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Eptic On Line, v. XIII, n. 3, Sep.-Dic. 2011 1. Expediente 2. Presentación Artículos 3. Do vídeo popular às especificidades do padrão tecno-estético alternativo Valério Cruz Brittos; Eduardo Silveira de Menezes

4. Jornalismo e Meio Ambiente: a contribuição dos Meios de Comunicação e o conceito de Sustentabilidade Pedro Celso Campos

Entrevista 5. Mapear as políticas de mídia global, entrevista com ARNE HINTZ Adilson Cabral

Especial – “Política de Comunicação transfronteiras” 6. Geografias e economia política da comunicação: diálogos de fronteira Sônia Aguiar

7. Los medios ciudadanos ante la digitalización en Francia y España: una aproximación desde el derecho a comunicar Núria F. Reguero

8. Concentração e regulação no mercado brasileiro de radiodifusão sonora Marcelo Kischinhevsky

9. Nuevas formas de regulación internacional y su impacto en el ámbito latinoamericano Guillermo Mastrini; Diego de Charras; Cecilia Fariña

10. Face paulista da TV digital: reflexão sobre a multiprogramação na TV Cultura Vivianne Lindsay Cardoso; Juliano Maurício de Carvalho

11. De acusador a acusado: o “Valerioduto” e a utilização de recursos da publicidade para caixa dois de partidos Anderson David Gomes dos Santos; Rafael Cavalcanti Barreto; Bruno Lima Rocha

Investigación 12. Quem você conhece? Uma análise exploratória de redes sociais a partir de dados do Orkut Matheus Albergaria de Magalhães; Victor Nunes Toscano


13. Pós-graduação em Comunicação Estratégica: uma contribuição multidisciplinar na busca da capacitação organizacional e do compartilhamento de significados entre universidade e mercado Célia Maria Retz Godoy dos Santos; Maria Eugênia Porém; Roseane Andrelo

Reseña/Nota de Lectura 14. Para além da convergência midiática Eloy Vieira

15. Pensar a política a partir da academia: o enfrentamento dos pesquisadores mexicanos Adilson Cabral


EXPEDIENTE Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación Volume XIII, Número 3, Sep. a Dic. de 2011 - www.eptic.com.br ISSN 1518-2487 Revista avaliada como “Nacional B” pelo Qualis/Capes Eptic On Line, DIRETOR César Bolaño (UFS - Brasil)

Delia Crovi (UNAM - México) Dênis de Moraes (UFF - Brasil) Diego Portales (Univ. del Chile)

EDITOR Valério Cruz Brittos (UNISINOS – Brasil)

Dominique Leroy (Un. Picardie – França) Edgar Rebouças (UFPE - Brasil) Enrique Bustamante (UCM – Espanha)

EDITORES ADJUNTOS Luis A. Albornoz (Un. Carlos III - Espanha) Francisco Sierra (Un. Sevilla – España)

Enrique Sánchez Ruiz (UG – México) Francisco Rui Cádima (UNL – Portugal) Gaëtan Tremblay (Un. de Québec - Canadá) Gilson Schwartz (USP - Brasil)

EDITOR DO DOSSIÊ “POLÍTICA DE COMUNICAÇÃO TRANSFONTEIRAS” Adilson Cabral (UFF – Brasil)

Giovandro Marcus Ferreira (UFES - Brasil) Graham Murdock (Loughbrough Univ. - UK) Guillermo Mastrini (UBA – Argentina) Hans - Jürgen Michalski (Univ. Bremen - Alemanha)

APOIO TÉCNICO Joanne Mota (UFS – Brasil) Eloy Vieira (UFS – Brasil) Elizabeth Azevedo Souza (UFS – Brasil) Rafael Silva Bispo (UFS - Brasil)

Helenice Carvalho (UNISINOS – Brasil) Isabel Urioste (Un. Compiègne – França) Jean-Guy Lacroix (Un. de Québec - Canadá) Jorge Rubem Bitton Tapia (UNICAMP - Brasil) Joseph Straubhaar (Univ. Texas - EUA) Juan Carlos de Miguel (Un. Pais Vasco - Espanha)

PARECERISTAS AD HOC

Luiz Guilherme Duarte (UOPHX - EUA)

Adriana Omena (UFU – Brasil)

Marcelo Kischinhevsky (UERJ – Brasil)

Alexandre Barbalho (UFCE – Brasil)

Márcia Regina Tosta Dias (FESPSP - Brasil)

Bruno Fuser (UFJF – Brasil)

Marcial Murciano Martinez (UAB – Espanha)

Elizabeth Saad (USP – Brasil) Eula Cabral (IBICT – Brasil) João Batista de Abreu (UFF – Brasil) Maria Thereza Kerbauy (UNESP – Brasil)

Marcio Wohlers de Almeida (UNICAMP - Brasil) Murilo César Ramos (UnB – Brasil) Nicholas Garham (Westminster Unv. - UK) Othon Jambeiro (UFBA - Brasil)

Sayonara Leal (UNB – Brasil)

Pedro Jorge Braumann (UNL – Portugal)

Suzy dos Santos (UFRJ – Brasil)

Peter Golding (Loughborough Univ. - UK) Philip R. Schlesinger (Stirling Univ. - UK)

CONSELHO EDITORIAL Abraham Sicsu (Fund. Joaquim Nabuco – Brasil) Alain Herscovicci (UFES – Brasil) Alain Rallet (Univ. Paris - Dalphine-França) Anita Simis (UNESP - Brasil) Cesare G. Galvan (UFPb - Brasil)

Pierre Fayard (Un. Poitiers – França) Ramón Zallo (Un. Pais Vasco – Espanha) Reynaldo R. Ferreira Jr. (UFAL – Brasil) Roque Faraone (Um. de la República - Uruguai) Ruy Sardinha Lopes (USP – São Carlos – Brasil) Sérgio Augusto Soares Mattos (UFRB - Brasil) William Dias Braga (UFRJ – Brasil)


Presentación O último número de 2011 da Revista Eptic On Line encerra o ano com diversas contribuições, entre elas, destacamos as discussões levantadas no especial “Política de Comunicação transfronteiras”. Em “Geografias e economia política da comunicação: diálogos de fronteira”, a pesquisadora Sônia Aguiar abre diálogo teórico entre a Economia Política da Comunicação e o novato subcampo interdisciplinar denominado “geografias da comunicação”. Já Núria F. Reguero, em “Los medios ciudadanos ante la digitalización en Francia y España: una aproximación desde el derecho a comunicar”, tras um estudo comparativo do processo de digitalização do Rádio e da Televisão na França e na Espanha. Em “Concentração e regulação no mercado brasileiro de radiodifusão sonora”, Marcelo Kischinhevsky investiga os mecanismos que permitem a crescente concentração de mercado no rádio brasileiro, identificando lacunas regulatórias e discutindo alternativas que permitam garantir a diversidade de vozes no dial. Os pesquisadores Guillermo Mastrini; Diego de Charras; Cecilia Fariña, com a pesquisa “Nuevas formas de regulación internacional y su impacto en el ámbito latinoamericano”, procuraram analizar, a relação da regulação internacional e sua influência nos diversos organismos sociais e culturais. O paper “Face paulista da TV digital: reflexão sobre a multiprogramação na TV Cultura”, de autoria de Vivianne Lindsay Cardoso; Juliano Maurício de Carvalho, a partir da Economia Política da Comunicação reflete sobre a multiprogramação e suas alternativas para novas opções de programação e conteúdo na televisão do País. Em “De acusador a acusado: o “Valerioduto” e a utilização de recursos da publicidade para caixa dois de partidos”, Anderson David Gomes dos Santos; Rafael Cavalcanti Barreto; Bruno Lima Rocha levantam a discussão sobre o caso que ficou conhecido como “Valerioduto” e a participação do banqueiro Daniel Dantas em esquemas de corrupção sistêmica, sob o prisma das relações estabelecidas entre grupos midiáticos e grupos político-econômicos. Para esta edição o professor Adilson Cabral entrevista a pesquisador Are Hintz, pósdoutorando no Departamento de História da Arte e Estudos da Comunicação na Universidade McGill, em Montreal. Dentre os assunto levantados durante a entrevista, destacamos a discussão sobre o Mapeamento de Políticas de Mídia Global” (MGMP) para as políticas de comunicação transnacionais. Na sessão Investigación trazemos duas contibuições. A primeira “Quem você conhece? Uma análise exploratória de redes sociais a partir de dados do Orkut”, de autoria dos pesquisadores Matheus Albergaria de Magalhães; Victor Nunes Toscano apresenta análise exploratória, a partir de dados do website de relacionamentos Orkut, de padrões empíricos relacionados à formação de redes sociais na Internet. Com o título “Pósgraduação em Comunicação Estratégica: uma contribuição multidisciplinar na busca da capacitação organizacional e do compartilhamento de significados entre


universidade e mercado”, as pesquisadoras Célia Maria Retz Godoy dos Santos; Maria Eugênia Porém; Roseane Andrelo apresenta estudo sobre as discussões e o processo de construção do Curso Lato Sensu de Comunicação da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC), da Universidade Estadual Paulista (UNESP), de Bauru-SP, evidenciando as dificuldades e os caminhos escolhidos na busca da qualificação profissional junto às organizações. Neste número, também foram disponibilizados 2 artigos de temática livre, que abrem esta edição da Revista. O primeiro “Do vídeo popular às especificidades do padrão tecnoestético alternativo”, de autoria dos pesquisadores Valério Cruz Brittos; Eduardo Silveira de Menezes problematizam o universo das produções audiovisuais nãohegemônicas, apresentando como exemplo as práticas midiáticas provenientes da TV dos Trabalhadores (TVT). A segunda pesquisa, “Jornalismo e Meio Ambiente: a contribuição dos Meios de Comunicação e o conceito de Sustentabilidade”, de autoria de Pedro Celso Campos, levanta-se a discussão sobre a contribuição que os meios de comunicação social podem dar ao debate público sobre os problemas ambientais. Além disso, como habitual, duas resenhas críticas encerram o último número de 2011 da Revista Eptic On line. A primeira com o título “Para além da convergência midiática”, de autoria do graduando Eloy Vieira, apresenta as discussões sobre o cenário midiático levantadas por Henry Jenkins no livro “Cultura da Convergência”. Para finalizar, a segunda resenha desta edição “Pensar a política a partir da academia: o enfrentamento dos pesquisadores mexicanos”, de autoria do pesquisador Adilson Cabral, oferece aos leitores uma exposição objetiva sobre as políticas de comunicação em um país com significativas semelhanças em relação ao cenário brasileiro. Desejamos uma proveitosa leitura!

César Bolaño Director Eptic On Line

Valério Brittos Editor Eptic On Line


Do vídeo popular às especificidades do padrão tecno-estético alternativo Valério Cruz Brittos* Eduardo Silveira de Menezes** Resumo: Este artigo parte de um duplo esforço, ao tentar problematizar o universo das produções audiovisuais não-hegemônicas. Ao analisar e, de certo modo, atualizar as práticas midiáticas provenientes da TV dos Trabalhadores (TVT), trabalha-se as especificidades da comunicação alternativa. Desta forma, aponta-se para possíveis derivações do padrão tecno-estético alternativo, o qual não pode ser classificado de forma uníssona, devido à complexidade resultante deste fenômeno. Para tanto, toma-se como objeto de análise empírica a prática produtiva da TVT. Tais produções simbólicas tiveram origem na década de 1980, com a utilização do vídeo popular e, hoje, circulam também na internet. Assim, em última análise, busca-se pensar se a práxis social da emissora está sendo operacionalizada sob o modelo de democracia direta ou representativa. Palavras-chave: Economia Política da Comunicação; padrão tecno-estético alternativo; democratização da comunicação Resumen: Este artículo es parte de un doble esfuerzo, tratando de escudriñar las producciones audiovisuales no hegemónicas. En el análisis de las prácticas que se originan en la TV de los Trabajadores (TVT), es posible identificar las particularidades de la comunicación alternativa, señalando posibles derivaciones de lo estándar tecno-estético alternativo. Sin embargo, no es posible clasificar este estándar en separado, debido a la complejidad de su configuración. El objeto del análisis empírico, por lo tanto, es la práctica productiva de la TVT. Esta conformación simbólica se originó en la década de 1980, con los vídeos populares, y, hoy, se cambio con el uso de la Internet. Así que, finalmente, tratamos de considerar si la praxis social de la TVT está siendo operado bajo el modelo de democracia directa o representativa. Palabras-clave: Economía Política de la Comunicación; estándar tecno-estético alternativo; democratización de la comunicación Abstract: This article performs a dual effort to problematize the world of audiovisual nonhegemonic. By analyzing the practices of media from TV Workers (TVT), are revealed the specificities of alternative communication. Thus, points up to possible derivations of alternative techno-aesthetic standard, which cannot be classified in unison, due to the complexity resulting from this phenomenon. To do so, is used as the object of empirical analysis the productive practice of TVT. Such symbolic productions originated in the 1980s, *

Professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), coordenador do Grupo de Pesquisa CEPOS (apoiado pela Ford Foundation), doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas, pela Faculdade de Comunicação (FACOM) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e vice-presidente da Unión Latina de Economía Política de la Información, la Comunicación y la Cultura (ULEPICC-Federación). E-mail: <val.bri@terra.com.br>. ** Jornalista graduado pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel), mestrando no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), bolsista da Comissão de Apoio ao Pessoal de Ensino Superior (CAPES) e membro do Grupo de Pesquisa CEPOS (apoiado pela Ford Foundation). E-mail: <dudumenezes@gmail.com>.


with the use of popular video and now also circulate on the internet. So ultimately, we seek to consider whether the social praxis of the TVT is being operated under the model of direct democracy or representative. Keywords: Political Economy of Communication; alternative techno-aesthetic standard; democratization of communication

Introdução O debate em torno da comunicação alternativa no Brasil não é novo e, justamente por esse motivo, precisa ser atualizado. Mais do que isso, carece de um olhar científico crítico, pois está condicionado por fatores sociais, políticos e econômicos. Entende-se que a Economia Política da Comunicação (EPC), ao possibilitar a análise adequada do acirramento das disputas por posição no mercado de mídia oligopolizado, permite vislumbrar a adaptação destes embates, emergentes hoje na rede mundial de computadores. Ao mesmo tempo, durante as últimas décadas, o avanço das técnicas de comunicação impulsionou significativamente um novo mercado, o das produções não-hegemônicas. Estas, em se tratando de casos específicos, podem ser relacionadas ao passado combativo dos movimentos sociais nas décadas de 1970 e 1980, contribuindo para se pensar em novas categorias de análise do audiovisual alternativo. Durante esse período, diversos autores debruçaram-se sobre os estudos da comunicação

alternativa.

Três

acontecimentos

quase

simultâneos

mostraram-se

determinantes para o fortalecimento da resistência às produções hegemônicas: o surgimento do Partido dos Trabalhadores (PT), a criação do Fundo de Greve1 e fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT).2 No espectro da disputa política, o PT nasceu como uma opção às siglas conservadoras da época, em sua grande maioria aliadas ao pensamento liberal-burguês. Em meio às exigências democráticas que sacudiram o país antes mesmo da queda do regime militar, o movimento grevista, concentrado na região do grande ABC, em São Paulo, cultivava as sementes para a criação de um novo projeto político, fundamentado em uma estrutura sindical forte e atuante em diversos ambientes, inclusive no midiático. 1

O Fundo de Greve está instituído juridicamente como Associação Beneficente e Cultural dos Trabalhadores de São Bernardo do Campo e Diadema. Este movimento deu impulso à criação da TV dos Trabalhadores (TVT). Com a greve de 1979, este recurso assegurou o sustento do movimento grevista que ocorreu no ano seguinte. As arrecadações tinham como objetivo principal viabilizar a independência política da categoria. Ao contribuir para o sustento do Fundo, mesmo sem ter a noção exata do que isso significaria, os operários investiram na criação do maior patrimônio dos metalúrgicos do ABC paulista. ABC DE LUTA. Criação do Fundo de Greve em São Bernardo do Campo. Disponível em:< http://www.abcdeluta.org.br/materia.asp?id_CON=221>. Acesso em: 16 set. 2011. 2 FADUL, Anamaria; SILVA, Carlos Eduardo Lins da; SANTORO, Luiz Fernando. Documento básico do IV Ciclo de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. In: SILVA, Carlos Lins da (Org). Comunicação, hegemonia e contra-informação. São Paulo: Cortez, 1982. p. 9-16. p. 13.


Assim, em 1983, por ocasião do I Congresso Nacional da Classe Trabalhadora (CONCLAT), é fundada a CUT, que veio para suprir uma lacuna histórica deixada no movimento trabalhista com o início da ditadura militar. Nessa época, o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), antiga entidade representativa da categoria, foi dissolvido por ordens do governo militar. A CGT era ligada ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e atrelada ao Ministério do Trabalho, sendo comandada, em sua maioria, por lideranças varguistas.3 Durante a realização da CONCLAT, os operários do ABC estavam recém familiarizando-se com os recursos de captação de áudio e vídeo,4 sendo utilizado o videoteipe como tecnologia de captação e transmissão das imagens. Nesse mesmo período, os operários do ABC ficaram responsáveis por documentar a fundação da CUT, registrando, em suas câmeras, os três dias de congresso. É neste bojo que surge, em 1986, a TV dos Trabalhadores (TVT), produtora de vídeos pertencente ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema.5 O principal lema da emissora era “fazer efetiva a democratização da comunicação e trabalhar a questão da imagem desde o mundo operário e das organizações sindicais”.6 Mais de duas décadas depois, após várias negativas dos governos de turno para a aquisição da outorga, a TVT, enfim, obteve a autorização para operar o canal educativo 46 UHF, em Mogi das Cruzes. Foram estabelecidas parcerias para completar a grade de programação e retransmitir as produções próprias. Os metalúrgicos criaram ainda um site para a TVT (www.tvt.org.br), o qual reproduz a programação em tempo real e possibilita uma série de ambientes colaborativos e de interatividade. Percebe-se, portanto, que o terreno fértil de onde germinaram o PT e a CUT é o mesmo da TVT: fica na cidade de São Bernardo do Campo, mais especificamente na Associação Beneficente e Cultural dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema – Fundo de Greve. É neste espaço que começa a ser lapidada também a figura do então líder sindical, Luiz Inácio Lula da Silva, o mesmo que, duas décadas depois, se tornará presidente do Brasil por dois mandatos consecutivos e concederá a tão sonhada outorga à 3

SANTORO, Luiz Fernando. O vídeo nos movimentos populares. In: FESTA, Regina; SILVA, Carlos Eduardo Lins da (Orgs). Comunicação popular e alternativa no Brasil. São Paulo: Paulinas, 1986. p. 164-170. p. 164. 4 Em concordância com Santoro, a expressão vídeo está sendo usada neste estudo, “para representar toda a atividade de gravação e exibição de sons e imagens, originais ou não, realizadas com uma câmera, um videocassete, uma fita magnética e um aparelho de televisão. Vídeo para nós, terá um sentido amplo que inclui também a produção, distribuição e exibição de fitas pré-gravadas com programas de TV, isto é, como suporte de outros meios de comunicação, compondo assim o mercado de vídeo, comercial ou não”. SANTORO, Luiz Fernando. A imagem nas mãos: o vídeo popular no Brasil. São Paulo: Summus, 1989. p. 18, 19. 5 SANTORO, Luiz Fernando, op. cit. 6 Ibid., p. 74.


TVT. Aclamado pela população brasileira com mais de 80% de aceitação popular,7 o ex-líder sindical deixou a Presidência da República em 2011, mas elegeu sua sucessora, a ex-chefe do Gabinete Civil de seu Governo, Dilma Roussef. Diante disso, considera-se importante observar as práticas de produção e distribuição do audiovisual proveniente da TV dos Trabalhadores, pois a emissora possuí uma trajetória histórica intrínseca ao processo de redemocratização do Brasil (1977 – 1985) e propõe-se, em sua gênese, a lutar pela democratização da comunicação. No entanto, acredita-se que é necessário problematizar esta questão a partir de dois modelos distintos de democracia, os quais apontam para os arquétipos de representatividade e ação direta. Parte-se do pressuposto que a comunicação alternativa complexificou-se ainda mais nos dias de hoje, principalmente se comparada há duas ou três décadas atrás, quando se desenvolveram pesquisas importantes sobre o assunto. A mudança na postura do movimento sindical combativo, que de alguma forma acarretou na criação do PT, da CUT e da própria TVT, está ligada a modificações na estrutura e concepção de luta política destes movimentos.

Produção audiovisual não-hegemônica e comunicação alternativa

Para promover uma reforma intelectual e moral nas práticas que moldam os meios de comunicação brasileiros é preciso que ocorra a mediação entre os intelectuais e a sociedade através da ação política. Assim, a interpretação acrítica, ou ainda, incapaz de contrapor-se à ordem burguesa, historicamente dominante, passa a operar por meio da relação estabelecida entre uma filosofia considerada superior e a massa dependente. Esta filosofia da práxis, uma das qualidades que caracterizam a abordagem da economia política, é entendida por Gramsci como “capaz de unificar e de elevar as pessoas simples ao nível de uma visão superior”.8 Sob este prisma, a unidade entre a teoria e a prática permite a superação de uma filosofia primitiva, identificada como senso comum. Segundo Mosco, “a economia política contemporânea tende a centrar-se em pontos de vista filosófico-morais que enfatizam a extensão da democracia para além do domínio político”.9 Esta análise considera, portanto, 7

LULA bate recorde de popularidade, indica pesquisa CNT/Census. BBC Brasil, Brasília, 29 dez. 2010. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2010/12/101229_lula_popularidade_mdb.shtml>. Acesso em: 29 dez. 2010. 8 GRAMSCI, Antônio. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966. p. 4. 9 MOSCO, Vincent. Economia política da comunicação: uma perspectiva laboral. Comunicação e


que os campos econômico, social e cultural tendem a ser condicionados pelas necessidades de capital. Nesse sentido, a vida intelectual e a intervenção social revelam-se fundamentais para a descoberta do conhecimento e a promoção das transformações sociais. Na década de 1980, muitos autores dedicaram-se aos estudos da comunicação alternativa movidos por interesses específicos, os quais, quase sempre, estavam diretamente ligados ao objeto de estudo em questão. O elemento de análise era enquadrado como uma manifestação desse fenômeno midiático, ainda emergente, e apresentado como contraponto à comunicação dominante. Em sua maioria, os pesquisadores estavam condicionados a sujeito e objeto da pesquisa, conformando, nesse ponto, exames coerentes com a perspectiva da práxis social. A colaboração destes autores revelou-se basilar para o estudo das produções não-hegemônicas, cuja diversidade no âmbito conceitual não permite uma única especificação sobre o tema. Segundo Festa, “a comunicação popular e alternativa aparecem, desenvolvem e refluem na mesma medida da capacidade dos movimentos sociais articularem o seu projeto alternativo de sociedade”.10 Em 1991, a autora defendeu sua tese de doutorado partindo do conhecimento empírico para formular o estudo do processo de apropriação do vídeo e da produção da imagem pelos operários dirigentes do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Até junho de 1990 ela ocupou o cargo de diretora executiva da TV dos Trabalhadores (TVT), emissora utilizada como observável de sua pesquisa.11 É importante salientar que, a escolha da TVT como espaço de manifestação da comunicação alternativa, atendia a critérios pessoais e teóricos coerentes ao momento político vivenciado pela sociedade brasileira na época. No decorrer da década de 1980, a emergência do vídeo popular no Brasil configura um período em que este recurso tecnológico passa a ser visto como o único meio de comunicação verdadeiramente capaz de inserir os movimentos sociais em um patamar de disputa por hegemonia com as classes dominantes. Ainda que o embate estivesse condicionado por fatores como a disparidade no potencial de abrangência entre os canais privados e as iniciativas de vídeo populares, estes ambientes eram pensados enquanto projetos a serem concretizados em longo prazo. A produção e a distribuição de tais produções simbólicas não enfrentavam as mesmas cobranças das produções comerciais, podendo ser trabalhadas com intensa atividade crítica. Nos espaços alternativos, ao contrário do que ocorre na mídia dominante, sociedade 1 –Cadernos do Noroeste, Braga, v. 12, ns. 1-2, p. 97-120, 1999. p. 100. 10 FESTA, Regina. Movimentos sociais, comunicação popular e alternativa. In: FESTA, Regina; SILVA, Carlos Eduardo Lins da. (Orgs). Comunicação popular e alternativa no Brasil. p. 9-30. p. 30. 11 FESTA, Regina. TV dos Trabalhadores: a leveza do alternativo. 1991. Tese (Doutorado em Comunicação Social) – Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo.


onde o processo produtivo é ajuizado sob a lógica fordista, a prioridade sempre foi o conteúdo. Assim, a busca por diferenciar-se da comunicação hegemônica configurava-se como estratégia futura na disputa pela mercadoria audiência, embora fosse levada em conta a urgência de investimento público para viabilizar esta concorrência, o que, de fato, até hoje ainda não se concretizou. Diante disso, percebe-se que, historicamente, esteve em jogo a promoção de uma nova cultura, a qual não pode focar-se apenas em novas relações políticas e estatais. Se for considerada a superioridade na produção e distribuição de recursos procedentes da comunicação dominante, a qual opera em mercados oligopolizados, praticamente excluí-se a inserção de novos atores sociais no universo midiático do capitalismo global. De acordo com Brittos e Benevenuto Jr.: Este estágio da sociedade capitalista planetária tem relação direta com a rede de telecomunicações e com as indústrias culturais. Em decorrência, apesar das visões ufanistas em contrário, a cultura resultante das tecnologias midiáticas que simbolizam o capitalismo globalizado estruturalmente não representa ruptura quanto às práticas de consumo, o que não significa o abrigo de visões fatalistas e conspiratórias. Diversamente, reconhece-se que tal cultura não é só imposição, diante da necessidade, por parte da classe dominante, de construção da hegemonia, que se traduz em capacidade de assimilar traços de outras culturas, sejam 12 elas populares, locais ou alternativas.

Nesse sentido, pode-se inferir que, ao não ser apenas política, a hegemonia corresponde às manifestações culturais e morais, ou ainda, à concepção de mundo e a superação da contradição inerente à práxis social. As associações, os sindicatos e os partidos funcionam como elementos de mediação, já que a unidade resulta do embate entre diferentes hegemonias. O abrandamento da coerção política, no fim dos anos 70, fez prosperar uma série de iniciativas no campo da comunicação, estas se originaram das bases sociais, não sendo classificadas como experiências de comunicação alternativa, mas sim popular. A diferenciação entre popular e alternativo feita por Santoro, ainda na década de 1980, permite o amadurecimento da diferenciação entre as produções audiovisuais não-hegemônicas e contra-hegemônicas, as quais são classificadas genericamente de comunicação alternativa: no Brasil, a expressão ‘comunicação alternativa’ é entendida como um fenômeno no nível médio da sociedade civil, aglutinando forças de oposição em torno de projetos históricos de caráter nacional, e não necessariamente 12

BRITTOS, Valério Cruz; BENEVENUTO JR., Álvaro. Comunicação dominante e alternativa: notas para uma análise a partir da Economia Política. Comunicação & Sociedade, São Bernardo do Campo, n. 45, p. 117-134, 2006. p. 118, 119.


sob a ótica, ou a partir dos interesses das classes populares. O vídeo popular tem, para nós, tal especificidade, pois a expressão vídeo alternativo incluí desde as produções no domínio da videoarte até os programas realizados para a televisão de massa por produtoras comerciais, passando também pela experimentação criativa das diferentes linguagens no vídeo, apresentada sobretudo em festivais. Resumindo, entende-se por vídeo alternativo praticamente todo e qualquer programa de vídeo realizado fora 13 das emissoras de TV, sem qualquer especificidade.

O autor atribui ao vídeo popular “características e perspectivas da comunicação alternativa”,14 sem, no entanto, enquadrá-lo em uma categoria única dentro do universo videográfico. Os vídeos populares atendiam a pré-requisitos como, por exemplo, estar ligado diretamente aos movimentos sociais (sindicatos, associações de moradores, movimento sem terra); acatar as necessidades desses movimentos e, além disso, promover a participação direta dos grupos sociais excluídos pela mídia dominante na elaboração e distribuição dos programas, possibilitando, assim, a apropriação de populares sobre as técnicas de vídeo.15 De certo modo, esta definição é similar ao que se pretende identificar como produção contra-hegemônica. A democracia audiovisual emergente na TV dos Trabalhadores

Nascida no seio do movimento sindical do ABC paulista, a TVT precisou, desde o início, mediar a concepção apocalíptica dos operários em relação aos meios de massa e a visão instrumental que tinham sobre processo comunicativo, em meio à institucionalização do poder. Segundo Festa, esse procedimento era determinado pelo modelo leninista, “de estrutura vertical, centralizador, operando por controle, fiscalização e não por discussão, conflito, deliberação, rodízio e consenso”.16 Esta tomada de posição se opunha a proposta de ampliação democrática da emissora, através do uso do vídeo popular, pois burocratizava a instituição e impedia o aparecimento do contraditório.17 Assim, percebe-se que as aspirações populares acabaram por se submeter ao uso da democracia como ideologia.18 Enquanto o discurso político do sistema capitalista global encerra em si a defesa da soberania popular como instrumento necessário para o 13

SANTORO, Luiz Fernando, op. cit., p. 61. Ibid., p. 61. 15 SANTORO, Luiz Fernando, op. cit., p. 60. 16 FESTA, Regina, op. cit., p. 60. 17 Ibid. , p. 81,82. 18 O conceito de ideologia é utilizado a partir da acepção marxista, ou seja, em sua formulação negativa. Sob esta perspectiva, “a função principal da ideologia é ocultar e dissimular as divisões sociais e políticas, dando-lhes a aparência de indivisão social e de diferenças naturais entre os seres humanos”. CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2005. p. 174. 14


enfrentamento dos totalitarismos, estes, por seu turno, criticam a democracia liberal em função de abandonar a sociedade aos desmandos do mercado. Esta angulação maniqueísta faz com que a democracia seja vista como instrumento ideológico, escondendo os reais interesses pelos quais as instituições e os governos passam a operar. Por isso, faz-se necessário desentranhar o potencial democrático de um mero reducionismo jurídico e político, o qual está enraizado na idéia de cidadania, natural da Revolução Francesa.19 Originado na França, em 1879, o entendimento sobre o ideal de democracia, declarando os direitos do homem e do cidadão, não leva em conta a forma concreta com que se estrutura a sociedade capitalista. De acordo com Chaui, “uma ideologia não nasce do nada nem repousa no vazio, mas exprime, de maneira invertida, dissimulada e imaginária, a práxis social e histórica completas”.20 Pode-se dizer, portanto, que a TVT desenvolve-se, ao longo das últimas décadas, calcada em um ideário democrático resultante de uma noção empirista sobre o processo histórico que dá sentido ao termo. Passados mais de 20 anos das primeiras gravações da TVT, hoje, a emissora produz seis programas, os quais resultam em uma hora e meia de programação própria por dia. Tal produção audiovisual está sendo pensada, neste estudo, a partir de sua aplicabilidade, e, para isso, entende-se que as práticas midiáticas da TVT precisam estar em consonância com alguns princípios, sejam eles oriundos da representatividade ou, da ação direta. Conforme relata Bobbio, não é preciso pertencer a uma mesma categoria profissional para ser chamado a representá-la, no entanto: quando ao invés disto o representante é chamado a representar os interesses específicos de uma categoria, normalmente ele pertence à mesma categoria profissional dos representados, com o que apenas o operário pode representar eficazmente os operários, o médico os médicos, 21 o professor os professores, o estudante os estudantes, etc.

Diante disso, pode-se deduzir o porquê da escolha do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC em criar um canal cuja definição do seu nome o responsabiliza diretamente por tutelar os interesses dos trabalhadores, estes vistos de forma generalista e não mais como operários. Nessa direção, os programas: Melhor e Mais Justo, Bom para Todos, Memória e Contexto, ABCD Maior em Revista e Clique e Ligue, embora se apresentem sob alcunhas que remetem à soberania popular, limitam-se apenas a substituir uma forma clássica de representação midiática por outra, que tampouco indica a manifestação da democracia

19

CHAUI, Marilena, op., cit., p. 174,175. Ibid., p. 404. 21 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. p. 46. 20


direta, pois não são as próprias classes subalternas que produzem e apresentam os programas. Apenas o noticiário diário da emissora, Seu Jornal, transcende o espectro nãohegemônico, pois abre espaço para o jornalismo colaborativo. Diariamente o telejornal da TVT difunde vídeos enviados por movimentos sociais, operários de chão de fábrica e lideranças comunitárias. Esta prática é o mais próximo que se chega do que se considera ser a manifestação audiovisual da democracia direta (em última análise contra-hegemônica). Na contramão desse processo, nota-se que, ao serem chamadas para representar os interesses gerais do representado - utilizando para tanto a inserção de audiovisuais amadores em programas de entretenimento e jornalismo - as classes dominantes de alguma forma acomodam no âmago da sociedade a sua própria ideologia, ou seja, a ideologia burguesa da democracia. Embora as

produções

não-hegemônicas,

procedentes

da maior

parte da

programação da TVT, estejam inscritas em um processo de realização audiovisual que prioriza questões de interesse público, inserindo no cotidiano televisivo da sua audiência assuntos como direito do consumidor, saúde, impostos, meio ambiente, inclusão digital e, ainda, incentivando constantemente a participação do público, a proposta de produção e distribuição de conteúdo da emissora só transforma esta democracia representativa em democracia direta quando permite o protagonismo dos movimentos sociais, como ocorre com o jornalismo colaborativo presente no Seu Jornal. Os ambientes de interatividade e colaboração mútua, presentes no site da emissora, bem como a utilização de redes sociais, a possibilidade de envio, classificação e armazenamento de vídeos e a postagem de mensagens durante a programação ao vivo, em parte também são capazes de superar as normativas da democracia representativa. Para Bobbio, “certamente mais próximo da democracia direta é o instituto do representante substituível contraposto ao do representante desvinculado de mandato imperativo”.22 Ora, nesse sentido, é preciso considerar, ainda, o processo de gestão da emissora, pois, além de abrirem-se espaços para a descentralização na produção de conteúdos, necessariamente devem se construir mecanismos capazes de revogar o mandato dos ocupantes de cargos diretivos dentro da TVT, caso estes estejam em contrariedade com os interesses gerais da classe trabalhadora, ou ainda, dos movimentos sociais por ela representados. Em busca de uma taxonomia para o audiovisual alternativo

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BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 51.


De início, os operários do ABC, começando a inserir-se no universo audiovisual, utilizavam o vídeo como meio de expressão de um projeto de comunicação alternativa. Naquela época, toda tecnologia vinculada à gravação de som e imagem era captada e, posteriormente, reproduzida através do videoteipe. Conforme destaca Santoro, este aparelho “pode usar, dependendo do modelo, fitas para gravação de duas polegadas (quadruplex), uma polegada, ¾ de polegada (U-Matic), meia polegada (VHS, Betamax, Vídeo 2000) ou Super-8mm”.23 A escolha dos formatos está condicionada ao potencial econômico das emissoras e/ou produtoras de vídeo, determinando a qualidade do trabalho realizado e, conseqüentemente, o profissionalismo empregado em sua execução final. No início da década de 1980, ao retornar de uma viagem para a Europa, Lula trouxe na bagagem uma câmera VHS de três tubos,24 despertando a curiosidade dos operários, os quais, em seguida, adquiriram uma VHS 1800.25 As primeiras filmagens foram direcionadas ao registro de acontecimentos ligados ao mundo do trabalho, como a documentação do CONCLAT. No entanto, de acordo com Festa, “a prática, o cotidiano da TVT, não se resumem apenas na gravação das imagens, mas na história do processo como um todo, que envolveu centenas de pessoas em todo o Brasil”.26 O vídeo apresentava vantagens em relação aos outros meios de comunicação da época devido a fatores como facilidade operacional, público definido, independência na produção e baixo custo de execução. Santoro descreve este cenário lembrando que, “em 1977 a Sony vendia seu videocassete Betamax a US$ 1.300. Em 1979, um equipamento similar custava por volta de US$ 900; em 1984 valia US$ 600 e em 1987, US$ 250”.27 A rápida obsolescência destes aparelhos permitia aos trabalhadores apropriarem-se destas tecnologias com certa celeridade.28 Este processo, possibilitou que o vídeo fosse utilizado mais facilmente pelos grupos sociais contra-hegemônicos. Segundo Santoro: o movimento popular desenvolveu uma série de ações e projetos concretos que vão perfeitamente ao encontro das expectativas de democratização da comunicação, não como algo vinculado à contestação dos meios de comunicação de massa, mas como uma democratização num espaço

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SANTORO, Luiz Fernando, op. cit., p. 17 FESTA, Regina, op. cit., p. 62, 63. 25 NUZZI, Vitor. No ar, o Brasil. Revista do Brasil, São Paulo, n. 50, p. 12-15, ago. 2010. 26 FESTA, Regina, op. cit., p. 96. 27 SANTORO, Luiz Fernando, op. cit., p. 19. 28 A TVT estabeleceu parcerias internacionais para viabilizar a compra destes equipamentos. Em um desses projetos o então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Jair Meneguelli, apresentou à Organização Intereclesiástica de Cooperação para o Desenvolvimento (ICCO) um plano geral de aquisição destas ferramentas tecnológicas, o qual, segundo Festa, previa, “a compra de duas câmeras Sony U-Matic, uma ilha de edição VO-Sony de corte seco, um TBC, um gerador de caracteres, monitores, tripés, um telão, aparelhos de videocassete, microfones e outros equipamentos de sustentação técnica”. FESTA, Regina, op. cit., p. 73. 24


próprio, definido pelo alcance e potencialidade do vídeo.

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Ao estarem inseridas nesse todo e identificarem-se em maior escala com o modelo representativo da produção audiovisual alternativa, as práticas midiáticas dos operários do ABC não excluem o potencial de promoção da democracia direta em seus domínios. Os principais atores sociais envolvidos com a operacionalização do canal foram migrando para outros patamares da atividade política e, os que se mantiveram, atualizaram sua percepção sobre o potencial das novas tecnologias na busca pela democratização da comunicação.30 Esta atualização permitiu, por exemplo, a implementação do jornalismo colaborativo no bojo produtivo da TVT. Partindo de um diagnóstico detalhado sobre os modelos de democracia em questão, Bobbio critica a classificação dicotômica entre representatividade e ação direta: os significados históricos de democracia representativa e de democracia direta são tantos e de tal ordem que não se pode pôr os problemas em termos de ou-ou, de escolha forçada entre duas alternativas excludentes, como se existisse apenas uma democracia representativa possível e apenas uma democracia direta possível; o problema da passagem de uma a outra somente pode ser posto de um continuum no qual é difícil dizer onde 31 termina a primeira e começa a segunda.

Nesse sentido, percebe-se que o desenvolvimento tecnológico, ao originar a convergência midiática e possibilitar o envio de audiovisuais produzidos pelos movimentos sociais, cria novas ambiências para comunicação alternativa e evidencia a manifestação deste fenômeno de passagem. Se este processo for pensado na prática, utilizando como exemplo a TVT, é possível concluir que as ferramentas disponíveis no site da emissora incentivam a ação direta de novos atores sociais neste meio de comunicação, mesmo que a gestão do Sindicato ainda não opere de forma descentralizada. A digitalização dos conteúdos de áudio e vídeo permite, ainda, que as produções audiovisuais sejam armazenadas, transportadas e distribuídas utilizando-se de plataformas variadas. É o caso do celular, pois foram destinados cinco celulares Motorola (destes um não está mais em funcionamento) com câmeras à operários de chão de fábrica das cinco maiores montadoras da região, os quais produzem matérias para o Seu Jornal. Com isso, é importante observar o que destaca Mattos sobre a rápida mudança na utilidade dos telefones móveis: 29

SANTORO, Luiz Fernando, op. cit. p. 109. Segundo o atual coordenador de Programação da TVT, Antônio Jordão Pacheco, “o projeto de comunicação prevê que o principal meio é a internet”. Ele ressalta, ainda, que “na visão do Sindicato a formação de redes sociais é fundamental para que o projeto cresça”. NUZZI, Vitor, op. cit., p. 14. 31 BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 52. 30


o telefone celular pode ser usado para a transmissão e recepção de voz, acessar a internet, verificar e-mails, fazer download de músicas, vídeos e filmes, fotografar, assistir a programa de televisão, ouvir emissora de rádio, além de armazenar conteúdos e dados. Acrescente-se a isso o fato de que, usando o celular, o usuário pode assumir o papel de receptor, transmissor e fonte de informações, rompendo assim alguns paradigmas da 32 comunicação.

Nesta mesma direção, ao proporem uma conjectura política e econômica por via do audiovisual de baixo custo, Rocha e Jacobus explicitam a facilidade para a criação de um festival de vídeos gravados em celulares, utilizando-se da tecnologia presente na internet. “Hoje, consegue-se uma razoável ilha de edição baixando um programa gratuito ou livre pela internet”.33 Por meio desse recuso, “torna-se perfeitamente viável a produção de audiovisuais de baixo custo e alta acessibilidade técnica”.34 No entanto, é preciso que haja mobilização social e interesse político sobre o tema: Enfim, aqui não se entende como válida para o processo de democracia e universalização do direito à comunicação, informação e cultura uma atitude que caracterize a relação de clientela ou de busca de equilíbrio com o 35 governo de turno ou os capitais hegemônicos.

Este posicionamento remete às novas possibilidades decorrentes do uso das mídias digitais por atores sociais excluídos da mídia hegemônica, o que modifica significativamente o universo experienciado pela contra-informação na década de 1980. Deste modo, a diferenciação proposta por Santoro entre vídeo popular (ligado especificamente aos movimentos sociais) e vídeo alternativo (classificação genérica para toda produção nãohegemônica), mostra-se insuficiente para o presente momento da produção audiovisual alternativa.36 É preciso considerar o fenômeno produtivo em consonância com o protagonismo. Para categorizar melhor as diferentes formas de apresentação destas construções simbólicas, devem-se observar, detalhadamente, as distinções técnicas e estéticas presentes nesse espaço de análise. É fundamental perceber as diferenças, mesmo sutis, entre os padrões tecno-estéticos que emergem por meio da comunicação audiovisual

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MATTOS, Sérgio. A televisão digital, a convergência, a produção e a distribuição de conteúdos para celulares e receptores móveis. In: BRITTOS, Valério (Org.). TV digital, Economia Política e Democracia. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2010. p. 49-68. p. 54. 33 ROCHA, Bruno Lima; JACOBUS, Rodrigo. Uma proposição política e econômica por via do audiovisual de baixo custo. In: BRITTOS, Valério (Org). Digitalizações e práticas sociais. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2009. p. 157-176. p. 163. 34 ROCHA, Bruno Lima; JACOBUS, Rodrigo, op. cit., p. 163. 35 Ibid., p. 162, 163. 36 SANTORO, Luiz Fernando, op. cit., p. 61.


alternativa. A classificação proposta neste estudo toma as práticas midiáticas da TVT como referência empírica, mas não se esgota neste modelo para melhor definir o padrão tecnoestético alternativo. Ao debruçar-se sobre o conceito de estrutura tecno-estética, Bolaño utiliza uma acepção singular sobre o modelo específico da produção cultural, o qual, além de possuir a capacidade de fidelizar um público para transformá-lo em mercadoria audiência, também é dono de características próprias e, portanto, pode ser fonte de barreiras à entrada.37 Assim, o padrão tecno-estético é entendido como “uma configuração de técnicas, de formas estéticas, de estratégias, de determinações estruturais, que definem as normas de produção cultural historicamente determinadas de uma empresa ou de um produtor cultural.38 Os estilos e as regras adotadas pelos agentes da produção audiovisual nãohegemônica e contra-hegemônica variam muito entre si, mas possuem também pontos de confluência. A definição de Santoro sobre o vídeo alternativo, classificando-o como “todo e qualquer programa de vídeo realizado fora das emissoras de TV, sem qualquer especificidade”, assemelha-se, conceitualmente, a perspectiva de padrão tecno-estético alternativo, proposta por Kalikoske. Segundo este último, tal padrão difere-se dos demais em função do baixo custo, e, “muitas vezes é sinônimo de produção caseira ou amadora, como o audiovisual produzido por usuários da internet, a partir de softwares gratuitos com plataformas amigáveis”.39 Portanto, o alternativo passa pelo baixo custo de produção, indo além. Nesta direção, concebe-se como padrão tecno-estético alternativo aquele “capaz de desestabilizar a comunicação tal como posta na atualidade, ainda que, pelo menos num primeiro momento, com aplicação e resultados restritos a uma ou poucas comunidades, já que o modelo dominante é aquele desenvolvido pelas indústrias culturais”.40 Objetivando esmiuçar mais esta questão, defende-se uma sub-categorização do 37

“Conceitua-se barreiras à entrada como um conjunto de injunções dominadas pelas empresas líderes, que servem como impedimentos para o acesso de novas corporações num mercado ou para que, ingressando, as demais companhias que compõem o setor não alcancem a liderança”. BRITTOS, Valério. Televisão e barreira: as dimensões estética e regulamentar. In: JAMBEIRO, Othon; BOLAÑO, César; BRITTOS, Valério (Orgs). Comunicação, informação e cultura: dinâmicas globais e estruturas de poder. Salvador: Edufba, 2004. p. 15-42. p. 18. 38 BOLAÑO, César. Indústria cultural, informação e capitalismo. São Paulo: Hucitec/Polis, 2000. p. 234. 39 KALIKOSKE, Andres. Padrões tecno-estéticos e hegemonia televisiva no Brasil. In: CONGRESSO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO NA REGIÃO SUL, 11., 2010, Novo Hamburgo. Anais ... São Paulo: Intercom, 2010. Disponível em: Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/regionais/sul2010/resumos/R20-1313-1.pdf>. Acesso em: 7 jan. 2011. p. 10. 40 BRITTOS, Valério Cruz. Digitalização e democratização: produção de conteúdo nacional e padrão tecno-estético alternativo. In: SECRETARIA DE ASSUNTOS ESTRATÉGICOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Produção de conteúdo nacional para mídias digitais. Brasília, 2011. p. 111-127. p. 113.


padrão tecno-estético alternativo. Observa-se que, em experiências como a TVT, é possível manifestarem-se mais de uma característica decorrente das peculiaridades desse padrão, o que ocorre em função do espaço topológico que separa a representatividade da ação direta. De todo modo, a nível de classificação, percebe-se que, o predomínio de algumas características sobre outras, possibilitam um enquadramento, mesmo transitório, sob o atual contexto das produções audiovisuais alternativas, oriundas deste espaço específico de construção simbólica. Com isso, observa-se claramente a manifestação de quatro sub-categorias decorrentes do padrão tecno-estético alternativo: 1) Tecno-estético não-hegemônico: abrange a maioria das produções audiovisuais alternativas, ou seja, aquelas que, adaptadas ao contexto da convergência midiática, assemelham-se a concepção utilizada por Santoro ao nomear os vídeos alternativos, na década de 1980. Incluem-se neste bojo, as produções triviais que abundam hoje na internet, principalmente em sites de compartilhamento de vídeo como o youtube. Podem até incluir temas de cunho político, mas, em sua maioria, abordam futilidades e, até mesmo, pornografia. São concebidos e distribuídos de forma particular e desorganizada, sendo que a tônica destas produções é copiar o formato comercial. 2) Tecno-estético público-estatal: é onde, em parte, enquadra-se hoje a produção não-hegemônica da TV dos Trabalhadores. A maior parte das produções próprias da emissora, embora priorizem temas de interesse público e não recebam apoio do governo ao serem elaboradas, são concebidas sob a ótica da estrutura sindical, que o ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ajudou a fundar. Assim, enquanto o governo de turno estiver identificado com as cores ideológicas pelas quais a emissora reivindica a democratização da comunicação, fica difícil efetivar o predomínio das produções audiovisuais originadas pela ação direta. O que não significa dizer que esta emissora não esteja em processo de aperfeiçoamento de suas relações de transição democrática, pois há exemplos de produções próprias que criticam os governos do PT (historicamente envolvido com a emissora), sobretudo através do Seu Jornal. Cabe salientar que as produções próprias da TV Brasil se inserem mais fortemente nesse modelo. 3) Tecno-estético institucional: São as produções próprias de espaços que, em tese, fundamentam-se no interesse público e, portanto, originam-se através da sociedade civil. Sindicatos, universidades, organizações não governamentais, associações de bairro e, até mesmo, canais comunitários mantidos por particulares, enquadram-se nesse perfil. Caracterizam-se pela diversidade na produção de conteúdos, os quais podem ser tanto elaborados e críticos, quanto fúteis ou de enfoque publicitário. Seu ponto de principal


confluência é estarem geralmente circulando por meio do cabo. 4) Tecno-estético popular ou contra-hegemônico: Este modelo complementa a afirmação feita sobre a TVT no segundo exemplo de padrão tecno-estético alternativo aqui citado. Em função de a emissora estar parcialmente vinculada ao governo de turno - mesmo que não seja de forma direta e haja, segundo os coordenadores, um exercício permanente para sobrepor esta carga ideológica, inclusive com críticas à prefeitura de São Bernardo, hoje ocupada por Luiz Marinho (PT) – o predomínio das práticas que conformam a produção e a distribuição do audiovisual proveniente de espaços como este é que irão determinar se o canal está mais próximo ao padrão popular ou público-estatal. Desta forma procura-se atualizar a análise feita por Santoro, nos anos 80, quando atribuía ao vídeo popular características de militância e comprometimento dos grupos ligados aos movimentos sociais. Os sindicatos, quando tomados por um sentimento progressista, permitindo o protagonismo da categoria e da comunidade na qual estão inseridos e promovendo a descentralização na gestão, produção e distribuição do audiovisual, enquadram-se mais fortemente neste padrão. Portanto, somente iniciativas oriundas de movimentos sociais que não tenham vínculo políticopartidário, ou ainda, se pautem por interesses que vão além dessa ligação e, na mesma medida, sejam protagonizadas sem atravessamento de terceiros, enquadram-se neste espaço conceitual. Cada um dos padrões acima citados possui especificidades próprias, as quais estão relacionadas a uma definição menos abrangente do padrão tecno-estético alternativo. Dividindo este fenômeno em outros quatro espaços conceituais, nos quais se exprime o audiovisual alternativo, pode-se perceber que, embora apresentem similitudes, as produções alternativas diferenciam-se umas das outras por meio da aplicabilidade prática. Por fim, percebe-se que a transitoriedade deste fenômeno, encontrada na passagem da democracia representativa à direta, fica evidente através da exemplificação de como esse processo está ocorrendo nas práticas midiáticas da TV dos Trabalhadores.

Considerações finais

Por certo não se pode terminar este trabalho sem sinalizar o que se entende por comunicação alternativa, levando em conta as discussões sobre democracia e as condições empíricas destas manifestações quando retiradas de seu local de observação clássico – o governo –, e aplicadas à comunicação mediada pelas organizações sindicais. Portanto, entende-se por comunicação alternativa, toda manifestação midiática, oriunda ou não de


organizações representativas da classe trabalhadora, que se mantenha distante do poder estatal e das práticas publicitárias, tanto em relação à viabilidade econômica, quanto à concepção, produção e distribuição dos bens simbólicos, que devem ser originados em caráter coletivo e independente. Nessa direção, o uso do padrão tecno-estético alternativo pode contribuir para a democratização da comunicação, mesmo quando os espaços de sua produção distanciamse da democracia direta. Por isso, atenta-se para a importância de uma classificação mais detalhada deste modelo. Não se refere a esse processo apenas como espaço de classificação científica, mas, principalmente, como forma de auxiliar as organizações sindicais a visualizarem o seu próprio processo de atuação política, em meio ao complexo universo da comunicação alternativa nos dias de hoje. Referências BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. BOLAÑO, César. Indústria cultural, informação e capitalismo. São Paulo: Hucitec/Polis, 2000. BRITTOS, Valério Cruz. Digitalização e democratização: produção de conteúdo nacional e padrão tecno-estético alternativo. In: SECRETARIA DE ASSUNTOS ESTRATÉGICOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Produção de conteúdo nacional para mídias digitais. Brasília, 2011. p. 111-127. BRITTOS, Valério. Televisão e barreira: as dimensões estética e regulamentar. In: JAMBEIRO, Othon; BOLAÑO, César; BRITTOS, Valério (Orgs). Comunicação, informação e cultura: dinâmicas globais e estruturas de poder. Salvador: Edufba, 2004. p. 15-42. ____; BENEVENUTO JR., Álvaro. Comunicação dominante e alternativa: notas para uma análise a partir da Econômia Política. Comunicação & Sociedade, São Bernardo do Campo, n.45, p. 117-134, 2006. CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2005. FADUL, Anamaria; SILVA, Carlos Eduardo Lins da; SANTORO, Luiz Fernando. Documento básico do IV ciclo de estudos interdisciplinares da comunicação. In: SILVA, Carlos Lins da (Org). Comunicação, hegemonia e contra-informação. São Paulo: Cortez, 1982. p. 9-16. FESTA, Regina. Movimentos sociais, comunicação popular e alternativa. In: FESTA, Regina; SILVA, Carlos Eduardo Lins da (Orgs). Comunicação popular e alternativa no Brasil. p. 9-30. ____. TV dos Trabalhadores: a leveza do alternativo. 1991. Tese (Doutorado em Comunicação Social) – Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo. GRAMSCI, Antônio. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966. KALIKOSKE, Andres. Padrões tecno-estéticos e hegemonia televisiva no Brasil. In: CONGRESSO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO NA REGIÃO SUL, 11., 2010, Novo


Hamburgo. Anais ... São Paulo: Intercom, 2010. Disponível em: Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/regionais/sul2010/resumos/R20-1313-1.pdf>. Acesso em: 7 jan. 2011. p. 10. LULA bate recorde de popularidade, indica pesquisa CNT/Census. BBC Brasil, Brasília, 29 dez. 2010. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2010/12/101229_lula_popularidade_mdb.shtml>. Acesso em: 29 dez. 2010. MATTOS, Sérgio. A televisão digital, a convergência, a produção e a distribuição de conteúdos para celulares e receptores móveis. In: BRITTOS, Valério (Org.). TV digital, Economia Política e Democracia. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2010. p. 49-68. MOSCO, Vincent. Economia política da comunicação: uma perspectiva laboral. Comunicação e sociedade 1 – Cadernos do Noroeste, Braga, v. 12, ns. 1-2, p. 97-120, 1999. NUZZI, Vitor. No ar, o Brasil. Revista do Brasil, São Paulo, n. 50, p. 12-15, ago. 2010. ROCHA, Bruno Lima; JACOBUS, Rodrigo. Uma proposição política e econômica por via do audiovisual de baixo custo. In: BRITTOS, Valério (Org). Digitalizações e práticas sociais. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2009. p. 157-176. SANTORO, Luiz Fernando. A imagem nas mãos: o vídeo popular no Brasil. São Paulo: Summus, 1989. ____. O vídeo nos movimentos populares. In: FESTA, Regina; SILVA, Carlos Eduardo Lins da (Orgs). Comunicação popular e alternativa no Brasil. São Paulo: Paulinas, 1986. p. 164-170.


