interação produçãoinovação, sistema de aprendizado (científico, tecnológico, educacional-cultural etc.), aptos a interpretar informações e conhecimentos e os reelaborar, criando novas competências, novas combinações e dinâmicas adaptadas às suas especificidades histórico-culturais são elementos importantes do sistema social de forças produtivas nacionais. A depender das especificidades da base produtiva montada e das estruturas empresariais com que se pode contar, avança-se mais ou menos na construção de maiores graus de autonomia e de soberania do arcabouço legal-institucional nacional que é legitimado na escala nacional. O espaço nacional está submetido a complexas hierarquias de comando e hegemonias potentes na escala mundial. A capacidade de resposta da escala nacional depende da vontade e da potência em por em marcha um movimento de fazer operar estímulos e elementos indutores que mobilizem criativamente os recursos latentes, fatores em reserva, fomentando decisões que liberem potenciais até então não acionados e


promovam novas combinações, inovações e atitudes criativas, contagiantes de outras decisões de transformação, assim avançando na construção da nação. Já vimos com Furtado que desenvolvimento é invenção e essa “não se resume em resposta a um desafio: é, antes de tudo, a manifestação de uma possibilidade” (Furtado, 1994, p. 37). Nas condições concretas da situação de subdesenvolvimento, torna-se necessário acicatar atitudes e iniciativas que rompam com estruturas e decisões anacrônicas, por exemplo, aquelas da manutenção patrimonialista do estoque de riqueza velha (em sua forma líquida e/ou em bens de raiz). Nestas condições, o centro de comando não tem correlação de forças apta a tomar decisões legitimadas que rompam com os interesses heteronômicos e heterogêneos e é carente de capacidade de mobilização das massas de capitais dispersivas e fragmentárias que pudessem ser aglutinadas, alavancadas para constituir núcleo decisório autônomo e endógeno. Em países periféricos como o Brasil, onde se consolidou uma supremacia rentista-mercantil-oligárquica imediatista na condução do poder de decisão e comando e na assunção da regulação da reprodução das massas dispersivas de capital, soldou-se e cristalizou-se um modo de reprodução de certo tipo de dominação interna, que é marcado por um conjunto de assimetrias estruturadas, sistemáticas e auto-reprodutíveis de poder. Tal hegemonia política não possibilita nitidez para o Estado priorizar e catalisar inversões que promovam rupturas com a situação de subdesenvolvimento. Também não promove a “intencionalidade que se traduz pelo exercício de opções”, que seria ação de um Estado legitimado politicamente em torno de vontades, no sentido da ampliação do leque de possibilidades. Na verdade, o aparato de coordenação da ação pública foi desmantelado no Brasil em todos os níveis de governo, sobretudo nas duas últimas décadas. O planejamento, que deveria ser estruturado sistemicamente, acaba sendo embotado e se subordina totalmente aos interesses e decisões das grandes empresas (nacionais e estrangeiras) e fica orientado apenas pela lógica da rentabilidade privada. O desenvolvimento envolve também desmonte, por exemplo, no caso brasileiro, da reprodução permanente do sistema de privilégios e da dependência cultural. Há uma unidade dos donos do poder vis-à-vis o heterogêneo e desabilitado conjunto das classes subordinadas no Brasil, tendo por base o travamento do acesso a elementos habilitadores de cidadania, à propriedade e aos direitos. O mimetismo das elites e a assimilação passiva da cultura material exógena conspiram contra a afirmação da soberania cultural e da riqueza cultural, do sistema de valores, do povo brasileiro. O sistema de forças produtivas não é posto a serviço do


enriquecimento cultural e social de seus cidadãos. Assim, questiona Furtado (1984, p. 31): “como preservar o gênio inventivo de nossa cultura em face da necessidade de assimilar técnicas que, se aumentam nossa capacidade de ação, nossa eficácia, também são vetores de valores que com frequência mutilam nossa identidade cultural?”. Considerações Finais Cada vez mais se manifestam no Brasil as questões estruturais colocadas por Celso Furtado, como, por exemplo, a natureza extensiva, itinerante e predatória do modo de crescimento de seu capitalismo. A apropriação contínua de porções territoriais criando, de forma itinerante, frentes

de expansão que permitiam ganhos extraordinários. A

industrialização avançou muito – porém sem “homogeneização social” – arrastando e acicatando o conjunto das atividades econômicas terciárias, agropecuárias, de suporte infraestrutural etc. Mesmo com aumento do nível médio de vida da população, muitas vezes não se conduz a um processo de homogeneização social. Há a contínua reafirmação da dependência, posta a pretensão das elites de imitação da cultura material do capitalismo avançado em um contexto de privação, desfiliação e desabilitação das massas populares. Nesse sentido, o subdesenvolvimento deve ser visto como uma estrutura com grande capacidade de persistência e reprodução de estruturas tradicionais e anacrônicas de dominação. Transformações materiais abrangentes se processaram, porém nunca foram acompanhadas de maior acessibilidade, por parte da maioria da população, à propriedade, à terra rural ou urbana, à educação, aos bens culturais e de lazer, aos serviços de saúde de qualidade, à moradia, aos meios coletivos urbanos, à inserção formal no mercado de trabalho, à renda com permanência e segurança, ou seja, aos direitos da urbanidade, da justiça espacial e da cidadania. Nossas heterogeneidades se aprofundam ao longo do tempo. Porém o país não pode esterilizar toda sua potência, muitas vezes oculta, de suas diversidades e da sua criatividade. É nesse sentido que lutar para ganhar espaço de atuação e comando, com maior grau de autodeterminação e endogenia, envolve necessariamente tratar de forma criativa as diversidades geográfica, demográfica, social, cultural, produtiva brasileiras. É preciso entender como as forças conservadoras destroem a criatividade e a diversidade cultural e regional “dos de baixo”, para manter o padrão de privilégios “dos de cima”. O legado do plano de estudos e reflexões de Furtado nos deixa também uma agenda política de ação, com um sentido claro de necessidade de crescente democratização dos centros de decisão nacionais:


“o ponto de partida do processo de reconstrução que temos de enfrentar deverá ser uma participação maior do povo no sistema de decisões. Sem isso, o desenvolvimento não se alimentará de autêntica criatividade e pouco contribuirá para a satisfação dos anseios legítimos da nação” Impõe-se formular uma política de desenvolvimento com base numa explicitação dos fins substantivos que almejamos alcançar, e não com base na lógica dos meios (…) “A superação do impasse com que nos confrontamos requer que a política de desenvolvimento conduza a uma crescente homogeneização de nossa sociedade e abra espaço à realização das potencialidades de nossa cultura” (…). “a questão central se limita a saber se temos ou não possibilidade de preservar nossa identidade cultural” (Furtado, 2002, p. 36).

Como Furtado afirmou “em subsistemas dependentes, renunciar a ter objetivos próprios, aceitar progressivamente a desarticulação interna, quiçá a perda mesma do sentido de entidade nacional” (1976, p. 136) é a ruína e o fracasso dos esforços que almejaram construir a nação enquanto uma legítima civilização brasileira. É a privação da maioria, travando a realização das potencialidades da nação, e destituindo o reencontro com da nação com o gênio criativo de nossa cultura. No caso brasileiro, os desafios são enormes, pois caberia, simultaneamente, romper com as forças reacionárias e desarticuladoras da construção nacional e estabelecer estímulos à identidade/diversidade/diferenciação/variedade, constituindo politização e participação cidadã que lograsse promover arenas de coordenação de interesses, diálogos, conflitos e consensos, que deveriam ser reelaboradas continuamente. Se o Brasil tem, sobretudo em potência e de forma latente, capacidade criativa e inventividade e o trunfo civilizatório da diversidade, “somente a vontade política será capaz de canalizar as forças criativas para a reconstrução de estruturas sociais avariadas e a conquista de novos avanços na direção de formas superiores de vida” (Furtado, 1984, p. 28). Referências FURTADO, C. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961. FURTADO, C. Teoria e política do desenvolvimento econômico. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967. FURTADO, C. Um projeto para o Brasil. Rio de Janeiro: Editora Saga, 1969. FURTADO, C. O mito do desenvolvimento econômico. São Paulo: Paz e Terra, 1974. FURTADO, C. Análise do “modelo” brasileiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975. FURTADO, C. Prefácio a nova economia política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. FURTADO, C. Criatividade e dependência na civilização industrial. São Paulo: Paz e Terra, 1978. FURTADO, C. Pequena introdução ao desenvolvimento: enfoque interdisciplinar. São Paulo:


Companhia Editora Nacional, 1980. FURTADO, C. Cultura e desenvolvimento em época de crise. São Paulo: Paz e Terra, 1984. FURTADO, C. Entre conformismo e reformismo. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 9 (4), out./dez., 1989. FURTADO, C. Brasil: a construção interrompida. São Paulo: Paz e Terra, 1992. FURTADO, C. A invenção do subdesenvolvimento. Economia e Sociedade, Campinas, (3): p. 37-42, dez., 1994. FURTADO, C. O capitalismo global. São Paulo: Paz e Terra, 1998. FURTADO, C. O longo amanhecer: reflexões sobre a formação do Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 1999. FURTADO, C. Em busca de novo modelo: reflexões sobre a crise contemporânea. São Paulo: Paz e Terra, 2002.


Economia, comunicação, desenvolvimento: de quem?1 Cesare Giuseppe Galvan Centro Josué de Castro Resumo: A moeda continua a ser julgada por sua “inversão” de finalidade: é um meio que se tornou fim. É sob esta reflexão que este artigo pretende explanar o peso da moeda (meios econômicos) sobre o desenvolvimento da comunicação num momento em que a moeda e as TICs são considerados meios de comunicação elevados à máxima potência. Além disso, a disparidade entre os homens “ganhou” um reforço inesperado: a desigualdade agora se reafirma no âmago e pela força de um sistema que se define a si mesmo pela igualdade, embora não entre os homens, e sim entre as mercadorias. Palavras-chaves: Economia; Comunicação; Desenvolvimento; Moeda; TICs. Abstract: The currency is still judged for its finality’s inversion: it’s a mean that became the goal. It’s under this reflection that this paper intends to discuss the weight of the currency (economic means) on the communication development in a moment that currency and ICTs are considered means of communication enhanced until the maximum power. Besides, the disparity amongst the men got an unexpected reinforcement: the inequality reassures now in the core and through the power of a system that defines itself for the equality, even though not amongst men, but amongst merchandise. Key words: Economy; Communication; Development; Currency; ITCs. Resumen: La moneda ES aún juzgada por su inversión de finalidad: es un médio que convertióse en una finalidad. Es a partir de esta reflexión que este paper intenta discutir el peso de la moneda (medios económicos) en el desarollo de la comunicación en un momento en que la moneda y las TICs son consideradas medios de comunicación aumentada hasta la última potencia. Además, la disparidad entre lós hombres ‘ganó’ refuerzos inesperados: la desigualdad ahora reafirmase en su esencia y a través de la fuerza de un sistema que conceptuase como igual, aunque no sea entre lós hombres, sino entre las mercancías. Palabras claves: Economía; Comunicación; Desarollo; Moneda; TICs

Introdução Os meios que servem aos homens para se comunicar são hoje os protagonistas de uma revolução mais radical, mais profunda, mais compreensiva que outras anteriores. Essa radicalidade pode ser pouco mais que simples aparência. Afinal, os 1

Retomo neste texto assuntos recentemente tratados em outras oportunidades. Viso principalmente contribuir a uma crítica do conceito de comunicação e à responsabilidade da economia monetária em seu desenvolvimento.


