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EXPEDIENTE Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación Volume XII, Numero 3, Sep. a Dic. de 2010 - http://www.eptic.com.br ISSN 1518-2487 Revista avaliada como “Nacional A” pelo Qualis/Capes

Director César Bolaño (UFS - Brasil) Editor Valério Cruz Brittos (UNISINOS – Brasil) Editores Adjuntos Luis A. Albornoz (Un. Carlos III de Madrid - Espanha) Francisco Sierra (Un. Sevilla – España) Apoio Técnico Danielle Azevedo Souza (UFS – Brasil) Elizabeth Azevêdo Souza (UFS – Brasil) Rafael Silva Bispo (UFS - Brasil) Rodrigo Braz (UFS-Brasil) Joanne Mota (UFS – Brasil) Consejo Editorial Abraham Sicsu (Fund. Joaquim Nabuco – Brasil) Alain Herscovicci (UFES – Brasil) Alain Rallet (Univ. Paris - Dalphine-França) Anita Simis (UNESP - Brasil) Cesare G. Galvan (UFPb - Brasil) Delia Crovi (UNAM - México) Dênis de Moraes (UFF - Brasil) Diego Portales (Univ. del Chile) Dominique Leroy (Un. Picardie – França) Edgar Rebouças (UFPE - Brasil) Enrique Bustamante (UCM – Espanha) Enrique Sánchez Ruiz (UG – México) Francisco Rui Cádima (UNL – Portugal) Gaëtan Tremblay (Un. de Québec - Canadá) Gilson Schwartz (USP - Brasil) Giovandro Marcus Ferreira (UFES - Brasil) Graham Murdock (Loughbrough Univ. - UK) Guillermo Mastrini (UBA – Argentina) Hans - Jürgen Michalski (Univ. Bremen - Alemanha) Helenice Carvalho (UNISINOS – Brasil) Isabel Urioste (Un. Compiègne – França) Jean-Guy Lacroix (Un. de Québec - Canadá) Jorge Rubem Bitton Tapia (UNICAMP - Brasil) Joseph Straubhaar (Univ. Texas - EUA) Juan Carlos de Miguel (Un. Pais Vasco - Espanha) Luiz Guilherme Duarte (UOPHX - EUA) Manuel Jose Lopez da Silva (UNL - Portugal) Márcia Regina Tosta Dias (FESPSP - Brasil) Marcial Murciano Martinez (UAB – Espanha) Marcio Wohlers de Almeida (UNICAMP - Brasil) Murilo César Ramos (UnB – Brasil) Nicholas Garham (Westminster Unv. - UK) Othon Jambeiro (UFBa - Brasil) Pedro Jorge Braumann (UNL – Portugal) Peter Golding (Loughborough Univ. - UK) Philip R. Schlesinger (Stirling Univ. - UK) Pierre Fayard (Un. Poitiers – França) Ramón Zallo (Un. Pais Vasco – Espanha) Reynaldo R. Ferreira Jr. (UFAL – Brasil) Roque Faraone (Um. de la República - Uruguai) Sérgio Augusto Soares Mattos (UFBA - Brasil) Sergio Caparelli (UFRGS - Brasil) William Dias Braga (UFRJ - Brasil)


Presentación A terceira edição de 2010 da Revista Eptic On Line traz uma importante contribuição ao acirrado debate sobre as mudanças estruturais e políticas por que passa o ambiente comunicacional no Brasil e no mundo. A discussão é aberta com um texto do renomado pesquisador José Marques de Melo (Universidade Metodista de São Paulo), que com o título “Vanguardismo Nordestino na configuração brasileira dos estudos de Economia Política da Comunicação”, apresenta a contribuição dos intelectuais e das instituições nordestinas nas pesquisas sobre economia política da comunicação tanto no âmbito regional como nacional e internacionalmente. Nesta última edição de 2010 também contamos com a colaboração do pesquisador e professor de História da Cultura, da Universidade de Cambridge, Peter Burke. Em entrevista ao mestrando Denis Gerson Simões, Burke expõe seu ponto de vista sobre transformações ocorridas nos últimos tempos, especialmente no que se refere à história, às tecnologias da informação e da comunicação, às mídias e à educação. Este número também traz para o debate os aspectos reguladores da comunicação no Brasil. Octavio Penna Pieranti (SAv/Minc) com o texto “Reguladores da comunicação de Massa: aspectos remuneratórios na estruturação de carreiras públicas no Brasil”, discute como os empresários de mídia atuam, diretamente, no enfraquecimento da regulação da comunicação de massa. O autor desenha para os leitores um recorte desde a regulamentação expedida na Era Vargas, passando pela promulgação do Código Brasileiro de Telecomunicações e chegando até as alterações na legislação na década de 1990. O artigo apresenta dados de um levantamento, até agora inédito, da evolução salarial no setor. Marco Schneider (UFF) contribui para o debate com o artigo “Comunicação, Economia e Política”. O texto propõe uma atualização da proposta metodológica, de Marx, de uma crítica da economia política. O dossiê especial deste número é sobre „Jornalismo brasileiro hoje‟. Os autores contextualizam e analisam criticamente o conteúdo impresso e


televisivo do jornalismo brasileiro, sobretudo a centralidade e a legitimação de métodos históricos no processo de construção da agenda política, fator que interfere nos níveis de qualidade das pautas. Além disso, o especial também aborda os aspectos estruturais do setor, pois investiga a reconfiguração das redações de jornais brasileiros nestes tempos de convergência. Com o artigo “A Ditadura continuada: imprensa e desigualdade social no Brasil a partir do caso da ficha falsa de Dilma Rousseff na Folha de S. Paulo”, Jakson Ferreira de Alencar (PUC – SP) expõe e analisa as relações entre a imprensa brasileira e a desigualdade social a partir do caso da publicação, na Folha de S. Paulo, de uma ficha falsa atribuída aos arquivos da ditadura militar, com crimes associados à então candidata a presidente da República pelo Partido dos Trabalhadores (PT) Dilma Rousseff. O especial também traz texto dos pesquisadores Luiz Gonzaga Motta (UNB) e Railsa Peluti Alencar (ANDI). Com o título “Qualidade da informação: a agenda social na mídia em ano eleitoral”, analisando o conteúdo jornalístico de jornais impressos e televisivos no período das eleições presidenciais 2006. A partir de um olhar crítico os autores buscam quantificar e qualificar a cobertura social da mídia neste período e seus impactos no agendamento dos discursos sociais. Marcelo Kischinhevsky (UERJ) fecha o especial sobre jornalismo brasileiro com artigo “O discurso da convergência inevitável: a construção do jornalista multitarefa nas páginas de O Globo”. No espaço „Investigación‟, o periódico discute desde os aspectos narrativos da indústria cultural no Brasil até o processo de reconfiguração das telecomunicações

na

Espanha.

Com

o

texto

“Conteúdo

local

e

reterritorialização: estratégias do mercado televisivo rumo à digitalização”, Valério Cruz Brittos e Márcia Turchiello Andres (UNISINOS) discorrem sobre a reinvenção dos conteúdos na televisão brasileira, sobretudo no que se refere aos gêneros e formatos. Em “Aproximación a la “aventura mediática” y a la diversificación de Telefónica en los últimos quince años (mediados de los 90-verano de 2010): desde Admira a Tuenti”, Ramón Reig e Antonio Javier Martín Ávila


(Universidad de Sevilla) buscam avaliar a entrada da Telefónica na estrutura mediática espanhola na primeira década do século XXI. Othon Jambeiro, Rosane Sobreira e Lorena Macambira (UFBA) apresentam o paper “E-Governo, Participação e Transparência de Gestão", no qual localizam todos os websites dos municípios brasileiros que são obrigados a ter plano diretor. O objetivo é observar se as municipalidades disponibilizam tal plano para conhecimento dos cidadãos. Em “Maria... Maria(s): uma leitura infantil de gênero a partir da musicalidade de Milton Nascimento”, por Alberto Carlos de Souza (UNIVERSO), Mary Del Priore (UNIVERSO) e Túlio Alberto Martins de Figueiredo (UFES), traz o debate sobre a construção narrativa e a produção estética a partir da musicalidade. O texto baseia-se em uma oficina de gênero realizada com 27 estudantes de nove anos de idade, de uma escola pública municipal de Vitória – ES. O último número de 2010 é encerrado pelas as resenhas “Igreja eletrônica e midiatização” e “Os entraves políticos na era da transição tecnológica da televisão”. A primeira, escrita por Rafaela Barbosa, tem como base o livro “Da Igreja eletrônica à sociedade em midiatização”, de Pedro Gilberto Gomes (2010). A obra discute a relação entre mídia e religião pensada enquanto processo. A segunda resenha é de autoria de e Lívia Cirne. A autora baseou-se na obra “TV digital no Brasil: tecnologia versus política”, de Renato Cruz (2008), a qual traça, de maneira profunda, uma reflexão crítica sobre a influência política na(da) televisão, dos seus primórdios até a implementação da TV digital.

César Bolaño Director Eptic On Line

Valério Brittos Editor Eptic On Line


1. Expediente

2. Presentación

Artículos 3. Vanguardismo nordestino na configuração brasileira dos estudos de economia política da comunicação José Marques de Melo

4. Comunicação, economia e política Marco Schneider

5. Reguladores da comunicação de massa: aspectos remuneratórios na estruturação de carreiras públicas no Brasil Octavio Penna Pieranti

Entrevista 6.

Peter

Burke,

uma

história

social

da

mídia

e

do

conhecimento.

Denis Gerson Simões

Especial Jornalismo brasileiro hoje 7. A ditadura continuada: imprensa e desigualdade social no Brasil a partir do caso da ficha falsa de Dilma Rousseff na Folha de S. Paulo Jakson Ferreira de Alencar

8. Qualidade da informação: a agenda social na mídia em ano eleitoral Luiz Gonzaga Motta; Railsa Peluti Alencar

9. O discurso da convergência inevitável: a construção do jornalista multitarefa nas páginas de O Globo Marcelo Kischinhevsky


Investigación 10. Conteúdo local e reterritorialização: estratégias do mercado televisivo rumo à digitalização Valério Cruz Brittos; Márcia Turchiello Andres 11. Aproximación a la “aventura mediática” y a la diversificación de Telefónica en los últimos quince años (mediados de los 90-verano de 2010): desde Admira a Tuenti Ramón Reig; Antonio Javier Martín Ávila

12. E-Governo, Participação e Transparência de Gestão Othon Jambeiro; Rosane Sobreira; Lorena Macambira

13. Maria... Maria(s): uma leitura infantil de gênero a partir da musicalidade de Milton Nascimento Alberto Carlos de Souza; Mary Del Priore; Túlio Alberto Martins de F.

Reseña/Nota de Lectura 14. Igreja eletrônica e midiatização Rafaela Barbosa

15. Os entraves políticos na era da transição tecnológica da televisão Lívia Cirne


VANGUARDISMO NORDESTINO NA CONFIGURAÇÃO BRASILEIRA DOS ESTUDOS DE ECONOMIA POLÍTICA DA COMUNICAÇÃO

José Marques de Meloi Universidade Metodista de São Paulo www.marquesdemelo.pro.br

Resumo: Qual a participação dos intelectuais e das instituições nordestinas para o estudo da economia política da comunicação? Fundamentado em sua própria trajetória acadêmica, o autor procura delinear as contribuições teóricas evidentes, focalizando os históricos aportes marxistas, para melhor compreender as tendências dessa interdisciplina no âmbito das ciências da comunicação. Palavras-chave: Comunicação. Economia Política. Marxismo. Nordeste. Alagoas

Resumen: Que tipo de aportes los intelectuales y las instituciones de la región nordeste del Brasil brindaron a los estudios de la economia política de la comunicación ? Anclado en su própria tayectória académica el autor intenta evidenciar los avances teóricos de naturaleza marxista, ambicionando comprender los rumbos de esa interdisciplina en el ámbito de las ciencias de la comunicación. Palabras-clave: Comunicación. Economia Política. Marxismo. Brasil. Nordeste. Alagoas Abstract In order to understand the advances of the Political Economy studies on Communications, the author explores his own academic trayectory through the Marxist theories, trying to map the contributions that came from Northeast Brazil,


Key words: Communication. Political Economy. Marxism. Northeast Brazil

INTRODUÇÃO

Mostra-se consensual entre os estudiosos da economia política da comunicação o reconhecimento de César Bolaño como animador contemporâneo desse segmento das ciências da comunicação no Brasil. Logo após sua formação como jornalista e economista em universidades paulistas, ele vem integrando, desde os anos 80, a equipe de pesquisadores da Faculdade de Economia da Universidade Federal de Sergipe, onde fundou o Núcleo de Economia Política da Comunicação e da Informação, dali irradiando projetos de análises e reflexões que fariam eco em outras universidades brasileiras. Lamentavelmente, os estudiosos nordestinos de comunicação não se sentem atraídos por essa perspectiva de análise, que encontrou maior acolhida em universidades do sul e do sudeste. A realização do I Seminário Alagoano de Economia Política da Comunicação representa sinal alentador, reforçando o filão regional dos pesquisadores dessa interdisciplina. Com a intenção de descortinar suas raízes históricas, procurei demonstrar que tal iniciativa fora precedida por ensaios que remontam ao começo do século XX, alguns deles protagonizados por intelectuais nordestinos (Marques de Melo, 2010, p. 65-82). Tenho agora a oportunidade de explorar, contextualizando, tais antecedentes. Estribado em minhas próprias reminiscências dessas atividades desbravadoras da EPC, foi necessário resgatar as influências marxistas que estão evidentes em suas raízes epistemológicas. DEFASAGEM HISTÓRICA

Durante as primeiras décadas do século passado, os estudos de comunicação foram monitorados pelas ciências do comportamento, que buscavam compreender as motivações dos atos interativos através dos quais os


indivíduos trocam significados e os grupos humanos cimentam a vida em comunidade. Justamente pelo viés psicossocial, tais pesquisas revelaram-se insuficientes para explicar situações tão complexas, ensejando especulações, suscitando dúvidas, endossando receios, despertando controvérsias. Mas a segunda metade do século foi próspera em contribuições teóricas e metodológicas provenientes das ciências da sociedade. Tanto a sociologia política quanto

a

antropologia

cultural

forneceram

contribuições

fundamentais,

principalmente através das equipes interdisciplinares que analisaram os fenômenos comunicacionais em função de objetivos estratégicos, quer na Europa quer na América. (Marques de Melo, 2003ª) Disciplina-fronteira, a Economia Política da Comunicação – EPC – configurou-se academicamente no fim do século XX, embora variáveis econômicas tenham sido focalizadas, pelos cientistas sociais, desde muito antes, na elucidação dos fenômenos midiáticos.

Existe, portanto uma defasagem

histórica entre o “campo” acadêmico e o “objeto” de pesquisa.

LINHAS DE PENSAMENTO

A verdade é que as dimensões econômicas permaneceram opacas até que os arautos da aceleração desenvolvimentista, no período pós-guerra, lançam suas teses, tão polêmicas quanto sedutoras, destinadas a converter as novas tecnologias de comunicação em alavancas da modernização das sociedades periféricas. Tais idéias embutiam uma espécie de Plano Marshall terceiromundista, merecendo reflexões cautelosas por parte de economistas latino-americanos, como foi o caso de Raúl Prebisch, dirigente da Comissão Econômica da América Latina – CEPAL. Em documento amplamente disseminado pela UNESCO, ele questionou a relação causal entre comunicação e desenvolvimento. (Marques de Melo, 1998). Enquanto campo de estudos, a EPC constitui espaço aberto

para

incursões das diferentes correntes de pensamento, inclusive o marxismo. Assim


sendo,

existem

outras

aproximações

econômicas

aos

fenômenos

comunicacionais, fundamentadas em premissas não dialéticas. Talvez como recurso didático, possamos identificar duas linhas de pensamento no âmbito da EPC – uma “pragmática”, catalizando as abordagens mais sintonizadas com a preservação do sistema econômico hegemônico na sociedade – e outra “crítica”, mais preocupada em problematizar as estruturas vigentes, quase sempre inspiradas ou influenciadas pelo marxismo.

CORRENTE MARXISTA

Foi essa segunda vertente a que prosperou na International Association for Media and Communication Research – IAMCR – abrigada e fortalecida na seção denominada Political Economy, reflexo da concepção dominante no nascedouro da comunidade mundial de ciências da comunicação, onde o conhecimento comunicacional estava subordinado às disciplinas das ciências sociais. Além dessa seção, outras foram instaladas pelos fundadores da nossa associação científica: Social Psicology, Law, History etc. A seção de Economia Política foi sendo pouco a pouco ocupada por estudiosos norte-americanos, próximos ou identificados com o marxismo, que acabaram por exercer uma hegemonia legitimada. Estiveram sucessivamente na vanguarda desse espaço até agora 3 figuras marcantes na disciplina, catalizadoras da simpatia das novas gerações: Dallas Smythe, Vicent Mosco e Janet Wasco. Pesquisadores como Herbert Schiller, Bernard Miége, Peter Golding, Fernando Perrone participaram ocasionalmente dos seus debates. Foi por influência de Fernando Perrone, brasileiro então exilado na França, que freqüentei inicialmente esse grupo. Apesar de filiado à IAMCR desde fins da década de 60, somente passei a freqüentar seus congressos bienais em 1988, por razões conjunturaisii. Minha aproximação a essa corrente se fez empaticamente, permitindo resgatar as incursões não conscientes que empreendera à EPC durante a minha formação intelectual em Alagoas-Pernambuco. Isso ocorreu no início dos anos 60, quando despertei para as questões sociais, na fase de transição do colégio à


universidade. Por isso mesmo, quero dar um testemunho das minhas investidas na seara do marxismo, o que me conduziu a explorações precoces no âmbito da EPC. Trata-se de desviar o fluxo da narrativa, dando-lhe um viés autobiográfico, que possivelmente servirá como estímulo aos jovens de hoje, céticos ou confusos diante do dever cidadão de participar e influir na esfera pública. FONTES MARXISTAS

Tem sido rica e diversificada a contribuição do marxismo às ciências da comunicação. Resgatei essa corrente de pensamento quando discuti no meu livro Comunicação Social: Teoria e Pesquisa (1970) o conceito marxista de comunicação. Demonstrei ali que a compreensão do fenômeno comunicacional, pela ótica do materialismo dialético, fundamenta-se na relação entre trabalho e linguagem, variável essencial para o entendimento dos atos humanos de interação

simbólica.

Consultei,

nessa

ocasião,

as

fontes

disponíveis,

particularmente os escritos seminais de Marx e Engels e as exegeses feitas por marxistas de linhas distintas, desde os russos (Lênin e Afanassiev), até os pensadores ocidentais como Adam Schaff e Leôncio Basbaum. Este último, brasileiro, legou uma instigante reflexão que fundamenta o conceito histórico de comunicação. Em seu livro História e Consciência Social (São Paulo, Fulgor, 1967), Basbaum defende a tese de que a comunicação representa um fator de equilíbrio da vida em sociedade, neutralizando o ímpeto bélico dos homens, na medida em que instaura o diálogo e pode conduzir ao entendimento entre comunidades ou nações em conflito. Mas quem aplicou sistematicamente as categorias do marxismo para compreender os fenômenos comunicacionais no Brasil foi o historiador Nelson Werneck Sodré, como evidenciei inicialmente no meu livro História Social da Imprensa (2003) e documentei de modo amplo no recente livro História Política das Ciências da Comunicação (2008). De qualquer maneira, para os interessados em avançar no tratamento que os marxismos vem dando ao processo comunicacional, não existe melhor


fonte de referência que o inventário feito por Armand Mattelart e Seth Siegelaub – Communication and class struggle (New York, IG / Paris, IMMRC, 1979). Trata-se de uma exaustiva e competente revisão da literatura sobre a questão, com a vantagem de incluir excertos dos textos e adotar uma visão sintonizada com a perspectiva mundial do conhecimento, evitando a convencional redução ao “modelo ocidental”. Quero dizer que os autores incluem não apenas obras de pensadores anglófonos, teutos, franco-italianos, mas adicionam textos de outras geografias, não esquecendo as contribuições da periferia, tanto africana quanto latino-americana. Trata-se de antologia fundamentada no exaustivo inventário das fontes realizado por Seth Siegelaub na série Marxism and the Mass Media: towards a basic bibliography, 3 vols., publicado sob a forma de fascículos no período 19721979, pelo International Media Research Center, em New York. A obra cobre o período de 1842-1974, com propósito nitidamente político, considerando a “importância crescente da comunicação na definição dos conteúdos e nos rumos das lutas futuras”. Outra fonte de estudos, não propriamente marxista, mas naquele sentido ecumênico que a EPC vem incorporando pouco a pouco, autodenominada “pensamento crítico” (Miége, 2000), é a Antologia de Comunicación para el Cambio Social (La Paz, Plural Editores, 2008), originalmente publicada em inglês, tendo como organizadores intelectuais o boliviano Alfonso Gomúcio e o dinamarquês Thomas Tufte. Foram selecionados textos oriundos principalmente de países de terceiro mundo, entre eles os brasileiros Paulo Freire, Luiz Beltrão, Augusto Boal, José Marques de Melo e Cicília Peruzzo. Da bibliografia brasileira, pode também ser útil a consulta ao livro de Albino Rubim – Marxismo, Cultura e Intelectuais no Brasil (Salvador, UFBA, 1995), onde existem referências às

questões comunicacionais no bojo das

políticas culturais do histórico PCB – Partido Comunista Brasileiro. Igual consulta pode ser feita também a livro de Leandro Konder – Intelectuais brasileiros e marxismo (Belo Horizonte, Oficina de Livros, 1991). CAMINHOS CRUZADOS


Quem me introduziu ao marxismo foi um intelectual alagoano que, muito cedo, integrou a diáspora caeté nos centros metropolitanos deste país. Banido do território alagoano por “delito” ideológico, o jovem Octavio Brandão exerceu uma influência inestimável na juventude alagoana da primeira metade do século XX. Sua ausência involuntária estimulava os jovens de então, criando um fascínio pelo seu estoicismo, um interesse inusitado pelas suas idéias progressistas. Nosso primeiro contato se deu através do seu livro mítico Canais e Lagoas, publicado em 1919, no Rio de Janeiro. Esta obra arrebatou corações e mentes dos alagoanos convictos da nossa identidade, cujos brios foram enaltecidos pelo jovem cientista ao comprovar a existência do petróleo em Alagoas. Sua leitura me deixou com água na boca. Vasculhando alfarrábios, defrontei-me com um exemplar do romance épico O Caminho , publicado também no Rio de Janeiro, em 1950. Li sofregamente o itinerário novelesco percorrido pela humanidade até o despertar das massas. Trata-se de uma reconstituição da própria experiência do autor como militante político, que descobre o ideário marxista, abraçando-o de corpo e alm. Chegando a Recife, em 1960, procurei abastecer-me de conhecimento sobre a matéria nas bibliotecas públicas. Concomitantemente, integrei-me ao movimento estudantil, fonte inesgotável de dados e valores sobre o cenário nacional e internacional. Não escapei das aulas de doutrinação propiciadas pela juventude comunista, daquela época, valendo-me dos manuais de filosofia de Georges Politzer e de economia da Academia de Ciências da URSS. Mas me senti gratificado, logo a seguir, com os cursos de introdução ao marxismo ministrados pelo militante Apolônio de Carvalho e pelo teórico Jacob Gorender. Comecei a desvendar melhor o cipoal cognitivo tecido pelos exegetas de Karl Marx. Mas foi na universidade que avaliei melhor os conteúdos - imanente e transcendente - do marxismo. Quem me deu pistas essenciais para suprir minhas lacunas teóricas foi Vamireh Chacon, meu professor de Economia Política na


Faculdade de Direito, cujas aulas acompanhei com interesse durante todo o ano de 1961. Esse episódio me permite retornar à EPC para dar continuidade a este relato, que se vai tornando sinuoso e labiríntico.

ECONOMIA POLÍTICA

As portas da Economia Política me foram abertas por outro alagoano, menos emblemático do que Octávio Brandão, mas figura lendária da Faculdade de Direito da então Universidade do Recife, o cientista social Arnóbio Graça. Catedrático dessa disciplina fundada no Recife por Alfredo Freyre, pai de Gilberto, mais conhecido como o “solitário de Apipucos”, Arnóbio Graça ficou aureolado por sua entrada na Faculdade de Direito. Nela, Arnóbio ingressou pelo mérito. Então, persistia na universidade brasileira o instituto do nepotismo. Seu concurso de cátedra repercutiu intensamente na universidade, destacando-o com um dos poucos professores aberto ao diálogo na faculdade, sendo incluído entre os raros docentes alinhados à esquerda, no período pós-guerra. Não cheguei a assistir suas aulas, mas comprei e li seu manual de Economia Política, a bíblia da matéria, segundo meus colegas de turma. Afastado da cátedra por motivos de saúde, suas aulas vinham sendo ministradas por jovens doutores, recém chegados da Europa, entre eles Germano Coelho e Vamireh Chacon. A leitura do livro eu a fiz na conturbação do primeiro mês de aulas, em certo sentido atormentado pela sua vacilação entre dois humanismos: o marxista e o cristão. Quando Varireh assumiu as aulas, depois de retornar de viagem de estudos ao país dos ianques, o ambiente se desanuviou. Jovem e ambicioso intelectual pertencente à elite pernambucana compensava sua inabilidade retórica com seminários, trabalhos de campo e sobretudo o estímulo às polêmicas. Essa última característica ele a herdou do catedrático enfermo. Em seu livro de memórias precoces O poço do passado (1984), Varireh destaca essa prática pedagógica de Arnóbio Graça.


“ Arnóbio gostava de incentivar o debate. Certa vez, acabou em pugilato, diante dele, impassível e sarcástico. Mas habitualmente afável e acessível.“(p. 130) Chacon, aliás, é bastante evasivo a propósito da influência recebida de Arnóbio Graça, durante sua formação acadêmica, limitando-se a registrar o itinerário heterodoxo que ele percorreu com seus companheiros de geração. “As ciências sociais vinham a nós primeiro por Arnóbio Graça, querendo compatibilizar, no dilema da sua época, o neocorporativismo dollfussiano de Otmar Spann (...) com Werner Sombart, fronteiriço do socialismo porém condescendentes com as direitas alemãs. “(p. 134) Explicando as circunstâncias, acrescenta: “Arnóbio fora integralista (...) em companhia de colegas estudantes. Todos jornalistas, alguns depois convertidos às esquerdas.”(p. 134) Com a morte de Arnóbio Graça, seu assistente Vamireh Chacon assume a regência da cátedra de Economia Política. Foi justamente por seu intermédio que me informei amplamente sobre as variantes do marxismo, entrando em contato com as idéias de Gramsci e Adorno, então praticamente desconhecidas no Brasil. Vamireh também me apresentou a dois economistas situados no universo marxista – Paul Baran e Paulo Sweezy -, motivando-me, quando me iniciava na pesquisa em comunicação para traduzir o clássico ensaio Comentários sobre o tema da propaganda, publicado na revista Comunicações & Problemas (1968). Este é o meu atestado de ingresso no campo da EPC. Nesse período, influenciado pelos economistas da SUDENE e da CEPAL defronto-me com as teorias da dependência, que ofereceram bom pretexto para o estudo da comunicação no contexto sócio-econômico, hoje reconhecido como “pensamento crítico”, para a constituição do qual a INTERCOM jogou papel decisivo no Brasil.

PRECURSORES NORDESTINOS

Antes disso, vale a pena anotar que diante das demandas que me antepuseram recentemente Cesar Bolaño e Valério Brittos, solicitando prefácios


para livros publicados pela EPTIC, senti necessidade de fazer uma revisão bibliográfica para identificar os precursores dessa disciplina no Brasil. Tive, então, a grata surpresa de constatar que coube a dois nordestinos o papel de pioneiros dessa corrente de pensamento: o pernambucano Barbosa Lima Sobrinho e o alagoano Costa Rego. As reflexões precursoras de autoria de Barbosa Lima Sobrinho (1923), estão em sua obra clássica O problema da imprensa, que contém um capítulo específico, denominado “O industrialismo na imprensa”, argumentando que o jornalismo deixou de ser um “sacerdócio” para se converter em “negócio”. Embora reconheça que o Brasil ainda não havia chegado a esse estágio, marchando naquela direção, o jovem Barbosa Lima Sobrinho mostra “como é limitado o campo de ação do jornalismo”, em nosso país, pois faltava público aos jornais, cujas tiragens não ultrapassavam 80.000 exemplares no Rio ou 20.000 em São Paulo. Não se pode dizer, absolutamente, que o pensamento econômico do genial Barbosa Lima Sobrinho encaixa-se no

ideário marxista, ainda que ele

consultado fontes dessa natureza. Idêntica é a situação de outros pensadores da mesma época, como veremos a seguir. Na mesma linha eclética, Costa Rego (1929) escancara, em tom indignado, as entranhas da imprensa alagoana, dependente de “subvenções” do governo estadual para sobreviver, ora “bajulando” (se bem aquinhoada), ora “chantageando” (quando carente de subsídio dos cofres públicos). CENÁRIO LATINO-AMERICANO

A conjuntura posterior à Revolução Cubana (1959) foi marcada pela circulação das idéias desenvolvimentistas patrocinadas pela Aliança para o Progresso, contra as quais se insurgiu a teoria da dependência inspirada por Raul Prebisch (CEPAL). Tal corrente de pensamento motiva reflexões perplexas, como as enfeixadas no meu livro Comunicação, Opinião, Desenvolvimento (1971), posteriormente aprofundadas na obra Subdesenvolvimento, Urbanização e Comunicação

(1976)

e

sistematizadas

no

ensaio

sobre

comunicação,


desenvolvimento e crise na América Latina, escrito a pedido de Fred Casmir (1991), organizador da antologia Communication in Development.(New Jersey, Ablex). Mas, o terreno propício para desocultar o lado econômico da comunicação foi indiscutivelmente cultivado pela Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – INTERCOM. Nesse ambiente pluralista e solidário vai germinar o grupo que se aglutinaria em torno da “economia política”, gerando a corrente intelectual hoje conhecida pela sigla EPTIC. A Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, publicada semestralmente pela INTERCOM, serviu como câmara de eco para as teses embrionárias de César Bolaño, cuja primeira aparição está consubstanciada no artigo “A questão da publicidade de televisão no Brasil” (Bolaño, 1987), precedente ao já citado artigo sobre o “enfoque neo-shumpeteriano” (1991). Na seqüência, a revista da INTERCOM abriu suas páginas para divulgar as idéias do seu parceiro intelectual Alain Hercovici – “Televisão brasileira e realidade inacabada” (Hercovici, 1992) -, bem como o estudo conjunto destinado a comparar os “agentes comunicacionais da Europa ocidental e da América do Sul” (Bolaño & Hercovici, 1993). A essa dupla se agregariam oportunamente Valério Brittos, Edgard Rebouças, Marcio Wholers, Sergio Caparelli, Murilo César Ramos, Suzy dos Santos, Fernando Matos e outros pesquisadores nacionais, formando o coletivo EPTIC, que adotou cidadania latina e pretende dialogar com os grupos similares atuantes em outros países. O marco teórico desse movimento intelectual encontra-se documentado no ensaio recém escrito por Bolaño (2008), onde procura explicitar uma “taxonomia das indústrias culturais”. Situando historicamente os “pais fundadores” da Economia Política da Comunicação e da Cultura (EPC) - Baran e Sweezy, Smythe e Schiller - e resgatando as contribuições de Raymond Williams, ele faz referência aos quadros de análise propostos em Economia Política da Internet (Bolaño, Herscovici, Castañeda, Vasconcelos, 2007), “para considerar a situação atual, de convergência tecnológica e organização em rede da produção, distribuição, troca e consumo de bens culturais e de comunicação”.


MATRIZES FORÂNEAS

Esse rico filão de estudo, valorizando a importância da Economia para a compreensão e a gestão dos processos comunicacionais, não configura entretanto um campo acadêmico com a mesma identidade que assume a linha de pesquisa aglutinada sob a liderança de Dallas Smythe no âmbito da International Association for Media and Communication Research – IAMCR. Esse grupo lança uma plataforma investigativa a partir da crítica de Karl Marx à economia política no capitalismo, formulando hipóteses e desvendando problemas vigentes na promissora indústria de bens simbólicos, cujo traço mais evidente é a face transnacional e cujo enigma desafiador continua a ser a vocação imperialista. Trata-se de questões exploradas de forma paradigmática pelo belga Armand Mattelart e pelo estadunidense Herbert Schiller, cujas teses chegam cedo ao Brasil, ainda nos anos 70-80, mas que só iriam motivar pesquisas avançadas na década de 90, quando César Bolaño funda o Grupo de Trabalho de Economia Política da Comunicação no âmbito da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – INTERCOM. Mesmo ainda não reivindicando o monopólio da “crítica”, a Economia Política da Comunicação começa a despontar entre nós naquele exato momento em que circulou o clássico ensaio de Paul Baran e Paul Sweezy – “Comentários sobre o tema da propaganda” – traduzido e publicado na revista Comunicações & Problemas (Recife, ICINFORM). Essas teses seriam retomadas mais tarde e discutidas, na essência, por César Bolaño, em artigo sobre “A questão da publicidade de televisão no Brasil” (Revista Brasileira de Comunicação, 1987). O campo só germina com a matriz marxista, quando aparece no mercado o livro de Herbert Schiller – O império norte-americano das comunicações (Petrópolis, Vozes, 1976), onde o autor deu seqüência às idéias esboçadas por Dallas Smythe, com quem conviveu durante breve período na Universidade de Illinois, nos anos 60. Tanto assim que o canadense foi convidado a prefaciar essa obra de estréia do autor, lançada em inglês em 1971 e depois traduzida


concomitantemente para o português e o espanhol. Aqui, sua tradução foi feita competentemente por Tereza Lucia Hallidayiii. Marco mais abrangente seria fincado por Armand Mattelart, depois da profícua jornada latino-americanaiv. Naquela ocasião, ainda sob inspiração althusseriana, ele realiza instigante observação sobre a ideologia do imperialismo cultural. Mas, no retorno ao espaço europeu, desenvolve ampla investigação sobre as entranhas do capitalismo midiático, revisando e aprofundando algumas premissas sugeridas por Smythe e Schiller. Evidências dessa inserção no território da economia política da comunicação, na idade da mundialização, estão contidas nos livros sobre a internacional publicitária, que precedem seu diálogo com a vanguarda acadêmica brasileira, iniciado em 1981, durante o ciclo de estudos sobre “hegemonia e contra-informação”.

MEDIAÇÃO BRASILEIRA

Um dos interlocutores mais lúcidos desses autores tem sido o jornalista César Bolañov, que buscou complementar sua formação acadêmica no âmbito da Economia. Guiado pela experiência de Liana Aureliano, concretizou sua inserção no grupo de economistas pós-cepalinos da UNICAMP, responsável pela revisão crítica da economia brasileira à luz dos postulados marxistas. O jovem galegopaulistano começou a vislumbrar um território fascinante, onde a teoria da comunicação e a economia política se entrecruzam dinamicamente. Sua dissertação de mestrado sobre a trilha econômica que a televisão percorre no tardio capitalismo brasileiro ofereceu evidências do tirocínio cultivado para entender criticamente a transição do veículo.