Jornalismo e Meio Ambiente A contribuição dos Meios de Comunicação e o conceito de Sustentabilidade Pedro Celso Campos1 Resumo: Este artigo é uma reflexão sobre a contribuição que os meios de comunicação social podem dar ao debate público sobre os problemas ambientais. A Agenda XXI e vários outros documentos da ONU chamam atenção para a necessidade de informar e conscientizar a sociedade. Por outro lado, as Teorias da Comunicação têm sempre em comum o imperativo do emissor se fazer entender pelos receptores, de tal modo que eles possam ser agentes da mudança e não apenas passivos observadores. O primeiro passo, portanto, é estudar a questão ambiental, pautar adequadamente o tema e levar esclarecimento. Não é o que ocorre, por exemplo, com alguns conceitos técnicos da área, destacando-se o de “sustentabilidade”, surgido nos anos 70 para nortear políticas públicas a serviço da preservação da vida presente e, principalmente, futura, e, hoje, utilizado até mesmo como parâmetro de preservação dos lucros e das vantagens resultantes da exploração da natureza. Palavras-Chave – Teoria da Comunicação – Sustentabilidade Ambiental – MCM JOURNALISM AND ENVIRONMENT Media contribution and the concept of sustainability Abstract: This article is a reflection about the contribution the social communication media can provide to the public debate about the environmental concerns. The Agenda XXI and several other UN documents call to the need to inform and educate the society. On the other hand, the Communication theories always have in common the imperative of the emitter to be understood by the recipient, in such a way that they can become change agents and not only observers. The first step is, therefore, to study the environmental question, adequately focus the theme and convey clarification. It is not what happened, for instance, with some technical concepts from the area, in particular sustainability, that came about in the 70’s to guide public policies at the service of the life preservation and specially, future and today, utilized even as a parameter of preservation of profit and advantage resulting from exploitation of nature. Key-Words – Theory of Communication - Environmental Sustainability – MCM PERIODISMO Y MEDIO AMBIENTE La contribución de los medios de comunicación y el concepto de sostenibilidad Resumen: Este trabajo es una reflexión sobre la contribución que los medios de comunicación pueden aportar a un debate público sobre los problemas ambientales. Agenda XXI y varios otros documentos de la ONU llaman la atención sobre la 1

Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo(2006), tem pósdoutorado na mesma área pela Universidade de Sevilha(2008), integra o Programa de PósGraduação em Comunicação da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação-FAAC da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP e é Coordenador de Ensino de Jornalismo na mesma instituição

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necesidad de informar y educar a la sociedad. Por otra parte, las teorías de comunicación siempre tienen en común la necesidad imperiosa de que el emisor hagase entender por los beneficiarios, para que puedan ser agentes de cambio y no sólo observadores pasivos. El primer paso es, pues, estudiar el tema del medio ambiente, bien guiado el tema y llevar a la iluminación. No es lo que sucede, por ejemplo, con algunos conceptos técnicos de la zona, destacando la "sostenibilidad", que apareció en los años 70 para orientar las políticas gubernamentales que promuevan la preservación de la vida presente y, sobre todo, futura, y hoy en dia, incluso, se utiliza como parámetro para preservar los beneficios y las ventajas derivadas de la explotación de la naturaleza. Palabras clave - Teoría de la Comunicación - Sostenibilidad ambiental - MCM Introdução

Em seu nascedouro, nos anos 70, os debates em torno dos problemas ambientais, que já se agravavam, foram sistematizados em torno da palavra “sustentabilidade”. Defendia-se um desenvolvimento que assegurasse o bem-estar das populações atuais, em todo o mundo, mas que não comprometesse o bem-estar das futuras gerações. Discutia-se a necessidade de substituir a utilização dos recursos naturais – em vias de esgotamento - por produtos renováveis, abandonando-se, progressivamente, a era do carbono, que aquece a atmosfera, e avançando para o uso de energias limpas, que não poluem, não degradam. A ênfase na política de reciclagem, no manejo florestal em substituição às queimadas, na preservação da água e na proteção dos mananciais, sempre com a preocupação de deixar para as futuras gerações um mundo mais limpo, onde a vida possa continuar existindo de forma plena, são iniciativas ambientalmente sustentáveis. Assim, a expressão “sustentabilidade”, que simbolizava todo esse mega-projeto ambiental, ganhou escala nos meios de comunicação, tornando-se conhecida no mundo inteiro. Por isto mesmo, percebendo que, no fundo, o que se pretendia era reduzir os grandes lucros da operação capitalista responsável pela destruição da vida no planeta nos últimos 300 anos, e percebendo que o termo caíra no gosto popular, os paladinos do neo-liberalismo trataram de “unir-se ao inimigo” porque não ficava bem combatê-lo. Afinal, não existe capitalismo sem consumo e não existe consumo sem clientes que “acolham” não só os produtos, mas, principalmente, a marca que os representa no mercado mundial. Por isto a idéia de “sustentabilidade” foi rapidamente incorporada à própria idéia de exploração capitalista, voltada para a exploração da natureza até os seus últimos suspiros desde que o lucro da empresa seja “sustentável”. Essa circularidade que leva um conceito a significar o oposto daquilo para o qual foi criado, já está presente no corpo teórico que explica o funcionamento dos

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meios de comunicação. Trata-se da Teoria da Circularidade que integra o produtor e o receptor do discurso comunicacional em um mesmo sistema, conforme veremos mais adiante. Também está presente na visão sistêmica do fluxo de produtos cujo consumo desenfreado sobrecarrega os ecossistemas. Por isto se discute em países ambientalmente mais evoluídos, como a Alemanha, o Princípio da Responsabilidade do Produtor, tornando o produtor solidariamente responsável pelo lixo final no qual seu produto vai se transformar após a vida útil, principalmente produtos mais duráveis como eletrodomésticos, computadores, carros etc. Por este princípio, o produto deve sair do berço da fábrica e voltar ao berço da fábrica ao invés de ser “desviado” para o túmulo do “lixão” ou de um terreno baldio, no final da sua vida útil. Nesse contexto circular, o consumidor é “usuário” do produto e não seu proprietário definitivo. O que ele paga pelo produto refere-se ao

“uso” do produto e não ao seu descarte

tecnicamente correto (o que exige todo um processo que só o fabricante domina). É de se esperar que os produtos serão menos descartáveis quando o produtor tiver a obrigação de recebê-lo de volta, após o uso, para a desmontagem e reciclagem corretas. Sob esta ótica, o produtor deve vender o produto enquanto “serviço”, não enquanto “lixo”, e se é ele quem recebe pelo produto, é a ele que cabe o dever de reciclá-lo. A isto poderíamos chamar, talvez, “ciclo sustentável de produção e consumo”. Por tudo isto, entendemos que o estudante de jornalismo, o operador dos meios de comunicação e todas as pessoas com poder de persuasão, nos mais diferentes púlpitos, podem e devem contribuir com uma informação ambiental correta, visando não apenas informar, mas transformar. Concordamos, naturalmente, que todos somos responsáveis pela preservação da vida humana no planeta, mas acreditamos que essa responsabilidade social é ainda maior para os comunicadores. Portanto, não podemos, nós que lidamos com a comunicação, ignorar o debate ambiental. Precisamos estar preparados, no meio acadêmico, na utilização dos gêneros jornalísticos, na condução de entrevistas, na produção de reportagens, em textos assinados, ou até na produção de pautas, para discutir as questões relacionadas com essa área. As pessoas esperam que expliquemos o significado exato da terminologia ambiental, como neste exemplo, entre tantos outros, da palavra “sustentabilidade” que estudaremos a seguir. Sustentabilidade

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É consenso que a redução do consumo ou, pelo menos, um consumo mais consciente, poderia contribuir com a sustentabilidade da vida humana no planeta. Muitos ambientalistas defendem essa idéia em todo o mundo. No Brasil, destaca-se o trabalho do Instituto Akatu (http://www.akatu.org.br), entre outros. É uma idéia que poderia ser amplamente apoiada pelos meios de comunicação e pelos comunicadores. Entretanto, muitas vezes ela esbarra em fortes interesses contrários que tendem a estimular o consumo de determinados produtos, mesmo quando prejudiciais à saúde ou embalados com materiais que ficarão sobrecarregando o meio ambiente por séculos, como é o caso do plástico. Outros defendem a idéia de que os países ricos deveriam se contentar com um crescimento menor para poluir menos. No exemplo do Princípio de Responsabilidade do Produtor, aqui exposto, estaria incluída essa noção de solidariedade coletiva. Mas esse projeto tem enfrentado muita resistência na própria Alemanha, um dos primeiros países a se preocupar com o meio ambiente e o primeiro também a levar o debate para a política com a criação do Partido Verde. Naturalmente o modelo de produção capitalista não tem muita afinidade com essas questões de solidariedade. Quando muito, de modo geral, grandes empresas concordam em investir parte de seus lucros em atividades ambientais controladas, destinadas ao “branqueamento” da imagem, porque isto é bom para os negócios. Entretanto, também neste caso as generalizações podem induzir a graves erros de avaliação. Há, sim, iniciativas sérias de empresas que tentam encontrar um meio termo entre continuar crescendo sem abrir mão de bons projetos ambientais, como têm feito algumas redes de supermercados ao adotarem sacolas plásticas biodegradáveis, só para mencionar um exemplo. Neste caso, toda vez que o cliente dessas redes faz a opção de levar os produtos para casa em sacolas de pano e não em sacolas plásticas convencionais, também ele está dando a sua contribuição ao princípio da “sustentabilidade”. Por outro lado, se é grave o problema do lixo produzido pelo excesso de consumo, mais grave ainda são as mudanças climáticas causadas pelo aquecimento global. Neste particular, a preocupação é quase alarmante, levando a ONU e dirigentes mundiais a insistirem na necessidade da redução da emissão de gases causadores do efeito estufa. Acima da polêmica instalada de que caberia aos países ricos pararem de crescer e aos países em desenvolvimento abrirem mão do crescimento, o certo é que alguns países têm se destacado na corrida contra o aquecimento. É o caso, por exemplo, do Reino Unido, primeira nação a legislar sobre a meta de cortar 80% das emissões até 2050 e a lançar a idéia de adotar, até 2022,

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orçamentos qüinqüenais de carbono, chegando a 2020 com emissões 18% inferiores às de 2008, como relata o professor da USP José Eli da Veiga (cf Veiga, 2010). Segundo ele, também a França está empenhada neste mesmo sentido, com proposta em andamento para cortar três quartos de suas emissões até 2050. A diferença é que os franceses optaram pela criação de uma “taxa carbono” que vai incidir sobre o consumo de combustíveis fósseis, começando com 17 euros por tonelada, desde 2010, mas toda a arrecadação será devolvida à população através de um cheque verde ou de deduções no Imposto de Renda. Trata-se, portanto, de uma medida de conscientização, significando que todos nós – através do nosso consumo ou da nossa pegada ecológica – somos responsáveis pela sustentabilidade. A luta de todos os países contra o aquecimento global que provoca as fortes mudanças climáticas destina-se a evitar que o nível de aquecimento chegue a 2ºC além de seu nível pré-industrial. O professor Eli cita o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC (criado em 1988 pela ONU, durante convenção do clima em Toronto) para informar que ... será loucura deixar que a temperatura global aumente 2ºC além de seu nível pré-industrial porque isto poderia causar desastres já estimados, tais como: entre 0,7 e 4,4 bilhões de pessoas sofreriam de crescente falta de água; haveria queda de rendimentos agrícolas em muitos países pobres; as florestas amazônicas seriam irreversivelmente comprometidas; de 15% a 40% das espécies se extinguiriam; geleiras desapareceriam; o derretimento da placa de gelo da Groelândia aceleraria a elevação do nível do mar; e o permafrost (gelo permanente) siberiano exalaria seu imenso estoque de metano (CH), um gás-estufa bem mais furioso que o dióxido de carbono (CO²) . (cf Veiga, 2010 - 74).

Atualmente, tanto pela imposição das leis ambientais, quanto pela pressão da opinião pública, nenhum empreendimento pode prosperar sem levar em conta que o aquecimento global é a maior ameaça do momento, maior mesmo que o terrorismo, as armas nucleares, a instabilidade no Oriente Médio etc. E não se pode ignorar o papel que os meios de comunicação exercem para cobrar leis cada vez mais eficientes e para esclarecer sempre mais a população. A este respeito, o professor Veiga explica: Há quase unanimidade sobre uma espécie de ‘santíssima trindade’ da cruzada contra o aquecimento: a)precificar o carbono, mediante taxação, comércio e regulação;b) adotar programas que acelerem o surgimento de tecnologias capazes de descarbonizar as matrizes energéticas; c) informar, educar e persuadir os cidadãos sobre as alterações comportamentais que se impõem. (Veiga, 2010-71).

Significa dizer que a “sustentabilidade dos lucros” precisa dar lugar à “sustentabilidade da vida”. Desse modo, o jornalista bem informado terá interesse em

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se aprofundar sobre as razões que levam um empreendimento a propor a destruição de uma área ambiental sob a promessa de gerar empregos e melhorias para a população do entorno. Trata-se de discutir, a partir da pauta, de que sustentabilidade se está falando. E o comunicador deverá cumprir o papel social de denunciar os casos em que, por trás do belo discurso, esconde-se a destruição das condições de vida futura. É isto que também espera a Agenda XXI, adotada em 14/06/1992, na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro. Esse compromisso tácito da mídia com a opinião pública está na raiz da própria existência dos meios de comunicação, conforme observado nas teorias da comunicação. Vamos refletir um pouco sobre esta questão, a seguir.

A necessidade de Informar

Coincidimos

com

inúmeras

pesquisas

que

é

complicado

definir,

categoricamente, as motivações da imprensa para descobrirmos porque as notícias são como são. Talvez ajude estudar o contexto em que se dá o processo de comunicação de massa. Em breve olhar sobre as teorias da comunicação vemos a ênfase quantitativa no experimento de Shannon2, onde já estavam presentes os conceitos de redundância, feedbak, linearidade, ruído, entropia etc. Mas foi a Teoria Cibernética3 que desenvolveu, nos anos 1940, o princípio da circularidade da informação como processo comunicativo, incorporando as bases da Teoria Geral dos Sistemas formulada, no final dos anos 1930, pelo biólogo

2

O modelo básico proposto pela teoria de Shannon é um esquema linear destinado a medir, quantitativamente, a emissão e recepção de um sinal à distância. Trata-se de estudar as possibilidades de redução das interferências, ou ruídos, que possam prejudicar a eficácia do sinal emitido, ou seja, Shannon busca o equacionamento de informação com previsibilidade estatística, duas quantidades que podem ser medidas com o logarítmo da recíproca da probabilidade. 3 Pode-se entender como complementares os estudos de Shannon e de Wiener, pois enquanto a Teoria da Informação estuda a “reprodução, em um ponto dado, de maneira exata ou aproximativa, de uma mensagem selecionada em outro ponto”, a Teoria Cibernética define que “a soma de informação em um sistema é a medida de seu grau de organização”. A entropia, segundo Wiener, é, exatamente, esse grau de desorganização. A verificação do grau de entropia se dará através do retorno (feedback) obtido pelo emissor, surgindo, então, o conceito de circularidade da informação

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austríaco Ludwig Von Bertalanffy, o qual, por sua vez, inspirou-se nos estudos que o matemático e filósofo inglês Alfred North Witehead realizou, na década de 1920, sobre uma filosofia fortemente orientada em termos de processo. Na década de 1940, Bertalanffy tentou combinar os vários conceitos do pensamento sistêmico e da biologia organística em uma teoria formal dos sistemas vivos. Embora desconhecido no ocidente, antes de Bertalanffy um outro pesquisador formulou uma abordagem sistêmica que incluía também os elementos não vivos. Foi o médico, filósofo e economista russo Alexander Bogdanov, que deu nome à sua teoria de “Tectologia”, do grego “tekton” (construtor), o que pode ser traduzido como Ciência das Estruturas. Esta foi a primeira tentativa, na história da ciência, para chegar a uma formulação sistêmica dos princípios de organização que operam em sistemas vivos e não vivos, apresentada como Ciência Universal da Organização e definida como “a totalidade de conexões entre elementos sistêmicos”. Bogdanov distinguiu três tipos de sistemas: Complexos organizados (onde o todo é maior que a soma das partes); Complexos desorganizados (onde o todo é menor que a soma das partes) e Complexos neutros (onde as atividades organizadora e desorganizadora se cancelam mutuamente).4 A estabilidade e o desenvolvimento de todos os sistemas podem ser entendidos por meio de dois mecanismos organizacionais básicos: formação e regulação. A dinâmica da formação consiste na junção de complexos por intermédio de vários tipos de articulações. Enfatiza, em particular, que a tensão entre crise e transformação tem importância fundamental para a formação de novos complexos. Podemos perceber com mais clareza através de exemplos citados por Edgar Morin, quando trata da interdisciplinaridade: A noção de informação, originada da prática social, adquiriu um sentido científico, preciso, novo, na teoria de Shannon, depois, migrou para a Biologia para se inserir no gene, onde foi associada à noção de código genético. A Biologia Molecular muitas vezes esquece que, sem essas noções de herança, código, informação, mensagem de origem antropossociomorfa, a organização viva seria ininteligível. [...] Mais importantes são as transposições de esquemas cognitivos de uma disciplina para outra. Assim, Claude Lévi-Strauss não poderia ter elaborado sua antropologia estrutural sem os freqüentes encontros que teve em 4

Blaise Pascal já afirmava três séculos atrás: " Uma vez que todas as coisas são causadas e causadoras, ajudadas e ajudantes, mediatas e imediatas, e todas estão presas por um elo natural e imperceptível, que liga as mais distantes e as mais diferentes, considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, tanto quanto conhecer o todo sem conhecer, particularmente, as partes". Cf. MORIN, op. cit. p. 116.

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Nova York - nos bares, parece - com R. Jakobson, que já havia elaborado a lingüística estrutural; além disso, Jakobson e LéviStrauss não se teriam conhecido se ambos não fossem refugiados da Europa: um escapara da Revolução Russa, algumas décadas antes, o outro deixara a França ocupada pelos nazistas. [...] um poderoso antídoto contra o fechamento e o imobilismo das disciplinas vem dos grandes abalos sísmicos da História (inclusive uma guerra mundial), das convulsões e revoltas sociais, que, por acaso, provocam encontros e trocas que permitem a uma disciplina disseminar uma semente da qual 5 nascerá uma nova disciplina. (MORIN, 2003, p. 108 - 109)

Assim como Bogdanov, outros cientistas utilizavam, em sua época, os termos “sistema” e “pensamento sistêmico”, mas foram as concepções de Bertalanffy de um sistema aberto e de uma Teoria Geral dos Sistemas que desenvolveram o pensamento sistêmico moderno como um movimento científico de primeira grandeza. Com o forte apoio subseqüente da cibernética, as concepções de pensamento sistêmico e de teoria sistêmica tornaram-se partes integrais

da

linguagem

científica

estabelecida

e

levaram

a

numerosas

metodologias e aplicações novas como a engenharia de sistemas e a análise de sistemas. Estudando a teoria de Bertalanffy, Norbert Wiener a entendeu como uma “lógica da mente”, uma abordagem unificada dos problemas de comunicação e controle, propondo, então, um novo nome: Cibernética, do grego Kybernetes (timoneiro). Logo a Cibernética ganhou espaço próprio nos estudos científicos, pois os ciberneticistas não eram nem biólogos, nem ecologistas. Eram matemáticos, neurocientistas, cientistas sociais e engenheiros. Concentravam-se em padrões de comunicação, especialmente em laços fechados e em redes, o que derivou em teorias afins, todas relacionadas com o funcionamento de sistemas, como a própria Teoria das Redes (aplicada atualmente por Pierre Levy et al no estudo do hipertexto), a Teoria dos Gráficos, a Teoria dos Compartimentos, a Teoria do Caos (que comporta a noção de entropia), a Teoria dos Jogos (desenvolvida por Neumann para explicar o comportamento dos jogadores supostamente “racionais” para obter o máximo de ganhos com o mínimo de perdas mediante adequadas estratégias contra o outro jogador), a Teoria dos Autômatos com entrada (input) e saída (output) que pode ser aplicada no sistema de aprendizagem pelo modelo de tentativa e erro e que foi a base da Máquina de 5

Cf. MORIN, 2003, p. 108 - 109

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Turing capaz de imprimir a combinação binária de “1” e “0” numa fita, ao infinito, conforme já vimos antes. Também surgiram, daí, a Teoria da Decisão (baseada na Teoria Matemática que trata de escolhas entre alternativas), a Teoria da Fila (destinada à otimização de arranjos em condições de aglomeração) etc. A partir da Teoria Geral dos Sistemas, os ciberneticistas desenvolveram os conceitos de realimentação, auto-regulação e auto-organização, pois os estudos cibernéticos estavam ligados à pesquisa militar norte-americana interessada na precisão de canhões anti-aéreos. Além de Norbert Wiener e Claude Shannon, os militares contavam com outros matemáticos e engenheiros renomados, como o já citado John Von Neumann e Warren McCulloch. As pesquisas conduziram a estudos relacionados com os mecanismos neurais subjacentes aos fenômenos mentais e o desafio era expressá-los em linguagem matemática explícita, criando uma consciência exata da mente, essa parte do corpo humano ainda tão desconhecida. A abordagem sistêmica, sendo estritamente interdisciplinar, permite integrar as várias especialidades que caracterizam a ciência moderna mediante a interligação da complexa rede de dados, técnicas e estruturas teóricas de cada campo, aproximando-nos da meta da unidade da ciência, além de ser um importante meio para alcançarmos uma teoria exata nos campos não físicos ou morfogenéticos. A este propósito, o físico indiano Amit Goswami, professor de Física na Universidade do Oregon e de Física Nuclear Teórica na Universidade de Calcutá, propõe um novo paradigma científico que prevê um salto “quântico” em relação ao cartesianismo que separa a realidade em mente (o âmbito da religião) e matéria (o âmbito da ciência) propondo, assim, uma janela visionária para a espiritualidade. Para Amit o paradigma separatista newtoniano – baseado em Descartes - saiu-se vitorioso no universo capitalista porque foi bem sucedido na explicação do cosmo sem Deus, sem consciência. Hoje, porém, a situação de mal-estar que caracteriza o ser humano a partir de qualquer abordagem filosófica, só poderá ser vencida com o intercâmbio entre a ciência e a espiritualidade. 6 Não podemos compreender o processo de comunicação somente à luz do paradigma separatista. Matemáticos, engenheiros e ciberneticistas explicam friamente o processo técnico da comunicação, mas trata-se de uma ênfase quantitativa que nem sempre privilegia os amplos espaços da intencionalidade, do 6

Cf. GOSWAMI, 2003, p. 12.

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contexto, das diversas influências que perpassam o processo comunicacional. É certo que do ponto de vista lógico uma redação de jornal é como uma caixa preta – conforme a imagem proposta por Umberto Eco. Ela recebe todo tipo de dados e informações (input), durante o dia, e no outro dia toda aquela montanha de dados sai (output) devidamente organizada e sistematizada para cumprir sua função de informar. É um modelo matematicamente correto, técnicamente explicado. Entretanto, segundo a Teoria de Bertalanffy, esse sistema precisa ser alimentado, o que se fará através do planejamento da edição (que inclui as tarefas do pauteiro, a infra-estrutura de apoio operacional) etc. O sistema também precisa de retroalimentação e isto virá com a resposta (feedbak) do receptor. Nem sempre essa resposta será linear como defendia uma antiga teoria conhecida como Teoria da Agulha Hipodérmica, que aplicava o modelo matemático de Shannon à comunicação de massa, imaginando que os meios agiam instantaneamente sobre a mente do receptor dirigindo sua conduta como se fosse um autômato. Com o nível de informação dos dias atuais (basta lembrar que uma edição do New York Times contém mais informação do que aquela que as pessoas do séc. XVII conseguiam ter em toda a sua vida) não seria tão fácil levar as pessoas a acreditarem na invasão da terra pelos marcianos como fez Orson Welles na Rádio Mercury Theater numa transmissão para o Dia das Bruxas de 1938, a partir da novela de H. G. Wells, Guerra dos Mundos, ainda que não se possa subestimar o poder de persuasão da televisão, conforme o segmento de público atingido. O que se observa, de fato, é que a maioria das teorias tradicionais não dão conta de

explicar,

satisfatoriamente,

o

processo

comunicacional

porque,

fundamentalmente, não existe uma comunicação direta entre emissor e receptor. O que existe é a intercomunicação de sistemas. Como descreveu Bertalanffy, os sistemas são abertos e estão relacionados com inúmeros subsistemas, acima ou abaixo. Se conceituarmos a redação do jornal como um sistema de comunicação, veremos que trata-se de um sistema aberto a outros sistemas que o alimentam com informações (fontes), que asseguram sua sobrevivência física (empresa), que corrigem seus desvios (pesquisa, concorrência, mercado), que selecionam o que será publicado (repórteres, editores) etc. Podem ser vistos como sub-sistemas os demais vínculos de cada um desses sistemas com outros, como, por exemplo, no caso da empresa, os fornecedores de matéria-prima, os anunciantes, os bancos etc. Todavia, sabemos que toda teoria é parcial na medida em que não dá conta de explicar totalmente a verdade dos fenômenos -

e é isto que impulsiona o

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processo de conhecimento, através da pesquisa – portanto também a Teoria Geral dos Sistemas é passível de crítica. Para Habermas (1987),7 por exemplo, "a Teoria de Sistemas, ao concentrar-se exclusivamente sobre os mecanismos de regulação sistêmica, negligencia a questão da `mudança no caráter da liberdade´, introduzido pela separação dos sistemas de ação do mundo da vida e, sobretudo, a respeito dos impulsos prático-morais de seus membros". Certamente Habermas está se referindo aos variados graus de consciência individual, isto que Nietzsche chamará de "vontade de potência", diante da realidade concreta. Com efeito, os graus de liberdade do indivíduo variam não apenas em decorrência da situação vivida, mas de sua formação ética, moral, cultural etc. Assim, não basta explicar, mecanicamente, o funcionamento dos sistemas. É necessário perceber a rica e incomensurável variedade de sentidos que a ação do indivíduo exerce no interior do processo. Feito o recorte crítico, é adequado reconhecer que o sistema (de comunicação) se desarticulará (Teoria do Caos,) se não conseguir entrar em contato com outro sistema de igual grandeza, o sistema de recepção da mensagem, formado pelos leitores do jornal (ou telespectadores da TV, os internautas etc). Do mesmo modo que o sistema de uma redação está ligado aos sistemas das demais redações formando o sistema comunicacional, também o sistema do receptor está interligado com o sistema das representações sociais. Ao abordar a “estética da recepção”, o filósofo Hans Robert Jauss (1994), já citado, refere-se a uma valorização do receptor, na literatura moderna, a ponto dele determinar o contexto de produção do discurso. Para se retro-alimentar e corrigir permanentemente sua rota – como um sistema que se auto-regenera e por isto sobrevive – o sistema de comunicação precisa valorizar a opinião do seu receptor, respeitá-la, acatá-la, levá-la a sério. Na mesma medida, cumpre ao sistema receptor organizar-se, dentro da sociedade civil, para cobrar qualidade e ética dos meios de comunicação. Concluiremos, assim, que a Teoria Geral dos Sistemas, confirmando de certa forma, A Teoria da Ação Política, está a nos mostrar que o bom êxito da comunicação não se encontra, separadamente, na emissão ou na recepção, mas na contextualização do processo. Sendo assim, se considerarmos que o sistema do receptor está interconectado com o sistema social de recepção, teremos que as notícias devem ser como a sociedade quer e não como os jornalistas ou as 7

Cf. HABERMAS, Teoria de la Acción Comunicativa, Madrid: Taurus, 1987, p. 451.

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organizações querem. Essa idéia de circularidade da informação está presente já na formulação de Lazarsfeld8 sobre a importância dos formadores de opinião. Para ele a comunicação não é um processo meramente vertical ou linear. Ela comporta uma horizontalidade (sistêmica) segundo a qual os formadores de opinião são o primeiro degrau na instância de recepção da mensagem. Na família ou no trabalho sempre encontramos alguém “explicando” as notícias do dia. E porque é preciso explicá-las? Porque a mídia, no seu elitismo, apresenta-se de costas para o sistema do receptor. Os vários segmentos de público que integram o sistema social recebem de modo diferenciado a mensagem comunicativa. Cada pessoa entende de um modo. Mas todos concordam que o ser humano tem necessidade de se manter informado sobre os fenômenos do mundo. Em certa medida, a satisfação dessa necessidade lhe assegura o sentimento de pertencimento, de inserção, de participação social, cidadã, cultural etc. O dever de Informar

Além do que recomendam as teorias, aqui rapidamente examinadas, os meios de comunicação também devem estar atentos ao seu compromisso ético com as atuais e as futuras gerações, bem dentro daquilo

que se define como

“sustentabilidade”. Cabe-lhes o dever de informar corretamente sobre o meio ambiente, privilegiando a preservação da vida, o que, muitas vezes, recomenda uma cobertura continuada e sóbria, ao invés do ímpeto sensacionalista voltado apenas para a ampliação da audiência. Por sinal, é necessário reconhecer que a informação bem apurada não é um favor que o veículo de comunicação faz aos seus receptores, é um dever legalmente reconhecido, correspondendo ao direito que todo receptor tem de ser bem informado. Esse tema também tem sido tratado por especialistas do Direito

8

Cf. MATTELART, 1999, p. 47 - 48

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e podemos citar, como exemplo, o renomado jurista Antônio Augusto Cançado Trindade que assim se expressa ao se referir às medidas preventivas na área ambiental e ao reconhecer a preservação do meio ambiente como direito fundamental do cidadão: “As medidas preventivas comportam um direito de informação sobre os projetos e as decisões suscetíveis de ameaçar o meio ambiente e sobretudo um direito de participação no processo decisório da matéria” (cf . Trindade, 1993). Ele também reconhece que “toda estratégia de crescimento, para ser sustentável, deve respeitar o meio-ambiente”. O professor da Universidade de Direito, Economia e Ciências de Paris, Daniel Bardonnet, ao prefaciar a obra de Trindade (1993), lembra que o direito de participação nas decisões de caráter ambiental está prescrito em diversas recomendações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento EconômicoO.C.D.E., em diversas diretivas da Comunidade Econômica Européia-C.E.E., na Carta Mundial da Natureza (adotada por uma resolução da Assembléia Geral das Nações Unidas datada de 28/10/ 1982) e na Convenção sobre a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (assinada em Kuala Lumpur, em 9/07/ 1985, pelos Estados do sudeste asiático). Em 7/03/1992, com a participação de especialistas internacionais, o Seminário Interamericano sobre Direitos Humanos e Meio-Ambiente, promovido pelo Instituto Americano de Direitos Humanos, em Brasília, reconheceu que existe uma relação íntima entre desenvolvimento e meio-ambiente, desenvolvimento e direitos humanos, e meio-ambiente e direitos humanos, o que evidencia o pressuposto de que

a

sustentabilidade não pode se ater apenas a meras questões de lucratividade empresarial. O referido seminário recomendou a necessidade de se desenvolver ainda mais os princípios jurídicos internacionais de responsabilidade por dano ambiental e sua respectiva compensação. Entretanto, é necessário um estado amplamente democrático para que os meios de comunicação possam cumprir, com liberdade e responsabilidade, a importante tarefa de informar e conscientizar, a julgar pelo item V da resolução aprovada no Seminário de Brasília, aqui transcrita literalmente: “El proceso democrático es esencial para asegurar el desarrollo sustentable, em particular porque garantiza la participación pública y promueve el aceso a la información relativa al médio ambiente”. (CF. Trindade, 1993-36). É também no ambiente democrático que se poderá desenvolver, com vontade política e apoio da opinião pública conscientizada pela mídia, as políticas públicas

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destinadas à erradicação da miséria e pela vida. Com efeito, todos reconhecem que o principal problema ambiental, no mundo, é a pobreza. Não se pode falar em qualidade de vida quando as pessoas não têm comida, água e saneamento básico. Em nossa região e em nosso país, esse é um problema ainda mais grave segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento-PNUD: Na América Latina, as duas Conferências Regionais sobre a Pobreza (Cartagena das Índias, agosto de 1988, e Quito, novembro de 1990), realizadas sob os auspícios do PNUD, estimaram que, enquanto em 1960 a população pobre da região era de 110 milhões (equivalente a 51% da população), em 1986 verificou-se um total de 250 milhões de pessoas em condições de pobreza (correspondente a 61% da população da região), tendo-se elevado este número, em 1990, para 270 milhões de pobres (62% da população). Ainda segundo os dados das referidas Conferências Regionais do PNUD, o país latinoamericano com maior número de pobres é o Brasil (62.3 milhões, equivalentes a 36% do total regional).

A estimativa do PNUD, na época, era que o número de pobres da América Latina passaria de 300 milhões de pessoas na virada do século. Quando refletimos sobre esses dados, vemos o importante papel que têm os comunicadores e a mídia de levantarem um debate amplo e aprofundado sobre tais questões, discutindo com os setores competentes a formulação de políticas públicas voltadas para a inclusão social e a defesa da vida. É neste sentido que devemos examinar os fundamentos da “sustentabilidade” proposta em determinados projetos. Coincidimos com Trindade (1993-110) que o desenvolvimento sustentável implica um novo conceito a abranger não só o crescimento econômico, mas também o provimento de justiça e oportunidades para todos, visto que o crescimento assim entendido passa a ser um imperativo (ao invés de uma opção), sendo seu objetivo primordial a proteção da vida humana. Por isto o PNUD não mede mais o crescimento pelo antigo Produto Nacional Bruto – ainda tão comemorado no Brasil - mas pela conjunção de dois outros índices, o Índice de Desenvolvimento Humano-IDH, e o Índice de Liberdade Política-ILP. São indicadores que não medem apenas o crescimento econômico, mas também a esperança de vida, a educação, as liberdades públicas, afinal a felicidade das pessoas, consubstanciada entre os novos direitos humanos, também chamados “direitos de solidariedade”. Nos países democráticos a mídia tem a oportunidade de fiscalizar os poderes públicos em benefício da sociedade, o que, por si só, exige um comportamento igualmente democrático e ético da própria mídia, atuando a serviço da sociedade e não contra ela. O direito a um meio-ambiente sadio requer a proteção contra os atos

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danosos dos Estados assim como dos particulares, e impõe deveres ao Estado, aos grupos ou coletividades e aos indivíduos, segundo Trindade (1993-116). A Comissão Brundtland também considerou o reconhecimento do “direito de os indivíduos conhecerem e terem acesso às informações correntes sobre o estado do meio-ambiente e dos recursos naturais, o direito de serem consultados e de participarem do processo decisório relativo a atividades que possam ter um efeito significativo sobre o meio –ambiente”. (cf. Trindade,1993-119). Na mesma linha, a já citada Agenda 21, ao referir-se aos problemas prementes de hoje e aos desafios deste novo século, sustenta “a mais ampla participação pública e o engajamento ativo das organizações não-governamentais e outros grupos”, conforme se lê em seu capítulo 1, par.3. Igualmente o relatório “Nossa Própria Agenda” (1990) preparado pela Comissão Latinoamericana e Caribenha sobre Desenvolvimento e Meio-Ambiente, destinado a desenvolver uma visão regional da temática ambiental antes da Rio-Eco92, observou que o desenvolvimento sustentável não será possível sem a verdadeira democracia, sem a responsabilidade conjunta do Estado e da sociedade, o que pressupõe a existência de uma sociedade bem informada, uma mobilização social em prol do desenvolvimento sustentável, e a habilidade dos cidadãos de controlar o Estado, frisando ainda que “uma democracia participativa caracteriza-se por uma proliferação de organizações que servem como intermediários entre o Estado e a sociedade”. É o que vimos ao estudar as teorias da comunicação, portanto não restam dúvidas quanto ao papel ativo e protagonista dos meios de comunicação e dos comunicadores. Considerações finais Vimos neste artigo que o termo “sustentabilidade” tem tido aplicação demasiado ampla, mas consideramos que é dever dos comunicadores informar adequadamente sobre as questões relacionadas com o meio-ambiente porque os receptores da mídia têm direito à informação correta e bem apurada. Relacionamos alguns documentos da ONU que defendem esse direito, tanto como a ampla participação popular em ambiente plural e democrático, sobre iniciativas públicas ou privadas que impactem o meio-ambiente. Também estudamos o compromisso ético dos meios à luz das teorias da comunicação, destacando-se a Teoria da Circularidade.

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É necessário levar em conta, por outro lado, que não apenas a sociedade mas a própria mídia está mudando velozmente em nossos dias. A sociedade em rede descrita por Castells é cada vez mais um lugar de produção de conteúdos e não apenas de recepção. A destronada relação informativa “um para todos” deu lugar a uma produção viral que democratizou o espaço público antes concentrado na mídia. O que vimos recentemente no norte da África e no Oriente Médio – sem contar o que já tínhamos visto antes na invasão do Iraque – está a comprovar que a mídia social tem enorme poder de comunicação e de persuasão. É a poderosa arma dos jovens contra as opressões, a corrupção, os desmandos, as ditaduras, as medidas anti-sociais, os atentados aos direitos humanos e, naturalmente, a serviço da vida e, portanto, do meio-ambiente. Isto significa que os meios convencionais de comunicação perderão o bonde da história se não cuidarem de acompanhar essa revolução dos jovens e das novas tecnologias colocando-se inteiramente em defesa de uma “sustentabilidade” sem subterfúgios, sem meios conceitos, sem falsidade ideológica, que tenha a vida humana como razão de ser. Certamente é pela necessidade de se firmar tal conceito que a Conferência da ONU prevista para 2012, a Rio+20, terá como tema o “Desenvolvimento Sustentável”. Trata-se de uma evolução natural das conferências anteriores centradas sobre “O Homem

e

o

Meio-Ambiente-Estocomo,

1972”

e

“O

Meio-ambiente

e

o

Desenvolvimento-Rio, 1992”. Cabe aqui, para finalizar, mais uma oportuna observação do jurista Antônio Augusto Cançado Trindade: “Cada ser humano, como portador e criador de cultura, há de contribuir para transformar a realidade. E esta cultura, ao abrigar valores comuns superiores, será o substratum do direito comum da humanidade que desponta neste novo século”. Referências ABRAMO, C. A Regra do Jogo. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de estado. Rio de Janeiro: Graal, 1985. BELTRÃO, L. e QUIRINO, N. O. Subsídios para uma Teoria da Comunicação de Massa. São Paulo: Summus, 1986. CASTELS, Manuel. O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 2000. ECO, U. Apocalípticos e Integrados. Trad. de Pérola de Carvalho. São Paulo: Perspectiva, 1993

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Mapear as políticas de mídia global, entrevista com ARNE HINTZ Adilson Vaz Cabral Filho1 Universidade Federal Fluminense (UFF)

Arne Hintz é bolsista de pós-doutorado no Departamento de História da Arte e Estudos da Comunicação na Universidade McGill, de Montreal. Sua pesquisa se concentra na política de comunicação, sociedade civil e mídia alternativa. Ele é gerente no projeto de investigação internacional "Mapeamento de Política de Mídia Global" e vice-presidente da Seção de Comunicação Comunitária e também do Grupo de Trabalho de Política de Mídia Global da Associação Internacional de Pesquisa em Mídia e Comunicação (IAMCR). Ele já trabalhou em Jornalismo, ativismo de mídia e mobilização de políticas. Email: arne.hintz@mcgill.ca – Nessa entrevista ele fala sobre o projeto que gerencia, além de iniciativas relacionadas às Políticas de Comunicação na Europa, América Latina e outros paises. Qual é a contribuição da plataforma “Mapeamento de Políticas de Mídia Global” (MGMP) para as políticas de comunicação transnacionais? Que tipo de iniciativas em curso ou potenciais exemplos você pode nos dar sobre o uso desta ferramenta? Com o projeto MGMP (http://www.globalmediapolicy.net) estamos tentando monitorar, classificar e analisar as principais questões e desenvolvimentos significativos na política de comunicação. Nós identificamos os atores relevantes, processos e recursos, reunimos informações sobre eles em um banco de dados e usamos ferramentas de mapeamento visual para explorar as interações e os papéis. A partir de uma perspectiva acadêmica, isto pode ajudar a entender a dinâmica, os componentes e as tendências da política de comunicação social global. Para ativistas e militantes, proporciona acesso a informações relevantes e pode aumentar a capacidade de efetivamente intervir nos processos políticos. Um dos nossos projetos atuais é monitorar a mudança da política midiática no Norte de África e do Oriente Médio. No rescaldo das revoltas e mudanças de governo em países como Tunísia e Egito, surgiram propostas para mudar a imprensa e as leis repressivas relacionadas à radiodifusão, bem como os regulamentos sobre a Internet, e estamos usando nossa plataforma online para recolher informações sobre estas propostas e nas organizações que participam neste debate (ver aqui: http://www.globalmediapolicy.net/topic/1110). Esperamos desenvolver mais colaborações com pesquisadores e profissionais para criar seções sobre temas específicos ou regiões. Obviamente não podemos mapear o "mar" de toda a política de mídia global, mas podemos criar um número crescente de "ilhas" (como a da Primavera árabe que eu 1

Professor adjunto do Curso de Comunicação Social e do Programa de Pós-graduação em Política Social da UFF-Universidade Federal Fluminense. Secretário-geral da Diretoria da ULEPICC – União Latina da Economia


acabei de mencionar). Estamos sempre felizes quando as pessoas entram em contato conosco, propõem uma "ilha" e trabalham conosco ao criá-la. Quais são as principais diferenças entre os países latino-americanos e outros contextos como EUA, Canadá e Europa em relação a estabelecer princípios democráticos para as políticas de comunicação? Que tipo de aspectos comuns ou particular que você analisa na sua investigação recente? Muitos países latino-americanos têm um fundo histórico de governos autoritários e de alianças entre as elites políticas e empresariais. Licenças de transmissão, por exemplo, têm sido muitas vezes dada aos aliados políticos e amigos de negócios, e as grandes corporações de mídia têm desempenhado um papel dominante. Tem havido muito pouco espaço para os grupos da sociedade civil, cidadãos normais e setores marginalizados da população de ter uma voz na mídia. Isso mudou com as recentes transformações políticas e a eleição de novos governos em muitos países. As novas leis sobre a mídia na Argentina e no Uruguai reservam pelo menos um terço do espectro de transmissão para iniciativas comunitárias e abrem o processo político para a participação da sociedade civil. Estas novas leis podem ser modelos importantes para mudar a política de mídia em outras partes do mundo. Pesquisadores e defensores de políticas como eu estão olhando para a América Latina com grande interesse. No Canadá e em partes da Europa, a rádio comunitária foi legalizada há muito tempo, mas as novas leis na Argentina, Uruguai e em outros lugares oferecem uma grande inspiração para sua expansão e fortalecimento. Na América do Norte, o papel dominante da mídia comercial tem sido criticada por um longo tempo, e por isso vai ser interessante ver se o seu domínio pode ser reduzido na América Latina. Nem todos os sinais recentes são positivos, por exemplo, a recente demissão de Gustavo Gomez, o Diretor Nacional de Telecomunicações, no Uruguai. Espero, no entanto, que o processo no sentido de democratizar a comunicação continue.

Que tipo de atores sociais / movimentos estão liderando os esforços mais significativos para mudar as políticas de comunicação em nível internacional? Como o envolvimento de iniciativas comunitárias de comunicação e outros movimentos sociais tradicionais pode ser significativo neste processo? As Políticas de Comunicação são interessantes porque raramente têm sido exclusivamente baseadas no Estado. Há cem anos atrás, empresas e peritos em tecnologia já participaram fortemente na formulação de políticas, muitas vezes através da criação de normas técnicas. Eles continuam a desempenhar um papel fundamental, por exemplo, na política de Internet. Estou particularmente interessado em como as iniciativas da sociedade civil têm estado no centro das mudanças políticas recentes. Na América Latina, a Associação Mundial de Rádios Comunitárias (AMARC) tem desenvolvido projetos para novas leis de mídia, a "Coalizão para a Radiodifusão Democrática" argentina criou um conjunto de pontos que se tornou a espinha dorsal da nova lei e, dessa forma, grupos da sociedade civil não só defenderam mas, na verdade, criaram novas políticas. Política da Informação, da Comunicação e da Cultura. Email: acabral@comunicacao.pro.br.


Novas leis de apoio aos meios de comunicação comunitários nos EUA, Reino Unido, Índia, Nigéria e muitos outros países, foram alcançadas através de campanhas da sociedade civil. A Iniciativa de Mídia Moderna Islandesa (IMMI) propôs um conjunto de novas leis para tornar a Islândia um refúgio para salvar a liberdade de expressão e o jornalismo investigativo. Grandes campanhas em países europeus pararam também as políticas de vigilância eletrônica. Conexões internacionais têm sido muito importantes para todas essas iniciativas. Por exemplo, a IMMI tem recolhido um pacote de melhores práticas jurídicas de outros países e quer implementar essas leis na Islândia. Iniciativas latino-americanas também têm olhado essas práticas legais em outros lugares e também propostas por instituições internacionais. O que estão provavelmente menos desenvolvidas são as conexões entre as iniciativas que lidam com diferentes tipos de questões de mídia. Grupos que lidam com a vigilância online raramente falam com grupos que lidam com rádios comunitárias. Na verdade, eles raramente sabem uns dos outros. Seria útil superar essas divisões e ter mais intercâmbio, porque, ao final, todas estas iniciativas lidam com a democratização da comunicação e com o livre acesso à informação e infraestrutura.

Mapping global media policies, interview with ARNE HINTZ Adilson Vaz Cabral Filho2 Universidade Federal Fluminense (UFF) Arne Hintz is a Postdoctoral Fellow at the Department of Art History and Communication Studies at McGill University, Montreal. His research focuses on communication policy, civil society, and alternative media. He is the project manager of the international research project “Mapping Global Media Policy” and the vice-chair of both the Community Communication Section and the Global Media Policy Working Group of the International Association for Media and Communication Research (IAMCR). He has worked in journalism, media activism, and policy advocacy. Email: arne.hintz@mcgill.ca – In this interview he answers questons involving the project he manages, and also initiatives related to Communication Policies in Europe, Latin America and other countries.

What´s the contribution of MGMP platform for transnational communication policies? What kind of ongoing initiatives or potential examples can you give us about the use of this tool? With the project Mapping Global Media Policy (http://www.globalmediapolicy.net) we are trying to monitor, categorize and analyze key issues and significant developments in communication policy. We identify relevant actors, processes and resources, gather information about them in a database, and 2

Adjunct profesor of the Social Communication Course and of the Postgraduate Program of Social Policy at UFF - Fluminense Federal University. General secretary of ULEPICC – Latin union of Political Economy of Information, Communication and Culture. Email: acabral@comunicacao.pro.br.


use visual mapping tools to explore their interactions and roles. From an academic perspective, this may help to understand the dynamics, components and trends of global media policy. For activists and advocates, it provides access to relevant information and may enhance their capacity to effectively intervene in policy processes. One of our current projects is to monitor media policy change in North Africa and the Middle East. In the aftermath of the uprisings and government changes in countries like Tunisia and Egypt, proposals have emerged to change the repressive press and broadcast laws, as well as internet regulations, and we are using our online platform to gather information on these proposals and on organizations that participate in this debate (see here: http://www.globalmediapolicy.net/topic/1110). We hope to develop more collaborations with researchers and practitioners to create sections on particular topics or regions. Obviously we cannot map the whole “sea” of global media policy, but we can create a growing number of “islands” (such as the one on the Arab Spring which I just mentioned). We are always happy for people to contact us, propose an “island” and work with us on creating it. What are the main differences between Latin American countries and other contexts like USA, Canada and Europe in relation to establish democratic principles for communication policies? Which kind of common or particular aspects did you analyze in your recent research? Many Latin American countries have a historical background of authoritarian governments and of alliances between political and business elites. Broadcast licences, for example, have often been given to political allies and business friends, and large media corporations have played a dominant role. There has been very little space for civil society groups, normal citizens and marginalized parts of the population to have a voice in the media. This has changed with the recent political transformations and the election of new governments in many countries. New media laws in Argentina and Uruguay reserve at least one third of the broadcast spectrum for community radio and open up the policy process to the participation of civil society. These new laws can be important models for media policy change in other parts of the world. Researchers and policy advocates like me are looking at Latin America with great interest. In Canada and in parts of Europe, community radio was legalized a long time ago, but the new laws in Argentina, Uruguay and elsewhere provide a great inspiration for expanding and strengthening it. In North America, the dominant role of commercial media has been criticized for a long time, and so it will be interesting to see whether their dominance can be reduced in Latin America. Not all the recent signs are positive, for example the recent sacking of Gustavo Gomez, the National Director of Telecommunication in Uruguay. I hope the process towards democratizing communication will continue nevertheless. Which kind of social actors / movements are leading the most significative efforts to change communication policies in an international level? How the engagement of community communication initiatives and other traditional social movements can be significative in this process? Communication policy is interesting because it has rarely been exclusively state-based. Already a


hundred years ago, businesses and technological experts participated heavily in policy-making, often by setting technical standards. They continue to play a key role, for example in Internet policy. I am particularly interested in how civil society initiatives have been at the core of recent policy changes. In Latin America, the World Association of Community Broadcasters (AMARC) has developed blueprints for new media laws, the Argentine “Coalition for Democratic Broadcasting� created a set of points that became the backbone of the new law, and in that way civil society groups have not only advocated for but have actually created new policy. New supportive community media laws in the US, the UK, India, Nigeria, and many other countries, have been achieved through civil society campaigning. The Icelandic Modern Media Initiative (IMMI) has proposed a set of new laws to make Iceland a save haven for freedom of expression and investigative journalism. Large campaigns in European countries have stopped electronic surveillance policies. International connections have been very important for all these initiatives. For example, IMMI has collected a package of best legal practices from other countries and wants to implement those laws in Iceland. Latin American initiatives, too, have been looking at legal practices elsewhere and at the proposals by international institutions. What is probably less developed are the connections between initiatives that deal with different types of media issues. Groups that deal with online surveillance rarely talk with groups that deal with community radio, in fact they rarely know about each other. It would be useful to overcome these divides and have more exchange because, at the end of the day, all these initiatives deal with the democratization of communication and with unimpeded access to information and infrastructure.


Geografias e economia política da comunicação: diálogos de fronteira1 Sonia Aguiar2 Universidade Federal de Sergipe - UFS Resumo: Este artigo busca estabelecer um diálogo teórico entre a Economia Política da Comunicação e o novato subcampo interdisciplinar denominado “geografias da comunicação”, que vem investigando as formas de organização espacial da mídia e a influência das noções geográficas de espaço, território, lugar e região nas construções discursivas e práticas da comunicação midiatizada. As reflexões têm como suporte empírico duas iniciativas de articulação regional de empresas jornalísticas: uma intracontinental - o Grupo de Diários América (GDA); outra intranacional - o Pool de Jornais do Nordeste. Palavras-chave: geografias da comunicação; grupos de mídia; estratégias regionais; Abstract: This paper aims at promote a theoretical dialogue between Political Economy of Communication and the novice interdisciplinary knowledge field named “geographies of media and communication”. This one has been focused on spatial arrangements of media organizations and on the influence of geographical notions such as space, place and region on media discourses and practices. Ideas from both support an empirical analysis of two regional alliances of newspapers corporations: one of them in South America and Caribbean (GDA - Grupo de Diarios América), and another from the Brazilian Northeast (Pool de Jornais do Nordeste). Key words: geographies of media and communication; media groups; regional strategies; Resumen: Este texto articula un diálogo teórico entre la Economía Política de la Comunicación y el novato subcampo interdisciplinar llamado “geografías de la comunicación”, que investiga las formas de organización espacial de los medios y la influencia de los conceptos geográficos de espacio, territorio, lugar y región en las prácticas comunicativas. Las reflexiones desarrolladas son empíricamente suportadas por dos experiencias de articulación regional de empresas periodísticas: Grupo de Diarios América (GDA) y Pool de Jornais do Nordeste (de Brasil). Palabras-clave: geografías de la comunicación; grupos de comunicación y prensa; estrategias regionales; Introdução

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Versão revisada e atualizada de artigo originalmente apresentado no III Encontro ULEPICC-BR, realizado na Universidade Federal de Sergipe (UFS), em outubro de 2010. Parte das análises conceituais apresentadas tem origem no projeto de pesquisa “Geografias da Comunicação Ambiental no Brasil”, desenvolvido com recursos da Capes e do CNPQ (editais CHSSA e Universal 2010). 2 Dra. em Comunicação/Ciência da Informação, professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Sergipe (UFS), coordenadora do Laboratório Interdisciplinar de Comunicação Ambiental (LICA) e pesquisadora do grupo de pesquisa Geografias da Comunicação (Geocom) – email: saguiar.ufs@uol.com.br. 1


“Representações do espaço”, “produção do espaço” e “espacialização” são termos introduzidos na teoria social por Henri Lefebvre em meados dos anos 1970, que têm referenciado diferentes análises sobre as relações de comunicação e arranjos de poder das organizações de mídia, no contexto da globalização e da expansão das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDICs). Vincent Mosco (2009) observa que, embora referenciais de espacialização apareçam na obra de diferentes economistas, desde Adam Smith e David Ricardo, passando por Karl Marx, o interesse de cientistas sociais e economistas políticos por essa abordagem vem crescendo especialmente nas últimas duas décadas. Expressões como “compressão do tempo-espaço” (David Harvey), “espaços de fluxos” (Manuel Castells), “distanciamento espaço-temporal” (Anthony Giddens), entre outras, são citadas por Mosco como indicadores dessa tendência. Nos estudos de mídia, essa “virada espacial” (JANSSON, 2005) vem configurando um novo subcampo denominado “geografia(s) da comunicação”, que se dedica a investigar tanto a forma como a comunicação produz espaço, quanto como o espaço produz comunicação. Embora a maior parte da bibliografia gerada nessa fronteira disciplinar dedique-se às controvérsias espaço-temporais geradas pelas TDICs, a aproximação dessas disciplinas permite também uma abordagem geográfica e institucional das organizações de mídia, que Mosco identifica como uma das linhas de pesquisa da Economia Política da Comunicação (EPC). Estudos sobre diferentes formas de concentração corporativa e os caminhos que os grupos de mídia utilizam para fortalecer suas posições de mercado e influência política ajudam a compreender como as relações de poder funcionam na indústria da comunicação e por que tal concentração traz consequências socioculturais significativas (MOSCO, 2009, p.158). Este artigo visa discutir como conceitos fundadores da Geografia, como espacialidade, território, região, lugar e escala, podem ser ferramentas analíticas de grande valia para compreender essas relações de poder da mídia e seu “transbordamento” para as relações político-econômicas e culturais das sociedades. Como referencial empírico, o artigo analisa duas iniciativas de associação regional de empresas jornalísticas que visam fortalecer as posições de “segmentos conservadores das elites locais” (AGUIAR, P., 2008), em duas escalas diferentes: uma intracontinental – o Grupo de Diários América (GDA); outra intranacional – o Pool de Jornais do Nordeste. A primeira, que reúne os grupos de mídia com maior poder econômico e influência política na América Latina, enquadra-se na categoria de “aliança estratégica” de que fala Mosco (2009). A segunda foi uma associação temporária das empresas detentoras dos diários de maior 2


circulação e poder político no chamado Nordeste Setentrional do Brasil, que se aproxima do que René Dreifuss (1986) identificava como táticas das elites orgânicas destinadas a perpetuar seus privilégios ou conquistar novas posições. Em comum, os dois projetos caracterizam uma forma pouco estudada de concentração de mídia que não envolve alteração de propriedade ou de estrutura gerencial das empresas associadas. Ambos apresentam um discurso de articulação de interesses locais sob uma identidade regional, mas afinado com as estratégias neoliberais do capitalismo globalizado, o que permite abordá-los como estratégias e táticas de caráter geopolítico, no sentido da disputa por hegemonia referenciada por um território3. A escolha para este estudo de dois grupos que concentram seus negócios em mídia impressa e online é significativa também porque, como lembra Salovaara-Moring (2004, p.2), foi a escrita que tornou possível alargar os limites de comunicação entre pessoas de diferentes culturas e países. Espacialidades e espacializações da comunicação “Espacialidades da Comunicação” é a expressão que abrange todos os referenciais, formas e processos espaciais que afetam as interações humanas e que orientam a produção, a distribuição, a recepção e o consumo de conteúdos, formatos, meios e tecnologias de informação e comunicação. Abrange, também, a produção discursiva das noções de espaço, lugar, localidades, região, território e territorialidade, indissociáveis da cultura e da política (AGUIAR e BARBOSA, 2010).

Do ponto de vista das macroestratégias contemporâneas de comunicação, pensadas a partir das concepções de David Harvey sobre os “espaços do capital” e os “espaços de esperança” (2001, 2006), as espacialidades da comunicação são indissociáveis da dinâmica geográfica da expansão capitalista e do processo de globalização. Nesse contexto, remetem à persistente assimetria entre produção e consumo de bens simbólicos, regida por colonialidades que se reproduzem em escalas, do global ao local; à organização geopolítica dos conglomerados transnacionais de mídia e serviços diversificados de informação, comunicação e entretenimento (DIZARD, 2000); aos espaços de fluxos que organizam as práticas sociais na “sociedade em rede” (CASTELLS, 2003); e às táticas dispersas de

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“(...) a geopolítica, surgida no início do século XX, tem como preocupação fundamental a questão da correlação de forças – antes vista como militar, mas hoje como econômico-tecnológica, cultural e social – no âmbito territorial, com ênfase no espaço mundial” (WACKERMANN, 1997, apud VESENTINI, 2009, p.10). 3


contra-informação e contrafluxos midiáticos (AGUIAR e BARBOSA, 2010; AGUIAR, S., 2010). A lógica dessas macroestratégias leva à concentração da produção e distribuição de conteúdos nas grandes metrópoles, em contrapartida a um crescente processo de regionalização midiática, que inclui formas de ocupação do ciberespaço por meio de portais regionais, redes comunitárias, cidades digitais, guias urbanos etc, nos quais a apropriação da tecnologia se dá via articulação local-global. Trata-se, portanto, de um contexto repleto de “ambiguidades espaciais” (JANSSON, 2005) ou, no dizer de Milton Santos (2008), de múltiplas relações espaço-temporais que caracterizam a “aceleração contemporânea”, na qual convivem temporalidades hegemônicas e não-hegemônicas em um espaço cada vez mais diversificado e heterogêneo. Ainda seguindo Santos (2008, p.29-51), a noção de espaço vem sendo requalificada para comportar tanto uma ideia de totalidade – “uma noção concreta de espaço-mundo e de tempo-mundo”, que se contrapõe à ideia de tempo e espaço vazios de Anthony Giddens – quanto as “frações de território”, onde se situam o “espaço banal”, que referencia o sentido comum de estar no mundo; os “espaços de racionalidade”, por onde transitam os fluxos do mercado; e os “espaços da globalização”, teatro de fluxos desiguais e irregulares, de horizontalidades e verticalidades. “O espaço se globaliza, mas não é mundial como um todo, senão como metáfora.” Por isso, as noções de lugar e de local não se “desterritorializam” pelas comunicações cibernéticas, como se quer fazer crer. “É pelo lugar que revemos o Mundo e ajustamos nossa interpretação”. O lugar, para Salovaara-Moring (2004, p.42-43), expressa o modo como uma comunidade ou grupo de pessoas espacialmente conectadas fazem a mediação das demandas de identidade cultural, do poder de Estado e da acumulação de capital. No vocabulário da geografia humana, geralmente conota uma posição em relação à qual são associados sentimentos de pertencimento, segurança, desejo, medo ou rejeição. Lugares são processos nos quais o espaço ganha sentido através de narrativas pessoais vividas e historicamente enraizadas. Jornais diários locais e regionais são organizações que tendem a fortalecer o sentido de lugar como referencial da sua atividade econômica, desmentindo o primado do mercado como um espaço obrigatoriamente global. Lugar e mercado representam aí um espaço socialmente construído, que envolve transações de capital, produtos

e

um

sistema

de

comercialização

que

articulam

microrrealidades

e

macroconstrangimentos. 4


Geografias da comunicação e da mídia

A aproximação recíproca entre Comunicação e Geografia vem sendo registrada desde a segunda metade do século XX, a partir da utilização de metáforas espaciais e geográficas em interpretações de processos comunicativos e midiáticos. Mas, como conceito, o termo “espaço” esbarra nas sutilezas semânticas de diferentes idiomas e em expressões de conotação espacial não-relacionadas a uma materialidade física, como espaço social, espaço mental, espaço discursivo ou ciberespaço. Essa polissemia explicaria, em parte, a variedade de interpretações da categoria “espaço”. David Harvey (1973 apud SALOVAARA-MORING, 2004, p.35-36), por exemplo, divide o espaço em absoluto (correspondente às localizações geográficas concretas), relativo (indicador de relações valorativas e hierárquicas como “centro” e “periferia”) e relacional (os vários sentidos agregados a diferentes territórios e lugares, e como afetam o modo como o espaço é considerado e valorado). Esta ideia de espaço relacional é importante para a construção de identidades geograficamente delimitadas, como a de jornais locais e regionais. De acordo com André Jansson (2005), o vínculo entre Geografia e Comunicação apoia-se no fato de que todas as formas de representação ocorrem em um espaço, e todos os espaços são produzidos através de representações, o que o leva a considerar que as teorias sobre a produção do espaço devam ser entendidas, “até certo ponto”, como teorias de comunicação/mediação. Jansson fez uma criteriosa revisão analítica das obras que considera chaves para a fundamentação epistemológica da relação entre espaço e comunicação, a maioria das quais compartilhada por Paul Adams, em sua introdução crítica às Geographies of media and communication (2009)4. De acordo com esses dois autores, o debate sobre a globalização e a ruptura dos referenciais de tempo e espaço invade os estudos de mídia a partir de meados da década de 1990, através de trabalhos como o de Ulf Hannerz sobre as conexões transnacionais (1996); da “sociedade em rede” de Castells (1996/2000); das ligações entre globalização e cultura por John Tomlinson (1999); e do lugar do poder da mídia analisado por Nick Couldry (2000). Desde então a distância entre antropólogos, sociólogos, geógrafos e pesquisadores da comunicação interessados nos referenciais espaciais das práticas midiáticas vem encurtando, segundo Jansson, como demonstrariam as antologias Media Worlds (Ginsburg e outros, 2002) e Media Space (Couldry and McCarthy, 2004). Esta última é apresentada 4

Jansson utiliza “geografia” no singular, enquanto Adams e Salovaara-Moring preferem o termo no plural. 5


como “a até então mais promissora tentativa de definir os contornos de uma teoria espacial da comunicação”, com a meta explícita de integrar estudos de mídia e geografia. Concentração e globalização corporativas

Mosco (2009) faz uma ampla revisão crítica da aplicação do conceito de espacialização na EPC a partir da ideia de “aniquilamento do espaço pelo tempo”, desenvolvida por Marx nos Grundrisse. “Esta se refere ao crescente poder do capitalismo para usar e aperfeiçoar os meios de transporte e de comunicação visando encolher o tempo gasto em transitar bens, pessoas e mensagens através do espaço, minimizando assim a significação da distância espacial como um constrangimento à expansão do capital” (idem, p.157). Segundo esse autor, a espacialização tem sido abordada, sobretudo, nas pesquisas que tratam da extensão geográfica e institucional do poder corporativo das organizações de mídia (ou da indústria da comunicação), com ênfase às diferentes formas de concentração empresarial nesse ramo de atividades. Com base em estudos empíricos de diversos autores, Mosco aponta a existência de três modelos principais de concentração: o horizontal, o vertical e o transnacional. O primeiro, também denominado transmídia (cross-media, em inglês), é o mais trivial, caracterizado pela aquisição de uma ou mais empresas de mídia por outra de geração mais recente, como no caso da Twentieth Century Fox Film e do site de relacionamentos MySpace pela News Corporation, de Rupert Murdoch. Ou pela incorporação de outros negócios extra-mídia para incrementar suas atividades de informação e comunicação, como a Google Inc. vem fazendo desde a sua criação, em 1998. Já a integração vertical corresponde à concentração de empresas dentro de uma mesma área de negócios, de modo a estender o controle da corporação sobre toda uma linha de produção. A aquisição da CNN, por exemplo, permitiu à Time-Warner ampliar sua rede de distribuição de produtos audiovisuais, assim como a incorporação da ESPN dinamizou a programação de esportes das emissoras de rádio e TV do grupo ABC. A terceira forma de concentração, que vem atraindo a atenção de muitos pesquisadores da comunicação, é a dos negócios transnacionais. Esta tendência tem se ampliado nas décadas recentes à medida que as empresas de comunicação buscam novos mercados para seus produtos, mão-de-obra barata e áreas com o mínimo de regulação e fiscalização governamental. As indústrias de mídia têm sido particularmente importantes para os processos de transnacionalização em geral, porque a mídia, diretamente através da publicidade, mas indiretamente por todas as formas 6


de veiculação, chama a atenção para produtos em geral, além daqueles à venda através de cada meio específico (MOSCO, 2009, p.161).