que “se aperfeiçoam” são sempre os mesmos dois achados: a fala, que herdamos do homem primitivo, e a escrita, que introduziu as civilizações. É verdade que também um terceiro invento une os homens; mas a esse pouca atenção é dispensada, quando se trata de meios de comunicação. É a moeda. Será oportuno, portanto, refletir sobre natureza e implicações das revoluções nos meios de comunicação, salientando a pergunta sobre o significado de determinadas inovações na economia para essas transformações. Trata-se de refletir sobre o peso dos meios econômicos – a moeda – sobre o desenvolvimento da comunicação: é um outro lado da economia, ou, se preferirem, da meta-economia. Supomos que os meios de comunicação transmitem o conhecimento de uma pessoa para outra. O que é essa transmissão, é o clássico problema debatido exemplarmente por santo Agostinho em seu De Magistro. Preocupados com o futuro que queremos e tentando defini-lo, olharemos para o passado buscando aprender algo de um outro “futuro”, um futuro que já foi construído numa revolução anterior do conhecimento humano. Historia magistra vitae. Como, porém, os determinantes de cada época são extremamente complexos, a exposição limita-se aqui a indicar uns poucos traços marcantes, escolhidos a dedo, não ao acaso. I. Os Gregos A civilização grega antiga foi aquele período histórico que alterou mais profundamente o modo de definir o conhecimento e a comunicação humana. Jaspers identificou a época central dessa revolução, ocupando aproximadamente do século VIII ao II a.C., como a “Idade Axial da História” ou, conforme outra tradução, “Tempo-Eixo”2. Pela profundidade de seu sentido, propõe-se aqui designa-la como “idade axial da autoconsciência social humana”3. Na mesma época, transformação análoga ocorreu na China, na Índia e em Israel. Contudo, as observações que seguem concentram-se na Grécia e em sua herança. O que então se revolucionou não foi só a comunicação, mas seu próprio substrato, o pensamento, a consciência que o homem tinha de si mesmo. Esse é um aspecto importante para nossa análise.

2

Em alemão “Achsenzeit”. Essa outra versão é adotada, por exemplo, em Vaz (Antropologia filosófica, passim). 3 O termo “autoconsciência” toma-se neste texto como sinônimo de “consciência de si”, bem distinta do solipsismo de pessoa isolada da sociedade. Cf., por exemplo, Abbagnano, 1989, no verbete “Autoconsciencia o consciencia de sí” (p.114).


A “Idade Axial” veio a constituir uma espécie de plenitude das realizações do espírito humano, uma plenitude nunca alcançada completamente, sempre no dinamismo de sua realização. Essa dinâmica seria transmitida nos tempos seguintes a todas as civilizações, progressivamente. Vários pensadores estudaram a “idade axial”. Partimos aqui da formulação de Jaspers. Mas, para perceber o papel essencial de instituições econômicas nesse processo, acrescentamos observações inspiradas sobre tudo em Thomson e SohnRethel, visando explicitar a ligação entre os fenômenos que a definem e a introdução e impacto social da moeda. Pois, na idade axial, ou “tempo-eixo”, dois operadores importantes

no

relacionamento

humano

participaram

simultaneamente

dessa

mencionada revolução na comunicação do pensamento e foram instrumentos de enlace entre os homens em suas atividades na Grécia, a saber4: 1) a moeda, invenção grega, revolucionou as trocas materiais, mas não somente as trocas5: pois profundas mudanças operaram-se no pensamento grego e em seu relacionamento com a natureza a partir dessa introdução da moeda cunhada. Embora invenções análogas tenham ocorrido anteriormente em outras civilizações, pode-se considerar o caso da moeda grega nessa época como o principal por causa de seu caráter como definidor das relações sociais, bem como pelas conseqüências em outros povos6. Acrescente-se a isso o fato que o uso prático da moeda dotou de um novo potencial outro instrumento que então já era antigo, o juro: em grego foi denominado “tókos”, que significa parto, bebê, posteridade, fruto, mas era conhecido na Mesopotâmia desde tempos anteriores a Hammurabi; 2)

a

escrita,

que

os

Gregos

aprenderam

dos

Fenícios,

adaptaram,

desenvolveram, e difundiram. Manifestou-se primeiro na poesia, só mais tarde em prosa, conforme afirma Vico, quando sustenta “Que, tendo existido os poetas certamente antes dos historiadores vulgares, a primeira história deva ser a poética”. Ao fazer essa afirmação estava ele baseando-se inclusive nas observações de Estrabão a

4

É nas duas observações que seguem – e sobre tudo em sua articulação recíproca – que deixamos Jaspers um tanto de lado, para seguir mais de perto a Sohn-Rethel, Thomson e outros. 5 Tivemos oportunidade de mostrar isso ao comentar os escritos de Sohn-Rethel indicados em nossa bibliografia. Ver GALVAN (2001) bem como (e sobre tudo) SOHN-RETHEL, citados na Bibliografia abaixo. 6 Ver e este propósito, por exemplo, Davis, 2002, p.61-65.


Eratóstenes. Isso mostra a excepcional maestria dos Gregos na escrita desde seus primeiros tempos.7 Moeda e escrita unem os homens entre si: uma articula suas trocas materiais; a outra serve a comunicar conhecimentos. Entre elas houve uma interconexão: a mesma inteligência com base nas mesmas experiências históricas potencializou o talento e a inventividade dos Gregos nos dois campos, nas trocas materiais (moeda) e nas trocas de conhecimento (escrita). Moeda e escrita possuíam um traço comum, a abstração. Na moeda, o homem desenvolve concretamente um processo de abstração aplicado às relações de troca de objetos, transformados em mercadorias. Uma abstração análoga – naturalmente não igual – caracterizava a obra dos Fenícios: sua escrita era alfabética, com símbolos ainda mais abstratos que as escritas ideográficas. Foi completada pelos Gregos. Esses dois meios de comunicação eram então recentes; aliás, a moeda foi inventada pelos próprios Gregos entre o século oitavo e sétimo. Caracterizavam-se por uma potencialidade própria, uma dýnamis típica: alcançar a posse de outros bens, no caso da moeda; revelar e comunicar os conhecimentos, nas letras. O próprio conceito de dýnamis é uma elaboração do grego, de sua língua, de sua literatura, de sua filosofia. Moeda e letras foram inclusive instrumentos para realizar a profunda conquista, que os próprios Romanos reconheceram, conforme canta seu poeta Horácio: A Grécia conquistada conquistou o feroz vencedor e introduziu as artes no Lácio agreste.8 O colonizado colonizou o colonizador, grande realização da comunicação. Nos séculos que vieram o Império Romano, decaído e superado, legou uma herança profunda e determinante a todas as civilizações posteriores: a fase imperial,

7

Ver Estrabão, Geographica, Livro I, cap.2.6: “a expressão prosaica é tão somente uma imitação da poética. Pois primeiro apareceu a expressão poética, e obteve aplauso, mais tarde alguns imitadores dos mesmos soltaram as amarras da construção dos versos, mas mantiveram no mais o modo poético de escrever.” Uma versão alemã desse texto encontra-se em: http://www.manfredhiebl.de/strabo.htm. O texto de Vico pode-se ler em Vico, 1984, p.173, como parte do celebre Livro III de sua Scienza nuova: “Da descoberta do verdadeiro Homero”. 8 Essa tradução é um tanto dura, mas sublinha o paradoxo. Zeferino Rocha verte de forma mais elegante: “A Grécia vencida apoderou-se do vencedor selvagem e trouxe as artes para o agreste Lácio” (“O desejo na Grécia helenística”, Rev. Latinoamericana de Psicopatalagía Fundamental, III, 2. p.99). O original (Horatius, Epistulae, II, 1, versos 156s.) reza: Graecia capta ferum victorem coepit et artes Intulit agresti Latio.


romana, foi uma etapa dessa civilização e o instrumento no qual e pelo qual a cultura, a arte, a filosofia e as ciências gregas se conservaram e difundiram. Nas ruínas desse império, os tesouros gregos e romanos ficaram dispersos por séculos. Mas já durante a Idade Média foram recuperados, repensados, reconquistados, sobre tudo por mérito dos pesquisadores árabes. Mas a respeito dos gregos, note-se que eles foram inovadores também na tecnologia (este, aliás, é termo grego). Uma tese bastante difundida sustenta o contrário: com exceção da medicina, eles não teriam sido grandes inovadores tecnológicos. Os dados mencionados discordam dessa tese. Vejam-se, por exemplo, os rumos que eles imprimiram à matemática, transformada no instrumento mais sofisticado para “medir o mundo”: geometria (geo-metria), aliás, é palavra grega. Lograram esse progresso ao elevar e sistematizar o grau de abstração do próprio instrumento matemático, de que se serviram os engenheiros. Fizeram na matemática o mesmo que no comércio, quando eles usaram a moeda, método de troca sistemicamente mais abstrato que o escambo ou a pirataria, que tinham florescido entre eles anteriormente. Tecnologia então já era a própria invenção da moeda cunhada, concretamente embutindo em si a abstração do ato da troca. Em ambos os casos, comprovaram que quanto mais abstrato um instrumento, mais amplas suas implicações técnicas concretas. A idade axial foi uma idade de plenitude, sempre visada, nunca completamente realizada. As duas grandes inovações gregas – moeda e letras – imbricaram-se profunda e reciprocamente entre si na sociedade; e realizaram um dos maiores feitos de difusão comunicativa que a história conheceu, antes de nossas contemporâneas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC). Negar que esse desenvolvimento seja também tecnológico seria fechar os olhos à realidade. Note-se, porém, nesse contexto, que ao se desenvolverem essas tecnologias, quem mais progredia era o homem. Embora incompletamente. Mas todo progresso tem limites. Nas relações entre pessoas, os gregos deixaram dois problemas que deveriam ser resolvidos por seus herdeiros: (1) no uso da moeda, houve a questão do juro; (2) e na reflexão filosófica sobre relações humanas, não alcançaram a própria definição de pessoa.