Inicialmente nutrido por

anunciantes locais ou regionais, o crescimento da indústria televisiva decorre da amplitude nacional assumida na esteira da modernização tecnológica, propiciando a formação de redes financiadas por empresas de grande porte, inclusive transnacionais. Convertido em livro sob o título Mercado Brasileiro de Televisão (Aracaju, Editora da UFS, 1988), esse trabalho dá seqüência ao debate iniciado na revista da INTERCOMvi, constituindo o passaporte que o habilita para


estabelecer pontes entre os campos da Comunicação e da Economia, no Brasil e na América Latina. Percebe-se, nessa produção embrionária, que Bolaño não se restringe aos conceitos-chave difundidos por Smythe, Schiller, Mattelart e outros pensadores, mas exercita sua própria reflexão sobre as indústrias de bens simbólicos no capitalismo periférico, tomando o caso brasileiro como objeto privilegiado, exatamente pelo papel crucial que nele desempenha o Estado. Ao publicar, no ano 2000, sua tese de doutoral, em livro intitulado Indústria cultural, informação e capitalismo (São Paulo, Hucitec), César exibe atestado de maturidade intelectual, confirmando a posição de liderança assumida na comunidade brasileira de ciências da comunicação. O GT que ele cria e desenvolve no âmbito da INTERCOM constitui um espaço singular para a interlocução entre economistas e comunicólogos, tanto assim que mereceu o Prêmio Luiz Beltrão 2003, na categoria de “grupo inovador”. Mas, àquela altura, sua equipe já vislumbrava espaços mais amplos, fortalecida pela extensão latinoamericana que a conduziu ao continente latino-europeu, formando uma nova rede internacional, sob o título de União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura – ULEPICC. O fortalecimento meteórico dessa micro-comunidade acadêmica se explica pela adoção de duas estratégias institucionais: 1) a publicação de uma revista eletrônica, onde os seus integrantes publicam os resultados das pesquisas realizadas, debatendo temas relevantes da atualidade; 2) a manutenção de uma coleção de livros, em formatos impresso e digital, constituindo a Biblioteca Eptic, à qual pertence a coletânea Comunicação e a Crítica da Economia Política (Aracaju, Editora da UFS, 2008). LUTA EPISTEMOLÓGICA

Pretendendo fomentar o diálogo entre a Economia Política e outras áreas de conhecimento que transitam pelo campo comunicacional, o referido livro foi concebido para iluminar as controvérsias e imprecisões que assolam esta disciplina-fronteira, ou melhor, pesclarecendo o verdadeiro objeto da EPC.


Para tanto, César Bolaño convida representantes de áreas situadas no mesmo universo cognitivo para participar da “luta epistemológica pela reconstrução do campo crítico da comunicação”. A convocatória reúne desde os estudos culturais à exegese da mídia alternativa, passando pela ciência da informação e pelas tecnologias da comunicação, ate chegar à educomunicação e ao direito de propriedade intelectual. Como estímulo a esse colóquio, César propõe o resgate das idéias esboçadas por Raymond Williams no primeiro capítulo de Marxismo e Literatura, tendo como cenário a obra clássica de Antonio Gramsci – Os intelectuais e a organização da cultura, donde ele pinçou a epígrafe deste livro. Contribuindo para o debate, tomo a liberdade de sugerir que tal releitura se faça de modo cruzado, incluindo as teses contidas em obras de intelectuais “mestiços”, sobretudo Siete ensayos de interpretación de la realidad peruana de José Carlos Mariategui,

Crítica Impura do brasileiro Astrojildo Pereira ou Os

intelectuais progressistas do também brasileiro Octavio Brandão. Não tenho dúvida de que a liderança exercida consensualmente por César Bolaño sai fortalecida desse embate conjuntural, mas ele próprio tem consciência das lacunas persistentes. Tanto assim que não hesita em se antecipar, convocando seus companheiros de jornada utópica para aprofundar o debate epistemológico entre as correntes do “pensamento marxista” com a intenção de desvendar as singularidades do “pensamento crítico latinoamericano”. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: Academia de Ciências da URSS. Instituto de Economia - 1961 – Manual de Economia Polítca (Tradução de Jacob Gorender e Josué Almeida), Rio de Janeiro, Vitória Baran, Paul & Sweezy, Paul- 1968 – Comentários sobre o tema da propaganda, Comunicações & Problemas, vol. II1, n. 2/3, Recife, ICINFORM, p. 67-76 Basbaum, Leôncio - 1967 – História e Consciência Social, São Paulo, Fulgor Barbosa Lima Sobrinho - 1923 – O problema da imprensa, Rio, José Álvaro Editor 1984 – Imprensa, nacionalismo e desenvolvimento, In: Marques de Melo, org. – Imprensa & Desenvolvimento, São Paulo, ECA-USP, p. 181-193


Bolaño, César - 1987 - “A questão da publicidade de televisão no Brasil”, Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, ano X, n. 56, São Paulo, INTERCOM, p. 52-68 1991 - “O enfoque neo-schumpeteriano da concorrência e o mercado da televisão”, que o autor publicou na Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, ano XIV, n. 65, São Paulo, INTERCOM, p. 38-48. 2004 - Indústria Cultural, Informação e Capitalismo, São Paulo, Hucitec/Polis, 2ª ed., revista 2004 - Apresentação - Mercado Brasileiro de Televisão, (São Paulo/Aracaju, Educ / Editora UFS, p. 19-27 2007 – Desafios da Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura frente às inovações tecnológicas e à mudança social: a atual batalha epistemológica do pensamento crítico latino-americano, México, VI Congresso da União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (ULEPICC) 2008 - Taxonomia das indústrias culturais: notas sobre a gênese e a história da Economia Política da Comunicação e da Cultura , Brasília (inédito). Bolaño & Herscovici - 1993 – Estratégias comparadas dos agentes da comunicação na Europa Ocidental e no sul da América latina, Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, ano XVI, n. 1, São Paulo, INTERCOM, p. 112-119 Bolaño, César, org. -1995 - Economia Política das Telecomunicações, da Informação e da Comunicação, São Paulo, INTERCOM, 1997 - Privatização das Telecomunicações na Europa e na América Latina, Aracaju, EDUFS, 1999 - Globalização e Regionalização das Comunicações, São Paulo, EDUC 2007 – Economia política da internet, Aracaju, EDUFS Bolaño & Mastrini, org. - 1999 – Globalización y monopólios de la comunicación en América Latina, Buenos Aires, Biblos Bolaño, Mastrini & Sierra, orgs. - 2005 – Economia Política, Comunicación y Conocimiento, Buenos Aires, La Crujia Brandão, Octavio -2007 – O Caminho, 2ª. Ed., Maceió, EDUFAL 2001 – Canais e lagoas, 3ª. Ed., Maceió, EDUFAL 1956 – Os intelectuais progressistas, Rio, Simões Brittos, Valério - 2004 - Prefácio, In: Bolaños, Cesar - Mercado Brasileiro de Televisão (São Paulo/Aracaju, Educ / Editora UFS, p. 9-14 2010 – TV digital, economia política e democracia, São Leopoldo, Editora Unisinos Brittos & Bolaño -2005 – Rede Globo, 40 anos de poder, São Paulo, Paulus Caparelli, Sergio - 1982 – Televisão e capitalismo no Brasil, Porto Alegre, L&PM Chacon, Vamireh - 1984 – O poço do passado, Rio de Janeiro, Nova Fronteira Cohn, Gabriel - 1971 - Comunicação e Indústria Cultural, São Paulo, Nacional Costa Rego -1929 – Como foi que persegui a imprensa, Rio de Janeiro, Correio da Manhã, posteriormente incluída na coletânea Águas passadas, Rio, José Olympio, 1952, p. 174-193


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Siegelaub, Seth - 1978 – Marxism and the Mass Media: towards a basic bibliography, n. 1-3, revised edition, New York, IMMRC 1979 - Marxism and the Mass Media: towards a basic bibliography, n. 4-5, New York, IMMRC 1980 - Marxism and the Mass Media: towards a basic bibliography, n. 6-7, New York, IMMRC

i

Jornalista diplomado, fez pós-graduação em Ciências da Informação Coletiva (CIESPAL-UNESCO). Doutor, Livre-Docente e Professor Titular em Jornalismo (USP). Docente fundador da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, Catedrático UNESCO da Universidade Autônoma de Barcelona (Espanha) e Thinker Visiting Professor da Universidade do Texas. Dirige atualmente a Cátedra UNESCO de Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo. Autor de meia centena de livros, organizador de uma centena de coletâneas e de artigos em periódicos nacionais e internacionais. Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Alagoas e Patrono da IV Bienal Internacional do Livro de Alagoas. Cibermemorial: www.marquesdemelo.pro.br ii

Processado pelo Decreto 477 em 1972 e demitido sumariamente da minha cátedra de Jornalismo na USP, fiquei impedido de representar o Brasil em congressos internacionais. Essa interdição perdurou até 1979, quando a lei da anistia restituiu meus direitos acadêmicos. iii Professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco, que se especializou em análise de discurso, naquela época realizando estudos de mestrado na Universidade de Wisconsin. iv Armand Mattelart começou a despontar no cenário internacional no início dos anos 70, quando trabalhou em universidades chilenas, na conjuntura marcada pela ascensão e queda de Salvador Allende. Ele adquire notoriedade através do livro escrito em parceria com Ariel Dorfman – Para ler o Tio Patinhas – uma denúncia vibrante do “colonialismo cultural” praticado pelos EUA na América Latina. Logo após o golpe militar liderado por Pinochet ele retorna à Europa, radicando-se na França. v

Descendente de imigrantes galegos e diplomado em Jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, César Bolaño migra para o campo da Economia, fazendo mestrado e doutorado na UNICAMP no instituto liderado academicamente por João Manuel Cardoso de Mello, Luiz Gonzaga Beluzzo e Maria da Conceição Tavares. Posteriormente, incorpora-se ao corpo docente da Universidade Federal de Sergipe, onde cria o Observatório de Economia e Comunicação. vi Editor da Revista Brasileira de Comunicação em meados dos anos 80, Bolaño ascende academicamente na INTERCOM, associação em que veio a ocupar o cargo de Vice-Presidente.


COMUNICAÇÃO, ECONOMIA E POLÍTICA Marco Schneider1

Resumo: O objetivo deste artigo é discutir a própria noção “economia política da comunicação”, atualizando a proposta metodológica, de Marx, de uma crítica da economia política. Em outras palavras, se trata de destacar o caráter fetichista da produção contemporânea de bens simbólicos, fetichismo na mais ampla acepção do termo, enquanto processo histórico de subsunção da cultura ao princípio da valorização do valor e de reprodução ideológica. Palavras-chave: Infotelecomunicações. Fetiche. Política.

Abstract: The aim of this paper is to discuss the notion "political economy of communication", updating Marx´s methodological proposal: a critique of political economy. In other words, it means to highlight the fetishistic character of the contemporary production of symbolic goods, fetishism in the broadest sense of the term, as a historical process of subsumption of culture to the principle of the grouth of value and of ideological reproduction. Key-words: Communication. Fetish. Politics.

Resumen: El objetivo de este trabajo es discutir la noción de "economía política de la comunicación", actualizando la propuesta metodológica de Marx, de una crítica de la economía política. En otras palabras, es poner de relieve el carácter fetichista de la producción contemporánea de bienes simbólicos, el fetichismo en el sentido más amplio del término, como un proceso histórico de subsunción de la cultura al principio de la valorizacion del valor y de reproducción ideológica. Palabras-clave: Comunicación. Fetiche. Política.


INTRODUÇÃO

[...] as organizações de mídia projetam-se, a um só tempo, como agentes discursivos, com uma proposta de coesão ideológica em torno da globalização, e como agentes econômicos proeminentes nos mercados mundiais, vendendo os produtos e intensificando a visibilidade de seus anunciantes. Evidenciar esse duplo papel e suas interfaces parece-me fundamental para entendermos a sua forte incidência na atualidade. (MORAES, 2003, p. 191)

O presente artigo propõe uma perspectiva crítica da indústria cultural contemporânea2 articulada em um duplo registro: como porta-voz do capital e instância destacada de seu processo de reprodução ampliada. Em outras palavras, trata-se de cruzar dois níveis de estudo da indústria cultural: 1) o ideológico, isto é, a indústria cultural enquanto instância mediadora socialmente hegemônica de visões de mundo, não só no nível discursivo mas também no sensível, referente às simpatias e aversões; e 2) o econômico, ou a indústria cultural enquanto sistema produtor de mercadorias e de consumidores. Para fundamentar esta perspectiva, partimos do seguinte raciocínio de Marx: A produção [...] produz não só o objeto mas também o modo do consumo, não apenas objetivamente, mas também subjetivamente. Assim a produção cria o consumidor. (3) A produção não somente fornece um material para a necessidade, mas também uma necessidade pelo material. [...] O objeto de arte – como qualquer outro produto – cria um público que é sensível à arte e aprecia a beleza. A produção então não somente cria um objeto para o sujeito, mas também um sujeito para o objeto. Então a produção produz o consumo (1) criando o material para o consumo; (2) determinando os modos de consumo; e (3) criando os produtos, inicialmente apresentados pela produção como objetos, na forma de uma necessidade sentida pelo consumidor. Produz assim o objeto de consumo, o modo de consumo e o motivo do consumo. [...] 3

Trazendo esta reflexão para o campo contemporâneo da comunicação, nos parece útil substituir, ainda que provisoriamente, o conceito “indústria cultural” por um outro, cunhado por Dênis de Moraes: infotelecomunicações. Qual a razão disso? O reconhecimento das profundas alterações registradas no campo da comunicação em decorrência das chamadas convergências tecnológica e


empresarial, que se não tornam o conceito indústria cultural propriamente obsoleto, encolheram o campo fenomênico ao qual ele se referia: indústria editorial, rádio, cinema, tv. Nos termos de Moraes: Podemos unir os prefixos dos três setores convergentes (informática, telecomunicações e comunicação) em uma só palavra, que designa a conjunção de poderes estratégicos relacionados ao macrocampo multimídia: infotelecomunicação. Ela comporta as reciprocidades e interdependências entre os suportes técnicos, bem como as ações coordenadas para a concorrência sem fronteiras. O paradigma infotelecomunicacional constitui vetor decisivo para a expansão transnacional dos impérios mediáticos, tendo por escopo a comercialização de uma diversidade de produtos e serviços com tecnologias avançadas. Os conglomerados reconfiguram-se como arquipélagos transcontinentais, cujos parâmetros são a produtividade, a competitividade, a lucratividade e a racionalidade gerencial. Para tanto, buscam conferir escala a seus produtos, por intermédio de alianças e parcerias entre si e com grupos regionais; absorvem firmas menores ou concorrentes, diversificam investimentos em áreas conexas. O cenário daí resultante não poderia ser outro: uma brutal concentração de atividades nas mãos de poucas companhias (quase todas baseadas nos Estados Unidos da América) e uma aglomeração de patrimônios e ativos sem precedentes. (MORAES, 2000, 13-4)

Originalmente, as tecnologias e empresas de informática lidavam com o processamento de dados, ou signos; as de telecomunicações, com a transmissão destes dados ou signos à distância; e as de comunicações, as indústrias culturais, com a produção de dados, ou signos, a serem transmitidos ou processados. Hoje, graças à revolução digital, esses dispositivos tecnológicos, práticas produtivas e estruturas empresariais até então distintos se fundiram em um único e gigantesco complexo tecno-empresarial, cuja centralidade econômica e ideológica supera a de seus elementos constitutivos, quando tomados isoladamente. Antes de desenvolvermos este ponto, entretanto, é necessário que nos familiarizemos um pouco mais com a crítica da economia política de Marx.

CRÍTICA DA ECONOMIA POLÍTICA Partilhar “do ponto de vista da economia política” significa ser incapaz de desenvolver em termos concretos as condições de


uma verdadeira superação. E superar a alienação “no interior da alienação político-econômica” significa simplesmente não superála. (MÉSZÁROS, 2006, p. 115)

A palavra economia, em sentido estrito, significa o oposto de desperdício. Essa dimensão prática da noção, no que pese sua aparente banalidade, é fundamental e não deve ser esquecida quando se discute o assunto, pois remete ao caráter propriamente teleológico e humano das atividades econômicas, ou seja, à idéia singelamente sensata de que se deve fazer o melhor uso possível dos meios para que se atinja determinado fim. Remete também a um problema mais complicado: a dialética dos meios e dos fins, que por sua vez se desdobra em um conjunto intrincado de questões: quais são os fins? Por quê? Para quem? Quais são os meios mais adequados para atingi-los? Esses fins justificam esses meios? Para quem? Por quê? Numa acepção ao mesmo tempo mais dilatada e menos abstrata, economia refere-se ao conjunto dos processos de produção, circulação e consumo de bens, ou seja, de coisas úteis, que satisfaçam necessidades humanas, “do estômago ou da fantasia” (MARX, 1982, p. 57). Nos termos de Kosik: A economia não é apenas produção dos bens materiais: é a totalidade do processo de produção e reprodução do homem como ser humanosocial. A economia não é apenas produção de bens materiais; é ao mesmo tempo produção das relações sociais dentro das quais esta produção se realiza. (KOSIK, 2002, p, 191)

Esse processo ocorre, como não poderia deixar de ser, em algum território, físico ou virtual, cujos contornos vão da cidade ao planeta. Trata-se porém, como já sabiam os clássicos, de contornos não só geográficos, mas políticos. A economia é, assim, necessariamente economia política. A exclusão do segundo termo da expressão, que atribui uma autonomia fantasmática aos processos econômicos, é simplesmente um absurdo, ainda que sob a justificativa um tanto maliciosa de um “recorte metodológico”. Enfatizar este caráter imperativamente político da economia traz consigo algumas conseqüências epistemológicas, como a exigência de se


considerar a historicidade de seu objeto, que consiste no conjunto de atividades relacionadas de produção, circulação e consumo de bens, com todas as conseqüências sociais e culturais aí implicadas. Essas atividades são mais ou menos conscientemente orientadas a partir de opções políticas de pessoas reais, e isto por sua vez implica em levar em conta não somente o caráter histórico e geográfico do objeto da análise econômica, mas seu conteúdo classista – em se tratando de sociedades de classes. A orientação dessas atividades é “mais ou menos conscientemente orientada” porque a complexidade das inter-relações entre as diversas atividades e agentes econômicos, sobretudo se consideramos o caráter caótico da economia capitalista globalizada, torna a possibilidade de um controle plenamente consciente uma impossibilidade prática. Entretanto, se um controle consciente do conjunto das atividades econômicas, sob quaisquer circunstâncias atualmente concebíveis, só pode ser parcial, isso não significa que estejamos eternamente condenados aos imperativos inconscientes e caóticos da economia capitalista, pois esta carrega em si, se análise histórica de Marx está correta, desde o início, as contradições que permitiram que fosse concebida a sua superação efetiva. Mészáros esclarece bem este ponto, ao rebater as críticas de “determinismo econômico” usualmente feitas ao método de Marx: Como se sabe, os críticos burgueses de Marx nunca deixaram de o acusar de „determinismo econômico‟. Porém, nada poderia estar mais distante da verdade. Isto porque o programa marxiano é formulado exatamente como uma emancipação da ação humana do poder das implacáveis determinações econômicas. Quando Marx demonstrou que a força bruta do determinismo econômico, desencadeada pelas desumanizadoras necessidades da produção do capital, impera sobre todos os aspectos da vida humana, demonstrando ao mesmo tempo o caráter inerentemente histórico – ou seja, necessariamente transitório – do modo de reprodução predominante, ele tocou a ferida da ideologia burguesa: o vazio de sua crença metafísica na „lei natural‟ da permanência das relações de produção vigentes. E, ao revelar as contradições inerentes a este modo de reprodução, ele demonstrou a necessária ruptura de seu determinismo econômico.” (MÉSZÁROS, 2002, p. 1009)

Assim, se a própria economia política é uma ciência que se desenvolveu em grande parte como discurso ideológico apologético da burguesia em seu


momento de conquista da hegemonia social, todos os esforços direcionados no sentido da implementação de uma ordem econômica mais humana, isto é, conscientemente orientada, na medida técnica possível, pelo conjunto dos agentes econômicos, em nome da satisfação das necessidades humanas de todos e não da valorização do valor, requerem ontem e hoje uma crítica radical da economia política, capaz de desmistificar seus pressupostos, categorias e orientação classista. Perder isto de vista é perder-se no emaranhado dos efeitos da economia capitalista sem atingir suas causas, é não atingir o ponto de vista da totalidade, ou seja, é não enxergar a dinâmica estrutural que a sustenta, cuja força motriz é o princípio cego da valorização do valor, o que dificulta a busca dos caminhos teóricos e práticos para superá-la. Afinal, como pondera Mészáros: “Por que Marx teve de se opor ao ponto de vista da economia política? Basicamente, porque este estava em contradição com a abordagem histórica que poderia vislumbrar a superação da alienação.” (MÉSZÁROS, 2006, p. 116). Pois “do ponto de vista da economia como uma ciência especial, o que importa, naturalmente, não é a avaliação das implicações humanas de um processo econômico objetivo, mas a análise das condições necessárias de funcionamento e reprodução do processo dado.” (idem, ibidem, p. 136) Por essas razões, e não por uma questão meramente retórica ou ideológica, deve-se ter o cuidado de distinguir o caráter positivo (embora pretensamente neutro) da economia política enquanto ciência burguesa, da negatividade da crítica da economia política fundada por Marx, a qual impõe ao estudo da economia o elemento histórico e revolucionário. Quero crer que o mesmo cuidado é bem vindo no universo dos estudos em “economia política da comunicação”, ainda mais se considerarmos que as infotelecomunicações podem ser teórica e praticamente instrumentalizadas na luta pela viabilização de formas de controle mais conscientes do conjunto das atividades econômicas pelos produtores associados. Nos termos de Kurz: “o que até agora foi forma inconsciente da sociabilidade terá de ser extinto e substituído pela comunicação direta entre os homens, numa forma muito mais organizada e ligada em rede.”4 Este deve ser, a meu ver, o objetivo positivo de uma crítica da economia política da comunicação, enquanto o conjunto das atividades de produção,


circulação e consumo de bens simbólicos, tal qual se dá na realidade, constitui seu objeto, sendo que o momento econômico é o que diz respeito aos meios e o político, aos fins.

UMA PEDAGOGIA DA OPRESSÃO Iremos

agora

investigar

as

sutilezas

da

ação

ideológica

das

infotelecomunicações, com ênfase na indústria cultural, dialogando com um estudo clássico do sistema escolar, desenvolvido por Bourdieu e Passeron. Em “A Reprodução” (1975), esses autores questionam a centralidade da indústria cultural na formação do “habitus”, atribuindo primeiro à família e em seguida à escola uma posição de antecedência determinante naquilo que pouco depois viria a ser chamado de recepção midiática: Constata-se [...] a ingenuidade que há em colocar o problema da eficiência diferencial das diferentes instâncias de violência simbólica (por exemplo, família, escola, meios de comunicação modernos etc.) abstraindo, como os servidores do culto de toda a autoridade da Escola ou os profetas da onipotência das “comunicações de massa”, o fato da irreversibilidade dos processos de aprendizagem, que faz com que o habitus adquirido na família esteja no princípio da recepção e da assimilação da mensagem escolar, e que o hábito adquirido na escola esteja no princípio do nível de recepção e do grau de assimilação das mensagens produzidas e difundidas pela indústria cultural [...]. (BOURDIEU e PASSERON, 1975, p. 54)

Mais ou menos na mesma época, Marcuse – que poderia ter sido um possível alvo do tratamento irônico empregado por Bourdieu e Passeron em relação aos “profetas da onipotência das comunicações de massa”, devido à sua crítica implacável à indústria cultural enquanto fazedora de um “homem unidimensional” – dizia mais ou menos o mesmo que eles sobre a não centralidade da mídia enquanto agente de “controle social”: A nossa insistência na profundidade e eficácia desses controles é passível da objeção de que superestimamos grandemente o poder de doutrinação dos “meios de informação” e de que as pessoas sentiriam e satisfariam por si as necessidades que lhes são agora impostas. A objeção foge ao âmago da questão. O precondicionamento não começa com a produção em massa de rádio e televisão e com a centralização de seu controle. As criaturas entram nessa fase já sendo de há muito receptáculos precondicionados [...] (MARCUSE, 1973, p. 28-9) 5


O que importa reter aqui da posição de Marcuse é o fato de ele, sem reproduzir a caricatura dos que pensam a indústria cultural em termos de “onipotência”, enfatizar e denunciar com veemência a função ideológica da “igualação das distinções de classe” operada pelos “meios de informação”: [...] a diferença decisiva está no aplanamento do contraste (ou conflito) entre as necessidades dadas e as possíveis, entre as satisfeitas e as insatisfeitas. Aí, a chamada igualação das distinções de classe revela sua função ideológica. Se o trabalhador e seu patrão assistem ao mesmo programa de televisão e visitam os mesmos pontos pitorescos, se a datilógrafa se apresenta tão atraentemente pintada quanto a filha do patrão, se o negro possui um Cadillac, se todos lêem o mesmo jornal, essa assimilação não indica o desaparecimento de classes, mas a extensão com que as necessidades e satisfações que servem à preservação do Estabelecimento é compartilhada pela população subjacente. (idem, ibidem)

É oportuno atualizar essa denúncia a um modo insidioso de controle social, que opera sob a aparência da mais ampla liberdade, destacando uma especificidade central da ação ideológica da indústria cultural, no sentido de efetuar no imaginário social um “aplanamento do contraste (ou conflito) entre as necessidades dadas e as possíveis, entre as satisfeitas e as insatisfeitas”, demonstrando que é aí que “a chamada igualação das distinções de classe revela sua função ideológica”, na “extensão com que as necessidades e satisfações que servem à preservação do Estabelecimento é compartilhada pela população subjacente.” Em outros termos, trata-se da captura da subjetividade das classes dominadas pelas classes dominantes. Se as infotelecomunicações (doravante ITCs) atuais, que envolvem e remodelam as indústrias culturais convencionais, aprofundam e intensificam esse processo, anteriormente operado, em escala comparativamente mais modesta, pelas últimas, a pergunta que se poderia fazer hoje à argumentação de Bourdieu e Passeron, na medida em que situam as “comunicações de massa” em uma posição secundária em relação à prioridade, ou antecedência, da família e, em seguida, da escola na formação do habitus, é: o mesmo vale para uma época na qual as ITCs – cujo raio de abrangência é bem superior ao da indústria cultural


“clássica” – estão mais presentes e começam a atuar mais cedo na história de vida de cada um do que nos anos 1960 e 70? A resposta deve ser negativa, na medida em que vivemos em uma época na qual as sociedades humanas, globalmente interconectadas, têm suas atividades vitais – econômicas, científicas, educacionais, militares, lúdicas etc. – visceralmente vinculadas às ITCs, presentes virtualmente em todas as partes, na forma

de

informação,

espetáculo,

publicidade,

jogos,

sistemas

de

armazenamento, busca e transmissão de dados etc. As ITCs atuam inclusive sobre a família e sobre a escola, convertendo-se estas últimas, gradualmente, em elos de transmissão secundários da ação ideológica opressora do capital, primariamente mediada pelas ITCs, cuja razão de fundo é contribuir nos planos ideológico, psíquico (afetivo, emocional) e econômico para a reprodução ampliada do capital, seja diretamente, mediante o estímulo ao consumo em geral, e a venda de bens simbólicos e suportes para o seu consumo, seja indiretamente, enquanto “aparelho ideológico”. Nesse caso, poderíamos traçar um paralelo entre a ação ideológica do capital, mediada pelas ITCs, com a ação pedagógica [AP] “anônima e difusa” responsável pela “formação do habitus cristão na Idade-Média”, conforme sustentam Bourdieu e Passeron. A eficácia desta AP se devia sobretudo ao fato de os sujeitos envolvidos não perceberem o que estava acontecendo, pois o trabalho pedagógico em curso não se mostrava como tal: Um TP [trabalho pedagógico] é tanto mais tradicional quanto ele é (1) menos delimitado como prática específica e autônoma e (2) quanto é exercido por instâncias nas funções mais totais e indiferenciadas, isto é, quando se reduz mais completamente a um processo de familiarização no qual o mestre transmite inconscientemente pela conduta exemplar princípios que ele não domina conscientemente a um receptor que os interioriza inconscientemente. Ao termo, como se vê nas sociedades tradicionais, todo o grupo e todo o meio ambiente como sistema das condições materiais de existência, enquanto são dotados de significação simbólica que lhes confere um poder de imposição, exercem sem agentes especializados nem momentos especificados uma AP [ação pedagógica] anônima e difusa (por exemplo, formação do habitus cristão, na Idade Média, através do calendário das festas como catecismo e a organização do espaço cotidiano ou os objetos simbólicos como o livro de piedade). (BOURDIEU e PASSERON, op.cit., p. 58)6


Ou seja, dada a magnitude e capilaridade social das ITCs, poderíamos hoje falar em uma ação ideológica opressora, “anônima e difusa”, responsável pela formação de habitus que contribuem, direta ou indiretamente, para legitimar a perpetuação da subordinação do trabalho ao capital, condição necessária à sua reprodução ampliada. Essa magnitude e essa capilaridade são tão abrangentes que Rubim chega a afirmar que vivemos em uma “Idade Mídia”. Nesta, no lugar do catecismo e da organização do espaço cotidiano da Idade Média, o habitus seria formado, para o bem e para o mal, por desenhos animados, tele e cinedramaturgia, jornalismo, música pop, publicidade, ciber-pornografia e ciberredes de fofoca. Para demonstrar a verossimilhança da expressão “Idade Mídia”, Rubim enumera, em uma ordem não hierárquica, uma lista de fenômenos que permitiriam

“definir

a

sociedade

como

estruturada

e

ambientada

pela

comunicação”: 1. Expansão quantitativa da comunicação, principalmente em sua modalidade midiatizada [...] facilmente constatada através de dados sobre números dos meios disponíveis, tais como: quantidade das tiragens e audiências, quantidade e dimensão de redes em operação etc; 2. Diversidade e novidade das modalidades de mídias [...] e da história recente de sua proliferação e diversificação; 3. Papel desempenhado pela comunicação midiatizada como modo (crescente e até majoritário) de experienciar e conhecer a vida [...] a exemplo do número de horas que os meios ocupam no cotidiano das pessoas; 4. Presença e abrangência das culturas midiáticas como circuito cultural, o qual organiza e difunde socialmente comportamentos, percepções, sentimentos, idéias, valores etc.; a dominância e sobrepujamento da cultura midiatizada sobre os outros circuitos culturais existentes, a exemplo do escolar-universitário, do popular etc.;7 5. Ressonâncias sociais da comunicação mediatizada sobre a produção da significação (intelectiva) e da sensibilidade (afetiva), sociais e individuais; 6. Prevalência da mídia como esfera de publicização (hegemônica) [...] dentre os diferenciados “espaços públicos” socialmente existentes, articulados e concorrentes. 7. Mutações espaciais e temporais provocadas pelas redes midiáticas, na perspectiva de forjar uma vida planetária e em tempo real; 8. Aumento com os gastos com o item comunicações no orçamento doméstico [...]; 9. Crescimento vertiginoso dos setores voltados para a produção, circulação, difusão e consumo de bens simbólicos; e 10. Ampliação (percentual) dos trabalhadores da informação e da produção simbólica no conjunto da população economicamente ativa. (RUBIM, 2000, p. 35-6)


A perspectiva aqui adotada não vai tão longe a ponto de defender a tese de que vivemos em uma “sociedade estruturada e ambientada pela mídia”, mas a facticidade dos dados elencados demonstra de modo inquestionável a pregnância econômica e ideológica, portanto política, das ITCs, em uma sociedade (ainda) ambientada pelo capital.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na trilha aberta por Marx, é nas categorias forças produtivas (tecnologia, ciência, força de trabalho) e relações de produção (relações de propriedade e comando), que juntas compõem a noção mais geral de modo de produção, que está contido o vínculo dinâmico e por assim dizer visceral entre economia e política. Este vínculo contempla desde as dimensões da macroeconomia e da macro-política aos “micropoderes”. É neste vínculo que Marx situa o fetiche do valor, tanto como a fonte de coesão do regime do capital quanto de sua dissolução potencial. Fetiche do valor é um conceito que designa tanto 1) o caráter cego, automático, de uma economia auto-centrada, isto é, cujo imperativo é a reprodução ampliada de capital, a despeito de todas as conseqüências catastróficas que isto acarreta, quanto 2) os processos inconscientes de ocultamento e legitimação ideológica das práticas de exploração que sustentam esse modelo econômico. O que tentamos defender aqui foi a pertinência deste quadro analítico para se pensar a economia política da comunicação hoje.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOLAÑO, César. Economia Política da comunicação e da cultura. Breve genealogia do campo e das taxonomias das indústrias culturais. In: BOLAÑO, César; GOLIN, Cida; BRITTOS, Valério (orgs.). Economia da arte e da cultura. São Paulo: Itaú Cultural; São Leopoldo: Cepos/Unisinos; Porto Alegre: PPGCOM/UFRGS; São Cristóvão: Obscom/UFS, 2010, p. 33-50. Documento eletrônico. http://www.itaucultural.org.br/bcodemidias/001719.pdf. Acesso em: jul 2010. BOURDIEU, Pierre, PASSERON, Claude. “A Reprodução”. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975.


KOSIK, Karel. “Dialética do concreto”. São Paulo: Paz e Terra, 2002. KURZ, Robert. “Dominação Sem Sujeito”. Documento eletrônico: http://obeco.planetaclix.pt/rkurz86.htm. Acesso em set. 2009. MARCUSE, Herbert. “A Ideologia da sociedade industrial; o homem unidimensional”. Rio de Janeiro: Zahar, 1973. MARX, Karl. “O Capital; crítica da economia política”, Livro 1, Volume 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. MARX, Karl. “Grundrisse”. Documento eletrônico: http://www.marxists.org/archive/marx/works/1857/grundrisse/ch01.htm. Acesso em: abr. 2010. MÉSZÁROS, Istvan. “A Teoria da Alienação em Marx”. São Paulo: Boitempo, 2006. MÉSZÁROS, Istvan. “Para além do capital”. São Paulo e Campinas: Boitempo e Editora da Unicamp, 2002. MORAES, Dênis de. “A Comunicação sob domínio dos impérios multimídias”. In: DOWBOR, Ladislau et al (ORGS.): “Desafios da comunicação”. Petrópolis-RJ: Vozes, 2000, p. 13-9. MORAES, Dênis de. “O Capital da mídia na lógica da globalização”. In: MORAES, Dênis de (org.). “Por uma outra comunicação”. Rio de janeiro: Record, 2003, p. 187-216. MORIN, Edgar. “Cultura de massas no século XX”. O Espírito do tempo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1975. RUBIM, Antônio Albino Canelas. “Comunicação e política”. São Paulo: Hacker, 2000. 1 Pós-doutorando em Estudos Culturais no Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC) da UFRJ; doutor em Ciências da Comunicação (ECA-USP); mestre em Comunicação e Cultura (ECA-UFRJ); professor da UFF (Niterói-RJ) e da ESPM (Rio de Janeiro - RJ). 2

Não desconhecemos as distinções desenvolvidas no âmbito da EPC entre as diversas modalidades de indústrias culturais, tampouco seu valor analítico. No recorte aqui proposto, entretanto, como se tentará demonstrar, é indiferente o uso da expressão no singular ou no plural, dado o nível de generalização no qual operamos. 3 MARX, Karl. “Grundrisse”. Documento eletrônico: http://www.marxists.org/archive/marx/works/1857/grundrisse/ch01.htm. Acesso em: abr. 2010. Na seqüência, Marx demonstra dialeticamente que o consumo e a circulação também determinam a produção. Porém, como é sabido, para Marx a produção possui um grau de determinação maior nessa interação dialética, pelo simples fato de que não pode haver circulação ou consumo sem produção, embora o contrário não seja verdadeiro. 4 KURZ, Robert. “Dominação Sem Sujeito”. http://obeco.planetaclix.pt/rkurz86.htm. Acesso em abr. 2010.