Além disso, as TDICs têm facilitado e barateado as operações transfronteiras das empresas, embora sua identidade institucional continue associada a determinado território. “Contudo, elas estão cada vez mais aptas a utilizar as genuínas dimensões multinacionais de seus produtos, marketing, mão-de-obra e financiamento para transgredir os constrangimentos legais, regulatórios, culturais e financeiros de suas bases originais” (idem). Exemplos típicos de conglomerados transnacionais são Time-Warner, News Corporation, Disney, Sony, Google, Microsoft e Viacom, que garantem o controle vertical de toda a sua cadeia de produção, distribuição e exibição, atuando também horizontalmente em uma gama de produtos midiáticos segmentados, o que lhes permite alcançar uma enorme concentração de poder econômico. Mosco ressalta que todas essas vertentes tendem a considerar a propriedade como medida primordial do grau de concentração empresarial no campo da comunicação, e sugere uma abordagem mais ampla, que leve em conta também as fatias de mercado e a diversidade de conteúdos fornecidos pelos múltiplos canais de cada grupo de mídia. Para ele, “uma empresa de TV a cabo que detenha monopólio de propriedade em um mercado, mas que repercuta uma ampla variedade de vozes em seus vários canais, representa menos concentração do que um mercado com vários jornais que, apesar de terem diferentes proprietários, ofereçam essencialmente o mesmo ponto de vista” (idem, p.162). Nesse enfoque, merecem análise outras formas de atuação interinstitucional, como parcerias corporativas ou alianças estratégicas e táticas para projetos específicos, que vão do compartilhamento de recursos e mão-de-obra (“sinergia”) em tarefas pontuais a coproduções, sem que impliquem alterações na propriedade, mudanças societárias ou investimentos de uma empresa em outra. Estas práticas não são novas entre as corporações, incluindo as empresas de mídia, mas têm se tornado mais comuns nos últimos anos. Em parte porque o processo de espacialização permite às companhias reestruturarem operações internas e suas relações externas por um período específico de tempo correspondente à duração de um projeto, sem incorrer em rupturas organizacionais que antigamente impediam esse tipo de arranjo. Independentemente de se o projeto é bem sucedido ou não, as empresas podem retomar seus principais negócios. Além disso, podem cooperar e competir ao mesmo tempo (MOSCO, 2009, p. 165 - grifo meu).

Mosco lembra que há muitas motivações para alianças desse tipo, como ações de lobby junto a governos e apoio institucional contra supostas competições desleais ou em 7


defesa da propriedade intelectual. Essa onda de novos padrões de aglomeração espacial ocorre em diferentes dimensões e graus de formalidade, e cada vez mais atravessa fronteiras, em parte devido à “significativa alteração no papel do Estado” em relação aos processos de mudança estrutural nas indústrias das comunicações. Alianças estratégicas que costumavam ser resultado de esforços governamentais agora derivam de políticas corporativas visando à expansão em novas áreas, com parceiros dispostos a compartilhar competências e riscos. A inclusão, nesses modelos de interligações corporativas, de formas que não implicam mudanças societárias sugere a necessidade de se rever as pesquisas sobre os tradicionais padrões de concentração (cf. MOSCO, 2009, p. 168-169). Para Mosco, apesar dos crescentes recursos virtuais interconectados globalmente, “formas de concentração baseadas em densas redes de conexões entre produtores, fornecedores e consumidores” também podem levar à criação de novas redes de poder hierárquicas e hierarquias de controle “em rede” (idem, p.179). Do ponto de vista da Economia Política, aglomerados espaciais remetem às disparidades locais e regionais, em termos de acumulação de riquezas e poder, análogas às desigualdades entre classes sociais. “Mas o mito da globalização camufla essas realidades desagradáveis sob visões utópicas de um mundo plano, uma sociedade em rede, e, o mais utópico de tudo, o fim da geografia” (MOSCO, 2004, apud MOSCO, 2009, p.179). Da perspectiva da economia política, globalização se refere à acumulação espacial de capital, guiada pelos negócios transnacionais e pelo Estado, que transforma os espaços através dos quais fluem os recursos e as mercadorias, incluindo a comunicação e a informação. O resultado é uma transformação literal na geografia da comunicação e da informação, que dá ênfase a certos espaços e às relações entre eles (idem).

É o caso, por exemplo, do “Vale do Silício”, na Califórnia (EUA), que concentra as principais empresas e centros de pesquisa das tecnologias de ponta em informática, telecomunicações e sistemas digitais. Ou das “cidades internacionais” (Santos, 2008, p.31) que configuram os grandes mercados fornecedores e consumidores de produtos e serviços. No Brasil, São Paulo concentra as empresas de tecnologias da informação (TI), as redes de TV, editoras de revistas e diretorias para a América Latina de corporações de telefonia, audiovisual e indústria do entretenimento. Situações concretas como essas desmentem (ou no mínimo relativizam) as ideias de “desterritorialização” e “a-espacialidade” que as TDICs teriam inaugurado. O que alimenta os mitos da globalização e do fim da geografia, segundo Mosco, “é a expansão real da habilidade das pessoas e organizações com poder para comandar os recursos político-econômicos a fim de fazer uso cada vez maior do tempo e do espaço como 8


recursos, alterando o espaço de fluxos em seu próprio benefício”. Dessa forma, “a economia política do capitalismo constitui o processo de rezoneamento dos espaços, em parte por meio da estratificação e concentração de poder que atravessa as fronteiras de classe, raça e gênero” (MOSCO, 2009, p.179-180). “Esses espaços não são inclusivos, abertos e participativos, mas segmentados, exclusivos, centralizados e hierárquicos. Sociedade em rede é um constructo ideológico que obscurece as relações capitalistas e as desigualdades estruturais que conformam a sociedade contemporânea” (FUCHS, 2007, apud MOSCO, 2009, p. 180).

Geopolíticas regionais O estudos estratégicos e/ou geopolíticos “avaliam os diversos atores e as inúmeras facetas das relações de poder na sua dimensão espacial”, o que implica uma abordagem interdisciplinar sob os diversos prismas fornecidos pela geografia, pela ciência política e pela estratégia militar (VESENTINI, 2009, p.9-11). Nesse campo, verifica-se um interesse crescente pela “geopolítica das informações e das comunicações”, que começou a ser observada analiticamente a partir da expansão internacional das redes de televisão (abertas e por assinatura), em especial após a visibilidade obtida pela CNN na “guerra do Golfo”, em 1991, com o uso combinado de tecnologias móveis e transmissão por satélite. A veiculação quase instantânea das imagens de conflitos em diferentes partes do mundo estaria afetando a política internacional e as estratégias militares. (...) existiria até mesmo uma ‘guerra de informações', que seria mais um aspecto ou front na competição militar, e que consistiria não apenas na tentativa de ganhar a disputa na mídia, mas também – e principalmente – minar os circuitos de informações do adversário. Afinal, as comunicações – a informação, o seu teor e a sua velocidade – não somente influenciam a opinião pública e a política das sociedades avançadas. Elas também são um poderoso instrumento da estratégia militar (VESENTINI, 2009, p.92).

René Dreifuss (1986) utilizou os conceitos militares de estratégia e tática para analisar a ação política dos interesses dominantes, seus agentes e sua emergência histórica, em especial na América Latina, bem como as tarefas e atividades específicas por estes realizadas, nas quais as intervenções no debate público através da mídia são cruciais. Classes e grupos fazem uso, de acordo com suas possibilidades, de todos os recursos considerados eficientes a seu alcance, sejam eles a violência física e material, a riqueza monetária e humana, a quantidade multiplicada pela organização, o aproveitamento dos espaços ideológicos. Tanto podem ser discursos e panfletos, dinheiro, artigos de imprensa ou imagens 9


de televisão, passeatas e corrupção, quanto pressões individuais, interferência nas instituições, cassetetes policiais ou mobilizações militares. Essas armas de combate, no sentido mais amplo da imagem, empregadas aberta ou veladamente, combinadas ou isoladamente, no conflito de classes, costumam ser usadas no contexto de um esforço mais ou menos deliberado, que comporta planejamento e um plano de ação como parte de uma visão estratégica (DREIFUSS, 1986, p. 23 - grifo meu).

Considerando-se sua origem militar, a noção de estratégia aplicada à política e aos negócios implica a conquista de territórios que são ao mesmo tempo físicos e simbólicos, como uma base eleitoral e “nichos de mercado”. Já os “inimigos” a serem enfraquecidos, afastados do teatro de operações ou simplesmente aniquilados correspondem aos adversários políticos e aos concorrentes em dado mercado. Nesse contexto, as noções de estratégia e tática referem-se à “capacidade de certos agentes coletivos de visualizar objetivos globais e de operacionalizar suas metas, face à resistência de forças sociais e políticas adversas” (idem). Enquanto a estratégia diz respeito ao planejamento dos objetivos de largo alcance e/ou longo prazo, e dos modos e meios para alcançá-los, as ações táticas correspondem ao emprego direto e imediato de todos os recursos possíveis e às operações interligadas em sequência para alcançar o fim planejado. Táticas são dependentes de conjunturas, da cultura organizacional e dos recursos humanos e materiais passíveis de serem mobilizados em dado período. Estão, por isso, sujeitas a vulnerabilidades e ao senso de oportunidade, que determinam a escolha de ações de caráter ofensivo, defensivo ou defensivo-ofensivo. Um exemplo de tática ofensiva no contexto da imprensa brasileira foi a criação, no ano 2000, do diário Valor Econômico a partir da associação paritária das Organizações Globo com o Grupo Folha, cada qual com atuação forte em uma região metropolitana (Rio de Janeiro e São Paulo, respectivamente) e parcialmente concorrentes no território nacional. A ofensiva foi feita sobre o “território” das informações econômicas, até então confortavelmente explorado pela Gazeta Mercantil, que foi pega de surpresa e acabou sucumbindo ao “ataque”. Já o jornal Extra surgiu de uma ação defensivo-ofensiva da Infoglobo (divisão de jornais do grupo de Roberto Marinho) contra o progressivo avanço d’O Dia no público classificado pelos publicitários como “classe B menos”, que na época compunha a base da pirâmide de leitores d’O Globo. Esses exemplos demonstram a vinculação direta entre ação estratégica e disputa por hegemonia, conceito que para Mosco (2009, p.206) é mais valioso que o de ideologia: Ideologia se refere, tipicamente, à deliberada distorção ou subrepresentação da realidade social visando alcançar interesses específicos ou manter hierarquias de poder. Por outro lado, valores 10


denotam as normas sociais compartilhadas que conectam a ampla gama de pessoas e estratos desigualmente situados na sociedade. A hegemonia se distingue de ambos por ser a formação contínua tanto da imagem quanto da informação para produzir um mapa do senso comum que seja persuasivo o bastante para a maior parte das pessoas a ponto de fornecer as coordenadas sociais e culturais que definem a atitude "natural" da vida social (idem).

Construções do espaço regional Tradicionalmente, o termo “região” refere-se a uma divisão interna de uma nação ou de um continente. Mas o resgate historiográfico do conceito em diferentes épocas, correntes e escolas de pensamento feito por Bezzi (2004) revela as variadas abordagens e controvérsias com que foi tratado; suas fases de interesse e desinteresse, ênfase e negação. Milton Santos (1978, 1994, apud Bezzi, 2004) chegou a afirmar que “a região não existe por si mesma”, por estar submetida aos determinantes econômicos e políticos gerados pela expansão capitalista. A utilização do conceito de região por não-geógrafos foi detectada nos anos 1970, em função do interesse pela condição espacial da sociedade. Como alternativa à concepção rígida e não consensual de região surge a noção de “recortes regionais”, que vem sendo discutida pelas denominadas geografia crítica, geografia humanística e geografia cultural, estudadas por Bezzi (2004). A primeira, de referencial marxista, interessa-se pela análise dos modos de produção e das formações socioeconômicas como base para melhor entendimento das regiões, considerando os atores do Estado e do capital como importantes agentes da organização espacial e da estruturação dos recortes (idem, p. 180-181). Já a corrente humanística-cultural concebe a região como um espaço vivido e procura analisar de que modo os fatores culturais e as percepções individuais interferem nas ações de organização e elaboração do espaço geográfico. Aproxima-se, assim, das concepções tradicionais alicerçadas na paisagem e no estilo de vida, retomando questões como “consciência regional”, “mentalidades regionais” e “pertencimento” (BEZZI, 2004, p.206). As demarcações territoriais e a construção de identidades regionais são processos que sempre envolvem escalas. Embora o Estado tenha o poder de organizar, rearranjar ou desorganizar os recortes regionais de acordo com a ótica do capital, do poder e das pressões da sociedade, a “região não é apenas um instrumento ideológico manipulado pelo Estado”; ela “tem hoje um novo significado político como sociedade territorialmente organizada”, na visão de Becker (1986, apud BEZZI, 2004, p. 228). 11


Salovaara-Moring entrelaça os conceitos de espaço, lugar, mercado e região para discutir as singularidades da imprensa regional em um contexto político, econômico e epistemológico em que a globalização da mídia é apresentada como inexorável. Essa abordagem espacial/regional da comunicação midiática rejeita a perspectiva universalista da sociedade como um sistema único, propondo observá-la como sendo “formada por espaçostempo específicos em lugares e comunidades interpretativas específicas, mantidas discursivamente” (2004, p.31). As regiões são vistas, assim, como construções relacionais abertas e descontínuas no espaço e no tempo. Para esta autora, os discursos sobre a identidade regional impõem certas classificações sobre as pessoas que as levam a se reconhecer como pertencentes a esse espaço. Alguns desses discursos são considerados mais “naturais” que outros (como a imagem de aridez do Nordeste brasileiro e a de opulência da Amazônia), e a maneira de descrever a “realidade” regional pode variar de tempos em tempos, sob influência dos discursos da política regional vigente (cf. SalovaaraMoring, 2004, p.39). Aliança estratégica na América Latina O GDA – Grupo de Diários América é um projeto de hegemonia transnacional das elites latino-americanas, instituído em 1991 pelos grupos de mídia mais influentes na região: O Globo (Brasil), La Nación (Argentina), El Mercurio (Chile), El País (Uruguai), El Tiempo (Colômbia), El Nacional (Venezuela), El Comercio (Equador), El Comercio (Peru), El Universal (México), El Nuevo Día (Porto Rico) e La Nación (Costa Rica). O poder que esses 11 veículos exercem não pode ser atribuído unicamente à sua “solidez” empresarial e credibilidade jornalística, mas sobretudo ao papel político que exercem na condição de representantes de conglomerados de mídia: “o de conferir organicidade ao discurso conservador de certas camadas das burguesias latino-americanas” (AGUIAR, P., 2008). Do ponto de vista estratégico, o projeto foi lançado como ofensiva-defensiva à expansão das corporações transnacionais de mídia no hemisfério Sul. Porém, mais recentemente, tem empregado parte do seu esforço tático em ofensivas contra a reestruturação da mídia em países governados por lideranças à esquerda do espectro político, em especial Venezuela e Argentina, e a configuração de um novo modelo de comunicação pública em rede (ver MORAES, 2009).

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A missão do GDA é ser uma "grande rede" de interação e confiança para fazer da América Latina um continente cada dia mais próspero, mais informado e mais humano. O grupo promove ainda um intercâmbio de conteúdos, melhores práticas de gestão e desenvolvimento de novos negócios entre os jornais associados. A experiência latino-americana do GDA é semelhante à de outra associação de diários, a International News Alliance, da qual participam jornalistas da Europa e da Ásia, entre eles os do espanhol "El País" e do inglês (sic) "International Herald Tribune" (O 6 Globo, 20/03/2010) .

O referencial espacial identitário do GDA aparece na expressão “panregional”, com a qual se apresenta em seu media kit7, encarregando-se de, “estrategicamente [grifo meu], buscar alcançar as audiências chaves da América Latina”, das quais se considera um “profundo” conhecedor. Essa capacidade é apontada como o que permite a cada um dos 11 parceiros ocupar “posição de liderança em seus respectivos países”. As empresas associadas são apresentadas como “robustos jornais com mais de 100 anos de experiência” (embora apenas cinco tenham alcançado tal longevidade), e produtores de 150 publicações segmentadas, com “significativa fidelidade e homogeneidade” de público. O perfil dessa audiência é formado por leitores “instruídos, com alto poder de compra” (42% de renda média-alta e 38%, média) e influência na tomada de decisões. O interesse estratégico aparece também na apresentação dos produtos editoriais, que “desempenham um papel muito importante de informar e influenciar a opinião pública de cada um dos países em que são distribuídos” (grifos meus). O GDA oferece ainda ao mercado regional “soluções midiáticas por meios impressos, digitais e plataformas móveis”, além de um suposto “potencial de 500 milhões de pessoas”.

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Reitera-se aqui a observação feita por Pedro Aguiar (2008) a respeito dessa concepção de rede, que corresponde a “um sistema fechado de pontos interligados a um mesmo polo centralizador”, como é comum no meio corporativo, e não ao sentido de interconexões descentralizadas e nãohierárquicas das interações sociais. O GDA, de fato, “não opera tecnologicamente ou gerencialmente em forma de ‘rede’ propriamente dita” (idem). Pode ser visto como um modelo de “rede hierárquica de poder”, de que fala Mosco (2009). 6 Publicado por O Globo em 20/03/2010, como um dos links do especial “Caminhos da América”, editado para o GDA (ver em http://oglobo.globo.com/rio/caminhosdaamerica/). O único comentário feito ao texto (em 21/03/2010) sinaliza o papel ideológico do grupo: “O GDA não é só importante, como imprescindível a todos nós que vivemos, principalmente nesse chamado ‘cone sul das Américas’. A sua atuação tem sido digna e deve merecer o nosso aplauso, a fim de que saibamos o que está acontecendo em nosso território, e com os nossos vizinhos. Além disso, é o sustentáculo da democracia e da livre expressão, coibindo a atuação dos desafetos da liberdade de imprensa, no Brasil e no restante da América do Sul. É um pilar forte da democracia.” Ver em: http://oglobo.globo.com/rio/mat/2010/03/19/a-atuacao-do-grupo-de-diarios-america-916122619.asp 7 Disponível em: http://www.gda.com/ 13


Do alto da sua “trajetória estável e desempenho sólido”, o grupo assume, enfim, o papel de conduzir a América Latina pelo “caminho certo” e, em tom de plataforma política, promete “zelar pela liberdade e independência expressa na linha editorial e manter a liderança e a credibilidade entre os leitores”. Esse papel é reforçado pela disponibilidade de uma elite de quase três mil “jornalistas experientes” que contribuem para “fortalecer o intercâmbio de conteúdos jornalísticos e editoriais, consolidando o GDA como a melhor fonte de informação sobre a América Latina” (grifo meu). A importância da referência a esses profissionais não é apenas pelo efeito de grandeza. O projeto não seria viável sem adesão de editores e repórteres especiais com competência para produzir conteúdo diferenciado da cobertura diária em seus países, sob uma perspectiva transnacional. De certa forma, esses profissionais equivalem aos “intelectuais orgânicos” do bloco de poder representado pelo GDA (em uma aproximação com o conceito de Gramsci). As edições “especiais” por eles produzidas de forma colaborativa fornecem claros indicadores do esforço de manutenção da hegemonia regional a que os veículos estão associados. No primeiro semestre de 2010, três delas foram destaque na página inicial do site do GDA. A primeira, produzida pelo colombiano El Tiempo, sob o título El tablero político se mueve en la región, analisa a conjuntura política dos 11 países associados, mais Bolívia e Paraguai8. A segunda, denominada Caminhos da América, foi editada por O Globo como série de reportagens e “trata de quatro temas relevantes para os moradores das grandes cidades da América Latina e do Caribe: transportes públicos, habitação, meio ambiente e segurança”9. E Agua en Latinoamérica10, também coordenada por El Tiempo, à época da conferência de Copenhague sobre mudanças climáticas (2009), propôs uma radiografia sobre as ameaças e desafios que a região tem pela frente em relação aos recursos hídricos.11 Em conjunto, esses especiais dão visibilidade regional a contextos políticos e realidades socioeconômicas que antes ficavam confinados em seus respectivos países. Nesse contexto, O Globo demonstrou estar mais afinado com a perspectiva regional do que seus parceiros. Designou para o “mapa político” sua repórter especial de política externa, que produziu a única análise focada nas relações diplomáticas na região. Os demais 8

Disponível em: http://e.eltiempo.com/media/produccion/mandatarios/index.html Disponível em: http://oglobo.globo.com/rio/caminhosdaamerica/ 10 Disponível em: http://e.eltiempo.com/media/produccion/especialAgua/index.html 11 Em fevereiro de 2011, uma equipe de 19 profissionais coordenados a partir do jornal El Comercio, do Peru, produziu o especial “Brasil: El gigante de América Latina”, que não foi possível analisar dentro do escopo deste artigo (ver em: http://a.elcomercio.pe/infografia/brasil/index.html) 9

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veículos concentraram-se nas conjunturas locais de seus respectivos processos eleitorais, embora mencionem a influência do “chavismo” e do “socialismo do século XXI” no continente, em relação aos quais o então presidente Lula aparece como uma espécie de fiel da balança. O perfil conservador da maior parte dos jornalistas que participaram deste especial fica evidente nas análises da política interna dos seus países, que apontam como paradigma de “boa governança” o receituário neoliberal. Já no “Caminhos”, o jornal carioca destacou uma equipe de cinco jornalistas que, apesar de terem o Rio de Janeiro como “ponto de partida”, produziram reportagens comparativas com outras cinco metrópoles latino-americanas (Cidade do México, San José, Bogotá, Buenos Aires e Santiago), a partir das contribuições recebidas dos veículos associados. Neste especial, as ideias de “espaço relativo” e “espaço relacional” propostas por Harvey ganham sentido. O contexto carioca é o referencial em torno do qual os demais espaços são relativizados (por meio de comparação com situações semelhantes das outras cidades), como por exemplo: favelas no Rio, barrios em Caracas, tugurios em Bogotá, villas em Buenos Aires, “cidades perdidas” na capital mexicana. O problema do acesso à água é tratado por El Tiempo em escalas espaciais: começa por um panorama mundial com base no discurso da escassez, corroborado por estudos técnicos da ONU e de ONGs internacionais, com previsões catastróficas; segue com um diagnóstico da situação latino-americana, dividido em três “subregiões” (Eixo Norte: México, Costa Rica e Porto Rico; Eixo do Amazonas: Colombia, Equador, Venezuela, Peru e Brasil; Eixo Sul: Argentina, Chile e Uruguai); e detalha o estado hídrico de cada país com matérias produzidas localmente por jornalistas dos veículos parceiros.

Aliança tática no Nordeste brasileiro

O Pool de Jornais do Nordeste foi uma associação temporária, criada e operada na segunda metade do ano 2000 pelas empresas detentoras dos diários de maior circulação e influência política no chamado Nordeste Setentrional do Brasil: Estado do Maranhão, Meio Norte (PI), Diário do Nordeste (CE), Tribuna do Norte (RN), Jornal do Commercio (PE), Correio da Paraíba e Gazeta de Alagoas. Os interesses do grupo foram expressos jornalisticamente em um suplemento denominado Cadernos do Nordeste (CN), que circulou entre junho e dezembro daquele ano. 15


Foram quatro edições bimestrais produzidas de forma cooperativa por jornalistas dos veículos associados, cada qual com um tema estruturante para a região, do ponto de vista político-econômico: recursos hídricos, telecomunicações, Sudene e turismo. Todas articularam, através de reportagens bem apuradas e coordenadas editorialmente, a agenda das políticas públicas setoriais do governo federal com os interesses das elites econômicas e políticas locais, em um contexto de previsível alternância de blocos de poder, tanto em nível federal quanto regional. Porém, ao anunciar que a publicação seria “distribuída regularmente através de seis dos principais jornais da região, cobrindo o território ocupado por seis estados brasileiros, do Maranhão até Alagoas”12, os editores não mencionaram a ausência de veículos de Sergipe e Bahia, já que ambos estão situados no mesmo recorte geopolítico do país em nome do qual o Pool se apresentava. A composição do grupo ganha sentido logo na primeira edição do suplemento13, que teve como tema a “transposição do Rio São Francisco”, em relação à qual os dois estados excluídos eram abertamente contrários. A escolha da pauta de estreia justificava-se pelo fato de, pela primeira vez no país, ter sido destinada uma dotação orçamentária para os estudos de viabilidade da obra, pelo então governo Fernando Henrique Cardoso. O Pool antecipava-se, assim, à decisão que seria anunciada no segundo semestre daquele ano e era alvo de intensa negociação política nos bastidores do Congresso Nacional. A edição seguinte, sobre telecomunicações, circulou pouco mais de um ano antes da liberalização do setor e apresentou o Nordeste como uma das regiões que, aos poucos, iam se impondo no mapa dos negócios do Brasil. Já o suplemento sobre a Sudene teve o claro objetivo de salvá-la da ameaça de extinção, devido às fortes críticas que vinha recebendo. Embora admita as “distorções” e o fracasso “em algumas das suas metas”, o discurso construído nas matérias subentende uma interlocução como “os de fora da região”, que não entenderiam a sua importância. (...) a Sudene imprimiu, de forma geral, um novo dinamismo à economia nordestina, dando-lhe agilidade e profissionalismo. Seja nas capitais, incluindo todas as Regiões Metropolitanas, seja no interior, mesmo nos lugares mais afastados, é difícil não perceber a marca da autarquia, expressa pelo desenvolvimento local.” (...) Por tudo isso não se pode relegar a importância da Sudene como uma instituição de política regional. Muito menos cair no discurso fácil e maniqueísta de condená-la pelas distorções que, lamentavelmente, 12

O jornal Meio Norte, do Piauí (que não será beneficiado pela transposição do Rio São Francisco), só aparece no expediente a partir da segunda edição dos Cadernos. 13 O suplemento teve também uma versão digital, disponível em: http://www2.uol.com.br/JC/cadernosdonordeste/jun_analise.htm (acessado em 25/06/2011) 16


aconteceram durante o seu processo de desenvolvimento, ao longo desses 40 anos. Significativamente, a edição sobre turismo – “Bons negócios no paraíso” – dá destaque à Bahia, “o Estado mais visitado do Nordeste [até então] e o segundo destino turístico nacional”, cujo fluxo de turistas cresceu 111% desde 1991. Também cita Sergipe entre os estados que “investem na ampliação do número de leitos e na melhoria de estradas e aeroportos, para atrair mais turistas”. Ou seja, quando não há conflito, a pauta segue o referencial dos interesses orgânicos regionais na competição com o restante do país pelos recursos públicos e privados. Conclusões O Grupo de Diários América e o Pool de Jornais do Nordeste configuram duas formas de articulação e concentração de poder midiático não baseadas na propriedade e sim na colaboração para fins de interesse mútuo. Mas enquanto o primeiro é uma aliança de caráter estratégico, que visa a um ganho concreto e duradouro de novos mercados (audiência e publicidade), o segundo caracteriza-se como uma aliança tática, de caráter temporário, visando influenciar diretamente uma conjuntura política na qual questões estratégicas para a região estavam em disputa. A ausência de informações de cunho institucional sobre o Pool e as empresas associadas (como as veiculadas pelo GDA) reforça os indicadores de seu caráter conjuntural e informal, com o fim de articular politicamente os interesses do bloco de poder regional que dá sustentação às empresas jornalísticas, em um contexto sócio-histórico específico. Ambos são nominalmente regionais, em escalas diferentes: intracontinental e intranacional. Mas lidam de forma contraditória com os respectivos territórios ao excluir parte dos seus integrantes legítimos. O Grupo de Diários América não inclui veículos de quatro países da América do Sul (Paraguai, Bolívia, Guiana e Suriname), a maioria dos da América Central e todo o Caribe - ou seja, os países mais pobres do continente -, e nem os poderosos da América do Norte. Já o Pool de Jornais do Nordeste exclui, deliberadamente, a imprensa de Sergipe e Bahia, em função do papel de oposição que exerceram no processo de viabilização da transposição do Rio São Francisco. Certamente não foi por acaso que o Jornal do Commercio de Recife assumiu a liderança informal do Pool, editando e hospedando os Cadernos do Nordeste em seu portal. O JC cobrava frequentemente uma definição de Pernambuco, que se manteve “em cima do 17


muro” sobre a transposição até 2005. Já a participação da Gazeta de Alagoas explica-se pela adesão das elites locais ao projeto, à revelia da população ribeirinha, mediante barganha para construção do Canal do Sertão. De forma semelhante, o Maranhão costurou um “acordo” para defesa da obra no São Francisco em troca de apoio a um suposto futuro projeto de transposição das águas do Rio Tocantins. Todas essas manobras táticas foram explicitadas nas reportagens dos Cadernos do Nordeste. Os dois grupos atuam, portanto, como blocos de poder em “recortes regionais” nos quais transitam seus interesses políticos e econômicos e nos quais disputam hegemonia. Em comum, ambos demonstram capacidade de agenciar recursos humanos, informativos e tecnológicos de forma colaborativa, sem implicações societárias, caracterizando um modelo de articulação midiática pouco investigado, tanto no campo dos estudos de mídia quanto na EPC. Nesse sentido, os referenciais da Geografia – em especial os relativos à questão regional – podem trazer contribuições enriquecedoras.

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Los medios ciudadanos ante la digitalización en Francia y España. Una aproximación desde el derecho a comunicar Núria REGUERO1 Cátedra UNESCO de Comunicación InCom-UAB 2 nuria.reguero@uab.cat F

F

H

H

Resumen: En este artículo se revisa la normativa y las reivindicaciones de los medios ciudadanos o de la sociedad civil -conocidos también como medios del tercer sector, libres y/o comunitarios- en el proceso de digitalización de la radio y la televisión hertzianas en Francia y España. En ambos países quedaron en entredicho las promesas de diversidad y cabida de nuevos canales que debía conllevar la digitalización, pues transición a la nueva tecnología ha debilitado la actividad de este sector, ya marginado en los repartos de frecuencias analógicas. Los motivos han sido tanto los costes que supone la obligación de adaptarse a los estándares técnicos como unas políticas que no han tenido en cuenta su naturaleza. La situación a junio de 2011 es la de una transición de la radio estancada por problemas técnicos y expectativas comerciales no cumplidas pero que ha puesto en alarma al sector ciudadano ya desde las primeras planificaciones. Y una transición de la televisión que en Francia ha dejado tan sólo a una de las emisoras más antiguas emitiendo en digital, y en España, las frecuencias están por planificar. Estos primeros resultados son tomados como indicadores del respeto al derecho a comunicar en ambos Estados, en un momento en que la tecnología representa una barrera, y sobre todo, tras una resolución del Parlamento Europeo (2008) instando a los Estados de la Unión Europea a regular y a promover la actividad del dicho sector como forma de democratizar los medios. Palabras clave: medios ciudadanos / de la sociedad civil; Francia; España; digitalización; políticas de comunicación. Resumo: Este artigo revisa os regulamentos e as exigências da mídia cidadã ou da sociedade civil -também conhecidos como mídia do terceiro setor, livre e / ou na comunidade- no processo de digitalização do rádio e da televisão terrestre em França e Espanha. Em ambos os países foram postas em causa as promessas da diversidade e acomodar novos canais que possam levar a digitalização, então a transição para a nova tecnologia enfraqueceu a atividade deste sector, tradicionalmente marginalizado nas distribuições de freqüências analógicas. Os motivos foram tanto os custos necessários para se adaptarem a normas técnicas e políticas que não têm em conta a sua natureza. A situação em junho de 2011 é uma transição do rádio estagnada devido às expectativas técnicas e comerciais não cumpridas, mas alertou o setor 1

Núria Reguero es licenciada en Periodismo (2005) y DEA en Periodismo y Ciencias de la Comunicación (2010) por la Universidad Autónoma de Barcelona (UAB). Su investigación doctoral versa sobre las políticas de comunicación y el movimiento del Tercer Sector de la Comunicación en España y Europa. Actualmente es Coordinadora técnica de la Cátedra UNESCO de Comunicación InCom-UAB e investigadora en el Instituto de la Comunicación (InCom-UAB), donde ejerce su actividad laboral desde 2004. También pertenece al Foro Europeo de Medios Comunitarios (CMFE). 2 Proyecto “Implantación de la Televisión Digital Terrestre en España e Impacto sobre el pluralismo”. Ministerio de Ciencia e Innovación (MICINN) (ref. CSO2010-17898/COMU), VI Plan de Investigación I+D+i 2008-2011. Dir. M. Dolores Montero.

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cidadão desde o planejamento inicial. A transição da televisão na França deixou apenas uma das mais antigas emissoras em digital, e em Espanha, sem a reserva das freqüências. Estes primeiros resultados são tomados como indicadores de respeito pelo direito de comunicar-se em ambos Estados em um momento em que a tecnologia é uma barreira, especialmente depois de uma Resolução do Parlamento Europeu (2008) instando os Estados-Membros da União Europeia a promover e regular a atividade deste sector para o avanço da democratização da mídia. Palavras-chave: meios de comunicação do cidadão / sociedade civil; França; Espanha; digitalização; comunicação políticas

Introducción

Ya en los años 80, la Comisión MacBride de la UNESCO promovía los medios gestionados por grupos de ciudadanos como forma de ejercer el derecho a comunicar, esto es, una concepción activa del derecho a la información, a transmitir a los otros la verdad tal y como uno la concibe, según sus aspiraciones, condiciones de vida, etc., el derecho a debatir y a influir en las decisiones que toman los responsables (MacBride, 1980). El derecho a comunicar no sólo supone la facultad de los grupos de la sociedad civil para disponer de sus propias radios y televisiones -también conocida como libertad de antena (McQuail, 1991; Rodríguez, 1998)-, sino además para participar en la formulación de las políticas de comunicación. De ahí que los medios autogestionados por ciudadanos fueran conceptualizados por diferentes estudios comisionados por la UNESCO como la forma más radical de acceso a los sistemas de comunicación

(BERRIGAN,

1979;

LEWIS,

1984;

1993).

Por

este

motivo,

pronosticaban, se encontrarían con la resistencia de gobiernos y profesionales de la comunicación: “Opponents to this form of Community media raise the question of cost, of the impracticality of involving the average citizen in a network of decision-making units, of the social and financial investment which has been made in the present system, which works well enough. Underlying all this is the reality. To switch from existing methods of exploiting the Communications resource means reshaping patterns of government, of institutional organization, of the political sphere itself. Overall change requires a political decision. In the end, selfmanagement might be achieved through sustained pressure to bring about government interventions and major policy changes.” (BERRIGAN, 1979, p.20)

El mismo informe MacBride documentaba la tolerancia de las autoridades hacia los grupos que ejercen su derecho a comunicar en función de la sofisticación de la tecnología utilizada:

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“The tolerance shown by the authorities to such activities [selfmanaged media] is usually inversely proportional to the sophistication of means used. Posters, flyers and loudspeakers are permitted more readily than the use of electronic mass media.” (MACBRIDE, 1980, p.170)

Tal dialéctica muestra cómo los sistemas comunicativos no son homogéneos sino que se componen de actores separados con diferentes expectativas normativas (HALLIN y MANCINI, 2007, p.49). Teniendo en cuenta su naturaleza no lucrativa y su independencia de las Autoridades públicas, los medios impulsados por ciudadanos representan un tercer sector diferenciado del gobierno y sus medios de servicio público (primer sector) y de las empresas y sus medios comerciales (segundo sector). El tercer sector, excluido durante años de los repartos de frecuencias, es el que sigue reclamando el derecho a comunicar y el que mantiene activa en los foros esta noción de la Comisión MacBride. Si el grado de desarrollo de la sociedad civil y los movimientos sociales determinará la actividad de los medios ciudadanos (LEWIS, 1993), el reconocimiento legal de este sector de la comunicación variará en función de la estructura políticosocial y tradiciones culturales donde se insertan los sistemas comunicativos. Hallin y Manici (2007), atribuyen el desarrollo más débil de la sociedad civil en Francia y España al centralismo de ambos Estados. Los sistemas comunicativos de estos países se han visto marcados por una primera etapa de fuerte politización que dio paso al crecimiento de los mercados de la comunicación. La politización de los medios se refleja en el bajo y tardío desarrollo de la profesión periodística, que a su vez ha sido la solución para mantener el hermetismo del Estado: “En la región mediterránea, el escaso consenso en cuanto a las normas de calidad periodística y el desarrollo limitado de la autorregulación profesional son el resultado de un periodismo que en gran parte no ha sido una institución autónoma, sino una actividad gobernada por fuerzas externas, principalmente del mundo de la política o de la empresa” (íbid.,p.104).

En definitiva, la politización i la comercialización de los sistemas comunicativos francés y español ha ido en detrimento de los medios ciudadanos a pesar de su carácter pionero: el monopolio gubernamental de la radio francesa fue quebrado por las radios libres siguiendo el camino abierto por Radio Campus en 1968; y la primera televisión local española, RTV Cardedeu, fue impulsada por una agrupación de ciudadanos en 1981.

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El siguiente gráfico, elaborado en función de la normativa y la actividad del sector, muestra el grado de reconocimiento de los medios ciudadanos en el marco más amplio de la Unión Europea (UE). Francia y España figuran entre los Estados que primero atendieron las reivindicaciones de las radios ciudadanas, junto a Holanda, Bélgica o la Baja Sajonia; en gran parte de la Europa del este el sector presenta una actividad limitada o inexistente.

Reconocimiento legal de los medios ciudadanos en los Estados Miembros (EM) de la UE

Reconocimiento como 3er sector (9 EM)

Otras formas (Bélgica; Áustria; Países Bajos)

Sin marco legal (14 EM)

Fuente: elaboración propia a partir de KEA, 2007.

Un avance para la protección de los medios ciudadanos en la UE fue la aprobación de la Resolución sobre los medios del tercer sector (2008) del Parlamento Europeo, instando a los Estados miembros a establecer un marco legal favorable para el sector y a adjudicarle frecuencias analógicas y digitales. Si bien no menciona literalmente el derecho a comunicar, consideramos esta iniciativa un avance en la medida que explicita la misión de proteger el pluralismo y el ejercicio de los derechos democráticos de la ciudadanía. La oportunidad que presentaba la digitalización para la liberación de canales que permitieran el acceso de los medios ciudadanos al espectro radioeléctrico ya había sido planteada en un informe previo del Parlamento (KEA, 2007). En este artículo se defiende que la transición digital ha supuesto un retroceso en la garantía del derecho a comunicar, puesto que lejos de darles un lugar, los criterios con que se ha implantado la nueva tecnología han dejado fuera a los medios ciudadanos de los nuevos circuitos de radio y televisión. Partiendo de la premisa que

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las políticas públicas sobre los medios ciudadanos determinan el ejercicio del derecho a comunicar (no es lo mismo emitir en la clandestinidad o bajo la amenaza de persecución judicial que contar con un marco legal favorable y ayudas públicas), hemos establecido los siguientes indicadores para analizar su situación ante la transición digital: a) el décalage entre las primeras reivindicaciones del sector y la aprobación de regulaciones (nos permite observar la voluntad política para garantizar a la ciudadanía el acceso al espacio público que es el espectro radioeléctrico); b) la adecuación de la normativa a la naturaleza del sector (nos ofrece una idea de las condiciones en que estos medios ejercen el derecho a la comunicación); c) la planificación de frecuencias digitales y el número de licencias concedidas (también nos permite observar la voluntad política de incorporar a los medios ciudadanos como tercer sector de los sistemas comunicativos); d) la existencia de fondos públicos para el sector (ídem).

La transición digital de los medios de la sociedad civil en Francia

Tanto en Francia como en España el servicio de redifusión empezó a escala estatal bajo la forma de servicio público prestado por el gobierno, al que se irían sumando las cadenas comerciales. Más adelante proliferarían las emisiones regionales, locales y de barrio. A excepción de un caso de televisión en Francia (Zalea TV) que retomaremos a continuación, el ámbito local es el único donde conviven el sector público, el comercial y el ciudadano.

Antecedentes. Regulaciones del sector y adecuación de la normativa

a) Radio asociativa La temprana y progresista regulación de las radios ciudadanas en Francia significó un buen augurio para el ejercicio del derecho a la comunicación en los años 80 que se disiparía progresivamente con la marginación de las televisiones y de ambos soportes en los circuitos digitales. Aunque tardaron en plantearse cerca de una década, las políticas sobre las radios ciudadanas en Francia fueron pioneras por dos motivos: por un lado, estas emisoras serían las únicas que ofrecerían servicios de comunicación en el ámbito local (aunque poco a poco se fue abriendo a la publicidad y a las estaciones comerciales);

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por el otro, se beneficiarían de un fondo público proveniente de una tasa sobre las televisiones públicas y comerciales, y de las radios comerciales (el Fondo de Apoyo a la Expresión Radiofónica, FSER). El mandato de François Miterrand, que había colaborado en el movimiento de las radios libres, fue clave para el sector: las emisiones fueron permitidas en 1981 rompiendo el monopolio de la radio pública. Con la Ley de la comunicación audiovisual de 1982, estas radios pasaban a denominarse “radios asociativas” o de categoría A, y tenían que ser asociaciones sin ánimo de lucro y sin publicidad. Además, un organismo independiente repartiría las frecuencias. Para optar a licencias y a ayudas públicas, los adjudicatarios deberían probar periódicamente el cumplimiento de un conjunto de requisitos tipificados como “misiones de comunicación social de proximidad”: favorecer la expresión y los intercambios entre grupos sociales y culturales, el apoyo al desarrollo local, la protección del medio ambiente o la lucha contra la exclusión, entre otras. Pero también observamos dos desventajas en relación a los medios gubernamentales y comerciales: quedaban reducidos a emitir a baja potencia y más sujetos al cumplimiento de las misiones de comunicación social que los actores comerciales o gubernamentales, cuya existencia y recursos no dependen de ello.

b) Televisión asociativa El derecho a comunicar a penas se cumplió en la televisión analógica francesa si consideramos el marco legal por el que se han regido las televisiones ciudadanas, inexistente hasta el año 2000 (Loi du 1er Août 2000 Modifier la loi du 30 septiembre 1.986 sur la liberté de communication audiovisuelle), cuando algunas de las estaciones ya superaban los 20 años de actividad. Este retraso se debe en parte a los bloqueos jurídicos y financieros de la televisión local en general (Conseil Régional du Centre, 2007), a pesar de la cantidad de iniciativas ciudadanas en el ámbito audiovisual en D

Francia. Una particularidad de este marco legal es que la televisión ciudadana, regulada como “asociativa” no está limitada al ámbito local. De hecho, un mes antes de la promulgación de la ley de 2000 ya se había concedido la primera autorización para emitir vía cable y vía satélite a nivel estatal a una televisión asociativa, Zalea TV (TéléviZone de Action pour la Liberté de Expresision Audiovisuelle), constituida en enero de 2000 en París. Dos meses después de la legalización, Zalea y otras emisoras como Ondes Sans Frontieres o Téléplaisance obtuvieron autorizaciones

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puntuales de cobertura local o regional bajo la prohibición de emitir durante las campañas electorales.

MEDIOS

Marco

Lic.

Lic.

Fondos

Asoc.

CIUDADANOS

legal

Analógicas

Digitales

públicos

Sector

1982

+-700

2

Específicos

(cob. local)

(moratoria)

+-29

4

No

(cob. local, 1

(reales, 3)

específicos

EN FRANCIA Radio Asociativa TV

2000

Asociativa

nacional) Fuente: elaboración propia a partir de la normativa, la revisión de concursos de licencias digitales, las páginas web del CSA y del sector, y consultas a activistas y expertos (ver referencias).

El discurso normativo francés no apela al derecho a comunicar y en la práctica, el ejercicio de este derecho difiere enormemente entre la radio y la televisión, las cifras de la tabla de arriba son claras al respecto. Observamos también que la existencia de una normativa no es suficiente sin licencias y fondos de ayuda para el sector, y que, aún dándose las tres condiciones, el cambio de sistema tecnológico puede resultar fulminante para su actividad.

Planificación de la transición digital y fondos públicos

a) Radio asociativa En el estado francés existen unas 7.000 frecuencias de radio a fecha de 2011, de las cuales el 20% son de la sociedad civil (BORDE, 2011a). Al finalizar este artículo la transición había quedado estancada a causa de los costes económicos y las controversias alrededor del sistema técnico de difusión. La paralización del proceso en sí ya da cuenta de la barrera que estaba suponiendo la digitalización para la actividad de los ciudadanos ejerciendo su derecho a la comunicación. Si bien las radios asociativas fueron incluidas en la planificación de frecuencias digitales y contaron con concursos específicos para su categoría, los costes y la desinformación pusieron al sector en alarma. De entrada, con la digitalización, las radios pasan de autodifundirse a tener que sufragar el transporte de la señal, gasto

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continuo que se suma a la inversión en equipo. A esto se añade que en Francia se optó por el sistema T-DMB (Terrestrial Digital Multimedia Boradcasting), que permite la transmisión de vídeo. Si el sector comercial enseguida lo promovió pensando en éste como soporte publicitario, las radios asociativas se opondrían a casa del incremento de los costes de producción que suponía y el escaso interés en emitir video; además reducía el ancho de banda disponible para otros programas de radio. A estos problemas económicos se añadía la incapacidad muchas emisoras para soportar el simulcast, promovido por la autoridad audiovisual para dar tiempo al reemplazamiento de los receptores. El descontento del sector aumentó al comprobar que la autoridad audiovisual no respondía a las demandas que habían expuesto en las audiencias públicas. Esto llevó a un grupo informal de radios a unirse en la plataforma Radios Libres en Lucha exigiendo el cumplimiento de dichas medidas en una campaña que lanzó en 2008; por otro lado, las cuatro principales federaciones, Confederación Nacional de Radios Asociativas (CNRA), Sindicato Nacional de Radios Libres (SNRL), IASTAR y FERAROCK difundieron diferentes pronunciamientos. Estas reivindicaciones muestran en qué aspectos las directrices de la transición digital perjudicaban la sostenibilidad del sector:

- un espacio reservado lo más parecido posible al que disponían en FM - obligar a las radios de servicio público y comerciales de transportar la señal de las asociativas (must carry); - mantener durante más tiempo la banda FM y que las emisoras decidieran la fecha de la migración de acuerdo a sus necesidades; - la duplicación del fondo público FSER y subvenciones para los gastos de equipamiento, explotación y formación - la posibilidad de utilizar el sistema DAB+, y también el DRM+ en zonas rurales

La respuesta del Ministerio de Cultura y Comunicación fue incrementar el fondo público (FSER) en 2,5 ME para facilitar la adquisición de equipamiento, pero el sector lo consideró insuficiente, sobre todo ante la creciente dificultad de obtener otro tipo de subvenciones sociales (CNRA, 2009). En ese momento, el Ministerio vio pertinente legitimar la actividad del sector por “su utilidad, su rol social de proximidad y su creatividad” en un informe que presentó al Parlamento (Hamelin, 2009, p.11), donde también animaba a avanzar en la profesionalización de estas radios. El informe

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proponía crear una línea presupuestaria fija de 40.000 euros anuales y otra de ayudas especiales para la digitalización y la producción de datos asociados (títulos de canciones y otras informaciones adicionales). La falta de pruebas técnicas que, una vez ya se habían efectuado concesiones, garantizaran qué sistema de emisión digital era más apropiado para la cobertura local hizo que las primeras emisiones estables se fueran posponiendo hasta mayo de 2011. Las efectuaron 16 estaciones en la región de Lyon, entre ellas 2 asociativas (Sol FM y RCF), pero justo el día siguiente, el 13 de mayo 2011, el Consejero Cultura, Educación y Enseñanza Superior y de Investigación, David Kessler instaba al Primer Ministro Francés a una moratoria de la migración digital de la radio de 2 o 3 años. Las razones: las tensiones cada vez más relevantes surgidas desde las primeras planificaciones a causa de errores de la Administración, pronósticos no cumplidos y la falta de liquidez del gobierno para amortiguar los costes derivados de la digitalización. Kessler proponía a las radios asociativas un sistema mutualista de adquisición y de gestión de los canales multiplex para garantizar su sustentabilidad una vez se reanudara la transición. En todo este proceso observamos un cambio de posicionamiento de actores: si en un principio fueron las emisoras comerciales las impulsoras de la migración digital, ahora se decantan por el uso de la radio vía iPhone (BORDE, 2011a). Aunque muchas radios asociativas apuestan por el desarrollo de un Internet ciudadano, los sindicatos de las radios temen una imposición del modelo de pago también en la red (BORDE, 2011b).

b) Televisión asociativa Derecho a comunicar y Televisión Digital Terrestre (TDT) son términos antagónicos en Francia, donde, tal como sucede en España, quedan lejos las recomendaciones de la resolución del Parlamento Europeo de 2008 de adjudicar licencias digitales a los medios ciudadanos. En Francia, la falta de voluntad política explica la desaparición de las televisiones asociativas, afirmaba la consejera regional de Region du Centre, Dominique Fleurat en 2008 (TVLocales, 2008, en línea). A la hora de cerrar este artículo, el apagón analógico –ya completado-, había supuesto el apagón de las televisiones ciudadanas: de la treintena estaciones que habían obtenido al menos una licencia analógica temporal, 163 se presentaron a D

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Se han podido localizar: Bar TV (Bar Le Duc, activa desde 2005); Canal Nord (?); Images et paroles engages (Marsella, 2001);Le Pieds dans le PAF (St Nazaire, 1988); Ondes Sans

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concurso y sólo 2 se beneficiaron de licencia digital (TéléBocal, en Îlle de France y TéléNantes, en Nantes, que se vio obligada a fusionarse con una comercial); otra televisión estaba pendiente de obtener licencia (TelePaese, en Córcega), gracias a una enmienda que aprobó la autoridad audiovisual. Aparte se presentaron nuevos proyectos4, de los cuales 2 obtuvieron licencia (CinapsTV y Banliueues du Monde). El siguiente gráfico muestra la progresiva desaparición de las televisiones asociativas desde los primeros concursos de TDT.

Digitalización de las TV asociativas en Francia

LIC . T D T

C A N D ID A T A S TDT

LIC A N A LO G .

15 20 25 30 35 Fuente: elaboración propia a 0 partir5 de 10 la revisión de concursos de licencias digitales y documentación del CSA; páginas web del sector (Fédération des vidéos des pays et des quartiers, la Cordination Permanente des Medias Libres) y consultas a activistas y expertos.

Además de la fuerte inversión económica, de entrada, la actividad televisiva del tejido asociativo se ha visto afectada por otros dos hándicaps: la tecnología de la televisión digital obliga a cubrir áreas geográficas más extensas perjudicando a estaciones locales y de barrio que bien no están interesadas o en condiciones de hacerlo; y en 2004 i se crearía la figura de las televisiones de economía mixta D5

(participadas por empresas y las Administraciones y colectivos locales), competidoras directas de las asociativas. Tras la primera llamada a candidaturas para frecuencias locales (en la región de París en 2006), las televisiones asociativas lanzaron un llamamiento “a favor de un verdadero pluralismo audiovisual” reclamando:

Frontières (París, 1998); Télé Bocal (París, (1995); Teleplaisance (París, 1997); TéléMillevaches (Le Bourg, 1986); Television Sans Frontieres (?); TV Nantes (Nantes,?); TGB (?); TV Bruits (Toulouse, 2001); TV Sol (Toulouse); Télé Paese (Haute Corse, 2000); Trégor Tv (Trégor-Goëlo, 2005); Zalea TV (París, 2000). 4 A parte de Cinaps TV y BDM, se han localizado 7 proyectos que se presentaron en el resto de regiones: Couleur Cantal (Cantal); Coeur de Champagne TV (Champagne); Association Télé C2A (Reims); Télé Lille (Lille); MEDIA-LANDES (Gascuña), TV Provence y Seine-Maritime en la región de Rouen. 5 Ley N º 2004-669 de 9 de julio de 2004 sobre las comunicaciones electrónicas y Servicios de Comunicación Audiovisual.

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-concursos específicos para las televisiones asociativas, con un acceso proporcional a frecuencias de ámbito local, regional y nacional; -un fondo público como el que se destina a las radios asociativas (desestimado por el Ministerio de Cultura y Comunicación en 2003); -la aplicación del must carry a los difusores comerciales, también de internet; -el cambio en el modo de designación de los miembros del Consejo Superior del Audiovisual (CSA) para que sea más representativo (Acrimed, en línea).

La ausencia de concursos específicos, siendo obligadas a competir con el sector privado-comercial, y de fondos públicos reflejan la falta de voluntad política para garantizar la actividad de estas televisiones en digital. Tales condiciones llevarían al presidente de la estación asociativa O2zoneTV, Antoine Dufour a afirmar: “La procédure d'appel d'offres du CSA n'est pas adaptée aux associations et ne correspond pas du tout à la philosophie des acteurs locaux” (Conseil Régional Du Centre, 2005, p.13). Estos procedimientos, aseveraba Dufur, ponen en evidencia cómo el discurso sobre la libertad y el pluralismo de la legislación francesa no se plasma en el terreno. Un caso a destacar entre las televisiones que se han quedado fuera del sistema digital es el de ZaleaTV, que se presentó al concurso de licencias de ámbito estatal (2001). El CSA, que no había previsto la existencia de televisiones asociativas6 , rechazó la candidatura alegando que se necesitaban más evidencias de D

su viabilidad financiera y una parrilla de programación más detallada (23 emisoras comerciales y 6 gubernamentales se beneficiaron del permiso en dicho concurso). Algunas licencias fueron revocadas el año 2004, por lo que se convocó un nuevo concurso donde se explicitaba que podían presentarse las televisiones asociativas, otra vez sin concurso específico. Zalea TV se presentó habiendo mejorado los requisitos: detalló la parrilla y consiguió el apoyo financiero de de instituciones bancarias éticas y cooperativas, además se presentaba en la modalidad de televisión de pago (los socios sufragarían los costes de transporte digital de la señal). La candidatura fue rechazada de nuevo poe no cumplir los requisitos principales: la viabilidad económica, la contribución al rápido desarrollo de la TDT y servir a un amplio público. Zalea impugnó el resultado final (7 licencias para televisiones comerciales de pago y 1 en abierto) presentando sin éxito dos recursos. Todo esto, a pesar de que entre los preceptos de la llamada a candidaturas figuraban asegurar el 6

Así lo confirmó la sabia de la autoridad, Sylvie Genevoix (Rue 89, 2008)

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pluralismo y la diversidad de temas y corrientes de expresión ideológica, incluso la independencia de los operadores frente a los intereses económicos. Ante las trabas y contradicciones de la Administración, el equipo de Zalea decidió disolverse alegando que el contexto político y económico francés no daba cabida a proyectos como el suyo. Todos estos motivos explican que muchas emisoras optaran por no presentarse a los concursos y emitir únicamente por Internet7 . Si bien, en 2005 la D

consejera del CSA Christine Laudrin anunció que cualquier servicio de televisión local que emita por internet tendrá que cumplir las mismas obligaciones que los canales por vía hertziana según la ley de 1986 (art. 33); entre ellas, la firma de un convenio con el CSA y una duración máxima del permiso de 5 años (Conseil Régional Du Centre, 2005: 13). El anuncio de estas medidas pone en entredicho el rol que hasta ahora está desempeñando la red para el ejercicio del derecho a comunicar vetado de los sistemas de radiodifusión.