Nas trocas mercantis, a moeda surgiu como meio e se impôs como tal: ela é o instrumento que articula as várias mercadorias entre si. Mas passou a se constituir a si mesma em finalidade, a partir de quando deu novo dinamismo ao juro, instrumento inventado milênios antes. Com esse duplo instrumento – moeda e juro, ou melhor: moeda aplicada ao juro – a arte dos banqueiros se tornou importante já na Atenas clássica. Mas com isso a arte de ganhar dinheiro sucessivamente, em seqüência indefinida, passou a se constituir finalidade da atividade humana. De meio, a moeda se tornou fim. E, afastando-se do alcance moderado e bem definido (limitado) do juro tradicional, sua potencialidade passou a abrir o horizonte da atividade humana para o infinito. Inverteu-se assim a relação. Inversão que Aristóteles submeteu à crítica: para ele a moeda é, por natureza, unicamente meio para as trocas mercantis. Mas na época em que ele escrevia, a prática do juro se generalizava e sob o dinamismo do “dinheiro que dá mais dinheiro” esse instrumento passava a constituir-se finalidade da atividade humana: a partir de um ganho se visava outro superior, sem limite, pois na prática do juro a medida com que se mede a finalidade passa a se estender ao infinito. Aristóteles censurou o costume de uma cobrança com tal dinamismo. Base de seus argumentos eram os princípios da ética vigente: (1) a moderação, o meio termo, que exclui das finalidades humanas a busca do infinito; (2) a sujeição dos meios aos fins. Em síntese, o gênio grego forneceu ao juro seu instrumento máximo, a moeda cunhada que ele inventou. Aristóteles, por sua parte, em sua filosofia formulou em vão uma condenação. O impasse surgiu e ficou. Os Gregos encontraram uma segunda limitação quando, ao revolucionarem as relações humanas, criaram poderosos meios de reflexão e comunicação, ciência e filosofia desenvolvidas como nunca dantes: esse aprofundamento da reflexão foi uma característica definidora do “tempo eixo”: nele “el hombre se vuelve consciente del ser en su totalidad, de sí mismo y de sus limites. (...) Plantea cuestiones radicales, se afana, ante el abismo, por emanciparse y salvarse”9. Nessas realizações incluem-se a dialética e a maiêutica de Sócrates, pelas quais as comunicações entre pessoas muito se enriqueceram e aprofundaram seu alcance

9

Jaspers. Einführung in die Philosophie, 1950, cap.IX; trad.esp.: La filosofía, México, 1953, F.C.E., p.83. Cit. in: Abbagnano, 1989, p.418, verbete “Época”.


valorizando dinamicamente (sempre a dýnamis!) os aportes dos vários interlocutores ao diálogo. Essa novidade avançou tanto que assustou. Foi julgada perigosa pelos próprios atenienses e levou até à condenação de seu autor, Sócrates10. Apesar desses desenvolvimentos, os Gregos não conseguiram definir, explicitar e explicar o conceito de pessoa, com suas implicações, embora seja longo o caminho que eles percorreram nessa direção (sobre o assunto pode-se ler o livro de Snell). Ferrater Mora resume o debate a esse respeito como segue:11 Tem-se discutido se os gregos tiveram ou não uma idéia de pessoa enquanto “personalidade humana”. A posição que se adota a respeito costuma ser negativa, mas embora seja certo que os gregos – especialmente os gregos “clássicos” – não elaboraram a noção de pessoa no mesmo sentido que os autores cristãos, pode-se presumir que alguns tiveram uma espécie de intuição do fato do homem como personalidade que transcende seu “ser parte do cosmo” ou “membro da cidade-Estado”. Tal poderia, por exemplo, ser o caso de Sócrates.

O processo grego para elaborar conceitos, antes da pessoa definiu a personagem, que era representada pelo ator no teatro. Essa descoberta percorreu o seguinte itinerário: dos heróis e dos deuses (cf. Homero!) chegaram à personagem, no teatro: e a personagem indicou a pessoa. Começa assim uma passagem “da personagem à pessoa”. Não corre no sentido contrário que talvez possa parecer mais natural, da pessoa à personagem. O itinerário intelectual começa, mas não se completa, pois a contribuição grega mais madura nesse campo ocorreu mesmo no teatro. Nesse sentido, de certa forma o teatro avançou mais que a filosofia nessa elaboração. Isso teve suas conseqüências inclusive no vocabulário. Conforme bem lembra Boécio nos textos que mencionaremos mais adiante, o termo grego para “pessoa” é prósopon. Essa palavra provém do teatro, onde as personagens eram identificadas pelas máscaras. Prósopon era a própria máscara, que caracterizava a personagem, pois o mesmo ator ia passando de um papel para outro. Em fase mais adiantada, os autores, sobretudo cristãos, preferiram usar para indicar a pessoa a palavra “hypóstasis” (um paralelo do latim “substantia”) em vez do tradicional 10

Os diálogos de seu discípulo Platão contêm exemplos de dialética e maiêutica de padrão socrático. Mas talvez o exemplo mais esclarecedor seja o diálogo De Magistro, do platônico Agostinho mencionado acima. 11 2001, tomo III, p.2262, verbete ‘Pessoa’.


“prósopon”. Contudo, também o termo hypóstasis poderia ser interpretado – pelo menos etimologicamente – como “o que está sob” (“hypó-stasis”) a máscara: ora, no teatro, quem está sob a máscara não é o ator, mas a personagem representada, pois é ele que a máscara simboliza e identifica. O latim, discípulo fiel do grego nesse campo, incorporou a distinção. Pessoa é per-sona, aquilo através de que a voz soa (personat), do verbo personare (soar através de): a voz do ator soa ou ressoa através da máscara. Há uma dificuldade em se admitir essa etimologia, pois o verbo “personat” tem a “o” breve, enquanto no substantivo “persona” a mesma letra “o” é longa. Já Boécio mencionava esse assunto. Mas o latim contava também com outro étimo: o etrusco “phersu”, que significa máscara. 12 Quanto ao significado que teve esse desenvolvimento para o espírito grego, pode-se identificar seu itinerário como a passagem da magia dos deuses para o homem. O próprio conteúdo do livro de SNELL, mencionado na Bibliografia, sugere uma possível mudança em seu título. Em vez de Descoberta do espírito não poderia titularse Descoberta do homem? Daí nossa proposta de denominar a “Idade Axial” ou “Tempo-Eixo” de Jaspers como “idade da autoconsciência social humana”. Essa foi só uma etapa, a maior até hoje, de um itinerário que ainda devia prosseguir. Sem nunca chegar ao fim. Cabe aqui um reparo importante, carregado de implicações para os séculos a seguir. No “tempo-eixo”, quantos e quem eram aqueles que participavam desse aprofundamento da consciência humana, da autoconsciência social? Essa questão oferece a oportunidade para lembrar que aquela não era uma sociedade de iguais. Isso constituiu inclusive uma razão da incompletude no desenvolvimento da autoconsciência social humana: para o mundo grego e romano, os homens eram, evidentemente, desiguais. Esse era para eles simplesmente um dado de fato; mas, como tal, ao passo que valia de um ponto de vista prático, acarretava também profundas implicações filosóficas. Baste mencionar nesse sentido as justificativas éticas da escravidão então geralmente aceitas. A implicação filosófica possuía uma base em muita prática. Paradoxalmente, era a presença dos escravos que ”justificava” a escravidão.

12

Também o Oxford Dictionary nota que o verbo personare como origem do latim “persona” e do inglês “person” é questionável. Reconhece, contudo, que essa etimologia é às vezes aduzida.


Nessa prática está também contida outra característica explícita dessa civilização: o limitado alcance da participação social nos avanços acima mencionados. Esses não pertenceram a “todos”, e sim a todo o “povo”, do qual eram excluídos, naturalmente (!), não só os escravos, mas também os bárbaros e outros estratos da sociedade que não se integravam completamente na pólis. Integrava-se o “demos” na Grécia; e o “Senatus populusque romanus (SPQR)” (senado e povo romano) em Roma. Bem poucos, apesar da solenidade de tais proclamações. Em Roma, era necessário ser reconhecido como “civis romanus”, nem que seja pagando para obter o título. II. O “futuro” já chegou... E passou

O outro lado da economia monetária que os Gregos inventaram foi, portanto, a Idade Axial. Deixou em herança um homem que se reconhecia como tal, mas, às vezes, se submetia a uma finalidade meramente quantitativa (o “tókos” gerado pelo dinheiro, o juro dos negócios). Sua filosofia já tinha revolucionado o conhecimento, a consciência, sem chegar a explicitar com todas as letras o que ele entendia por “pessoa”. Essa revolução no próprio sentido do conhecimento forneceu a definição à Idade Axial da história e teve um complemento, um “futuro”. Vejamos, nesse “futuro”, os dois “limites” acenados: (a) na moeda e seu uso, (b) na compreensão do que constitui em si a pessoa. Quanto à moeda, ela continuou a ser julgada por sua “inversão” de finalidade: é um meio que se tornou fim. A condenação aristotélica do juro vingou, na teoria, por muitos séculos ainda. Às razões filosóficas, acrescentaram-se motivos religiosos sobre tudo no islamismo, mas também no cristianismo. Essa condenação granjeou complicadas conseqüências práticas. Mas numa primeira fase, a própria moeda e seu uso sofreram um período de recesso durante os primeiros séculos da Idade Média, coincidindo com os primeiros séculos da igreja cristã como religião oficialmente reconhecida e, por outro lado, com aqueles que pouco depois viram nascer o Islam. O recesso da moeda só foi superado lentamente séculos depois, quando uma nova civilização surgiu e foi crescendo na Europa, internalizando inclusive em sua cultura profundas contribuições árabes que reabriram a exploração da herança legada pelos antigos. Foi nessa época mais avançada da Idade Média que a moeda voltou a


tornar-se importante e até mesmo preparou o ambiente em que desabrocharia a Idade Moderna. Nessa época encontramos – na teoria – um desenvolvimento interessante: o primeiro tratado sobre a Moeda, escrito a meados do século catorze pelo bispo Nicolau de Oresme, que foi inclusive preceptor do rei Carlos V da França. Naturalmente voltou então a florescer a profunda articulação entre a moeda, enlace das mercadorias, e a produção cultural em muitos campos do saber e do poder, civis e eclesiásticos. Por exemplo, o Arcipreste de Hita (pseudônimo de Juan Ruiz, pouco anterior a Oresme) canta em seu Libro de buen amor13: Sea un ome nesçio e rudo labrador, los dyneros le fazen fidalgo e sabydor, quanto más algo tiene, tanto es de más valor; el que non ha dineros, non es de sy señor.

E mais adiante: En suma te lo digo, tómalo tú mejor: el dinero, del mundo es grand rrebolvedor, señor faze del syervo e del siervo señor, toda cosa del siglo se faze por su amor.

A moeda, seu uso e seus problemas voltaram a fervilhar. A condenação aristotélica do “tókos” foi tida então quase como se fosse inspirada na Bíblia e continuou a ser oficialmente “imposta”: isso constituiu uma herança que a Idade Média legou até mesmo à Idade Moderna. As aspas para essa imposição proibindo o juro são necessárias, pois se imposição houve, o que mais abundava eram as buscas de atalhos para dela se subtrair. E quem os elaborou? Aqueles mesmos teóricos (os teólogos escolásticos, discípulos em filosofia dos antigos gregos) que defendiam a proibição do juro. Ainda em 1656 Pascal escrevia uma brilhante caricatura dessas lucubrações em seus comentários ao assim chamado “contrato Mohatra”.14 Moral da história: a proibição do juro acabou sendo esquecida somente quando o capital, com sua prática, “demonstrou” que a teoria é outra. Obliterou-se o

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Trechos selecionados desse poema se encontram em: http://www.poesiainter.net/ahlba002.htm. 14 Les Provinciales. Paris, Flammarion, 1936, p.112ss. Há muitas edições dessa obra: o texto mencionado está na “Huitième Lettre”.


questionamento quando o uso se generalizou: mais um exemplo (se necessário fosse...) da relação entre a moeda, seu uso, e o pensamento. Inclusive jurídico e religioso. Voltando à Idade Média, outro feito extremamente rico foi o avanço da filosofia. A reflexão partiu dos gregos e já nos séculos mais obscuros, pouco depois da queda do Império Romano de Ocidente, a teologia da então nova igreja a estimulou. A definição de pessoa foi assim alcançada já antes das contribuições dos árabes, que dominariam o ambiente europeu a partir do fim do primeiro milênio. O principal mestre nesse período, coincidentemente os séculos considerados mais “obscuros”, foi Boécio (séc. V-VI d.C.). A temática estava carregada de motivações teológicas. Mas a base da elaboração foi o legado da filosofia grega. E, por que não, também de seu teatro. Chegados a este ponto, tem “uma pedra no meio do caminho” (obrigado, Drummond). Ao mencionar hoje o debate daquela época, antiga e muito sofisticada (sofisticações outras, diferentes das nossas), é difícil continuar a exposição evitando (como evitamos até aqui) os meandros mais lucubrados de uma filosofia que há vários séculos está afastada do modo corrente de pensar e de comunicar. Evitamos com isso sua sofisticada terminologia. Talvez haja, porém, um atalho se identificarmos a formulação de Boécio para definir o conceito de “pessoa” com outras palavras. A solução foi aceita e aprofundada na filosofia medieval. O atalho deverá naturalmente retomar o que ele escreveu e tentar traduzi-lo (embora o traindo, como qualquer tradução) em termos menos afastados de ouvidos modernos. Em resumo, diríamos que na concepção medieval pessoa é indivíduo sem individualismo. Essa terminologia pode ser confrontada com certos textos mais recentes, até de teoria econômica, ou de história do pensamento econômico. O avanço de Boécio resultou numa definição válida para um ser individual, único, embora estivesse formulado na tradição grega, concentrada em definir universais. A passagem (ou o regresso) do universal para o individual tinha sido deixada em aberto por Aristóteles. Boécio a completa ao definir a pessoa como “substância individual de natureza racional” (essa é nossa tradução literal e insuficiente de “naturae rationabilis individua substantia”). O avanço filosófico alcançado foi enorme. Aqui está reproduzida só a definição, sem comentário. Uma explicação e um aprofundamento brilhantes e abrangentes


podem-se ler na Antropologia filosófica II, de Henrique da Lima Vaz, sobre tudo em seu capítulo final. Um autor que resume sinteticamente as contribuições medievais nesse assunto é Ferrater Mora quando diz a propósito: Boécio ofereceu a definição de persona que foi tomada como base por quase todos os pensadores medievais: Persona est naturae rationalis individua substantia (“a pessoa é uma substância individual de natureza racional”). A pessoa [...] é uma substância que existe por direito próprio, sui juris, e é 15 perfeitamente “incomunicável”.