Documento

eletrônico:

5 A expressão “receptáculos precondicionados” é totalmente inaceitável à luz do que de melhor se produziu no campo dos estudos de recepção, para não mencionar a questionável legitimidade científica da noção de condicionamento. Não obstante a inadequação do termo, a ideia de fundo do raciocínio permanece válida, a nosso ver. 6 Na conceituação de Bourdieu e Passeron, AP [ação pedagógica] distingue-se de TP [trabalho pedagógico] por a primeira possuir um sentido mais geral e abstrato, enquanto o último refere-se a práticas específicas. 7 Esse último ponto já havia sido pioneiramente (creio) destacado por Edgar Morin, ainda nos anos 1960. Cf. Morin (1975, passim).


REGULADORES DA COMUNICAÇÃO DE MASSA: ASPECTOS REMUNERATÓRIOS NA ESTRUTURAÇÃO DE CARREIRAS PÚBLICAS NO BRASIL Octavio Penna Pieranti i Universidade Estadual Paulista (FAAC/UNESP) octavio.pieranti@gmail.com

Resumo: Historicamente a atuação de um grupo de pressão formado por empresários da mídia é apontada como razão para as fragilidades na regulação da comunicação de massa. Essa percepção manifesta-se em diversos episódios ligados à regulação do setor, como, por exemplo, a regulamentação expedida na Era Vargas; a promulgação do Código Brasileiro de Telecomunicações; e a cisão entre telecomunicações e radiodifusão, fruto de alterações na legislação na década de 1990. Mesmo concordando com essa explicação, este artigo objetiva subsidiar a formulação de uma hipótese complementar: a de que deficiências da administração pública brasileira impactaram a qualidade da regulação da comunicação de massa. Este artigo concentra-se especificamente na análise dos aspectos remuneratórios, dedicando-se a um levantamento, até agora inédito, da evolução salarial das categorias atuantes na regulação da comunicação de massa no país, feito a partir de instrumentos legais que promoveram reajustes salariais. Conclui-se que o levantamento evidencia, de fato, problemas na estrutura remuneratória das carreiras aqui analisadas, o que sugere a necessidade de incorporar essa variável a uma tentativa de explicar as dificuldades enfrentadas pela regulação da comunicação de massa no Brasil. Palavras-chave: regulação; comunicação de massa; política salarial

Resumen: Históricamente el papel de un grupo de presión formado por los empresarios responsables por los medios de comunicación es reconocido como razón de las deficiencias en la regulación de la comunicación de masas. Esta percepción se manifiesta en varios episodios relacionados con la regulación del

1


sector, por ejemplo, los instrumentos normativos publicados en el gobierno de Vargas, la promulgación del Código Brasileño de Telecomunicaciones, y el cisma entre las telecomunicaciones y la radiodifusión como resultado de cambios en la legislación de la década de 1990. Aunque de acuerdo con esta explicación, este artículo tiene como objetivo subsidiar la formulación de una hipótesis complementaria:

las deficiencias

de

la

administración

pública

brasileña

impactaron la calidad de la regulación de la comunicación de masas. Este artículo se centra específicamente en el análisis de los aspectos de la remuneración, dedicándose a una descripción, hasta ahora inédita, del salario de los empleados públicos responsables por la regulación de los medios de comunicación en el país, a partir de instrumentos legales que oficializaron los ajustes salariales. El estudio muestra los problemas en la estructura salarial de las carreras, lo que sugiere la necesidad de incorporar esta variable en un intento de explicar las dificultades enfrentadas por la regulación de los medios de comunicación en Brasil. Palabras clave: regulación, comunicación de masas, política salarial

Abstract: Historically, the lobby carried out by the main media corporations is cited as one important reason for the fragilities of the regulation of mass communications in Brazil. This perception derives from several episodes related to the sector‟s regulation, such as norms edited during the Vargas Era; the promulgation of the Brazilian Telecommunications Code; and the separation between telecommunications and broadcasting, as a result of changes in the legislation in the 1990s. This article accepts these explanations, but aims to contribute with the formulation of a complementary hypothesis: that deficiencies in the Brazilian public administration impacted the quality of regulation of mass communication. This article, based on legal instruments that promote wage adjustments, focuses specifically on the analysis of the remuneration in public service, presenting a survey, so far unpublished, about wage trends in careers related to the regulation of mass media in Brazil. We conclude that the survey reveals problems in the salary structure of the careers under focus, and suggest

2


the necessity to incorporate this variable in an attempt to explain the difficulties faced by the regulation of mass media in Brazil. Keywords: regulation; mass communications; wage policy

INTRODUÇÃO

Historicamente pesquisadores brasileiros têm apontado a atuação das empresas de mídia como grupo de pressão como explicação para os escassos avanços na regulação da comunicação de massa. Alguns autores destacam essa pujança em momentos específicos da história nacional, como, por exemplo, durante o governo de Vargas, que teria inaugurado a era da regulamentação favorável à exploração da radiodifusão por entes privados, ao passo que países europeus, por exemplo, definiam a execução desse serviço pelo Estado (JAMBEIRO et. alli., 2004); na publicação, em 1962, do Código Brasileiro de Telecomunicações, marco legal que rege a radiodifusão até o presente e, principalmente, na derrubada, em votação nominal, pelo Poder Legislativo, de cada um dos 52 vetos à lei estabelecidos pelo então Presidente da República, João Goulart (PIERANTI; MARTINS, 2007); na consolidação das Organizações Globo (HERZ, 1988); e na aprovação da Lei Geral de Telecomunicações, em 1997, que possibilitou a privatização do Sistema Telebrás e criou um novo modelo regulatório para o setor, mas estranhamente manteve a regulação da radiodifusão apartada da nova estrutura, quando o mundo já caminhava para um cenário de convergência tecnológica (RAMOS, 1997). Outros pesquisadores (SANTOS; CAPARELLI, 2005; BOLAÑO, 2007) ressaltam que é permanente – não restrita a momentos históricos específicos - a reação do empresariado a propostas de regulação da comunicação de massa. Este artigo não pretende divergir dessas constatações. As evidências apresentadas

pelos

autores

comunicação

de massa

citados

demonstram

eletrônica no Brasil é,

que

a

de fato,

regulação

da

condicionada

historicamente por limites estabelecidos pela atuação coesa e decisiva do empresariado. No entanto, este trabalho volta-se a algumas outras perguntas, complementares ao entendimento desses pesquisadores: será que a força do

3


empresariado como grupo de pressão é, de fato, a única explicação para o fracasso na constituição de novos mecanismos de regulação da comunicação de massa? Ou será que fragilidades inerentes à administração pública brasileira podem explicar, ao menos em parte, esse resultado? O objetivo deste artigo é apresentar subsídios para a formulação de uma outra hipótese para as dificuldades observadas na regulação da comunicação de massa – vale lembrar, hipótese que não se opõe à apresentada nos parágrafos anteriores. Acredita-se, sim, que tenham contribuído para esse problema deficiências tradicionais da administração pública, como, por exemplo, baixa remuneração dos servidores públicos, falta de investimentos em infra-estrutura e capacitação insuficiente do quadro de pessoal. Este

artigo

dedica-se

a

examinar

especificamente

a

questão

remuneratória dos servidores atuantes na regulação da comunicação de massa, a partir

de

um levantamento

dos padrões salariais das

suas

carreiras.

Adicionalmente, realiza um levantamento até agora inédito da evolução salarial de algumas carreiras da administração pública brasileira. Com o objetivo de permitir uma melhor compreensão dos valores citados, foram atualizadas, até fevereiro de 2008, as cifras contidas neste artigo por meio do aplicativo “Calculadora do Cidadão”, disponível no site do Banco Central na Internet, e corrigidas pelo índice IGP-DI (FGV). Esse índice permite a inserção, no aplicativo, de valores a partir de fevereiro de 1944, sendo um dos que conta com maior série histórica dentre os disponíveis. Os valores corrigidos foram citados sempre depois de cada cifra original. O exame da questão remuneratória é precedido de uma contextualização sobre a evolução do modelo de regulação da comunicação de massa no Brasil.

HISTÓRICO DA REGULAÇÃO DA COMUNICAÇÃO DE MASSA NO BRASIL

O primeiro órgão regulador da radiodifusão brasileira foi a Comissão Técnica de Rádio (CTR), criada em 1931 e responsável pela realização de estudos técnicos, o monitoramento dos locais escolhidos para a montagem das estações, a coordenação das freqüências utilizadas e a sua atribuição aos concessionários e às organizações ligadas à União, sendo que suas decisões

4


seriam passíveis de revisão. O órgão era composto por três técnicos em radioeletricidade, sendo um da Repartição Geral dos Telégrafos, vinculado ao Ministério da Viação e Obras Públicas, um do Exército e outro da Marinha, com mandatos de dois anos não coincidentes e sem direito a remuneração extra pelo desempenho da função. Em 1962, o “R” de “rádio”, presente na sigla CTR, já não combinava mais com o avanço das telecomunicações brasileiras. A telefonia desenvolvera-se, sob bases privadas, ainda que estivesse bem aquém de padrões de qualidade aceitáveis (SILVA, 1990; OLIVEIRA, 1992). A televisão afirmara-se como meio de comunicação em consolidação, que, em breve, iria desbancar o rádio, contratar os principais artistas e angariar grande parte da receita publicitária nacional. O Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT) extinguiu, então, a CTR e criou o Conselho Nacional de Telecomunicações (Contel), comandado por uma mescla de representantes das Forças Armadas, do Poder Legislativo e da administração pública federal. As competências do órgão, que se estendiam por 35 alíneas do artigo 29, eram, dentre outras, elaborar e atualizar um plano nacional de telecomunicações; promover a continuidade dos serviços, quando houvesse cessação de sua prestação por entes privados; fiscalizar as prestadoras de serviços nos aspectos técnicos e contábeis, opinando sobre a renovação, a perempção e a cassação de suas outorgas; propor diretrizes às delegações brasileiras em debates internacionais; regulamentar as leis em vigor; propor ao Presidente da República as taxas a serem cobradas das empresas; coordenar o desenvolvimento do ensino técnico no setor; promover o desenvolvimento da indústria nacional de equipamentos; sugerir normas para censura, em caso de estado de sítio; fiscalizar o cumprimento de acordos firmados com outros países; outorgar e renovar outorgas de serviços de radiodifusão de caráter local e opinar sobre a outorga dos de caráter nacional; certificar equipamentos, aprovar especificações de redes telefônicas e licenciar estações; sancionar emissoras de radiodifusão e fiscalizar o atendimento das obrigações relativas à programação. O Estado, entretanto, pouco contribuiu para prover o quadro de pessoal adequado à nova estrutura em seus primeiros anos de vida e proliferaram requisições de servidores já atuantes em outros órgãos. Não por acaso, Silva (1990), um dos

5


primeiros conselheiros, considera que o Contel instalou-se contra a vontade de vários órgãos (não nomeados em sua reflexão) que já atuavam no setor e não pretendiam perder poder. Com a promulgação do decreto-lei nº 200 em 1967, duas mudanças foram feitas no modelo de regulação das comunicações: o Contel foi redefinido como órgão normativo, de consulta, orientação e elaboração da política nacional de

telecomunicações,

permanecendo

ligado

ao

novo

Ministério

das

Comunicações, cujas atribuições não incluíam, explicitamente, a regulação de conteúdo. Na prática, o Contel seria esvaziado até deixar de ser lembrado pela legislação vigente. A outra mudança refere-se justamente à regulação de conteúdo. Com poucos meses de vida, o regime militar reestruturou o Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP). Suas competências iam da vigilância de fronteiras ao apoio às autoridades estaduais em atividades que transcendessem as divisas; da apuração de crimes contra comunidades silvícolas à censura de diversões públicas, especialmente quando essas não ocorressem apenas em um estado. Essa última atividade era de responsabilidade do Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP), integrante da Polícia Federal de Segurança (PFS), uma das divisões do DFSP. Em 1967, o decreto-lei nº 200 transformou o DFSP em Departamento de Polícia Federal (DPF). Ao mesmo Ministério da Justiça ao qual se vinculou o DPF estava ligado o Serviço de Informação do Gabinete (Sigab), órgão não mencionado nos organogramas oficiais da administração federal. De acordo com Kushnir (2004), aos poucos, ao longo da primeira metade da década de 1970, a censura da imprensa e os censores responsáveis por essa atividade seriam absorvidos pelo Sigab e ao SCDP, como o nome já dizia, caberiam os cortes em textos das diversões públicas, além de livros e músicas. Pelo poder herdado e pelo seu caráter “clandestino”, já que não aparecia em instrumentos normativos, a autora comparou o Sigab à lendária Operação Bandeirantes (Oban), órgão de repressão do regime militar: “O Sigab tem uma origem que muito se assemelha à da Oban, que foi uma iniciativa conjunta do II Exército e da Secretaria de Segurança Pública do governo Abreu Sodré, como uma tentativa de centralizar as atividades de combate às crescentes ações de guerrilha urbana em São Paulo. Criada em 29/6/1969, a Oban

6


permaneceu até setembro de 1970 em caráter extralegal (não era considerada no organograma do serviço público). Isso demonstra que esse tipo de expediente era usado no governo ditatorial para manter em sigilo operações mais incisivas” (KUSHNIR, 2004, p. 123).

Em 1997, ocorreu mais uma transformação significativa no setor: no bojo da Reforma do Aparelho de Estado e com a incumbência de regular os serviços de telecomunicações depois da privatização do Sistema Telebrás, foi criada, por meio da lei nº 9.472 de 1997, conhecida como “Lei Geral de Telecomunicações” (LGT), a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), uma autarquia especial com independência administrativa, autonomia financeira, estabilidade de seus dirigentes com mandato fixo e ausência de subordinação hierárquica ao órgão a que se vincula, o Ministério das Comunicações. Quanto às suas competências, a Agência passava a protagonizar uma situação estranha: era reconhecida como instância de implementação e de regulação de todo o setor de telecomunicações (o Ministério mantinha-se como formulador de políticas públicas), à exceção de um segmento – a radiodifusão. A Agência, porque administrava o espectro de freqüências, responsabilizava-se pelo planejamento técnico e pela fiscalização de emissoras de rádio e de televisão, assim como de outros serviços, mas a atividade de outorgas para exploração desse serviço e a implementação de políticas públicas continuavam sendo atribuição do Ministério das Comunicações. Ramos (2004), ao tratar da criação de uma agência reguladora (supostamente técnica) não subordinada ao ministério (político), conclui: “(...) tentou-se criar um ente estranho, despolitizado, „técnico e apartidário‟, como se fosse possível separar política de governo de política de agência „independente‟; separar política executiva de política regulatória. Ao que consta de especulações do período, essa separação deveria ter sido ainda mais radical com a extinção do ministério das Comunicações, fundido a um genérico ministério da Infra-estrutura, deixando para a Anatel a condução quase total da política setorial” (RAMOS, 2004, p. 9).

Considerados o histórico e a atual configuração da estrutura responsável por regular a comunicação de massa no Brasil, cabe, agora, abordar a questão remuneratória dos servidores públicos atuantes nesse campo.

7


ASPECTOS REMUNERATÓRIOS DOS REGULADORES DA COMUNICAÇÃO DE MASSA

Em 1970, a lei nº 5.645, ainda fruto da reforma promovida pelo decreto-lei nº 200, criou uma nova classificação de cargos para os servidores civis da União, que viria a ser conhecida como “PCC” (sigla de “Plano de Classificação de Cargos”). Os servidores receberiam salários apenas um pouco diferenciados, considerando a área de formação de cada um. O plano nascia com um piso salarial para engenheiros – vários dos quais lotados no Ministério das Comunicações - de NCr$ 1.123,20 (menos de R$ 3.705,85). Ao PCC original viriam a se somar diversas gratificações, que serviriam para implicitamente reajustar o salário dos servidores sem alterar o seu vencimento básico, parcela contabilizada para o cálculo de alguns benefícios. Em 1974, em um período em que a inflação mensal ficava pouco abaixo de 5%, o anexo I do decreto-lei nº 1.348 determinava que o salário inicial de um profissional enquadrado entre os de “outras atividades de nível superior” (caso dos engenheiros) variava entre Cr$2.414,00 (R$3.386,80) a Cr$6.127,00 (R$8.596,08) e os de “outras atividades de nível médio” entre Cr$460,00 (R$645,37) e Cr$2.662,00 (R$3.734,74). O mesmo documento já previa que, em março de 1975, os mesmos salários passariam a variar, respectivamente, entre Cr$3.900,00 (R$5.120,82) e Cr$7.278,00 (R$9.556,24) e entre Cr$523,00 (R$686,71) e Cr$3.925,00 (R$5.153,64). A título de comparação, o salário de ministros de Estado e do Supremo Tribunal Federal, do Consultor-Geral e do Procurador-Geral da República (art. 2º) ficava fixado em Cr$16.000,00 (R$22.447,72). Em 1976, o anexo I do decreto-lei nº 1.445 estabeleceu pequenas variações para os salários dos profissionais enquadrados no PCC, a depender dos cargos de cada um. No que se refere a funcionários de nível superior, a faixa salarial era de Cr$5.018,00 (R$5.166,83) a Cr$13.313,00 (R$13.707,86). No nível médio, diversos cargos podiam atingir um teto de Cr$5.531,00 (R$5.695,05), porém havia diferenças nos salários iniciais de cada cargo, como Cr$ 3.078,00 (R$3.169,29) para um agente de telecomunicações e eletricidade; Cr$2.659,00 (R$2.737,87) para um agente de serviços complementares; e Cr$868,00

8


(R$893,74) para um agente de serviços de engenharia. De acordo com o mesmo documento, os salários de ministros de Estado e do Supremo Tribunal Federal e do

Consultor-Geral

da

República

ficavam

fixados

em

Cr$22.000,00

(R$22.652,51). Na década de 1980, os vencimentos de técnicos do Ministério das Comunicações já sofriam um intenso processo de desvalorização. Em 1989, a lei nº 7.923 estabeleceu que salários do PCC variassem de NCz$ 3.717,45 (R$2.274,76) a 7.953,59 (R$4.867,12) no nível superior e de 2230,47 (R$1.364,91) a 4181,13 (R$2.558,60) no nível intermediário. Dois anos depois, a lei nº 8.216 reajustou os vencimentos para as faixas entre Cr$ 112.520,35 (R$1.306,88) e Cr$ 240.755,99 (R$.2796,28) para nível superior e entre Cr$ 67.516,44 (R$784,18) e Cr$ 126.563,11 (R$1.470) para servidores de nível médio. Em tempos de inflação altíssima, ainda em 1991 a lei nº 8.270 promoveu um reajuste linear de 20% nos salários (art. 1º) – assim, técnicos de nível superior passaram a receber entre Cr$ 135.024,42 (R$748,56) e Cr$288.907,19 (R$1.601,67)

e

os de

nível

médio,

entre

Cr$81.019,73

(R$449,17)

e

Cr$151.875,73 (R$841,98). Em 1992, novo reajuste promovido pela lei nº 8.460 fixou os salários dos servidores de nível superior do PCC entre Cr$1,740 milhões (R$1.535,38) e Cr$4.263.128,76 (R$3.761,78) e os dos de nível médio, entre Cr$1,032 milhões (R$910,64) e Cr$2,064 milhões (R$1.821,27). Em 1998, essas mesmas faixas salariais variavam entre R$635,99 (R$1.630,24) e R$1.363,18 (R$3.494,26)

e

entre

R$360,39

(R$923,79)

e

R$805,82

(R$2.065,57)

(MINISTÉRIO DO ORÇAMENTO E GESTÃO, 1999). Uma

efetiva

melhora

na

remuneração

ocorreu

apenas

com

a

reestruturação do PCC, transformado em Plano Geral de Cargos do Poder Executivo (PGPE) por medida provisória convertida na lei nº 11.357 de 2006. Servidores de nível superior passaram a receber, então, entre R$2.647,87 (R$2.943,99) e R$3.280,04 (R$3.646,86) e os de nível médio, entre R$1.997,87 (R$2.221,30) e R$2.166,41 (R$2.408,69). Em 2008, por meio de medida provisória convertida na lei nº 11.784, os vencimentos dos servidores de nível superior foram reajustados para a faixa entre R$3.867,43 e R$4.315,45 e, para os de nível médio, entre R$2.374,67 e R$2.635,99. A lei prevê, ainda, que esses

9


valores cheguem, em julho de 2011, respectivamente às faixas entre R$5.259,22 e R$7.525,00 e entre R$3.280,94 e R$4.006,11. Outra categoria relacionada com a regulação da comunicação de massa – nesse caso, do controle das informações distribuídas pelos meios – era a dos técnicos em censura. Por mais que houvesse parceria entre censores e policiais vale lembrar que a censura federal às diversões públicas estava vinculada ao DPF -, a atividade daqueles ainda guardava laços com a intelectualidade dos seus executores, notadamente nas décadas anteriores. Oficialmente, jornalistas e artistas, por exemplo, atuaram como censores ao longo dos anos; oficiosamente, outros jornalistas atuaram em redações em permanente parceria com censores e órgãos de repressão, colaborando com o regime instalado. Em outros casos, exquadros do DPF eram contratados pelas próprias empresas, como forma de intermediar contatos entre a iniciativa privada e o governo. Esse “caldo cultural”, que dificulta a separação entre colaboradores, algozes e vítimas, ao qual alude Kushnir (2004), era, segundo a autora, marca registrada da censura: no início da década de 1960, o chefe do Serviço de Censura na Guanabara, nomeado pelo governador e jornalista Carlos Lacerda, era jornalista há mais de trinta anos; menos de dez anos depois, ao menos sete de 34 integrantes do SCDP eram jornalistas. Na década de 1970, a estrutura da censura seria fortalecida. As nomeações para o exercício dessa atividade foram feitas livremente até 1974, quando ocorreu o primeiro dos seis concursos – sendo o último em 1986, já durante a Nova República – para a recém-criada Divisão de Censura de Diversão Pública (DCDP) do DPF, mais autônoma que o antigo SCDP. Até o sexto concurso, seriam contratados trezentos novos censores, todos graduados em ciências sociais, direito, filosofia, jornalismo, pedagogia ou psicologia e submetidos, com os colegas mais antigos, a programas de capacitação periódicos na Academia Nacional de Polícia. Entre os docentes figuravam professores universitários, militares – notadamente de órgãos de Inteligência do Exército – censores e artistas (KUSHNIR, 2004). Paralelamente às mudanças internas no DCDP, o regime militar promoveu uma valorização salarial da categoria, que, em dezembro de 1974,

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recebia, de acordo com o decreto-lei nº 1.348, entre Cr$2.795 (Cr$3.921,34) e Cr$4.128 (Cr$5.791,51). Em 1976, o decreto-lei nº 1.445 reajustou os vencimentos dos servidores públicos, que, no caso dos técnicos em censura, passaram a variar entre Cr$5.018 (R$5.096,00) e Cr$9.934 (RS$10.090,00). O salário da categoria acompanhou reajustes dos servidores de nível superior do DPF, que, em 1991, conforme determinado pela lei nº 8.270, passaram a receber entre Cr$ 416.038,33 (R$8.251,33) e Cr$623.352,00 (R$12.363,00).

Os

vencimentos dos ex-censores passavam a oscilar, então, entre R$3.371,41 (R$8.617,85) e R$8.865,91 (R$22.662,65). A partir daí, estabeleceu-se uma situação curiosa, típica da transição pactuada no período de redemocratização que acabou por evitar clivagens mais profundas na sociedade brasileira. Como a Constituição Federal de 1988 proibiu a censura, o que deveriam fazer os seus executores? Essa pergunta foi feita no fim da década de 1970. Em tempos de anistia, mesmo diretores do DPF já questionavam se aquele era o melhor lugar para sediar a censura. Paralelamente, os profissionais responsáveis por essa atividade começavam a organizar-se, em um primeiro momento, para manter-se subordinados ao departamento – e, consequentemente, submetidos a regimes semelhantes aos dos seus colegas policiais –, culminando, em 1986, na criação da Associação Nacional dos Censores Federais (Anacen). Com a promulgação da Constituição Federal, os censores foram deslocados para diversas áreas do DPF, dentre as quais as de polícia marítima, segurança bancária, administração, recursos humanos e assessoria de imprensa – paradoxalmente, prestando esclarecimentos aos meios de comunicação que, antes, a eles se submetiam. Começava, então, uma batalha jurídica: nos primeiros anos da década de 1990, a Procuradoria Geral da República moveu uma ação direta de inconstitucionalidade (ADIN), exigindo que fosse regulamentado o aproveitamento dos censores tal como

previsto

nas disposições transitórias

do texto

constitucional. Por unanimidade, o STF decidiu que o governo federal deveria, de fato, extinguir a carreira e incorporar seus ocupantes ao quadro do DPF. Dos 220 censores atuantes em 1985, 79 continuavam na ativa, quando, em 1998, foram definitivamente incorporados: por força da lei nº 9.688, os censores ativos e

11


aposentados que tinham bacharelado em direito foram enquadrados como delegados federais e os demais, como peritos criminais (art. 1º). Os vencimentos dos ex-censores passavam a oscilar, então, entre R$3.371,41 (R$8.617,85) e R$8.865,91 (R$22.662,65) – na prática, porém, eram limitados a R$8.000,00 (R$20.449,25), então o salário de ministro do STF. Finalizado esse procedimento, logo

depois

outro

procurador

apresentou

nova

ADIN,

questionando

a

constitucionalidade da transposição automática de censores, sem realização de concurso público, para os quadros da DPF. Em 2009, o STF julgou o mérito da ADIN e concluiu que os censores deviam permanecer como integrantes de quadros do DPF, tal como previra a lei. Outra categoria relacionada à regulação da comunicação de massa é a dos especialistas em políticas públicas e gestão governamental (EPPG), cujos servidores têm exercício descentralizado, sendo distribuídos entre os diversos órgãos públicos. Em agosto de 1991, com base na lei nº 8.216, os especialistas passaram a receber entre Cr$151.149,00 (R$1.779,64) e Cr$485.933,00 (R$5.721,42); em 1992, com reajuste promovido pela lei nº 8.460, entre Cr$2.171.870,07 (R$1.916,46) e Cr$4.713.330,00 (R$4.159,04). Em 2008, os salários dos mesmos especialistas, que já estavam entre R$8.821,52 e R$12.244,33, foram reajustados, por medida provisória convertida na lei nº 11.840, para a faixa entre R$10.905,76 e R$14.511,60, chegando, em 2010, a um piso de R$12.960,77 e a um teto de R$18.478,45. Com a criação da Anatel, algumas outras carreiras passaram a atuar na regulação da comunicação de massa – vale lembrar que a Agência é responsável pelo planejamento técnico da radiodifusão e pela regulação da TV por Assinatura. O quadro da Anatel foi composto por quatro diferentes tipos de profissionais. O primeiro deles foi o de funcionários temporários, que, em 2000, a partir da promulgação da lei nº 9.986, passaram a receber salários, no caso de contratados com nível médio, entre R$568,10 (R$1.171) e R$3.423,67 (R$7.057) e, no caso de nível superior, R$992,68 (R$2.046) a R$6.501,40 (R$13.400,03). A temporalidade a que se referia a LGT acabou apenas em 2007, quando venceram e não foram renovados os últimos contratos de trabalho.

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O segundo foi o de funcionários egressos do Sistema Telebrás, aproveitados pela Agência com a privatização do sistema e regidos pela CLT. Em dezembro de 2007, depois de um reajuste de 5%, os salários passaram a variar entre R$1.282,54 e R$6.975,09 para funcionários de nível médio e entre R$4.231,61 e R$14.460,74 para os de nível superior. Os valores para o topo de carreira, no entanto, eram difíceis de serem alcançados pelos 250 funcionários da empresa, visto que promoções e progressões eram limitadas. Na prática, o salário médio dos funcionários de nível médio era de R$3.074,33 e o de nível superior, R$7.711,86. O terceiro grupo é composto por funcionários cedidos por ministérios, notadamente pelo das Comunicações, que passariam a integrar o Plano Especial de Cargos das Agências Reguladoras (PEC) e a ser reunidos nos chamados quadros específicos do órgão. A lei 11.357 reajustou o salário desses servidores, em 2006, para as faixas entre R$1.113,02 (R$1.237,50) e R$2.333,94 (R$2.595), no caso do nível médio, e entre R$1.923,04 (R$2.138,10) e R$ 4.032,61 (R$4.484) para o nível superior. Em 2009, medida provisória transformada na lei nº 11.907 estabeleceu valores, para este mesmo ano, entre R$3.847,41 a R$5.488,62 para o nível médio e entre R$7.083,41 a R$9.552 para o nível superior; em 2010, a previsão é de que essas faixas aumentem, respectivamente, para R$5.031,58 a R$6.970,26 e R$10.607,60 a R$12.131,00. O quarto grupo, apesar de ter sido o último a surgir, é o mais numeroso. Em 2004, a lei nº 10.871 criou as carreiras do chamado quadro efetivo das Agências Reguladoras, divididas entre área-meio e área-fim. Em cada uma dessas áreas há vagas para profissionais de nível superior e médio – respectivamente,

no

primeiro

caso,

analistas administrativos e

técnicos

administrativos e, no segundo, especialistas em regulação e técnicos em regulação. De acordo com a lei, os salários da área-fim variavam entre R$1.399,10 (R$1.733,42) a R$2.555,30 (R$3.166) para o nível médio e R$3.025,24 (R$3.748,14) a R$5.151,00 (R$6.382) para o nível superior; em 2006, por meio da lei nº 11.292, esses valores foram reajustados respectivamente para faixas entre R$2.970,78 (R$3.366) a R$4.531,65 (R$5.134,36) e R$6.044,26 (R$6.848,15) a R$9.074,12 (R$10.281); e, em 2009, a lei nº 11.907 previu valores

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respectivamente entre R$4.708,07 a R$6.692,01 e R$9.552,00 a R$13.400 e, a partir de 2010, entre R$5.580,78 a R$7.935,52 e R$11.374 a R$15.890. Os próximos dois gráficos apresentam, para efeitos comparativos, a evolução salarial, com valores corrigidos, das carreiras ligadas à regulação da comunicação de massa no Brasil. O primeiro gráfico diz respeito aos servidores de nível superior; o segundo, aos servidores de nível médio. Foi considerado sempre o piso salarial de cada categoria, sendo a única exceção o PEC das Agências Reguladoras: como não houve ingresso recente nesse plano e como grande parte dos servidores é experiente, foi considerado o teto salarial da categoria. Vale ressaltar que essa sistematização, que ainda não havia sido feita, pôde ser realizada a partir dos diplomas legais que concedem reajustes aos servidores, porém, como os funcionários do Sistema Telebrás são regidos pela CLT e os seus reajustes são concedidos por acordos firmados entre empresas e sindicatos, não foi possível acompanhar a evolução salarial dessa categoria. Por fim, não foi considerada, no segundo gráfico, a situação dos técnicos de censura e dos EPPG: não havia formalmente servidores de nível médio entre os primeiros e, entre os segundos, quase todos os concursos públicos para essa carreira ofereceram vagas apenas para servidores de nível superior.

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Gráfico1: Evolução salarial de carreiras ligadas à regulação das comunicações – Nível superior

PCC/PGPE

EPPG

ER Anatel

PEC Anatel

Técnicos em Censura

14000 12000 10000 8000 6000 4000 2000 0 1970

1974

1976

1989

1991

1998

2006

2008

2010

2011

Fonte: Elaboração do autor.

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Gráfico 2: Evolução salarial de carreiras ligadas à regulação das comunicações – Nível médio

PCC/PGPE

ER Anatel

PEC Anatel

8000 7000 6000 5000 4000 3000 2000 1000 0 1970

1974

1976

1989

1991

1998

2006

2008

2010

2011

Fonte: Elaboração do autor.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão salarial não deve ser encarada, conforme já ressaltado na introdução deste artigo, como um fator que, sozinho, seja capaz de explicar as deficiências históricas da regulação da comunicação de massa no Brasil. Em abordagens futuras, outros aspectos, como problemas de infra-estrutura, fragilidades da política de recursos humanos e falta de foco na melhoria da gestão devem ser investigados de forma a subsidiar a formulação da hipótese já mencionada na introdução deste trabalho – qual seja, a de que deficiências naturais da administração pública prejudicaram a regulação da comunicação de massa. Os problemas salariais aqui levantados podem ser vistos, também, como mais um exemplo de uma política fracassada de gestão de recursos humanos. Alguns artigos considerados clássicos no campo da administração pública, como, por exemplo, o de Wahrlich (1974), clamaram, recorrentemente, por uma ampla revisão da política salarial da administração pública. Outros trabalhos e relatos ressaltaram a ocupação histórica de cargos públicos como um segundo emprego ou um complementador de renda para alguns profissionais. Isso ocorria, por exemplo, com jornalistas, empregados de grandes publicações e, ao mesmo tempo, servidores públicos (RIBEIRO, 2007). Poder-se-ia, então, de forma simplista, afirmar: se a política salarial para a administração pública brasileira é historicamente problemática, todos os setores econômicos deveriam enfrentar os mesmos percalços comuns à regulação da comunicação de massa. Justamente para evitar esse tipo de conclusão equivocada, cabe reafirmar que a questão salarial não deve ser vista como o único fator explicativo dos problemas que delinearam a regulação da comunicação de massa no país. O atual momento histórico oferece, ainda, uma excelente oportunidade para pesquisadores do tema: a ser confirmada a hipótese de que deficiências da administração pública, como a questão salarial, contribuíram para problemas na regulação, os significativos reajustes escalonados concedidos pelo governo federal em 2008 devem, dentro de algum tempo, implicar em mais qualificação do corpo técnico e avanços na regulação da comunicação de massa. Desde já, o

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acompanhamento de uma possível evolução nesse sentido pode ser interessante não apenas para os pesquisadores, como também para tomadores de decisão. Por fim, cabe ressaltar um outro aspecto evidenciado neste trabalho: historicamente a política de recursos humanos, no que se refere ao setor aqui tratado, careceu de um tratamento uniforme para carreiras semelhantes. Não apenas ficaram evidentes disparidades salariais, como também se revelou uma fragmentação questionável no que se refere à formatação de carreiras com atribuições semelhantes.