La transición digital de los medios de la sociedad civil en España

Antecedentes. Regulaciones del sector y adecuación de la normativa

a) Servicios de comunicación audiovisual comunitarios sin ánimo de lucro (radio) La ley española no permite ejercer el derecho a la comunicación, pues los medios ciudadanos siguen sin regular tras 30 años de actividad y reivindicaciones de amparo legal. La persecución judicial y la marginación en la planificación de frecuencias ha sido el modus operandi en las políticas de comunicación hasta la actualidad. Las primeras experiencias ciudadanas de radio, autodenominadas radios libres, comenzaron a final de los años 70 y en seguida fueron reguladas por el derogado Plan Técnico Transitorio del Servicio Público de Radiodifusión Sonora en Frecuencia Modulada (desarrollando el Real Decreto 1433/1979). Este plan las reconocía bajo la denominación de emisoras “educativas y culturales sin ánimo de lucro” y, a parte de ser fuertemente criticado por sus condiciones restrictivas, no sirvió para que se les adjudicaran frecuencias. Durante los años 80, la Coordinadora Estatal de Radios Libres siguió reivindicando el reconocimiento de su especificidad. Pero la normativa 7

Consulta al presidente de la Fédération des vidéos de pays et de quartiers, Thierry Michel.

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haría una involución y figura de las radios educativas y culturales como tal desapareció con la Ley 31/1987, de 18 de diciembre, de Ordenación de las Telecomunicaciones (LOT), que pasaba a usar los términos más genéricos de gestión indirecta de las estaciones por parte de entidades sin ánimo de lucro. La situación pareció mejorar con el Plan Técnico Nacional de Radiodifusión Sonora en Ondas Métricas con Modulación de Frecuencia, de 1989, que reconocía la figura de las radios privadas sin ánimo de lucro pero en la práctica las condenaba a la desaparición obligándolas a concursar compitiendo con las comerciales. Sólo obtuvo licencia Radio Klara, en la Comunidad Valenciana. En los siguientes concursos estas radios quedaron marginadas y ninguna ley mencionaría su figura específica hasta 2010.

b) Servicios de comunicación audiovisual comunitarios sin ánimo de lucro (televisión) El ejercicio del derecho a comunicar en el caso de las televisiones es aún más complejo, pues en diferentes momentos han pasado de ser ilegales a ser legales y viceversa. Ya en los años 80 habían proliferado estaciones promovidas por grupos sociales de ámbito local pero no sería hasta la Ley 41/1995, de 22 de diciembre, de Televisión Local por Ondas Terrestres, cuando el número de operadores locales municipales y comerciales ya era muy elevado, que se distinguiría la gestión de los medios por personas físicas o jurídicas sin ánimo lucrativo (que en España se conocen como comunitarias). Pero el plan técnico que debía desarrollar la normativa nunca se elaboró, de manera que las televisiones comerciales, las gubernamentales y las comunitarias estuvieron una década emitiendo sin licencias. Esta situación representó un mal antecedente para las últimas, sin licencias analógicas a que aferrarse en un reparto de frecuencias digitales que las pasaba por alto. Tal como pronosticaban los estudios de la UNESCO a finales de los 70 (BERRIGAN, 1979), los mínimos logros conseguidos han sido gracias a la presión sostenida del sector. A nivel español, la Red de Medios Comunitarios (ReMC), activa desde 2005, logró que el tercer sector fuera reconocido de nuevo en la normativa para el impulso de la Sociedad de la Información de 2007, gracias a la introducción de una enmienda, y en el nuevo marco legal de la comunicación aprobado en 2010. La Ley 7/2010, de 31 de marzo General de la Comunicación Audiovisual (art. 32) reconoce al sector con una denominación tan compleja como imprecisa: “servicios de comunicación audiovisual comunitarios sin ánimo de lucro” (el nombre podría

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aplicarse al servicio público gubernamental local). Dados los antecedentes, las restricciones y discriminación a que se somete al sector no le han tomado por sorpresa: por un lado deben probar que cumplen funciones que los comerciales están exentos de justificar (atender a las necesidades sociales, culturales y de comunicación específicas de comunidades y grupos sociales, así como fomentar la participación ciudadana y la vertebración del tejido asociativo), por otro lado, sus gastos de explotación anuales no podrán ser superiores a 100.000 euros en el caso de las televisiones y de 50.000 en el de las radios. Además han de justificar la procedencia de sus fondos y el desglose de gastos e ingresos, si los hubiere. Tales medidas parten de una concepción alejada de la naturaleza del sector y lo colocan en total desventaja respecto al sector público y al comercial, cuando no lo ahogan. Por ello, con el apoyo de diferentes expertos e intelectuales, la ReMC demandó al gobierno:

-

un apartado destinado a financiación de estos servicios

-

diversos ámbitos de cobertura (local, regional y nacional)

-

la participación de organizaciones sociales en los procesos de adjudicación (audiencias públicas, establecer criterios adjudicación) por parte de la autoridad audiovisual que había de crearse.

En la elaboración del proyecto de reglamento técnico, el gobierno ignoró estas reivindicaciones y otras acciones como la campaña “Derecho a comunicar” y declaraciones conjuntas con la Asociación Mundial de Radios Comunitarias (AMARC Europa) y el Foro Europeo de Medios Comunitarios (CMFE). Dicho proyecto de regulaciones establece una potencia a 5 vatios en radio y 8 en televisión, además sólo puede existir un servicio comunitario por zona y en las poblaciones de más de 100.000 habitantes su cobertura no puede ser mayor al 20% de la población. La ReMC respondió reivindicando la supresión de las restricciones de potencia (próximas a las de los walky talky, en el caso de la radio) y de cobertura por ser discriminatorias respecto al resto de sectores y sobre todo cuando el sistema digital, por defecto, supone ampliar áreas de cobertura. Al cerrar este artículo las regulaciones estaban pendientes de aprobación. A nivel regional se da una situación similar. El hecho que, a diferencia de Francia, las regiones (Comunidades Autónomas, CCAA) posean competencias en materia de radio y televisión facilitó a la ciudadanía canalizar sus demandas para emitir con sus propios medios de comunicación. Cataluña, con una fuerte tradición

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histórica de asociacionismo, se avanzó al Estado detallando la figura del tercer sector de la comunicación en su normativa (Llei de 22/2005 de l’Audiovisual de Catalunya) y en el proyecto de regulaciones, aún pendientes de aprobación. Ya el anteproyecto despertó fuertes críticas por las restricciones a que sometía al sector, que elevó quejas y propuestas a la autoridad en balde y a costa de desgastar su actividad cotidiana (FLEISCHMAN, L.; REGUERO, N.; SAEZ, Ch., 2010). Las cifras de la siguiente tabla son claras en lo que se refiere a la práctica del derecho a comunicar en España: del centenar computado de radios (GARCÍA, J., D

2008:170), tan sólo una posee licencia FM (Radio Klara, en Valencia); y de las 15 televisiones8, 5 tienen la facultad de legal para emitir pero aún no disponen de reserva de frecuencias (RTV de Cardedeu, en Cataluña y TeleK, en Madrid).

MEDIOS

Marco

Lic.

CIUDADANOS

legal

analógica

EN ESPAÑA

de

comunicación

de

Asoc.

Públicos

Sector

1979 1989

1 de

0

No

2007 2010

+- 100

(moratoria)

específicos

audiovisual

ánimo

Fondos

s

Servicios

comunitarios

Lic. digitales

(cob. sin

Local)

lucro

(radio) “

” (televisión)

1995

0 de

0 de +-15

No

2007 2010

+-15

(5 con permiso

específicos

(cob.

y sin reserva de

Local)

frecuencias)

Fuente: elaboración propia a partir de la normativa, la revisión de concursos de licencias digitales, páginas web del sector y consultas a activistas y expertos (ver referencias). 8

Si bien habría evaluar su naturaleza y funcionamiento, las siguientes iniciativas se autoconciben como servicios comunitarios sin ánimo de lucro: RTV Cardedeu (1980, Catalunya); Canal 12 Palamós (1983, Catalunya); TV Vilassar (1984, Catalunya); Anoia TV (1990,Catalunya); TV Centelles (1990, Catalunya); Televisió Vilanova del Camí (Associació Amics de la Imatge de Vilanova del Camí, 198?); Televisió de Vilassar (Colectivo de Audiovisuales y TV local de Vilassar de Mar, 1983, Catalunya); Tele Horta (1985, C. Valenciana); Tele Aspe (1990, C. Valenciana); TV Marinaleda (1991, Sevilla); Tele K (1993, Madrid); Canal 33 (1994, Madrid); Televisión Fregenal (1995, Extremadura); Telemolina (1994, Múrcia); La Tele (2003, Catalunya). Fuente: actualización de listados elaborados por el director de TeleK, Francisco Pérez y la investigadora en medios del tercer sector y activista de la Assemblea per la Comunicació Social y la ReMC, Chiara Saez.

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La ausencia del derecho a comunicar en la teoría y en la práctica de las políticas españolas en los últimos 30 años se ve reflejada en las nociones y planes con que se ha implantado la tecnología digital.

Planificación de la transición digital y fondos públicos

El dividendo digital en España se ha destinado básicamente a las televisiones estatales y a operadores de telecomunicaciones, y según la Administración, otorgar frecuencias al sector supone revocar otras, por lo que no existen demasiadas posibilidades. La falta de voluntad política para asegurar la sustentabilidad del sector y la enorme inversión que requiere emplear los nuevos equipos dejan sin posibilidades a estos medios para ejercer su derecho de acceso al espectro.

a)

Servicios de comunicación audiovisual comunitarios sin ánimo de lucro (radio)

Tal como sucede en el caso francés, el ejercicio del derecho a comunicar en el soporte de la radio se puede seguir llevando a cabo gracias al fracaso del modelo digital que se pretendía imponer, que pospone la migración iniciada en 1999. Una idea de lo que hubiera ocurrido nos la da el hecho que no ha habido ninguna licencia para los medios ciudadanos en los concursos de frecuencias. A nivel estatal y regional las radios ciudadanas están excluidas, y fecha de mayo de 2011 sólo se había convocado concurso de licencias locales en Baleares y Cataluña. En Baleares hubo concurso específico para el sector pero ninguno de los candidatos reunió los requisitos mínimos. En Cataluña, región pionera en establecer un marco jurídico para el sector y donde la comunicación local ha sido históricamente promovida por la Administración, no hubo convocatoria específica. El hecho que el gobierno detuviera la obligación de difundir en digital a las cadenas estatales nos da una idea de la inversión económica que suponía el cambio. A esto se añadió la falta de consolidación de un estándar técnico, la Administración española pasó del DAB al DAB+, utilizado en el Reino Unido. Todo este conjunto de factores deja entrever pronósticos desfavorables para la supervivencia de los medios ciudadanos tras la conversión digital de la radio en España.

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b)

Servicios de comunicación audiovisual comunitarios sin ánimo de lucro (televisión)

Derecho a comunicar y TDT también son términos antagónicos en España si se considera la presencia del tercer sector en el nuevo soporte, nula hasta la fecha pese a que algunas cuentan tres décadas reivindicando su derecho a emitir. El veto del sector en el reparto de frecuencias liberadas ha puesto en evidencia el discurso con que la Administración venía justificando dejar sin licencia a los medios ciudadanos: la ausencia de frecuencias disponibles debido a una saturación del espectro. Primero, las televisiones ciudadanas fueron ignoradas en la elaboración del Plan Técnico Nacional de Televisión Digital Local (PTNTDL)9; luego, la Red de Medios Comunitarios logró canalizar una enmienda a Ley de Medidas de Impulso de la Sociedad de la Información (LISI) de 20 de diciembre de 2007 incorporando la figura de la "televisión de proximidad sin ánimo de lucro". En la práctica, tal reconocimiento era imposible: por un lado, la Administración alegaba que la concesión de frecuencias a raíz de la nueva ley, supondría la revocación de algunas ya concedidas, y la misma ley explicitaba que explicitaba que la reserva para este tipo de televisiones no es prioritaria; por otro lado, sólo podían acogerse a este régimen aquellas estaciones cuyas emisiones fueron habilitadas por la ley de 1995, requisito que cumplían 12 de D

las 15 televisiones y que excluía a proyectos de nueva creación. RTV Cardedeu, TV Vilanova y TV Vilassar (Catalunya) y TeleK (Madrid) son algunas de las televisiones ciudadanas con concesión para emitir pero a la espera de regulaciones. TV Mataró (en Cataluña), que había obtenido concesión, tuvo que renunciar a ella por no poder hacer frente a los costes que supone emitir en digital. No dar prioridad al reparto de licencias para estos medios ni ofrecerles apoyo público (del que sí gozan de éste los operadores públicos y los comerciales) indican la falta de voluntad por parte de las autoridades para reconocer el derecho a comunicar. La politización de la radio y la televisión, Internet es la “solución” para la continuidad del centenar de radios y televisiones de la sociedad, algunas han optado por emitir en digital sin licencia.

CONCLUSIONES

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Ley 53/2002, de 30 de diciembre, de Medidas Fiscales, Administrativas y del Orden Social (BOE núm. 313, de 31 de septiembre), reemplazando la ley de 1995.

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La exclusión de los medios ciudadanos en la digitalización de la radio y la televisión en Francia y España muestra la escasa voluntad de sus autoridades para garantizar el derecho a comunicar entendido como la facultad de agrupaciones de ciudadanos para crear sus propios medios de comunicación. En la medida que las políticas han obviado al tercer sector de los sistemas comunicativos también han puesto en entredicho los pronósticos que el aumento de canales gracias a la nueva tecnología resultaría en una diversificación de la oferta. Los indicadores que habíamos establecido son claros:

a) las reivindicaciones del sector en Francia y España van demasiado por delante (o en paralelo) al grado de apertura que las autoridades y el mercado están dispuestos a concebir. Este décalage y el desamparo legal durante largos períodos (excepto en el caso de las radios asociativas) significaba un punto de partida adverso para normalizar la presencia del tercer sector tras la transición digital; b) a pesar de que en ambos países la figura del sector está reconocida legalmente, en la práctica los propietarios y los decisores en las políticas de medios son dos, el sector comercial y el gobierno. La falta de voluntad política de incorporar al tercer sector se refleja en promover criterios económicos de acceso al espectro (sólo entra a quien se le presupone una solvencia para sufragar los costes, de manera que los medios ciudadanos quedan excluidos por defecto) en vez de adecuar la normativa a la naturaleza del sector; bien al contrario, se lo regula con recelo sometiéndolo a restricciones como la reducción del voltaje e intentos de profesionalización / institucionalización obligándole, a cumplir misiones y requisitos que en ocasiones se escapan de su propósito y ante algunos de los cuales los medios comerciales están exentos. In extremis, esta situación llevaría a una instrumentalización de los medios ciudadanos como ONG’s de servicios sociales, en vez de plataformas para el debate político. Es significativo que los proyectos de regulación en España y Cataluña llegaran cuando ya se habían repartido las frecuencias; c) la exclusión de la planificación de frecuencias es el indicador más claro: las televisiones ciudadanas desaparecen (es paradigmático el rechazo de la candidatura de Zalea TV por no adaptarse a los criterios de viabilidad económica o no contribuir al rápido desarrollo de la TDT) y las radios se libran temporalmente a causa del fracaso de la digitalización (el hecho que los

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comerciales hayan preferido una moratoria, da cuenta de la magnitud de costes y esfuerzos que supondría para el sector ciudadano emitir en digital); d) a estos hándicaps se suma inexistencia de fondos públicos para el sector (sólo los obtienen las radios francesas), tanto estructurales como específicos para afrontar los costes de la digitalización, de los que sí goza el sector comercial.

En definitiva, 30 años después del Informe MacBride y a 3 de la resolución del Parlamento Europeo, los ideales del derecho a comunicar no han logrado traspasarse de los foros ciudadanos a las agendas políticas nacionales. A excepción de las radios asociativas, se cumplen los pronósticos vaticinados por diferentes estudios comisionados por la UNESCO según los cuales, por ser una forma radical de acceso a los sistemas de comunicación, los medios ciudadanos darían con la resistencia de las autoridades. En la tónica de lo que señalaban dichos estudios, la situación de las radios ciudadanos es mejor que la de las televisiones (a mayor sofisticación más resistencia, en este caso, sobre todo económica). Por todos estos motivos el sector exige mayor participación en la toma de decisiones políticas. Esta demanda no es trivial, pues supone a los gobiernos ceder cuotas de poder, abriendo una vía democrática sin precedentes en estos dos países aún marcados por la politización de los medios, y donde aún resulta demasiado progresista la noción del derecho a comunicar.

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Consultas personales -Thierry Michel, coordinador de la Fédération des vidéos de pays et de quartiers (07.2011) - Barbara Raux, presidenta de BarTV (07.2011)

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Concentração e regulação no mercado brasileiro de radiodifusão sonora1 Marcelo Kischinhevsky2 Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ). Resumo: Este artigo investiga os mecanismos que possibilitam a crescente concentração de mercado no rádio brasileiro, identificando lacunas regulatórias e discutindo alternativas que permitam garantir a diversidade de vozes no dial. A expectativa é que estas discussões contribuam para balizar revisões na legislação de radiodifusão sonora nos países ibero-americanos em que, a exemplo do Brasil, este meio de comunicação desenvolveu-se notadamente em sua vertente comercial. Palavras-chave: Rádio, Regulação, Economia Política da Comunicação Abstract: This paper investigates the mechanisms that enable the growing market concentration in Brazilian radio, by identifying regulatory gaps and discussing alternatives to ensure voices’ diversity on the dial. This debate is expected to contribute with sound broadcasting rules’ revision in Iberoamerican countries, in which, as well as in Brazil, this particular medium developed especially in his commercial vein. Keywords: Radio, Regulation, Political Economy of Communication Resúmen: este paper investiga los mecanismos que permiten el aumento de la concentración de mercado en el radio brasileño, a través de La identificación de vacíos regulatorios y de la discusión de alternativas para garantizar la diversidad de voces en el dial. La expectativa es que estos debates contribuirán a preparar revisiones a la legislación de radiodifusión en los países iberoamericanos en los que, siguiendo el ejemplo de Brasil, este medio de comunicación desarrollado notablemente en su aspecto comercial. Palabras clave: radio, regulación, economía política de comunicación

Introdução

Pesquisas sobre a indústria da radiodifusão sonora no Brasil concentram-se, habitualmente, num passado idealizado, a chamada era de ouro do rádio. Poucos são os estudos sobre a atual configuração do mercado nacional, numa fase marcada pela

1

Versão revista e ampliada de trabalho apresentado na Sessão Temática 5 – Economia Política da Comunicação, do 1º Congresso Mundial de Comunicação Ibero-Americana (Confibercom), realizado na Universidade de São Paulo (USP), em agosto de 2011. 2 Professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e do Departamento de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCS/UERJ), onde coordena o Laboratório de Áudio (AudioLab), é doutor em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ). Email: marcelokisch@gmail.com. O autor agradece ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) pelo apoio às pesquisas que possibilitaram a elaboração do presente artigo.


multiplicidade na oferta (BRITTOS, 2002 e 2006) de bens simbólicos, mas também pela notável expansão de redes de emissoras de alcance nacional. Mesmo os recentes esforços de pesquisadores brasileiros que receberam apoio do governo federal para traçar um panorama da comunicação e das telecomunicações (CASTRO, MELO e CASTRO, 2010) e da produção de conteúdos para mídias digitais (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2011) dedicam parcas páginas ao meio, como se o audiovisual fosse constituído exclusivamente por imagens, uma espécie de filme mudo. Pior: consolidou-se, nos últimos anos, nos estudos de Economia Política da Comunicação, a percepção – a nosso ver, errônea – de que o rádio seria mais democrático do que a televisão, simplesmente pelo fato de não estar hoje nas mãos de um punhado de grandes redes. Como veremos, a maioria dos pesquisadores desconsidera sinais flagrantes de concentração de mercado na radiodifusão sonora. Movimento que exige atenção, sobretudo das autoridades reguladoras. Embora não seja hoje objeto de políticas públicas, o rádio desenvolve-se hoje com o novo impulso às outorgas de emissoras em Frequência Modulada (FM), em todo o país, durante a administração Luiz Inácio Lula da Silva (2002-2010) – notadamente, as rádios comunitárias, de baixa potência. Enquanto o número de estações em Ondas Médias, Curtas e Tropicais manteve-se estável, devido à saturação do espectro de radiofrequências (e ao desinteresse dos empresários), as FMs foram responsáveis diretas pelo crescimento de 44% no total de emissoras em operação no Brasil, segundo os dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), entre 2001 e 2009 (KIELING, 2010, pp. 196-197). O número de FMs saltou de 1.622 no início da década para 3.064, em 2010, de acordo com a Anatel – o equivalente a duas outorgas a cada cinco dias. O avanço das emissoras comunitárias foi ainda maior: de 980, em 2001, para 4.150, quase uma autorização por dia3. O rádio se espalha por todo o território nacional, mas as maiores audiências estão concentradas nas capitais e nas cidades de médio porte do interior das regiões Sudeste e Sul, acompanhando a densidade populacional. Os hábitos de escuta abrangem todas as faixas de renda e etárias. O conteúdo local, de um modo geral, tem maior impacto junto à audiência: 66,96% acompanham notícias de sua cidade ou região pelo rádio, enquanto o noticiário nacional mobiliza apenas 30,84% dos ouvintes, segundo pesquisa do Ibope e dos Grupos de Mídia. A música permanece como o 3

Ver http://www.anatel.gov.br/Portal/exibirPortalInternet.do#. Última consulta: 20/6/2010.


maior atrativo das emissoras, para 92,63% dos entrevistados (KIELING, op. cit., pp. 197-198). Levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), por encomenda da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), corrobora a importância do entretenimento e da informação para a construção da noção de pertencimento a uma coletividade. O estudo, abrangendo 917 emissoras de todo o país, mostra que os programas de variedades (24,2%), música nacional (21,1%), jornalismo (17,5%), religiosos (14,4%) e esportivos (9,3%) são predominantes nas grades em AM, enquanto música nacional (37,5%), variedades (20,3%), música estrangeira (17,8%), jornalismo (9,3%) e religiosos (6,3%) prevalecem na programação das FMs. A pesquisa mostra ainda que o setor de radiodifusão sonora representa um valor adicionado de 0,49% do Produto Interno Bruto (PIB), pouco atrás de vestuário e acessórios (0,61%), gerando 143,5 mil empregos diretos e mais 159,1 mil indiretos em todo o Brasil. Dos trabalhadores ocupados no setor, 11,9% têm nível superior completo; 24,6%, superior incompleto; 6,7%, médio completo; e 44,2%, médio incompleto. Diferentemente de outros setores das indústrias midiáticas, dependentes dos investimentos publicitários dos governos federal, estaduais e municipais, o rádio tem como principal fonte de receita os anúncios do comércio varejista, que representavam 45% do total arrecadado em 20074. A resiliência do rádio espanta Kieling, que percebe a estabilidade da presença do meio nos lares brasileiros – 87,9% do total, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2009, percentual que se mantém estável ao longo de toda a década5. “Ou seja, apesar dos podcasts, rádios web e outros formatos de som digital, apesar da aceleração no acesso da população à internet e ao telefone móvel que também oferecem conteúdo sonoro digital e segmentado, a manutenção da penetrabilidade dessa mídia analógica, em parte, surpreende. Sobretudo, quando se fala em transição de plataformas tecnológicas. Os dados mostram um desejo de acesso ao mundo digital paralelo à manutenção de seguras rotinas consolidadas no mundo analógico. Trata-se de uma mudança que envolve hábitos culturais e domínio técnico dos novos suportes por parte da instância de recepção. A migração para o digital, além da infraestrutura, da capacidade de compra, exige aprendizado tecnológico.” (KIELING, 2010, p. 180)

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“Análise do perfil sócio-econômico do setor de radiodifusão no Brasil”, 23 de setembro de 2008, Ibre/FGV (dados preliminares). 5 Ver http://www.teleco.com.br/pnad.asp (Última consulta: 21/6/2011).


O parâmetro de comparação é sempre a televisão, que tem no Brasil um peso desproporcional, em termos de audiência e de participação no bolo publicitário – 60,9% do total arrecadado em 2009, de acordo com o Projeto Inter-Meios. O rádio, por sua vez, depois de recuar ininterruptamente até os anos 1980 e de registrar uma efêmera expansão graças à exploração comercial da Frequência Modulada (FM), permanece estagnado na faixa dos 4% do total da receita com publicidade há duas décadas. Estes números, no entanto, podem ser enganosos. Especialistas do setor acreditam que a subnotificação do faturamento publicitário reduz à metade esta participação no bolo. O próprio Projeto Inter-Meios anunciou, em 2007, um esforço para tentar melhorar a aferição, que, no rádio, chegava a apenas 50% da receita total das emissoras brasileiras – menor percentual entre os meios pesquisados; para se ter uma ideia, nas TVs aberta e paga e nas revistas, essa aferição chega à quase totalidade dos negócios6. Em 2009, a Associação Catarinense de Emissoras de Rádio e Televisão (Acaert) fez levantamento próprio da veiculação publicitária em Santa Catarina e concluiu que o rádio detinha fatia de 16,1% do total faturado pelas empresas de comunicação no estado. A disparidade se deveria principalmente ao fato de que mais da metade dos contratos publicitários são fechados diretamente entre anunciantes e emissoras, sem passar pelas agências, principal fonte de informações do setor7. Outro fator de distorção nos dados do meio é o aquecido mercado de arrendamento de radiofrequências, impulsionado pelo proselitismo religioso e pelas disputas de poder político-partidário, locais e regionais. Emissoras trocam de mãos, por meio de contratos de gaveta, driblando as restrições legais à venda de outorgas (RIBEIRO, KISCHINHEVSKY, ABREU, 2011). Políticos, grupos religiosos e até criminosos se utilizam de laranjas para comprar concessões que chegam a ser oferecidas em sites especializados8.

6

Ver “Inter-Meios quer ampliar aferição”, Meio&Mensagem Especial Rádio, p. 10, 17 de setembro de 2007. 7 Ver “Uma relação em crise – Como conciliar as demandas e permitir uma parceria mais afinada entre o rádio e o mercado publicitário”, de Adriana Ferreira, Radioenegocios.com, p. 19, n. 4, março de 2011. 8 Ver Elvira Lobato, “Donos usam laranjas em licitações de rádios e TVs”, Folha.com, 27/3/2011, disponível em http://www1.folha.uol.com.br/poder/894465-donos-usam-laranjas-emlicitacoes-de-radios-e-tvs.shtml, e Elvira Lobato, “Comércio ilegal de rádio e TV funciona sem repressão”, Folha.com, 28/3/2011, disponível em http://www1.folha.uol.com.br/poder/894797comercio-ilegal-de-radio-e-tv-funciona-sem-repressao.shtml (última consulta: 20/6/2011). Esta última reportagem revela que a concessão recém-aprovada pelo governo de uma FM em São Paulo, “por montar”, estava sendo vendida no site Radiodifusão & Negócios por R$ 4,8 milhões. A legislação só permite a transferência de controle de uma rádio após cinco anos de


Tendo a TV como referência comparativa, o rádio parece extremamente pulverizado. Buscando desenhar a cadeia de valor da radiodifusão sonora, a partir dos parâmetros fixados em trabalho realizado pelo Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD) sobre a TV digital, Antônio Francisco Magnoni assinala que o rádio “não gozou das mesmas facilidades estruturais e legais da televisão, e tem poucas redes nacionais ou regionais” (MAGNONI, 2010, p. 128). “O menor porte das redes radiofônicas é explicado tanto pelos limitados recursos financeiros desse veículo quanto pelo fato de não existir, na legislação de rádio, uma outorga equivalente à ‘retransmissora de televisão’. Todas as emissoras são, em tese, geradoras. A formação de redes para transmissão de programação e de publicidade ocorre, de certa forma, à margem do processo legal de concessões.” (idem, p. 129)

É certo que não há parâmetro de comparação com a concentração experimentada pela TV, fomentada pelo regime militar numa estratégia de integração nacional e de perpetuação no poder – estratégia que permaneceu durante a redemocratização, sobretudo no governo José Sarney (1985-1990). De fato, este mercado está nas mãos de cinco redes de alcance nacional (Globo, SBT, Record, Bandeirantes e RedeTV!), com liderança absoluta das Organizações Globo, que detém 32 concessões próprias, 113 geradoras e cerca de 3 mil retransmissoras, abocanhando 57% da audiência nacional (idem, pp. 126-127). Mas a pulverização do rádio assinalada por Magnoni tem como única referência artigo de Antonio Biondi e Cristina Charão, publicado na Revista Adusp. Não detecta movimentos de mercado evidentes ao longo dos últimos anos, com a forte expansão de um punhado de grupos de comunicação e organizações religiosas de expressão nacional e regional, que comprometem a diversidade de vozes no dial, veiculando, em número cada vez maior de cidades, programações geradas a partir de grandes centros urbanos, cabeças de rede em geral sem quaisquer vínculos com a realidade sociocultural, política e econômica local. Desafio metodológico (ou um chamado ao esforço coletivo)

funcionamento, e mesmo assim com aprovação do governo e do Congresso, responsável pela aprovação de cada outorga.


Pesquisar o mercado brasileiro de radiodifusão sonora representa uma tarefa desafiadora, devido à escassez de bases de dados atualizadas e de levantamentos sistemáticos sobre a composição societária das concessionárias. Com a flagrante desatualização dos dados cadastrais de emissoras AM/FM no órgão regulador – a Agência Nacional de Telecomunicações – e as constantes operações de arrendamento de radiofrequências por conglomerados de comunicação e grupos políticos e religiosos, coloca-se um desafio inicial: quantificar a concentração de mercado, caracterizado pela expansão de grandes redes sediadas em capitais como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Diante da ausência de séries históricas confiáveis que atestem a expansão das redes no país, serão levados em consideração dados levantados por dois projetos: o site Donos da Mídia9 e o livro Panorama do rádio no Brasil (organizado por PRATA, 2011)10. Ambos têm limitações, mas constituem um raro esforço na área para mapear o mercado de rádio no país, tão estratégico para a construção da cidadania e para a negociação de identidades individuais e coletivas. Os dados têm sérias discrepâncias, fruto em geral da grande desatualização de informações institucionais das emissoras e das diferenças metodológicas entre as abordagens utilizadas. Uma vez identificadas as redes, buscou-se a confirmação dos dados por meio de consultas às páginas das cabeças de rede na internet, publicações especializadas e, em alguns casos, contato direto com dirigentes das emissoras. Em seguida, os dados foram cruzados com os coletados no Panorama do rádio no Brasil. Em Donos da Mídia, que recorre a fontes primárias como o Sistema de Controle de Radiodifusão (SRD) e o Sistema de Acompanhamento de Controle Societário (Siacco), da Anatel, além de secundárias e terciárias, são identificadas 20 redes de rádio em operação no país em AM e FM, boa parte delas pertencentes a um punhado de grupos econômicos – CBN AM, CBN FM e Globo AM, por exemplo, todas 9

O projeto remonta ao fim dos anos 1970, quando professores e alunos da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) se engajaram em um primeiro mapeamento da estrutura das redes de TV no país. Posteriormente, o jornalista e pesquisador Daniel Herz deu continuidade ao esforço, monitorando as centenas de concessões de rádio e TV publicadas no Diário Oficial da União, num período em que a distribuição de emissoras no Brasil se caracterizava como uma moeda de troca política. Em 2002, o Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação (Epcom) tornou pública via internet sua base de dados. Disponível em www.donosdamidia.com.br/. Última consulta: 10/6/2011. 10 Mapeamento das emissoras AM e FM em operação nas capitais do país. O trabalho foi realizado ao longo de um ano por um grupo de 53 pesquisadores do Grupo de Pesquisa (GP) Rádio e Mídia Sonora, da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom). Em muitas regiões metropolitanas, contudo, houve dificuldades para obtenção de informações junto às emissoras, o que dificulta uma visão mais precisa da composição das redes de emissoras em âmbito regional.


do Sistema Globo de Rádio (SGR), e Band Sat, BandNews FM e Band FM, do Grupo Bandeirantes de Comunicação. De acordo com o levantamento, as redes abrangem 910 emissoras, o equivalente a 9,6% do total em operação no país (9.477). Este total, contudo, inclui rádios comunitárias, impedidas por lei de formarem ou integrarem redes. Se levarmos em consideração apenas as emissoras operando em FM e Ondas Médias (AM) no Brasil no mesmo ano, um total de 4.848, o percentual das que integram redes salta para significativos 18,77%. Somando-se as frequências que repetem a programação da CBN em AM e FM, chega-se a 278 emissoras, o que expressaria um alcance nacional da rede, com milhões de ouvintes por minuto. A Central Brasileira de Notícias, emissora do segmento all news pertencente às Organizações Globo, maior grupo de comunicação do país, aponta, no entanto, números bastante diferentes em sua página na internet. Seriam seis frequências próprias (duas em São Paulo, duas no Rio de Janeiro, uma em Belo Horizonte e outra em Brasília), mais 28 de afiliadas. Uma pessoa com cargo executivo na CBN-Rio negou a informação do site Donos da Mídia, reiterando que a rede conta com 34 emissoras, somadas as frequências em AM e FM. Tomando-se os dados levantados no Panorama do rádio no Brasil, constata-se a existência de pelo menos 27 frequências que retransmitem total ou parcialmente a programação da CBN, só nas regiões metropolitanas das capitais de estados da Federação. Não há informações, contudo, sobre a presença em cidades do interior e sobre redes preexistentes mantidas pelas empresas de comunicação que operam em parceria com o SGR nos mais diversos estados. O portal Donos da Mídia lista não apenas as emissoras parceiras, mas também suas afiliadas, mesmo que estas não retransmitam sua programação, o que pode explicar (ao menos em parte) a discrepância de números. De acordo com os dados do site Donos da Mídia, as redes brasileiras de rádio são as seguintes:


Cruzando-se os dados com o Panorama do rádio no Brasil, no entanto, foram identificadas outras redes de emissoras, voltadas para o rádio musical e analisadas em outro trabalho (KISCHINHEVSKY, 2011). Consideraremos, portanto, a seguinte configuração das redes, tanto em relação ao número de emissoras quanto à participação em grupos econômicos:  Central Brasileira de Notícias (CBN) – Emissora do segmento all news pertencente ao Sistema Globo de Rádio (SGR), tem o sinal repetido em 34 (segundo informações da própria rede) a 278 frequências (de acordo com o portal Donos da Mídia), em AM e FM. A rede foi criada em 1991 e tem programação gerada a partir de São Paulo e, na madrugada, do Rio de Janeiro. Considera-se aqui a CBN como uma só rede, pois não há distinção entre as programações veiculadas em AM e FM;  Rádio Gaúcha – Uma das mais tradicionais emissoras do país, surgida nos anos 1920 e um dos pilares do grupo RBS, de Porto Alegre (RS), veicula sua programação informativa em 113 (segundo o portal Donos da Mìdia) a 145 frequências (de acordo com o Panorama...), concentrando suas operações na Região Sul do país;  Jovem Pan Sat AM e FM – Pertencente ao Grupo JP, hoje controlado por Antonio Augusto Amaral de Carvalho Filho, o Tutinha, existe há mais de 60


anos, atuando desde 1976 em FM e em rede a partir de 1994. Com 80 frequências, das quais 66 em FM (segundo o site Donos da Mídia), ou 144, sendo 90 delas em AM (de acordo com informações do diretor-geral, Calil Bassit11), chega até ao exterior, operando nas praças de Nova York, Miami e Tóquio, via satélite. A programação, gerada a partir de São Paulo, é focada no público jovem, classes A e B, com predomínio de música e humor em FM e de jornalismo em AM. Considera-se aqui a existência de duas redes Jovem Pan, uma em FM, outra em AM, devido às especificidades de programação;  Band FM – Com 61 emissoras, segundo o site Donos da Mídia, informa em sua própria página na internet que cobre 700 municípios em todo o país e tem uma audiência total de cerca de 40 milhões de pessoas. Atua no segmento conhecido como pop contemporary hit radio, com foco no público jovem, das classes B e C. É controlada pelo Grupo Bandeirantes de Comunicação, com sede em São Paulo, que também conta com Nativa FM, Sulamérica Trânsito FM e Mitsubishi FM, além de emissoras dedicadas ao jornalismo;  Rede Novo Tempo de Rádio – Ligada à Igreja Adventista do Sétimo Dia, conta com 100 frequências em AM e FM em todo o país, de acordo com o portal Donos da Mídia, tendo cabeça de rede em Jacareí (SP). Sua página na internet permite ouvir duas programações padronizadas, uma em português e a outra em espanhol, alternando programas de caráter proselitista e músicas religiosas. Lista ainda 14 afiliadas, com autonomia na construção de suas próprias grades de programação12;  Rede Católica de Rádio (RCR) – Com 71 afiliadas em AM e duas em FM, em todo o país, de acordo com o portal Donos da Mídia, tem na Rádio Aparecida, de São Paulo, sua cabeça de rede. A programação, no entanto, é descentralizada, com a rede ligada à Igreja Católica se formando apenas em torno de eventos do calendário religioso e de determinados programas, principalmente à noite;  Rádio Globo AM – Braço popular do SGR, com cabeça de rede no Rio de Janeiro, conta com duas emissoras próprias e 32 afiliadas (segundo informações de seu site) ou 29 frequências (de acordo com o portal Donos da 11

Ver “Fusão e difusão – O aumento da concorrência e as novas tecnologias não atrapalham o bom desempenho das redes e elas seguem expandindo”, de Adriana Ferreira e Raphael Bontempo, Radioenegocios.com, pp. 16-24, n. 3, dez. 2010. A Jovem Pan informa, na reportagem, ser a maior rede de rádios do Brasil, com 25 milhões de ouvintes. Só em 2010, sete novas afiliadas foram incorporadas à rede, de acordo com o executivo. 12 Ver http://novotempo.com/radio/. Última consulta: 20/6/2011.


Mídia). Segundo informações da coordenadora de redes da Globo, Flávia Gurjão, cinco novas afiliadas foram incorporadas em 2010, possibilitando a cobertura de 626 municípios de todo o país. A meta é agregar oito emissoras a cada ano13;  Rede Aleluia – Com 40 afiliadas, segundo o site Donos da Mídia, tem cabeça de rede em São Paulo e é controlada pela Igreja Universal do Reino de Deus, veiculando programas dedicados ao proselitismo religioso;  Rede Mix – Pertencente à família Di Gênio, do Grupo Objetivo de Ensino, tem cabeça de rede em São Paulo e leva sua programação musical voltada para o público jovem, das classes A e B, a 22 praças (segundo o portal Donos da Mídia, a rede contaria com apenas 12 frequências);  Rede Antena 1 – Com 17 afiliadas, segundo o site Donos da Mídia, tem sede em São Paulo e mantém programação adulta, no segmento classic hits;  Oi FM – Com 10 (segundo dados de seu site) a 16 emissoras (de acordo com o portal Donos da Mídia), todas “patrocinadas” pela operadora de telefonia homônima, foi criada em 2004 e tem cabeça de rede em Belo Horizonte, mas vem descentralizando sua programação nas principais praças em que atua. Oferece programação jovem, predominantemente pop e rock, para a classe A;  Rede Nossa Rádio14 – Ligada à Igreja Internacional da Graça de Deus, do missionário R.R. Soares, conta com 15 afiliadas (segundo informações de seu próprio site) e tem cabeça de rede em São Paulo, transmitindo programação que mescla música pop cristã e proselitismo religioso;  Rede Atlântida – Ligada à Rede Brasil Sul (RBS), que também controla as rádios Gaúcha, Itapema e Cidade, conta com 13 emissoras do segmento jovem no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina (segundo informações de seu próprio site);  Rede Transamérica – Pertencente ao empresário Aloysio Faria, tem cabeça de rede em São Paulo e mantém três programações musicais simultâneas para afiliadas (Pop, Hits e Light), com foco no segmento adulto-jovem, das classes A, B e C. Seu site lista oito emissoras de praças distintas, mas, segundo o

13

Ver “Fusão e difusão”, de Adriana Ferreira e Raphael Bontempo, op. cit. Ver http://www.nossaradiofm.com.br/site/scr/default.asp (Última consulta: 20/6/2011). Num exemplo da desatualização das informações institucionais das maiores redes, o site da Nossa Rádio aponta a frequência 89,3 MHz como de uma afiliada, ignorando o fato de que a emissora foi arrendada pelo SGR, em 2010, passando a repetir o sinal da Globo AM em Frequência Modulada. 14


diretor da rede, Luiz Guilherme Albuquerque, a marca Transamérica soma outras 55 franqueadas, das quais 18 incorporadas só em 201015;  Milícia da Imaculada – Pertencente à associação religiosa homônima, de orientação católica, a rede conta com oito emissoras (segundo o Panorama...) ou 26 (de acordo com o site Donos da Mídia), mas, em sua página na internet, informa que distribui programação – em geral, noturna – para 83 rádios em 17 estados brasileiros, via satélite16.  Rede Sucesso – Criada em Goiânia (GO) em 2001, pelo radialista Gilson Almeida, tornou-se espaço privilegiado da música sertaneja, mirando nas classes C e D. Ao final de 2010, segundo informações de sua página na internet, contava com dez emissoras afiliadas nos estados de Goiás, Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais, além de Brasília. Reserva os horários das 8h às 12h e das 13h às 16h para programação local das afiliadas17;  Rede Melodia – Com sede em Petrópolis (RJ), de orientação evangélica, tem oito afiliadas no Sudeste e no Nordeste do país, sendo a segunda FM mais ouvida no Rio de Janeiro de acordo com dados do Panorama...;  Rede Mundial de Comunicação – Com sede em São Paulo, abrange as rádios Tupi FM, Kiss FM, Terra, Scalla, Mundial e Iguatemi, que mantêm programação relativamente autônoma;  Nova Brasil FM – Com cinco emissoras próprias e cabeça de rede em São Paulo, investe no segmento adulto-jovem contemporâneo, classes A e B, com sua programação musical dedicada à MPB.

A identificação destas 20 redes, a despeito da discrepância de números entre as variadas fontes consultadas, mostra crescente concentração do mercado de radiodifusão sonora no país, com a hegemonia de um punhado de grandes grupos de comunicação – SGR, Bandeirantes, Jovem Pan, RBS, dos quais apenas o último não tem presença nacional – e organizações religiosas – com predomínio de denominações católicas e protestantes.

15

Ver “Fusão e difusão”, de Adriana Ferreira e Raphael Bontempo, op. cit. Conhecida pela programação musical pop, muito bem-sucedida nos anos 1980, a Transamérica passou a operar em rede via satélite em 1990. Na última década, passou a apostar também na transmissão esportiva, com um padrão de locução FM, oferecendo uma alternativa ao estilo tradicional dos comunicadores de rádios AM. 16 Ver http://www.miliciadaimaculada.org.br/ver3/default.asp?pag_ID=139 (Última consulta: 19/6/2011). 17 Ver “Fusão e difusão”, de Adriana Ferreira e Raphael Bontempo, op. cit.


A disparidade das informações, contudo, dificulta a análise do mercado de radiodifusão sonora, reconfigurado nas últimas duas décadas pela possibilidade de formação de redes via satélite e pelo avanço de grandes grupos de comunicação e organizações religiosas, muitas vezes de forma articulada com a política partidária local e regional. O avanço tecnológico que propicia esse movimento de concentração é flagrante se considerarmos que, em meados dos anos 1980, apenas a Transamérica distribuía sua programação via satélite. A L&C, outra importante rede do período, enviava programação pré-gravada, com músicas, anúncios e vinhetas, para todas as suas afiliadas através de malotes dos Correios (ORTRIWANO, 1985, pp. 31-32). É urgente a consolidação de bancos de dados confiáveis sobre este importante segmento das indústrias midiáticas, sem o que se compromete a formulação de políticas públicas que possam garantir a diversidade na oferta de bens simbólicos, sobretudo de caráter local. Iniciativas como Donos da Mídia e Panorama... devem ser aprimoradas, para que possam fornecer subsídios a políticas setoriais, chave num momento de forte indefinição regulatória. Considerações finais

Em outro trabalho (KISCHINHEVSKY, 2007), alertou-se para o risco da expansão de redes de rádio, que ao fim do século 20 reduziam a oferta de conteúdos locais, principalmente em cidades de médio porte, mais atraentes para os grandes grupos de comunicação com sede em capitais como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. O percentual de programação própria nas emissoras que passavam a integrar redes era variável, oscilando de zero a 90%, mas no segmento musical a produção de conteúdo local em geral era mínima, restando apenas janelas para inserções publicitárias. Qual o atrativo para emissoras locais serem incorporadas a redes? A perspectiva de aumento de audiência e, consequentemente, de receita publicitária – mesmo que repartida com as cabeças de rede. “Todas as emissoras crescem mais de 50% ao passar a serem afiliadas, algumas até 80%”, prometeu Calil Bassit, diretorgeral da Jovem Pan, em entrevista à revista especializada Radioenegocios.com. No caso do rádio musical, é usual abrir mão de produzir programação local, reproduzindo 100% do que é gerado pela cabeça de rede, o que traz também dramática redução de custos com pessoal. “Se a afiliada tiver interesse em fazer horário local, ela nos


consulta”, explica Bassit, da Jovem Pan. Isso não costuma ocorrer, contudo, de acordo com o executivo, “porque normalmente acham que não vão ter condições de produzir um conteúdo com a mesma qualidade”18. A situação é grave tanto no rádio musical, decisivo para a construção de identidades sociais e culturais, quanto no rádio informativo. Ao se tornar afiliada, uma emissora em geral reduz quadros em todos os níveis, deixando de cobrir – total ou parcialmente – os acontecimentos de sua praça. Executivos de redes voltadas ao segmento all news costumam argumentar de modo falacioso que a incorporação a um grande grupo leva noticiário da praça da afiliada para a rede, e não apenas o contrário. Este raciocínio não se sustenta na prática das principais emissoras, que acabam limitando a entrada de repórteres no ar a um clube restrito de cidades estratégicas – em geral, Brasília (centro de decisões políticas), São Paulo (principal centro econômico do país), Rio de Janeiro (sede de grandes empresas como Vale, Petrobras e EBX e órgãos públicos como o IBGE e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES) e, em menor grau, pólos regionais como Belo Horizonte, Porto Alegre e Salvador. A emergência de um mercado paralelo de arrendamento de radiofrequências expõe a necessidade de um novo arcabouço regulatório para a radiodifusão sonora. Hoje, o rádio é explorado no Brasil como uma concessão de serviço público, mas as outorgas de radiodifusão acabaram de fora da Lei 8.987, conhecida como Lei das Concessões, e têm prazo de dez anos (renováveis) previsto na Constituição (artigo 223). Além disso, as emissoras são obrigadas a transmitir noticiário do governo e propaganda eleitoral, caracterizando o setor como algo híbrido, entre a radiodifusão e as telecomunicações (CARVALHO e PIERANTI, pp. 159-160). Para complicar, cada serviço de rádio tem status e processos licitatórios distintos: estações AM são concedidas; FMs são outorgadas por meio de permissão (e há diferenças significativas para emissoras comerciais e educativas); e, por fim, rádios comunitárias operam após receberem uma autorização do governo. É urgente estabelecer um novo marco regulatório para a radiodifusão sonora, propiciando uma comunicação mais plural e que atenda às demandas locais por informação e entretenimento. É preciso estabelecer limites para a concentração do mercado e garantir, aos órgãos reguladores, instrumentos para coibir abusos, como o avanço do proselitismo religioso no dial, a perpetuação de oligarquias eletrônicas e a formação de redes controladas por conglomerados de comunicação que não mantêm 18

Cf. “Fusão e difusão”, Adriana Ferreira e Raphael Bontempo, op. cit.


laços com a realidade das praças em que atuam. O Estado precisa assumir seu papel de regulador, evitando assim que microfones se transformem em púlpito, palanque ou instrumento de homogeneização, deformação de opinião pública. Políticas públicas para o setor devem levar em consideração mecanismos mais eficientes de fiscalização do controle societário das emissoras, limites à retransmissão de programação numa mesma praça e o estabelecimento de cotas de conteúdo local qualificado (informativo). É preciso, ainda, rediscutir as fronteiras – cada vez mais tênues – entre radiodifusão e telecomunicações, para que não se mantenham reservas de mercado que acabam por privilegiar grandes grupos econômicos, livrando-os de concorrência salutar para a audiência. Caso contrário, corre-se o risco de fomentar uma concentração sem precedentes no mercado de radiodifusão, com prejuízo para a diversidade de vozes no dial e para a oferta de conteúdos locais. Referências bibliográficas

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Nuevas formas de regulación internacional y su impacto en el ámbito latinoamericano Guillermo Mastrini Universidad de Buenos Aires

Diego de Charras Universidad de Buenos Aires

Cecilia Fariña1

Universidad de Buenos Aires

Resumen: En este texto procuramos analizar la relación entre el cambio en el paradigma regulatorio y el creciente peso de diversos organismos internacionales en las decisiones vinculadas al ámbito cultural. Nuestra hipótesis es que estas transformaciones tienen estrecha vinculación con las discusiones acerca de las posibilidades y necesidades de generar un mercado global de comunicación y cultura. Palabras clave: Regulación; Latinoamérica; Mercado global de comunicación y cultura; Resumo: Neste texto analisamos a relação entre as mudanças no paradigma regulatório e o crescente peso de diversos organismos internacionais nas decisões vinculadas ao âmbito cultural. Nossa hipótese é de que tais transformações estão estreitamente ligadas às discussões sobre as possibilidades e necessidades do surgimento de um mercado global de comunicação e cultura. Palavras-chave: Regulamentação; América latina; Mercado Global de Comunicação e Cultura. Abstract: This paper intends to analyze the relationship between the changes in the regulatory paradigm and the growing influence of many international organizations on the decisions made about the cultural field. Our hypothesis grants that these changes are very attached to the discussions about the possibilities and needs of the rising of a global market of communication and culture. Keywords: Regulation; Latin America; Global market of communication and culture Presentación A partir de la “Ronda de Uruguay” de la Organización Mundial de Comercio (OMC), los servicios y bienes culturales comenzaron a formar parte de la agenda del organismo. Se trata de un acontecimiento que marca un “antes y un después” en la relación cultura/ comunicación y mercado. En efecto, aún cuando existen 1

Profesores de la Carrera de Ciencias de la Comunicación de la Universidad de Buenos Aires.


antecedentes y limitaciones, es a partir de dicho momento que los criterios que guiaban la regulación del sector comunicación/cultura terminan de asumir un sesgo economicista, en detrimento de su histórico enfoque basado en la protección de la libertad de expresión, el acceso a la cultura y el pluralismo informativo. En este texto procuramos analizar la relación entre el cambio en el paradigma regulatorio y el creciente peso de diversos organismos internacionales en las decisiones

vinculadas

al

ámbito

cultural.

Nuestra

hipótesis

es

que

estas

transformaciones tienen estrecha vinculación con la posibilidad y la necesidad de generar un mercado global de comunicación y cultura. Si bien la transnacionalización de los bienes culturales encuentra tempranos antecedentes, por ejemplo en los mercados del cine y de la música, la posibilidad de unificar la distribución de bienes simbólicos instantáneamente, a nivel global y con crecientes dificultades para establecer limitaciones estatales/fronterizas, está estrechamente vinculado al proceso de digitalización e informatización de la cultura. Siguiendo las tesis de Kart Polanyi (2007), todo mercado precisa de un Estado, de una institución regulatoria que sirva para asegurar el marco jurídico de los inversores y que resuelva las disputas entre los capitalistas. Ante la emergencia de la globalización, que implica entre otras cuestiones la globalización de los mercados, los principales operadores corporativos del mercado global precisan que emerja un sistema regulatorio también global que proteja sus intereses. Diversos organismos internacionales han comenzado a cumplir dicha función. En este artículo procuramos estudiar la influencia del gobierno global emergente en el espacio cultural latinoamericano y observar su influencia en el diseño de las políticas del amplio sector de la comunicación en la actualidad. Para comprender el papel que juegan estos actores a nivel mundial analizaremos, en primer lugar, el propio concepto de gobernanza global que procura divulgarse para, con posterioridad, tratar de comprender

las

transformaciones

propuestas

tanto

en

el

sector

de

las

telecomunicaciones como en el audiovisual. En tercer lugar, analizaremos algunas resistencias que se han presentado a nivel mundial especialmente vinculadas a organizaciones de la sociedad civil y, de otra forma más diplomática, en organismos como la UNESCO. Finalmente, procuraremos mostrar cómo criterios regulatorios generales comienzan a ser aplicados en Latinoamérica a través de los acuerdos de libre comercio. En efecto, especialmente a partir de las dificultades encontradas por el gobierno norteamericano para avanzar en la implementación de un acuerdo regional de libre comercio, el ALCA, dicho proyecto fue sustituido por un conjunto de acuerdos


bilaterales, entre el país del norte y diversos países sudamericanos. En este sentido resultara útil analizar los acuerdos de libre comercio firmados entre Chile y Estados Unidos, y el que este país está a punto de suscribir con Colombia. Por otra parte, también analizaremos el protocolo para la distribución satelital firmado entre EEUU y Argentina. Gobernanza Global

La relación entre las políticas culturales y de comunicación y las sociedades ya no está solo mediatizada por los Estados y los actores corporativos interesados. Los organismos internacionales como la Organización Mundial de Comercio (OMC), la Organización Mundial de Propiedad Intelectual (OMPI), la Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN), la Organización de las Naciones Unidas para la Educación, la Ciencia y la Cultura (UNESCO), la Unión Internacional de Telecomunicaciones (UIT), así como los acuerdos supranacionales -Unión Europea (UE), Tratado de Libre Comercio de América del Norte (NAFTA)- y bilaterales intervienen crecientemente en el diseño de las políticas de comunicación de los países. Son cada vez más numerosos los trabajos que destacan los importantes cambios en la regulación del sistema mediático.

Jan Van Cuilemburg y Denis McQuail (2005) señalan que está emergiendo un nuevo paradigma de políticas de medios en el que se destacan la convergencia tecnológica y económica, que facilitan que la regulación de los sistemas de comunicación masiva incorpore elementos de las políticas de telecomunicaciones. Cada día tiene más peso, en la política de medios, la búsqueda del beneficio y la generación de puestos de trabajo: “los gobiernos están retrocediendo en la regulación donde interfiere con el desarrollo del mercado y dándole mayor prioridad a la economía sobre el bienestar sociocultural cuando las prioridades deben ser establecidas”. Al referirse a los criterios adoptados por la Comisión Europea, Van Cuilemburg y McQuail observan cómo las reglas de la competencia se posicionan como el vehículo principal para regular el mercado de la comunicación electrónica. Sandra Braman (2004) comparte la idea del nuevo régimen pero incorpora decididamente la dimensión global. Para Braman el régimen global de información emergente desafía la naturaleza del gobierno en los siguientes aspectos: la definición del ciudadano; el desplazamiento de la representación democrática por la


representación de los que tienen capacidad económica; la discusión del propio sistema de gobierno (por ejemplo en ICANN, donde aparecen formas de gobierno privado). Otra característica novedosa es que los actores corporativos tienen capacidad para moverse más rápido y más libremente que las estructuras estatales. Podríamos agregar que los actores corporativos globales adquieren destrezas especiales por su negociación permanente con los diferentes gobiernos. Los organismos reguladores de numerosos países, especialmente de los periféricos, suelen contar con menos recursos humanos y económicos. Braman afirma que diferentes estudios de políticas convergen hoy en lo que denominan “un único Régimen Global de Información: Global porque involucra tanto actores estatales como no estatales y Régimen por tratarse de un equilibrio con condición dinámica, que involucra al gobierno, la gobernanza y la gobernabilidad”. Estas ultimas diferencias conceptuales señaladas no son menores y merecen ser investigadas y reconocidas. La autora distingue claramente entre el gobierno (las instituciones, reglas y prácticas formales), la gobernabilidad (el contexto cultural y social en el que emergen las formas de gobernanza) y la gobernanza. Esta última es definida como “las instituciones, reglas, acuerdos y prácticas formales e informales de los actores estatales y no estatales, y las decisiones y comportamientos que tienen un efecto constitutivo sobre la sociedad”. Se trata de un concepto nuevo en el campo comunicacional, hasta el momento muy poco estudiado en la región latinoamericana y es casi inexistente en la bibliografía. Para Jean Tardiff (2005) es una modalidad política definida por “los procesos mediante los cuales las sociedades política, económica y civil negocian las modalidades y formas de arreglos sociales planetarios sobre la base del principio de cooperación conflictual”. Por su parte, Seán Ó Siochrú y Bruce Girard (2002), destacan dentro del nuevo régimen global el creciente peso de los organismos no vinculados al sistema de Naciones Unidas como la OMC y la ICANN; la emergencia de organismos cuasigubernamentales controlados por el sector privado (OCDE, GII); la centralidad en mecanismos de mercado con el apoyo de los Estados más poderosos (G8); la incipiente participación de la sociedad civil; y la sofisticación de los países industrializados en su intervención en los organismos internacionales. Un aspecto donde coinciden todos los estudios es en el dinamismo del régimen global. Este hecho contrasta con el tradicional estatismo de la regulación nacional que solía perdurar varios años. Los avances tecnológicos constantes y las


continuas presiones de los actores corporativos para maximizar el beneficio condicionan la estabilidad regulatoria y presionan para su continua actualización. En el proceso globalizador, se visualizan limitaciones al accionar tradicional de los Estados. En parte, como consecuencia del afianzamiento y surgimiento de nuevos actores en la escena mundial con distintas capacidades de decisión y negociación. Si bien los Estados-Nación siguen siendo importantes, no todos son iguales. Sandra Braman (op. cit) distingue uno hegemónico (Estados Unidos), dos competencias (Japón y la Unión Europea), y los países en desarrollo para los cuales la “Sociedad de la Información” y el nuevo entorno regulatorio pueden ser fuentes de bienestar social pero también de control. Para que lo primero ocurra, los países periféricos deben tienen que participar activamente del proceso de reestructuración global, y no limitarse a esperar las dádivas que el avance tecnológico les prometa (Noam, 2004). Hemos señalado que además de los Estados deben considerarse actores globales cada vez más importantes. Marc Raboy (2002) realiza una muy interesante clasificación de los mismos. En primer lugar, destaca las Organizaciones globales, especialmente la Organización de las Naciones Unidas (ONU) y su familia de instituciones vinculadas a la comunicación: UNESCO, UIT, OMPI. Fuera del sistema ONU, pero con carácter de organización global aparece la que cada día detenta más influencia: la OMC. En segundo lugar, Raboy encuentra a los clubes multilaterales exclusivos como la Organización para la Cooperación y el Desarrollo Económico (OCDE), el “Grupo de los 8”, o el Global Information Infraestructure (GII), terrenos de testeo de las políticas pro-negocios, protoglobales2. En tercer lugar, aparecen los grupos regionales multi estados, principalmente la Unión Europea, y con menor capacidad regulatoria el NAFTA, el Mercado Común del Sur (MERCOSUR) u otras organizaciones similares que han privilegiado las reducciones aduaneras. También se destacan las organizaciones del sector privado transnacional, y las organizaciones de la sociedad civil. Finalmente, Raboy reconoce un nuevo tipo, las organizaciones transversales, entre las que destaca a ICANN. Aunque su estudio excede las posibilidades del presente artículo, es muy importante estudiar ICANN como nueva forma de regulación emergente, con claro predominio de actores corporativos.