Seguindo Boécio, os filósofos e teólogos medievais aprofundaram o sentido de “pessoa”, tarefa que já tinha sido preparada por Agostinho. O que interessava mais a eles não se restringia ao sentido da palavra “pessoa”, conforme comentamos acima, mas visava sobre tudo o esclarecimento da realidade expressa nesse conceito. Mas nesse questionamento, os pensadores da época avançaram ulteriormente. Embora “pessoa” se defina como substância, ela implica também relação, é relação nem há como conceber a pessoa sem atinar com ela relacionada – aspecto este que já tinha sido abordado por Agostinho e foi retomado por Boécio. Talvez se possa expressar isso dizendo que pessoa não é só “alguém” – é também “para alguém mais”. Se essa linguagem parece talvez pouco medieval, pode ser que, contudo, consiga traduzir a intuição agostiniana e medieval da pessoa como relação para mentes que abandonaram, há séculos, a terminologia escolástica. A qual, porém – contrariamente à história da Inquisição, sua discípula espúria – teria agilidade suficiente para dialogar inclusive com tais novas expressões. Resumindo, diríamos que é próprio da pessoa relacionar-se com outras pessoas: isso faz parte dela como sua definição. Note-se como até um avanço tão abstrato aponta para a comunicação: a comunicação define a pessoa. Quanto ao ambiente em que essa definição foi formulada, há um paradoxo curioso. É que ela ocorreu na época em que as relações monetárias, criadas e difundidas na Grécia antiga, estavam – digamos assim – de recesso. Naquele período a moeda bem pouco circulava. No meio de um mundo tão fechado em si (conforme uma

15

FERRATER MORA, tomo III, p.2263, no verbete “Pessoa”.


imagem comum nas descrições daquela época) houve esse avanço decisivo no conhecimento da pessoa como relação. Era um tempo em que o impacto da circulação monetária sobre o pensamento não poderia desenvolver as mesmas articulações que encontramos entre os antigos, mesmo em se tratando de questões derivadas das contribuições desses últimos. Isso sugere que tais articulações entre prática concreta da vida e elaborações intelectuais estão sujeitas a implicações e imbricações bem maiores do que se possa esperar numa primeira abordagem. Isso não invalida a tese exposta: só mostra que é mais complexa. Moeda e pensar se relacionam. Mas pensar sempre mantém certa autonomia. Relações e interconexões não têm nada de retilinear. Um aspecto complementar de extrema importância pode ser pesquisado. É o seguinte: até que ponto os teóricos medievais se aproximaram da idéia da igualdade entre os homens, ou seja, superaram a concepção antiga da desigualdade humana? O que se deve salientar para nosso contexto é a profunda consolidação, nessa época, de estruturas sociais concretas que perpetuaram as desigualdades sociais até mesmo quando as transformaram. E por críticos que fossem os autores da época (leiam-se, por exemplo, as invectivas de Dante) não lhes seria fácil dar uma resposta completamente satisfatória a questões sobre a igualdade humana. A razão no fundo é que a desigualdade dos homens concretos permanecia na prática e continuava a refletir-se na teoria. III. Tecnologias da Informação e Comunicação. Presença ausente “Damals die Fülle, heute die Leere” (“Naquele tempo a plenitude, hoje o vazio”) (JASPERS, p.179)

Note-se que o itinerário percorrido até aqui se manteve sempre afastado de qualquer linearidade. Chegando agora ao cerne de nosso questionamento, ou seja, a examinar tempos mais modernos, baste inicialmente acenar às muitas teorias da personalidade e à psicanálise, que compõem quase um pano de fundo filosófico, ou quadro teórico, para o ambiente em que as modernas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) se apresentam, se difundem e se empregam.


Mas deve-se notar que esses desenvolvimentos na teoria ocorrem numa sociedade em que uma penetração social da moeda sem precedente na história enseja na prática um individualismo mais radical daquele mencionado, um individualismo que modifica profundamente o relacionamento concreto dos homens entre si em sua vida diária concreta: todas as relações humanas – da produção à circulação e uso dos bens que servem de sustento – passam agora a se regular a partir da moeda como intermediário. Portanto estão sujeitas à abstração concreta que ela impõe. Toda riqueza é mercadoria, lembraria Marx no início de O Capital. Por equivalência e poder, a moeda é todas as mercadorias (dynamei, diriam os Gregos; virtualmente, diríamos nós). Tempos novos. Nesse percurso, o itinerário da descoberta da pessoa humana conhece uma inflexão depois de ter alcançado aquela relativa maturidade nas contribuições da filosofia medieval. Chegando, portanto, aos nossos tempos modernos, encontramos que uma progressiva monetização da sociedade abriu as portas a um novo individualismo de natureza um tanto estranha, que esvazia o conteúdo das relações de pessoa a pessoa, reduzindo-as a relações entre coisas. Chega assim a esvaziar o próprio indivíduo. Exatamente como faz a moeda: para ela o que importa são as relações entre coisas, pois os nexos que tendem a predominar são sobre tudo os preços que as avaliam e as fazem circular como mercadorias – enquanto os indivíduos (difícil será nesse contexto insistir em denominá-los de “pessoas” no sentido pleno da palavra) quase que desaparecem por trás do processo de articulação entre coisas materiais.16 Para ilustrar certas conseqüências intelectuais dessas mudanças de foco, Vaz cita uma arguta observação de Paulo Menezes17: “no momento em que a prática social e política [...] fazem da pessoa humana e dos seus direitos um valor-fonte [...] a pósmodernidade empreende essa multiforme ‘desconstrução’ da idéia do homem.” Nosso individualismo parece esquecer o indivíduo. Moral da história. Em nossos dias, que em certa medida e sob certos aspectos constituem um “futuro” ulterior para o mundo construído pelos Gregos, as limitações dos avanços antigos continuam a operar mesmo depois de “superadas”. Percorremos 16

Ver, por exemplo, o tratamento que Pareto dá à teoria do consumidor. Cf. PARETO, Wilfredo. Manuel d’économie politique. Paris, 1909, p.170. Cit. in: SCHNEIDER, Erich. Introdução à teoria econômica. V.4, p.275. 17 Ver “A cultura e suas razões”, Síntese, 56 (1992), citado in: VAZ, op.cit., p.222.


acima, simplificando-o até excessivamente, o itinerário complexo que vem desde a Idade Axial até o alvorecer da Idade Moderna com a intenção de descobrir se algo da problemática exposta esclarece o que se passa nos tempos atuais. Tempos em que o capitalismo oferece meios de comunicação nunca dantes suspeitados. Constituiriam nossas últimas flores da tecnologia o motivo para classificar nossa época como “nova Idade Axial”, em comparação com a outra, a antiga? No final dos anos 40, Jaspers indagava se as mudanças dos nossos tempos não nos autorizariam a identificar neles numa “Nova Idade Axial”. Resposta negativa. A questão era provocada pela absoluta novidade que define nossa época, a Revolução Científico-Tecnológica, que faz (ou faria?) do homem o “dono” da natureza. Quando ele escrevia, na comunicação corria a “era do rádio”, mas já se encaminhavam televisão e computador, sem que se suspeitassem ainda todas as suas implicações ulteriores. A novidade que chamou então a atenção de Jaspers foi sobre tudo a tecnologia atômica. Depois que os fenômenos que ele analisou amadureceram ulteriormente, o que se impõe já não é mais retomar ou reformular a questão de Jaspers (será a nossa uma nova “idade axial”?), mas torna-se necessária uma mudança no próprio eixo do questionamento. Pois hoje uma outra inquietação se impõe: a hipótese de que é ou seria necessário gerar uma nova Idade Axial em resposta aos desafios postos nas transformações em curso. Uma “idade axial”, por sinal, de que nem se tem o esboço. O que está a impor essa exigência são sobre tudo as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), quando exaltam o comunicador colocando entre parênteses o conteúdo e as pessoas que se comunicam. Ou comunicariam. Sem embargo essa enorme revolução tecnológica de nossa idade ainda não se “realizou”, pois está se realizando. Mas aqui é que surge necessariamente nossa busca por um futuro: perante os atuais desafios das relações humanas, é preciso superar os novos mitos para criar um novo homem. De hipótese explicativa, não comprovada, a “Nova Idade Axial” torna-se uma necessidade a ser buscada, sem saber se nem como poderemos atingi-la. A primeira “Idade Axial” – a única conhecida na história humana – construiu, há dois milênios e meio, um caminho que fez com que a visão do mundo ultrapassasse a magia dos deuses e chegasse ao mundo do próprio homem. Adotando os termos de Vico, diríamos que se passou da era dos heróis (com seus mitos!) à era dos homens.