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18


reestrutura tabelas de vencimentos e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15. ago. 1991. Disponível em: <http:://www.senado.gov.br>. Acesso em: 19 set. 2008. _____. Lei nº 8.270, de 17 de dezembro de 1991. Dispõe sobre reajuste da remuneração dos servidores públicos, corrige e reestrutura tabelas de vencimentos, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 19. dez. 1991. Disponível em: <http:://www.senado.gov.br>. Acesso em: 23 jul. 2008. _____. Lei nº 8.460, de 17 de setembro de 1992. Concede antecipação de reajuste de vencimentos e de soldos dos servidores civis e militares do Poder Executivo e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 set. 1992. Disponível em: <http:://www.senado.gov.br>. Acesso em: 19 set. 2008. _____. Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997. Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional 8, de 1995. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17. jul. 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 6 out. 2006. _____. Lei nº 9.688, de 06 de julho de 1998. Dispõe sobre a extinção dos cargos de Censor Federal e sobre o enquadramento de seus atuais ocupantes e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 07. jul. 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 17 out. 2008. _____. Lei nº 9.986, de 18 de julho de 2000. Dispõe sobre a gestão de recursos humanos das agências reguladoras e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 19. jul. 2000. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 17 out. 2008. _____. Lei nº 10.871, de 20 de maio de 2004. Dispõe sobre a criação de carreiras e organização de cargos efetivos das autarquias especiais denominadas agências reguladoras, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21. mai. 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 17 out. 2008. _____. Lei nº 11.292, de 26 de abril de 2006. Altera as Leis nºs 9.986, de 18 de julho de 2000, que dispõe sobre a gestão de recursos humanos das Agências Reguladoras; 10.768, de 19 de novembro de 2003, que dispõe sobre o Quadro de Pessoal da Agência Nacional de Águas - ANA; 10.862, de 20 de abril de 2004, que dispõe sobre a criação do Plano Especial de Cargos da Agência Brasileira de Inteligência - ABIN; 10.871, de 20 de maio de 2004, que dispõe sobre a criação de carreiras e organização de cargos efetivos das autarquias especiais, denominadas Agências Reguladoras; 11.182, de 27 de setembro de 2005, que cria a Agência Nacional de Aviação Civil - ANAC; 9.074, de 7 de julho de 1995, que estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos; cria cargos na Carreira de Diplomata, no Plano de Cargos para a Área de Ciência e Tecnologia, do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS e Funções Gratificadas - FG; autoriza a prorrogação de contratos temporários firmados com base no art. 81-A da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, e no art. 30 da Lei nº 10.871, de 20 de maio de 2004; revoga dispositivos das Leis nºs 5.989, de 17 de dezembro de 1973; 9.888, de 8 de dezembro de 1999; 10.768, de 19 de novembro de 2003; 11.094, de 13 de janeiro de 2005; e 11.182, de 27 de setembro de 2005, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26. abr. 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 17 out. 2008. _____. Lei nº 11.357, de 19 de outubro de 2006. Dispõe sobre a criação do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo - PGPE e do Plano Especial de Cargos do Ministério do Meio Ambiente e do IBAMA; institui a Gratificação Específica de Docência dos servidores

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dos extintos Territórios Federais do Acre, Amapá, Rondônia e Roraima - GEDET; fixa o valor e estabelece critérios para a concessão da Gratificação de Serviço Voluntário, de que trata a Lei nº 10.486, de 4 de julho de 2002, aos militares dos extintos Territórios Federais do Amapá, Rondônia e Roraima; autoriza a redistribuição, para os Quadros de Pessoal Específico das Agências Reguladoras, dos servidores ocupantes de cargos de provimento efetivo do Plano de Classificação de Cargos, instituído pela Lei no 5.645, de 10 de dezembro de 1970, ou planos correlatos das autarquias e fundações públicas, cedidos àquelas autarquias, nas condições que especifica; cria Planos Especiais de Cargos, no âmbito das Agências Reguladoras referidas no Anexo I da Lei nº 10.871, de 20 de maio de 2004; institui a Gratificação de Efetivo Desempenho em Regulação GEDR, devida aos ocupantes dos cargos do Plano Especial de Cargos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA; cria as carreiras e o Plano Especial de Cargos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE e do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP; aumenta o valor da Gratificação Específica de Publicação e Divulgação da Imprensa Nacional - GEPDIN, instituída pela Lei nº 11.090, de 7 de janeiro de 2005; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20. out. 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 17 out. 2008. _____. Lei nº 11.784, de 22 de setembro de 2008. Dispõe sobre a reestruturação do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo - PGPE, de que trata a Lei n o 11.357, de 19 de outubro de 2006, do Plano Especial de Cargos da Cultura, de que trata a Lei n o 11.233, de 22 de dezembro de 2005, do Plano de Carreira dos Cargos TécnicoAdministrativos em Educação, de que trata a Lei n o 11.091, de 12 de janeiro de 2005, da Carreira de Magistério Superior, de que trata a Lei n o 7.596, de 10 de abril de 1987, do Plano Especial de Cargos do Departamento de Polícia Federal, de que trata a Lei no 10.682, de 28 de maio de 2003, do Plano de Carreira dos Cargos de Reforma e Desenvolvimento Agrário, de que trata a Lei n o 11.090, de 7 de janeiro de 2005, da Carreira de Perito Federal Agrário, de que trata a Lei n o 10.550, de 13 de novembro de 2002, da Carreira da Previdência, da Saúde e do Trabalho, de que trata a Lei n o 11.355, de 19 de outubro de 2006, da Carreira de Fiscal Federal Agropecuário, de que trata a Medida Provisória no 2.229-43, de 6 de setembro de 2001, e a Lei n o 10.883, de 16 de junho de 2004, dos Cargos de Agente de Inspeção Sanitária e Industrial de Produtos de Origem Animal, Agente de Atividades Agropecuárias, Técnico de Laboratório e Auxiliar de Laboratório do Quadro de Pessoal do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, de que tratam respectivamente as Leis n os 11.090, de 7 de janeiro de 2005, e 11.344, de 8 de setembro de 2006, dos Empregos Públicos de Agentes de Combate às Endemias, de que trata a Lei n o 11.350, de 5 de outubro de 2006, da Carreira de Policial Rodoviário Federal, de que trata a Lei n o 9.654, de 2 de junho de 1998, do Plano Especial de Cargos do Departamento de Polícia Rodoviária Federal, de que trata a Lei no 11.095, de 13 de janeiro de 2005, da Gratificação de Desempenho de Atividade de Execução e Apoio Técnico à Auditoria no Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde - GDASUS, do Plano de Carreiras e Cargos do Hospital das Forças Armadas - PCCHFA, do Plano de Carreira e Cargos de Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico, e do Plano de Carreira do Ensino Básico Federal; fixa o escalonamento vertical e os valores dos soldos dos militares das Forças Armadas; altera a Lei no 8.745, de 9 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, a Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, a Lei no 10.484, de 3 de julho de 2002, que dispõe sobre a criação da Gratificação de Desempenho de Atividade Técnica de Fiscalização Agropecuária - GDATFA, a Lei no 11.356, de 19 de outubro de 2006, a Lei n o 11.507, de 20 de julho de 2007; institui

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sistemática para avaliação de desempenho dos servidores da administração pública federal direta, autárquica e fundacional; revoga dispositivos da Lei n o 8.445, de 20 de julho de 1992, a Lei n o 9.678, de 3 de julho de 1998, dispositivo da Lei n o 8.460, de 17 de setembro de 1992, a Tabela II do Anexo I da Medida Provisória n o 2.215-10, de 31 de agosto de 2001, a Lei n o 11.359, de 19 de outubro de 2006; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23. set. 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 1º dez. 2008. _____. Lei nº 11.890, de 24 de dezembro de 2008. Dispõe sobre a reestruturação da composição remuneratória das Carreiras de Auditoria da Receita Federal do Brasil e Auditoria-Fiscal do Trabalho, de que trata a Lei no 10.910, de 15 de julho de 2004; das Carreiras da Área Jurídica, de que trata a Lei no 11.358, de 19 de outubro de 2006; das Carreiras de Gestão Governamental, de que trata a Medida Provisória no 2.229-43, de 6 de setembro de 2001; das Carreiras do Banco Central do Brasil - BACEN, de que trata a Lei no 9.650, de 27 de maio de 1998; e da Carreira de Diplomata, de que trata a Lei n o 11.440, de 29 de dezembro de 2006; cria o Plano de Carreiras e Cargos da SUSEP, o Plano de Carreiras e Cargos da CVM e o Plano de Carreiras e Cargos do IPEA; dispõe sobre a remuneração dos titulares dos cargos de Técnico de Planejamento P-1501 do Grupo P1500, de que trata a Lei n o 9.625, de 7 de abril de 1998, e integrantes da Carreira Policial Civil dos extintos Territórios Federais do Acre, Amapá, Rondônia e Roraima de que trata a Lei no 11.358, de 19 de outubro de 2006, a criação de cargos de Defensor Público da União, a criação de cargos de Analista de Planejamento e Orçamento, e sobre o Sistema de Desenvolvimento na Carreira - SIDEC, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 dez. 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 03 fev. 2009. _____. Lei nº 11.907, de 02 de fevereiro de 2009. Dispõe sobre a reestruturação da composição remuneratória das Carreiras de Oficial de Chancelaria e de Assistente de Chancelaria, de que trata o art. 2 o da Lei no 11.440, de 29 de dezembro de 2006, da Carreira de Tecnologia Militar, de que trata a Lei n o 9.657, de 3 de junho de 1998, dos cargos do Grupo Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo - Grupo DACTA, de que trata a Lei no 10.551, de 13 de novembro de 2002, dos empregos públicos do Quadro de Pessoal do Hospital das Forças Armadas - HFA, de que trata a Lei n o 10.225, de 15 de maio de 2001, da Carreira de Supervisor Médico-Pericial, de que trata a Lei n o 9.620, de 2 de abril de 1998, das Carreiras da Área de Ciência e Tecnologia, de que trata a Lei n o 8.691, de 28 de julho de 1993, do Plano de Carreiras de Cargos da FIOCRUZ, de que trata a Lei no 11.355, de 19 de outubro de 2006, das Carreiras e do Plano Especial de Cargos do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes - DNIT, de que trata a Lei no 11.171, de 2 de setembro de 2005, da Carreira da Seguridade Social e do Trabalho, de que trata a Lei n o 10.483, de 3 de julho de 2002, da Carreira Previdenciária, de que trata a Lei n o 10.355, de 26 de dezembro de 2001, dos Policiais e Bombeiros Militares dos Ex-Territórios Federais e do antigo Distrito Federal, de que trata a Lei n o 10.486, de 4 de julho de 2002, do Plano Especial de Cargos da SUFRAMA, de que trata a Lei no 11.356, de 19 de outubro de 2006, do Plano Especial de Cargos da EMBRATUR, de que trata a Lei n o 11.356, de 19 de outubro de 2006, do Plano de Classificação de Cargos, de que trata a Lei n o 5.645, de 10 de dezembro de 1970, do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo, de que trata a Lei n o 11.357, de 19 de outubro de 2006, do Quadro de Pessoal da Imprensa Nacional, de que trata a Lei n o 11.090, de 7 de janeiro de 2005, da Gratificação de Incremento à Atividade de Administração do Patrimônio da União - GIAPU, de que trata a Lei n o 11.095, de 13 de janeiro de 2005, das Carreiras da área de Meio Ambiente, de que trata a Lei n° 10.410, de 11 de janeiro de 2002, do Plano Especial de Cargos do Ministério do Meio Ambiente e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, de que trata a Lei n o 11.357, de

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2006, das Carreiras e do Plano Especial de Cargos do FNDE, de que trata a Lei n o 11.357, de 2006, das Carreiras e do Plano Especial de Cargos do INEP, de que trata a Lei no 11.357, de 2006, dos Juizes do Tribunal Marítimo, de que trata a Lei n o 11.319, de 6 de julho de 2006, do Quadro de Pessoal da Fundação Nacional do Índio - FUNAI, do Plano de Carreiras e Cargos do INMETRO, de que trata a Lei no 11.355, de 19 de outubro de 2006, do Plano de Carreiras e Cargos do IBGE, de que trata a Lei n o 11.355, de 2006, do Plano de Carreiras e Cargos do INPI, de que trata Lei n o 11.355, de 2006, da Carreira do Seguro Social, de que trata a Lei no 10.855, de 1o de abril de 2004, das Carreiras e do Plano Especial de Cargos do DNPM, de que trata a Lei n o 11.046, de 27 de dezembro de 2004, do Quadro de Pessoal da AGU, de que trata a Lei n o 10.480, de 2 de julho de 2002, da Gratificação de Desempenho de Atividade dos Fiscais Federais Agropecuários GDFFA, de que trata a Lei no 10.883, de 16 de junho de 2004, da Gratificação de Desempenho de Atividade Técnica de Fiscalização Agropecuária - GDATFA, de que trata a Lei no 10.484, de 3 julho de 2002, da Gratificação de Desempenho de Atividade de Perito Federal Agrário - GDAPA, de que trata a Lei n o 10.550, de 13 de novembro de 2002, da Gratificação de Desempenho de Atividade de Reforma Agrária - GDARA, de que trata a Lei no 11.090, de 7 de janeiro de 2005, da Gratificação de Desempenho da Carreira da Previdência, da Saúde e do Trabalho - GDPST, de que trata a Lei n o 11.355, de 2006, das Carreiras e Planos Especiais de Cargos das Agências Reguladoras, de que tratam as Leis nos 10.768, de 19 de novembro de 2003, 10.871, de 20 de maio de 2004, 10.882, de 9 de junho de 2004, e 11.357, de 2006, da Gratificação Temporária das Unidades Gestoras dos Sistemas Estruturadores da Administração Pública Federal GSISTE, de que trata a Lei n o 11.356, de 2006, sobre a instituição da Gratificação Específica de Produção de Radioisótopos e Radiofármacos - GEPR, da Gratificação Específica, da Gratificação do Sistema de Administração dos Recursos de Informação e Informática - GSISP, da Gratificação Temporária de Atividade em Escola de Governo GAEG e do Adicional de Plantão Hospitalar, dispõe sobre a remuneração dos beneficiados pela Lei no 8.878, de 11 de maio de 1994, dispõe sobre a estruturação da Carreira de Médico Perito Previdenciário, no âmbito do Quadro de Pessoal do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, do Plano de Carreiras e Cargos do Instituto Evandro Chagas e do Centro Nacional de Primatas e do Plano Especial de Cargos do Ministério da Fazenda, reestrutura a Carreira de Agente Penitenciário Federal, de que trata a Lei no 10.693, de 25 de junho de 2003, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 3. fev. 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10 fev. 2009. HERZ, Daniel. A História Secreta da Rede Globo. Porto Alegre: Tchê! Editora Ltda., 1988. JAMBEIRO, Othon et alli. Tempos de Vargas: o Rádio e o Controle da Informação. Salvador: EDUFBA, 2004. KUSHNIR, Beatriz. Cães de guarda. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004. MINISTÉRIO DO ORÇAMENTO E GESTÃO. Tabela de Remuneração dos Servidores Públicos Federais – posição junho de 1998. Brasília, jan. 1999. Disponível em: <http://www.planejamento.gov.br>. Acesso em: 10 out. 08. OLIVEIRA, Euclides Quandt de. Renascem as Telecomunicações: Construindo a Base. São José dos Pinhais, PR: Editel, 1992. PIERANTI, Octavio Penna; MARTINS, Paulo Emílio Matos. A Radiodifusão como um Negócio: um Olhar sobre a Gestação do Código Brasileiro de Telecomunicações. Eptic Online, v.9, n.1, ene-abr. 2007.

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RAMOS, Murilo César. Uma nova legislação para as comunicações brasileiras e o paradoxo da radiodifusão. Tendências XXI, ano II, n. 2, set. 1997, p. 176-182. _____. Agências Reguladoras: a reconciliação com a política. In: LATIN AMERICAN STUDIES ASSOCIATION, 2004, Las Vegas, Nevada. Anais. Las Vegas, Nevada: LASA, 2004. RIBEIRO, Ana Paula Goulart. Imprensa e história no Rio de Janeiro dos anos 1950. Rio de Janeiro: E-papers, 2007. SANTOS, Suzy dos; CAPPARELLI, Sérgio. Coronelismo, Radiodifusão e Voto: a nova face de um velho conceito. In: BRITTOS, Valério Cruz; BOLAÑO, César Ricardo Siqueira (org.). Rede Globo: 40 anos de hegemonia e poder. São Paulo: Paulus, 2005. SILVA, J. A. Alencastro e. Telecomunicações: histórias para a História. São José dos Pinhais, PR: Editel, 1990. WAHRLICH, Beatriz M. de Sousa. Reforma administrativa federal brasileira: passado e presente. RAP, (8), abr.-jun. 1974, p. 27-75.

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Bacharel em Comunicação Social/habilitação em jornalismo pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ), mestre em Administração Pública (EBAPE/FGV) e doutor em Administração pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (EBAPE/FGV). Pesquisador do Programa de Estudos em Administração Brasileira (ABRAS) da EBAPE/FGV e do Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã (Lecotec) da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista (FAAC/UNESP).

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Peter Burke, uma história social da mídia e do conhecimentoi

Denis Gerson Simõesii

“A visão de um historiador frente às mudanças tecnológicas ocorridas junto à mídia.” Esse pode ser o resumo do diálogo realizado com o Prof. Dr. Peter Burke, em Porto Alegre, quando falou do seu livro Uma História Social da Mídia (2004), escrito juntamente com Asa Briggs. Nesta entrevista o professor expôs questões ligadas à história, Tecnologias da Informação e Comunicação, mídias e educação. Com destaque internacional, Burke fez doutorado pela Universidade de Oxford, é professor de História na Universidade de Cambridge e membro da Emmanuel College. Publicou várias obras, entre elas A fabricação do rei (1994) e Uma história social do conhecimento (2003).

1. O que o senhor pensa sobre redes sociais, sites, blogs? É como quase tudo. Tem vantagens e desvantagens. Vantagens de rapidez, onde, por exemplo, descobri que sentado, na minha sala de estudo, querendo verificar algo, posso pegar um livro ou encontrar o que quero encontrar consultando o Google e o Wikipédia. É até melhor, mas menos importante morando em cidades com boas bibliotecas. Todos podem consultar o site Wikipédia em locais onde não existem muitas bibliotecas, como na praia, na África etc. Há desvantagens, pois a qualidade da informação é muito variável. Há artigos excelentes no Wikipédia, outros menos. Também, outra vantagem do Wikipédia sobre a enciclopédia britânica é a rapidez de revisão. Todos os dias as informações estão mudando. Mas apesar disso, os estudantes não devem esquecer os livros, pois há áreas de conhecimento com quase nada na internet. Realizei algumas especializações e com isso, busquei detalhes biográficos na Internet. Não encontrei nada. Vamos à coexistência de vários meios de pesquisa e não a substituição do meio para outro meio.


2. Antigamente as pessoas faziam resumos de livros. Atualmente as pessoas estão deixando de lado o costume de anotar, substituindo o papel e a caneta por notebooks. O que o senhor acha disso? No começo, era muito estranho. Havia estudantes que em vez de fazer uma bibliografia, simplesmente diziam que encontravam o material na Internet. Mas agora existem referências, em artigos, no Wikipédia... Então estou aceitando melhor isso do que antes.

3. Como o senhor vê na sociedade ocidental atual o papel da mídia dentro das relações de poder? Como quase sempre, tem dois lados. Agora, nos governos, temos a possibilidade de saber mais do que nunca sobre tudo na sociedade. Isso é muito perigoso para a liberdade do individual. Por outro lado, é possível para os indivíduos saberem muito mais dos segredos do governo do que antes. É fenômeno é quase universal no mundo de hoje.

4. A questão da Internet, os meios eletrônicos, digitais, vem alterando um pouco o aspecto da mídia nos últimos quinze anos. Quando o senhor escreveu “A História Social da Mídia”, conta mais da mídia histórica, com Gutenberg, dos movimentos mais antigos. Ocorreram alterações nas novas edições do livro com a digitalização, nesse processo com o computador e a mudança das mídias? Agora temos uma terceira edição do livro. Felizmente, a minha parte não precisou ser modificada. Quase nenhuma alteração. Mas Briggs [Asa Briggs, autor do livro Uma História Social da Mídia junto com Burke] precisou reescrever quase tudo do segundo capítulo exatamente para essa nova edição. Ocorreram grandes mudanças.


5. O senhor trabalha muito a idéia da mídia como instrumento social. Como Podemos ver a história da sociedade através da história da mídia, ou, a mídia como reflexo da sociedade. Como faria essa análise? É mais complicado... Eu gosto sempre de falar, escrever e pensar “as mídias” no plural. Elas são meros reflexos da sociedade, pois têm muitas possibilidades de mudar a própria sociedade. É uma relação dialética.

6. A questão que se coloca muito é a idéia da inovação. O que as idéias passam a se alterar a partir das tecnologias e o que não se faz. A academia hoje publica muitas vezes muitos livros, mas muito iguais. Qual o papel da Academia e da mídia no processo de inovação das idéias? A grande maioria dos livros acadêmicos, como a grande maioria das comunicações, não são inovadoras. Mas há uns 5% que se diferenciam e são muito importantes para a sociedade em geral. É bom pensar que Tim BernersLee [engenheiro britânico que inventou a World Wide Web] é acadêmico e que a internet começou como meio de comunicação entre acadêmicos e depois abriu para todo mundo. É uma forma de inovação.

7. Como o senhor vê a relação da educação e seu uso a partir das mídias? Nós, professores, precisamos de uma educação no campo dos meios de comunicação, para nos comunicarmos melhor. Quando comecei minha carreira acadêmica, ninguém falou que eu precisaria aprender como dar uma palestra, escrever um livro, falar no rádio ou aparecer na televisão. Sou autodidata. Talvez, precisamos de algo mais eficiente, num nível de doutorado, estudando a habilidade de comunicar, não só a habilidade de dar uma nova interpretação a alguma coisa.

8. Referente à questão das suas obras. O senhor tem obras ligadas a história que dialogam com temas da mídia, da sociedade, do conhecimento. Todavia, essas obras giram em torno de uma realidade européia, saxônica,


chegando a dialogar também com fatos dos Estados Unidos, muitas vezes. Paralelo a isso, não se vê citações de como se deu a contribuição latinoamericana nessa história. Isso se vê pouco não só no seu livro, mas na literatura mundial. Como o senhor vê o papel da América Latina como gestora de conhecimento na atualidade, em tempos em que líderes latinoamericanos passam a despontar no cenário global? Não conheço suficientemente a situação na América Latina. Comecei a estudar somente a vinte e cinco anos e não há cinqüenta [risos]. Penso que a situação latino-americana tem características em comum com outros países da “periferia” (destaco de modo diferenciado o termo “periferia”, pois trato-o em um estado psicológico e não somente sociológico). Os intelectuais na periferia têm um problema que foi muito analisado na história das ciências pelo sociólogo Robert Merton, quando ele fala do Matthew Effect. Então, descobertas feitas por cientistas “menores” são atribuídas pela posteridade a grandes nomes, como Einstein e Nilton. Talvez também descobertas feitas aqui sejam atribuídas a pesquisadores dos Estados Unidos... É uma reflexão.

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Entrevista concedida pelo Prof. Dr. Peter Burke antes da palestra “História Social da Mídia”, no dia 15 de junho de 2010, promovida pelo Instituto de Ciências Humanas, Artes e Letras – ICHLA da FEEVALE. Contou com participação de graduanda da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e do mestrando Denis Gerson Simões (Unisinos). A transcrição dos dados teve a colaboração de Jonathan Reis, Graduando em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda na UNISINOS, onde é bolsista de iniciação científica, e membro do Grupo de Pesquisa CEPOS (apoiado pela Ford Foundation). E-mail: <jonathanreis2004@hotmail.com>. ii

Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), membro do Grupo de Pesquisa CEPOS (apoiado pela Ford Foundation) e licenciando em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: <denis@portal25.com>.


A DITADURA CONTINUADA: Imprensa e desigualdade social no Brasil a partir do caso da ficha falsa de Dilma Rousseff na Folha de S. Paulo Jakson Ferreira de Alencar1 Mestrando em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo jfalencar@yahoo.com.br

Resumo:

O artigo descreve, contextualiza e analisa as relações entre a imprensa e desigualdade social no Brasil a partir do caso da publicação, na Folha de S. Paulo, de uma ficha falsa atribuída aos arquivos da ditadura militar, com crimes associados à Dilma Rousseff, como “terrorista”. O caso põe em evidência posicionamentos políticos reacionários e favoráveis à manutenção do status quo. Palavras-chave: imprensa, desigualdade social, política, hegemonia

Abstract:

The article describe, contextualize and analyze the relationship between the press and social inequality in Brazil, taking as it starting point the case of publication, in Folha de S. Paulo, of a false statement attributed to the military dictatorship archives, with crimes associated with Dilma Rousseff, as “terrorist”. The case put in evidence politic positioning reactionaries and favorable to the maintening of the status quo. Keywords: press, social inequality, politic, hegemony

Resumen: El artículo describe, contextualiza y analiza las relaciones de la prensa con la desigualdad social en el Brasil, a partir de la publicación del caso, en el diario Folha


de S. Paulo, de una ficha falsa atribuida a los archivos de la dictadura militar, con crímenes asociados a Dilma Rousseff, como "terrorista". El caso pone en evidencia posicionamientos políticos reaccionarios y favorables a la mantención del status quo. Palabras claves: prensa, desigualdad social, política, hegemonía

INTRODUÇÃO

No entender de muitos, atualmente, a questão de classe nos estudos da comunicação é considerada como superada. Segundo Graham Murdock, aos poucos essa questão foi substituída por outras que buscavam destacar não as invariâncias, mas as singularidades entre grupos sociais em conflito. Em suas palavras: Os rígidos contornos verticais da classe deram lugar aos horizontes abertos da diferença. É hora de inverter esta percepção e insistir que sob a praia jazem as pedras do calçamento. A classe pode ter sido abolida retoricamente em muitos textos, mas uma quantidade impressionante de evidências empíricas confirma que ela permanece como uma forma essencial para modelar a maneira como vivemos hoje (Murdock, 2009: 32).

Na história do Brasil existem vários casos em que se tornou evidente a ação dos meios de comunicação para a manutenção do status quo. Em geral a narrativa favorável às classes hegemônicas é uma constante na rotina do país, mas ao longo da história, alguns casos tiveram mais destaque, dada a importância das ocasiões em que ocorrem. Apenas para citar alguns exemplos, temos a crise que levou Getúlio Vargas ao suicídio, que teve como estopim oaumento de 100% dado ao salário mínimo, dentre outras políticas favoráveis às classes trabalhadoras de então e ao nacionalismo; o golpe militar de 64, efetivado contra demandas sociais por redistribuição de renda feito com amplo apoio da mídia; a eleição de Fernando Collor; o alinhamento com o aprofundamento do neoliberalismo no país na década de 90, particularmente durante o governo FHC.


Neste artigo, abordamos essa problemática à luz de um caso específico muito concreto: a publicação, na Folha de S. Paulo, de uma ficha atribuída aos arquivos da ditadura militar – e depois descoberta como falsa –, com crimes associados à ministra Dilma Rousseff, e de matérias correlatas que a designavam como “terrorista”, “assaltante” e, principalmente, participante de um plano não executado de sequestro de autoridade. A maneira pela qual o jornal “construiu” e narrou esse fato tem continuidade com a maneira pela qual a imprensa hegemônica narrou o golpe militar e ajudou a legitimar e sustentar a ditadura, os quais, como veremos, foram construídos por ação de classe para assegurar o poder e evitar a distribuição de renda. A ditadura teve como pilastra o controle dos meios de comunicação, seja pela adesão voluntária destes por afinidade ideológica, seja pela censura e outros métodos. Primeiro faremos a reconstituição do caso, depois breve contextualização e, por fim, uma análise dele com base em teorias da comunicação, a fim de comprovar a seguinte hipótese: a imprensa brasileira tem sido um dos mecanismos de manutenção da desigualdade social no país.

O CASO DA FICHA FALSA DA MINISTRA DILMA ROUSSEFF NA FOLHA DE SÃO PAULO Em 5 de abril de 2009 a Folha de S. Paulo publicou uma matéria de três páginas (Folha de S. Paulo, 5/4/2009: A8-A10), e chamada no alto da primeira página sobre um suposto envolvimento da atual ministra Dilma Rousseff, quando militante contra a ditadura militar, no plano para o sequestro não realizado do então ministro da Economia, Delfim Netto. Uma das fontes apresentadas pela Folha, publicada com destaque, foi uma ficha que, segundo o jornal, teria sido copiada dos arquivos do Deops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social). Essa ficha depois teve sua falsidade comprovada, entre outros meios, por dois laudos, um da UnB (Universidade de Brasília) e outro da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).


Nela, Dilma Rousseff é classificada como “terrorista” e “assaltante de banco”, havendo ainda o carimbo de “CAPTURADA” e o registro de outros crimes, como planejamento de assassinatos e militância. Em entrevista, publicada junto com a ficha, a Fernanda Odilla, a mesma repórter que assinou a matéria, Dilma negou veementemente ter participado de formas de militância armada e disse nem sequer saber da existência de um plano para sequestrar Delfim Netto. No entanto, o jornal, sem maiores apurações, publicou, em letras garrafais, manchetes que a associavam ao caso. Os desdobramentos posteriores evidenciaram a existência de fontes insuficientes para a publicação de matéria com acusações tão graves, a não comprovação de fontes e a manipulação grosseira de outras. Publicou-se que a ficha falsa pertencia aos arquivos do Deops. Mas, no desmentido, divulgado 20 dias depois, o jornal reconheceu que a ficha não era proveniente do arquivo e a havia recebido por e-mail. Não informou, no entanto, quem a teria enviado. A única outra pessoa ouvida – por telefone, assim como a ministra – foi o atual professor universitário e jornalista Antonio Espinosa, também ex-militante contra a ditadura. Segundo a matéria, Espinosa teria afirmado ser possível que Dilma Rousseff tivesse participado dos planos para o sequestro não ocorrido de Delfim Netto. Entretanto, após a publicação da matéria, Espinosa enviou carta à Folha em que negou, com sólidos argumentos, ter dito isso: Chocou-me, portanto, a seleção arbitrária e edição de má-fé da entrevista, pois, em alguns dias e sem recursos sequer para uma entrevista pessoal (...), a repórter chegou a conclusões mais peremptórias do que a própria polícia da ditadura, amparada em torturas e num absurdo poder discricionário. Prova disso é que nenhum de nós foi incriminado por isso na época pelos oficiais militares e delegados dos famigerados Doi-Codi e Deops e eu não fui denunciado por qualquer um dos três promotores militares das auditorias onde respondi a processos (...) (Viomundo, 6/4/2009).

O professor também esclareceu na carta que a VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares) não era o “grupo da Dilma”, como informou o


jornal, “mas uma organização política de resistência à infame ditadura que se alastrava em nosso país, que só era branda 2 para quem se beneficiou dela. Em virtude de sua defesa da democracia, da igualdade social (grifo nosso) e do socialismo, teve dezenas de seus militantes covardemente assassinados nos porões do regime”. A narrativa da Folha está em continuidade com a forma como o jornal construiu narrativas no período da ditadura militar. Uma pesquisa do grupo Tortura Nunca Mais (França, 2009, mimeo), composto em grande parte de pessoas torturadas durante a ditadura, reúne cópias de matérias do jornal no período com um tom policialesco em relação aos opositores do regime – tal como no caso aqui em estudo, classificando a resistência como terrorismo. É revelador que o jornal associe à ministra e à resistência vários “crimes”, mas não faça nenhuma menção aos militantes da VAR-Palmares mortos pela ditadura nem às barbaridades e crimes praticadas pelo regime, bem como não contextualiza o caso, explicando o que foi e o que significou a ditadura. Não faz qualquer menção ao fato de 30 mil pessoas terem sido torturadas e 500 mortas pelo regime, muitas das quais até hoje desaparecidas. O jornal prometera publicar a carta de Espinosa na edição da segunda-feira, dia 6 de abril, um dia depois da matéria, mas não cumpriu o combinado. O autor então distribuiu a carta a blogs e sites de informação alternativa, que fizeram dela larga divulgação, além de levantar questionamentos à matéria jornalística e apontarlhe inúmeras falhas grosseiras. Muitos jornalistas responsáveis por blogs e seus comentadores começaram a afirmar e demonstrar que a ficha havia sido criada digitalmente por sites de extrema direita, incluindo alguns de militares reformados remanescentes da ditadura (Cf. Conturno Noturno, 04/2009), e que isso poderia ter sido facilmente verificado até por estagiários iniciantes de artes gráficas (Blog do Nassiff, 7/7/2009). A Folha respondeu não ter publicado a carta de Espinosa porque a teria recebido depois do fechamento, embora o professor a tivesse enviado em horário combinado. Na segunda reclamação indignada enviada à Folha, no dia 8 de abril, ele, entre outras coisas, disse que o jornal não a publicou não por motivos


burocráticos, “mas porque quer ter o monopólio da verdade e manipular seus leitores”, e desafiou o periódico a publicar sua entrevista na íntegra (Cloaca News, 7/4/2009). Mesmo com recomendações do ombudsman do jornal para que a entrevista fosse publicada ao menos na Folha Online, isso jamais ocorreu. No dia 25 de abril, o jornal se viu forçado a publicar um desmentido, que, na verdade, foi um semidesmentido. Este se apresentou porque a pessoa prejudicada pela matéria, Dilma Rousseff, solicitou laudos a duas universidades (UnB e Unicamp) e, obtendo a comprovação de que a ficha fora fabricada digitalmente, fê-los chegar à redação e ao ombudsman.3 Concluímos que o arquivo foi fabricado digitalmente e seus elementos processados a partir de origens distintas como: a fotografia é analógica; todo o texto e seu “template” são digitais.4 No seu semidesmentido, o jornal reconhece apenas dois erros (embora, com base em seu Manual de redação, se possam encontrar inúmeros outros): O primeiro foi afirmar na Primeira Página que a origem da ficha era o arquivo [do] Dops. Na verdade, o jornal recebeu a imagem por e-mail. O segundo erro foi tratar como autêntica uma ficha cuja autenticidade, pelas informações hoje disponíveis, não pode ser assegurada – bem como não pode ser descartada (Observatório da Imprensa,25/4/2009).

Vinte dias após a publicação da matéria, após surgirem por todos os lados indicações precisas e incontestes de que a ficha era falsa, a Folha simplesmente diz que a autenticidade não pode ser assegurada, mas também não pode ser descartada. Se não pode ser assegurada, por que foi publicada, uma vez que contém acusações tão graves? Se em 5 de abril tivesse ocorrido um erro involuntário (embora o ombudsman tenha informado que a reportagem foi produzida durante quatro meses), os 20 dias subsequentes, com tantas evidências de falsidade demonstradas em sites, blogs e laudos legítimos, teriam sido suficientes para o reconhecimento e a devida reparação. Não tomar essas atitudes significa que o


jornal claramente optou pela burla, o que indica também uma escolha voluntária de linha editorial favorável à ideologia da ditadura e contrária a da resistência ao regime e suas ligações com a política brasileira atual. A Folha informou ainda, no desmentido, ter contratado peritos para fazer nova análise da ficha, mas não disse quem seriam eles. O jornal encerrou o assunto com esse semidesmentido e jamais voltou a ele, deixando vários esclarecimentos por fazer, a despeito das veementes cobranças do ombudsman, da pessoa prejudicada e de vários segmentos da sociedade. Em 5 de julho de 2009, o ombudsman da Folha de S. Paulo retorna ao tema pela quarta vez, abordando a insuficiência do jornal na resposta dada até então: Pela quarta vez, volto ao tema da reportagem de 5 de abril em que reprodução de suposta ficha criminal da ministra Dilma Rousseff dos tempos da ditadura foi publicada. Depois de a ministra ter contestado que a ficha fosse autêntica, o jornal reconheceu não ter comprovado sua veracidade. Considerei insuficientes as justificativas para os erros cometidos e sugeri uma comissão independente para apurá-los e propor alterações de procedimentos para evitar repetição (Folha de S. Paulo, 5/7/2009: A4).

A Folha jamais identificou a fonte que enviou a ficha por e-mail nem apresentou laudo algum. Com relação a fontes, checagem e cruzamento de informações, o próprio Manual da redação da Folha de S. Paulo vai ao encontro dos questionamentos feitos à matéria de 5 de abril:5 Cruzar informações e ouvir o outro lado permite, ainda, que o jornalista não endosse versões interessadas, que visem a manipulação da opinião pública, nem o erro que possa ser cometido por pessoas, instituições, empresas ou grupos. É sempre importante perguntar-se a quem uma notícia vai interessar, a quem ela traz prejuízos e quem dela se beneficia. São perguntas que ajudam a esclarecer o jogo de interesses por detrás dos fatos (Folha de S. Paulo, 2001: 27).