2

Estas instituciones han sabido funcionar como think tank y promotores de los nuevos diseños políticos, y en algunos casos han servido además como un lugar donde los países centrales buscan alcanzar consensos básicos entre ellos.


De acuerdo a Derrick Cogburn (2004), en este nuevo escenario la OMC procura regular el comercio mundial vinculado a la comunicación. ICANN y la OMPI participan en un nivel medio adaptando estructuras tradicionales como la propiedad intelectual por ejemplo (es importante recordar que ICANN reconoció los derechos de propiedad intelectual para los nombres de dominio), mientras que la aplicación del régimen a nivel nacional queda en manos de los gobiernos nacionales. En este esquema, los gobiernos parecen quedar casi limitados a traducir a nivel local las estructuras regulatorias mundiales. Un ejemplo de esto lo ha dado la OMC con la promoción de la liberalización absoluta de las telecomunicaciones, en detrimento de la regulación nacional y la propiedad estatal. Como se verá más adelante, los acuerdos alcanzados en 1997 por más de 70 países constituyeron un nuevo marco regulatorio mundial que sirvió de guía y a la vez constituyó una obligación para los estados nacionales que, una vez suscripto el acuerdo, se vieron en la necesidad de adaptar su legislación en la materia. Los principios establecidos fueron liberalización y privatización. Cabe destacar que en muchos casos los debates efectuados para re-regular el sistema comunicacional se realiza en ámbitos muy reservados. Si las políticas de comunicación no presentaron históricamente un alto grado de participación social, en los últimos años ha disminuido el carácter nacional de las mismas, y se ve incrementado el perfil técnico-económico, en ámbitos internacionales que dejan incluso menos espacio para la participación ciudadana. Por otra parte, la cuestión del papel regulador de los Estados resulta de crucial importancia ante el desarrollo de nuevas tecnologías de información y comunicación. Una vez más, la intervención estatal en los países en desarrollo puede tanto representar una fuente de bienestar social como operar políticas de control social. Ante el riesgo de caer en una mirada reduccionista sobre la relación “Cultura y mercado”, Diego de Charras (2006) advierte que “los cambios que se producen no están determinados por la tecnología sino por la lógica de acumulación del modo de producción en un momento histórico y su articulación o desarticulación con él”. Los productos culturales son transmisores de visiones del mundo. La naturaleza dual de las obras culturales hace que operen como expresiones de identidad, pero también como bienes y servicios mercantiles. Son dos aspectos indisociables, que resultan caros si no se consideran. Ya que caer en el reduccionismo tecnológico o en el reduccionismo de que lo cultural y lo simbólico nada tienen que ver


con lo mercantil, es desconocer la dimensión política de la cultura, de sus diversas expresiones y mensajes y de la importancia de su regulación. Por ende, es crucial la participación de los Estados en las “mesas de concertación multi-intereses” (o, como veremos más adelante, su ya famoso término anglosajón multistakeholders) junto a otros Estados, corporaciones privadas y representantes de la Sociedad Civil. Como señala Ramón Torrent (2002): “Es importante que los Estados evalúen lo que firman en lo que tiene que ver con la cultura ya que no se supedita sólo a lo económico (…) y por otra parte a lo que tiene que ver con las Tecnologías que dependen de otros Estados más desarrollados, ya que al aceptar sus condiciones en futuros desarrollo tecnológicos, se verán dependientes de los mismos”. La posición de Torrent adelanta dos cuestiones claves: la importancia de articular equipos de negociación interdisciplinarios que puedan reconocer el rol especial de la cultura, y la necesidad de tener visiones prospectivas. Porque todos los Estados participan de una u otra manera de la gobernanza global. Claro que los Estados, con desiguales capacidades según sea el caso, además de verse obligados a negociar con los organismos internacionales, deben afrontar nuevos desafíos: el fenómeno de la convergencia y la concentración de medios nacionales en manos internacionales, al mismo tiempo que deben tomar recaudos para el resguardo del patrimonio cultural. Ante este panorama, resulta crucial un estudio sobre las formas que se están adoptando a nivel mundial para regular el intercambio cultural y comunicacional. Para ello, a continuación realizaremos un análisis parcial de los principales acuerdos en los sectores de telecomunicaciones y audiovisual, para después estudiar qué formas adquiere el régimen global en Latinoamérica. Antes de abocarnos a dicho estudio es preciso hacer notar que éste es particularmente necesario en América Latina. Con una rica tradición académica en el estudio de las políticas nacionales de comunicación, desde la década del ’80 los temas de economía política de la comunicación quedaron en los márgenes de la discusión. Sin embargo, acordamos con Enrique Sánchez Ruiz (2005) cuando señala que “los estudios sobre comunicación en la región, en ocasiones se dejan llevar por novedades intelectuales y repentinamente tiran a la basura conceptos, teorías, enfoques, paradigmas preexistentes, para substituirlos a veces en bloque, por otros ‘nuevos’, los mismos que en ocasiones en realidad suelen venir a ‘redescubrir la rueda’ y que eventualmente son substituidos por ‘nuevas’ versiones de los anteriores, que a su vez suelen aparecer, sin memoria de su anterior presencia”. En este artículo procuramos


realizar un modesto aporte para recuperar la tradición crítica en materia de políticas de comunicación. Telecomunicaciones y audiovisual

Un aspecto cada vez más necesario es analizar la intervención de la Organización Mundial de Comercio (OMC) en la incipiente regulación global de las telecomunicaciones y el sector audiovisual. Es preciso recordar que la OMC se estructura a partir de rondas de negociación entre los países miembros en las cuales se acuerdan medidas para liberalizar el comercio. No es redundante recordar que desde su creación en la posguerra como Acuerdo General de Comercio e Impuestos Aduaneros (GATT por su sigla en inglés), no todos los sectores económicos fueron regulados de igual manera. De esta forma, los países hegemónicos consiguieron importantes concesiones de los países periféricos en materia de liberalización del sector industrial mientras mantenían (y mantienen) toda su política de subsidios y limitaciones a la competencia en el sector de la producción primaria, especialmente la agrícologanadera. Como se ha señalado en la introducción, a partir de la ronda Uruguay comenzaron las presiones para introducir procesos de liberalización del comercio en el sector servicios. Dentro de éste quedarían incluidos los bienes culturales, las “mercancías simbólicas”. En 1995, junto a la transformación del GATT en OMC entró en vigor el Acuerdo General sobre Comercio de Servicios (GATS por sus siglas en inglés) aunque las negociaciones efectivas comenzaron recién a principios de 2000. Su propósito es liberalizar progresivamente el “comercio de servicios” entre los miembros de la OMC. El comercio de servicios se define de manera muy amplia para incluir la inversión extranjera directa en diversos sectores, entre los que están incluidos las telecomunicaciones y el audiovisual. Es importante destacar que la liberalización implica la eliminación de cualquier medida gubernamental que podría favorecer a un proveedor nacional frente a uno extranjero, así como la desregulación cuando una norma se considera demasiado onerosa para los inversionistas y proveedores de servicios extranjeros. Frente a este avance, algunos países comenzaron a delinear un proceso de resistencia (ver más adelante) que en un primer momento promovió la “excepción cultural”. Esta iniciativa permitió que no se incluyera la discusión sobre la liberalización cultural en la ronda inicial. Pero a cambio cedió el compromiso de incorporar el tema en la siguiente ronda.


Una vez que las telecomunicaciones y el sector audiovisual fueron incluidos en las rondas de negociaciones su comportamiento fue bien diferenciado. Mientras que en el sector telecomunicaciones se produjo una fuerte reestructuración, básicamente a partir de la apertura de mercados y las privatizaciones, en el área de servicios audiovisuales el avance fue muy moderado. Esto implica que dentro de la OMC existen crecientes tensiones por la presión para liberalizar este sector. Históricamente, en el sector de las telecomunicaciones el monopolio se justificó a partir de la necesidad de alcanzar economías de escala, en un sistema en el que los grandes usuarios soportaban el mayor costo de los servicios. En este sistema, los altos costos fijos se complementan con minúsculos costos marginales, por lo que se tornaba preciso generar una demanda de mercado de elevado nivel. Sin embargo este panorama cambió drásticamente a partir de la digitalización. De acuerdo a J. P. Singh (2004), el éxito de los productos digitales reside en el hecho de poder generar una gran demanda en el corto plazo. De esta forma, la digitalización da más oportunidades de ofertas múltiples de servicios sobre una red, y alienta las economías de escala. Otra innovación importante es la introducción del desempaquetado del producto, que permite la fragmentación de los servicios telefónicos para que estos puedan ser “clientizados” (customizados). Ante

estas

innovaciones,

las

grandes

corporaciones

globales

de

telecomunicaciones presionaron para obtener un entorno regulatorio que les facilitara obtener beneficios en el nuevo ambiente digital. Encontrarían en la OMC y especialmente en los acuerdos del GATS un vehículo apropiado. Los acuerdos generales del GATS son horizontales y se aplican a todos los servicios. Entre sus principales medidas se destacan: - Tratamiento de Nación Más Favorecida (NMF) no se puede discriminar a servicios y proveedores entre todos los países miembros de la OMC. - Obligación de transparencia, objetividad e imparcialidad en la regulación doméstica; las regulaciones no pueden tener un efecto negativo sobre la competencia - Prohibición de Monopolios - Acceso a los mercados (Market access): no se pueden mantener medidas destinadas a limitar el número de proveedores en un mercado doméstico, o el valor o la cantidad de servicios, o el número de personas autorizadas a suministrar el servicio. No puede haber restricción al capital extranjero. Sin embargo, esta amplia apertura no fue suficiente y, en 1997, 69 países (entre los que se incluyen los más importantes del mundo) acordaron firmar un anexo


especial para el sector de las telecomunicaciones, con alcance a redes y servicios de transporte de telecomunicaciones públicas. En dicho anexo de 1997 se establecieron los siguientes criterios: - salvaguardas a la competencia: se prohibieron las prácticas anticompetitivas como los subsidios cruzados, o no dar información técnica necesaria para otros operadores puedan entrar y permanecer en el mercado. - Interconexión: los mayores operadores deben facilitar interconexión sobre condiciones no discriminatorias, transparentes y razonables. Tiene que existir el desempaquetado. - Promoción del Servicio Universal - Creación (o mantenimiento) de Reguladores Independientes Para dar cuenta del impacto de estas medidas, basta recordar que en el caso argentino, el gobierno se vio obligado a fijar un nuevo marco regulatorio que estuviera dentro de los marcos establecidos por el Anexo de Telecomunicaciones. En efecto, durante el año 2000 el presidente De la Rúa firmo el decreto 764/00 que terminó de completar el proceso de liberalización absoluta del mercado telefónico. No haberlo hecho hubiera expuesto al país a sanciones comerciales de parte de la propia OMC. Porque es necesario recordar que a diferencia de los organismos globales de la familia de la ONU, quienes incumplen los acuerdos de la OMC son susceptibles de ser sancionados por la organización y quedar aislado del comercio internacional3. Siguiendo con el análisis del caso argentino, toda esta batería de medidas no ha logrado impulsar mayor competitividad. El principal cambio ha sido el desmantelamiento del monopolio público, tarea que en el caso argentino, cabe aclarar, ya había sido realizada 10 años antes. Como señalan Damien Geradin y Michel Kerf (2004) las características del mercado de telecomunicaciones hacen que se mantenga un importante poder de mercado en las compañías líderes preexistentes al proceso liberalizador sobre los nuevos competidores y las aspiraciones de los usuarios. El panorama es distinto en el sector audiovisual, dado que la OMC no registra la convergencia entre las telecomunicaciones y el audiovisual. En la clasificación de sectores que detalla el organismo, aparecen claramente diferenciados. Sin embargo,

3

Entre los considerandos del citado Decreto 764/00 puede leerse: “la República Argentina suscribió el Cuarto Protocolo Anexo al Acuerdo General sobre el Comercio de Servicios con la Organización Mundial del Comercio (OMC), ratificado por Ley Nº 25.000, asumiendo el compromiso de abrir a la competencia los servicios de telecomunicaciones, sin restricción alguna”.


existen presiones para unificarlos a partir del argumento que los servicios audiovisuales digitalizados y transportados por enlaces de banda ancha, no pueden ser distinguidos de otros servicios de telecomunicaciones. Para quienes sostienen esta posición, no debería existir separación de compromisos entre la red y el contenido que se suministra por medio de la misma. Esta posición no es ingenua, dado que si se unificaran los sectores la liberalización que acabamos de describir para el sector de las telecomunicaciones pasaría a regular también el sector audiovisual. Con este argumento se promueve la preponderancia de los criterios económicos y políticos que guían el sector de las telecomunicaciones. Esta posición cobra mayor importancia si se considera que en el sector audiovisual no se ha progresado mucho para liberalizar su comercio. Hasta el momento, ha quedado establecido que el sector audiovisual quede incorporado dentro del marco del GATS, pero con un método flexible, donde cada país fija las reglas propias de acceso a mercado y nación más favorecida. Esto permitió fuertes excepciones para el cine y la televisión, donde muchos países mantienen políticas de fomento a la producción audiovisual local que, cabe recordar una vez más, desde el punto de vista de los organismos internacionales distorsionan el libre juego del mercado. La relación del sector audiovisual con la OMC puede ser pensada de dos maneras: por un lado deben considerarse los avances logrados para legitimar la protección de las políticas culturales (como se desarrollará más adelante). Pero a la vez es preciso llamar la atención sobre el hecho que el sector ha quedado sujeto a los principios progresivos del GATS, con obligación de que el tema sea reconsiderado en futuras rondas. Además hay que considerar que dentro de la propia Organización Mundial de Comercio algunos países han planteado que el sector audiovisual debe ser considerado como parte de la industria del entretenimiento, y por lo tanto sujeto a reglas de liberalización, mientras que otro grupo de países que considera al audiovisual como un producto cultural, que merece un tratamiento diferencial. Las primeras posiciones son sostenidas por autores como Milton Mueller (2004), quien no sin cierta ironía, ha señalado: “Las autoridades de radiodifusión que crean que pueden imponer normas culturales a la audiencia o forzarlos a una dieta de diversidad sólo tendrán éxito en gastar dinero y valioso tiempo de emisión. Subsidios y cuotas sólo afectarán a una porción en baja de las alternativas de contenidos en los hogares. Si la oficialmente promovida línea cultural no encuentra el gusto cosmopolita


de los consumidores, los reguladores nacionales sólo tendrán éxito en acelerar la migración del público a nuevas formas de medios”. Frente a este tipo de indicaciones es importante recordar una batería incompleta de medidas de política cultural en el área audiovisual que se verán amenazadas de imponerse finalmente los criterios impulsados por la regulación global. Los mecanismos generales de promoción del libre comercio propios de la OMC, como Trato Nacional o Acceso a los mercados, desalientan toda medida que implique favorecer a los actores nacionales en detrimento de potenciales competidores internacionales. Un listado incompleto de políticas culturales afectadas por la adscripción del sector audiovisual a los compromisos del GATS, se detalla a continuación: a) cuestionamientos a los subsidios del Estado, poniendo en jaque el financiamiento para el cine y la televisión pública; b) la aprobación de cláusulas de acceso a los mercados y tratamiento nacional impiden establecer una política de cuotas. Los acuerdos GATS por ejemplo no permiten establecer restricciones a las importaciones o políticas como las cuotas de exhibición en cine que contradicen la de acceso a los mercados; c) restricciones al doblaje: la norma de acceso a los mercados, no permite proteger los doblajes nacionales; d) requerimientos de licencias: pueden tener que ser eliminadas las leyes de radiodifusión que restrinjan la participación de extranjeros en medios; e) impuestos: las entradas de cine, los ingresos de los radiooperadores, la venta o alquiler de videos no podrán ser usados para financiar productos culturales locales, como habitualmente se hace hoy con el cine. Tampoco podrían dictarse exenciones impositivas a quienes exhiben cine nacional; f) no se podrán poner impuestos especiales a distribuidores de cine, video, o programas de televisión; g) no se podrán establecer rebajas de impuestos para industrias domésticas; h) no se podrá disponer de fondos culturales basados en copyright: hoy algunos fondos de gestión colectiva pueden usar parte de su recaudación para subsidiar proyectos locales; i) no se podrán impulsar reglas de propiedad diferenciales; j) de acuerdo a las reglas de Nación Más Favorecida pueden ser objetados los acuerdos de co-producción cinematográfica como el actual IBERMEDIA;


k) no se podrán imponer privilegios de distribución: obligación de distribución de programas o señales nacionales en cable y televisión satelital. En el caso latinoamericano estas políticas podrían tener un efecto devastador si aún hoy, en “tiempos de proteccionismo”, los balances son altamente deficitarios. Enrique Sánchez Ruiz (2005) analiza esta situación para el caso mexicano, que es uno de los países con una de las industrias culturales más fuertes de la región: “En la realidad, la televisión latinoamericana sigue siendo importadora neta. Según un estudio de Media Research & Consultancy-Spain, aun México, que concentraba la mitad de las exportaciones de la industria audiovisual de Iberoamérica en 1997, era país deficitario: en 1996 se estima que tuvo un déficit de 158 millones de dólares y en 1997 de 106 millones de dólares (2,247 millones la región entera) (MR&C 1997; 1998). Partiendo de datos oficiales, yo calculé que para el mismo 1997 México habría tenido un déficit de 22.7 millones”. En términos generales, es importante alertar sobre las consecuencias que tiene el nuevo gobierno global sobre las políticas culturales y de comunicación en particular. Especialmente porque generalmente los debates sobre los beneficios de los procesos de integración suelen soslayar las amenazas que el mismo presenta.

La resistencia

Frente a los intentos de avance en la mercantilización de los bienes culturales e informacionales impulsados por un puñado de países centrales y las corporaciones de medios, la UNESCO, por un lado, y un conjunto de organizaciones de la sociedad civil articuladas con algunos estados, por otro, han aportado perspectivas que, aunque con limitaciones, intentaron anteponer la democratización y el resguardo del acceso a la comunicación y la cultura. Cómo

hemos

señalado,

desde

hace

varias

décadas,

las

grandes

corporaciones han ejercido todos los modos de presión imaginables para lograr liberalizar el ingreso de capital trasnacional en los mercados de bienes y servicios culturales, de información y comunicación. Estos intentos se vieron parcialmente frenados en el ámbito de los acuerdos GATS/OMC a partir de la ya citada “excepción cultural”. Esto es, a partir de una propuesta de Europa liderada por Francia en 1993, la exención temporal del sector de la cultura y del audiovisual de ciertas obligaciones de


liberalización, dejando lugar para la intervención de los estados con políticas públicas de protección y apoyo a la producción local4. No obstante, si bien la excepción cultural tuvo sus logros, paulatinamente fueron haciéndose visibles también sus límites. Al decir de Ramón Zallo (2006), “el concepto de diversidad es preferible a excepción cultural. Por una parte, describe un bien real a proteger por la comunidad que la desarrolla y por la humanidad de la que es parte, en lugar de una cláusula extraordinaria mercantil (…) Por otra parte, la vocación de la política de excepción cultural es defensiva, mientras que la de diversidad supone una política activa, de complementación de importaciones y de generación de un tejido cultural y comunicativo propio y en comunicación con otros”.

En este sentido, es importante considerar las implicancias de la aprobación de la Convención sobre la Protección y Promoción de la Diversidad de las Expresiones Culturales en la 33ª Conferencia General de la UNESCO, durante el año 2005. Dicha Convención surgió como continuación jurídica vinculante de la Declaración Universal de la UNESCO sobre Diversidad Cultural aprobada por unanimidad en 2001. Entre las principales preocupaciones de la Declaración y la posterior Convención se pueden ubicar el tratamiento diferenciado para las expresiones culturales, al margen de su tratamiento comercial. En otras palabras, de lo que se trata es que los bienes o expresiones culturales no puedan ser tratados como simples commodities, esto es como una mercancía más. En consecuencia, la Declaración planteaba en su artículo 8 titulado Los bienes y servicios culturales, mercancías distintas de las demás: “Frente a los cambios económicos y tecnológicos actuales, que abren vastas perspectivas para la creación y la innovación, se debe prestar una atención particular a la diversidad de la oferta creativa, a la justa consideración de los derechos de los autores y de los artistas, así como al carácter específico de los bienes y servicios culturales que, en la medida en que son portadores de identidad, de valores y sentido, no deben ser considerados como mercancías o bienes de consumo como los demás”. Agregando en su artículo 11: “Las fuerzas del mercado por sí solas no pueden garantizar la preservación y promoción de la diversidad cultural, condición de un desarrollo humano sostenible. Desde este punto de vista, conviene fortalecer la función primordial de las políticas públicas, en asociación con el sector privado y la sociedad civil” (UNESCO, 2001) 4

Para un análisis detallado del proceso que condujo a la adopción de la “excepción cultural” véase Frau-Meigs (2002)


La posterior Convención se haría eco de algunos de estos postulados sosteniendo que “las actividades, bienes y servicios culturales (…) encarnan o transmiten expresiones culturales, independientemente del valor comercial que puedan tener” (art. 4) y enfatiza que “la diversidad cultural se manifiesta no sólo en las diversas formas en que se expresa, enriquece y transmite el patrimonio cultural de la humanidad mediante la variedad de expresiones culturales, sino a través de distintos modos de creación, producción, difusión, distribución y disfrute artísticos, cualesquiera que sean los medios y tecnologías utilizados” (UNESCO, 2005). Sin embargo, el aspecto más controversial de dicha Convención estuvo presente en su artículo 20 que planteaba las “relaciones con otros instrumentos”. En otras palabras, lo que estaba en discusión era la relación de lo dispuesto por la UNESCO con los planteamientos de la OMC. En este punto entonces, la discusión habitaba la posibilidad de que lo planteado por la UNESCO fuera desestimado por lo acordado en el marco de la Organización Mundial de Comercio. Aquí la base de conflicto estaba dada por la exigencia de EEUU de que los bienes culturales sufrieran el mismo tratamiento que el resto de las mercancías. Finalmente la Convención fue aprobada por 148 votos afirmativos, dos en contra (EEUU e Israel) y 4 abstenciones. Lo que estuvo claro desde el primer momento, fue la intención de la administración Bush de que lo dispuesto por la UNESCO no se interpusiera con las negociaciones de la Ronda de Doha de la OMC, en particular el GATS. Es más, a poco de la aprobación, la Secretaria de Estado, Condoleezza Rice, envió una carta a los 190 ministros de relaciones exteriores del resto de los países amenazando con la salida de EEUU de la UNESCO (una vez más) si la Convención era aprobada5.

Finalmente se aprobó, no obstante quedan algunas dudas, particularmente sobre el punto antes citado. El texto plantea: “Relaciones con otros instrumentos, potenciación mutua, complementariedad y no supeditación: los estados reconocen que deben cumplir de buena fe con las obligaciones que les incumben en virtud de la presente Convención y de los demás tratados en los que son parte.” Y continúa: “sin

5

“En un mensaje enviado el 4 de octubre pasado a los países miembros de la UNESCO, Condoleezza Rice expresa su ‘profunda inquietud’ que según ella ‘podría llevar al fracaso de los progresos hacia una liberalización mundial del comercio en el seno de la OMC’. Insiste en que, bajo el pretexto de excepción cultural, algunos países autoritarios podrían violar la libertad de expresión y los derechos de las minorías. Y termina su mensaje con una amenaza, recordando que su país había abandonado la UNESCO en los años 1980 a causa ya un desacuerdo de este mismo tipo, y que podría volver a hacerlo…” (Ramonet, 2005). Vale aclarar que EEUU había retornado a la UNESCO el 1° de octubre de 2003.


supeditar esta Convención a los demás tratados fomentarán la potenciación mutua entre la presente Convención y los demás tratados en los que son parte”. Ahora bien: “Cuando interpreten y apliquen los demás tratados en los que son parte o contraigan otras obligaciones internacionales tendrán en cuenta las disposiciones de la presente Convención”. Aunque el Punto 2 señala: “Ninguna disposición de esta Convención podrá interpretarse como una modificación de las obligaciones y derechos de las partes que emanen de otros tratados internacionales en los que sean parte”. Y aquí, al decir de Loreti (2006) “hay una carrera contra el tiempo, porque supone que son tratados anteriores a éste. Depende -entonces- de cuándo se ratifique éste o de cuándo se ratifique la OMC”. En cualquier caso, como bien señala Gustavo Gómez (2005): “En un contexto global donde las tendencias económicas y sociales dominantes están provocando una mayor concentración en la producción y difusión de bienes y servicios culturales –poniendo en peligro la diversidad cultural a nivel mundial, regional y nacional- es insuficiente la simple enunciación y reconocimiento de la diversidad cultural si no se definen marcos regulatorios y políticas activas de Estado que la defiendan y garanticen”. Al momento de la escritura de este capítulo, la Convención había sido suscripta por 113 países entre adhesiones, aceptaciones y ratificaciones6. Ahora bien, hay algunos riesgos conceptuales que sería necesario no perder de vista. Como señalábamos, la discusión en torno al tratamiento de los bienes culturales en general, pero en particular en lo que refiere a los contenidos y las producciones en el campo de los medios en el marco global se ha desplazado al eje de la “diversidad”, en tanto categoría que expresaría cabalmente y de modo afirmativo aquello que años antes de denominaba “excepción cultural”. La categoría de diversidad expresaría el respeto a las identidades culturales locales frente a la tabula rasa de lo “global”. Como bien señala Mattelart (2006), “si se produce la confluencia hacia ‘un estilo de vida global’ es porque los consumidores han interiorizado el universo simbólico destilado desde el final de la Segunda Guerra Mundial por los anuncios publicitarios, las películas, los programas de televisión, más concretamente los que proceden de Estados Unidos, ascendidos explícitamente a la condición de vectores de un nuevo universalismo”. Frente a ello, la labor de las diferentes coaliciones de defensa de la diversidad cultural, en la cual han participado artistas, 6

Para ver la totalidad de http://portal.unesco.org/la/convention.asp?KO=31038&language=F

países

consúltese:


productores, cineastas, comunidades locales, lingüísticas, étnicas, ha significado un pilar sumamente importante para, por ejemplo, la aprobación de la citada Convención de Defensa de la Diversidad Cultural. No obstante, el concepto de diversidad cultural debe ser tomado con ciertos resguardos. Por ejemplo, la exageración de algunas visiones sobre la sociedad que sintetizan las formaciones culturales bajo el sintagma “diversidad” dejando en un segundo o tercer plano lo que refiere el término “desigualdad”. Esto es importante (y, a la vez, esa importancia manifiesta su peligro), sobre todo porque en muchas oportunidades se pueden confundir prácticas vinculadas con lo que se suele llamar “el respeto por la diversidad” como un avance en materia de democratización, cuando en realidad, lo que está en juego es una homogeneización en la producción en base a criterios comerciales que unifican la diversidad bajo la lógica del capital. En definitiva, una diversidad fundada en los criterios “multiculturales” puede llegar a desconocer los procesos de desigualdad social que subalterniza a amplios sectores sociales que quedan afuera de la esfera pública formal. Como plantea Mattelart (op. cit.): “El culto de la cultura, significa su autonomización. Se ‘culturiza’ lo social, es decir, se tratan de una manera cultural los problemas que no se quieren abordar (o que no interesa que se aborden) en términos políticos (…) La disociación se ha consumado a medida que el discurso de las identidades se adelantaba al discurso del principio de igualdad como objetivo prioritario de la acción política”. Por otra parte, los últimos años se han caracterizado por una importante agenda de encuentros multilaterales vinculados de uno u otro modo con aspectos sustanciales caros a los estudios de comunicación y cultura. En particular no referimos a la realización de la Cumbre Mundial sobre la Sociedad de la Información (CMSI) en sus dos etapas (Ginebra, 2003 y Túnez, 2005) y el ya citado tratamiento en el marco de la UNESCO de la Convención para la protección de la Diversidad Cultural (2005). Estos encuentros tuvieron algunas características salientes, algunas de las cuales hemos analizado anteriormente (véase Mastrini y de Charras, 2005), y otras sobre las que pretendemos profundizar el análisis en el presente texto. A saber: la intensa participación de la “Sociedad Civil” al calor de lo que se reconoce como “multistakeholders”. En cuanto al último término, nos estamos refiriendo a mesas de concertación “multi-intereses” en las cuáles han participado oficialmente y extraoficialmente Gobiernos, Corporaciones privadas y Sociedad Civil. En lo concerniente a la Sociedad


Civil, la definición, por el momento, se sitúa alrededor de una sumatoria de organizaciones no gubernamentales de las más diversas extracciones que han actuado en conjunto, participando de las discusiones, llegando incluso a elaborar declaraciones por fuera de los documentos oficiales. Esta indagación resulta de importancia en la medida en que algunas de las apuestas más interesantes en materia de democratización de la información y la comunicación, así como en la defensa de la identidad y la diversidad cultural, plurilingüística, étnica y la protección de los derechos de las minorías han sido planteadas por estas organizaciones. En un contexto de remisión constante a la globalización como algo instituido con rasgos determinados y determinantes, donde los avances del neoliberalismo se plantean como algo definido e inamovible, y donde el poder de lobby de las grandes corporaciones termina aplacando las posibles intervenciones de los representantes de los estados más o menos díscolos en el plano multilateral, la presencia de estas organizaciones ha implicado, en muchos casos, la mirada crítica y atenta sobre los intentos de potenciar la mercantilización de la cultura y la privatización del conocimiento. En este marco, resulta de vital importancia recuperar algunos de los planteos esbozados por la sociedad civil, pero a la luz de una mirada que nos permita cierta distancia crítica, de modo tal de poder reconocer potencialidades pero también limitaciones de esta acción civil global. Bien podría señalarse que la participación de la sociedad civil, entendiéndola en su acepción más general, no estuvo ausente en debates multilaterales anteriores. Es más, sin remontarnos demasiado en el tiempo podríamos identificar una profusa participación, en particular del sector académico, durante el proceso que daría a luz al Informe MacBride y luego un acompañamiento de suma trascendencia de varias organizaciones (WACC, ALAI, IPS por citar algunas) en los años posteriores signados por el casi abandono de la temática por parte de la UNESCO. Sin embargo, muchas organizaciones siguieron participando en el seno de la organización y de hecho serán ellas las que impulsen el pedido a Mayor Zaragoza en 1998 en Estocolmo para la realización de una Cumbre Mundial que retome las temáticas vinculadas a la relación entre comunicación, cultura y desarrollo (Raboy, 2003).

Sin embargo, la particularidad de la CMSI fue que la convocatoria a la sociedad civil se realizó oficialmente junto al sector privado para que participen con voz en la Cumbre. Esto dio lugar a algunas perspectivas contrapuestas, mientras algunos celebraban lisa y llanamente como un triunfo la convocatoria, otros, no sin


cierta razonabilidad, alertaban sobre el riesgo de estar legitimando un encuentro multilateral donde el capital privado y los estados centrales tendrían la voz cantante mientras la sociedad civil se ocupaba de “lavar la cara” del encuentro (Pasquali, 2002). No obstante ello, la voz de la sociedad civil se hizo sentir desde los encuentros preparatorios de la Cumbre (prepcoms) y muchas de sus propuestas o preocupaciones fueron incorporadas a los primeros borradores. Si bien, el avance de proceso fue eliminando o “suavizando” buena parte de estos aportes, esto permitió vislumbrar varias cosas. Por un lado, la posibilidad de tener algún tipo de incidencia en los resultados finales, aún con las salvedades antes señaladas y con la necesaria relativización de la trascendencia de algunos de estos documentos multilaterales que muchas veces no pasa de declaraciones de buenas intenciones. Pero por otro, la progresiva conciencia de una posible articulación por parte de varias de las organizaciones presentes con intereses muchas veces específicos, pero con perspectivas políticas y sociales comunes a los fines de accionar en conjunto en un entorno de carácter global. Este último punto es de especial importancia en la medida en que algunas de las experiencias anteriores no lograban esa articulación, o por lo menos era muy costosa en varios sentidos. La perspectiva actual, nuevas tecnologías mediante, permitía una articulación mucho más fluida y el desarrollo de acciones basadas en la colaboración mutua de personas y organizaciones de los lugares más recónditos pero confluyendo en horizontes comunes vinculados sobre todo a los derechos humanos, derecho a la información, libertad de expresión, derechos sociales, respeto a la identidad cultural y protección del dominio público. El avance en este sentido fortaleció la hipótesis del desarrollo de un accionar de una “sociedad civil global”, es decir de su constitución como un nuevo actor de importancia en la escena multilateral. Más allá de que sus propuestas o denuncias no siempre lograran plasmarse en los resultados finales, podríamos afirmar junto con Padovani (2005) que “el uso difundido del concepto [sociedad civil global] sugiere una conciencia por igual difundida de que algo nuevo está sucediendo en el espacio trasnacional y que se ha beneficiado enormemente de la difusión de las Tecnologías de la Información y la Comunicación por lo que es capaz de articular sus demandas y acciones a través de las dinámicas que conectan el contexto global con los espacios locales”. La potencialidad de este accionar no sólo permite suponer la parición de un nuevo actor, sino a su vez permite hipotetizar la constitución de una nueva esfera pública global, por fuera o por lo menos atravesando la esfera pública global


construida por los medios de comunicación trasnacionales. Aparece, en consecuencia, un nuevo actor que sin entrar en contradicción, adopta buena parte de los rasgos de algunos de los movimientos de acción civil global “antiglobalización”. En otras palabras, adopta la potencialidad de constituirse en una voz disonante en la escena multilateral, pero de trascendencia plurinacional con las características de “ciudadanía global” y formando parte de una esfera pública hasta ahora circunscripta. Ahora bien, la posibilidad de acción de la sociedad civil global no está exenta de sombras y contradicciones. Por un lado, es necesario remarcar que la composición de lo que dimos en llamar “sociedad civil” no es un conjunto coherente, sino más bien una babel de organizaciones que responden a orígenes e intereses de los más diversos. Esto hace que, por ejemplo, asociaciones de empresarios de medios (la Asociación Internacional de Radiodifusión - AIR) se presentarán dentro de la sociedad civil en la CMSI duplicando de ese modo la representación del sector privado (Tamayo, 2002).

Por otra parte, la diversidad de intereses específicos muchas veces hace perder de vista una acción colectiva que permita cuestionar fundamentos estructurales de las problemáticas, más allá de los reclamos parciales. Esto muchas veces se plasma como acción política global de tinte apolítico. La atomización de reclamos étnicos, religiosos, de minorías sexuales, ecologistas, de género, de derechos humanos, culmina en la inexistencia de un planteo general contenedor. En consecuencia, la permeabilidad del capitalismo tardío para absorber micro demandas, en la medida en que no existan cuestionamientos estructurales, suele devenir en una legitimación no buscada de ciertos espacios multilaterales. Como señala Slavoj Zizek (2004), “el límite de estos movimientos es que ellos no son políticos, en el sentido del Universal Singular: son solo ‘movimientos para un problema’, carecen de la dimensión de la universalidad, es decir, no se relacionan con la totalidad social”. Otro punto sustancial, suele ser el olvido del lugar del Estado. En muchos casos, ello responde a un “pensar global” que pierde de vista el “actuar local”, pero muchas otras está atravesado por un posicionamiento anti–estatista que comparten muchas organizaciones convencidas de que su rol es reemplazar a las políticas de los estados. Esto conlleva varios problemas. El neoliberalismo ha dejado secuelas importantes en su cruzada de demonización del Estado y en algunos casos esto se plantea simplemente como un olvido de “lo público”. Según James Petras (2000), “El punto fundamental de convergencia que comparten las ONG y el BM es el rechazo de


ambas entidades al "estatismo" (…) el BM y los regímenes neoliberales aprovecharon las ONG para minar el sistema de seguridad social estatal, y fueron utilizados y reducidos a medios para compensar a las víctimas de las políticas neoliberales (…) La ideología de las ONG en cuanto a sus actividades privadas y voluntarias destruye el sentido de lo "público"; la idea de que el gobierno tiene la obligación de procurar a todos sus ciudadanos. Contra esta noción de responsabilidad pública, las ONG fomentan la idea neoliberal de una responsabilidad privada hacia los problemas sociales y la importancia de los recursos para resolver estos problemas”. Seguramente este planteo no pueda hacerse extensivo a todas las ONG’s, pero probablemente sea necesario tomar en cuenta esta alerta respecto al olvido de “lo público”. A su vez, este olvido del Estado, puede estar acompañado por una idea de “olvido de la representación”. En otras palabras, el carácter representativo de las organizaciones de la sociedad civil suele ser muy endeble. Sus miembros no pocas veces fueron simplemente elegidos por la propia organización, o bien por quienes la financian y lejos están de representar movimientos sociales u organizaciones de base. Nuevamente, no puede afectarse a todas las organizaciones en este aspecto pero sin dudas la alerta es necesaria. En síntesis, la acción civil global se encuentra en una etapa de desarrollo y transformación. En este sentido, sus logros pueden ser considerados más en una línea de avance que de retroceso. Aún así, no deberían perderse de vista algunas de las dudas o alertas planteadas. Hoy, sin dudas, la defensa de los derechos humanos, el dominio público, el respeto por la diferencia y la lucha contra la pobreza y la desigualdad, así como la resistencia a la exclusión, el hambre, la destrucción del ambiente, la privatización del conocimiento y a la mercantilización de la cultura se encuentra en las acciones de muchas organizaciones de la sociedad civil. El desafío probablemente esté en que la suma de los diferentes árboles no obstaculice la mirada del bosque.

Los acuerdos

Como se ha señalado la mayor incidencia real en términos de gobernanza global hasta la actualidad en los países latinoamericanos ha estado marcada por la firma de tratados bilaterales. Un criterio general que se puede reconocer es que si bien los productores culturales han logrado establecer coaliciones para la defensa de las industrias culturales locales, en general el debate público en torno a los tratados de


libre comercio suele centrarse en los “beneficios” que los mismos traerán en materia de apertura de mercado para la producción nacional. Un caso que no será abordado en el presente estudio, en parte porque existe una amplia bibliografía al respecto7, es el de los Acuerdos de Libre Comercio de Norte América (NAFTA) que involucra a Estados Unidos, México y Canadá. Al respecto cabe recordar que mientras Canadá mantuvo restricciones al libre comercio en el área cultural, México desistió de utilizar ese recurso con el argumento que el idioma funcionaría como barrera de entrada. Los datos ya citados de Enrique Sánchez Ruiz muestran lo limitado de estos criterios. Como se ha indicado, tras el fracaso de instrumentar una estrategia general de libre comercio en la región, Estados Unidos procuró establecer acuerdos bilaterales con un numeroso grupo de países. Desde América Central hasta Chile, los mayoría de los países que comparten la Cordillera de los Andes han suscripto acuerdos de libre comercio o se encuentran en tratativas avanzadas para hacerlo. Los países “atlánticos” han mostrado más reticencia a incorporarse a este tipo de negociaciones, aunque en los últimos años Uruguay parece un poco más predispuesto a romper la tendencia. En este trabajo realizaremos una breve descripción de dos acuerdos de libre comercio: uno ya está aprobado (Chile-EEUU) y el otro en tratativas (Colombia-EEUU, aprobado en Colombia, demorado en EEUU). También nos referiremos a un acuerdo de menor jerarquía pero que puede mostrar tendencias como es el caso al protocolo de transmisión de señales satelitales para televisión Directa al Hogar firmado entre EEUU y Argentina. Los dos tratados de libre comercio firmados por EEUU con Chile y Colombia incluyen en sus partes generales las cláusulas de Trato Nacional, prohibición de incorporar nuevos aranceles y eliminación de muchos de los existentes, de acceso a los mercados, y de Nación Más Favorecida. De hecho la lectura comparada de los tratados en sus dispositivos generales llama la atención por la gran similitud de los mismos, con páginas enteras calcadas. De esta forma se comprueba el criterio global de la regulación de carácter premoldeado, y con adaptaciones menores según los casos. Cabe destacar que en la parte general se realizan, también en ambos casos, salvedades en relación a dos sectores económicos: agricultura y textiles.

7

Los investigadores Gaëtan Tremblay (Canadá) Enrique Sánchez Ruiz y Delia Crovi (México) han desarrollado una fecunda y continua labor de análisis de las implicancias del NAFTA en el sector de la cultura.


En ambos tratados existen capítulos referidos al comercio de servicios (el XI en ambos casos), a las telecomunicaciones (el XIII Chile, XIV en Colombia), comercio electrónico (XV en ambos casos), y derechos de propiedad intelectual (XVII Chile, XVI Colombia). También en ambos acuerdos aparecen Anexos en los que los países introducen las excepciones al acuerdo. Abordaremos las principales definiciones de los capítulos que acabamos de mencionar. En el acuerdo entre EEUU y Chile el capítulo dedicado al comercio de servicios incluye entre los ámbitos de aplicación “el acceso a y el uso de los sistemas de distribución y transporte, a redes de telecomunicaciones y los servicios relacionados con el suministro de un servicio”. El capítulo incluye las cláusulas de Tratamiento Nacional, Nación Más favorecida, Acceso a los mercados y transparencia. Adicionalmente Chile incorpora una Carta sobre televisión en el que se acuerda que el país tendrá el derecho a exigir que hasta el 40% de la programación de la televisión abierta sea de producción nacional, pero no incluye a la televisión por cable. En el capítulo de telecomunicaciones aparecen una serie de salvaguardas para asegurar la competencia efectiva en el mercado (portabilidad numérica, interconexión, transparencia). También una muy interesante definición política “Las partes reconocen la importancia de confiar en las fuerzas del mercado para alcanzar variadas alternativas en el suministro de servicios de telecomunicaciones” (Art. 13:15). Para el comercio electrónico “las partes reconocen el crecimiento económico y las oportunidades que genera el CE, como también la importancia de evitar los obstáculos innecesarios a su utilización y desarrollo”. Pero lo más importante es que los suministros de servicios que usan medios electrónicos quedan incluidos dentro de las obligaciones contraídas en el capítulo de comercio de servicios. Incluso se introduce un apartado específico de no discriminación de productos digitales (Art. 15:5) que implica que una parte no podrá dar trato diferenciales a los productos digitales de la otra parte. Se indica que cualquier medida existente que contradiga lo anterior no podrá mantenerse por más de un año. Creemos que en este punto esta una de las claves del nuevo sentido regulatorio. Cuando todos los productos culturales y su distribución sean digitales ¿Qué valor cobrará el presente tratado? ¿Qué espacio deja para las políticas públicas? Creo que daremos mayor dimensión al problema si transcribimos que entiende el tratado por productos digitales: “significa programas computacionales, texto, video, imágenes, grabaciones de sonido, y otros productos que

sean

codificados

digitalmente

y

transmitidos

electrónicamente,


independientemente de si una parte trata a dichos productos como una mercancía o como un servicio de conformidad con su legislación interna”. Para finalizar el capítulo chileno, hay que destacar que entre las reservas expresadas en el Anexo II en materia de Comunicaciones, más concretamente de medios de comunicación social exige la residencia (pero no la nacionalidad) en Chile. También exige que las personas de derecho público o privado se constituyan en Chile. Probablemente la restricción más importante sea la que indica que “Chile se reserva de adoptar o mantener cualquier medida relativa al comercio transfronterizo de servicios de telecomunicaciones digitales de transmisiones satelitales unidireccionales sean de televisión directa al hogar, de radiodifusión directa de servicios de televisión y directas de audio, y servicios complementarios de telecomunicación”. También se reserva la posibilidad de otorgar un trato diferente a otros países en base a acuerdos bilaterales o multilaterales en el ámbito de las industrias culturales. De la lectura atenta del tratado, surge que ha existido una preocupación (en gran medida impulsada por la Coalición Chilena para la Diversidad Cultural) de proteger su industria cultural. De todas formas, quedan serias dudas de la aplicabilidad de las protecciones establecidas para los productos digitales distribuidos por banda ancha. Desde nuestro punto de vista, se ha protegido las políticas culturales actuales, pero el tratado supone una seria amenaza a las del futuro. En el caso Colombiano aparecen las mismas cláusulas de Acceso a los mercados, Tratamiento de Nación más Favorecida y Trato Nacional en el capítulo de comercio de servicios. En el capítulo de las telecomunicaciones, la principal diferencia radica en que se específica que cada parte podrá definir políticas para alcanzar el servicio universal. Tampoco aparecen menciones directas a la confianza en el libre mercado. Sin embargo, el capítulo sobre comercio electrónico tiene características muy similares al chileno y la misma definición de productos digitales. Como se ha señalado para el caso chileno, este el punto que consideramos que presenta más debilidades de cara a fijar políticas culturales en el entorno digital. En el caso colombiano si se detectan mayores previsiones en el capítulo de las reservas. En el anexo II del tratado, Colombia expresa que no incorpora las cláusulas de Trato Nacional y de Nación Más Favorecida para las Industrias y actividades culturales, manifestando su derecho a mantener sus políticas de cooperación y coproducción cultural, así como los apoyos del gobierno para la promoción de las industrias culturales (sin que ello implique iguales derechos para la otra parte). También Colombia realiza expresas reservas para la exhibición


cinematográfica en salas y en televisión abierta, para mantener requisitos de programación en televisión abierta multicanal, e incluso reserva áreas para la televisión comunitaria. De la comparación de ambos se desprende una mayor preocupación en el caso colombiano por proteger sus políticas e industrias culturales. De todas formas en ambos casos, advertimos que los tratados de libre comercio abren una brecha en la capacidad regulatoria, especialmente en los compromisos asumidos en materia de comercio electrónico. En este sentido, el destacado investigador colombiano Germán Rey8, comparte algunas de nuestras precauciones: “estos tratados, cada vez mas son menos arancelarios y mas aproximaciones de nuestras reglamentaciones a las normatividades anglosajonas en el campo de las comunicaciones y las industrias culturales. Colombia pudo mantener algunos avances que tenía en su jurisprudencia (por ejemplo, cuota de pantalla de la producción nacional de televisión), pero con plazos para su desmonte. Estos tratados han sido muy remisos a contemplar la capacidad regulatoria nacional en el campo de lo digital. Se oponen, por ejemplo, a toda norma que proponga contenidos locales en el entorno digital.” En el caso del protocolo firmado entre Argentina y los Estados Unidos para la provisión de servicios satelitales directos al hogar, está claro que se trata de un acuerdo de mucha menor envergadura. Sin embargo nos parece adecuado incluirlo en el análisis debido a que regula servicios cada vez más importantes: Servicios fijos por satélite directo al hogar, Servicios de radiodifusión por satélite, Señales distribuidas a las cabeceras de la televisión por cable. Pero especialmente porque es muy laxo en materia de regulación de los contenidos y la publicidad. El artículo VI señala: “1. Ninguna de las partes impondrá restricciones significativas a la cantidad o el origen de la publicidad y el contenido de los programas en tales servicios. En este sentido se aplicarán los siguientes principios esenciales:

1.1. Los requerimientos respecto del contenido de programación nacional y/o de programación educativa y de interés público deberán estas limitados a una cantidad módica del total de los canales de programas de estos sistemas DTHSFS y SRS multicanal. Tales requerimientos pueden cumplirse al nivel de todo el sistema, es decir, no es necesario cumplirlos canal por canal.

8

Correspondencia personal


1.2. Cada parte reconoce que una parte puede imponer restricciones no discriminatorias sobre el contenido del programa y la publicidad, tal como el material con contenido obsceno, indecente, relacionado con la seguridad nacional y con la seguridad y la salud pública. Las restricciones sobre la cantidad o el origen de la programación y la publicidad transmitida a través de los servicios DTH-SFS o SRS no impedirán materialmente la distribución de la programación y la publicidad al mercado nacional de alguna de las partes o al mercado regional”.

De la lectura de este artículo se desprenden dos cosas importantes: la primera es que la distribución de imágenes por satélite es considerada una mercancía más no puede quedar sujeta a interpretaciones de política cultural, siempre y cuando no sean obscenas (y en esto hay que considerar la reciprocidad, para la puritana televisión norteamericana); la segunda es comprobar que las definiciones sintonizan en gran medida las aspiraciones de las corporaciones de medios internacionales, especialmente al permitir el cumplimiento de los “módicos” programas educativos y de interés público” en el promedio de la programación y por lo tanto sin interferir los programas y canales centrales. Creemos haber aportado suficientes datos documentales como para realizar un primer acercamiento al problema de la regulación global, en este caso a través de los mecanismos de acuerdos bilaterales. En todos los caso, hay que recordar que los congresos nacionales sólo pueden ratificar o rechazar estos tratados, hecho que implica, además, una disminución de las capacidades legislativas al perder potestad de trabajar sobre los propios artículos como lo realizan habitualmente con las leyes nacionales.

Palabras finales

Un tema emblemático de un grupo de rock argentino tenía como estribillo la frase “el futuro ya llegó”. Esta afirmación se torna muy cierta en el caso de la gobernanza global de la comunicación. Las políticas de hoy serán las que regulen la producción cultural del mañana. Sin embargo, desde nuestra perspectiva es preciso impulsar el conocimiento de este tema en la comunidad académica y en la sociedad civil en general.


David Hesmondhalgh (2005) realiza una acertada advertencia al respecto cuando observa que la indiferencia pública es espejada por la ausencia en la literatura de los estudios de medios de “la formación de la política pública más general”. Es preciso focalizar en el proceso de formulación de políticas debido a que, en momentos de considerables cambios en el entorno de los medios globales, nuevos actores, tecnologías y paradigmas están emergiendo y creando nuevos conflictos, o acelerando los establecidos, en el proceso de hacer políticas, como por ejemplo en términos de niveles nacionales vs. supranacionales de acción política, intereses públicos vs. corporativos; políticas de redes dispersas vs. centralizadas; proceso de decisión secretos vs. formas transparentes; campos de políticas separados vs. convergentes. La dimensión del proceso convergente también nos obliga a preguntarnos acerca del alcance de sus directivas. ¿Hasta que punto es posible legislar a nivel global la producción cultural? En los países de Latinoamérica ¿de qué manera se puede legislar en un contexto en el que Radiodifusión, Internet y Telecomunicación se rigen de maneras diferentes? ¿De qué manera influye el mercado en el diseño de las políticas de comunicación? ¿Cómo alcanzar una propuesta propia que interactúe con las tendencias globales? No tenemos las respuestas para estos interrogantes, pero si estamos en condiciones de proponer algunas sugerencias. En primer lugar parece indispensable contar con más y mejores recursos humanos formados en derecho comercial internacional que estén en condiciones de proponer alternativas y que mantengan una mirada humanista. Cómo hemos señalado a lo largo del artículo es preciso revertir el desinterés del mundo académico en torno a esta área y proponer una colaboración estratégica entre el mundo académico y los que toman decisiones para poder desarrollar una política autónoma. Esta posibilidad debería ser complementada por un mayor y mejor intercambio entre los países de la región a efectos de coordinar y articular decisiones. Hemos visto como frente al fracaso de iniciativas liberalizadoras de nivel general se han fomentado tratados bilaterales en los cuáles las capacidades de cada país se ven disminuidas. En segundo lugar, definir una estrategia para mantener la actual capacidad de implementar políticas nacionales de comunicación y cultura. Para ello es preciso tener una propuesta de política de comunicación y cultura en la OMC que supere los criterios tecno-economicistas. Esto supone en el plano nacional alertar a numerosos economistas que estarían predispuestos a negociar la liberalización del tercer sector a cambio de concesiones de los países del G8 en el sector primario. Esta concesión,


que resultaría beneficiosa en el corto plazo, supone desconocer al sector económico que genera más valor añadido. Por otra parte, implica tener una clara estrategia de participación en organismos internacionales como la OMC y la OMPI, evitando caer en resoluciones que puedan afectar seriamente la capacidad política de los Estadosnación, incluidas cuestiones que pueden parecer menores, como la recategorización de sectores económicos. En términos generales, se propone una estrategia complementaria que promueva la defensa de las capacidades políticas existentes, que se mantenga atenta y con opciones claras y definidas frente a las nuevas agencias regulatorias internacionales, y que finalmente tenga capacidad de usufructuar las potencialidades que brindan las nuevas tecnologías de la información y la comunicación para potenciar los efectos de las políticas consensuadas.

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FACE PAULISTA DA TV DIGITAL: REFLEXÃO SOBRE A MULTIPROGRAMAÇÃO NA TV CULTURA Vivianne Lindsay Cardoso 1 Universidade Estadual Paulista (FAAC/UNESP) viviannelc@hotmail.com Juliano Maurício de Carvalho2 Universidade Estadual Paulista (FAAC/UNESP) juliano@faac.unesp.br Resumo: O processo de implantação da multiprogramação pela TV Cultura, emissora sob responsabilidade da Fundação Padre Anchieta, a partir da regulação da televisão digital no Brasil, por meio do Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T), envolve a criação e implantação dos canais de multiprogramação da emissora, o Univesp TV e o Multicultura, que estão em funcionamento por meio de autorização especial em caráter científico e experimental. Analisado a partir da visão da Economia Política da Comunicação, esta pesquisa contribui com a reflexão sobre a multiprogramação que pode criar alternativas para novas opções de programação e conteúdo na televisão do País. Palavras-chave: Multiprogramação. Televisão Pública. Políticas de Comunicação Abstract: The implantation procedure of the multiprogramming for TV Cultura, a station under the responsibility of the Fundação Padre Anchieta,from the regulation of digital television in Brazil, through the Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T), involves the creation and implantation of multiprogramming channels of the station, the Univesp TV and the Multicultura channels, which are functioning through means of a special authorization in scientific and experimental character. Analyzed from the Communication Politics Economy point of view, this research contributes to the reflexion about the multiprogramming which may create alternatives to new options in this country programming and content. Keywords: Multiprogramming, Public Television, Communication Politics Resumen: El proceso de implantación de la multiprogramación por la TV Cultura, estación bajo responsabilidad de la Fundación Padre Anchieta, partiendo de la regulación de la televisión digital en Brasil, por medio de lo Sistema Brasileño de Televisión Digital Terrestre (SBTVD-T), envuelve la creación y implantación de los canales de multiprogramación de la estación, el Univesp TV y el Multicultura, que están en funcionamiento por medio de autorización especial en carácter científico y experimental. Analizando de la visión de Economía Política de la Comunicación, esta pesquisa contribuí con la reflexión sobre la 1

Bacharel em Comunicação Social - Jornalismo (Puc-Campinas), Especialista em Docência no Ensino Superior (Unifeob), mestranda em Comunicação pela Unesp na linha de pesquisa – Gestão e Política da Informação e da Comunicação Midiática. Bolsista Fapesp. Membro do Grupo de Pesquisa Lecotec (Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã) da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (FAAC/Unesp). 2 Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Televisão Digital: Informação e Conhecimento (mestrado profissional) [licenciado], docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Midiática (mestrado acadêmico) e do Curso de Jornalismo, líder do Lecotec (Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã) da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (FAAC/Unesp).