Hoje, no entanto, esse Homem perdeu-se, ou está se perdendo no meio do caminho (de pedras...) de suas próprias realizações. É esse o homem que precisa se recuperar ou se reconstruir, a partir dos novos mitos, nos quais se incluem as TICs. O homem precisa reencontrar-se superando aqueles resíduos de coisas que vieram a se impor como sua finalidade, ou seja, a partir da ciência e da tecnologia – nelas salientando o atual mundo da comunicação, o sistema das TICs. Mais algum detalhe dessa situação merece comentário. Nos meios atuais de comunicação, em seus progressos, reaparecem com outra forma e sob outra roupagem os dois limites mencionados acima, quase restrições aos avanços alcançados na Idade Axial. Trata-se da moeda. E da pessoa. Questionam-se suas relações recíprocas. Nos dois casos, conceitos e avanços gregos penetraram e amadureceram ulteriormente na civilização ocidental moderna, aquela que se espraiou no planeta, aliás, ainda se espraia, vai conquistando espaços e tenta sistemicamente tornar-se a única opção para a humanidade. Penetraram na prática e na teoria. Mas ao serem adotados e aprofundados, esses dois dinamismos foram profundamente modificados, juntamente com as realidades neles expressas. Para nos restringir aos meios de comunicação, neles hoje tudo está presente “virtualmente”. Na virtualidade reaparece sob nova roupagem a dýnamis dos Gregos, a “potência” dos Latinos. O sentido da palavra resultou alterado, embora mantenha certo nó central, quase uma amarra definidora da ação humana. Para os Gregos, dýnamis significava possibilidade de passar ao ato. Pode-se traduzir – como faziam os Latinos – por potência ou potencialidade, sem pretender, contudo, expressar com exatidão o mesmo pensamento que nas línguas antigas. Exemplo eminente dessa dýnamis é a moeda, que é potencialmente tudo. Mas, na palavra dýnamis podemos encontrar também o termo grego que corresponde à nossa “virtualidade”. Para nós, ao contrário, antes de tudo, tradicionalmente costumava-se considerar “virtual” o que não é real18. Nos meios de comunicação, porém, virtualidade já é presença atual, até imediata, embora... de longe. Estar longe, mas estar presente é característica histórica desses meios: telégrafo,

18

Cf. a enciclopédia GARZANTI, Scientifica tecnica, p.1859, verbete “virtuale”. O OXFORD porém discorda dessa interpretação do vocábulo.


telefone, cinema, rádio, televisão, internet, todos exploram a “virtualidade” nesse sentido. O que talvez não se repare suficientemente é que essa “presença ausente” ou “ausência presente” possui um nexo lógico com a (e é quase um espelho da) progressiva monetarização da sociedade, aquela invasão tão bem teorizada por Polanyi. Também a moeda, por definição, é (= tende a ser) tudo aquilo que ela em si mesma não é. É tudo por equivalência, mas também por seu poder (eis ai a dýnamis!) aquisitivo. E foi o movimento da moeda que gerou nossa civilização, formou esta sociedade tão dinâmica que deu origem às TICs, a essa rede de conexões em sua própria estrutura material. Assim se compaginou a nova convivência humana: moeda e TICs. Ambos são meios de comunicação elevados hoje à máxima potência. Mas aqui está o busilis: o que se comunica? Quem e com quem? Como? No fundo, ocorrem ligações, enlaces (links, na língua imperial) de coisas com coisas, melhor: de sinais com sinais. Neles, as coisas estão “virtualmente” a serviço do homem: esse é seu lado humano, sua utilidade, a razão porque os homens as procuram (procuramos). A pessoa deveria contar hoje com todos os avanços não só da filosofia (aquela que no passado aprofundou uma definição que depois abandonou), mas também da psicologia, da psicanálise, de muitos saberes. Mas primeiro conta com a comunicação: em suas redes, porém, as pessoas só estão presentes “virtualmente”, algo análogo àquilo que ocorria aos heróis feitos personagens no teatro grego. Daí resulta que ainda é preciso percorrer um longo caminho antes de emergirem e serem reconhecidas as próprias pessoas, “virtualmente” protagonistas do processo. A moral dessa história lembra Saramago: “é preciso andar muito para alcançar o que está perto”19. O protagonista dessa situação é um homem-máquina quase como aquele idealizado por Chaplin. Já foi máquina-produção na indústria, máquina-destruição na guerra, máquina solução em mil e uma aplicações tecnológicas. Hoje é também máquina-comunicação e tende a ser o novo mito. Por outro lado, nas ciências sociais – mais ainda na economia – o homem, eventualmente denominado de “ator”, fica às vezes reduzido a um ponto: sem dimensão, como o ponto da geometria que os Gregos nos ensinaram. O que estuda essa ciência social são as conexões entre esses pontos. 19

Todos os nomes. São Paulo, Companhia das Letras, 1997, p.69.


Relações unidimensionais entre seres sem dimensão, pois a própria “coisa” à qual ele foi reduzido já perdeu suas próprias dimensões. Nessa realidade não se deve estranhar se o próprio conceito de pessoa se esvaziou, conforme aparece até mesmo em expressões carinhosas, como quando se fala em “ser humano”, um último resíduo da concepção da dignidade humana ínsita nesse “prósopon”, conceito grego que era quase prelúdio à pessoa. Só que aqui a própria palavra “pessoa” por pouco não se esvai na nebulosa de um “ser” que perdeu sua essência humana20 e serve para indicar um homem reduzido a um adjetivo. Daí o postulado enunciado acima: torna-se necessário gerar uma nova “Idade Axial da Autoconsciência Social Humana” – superar os novos mitos, conquistar (ou produzir?) o novo homem. Disso, por enquanto, só temos a necessidade, pois as TICs oferecem unicamente “virtualidade”. No fundo, o conceito de “idade axial” ou “tempoeixo” pode ser definido de forma análoga às definições que Vico dava das três fases do desenvolvimento das nações: “Os homens primeiramente sentem sem se aperceberem, a seguir apercebem-se com o espírito perturbado e comovido, e, finalmente, refletem com mente pura.”21 Noutros contextos, ele entende esse terceiro momento como a “idade do homem”, aquela em que o homem desenvolve sua própria razão. Hoje, estaríamos nos apercebendo “com o espírito perturbado e comovido” dos problemas (os mitos perturbadores) que ainda ficam pendentes depois da difusão das modernas TICs. Como parte dessa tarefa necessária, cabe lembrar a mencionada diferença entre os homens como seres “desiguais” conforme constatamos no caso dos antigos (em particular na Grécia): hoje ela permanece, embora modificada e mascarada. É próprio dos tempos modernos “vender” (sic!) desigualdades como se fossem igualdades. Isso ocorre quando adotamos posturas, inclusive jurídicas, que declaram que os homens são todos iguais, pelo menos perante a lei, ou, como se diz, em linha de princípio. Essa igualdade é um modesto resultado, mais teórico que prático: foi uma conquista lenta através dos séculos que nos separam dos antigos. No entanto (e aqui reaparece um traço bem moderno de nossa sociedade) vivemos ainda em um mundo onde a disparidade entre os homens “ganhou” um reforço 20

Boécio chamaria à atenção ser mais correto, no caso, falar na “substância” que na essência. Mas estamos longe de poder levar o debate para dentro da terminologia medieval. 21 Vico, 1984, p. 46 (é o “Elemento” n.53. No original italiano os “elementos” são denominados “degnitá”).


inesperado: pois a desigualdade agora se reafirma no âmago e pela força de um sistema que se define a si mesmo pela igualdade, embora não entre os homens, e sim... entre as mercadorias. Esse resultado foi alcançado a partir da ulterior generalização no uso daquilo que os Gregos tinham introduzido bem no começo da Idade Axial: a moeda, nivelador geral, está mais presente do que nunca nas relações humanas. Inclusive, acrescente-se hoje, nos negócios com os meios de comunicação, cuja manipulação, aparentemente tão livre e difusa, está cada vez mais concentrada.22 Na história grega, à época do único “tempo-eixo” ocorrido até hoje, operou-se uma profunda transformação-passagem do mito ao homem. Hoje, precisamos alcançar uma nova “idade do homem”.

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22

Este é mais um aspecto das TICs que aqui deixamos de tratar, para debater temas mais conceituais. Mas veja-se a título de exemplo o livro de Mattelart.


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Industria y creatividad: una perspectiva latino-americana∗ César Bolaño1 Universidade Federal de Sergipe Resumen: Vivimos en un momento de grandes cambios en el capitalismo en nivel mundial iniciadas con la crisis estructural de los años 1970. Este fenómeno tuvo importantes impactos sobre los sistemas de comunicación y cambió profundamente la orden económica y cultural. La Economía Política de la Comunicación (EPC) ha sido muy eficiente en la crítica a los conceptos que siguieron surgiendo desde ese marco como ‘sociedad de la información’, ‘sociedad del conocimiento’, ‘post-industrialismo’ y ‘post-modernismo’. Toda esta critica es una parte de un debate más amplio sobre la relación entre Comunicación, Cultura y Desarrollo, que se debería promover en el ámbito mayor de la planificación estatal en su conjunto, mucho más allá de lo que se ha hecho hasta el momento en el campo estricto de la cultura. Palabras claves: Industria Cultural; Creatividad; Sistemas de Comunicación; Desarollo; Latinoamerica. Resumo: Vivemos num momento de grandes mudanças no capitalismo a nível mundial que se iniciaram com a crise estrutural dos anos 1970. Este fenômeno teve impactos importantes sobre os sistemas de comunicação e alterou profundamente a ordem econômica e cultural. A Economia Política da Comunicação (EPC) tem sido muito eficiente na crítica aos conceitos que vem surgindo desde esse marco como: ‘sociedade da informação’, ‘sociedade do conhecimento’, ‘pós-industrialismo’ e ‘pósmodernismo’. Toda esta crítica é apenas parte de um debate mais amplo sobre a relação entre Comunicação, Cultura e Desenvolvimento, que deveria ser promovido num âmbito maior do conjunto do planejamento estatal, muito mais além do que tem sido feito até agora restrimente no campo da Cultura. Palavras-chaves: Indústria Cultural; Criatividad; Sistemas de Comunicación; Desenvolvimento; América Latina. Abstract: We live in a time of great change in global capitalism that began with the structural crisis of the 1970s. This phenomenon brought important impacts on communication system and deeply changed the economical and cultural order. The Political Economy of Communication (PEC) has been very efficient in criticizing the concepts emerged since this mark such as: “information society”, “knowledge society”, “post industrialism” and “post modernism”. All the criticism is only a part of a greater debate about the relation between Communication, Culture and Development, which should be promoted in a larger set of state planning, much more than what has been done restricted to de Culture field. ∗

Una versión en português de este artículo ha sido publicado en Cadernos do Desenvolvimento, julho-dezembro de 2011, v. 6, n° 9, Rio de Janeir o: Centro Internacional Celso Furtado para o Desenvolvimento (p. 367-380). El autor agradece el apoyo del ProgramaCátedras IPEA-CAPES para o Desenvolvimento. 1 Doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), professor de Economia da Universidade Federal de Sergipe. Atualmente é presidente da Associação Latinoamericana de Investigadores da Comunicação (ALAIC). E-mail: bolano.ufs@gmail.com.


Key words: Cultural Industry; Creatuvity; Communication System; Development; Latin America.

Introducción

Es evidente que vivimos en un momento de grandes cambios en el capitalismo en nivel mundial, iniciadas con la crisis estructural de los años 1970. Fenómeno bien conocido y con importantes impactos sobre los sistemas de comunicación, se trata de un cambio de orden económica y cultural profundo. La corriente principal del pensamiento comunicacional – pieza clave en la construcción de la hegemonía, aunque siempre subordinada al mainstream de la Economía – tratará de agarrarse a diferentes explicaciones, buscando interpretar todo como fruto de una revolución tecnológica. La Economía Política de la Comunicación (EPC) ha sido muy eficiente en la crítica a los conceptos de sociedad de la información, sociedad del conocimiento, post-industrialismo, post-modernismo, etc. Pero hay que tener claro que por detrás de todas esas falsas ilusiones hay un elemento de realidad que es necesario aclarar, puesto que las ideas no brotan de la nada. Tomemos un ejemplo reciente: la idea de economía creativa. Es cierto que, a lo largo del proceso de restructuración, hubo un momento de creatividad e innovación fundamental, que marca una ruptura con todo lo anterior: la implantación en nivel social del paradigma digital, fruto de la revolución micro-electrónica, en beneficio de ciertos actores sociales, en particular, el gran capital internacional y el Estado norteamericano. Una vez aceptados los nuevos parámetros, el nuevo entorno cultural exigirá de cada participante ‘innovación’, ‘creatividad’, para impulsar los derechos de propiedad intelectual, el copyright, la expansión de la cultura digital a servicio de los oligopolios

que

dominan

los

diferentes

sectores

de

la

comunicación,

las

telecomunicaciones, la informática, etc. Mi pregunta es sobre el fundamento concreto, la base material de esa ideología que la torna tan interesante, a punto de, segundo Garnham (2005), lograr un hecho notable: unir, bajo el mismo paraguas ideológico, a los grandes industriales, productores informáticos y mediáticos y los pequeños productores y creadores independientes. Esto es hegemonía en el sentido propio del término. La respuesta debe ser doble. Por una parte, la base empírica para el desarrollo del concepto es el


proceso de subsunción del trabajo intelectual y de intelectualización general de los procesos de trabajo convencionales y del propio consumo (Bolaño, 1995, 2002). Por otra parte, hay que pensar el tema de la cultura y de la creatividad bajo otro enfoque, superior. Por ejemplo, la defensa del concepto de industrias creativas está vinculado, en Inglaterra, al intento de explorar ventajas comparativas para mejor posicionarse en el actual tránsito de hegemonía, teniendo por supuesta la des-industrialización. Una opción criticable, pero imaginable en esa situación. Para Brasil, por su parte, una opción segmentada de industrias creativas es impensable, pues no se trata del viejo imperio a vueltas con su larguísimo proceso de decadencia, sino que de uno de los BRIC (Brasil, Rusia, India, China), que pretende llegar a ser la quinta mayor economía del mundo en las próximas décadas. Para tal, hay que hacer política industrial (incluso en el campo de la comunicación) subordinada a un proyecto nacional que entienda claramente la importancia central de la comunicación y la cultura en la construcción de la hegemonía. En ese sentido, es fundamental retomar los conceptos de cultura, innovación y creatividad de Celso Furtado. La EPC frente a la “economía creativa”