Por todos esses desdobramentos, aqui abordados sucintamente, constata-se que a matéria pretendeu desencadear uma campanha de destruição de reputação e


capital simbólico da pessoa atingida – no caso, a ministra Dilma Roussef, possível candidata pelo campo da esquerda à presidência da República no próximo ano. O caso não é isolado na imprensa hegemônica brasileira, como veremos abaixo. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

Vivemos em uma sociedade nacional extremamente desigual. Tal problema constitui um dos primeiros itens da agenda do país, senão o primeiro. A desigualdade é fruto de longa história, que remonta à colonização. Neste contexto de sociedade econômica e socialmente desigual, a imprensa também se constituiu e consolidou de forma desigual, concentrando-se nas mãos de poucos grupos ou mesmo sendo posse de alguns políticos conservadores, chamados de “coronéis eletrônicos”. Ao longo da história, nota-se a tendência de predomínio da mídia ligada à ideologia das classes dominantes, que, com raras exceções, procuram conservar e reproduzir a estrutura de classes. Constatamos isso com base em vários autores, particularmente Nelson Werneck Sodré, que publicou o estudo mais abrangente sobre a história da imprensa brasileira (1999), e René Dreifuss (1981), que estudou o período da ditadura militar. Também o antropólogo Darcy Ribeiro é importante referência. Na obra em que sintetiza toda a sua vida de estudos, O povo brasileiro, analisando a formação socioantropológica do país e questionando-se por que o Brasil ainda não deu o salto de qualidade que tanto se espera, identifica como raiz do problema a enorme desigualdade social e afirma que a imprensa hegemônica tem um papel importantíssimo em sua manutenção. Segundo ele, as elites e as classes dominantes usam diversos mecanismos para renegar com todas as forças qualquer possibilidade de mudança e de progresso generalizável a toda a população, sendo um dos mecanismos apontados o aparato de comunicação (2007: 239). A relação entre imprensa e classes dominantes pode ser observada desde a proibição, por parte da metrópole colonizadora, de que houvesse imprensa no Brasil e a constituição de uma imprensa oficial quando a corte portuguesa veio para cá. O


problema estende-se ao atual “coronelismo eletrônico” e à concentração da mídia nas mãos de algumas poucas famílias, havendo entre esses dois pólos – representados respectivamente pelas elites remanescentes da colonização e pelas atuais – muitas interligações que não podem ser de todo explicitadas aqui, devido ao limite de espaço. Na República Velha, por exemplo, os senhores de terra detinham o poder e o café fazia os presidentes. Nessa época, a imprensa das grandes cidades entrava na fase empresarial e industrial. A compra da opinião da imprensa pelo governo, segundo Nelson Sodré, tornou-se rotina, e isso era assumido publicamente até por um dos presidentes do período, Campos Sales, que dizia que, “junto com outros presidentes, peitava a imprensa à custa do tesouro” (Sodré, Nelson, 1999: 277). No Estado Novo, Getúlio Vargas agiu de maneira a conquistar-lhe o apoio; mas, em seu segundo governo, matou-se com uma bala no peito sob forte campanha apoiada por ela, contrária às reformas nacionalistas e sociais que estavam sendo implementadas. No governo JK a imprensa hegemônica, em sua maioria, assumiu-se como oposição, procurando, junto com outras forças sociais, impedir o presidente de governar, em vista da implantação de um governo composto de forças reacionárias (tratava-se de prévias do golpe de 64). Em 1989, toda a imprensa hegemônica se uniu em torno da candidatura de Fernando Collor, fazendo-o de modo quase declarado para evitar a ameaça ao status quo representada pela possibilidade de um governo de esquerda. Pela natureza deste artigo, não há espaço para se alongar muito em uma retrospectiva histórica completa. Portanto, procuraremos nos ater um pouco mais aos períodos mais ligados ao nosso objeto, a ditadura militar e o momento atual. Nos anos 1960, quando o país pôs a desigualdade em discussão, com indicativos

de

reformas

de

base

(agrária,

urbana,

educacional,

bancária,

administrativa e fiscal), forças sociais reacionárias e contrárias a modificações na ordem estabelecida nacionais

e

(políticos

regionais,

conservadores,

empresários,

representantes

imprensa,

militares,

de

setores

oligarquias religiosos

conservadores, amplos setores da classe média e das classes mais elevadas, com apoio dos EUA) se uniram para preparar e executar o golpe militar de 1964. Durante


os 20 anos de vigência do regime autoritário, sob a justificativa de que era preciso “crescer o bolo para depois reparti-lo”, as desigualdades sociais aumentaram em larga escala. A imprensa hegemônica da época, que com o apoio da ditadura aumentou sua concentração, foi uma das forças que se puseram a favor do golpe e ajudaram a lhe dar sustentação (Sodré, Nelson, 1999: 391-449). Hoje, finda a ditadura há quase três décadas, podemos pensar que seu ideário, nascido como resposta ao crescimento do anseio e das ações concretas por distribuição de renda, está superado. Todavia, o caso específico aqui abordado indica que a situação pode não ser essa. O ideário que produziu a ditadura e suas ligações com a imprensa ajuda a compreender a sistemática oposição desta ao governo Lula, particularmente a políticas e iniciativas que favoreçam a diminuição das desigualdades e a quebra de privilégios das classes dominantes. Embora o governo não tenha promovido uma mudança ou revolução radical na estrutura da sociedade brasileira, muitas pessoas conseguiram considerável mobilidade social. Desde 2003, segundo o IBGE, mais de 19 milhões de brasileiros saíram da condição de miséria (Yahoo Notícias, 5/11/2009). No extremo inferior da pirâmide social, segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas, as classes D e E também estão encolhendo, com maior número de famílias ascendendo à classe C. A informação é de extrema relevância, e alguns analistas estranham o fato de que a imprensa não tenha manifestado maior interesse pelo assunto Nesse contexto, o caso da ficha falsa que envolve a ministra da Casa Civil, candidata do governo nas eleições desse ano, é emblemático para comprrender a atuação da imprensa brasileira no passado e nos dias atuais, sobretudo no que concerne à questão da desigualdade social em suas ligações com a política. Em circunstâncias semelhantes, forças reacionárias sempre procuraram criminalizar, como forma de desacreditá-los, os movimentos sociais e políticos contrários ou que pelo menos inspirassem alguma suspeita de ser contrários à ordem estabelecida. O campo político ao qual está ligada a candidata Dilma Rousseff, embora não tenha


feito nenhuma drástica alteração nessa ordem, tem feito e sinalizado fazer transformações significativas. O CASO VISTO NA ÓTICA DAS TEORIAS DA COMUNICAÇÃO

Há muitas teorias da comunicação que abordam as interfaces sociais da comunicação e a questão da manipulação, do controle e cultivo da informação, do poder, do conhecimento e do capital, as questões de classe. Abaixo, analisaremos nosso objeto com base em algumas dessas teorias que nos ajudam a elucidar esse caso. CONSTRUÇÃO DO FATO E SUAS INFLUÊNCIAS

Como ponto de partida, temos a conceituação e problematização de fato (fato social, jornalístico e construção de fatos) feitas por Muniz Sodré em seu livro A narração do fato. Na concepção do “espírito positivo” da idade moderna, que marca a humanidade e suas ideias de cognição até hoje, fato é uma experiência sensível da realidade. A cada fato deve corresponder um dado possível, uma sensação, de modo que a intuição empírica se torna a fonte de todo saber. Vale apenas o empiricamente observável. O jornalismo incorpora o espírito do positivismo e o senso comum sobre os fatos, cultivando aquilo que Muniz Sodré chama de “mito da neutralidade”, expresso, por exemplo, no Manual da redação da Folha de S. Paulo como apartidarismo, pluralismo, neutralidade, maior objetividade possível, segurança das fontes, checagem e cruzamento de informações ( 2001: 17, 19, 47) . A ideia segundo a qual o jornalismo, em sua “objetividade”, deve funcionar como uma espécie de espelho do real é histórica e muito arraigada na sociedade. Ao se ler um jornal, há a ideia implícita ou explícita de que ali está a verdade dos fatos e os textos nos descrevem de forma o mais fiel possível o real, empiricamente comprovável. No mundo científico, após a crítica ao positivismo, sabemos que, mesmo com todo o


rigor, a objetividade total não é possível. A crítica feita pela filosofia e pelas teorias da ciência concluiu pela dificuldade da narração dos fatos em garantir o necessário rigor ao conhecimento. Sabemos também que a notícia é constituída por estratégias de construção do acontecimento, como vimos no caso que é nosso objeto de estudo. Muitas vezes os acontecimentos narrados podem nem ser tão reais, mas fictícios, como indica Muniz Sodré (2009). A disputa pela hegemonia sobre as representações sociais atravessa essas estratégias de construção dos fatos.. Para Sodré, a mídia constrói realidade e esferas existenciais (2009: 25).

FORÇAS QUE AGEM SOBRE A NOTÍCIA No livro As notícias e os seus efeitos: as “teorias” do jornalismo e dos efeitos sociais dos media jornalísticos, Jorge Pedro de Souza faz uma abordagem da questão da construção da notícia e dos efeitos disso na sociedade com base em teorias da comunicação, algumas das quais vamos examinar abaixo. Segundo o autor, há seis forças ou ações que incidem sobre a produção da notícia (1999: 4-5), evidenciando elementos do que falamos acima sobre a impossibilidade da neutralidade e objetividade total:

- Ação pessoal: as notícias resultam parcialmente das pessoas e das intenções, incluindo as rotinas de trabalho, o que se valoriza nos profissionais da organização, a maneira como os profissionais foram formados, as opções profissionais, ideológicas, os limites e possibilidades. - Ação social: as notícias são fruto de dinâmicas e dos constrangimentos do sistema social – particularmente do meio organizacional – em que são construídas. - Ação ideológica: as notícias são originadas por forças de interesse que dão coesão aos grupos, seja esse interesse consciente e assumido ou não.


- Ação cultural: as notícias são um produto do sistema cultural em que são produzidas, o que condiciona as perspectivas que se têm do mundo e a significação que se atribui a ele. - Ação do meio físico e tecnológico: as notícias dependem dos dispositivos tecnológicos usados no seu processo de fabrico e do meio físico em que são produzidas. No caso aqui analisado, por exemplo, o jornal utilizou uma ficha fabricada digitalmente que circulava em spams na internet. - Ação histórica: as notícias são um produto da história, durante a qual interagem as outras cinco forças relacionadas acima. Isso ficou demonstrado

também

no

ponto

anterior

do

artigo,

sobre

a

contextualização histórica. INDÚSTRIA

CULTURAL,

DOMINAÇÃO

SOCIAL,

AÇÃO

ESTRATÉGICA E HEGEMONIA Os filósofos da Escola de Frankfurt6 introduziram uma perspectiva crítica no estudo da comunicação social, elegendo a dominação como tema central de seu trabalho e assumindo por objetivo contribuir para a supressão das injustiças sociais. Também sublinharam a influência dos produtos culturais de massa na criação e reprodução da ideologia dominante e da sociedade por ela marcada. Para esse grupo, as pessoas tendem a aderir acriticamente a valores impostos pela força da indústria cultural. Os meios de comunicação, segundo essa escola, são instrumentos mediadores entre a classe dominante e as classes dominadas (Souza, 1999, 89-90). A Escola de Frankfurt e seus postulados sofreram muitas críticas, particularmente por conceberem as audiências como muito passivas perante os meios de comunicação e seus enunciados e por verem a comunicação como mero processo que passa do emissor ao receptor, sem influência recíproca. Mas, levando em consideração essas críticas, também sabemos que os postulados da escola permanecem com força até hoje e continuam sendo fundamentais no estudo da


comunicação. Embora as audiências não sejam passivas – mesmo que parte significativa apresente indícios de que seja –, há grande confiança nos meios jornalísticos e significativa abertura para acreditar no que é informado por eles, que se apresentam como imparciais e objetivos sem o serem. Como afirma o presidente do Instituto Vox Populi, Marcos Coimbra, ao analisar os resultados das eleições de 2006, parte da população tem opinião formada, mas cerca de um terço, no caso estudado por ele, é permeável à influência da cobertura jornalística. Como dito acima, na contextualização histórica do nosso objeto de análise, os meios de comunicação se inserem nos processos e mediações sociais de uma sociedade desigual. Então, não é o caso de dizer que eles criam as desigualdades, mas, sim, que, surgindo nesse contexto, são apropriados em sua maior parte pelas classes dominantes e, por conta dessa apropriação, sob a influência das forças econômicas, se conciliam com as desigualdades e têm sido, ao longo da história do Brasil, um fator que colabora em sua reprodução e perpetuação. Isso se revela muito claro no caso da ficha falsa. AS

FUNÇÕES

DA

COMUNICAÇÃO

E

A

TRANSMISSÃO

DA

“HERANÇA SOCIAL”

O pensamento de Lasswell, da escola funcionalista, embora saibamos seja de contexto histórico bem diferente, na abordagem diacrôncia das teorias da comunicação no que concerne às questões de classe, em consonância com as outras teorias abordadas, pode ajudar a elucidar o objeto e a hipótese aqui examinados. O autor aponta funções da comunicação (Cohn, 1971) que, relacionadas ao caso, podem ser constatadas em certos momentos pretéritos da realidade brasileira, assim como, de maneira subliminar, no momento atual: a vigilância sobre o meio ambiente e a correlação das partes da sociedade em resposta ao meio, pelas quais as “elites dominantes percebem as ameaças potenciais e reagem a elas de maneira aberta e secreta”, tomando precauções para


impor “segurança” e controle sobre quantos assuntos políticos forem possíveis, reafirmando a própria ideologia e reprimindo as contrárias (como ocorreu à época do golpe militar de 64 no Brasil); a transmissão da herança social de uma geração a outra, em que se inclui a concentração de poder, riqueza e outros valores, formando castas em vez de uma sociedade móvel. Na abordagem do caso vimos que, em 1964, o risco de transformações radicais na estrutura social brasileira foi percebido e propagado pelas elites e pela mídia, e, segundo Dreifuss (1981), as elites reagiram com o golpe, por ele chamado de “golpe de classe”. No Brasil, a comunicação também tem exercido a função de transmissão da herança social de uma geração a outra, incluindo o poder e a riqueza, e dificultado a mobilidade social, como vimos na contextualização histórica. AGENDAMENTO E SILENCIAMENTO

Algumas teorias de explicação dos efeitos dos meios de comunicação mais atualidade também nos ajudam na elucidação do objeto: é o caso da teoria do agendamento social (agenda setting) de McCombs e Shaw, a qual discute a capacidade dos meios de comunicação em levantar determinados temas em detrimento de outros e torná-los centrais no debate da sociedade, definindo quais devem ser considerados importantes pelo público. No caso da ficha falsa, há uma iniciativa evidente de, no contexto do debate político eleitoral, tematizar assuntos negativos para a pré-candidata Dilma Rousseff, o que se insere numa tematização maior, batizada pelo jornalista Luiz Carlos Azenha como “demonização da Dilma” (Vi o mundo, 21/8/2009). Em linha convergente, a teoria da espiral do silêncio (Noelle-Neumann) afirma que os meios de comunicação tendem a consagrar maior espaço às opiniões dominantes, reforçando-as e contribuindo para “calar” as minorias pelo isolamento e pela não referenciação, de modo que exercem assim uma influência forte e direta sobre as audiências, a curto e a longo prazo, e provocam mudanças de opinião e de


atitudes. No caso em estudo a não referenciação se deu na ausência de contextualização dos movimentos contrários à ditadura e, dentre outras coisas a ocultação das razões pelas quais lutavam. A PROPAGAÇÃO DE “MEMES”

A teoria da propagação dos memes, de Richard Dawkins (2007), propõe modelos explicativos que podem ser úteis para compreender a importância da propagação das ideias para a vida humana. No que diz respeito à sua funcionalidade, o “meme” é considerado uma unidade de evolução cultural que pode autopropagar-se de forma análoga ao que ocorre com os genes nas populações biológicas. O nível mais profundo em que a seleção natural age são os genes – na verdade, a informação contida neles. Animais e plantas são veículos para os genes, replicadores biológicos cuja informação está sendo transmitida, em muitos casos, há bilhões de anos. Os “memes” são unidades culturais, átomos da cultura e da história, considerados uma unidade de informação que se multiplica ou de cérebro em cérebro, ou entre locais onde a informação é armazenada (como livros e jornais) e outros locais de armazenamento ou cérebros, influenciando e instruindo os comportamentos. Dessa forma, os “memes” propagados pela imprensa se estendem pela sociedade e impregnam as pessoas, mesmo que muitas duvidem deles. No caso do presente estudo, os “memes” propagados foram positivos no que concerne à ditadura, tratada como se fosse um governo fiador da ordem, e negativos no que concerne à resistência a ela, tratada como crime, baderna, terrorismo. MODELAÇÃO DE CONHECIMENTO E CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE

Por fim, há duas teorias que versão sobre a modelação social do conhecimento e a construção social da realidade. A primeira define primordialmente


a influência dos meios de comunicação a longo prazo, no que tange à distribuição e modelação social do conhecimento, por meio do controle do acesso e da distribuição da informação e do conhecimento. Para Donohue, Tichenor e Olien, o controle do conhecimento é essencial para assegurar a manutenção do poder, sendo relevante o fato de os setores que participam da gestão do poder disporem de mecanismos especializados no controle e orientação da informação (Souza, 1999: 99-106; 109112; 117-123). O sistema de distribuição do conhecimento dependeria do grau de pluralismo da sociedade. As diferentes visões protagonizadas por diferentes grupos seriam permanente foco de tensões e conflitos. Os meios de comunicação são capazes de tornar públicas as posições em confronto. Muitos dos conflitos existentes nas sociedades plurais são artificialmente criados por determinados grupos de interesse, que o fazem apenas como forma de controle social, já que os meios de comunicação dispensam atenção a alguma(s) das posições em confronto em detrimento de outras visões, o que é evidente no caso aqui abordado. Seguindo essa mesma orientação, a corrente da sociologia interpretativa, com os autores Berger e Lukmann e sua teoria denominada construção social da realidade, afirma que a realidade se constrói socialmente; o jornalismo tem efeitos sobre a contínua reconstrução social da realidade, uma vez que exerce ação sobre ela (Souza, 1999: 86-87). Segundo eles, a vida social se constitui por e através de um processo permanente e multifacetado de comunicação, no qual a comunicação social é um agente ecossistemático e institucionalizado capaz de participar, a um só tempo, na modelação e na reconstrução sucessiva da realidade. CONCLUSÃO

Relacionando as duas últimas teorias apresentadas aos elementos apontados pelas outras abordadas neste artigo e relacionando-as todas com o caso em questão e seu contexto histórico, é possível afirmar que a imprensa brasileira não só constrói a notícia e os fatos, agenda os temas a serem discutidos socialmente,


oculta outros temas, legitima, propaga e cristaliza ideias e ideologias, em grande parte em consonância com as ideologias das classes dominantes conservadoras, atuando na construção da realidade a curto e a longo prazo, contribuindo, junto com outros fatores, para a reprodução e perpetuação da desigualdade social no país.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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FOLHA DE S. PAULO. Grupo de Dilma planejou o sequestro de Delfim Netto. São Paulo,5/4/2009, pp. A8-A10. __________________. Ombudsman. 12/04/2009, p. A4. __________________. Ombudsman. É simples saber se ficha é falsa. 5/07/2009, p. A4. SITES E BLOGS http://br.noticias.yahoo.com/s/05112009/48/manchetes-brasil-se-aproxima-eternosonho.html, acesso em 5/11/2009. http://cloacanews.blogspot.com/2009/04/segunda-carta-de-espinosa-que-folha.html, acesso em 7/4/2009. http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/?s=caso+ficha+falsa+da+dilma, acesso em 7/7/2009. http://coturnonoturno.blogspot.com/2009/04/desta-parte-dilma-lembra-tudo.htm, acesso em 4/ 2009. http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/dilma-documento-que-ela-diz-ser-falso-crimeorganizacao/, acesso em 18/4/2009. http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=535IMQ012, acesso em 25/04/2009. http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/espinosa-desafia-folha-a-mostrar-gravacao/, acesso em 6/4/2009. http://www.viomundo.com.br/arquivo/opiniao/a-demonizacao-de-dilma-2, acesso em 21/8/2009.

1

Mestrando em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo, Bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo pela Universidade São Marcos (São Paulo), Bacharel em Teologia pela Faje (Belo Horizonte), onde também estudou Filosofia. E-mail: jfalencar@yahoo.com.br. 2

O jornalista faz uma menção ao editorial da Folha de 17/2/2009, p. A2, que afirmou ter sido a ditadura brasileira uma “ditabranda”, porque não matou nem torturou tanta gente como outras ditaduras 3

Laudos completos disponíveis em: http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/2009/07/07/a-ficha-falsa-dedilma/, acesso em 7/7/2009. 4

Trecho do laudo da UnB, disponível na internet no endereço citado na nota anterior.

5

No caso, o jogo de interesses por trás da matéria relaciona-se de modo profundo com nosso objeto de estudo. 6

A abordagem empreendida das escolas de gênese marxista, do agenda setting, da espiral do silêncio, das diferenças de conhecimento e da construção social da realidade está fundamentada em SOUZA, 1999.


QUALIDADE DA INFORMAÇÃO: A AGENDA SOCIAL NA MÍDIA EM ANO ELEITORAL

Luiz Gonzaga Mottai Universidade de Brasília (UnB) Railsa Peluti Alencar Agencia de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI)

Resumo: O Brasil tem mais de 60 milhões de crianças e adolescentes, quase metade deles pobre. A realização de uma eleição presidencial em 2006 ofereceu uma excelente oportunidade para discutir políticas públicas deste segmento na mídia. Um trabalho de sensibilização de jornalistas e dos comitês dos candidatos presidenciais foi realizado durante todo o ano para qualificar a informação sobre esse tema social. O artigo relata uma análise de conteúdo de 54 jornais e 4 telejornais brasileiros que mediu o impacto desse agendamento prévio na qualidade do noticiário. Houve um crescimento significativo das notícias sobre o tema. Mas o jornalismo brasileiro (particularmente o telejornalismo) centrou a foco nos candidatos e não nas políticas públicas, perdendo a oportunidade de qualificar a cobertura social com informações relevantes que estavam acessíveis. Palavras-chave:

qualidade

da

informação,

cobertura

social,

agendamento,

enquadramento, análise de conteúdo.

ABSTRACT: Brazil has a population of more than 60 million children and youth, almost half of them poor people. The presidential election offered a unique opportunity to discuss children’s public policies in the media. Across the electoral year of 2006 there had been an effort to render sensitive journalist and candidates’ committees about this issue. The article reports a content analysis of 54 Brazilian newspaper e 4 newscasts on the subject “children and youth problems” in 2006 electoral year. The analysis measured the results


of this previous effort over news quality. There had been a significant growth in space and time about children and youth problems. But Brazilian journalism (particularly newscasts) centralized news reporting on the candidates more than public policies and lost the opportunity to qualify social reporting when relevant information were at hand. Key words: information quality, social news reporting, agenda setting, framing, content analysis. Resumen: Brasil tiene más de 60 millones de niños y jóvenes, casi la mitad de ellos pobres. La realización de elecciones presidenciales en 2006 ofreció una excelente oportunidad para discutir políticas públicas para este segmento en los medios. Un trabajo de sensibilización de periodistas y comités electorales de los candidatos presidenciales fue realizado durante todo el año para cualificar la información sobre este tema social. El artículo relata un análisis de contenido de 54 periódicos y 4 tele-noticieros brasileños que midió el impacto de ese agendamiento previo en la calidad de las noticias. Hubo un crecimiento significativo de las noticias sobre el tema. Sin embargo el periodismo brasileño (especialmente los tele-noticieros) ha centrado el foco en los candidatos mas que en las políticas públicas, perdiendo la oportunidad de calificar la cobertura social con informaciones relevantes que estaban disponible. Palabras-clave:

calidad

de

la

información,

reportero

social,

agendamiento,

encuadramiento, analise de contenido

INTRODUÇÃO: MÍDIA E QUALIDADE DA COBERTURA DA AGENDA SOCIAL

Este artigo descreve os resultados de uma análise de conteúdo sobre a qualidade da informação noticiosa nos jornais e telejornais brasileiros. A análise mediu o conteúdo das notícias sobre infância e adolescência (I&A) dos principais 54 jornais e quatro telejornais brasileiros durante todo o ano de 2006 (doze meses), quando foram realizadas eleições presidenciaisii.


O objetivo da análise foi observar se a mobilização prévia para agendar a mídia e qualificar a informação sobre temas relacionados às crianças e adolescentes realizada pela Agencia de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI) e UNICEF durante o ano eleitoral logrou alterar a qualidade das notícias. Naquele ano, um esforço de agendamento foi desenvolvido pela UNICEF e a ANDI junto aos comitês dos candidatos presidenciais e às redações dos jornais e telejornais do país. O objetivo era aproveitar o ano eleitoral para pautar o tema na campanha e na mídia, aumentar sua visibilidade e a qualidade da informação, e mobilizar a sociedade em torno dessa temática. Embora seja ainda uma hipótese, a teoria do agenda setting consolidou nos últimos anos a idéia que a mídia estabelece a agenda pública: direciona a atenção, fixa e hierarquiza os temas que serão discutidos pela sociedade durante certo período de tempo. O destaque de certos assuntos pelo jornalismo, diz a teoria, fornece ao publico um mapa de prioridades e relevâncias sociais. Isso ocorre porque, como assinala Thompson (1998), os meios de comunicação de massa consistem hoje a principal forma por meio da qual cidadãos se formam e informam. O jornalismo define o quê as pessoas vão discutir e “transfere relevância temática” para as preocupações do público. É a partir dessa transferência hierárquica que a população escolhe os temas a respeito dos quais vale a pena ter uma opinião. Com maior potencia até que as mensagens persuasivas, conclui a teoria, o jornalismo joga um papel central nas imagens que construímos da realidade. (McCombs, 2006). iii A análise aqui apresentada não tem a pretensão nem foi desenhada para verificar se o agendamento prévio obteve subseqüente redirecionamento da atenção do público. O trabalho de agendamento partiu da crença no poder dos meios de pautar a sociedade e nisso se aproxima da hipótese acima, mas a análise aqui relatada não verifica a hipótese da agenda setting nem foi desenhada para examinar questões de transferência de relevância temática da mídia para o público. Assumiu-se apenas que a qualidade da cobertura sobre I&A teria uma repercussão indireta sobre a opinião publica, supondo-se que quanto maior exposição desses temas na mídia, mais a sociedade os prioriza nos debates públicos e quanto maior a profundidade da cobertura, mais alternativas sociais poderiam ser identificadas e implementadas. Admitiu-se, portanto, que a agenda


jornalística hierarquiza e fixa os temas que serão debatidos pela sociedade, estabelecendo um mapa de relevância e prioridades para as ações dos governos e sociedade civil.

O BRASIL E A DÍVIDA SOCIAL: O PROBLEMA INFANTIL E A MÍDIA

O Brasil tem 61 milhões de crianças e adolescentes, um terço de sua população de 180 milhões. 45% deles (quase 30 milhões) são pobres. No entanto, a agenda jornalística segue privilegiando temas de política, economia, escândalos e conflitos internacionais em detrimento dos problemas sociais internos. Em conseqüência, a agenda social continua relegada pela mídia e ignorada por parte significativa da sociedade.iv As editorias de política e de economia ocupam o maior espaço e tempo do noticiário. Além disso, como mostra um estudo conduzido por Lombardo Jorge (2003), as notícias sobre política concentram-se nos bastidores político-partidários mais que nas políticas públicas em curso. Embora tenha havido mudanças significativas nas últimas décadas, o governo não privilegia políticas públicas relativas às crianças e adolescentes. Em 2006, por exemplo, somente 1,47% de R$ 1,14 trilhões executados pela União foram investidos em Educação. De acordo, com estudos do Instituto de Estudos Sócio-econômico, o orçamento direcionado pelo governo federal atingiu o correspondente a 2,7% dos gastos públicos federais – o que significa menos de um dólar investido por dia por criança ou adolescente para garantir seus direitos. Soluções para os problemas da infância e adolescência precisam, portanto, entrar com maior força nas agendas da mídia, governo e sociedade.

ELEIÇÕES: OPORTUNIDADE DE OBSERVAR O SOCIAL NA MÍDIA

O ano de 2006 foi particularmente propício para que a mídia tocasse em ações desenvolvidas pelo governo para aliviar problemas que se encontram na raiz do desenvolvimento brasileiro – ou seja, a agenda social e particularmente o investimento


em crianças e adolescentes. As circunstâncias eleitorais são oportunas, por um lado, para que a mídia pressionasse os candidatos a apresentarem uma carteira de ações centradas na agenda social. Por outro, consistiam no momento ideal para pressioná-los a efetuar compromissos. Os quatro candidatos de maior apelo popular representavam posições ideológicas que vão da direita a extrema esquerda.v Criou-se um momento singular para um amplo debate sobre as questões sociais do país. Em função dessa oportunidade única a ANDI e o UNICEF desenvolveram um intenso trabalho de mobilização e qualificação de jornalistas com a finalidade de sensibilizar as redações para uma cobertura de qualidade dos temas sociais durante o ano eleitoral.vi Embora promessas eleitorais sejam mais exacerbações retóricas que compromissos de governo, elas constituem subsídios importantes para fundamentar o controle social posterior às eleições – preferencialmente acompanhado do controle exercido pelos meios de comunicação.

A partir do momento em que os meios

publicizam o posicionamento dos candidatos, disponibilizam ao público maior informação. Nesta circunstância, 1) o público em questão coincide com o eleitorado e 2) a mídia é co-responsável pela formação da opinião do público. Os candidatos seriam forçados a privilegiar tais questões para acompanhar tendências do público-eleitorado, buscando captar maior número de votos. Essa reação seria, por conseguinte, seguida por todos candidatos na competição para permanecer em dia com a agenda da mídia.

O DESENHO DA PESQUISA: METODOLOGIA

Paralelamente a qualificação dos jornalistas e a mobilização dos comitês dos candidatos, a ANDI e o UNICEF realizaram durante todo o ano de 2006 um monitoramento sistemático através de uma análise de conteúdo dos 54 principais jornais e quatro telejornais de todo o país. A pesquisa relatada neste artigo selecionou e processou todas as noticias relativas ao universo infanto-juvenil que mencionavam os candidatos ou que tratavam do futuro contexto a ser enfrentado pelo presidente eleito sobre o tema. As noticias foram selecionadas diariamente através de um clipping


eletrônico e uma leitura seletiva. As noticias televisivas passaram por critérios semelhantes. Depois de selecionadas as noticias foram indexadas a uma base de dados on-line customizada (sistema Empauta), acessada pelos pesquisadores. Esse banco de dados da ANDI foi associado a um programa em linguagem freeware. As informações geradas permitiram operar vários tipos de análise estatística aqui descritas. PERGUNTAS DE PESQUISA

A cobertura jornalística aproveitou o momento eleitoral para colocar as questões sociais brasileiras na agenda da sociedade?

No ano eleitoral de 2006,

cresceu o noticiário sobre I&A em comparação com 2002? Há diferenças na cobertura dos jornais impressos e telejornais? A cobertura de temas relativos a I&A foi maior no período eleitoral que nos períodos pré e pós-eleitorais? Quais temas foram priorizados ou negligenciados? Qual o enquadramento (positivo, negativo, neutro) predominante no noticiário? Até que ponto a disputa eleitoral afetou o enquadramento das notícias? Em que extensão as políticas públicas e programas propostos pelos candidatos foram cobertos? Os jornalistas utilizaram recursos colocados a sua disposição para qualificar a cobertura sobre I&A? Até que ponto o noticiário discutiu a viabilidade das propostas para I&A? Aprofundou a discussão sobre a gestão das propostas?

1

Essas perguntas

de pesquisa exploram aspectos quantitativos e qualitativos da cobertura.

6. Análise dos Resultados 6.1 Evolução da cobertura durante o ano eleitoral O Gráfico 1 mostra a evolução da cobertura sobre temas da infância e adolescência nos jornais e telejornais brasileiros no ano eleitoral. Para melhor acompanhar as mudanças, o ano de 2006 foi dividido em três períodos: 1) período préeleitoral (1º de janeiro a 06 de julho, quando as candidaturas existiam potencialmente, mas ainda não haviam sido formalizadas; 2) período eleitoral, quando os candidatos 1

Algumas perguntas foram respondidas apenas pelos dados relativos aos jornais impressos porque não se aplicavam naturalmente aos telejornais e vice versa, como se verá ao longo deste artigo.


são registrados, a campanha se inicia e realizaram-se os dois turnos (6 de julho a 6 de novembro); 3) período pós-eleitoral (06 de novembro a 31 de dezembro, quando temas eleitorais permanecem na mídia, mas vão arrefecendo). Gráfico 1

Evolução da cobertura sobre Eleições & Infância no Brasil (Número de notícias veiculadas em 54 jornais e 4 telejornais em 2006) 800 700 600 500

Impressos

400 300

Telejornais

200 100

r/0 6 m ai /0 6 ju n/ 06 ju l/0 6 ag o/ 06 se t/0 6 ou t/0 6 no v/ 06 de z/ 06

ab

/0 6

/0

6

m ar

fe v

ja n/

06

0

O Gráfico 1 mostra que a cobertura de temas relacionados à infância e adolescência manteve-se baixa nos jornais até o mês de maio, quando se aproximou o período eleitoral. A partir daí, com a definição dos candidatos presidenciais, começa a subir e aumenta significativamente a partir de 6 de julho, quando a campanha formal se inicia. Embora apresente ligeira queda entre agosto e setembro, a cobertura sobe, até atingir o clímax nas vésperas do primeiro turno (início de outubro). Durante o segundo turno a cobertura decai vertiginosamente, continuando a decrescer após o período eleitoral. Os telejornais apresentam uma linha relativamente semelhante, embora com um volume de notícias muito abaixo dos jornais impressos (veículos tradicionalmente mais afeitos ao debate aprofundado). As eleições exerceram, assim, um papel catalisador das presença de temas sobre I&A na mídia. Os dados da Tabela 1 confirmam que os temas relativos à I&A foram incluídos na pauta dos jornais impressos durante o período eleitoral (julho/outubro). Encontraram-


se nos 54 jornais impressos 2.911 notícias publicadas durante o ano eleitoral cujos conteúdos

estavam

relacionados

a

crianças

e

adolescentes.