2 multiprogramación que puede crear alternativas para nuevas opciones de programación y contenido en la televisión del país. Palabras-llave: Multiprogramación, Televisión Publica, Políticas de Comunicación Introdução A implantação da multiprogramação pela emissora de televisão TV Cultura é um momento relevante na história da televisão pública no Brasil, em especial do estado de São Paulo – estado sede da emissora – e remete à reflexão de como está ocorrendo esse processo que engloba a criação e objetivos dos canais Univesp TV e Multicultura e da própria tecnologia. A multiprogramação pode provocar transformações no modo de pensar, fazer e ver a televisão brasileira. A TV Cultura, nesta perspectiva, pode se tornar um referencial na implantação da multiprogramação voltada para os interesses educativos, culturais e de capacitação social, contribuindo para o aperfeiçoamento da emissora pública e para a discussão sobre as políticas públicas reguladoras das televisões digital, pública e educativa vigentes. A multiprogramação, viabilizada por meio da tecnologia de televisão digital adotada no País, envolve mais do que a televisão em seu processo, mas também o computador e os dispositivos móveis, tornando-se de um instrumento de convergência, interatividade, compartilhamento de multiserviços e acessibilidade, podendo ser utilizada e desenvolvida por emissoras públicas ou privadas, dependendo apenas de uma regulação para seu livre funcionamento. Nesta perspectiva, a televisão pública pode assumir papel fundamental no processo de implantação do dispositivo no País diante de sua política de atuação voltada ao que determina sua recomenda de valorização aos direitos dos cidadãos, como define a Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais – Abepec. Por ser uma concessão pública, a televisão tem como missão - conforme os preceitos básicos das emissoras associadas da Abepec – “educar, informar, entreter e divertir os telespectadores, observando os direitos das pessoas, principalmente das crianças, e os valores da solidariedade, fraternidade e igualdade” (ABEPEC, 2010). Desde 2005, as discussões sobre o tema culminaram nos eventos I e II Fórum Nacional de TVs Públicas, realizado em 2007 e 2009, respectivamente, onde foram apresentadas a Carta de Brasília e a II Carta de Brasília, documentos que reúnem os princípios norteadores das televisões com este caráter (ABEPEC, 2010). Barbosa e Castro (2008) propõem que o papel da televisão pública neste novo cenário pode se tornar a grande alavanca para a que a sociedade atinja objetivos relevantes em uma sociedade democrática como o cumprimento da regra constitucional, por meio da socialização dos bens culturais, democratização da informação, difusão do conhecimento e cidadania; oportunidades que poderão surgir no mercado audiovisual pelas novas maneiras


de acesso à informação, à cultura e ao entretenimento; atendimento à qualidade das relações sociais na medida em que rediscute a noção de espaço público, assim como a visibilidade das relações público-privadas, de seu agendamento, troca simbólica e modificação do eixo de poder resultante; diversidade de idéias, os espaços de relacionamento, as possibilidades de estabelecerem novos pactos sociais através da inclusão de novos atores e a conseqüente divisão do poder sobre a informação, sendo a multiprogramação importante instrumento para alcançar e viabilizar estas potencialidades. A TV Cultura é definida pela Fundação Padre Anchieta, responsável por gerir a emissora, como uma televisão pública como missão trabalhar com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, conforme determina os artigos 222 e 224 da Constituição Brasileira, buscando universalizar o direito à informação e à comunicação, em um trabalho contínuo de inovação e experimentação (FPA, 2010). Recentemente sua experimentação no ambiente tecnológico e educacional tem sido com a implantação de dois canais na multiprogramação, por meio de autorização especial para funcionamento em caráter científico e experimental (DOU, 2009): o Multicultura - que, em fase de implantação, está exibindo programas, séries, documentários e especiais do acervo da TV Cultura, em seus 40 anos de atividade (MULTICULTURA, 2010) - e o canal Univesp TV, iniciados em 26 de agosto de 2009; ambos sem geração de renda, conforme determinada o Ministério das Comunicações. O Univesp TV tem por objetivo criar novas possibilidades de acesso à educação agregando em seu processo de construção de conhecimento a televisão, o computador e aulas presenciais. A “Univesp - Universidade Virtual do Estado de São Paulo - é um programa do Governo do Estado de São Paulo criado pelo decreto nº 53.536, de 9 de outubro de 2008, para expandir o ensino superior público de qualidade”, visando criar oportunidade para que mais pessoas estudem gratuitamente nas universidades estaduais, integrando internet e televisão digital. O objetivo é criar pólos em todas as regiões de São Paulo, que servirão de sedes físicas da universidade virtual, integrando aulas presenciais, e atividades à distância utilizando a internet e o canal Univesp TV, por meio do sistema denominado ‘Aprendizado Eletrônico’, desenvolvido por pesquisadores da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). O Univesp TV desenvolve uma grade de programação com espaço para programas diretamente ligados aos cursos e vinculados as aulas (UNIVESP, 2010). Trata-se de uma ação cooperativa, articulada pela Secretaria de Ensino Superior do Estado de São Paulo com as universidades estaduais paulistas – Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual Paulista ‘Júlio de


4 Mesquita Filho’ (Unesp) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) - e com o Centro Paula Souza, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (FAPESP), da Fundação do Desenvolvimento Administrativo Paulista (FUNDAP), da FPA (FPA) e da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Esta reflexão visa colaborar com as discussões referentes as políticas públicas quanto a concepção da regulação adotada para a multiprogramação no Brasil, o processo de digitalização da televisão pública, em particular da TV Cultura, analisando sobre o papel da televisão de acordo com os artigos 220, 221, 222, 223 e 224, capítulo V/1988 da Constituição Brasileira, os quais discutem as obrigações, intenções e funcionalidades da televisão brasileira. Partindo do pressuposto de que o artigo 220 determina que “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”; e o descrito no inciso 5º que “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”, não estaria a própria regulamentação a partir do Decreto nº 5.820, por meio do artigo 12, que proíbe a multiprogramação no País - exceto para os canais da União Federal e a TV Cultura (com autorização especial). E mais, o artigo 221 determina entre alguns de seus itens que: “A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; II promoção da cultura nacional e regional e estimulo à produção independente que objetive sua divulgação”. Muito mais do que questões mercadológicas e de consumo, a televisão tem um papel fundamental educativo. E, apesar da limitação legal que proíbe a difusão da multiprogramação tanto em televisões públicas - exceto os canais do Governo Federal -, quanto privadas, ela possui relevante potencial de instrumento propagador e incentivador de educação, cultura, arte e informação ao ser usado efetivamente com tal finalidade e não simplesmente instrumento de consumo do sistema capitalista. A Economia Política da Comunicação permite uma análise crítica do assunto, voltando seu estudo a totalidade das relações sociais que formam os campos econômico, político, social e cultural, objetivando compreender a mudança social e a transformação histórica e como ela repercute e se imbrica com o mundo da comunicação em todos os sentidos” (BOLAÑO, 2007). As possibilidades de expansão da comunicação pela televisão, a partir da multiprogramação, dão início a uma nova perspectiva de reflexão exatamente quanto a novas formas de relações sociais que este veículo pode provocar e mediar. No entanto, as regulações determinadas pelas políticas públicas são fatores determinantes no processo de desenvolvimento da multiprogramação e sua devida utilização junto à


sociedade. Assim como vem propondo a TV Cultura, cabe a emissora pública o papel gerador de políticas alternativas, tendo uma função complementar às emissoras comerciais e ao sistema estatal oficial, que é justificada pela necessidade de preservar valores culturais e sociais. Em relação às políticas públicas voltadas à comunicação social, enfim, há uma resistência dos empresários de comunicação e do governo quanto à sua implantação, pois estes segmentos vêem nas emissoras públicas e comunitárias uma concorrência pelas receitas de publicidade e um espaço para a formação de um pensamento político independente. (LINS, 2002)

O Brasil vive um período de transição e adaptação em sua estrutura capitalista no modo de fazer televisão e cada dispositivo criado para abrir caminhos de mudança nesta estrutura merece ser considerado, registrado e estudado. Por considerar que a cultura de uma sociedade capitalista reflete as normas e valores da classe social, que possui propriedade dos meios de produção, Karl Marx teria observado no “mundo da Comunicação” a manifestação necessária do que chamou de forma da consciência social. “Estamos no domínio da economia. De um lado, dá-se um nome a uma materialidade que, em si mesma e livre de toda significação, faz parte da história dos homens; do outro, são rotuláveis linguagens e os sistemas de sinais em curso e uso nas sociedades humanas.” (POLISTCHUK, 2003). Breve relato histórico A tecnologia da televisão digital no País está regulamentada no Decreto nº 5.820, de 29 de junho de 2006, que cria o Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T) e o conjunto de padrões tecnológicos a serem adotados para transmissão e recepção de sinais digitais terrestres de radiodifusão de sons e imagens. O sistema é baseando no padrão japonês de sinais do Integrated Services Digital Broadcasting Terrestrial (ISDB-T) – serviço integrado de radiodifusão digital terrestre, sendo adaptado e desenvolvido tecnologicamente no País, usualmente chamado de sistema “nipo-brasileiro”, a tecnologia permite a transmissão digital em alta definição de imagem e som High Definition Television (HDTV), simultânea para a recepção fixa, móvel e portátil, a interatividade e a multiprogramação. Desde sua criação envolvendo as questões legais e de regulação, a implantação tem sido marcada pela constante preocupação com a questão da educação, acessibilidade e desenvolvimento social, iniciada a partir da instituição do Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD) pelo decreto nº 4.901, de 26 de novembro de 2003. Entre seus objetivos, estão descritos a finalidade de promover a inclusão social, a diversidade


6 cultural do País e a língua pátria por meio de acesso à tecnologia, visando à democratização da informação, propiciar a criação de rede universal de educação à distância e contribuir para a convergência tecnológica e empresarial dos serviços de comunicação. A partir desta tecnologia, um novo dispositivo de comunicação está sendo implantado e disponibilizado para o País: a multiprogramação que é definida como “a ocupação compartilhada de um canal (6MHz) por diversas emissoras, sendo que cada emissora possui um espaço próprio, autônomo, dentro desse canal, como se fossem subcanais”, conforme consta no Relatório do Grupo Temáticos de Trabalho ‘Migração Digital’, do I Forum Nacional de TVs Públicas (2007). O relatório aponta que a multiprogramação pode ser um “modelo estratégico para as televisões públicas por permitir maior representação da diversidade e por ser o meio de atender as necessidades de produção e veiculação de conteúdos que atendam todas as demandas da sociedade” com os seguintes benefícios: ampliação do número de canais – mais conteúdo, possibilidade de alternar alta definição (banda) e multiprogramação (divisão de banda em até quatro programações standar) – conteúdo diferenciado. Regulamentada pela Norma Geral para Execução dos Serviços de Televisão Pública Digital nº 01/2009, a multiprogramação é autorizada a ser utilizada pela União Federal, com o objetivo de transmitir assuntos ligados ao Poder Executivo, educação, cultura e programação ligada a interesses regionais. Entre os canais de multiprogramação da União estão: TV Brasil, TV Câmara, TV Justiça e TV Senado. Em paralelo, a televisão pública e educativa, desde sua implantação, por meio do Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967, tem como dever destinar a divulgação de programas educacionais, mediante a transmissão de aulas, conferências, palestras e debates. As emissoras de rádio e televisão, por sua vez, devem ter como princípio, conforme determina o artigo 222 da Constituição Federal, finalidades educativas, culturais e informativas. A TV Cultura foi a única emissora a ter a autorização especial para a implantação da multiprogramação (DOU, 2009). Mesmo sendo uma emissora educativa e pública, foi preciso ampla negociação entre o Ministério das Comunicações, por meio do então ministro Hélio Costa, e o ex-presidente da FPA, Paulo Markun, responsável por romper a própria legislação vigente por acreditar na potencialidade e inovação da multiprogramação e colocar no ar os dois canais da TV Cultura, o Multicultura e o Univesp TV. “A FPA está oferecendo um canal digital que, de fato, inaugura a televisão digital no País. Vamos apresentar o caminho para oferecer mais cultura, conhecimento e educação para que a televisão digital seja mais que um salto de tecnologia, seja um salto de conteúdo e oportunidades”, declarou Paulo Markun durante a cerimônia de lançamento da multiprogramação pela emissora em 26 de agosto de 2009 (TV CULTURA, 2010). Após o lançamento dos canais, um intenso


entrave público foi travado entre o então presidente da FPA e o ministro das Comunicações. O resultado da disputa foi o Despacho do Ministro Hélio Costa, em 7 de maio de 2009, publicado no Diário Oficial da União (DOU), no qual foi publicado: APROVO, com fundamento na Informação no 158/2009/CGEO/DEOC/SCEMC, o pedido formulado pela FUNDAÇÃO PADRE ANCHIETA - CENTRO PAULISTA DE RÁDIO E TV EDUCATIVAS para execução do Serviço Especial para Fins Científicos ou Experimentais com o objetivo de testar a transmissão de sinais de radiodifusão de sons e imagens, com multiprogramação exclusivamente educativa, na localidade de São Paulo/SP. A execução do serviço, nos termos do Decreto no 6.123, de 13 de junho de 2007, deverá obedecer plenamente aos procedimentos operacionais estabelecidos na Norma no 01/2007, aprovada pela Portaria no 465, de 22 de agosto de 2007, bem como, quanto à programação veiculada, às disposições contidas no art. 13 do Decreto-lei no 236, de 28 de fevereiro de 1967, que determinam: Art 13. A televisão educativa se destinará à divulgação de programas educacionais, mediante a transmissão de aulas, conferências, palestras e debates. Parágrafo único. A televisão educativa não tem caráter comercial, sendo vedada a transmissão de qualquer propaganda, direta ou indiretamente, bem como o patrocínio dos programas transmitidos, mesmo que nenhuma propaganda seja feita através dos mesmos. (DOU, 2009)

Para Markun, a ordem na TV Cultura é experimentar, acreditando que os novos meios de comunicação foram prioridades de sua gestão e a emissora viabiliza isso por não ser uma rede comercial, permitindo acertar e errar gastando pouco (TV CULTURA, 2010). A Economia Política da Comunicação e a Multiprogramação As questões referentes a implantação da multiprogramação no País vão além dos interesses da TV Cultura, envolvem questões comerciais e de domínio de mercado. As emissoras Rede Globo, SBT (Sistema Brasileiro de Televisão) e Rede Record, por meio da Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão), são contrárias ao mecanismo. Já a Rede Band, a Rede TV! e o Grupo Abril são favoráveis. (EBC, 2010). Neste jogo de interesses comerciais e de poder, a TV Cultura é a única emissora não federal a ter a liberdade de experimentar a nova tecnologia. Poucas são as obras que relatam a conduta política e de gestão da TV Cultura. O livro de Lima, ‘Uma história da TV Cultura’, relata a relação intensa e conturbada que vive a emissora com o Estado, o poder e seus ideais e regulações envolvendo seus gestores a partir de sua criação em 1960. Desde 1961, o governo do estado de São Paulo trabalhava para oferecer educação pela televisão e foi por meio da TV Cultura que a idéia ganhou força. Criada como uma emissora comercial por Assis Chateubriant passou a ser uma


8 emissora pública, de caráter educativo, em 1967. A partir do Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967, que complementa e modifica a Lei número 4.117, de 27 de agosto de 1962. No mesmo ano, foi fundada a FPA, entidade de direito privado destinada a gerir as emissoras de rádio e televisão públicas do Estado. Desde então, a emissora tem contribuído como modelo de televisão pública, buscando garantir autonomia intelectual, administrativa e editorial, assim como vem fazendo ao assumir a implantação da multiprogramação. A perspectiva política deste artigo se dá com base na teoria a partir da análise e reflexão da aceleração do capitalismo de modo crítico, realista e inclusivista da Economia Política da Comunicação, buscando compreender o contexto que envolve a regulação concebida para a multiprogramação no Brasil - com suas potencialidades - e o que vem sendo efetivamente concedido e concretizado. As três linhas da teoria – a da América do Norte, a Européia e a de Terceiro Mundo / América Latina -, assim definidas por Mosco (1996, 2006), desde o surgimento das indústrias de mídia no século XX, buscam compreender os personagens que envolvem as indústrias culturais e suas relações com processos econômicos sociais mais amplos envolvendo poder, Estado, dinheiro, a sociedade e valores humanísticos. A Economia Política da Comunicação se destacou por sua ênfase em descobrir e examinar o significado das instituições, especialmente empresas e governos, responsáveis pela produção, distribuição e intercâmbio das mercadorias de comunicação e a regulação do mercado de comunicação (MOSCO, 2006).

Para Mosco (2006), a introdução de modernos meios de comunicação, assim como se dá a multiprogramação, exerce papel relevante para colaborar com a mudança nas estruturas sociais familiares e políticas que devem ser consideradas nas perspectivas de mercantilização, e estruturação. Para Mattelart (1999), na perspectiva desenvolvimentista, as mídias constituíam recursos que, aliados à urbanização, à educação e a outras forças sociais, poderiam estimular a modernização econômica, social e cultural dos países subdesenvolvidos. A mídia era vista como um índice de desenvolvimento, e o objetivo era construir uma economia de mercado, sendo os meios de comunicação instrumentos para isso. (FONSECA, 2007). Para Marx (2008), as relações de força e poder são reflexos de condições materiais de existência, formando a sociedade civil, produzindo uma existência no qual “os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; essas relações de produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças materiais atendendo suas necessidades”. (MARX, 2008).

Assim, o “modo de

produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e intelectual. Não há consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência” (MARX, 2008). Tornando assim, para Marx, o indivíduo na


sociedade com um resultado histórico que cria poderes políticos para atender suas necessidades econômicas. O grande e talvez mais precioso diferencial da emissora pública em relação a televisão comercial seja justamente que ela deve se comprometer com a um conteúdo mais flexível e voltado aos temas menos explorados que atendam exatamente à educação, cultura, arte e informação e não simplesmente aos altos índices de audiência, atendendo aos anseios de seus anunciantes e patrocinadores, como acontece nas televisões comerciais.

Considerado por diversos pesquisadores como pioneiro dos estudos da

Economia Política da Comunicação3, o canadense Dallas Smythe já discutia, no final da década de 1940, as questões de audiência. De acordo com Janet Wasko (1993), Smythe apresentou os fundamentos da sua Economia Política da Comunicação em um artigo publicado na revista Journalism Quarterly, em 1960. Mas, já em 1951 ele argumentara que o principal produto dos meios de comunicação de massa comerciais era o poder da audiência. Esse argumento embasaria seu trabalho subsequente sobre a tese da audiência como mercadoria que influenciaria outros pesquisadores críticos. (SERRA, 2006).

Serra (2006) explica que a tese de Smythe provocaria um intenso debate entre os pesquisadores da linha da economia política marxista, no final dos anos 1970, ao afirmar então que havia um ponto cego na pesquisa crítica européia com relação à lógica econômica da televisão, e criticou duramente as teorias que viam a televisão apenas como uma esfera de produção de ideologia e estratégias discursivas, desconsiderando, em seu entender, que a televisão, acima de tudo, produzia comercialmente audiências para os anunciantes.

Nicholas

Garnham,

pesquisador

britânico

dessa

corrente,

reagiu

argumentando que essa colocação equivalia a negar as dimensões políticas e culturais da televisão, tão importantes quanto a sua lógica econômica (MATTELART e MATTELART, 1998). Para Armand e Michèle Mattelart (1998), a Economia Política da Comunicação resultou de uma ruptura com as teses de Marx sobre a historia do capitalismo, que associava o desenvolvimento de cada sociedade a sua passagem por um padrão de uma sucessão de estágios da evolução de suas estruturas internas. Essa visão foi contestada por autores como Paul Baran que defendeu a hipótese da integração global do capitalismo e seus mecanismos de exploração que levavam ao ‘desenvolvimento do sub-desenvolvimento’ de certas regiões do mundo. Mattelart e Mattelart (1998) associam a história dessa linha de pesquisa 3

A teoria surge com base na teoria da Economia Política, principalmente a partir das reflexões de Marx fundamentadas do livro ‘Contribuição à crítica da Economia Política’, desenvolvidas no século XIX. Marx é o referencial para a discussão aqui proposta ao buscar entender as relações envolvidas no capitalismo, ligadas tanto ao Estado, quanto ao próprio homem em suas relações sociais.


10 também aos trabalhos de autores latino-americanos que criticaram as teorias da modernização, como Paulo Freire e teóricos da dependência. Nessa história referem-se a pensadores americanos como Schiller que elaborou o conceito de ‘imperialismo cultural’, a seus próprios estudos e ainda a toda a denúncia do fluxo desigual da comunicação que levou ao Movimento por uma Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação, no final dos anos 1970. (SERRA, 2006).

Ao longo dos anos a Economia Política da Comunicação ganhou força e adeptos, inclusive por meio de discussões referentes ao papel da comunicação e, em especial, da televisão. Na América Latina, segundo MOSCO (1998), com os estudos de Mattelart que se inspirou em uma série de tradições, incluindo a teoria da dependência, o marxismo ocidental e a experiência mundial dos movimentos nacionalistas de libertação para compreender a informação como uma dentre as principais fontes de resistência ao poder. Ele demonstrou como os povos do Terceiro Mundo, especialmente na América Latina, usaram os meios de comunicação de massas em oposição ao controle ocidental, para criar uma mídia local de notícias e entretenimento. No momento em que as políticas governamentais de democratização cultural e a idéia de serviço e monopólio públicos são confrontadas com a lógica comercial num mercado em vias de internacionalização, trata-se de penetrar na complexidade dessas diversas indústrias para tentar compreender o processo crescente de valorização das atividades culturais pelo capital. (MATTELART, 1999)

A Economia Política da Comunicação, ao estudar e analisar como a propriedade, formas de financiamento e as políticas governamentais pode influenciar o comportamento e o conteúdo da mídia, como nas visões de Bolaño e Brittos (2007), que discutem o modo de lidar e fazer comunicação em relação a estrutura de poder na sociedade capitalista tão característica no Brasil, relacionando as indústrias culturais e a própria regulação do mercado como peças relevantes do no sistema de consumo, assim como vem acontecendo com a regulação da multiprogramação. A reflexão das políticas públicas tanto na perspectiva regulatória, quanto de funcionalidade, envolve o jogo de interesses atrelados ao poder e lucro governamental, privado e público e os interesses e necessidades sociais. (FREY, 2000). Para Brittos, Bolaño e Rosa o posicionamento atual da Economia Política da Comunicação é o de “entender a comunicação social como bem público, ainda que, via de regra, seja apropriada privadamente, com vistas a dinâmicas de valorização”. Os autores destacam que são explícitas as divergências entre a formação do mercado da cultura – onde o interesse vigente é o econômico – e o interesse público que “aponta para o caminho das produções alternativas, indicando que uma maior participação da sociedade na mídia potencializa a democratização da comunicação”. Outro ângulo de estudos da teoria está


vinculado às questões da política, “enquanto representatividade, abrangendo as regulamentações do setor da comunicação e ações da sociedade como um todo, incluída aí não somente como quem está sob as conseqüências dessas duas grandes esferas, mas também como quem é partícipe e envolve-se nas decisões” (BRITTOS, BOLAÑO e ROSA, 2010). ...hoje a perguntas, que a EPC procura responder, sobre como, por exemplo, a televisão digital impactará nos modelos econômicos e sociais das indústrias culturais e da comunicação no século XXI; ou como será efetivamente conformado o modelo de negócios da internet, dividida entre várias soluções de financiamento que, ao fim e ao cabo, não têm proporcionado resultados diretos ótimos para certos empreendimentos. (BRITTOS, BOLAÑO e ROSA, 2010).

A discussão sobre a regulação da multiprogramação e sua implantação pela TV Cultura se dá diante da necessidade e importância da democratização da comunicação, viabilizando a organização e as regulações dos meios de comunicação para que incentivem a produção e o acesso de seus conteúdos, exercendo no âmbito da sociedade o exercício pleno dos direitos a cidadania e, principalmente, não vislumbrando a sociedade com simples mercadoria de audiência apropriada pelo capital como instrumento de poder e lucro. (BOLAÑO e BRITTOS, 2007). A tecnologia da multiplicidade de canais abre caminho para uma produção de comunicação social como bem público, conflitando e divergindo, inclusive, quanto a formação do mercado cultural atual, colocando em conflito os interesses econômicos e os interesses públicos. O interesse público, principalmente associado às questões educativas, culturais e sociais, vislumbra na multiprogramação uma possibilidade de maior participação da sociedade na mídia - potencializando precisamente a democratização da comunicação - e as emissoras públicas podem ser importantes personagens neste processo. Esta possibilidade pode e deve impactar nos modelos econômicos e sociais das indústrias culturais e da comunicação no século XXI, principalmente na televisão privada e hegemônica atual. Neste cenário controverso, um dos grandes desafios da pesquisa e estudos referentes ao tema multiprogramação no Brasil se deve a escassa bibliografia sobre no País. Novo e em implantação, poucos são os teóricos que estão discutindo o assunto na área da comunicação no País4. 4

Ao realizar pesquisa em junho de 2011, nos acervos de produções científicas e teóricas de dissertações, teses e livros com a palavra ‘multiprogramação’ na CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), Revcom (Revista Eletrônica de Ciências da Comunicação) e bibliotecas das universidades USP, Unicamp e Unesp, apenas cinco teses estão ligadas ao tema e a televisão digital, sendo três ligadas a engenharia e tecnologia, uma a educação e


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Considerações finais A multiprogramação pode ser, entre as possibilidades do sistema “nipo-brasileiro” desenvolvido e adotado, uma das mais controversas e perturbadoras propostas de comunicação midiática para os detentores de poder ligados a televisão brasileira ao que se refere a implantação da televisão digital no País, já que ela pode desencadear ramificações segmentadas de comunicação, alcançando e criando nichos de público, mercado e até mesmo geradores de conteúdo e programação, contrariando a estrutura arraigada e consolidada que, a partir da proposta de criação de um padrão nacional de TV Digital, para Bolaño e Brittos (2009), permite ampliar o debate sobre a organização do sistema brasileiro de televisão, “atacando problemas crônicos, como a concentração dos meios de comunicação, entre outros. Essa era a esperança dos movimentos pela democratização da comunicação que se engajaram no debate em torno do SBTVD”. (BRITTOS; BOLAÑO, 2009). Pensando nesta perspectiva, a utilização da multiprogramação - por televisões públicas, educativas e não comerciais - seja uma importante contribuição como nova tecnologia, ampliando o leque de ofertas de conteúdos segmentais, regionalizados e temáticos independentes de uma cadeia comercial ou hegemônica arraigada e consolidada no País. Mesmo diante de tamanha potencialidade, a multiprogramação no Brasil vive um entrave regulatório para seu efetivo desenvolvimento. A partir do Decreto nº 5.820, por meio do artigo 12, que proíbe a multiprogramação no País – como já citado - exceto para os canais da União Federal e a TV Cultura (com autorização especial), a tecnologia está truncada, gerando discussões, controvérsias e até mesmo enfrentamentos diante da regulamentação, como aconteceu com o início das transmissões dos canais da TV Cultura antes de receber autorização especial e, transmissões sem autorização, como a realizada pela Rede TV5 que transmitiu dois canais ao mesmo tempo em julho de 2010. Algumas emissoras lutam por seu direito a multiprogramação, enquanto outras simplesmente ‘engavetaram’ o assunto, em um jogo de poder e garantias de manutenção de lucro que está apenas começando e promete novos entraves.

apenas uma tese na USP diretamente ligada a comunicação: DONATO, Maurício. Estratégias de Posicionamento e disputas na Implantação da TV Digital no Brasil. 01/12/2007. 1v. 196p. Mestrado. FACULDADE CÁSPER LÍBERO – COMUNICAÇÃO. Orientador(es): Sérgio Amadeu da Silveira. Biblioteca Depositaria: Faculdade Cásper Líbero. 5

REDE TV! dribla lei e faz multiprogramação. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/ooops/ultimasnoticias/2010/07/05/rede-tv-dribla-lei-e-faz-multiprogramacao.jhtm . Acesso em 05/07/2010


O Univesp TV tem buscado experimentação tecnológica e proposto se dedicar a uma programação que atenda a legislação voltada à educação, cultura, arte e informação. Divulgado como “o canal para quem quer saber mais e aprender sempre!”, se auto define com “uma das ferramentas de tecnologia de informação e comunicação da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp), e visa a formação integral do cidadão”. Declara ter sido o primeiro canal digital do País a apresentar programação própria, diversa da transmitida pelo correspondente canal analógico; “o que representa um pioneirismo da Fundação Padre Anchieta e da TV Cultura”. Atualmente, a Univesp TV produz os programas de apoio dos cursos da Univesp, como as licenciaturas em Pedagogia e Ciências e o curso de especialização Ética Valores e Saúde. O canal conta ainda com séries de sucesso produzidas pela BBC, Channel 4, Open University, PBS e Europes Images, entre outras. (Univesp TV, 2010). Desde o dia 4 de outubro de 2010, o Univesp TV vem transmitindo simultaneamente a programação do canal de multiprogramação 2.2 também na internet por meio site www.univesp.tb.br , viabilizando o acesso de seu conteúdo para todo o País, além da grande São Paulo - região territorial a qual o canal digital está limitado legalmente. Esta é mais uma iniciativa ousada da Fundação Padre Anchieta, viabilizando flexibilidade de acesso ao conteúdo produzido pelo canal, seja ele voltado para os alunos dos cursos em andamento vinculados ao Programa Univesp ou para espectadores e internautas interessados em programas educativos e culturais. Sem subsídio publicitário e amarras contratuais vinculadas a audiência e retorno de venda, tem liberdade de experimentação, exceto pela limitação quanto às questões financeiras, regulatórias e políticas. Mesmo assim, tem caminhado em sentido inverso aos interesses mercadológicos e hegemônicos das emissoras privadas. Ultrapassando as barreiras de divergências políticas existentes entre o Governo Federal e o Governo do Estado de São Paulo, o canal tem conseguido dar grande contribuição à história da implantação da televisão digital no País com a iniciativa de experimentação, rompendo barreiras legais, mercadológicas, hegemônicas e de poder, unindo forças em uma ação cooperativa com diversas instituições públicas na busca por oferecer - de modo acessível - um canal essencialmente educativo e público. A tecnologia da televisão digital, com ou sem multiprogramação, percorre o mundo há anos e vem transformando profundamente o modo de ver e fazer comunicação. No Brasil, de acordo com o Decreto nº 5.820/2006, até dezembro de 2013, é obrigatório que haja disponibilidade técnica de cobertura de sinal de televisão digital terrestre em todo território nacional, data limite para a concessão de canais de televisão analógicos. Até 2016,


14 dez anos após a publicação do decreto, ele determina ainda a devolução dos canais analógicos à União e a transição total a para o sistema digital. Até lá, espera-se que não só a transição seja concluída, mas a multiprogramação seja efetivamente regulamentada, autorizada e viabilizada. Diante de tantas incertezas e perspectivas, a multiprogramação no Brasil é, certamente, um assunto que merece ser acompanhado, discutido e analisado, pois está apenas no início de sua jornada. Referências ABEPEC - Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais. Disponível em: http://www.abepec.com.br/. Acesso em 13/06/2010. ALVES, Mirian. F. I Fórum Nacional de TV´s Públicas: Relatórios dos grupos temáticos de trabalho – Brasília: Ministério da Cultura, 2007. 116 p. (Caderno de debates.) BARBOSA Filho, André e CASTRO, Cosette. Apontamentos para implantação da TV Pública Digital no Brasil, em Televisão digital: desafios para a comunicação. Livro da Compós - 2009, orgs. Sebastião Squirra e Yvanna Fechine – Porto Alegre: Sulina, 2009, p.68-83. BOLAÑO, C. R. S. e BRITTOS, V. A televisão brasileira na era digital. São Paulo, Paulus, 2007; __________Qual a lógica das políticas de comunicação no Brasil? São Paulo: Paulus, 2007. __________Economia Política da Comunicação e da Cultura: uma apresentação. Revista Telos, n.º 47, FUNDESCO, Madrid, set/dez/96. __________ Enciclopédia INTERCOM de Comunicação. – São Paulo: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2010. BRITTOS, Valério Cruz; BOLAÑO, César Ricardo Siqueira; ROSA, Ana Maria Oliveira. O GT “Economia Política e Políticas de Comunicação” da COMPÓS e a construção de uma epistemologia crítica da Comunicação. In: ENCONTRO ANUAL DA COMPÓS, 19., 2010, Rio de Janeiro. Anais ... Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2010. 1 CD. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05/10/1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em 13/06/2010. _________Decreto n. 4.901, de 28.11.2003. Institui o Sistema Brasileiro de Televisão Digital SBTVD, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/d4901.html. Acesso em 13/06/2010. _________Decreto n. 5.820, de 29.06.2006. Dispõe sobre a implantação do SBTVD-T, estabelece diretrizes para a transição do sistema de transição digital do serviço de radiodifusão de sons e imagens e do serviço de retransmissão de televisão e dá outras providências. Disponível em: http://www.mc.gov.br/index.php/content/view/30843.html. Acesso em 13/06/2010. _________ Decreto n. 53.536, de 09.10.2008. Institui o Programa Universidade Virtual do Estado de São Paulo - UNIVESP, para expansão do ensino superior público do Estado de São Paulo, e dá providências correlatas. Disponível em: http://www.legislacao.sp.gov.br/dg280202.nsf/5fb5269ed17b47ab83256cfb00501469/cdaf50 3f8e58c641032574de004908db?OpenDocument. Acesso em 14/05/2011.


_________ NORMA No 01/2009. Norma Geral para Execução dos Serviços de Televisão Pública. Anexa a Portaria Nº 24 de 11/02/2009. Disponível em: <http://www.astralbrasil.org/leis/portaria24fevereiro.pdf>. Acesso em: 18.06.2011. DOU. Diário Oficial da União- Seção 1. Ministério das Comunicações. Despacho do Ministro. nº 86, 8 de maio de 2009. ISSN 1677-7042, p. 65, http://www.in.gov.br/imprensa/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=65&data=08/05/2009 . Acesso em 23.11.2010. FREY, K. Políticas Públicas: um debate conceitual e reflexões referentes à prática da análise de políticas públicas no Brasil. Planejamento e políticas públicas, v. 21, p. 211259, 2000. FONSECA, Virginia. A economia política e os estudos de comunicação. Revista Verso e Reverso – Revista da Comunicação. Ano XXI, número 48, 2007. LIMA, Jorge da Cunha. Uma História da TV Cultura. São Paulo: Imprensa Oficial (IMESP), 2009. FPA. Missão. Fundação Padre Anchieta. Disponível em: http://www2.tvcultura.com.br/fpa/. Acesso em 02.05.2010. LINS, B. F. Análise comparativa de políticas públicas de comunicação social. Consultoria Legislativa, Câmara dos Deputados, Brasília, 2002. MARX, Karl. Contribuição à critica da Economia Política. Tradução e introdução de Florestor Fernandes. São Paulo. Expressão Popular, 2008. MATTELART, A., MATTELART, M. 1999. História das teorias da comunicação. São Paulo, Loyola, 220 p. MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES. Ministério autoriza multiprogramação da TV Cultura. Disponível em: http://www.mc.gov.br/noticias-do-site/21400ministerio-autoriza-multiprogramacao-da-tv-cultura. Acesso em 05.07.2010. MOSCO, Vicente. La Economía Política de la Comunicación: una actualización diez años después. In: Cuadernos de Información y Comunicación (CIC). Vol.11, p. 57-79, 2006. __________ Repensando e renovando a economia política da informação. Perspectivas em Ciência da Informação. Belo Horizonte, v.3, n.2, p.97-114, jul./dez. 1998. ___________ The political economy of communication. London, SAGE Publications, 1996. MULTICULTURA. O que é. Disponível em: http://www.multicultura.com.br/o-que-e/. Acesso em 03.07.2010. POLISTCHUK, L. e TRINTA, A. R. Teorias da Comunicação: o pensamento e a prática da Comunicação Social. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003. REDE TV! dribla lei e faz multiprogramação. Disponível http://noticias.uol.com.br/ooops/ultimas-noticias/2010/07/05/rede-tv-dribla-lei-e-fazmultiprogramacao.jhtm . Acesso em 05/07/2010.

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De acusador a acusado: O “Valerioduto” e a utilização de recursos da publicidade para caixa dois de partidos Anderson David Gomes dos SANTOS1 Rafael Cavalcanti BARRETO2 Bruno Lima ROCHA3 Resumo: Estuda-se a repercussão midiática do relatório da Polícia Federal sobre as denúncias de desvio de dinheiro público e formação de “caixa dois” nos governos FHC e Lula a partir de reportagens das revistas Época e Carta Capital e da agência de notícias Rede Brasil Atual. Com base no eixo teórico-metodológico da Economia Política da Comunicação, o artigo expõe o caso que ficou conhecido como “Valerioduto” e a participação do banqueiro Daniel Dantas em esquemas de corrupção sistêmica, sob o prisma das relações estabelecidas entre grupos midiáticos e grupos político-econômicos. Recursos identificados para campanhas publicitárias teriam sido utilizados para mascarar o esquema, o que trouxe a presença de empresas midiáticas importantes, mesmo que indiretamente, envolvidas no caso. Palavras-chave: Economia Política da Comunicação; Corrupção sistêmica; Revista Época; Revista Carta Capital; Polícia Federal. Abstract: We study the impact of media reporting of the Federal Police into allegations of misuse of public money and the formation of "slush" in the FHC and Lula from reports of the season and Carta Capital magazine and news agency network Brasil Atual. Based on theoretical and methodological axis of the Political Economy of Communication, the article exposes the case that became known as "valerioduto" and participation in schemes banker Daniel Dantas of systemic corruption, through the prism of relations between media groups and political groups economic. Identified resources for advertising campaigns have been used to conceal the scheme, which brought the presence of major media companies, even indirectly, involved in the case. Keywords: Political Economy of Communication; systemic corruption; Época magazine, Carta Capital magazine, the Federal Police. Resumen: Se estudia el impacto de los medios de información de la Policía Federal sobre las denuncias de mal uso del dinero público y la formación de "aguanieve" en la FHC y Lula en los informes de la temporada y la revista Carta Capital y la agencia de noticias de red Brasil Atual. Con base en el eje teórico y metodológico de la Economía Política de la Comunicación, el artículo expone el caso de que se conocía como "valerioduto" y la participación en los planes de banquero Daniel Dantas en la corrupción sistémica, a través del prisma de las relaciones entre los grupos de medios de comunicación y grupos políticos 1

Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da UNISINOS (bolsista CAPES RH-TVD), membro do Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade – CEPOS (apoiado pela Ford Foundation) e do Núcleo de Estudos Cepcom-Comulti (UFAL). E-mail: <andderson.santos@gmail.com>. 2 Graduado em Comunicação Social/Jornalismo pela FITS, membro do Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade – CEPOS (apoiado pela Ford Foundation) e do Núcleo de Estudos Cepcom-Comulti (UFAL). E-mail: <butigahn@hotmail.com>. 3 Professor na graduação em Ciências da Comunicação e pesquisador pela UNISINOS, membro do Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade – CEPOS (apoiado pela Ford Foundation) e Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: <blimarocha@gmail.com>.


económica. Los recursos asignados a las campañas de publicidad se han utilizado para ocultar el esquema, lo que trajo la presencia de importantes compañías de medios, ni siquiera indirectamente, involucrado en el caso. Palabras clave: Economía Política de la Comunicación; sistémica corrupción, la revista Época, la revista Carta Capital, la Policía Federal. Introdução “A maior crise política do governo Lula!”. Quantas vezes desde a acusação pública proferida em junho de 2005 pelo então deputado federal, e presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Roberto Jefferson, não ouvimos essa frase para designar o suposto “mensalão”, propina mensal dada a congressistas com a finalidade de garantir a maioria nas votações dos assuntos do Governo federal? Seis anos após o anúncio de uma grave crise que gerou questionamentos sobre o comportamento político do Partido dos Trabalhadores (PT), um relatório da Divisão de Repressão a Crimes Financeiros da Polícia Federal, elaborado pelo delegado Luiz Carlos Zampronha, trouxe o tema à tona, mas apenas para alguns meios de comunicação. A revista Época, da Editora Globo, foi a única representante dos grandes grupos midiáticos a relatar o fato. Apesar de o relatório da PF trazer em sua capa “segredo de justiça”, a edição nº 672 da revista Época, de 02 de abril de 2011, anunciava em primeira mão “A anatomia do Valerioduto”, título da reportagem que supunha apresentar, com base no documento oficial, todas as provas da polícia sobre o esquema de corrupção: “ÉPOCA obteve o relatório final da Polícia Federal sobre o caso do mensalão. Ele revela que o dinheiro usado por Marcos Valério veio dos cofres públicos e traz novas provas e acusações contra dezenas de políticos” (ESCOTEGUY et al., 2011). Mesmo com a matéria de capa, o assunto quase não recebeu atenção da mídia, salvo por exceções como a revista Carta Capital e a agência de notícias Rede Brasil Atual, que destacaram, respectivamente, que o relatório nada dizia sobre o “mensalão” e a nota oficial divulgada pelo Banco Opportunity em resposta às denúncias de que um dos seus sócios, o banqueiro Daniel Dantas, teria financiado a complexa rede de corrupção. De acusadora, a publicação das Organizações Globo viu todo o conglomerado se tornar alvo de acusações, caso se comprovassem as denúncias. O relatório da PF apresenta a TV Globo como um dos principais destinos de verbas publicitárias da DNA Publicidade LTDA, agência do empresário mineiro Marcos Valério Fernandes de Souza, principal agente intermediário entre os grupos políticos e econômicos que se envolveram no esquema de desvio de dinheiro público e formação de “caixa dois”. Este artigo pretende, à luz do eixo teórico-metodológico da Economia Política da


Comunicação, tratar de como se deu o caso do “Valerioduto” sob o prisma das relações estabelecidas entre grupos midiáticos e grupos político-econômicos. Assim, pretende-se apontar com esse estudo tanto a forma como foi midiatizado o relatório da Polícia Federal, através das revistas Época e Carta Capital e da agência de notícias Rede Brasil Atual – em específico a nota do Opportunity –, quanto a importância da informação para as demais indústrias, agora sob um prisma diferente. Através da intangibilidade da publicidade, a informação não só corresponde a um elemento diferenciador de um produto para acelerar a circulação das mercadorias, como também serve para mascarar mecanismos de desvios de recursos. A presença da publicidade no esquema do “Valerioduto” As denúncias que Roberto Jefferson apresentou em entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo em junho de 2005, desenvolvidas posteriormente em outros fatos e na descoberta de como funcionava o esquema de corrupção da base aliada por parte de membros do alto escalão do Governo Lula, mostravam que o PT não era tão “diferente dos outros”. O inquérito da Procuradoria Geral da República aponta o aprimoramento do esquema chefiado pelo publicitário Marcos Valério, em gestões de Executivo tanto do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), no governo mineiro de Eduardo Azeredo, quanto do PT, com suposta colaboração do ex-ministro chefe da Casa Civil do Governo Lula, José Dirceu. Segundo Fortes (2011), em matéria para a revista Carta Capital, o delegado da PF aponta que o financiamento ilegal de campanha e lobbies privados teria começado em 1999, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, e só terminou em 2005, na administração Lula, após ser denunciado pelo deputado Roberto Jefferson. A Ação Penal nº 470 é citada logo no início do relatório da PF para justificar os alvos de investigação: Em razão de expedientes adotados pelos próprios investigados, que se utilizaram de uma elaborada engenharia financeira, facilitada pelos bancos envolvidos, notadamente o Banco Rural, onde o dinheiro público mistura-se com o privado, perpassa por inúmeras contas para fins de pulverização até seu destino final, incluindo muitos saques em favor do próprio emitente e 4 outras intricadas operações com off shores e empresas titulares de contas no exterior, tendo como destino final paraísos fiscais (AÇÃO PENAL nº 470 4

Um fundo de investimentos que trabalha no off shore é uma montanha volumosa de dinheiro, que tem correspondência na riqueza material produzida em sociedade, circula através de infovias digitais e fica depositado nos chamados “paraísos fiscais”. Os paraísos são “paradisíacos” porque cobram pouca ou nenhuma taxa para os valores que entram e saem de um país ou colônia, como é o caso das Ilhas Cayman, Bahamas e o vizinho Uruguai.


apud ZAMPRONHA, 2011, p. 1).

Ao contrário do que a matéria da revista Época faz questão de alardear, o relatório de Zampronha (2011, p. 3) “não perscrutou os temas já abordados na referida ação penal, relacionados especificamente à finalidade dos diversos repasses realizados em benefício de agentes públicos e políticos”. Como ele demonstra em outros pontos do texto, o alvo foi o mapeamento dos recursos distribuídos, a intermediação de interesses privados junto ao poder público – onde Marcos Valério ganharia a sua parte no esquema, ao atuar como lobista de empresas – e a identificação de novos beneficiados pelos recursos. A série de atividades criminosas apontadas no documento da PF tem origem não só no comportamento político de gestores públicos, mas também em práticas comuns do modus operandi econômico. Dificilmente os veículos de comunicação alcançam nas suas matérias sobre economia uma crítica incisiva às falhas do sistema financeiro, limitando-se assim à omissão ou normalização de desvios como a “menos ruim das alternativas” que ajudou a legitimar. O caso do PT foi mais emblemático por se tratar do aparelho político do então maior partido de esquerda da América Latina, que servia de escora para as megaoperações financeiras junto a Marcos Valério, através das suas empresas de publicidade DNA Propaganda LTDA e SMP&B, triangulando com dois bancos privados e recursos de fundos de estatais. Todo este quebra-cabeça para ainda ter de pagar o custo das alianças com o segundo escalão das oligarquias brasileiras. Um esquema tão escancarado promovido por neófitos de Brasília tinha de fazer água. E fez. O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu pediu demissão do cargo e ainda, enquanto deputado federal, perdeu os direitos políticos por oito anos; mesma punição ao algoz Roberto Jefferson, responsável por fazer com que o esquema comandado por Marcos Valério não se espalhasse até hoje nas entranhas do poder público. Voltando às medidas clássicas de investigação criminal, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Mensalão promovia grande acareação, estrelando o tesoureiro expurgado do PT, Delúbio Soares; o ex-operador financeiro do PSDB mineiro recrutado pelo PT, Marcos Valério; o ex-deputado Waldemar Costa Neto; e o tesoureiro "informal" do Partido Liberal (PL), atual Partido da República (PR), Jacinto Lamas. Ao final do processo, todos saíram sem grandes percalços. O relatório da Divisão de Repressão a Crimes Financeiros da PF trouxe o assunto à tona novamente e a leitura de suas páginas, disponibilizadas no site da revista Carta Capital, apresenta de forma bem argumentada como se dava a participação do dinheiro público em tudo isso. O exame financeiro, por exemplo:


esclareceu o funcionamento do FUNDO DE INCENTIVO VISANET, com a identificação das origens e dos destinos dos valores movimentados em nome do BANCO DO BRASIL e a descrição das relações como a forma de contratação de prestação dos serviços de publicidade e propaganda da referida instituição financeira com a empresa DNA PROPAGANDA LTDA, bem como a forma de contratação dos serviços de publicidade e propaganda (ZAMPRONHA, 2011, p. 5).

Zampronha ainda faz questão de citar, mesmo não sendo alvo da investigação, a relação de Marcos Valério na negociação da venda da Telemig Celular para a Vivo, que possuía como um dos acionistas a Portugal Telecom. O publicitário teria se reunido com o presidente da empresa portuguesa acompanhado do “tesoureiro informal” do PTB, em “negócio [que] renderia recursos que seriam utilizados no repasse a partidos políticos” (ZAMPRONHA, op. cit., p. 08). A forma como se dava o esquema de repasses desses recursos já havia sido abordada pela imprensa na época da CPI, no caso do indício de recursos públicos, como o utilizado através do Banco do Brasil (BB), um dos bancos que formam o fundo de investimento que controla o Visanet5. Em matéria para o jornal Valor Econômico (Folha/Globo) em dezembro de 2005, a repórter Maria Lúcia Delgado (2005) explicou como houve a identificação: A Visanet repassou, por ordem do BB, R$ 35 milhões à DNA em março de 2004. Três dias depois, a DNA aplicou R$ 34.867.000,00 no próprio BB, em fundo DI [Depósito Interbancário]. Um mês depois, a DNA faz uma transferência de aproximadamente R$ 10 milhões [via TED (Transação Eletrônica de Documento)] para o BMG [Banco de Minas Gerais] e aplica esses recursos em CDB [Certificado de Depósito Bancário]. Dois dias depois, o BMG concede empréstimo no mesmo valor à empresa do sócio de Marcos Valério (Rogério Tolentino e Associados Ltda.), cuja garantia de aval é a aplicação financeira feita em CDB. Ou seja, Marcos Valério teria usado o dinheiro do BB (para o qual não há prestação de serviço como contrapartida) e repassado ao PT em forma de empréstimo, feito no BMG.

Haviam encontrado parte do caminho do dinheiro, dos empréstimos sem fim, onde o BMG, Rural e as pessoas jurídicas de Marcos Valério lavavam e taxavam uma parte do desvio de verba pública. A inovação estava no fato desta verba sair diretamente dos cofres da maior instituição bancária brasileira. As empresas de publicidade de Marcos Valério recebiam antecipadamente uma quantia de dinheiro para campanhas publicitárias e através do processo bancário tumultuavam o caminho para descobrir suas origens e seu destino. Segundo a Época, as 5

“O Visanet foi, inicialmente, constituído com recursos da Companhia Brasileira de Meios e Pagamentos (CBMP), nome oficial da empresa privada Visanet, e distribuído em cotas proporcionais de um total de 492 milhões de reais a 26 acionistas. Além do BB participam o Bradesco, Itaú, HSBC, Santander, Rural, e até mesmo o Panamericano, vendido recentemente por Silvio Santos ao banqueiro André Esteves” (FORTES, 2011).


empresas até faziam algumas ações publicitárias, mas a maior parte do dinheiro era para abastecer o esquema com os partidos políticos: “Pela falta absoluta de controles internos no banco, esse fundo [Visanet] permitia desvios com mais facilidade. Para completar, o banco costumava adiantar os recursos antes que quaisquer serviços fossem prestados” (ESCOTEGUY et al., op. cit.). Segundo o relatório do delegado Zampronha (2011), o desvio da verba entregue para material propagandístico era facilitado pela inexistência de contrato formal para sua execução, em que muitas vezes as empresas recebiam antes de produzir. Não havia formalização que disciplinasse as destinações dadas aos adiantamentos oferecidos. Algo que só é permitido pela deficiência em mecanismos de valoração da publicidade. Segundo o relatório do delegado Zampronha, Marcos Valério tinha noção que agências de publicidade e propaganda representavam um mecanismo eficaz para desviar dinheiro público por conta do caráter subjetivo dos serviços demandados. Neste esquema: O BB repassava mais de 30% do volume distribuído pelo fundo, cerca de 147,6 milhões de reais, valor correspondente à participação da instituição no capital da Visanet. Desse total, apenas a DNA Propaganda recebeu 60,5% do dinheiro, cerca de 90 milhões de reais, entre 2001 e 2005, divididos por dois anos no governo FHC, e por dois anos e meio, no governo Lula. Daí a constatação de que, de fato, por meio da Visanet, o valerioduto foi irrigado com dinheiro público (FORTES, 2011).

Fortes (op. cit.) aponta também que o alvo principal das ações da Divisão de Repressão a Crimes Financeiros da Polícia Federal, encomendadas pela PGR, eram as empresas ligadas ao Banco Opportunity, de Daniel Dantas, casos da Brasil Telecom, Telemig Celular e Amazônia Celular: “A conclusão foi de que a dupla Dantas-Valério foi incapaz de comprovar os serviços contratados”. Nas grandes operações de compra, fusões e aquisições do patrimônio público ou ataques às empresas médias visando à concentração econômica, entra o Estado que “empresta” dinheiro a fundo perdido. Na maior parte das vezes, como na fusão da Brasil Telecom com a Oi, na verdade a compra pelo consórcio Telemar dos espólios da empresa, a origem das verbas vem quase sempre do caixa federal. A gestão fraudulenta pode ser através de “empréstimos” do BB; do BNDES ou da composição nos consórcios dos fundos de previdência de servidores. Estes fundos operam em torno de 350 bilhões de dólares por ano e são usados de forma discricionária, através de “gestores” de confiança dos consórcios interessados e com enlaces nos governos de turno. A Época aponta que uma das principais descobertas da PF fora que Dantas, que participava naquele momento de uma disputa com fundos de pensão liderados por petistas, “para resolver seus problemas, precisava desesperadamente de aliados no Palácio do


Planalto –, tentou mesmo garantir o apoio do governo petista por intermédio de dinheiro enviado às empresas de Marcos Valério” (ESCOTEGUY et al., op. cit.). A resposta do Opportunity veio através de nota que acaba por incluir as Organizações Globo na rota do “Valerioduto”. A apuração desses fatos ficaria mais fácil... Logo no início do Governo Lula, Dantas esteve envolvido na disputa pelo comando da Brasil Telecom, um gigante do mercado de telefonia, com os fundos de pensão, em especial os que gerenciam recursos de funcionários de órgãos estatais, como BB e Caixa. Num depoimento à PF, o próprio Dantas afirmou que teria sido chamado para uma reunião sobre o assunto pelo ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu. Neste encontro, o então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, teria dito que o partido teria ficado com débito de R$ 50 milhões após as eleições, cujo subtexto a revista Época (ESCOTEGUY et al., op. cit.) aponta como “evidente: se Dantas pagasse, teria ajuda do governo para se manter à frente de seus negócios”. O banqueiro teria consultado o estadunidense Citygroup antes de negar a “sugestão” – algo que confirma na nota em resposta à revista: Dois anos depois, não se sabe por que, a Brasil Telecom, empresa ainda controlada por uma subordinada de Dantas, celebrou dois contratos com a agência DNA, de Marcos Valério, cada um deles no valor de R$ 25 milhões. Os depoimentos dos funcionários da Brasil Telecom à PF revelam que os contratos foram fechados em poucos dias, sem que ninguém da área de marketing soubesse dos motivos da pressa, nem sequer que serviços seriam prestados. Semanas depois, sobreveio o escândalo do mensalão. Apenas R$ 3,6 milhões foram efetivamente repassados às contas de Marcos Valério. Ao rastrear o dinheiro, a PF verificou que os recursos chegaram a doleiros paulistas – e ainda não descobriu a identidade dos beneficiários finais. Para os investigadores, os destinatários foram indicados pela turma do PT e do publicitário Marcos Valério (ESCOTEGUY et al., op. cit.).

Na nota de esclarecimento do Opportunity, além de ratificar o depoimento de Dantas à CPI sobre a reunião com Delúbio Soares, o banco diz que seria impossível ajudar um Governo que o queria longe das ações por conta da concorrência com os fundos de pensão. O aparecimento da matéria teria sido causada pela proximidade de decisões judiciais que iriam “desmascarar a atuação da Polícia Federal contra o Opportunity” (BANCO OPPORTUNITY, 2011).6

6

Casos da Operação Chacal e da Operação Satiagraha, esta que gerou a prisão temporária de Daniel Dantas. Na primeira, o banco é acusado de contratar espiões da empresa estadunidense Kroll para perseguir personagens fortes do Governo que eram contrários ao seu comando na Brasil Telecom; já na Satiagraha, Dantas foi acusado de corrupção ativa.


Apesar de um trecho da nota dizer que o banco nunca contratara a DNA e que fora retirado do Fundo Estrangeiro da Brasil Telecom após as operações da Polícia Federal, há uma justificativa para a contratação das empresas de Marcos Valério pela BrT, Telemig e Amazônia Celulares: “A DNA e a SMPB eram as agências de publicidade e propaganda mais famosas de Minas Gerais. Elas atendiam as companhias Telemig e Amazônia Celular. A Telemig se tornou cliente da DNA em 1998 e a Amazônia Celular em 2001” (BANCO OPPORTUNITY, op. cit.). Segundo o relatório da PF, entre 1999 e 2005 o banqueiro teria irrigado o esquema de corrupção montado por Marcos Valério com a vultuosa quantia de 164 milhões de reais. A pista para chegar a tal valor fora o repasse dos R$ 50 milhões, às vésperas da criação da CPI dos Correios, momento que o Opportunity mais esteve ameaçado na BrT: Os contratos da DNA e da SMP&B com a Brasil Telecom, segundo Zampronha, obedecem a uma sofisticada técnica de lavagem de dinheiro, usada em todo o esquema de Marcos Valério, conhecida como commingling (mescla, em inglês). Consiste em misturar operações ilícitas com atividades comerciais legais, de modo a permitir que outras empresas privadas possam se valer dos mesmos mecanismos de simulação e superfaturamento de contratos de publicidade para encobrir dinheiro sujo. (FORTES, op. cit.).

Após dizer que, por obrigação, os repasses para a publicização nos meios de comunicação terem que ser feitos pelas agências, o final da nota do Opportuniy provoca: “Na Telemig, segundo informações prestadas à CPI do Mensalão, a maioria dos recursos eram repassados as Organizações Globo. Por isso, a apuração desses fatos fica fácil de ser feita pela Época” (BANCO OPPORTUNITY, op. cit.). Com as agências de publicidade, Marcos Valério lidava com a compra de espaços nos intervalos comerciais de diversos veículos de comunicação que, como observou o delegado Zampronha (op. cit., p. 15), estreitava o vínculo do empresário e poderia facilitar o direcionamento de coberturas jornalísticas. Sobre este tipo de relação, Ianni (2000, p. 75) diz que Em alguma medida, esses grupos, classes ou blocos de poder [dominantes] dispõem de influência mais ou menos decisiva nos meios de comunicação, informação e propaganda, isto é, na mídia eletrônica e impressa, sempre funcionando, também, como indústria cultural.

O texto de Fortes, na Carta Capital (2011), afirma que “as Organizações Globo, proprietária da Revista Época, sonegou a seus leitores, por exemplo, ter sido a maior beneficiada de uma das principais empresas do Valerioduto”. A TV Globo aparece em dois momentos no relatório, referentes à planilha de gastos da DNA através do Visanet, em 2003 e 2004-2005 (vide quadros reproduzidos a seguir).


Fornecedor

Total

TV Globo

3. 390. 000,00

Tom Brasil (Nacional Serviços)

2. 500. 000,00

Lowe Ltda.

2. 397. 121,06

Carre Comunicação

2. 073. 552,00

Mobile Brasil Ind. Com. Ltda.

1. 748. 192,00

Transf. agência finalidade dist. lucro

1. 650. 000,00

BB Turismo Ltda.

1. 347. 660,02

Editora Guia D Ltda.

790. 000,00

TV1 Multimídia Ltda.

690. 000,00

Alfândega Participações

650. 000,00

Diretorial

642. 820,79

Rede Vida

639. 999,99

Multi-Action Entretenimentos

637. 797,00

META 29 Serviços MARKT

623. 158,51

Octagon Tavares

600. 000,00

Quadro 1. Aplicações da DNA com recursos do Fundo Visanet (2003) (ZAMPRONHA, 2011, p. 55) Fornecedor Aplicação no BMG

Total 10. 000. 000,00

Transf. Agência Finalidade Dist. Lucro

4. 771. 900,00

Calia Assumpção

3. 975. 616,83

D+ Brasil

2. 872. 294,99

Editora Três Editorial Ltda.

2. 100. 000,00

Mag + Rede

2. 093. 499,90

Ogilvy Brasil

1. 559. 843,04

TV Globo

1. 250. 396,21

Bbtur Turismo Ltda.

1. 209. 449,47

Koch Tavares Promoções Eventos

840. 000,00

Diretorial Planejamento Repre Ltda.