Ya he tratado del tema en otra ocasión (Bolaño, 2010), en un artículo en que discuto varias contribuciones de la EPC a la crítica de los conceptos de industrias creativas y de economía creativa. No hay porque volver a eso aquí. Solo tomaré en lo que sigue al artículo de Garnham del 2005, que fija los parámetros de toda la crítica de la EPC a esos conceptos. El conjunto de la EPC se autodefine como una especie de complemento – con énfasis en los textos económicos de Marx y en la totalidad de la Economía – a la crítica que los teóricos de Frankfurt hacen a la Industria Cultural (Adorno, Horkheimer, 1969), cuyo enfoque weberiano-marxista2 había logrado aclarar el carácter totalitario de la producción cultural masiva, típica del capitalismo norteamericano que, en ese sentido, se aproximaría del totalitarismo tout court de las potencias del Eje. Un totalitarismo de mercado, en el caso, que evolucionará, a punto de incluir todo el proceso productivo en las industrias culturales, como la radio y la televisión, en que la subsunción del trabajo en el capital asume formas más avanzadas. 2

Y lucaksiano, como critica Habermas al proponer su solución alternativa en la Teoría de la Acción Comunicativa (Habermas, 1981).


El Capitalismo Monopolista norteamericano de la postguerra es el paradigma fundamental de una situación en que los sistemas de información y comunicación asumen una posición de creciente importancia, sea en los procesos productivos y de circulación del capital, sea en la organización de la vida cotidiana, o en la construcción de la hegemonía en todos los niveles. Las llamadas Ciencias de la Comunicación (como las de la Información, de la Gestión, etc.) nacen marcadas por esa nueva situación social y cada una de sus corrientes fundadoras (la Sociología americana, la Escuela de Frankfurt, o la escuela crítica Latino-Americana) estarán marcadas por ella y con objetivos, sea funcionalistas, críticos, o desarrollistas, que ponen además de relieve, su carácter inherentemente político. En todos los casos, hay alguna especie de Economía Política involucrada, consciente o inconscientemente. La EPC es una de las corrientes del pensamiento comunicacional que reivindica la tradición de la Crítica de la Economía Política en el estudio de los fenómenos culturales y de la comunicación. Siempre estuvo preocupada, en ese sentido, con la lucha epistemológica en el interior del campo mayor de la Comunicación y de las Ciencias Sociales, y con la lucha de clases en el ámbito político y social. En su interior también se fueron constituyendo diferentes escuelas (europeas, norteamericanas, latinoamericanas), todas críticas y en general marxistas. La especificidad del enfoque latinoamericano está determinada por la influencia de la formación original de sus representantes, que incorporan, de una forma o de otra, el pensamiento de los grandes autores de América Latina, de la Sociología, la Economía Política, la Política, la Comunicación. Asimismo, las preocupaciones políticas de los intelectuales latinoamericanos con temas como la democratización, el desarrollo, la dependencia, etc. En lo que se refiere a las llamadas industrias creativas, el concepto nació en Inglaterra y la crítica también. Philip Schlesinger, por ejemplo, ha insistido, en diferentes ocasiones (Schlesinger, 2007; 2009; 2010) en la relación entre la esfera política del Reino Unido, sus think tanks y la constitución de una doctrina a partir de los intereses del New Labour de Tony Blair,3 preocupado con la competitividad del país en

3

Tim Blanning (2008) recuerda los inicios de la estrategia de Tony Blair para buscar hegemonía en el mundo musical inglés a mediados de los años 1990, cuando el primer ministro conservador se dirigía “al segmento más viejo, concediendo títulos de caballero a Cliff Richard (nacido en 1940) y Paul MacCartney (nacido en 1942), mientras Tony Blair buscó un electorado más joven” (Blanning, 2008, p. 81), invitando, por ejemplo, a Damon Albarn, vocalista del Blur, al Parlamento. Pero después de la victoria laborista en 1997, el mismo Albarn no compareció a la fiesta que Blair organizó en la residencia oficial de Downing Street y dejó un recado en la Cámara de los Comunes informando “Querido Tony, me he tornado comunista. Aprobecha la


la llamada economía del conocicmiento, de modo que “the pursuit of creativity policy became a national project” (Schlesinger, 2007, p. 379). Es interesante notar que “this line has become particularly emphatic with the realization that the BRIC countries (…) present an increasing threat to high-end ‘creative’ activities” (idem). Un tema de particular interés es como ese concepto inglés acaba por internacionalizarse, adquiriendo otro sentido. Varios autores (Bustamante, 2010; Tremblay, 2010), que ya he tenido ocasión de analizar (Bolaño, 2010) se dedicaron a eso, pero el trabajo de Garnham del 2005 sigue siendo el más influyente al respecto en el campo de la EPC. El punto central de la crítica de Garnham a la idea de economía creativa es de orden político y se vincula al hecho de que, con ella, como además repiten los otros autores europeos citados anteriormente, se consigue un acuerdo inesperado entre los grandes industriales de los sectores de informática y de medios y los pequeños productores y trabajadores culturales, en torno a los derechos de propiedad intelectual. Este es el nuevo sentido que asume el concepto en el campo internacional de que se habló en el párrafo anterior y es lo que justifica, de hecho, la respuesta unánime de la EPC. En mi artículo del 2010 citado, he insistido en que la base empírica para la formulación de los conceptos de industrias creativas y economía creativa es el proceso de subsunción del trabajo intelectual y de intelectualización general de todos los procesos de trabajo convencional y del propio consumo (Bolaño, 1995, 2002), consecuencia de la revolución microelectrónica, del desarrollo de las tecnologías de la información y comunicación, del concepto de software y de la digitalización. Todo esto cambia las bases del desarrollo capitalista, poniendo, entre muchas otras cosas, los derechos de propiedad intelectual en el centro de la lucha distributiva en nivel nacional e internacional. En esas condiciones, la creatividad y la innovación pasan a formar parte de los sistemas de planificación y control de los procesos de trabajo en los diferentes sectores de la economía. No se trata, por supuesto, de innovación que promueva una ruptura de paradigma, como ha sido de hecho la innovación fundadora de la tercera revolución industrial (la microelectrónica y lo digital), pero de formas de innovación cotidianas, planeadas y sometidas a sofisticados métodos de gestión del conocimiento (Bolaño et Mattos, 2004). La creatividad que se exige es una creatividad controlada y enmarcada charla, camarada. Amor, Damon” (idem). Pero sí estuvo Noel Gallagher, del Oasis. El episodio es representativo de las relaciones entre los políticos ingleses y el showbiz, lo que puede ser tan importante (o más) que la relación con los think tank que desarrollaron la doctrina de la economía creativa.


por modelos de producción bien definidos. El problema de la subsunción del trabajo intelectual y sus límites es el elemento clave para entender la lógica de los nuevos procesos productivos, que incorporan, de hecho, importantes márgenes de trabajo solo formalmente subsumido, que podría ser definido como creativo por extensión de la definición de trabajo cultural, en que el problema de los límites a la subsunción es lo esencial. Sería el caso, por ejemplo, del trabajo de los ingenieros de software en la fase de concepción de “softwares para producción de softwares” (Bolaño et Castro Filho, 2011) De todas formas, como bien recuerdan Ruy Sardinha Lopes y Verlane Aragão Santos, “en el campo cultural las discusiones semánticas son también una forma de hacerse política” (Lopes et Santos, 2011, p. 2). La marca de origen de los conceptos de industrias creativas y de economía creativa, como bien expresó Schlesinger, es economicista, pues “la función comunicativa y simbólica de una cultura – bien como la generación y comunicación de ideas – es interesante solamente porque es exportable” (Schlesinger, 2010, p. 10) o, de modo más amplio, porque genera valores económicos. Pero hay otra forma de encarar las relaciones entre industria, innovación y creatividad muy distinta, a la que volveré más adelante.

Lectura brasileña de la economía política inglesa de las industrias culturales

Hay dos aspectos en el análisis de Garnham, que explicitan las diferencias entre Brasil (América Latina) e Inglaterra (Europa) en la materia. Por una parte, como se ha dicho en la introducción, el hecho concreto de que una perspectiva de desarrollo económico basado en una estrategia segmentada, centrada en las dichas industrias creativas, si es imaginable – aunque muy discutible, como deja claro el propio Garnham – para el caso inglés, no tiene ningún sentido para el Brasil, donde la desindustrialización no es un destino, pero un riesgo que hay que evitar a todo coste (ver también Bolaño, 2011). Por otra parte, es necesario entender como la adopción del concepto de economía creativa en Inglaterra marca un cambio de tendencia fundamental en las políticas culturales y de comunicación. Aquí me voy a centrar en este punto. En un apartado intitulado “la economía política de las industrias culturales”, Garnham afirma que “the political economy of cultural industries stressed the particular nature of the economic structure and dynamics of the cultural sector, stemming from the symbolic or immaterial nature of its product, which in its turn provided the


justification for regulation on the basis of the particular forms of market failure involved” (Garnham, 2005, p. 19). Esto ha sido particularmente importante en los años 1980 y 1990, en la defensa del sistema público de televisión y en el debate sobre las relaciones entre productos y servicios culturales y las infraestructuras técnicas para su distribución, parte del debate sobre la digitalización y la regulación de las telecomunicaciones. En seguida, el autor enumera las siguientes características de las industrias culturales, bien desarrolladas por la EPC: (a) altos costes fijos de producción y bajos o nulos costes de reproducción y distribución, lo que favorece economías de escala, maximización de audiencias, concentración vertical y horizontal; (b) incertitud de la demanda y consecuente alto riesgo de la inversión, lo que favorece las grandes corporaciones aptas a beneficiarse de las economías de escala y los gastos con marketing, que ocupan una alta proporción de los costes totales; (c) el carácter de bien público de los bienes simbólicos, no rivales y no excluyentes, que determinaron, históricamente, formas de financiación indirecta, especialmente vía publicidad, y que legitiman el debate sobre la intervención del Estado, en la medida en que no existe un padrón normal de relación entre productores y consumidores en el sector cultural. It is here also that we find the whole problem of intellectual property and the alternative description of the creative industries as the ‘copyright industries’. In terms of relations of production, central (…) to the current debates and policies around the cultural sector is an understanding of the role of ‘creative workers’. The political economy analysis of the cultural industries stressed in contrast to the original Frankfurt School analysis of the rationalization and alienation of cultural labour as wage labour under industrial conditions, the survival of older relations of craft production and subcontracting for key ‘creative’ labour inputs, governed by complex contractual relations over intellectual property. From this perspective, the cultural industries are seen as complex value chains where profit is extracted at key nodes in the chain through control of production investment and distribution and the key ‘creative’ labour is exploited not, as in the classic Marxist analysis of surplus value, through the wage bargain, but through contracts determining the distribution of profits to various rights holders negotiated between parties with highly unequal power (Garnham, 2005, p. 20).