Nos

30

dias

compreendidos entre 6 de setembro e 6 de outubro, clímax da campanha e véspera do primeiro turno, foram publicadas 675 notícias nos 54 jornais. Em termos de número de notícias, o período que precedeu o segundo turno foi o que alcançou melhores indicadores. Mas, essa sincronia não é observada se consideramos que os telejornais publicaram muito menos notícias sobre o tema nos períodos pré e pós-eleitorais. Talvez isso possa ser explicado pelo fato das notícias nos telejornais necessitarem imagens e requererem maior dramatismo, o que nem sempre ocorre nas notícias sobre políticas publicas. O volume total (2.911) de notícias sobre infância e adolescência publicado no ano é bastante significativo, especialmente se confrontado com as 123 notícias apenas publicadas nos jornais brasileiros sobre o tema durante o ano eleitoral de 2002, quando o monitoramento foi realizado pela primeira vez. Houve, portanto, um crescimento muito expressivo, especialmente levando-se em conta que a cobertura política em 2006 esteve bastante condicionada pelos escândalos eleitorais.

vii

Isso revela que o trabalho

de sensibilização dos jornalistas, associado a outros fatores, obteve êxito, logrando pautar a mídia. Tabela 1 Evolução da cobertura ao longo dos diferentes períodos Período Pré-Eleitoral Eleitoral (1º. Turno) Eleitoral (2º. Turno) Pós-Eleitoral Total

Número de Notícias Impressas 724 1.203 641 343 2.911

Número de % Notícias Televisivas 24,87% 6 4,65% 41,33% 96 74,42% 22,02% 19 14,73% 11,78% 8 6,20% 100,00% 129 100,00% %


O número de notícias encontradas nos telejornais (129 unidades no total) pode parecer ínfimo se comparado aos jornais impressos, como a Tabela 1 sugere a primeira vista. Mas, deve-se levar em consideração que foram apenas quatro telejornais, enquanto 54 jornais impressos foram pesquisados. Entre 1º. de Janeiro e 29 de outubro (sem contar o período pós-eleitoral) foram transmitidos quase 250 minutos de notícias sobre infância relacionada às eleições, com uma média de 2 minutos por notícia. Devese levar em conta também a intensa cobertura dos escândalos nos telejornais, que deixou pouco espaço para outros temas. Os dados indicam, porém, a necessidade de um trabalho de sensibilização maior junto às redações dos telejornais.

6.2 Temas predominantes nas coberturas A análise de conteúdo procurou identificar os temas mais recorrentes nas notícias sobre infância e adolescência. Como se pode observar na Tabela 2, sem variar muito nos três períodos, o tema “Educação” (que diz respeito diretamente a infância e adolescência) foi o mais freqüente nos jornais (sempre acima de 40%), e particularmente nos telejornais, onde chegou a 66.67% do total das notícias durante o período eleitoral. Deve-se observar que um dos quatro principais candidatos (C. Buarque) focou todo o seu programa na educação, inflacionando o tema na campanha. Em decorrência, os outros candidatos viram-se na contingência de segui-lo porque educação tem forte apelo eleitoral.

Tabela 2 Temas principais das notícias sobre Eleições & Infância em 2006 (*)

PréEleitoral

Eleitoral 1º. Turno

Eleitoral 2º Turno

PósEleitoral

47,65%

44,64%

46,33%

40,52%

Vários níveis de ensino

37,29%

37,24%

35,41%

31,78%

Acesso ao Ensino Superior

3,73%

3,33%

5,15%

5,83%

Educação Profissionalizante

1,66%

0,17%

0,00%

0,29%

Ensino Fundamental

1,10%

1,16%

1,25%

0,87%

Período Tema Educação


Analfabetismo de Jovens

0,69%

0,50%

0,62%

0,29%

Educação - Educação Infantil

0,14%

0,25%

0,16%

0,00%

Educação – Ensino Médio

0,14%

0,83%

0,62%

0,29%

0,00%

0,00%

2,90%

1,16%

3,12%

1,17%

43,24%

38,07%

44,46%

49,27%

Pobreza & Exclusão Social Pobreza & Exclusão Social/Especificando Crianças & Adolescentes Marco Legal, Jurídico & Institucional Convivência Familiar/Direitos de Família Cor/Etnia

42,13%

33,17%

39,78%

46,06%

-

3,57%

2,18%

2,04%

0,83%

3,16%

1,56%

0,87%

0,28%

0,50%

0,47%

0,29%

0,00%

0,50%

0,47%

0,00%

Gênero

0,00%

0,00%

0,00%

0,00%

Deficiências

0,00%

0,08%

0,00%

0,00%

Questões Demográficas

0,00%

0,25%

0,00%

0,00%

Medidas de Reinserção Social

3,59%

0,50%

1,09%

0,00%

Trabalho Legal

1,52%

1,25%

0,94%

0,87%

Habitação

0,97%

0,58%

0,00%

0,00%

Trabalho Infantil

0,83%

0,75%

0,16%

0,58%

Comportamento

0,28%

6,23%

4,06%

3,21%

Meio Ambiente Mídia (TV, Rádio, Impressos e Internet) Exploração & Abuso Sexual

0,28%

0,00%

0,00%

0,58%

0,28%

0,00%

0,00%

1,17%

0,28%

0,33%

0,00%

0,29%

Saúde

0,83%

2,08%

1,42%

1,75%

Saúde Materna

0,41%

1,16%

0,94%

0,58%

Mortalidade Infantil

0,28%

0,33%

0,16%

0,58%

Saúde – Nutrição

0,00%

0,25%

0,16%

0,00%

Saúde – Aids Saúde - Malária, Hanseníase e Tuberculose Outros assuntos relacionados a Saúde Consumo

0,00%

0,00%

0,00%

0,00%

0,00%

0,08%

0,00%

0,00%

0,14%

0,25%

0,16%

0,58%

0,14%

0,00%

0,00%

0,58%

Acesso à Água Potável

0,14%

0,00%

0,00%

0,00%

Violência

0,00%

0,58%

0,47%

0,00%

Educação de Jovens (EJA) Outros assuntos relacionados a Educação Direitos & Justiça

0,00%

0,00%


Violência praticada contra crianças e adolescentes Violência praticada por crianças e adolescentes Violência entre crianças e adolescentes Violência Institucional

0,00%

0,08%

0,31%

0,00%

0,00%

0,00%

0,16%

0,00%

0,00%

0,08%

0,00%

0,00%

0,00%

0,08%

0,00%

0,00%

Gangues

0,00%

0,00%

0,00%

0,00%

Conflitos Armados

0,00%

0,00%

0,00%

0,00%

Outros tipos de Violência

0,00%

0,33%

0,00%

0,00%

Drogas Abandono, Abrigos & Situação de Rua Desaparecidos

0,00%

0,58%

0,31%

0,58%

0,00%

0,25%

0,00%

0,00%

0,00%

0,00%

0,00%

0,00%

Migração ou Deslocamento

0,00%

0,58%

0,00%

0,00%

Sexualidade

0,00%

0,08%

0,16%

0,00%

Cultura

0,00%

0,08%

0,31%

0,58%

Esporte & Lazer

0,00%

0,25%

0,31%

0,00%

724

1.203

641

343

Total de notícias analisadas

 Os itens assinalados correspondem aos temas que têm sido alvo de ações de mobilização e qualificação por parte de ANDI e UNICEF (*) As porcentagens referem-se ao total de notícias que abordou cada um dos candidatos no período correspondente.

O segundo tema mais freqüente foi “Pobreza & Exclusão Social” (também diz respeito à crianças e adolescentes) que se manteve próximo ou superior a 40% e, no período pós-eleitoral, suplanta o tema Educação, chegando a 46.06%. Este índice alto decorre, provavelmente, da discussão do programa “Bolsa Família” (um programa assistencialista do Governo Lula) durante todo o período eleitoral. Essas discussões incluíam debates sobre os procedimentos deste programa, tanto pelo candidato da situação, que defendia sua permanência, como pela oposição, que o criticava e solicitava reformulações. O tema “Comportamento” aparece com destaque nos telejornais (5.22%) e jornais impressos (6.23% e 4.06% respectivamente) durante os períodos da campanha eleitoral, certamente por causa das matérias sobre jovens eleitores de 16 anos, que votavam pela primeira vez. O tema “Habitação” aparece também com algum destaque


nos telejornais durante o primeiro turno (5.22%) provavelmente por causa das referenciais do candidato G. Alckmin ao seu programa de habitação popular enquanto governador de São Paulo. Dignos também de menção os índices relativos ao tema “Marco Legal, Jurídico e Institucional” nos jornais (3.16%) e nos telejornais (3.48%). Isso indica que os candidatos fizeram referências aos estatutos, jurisprudência e conselhos que garantem os direitos das crianças e adolescentes. A ANDI e outras ONGs têm feito um trabalho sistemático nos últimos anos procurando inserir esses marcos legais na cobertura jornalística. Os dados parecem indicar que estão conseguindo relativo êxito. ENQUADRAMENTOS E A QUALIDADE DAS NOTÍCIAS SOBRE INFÂNCIA

Entman (2004) define enquadramento como um processo de seleção e hierarquização de alguns aspectos da realidade pelos jornalistas em suas práticas de trabalho. A ocorrência de um evento qualquer ativa paradigmas na mente dos jornalistas estimulando o uso de certas imagens ressonantes na construção das notícias. Os “objetos” da realidade são “enquadrados” (framed) como “um problema, uma solução ou uma questão moral de fundo”. Os enquadramentos jornalísticos promovem, portanto, interpretações particulares das questões. Assim, incidem sobre os eventos, atores e questões políticas. (Entman, 2004, 5-26). Essa teoria pode ser vista como um importante aspecto do processo cognitivo ativado pelas notícias. Para os interesses de nossa análise, o enquadramento contextual pode determinar uma maior ou menor qualidade da informação veiculada. Se a notícia restringe-se ao factual, a qualidade é restrita; se relatar o contexto, as políticas públicas e propostas de solução, a qualidade da informação se eleva. Em ano eleitoral essa qualidade adquire relevância particular porque os enquadramentos podem subsidiar os públicos com novos ângulos a respeto de questões sociais (direitos, políticas, soluções, etc.) e qualificar as discussões na busca de soluções. Conforme a Tabela 3, procuramos observar três enquadramentos contextuais das notícias sobre I&A: 1) a notícia situa socialmente a questão; 2) a notícia aborda


políticas públicas; 3) a notícia traz propostas para solucionar os problemas. Notícias que trazem esses enquadramentos promovem uma maior qualidade da informação porque contextualizam a questão, indicam políticas públicas onde elas se inserem, e sugerem

soluções

para

os

problemas.

Comentaremos

cada

enquadramento

separadamente primeiro, e concluiremos com breve interpretação. 1) Situação atual da I&A: no caso dos jornais impressos, a Tabela 3 revela que a proporção de notícias que situou o contexto dos problemas da I&A é relativamente alta, mantendo-se em volta dos 40% para quase todos os candidatos. Há pequenas variações, como por exemplo, o índice mais alto neste item nas notícias sobre o candidato Lula, da situação. Mas, essas variações não são muito significativas, indicando que todos os candidatos (e a mídia) preocuparam-se em situar os problemas da I&A oferecendo melhor qualidade informativa ao eleitor. No caso dos telejornais, a exceção é o índice comparativamente baixo (10.5%) para o candidato Geraldo Alkimin, difícil de ser explicado no escopo desta análise. Fora essa exceção, a média de notícias que situa a questão da I&A pode ser considerada elevada, principalmente tomando-se em conta o clima polarizado das campanhas presidenciais, o fascínio que os jornalistas têm pelos escândalos e a pressa natural da cobertura eleitoral. 2) Políticas públicas – Em relação às políticas públicas para a I&A, a Tabela 3 revela também índices altos, mas diferenças mais acentuadas e significativas. Como se nota, as notícias sobre o candidato Lula tiveram um altíssimo índice de menção de políticas públicas, acima de 90% nos jornais e de 58% nos telejornais. Isso se deve, provavelmente, ao destaque que o candidato da situação deu aos seus próprios programas de assistência social e educação, procurando valorizá-los. Os índices dos outros candidatos caem comparativamente, revelando que candidatos da oposição evitaram mencionar as políticas públicas provavelmente pressupondo que a simples menção beneficiaria o concorrente da situação. As notícias dos telejornais relativas aos candidatos, C. Buarque e H. Helena tem índices relativamente baixos de menção às políticas públicas, indicando que esses dois candidatos evitaram maiores referências às políticas pressupondo que elas beneficiariam o candidato da situação. Esses dados


indicam que a exacerbação da luta política interfere no noticiário, neste caso, desqualificando seu conteúdo. 3) Propostas – Aqui também os índices são altos, mas diferentes dos anteriores. A direção se inverte. Isto é, os índices das notícias relativas ao candidato da situação que trazem propostas para a I&A são mais baixos enquanto os índices das notícias referentes aos candidatos da oposição são mais altos. O índice mais alto refere-se aos jornais impressos em relação ao candidato C. Buarque: quase 90% das notícias relativas a este candidato trouxeram propostas em seus conteúdos, a maioria delas, provavelmente, relativas à educação, tema predominante na campanha deste candidato. Nos impressos, os outros dois candidatos da oposição também têm índices altos comparados com o candidato Lula, da situação. As diferenças são altas também nas notícias dos telejornais, mantendo-se a tendência observada para as notícias dos jornais impressos. É a oposição que realça propostas, mais que o candidato da situação, portanto. Tabela 3 Enquadramento dos Candidatos nas Notícias (*)

Cobertura de Impressos

Mídia

Luís Inácio Lula da Silva (PT)

Geraldo Alckmin (PSDB)

Cristóvam Buarque (PDT)

Heloísa (PSOL)

Aborda Situação Atual da Infância & Adolescência

43,79%

35,59%

39,05%

40,94%

50,79%

Aborda Políticas Públicas Atuais para Infância & Adolescência

90,10%

63,42%

39,76%

60,63%

29,52%

Aborda Propostas do Candidato para Infância & Adolescência

55,04%

68,19%

89,29%

70,08%

38,41%

Total de analisadas

1.706

503

420

127

315

38,47%

10,53%

39,47%

43,48%

60,00%

notícias

Aborda Situação Atual da Infância & Adolescência

Helena

Nanicos, outros Pré-Candidatos e Candidato Indefinido

Enquadramento/Candidato


Cobertura Telejornais

Aborda Políticas Públicas Atuais para Infância & Adolescência

57,69%

31,58%

15,79%

8,70%

5,00%

Aborda Propostas do Candidato para Infância & Adolescência

61,54%

78,95%

76,32%

69,57%

15,00%

Total de analisadas

26

19

38

23

20

notícias

(*) As porcentagens referem-se ao total de notícias que abordou cada um dos candidatos no período respectivo.

Os índices para os três tipos de enquadramentos observados (notícias que apresentam a situação atual da I&A, mencionam políticas públicas ou mencionam propostas) são relativamente altos, especialmente levando-se em conta os conflitos pessoais e partidários da campanha presidencial, o clima emocional, o grande número de denúncias e acusações e a pressa, típica da cobertura desses momentos políticos. Isso indica que, apesar dos escândalos e da exacerbação dos conflitos, a qualidade do noticiário tanto dos jornais impressos quanto dos telejornais foi boa porque incluiu as políticas públicas e propostas de solução para os problemas da I&A. Os índices revelam também que o clima de disputa eleitoral interferiu como uma variável interveniente, direcionando o noticiário sobre o candidato da situação para uma posição (salientou as políticas) e o noticiário sobre os candidatos da oposição para outra posição (salientaram as propostas). 6.4 A qualidade das informações: A qualidade das informações sobre as políticas públicas para infância e adolescência pode ser mais bem observada na Tabela 4. Elas revelam o uso dos recursos que os jornalistas tinham à disposição e poderiam incluir nas notícias para elevar a qualidade da informação: indicadores sociais e econômicos, marcos legais, dados orçamentários e outros. Tabela 4 Recursos utilizados nas notícias que formularam avaliações sobre Políticas Públicas voltadas para Infância & Adolescência Candidato – Recurso

Luís Inácio Lula da Silva (PT)

Geraldo Alckmin (PSDB)

Cristóvam Buarque (PDT)

Heloísa Helena (PSOL)

Menciona indica-dores sociais sociaissosociais

16,71%

3,38%

9,76%

12,60%

Outros Candidatos

5,08%


Menciona Indicadores Econômicos

8,09%

0,80%

0,71%

5,51%

1,59%

Menciona Direitos da Infância

0,23%

0,40%

0,24%

0,00%

0,00%

Menciona Marco Legal ou Jurídico

2,17%

0,60%

0,48%

0,00%

1,59%

Menciona Dados Orçamentários

5,51%

0,80%

3,10%

2,36%

0,63%

Menciona Impressões Pessoais

13,48%

11,53%

14,76%

27,56%

8,57%

Menciona um caso individual ou específico

3,87%

2,19%

2,86%

1,57%

1,90%

Total de notícias analisadas

1.706

503

420

127

315

A Tabela 4 mostra que os indicadores sociais aparecem em maior escala nas notícias sobre o candidato Lula, provavelmente porque ele citou freqüentemente os indicadores positivos que se referiam ao seu próprio governo. Embora em menor escala, os indicadores estão presentes também nas notícias sobre H. Helena e C. Buarque e G. Alkimin em ordem descendente. Os indicadores econômicos aparecem novamente com uma freqüência muito maior nas notícias sobre Lula, distanciado significativamente de H. Helena. Surpreendentemente, estão ausentes no caso dos outros candidatos. Coisa semelhante ocorre com os dados orçamentários, muito presentes nas notícias sobre Lula, vindo em segundo lugar o noticiário de C. Buarque. As estatísticas revelam que recursos disponíveis como os marcos legais e os direitos da criança e adolescentes, que se utilizados nas notícias qualificariam significativamente o noticiário praticamente não foram citados pelos candidatos nem utilizados pelos jornalistas. Isso indica a necessidade de um agendamento específico sobre os marcos legais, pois os candidatos ignoraram, ou os jornalistas não utilizam, essas referencias, empobrecendo o noticiário. A Tabela 4 indica ainda que a menção a impressões pessoais sobre as políticas públicas para a infância, que o jornalista recolhe junto ao próprio candidato, têm um percentual muito elevado se comparado a outros recursos que poderiam ser utilizados pelos jornalistas, superando em larga escala outros recursos disponíveis já


mencionados. As impressões pessoais do candidato Alckmin por exemplo são três vezes maiores que os indicadores sociais citados nas matérias sobre ele. No caso dos candidatos H. Helena e Buarque, é duas vezes maior. Isso revela que a cobertura esteve muito centrada na pessoa dos candidatos, mencionando menos as questões programáticas para a infância, os indicadores, os direitos, os recursos orçamentários que poderiam ter sido utilizados pelos jornalistas para qualificar o noticiário. A centralização das questões no candidato e não nas políticas públicas parece ser um hábito arraigado do jornalismo brasileiro. Basta observar o baixo índice de casos individuais relatados pelo noticiário durante o período eleitoral. Inexplicavelmente, histórias e “casos” individuais, que enriqueceriam e qualificam o noticiário, têm um percentual muito baixo nas notícias de todos os candidatos. Isso revela que, durante a campanha, os candidatos preferiram não ilustrar suas propostas com “casos” individuais nem os jornalistas produziram matérias com histórias de vida que poderiam ilustrar as políticas publicas e ajudar aos eleitores a julgá-las. A centralização do noticiário na pessoa dos candidatos é corroborada pela Tabela 5. Ela mostra que, no caso dos telejornais, só 6.2% das notícias relacionadas à I&A tiveram origem nos âncoras dos telejornais, 40.6% nas narrações dos repórteres enquanto 53.1% teve origem nos próprios candidatos. Esses percentuais são uma evidencia forte do excessivo foco do noticiário na pessoa dos candidatos que, aparentemente, lograram pautar a mídia durante a campanha presidencial.

Tabela 5 Momento da notícia no qual assuntos relacionados a Infância & Adolescência são comentados nos telejornais Narração do Âncora Narração do Repórter Inserção do candidato ou de integrante de sua campanha Total de Notícias Analisadas

9 59

6.2% 40.6%

77

53.1%

121

100,00%


A análise da qualidade do noticiário sobre as propostas para solucionar problemas da I&A pode ser mais aprofundada observando-se a Tabela 6. Ela indaga se as notícias dos jornais impressos discutiram a viabilidade jurídica, política, gerencial e orçamentária das propostas dos candidatos. Levando-se em conta apenas o período eleitoral propriamente, observa-se que os índices de discussão da viabilidade das propostas são bastante baixos nas notícias de todos os candidatos, em todos os períodos, exceção para C. Buarque e H. Helena, cujas noticias discutem em percentuais razoáveis a viabilidade administrativa e orçamentária das propostas (mas, não a viabilidade jurídica e política). Tabela 6 Notícias que Discutiram a Viabilidade da Proposta do Candidato * Lula

Geraldo Alckmin

Pré Eleit Pós Viabilidade Jurídica ou Constitucional 1,79% 0,25% 2,86% Viabilidade Política (coalizão/apoio legislativo) 0,89% 3,81% 3,57% Viabilidade Gerencial ou Administrativa 5,06% 4,82% 0,00% Viabilidade Orçamentária 7,74% 7,11% 9,29% Contestação da Viabilidade pelos Textos Jornalísticos A Viabilidade é questionada 0,00% 3,05% 2,86% Total de notícias que abordam Propostas dos candidatos para I&A 336 394 140

Cristóvam Buarque Pré Viabilidade Jurídica ou Constitucional Viabilidade Política (coalizão e apoio legislativo) Viabilidade Gerencial ou Administrativa

Eleit

Pré

Eleit

Heloísa Helena

Pós

Pré

Eleit

Pós

0,00%

0,87% 0,00% 0,00% 3,66% 0,00%

0,00%

0,87% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00%

9,09%

2,60% 0,00% 0,00% 6,10% 0,00%

1,01%

3,03% 0,00% 0,00% 8,54% 0,00%

0,00%

3,90% 0,00% 0,00% 2,44% 0,00%

99

231

2

10

82

0

Nanicos, outros Pré-Candidatos e Candidato Indefinido Pós

Pré

Eleit

Pós

0,00%

1,23%

0,00%

0,00%

2,56%

0,00%

0,00%

2,76%

0,00%

0,00%

1,28%

0,00%

2,78%

11,04%

0,00%

3,23%

2,56%

0,00%


Viabilidade Orçamentária 2,78% 14,72% Contestação da Viabilidade pelos Textos Jornalístico A Viabilidade é questionada Total notícia abordam Propostas Candidatos

0,00%

0,00%

6,41%

0,00%

5,13%

0,00%

0,00%

6,13%

11,11%

0,00%

36

326

9

31

78

9

* As porcentagens referem-se ao total de notícias que abordou cada um dos candidatos no período correspondente.

Os dados não revelam, porém, se a iniciativa de discutir a viabilidade das propostas parte do candidato ou dos jornalistas. Como C. Buarque insistiu muito na questão da educação como solução para os problemas do país, é possível que essa insistência tenha contaminado parte do discurso dos outros candidatos, como já dissemos. Parece ter contaminado, com certa evidencia, pelo menos a cobertura dos jornalistas a respeito da viabilidade das propostas deste candidato: o percentual de viabilidade das propostas deste candidato questionada nas notícias é o único realmente significativo (5.48%). Os baixos índices da Tabela 6 revelam ainda que, embora o noticiário tenha dado destaque às propostas para a I&A, a viabilidade administrativa, jurídica ou financeira delas não foi questionada pelos jornalistas (exceção para o candidato C. Buarque, como vimos). Se tivessem discutido a viabilidade das propostas os jornalistas teriam elevado certamente a qualidade do noticiário e dos debates eleitorais. Principalmente porque, no período eleitoral, há uma tendência dos candidatos de fazer propostas impossíveis de serem viabilizadas ou de destacar mais os resultados esperados (tipo“criarei x novos empregos!, etc.) que os processos e a viabilidades para efetivar tais promessas. A Tabela 7 mostra aspectos do noticiário dos jornais impressos relacionados à governabilidade e à gestão das propostas apresentadas pelos candidatos presidenciais para a infância e adolescência. Isto é, se o noticiário sobre os candidatos levantou ou propôs ações integradas, avaliação de políticas, perspectiva dos direitos humanos, transparência na gestão publica e outros aspectos relacionados à boa gestão. No geral, nota-se um baixo índice de menção de todos os aspectos relacionados à gestão das propostas, tanto em termos de eficácia, participação popular, sustentabilidade e transparência. Os dados revelam que essas questões não entraram na pauta dos


jornalistas quando cobriam as propostas dos candidatos para a infância e adolescência, indicando certa rapidez e superficialidade no tratamento das questões. Farto material havia sido distribuído previamente junto aos comitês dos candidatos sobre essas questões, assim como junto as redações. Candidatos e jornalistas estavam ambos equipados com informações pertinentes que poderiam ter sido utilizadas para enriquecer o noticiário e aquecer o debate público. Mais uma vez jornalistas desprezaram o uso do material, perdendo a oportunidade de qualificar a cobertura.

Tabela 7 Aspectos relacionados à Governabilidade & Governança das Propostas dos Candidatos para Infância & Adolescência (*) Pré-Eleitoral

Eleitoral

Pós-Eleitoral

Apresenta ou propõe ação integrada entre instituições governamentais vinculadas a I&A

2,67%

1,41%

1,46%

Apresenta ou propõe avaliação políticas públicas voltadas p/ I&A

1,18%

3,31%

2,91%

Aborda responsabilidade fiscal

0,82%

2,66%

3,49%

Utiliza perspectiva de Direitos Humanos/ Direitos da Infância

0,69%

2,39%

0,88%

Aborda liberdade de imprensa ou liberdade de expressão

0,14%

0,11%

1,17%

Apresenta ou propõe participação sociedade civil na formulação de propostas para a I&A

2,62%

1,95%

1,75%

Faz referência ao eleitorado adolescente/jovem

0,14%

5,48%

0,29%

Demo cracia & Partic ipaçã o

Democracia & Participação

Eficácia

Aspectos/Período


Sustentabilidade Transpa Rência

Faz referência explícita aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio ou Um Mundo para as Crianças Aborda o Sistema de Garantias de Direitos ou instituições vinculadas a ele

0,28%

0,38%

0,00%

0,08%

0,48%

0,29%

Menciona compromis sos anteriormente firmados pelo candidato para I&A

2,10%

7,32%

4,96%

Aborda corrupção ou mecanismos de combate à corrupção

3,75%

3,48%

3,21%

0,43%

0,58%

Aborda transparência de informações e da gestão pública

0,02%

Total de notícias analisadas em cada 724 1.844 período (*) As porcentagens referem-se ao total de notícias do período correspondente.

343

INTERPRETAÇÃO E CONCLUSÕES

A realização de eleições presidenciais proporcionou as condições de um laboratório natural para a execução de pesquisas sobre a relação entre a mídia e a política. Valendo-se do ano de eleitoral de 2006 a pesquisa buscou detectar se a mídia brasileira, devidamente agendada, aproveitou a oportunidade para cobrir criticamente as questões da I&A. Embora não tenha um desenho experimental o trabalho prévio de agendamento das redações e candidatos realizado pela ANDI e UNICEF pode ser compreendido, com alguma reserva, como uma variável antecedente. A qualidade da cobertura dos temas ligados a I&A nas notícias sobre os candidatos pode ser entendida como variável dependente. E o processo eleitoral com o seu potencial noticiável (seu valor notícia intrínseco), grosso modo, pode ser entendido como uma variável interveniente.


Os dados revelaram um crescimento significativo do noticiário sobre o tema, quando comparados com os resultados da pesquisa do ano eleitoral de 2002. Os índices foram mais elevados durante o período eleitoral propriamente dito (transcurso da campanha) que nos períodos pré e pós-eleitoral. Isso demonstra que, pautados ou não pelo trabalho de agendamento, os candidatos trouxeram os temas sobre a infância e adolescência para a campanha e a mídia deu destaque a eles. O aumento da incidência do tema é ainda mais significativo se levarmos em conta que, durante o transcurso da campanha, a mídia foi tomada por um frenesi de denuncismo dedicando grande parte do seu tempo e espaço a escândalos amplificados, que repercutiam politicamente e reverberavam novamente na cobertura, ofuscando as discussões de propostas dos candidatos. O aumento da cobertura da I&A durante o ano de 2006 foi inflacionado, entretanto, por dois únicos grandes temas: educação e exclusão social. Educação foi o assunto relativo a crianças e adolescentes mais presente na cobertura obtendo índices acima de 40% entre todos os temas devido ao fato (entre outros prováveis fatores) de um dos candidatos ter centrado sua campanha unicamente na educação como solução para os problemas brasileiros. As noticias relativas a esse candidato tiveram alto índice de menção a educação. Sua ênfase na educação parece ter inflacionado o discurso dos concorrentes e conseqüentemente a cobertura da mídia. Um segundo tema que fez os índices das notícias sobre I&A crescerem relativamente às eleições anteriores foi pobreza e exclusão social (sub-tema de Direito & Justiça), que manteve percentuais superiores a 40% entre os temas relacionados às crianças e adolescentes na cobertura do período eleitoral. Aqui há outra explicação político-administrativa: o tema apareceu no debate eleitoral e na cobertura jornalística por causa do programa Bolsa Família do Governo Lula, assunto polemizado durante a campanha eleitoral. Outros temas de atualidade relacionados à I&A estiveram surpreendentemente ausentes, como saúde e violência, por exemplo. O tema da violência havia recebido ampla cobertura na mídia nos meses anteriores à eleição de 2006 e esperava-se que aparecessem na campanha propostas de solução, o que não ocorreu. Por ocasião dos


atentados de autoria do PCC em São Paulo e do questionamento da política de segurança promovida pelo Governo do Estado durante a gestão do principal candidato oponente (G. Alckmin) o tema havia ocupado amplos espaços na mídia. Era de se esperar, portanto, que estivesse presente no conjunto de notícias durante o período eleitoral. Contudo, o debate não enfocou a questão sob a perspectiva da criança e do adolescente – embora as causas da violência e as raízes do crime organizado estejam vinculadas ao recrutamento de crianças e adolescentes da periferia. O crescimento significativo da cobertura sobre I&A esconde outros problemas da cobertura ainda. Os dados desta pesquisa revelam que a qualidade da cobertura foi baixa. Apesar da menção freqüente das políticas publicas e programas dos candidatos para o setor, principalmente nos jornais impressos, os jornalistas não foram críticos em relação a essas propostas, não questionaram sua viabilidade administrativa e orçamentária nem a sua eficácia. A menção às políticas publicas para I&A é mais freqüente no período pré-eleitoral que durante o período eleitoral sugerindo novamente que, no transcurso da campanha, os conflitos eleitorais exacerbados e os escândalos ofuscaram outros temas, inclusive os sociais. Outro fato significativo revelado pela pesquisa foi a cobertura excessivamente centralizada na figura do candidato. Grande parte das notícias que tratavam de políticas publicas ou propostas estava centrada nas impressões pessoais dos candidatos a respeito delas, não em indicadores sociais ou econômicos, políticas públidcas, marcos legais ou dados orçamentários. Além disso, a viabilidade administrativa, jurídica e orçamentária das propostas sugeridas pelos candidatos não foi trazida para o noticiário como era de se esperar, pois os jornalistas tinham à sua disposição informações para formular esse questionamento. Foi muito baixa também a menção à gestão dessas propostas. Questões como a participação popular na gestão das políticas, sua eficácia e transparência praticamente não foram mencionadas na cobertura jornalística, diminuindo a qualidade da informação prestada à sociedade. O recurso de contar casos individuais e histórias pessoais de meninos ou meninas beneficiários (ou não) das políticas públicas, um procedimento jornalístico que poderia enriquecer a cobertura e ajudar o eleitor a situar e contextualizar as políticas


públicas foi pouco utilizado. Não houve um esforço dos jornalistas neste sentido, talvez premidos pela rapidez do noticiário da campanha e pela ansiedade dos furos jornalísticos relacionados aos escândalos políticos que acabaram ofuscando outros temas. Mais uma vez infelizmente, o espetacular se impôs sobre a profundidade dos assuntos públicos na mídia. A respeito da qualidade da informação, podemos concluir que o jornalismo brasileiro demonstrou amadurecimento e sensibilidade para incluir na cobertura eleitoral as urgentes questões sociais relativas à infância e adolescência, antes ignoradas. Isso poderá ocasionar uma transferência paulatina da relevância dessa temática para a sociedade e inverter futuras prioridades administrativas. Mas, o jornalismo brasileiro perdeu uma oportunidade única de utilizar a cobertura das eleições para aprofundar uma discussão publica sobre uma questão social urgente, comprometer os candidatos com suas promessas de campanha e assim poder cobrar posteriormente aos vencedores uma prioridade para a agenda social. Os resultados da pesquisa confirmam a hipótese de Canela (2005): o avanço da mídia na cobertura social restringe-se à escolha de temas, enquanto todos os demais elementos para a construção de políticas publicas mais qualificadas continuam fortemente negligenciados. Em relação ao agendamento e à relevância temática discutidos no início deste artigo, nossa pesquisa não estabeleceu relações causais (nem foi desenhada para isso). Mas, levantou questões que merecem investigações posteriores. A insistência de um dos candidatos em uma única questão social relacionada à infância e adolescência (educação) parece ter agendado todo o debate eleitoral e contaminado a cobertura da mídia. Percebendo que não tinha chances de vitória, esse candidato presidencial declarou publicamente que o objetivo de sua candidatura era pautar a educação como tema da agenda pública nacional. Parece ter conseguido êxito no seu intento. Os dados indicam que uma candidatura que insistiu num tema social único agendou parte do debate eleitoral e a cobertura. Por outro lado, o trabalho persistente de agendamento da mídia pelas ONGs e organismos internacionais parece também ter tido êxito em sensibilizar candidatos e pautar a cobertura (ainda que falte muito para que essa cobertura seja realmente


qualificada). Essa rede de influências e agendamentos múltiplos foi sistematizada por Entman (2004) que utilizou a metáfora da cascata para descrevê-la: as influências fluem de degraus a degraus, sucessiva e mutuamente.

2

Diz ele que a interface

jornalistas-elites-decision makers é um ponto chave na disseminação de informações e enquadramentos através da mídia, mas não é fácil determinar quem influencia quem. Os jornalistas conversam com suas fontes regulares, políticos e candidatos, checam outras, trocam idéias com os seus pares. Cada um dos nós do fluxo de informação tem poderes diferentes sobre diversas questões. No Brasil, nos últimos anos, a mobilização da sociedade civil trouxe temas sociais novos para a agenda pública e a mídia parece ser sensível a este agendamento difuso, mas persistente. Isso demonstra que, pautados de maneira sistemática pelo trabalho de agendamento das ONGs (em parte, pelo menos), os candidatos trouxeram assuntos relativos às crianças e adolescentes para a campanha e a mídia deu destaque a eles. O aumento é ainda mais significativo se levarmos em conta que, durante o transcurso da campanha, a mídia foi tomada por um frenesi de denuncismo, dedicando grande parte do seu tempo e espaço a escândalos artificialmente amplificados, que repercutiam politicamente e reverberavam novamente na cobertura, ofuscando discussões de propostas e programas sociais dos candidatos. Em nosso estudo, os índices relativamente altos dos temas relacionados à infância e adolescência (incluindo educação e exclusão social) durante o período eleitoral podem ser, parcialmente pelo menos, creditados ao trabalho persistente de agendamento da mídia pelas ONGs e organismos internacionais, embora seja impossível discriminar a parcela de influência que cabe a cada ator neste processo. Além da influência cumulativa, vale lembrar que durante o ano eleitoral de 2006 o trabalho de agendamento foi intensificado junto às redações tanto quanto junto aos comitês eleitorais dos candidatos. Houve um esforço de sensibilização e temas que nunca apareciam na cobertura jornalística como “marco legal, jurídico e institucional” apareceram com índices baixos, mas reveladores. 2

Entman, Robert (2004), Projections of power, University of Chicago Press, pag. 9-22. Entman, entretanto, descreve a metáfora da cascada referindo-se especificamente aos enquadramentos jornalísticos.