791. 668,25

Carre Advertising

764. 278,80

Meta 29

701. 488,12

Cine Academia Produções

630. 000,00

Clear Channel

547. 100,99

Nova Visuplac

530. 872,60

Quadro 2. Aplicações da DNA com recursos do Fundo Visanet (2004-2005) (ZAMPRONHA, 2005, p. 90-91)


Para a contratação da TV Globo em 2003 foi pago à empresa valor de R$ 3.600.00,00, com desconto da agência no valor de R$ 720.000,00 e valor final de R$ 2.880.000,00. O relatório destaca a natureza fiscal de adiantamento, publicidade futura, “isto é, a nota por si só não traz qualquer prestação de serviço, como também não há elementos que vincule os valores adiantados ao Fundo de Incentivo Visanet” (ZAMPRONHA, op. cit., p. 68). Os documentos enviados pela Globo Comunicações e Participações S/A trazem a informação, segundo Zampronha (Ibid., p. 68-69), de que os recursos teriam sido gastos para publicidade do Banco do Brasil. Porém, “os documentos de suporte da operação não fazem qualquer menção a ações de divulgação do CARTÃO VISA, sendo que também não foi apresentado qualquer documento que comprove a efetiva veiculação de publicidade”. Bolaño (2000, p. 32) assinala algo que muito bem pode ser aplicado a este caso: Mas (mais que a mentira) a não verdade (relacionada, acima de tudo à manipulação da informação por quem a emite e tem o poder, seja de não informar, seja de derramar uma enxurrada de informações irrelevantes que impedem uma tomada de decisão autônoma por aquele que recebe a informação) é sempre possível e está ligada, de um lado, às próprias características do dinheiro e à atração que este exerce sobre os indivíduos e, de outro, ao fato de a mercadoria possuir valor de uso que corresponde a necessidades materiais objetivas, sejam elas relacionadas ao estômago ou ao espírito.

No caso desse período, outro grupo midiático importante a fazer parte dos quadros de pagamento da empresa de Marcos Valério foi a Editora Três Editorial Ltda, que publica, dentre outros impressos, a revista IstoÉ. Pelo que se pode entender do que diz o relatório, o problema aqui teria sido o pagamento de uma bonificação sem qualquer justificativa: Em relação ao pagamento efetuado em 02/08/2004, no valor de R$ 705.000,00, foi constatada bonificação de volume no valor de R$ 200,000,00, com emissão de nota fiscal para esse bônus e DARF de imposto de renda retido na fonte de R$ 94,500,00. Entretanto, em pesquisa na contabilidade reprocessada da DNA PROPAGANDA LTDA, verificou-se que foi creditada uma conta de passivo, 6387 - 'Três Editorial Ltda', pelo valor do bônus de R$ 200.000,00, sem que houvesse a exigibilidade correspondente, configurando criação de passivo fictício (ZAMPRONHA, op. cit., p. 117).

Para curiosidade dos autores deste artigo, já que não aparecia sequer na matéria da Carta Capital, ao se analisar o relatório da PF e o Quadro 1. aqui apresentado, vemos que houve publicidade direcionada para o canal de televisão com conteúdo católico Rede Vida, num valor de R$ 633.999,99. Aqui mal caberia o argumento de participação na audiência ou, imagina-se, de segmentação de público para justificar a publicidade no canal. Segundo o relatório da Divisão da PF (op. cit., p. 83-84), a Televisão Independente


de São José do Rio Preto LTDA (Rede Vida) também justificou os valores recebidos como oriundos de veiculação de publicidade do Banco do Brasil, mas também neste caso “os documentos de suporte da transação não fazem qualquer menção a ações de divulgação do CARTÃO VISA”. Já no biênio 2004-2005, o relatório não aponta muita coisa dentre os R$ 1.250.396,21 destinados pela DNA Propaganda LTDA à TV Globo: Tendo em vista que esta empresa de Comunicação recebeu diversos pagamentos da DNA PROPAGANDA LTDA ao longo dos anos 2004 e 2005, não foram realizadas diligências para verificar a veracidade do registro lançado na planilha de controle do FUNDO DE INCENTIVO VISANET (ZAMPRONHA, op. cit., 118).

Mais uma vez, após pedido de documentação, a análise do que foi encaminhado não permitiu verificar se os serviços contratados estariam relacionados a ações de marketing do cartão de crédito da bandeira VISA. Gutevich (apud Ianni, 2000, p. 185) diz que: As relações da imprensa, rádio e televisão com o sistema político são governadas, em cada país, pela natureza do sistema político e das normas que caracterizam a sua cultura política. A estrutura sociopolítica e econômica das diferentes sociedades também determina a estrutura interna de seu sistema de mídia, os métodos de financiamento deste e, consequentemente, das relações intersistêmicas das diferentes organizações.

O “Valerioduto” e demais processos de corrupção sistêmica apresentados na política brasileira, independentemente de origem partidária, só reafirma tal assertiva, com participação direta dos grupos midiáticos perante às trocas realizadas para sua manutenção. Conclusões Como pode ser visto, as teias de poder as quais está ligado Marcos Valério é bem maior que se imaginava, circunscrita inicialmente ao plano meramente publicitário e expandido para partidos políticos das mais diversas siglas e linhas ideológicas, e para os mais variados grupos midiáticos e empresas de publicidade e propaganda, que recebiam pelo trabalho de forma terceirizada. Tais fatos aqui analisados em relação ao “Valerioduto” amplificam inclusive o entendimento sobre a seguinte definição dada por Brittos (2008, p. 196), em que: A comunicação deve ser encarada considerando-se a larga articulação entre comunicação midiática e capitalismo avançado, sabendo-se que contemporaneamente as indústrias culturais relacionam-se com o próprio funcionamento dos mercados e é a partir delas que se estabelecem movimentos diferenciadores e disputas por posições entre as organizações, e escolhas de consumo, por parte dos públicos.


A informação, entendida como de fundamental importância para a manutenção da sociedade capitalista, especialmente a partir do século XX, começa a ter, a partir do caso retratado neste artigo, uma nova função. Além da produção de programas e audiências a serem “vendidos” para as empresas através da valoração de bens simbólicos para o mercado em geral, passa a ser utilizada como subterfúgio para lavagem de dinheiro desviado de fontes públicas, num esquema de complexidade proporcional ao avanço tecnológico comunicacional. Curiosamente, o único veículo dos grandes grupos comunicacionais brasileiros que tentou romper essa lógica de interesses e seguiu o “dever” de informar – por mais erros que contivessem a matéria, como abordamos em alguns pontos –, foi alvo direto de resposta, colocando todo o grupo de comunicação num esquema que acabara de denunciar como fraudulento. Numa rápida análise do relatório da Polícia Federal sobre o assunto escrito pela revista Época, cuja matéria foi comentada pela revista Carta Capital, ainda pudemos encontrar

outras

empresas

de

comunicação

que

também

tiveram

que

prestar

esclarecimentos por conta de material publicitário, esse bem cultural que devido à dificuldade material de se definir um valor acabou sendo utilizado para mascarar um grande esquema de corrupção no país.

Referências BANCO OPPORTUNITY. Nota do Opportunity a respeito da reportagem "A anatomia do valerioduto". Época. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI223141-15223,00.html>. Acesso em: 14 de abril de 2011. BOLAÑO, C. Indústria Cultural, Informação e Capitalismo. São Paulo: Hucitec/Polis, 2000. (Teoria; 2) BRASÍLIA. Divisão de Repressão a Crimes Financeiros. Departamento da Polícia Federal. Inquérito 0002474-1/140. Inquérito Policial nº 002/2007-DFIN-DCOR-DOF. Relator do Luís Flávio Zampronha de Oliveira. Brasília, 18 de fevereiro 2011. BRITTOS, V. C. A Economia Política da Comunicação no Brasil em perspectiva histórica. In: BOLAÑO, César (Org.). Comunicação e a Crítica da Economia Política: perspectivas teóricas e epistemológicas. Aracaju: Editora UFS. p.193-208. 2008. (Biblioteca Eptic, 7) DELGADO, M. L. CPI encontra indício de dinheiro público. Valor Econômico. Disponível em: <http://www.anabb.org.br/novoSite/clipping/Clipping04112005.htm#26>. Acesso em: 05 de julho de 2011. ESCOTEGUY, D. et.al. A anatomia do valerioduto. Época. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI223072-15223,00.html>. Acesso em: 16 de abril de 2011.


FORTES, L. A verdade sobre o relatório da PF. Carta Capital. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/politica/a-verdade-sobre-o-relatorio-da-pf>. Acesso em: 14 de abril de 2011. IANNI, Octavio. O príncipe eletrônico. In: DOWBOR, Ladislau; IANNI, Octavio; RESENDE, Paulo-Edgar; SILVA, Hélio (Orgs.). Desafios da comunicação. Petrópolis: Vozes. 2000. p. 62-76. STEPHANOWITZ, H. PF: Banco de Daniel Dantas diz que seu “mensalão” foi para a Globo. Rede Brasil Atual. Disponível em: <http://www.redebrasilatual.com.br/multimidia/blogs/blog-na-rede/banco-de-danieldantas-diz-que-seu-mensalao-foi-para-a-globo>. Acesso em: 14 de abril de 2011.


Quem você conhece? Uma análise exploratória de redes sociais a partir de dados do Orkut Matheus Albergaria de Magalhães Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) Victor Nunes Toscano Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) Resumo: O presente trabalho tem como objetivo realizar uma análise exploratória de padrões empíricos relacionados à formação de redes sociais na Internet. Para tanto, faz-se uso de uma amostra construída a partir de dados do website de relacionamentos Orkut. Os resultados obtidos a partir da análise conduzida demonstram que: (i) ocorre o fenômeno de “cauda longa” para dados da amostra, tanto no caso do número de contatos quanto no número de comunidades dos usuários do Orkut; (ii) existem nítidas diferenças entre homens e mulheres no que diz respeito a vários quesitos referentes a preferências dos usuários; (iii) resultados de um exercício econométrico demonstram que variáveis relacionadas à popularidade dos usuários (número de recados, fãs e classificações dadas por outros usuários) exercem um efeito quantitativo significativo no número de contatos estabelecido por cada usuário; (iv) por outro lado, não há coincidência entre usuários que possuem o maior número de contatos e aqueles que pertencem ao maior número de comunidades. Esses resultados são interessantes por constituírem evidência empírica inicial sobre a dinâmica de formação e consolidação de redes sociais entre indivíduos. Palavras-Chave: Internet, Orkut, Redes Sociais. Abstract:This paper aims to provide an exploratory analysis of empirical patterns related to social networks. In doing so, it is based on a sample of users from the Orkut website. Results obtained from the empirical analysis show that: (i) there is a “long tail” phenomenon in the data, both for contacts and communities per user; (ii) there are remarkably differences between men and women in terms of users’ preferences; (iii) results of econometric estimations point to the importance of popularity measures (scraps, fans and other users’ classifications) as statistically significant measures explaining the number of contacts of each user; (iv) on the other hand, there is no coincidence between users that have a large number of contacts and those who belong to a large number of communities. These results are important in the sense of providing initial empirical evidence related to the formation and consolidation of social networks. Key-Words: Internet, Orkut, Social Networks. Resumen: El presente trabajo tiene como objetivo realizar un análisis exploratoria de padrones empíricos relacionados a la formulación de redes sociales en la internet. Para eso, se hace uso de una muestra hecha de los datos del website de relacionamientos Orkut. Los resultados del análisis han demostrado que: (i) ocurre el fenómeno de “cola larga” para datos de la muestra , tanto en el caso del número de 1


contactos, cuanto en el número de comunidades de los usuarios del Orkut; (ii) existen nítidas diferencias entre los hombre y mujeres a respecto de variados temas referentes a las preferencias del los usuarios; (iii) resultados de um ejercicio econométrico han demostrado que las variables relacionadas a popularidad del los usuarios (números de fans y las calificaciones dadas por otros usuarios) ejercen un efecto cuantitativo significativo en el numero de contactos establecidos por cada usuario; (iv) de otra manera, no hay coincidencia entre usuarios que poseen el mayor numero de contactos y aquellos que poseen el mayor numero de comunidades. Este resultados son interesantes por constituir evidencias empíricas acerca de la dinámica de formación y consolidación de redes sociales entre individuos. Palabra clave: Internet, Orkut, Redes sociales.

Introdução A formação de redes equivale a um importante fenômeno, sendo alvo de estudo de distintas áreas do conhecimento. Nos últimos anos, vem ocorrendo considerável aumento da pesquisa sobre o tema. Por exemplo, em Biologia, o conceito de ecossistema pode ser modelado como uma intricada rede de cadeias de alimentação entre distintas espécies. Similarmente, o funcionamento de uma célula pode ser vista como o resultado de uma rede de interações entre genes, proteínas e moléculas. Em termos sociais, o surgimento e consolidação da Internet nas últimas décadas pode ser tido como um exemplo patente de formação de uma rede virtual em escalas sem precedentes (Amaral et alli. 2004). No período recente, tem crescido o interesse de diversos cientistas sociais acerca do tema específico de formação de redes sociais. Por exemplo, Currarini, Jackson e Pin (2008), analisando uma base de dados relacionada à formação de amizades entre adolescentes (Adolescent Health Dataset) constroem uma representação esquemática de uma rede social, conforme ilustrado na figura 1: Figura 1 Amizades entre Adolescentes de uma Escola Norte-Americana

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Fonte: Currarini, Jackson e Pin (2008, p.9). Observações: (a) Cada nódulo da figura representa um indivíduo distinto, com segmentos de reta entre nódulos representando relações sociais estabelecidas entre esses indivíduos. (b) Distintas cores dos nódulos representam diferentes raças dos usuários. No caso, branco = brancos, cinza = negros, cinza claro = hispânicos e preto = outras raças.

No caso da figura, cada nódulo da rede equivale a um usuário distinto, com os segmentos de reta ligando cada nódulo equivalendo às relações sociais estabelecidas entre esses nódulos. As cores dos nódulos da figura representam as raças dos alunos em análise. Nódulos brancos representam alunos brancos, nódulos cinza representam alunos negros, nódulos cinza claro representam alunos hispânicos e nódulos pretos representam outras raças. No caso particular da representação esquemática considerada, nota-se a formação de agrupamentos mais numerosos (clusters) entre estudantes da mesma etnia, pelo menos no caso de estudantes brancos e negros (ou seja, brancos tenderiam, em média a estabelecer relações com brancos, enquanto que negros tenderiam a estabelecer relações com negros). Esse fenômeno é denominado de “homofilia” pelos autores, equivalendo à tendência de grupos de indivíduos se associarem com grupos com características similares. A homofilia tem importantes conseqüências sobre a dinâmica social entre indivíduos, podendo impactar na difusão de informações e conhecimento de membros de uma rede.

3


A formação e eventual consolidação desses padrões pode auxiliar na obtenção de respostas a diferentes problemas sociais. Por exemplo, o surgimento de clusters poderia estar relacionado a questões relevantes relacionadas a comportamentos de discriminação a minorias ou de preferências por produtos específicos de acordo com distintos grupos considerados. Além disso, a compreensão do processo de surgimento e consolidação de redes sociais pode ajudar a responder questões como a disseminação de linguagens, a difusão de novas tecnologias, e o aumento das desigualdades sociais, por exemplo. Apesar de existir atualmente um crescente volume de referências relacionadas ao tema em Economia no contexto internacional1, ainda parece haver poucas contribuições em termos nacionais. Por conta disso, o objetivo deste trabalho equivale a apresentar uma abordagem exploratória do tema de formação de redes sociais na Internet. Para tanto, será feito uso de uma amostra construída a partir de perfis de usuários do website de relacionamentos Orkut. A principal finalidade do trabalho é descritiva, no sentido de apresentar algumas das principais regularidades empíricas relacionadas à amostra em questão. Em particular, busca-se realizar uma descrição do perfil do usuário médio de uma rede social nos moldes do Orkut e, ao mesmo tempo, compreender as variáveis relacionadas à dinâmica de formação de contatos de cada usuário. As vantagens de um empreendimento desse tipo são basicamente duas. Primeiro, é importante tentar entender a dinâmica de formação de contatos e redes sociais entre indivíduos, um tópico de interesse não apenas na área de Economia, mas também em outras ciências sociais aplicadas, como a Sociologia, a Comunicação Social e a Psicologia, por exemplo. Conforme citado acima, a compreensão desse tema pode vir a revelar importantes informações acerca do modo como pessoas interagem entre si socialmente, tendo consequências nas mais diversas áreas de conhecimento que tem as relações sociais como foco de estudo.

1

Para uma resenha sobre o tema, ver Jackson (2008).

4


Em segundo lugar, vale notar que a compreensão das preferências expressas pelos usuários de sites de relacionamento como o Orkut pode vir a constituir uma informação valiosa em termos de políticas de marketing e vendas para distintas empresas, quer elas vendam seus produtos através da Internet ou não. Por exemplo, uma firma que possua informações detalhadas a respeito das preferências de seus potenciais consumidores pode poupar um significativo montante de recursos que seria, a princípio, gasto com políticas de marketing e propaganda. Vale a ressalva inicial de que este trabalho não pretende apresentar uma visão definitiva sobre o tema, até mesmo por conta de sua natureza extremamente mutável ao longo do tempo. Ao invés disso, o trabalho busca apenas apresentar algumas evidências relacionadas ao fenômeno de formação de redes no caso específico do site de relacionamentos em análise (Orkut). Em termos gerais, espera-se que a pesquisa futura possa complementar

alguns

dos

resultados

aqui

reportados

e

obtenha

eventualmente novos resultados acerca de alguns dos temas aqui abordados. O trabalho está dividido da seguinte maneira: na segunda seção, é feita uma revisão parcial da literatura relacionada à formação de redes sociais e Internet em Economia. A terceira seção faz uma breve descrição do website de relacionamentos Orkut, ao passo que a quarta seção apresenta a metodologia e a base de dados empregados no trabalho. A quinta seção reporta os principais resultados obtidos a partir da análise desenvolvida. Finalmente, a sexta seção apresenta conclusões e sugere algumas linhas de pesquisa futura.

Referencial Teórico O interesse pelo estudo de formação de redes sociais em Economia vem crescendo nos últimos anos, com alguns dos estudos iniciais sobre o tema remontando pelo menos até a década de 70. O objetivo da presente seção equivale a realizar uma breve revisão parcial dessa literatura, que cresce à cada dia que passa.

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Uma contribuição seminal sobre o tema equivale ao estudo de Becker (1974), onde o autor busca modelar as razões inerentes às interações sociais entre agentes econômicos maximizadores de utilidade em um contexto microeconômico. No caso, o autor analisa um modelo econômico onde os agentes preocupam-se não apenas com seu próprio bem-estar, mas também se importam com o bem-estar de outros agentes. O conceito central de análise desse autor equivale ao de “renda social”, correspondente à soma da renda de um indivíduo com o valor monetário de características relevantes de outros agentes, denominado “ambiente social”. A partir desses conceitos, o autor analisa os efeitos de mudanças em gastos nos diferentes tipos de renda, assim como mudanças nos preços relativos de distintos bens, na mesma linha da análise microeconômica tradicional. Os resultados obtidos demonstram que, em geral, indivíduos tendem a dar mais atenção para interações entre membros de suas respectivas famílias em comparação a outras famílias. Esse autor chega ainda a tratar rapidamente de temas como caridade e inveja, que podem vir a surgir a partir de interações sociais. Scheinkman (2008) apresenta uma breve resenha sobre o tema de interações sociais, com ênfase em formas alternativas de estimação desse fenômeno. Basicamente, segundo esse autor, interações sociais equivalem a um tipo particular de externalidades, onde ações de um grupo de referência afetam as preferências de um dado indivíduo. Em conjunto com a hipótese de complementariedades estratégicas (quando a utilidade de um indivíduo que segue com uma ação depende diretamente das ações tomadas, em média, por seus semelhantes), as interações sociais podem ajudar a explicar a ocorrência de significativas diferenças em termos de resultados obtidos, mesmo sem a ocorrência de diferenças nos fundamentos do modelo econômico em análise. O autor ainda fornece exemplos de aplicações relacionadas ao fenômeno, como criminalidade, emprego, formação de cidades, dentre outros Marmaros e Sacerdote (2006) realizam um estudo empírico interessante, onde buscam entender o processo de origem e evolução de amizade entre estudantes universitários. Para tanto, baseando-se em uma 6


amostra composta pelo número de e-mails trocados entre estudantes de uma mesma universidade (Dartmouth), esses autores concluem que: (i) estudantes do primeiro ano de faculdade tendem a interagir com estudantes geograficamente próximos, formando laços de amizade de longo prazo com um subconjunto desses estudantes; (ii) fatores como proximidade geográfica e raça são mais importantes para a formação de amizades do que interesses em comum, curso de graduação ou background familiar; (iii) estudantes brancos apresentam quase três vezes mais chance de interação entre si do que estudantes de raças distintas; (iv) entretanto, caso um estudante branco e um estudante negro sejam colocados no mesmo dormitório da universidade durante o primeiro ano do curso de graduação, a probabilidade de ocorrência de interação entre eles triplica. Esses resultados são importantes não apenas no sentido de identificar possíveis padrões de homofilia e discriminação, podendo também ser úteis para a formulação de políticas de ação afirmativa, por exemplo. Por sua vez, Costa e Kahn (2006) apresentam uma análise inovadora relacionada à mensuração da importância de redes sociais. No caso, a partir de uma amostra de prisioneiros da Guerra Civil norte-americana, os autores buscam quantificar a importância de laços sociais para a sobrevivência desses prisioneiros. Seus resultados demonstram que, em média, prisioneiros que tinham mais amigos na prisão também foram aqueles que apresentaram as maiores taxas de sobrevivência durante a guerra. Segundo os autores, fatores como etnia, camaradagem e origem dos prisioneiros foram fundamentais para aumentar suas chances de sobrevivência em meio a um ambiente hostil. Hitsch, Hortaçsu e Ariely (2010) apresentam um interessante estudo baseado em dados referentes a um website de namoro online. Basicamente, esses autores tentam compreender a interação entre homens e mulheres em um ambiente virtual. Os resultados obtidos demonstram que, ao longo do processo de busca por um par, tanto homens quanto mulheres tendem a exagerar seus atributos físicos como forma de atrair um maior número de pretendentes. Além disso, os autores encontram resultados que demonstram 7


não haver evidências de comportamento estratégico entre homens e mulheres nesse tipo de ambiente, ao mesmo tempo em que há uma tendência de ambos os gêneros buscarem parceiros com atributos semelhantes, em média. Por outro lado, os autores constatam que, no caso da amostra analisada, as mulheres tendem, em média, a preferir atributos financeiros em relação a atributos físicos em uma proporção superior aos homens. O estudo de Zentner (2006) equivale a uma análise dos impactos da introdução de mecanismos de compartilhamento de arquivos de música (peerto-peer, P2P) sobre vendas da indústria fonográfica. Utilizando uma amostra referente a 15.000 consumidores europeus durante o ano de 2001, o autor estima os efeitos quantitativos de downloads de arquivos .mp3 sobre a probabilidade dos consumidores continuarem comprando músicas. Os resultados obtidos apontam para a existência de uma relação positiva e estatisticamente significativa entre essas variáveis. Ou seja, consumidores que baixam músicas na Internet, também tendem, em média, a comprar mais música. Esse resultado, apesar de surpreendente à primeira vista, demonstra a possibilidade de ocorrência de complementariedades entre downloads e compra efetiva de bens ofertados na Internet. Jackson (2008) realiza uma resenha de parte da literatura teórica e empírica em Economia relacionada à formação de redes. São dois os objetivos básicos desse autor: primeiro, compreender como o ambiente social pode afetar decisões econômicas; segundo, entender como a análise econômica pode ser complementada a partir de análises de outra natureza como forma de se ampliar o escopo de estudos relacionados ao tema. Por exemplo, a formação de redes pode ser fundamental para o mercado de trabalho, uma vez que, dependendo das redes às quais um trabalhador tenha acesso, ele ou ela pode aumentar consideravelmente suas chances de obter um novo emprego. No caso, esse autor foca sua análise em dois tipos de modelos usualmente empregados na análise desse fenômeno: (i) modelos onde redes são vistas como originando de forma estocástica, sendo feito uso da teoria de grafos aleatórios; (ii) modelos onde as ligações de uma rede 8


(links) podem ser vistos como resultados de relações sociais ou econômicas escolhidos pelos indivíduos envolvidos, com uso de elementos de Teoria dos Jogos. O autor conclui seu trabalho ressaltando as diversas possibilidades de pesquisa relacionadas a interações sociais, assim como a necessidade de esforços multidisciplinares para sua melhor compreensão. No caso brasileiro, pode-se citar o trabalho de Recuero (2004), que embora não esteja diretamente relacionado à área de Economia, constitui uma importante contribuição sobre o tema. Basicamente, essa autora realiza uma discussão sobre a insuficiência de alguns conceitos de rede para a explicação do fenômeno de formação de redes sociais mediadas via computador. Em particular, a autora discute os méritos e deficiências de três modelos relacionados ao tema: (i) “redes aleatórias” (a formação de conexões entre membros de uma mesma rede ocorre de forma aleatória); (ii) “mundos pequenos” (membros de uma mesma rede estariam ligados em algum grau)2; (iii) “redes sem escalas” (quanto maior o número de conexões de um membro de uma rede, maiores as chances de ele ter novas conexões)3. Para tanto, busca discutir a aplicabilidade desses modelos tendo como base de análise o Orkut, Blogs e Flogs. A autora conclui sua análise demonstrando que a maior parte dos modelos propostos, embora úteis para a análise de redes sociais, não apresentam um desempenho satisfatório quando da análise de redes formadas na Internet, dado o alto grau de complexidade dessas redes. Em particular, esses modelos apresentam significativas limitações na análise do fenômeno de formação de laços sociais entre indivíduos. A partir das referências acima, buscar-se-á realizar uma análise exploratória de alguns dados relacionados ao site Orkut como uma primeira tentativa de análise de interações sociais mediadas via computador entre distintos indivíduos.

2

A título de exemplo, Albert, Jeong e Barabási (1999) apresentam evidência favorável à formação de uma rede nesses moldes, no caso da World Wide Web. 3 No caso desse último tipo de modelo, as redes daí derivadas apresentariam uma distribuição em cauda longa, condizente com leis de potências (Huberman e Adamic 1999; Adamic 2002; Adamic e Huberman 2002). Esse ponto é explorado em maiores detalhes abaixo.

9


Sobre o Orkut O website de relacionamentos Orkut foi lançado em janeiro de 2004 pelo engenheiro de software Orkut Büyükkökten, funcionário da Google. Originalmente, esse site havia sido criado para facilitar a comunicação entre membros da empresa, tendo sido disponibilizado em escala pública posteriormente. Atualmente, o site pertence à Google. Apesar da administração do site ter sido localizada inicialmente no estado norte-americano da Califórnia, ocorreu uma transferência da sede oficial em agosto de 2008, com o escritório brasileiro da Google situado na cidade de Belo Horizonte passando a ser responsável pela administração do site, dado o grande número de usuários brasileiros4. Na próxima seção do trabalho são detalhados a metodologia e a base de dados empregada na análise abaixo, ao mesmo tempo em que são apresentadas algumas das limitações relacionadas a esses dados.

Base de Dados A base de dados utilizada neste trabalho equivale a uma amostra de 453 perfis de usuários do Orkut, coletada entre os meses de março e setembro do ano de 2005. Basicamente, os dados utilizados correspondem a informações detalhadas sobre os usuários desse website de relacionamentos, englobando características e preferências pessoais. No intuito de se obter uma amostra aleatória, os dados foram obtidos a partir da ferramenta Friend Finder, disponível no próprio Orkut. No caso, optou-se por construir uma amostra de perfis a partir das sugestões disponíveis nessa ferramenta. O resultado desse processo foi a compilação de uma lista de perfis contendo as informações supracitadas. Vale a ressalva inicial de que existem dois problemas relacionados a essa base de dados. Primeiro, mesmo com o objetivo de se obter uma amostra aleatória de dados do website, há a possibilidade de ocorrência de 4

Dados referentes ao ano de 2010 apontavam o Brasil como o país com o maior número de usuários no Orkut, com a Índia vindo em segundo lugar no ranking. Para maiores informações a esse respeito, ver http://en.wikipedia.org/wiki/Orkut. Maiores detalhes adiante.

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viés de seleção, caso o website forneça sugestões automáticas de contatos aos usuários com base nos dados pessoais e/ou preferências de cada usuário5. Segundo, há a possibilidade de surgimento de vieses originados a partir do fato de que as informações contidas nessa base de dados são, em sua grande maioria, fornecidas pelos próprios usuários. Esse fato pode levar a vieses relacionados a comportamentos e à descrição de atributos físicos dos usuários, assim como a construção de perfis falsos, por exemplo. Ainda assim, o uso dessa amostra pode vir a revelar importantes padrões referentes ao comportamento de usuários de redes sociais, com os problemas supracitados podendo ocorrer mesmo no caso de pesquisas de órgãos oficiais envolvendo dados de alcance universal6.

Resultados Análise Descritiva Algumas estatísticas disponíveis no Orkut atualmente podem ajudar a esclarecer alguns padrões empíricos iniciais relacionados a esse site de relacionamentos. A tabela 1 contém as participações de distintos países nesse site, de acordo com as respectivas participações relativas de usuários dessas nacionalidades: Tabela 1 Percentual de Usuários do Orkut por País, Dados Populacionais País Participação Relativa Brasil

50,60%

Índia

20,44%

5

O website do Orkut não possuía em 2005 explicações acerca do processo de sugestões de contatos do FriendFinder, não tendo havido respostas dos responsáveis pelo site aos autores em relação a questionamentos nesses moldes. Para tentar contornar a possibilidade de surgimento de vieses, foram consideradas sugestões de contatos fornecidas pela ferramenta Friend Finder tanto em ordem ascendente quanto descendente. 6 No caso, usuários do website podem fornecer informações falsas e/ou enganosas sobre atributos físicos, como cor de pele, por exemplo. Apesar desta ser uma potencial fonte de viés dos resultados reportados no presente trabalho, vale lembrar que situação semelhante ocorre no caso de pesquisas oficiais como o Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por exemplo.

11


Estados Unidos

17,78%

Paquistão

0,86%

Paraguai

0,44%

Reino Unido

0,40%

Portugal

0,36%

Afeganistão

0,35%

Japão

0,34%

Canadá Fonte: (www.orkut.com).

0,33% Orkut

As informações contidas na tabela demonstram que o Brasil apresenta, de fato, a maior participação em termos de usuários registrados no Orkut, em torno de 51% do total. A Índia vem em segundo lugar, com uma participação equivalente a menos da metade desse valor (aproximadamente 20%), ao passo que os Estados Unidos apresentam uma participação de 18%. Por sua vez, os demais países da tabela apresentam participações inferiores a 1%. O gráfico 1 equivale a um histograma descrevendo o número de contatos e comunidades dos usuários da amostra. O eixo vertical contém o número de contatos por usuário, enquanto o eixo horizontal apresenta os usuários da amostra. No caso, os usuários foram identificados a partir de códigos numéricos, como forma de proteger suas identidades. Adicionalmente, as escalas de ambos os gráficos foram padronizadas no sentido de facilitar a comparação de resultados. Gráfico 1 Histogramas das Distribuições de Contatos e Comunidades dos Usuários do Orkut, Dados Amostrais

Fonte: Cálculos dos Autores, com base em informações do Orkut.

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De acordo com os resultados reportados no gráfico, é possível notar que, no caso dos dados considerados, tanto o número de contatos quanto de comunidades exibem um padrão empírico de “cauda longa”, em conformidade com uma distribuição de Pareto. Ou seja, no caso do Orkut, nota-se que alguns poucos usuários possuem um grande número de contatos e/ou pertencem a um grande número de comunidades. Um padrão semelhante a esse também é verificado em outras situações relacionadas à Internet, como no caso da enciclopédia online Wikipedia, onde alguns poucos usuários fornecem diversas contribuições relevantes, enquanto que a grande maioria dos usuários fornece um número significativamente menor de informações (Huberman e Adamic 1999; Adamic e Huberman 2002; Ayres 2009)7. Apesar de ambos os gráficos apresentarem o mesmo padrão qualitativo, nos moldes de uma distribuição de cauda longa, pode-se notar algumas diferenças, uma vez que esses gráficos possuem a mesma escala. Basicamente, nota-se que o gráfico referente a contatos dos usuários possui uma cauda mais “grossa” do que aquele referente ao número de comunidades

às

quais

cada

usuário

pertence.

Esses

resultados

provavelmente decorrem do fato de que, no caso do Orkut, os usuários tendem, em média, a valorizar mais o número de contatos que possuem do que o número de comunidades a que pertencem, sendo mais seletivos no último caso8. A identificação de padrões empíricos nesses moldes pode ser útil tanto em termos de políticas de marketing quanto de planejamento de esquemas de incentivo aplicados a contextos virtuais. Conforme dito anteriormente, a amostra construída para o presente trabalho contém 453 perfis de usuários do Orkut. Desse total, 213 são reportados como sendo do sexo masculino (47% do total), ao passo que 240 são do sexo feminino (53%). No que segue, será feita uma análise dos itens

7

Para um resumo da evidência relacionada a distribuições de cauda longa e leis de potências, ver Adamic (2002) e Gabaix (2008). Anderson (2006) apresenta diversos exemplos relacionados a distribuições de cauda longa, com ênfase em fenômenos ocorridos na Internet. 8 Esse fato pode ser comprovado pela frase que aparecia no Orkut quando do início de suas atividades, no ano de 2004: “Who do you know?” (“Quem você conhece?”). Para uma breve análise de comportamentos relacionados à busca de popularidade de alguns usuários desse site, ver Recuero (2005).

13


referentes às características e preferências reportadas pelos usuários da amostra. Quando estiverem disponíveis informações referentes às estatísticas do próprio Orkut, será feita uma comparação entre resultados da amostra e do site. Caso contrário, quando essas informações não forem disponíveis, a análise será focada apenas nos itens disponíveis na amostra. Hoje em dia, há pesquisas em Economia e Psicologia relacionadas à ocorrência de diferenças de comportamento entre homens e mulheres em distintos contextos (e.g., Antonovics, Arcidiacono e Walsh 2005). Uma questão interessante a ser investigada no presente contexto equivale à possível ocorrência de diferenças de comportamento em termos de gênero entre usuários do Orkut. Por conta disso, a análise desenvolvida abaixo procura checar essas diferenças a partir das preferências reportadas pelos próprios usuário do site de relacionamentos em análise. A tabela 2 apresenta o percentual de usuários da amostra, de acordo com suas respectivas faixas etárias. As faixas etárias contidas na tabela foram escolhidas de acordo com as faixas etárias reportadas pelo website quando da divulgação de suas próprias estatísticas, tendo fins meramente comparativos. O número de usuários incluído na tabela foi menor do que o total da amostra original, uma vez que nem todos os usuários declaram idade quando do registro no site. Tabela 2 Idade dos Usuários do Orkut (Participações Percentuais), Dados Amostrais Faixa etária

Total

Masculino

Feminino

Nº Partic. Nº Partic. Nº Partic. 18-25 129 28% 60 28% 69 29% 26-30 39 9% 20 9% 19 8% 31-35 9 2% 3 1% 6 3% 36-40 3 1% 3 1% 0% 41-50 6 1% 4 2% 2 1% 50+ 2 0% 0% 2 1% Sem declarar 265 58% 125 58% 140 59% Total 453 42% 215 42% 238 100% Fonte: Cálculos dos Autores, com base em informações do Orkut.

De acordo com os resultados reportados na tabela, nota-se que a maior parte dos usuários contidos na amostra e que reportam as respectivas idades 14


estão na faixa entre 18 e 25 anos (28%). Em seguida, vem um conjunto de usuários na faixa entre 26 e 30 anos, equivalente a menos de um terço do conjunto anterior (9%). No caso de faixas de idade mais elevadas (acima de 30 anos), nota-se uma ocorrência ainda menor de usuários, situada entre 1 e 3%, em geral. Interessante notar que, no caso de faixas mais jovens, os resultados referentes à amostra como um todo são praticamente replicados tanto para homens quanto para mulheres. Entretanto, no caso de idades mais avançadas, nota-se que há o triplo de mulheres na faixa entre 31 e 35 anos em comparação a homens da mesma idade (3% contra 1%), enquanto que, no caso da faixa entre 41 e 50 anos ocorre uma situação inversa, com um número de usuários do sexo masculino duas vezes superior ao número de usuários do sexo feminino (2% contra 1%). Em termos gerais, os resultados aqui reportados permitem inferir que, no caso da amostra em análise, a maioria dos usuários (cerca de 40%) encontrase na faixa entre 18 e 30 anos, o que permite caracterizar esse conjunto como um grupo relativamente jovem. O gráfico 2, por sua vez, confirma esses resultados, ao considerar as participações relativas de homens e mulheres na amostra, de acordo com as respectivas faixas etárias, nos moldes de uma pirâmide etária. De acordo com esse gráfico, nota-se que, enquanto há certo equilíbrio entre a proporção de homens e mulheres para faixas etárias mais jovens, o mesmo não ocorre para faixas mais velhas. Por exemplo, no caso da faixa entre 36 e 40 anos, nota-se um predomínio exclusivo de usuários do sexo masculino, com um padrão semelhante ocorrendo no caso da faixa acima de 50 anos, onde o total dos usuários pertence ao sexo feminino. Por outro lado, a pirâmide etária construída demonstra que os usuários da amostra constituem um grupo jovem, uma vez que a base da pirâmide é larga em comparação ao ápice. Gráfico 2 Pirâmide Etária Relativa de Usuários do Orkut, Dados Amostrais

15


Fonte: Cálculos dos Autores, com base em informações do Orkut.

A tabela 3, por sua vez, apresenta resultados referentes aos interesses dos usuários do Orkut. No caso, são apresentados os percentuais de usuários que, ao se registrarem no site, marcam as alternativas relacionadas a seus principais objetivos de participação nessa rede social. Vale a observação de que, uma vez que cada usuário pode marcar mais de uma opção, há a possibilidade de que os totais de cada categoria possam vir a somar mais de 100%, em alguns casos. Tabela 3 Interesses dos Usuários do Orkut, Dados Amostrais Interesse

Total

Masculino

Nº Partic. Nº Partic. Amizade 344 99% 161 99% Namoro 51 15% 29 18% Parceiros de Atividades 106 31% 53 33% Contatos Profissionais 114 33% 57 35% Total 347 177% 162 185% Fonte: Cálculos dos Autores, com base em informações do Orkut.

Feminino Nº 183 22 53 57 185

Partic. 99% 12% 29% 31% 170%

Os resultados obtidos a partir da tabulação acima demonstram que a quase totalidade dos usuários (99%) registra-se no site com a intenção de fazer amigos, com esse resultado sendo válido tanto no caso de homens quanto de mulheres. Os resultados são semelhantes em termos de busca de parceiros de atividades assim como em termos de contatos profissionais (em torno de 30%), também válidos para ambos os sexos.

16


Por sua vez, a tabela 4 contém dados referentes ao total de usuários do Orkut (estatísticas do próprio site). Novamente, é possível notar que, apesar de algumas diferenças em termos de magnitudes, a ampla maioria dos usuários desse site registra estar interessada em amigos (91%), com os interesses relacionados a parceiros de atividades e contatos profissionais equivalendo a cerca de um terço desse valor (em torno de 30%), resultados em consonância com aqueles referentes à amostra utilizada neste trabalho. Tabela 4 Interesses do Orkut, Dados Populacionais Interesses Partic. Amigos 91% Parceiros de Atividades 30% Contatos Profissionais 33% Namoro 18% Total 172% Fonte: Orkut (www.orkut.com).

Em relação às estatísticas supracitadas, chama atenção as diferenças relacionadas ao ítem “namoro”. No caso da amostra considerada, o número de homens que admite ter entrado no site com fins de conhecer outros usuários para namoro é cerca de 1,5 vezes superior ao número de mulheres (18% contra 12%). À primeira vista, esse resultado é interessante por apontar a ocorrência de diferenças em termos de preferências entre homens e mulheres que participam dessa rede social. No caso do total referente ao website, vale notar que há o registro de uma proporção de mesma magnitude que aquela referente aos usuários de sexo masculino da amostra. As tabelas 5 e 6 expõem resultados referentes ao estado civil dos usuários da amostra e do Orkut, respectivamente.

Tabela 5 Estado Civil dos Usuários do Orkut, Dados Amostrais Estado Civil Solteiro Namorando Não há resposta Casado Relacionamento aberto

Total

Masculino

Feminino

Nº 214 106 84 39

Partic. 47% 23% 19% 9%

Nº 110 48 35 16

Partic. 61% 27% 19% 9%

Nº 104 58 49 23

Partic. 44% 24% 21% 10%

10

2%

6

3%

4

2%

17


Total 453 100% 180 100% Fonte: Cálculos dos Autores, com base em informações do Orkut.

18

238

100%


Tabela 6 Estado Civil dos Usuários do Orkut, Dados Populacionais Partic. Estado Civil Solteiro(a) 48% Namorando 18% Não há resposta 18% Casado(a) 13% Relacionamento Aberto 2% Total 100% Fonte: Orkut (www.orkut.com).

De acordo com esses resultados, pode-se constatar que cerca de metade dos usuários (47%), tanto na amostra quanto na população do website são solteiros, um resultado decorrente provavelmente do fato de que a ampla maioria dos usuários pertence a faixas etárias relativamente jovens (entre 18 e 30 anos). Por outro lado, ocorrem diferenças entre a amostra e a população em relação às demais categorias. Enquanto a proporção de usuários namorando corresponde a 23% na amostra, essa proporção é menor na população, equivalendo a 18%. Do mesmo modo, ocorrem diferenças em termos de percentuais de usuários casados: na população, há cerca de 13% de usuários casados, enquanto que na amostra essa proporção fica em torno de 9%. Vale notar ainda que, em relação às demais categorias (“relacionamento

aberto”

e

“não

resposta”),

as

proporções

são

praticamente idênticas. Apesar da ocorrência de disparidades em relação a algumas categorias referentes ao estado civil dos usuários, é interessante comparar as diferenças entre homens e mulheres na amostra, mais uma vez. No caso, nota-se que os usuários de sexo masculino tendem, em média, a apresentar maiores magnitudes em relação às proporções referentes às categorias “solteiro” (61%) e “relacionamento aberto” (3%), ao passo que uma situação inversa ocorre nas categorias “namorando” (27%) e “casado” (9%), onde essas magnitudes são inferiores àquelas reportadas para usuários de sexo feminino. Esses resultados sugerem que, pelo menos no caso da amostra analisada, os homens tendem a fornecer informações que os identificam como disponíveis para relacionamentos em uma escala superior às mulheres. 19


O gráfico 3 corresponde a uma forma alternativa de reportar os resultados da tabela anterior, confirmando os padrões descritos. No caso, a linha azul representa o sexo feminino, ao passo que a linha vermelha representa o sexo masculino. O padrão gráfico descrito acima aponta para uma participação maior das mulheres nas categorias “comprometido” e “casado”, com um padrão semelhante ocorrendo para os homens no caso das categorias “solteiro” e “relacionamento aberto”, o que confirma os resultados descritos anteriormente. Gráfico 3 Estado Civil de Usuários do Orkut (Proporções Relativas), Dados Amostrais

Fonte: Cálculos dos Autores, com base em informações do Orkut.

As

próximas

tabelas

correspondem

a

tabulações

referentes

a

características pessoais fornecidas pelos usuários da amostra. No caso dessas informações, não há possibilidade de comparação com dados populacionais oriundos do Orkut, uma vez que, na época de construção da base de dados, o website não compilava estatísticas referentes aos itens descritos abaixo. Basicamente, as tabelas fazem referência a itens como etnia, religião, orientação política e hábitos de bebida e fumo dos usuários. A tabela 7 apresenta resultados relacionados à etnia dos usuários da amostra. Conforme ressaltado acima, esses resultados devem ser vistos com 20


cautela, uma vez que equivalem a informaçþes fornecidas diretamente pelos usuårios do site de relacionamentos, podendo apresentar vieses por conta disso.

21


Tabela 1 Etnia dos Usuários do Orkut, Dados Amostrais Etnia:

Total

Masculino

Feminino

Nº Partic. Nº Partic. Nº Caucasiano (Branco) 115 50% 47 42% 68 Hispânico/Latino 52 23% 33 30% 19 Outro 26 11% 12 11% 14 Multiétinico 21 9% 11 10% 10 Afro-Brasileira 8 3% 5 5% 3 Asiático 7 3% 3 3% 4 Oriental 1 0% 0% 1 Americano 1 0% 0% 1 Total 231 100% 111 100% 120 Fonte: Cálculos dos Autores, com base em informações do Orkut.

Partic. 57% 16% 12% 8% 3% 3% 1% 1% 100%

Os resultados contidos nessa tabela demonstram que cerca de metade dos usuários da amostra considerada se reportam como caucasianos (50%). Em seguida, vem um grupo que se assume como hispânico/latino, com a proporção referente a esse grupo equivalendo a menos da metade da etnia anterior (23%). As categorias “outro” e “multiétnico” aparecem com proporções na faixa entre 9 e 11%9, ao passo que as demais etnias apresentam valores inferiores a 5%. Em particular, chama atenção o fato de que, dentre os usuários pesquisados, há uma proporção de apenas 3% que se registra como afro-brasileira (negra). Em relação a diferenças entre gêneros, nota-se que, no caso de etnia, homens e mulheres apresentam distintas informações. Assim, tem-se que, dentre os usuários do sexo masculino, cerca de 42% se dizem caucasianos, 30% se dizem hispânicos/latinos, com cerca de 23% se identificando como pertencentes às categorias “outro” e “multiétnico”, em conjunto. No caso desse conjunto de usuários, as frações pertencentes às etnias afro-brasileira e asiática equivalem a 5% e 3%, respectivamente.

9

É possível que usuários que registrem essas duas categorias pertençam, na realidade, a uma mesma categoria, referente a pessoas de raça mestiça. Uma situação semelhante parece ocorrer em relação a outras opções de preferências do Orkut, o que pode vir a enviesar resultados de análises relacionadas a fatores como etnia, religião e visão política, por exemplo. Embora exploratória no presente contexto, essa hipótese merece uma investigação mais detalhada, servindo de sugestão para a pesquisa futura.

22


Por outro lado, no caso de usuários do sexo feminino, nota-se que mais da metade da amostra corresponde a usuárias de etnia branca (57%), com 16% desses usuários pertencendo à etnia hispânica/latina. Interessante notar que, enquanto a proporção de usuários caucasianos é maior nesse grupo, a proporção de latinos é nitidamente menor do que no grupo masculino. A proporção de negros também é menor nesse grupo (3%), correspondendo a quase metade da proporção referente ao grupo masculino. Por sua vez, a proporção de asiáticos no grupo feminino é superior ao masculino, estando em torno de 3%. A título de comparação, a tabela 8 apresenta dados referentes à população brasileira, oriundos do Censo Demográfico do ano de 2000. Embora as categorias referentes à etnia da amostra não sejam as mesmas do Censo, o intuito básico desse exercício de comparação equivale a verificar a ocorrência de diferenças entre as preferências reportadas pelos usuários selecionados e as características reportadas por membros da população. Tabela 8 População residente por cor ou raça - Brasil - ano 2000 População residente (Percentual) Total Homens Mulheres Total 100,00 49,21 50,79 Branca 53,74 25,80 27,95 Preta 6,21 3,23 2,98 Parda 38,45 19,40 19,05 Amarela 0,45 0,22 0,23 Indígena 0,43 0,22 0,22 Sem declaração 0,71 0,35 0,36 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Censo Demográfico. Cor ou raça

Quando da comparação dos resultados, nota-se que, embora as proporções de homens e mulheres na amostra sejam semelhantes àquelas reportadas no censo (47% contra 49% e 53% contra 51% para homens e mulheres, respectivamente), há diferenças consideráveis em relação aos dados referentes a etnia ou raça. Por exemplo, enquanto a proporção de pessoas de cor branca na população brasileira é próxima de 54%, a proporção na amostra equivale a 50%. Entretanto, as diferenças entre homens e mulheres tendem a ser maiores em relação a essa categoria: na amostra, 42% dos usuários de sexo masculino se dizem brancos, enquanto 23


que,

na

população,

a

proporção

equivalente

corresponde

a

26%,

aproximadamente. Situação semelhante ocorre para usuários de sexo feminino, cuja proporção de etnia caucasiana na amostra equivale a 57%, enquanto que na população brasileira, essa proporção corresponde à metade do último valor (28%). Por outro lado, em relação à categoria afro-brasileira, percebe-se uma maior semelhança entre os resultados referentes à amostra e ao Censo, embora o percentual de usuários do sexo masculino pertencentes a essa categoria seja maior na amostra (5% contra 3%). Resultados referentes a outras categorias são razoavelmente semelhantes entre a amostra e os dados populacionais, embora a ocorrência de diferenças entre categorias não permita uma comparação direta, no caso. Esses resultados chamam atenção para o fato de que, em termos de raça/etnia, podem ocorrer diferenças entre características referentes à população como um todo e as características reportadas pelos próprios usuários

da

amostra,

um

resultado

em

consonância

com

estudos

relacionados a outros contextos (e.g., Hitsch, Hortaçsu e Ariely 2010). Desde já, fica a sugestão que a pesquisa futura busque compreender as razões inerentes a essas diferenças. A tabela 9 contém dados referentes à religião dos usuários da amostra. No caso desses resultados, nota-se que cerca de metade (53%) dos usuários se reporta como “cristão/católico”, com essa proporção sendo superior no caso do grupo feminino (61%) do que no caso masculino (44%). Em seguida, aparece a categoria “cristão/protestante”, com uma participação cerca de quatro vezes inferior à primeira categoria (13%). Entretanto, ao contrário da categoria anterior, nota-se neste caso uma preponderância do grupo masculino sobre o feminino, com o primeiro apresentando uma proporção em torno de 17%, ao passo que o segundo apresenta uma proporção em torno de 10%, apenas. Embora as demais categorias referentes à religião dos usuários também apresentem diferenças em termos de magnitudes, esses resultados são interessantes no sentido de demonstrarem a ocorrência de diferenças quantitativas em relação às distintas religiões, bem como diferenças em 24


termos de gênero. Nesse sentido, fica a sugestão de elaboração de estudos adicionais que buscassem explorar esses padrões empíricos de forma mais detalhada, assim como a evolução das preferências religiosas dos usuários ao longo do tempo.

25


Tabela 9 Religião dos usuários do Orkut, Dados Amostrais Total

Religião:

Nº 155 38

Masculino

Partic. 53% 13%

Cristão/Católico Cristão/Protestante Lado espíritual independente de religião 37 13% Outro 23 8% Cristão/Outro 19 7% Ateu 7 2% Agnostico 5 2% Judeu 3 1% Budista 1 0% Jainismo 1 0% Humanista religioso 1 0% Total 290 100% Fonte: Cálculos dos Autores, com base em informações do Orkut.

Feminino

Nº 54 21

Partic. 44% 17%

Nº 101 17

Partic. 61% 10%

14 15 9 7 3

11% 12% 7% 6% 2% 0% 0% 1% 0% 100%

23 8 10

14% 5% 6% 0% 1% 2% 1% 0% 1% 100%

1 124

2 3 1 1 166

A tabela 10 expõe resultados relacionados à visão política dos usuários. Neste caso, nota-se que 37% dos usuários contidos na amostra declaram-se “não-políticos”, com essa proporção mantendo-se aproximadamente tanto no caso de homens (37%) quanto de mulheres (38%). Em seguida, vem a categoria “depende”, com um uma proporção em torno de 29% no caso da amostra total e de 27% e 31% para homens e mulheres, respectivamente. As diferenças entre ambos os sexos são menores no caso das demais alternativas, exceto pelas categorias “centro” e “libertário”. Em última instância, esses resultados demonstram que, no caso da amostra considerada, mais da metade dos usuários (proporção superior a 60%) não tem uma visão política definida. Tabela 10 Visão Política dos Usuários do Orkut, Dados Amostrais Visão Política: Não político Depende Esquerda liberal Centro Libertário Direita conservador Esquerda muito liberal Autoritário Muito Autoritário

Total

Masculino

Nº 48 37 17 10 9 4

Partic. 37% 29% 13% 8% 7% 3%

2 1 1

2% 1% 1%

Nº 26 19 10 5 6 3 1 1

26

Partic. 37% 27% 14% 7% 8% 4% 1% 0% 1%

Feminino Nº 22 18 7 5 3 1 1 1

Partic. 38% 31% 12% 9% 5% 2% 2% 2% 0%


Total 129 100% 71 100% Fonte: Cálculos dos Autores, com base em informações do Orkut.

58

100%

As tabelas 11 e 12 expõem resultados relacionados a hábitos de bebida (tabela 11) e cigarros (tabela 12). Tabela 11 Hábitos de Bebida dos Usuários do Orkut, Dados Amostrais Bebe:

Total

Masculino

Feminino

Nº Partic. Nº Partic. Nº Socialmente 151 42% 68 40% 83 Não Bebe 117 32% 49 28% 68 Eventualmente 70 19% 35 20% 35 Regularmente 16 4% 13 8% 3 Excessivamente 9 2% 7 4% 2 Total 363 100% 172 100% 191 Fonte: Cálculos dos Autores, com base em informações do Orkut.

Partic. 43% 36% 18% 2% 1% 100%

No caso da primeira tabela, nota-se que 42% dos usuários contidos na amostra admite beber apenas socialmente, com 32% assumindo não consumir bebidas alcoólicas10. Por outro lado, 19% dos usuários admite beber eventualmente, enquanto que apenas 4% admitem fazê-lo regularmente. Apenas 2% dos usuários admite beber excessivamente. As diferenças em termos desse hábito social ficam mais evidentes quando ocorre uma divisão por gênero. Neste caso, nota-se que, enquanto uma proporção razoavelmente semelhante de homens e mulheres admite beber social ou eventualmente (proporções aproximadas de 40% e 20%, respectivamente), as diferenças são quantitativamente maiores no caso de categorias equivalentes a extremos da amostra. Assim, em relação à categoria “não bebe”, nota-se que, enquanto essa proporção equivale a 28% no caso dos homens, ela chega a 36% no caso das mulheres, uma diferença de sete pontos percentuais (p.p.). Por outro lado, no caso da categoria “regularmente”, a proporção masculina equivale a um valor quatro vezes superior à proporção feminina (8% contra 2%). No caso da categoria “excessivamente”, tem-se um resultado semelhante, onde 4% dos homens admitem pertencer a essa categoria, com apenas 1% das mulheres admitindo o mesmo. Esses resultados são interessantes por apontarem para a 10

Um problema com essa divisão de categorias equivale ao fato de que um usuário qualquer pode considerar as alternativas “socialmente” e “eventualmente” como categorias substitutas entre si. Ou ainda, pode vir a marcar ambas simultaneamente, com tais possibilidades podendo enviesar os resultados obtidos.

27


existência de nítidas diferenças em termos de hábitos sociais entre homens e mulheres ou, pelo menos, por demonstrar diferenças em termos de autoimagem dos usuários do site de relacionamentos em análise. Em relação ao hábito social de fumar, nota-se que, no caso da amostra considerada, a ampla maioria dos usuários (87%) admite não fumar, com essa proporção sendo menor para homens (84%) do que para mulheres (90%). Por outro lado, quando da comparação dentre as demais categorias, nota-se um padrão onde as proporções dos homens tendem a ser maiores do que aquelas referentes às mulheres. Em termos gerais, esses resultados demonstram que, apesar do hábito de fumar não ser admitido como parte da rotina da maioria dos usuários analisados, esse parece ser um hábito mais disseminado entre usuários de sexo masculino, pelo menos no caso da amostra analisada. Tabela 12 Hábitos de Fumo dos Usuários do Orkut, Dados Amostrais Cigarro:

Total

Masculino

Nº Partic. Nº Partic. Não 314 87% 143 84% Regularmente 14 4% 8 5% Socialmente 13 4% 9 5% Ocasionalmente 8 2% 5 3% Bastante 4 1% 1 1% Parou 4 1% 0% Tentando parar 4 1% 4 2% Total 361 100% 170 100% Fonte: Cálculos dos Autores, com base em informações do Orkut.

Feminino Nº 171 6 4 3 3 4 191

Partic. 90% 3% 2% 2% 2% 2% 0% 100%

Em termos gerais, a partir dos resultados descritos nesta seção, pode-se notar que o típico usuário do Orkut, de acordo com a amostra analisada, pode ser classificado da seguinte maneira:

(i) Possui entre 18 e 30 anos; (ii) Tem como principal interesse no site de relacionamentos a formação de novas amizades; (iii) É solteiro(a), com essa proporção sendo maior entre usuários do sexo masculino;

28


(iv) Declara-se como pertencente à etnia caucasiana/branca, mesmo ocorrendo diferenças em relação a estatísticas oficiais referentes à população brasileira como um todo; (v) É católico(a); (vi) Declara não ter visão política definida; (vii)

Não fuma, mas bebe socialmente.

Enquanto esses resultados equivalem a uma descrição genérica inicial do perfil da maioria dos usuários da amostra em questão, faz-se, em seguida, uma análise econométrica dos principais fatores relacionados ao aumento do número de contatos por parte dos usuários do Orkut. A tabela 13 contém resultados de estimativas relacionando variáveis específicas ao número de contatos de cada usuário da amostra considerada. O intuito básico desse exercício empírico equivale a verificar o grau de associação quantitativa entre o número de contatos dos usuários da amostra e variáveis que possam afetar esse número. Em termos gerais, quer-se verificar quais fatores afetam a popularidade dos usuários do Orkut, com o fator popularidade sendo representado pelo número de contatos de cada usuário. No caso dessa tabela, não há a pretensão de se identificar padrões causais entre as variáveis, mas, conforme dito acima, apenas fornecer primeiras evidências relacionadas ao grau de associação entre as mesmas. Em particular, as especificações foram estimadas para variáveis em escala logarítmica natural, o que faz com que os coeficientes daí resultantes equivalham a medidas de elasticidade11. Adicionalmente, os erros-padrão das estimativas foram obtidos a partir do método de White (White 1980) de forma a se evitar problemas de heterocedasticidade, comuns a dados de cortes seccionais, conforme o presente caso. Os tamanhos das amostras consideradas para cada especificação variam, uma vez que nem todos os usuários apresentam informações referentes a todas as variáveis em questão.