Habría algo aquí que decir sobre la idea de “supervivencia” que, en la forma como ha sido expuesta, por ejemplo, por la escuela francesa, refiriéndose a la supervivencia de la unicidad de la obra de arte única, para explicar el problema de la demanda incierta (o de la aleatoriedad de la realización), he tenido la oportunidad de criticar (Bolaño, 2000). Pero en términos generales, Garnham nos presenta ahí un


excelente resumen de algunos de los aspectos centrales de la teoría de base de la EPC, aceptada por sus diferentes vertientes, sobre las características de las industrias culturales y de la comunicación. El problema, de mi punto de vista, es precisamente saber, a partir de los cambios por que pasa el sistema capitalista con la restructuración productiva iniciada en los años 1970, que ponen en primer plano la problemática de las tecnologías de la información y de la comunicación, de la digitalización y del nuevo paradigma tecnoproductivo, si esas características, o algunas de ellas, se aplican a los nuevos procesos de trabajo y de valorización, más allá de las industrias culturales. Me permito, a título de ejemplo, y por comodidad, hacer una pequeña auto-citación: Tomemos o caso da indústria de software. Trata-se da ferramenta que subsume de fato o trabalho intelectual dos operadores das fábricas automatizadas (onde o trabalho manual é exercido por robôs), e deve ser produzida por outros softwares, de concepção, em torno dos quais se organiza o trabalho coletivo. Muito bem, essa fase crucial de todo o processo, que é a da concepção, não é passível de taylorização, de modo que o controle por parte do capital deve utilizarse de mecanismos mais próximos daqueles da manufatura que da grande indústria automatizada (...). Pode-se chamar a isto trabalho criativo? Tampouco há espaço aqui para responder à questão, mas fica patente que o controle do exercício da criatividade, é hoje um campo em disputa (Bolaño, 2011, p. 5).

Volvemos con esto al tema del apartado anterior, que ya había sido discutido en otros textos referidos anteriormente (Bolaño, 2010, 2011; Bolaño y Castro Filho, 2011), haciendo referencia a una serie de estudios realizados a partir de 1995. Pero lo más interesante aquí es notar la segunda diferencia, a que me referí antes entre lo que sucede en Brasil y en Inglaterra. Particularidades del caso brasileño

Diferentemente de este último país, por lo que se deduce de los tramos citados de Garnham, en Brasil, los descubrimientos de la EPC jamás tuvieron incidencia en el debate sobre la regulación del broadcasting. En telecomunicaciones sí, la idea de monopolio natural estuvo por detrás de la organización del modelo estatal en su momento, pero en lo que se refiere a la regulación de las comunicaciones en general, de las diferentes industrias culturales y especialmente en el audiovisual, la posición crítica de la EPC jamás ha sido tomada en consideración por los gobiernos de turno, a


pesar de siempre haber estado presente en los movimientos sociales por la democratización de la comunicación. De hecho, las grandes decisiones en materia de regulación de la comunicación nunca han sido influenciadas por los debates académicos de ningún tipo. El control político que los sectores hegemónicos de la sociedad brasileña mantienen sobre el sector, además, nunca ha permitido que el principio de servicio público fuera seriamente considerado en la organización del modelo de regulación sectorial que, hasta hoy, es esencialmente el mismo de la época de régimen militar, superado en el terreno de la política hace ya tres décadas. La política cultural definida en aquel momento, no obstante, sigue en pie hasta hoy en sus líneas esenciales, como siguen hegemónicos, los mismos actores. Una posible adopción de políticas pautadas por la idea de industrias creativas o economía creativa – suponiendo que vaya en el mismo sentido que ha tenido su adopción en Inglaterra, lo que también es materia de debate – no cambiará ese cuadro, en la medida en que no haya una fuerza social efectiva que la utilice como instrumento de lucha por la hegemonía en el campo cultural. Dicho de otro modo, es dudoso que la adopción de este concepto facilite la construcción de algún consenso que ya no exista entre los grandes capitales invertidos en el sector, los pequeños productores independientes y las diferentes capas de trabajadores de la cultura, como habrá ocurrido en Inglaterra, según nos informa Garnham. Si en Inglaterra hubo un cambio de tendencia en favor de un enfoque mercantilista, contra el concepto arraigado de servicio público, en Brasil el núcleo del poder simbólico, que es la televisión, siempre ha funcionado de acuerdo con una lógica puramente privada, mercantil y publicitaria y, más, desde mediados de los años 1960, organizado bajo la forma de oligopolio concentrado (Bolaño, 2004). La adopción del enfoque anglosajón de la “creatividad” serviría, en esas condiciones, para (a) transferir recursos públicos adicionales a las empresas oligopolistas del sector cultural (vía incentivos fiscales, como ya ocurre ampliamente, como se puede verificar en el sitio del Ministerio de la Cultura, donde se encuentran los datos sobre la destinación de los recursos referentes a la conocida Ley Rouanet de apoyo a las actividades audiovisuales); o (b) ampliar el enfoque mercantil de las políticas innovadoras que ha implantado el Ministerio de la Cultura durante el gobierno Lula, con una probable reducción en la velocidad de tramitación de la reforma de la Ley Rouanet (que de hecho, por el momento está parada), desinversión en el enfoque alternativo al copyright, etc.


Todo esto, por cierto, provocaría un debate del que participarían los diferentes grupos que llegaron a formar la esfera pública sabiamente promocionada por el ministro Gilberto Gil, incluso los pocos representantes de la EPC que llegaron a tener un espacio en ella, pero muy limitado frente a otros enfoques “alternativos”, los cuales tuvieron un papel de relieve en la mistificación de la “creatividad”, de las maravillas de internet y las redes sociales, de la inclusión, del poder de las multitudes y todas las ilusiones del postmodernismo izquierdista y del determinismo tecnológico que transforma la vieja ideología economicista del “small is beautifull” en la sorprendente idea de que, con la red, el “small is powerfull”. Nada de esto afecta el problema central de la democratización de la comunicación, elemento absolutamente central para un verdadero cambio de orden cultural, vinculado a un nuevo proyecto nacional de desarrollo. Una política de ese tipo, como he dicho en la introducción y en otros textos citados, nada tiene que ver con una estrategia de segmentación en el sentido de las industrias creativas. Pasa seguramente, como el consenso en el campo de los movimientos por la democratización de la comunicación indica, por la consolidación de un sistema público de televisión y formas de regulación que se beneficiarán muchísimo de la experiencia inglesa, pero esto tampoco es todo. Los problemas del subdesarrollo y de la dependencia también deben ser enfrentados y en un sentido bastante distinto del que se discutía en las décadas de 60 y 70 del pasado siglo. Es verdad que, como en aquel momento, es necesario pensar una política de cambio estructural, volcada al mercado interno, en contradicción con los intereses puramente mercantiles, de modo que no se puede, por ejemplo, como la historia muestra, contentarse con un crecimiento centrado en la exportación de commodities agrícolas y materias primas, aprovechando el dinamismo de la economía china, pero hay que tener una política industrial desarrollista, incluyendo inversiones públicas y privadas en los sectores de infraestructura, etc. Pero, en lo que nos interesa más de cerca, si se pretende proseguir con los cambios estructurales iniciados en el gobierno de Luis Ignacio Lula da Silva, que redundaron en un proceso de inclusión social importante, hay que volver al tema del modelo de desarrollo y ahí la discusión sobre cultura, innovación y creatividad debe ser tomada en un sentido mucho más profundo. Creatividad y dependencia en la civilización industrial


Este es el título de un clásico de Celso Furtado de fines de los años 70 del siglo XX. Para el autor, innovación y creatividad están relacionadas con la capacidad que tienen determinados grupos sociales en imponer sus intereses a los demás, promoviendo una “ruptura en el plano de la racionalidad”. En esas condiciones, “el comportamiento del agente que no ejerce poder es simplemente adaptativo” (Furtado, 1978, p. 17). El ejemplo de mayor transcendencia sería el surgimiento de la sociedad industrial, resultado de un proceso iniciado en el siglo XVI, con la constitución del mercado mundial, cuando “las actividades económicas han asumido considerable autonomía y pasaron a desempeñar papel determinante en todas las dimensiones de la cultura” (idem, p. 38). A partir de ahí, la introducción de criterios de racionalidad instrumental determinarían la existencia, en Europa Occidental, Estados Unidos o Australia, de un “estilo de civilización” marcado por la industrialización, urbanización y secularización, que servirá de modelo para otros procesos de “modernización”, en el Japón de la restauración Meiji, en la Rusia bolchevique, o en la América Latina de la industrialización por substitución de importaciones. Hay, por tanto, dos momentos en la dinámica de expansión de la civilización industrial, el primero, fundacional, marcado por una ruptura gestada a lo largo de más de dos siglos, culminando con la doble revolución de que habla Hobsbawn (1981), y el segundo, de difusión del nuevo orden para todo el mundo. En todos los casos “no solamente la fuerza física pero también la capacidad intelectual del hombre tienden a subordinarse crecientemente a criterios mercantiles” (Furtado, 1978, p. 39). La especificidad cultural de la revolución burguesa es precisamente el “crónico avance de la técnica”, o sea, “la subordinación de todas las formas de actividad creadora a la racionalidad instrumental” (idem, p. 83): Assim, a pesquisa científica foi progressivamente posta a serviço da invenção técnica, que por seu lado está a serviço da busca de maior eficiência do trabalho humano e da diversificação dos padrões de consumo. (...) Mas, na medida em que se transforma em atividade ancilar da técnica, reduz-se o seu escopo como experiência fundamental humana. Algo similar ocorreu com a criatividade artística, progressivamente colocada a serviço do processo de diversificação do consumo (idem, p. 83).

En otro artículo (Bolaño, 2010) he reproducido la clasificación que hace Rodríguez (2009) de los distintos significados del término cultura en Furtado. Simplificando, tratase (a) de la cultura material, (b) de la creación, conservación y


transformación de instituciones (cultura político-institucional) y (c) de los valores que las fundamentan: filosofía, religión, arte, ciencias (ámbito stricto sensu cultural, o cultura espiritual). Por otra parte, “todo objeto de uso final, que no procede directamente de la naturaleza, es fruto de la invención humana, es un objeto de arte. Su fin es enriquecer la existencia de los hombres” (ídem, p. 84), de modo que cultura material y espiritual forman una totalidad. En el capitalismo, la producción es subordinada al proceso de acumulación y a la homogeneización de los estándares de consumo que la acompaña.4 En la creación y difusión histórica de la civilización industrial, es fundamental el aspecto de innovación institucional (parte de la cultura no material), lo que incluye la creatividad política y social de los diferentes agentes que disponen de aquella capacidad de promover rupturas en el plano de la racionalidad a que me referí antes. En el caso de Europa (en que se incluiría también las “sociedades formadas por los europeos en los espacios vacíos de clima templado en América del Norte y Oceanía” – Furtado, 1978, p. 42), la subordinación de las actividades productivas a la lógica de un proceso acumulativo, comandado por intereses mercantiles, representa una mutación cultural en relación a todo lo que había existido hasta entonces. De una u otra forma, todas las relaciones sociales tenderían a reflejar, en grados diversos, la despersonalización inherente a la preeminencia de la acumulación. Tenderían a ser vistas como cosas, como prolongación del mundo físico (ídem, p. 39-40).