A quantidade da informação ofertada cresceu. A inserção de questões sociais na agenda da mídia parece, portanto, ser resultado de um círculo de influências mútuas, mais que de efeitos em cascata, que fluem do alto para baixo. A transferência programada desses temas das ONGs para a agenda da mídia ao longo dos últimos anos pode ter estimulado a sociedade a pressionar por novas políticas públicas. A implementação dessas políticas reverberou na campanha presidencial e, somado ao agendamento imediato, resultou numa cobertura jornalística relativamente mais qualificada, embora haja ainda muitas resistências e vícios arraigados na prática do jornalismo brasileiro que impedem uma virada de qualidade mais significativa, já que as informações necessárias para isso estavam facilmente disponíveis para os jornalistas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

VIVARTA, Veet (2003): Que país é este?, ANDI-UNICEF, Cortez Editora, São Paulo. CANELAS, Guilherme (2005). Cobrindo políticas públicas sociais – a importância da agenda da infância e adolescência, m ENTMAN, Robert M (2004). Projections of power - framing news, public opinion and U.S foreign policy, University of Chicago Press, Chicago. JORGE, V. Lombardo (2003): A cobertura do Congresso Nacional pelos jornais brasileiros 1985-1990, Estudos Históricos No. 31, págs. 64-82. McCOMBS, Maxwell (2006): Estableciendo la agenda – El impacto de los médios em la opinión publica y em el conocimiento, Paidós, Barcelona MOTTA, Luiz G. (2005): Crise política – a mídia pode mais que os partidos? Observatório Mídia&Política. THOMPSON, John B. (1998). A mídia e a modernidade – uma teoria social da mídia, Vozes, Petrópolis WINTER, James e EYAL, Chaim (1981). Agenda setting for the civil rights issues, Public Opinion Quarterly, 45, pagina 376-383. i

Luiz G. Motta é doutor pela Universidade de Wisconsin, professor-titular da Faculdade de Comunicação e coordenador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília (UnB). Railssa Peluti Alencar é mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e foi coordenadora do Núcleo de Monitoramento de Mídia e Estatísticas da Agencia de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI). Os autores agradecem a Manoela Hartz, pela assistência na tabulação e análise, e a Vitor Aratanha, Luiz A. Guerra, Elisa Mendes, Maria A. Amorim, Leandro Andrade, Hermes Pena, Rodolfo Ribeiro, Daisy


Duarte, Dayene Peixoto, Max Milliano. Melo, Ana R. da Cunha, Natanael Lopes e Marina de Sá pela coleta dos dados. ii

A análise de conteúdo foi realizada pela ANDI – Agencia de Notícias dos Direitos da Infância, em parceria com o UNICEF, para monitorar o tratamento das questões relativas à infância e adolescência nos jornais e telejornais brasileiros durante o ano eleitoral de 2006. Análise semelhante foi realizada no ano eleitoral de 2002, possibilitando comparações que permitem adequar estratégias de mobilização e agendamento desses temas. iii

Entre outros estudos citados nesta teoria, o conhecido estudo de Winter e Eyal (1981), por exemplo, comparou a cobertura de capa do The New York Times (do mês antecedente) com os resultados das sondagens de opinião a respeito dos direitos civis pelo Instituto Gallup nos Estados Unidos durante 23 anos. Revelou forte resposta do público a agenda midiática no curto prazo. A cobertura precedia a agenda, demonstrando uma correlação causal. Outros estudos realizados em situações experimentais ajudaram a corroborar a hipótese do agendamento publico pelos meios de comunicação. Os resultados consolidaram a afirmação que os jornalistas têm uma influencia significativa (involuntária ou não) na imagem do mundo de suas audiências (McCombs, 2005,53). iv

Ver Que país é este? (2003), Andi-Unicef-Fundação Ayrton Senna, Cortez Editora, São Paulo e outras publicações da Andi, particularmente a série Mídia e mobilização social. v

Apesar das candidaturas só terem sido registradas no Tribunal Superior Eleitoral posteriormente, e a campanha formal se iniciado no dia 6 de julho, as eleições presidenciais dominaram o conteúdo da mídia durante todo o ano. Quatro candidatos com forte apelo popular ocuparam espaços privilegiados na mídia: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores e outros), o ex-governador do estado de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB e PFL) e os senadores Heloisa Helena (PSTU) e Cristovan Buarque (PDT). vi

Desde 1996 a ANDI vem realizando um trabalho de sensibilização dos jornalistas brasileiros para qualificar a cobertura de temas relativos a infância e adolescência, com resultados bastante positivos (ver Canelas, 2005) Durante o ano eleitoral de 2006 foi também realizado um trabalho de sensibilização junto aos comitês dos candidatos. vii

Motta, L. G. (2005) revela em estatísticas a preferência dos jornais brasileiros por escândalos políticos, muitos aquecidos e amplificados superficialmente no calor das disputas eleitorais. A excessiva cobertura dos escândalos reduziu espaço na agenda da mídia para outras coberturas durante o período eleitoral.


O DISCURSO DA CONVERGÊNCIA INEVITÁVELi A CONSTRUÇÃO DO JORNALISTA MULTITAREFA NAS PÁGINAS DE O GLOBO

Marcelo Kischinhevsky Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) marcelokisch@gmail.com.

Resumo: O artigo busca investigar a reconfiguração nas redações de jornais brasileiros, onde jornalistas vêm sendo forçados a gerar conteúdos em texto, áudio e vídeo. A nova lógica produtiva é analisada à luz de discursos sobre a convergência, publicados no jornal O Globo, e da precarização do mercado de trabalho. Palavras-chave: Convergência. Jornalismo. Economia Política da Comunicação. Resúmen: El artículo busca investigar la reconfiguración de las salas de prensa de los diarios brasileños, donde los periodistas se quedan forzados a generar contenidos en texto, audio y video. El análisis acerca de la nueva logica productiva enfoca los discursos de convergencia publicados en el diario O Globo y la creciente precariedad laboral en el mercado de trabajo. Palabras-clave: Convergencia. Periodismo. Economía Política de la Comunicación. Abstract: This article seeks to investigate Brazilian press´ newsrooms reconfiguration, which have been pushing journalists to produce text, audio, and video contents. The new productive logic is analyzed along with convergence speechs published by O Globo newspaper. Labour markets´ precarious conditions will also be considered. Key-words: Convergence. Journalism. Political Economy of Communication.

INTRODUÇÃO Na noite de 18 de setembro de 2008, quinta-feira, comunicado interno assinado pelo diretor de Redação do jornal O Globo, Rodolfo Fernandes, informava os editores e subeditores sobre os detalhes de um profundo processo de reconfiguração das rotinas produtivas que culminaria, no ano seguinte, na integração com O Globo Online (cuja marca seria extinta). Na longa mensagem eletrônica, o


jornalista antecipava as diretrizes da campanha de marketing que estrearia dois dias depois, buscando marcar o reposicionamento de um dos diários brasileiros de maior prestígio e vendagemii, com a oferta de mais ferramentas de interatividade e conteúdo multimídia. Após observações sobre a apropriação de características do jornalismo online, como a maior visibilidade para os comentários de leitores, o executivo do Infoglobo trataria de procedimentos que mexeriam dramaticamente com o dia-a-dia dos jornalistas do impresso. A prática de ir à rua coletar informações munidos de telefones celulares de última geração, câmeras/filmadoras e gravadores digitais, antes restrita à equipe de um suplemento (Bairros.com), seria agora disseminada para todas as editorias. Com os equipamentos disponíveis, os repórteres deveriam produzir fotos ou vídeos com dois a quatro minutos de duração, relacionados às reportagens que estivessem apurando, para alimentar a área multimídia do site. Flagrantes passariam a ser transmitidos diretamente para a redação. Um miniestúdio do on-line passava a ser aberto a todos, para a gravação de podcasts ou edição da íntegra de áudios a serem publicados no siteiii. Nenhuma linha da mensagem do diretor de Redação foi dedicada a orientar os editores sobre como lidar com a sobrecarga de trabalho resultante dos novos procedimentos. Poucas semanas depois, o mundo entraria em aguda recessão econômica, com forte impacto no mercado de trabalho brasileiroiv, e os jornalistas acabariam compelidos a se submeter às mudanças no modo de produção sem maiores questionamentos – afinal, com a crise, o fantasma das demissões tornou-se ainda mais presente nas empresas nacionais de comunicação, mesmo nas de maior faturamento. A nova lógica produtiva coincidiu com a discussão, no âmbito do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, da adoção de controle de ponto nas redações cariocas. Em assembleia, a categoria votou a favor de recurso do sindicato à Justiça do Trabalho, visando instituir o controle, o que


possibilitaria coibir ou pelo menos compensar jornadas abusivas, corriqueiras em todos os diários impressos do Rio. O conflito em torno da adoção do ponto transformou a imprensa em notícia e pôs em evidência as duras condições de trabalho do jornalista em tempos de convergência midiática, que traz como pressuposto a produção e a oferta de conteúdos nos mais diversos suportes. A convergência de conteúdos em texto, áudio e vídeo rumo a plataformas digitais vem redesenhando, na última década, o modo de produção das redações da grande imprensa e, consequentemente, o mercado de trabalho jornalístico. Não apenas em O Globo, mas em diversos veículos da grande imprensa brasileira, repórteres têm sido, sistematicamente, forçados a elaborar noticiário para múltiplos canais de distribuição (jornais, revistas, rádio, TV, portais), tendo

sua

jornada

ampliada

de

forma

brutal,

geralmente

sem qualquer

compensação. A mudança na lógica produtiva torna-se um fardo excepcionalmente pesado se considerarmos a construção de uma cultura identitária do jornalista, como um profissional abnegado, movido pelo interesse público e de prontidão 24 horas por dia, sete dias por semana. Sobretudo entre os anos 1950 e 1970, as indústrias da comunicação e da cultura se encarregaram de forjar uma persona para o jornalista, apresentado em filmes, artigos e entrevistas auto-referenciadas como peça-chave para o direito à liberdade de expressão e, consequentemente, para a própria democracia. Para Alberto Dines, o jornalista “deve ser um espírito inconformado e inquieto”: “Jornalista conformado não é jornalista”, sentenciava, em livro básico para a formação superior dos profissionais de Jornalismo no Brasil (D INES, 1974/1986, p. 120). Os mecanismos de construção dessa identidade profissional e as interações no ambiente de trabalho têm sido objeto de promissoras pesquisas (ver, por exemplo, OLIVEIRA, 2009, e MELLO, 2009) e apresentam terreno fértil de análise, podendo ser desdobrados para a investigação das culturas da convergência nas redações. No Brasil, onde o mercado e as relações de trabalho primam pela “limitada


institucionalidade” (DEDECCA, 2005, p. 102), a transição para um modo de produção pós-fordista, marcado pela especialização flexível (LESSA, 2001, p. 432), acarretou precarização sem precedentes nas redações, com demissões em massa, terceirização de atividade-fim e intensa rotatividade de mão-de-obra. Por trás da nova rotina produtiva, estão discursos que fazem da convergência midiática um processo inevitável e supostamente ajustado para atender a uma demanda social por informação em diversos suportes digitais. O jornalista, hoje, precisa ser um profissional multiskilled (HASSAN, 2000, p. 31), ou seja, desenvolver múltiplas habilidades. Deve apurar, numa única saída da redação, dados que permitam a produção de textos para veiculação em sites e/ou impressos, além de captar imagens e áudio, editando-as e apresentando-as na internet ou em programas informativos televisivos e/ou radiofônicos. “Visibilidade” tornou-se palavra recorrente no discurso de chefes e subalternos que defendem a nova lógica, alegando que seus trabalhos ganham maior repercussão. Sem embargo, os abusos à legislação trabalhista, com jornadas extenuantes e acúmulo de funções, tornaramse uma preocupação para representantes da categoria, a ponto de o Sindicato dos Jornalistas do Rio reivindicar, na campanha de 2009, “multissalário” para os repórteres que dão conta da chamada “multifunção”v. Este artigo investiga como o discurso da convergência inexorável se impôs nas redações brasileiras, importado por consultores inspirados em relatos de experiências pioneiras nos Estados Unidos da América (EUA) e na União Europeia. Para mapear a ideologia por trás desse processo, serão articuladas informações obtidas por meio de entrevistas realizadas junto a jornalistas, de diversos níveis hierárquicos dos principais jornais do Rio de Janeiro (O Globo, Extra, O Dia, Jornal do Brasil) e os discursos colocados sobre o caráter da profissão, notadamente na seção Por Dentro do Globo, publicada diariamente na página 2 do jornal O Globo. Estes dados serão cotejados com relatos de pesquisadores de outros países, em particular Espanha e EUA, dedicados ao fenômeno da convergência midiática,


sempre à luz da bibliografia recente sobre o tema, especialmente aquela filiada à Economia Política da Comunicação. Será analisada a hipótese de que o próprio papel de mediador social exercido pelo jornalista na sociedade contemporânea encontra-se ameaçado, em função da queda da qualidade – decorrente dos exageros da multifunção e dos prazos de fechamento (deadlines) cada vez mais apertados – e dos tênues vínculos entre estes profissionais e as empresas jornalísticas, com a constante ameaça de demissão e os recorrentes programas de cortes de custos. Situação que se agrava com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de 17 de junho de 2009, derrubando a exigência de diploma de nível superior para o exercício da profissão de jornalista. O EXERCÍCIO DO JORNALISMO NO BRASIL

O Brasil foi considerado, durante anos, um país de vanguarda em termos de legislação para o exercício da profissão de jornalista. A exigência do diploma de graduação específica, instituída em 1969, levou nas décadas seguintes a uma qualificação sem precedentes da mão-de-obra e à profissionalização das relações trabalhistas nas redações dos principais veículos de comunicação. Até então, o exercício do Jornalismo era um bico, uma atividade complementar, paixão de poucos privilegiados – e também um paraíso para prosélitos, achacadores e pilantras em geral, graças aos frouxos mecanismos de controle, públicos e privados. A legislação, contudo, teve o efeito colateral de impulsionar a proliferação de cursos superiores na área. Muitos deles, de baixíssima qualidade. As estatísticas sobre a profissão são esparsas e de baixa confiabilidade (KISCHINHEVSKY, 2009). O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em sua Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2006, mantinha o profissional da imprensa no subgrupo ocupacional dos “Comunicadores, artistas e religiosos”vi.


Isso ocorre apesar de as indústrias midiáticas terem peso relevante na economia brasileira. Não há, contudo, estimativas precisas sobre o contingente de profissionais de Jornalismo militando no país. A Relação Anual de Informações Sociais (Rais), coletada pelo Ministério do Trabalho, apontava a existência de apenas 20.961 jornalistas empregados no Brasil em 2002, contra 17.528 no ano de 1986, início da série histórica – a partir de 2002, mudanças na forma de coleta dos dados inviabilizaram comparações, diluindo, por exemplo, jornalistas entre os trabalhadores da indústria gráfica e editorial. O baixo número de profissionais militantes e o modesto crescimento em quase duas décadas, expostos nos dados da Rais, se explicam por diversos fatores, entre os quais a sonegação de informações por parte dos empregadores e, a partir dos anos 1990, o avanço da precarização nas relações de trabalho. A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) estima que havia no Brasil, em 2002, cerca de 80 mil jornalistas atuando nas redações e nas assessorias de imprensa – o número pode ser bem maior nas diversas esferas do poder público, pois muitas vezes o jornalista, embora exerça atividades ligadas à comunicação, está registrado de formas distintas, como cargo comissionado ou “analista” e mesmo “técnico”. Nesse período, expõe-se a saturação do mercado de trabalho, na esteira da exigência de diploma de curso superior. Em junho de 2003, havia no país 443 cursos de Comunicação Social em operação. Só naquele ano, 14 mil estudantes – a maioria com habilitação em Jornalismo – concluíram a graduação. Estes jovens profissionais confrontaram escassez de vagas e um mercado transfigurado por brutais processos de modernização empresarial. No fim dos anos 1970, as redações da grande imprensa nacional chegaram a ser povoadas por centenas de jornalistas, que tinham a máquina de escrever como expressão máxima de seus instrumentos de trabalho. Era o período de afirmação do jornal-empresa, que ganhava musculatura com o avanço da industrialização e com as relações estreitas entre empresários de comunicação e o poder público, historicamente a maior fonte de verbas publicitárias no Brasil (LAGE, 2001). O período


também pode ser representado pelas lutas sindicais, que tiveram seu ápice nas greves em montadoras de automóveis na Grande São Paulo. Em 1979, houve também a primeira grande greve num jornal brasileiro de que se tem notícia, paralisando parcialmente a redação da Folha de S.Paulo. Após o fracasso do movimento, grande parte da redação acabou demitida, deflagrando forte movimento de rotatitividade de mão-de-obra. A virada para a década de 1980 trouxe a automação de processos nos parques gráficos e, logo em seguida, nas redações, o que redesenhou as rotinas de produção da imprensa escrita. O jornal-empresa buscava a flexibilidade produtiva característica do pós-fordismo, num cenário de intensa segmentação de formas midiáticas. A esta fase, sobreviveriam “as organizações vocacionadas para a inovação tecnológica e gerencial: que flexibilizam suas estruturas, a linha de produção, as funções profissionais e os produtos, ainda que estes sejam bens culturais” (FONSECA, 2005, p. 330). Etapas do processo industrial foram comprimidas e eventualmente suprimidas, ocasionando cortes de custos com pessoal e equipamentos e, por tabela, ganhos para os patrões. A máquina de escrever era substituída por microcomputadores, ferramenta útil para a obtenção de maior produtividade dos jornalistas. A informatização reduziu tremendamente o tempo necessário à elaboração e ao processamento de um texto jornalístico, levando a cobranças crescentes – aumento do número de pautas diárias designadas a cada repórter, enxugamento de equipes, acúmulo de funções. Quem não se adaptou simplesmente perdeu o emprego. A reorganização industrial trouxe ganhos de escala para um punhado de empresas de comunicação, que emergiriam dos anos 90 como grandes sobreviventes. Veículos que não investiram pesadamente na modernização de suas operações ou fizeram apostas equivocadas acabaram quebrando ou tornaram-se irrelevantes em termos de circulação e postos de trabalho.


O Rio de Janeiro, outrora o mercado de imprensa mais concorrido do país, passava a contar com um duopólio: o Infoglobo, responsável pela edição dos jornais O Globo, Extra e Expresso, líder absoluto em vendas e faturamento publicitário, seguido de longe pela Editora O Dia, que mantém O Dia e o compacto popular Meia Hora. O Infoglobo pertence às Organizações Globo, maior grupo de comunicação do Brasil, com a Rede Globo de Televisão, o Sistema Globo de Rádio, Editora Globo e participações em diversos outros negócios, como TV a cabo e internet – somadas as audiências de seus portais O Globo e G1, o conglomerado era líder em visitantes únicos em 2008, superando o UOL, ligado à Editora Folha da Manhã. A consolidação na imprensa veio acompanhada de achatamento salarial e deterioração nas condições de trabalho. A crescente participação da mão-de-obra feminina (remunerada, historicamente, em condições inferiores à masculina) e a absorção da legião de recém-formados foram agravantes deste processo, pressionando os rendimentos ainda mais para baixo. A onda de fusões, aquisições e quebras no setor de mídia ao longo da última década intensificou projetos de convergência visando à captura de sinergias. A exemplo do que ocorreu nos EUA e na Europa, grandes grupos brasileiros de comunicação estabeleceram sistemas de cooperação e intercâmbio de conteúdos entre seus veículos nas mais diversas plataformas, buscando extrair o máximo de produtividade de seus empregados. A convergência emerge nas redações como uma ideologia, um norte a orientar planejamentos estratégicos de empresários e executivos do setor. Numa perspectiva “etapista”, a convergência apresentaria diversos níveis, indo do simples aproveitamento de notícias geradas por uma redação em outras plataformas de difusão do mesmo grupo empresarial até a formação de uma única redação responsável pela produção de conteúdos para diversos canais de distribuição (DAILEY et al., 2005). Outros autores, no entanto, consideram a convergência um processo essencialmente não-linear, que incide de modo desigual sobre os diversos aspectos do processo produtivo da notícia – coleta, edição e


distribuição de informação (GARCÍA AVILÉS e CARVAJAL, 2008). A multi-habilidade dos novos profissionais seria decisiva justamente no primeiro deles, a apuração. A integração das redações do jornal O Globo e do Globo Online, ao longo de 2009, envolveu redução de quadros, especialmente entre repórteres mais experientes – sites especializados anunciaram pelo menos 15 demissões nas redações de ambos, até o mês de agosto, além de cortes pontuais em diversas editorias, com o congelamento de vagas abertas após a saída de profissionais. As dispensas foram atribuídas pela empresa, internamente, à queda nas vendas provocada pela crise econômica mundial. Ao longo dos últimos anos, a integração de redações foi sinônimo de demissões. O pano de fundo é sempre um discurso sobre a necessidade de ganhos de escala para a sobrevivência das empresas num cenário de crescente competitividade. Em São Paulo, em 2008, o Grupo Estado acelerou a unificação das operações do jornal O Estado de S.Paulo, da Agência Estado e do portal Estadao.com.br e promoveu amplo programa de demissões voluntárias. No Rio de Janeiro, pressionada pela retração nas vendas, a Editora O Dia reduziu equipes, extinguiu suplementos, como as edições regionais que circulavam no interior do Estado, e fechou a sucursal mantida há mais de duas décadas em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Um exemplo extremo (e malsucedido) de integração foi promovido pelo empresário Nelson Tanure, que arrendou marcas tradicionais da imprensa, como o quality paper Jornal do Brasil, o diário econômico Gazeta Mercantil e a revista Forbes Brasil. Entre 2004 e 2007, sua Companhia Brasileira de Multimídia (CBM) levou a cabo desastrosa unificação das redações de títulos do grupo, incluindo as versões em papel, agências de notícias (Agência JB e InvestNews) e on-line. Em nome do saneamento dos veículos, o total de jornalistas foi reduzido em mais de 70% e grande parte dos remanescentes foi coagida a abrir mão de direitos trabalhistas


básicos, tais como carteira assinada, 13º salário e férias remuneradas e benefícios como plano de saúde. Com a integração, reportagens eram publicadas simultaneamente no JB e na Gazeta, a despeito de suas especificidades de linguagem, e criaram-se níveis de subordinação entre funcionários de diferentes empresas do grupo, com eliminação de postos de trabalho equivalentes. Todos deveriam ainda alimentar as versões online, cujas equipes foram reduzidas a um punhado de editores e subeditores. O resultado, evidentemente, foi perda de qualidade, seguida de acentuada queda nas vendas. Em junho de 2009, sob o peso de milionárias dívidas trabalhistas, Tanure devolveu a Gazeta ao antigo dono, e o jornal fechou as portas. Em todas as grandes redações do país, em maior ou menor grau, jornalistas passaram a ser instados a colaborar com diversos veículos, sem qualquer gratificação. Tornou-se corriqueira também a adoção de metas de flashes (textos curtos, com a síntese de notícias que serão publicadas no dia seguinte) a serem produzidos, por editoria, para veiculação na internet ou para distribuição reservada via agência de notícias ou telefonia móvel. Com o alto índice de turnover (rotatividade de mão-de-obra), cresceram ainda as pressões por maior produtividade, com repórteres acumulando pautas e chefias sobrecarregadas de tarefas, conciliando o planejamento de grandes coberturas com o trabalho burocrático, travestidos de “gestores” de “unidades de negócios” – nova estrutura administrativa que engloba as antigas editorias e/ou suplementos de um jornal. A preocupação em relação à crescente burla de direitos trabalhistas elementares e à qualidade do Jornalismo, com as novas rotinas de produção, vem mobilizando representantes da categoria (KISCHINHEVSKY, 2009, op. cit.): “(...) precisamos nos adaptar. Mas um repórter parando o tempo todo para produzir uma imagem, mandar um flash para uma agência ou gravar uma sonora pode embarcar numa pasteurização da notícia, em detrimento do aprofundamento, e entregar à população uma informação superficial”, critica Aziz Filho, secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas do Município do Riovii.


De acordo com a Federação Nacional dos Jornalistas, o avanço das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) e o desrespeito às leis trabalhistas fizeram com que a jornada do profissional de imprensa crescesse de forma acentuada nos últimos anos. Em vez das cinco horas contratuais (ou sete, no caso do Rio, em função de acordo coletivo), 10 a 12 horas diárias de trabalho passaram a ser habituais, geralmente sem pagamento de horas extras ou mecanismos efetivos de compensação, como banco de horas. “Cada profissional produz por dois ou três colegas, tornando comuns os afastamentos motivados por esgotamento físico, por doenças do trabalho, e também o crescimento de transtornos psicológicos” (SATO, 2005). Diante da escassa oferta de empregos, os profissionais tendem a se sujeitar a situações abusivas, naturalizando-as. Sato detectou, nos primeiros anos do século 21, “um exército de desempregados que propicia o abuso das empresas nas mais diversas formas, assim como o crescente assédio moral nas redações, condições de trabalho precárias, medo do desemprego, concorrência desesperadora, relação de sub-emprego, ausência de contratação ou formas de contratação irregulares etc.” (idem) A deterioração do mercado no período, ainda segundo Sato, devia-se ao mau momento atravessado pelas empresas de comunicação, em função da forte concorrência. Num período de cinco anos, entre 1998 e 2002, a redução de quadros nas redações de algumas importantes empresas do setor chegou à casa de 40%, e também encolheu o espaço destinado a conteúdo editorial (não-publicitário). O temor de profissionais e entidades representativas é de que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que por 8 votos a 1 derrubou a exigência do diploma de curso superior para o exercício do Jornalismo, leve a um agravamento ainda maior do cenário no mercado de trabalho. A Federação Internacional dos Jornalistas divulgou comunicado em que alerta para o fato de que a decisão abre “caminho para uma crescente precarização dos jornalistas” e cria “um prejuízo para a informação democrática”viii. A declaração de inconstitucionalidade do inciso V do art.


4º do Decreto-Lei 972 de 1969 pelo STF, no entender da Fenaj, confunde “liberdade de expressão e de imprensa e direito de opinião com o exercício de uma atividade profissional especializada, que exige sólidos conhecimentos teóricos e técnicos, além de formação humana e ética”ix. O DISCURSO DA CONVERGÊNCIA: O QUE OS PATRÕES ESPERAM DO JORNALISTA

A convergência de texto, áudio e vídeo em novos canais de distribuição de conteúdo, como telefones celulares e internet, acelerou a disseminação de formas discursivas acerca de um novo ideal profissional: o jornalista multimidiático, apto a produzir noticiário para veiculação em qualquer plataforma. A convergência midiática molda não apenas as práticas jornalísticas contemporâneas, mas a própria autoimagem dos profissionais (DEUZE, 2004). Com um mercado de trabalho redesenhado pelas novas TICs e pela precarização, ganha espaço o discurso da inevitabilidade da convergência e da necessidade de se investir em profissionais com múltiplas habilidades. Nesse sentido, a seção Por Dentro do Globo, publicada desde 2006 em espaço nobre do jornal O Globo – a página 2 do primeiro caderno – representa material rico para a análise das formas discursivas relacionadas a esse novo papel atribuído pelos patrões ao jornalista. Em meio aos preparativos para a integração das redações de papel e on-line do Infoglobo, um texto, intitulado “Repórteres multimídia”, evidencia a tentativa de compor uma visão romântica do trabalho dos jornalistas em tempos de convergência. Em destaque, a correspondente Vivian Oswald, à época a única repórter brasileira em Moscou. Enquanto as atenções da imprensa se voltavam para os Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, Vivian cobria o conflito entre a Rússia e a exrepública soviética da Geórgia, deflagrado pelo movimento separatista da Ossétia do Sul. “Além da importância dos fatos, o que torna a tarefa da correspondente mais


complexa é o caráter multimídia de sua cobertura – uma característica cada vez mais exigida dos jornalistas, chamados ao domínio das linguagens de vários meios de comunicação ao mesmo tempo”, informa o texto, sem assinatura, como de hábito x. “A cobertura é muito tensa e as informações, desencontradas, o que só aumenta o estresse de ter que atualizar várias vezes no mesmo dia os textos para o rádio, para a televisão, para o blog e para o jornal. O problema é que não só o conteúdo precisa ser apresentado de maneira diferente, mas também o formato e a linguagem”, relata a correspondente, evidenciando a pressão a que é submetida cotidianamentexi. Na mesma coluna, a correspondente do Globo em Buenos Aires, Janaína Figueiredo, apresentada como “profissional polivalente”, afirma que “o fundamental para alcançar sucesso nesse desdobramento de linguagens é ter criatividade e saber o que espera o leitor, ouvinte ou telespectador” xii. Mas a multifunção não está limitada aos correspondentes internacionais. Em outra edição, Por Dentro do Globo revela que a orientação para que os repórteres produzissem conteúdo para outros suportes foi cumprida à risca por um grande contingente, incorporando-se à cultura profissional. “Quase toda boa história pode ser contada em texto, vídeo e foto. No último ano, as reportagens do Globo renderam 1.400 vídeos para o site do jornal, numa prova de que, na era multimídia, o conteúdo produzido pelos jornalistas chega aos leitores em múltiplas formas e não mais apenas impresso em papel”, diz a abertura da coluna, em tom triunfalista xiii. Antônio Fausto Neto vê em iniciativas como a seção Por Dentro do Globo uma espécie de discurso auto-referencial sobre o processo produtivo do noticiário. Um discurso que celebra o modo de prática jornalística adotado, enaltecendo a capacidade de seus profissionais de superar adversidades em grandes coberturas, descrevendo rotinas internas e, ocasionalmente, prestando contas de suas ações. Em seu esboço de uma “analítica da midiatização”, o autor considera a autoreferencialidade discursiva um dos aspectos-chave das novas configurações da imprensa. “Não se trata mais de falar para o leitor, apontá-lo a realidade construída, ou dizer que sabe ou que „soube antes‟, mas relatar como


faz para dizer que „sabe antes...‟. Na apresentação desta „realidade da construção‟ edifica-se um novo contrato de leitura através do qual as mídias acabam sendo seu próprio objeto. Ou seja, segundo um novo modelo de enunciação posto em prática, trata-se de produzir uma enunciação na qual fale de si mesma, através do que privilegia não representações de um mundo externo, mas suas próprias operações, nas quais se explicitam os fundamentos dos seus próprios processos interpretativos. A isso, poderíamos definir como discurso auto-referencial e que se caracterizaria pela chamada de atenção da sua própria existência, dos seus processos de enunciação, dos seus modos de conhecer.” (FAUSTO NETO, 2008, pp.98-99)

Difícil aferir em que medida os discursos que buscam conformar uma nova identidade para o jornalista são efetivamente incorporados, sem resistências. Pelo menos uma vez, a seção acabaria provocando divisões internas no ambiente de trabalho: quando a direção da redação do diário tentou jogar os jornalistas da empresa contra o sindicato da categoria. O alvo era a ação judicial, movida pelo sindicato, para instituir o controle de ponto das redações do Infoglobo e da Editora O Dia. A reclamação dos trabalhadores, objeto de discussão em assembleias, era de que não havia pagamento de horas extras referentes às jornadas abusivas a que repórteres eram submetidos diariamente, além dos plantões de fins de semana e feriados. No jornal O Globo, o banco de folgas funcionava de modo irregular. Em algumas editorias, muitos jornalistas eram impedidos de gozar as folgas a que tinham direito. Quando o Infoglobo foi instado pela Justiça do Trabalho a estabelecer o controle de ponto, Por Dentro do Globo trouxe texto em que se combinavam mitos sobre a rotina do jornalista e sobre a urgência da lógica do tempo real e a suposta flexibilidade das jornadas trabalhistas, trazidas pelas novas TICs. “Uma longa tradição do jornalismo foi rompida. Por exigência do Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro, ontem, pela primeira vez, repórteres, redatores, fotógrafos, diagramadores e editores assistentes assinaram ponto ao entrar e ao sair da Redação, medida que criou polêmica e exigiu muitas reuniões. Todo jornalista sabe que notícia não tem hora para acontecer e, portanto, longas horas de trabalho nos dias em que parece que o mundo vai cair eram compensadas por folgões, quando a paz é restaurada na cidade, acaba a Copa do Mundo, ou acabam as eleições.


O ponto começa em plena época da internet, quando jornalistas não precisam mais estar na Redação para trabalhar, por ter à disposição notebooks e celulares para mandar notícias e fotos de onde estiverem.”xiv

O texto compara situações distintas, misturando a prática informal dos folgões – dias de folga após grandes coberturas – com a prática abusiva de submeter cotidianamente profissionais de jornalismo a jornadas de até 12 horas diárias. Ao final, o texto ainda informa que os jornalistas do Globo teriam que trabalhar oito horas por dia, e não sete, como prevê acordo coletivo, supostamente para cumprir horário de almoço. Por Dentro do Globo ainda usa como exemplo os jornalistas da sucursal de Brasília, onde os setoristas nem precisam passar pela redação do jornal, apurando, redigindo e enviando suas reportagens de casa ou da rua, via internet. Como se esse tempo de trabalho não pudesse ser facilmente contabilizado, como ocorre há anos nas emissoras de rádio e TV, com a instituição do chamado ponto externo. O sindicato reagiu, alegando que o setor de Recursos Humanos do Infoglobo não era o foco de resistência ao controle de ponto, que afastaria o risco de ações trabalhistas. O problema seriam os chamados gestores. “O plano de participação nos lucros do Globo premia poucos com altos valores, que dependem da redução de custos, muitas vezes em detrimento do investimento em reportagem. O verdadeiro temor, de poucos, é de que a empresa precise contratar mais pessoas ou pagar horas extras, reduzindo alguns tostões dos lucros da empresa e afetando o prêmio anual”, acusou, em notaxv. A adoção de um controle de ponto burocrático representou aumento da carga de trabalho para boa parte dos jornalistas, justamente num momento em que o acúmulo de funções trazido pela integração das redações se tornava norma. Só o tempo dirá se as longas jornadas passarão, enfim, a ser devidamente compensadas ou remuneradas. De qualquer forma, a disputa pública expôs o equilíbrio delicado entre os interesses empresariais e o acesso da população a informação de qualidade.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ideologia do jornalista multiskilled, que respira notícias 24 horas por dia, emana do discurso dos executivos de empresas de comunicação e encontra eco entre um número crescente de profissionais – geralmente, jovens ansiosos por conquistar maior visibilidade, ao terem suas reportagens veiculadas em diversas mídias. A desenvoltura de um punhado de jornalistas de renome (comentaristas das áreas econômica e política, com direito a bônus salariais e participação nos lucros das empresas), atuando em jornal, rádio, TV e internet, ajuda a alimentar essa mística em torno da carreira multimídia. Aliás, é revelador o fato de que um bemremunerado colunista do Globo tenha sido a principal voz a se colocar publicamente contra o controle de ponto, acusando-o justamente de pôr fim ao romantismo da profissão: “Jornalismo do tipo bom é tudo aquilo que acontece fora de hora. O resto é entrevista coletiva. Press release, informação de assessoria de imprensa”xvi. A convergência midiática é um processo inevitável? Os jornalistas devem se conformar com rotinas de trabalho exaustivas, atendendo a interesses empresariais e proporcionando ganhos de produtividade incompatíveis com o interesse público, com a demanda da sociedade por informação de qualidade? Estudo sobre a integração total das redações de um grupo espanhol de jornal, rádio e TV expôs forte resistência de jornalistas mais experientes à nova lógica produtiva. Foram relatadas numerosas demissões e perda de qualidade, especialmente na área de imagem, com o crescente uso de fotografias e vídeos gerados por repórteres de texto sem formação específica (GARCÍA AVILÉS e CARVAJAL, op. cit.). Diversos pesquisadores questionam os supostos benefícios da convergência midiática sobre a produção e a veiculação de informação, visto que a sucessão de fusões, aquisições e quebras no setor de mídia tende a reduzir a diversidade de vozes na sociedade. Pesquisa realizada com repórteres e editores de jornais e


emissoras de TV nos EUA mostra que 38% admitem que o nível do jornalismo caiu com a produção de conteúdos segundo a lógica da convergência (HUANG et al., op. cit.). Problemas semelhantes foram percebidos na Espanha, onde a criatividade e a qualidade do jornalismo on-line são tolhidas pela falta de investimento em infraestrutura e pelos apertados prazos de fechamento (SANDOVAL MARTÍN, 2005). Ainda não há exemplo de integração total de redações no Brasil, mas, como vimos, o discurso sobre a inevitabilidade da convergência midiática vem prevalecendo, tornando-se uma ideologia que permeia todo o fazer jornalístico na grande imprensa. Inexistem evidências de que a sociedade esteja sendo beneficiada pela precarização do mercado de trabalho de Jornalismo e pela afirmação de uma nova lógica produtiva, marcada pela oferta de conteúdos digitais em texto, áudio e vídeo, gerados por repórteres multifuncionais. O fim da obrigatoriedade do diploma de curso superior para o exercício da profissão só agrava o cenário, abalando o status de mediador social desfrutado pelo jornalista no país desde o período da redemocratização. O jornalista precisa repensar seu papel diante das novas tecnologias digitais, para não se tornar um mero apertador de botões, um malabarista da informação, equilibrando diversos aparelhos eletrônicos – gravadores, filmadoras, celulares com câmera fotográfica, notebooks. Um jornalista sem espírito crítico limita-se a reproduzir discursos, sendo incapaz de (mitificações à parte) cumprir suas reais funções sociais: assegurar os direitos à informação e à liberdade de expressão e ajudar a construir cidadania.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DAILEY, Larry; DEMO, Lori; SPILLMAN, Mary. “The convergence continuum: A model for studying collaboration between media newsrooms”, Atlantic Journal of Communication 13(3): 150–68, 2005. DEDECCA, Cláudio Salvadori. “Notas sobre a evolução do mercado de trabalho no Brasil”, Revista de Economia Política, vol. 25, n. 1 (97), pp. 94-111, jan-mar. 2005.