11

Para um exemplo de uso de especificações econométricas com sentido meramente ilustrativo, relacionado ao contexto de cidades, ver Glaeser (1998, p.143, Tabela 1).

29


Tabela 13 Estimações Econométricas: Determinantes do Número de Contatos dos Usuários do Orkut, Dados Amostrais Variável dependente: Log(Contatos)

Constante

Coeficientes (Erro padrão) Equação 1 Equação 2 1,426*** 1,215*** (0,097)

(0,109)

(4,067)

Log(Fãs)

0,934***

0,596***

0,652***

(0,032)

(0,048)

(0,079)

Dummy Sexo

0,190***

0,175***

0,191***

(0,049)

(0,047)

(0,070)

0,109***

0,119***

Variáveis

Log(comunidades) Log(Recados) Log(Idade)

Equação 3 -5,808

(0,026)

(0,038)

0,211***

0,202**

(0,041)

(0,081)

4,210* (2,467)

Log(Idade)²

-0,645* (0,373)

R² Ajustado 0,8115 0,8153 0,8569 Número de Observações 430 371 163 Fonte: Cálculos dos Autores, com base em informações do Orkut. Observações: (a) Erros-padrão estimados são reportados entre parênteses. Os erros-padrão foram obtidos a partir do método de White (White 1980). (b) Os símbolos (*), (**) e (***) denotam significância estatística dos coeficientes estimados aos níveis de 10%, 5% e 1%, respectivamente.

De acordo com os resultados obtidos, nota-se que, mesmo no caso de distintas especificações econométricas, alguns resultados são robustos, no sentido de que as variáveis incluídas nas regressões em questão mostram-se estatisticamente significativas e com valores aproximadamente semelhantes. Adicionalmente, o ajuste quantitativo das especificações consideradas pode ser tido como bom, uma vez que os valores dos coeficientes de determinação ficam na faixa entre 0,81 e 0,86 (os modelos em questão explicam mais de 80% da variação observada nos dados).

30


No caso do número de fãs dos usuários, os resultados obtidos apontam para uma relação positiva e estatisticamente significativa, embora possam ocorrer variações nas magnitudes dos coeficientes estimados. Em particular, um aumento de 1% no número de fãs tende a gerar, em média, um aumento inferior no número de contatos (em torno de 0,6% no caso da maioria das especificações consideradas). Quando considerada uma variável dummy representando o sexo dos usuários (que assume valor 1 para usuários do sexo masculino e valor 0 em caso contrário), nota-se que essa variável é estatisticamente significativa no caso de todas as especificações consideradas. Esse resultado demonstra que, em média, usuários do sexo masculino tendem a possuir um maior número de contatos. Este relacionado pode estar relacionado com as preferências expressas por usuários desse sexo do Orkut, conforme citado acima, quando da análise descritiva da amostra. A

variável

“recados”

também

mostra-se

como

estatisticamente

significativa. No caso, um aumento de 1% nos recados recebidos por um usuário do Orkut tende, em média, a levar a um aumento de 0,2% no número de contatos. Vale a ressalva de que esse resultado pode refletir problemas de endogeneidade, uma vez que a presente análise não distingue a direção de causalidade entre contatos e recados. A princípio, é possível que usuários que tenham um maior número de contatos também recebam um maior número de recados. De qualquer maneira, fica a sugestão de pesquisa futura relacionada à estimação de especificações utilizando variáveis instrumentais como forma de identificar efeitos causais entre as variáveis supracitadas. A variável “idade” possui significância estatística nas especificações consideradas. No caso dessa variável, nota-se que o número de contatos tende a aumentar com a idade dos usuários: um aumento de 1% na idade dos usuários tende a gerar, em média, um aumento de 4% no número de contatos. Por outro lado, nota-se que esse aumento no número de contatos ocorre a taxas decrescentes, o que fica evidenciado pelo sinal negativo da variável “idade ao quadrado”. Essa última variável foi incluída nas estimações como forma de captar efeitos não-lineares do ciclo de vida dos usuários. 31


No caso da variável “comunidades”, os resultados obtidos demonstram que seu sinal aparece como positivo em todas as especificações consideradas. Basicamente, no caso das especificações onde essa variável é estatisticamente significativa, nota-se que um aumento de 1% no número de comunidades que um usuário do Orkut participa tende a aumentar, em média, seu número de contatos em 0,11%. Esse último resultado é interessante por demonstrar que, embora a participação em comunidades do site de relacionamentos em análise tenda a aumentar o número de contatos de cada usuário, esse aumento ocorre em uma escala inferior ao aumento no número de comunidades. A princípio, um resultado nesses moldes pode demonstrar que a maior parte dos usuários da amostra considerada estabelece novos contatos a partir de conhecimento pessoal prévio, embora esta seja uma hipótese exploratória no momento. Também vale a ressalva de que, assim como no caso da variável “recados”, as estimativas relacionadas à variável “comunidades” também podem apresentar problemas de endogeneidade, uma vez que usuários com muitos contatos podem tender a participar de muitas comunidades ou vice-versa. Os gráficos 4 a 6 apresentam resultados relacionados às variáveis descritas nas especificações acima, a partir de diagramas de dispersão contendo as variáveis analisadas em pares. Adicionalmente, cada diagrama apresenta uma reta de regressão estimada a partir do Método de Mínimos Quadrados Ordinários (MMQO), como forma de se verificar o ajuste dessa reta aos dados.

32


Gráfico 4 Diagrama de Dispersão: Contatos x Comunidades, Dados Amostrais 7 6

Log(contatos)

5 4 3 2 1 0 0

1

2

3

4

5

6

7

Log(comunidades)

Fonte: Cálculos dos Autores, com base em informações do Orkut.

Gráfico 5 Diagrama de Dispersão: Contatos x Recados, Dados Amostrais 7 6

Log(contatos)

5 4 3 2 1 0 0

1

2

3

4

5

6

7

Log(recados)

Fonte: Cálculos dos Autores, com base em informações do Orkut.

33


Gráfico 6 Diagrama de Dispersão: Contatos x Fãs, Dados Amostrais 7 6

Log(contatos)

5 4 3 2 1 0 0

1

2

3

4

5

6

Log(fãs)

Fonte: Cálculos dos Autores, com base em informações do Orkut.

Conforme exposto nesses gráficos, nota-se uma relação positiva entre contatos e comunidades, recados e fãs, com o ajuste da reta de regressão estimada sendo melhor no caso da última variável (fãs). Esses resultados são confirmados a partir da inspeção da tabela 14, que apresenta resultados de regressões relacionando as variáveis supracitadas, tomadas duas a duas. Tabela 14 Estimativas de Elasticidade para Número de Contatos dos Usuários do Orkut, Dados Amostrais Variável dependente: Log(contatos) 1 2 Log(Comunidades) 0,547***

3

(0,042)

Log(Recados)

0,704*** (0,029)

Log(Fãs)

0,921*** (0,032)

R² ajustado 0,386 0,712 0,782 Observações 382 440 434 Fonte: Cálculos dos Autores, com base em informações do Orkut.

Uma questão interessante a ser respondida no presente contexto é a seguinte: há alguma relação entre os usuários que mais tem contatos e 34


aqueles que pertencem ao maior número de comunidades? As tabelas 15 e 16 buscam responder essa questão. No caso, ambas as tabelas expõem rankings contendo resultados relacionados aos dez usuários com os maiores números de contatos e comunidades, respectivamente. A título de comparação, cada tabela reporta o número referente a outra variável em análise. Assim, por exemplo, a primeira linha da tabela 15 contém o primeiro lugar do ranking em termos de contatos (562 contatos), acompanhado de sua respectiva posição no ranking de comunidades (52 comunidades). Um raciocínio semelhante vale para os resultados contidos na tabela 16. Tabela 15 10 Maiores Usuários em Número de Contatos do Orkut, Dados Amostrais Ranking Contatos

Total de Contatos

Total de Ranking Comunidades Comunidades

1 562 111 52 2 552 119 47 3 474 155 35 4 414 92 67 5 401 5 376 6 340 12 238 7 328 44 115 8 319 15 225 9 319 110 53 10 316 4 438 Fonte: Cálculos dos Autores, com base em informações do Orkut.

Tabela 16 10 Maiores Usuários em Número de Comunidades do Orkut, Dados Amostrais Ranking Comunidades

Total de Comunidades

Ranking Contatos

Total de Contatos

1 702 27 220 2 482 291 39 3 469 138 98 4 438 10 316 5 376 5 401 6 368 154 87 7 355 94 128 8 288 16 279 9 282 32 210 10 246 89 131 Fonte: Cálculos dos Autores, com base em informações do Orkut.

35


De acordo com os resultados reportados nessas tabelas, é possível notar que não há uma relação direta entre as variáveis consideradas. Ou seja, os usuários que possuem o maior número de contatos não são necessariamente aqueles que pertencem ao maior número de comunidades, pelo menos no caso do ranking dos dez maiores usuários de cada tipo. A tabela 17, por sua vez, busca retratar a relação entre as variáveis supracitadas no caso dessas amostras específicas, assim como no caso da amostra completa. Para tanto, são reportados os coeficientes de correlação linear estimados para essas variáveis. Tabela 17 Coeficientes de Correlação Linear entre Contatos e Comunidades dos Usuários do Orkut, Dados Amostrais Estratos da Amostra

Coeficiente de correlação

Total 0,42 Dez primeiros no Ranking de Contatos -0,05 de Comunidades -0,52 Fonte: Cálculos dos Autores, com base em informações do Orkut.

Neste caso, nota-se a ocorrência de uma relação positiva entre as variáveis citadas (coeficiente de correlação linear de 0,42), no caso da amostra como um todo, resultado que demonstra, a princípio, que a participação em um maior número de comunidades possui uma associação (linear) positiva com o número de contatos de cada usuário. Os resultados reportados nas tabelas anteriores demonstram, porém, que essa relação não é válida no caso das subamostras considerando os dez maiores usuários de cada categoria (coeficientes de correlação de -0,05 e -0,52). Esses resultados são interessantes por demonstrarem que padrões inerentes a subconjuntos de usuários do Orkut não equivalem necessariamente a padrões vigentes para a amostra como um todo. Mais do que isso, esses resultados apontam para a inexistência de uma relação empírica robusta entre número de contatos e comunidades dos usuários do Orkut.

36


Conclusões e Agenda de Pesquisa Futura A origem e consolidação das interações sociais entre diferentes indivíduos correspondem a temas atuais em diversas áreas de estudo, como Sociologia, Psicologia, Comunicação, Ciência da Computação e Economia. Neste trabalho, foram apresentados alguns resultados relacionados a esse tema, tendo a teoria econômica como base de análise. No caso, foram expostos resultados relacionados a padrões empíricos de formação de redes sociais a partir de dados do site de relacionamentos Orkut. Os principais resultados obtidos a partir desse esforço de pesquisa foram os seguintes: i. Ocorre o fenômeno de “cauda longa” tanto no caso do número de contatos quanto no caso de comunidades dos usuários do Orkut. Ou seja, existe um número relativamente reduzido de usuários com alto número de contatos e/ou

comunidades, com

a

maioria

dos usuários desse

site

de

relacionamentos tendo um número de contatos menor;

ii. Há nítidas diferenças entre homens e mulheres no que diz respeito a vários quesitos referentes a preferências expressas pelos usuários do Orkut.

iii. O usuário típico do Orkut apresenta, em média, as seguintes características: possui entre 18 e 30 anos, tem como principal interesse no site a formação de amizades, é solteiro(a), branco(a), católico(a), não tem visão política definida, não fuma, mas bebe socialmente.

iv. Resultados de um exercício econométrico demonstram que variáveis relacionadas à popularidade dos usuários (número de recados, fãs e classificações dadas por outros usuários) exercem um efeito quantitativo significativo no número de contatos estabelecido por cada usuário.

v. Não há coincidência entre usuários que possuem o maior número de contatos e aqueles que pertencem ao maior número de comunidades. 37


Estes resultados são importantes no sentido de representarem uma primeira tentativa de quantificação de interações sociais surgidas no contexto de um site de relacionamentos em âmbito nacional. Mais do que isso, esses resultados retratam a ocorrência de interações entre indivíduos, pelo menos no caso de um ambiente estático onde essas interações são mediadas via computador12. Em termos de sugestões de pesquisa futura, há muitas possibilidades relacionadas ao tema. Especificamente, algumas dessas possibilidades de pesquisa podem ser diretamente derivadas das limitações da análise proposta neste trabalho, conforme discutido abaixo. Em primeiro lugar, um problema relacionado ao presente trabalho equivale ao fato de que o contexto em análise possui um caráter estático, por conta da própria natureza dos dados (cross-section de perfis de usuários do Orkut). Por conta disso, não foi possível responder questões relacionadas à evolução temporal dos usuários desse site de relacionamentos. A princípio, seria interessante realizar um estudo onde se comparasse, por exemplo, a evolução do número de contatos de cada usuário entre os anos inicial e final da amostra. Um empreendimento nesses moldes permitiria testar a ocorrência ou não do fenômeno de convergência no Orkut; qual seja, se usuários com um menor número de contatos em um dado momento inicial tendem a apresentar uma maior taxa de crescimento no número de contatos com o passar do tempo. Uma segunda limitação do trabalho relaciona-se à impossibilidade de mensuração quantitativa do processo de formação de redes, no caso do presente

contexto. Enquanto

o

trabalho forneceu alguns resultados

relacionados a padrões empíricos referentes aos usuários do Orkut, não foi capaz de quantificar o processo de formação de nódulos de uma rede social, 12

Um questionamento pertinente relacionado ao Orkut equivale ao fato de a maior parte das conexões estabelecidas através desse site de relacionamentos representar efetivamente interações sociais, uma vez que a formação de redes de relacionamento virtuais não pressupõe o estabelecimento efetivo de conexões sociais entre os indivíduos que as formam. Ver, a esse respeito, Recuero (2008, pp.8-9).

38


conforme ressaltado por alguns dos trabalhos teóricos citados acima. Essa limitação também decorre da impossibilidade de se avaliar a evolução temporal do número de contatos de cada usuário. Nesse sentido, seria interessante a elaboração de um estudo que acompanhasse o processo de aquisição de contatos por parte de cada usuário ao longo do tempo, o que tenderia a enriquecer significativamente a análise proposta. Um estudo nesses moldes poderia, a princípio, permitir a identificação de padrões empíricos de aglomeração de usuários em comunidades baseadas em interesses comuns, conforme proposto por Currarini, Jackson e Pin (2008), ao tratar do fenômeno de homofilia. Por exemplo, pode-se pensar na mensuração da qualidade dos laços formados entre indivíduos pertencentes a uma mesma rede social. Também é possível se perguntar por que indivíduos tendem a formar redes baseadas em interesses semelhantes comuns ou se ocorrem padrões de discriminação entre indivíduos pertencentes a esse tipo de rede, conforme descrito acima. Do mesmo, o estudo de redes sociais pode permitir responder questões relacionadas à influência que um indivíduo sofre de seus pares, a partir da estimação de efeitos entre pares (peer effects) (Marmaros e Sacerdote 2006). Alternativamente, a formação de redes sociais pode ser extremamente útil ao potencializar ações individuais. Por exemplo, relatos relacionados a atividades de voluntariado demonstram que a formação e consolidação de redes voltadas para essa atividade tende a aumentar significativamente a eficácia de ações voluntárias (Ayres 2010). Do mesmo modo, a interação via redes pode ser útil para potencializar as ações de distintas firmas e/ou instituições. Em termos gerais, é provável que a utilização de estruturas em rede seja útil tanto em termos mercadológicos quanto políticos13. A disponibilidade de bases de dados mais amplas pode ser útil para a construção de novos indicadores quantitativos e testes estatísticos de hipóteses específicas relacionadas ao tema de redes sociais. Nesse sentido, a cooperação de órgãos e instituições como Google, Facebook, Twitter e 13

Um exemplo de uso inovador da estrutura de redes para fins políticos equivale à campanha eleitoral do último Presidente norte-americano, Barack Obama. No caso brasileiro, há o exemplo recente da campanha de Fernando Gabeira. Ver, a esse respeito, Falcão (2009).

39


organizações similares, que possuam dados dessa natureza pode ser fundamental à pesquisa aplicada, conforme já vem ocorrendo em países como os Estados Unidos, por exemplo (e.g., Marmaros e Sacerdote 2006; Zentner 2006; Hitsch, Hortaçsu e Ariely 2010). Entender a formação de redes sociais pode vir a ser um dos temas mais importantes de pesquisa em ciências sociais aplicadas nos próximos anos. Contribuições

de

distintas

disciplinas

poderão

ser

fundamentais

à

compreensão dos diversos aspectos relacionados a esse fenômeno. Em termos econômicos, é possível que, pelo lado teórico, análises baseadas em Teoria dos Jogos sejam capazes de explicar as razões subjacentes à formação de redes entre distintos indivíduos. Pelo lado empírico, análises envolvendo amostras longitudinais (dados em painel) poderão vir a esclarecer questões relacionadas à dinâmica temporal da formação de redes. Do mesmo modo, análise utilizando técnicas econométricas destinadas a estimar os efeitos causais entre as variáveis analisadas (e.g., variáveis instrumentais), nos moldes propostos por Angrist e Krueger (2001), por exemplo, poderão ser úteis no sentido de identificar de maneira mais precisa as eventuais relações empíricas existentes entre essas variáveis. Apesar da presente análise possuir um caráter exploratório, espera-se que alguns dos resultados aqui reportados possam constituir evidência empírica inicial que permita uma melhor compreensão da formação, dinâmica e eventual estabilidade de redes sociais14.

Referências Bibliográficas ADAMIC, L.A. Zipf, Power-laws, and Pareto – a ranking tutorial. Information Dynamics Labs, manuscrito, 2002. ADAMIC, L.A.; HUBERMAN, B.A. Zipf’s Law and the Internet. Glottometrics, v.3, n.1, p.143-150, 2002. ALBERT, R.; JEONG, H.; BARABÁSI, A.L. Diameter of the world-wide web. Nature, v.401, p.130, Sept.1999.

14

Para uma lista de diversas questões remanescentes relacionadas ao estudo de formação de redes, ver Amaral et alli. (2004). Em particular, esses autores ressaltam a necessidade da pesquisa relacionada ao tema mudar seu foco de problemas teóricos para questões práticas e aplicadas.

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AMARAL, L.A.N.; BARRAL, A.; BARABÁSI, A.L.; CALDARELLI, G.; DE LOS RIOS, P.; ERZAN, A.; KAHNG, B.; MANTEGNA, R.; MENDES, J.F.F.; PASTORSALORRAS, R.; VESPIGNANI, A. Virtual round table on ten leading questions for network research. The European Physical Journal B, v.38, n.1, p.143-145, 2004. ANDERSON, C. A cauda longa: do mercado de massa para o mercado de nicho. Elsevier, 2006, 256p. ANGRIST, J.D.; KRUEGER, A.B. Instrumental variables and the search for identification: from supply and demand to natural experiments. Journal of Economic Perspectives, v.15, n.4, p.69-85, Fall 2001. ANTONOVICS, K.; ARCIDIACONO, P.; WALSH, R. Games and discrimination: evidence from the Weakest Link. Journal of Human Resources, v.40, n.4, p.918-947, Fall 2005. AYRES, B. Voluntariado e política 2.0. Apresentação feita no Seminário Política 2.0. Vitória, mar.2010, 45p. BECKER, G.S. A theory of social interactions. NBER Working Paper n.42, Jun.1974, 55p. COSTA, D.L.; KAHN, M.E. Surviving Andersonville: the benefits of social networks in POW camps. UCLA, manuscrito, Jun.2006, 40p. CURRARINI, S.; JACKSON, M.O.; PIN, P. An economic model of friendship: homophily, minorities and segregation. Stanford University, manuscrito, Jan.2007, 46p. FALCÃO, J. Mobilização social online. Apresentação feita no Seminário Política 2.0. Vitória, mar.2010, 22p. GABAIX, X. Power Laws. In: DURLAUF, S.N.; BLUME, L.E. (Eds.). The New Palgrave Dictionary of Economics, Second Edition, London: McMillan, 2008. GLAESER, E.L. Are cities dying? Journal of Economic Perspectives, v.12, n.2, p.139160, Spring 1998. HITSCH, G.J.; HORTAÇSU, A.; ARIELY, D. What makes you click? Mate preferences in online dating. Quantitative Marketing and Economics, forthcoming, 2010. HUBERMAN, B.A.; ADAMIC, L.A. Growth dynamics of the world-wide web. Nature, v.401, p.131, Sept.1999. JACKSON, M.O. Network formation. In: NEWMAN, P. (Org.). The New Palgrave Dictionary of Economics and the Law, Macmillan, 2008. LOPES, A.G. Uma análise econômica envolvendo interações sociais no Orkut (Monografia de Conclusão do Curso de Ciências Econômicas). Faculdade de Ciências Econômicas de São Paulo da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FACESP/FECAP), nov.2005, 32p. MARMAROS, D.; SACERDOTE, B. How do friendships form? Quarterly Journal of Economics, v.121, n.1, p.79-119, Feb.2006. RECUERO, R.C. Redes sociais na Internet: considerações iniciais. E-Compós, v.9, n.1, p.1-15, 2005. SCHEINKMAN, J.A. Social interactions. In: DURLAUF, S.N.; BLUME, L.E. (Eds.). The New Palgrave Dictionary of Economics, Second Edition, London: McMillan, 2008.

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Pós-graduação em Comunicação Estratégica: uma contribuição multidisciplinar na busca da capacitação organizacional e do compartilhamento de significados entre universidade e mercado

Célia Maria Retz Godoy dos Santos1 Faculdade de Arquitetura Artes e Comunicação da Unesp/Bauru Maria Eugênia Porém2 Faculdades Integradas de Bauru (FIB)/Bauru Roseane Andrelo3 Faculdade de Arquitetura Artes e Comunicação da Unesp/Bauru Resumo: O presente estudo pontua posturas, enfoques e temas que permearam as discussões e o processo de construção do Curso Lato Sensu de Comunicação da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC), da Universidade Estadual Paulista (UNESP), de Bauru, SP, evidenciando as dificuldades e os caminhos escolhidos na busca da qualificação profissional junto às organizações. Apresenta o processo investigativo, junto ao mercado, sobre as demandas na perspectiva da comunicação organizacional, no sentido de tentar compreender as habilidades multidimensionais que o Curso deverá proporcionar. Por fim, estabelece alguns módulos e eixos temáticos para o Curso, pretendendo contemplar a diversidade das funções comunicativas, as quais se constituem na mais elevada capacidade do ser humano, que é a de criar sua realidade e interferir nos rumos da sociedade. Palavras-chave: Mercado

Organização; Comunicação; Pós graduação; Comunicação Estratégica;

Abstrat: The present study scores postures, approaches and themes to permeadt discussions and the process of construction of Course Specialization of communication at the Faculty of architecture, arts and communication (FAAC) of Universidade Estadual Paulista (UNESP), Bauru, SP, highlighting the difficulties and the paths chosen in search of professional qualification together organizations. Presentation the investigative process, market over demands from the perspective of organizational communication, to try to understand the multidimensional abilities that the course should provide. Finally, it establishes some modules and thematic for the course, intending to reflect the diversity of communicative functions, which are in the highest capacity of human beings, that is to create your reality and interfere in the direction of society. Keyword: Organization, Communication, MBA, Strategic Communications, Marketing 1

Célia Maria Retz Godoy dos Santos. Doutora em Sociologia. Mestre em Comunicação. Professora da Faculdade de Arquitetura Artes e Comunicação da Unesp, campus Bauru – celiaretz@faac.unesp.br 2 Maria Eugênia Porém. Doutora em Educação. Mestre em Comunicação. Professora das Faculdades Integradas de Bauru (FIB), Bauru/SP - meporem@yahoo.com.br 3 Roseane Andrelo. Doutora em Educação. Mestre em Comunicação. Professora da Faculdade de Arquitetura Artes e Comunicação da Unesp, campus Bauru - andrelo@terra.com.br

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Resumen: Este estudio señala las actitudes, enfoques y temas que impregnó los debates y el proceso de construcción Lato Sensu Curso de la Escuela de Comunicación de la Arquitectura, las Artes y la Comunicación (FAAC), Universidade Estadual Paulista (UNESP), Bauru, SP, mostrando la las dificultades y los caminos elegidos en la búsqueda de la cualificación profesional, junto con las organizaciones. Muestra el proceso de investigación, con el mercado, las demandas en la perspectiva de la comunicación organizacional con el fin de tratar de entender las capacidades multidimensionales que el curso debería brindar. Finalmente, por algunos módulos y los temas del curso, con el objetivo de abarcar la diversidad de funciones comunicativas, que constituyen la mayor capacidad humana, que es la creación de su realidad e intervenir en la dirección de la sociedad. Palabras Claves: Organización; Comunicación; Postgrado; Comunicación Estratégica; Mercado

Introdução A ascensão da comunicação organizacional a uma nova realidade que impele para mudanças substanciais no modo de pensar e agir do mercado e a crescente participação dos profissionais de comunicação e áreas afins nos cursos de pós-graduação têm exigido uma nova postura das Instituições de Ensino Superior no sentido de adequar seus programas de Lato e Stricto Sensu aos interesses dos públicos e às demandas por outros conhecimentos que emergem nesta nova configuração das sociedades. Tendo em vista que a Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) conta com um Curso de Pós-graduação Stricto Sensu em Comunicação voltado para a formação de pesquisadores e docentes para o ensino superior, fez-se necessário abrir um espaço para um curso Lato Sensu em Comunicação que incorporasse temas presentes e emergentes da agenda atual das organizações, tais como sustentabilidade, cultura organizacional, desenvolvimento da identidade

coorporativa,

coeficiente

emocional,

liderança,

inteligência

competitiva,

sustentabilidade entre outros. A ideia foi construir um currículo multidisciplinar para o Curso de Pós-graduação a fim de contemplar as demandas sociais e produtivas das organizações presentes na região, com qualidade humanística e instrumental capaz de formar indivíduos com habilidades para o enfrentamento desta nova perspectiva voltada para as relações sociais e de consumo. Não por acaso, o objetivo foi edificar as disciplinas e o currículo do Curso para a formação e socialização de conhecimentos multidisciplinares com embasamento pragmático e técnicos consubstanciados em valores humanísticos e universais visando não só capacitar os atores presentes nas organizações, mas incorporar valores, práticas sociais e comportamentos que irão contribuir na maneira de ser e de agir da própria sociedade. 2


Assim, foi considerada a dinâmica da região para a formação do Curso, de modo a socializar modelos comunicacionais sintonizados com as demandas especializadas pautadas por temáticas emergentes que convergem para o aprimoramento constante no campo multidisciplinar da comunicação nas organizações. As transformações econômicas, políticas e culturais pelas quais o mundo vem atravessando desde o século XX têm marcado sobremaneira a vida das organizações. Todas as mudanças e turbulências nas esferas social, tecnológica, econômica, ambiental e politica têm impactado nas diferentes relações sociais, inclusive nas de consumo. É nesta esfera – a de consumo – que as organizações têm sido mais afetadas, pois os consumidores mais bem informados são colaborativos, culturais e voltados para aspirações, valores e para as relações com o espírito humano. Se anteriormente o mercado era norteado para a transação concentrando-se nas vendas, e numa segunda fase tornou-se orientado pelo relacionamento tentando fazer o consumidor voltar e comprar mais, hoje os consumidores são convidados a participar do desenvolvimento de produtos das organizações e de suas comunicações (Kotler, 2010) . Por isso estes requerem muito mais das organizações do que a produção e comercialização de um bem. Exigem uma atuação mais significativa em soluções eficientes e sustentáveis que melhorem substancialmente suas vidas presentes, além de não comprometer as gerações futuras. Assim, a comunicação é vista como um processo de sustentação da organização e exige dos profissionais uma análise mais aprofundada do contexto organizacional, numa visão estratégica para a tomada de decisões. Os profissionais de Relações Públicas, de Marketing e áreas afins à comunicação têm se tornado membros de gestão superior. Saem de sua posição basicamente tática para uma muito mais estratégica exigindo uma compreensão maior das operações empresariais, dos conceitos e terminologia num círculo de gestão que submerge todos os envolvidos no processo organizacional. Deste modo surge a necessidade de se capacitar profissionais para essa realidade e, não só os profissionais da comunicação, mas as instituições educativas, responsáveis pela formação destes devem estar atentas a este cenário que está sendo constituído sob a égide de um novo paradigma consubstanciado numa visão de mundo holística e sistêmica (CAPRA, 2006). Nesta esfera se inserem as instituições de ensino superior (IES) que têm, entre seus diversos papéis, oferecer ensino com qualidade humanística e instrumental capaz de formar 3


indivíduos com habilidades para o enfrentamento desta nova perspectiva na essência das relações sociais e de consumo. Não por acaso, é no interior destas instituições em que são edificadas as bases de formação e socialização, capacitando os indivíduos na construção de uma nova percepção de mundo em contraposição ao paradigma mecanicista e inflexível que dominou a nossa cultura durante centenas de anos e que cunhou a sociedade moderna ocidental por meio da difusão de ideias e valores que estão sendo desafiados por fenômenos recentes (CAPRA, 2006). Portanto, há necessidade de entender a relação entre ensino-aprendizagem que se fundamenta nas instituições de ensino superior, uma vez que estas deverão assumir o compromisso de levar até seus estudantes uma formação que esteja sintonizada com as transformações do mundo e seus efeitos. Esta relação entre ensino-aprendizagem é mediada e facilitada pelos currículos dos cursos de graduação e pós-graduação que devem buscar, por meio de sua estrutura curricular – disciplinas e atividades -, conduzir os estudantes para a construção do conhecimento instrumental e humanístico que corresponda e reflita os desafios contemporâneos. Pensando nesta problemática alguns educadores da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC), da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), localizada na cidade de Bauru, interior do Estado de São Paulo, Brasil, se reuniram para organizar um Curso de pós-graduação em Comunicação denominado de “Comunicação Estratégica: mercado, gestão e coaching”. O objetivo principal - para o oferecimento deste Curso - é disseminar o conteúdo produzido na academia e no mercado por meio da experimentação, de modo a socializar modelos comunicacionais sintonizados com as demandas especializadas pautadas por temáticas emergentes que convergem para o aprimoramento constante desse campo.

O cenário: obstáculos ao pensamento multidisciplinar

Diferentemente das visões de especialização (vigente no século XIX e na segunda metade do XX) e das abordagens interdisciplinares que tratam da transferência de métodos de uma disciplina a outra (segunda metade do século XX), a metodologia multidisciplinar, que caracteriza o começo do século XXI se apoia em três pilares: a) os vários níveis de realidade social existente;

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b) a lógica da inclusão, quebrando com o paradigma da lógica binária; e c) a complexidade da realidade apresentada (SCHULER, 2009, p.194). Por isso, as mutações modernas decorrentes da evolução da humanidade têm levado a uma nova capacidade de se encarar a realidade e, por conseguinte, de entender o sistema de educação, que passa a reivindicar experiências mais ricas e diversificadas envolvendo todos os sentidos do ser humano: uma educação integral que caminhe para um autodesenvolver, num processo multidisciplinar. Os cursos de pós-graduação até então pensados segundo um formato básico, contemplando matérias das humanidades e de formação especializadas que demarcam o território da habilitação, passam a ter uma realidade distinta que é a tendência de unificar os modos de produção da informação e de transformar o próprio receptor ou aluno em produtor e gerador de conhecimento. A discussão comporta, então, a multidisciplinaridade, visto que o campo da comunicação aborda vários níveis da realidade humana reunidos em diferentes disciplinas. No aspecto material e de suportes físicos, a comunicação se apoia nas ciências das engenharias de telecomunicação, informática, gestão do conhecimento e de administração de sistemas; no campo afetivo, emocional e mental recorre à psicologia, à sociologia e até á antropologia para entender os relacionamentos com os públicos e sobreviver ás vicissitude da convivência humana. A comunicação também precisa da ética, da semiótica, semiologia e da filosofia, a fim de demarcar os padrões aceitos pela sociedade na busca de uma consciência coletiva. E, ainda numa visão mais integradora, a comunicação preocupa-se, cada vez mais, com princípios fundamentais das práticas relacionais que se adaptam ás mudanças da sociedade, tais como sustentabilidade, responsabilidade social, ou seja, as políticas de relacionamentos com todos os atores do ambiente. Deste modo, não seria possível pensar no Curso de Pós-graduação em “Comunicação Estratégica: mercado, gestão e coaching” neste cenário exigente e complexo, somente circunscrito às experiências acadêmicas dos educadores e formuladores do mesmo. Portanto, o primeiro passo, para sua criação foi uma pesquisa para diagnosticar a demanda das organizações da região4 em que se localiza a FAAC/UNESP. Executou-se um levantamento qualitativo junto a alguns segmentos de interesse, via entrevista coletiva em profundidade com representantes dos departamentos de Recursos Humanos de vinte organizações bauruenses, incluindo indústrias, comércio, serviços, consultorias de recursos humanos e associações. O grupo focal aconteceu no 4

Esta região compreende a cidade de Bauru e outras cidades da região Centro-oeste Paulista, São Paulo, Brasil.

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Centro e Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP) de Bauru, no qual se expôs a problemática – criação do Curso de especialização – e se colheu sugestões em relação a horário, dias de preferência, metodologia e disciplinas mais adequadas para atender o perfil do aluno do mesmo. Ouvir profissionais intimamente ligados ao público-alvo do curso foi essencial para levantar as expectativas e, com base nelas, definir os parâmetros metodológicos do projeto pedagógico e currículo. A escolha pela consulta a este tipo de profissional da área de Recursos Humanos foi devido à relação que estes estabelecem com os demais departamentos das organizações em termos de afetividade, comunicação e relacionamentos organizacionais. Os resultados mais expressivos foram em relação à dinâmica do curso: em módulos, aulas presenciais quinzenais, carga horária complementar via online e exigência de uma maior interrelação com as problemáticas do mercado via apresentação de “cases” e experiências diversas. As disciplinas solicitadas - a maioria abordando as relações de convivência, relacionamentos e as preocupações com as novas tecnologias - foram: jogos estratégicos, gestão da comunicação, pesquisa de opinião e análise de dados, coaching5, discussões de cases, sustentabilidade, comunicação integrada, atendimento, o papel das redes, entre outras. Pode-se observar em todos os conteúdos e tipos de disciplinas comentados, que apesar das singularidades de cada uma delas, todas estão ligadas por uma diretriz comum que se refere aos obstáculos dos fluxos comunicacionais nas organizações, ou seja, pretende-se um Curso que ajude profissionais diversos a atuar sobre os efeitos da comunicação organizacional nas questões físicas, de produção, afetivas, expressivas, de integração, visão, enfim, que permeiam quase a totalidade dos problemas organizacionais atualmente. É importante registrar que a adoção da pesquisa empírica, neste caso, trouxe possibilidades de construir um Curso multidisciplinar que contemplasse a expertise da academia e do mercado regional, para o qual será destinado. Talvez o maior desafio seja criar formas de se capacitar para esta nova realidade social. Daí, a discussão da educação calcada em dimensões como: aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a conviver; e aprender a ser. Em outras palavras a educação do futuro deverá estar fundamentada em experiências integral do ser humano.

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Entende-se por coaching é um processo com começo, meio e fim, que tem como foco contribuir com o aumento de performance de um indivíduo, organização ou time, contando com questionamentos, métodos, ferramentas, habilidades e técnicas de desenvolvimento humano.

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O objetivo do curso de especialização em Comunicação Estratégica: mercado, gestão e coaching

Hoje as organizações sabem que a comunidade pode, cada vez mais, pressioná-las, bem como impulsioná-las. Elas podem gerar interferências de cunho comercial, assegurando o consumo da produtividade local, bem como criar tensões e até prejudicá-las. No entanto, independente do porte ou da natureza da cidade, os efeitos positivos do desenvolvimento desta ou de sua região dependem da capacidade do seu setor produtivo. De fato, é possível identificar influências de aspectos: econômico, que se refere à eficiência do sistema de produção, o qual garante ou não melhor produtividade e competitividade no mercado; político, que se materializa nas iniciativas locais capazes de incentivar ou desmotivar a produção de determinados produtos ou setores em relação ao desenvolvimento sustentável; e o social, no qual se inter-relacionam organizações e atores sociais e econômicos. Por isso, surge a necessidade de se capacitar profissionais para essa realidade que impele para mudanças substanciais no modo de pensar e agir do mercado. Portanto, é imperativo entender a relação entre ensino-aprendizagem que se fundamenta nas instituições de ensino superior, uma vez que estas deverão promover uma formação sintonizada com as transformações do mundo e seus efeitos. Partindo destes pressupostos, a iniciativa de alguns professores de Comunicação (FAAC/UNESP), foi delinear a proposta do curso de especialização com o título de “Comunicação Estratégica: Mercado, Gestão e Coaching”, tendo como norteadores a exigência por conhecimentos sistêmicos, configurada em uma economia emergente tal como a brasileira e as necessidades que os setores produtivos da cidade de Bauru e região vêm apresentando, definidas a partir da pesquisa qualitativa. Em que pesem as competências de comunicação e administração mercadológica, este Curso de especialização atenderia a uma demanda de profissionais e organizações ávidos por conhecimentos e experiências que os ajudem a superar os desafios administrativos que o século XXI, naturalmente vem impondo. De tal modo, entende-se que o curso de pós-graduação proposto vem colaborar em todos estes aspectos, especialmente no que se refere à capacitação de especialistas em comunicação coorporativa que podem, de acordo com a problemática da cada organização, assegurar aos empresários locais o uso eficiente dos fatores produtivos, ampliando a competitividade e permanência destes no mercado atual. 7


E também contribuir no conhecimento endógeno disseminado neste processo de capacitação organizacional. Afinal, com gestores organizacionais conscientes de uma nova postura ou “filosofia organizacional”, na qual os relacionamentos são prioridades e cuja sustentabilidade e responsabilidade social fazem parte do processo da organização, certamente isso irá se refletir no aspecto social da comunidade. Pode-se ainda acrescentar, além dos ganhos em relação ao sistema produtivo local, a efetiva colaboração para o bem estar econômico e social da localidade, já que do fortalecimento da capacidade organizacional de uma comunidade depende um conjunto de recursos: humanos, institucionais, culturais, de mercado de trabalho, tecnológico, infra estrutural, entre outros, em torno dos quais se articulam os processos de desenvolvimento. É importante mencionar que nas micros, pequenas e médias organizações – que são maioria em Bauru e região - os profissionais que as comandam têm características peculiares, contam com recursos próprios e quase sempre escassos para a comunicação e possuem pouco e, em alguns casos, nenhum conhecimento sobre gestão comunicacional. Muitos não dominam conceitos básicos sobre comunicação, planejamento, públicos de interesse, pesquisas de opinião, e, ainda assim, precisam lidar com uma gama de dificuldades para atender bem ao cliente e prospectar novos serviços ou produtos a fim de se manter no mercado. No âmbito do curso de Relações Públicas da FAAC/UNESP, no qual estão locados os docentes responsáveis pela proposta, há o conhecimento teórico sobre o papel estratégico que a comunicação deve assumir nas organizações. Da mesma forma, pesquisar a realidade local foi fator fundamental quando na composição do curso. Isto implica dizer que neste curso pretende-se atender a vários campos de forma multidisciplinar: o científico que sugere as práticas de produção de conhecimento por meio da inserção de disciplinas de caráter mais teórico para dar subsídios às análises críticas necessárias ao processo de gestão comunicacional, tais como as teorias da recepção e da comunicação entre outras. O segundo campo a ser abordado refere-se ao educativo, que se define aqui, por práticas de reprodução deste conhecimento mediante o ensino de conteúdos ditos de comunicação, entre eles: pesquisa de opinião e marketing, comunicação dirigida, tecnologias de informação aplicadas aos negócios, processos de liderança, coaching etc. E, por fim o campo profissional caracterizado por disciplinas de caráter prático junto ao mercado de trabalho como as que se referem aos tipos de relacionamentos e atendimento ao cliente, força de vendas e inteligência competitiva, neuromarketing, os processos de persuasão e jogos estratégicos todas intrinsecamente ligadas às condições de produção e consumo. Vale ressaltar que neste último campo existe uma constante e permanente relação de desigualdades e concorrências que se estabelece não só pelo poder 8


político, mas também pela capacitação técnica das organizações, as quais o Curso pode vir a ajudar fomentando carreiras e propiciando habilidades e capacidade de concorrer no mercado globalizado.

Conclusões

Este é um momento histórico particular no qual percebemos a comunicação colocada no centro da sociedade contemporânea e no seu próprio sentido. Percebe-se que a articulação da academia com o mercado contribui para a capacitação profissional, para a multiplicação de projetos de pesquisas na área e para o desenvolvimento social da região como um todo. O Curso poderá, em longo prazo, semear uma estrutura mais orgânica nas organizações da região - hoje muito mecanicistas e com uma comunicação assimétrica - na medida em que fornecerá parâmetros para promover mudanças na cultura organizacional e na compreensão do “valor” da comunicação como um sistema de oportunidade para relacionamentos eficazes e eficientes com os diferentes segmentos envolvidos com a organização. Em termos gerais pretende-se que este Curso possa oferecer um considerável suporte às organizações, habilitando seus profissionais para uma gestão estratégica da comunicação com responsabilidade, sustentabilidade e ética. E mais, que este possa ajudá-las a alcançar seus objetivos e a ampliar suas vantagens competitivas. Diante do exposto, construir um currículo para cursos de pós-graduação em uma área multidisciplinar como a Comunicação Social torna-se um desafio para educadores, especialmente, porque deverá responder às demandas sociais e produtivas de uma sociedade em plena transformação. Além disso, não se deve permanecer enclausurado numa visão parcial, reducionista e até preconceituosa da comunicação face os ditames da academia. Certamente, também nas organizações os desafios são complexos, uma vez que a comunicação deixa de ser apenas considerada como um processo social básico para torna-se mais abrangente, atuando no âmbito das próprias transformações sociais e produtivas. Desta forma, o curso lato sensu “Comunicação Estratégica: Mercado, Gestão e Coaching” se justifica na medida em que pretende dar suporte a todos aqueles que intermedeiam relacionamentos, dando acesso ao conhecimento aprofundado sobre comunicação, nos mesmos moldes das grandes corporações que contam com profissionais específicos da área, com elevada competência para construir redes de relacionamentos com os públicos estratégicos, o que certamente lhes dá mais oportunidades e “força” nos negócios. 9


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Para além da convergência midiática JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. 2ª edição. São Paulo. Aleph, 2010. Tradução: Susana Alexandria. 428 páginas. Eloy Vieira1 Universidade Federal de Sergipe

Sem dúvida o livro de Jenkins é um marco para quem estuda Comunicação na contemporaneidade, talvez até indispensável para se compreender o cenário midiático em que vivemos. Suas perspectivas para a convergência midiáticas são explicadas sempre baseadas em estudos de caso de forma bastante detalhada, o que acaba demonstrando seu alto grau de envolvimento com sua pesquisa. A priori, Jenkins se apropria do conceito de Convergência trazido por Sola Pool ainda na década de 1980 no próprio MIT, onde atualmente é coordenador de estudos de mídia. Para Sola Pool, a convergência seria a imbricação das fronteiras entre os meios de comunicação em que as mensagens, independentemente de seu suporte midiático, seriam passadas por um único meio físico (ele não mencionava a Internet ainda nesta época). Em 2003, durante o New Orleans Media Experience, descrito por Jenkins como um evento que reuniu pesquisadores, gestores e profissionais da indústria do entretenimento atestou as previsões de Pool, inclusive chegaram à conclusão de que o fenômeno da Convergência era de fato inevitável e que ela iria remodelar as bases da Indústria Midiática, são essas ‘remodelagens’ que Jenkins aponta muito bem ao longo de seu texto. Jenkins se baseia muito na visão de Pièrre Lévy quando fala de participação, cultura de fã e inteligência coletiva, mesmo assim, julga-se um ‘utópico-crítico’ pois deixa de lado tanto otimismo ao perceber algumas limitações da tese defendida pelo filósofo francês. Uma prova disto é sua constatação de que por trás de todo o fenômeno da convergência e da cultura dos fãs, há uma Indústria Midiática moldando todo o processo em conjunto com a sociedade, inclusive faz questão de distinguir o que ele mesmo chama de ‘convergência alternativa’ (aquela feita por fãs) da ‘convergência corporativa’ (feita pela Indústria Midiática).

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Estudante do curso de Comunicação Social hab. Jornalismo na Universidade Federal de Sergipe e bolsista de Iniciação Científica no Observatório de Economia e Comunicação (Obscom) pesquisando sobre Economia Política da Internet sob orientação do Prof Dr. César Bolaño. Email: eloy.jor@gmail.com


Para ele, A nova cultura da convergência será construída sobre referências de vários conglomerados de mídia em que a produção midiática tradicional assume e absorve a produção dos fãs, assim, ambas acabam tornando-se indistintas, muitas vezes tendo na internet um território fértil. Partindo do pressuposto de que os fãs precisam dos produtos e os produtos precisam dos fãs, Jenkins destaca a participação dos fãs no processo de produção da Indústria Midiática, para ele, esta inserção do público consumidor não é necessariamente uma concessão benevolente da Indústria, mas sim uma maneira de tornar os produtos mais fiéis e legítimos perante estes ‘consumidores-fãs’, geralmente divididos em nichos de acordo com vários interesses em comum, independentemente de gênero ou faixa etária. Segundo ele, é a convergência que propicia esses novos nichos de mercado a níveis globais e locais/regionais que fazem estes produtos culturais circularem globalmente, mas não só com a finalidade de expansão do lucro, mas também como fonte de orgulho nacional sobretudo através do que ele mesmo chama de ‘economia afetiva’ onde o consumidor tem seus desejos transformados em mercadoria, pois os meios de comunicação de massa apropriam-se da cultura para cativar a audiência por nichos. Esta percepção de que a convergência não é uma coqueluche, é o que o leva a fazer críticas diretas a autores como Negroponte e Gilder devido às suas visões idealistas no tocante às Novas Tecnologias da Comunicação e da Informação. Jenkins critica bastante a posição dos autores que profetizam o fim das ‘velhas mídias’, para ele, a convergência implicaria numa interação direta entre as velhas e as novas mídias. Mesmo assim, ele faz questão de reconhecer que a lógica básica de funcionamento das duas mídias são distintos. Enquanto as novas mídias operam através do narrowcasting permitindo acesso, participação, reciprocidade e uma comunicação ‘ponto-a-ponto’, a velha mídia opera a partir do broadcasting em que a reciprocidade, a participação e o acesso são muito restritos devido à lógica de comunicação ‘um-para-muitos’. Por isso mesmo, ele destaca que o poder da participação não visa destruir a mídia comercial, mas sim reescrevê-la. E é no ambiente digital que este novo paradigma ganha espaço: “É mais provável que as novas ideias surjam no ambiente digital, mas a mídia comercial deve monitorar este ambiente em busca de conteúdos para cooptar e circular”. (JENKINS, 2010, p. 291) O autor aponta, também, que a Indústria Midiática está adotando a cultura da convergência por para moldar o campo do consumidor ou demandada pelos próprios consumidores (JENKINS, 2010, p. 325-326). Para ele, a convergência está sendo utilizada como estratégia para explorar os conglomerados da mídia; possibilitar a comercialização de conteúdo por múltiplas formas de vender o mesmo conteúdo em mais de uma plataforma e


consolidação da fidelidade do público: Independentemente dos motivos, a convergência está mudando o modo como os setores da mídia operam e como a média das pessoas pensa sobre sua relação com os meios de comunicação de massa (JENKINS, 2010, p. 326).

Nesse sentido, foi possível perceber que o autor não chega a um conceito cabal sobre o que é a Convergência, muito pelo contrário, ele deixa claro que há vários tipos de convergência, mas, quando falamos exclusivamente de ‘Convergência Midiática’, Jenkins segue a lógica de Pool quando diz que convergência é o fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas. Para além da mídia, Jenkins destaca a existência de uma convergência tecnológica, econômica, cultural e até social. O desafio é exatamente este: compreender a convergência como um fenômeno interdisciplinar por natureza. É este reconhecimento que faz da obra de Jenkins indispensável. É importante destacar também que, apesar de sua obra ser essencialmente sobre o fenômeno da cultura da convergência, o autor traz temas correlatos, que, invariavelmente estariam ligados à comunicação contemporânea, são eles: (1) A cultura dos fãs e a inteligência coletiva, analisadas sob o case dos fãs da série norte-america ‘Survivor’; (2) A persuasão midiática e a interação com a audiência vista a partir do reality show ‘Americanl Idol’; (3) As narrativas transmidiáticas e a produção cultural centrada na obra cinematográfica ‘Matrix’ e seus desdobramentos; (4) A relação entre fanfiction e a Indústria Midiática exorada sob o viés de Star Wars e dos fãs da série; (5) Possibilidades da convergência midiática para a educação e o letramento; (6) Cidadania e sua relação com a política a Democracia a partir do uso do programa Adobe Photoshop; (7) Uma conclusão com apontamentos e tendências sobre a convergência e seus diálogos com outros campos como a Economia, a Política e a Sociedade.


Pensar a política a partir da academia: o enfrentamento dos pesquisadores mexicanos

VÁRIOS AUTORES. Panorama de la comunicación em México 2011: desafios para la calidad y la diversidad. México, AMEDI, 2011. 250p Adilson Vaz Cabral Filho Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ)

Lançado em 2011 como fruto das reflexões de pesquisadores reunidos em torno da AMEDI – Asociación Mexicana de Derecho a La Información, o livro “Panorama de La comunicación em México 2011: desafios para La calidad y La diversidad” traz importantes aportes para compreender as políticas de comunicação num país com significativas semelhanças em relação ao cenário brasileiro, atestadas pelo primeiro parágrafo da apresentação aos leitores: Reglas insuficientes y atrasadas, excesiva concentración de los medios más relevantes y arrogancia creciente de los consórcios que los manejan, autoridades atónitas ante esa influencia política que no se deciden a regular, periodistas crecientemente vulnerables a ominosos riesgos, forman parte del escarpado panorama que enfrenta hoy el derecho a información y la comunicación em México.

Com direito a uma ou outra distinta interpretação, trata-se de cenário bastante semelhante, suscitando ainda mais a curiosidade a respeito de um trabalho coletivo sobre múltiplos ângulos, que trazem uma bela perspectiva crítica a partir do lugar acadêmico que não se contenta em analisar seus objetos de estudo de modo diferenciado, mas se dispõe a investigá-los, proporcionando subsídios para melhores intervenções políticas, além de ferramentas para estabelecer um lugar de fala no qual não se basta a autorreferência tão comum na academia. O livro é dividido em 15 artigos, organizados em 5 partes: “A legislação que temos e a que faz falta”, “Mercados concentrados, escassa diversidade”, “Audiências críticas, meios responsáveis”, “Liberdade de expressão e direito a comunicar” e “Opções comunicativas para fomentar a participação”. Traz temas distintos como a própria legislação dos meios, aspectos como as eleições mexicanas e o preparo do


país para a chamada Sociedade da Informação e do Conhecimento, qualidade da radiodifusão e das telecomunicações, audiências e desenvolvimento humano, meios públicos e comunitários e o jornalismo e as recorrentes agressões a jornalistas no país. Abrindo o volume, o artigo “Estado actual de la legislación de los medios de comunicación y su necesaria vinculación com el derecho a la información”, de Agustín Pineda, analisa a situação atual da legislação mexicana dos meios de comunicação eletrônica, considerando temas pendentes e apontando necessidades a serem trabalhadas. Nas palavras do autor, a situação atual da comunicação no país é envolta na concentração e consolidação dos meios privados, na debilidade em relação aos meios públicos, numa atitude complacente do poder político, bem como da própria sociedade, que tem uma escassa apreciação crítica do que concerne ao rádio e à televisão. Em “El escenario electoral y lós medios de comunicación mexicanos”, Julio Juárez Gámiz evidencia a ausência de uma regulação transversal para meios de comunicação e telecomunicações no que diz respeito a esse tema. No entanto, problematiza essa necessidade diante da demanda em se elaborar uma própria lei de meios que dê conta do complexo fenômeno relativo aos meios de comunicação e, ao mesmo tempo, não abdique de aspectos culturais, sociais, históricos e econômicos que necessitem estar presentes num processo amplo de negociação. Daniel Contreras Henry traz um artigo “Transparencia: el aceso a la información y el derecho a la privacidad”, em torno de temática complexa e de compreensão necessária em nossa sociedade. Trata do debate legal em torno do direito à privacidade e do acesso aos dados no México e mostra, a partir da evidenciação de problemas e da elaboração de propostas, como incrementar ainda mais a já bem recebida Ley Federal de Transparencia y Acesso a La Información Pública Gubernamental, que vigora desde os anos 2000 no país. O tema dos gastos públicos é trazido por Jorge Bravo com o texto “Gasto em comunicación social: uma década de dispendio sin regulación”, demonstrando que o desconhecimento a respeito dos efetivos gastos com as contas públicas na área demanda a existência de “uma legislação integral que abarque, contemple e erradique distorções e discrecionalidade em matéria de comunicação social das dependências da administração pública federal”. No texto “México ante la Sociedad de la Información y el Conocimiento”, Alma Rosa Alva de La Selva alerta para o atraso do país em relação às políticas destinadas


a essa temática, demonstrando que não há uma agenda digital em acordo com o interesse nacional desde uma perspectiva de equidade que contemple incluir aos mexicanos na nova organização social. Raúl Trejo Delarbre traz suas reflexões a respeito da qualidade da gestão e da programação televisiva no México com o artigo “Televisión: de mala calidad y en muy pocas manos”. Com um amplo mapa sobre a distribuição de canais no país, evidencia a necessidade de diversidade de programação e apresenta algumas propostas de superação desse quadro no campo das políticas governamentais e empresariais. O tema da concentração dos grupos radiofônicos é apresentado por Gabriel Sosa Plata no artigo “Grupos radiofônicos y concentración”, no qual são analisados dados das concessões de radiodifusão existentes em território mexicano. Aborda também a legitimação das rádios comunitárias, destacando que sofrem restrições nos modos de financiamento, agressões que permanecem impunes, são limitadas do ponto de vista tecnológico e que povos e comunidades indígenas demandam atenção especial no país. Em “Telecomunicaciones: insuficiente cobertura, convergencia y competencia”, Jorge Bravo analisa as estratégias governamentais mexicanas em relação a essa área como limitadas e inconclusas. Mostra que o planejamento da política pública para o setor, definido desde 2000, ainda não foi implementado, mesmo faltando um ano para o término do mandato do presidente Felipe Calderón. As políticas públicas culturais são tratadas por Rodrigo Gómez García no artigo “Políticas y indústrias culturales”, que traz uma análise sobre a ausência de um projeto de Estado para o tema, concentrado nas mãos do Presidente ou do Secretário de Educação Pública em exercício. Mostra-se a ausência de investimentos do setor público em áreas como cinema e musica e demanda-se o planejamento de políticas culturais transversais, que harmonize as ações entre as tantas áreas governamentais de interesse. André Dorcé trata do tema do público na forma de audiências a partir do artigo “Las audiencias mediáticas em México ¿En estado de indefensión?”. Sua análise trabalha a efetivação dos direitos dos cidadãos no México, mostrando o funcionamento de instâncias como a defensoria de audiências e apontando perspectivas de otimização de suas ações. Em “Medios de comunicación y desarollo humano em México”, Aimée Veja Montiel trabalha a relação entre estes a partir da regulação do setor desde a perspectiva de uma agenda multilateral, com referência nas Nações Unidas. Em


virtude disso, enfatiza áreas como os direitos humanos das mulheres e também saúde, segurança, meio ambiente, enfatizando os modos como a sociedade civil se articula para reivindicar suas demandas nas mais diferentes frentes. O tema da violência contra profisssionais do jornalismo é enfrentado no artigo “Periodismo: desafios para su libre ejercício”, de María Elena Meneses Rocha. Sua preocupação é tratar de princípios que fundamentam a atividade jornalística, com base em denúncias por parte de organizações do setor, em contraste com a instabilidade de sua prática no país. Brisa Solís reforça a abordagem sobre esse tema com o artigo “Agresiones a la libertad de expresión em México: uma constante”. Nele são enfocados os instrumentos e dispositivos legais estabelecidos pelo Estado mexicano para o monitoramento, a apuração e a punição destas práticas, evidenciando ser este um tema no qual o Estado segue sem cumprir suas obrigações e as organizações civis e de trabalhadores acabam tendo que estabelecer seus próprios modos de defesa para viabilizar suas atividades. Em “Panorama de los medios públicos”, Patricia Ortega Ramírez mostra um panorama desigual e incerto para estas emissoras, por não ser essa uma prioridade para o Estado mexicano. Ampliar horizontes de participação e serviços, garantir a produção e a difusão de uma programação de qualidade e diferenciada da comercial, além de consolidar a presença dos meios públicos em âmbito local, regional, nacional e internacional são as três principais propostas apresentadas pela autora. Por fim, Almeda Calleja em “Medios comunitários: incertidumbre política y criminalización” trata da série de incertezas e do processo de deslegitimação ao qual essas iniciativas são levadas no território mexicano, principalmente no que diz respeito aos povos e comunidades indígenas. Para enfrentar esse quadro, propõe que o Estado assuma a obrigação de garantir o direito à liberdade de expressão em condições de igualdade e não discriminação. O conjunto desses artigos reunidos no livro da AMEDI resulta na materialização da necessária articulação entre o acadêmico e o social, incidindo nas políticas públicas do país pela contribuição sem pudores de seus sujeitos sociais, no âmbito da academia, em relação ao processo regulatório. Movimentação similar a que acontece em vários outros países na América Latina, inclusive o Brasil, que demandam iniciativas como esta, reveladora de projetos e processos em curso, que assumem um papel digno e cabível dentro de uma perspectiva de produção de conhecimento


socialmente relevante, componente daquilo que justifica e reivindica sua dimensão de pesquisa social e crítica para a área das Comunicações. Aos que desejam adquirir exemplar(es) do livro, entrem em contato com a AMEDI pelo email amedi.nacional@gmail.com ou pelo site http://www.amedi.org.mx .


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