Es interesante la referencia al tema de la cosificación e incluso las implicaciones epistemológicas que esta formulación tendría.5 Pero lo más importante por ahora es entender el significado profundo de la ruptura para Furtado: 4

La propia comprensión del funcionamiento exacto de esos objetos exige una expertise, tornándolos misteriosos para el usuario corriente. Además, la mayor parte de ellos es concebida previendo ya su difusión, dentro de la lógica innovación-difusión que caracteriza, para el autor, a la dinámica de la acumulación capitalista (cf. Furtado, 1967, p. 102-104). Nótese que hay ahí también una cierta irracionalidad, en la medida en que la innovación secundaria ya no es propiamente “invención de cultura”, pero básicamente imitación y adaptación a padrones hegemónicos. 5 Sobre todo si nos recordamos de la ruptura ontológica (cuerpo-mente, razón-mundo) que, partiendo de la separación entre lo sagrado y lo humano, propia de la civilización judíocristiana, funda la ciencia moderna occidental, como nos recuerda Edgardo Lander, citando Apffel-Marglin (1996), un “tipo muy particular de conocimiento que pretende ser des-subjetivado (esto es, objetivo) y universal” (Lander, 2005). En las ciencias sociales, esa tendencia está ligada al eurocentrismo y al concepto de raza, de que nos habla Quijano (2005, p. 230 y sig.). Es interesante verificar la posibilidad de articular la crítica a la modernización de Lander y Quijano con aquella de Furtado, implícita en este texto. Así, por ejemplo, la explicación de Quijano de la expansión de la relación salarial en Europa, mientras en América se introducía la


La acumulación siempre constituyó, en todas las sociedades, uno de los sustentáculos del sistema de dominación social. (…) Lo que singulariza la revolución burguesa es la utilización creciente del excedente como instrumento de control del sistema de producción. (…) La ascensión de la burguesía es más un proceso de generación de nuevas formas de poder que la asunción de nuevos grupos sociales a las formas tradicionales. (…) El desvío del excedente de las obras de prestigio y del consumo conspicuo para el sistema de producción viene a ser el dispositivo maestro del proceso de restructuración del sistema de poder (Furtado, 1978, p. 40).

De ahí el autor deriva las características fundamentales de la modernidad europea, la secularización, la racionalización, el conocimiento fundado en la observación del mundo empírico, la liberación del individuo y su inducción a la iniciativa, la complejidad de las estructuras que conforman la sociedad civil (en la definición de Hegel), la democratización. Un aspecto esencial es la funcionalidad que detecta en la lucha de clases para la estabilidad del sistema (como ya estaba puesto, en otros términos, en la Teoría y Política del Desarrollo Económico – Furtado, 1967). Para el autor, el crecimiento de la tasa real media del salario, que acompaña casi siempre el aumento de la productividad media del trabajo no se explica sin la organización eficiente y la combatividad históricamente demostrada por las masas trabajadoras, de modo que, en la forma histórica que asumió, el capitalismo industrial presenta dos características relevantes: (a) grande concentración del poder económico y (b) organización de las masas asalariadas de elevada eficacia. La concentración del poder económico, lejos de llevar a la ‘expoliación de las masas’, como pareciera a los primeros teóricos del capitalismo monopolista, tendió a transformarse en fuerza estimuladora de la acumulación mediante la reducción de los riesgos y de la inestabilidad (Furtado, 1978, p. 21).

La profundización de ese proceso acumulativo en la civilización industrial lleva a una mayor complejidad en la división del trabajo social, en sus dos dimensiones: sincrónica (entre los tipos de trabajo en un dado momento) y diacrónica (entre las diferentes generaciones de trabajadores a lo largo del tiempo). “La acumulación es solamente el vector que permite, mediante la innovación, introducir las modificaciones

esclavitud y la servidumbre, formando el conjunto, el nuevo sistema de control del trabajo por el capital mercantil, es perfectamente compatible, a mi juicio, con el análisis histórico de Furtado (1984) sobre formación de la cultura brasileña, principalmente si consideramos el concepto de “acumulación primitiva del conocimiento” en sus dos sentidos (Bolaño, 2000).


en el sistema de producción y en las estructuras sociales que llamamos de desarrollo” (idem, p. 48).6 Y vuelve al tema de la des-humanización: Por otro lado, si la producción por trabajador está aumentando, es porque la sociedad se está transformando para absorber un flujo creciente de productos finales. Desarrollo es, por tanto, un proceso de recreación de las relaciones sociales que se apoya en la acumulación. (…) Si la acumulación se transforma en un fin en si misma (cuando pasa a constituir la base del sistema de dominación social), el proceso de creación de nuevas relaciones sociales se transforma en un simple medio para alcanzarla. La inexorabilidad del progreso llevando a la des-humanización del individuo en la civilización industrial es un desdoblamiento de ese proceso histórico (idem, p. 48).

Lo que ocurre en las sociedades que tuvieron acceso a la modernización por vía indirecta, como es el caso de América Latina, es que el progreso tecnológico es introducido vía importación de bienes de consumo por las élites locales, con impactos en toda la organización de la economía nacional, en la organización del espacio y en todos los niveles citados de organización de la cultura (material y espiritual), sin impacto inmediato sobre los procesos de producción y sin la instauración de la dinámica concentración (innovación) – desconcentración (difusión) que caracteriza el capitalismo europeo. A la fase posterior de industrialización por substitución de importaciones corresponde “un importante papel en la reproducción de los sectores sociales que tuvieron acceso, aunque por vía indirecta, a los valores materiales de la civilización industrial” (ídem, p. 49). Hay una dependencia, por tanto, obvia en el caso de las maquiladoras, o de las industrias de montaje en que se da una división internacional del trabajo en que “los agentes locales tienen apenas una vaga idea de lo que están produciendo”, pero incluso cuando se imagina que la industria ha sido totalmente nacionalizada, “los agentes locales se integran en un equipo estructurado en el tiempo y en el espacio, cabiendo las tareas más ‘nobles’ de fabricación de los equipos y de concepción de estos y de los productos finales a otros agentes localizados en el exterior” (ídem, p. 49-50). Se genera, entonces, una dependencia cultural que tiende a ampliarse y a reproducirse, en la medida en que la industria nacional permanece estructuralmente vinculada a economías más avanzadas y en permanente expansión.

6

En ese sentido, “la tecnología no es otra cosa que el conjunto de transformaciones en el sistema productivo y en las relaciones sociales que tienen en la acumulación su vector” (Furtado, 1978, p. 50).


Esto se debe, vale repetir, a que el acceso indirecto a la civilización industrial “significó la introducción de esas transformaciones al nivel de la demanda final (bajo la forma de modernización)” (ídem), lo que exige que el aparato productivo se adapte a esa demanda sofisticada, o sea, a ese consumo conspicuo de las viejas élites locales, modernizado por influencia externa,

sin relación con el sistema preexistente de

fuerzas productivas y mucho menos con las necesidades de la mayoría de la población nacional, o sea, sin transferir, como en el caso clásico, el excedente para la producción, reestructurando el sistema de poder. Con lo cual, muchas de las características de que se habló antes de la civilización industrial europea (democracia, aumento del poder de negociación de las masas asalariadas, etc.) no se reproducen necesariamente por estas latitudes. Consideraciones conclusivas

En lo que nos interesa más de cerca, la creatividad queda, de esta forma, limitada a una estrecha margen de libertad, determinada por la propia dinámica innovativa de los centros hegemónicos. La actual reestructuración productiva es un buen ejemplo de este fenómeno. Las grandes innovaciones que nos permiten definir el momento presente como una tercera revolución industrial (la revolución microelectrónica y la digitalización general del mundo, que permiten una extensa subsunción del trabajo intelectual en el sentido antes referido) definen las condiciones objetivas delimitadoras de la innovación y de la creatividad obligada que el nuevo sistema impone, restringiendo la autonomía cultural de los países, sectores y empresas no hegemónicos y de los actores que no disponen del poder para promover nuevas rupturas en el plano de la racionalidad y permanecen atados a estrategias necesariamente adaptativas. ¿Sería posible llamar a estos últimos actores de creativos, o innovadores? ¿Se puede, por tanto hablar en industrias creativas o en economía creativa? A rigor no, y no solamente por los motivos que ya conocíamos de la lectura de Garnham, Schlesinger y los demás autores de la EPC referidos, pero también, en un sentido más amplio, por lo que se deduce del párrafo anterior. Por otra parte, no obstante, como vimos, en la medida en que el problema de la subsunción del trabajo intelectual y sus límites aproximan el núcleo central de los procesos de producción de valor a las condiciones tradicionalmente vigentes para el trabajo en las industrias culturales y de la comunicación, es perfectamente legítimo extender la definición de trabajo creativo


de la EPC para más allá de las mismas, las cuales, diga-se de paso, no incorporan solamente, como se sabe, esa clase de trabajo, pero también diferentes otras categorías de trabajo productivo e improductivo. Se abre entonces un campo de diálogo académico y de crítica no despreciable, en que los movimientos por la democratización de la comunicación, los representantes de la producción independiente de contenidos, los trabajadores culturales y “creativos” de diferentes sectores, los sindicatos vinculados a las “industrias creativas” y los intelectuales del campo de la EPC se pueden encontrar con el objetivo de construir la contra-hegemonía (contra el consenso hegemónico en torno a los derechos de propiedad intelectual a que se refiere Garnham, como vimos), con posibles impactos sobre las políticas públicas. En ese sentido, tomando el ejemplo del caso brasileño, en que el gobierno progresista de Dilma Roussef ha creado un sector de industrias creativas ligado a un ministerio tan secundario en la estructura de poder nacional como es el de la cultura – y seguramente sin los impactos políticos transcendentes, como vimos, del caso inglés – interesa menos la discusión semántica que el debate político y la lucha política concreta en torno a cuestiones mucho más importantes, como la reforma profunda del marco regulatorio en materia de comunicación, la ruptura del oligopolio que domina el audiovisual brasileño y la democratización en todos los niveles, lo que incluye definiciones claras sobre los derechos de propiedad intelectual, el copyright, la accesibilidad e interactividad en el sistema brasileño de televisión digital, la universalización de la banda ancha, las garantías para el desarrollo de la producción local, regional, independiente, etc. Todo esto, por supuesto, como parte de un debate más amplio sobre la relación entre Comunicación, Cultura y Desarrollo, que se debería promover en el ámbito mayor de la planificación estatal en su conjunto, en los ministerios económicos, de la educación, de la comunicación, mucho más allá de lo que se ha hecho hasta el momento en el campo estricto de la cultura, durante el gobierno Lula, por ejemplo que, no obstante, ha dado importantes pasos en adelante en esa materia (Brittos et al, 2010). Lo fundamental es entender que la Cultura es hoy tan importante para la construcción de un proyecto nacional de desarrollo como la planificación de las infraestructuras, pues se trata de garantizar, a largo plazo, la autonomía cultural de que hablaba Furtado. Lo que se debe exigir pragmáticamente del nuevo ministerio, ahora, es que amplíe, en esa línea, la esfera pública creada por el ministro Gilberto


Gil, de acuerdo con el pensamiento progresista realista que parece ser el de la presidenta Dilma. Bibliografía

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