DEUZE, Mark. “What is multimedia journalism?”, Journalism Studies, vol. 5, n. 2, pp. 139– 152. Routledge, 2004. FAUSTO NETO, Antônio. “Fragmentos de uma „analítica‟ da midiatização”, in MATRIZes, n. 2, abril de 2008. FONSECA, Virginia Pradelina da Silveira. “O jornalismo no conglomerado de mídia – Reestruturação produtiva sob o capitalismo global”. Tese de doutorado. Porto Alegre, Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação/UFRGS, 2005. GARCÍA AVILÉS, José Alberto; CARVAJAL, Miguel. “Integrated and cross-media newsroom convergence: Two models of multimedia news production – The cases of Novotécnica and La Verdad Multimedia in Spain”. Convergence: The International Journal of Research into New Media Technologies. Vol 14(2): 221–239. Sage, 2008. HASSAN, Robert. “The space economy of convergence”. Convergence: The International Journal of Research into New Media Technologies. Vol. 6(4): 18-35. Sage, 2000. HUANG, Edward; DAVISON, Karen; SHREVE, Stephanie; DAVIS, Twila; BETTENDORF, Elizabeth; NAIR, Anita. “Facing the challenges of media convergence. Media professionals’ concerns of working across media platforms”, Convergence: The International Journal of Research into New Media Technologies, Vol. 12(1): 83–98. Sage, 2006. KISCHINHEVSKY, Marcelo. “Convergência nas redações – Mapeando os impactos do novo cenário midiático sobre o fazer jornalístico”, in RODRIGUES, Carla (org.), Jornalismo OnLine: Modos de fazer (no prelo). Rio de Janeiro/Porto Alegre: Ed. PUC-Rio, Ed. Sulina, 2009. _____. O rádio sem onda – Convergência digital e novos desafios na radiodifusão. Rio de Janeiro: E-Papers, 2007. LESSA, Carlos. O Rio de todos os Brasis. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2001. MELLO, Pedro Paulo Thiago de. “Por trás da notícia: Um olhar etnográfico sobre os ritos de interação numa redação de jornal”. Tese de doutorado em Antropologia. Nitéroi: Universidade Federal Fluminense (UFF), 2009. OLIVEIRA, Michelle Roxo de. “O trabalho de afirmação do self missionário e aventureiro dos jornalistas em espaços públicos de discursividade”. Anais do VII Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo, SBPJor, realizado na Universidade de São Paulo (USP), 2009. SANDOVAL MARTÍN, María Teresa. “El periodista digital: precariedad laboral y las nuevas oportunidades”. Telos, n. 63, abr.-jun., 2005. SATO, Nelson Kengo. “Número de jornalistas no Brasil – 1986 a 2002”, Assessoria Econômica da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), disponível em http://www.fenaj.org.br/economico.php?id=8#docs, 2005. i

O presente artigo é uma versão revista e ampliada de trabalho apresentado no VII Congreso Internacional de la Unión Latina de Economía Política de la Información, la Comunicación y la Cultura (ULEPICC), realizado na Universidad Carlos III, em Madrid, na Espanha, em outubro de 2009. O autor agradece à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pelo apoio à participação no congresso, por meio do Programa de Apoio a Eventos no Exterior (Paex).


ii

Maior quality paper do Rio de Janeiro, segundo maior mercado consumidor do Brasil, O Globo detém o 4º lugar no ranking nacional de circulação paga, com média diária de 281,4 mil exemplares em 2008. É editado pelo Infoglobo, que também controla o jornal popular Extra, 3º no mesmo ranking, com média diária de 287,3 mil exemplares. Ambos só são superados pela Folha de S.Paulo, editado pela Folha da Manhã, com média de 311,2 mil exemplares/dia, e pelo tablóide popular Super Notícia, da Sempre Editora, de Belo Horizonte, com 303 mil. Entre 2003 e 2007, O Globo ocupou a 2ª posição no ranking nacional, atrás somente da Folha. Os dados são da Associação Nacional dos Jornais (ANJ). iii

Maior quality paper do Rio de Janeiro, segundo maior mercado consumidor do Brasil, O Globo detém o 4º lugar no ranking nacional de circulação paga, com média diária de 281,4 mil exemplares em 2008. É editado pelo Infoglobo, que também controla o jornal popular Extra, 3º no mesmo ranking, com média diária de 287,3 mil exemplares. Ambos só são superados pela Folha de S.Paulo, editado pela Folha da Manhã, com média de 311,2 mil exemplares/dia, e pelo tablóide popular Super Notícia, da Sempre Editora, de Belo Horizonte, com 303 mil. Entre 2003 e 2007, O Globo ocupou a 2ª posição no ranking nacional, atrás somente da Folha. Os dados são da Associação Nacional dos Jornais (ANJ). iv

Entre novembro de 2008 e janeiro de 2009, o saldo na geração de empregos ficou negativo em 797.515 postos de trabalho em todo o país, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho e Emprego. Só em dezembro, foram 654.946 vagas fechadas, com destaque negativo para os grandes centros urbanos, maiores mercados consumidores de jornais impressos. Levantamento disponível em: http://estatistica.caged.gov.br/consulta.aspx?mesCPT=01&anoCPT=2009. Última consulta: 29 de agosto de 2009. v

Ver “Multifunção requer multissalário e cuidado com a qualidade”, p. 3, e “Campanha salarial começa em dezembro e multimídia é novidade”, p. 8, Lidão (informativo do sindicato), n. 39, nov. 2008. vi

Ver notas explicativas à Síntese dos Indicadores Sociais, disponíveis em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/sinteseindicso ciais2006/notatecnicapnad.pdf. Última consulta: 29 de dezembro de 2008. vii

Ver Lidão, op. cit., p. 3.

viii

Ver “FIJ: Decisão da Justiça brasileira é retrocesso de repercussão internacional”, 18 de junho de 2009, nota publicada no site do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro. ix

Ver “Oito contra oitenta mil; oito contra 180 milhões”, 18 de junho de 2009, nota publicada no site da Fenaj. x

Ver “Repórteres multimídia”, Por Dentro do Globo, 12 de agosto de 2008.

xi

Idem. A jornalista escreve para O Globo em papel e na internet, além de colaborar para a Rádio CBN e para a TV por assinatura Globonews. A coluna não menciona qualquer adicional salarial, embora correspondentes e colunistas desfrutem de maior prestígio dentro da hierarquia nas redações e, portanto, tendem a ser mais bem remunerados. xii

Idem.

xiii

Ver “Além do papel”, Por Dentro do Globo, 13 de maio de 2009.

xiv

Ver “Ponto x notícia”, Por Dentro do Globo, 2 de abril de 2009.

xv

Ver “Ponto x notícia: „Ilegal, e daí?‟”, nota do sindicato, 3 de abril de 2009.

xvi

Ver “Uma notícia com hora marcada”, Joaquim Ferreira dos Santos, Segundo Caderno, p. 8, 30 de março de 2009.


CONTEÚDO LOCAL E RETERRITORIALIZAÇÃO: ESTRATÉGIAS DO MERCADO TELEVISIVO RUMO À DIGITALIZAÇÃO Valério Cruz Brittosi Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) val.bri@terra.com.br

Márcia Turchiello Andresii

Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) marciaturchiello@hotmail.com

RESUMO: A constante busca pela reinvenção na televisão brasileira causa uma série de mudanças nos gêneros e formatos. Fruto da inovação tecnológica e da competitividade do mercado, a criatividade se tornou questão de sobrevivência para muitas emissoras. Assim, o capital simbólico, ao assumir importante papel na sociedade, torna-se cada vez mais complexo e hibridizado. A programação local, que já foi preponderante no passado devido às limitações tecnológicas, agora se tornou um diferencial junto à produção cultural globalizada. Baseado neste panorama, a reterritorialização surge como estratégia de mercado com o objetivo de fidelizar o público ao valorizar a cultura local. Palavras-chave: televisão, mercado, reterritorialização.

Abstract: The constant quest for reinvention in brazilian television because a lot of changes in the genres and formats. Result of technological innovation and market competitiveness, creativity has become a matter of survival for many stations. Thus, the symbolic capital, to assume an important role in society becomes increasingly complex and hybridized. The local programming, which was predominant in the past due to technological limitations, has now become a cultural gap with the global production. Based on this view, emerges as the reterritorialization market strategy with the aim of attracting the public to appreciate the local culture. Keywords: television, marketing, re-territorialization.


Resumen La búsqueda constante de la reinvención de la televisión brasileña, causa muchos cambios en los géneros y formatos. Resultado de la innovación tecnológica y competitividad en el mercado, la creatividad se ha convertido en una cuestión de supervivencia para muchas estaciones. Así, el capital simbólico, a asumir un papel importante en la sociedad se convierte cada vez más complejo y se hibridó. La programación local, que fue predominante en el pasado debido a las limitaciones tecnológicas, se ha convertido en un diferencial con la producción cultural globalizada. Con base en este panorama, la reterritorialización se presenta como estrategia de mercado con el objetivo de atraer al público a valoración de la cultura local. Palabras clave: televisión, marketing, reterritorialización.

INTRODUÇÃO

A maior disseminação de produtos culturais, viabilizada pela globalização, na medida em que contribuiu para derrubar muitas barreiras e possibilitou um maior fluxo de informações entre os mais diversos países, fez com que os produtos se tornassem cada vez mais homogêneos. Dessa forma, para combater a homogeneização, a criatividade ganhou importância significativa no mundo dos negócios e o diferencial tornou-se imprescindível para o sucesso dos produtos, que, conseqüentemente, garantem potencial econômico às empresas. Diante disso, o mercado atual vai ser determinado basicamente por duas tendências: a homogeneização, em que os produtos são confeccionados em série, e a diferenciação, onde a produção assume características específicas ou exclusivas. As novas formas de distribuição de TV, que agregam possibilidades interativas e de transmissão simultânea de conteúdos, requerem mais conteúdos e, além disso, inovação nos programas transmitidos, abrindo espaço para novos gêneros e formatos. Nesse cenário a produção local ganha força, tornando-se mais valorizada, com a reterritorialização passando de uma demanda do sujeito


globalizado para se tornar uma estratégia de mercado para a captação de consumidores. A partir das últimas décadas do século XX começou a desenhar-se um novo cenário nas comunicações brasileiras, tendo em vista a renovada importância que o capital assumiu na reestruturação capitalista e na instituição de padrões de qualidade, ingressando novos grupos econômicos nos setores midiáticos (oriundos de outros ramos de atividades ou diversificando sua atuação cultural), contribuindo para ampliar a disputa, seja no plano intra-mídia, seja no inte-mídia. Os agentes midiáticos passaram por um processo de grandes mudanças, com o aumento do fluxo de mensagens, viabilizado pela globalização e o lançamento acelerado de inovações tecnológicas. Os grupos já dominantes, por sua vez, passam a também buscar reinventar seus negócios e produtos, como tentativa de se posicionar frente à concorrência, num mercado que se apresenta cada vez mais competitivo. Com a globalização, apesar de haver uma maior disseminação de produtos culturais, intensifica-se a valorização do espaço local, como forma de incrementar a diversificação na programação. Não obstante, apesar da globalização permitir que um mesmo produto circule mundialmente, muitas produções conservam as características locais, seja do país ou da região, isto é, preservam algumas particularidades, como forma de buscar um diferencial e aumentar os ganhos da empresa. Este artigo tem por objetivo analisar a produção local das principais redes brasileiras de TV aberta e realizar um diagnóstico pré-digitalização, com o propósito de fazer um comparativo da programação veiculada antes e depois da implantação da TV digital, inaugurada em 02 de dezembro de 2007 no Brasil. Para tal, o Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (CEPOS), fez um mapeamento da programação das emissoras Globo, SBT, Record, Band, Rede TV! e Rede Pública. A coleta de dados ocorreu entre os dias 14 a 20 de maio de 2007.


RECONFIGURAÇÃO DA TV BRASILEIRA

Desde o final do século passado, a sociedade mundial e brasileira vem passando por transformações em ritmo acentuado. Os meios de comunicação, com destaque para a televisão, acompanham essas mudanças, uma vez que estão constantemente atualizando-se e adaptando-se às diferentes situações provenientes de novas tecnologias.iii Além disso, a mídia fomenta essas transformações tecnológicas, as quais favorecem seu potencial de transmissão de mensagens. A consolidação das etapas monopolista e contemporânea do capitalismo na sociedade, o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação (TICs) e, conseqüentemente, o aumento do potencial econômico dos meios comunicacionais, proporcionaram a reestruturação dos mercados televisivos. Ante o desenvolvimento, barateamento e expansão tecnológica, há uma tendência de emparelhamento das condições de produção. Então, as distinções são cada vez mais instituídas via comunicação, no plano simbólico. Tal papel, no plano televisivo brasileiro, é capitaneado pela Globo, por quantidade de capital, conhecimento acumulado, parques tecnológico e recursos humanos experiente e reconhecido pelo público. Entretanto, a Rede Record vem ganhando terreno e conquistando visibilidade na sociedade, na medida em que assimila o modelo Globo nas suas produções. O acréscimo de produtos culturais, tanto nacionais quanto internacionais, ocasionou um redimensionamento da cultura local, invadida por tendências diversas, a partir das décadas finais do século XX. Contudo, diante da concorrência ocasionada pelo surgimento de novos players no mercado, a cultura regional passou a ser novamente valorizada pelas emissoras de televisão, que vêm procurando cada vez mais regionalizar sua programação, como forma de conquistar sua identidade regional, uma estratégia para despertar maior credibilidade.


A comunicação brasileira vivencia a Fase da Multiplicidade da Oferta, com o decorrente aumento do número de agentes midiáticos e produtos culturais. Esse cenário levou à reconfiguração dos mercados televisivos, que precisaram encontrar alternativas para se fortalecer frente à concorrência. Uma das estratégias utilizadas foi a segmentação, com o propósito de responder às demandas de uma sociedade diversa e cada vez mais exigente, em função da multiplicação de novos produtos. Os mercados passaram a perseguir nichos ainda não explorados, como forma de conquistar novas fatias do público. Além disso, neste período a comercialização de uma mesma idéia em diversos formatos tornou-se corriqueira, conforme Brittos descreve a seguir: Nos tempos atuais, cada vez mais as indústrias culturais no seu conjunto interligam-se, com um mesmo bem simbólico ganhando novas oportunidades de rentabilização ou imbricadamente uma única idéia sendo comercializada em diferentes formatos, um meio vendendo outro. Acaba sendo estabelecida uma hierarquia de exibição de um mesmo produto cultural em vários meios, como é o caso das obras cinematográficas. Prevalece a projeção do filme nas salas de cinema, seguindo, depois, a seguinte seqüência, em média: em seis meses, edição em DVD [...]; em oito meses, payper-view [...]; em um ano, canais pagos; em dois anos, televisão aberta. Por outro lado, um livro pode virar filme, originando um CD com sua trilha sonora e tornando-se série televisiva, por exemplo.iv

Em consonância a essa conjectura, Sarlo afirma que a repetição é exigida pelo sistema de produção, como forma de evitar imprevistos. v Assim, a serialização, os remakes ou as paródias de determinadas produções audiovisuais que fizeram sucesso entre o público são adaptadas esteticamente, como forma de corresponder à lógica econômica, sendo uma excelente alternativa para reduzir custos e maximizar os lucros das emissoras. Esse modelo tornou-se uma maneira mais econômica, uma vez que garante menores investimentos, tanto em relação ao tempo, quanto aos cenários e figurinos.vi Apesar da repetição ser uma maneira econômica exigida pelo sistema de produção, há uma necessidade de renovação dos modelos, caso contrário correm o risco de esgotamento, conforme bem lembra Borelli: Outra questão presente no debate sobre padrões culturais


industrializados diz respeito às alternativas de sua renovação ou inevitável e progressivo esgotamento. A excessiva repetição – possível – geradora do empobrecimento dos sentidos e extenuação da imaginação de produtos e receptores – aparece como argumento imbatível tanto para justificar a necessidade de reciclagem radical como para determinar a falência de qualquer modelo.vii

O público da TV aberta, especialmente, procura entretenimento de fácil entendimento, a exemplo dos programas popularescos, pelos quais buscam uma identificação. Diante do atual cenário de competitividade entre as emissoras televisivas a palavra de ordem é intensificar as ações visando reduzir a aleatoriedade de realização do produto cultural e, para tal, uma série de medidas estratégicas é assumida, onde se insere a disputa pelo star system (sistema de estrelas), que agrega valor à produção cultural. Outra forma de reduzir a aleatoriedade é a promoção de pesquisas para saber a receptividade do telespectador, monitorando os bens simbólicos. Na guerra pela conquista das audiências, acelera-se ainda a concorrência entre os formatos: Em suma, qualquer que seja a categoria de um programa de televisão, ele deve sempre entreter e pode também informar. Pode ser informativo, mas deve também ser de entretenimento. [...] O desenvolvimento e a explosão dos formatos de TV no mundo têm sido um fenômeno extraordinário dos últimos anos em nível mundial. A cada dia é maior o número de canais que trocam imediatamente programas que não funcionam por outros mais interessantes, o que provoca uma concorrência feroz entre os formatos.viii

Nesta Fase de Multiplicidade da Oferta, torna-se cada vez mais difícil classificar as produções culturais, devido à complexidade e ao hibridismo que atualmente estruturam estas criações. É perceptível um embaralhamento em relação aos mais variados tipos de produtos televisivos, os quais possuem uma característica e propósito comum, a espetacularização e a conquista das audiências. Segundo Bakhtin, existe uma variedade de gêneros do discurso, numa relação de complexidade: A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a


própria esfera se desenvolve e fica mais complexa.ix

Para Borelli, os gêneros devem ser observados como modelos dinâmicos e com repertório variado de estruturas, resultantes da conexão entre gêneros. x Segundo a autora, este processo relaciona com “matrizes culturais tradicionais, materialidades econômicas, esquemas burocrático-administrativos, tecnologias, luta entre produtores culturais e desejos dos receptores, sempre contextualizados historicamente”.xi A hibridização dos gêneros dá-se de forma que o reconhecimento pelo público não seja dificultado. Mas, mesmo assim tem havido uma reestruturação do próprio gênero. De acordo com Bakhtin, o estilo faz parte do gênero, sendo que, ao ser transferido de um gênero a outro, acaba renovando o próprio gênero: “Quando há estilo, há gênero. Quando passamos o estilo de um gênero para outro, não nos limitamos a modificar a ressonância deste estilo graças à sua inserção num gênero que não lhe é próprio, destruímos e renovamos o próprio gênero”.xii O estereótipo é a característica fundamental na produção cultural massiva, fabricada a partir de modelos preexistentes, seguindo normas e padrões de produção consagrados pelos consumidores.xiii Os gêneros têm a função de caracterizar a programação televisiva, diferenciando a produção entre si: Os gêneros, assim como na literatura, caracterizam os programas televisivos, conferem-lhe forma e delimitam os clichês associados a cada produção. Neste contexto, os gêneros são propriedades discursivas, que determinam as características da mensagem (forma, conteúdo e temática) e a sua diferenciação das demais. Gênero, então, é um sistema formal de definições estáveis, um tipo de mapa de estradas cultural, pronto para estruturar qualquer programa. Assim se firma o pacto: os produtores insistem nas fórmulas de sucesso e os telespectadores satisfazem as suas expectativas em relação ao programa, reconhecendo-o.xiv

De acordo com Borelli, para realizar uma análise sobre gêneros ficcionais é necessário fazer uma reflexão de modo geral sobre manifestações culturais de massa e produtos industrializados.xv Segundo ela, é necessário refletir sobre a forma de produção, distribuição e consumo desses produtos: “a disposição para o


desenvolvimento de pesquisas sobre gêneros ficcionais – seja na literatura ou nos espaços audiovisuais – deve vir articulada, metodologicamente, às dimensões analíticas da história, produção e recepção da cultura nas sociedades modernas”.xvi Aronchi de Souza classifica os programas da televisão brasileira em cinco categorias, quais sejam: entretenimento; informação; educação; publicidade e outros.xvii Estes, por sua vez, estão divididos em gêneros: ● Entretenimento – auditório, colunismo social, culinário, desenho animado, docudrama, esportivo, filme, game show (competição), humorístico, infantil, interativo, musical, novela, quis show (perguntas e respostas), reality show (TV-realidade), revista, série, série brasileira, sitcom (comédia de situações), talk show, teledramaturgia (ficção), variedades, western (faroeste). ● Informação – debate, documentário, entrevista, telejornal. ● Educação – educativo, instrutivo. ● Publicidade – chamada, filme comercial, político, sorteio, telecompra. ● Outros – especial, eventos, religioso.xviii Em decorrência do aumento da oferta de produtos culturais e o surgimento de novos agentes midiáticos, as empresas televisivas dão início a uma corrida de expansão, tanto em direção aos mercados internos, quanto externos. Igualmente, intensificam-se as alterações na programação, com o advento da segmentação, acarretando a criação de novos formatos, com o objetivo de alcançar novos nichos de mercado. Assim, o desenvolvimento da televisão pode também ser acompanhado pelo estudo dos gêneros, conforme explica Aronchi de Souza: O estudo do gênero dos programas exige a compreensão do desenvolvimento da televisão sob vários aspectos, inclusive o tecnológico. A identificação dos recursos para produção de um gênero permite escolher a tecnologia de áudio, os efeitos especiais no vídeo, o uso de equipamentos, enfim, as aplicações técnicas adequadas às várias produções, em canais diferentes.xix

Especialmente a partir da metade da década de 90, com o aumento de canais e o crescente número de produtos culturais, as barreiras à entrada erguidas pela Globo tornaram-se mais frágeis, devido ao fortalecimento e à


expansão de outras redes. Apesar de sua liderança continuar nos dias de hoje, em função de sua barreira estético-produtiva, certificada pelo Padrão Globo de qualidade, a emissora da família Marinho precisou flexibilizar suas exigências e reordenar suas estratégias, devido às quedas nos índices de audiência. A disputa eleva-se, causada pela ampliação não só da oferta televisual, mas também pelo desenvolvimento de outros espaços midiáticos, como a internet, que acarretou a migração de muitos telespectadores para a web.

A ESTRATÉGIA DA RETERRITORIALIZAÇÃO

As emissoras de televisão vêm utilizando como estratégia de fidelização de seus públicos a identidade regional. Para isso vem dando maior ênfase à cultura local, na medida em que estão regionalizando mais sua programação: A particularização visa a atender a complexidade da globalização, que, enquanto aproxima o cidadão do mundial, abre novos espaços para o local. [...] O quadro globalizante garante ainda uma nova dimensão ao espaço local. Ocorre que, paralelamente à desterritorialização, que se expande sobre tudo, a desenraizar coisas, gentes, idéias e lugares, insere-se a reterritorialização, ou seja, o consumo elevado de bens globalizados conduz a uma valorização do local, do nacional.xx

Duarte e Castro salientam que aqueles bens que não se renovam na dialética homogeneização-diferenciação tendem a ser rejeitados e, por esse motivo, as emissoras de televisão operam no sentido de criar uma programação que vá ao encontro da base cultural nacional, ou seja, produtos passíveis de comercialização no mercado global.xxi Exemplo disso são as telenovelas e seriados comercializadas no exterior. Assim, a tendência é de que as emissoras exaltem a cultura nacional para ganhar visibilidade, tanto no mercado local, quanto no mundial. Ao se dar importância ao local, percebe-se uma revalorização de antigas práticas do fazer televisivo, ainda que anteriormente estas fossem bastante limitadas, pelo fator técnico. Antes da implantação, pelo Governo Militar, da Rede Nacional de Telecomunicações (RNT), que viabilizou a operacionalização da


programação em rede, a partir de 1969, através de um sistema de ligações por microondas e transmissões via satélite, a televisão possuía caráter regional, com grande espaço para o conteúdo local. Entretanto, a partir desse sistema foi possível transmitir a programação gerada no eixo Rio de Janeiro-São Paulo para todos os cantos do país, o que garantiu uma maior popularização da produção nacional, em detrimento da regional. Mas a prática da reterritorialização vem aos poucos ganhando forma como estratégia de mercado: A valorização do telejornalismo local, em canais educativos, comunitários e universitários, pode dar ainda maior valor ao conteúdo enviado pelas comunidades. As fontes de informação vão ser muito ricas, deixarão de partir basicamente de instituições oficiais. Isso não significa que o trabalho do jornalista deixa de existir. Pelo contrário, continua a responsabilidade pela divulgação correta, bem como a saída em busca de mais dados, complementares, ligados diretamente às comunidades. A informação comunitária pode gerar conhecimento. A televisão, pelo uso que faz das imagens e da oralidade, é e pode se tornar um elemento ainda mais eficaz na transmissão de conhecimentos tácitos. Quando se torna possível a abertura para a chegada de informações comunitárias, é possível o recebimento de relatos e experiências de vida.xxii

A valorização do espaço local e da cultura popular resgata hábitos e costumes tradicionais e, de acordo com Borelli, é uma forma de resgate de experiências e do tempo perdido: A restituição seletiva de aspectos da cultura popular pode devolver aos indivíduos, na modernidade, pedaços da experiência e do tempo perdido: redimir referências coletivas, restabelecer a alternativa da “volta ao lar” e liberar – ainda que momentaneamente – o “homem da multidão” dos contornos de uma subjetividade errante, estrangeira e desterritorializada. Subjetividade metropolitana, cosmopolita e “sofisticada”, que retoma as origens como se fosse possível recomeçar .xxiii

A digitalização deverá causar impactos à concentração da TV aberta brasileira, no que diz respeito à propriedade, controle, produção e distribuição. Com a televisão digital, surgem novas possibilidades para a produção local, na medida em que a tecnologia possibilita a transmissão de até quatro programas simultaneamente pela mesma emissora. No entanto, tal prerrogativa, neste momento, está proibida, só sendo permitida às emissoras detidas pela União,


com uma autorização para a TV Cultura, de São Paulo. O incremento do conteúdo local faz parte de um movimento que deverá ser desenvolvido em longo prazo, onde se inclui a digitalização dos sinais.

TV ABERTA E PROGRAMAÇÃO LOCAL

Com o objetivo de realizar um diagnóstico pré-digitalização da televisão aberta brasileira o Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (CEPOS), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação (PPGCC) da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), desenvolveu um levantamento da produção local das principais redes de TV aberta brasileiras. A finalidade da pesquisa foi fazer um comparativo entre a programação exibida antes e depois do início da digitalização da televisão aberta, ocorrido em 02 de dezembro de 2007, observando possíveis reestruturações no mercado televisivo. Os critérios utilizados para a realização da pesquisa definem-se pela eleição de cinco redes comerciais nacionais abertas generalistas com as maiores audiências e uma pública, buscando-se um contrapondo entre essas duas lógicas de atuação, sendo avaliadas emissoras afiliadas ou controladas por algum desses grupos televisivos: Globo, SBT, Record, Band, Rede TV! e Rede Pública.xxiv O período de coleta de dados recaiu sobre a terceira semana de maio, um período sem grandes acontecimentos midiáticos e com programação regular em veiculação, o que envolveu dos dias 14 a 20 de maio de 2007. Foram estudadas emissoras situadas nas capitais estaduais relativas aos maiores Produtos Internos Brutos (PIBs) de cada região do país, além de São Paulo, por sua dimensão econômico-social na federação. Isso correspondeu aos canais das referidas redes nas capitais Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Brasília (DF), Aracaju (SE) e Manaus (AM).xxv A Rede Globo de Televisão, apesar de vir apresentando quedas nos índices de audiência, mantém sua hegemonia há várias décadas, com a mesma


situação inabalável dos anos 70. Grande parte dos programas mais assistidos da televisão brasileira faz parte de sua grade, mesmo que em alguns horários sua liderança seja ameaçada. Já o SBT, que até 2006 ocupava o segundo lugar isolado no ranking de audiência, vem sendo ameaçado constantemente pela ascensão da Record. Ligada à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), a Record conta com recursos extra-mídia, o que eleva seu potencial econômico, resultando em produções mais atrativas e em contratações de peso, como atores e profissionais da Globo. A Bandeirantes ocupa o quarto lugar, apresentando dificuldades na disputa pela audiência, devido à indefinição de sua programação. A Rede TV!, emissora que sucedeu a Rede Manchete, caracteriza-se por uma programação generalista de cunho popular, porém, com dificuldades de a elevar na disputa pelo público. Já a Rede Pública de televisão foi reestruturada, com a constituição da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), unificando as TVs Radiobrás (Brasília) e (Rio de Janeiro e São Luís). Os dados da pesquisa foram obtidos com a análise das grades de programação

disponibilizadas

na

internet

pelas

próprias

emissoras,

complementadas com noticiário divulgado em publicações impressas e, quando necessário, com dados obtidos junto às próprias redes, via telefone, a fim de precisar

informações.

Foi

desenvolvido

o

levantamento

por

doutores,

doutorandos, mestres, mestrandos, graduados e graduandos integrantes do Grupo de Pesquisa CEPOS durante o período de realização da atividade. Para cada emissora foi realizado um resumo informando o horário de abertura e encerramento da programação. Posteriormente foi efetuado um mapeamento dos programas locais de cada emissora, informando os dias da semana em que a atração era veiculada, a hora de início e fim e o tema predominante, quais sejam: esporte, política, economia, violência, cultura, gente, turismo, educação, religiosidade, saúde, ciência, publicidade, variado e outro, considerados conforme a definição a seguir exposta. + Jornalismo: programa informativo voltado à exibição de dados factuais,


transmitindo informações das mais diversas áreas. + Esporte: programa sobre qualquer modalidade esportiva e seus atores (atletas, dirigentes, técnicos, árbitros, assessores, etc.). + Política: programa envolvendo partidos políticos, disputas de poder político e os poderes executivos e legislativos, nos planos municipal, estadual ou federal. + Economia: programa relativo a questões econômicas, seja com entrevistas, comentários, apresentação de indicadores, dados de consumo ou matérias especiais, tratando de conjuntura nacional ou internacional ou de um ou mais setores. + Violência: programa acerca de criminalidade e temas policiais de forma generalizada. + Cultura: programa focado em um ou mais tipos de atividade cultural, onde se inserem as artes, sejam apresentações musicais, espetáculos teatrais ou de dança, cinema,

mostras artísticas em geral, seminários ou outras

possibilidades. + Gente: programa sobre festas em geral, restaurantes, boates, lançamentos, moda ou vida das celebridades, com matérias, entrevistas, notas e comentários. + Turismo: programa relativo a viagens, roteiros turísticos, agências do setor, companhias aéreas, sugestões de hotéis e passeios. + Educação: programa destinado à formação educacional, transmitindo ensinamentos atinentes a uma ou mais das disciplinas curriculares, da pré-escola à pós-graduação. + Religiosidade: programa concernente ao mundo do sagrado. + Saúde: programa dirigido à saúde das pessoas, no que tange a exercícios, alimentação, medicina, cuidados com o corpo, aplicação de novas técnicas, livros e problemas de doença, cura e sua processualidade. + Ciência: programa a propósito de qualquer área de universo científico, com matérias, debates e dados em geral sobre pesquisas, experimentos,


descobertas e tecnologia. + Publicidade: programa que explicitamente demonstra ser voltado à venda de produtos ou da imagem de organizações. + Variado: programa que engloba vários temas, sendo inviável a identificação de um único prevalecente, que funcione como um fio condutor da atração. + Outro: programa cuja temática não se enquadra em nenhum dos citados, mas, ao mesmo tempo, tem um tema central, não sendo o caso, portanto, de posicionamento como variado. Do mesmo modo foi informado se a exibição da atração é ao vivo ou prégravado e se a origem é própria (interna, externa, associada, co-produção) ou Alheia. A categoria própria se dá quando um programa tem como origem a emissora, pelo menos parcialmente. Esta, por sua vez, está relacionada a outras quatro subcategorias, que são: interna (realizado diretamente pelo canal, com seus recursos); externa (financiado pela própria emissora, que contrata uma produtora e banca o projeto); associada (produção conjunta entre realizadores nacionais e a rede); co-produção (realização envolvendo o canal e produtores estrangeiros). A categoria alheia ocorre quando envolve aquisição dos direitos de exibição de um produto previamente realizado, sem qualquer interferência do programador. Para o presente artigo elegeu-se alguns itens considerados principais da pesquisa, quais sejam: tempo de programação local, tempo da programação local das redes durante a faixa nobre, tema predominante em quantidade entre as redes, tema predominante em duração entre as redes, origem da programação local entre as redes, tempo da programação local das emissoras por cidade, tema predominante em quantidade de cada rede e tema predominante em duração de cada rede. Na categoria tempo de programação local, a Record está em primeiro lugar, com 25%. A segunda posição ficou para a Bandeirantes, com 12%; em terceiro lugar está a Rede Pública, com 11%; em quarto, a Rede Globo, com 7%;


em quinto o SBT, com 3%; e em sexto a Rede TV!, com 2%, conforme demonstra a tabela a seguir. Tabela 1. Tempo da programação local entre as redes 25%

12%

11% 7% 3%

Record

Band

Rede Pública

Globo

SBT

2%

Rede TV!

Fonte: Grupo de Pesquisa CEPOS.

Já em relação ao tempo da programação local das redes durante a faixa nobre, a primeira colocada é a Rede Pública, com 16%. A Record está em segundo lugar, com 9%; em terceiro a Bandeirantes, com 5%; e em quarto a Globo, com 4%. O SBT e a Rede TV! não apresentam programação local durante o horário nobre, segundo especifica a tabela dois.

Tabela 2. Tempo da programação local das redes (faixa nobre) 16%

9% 5%

Record

Band

4%

Rede Pública

Globo

0%

0%

SBT

Rede TV!

Fonte: Grupo de Pesquisa CEPOS.


Relativamente ao tema predominante em quantidade entre as redes, o jornalismo está em evidência na Globo (59%) e na Record (24%). Ênfase para o tema variado no SBT (36%) e Band (29%). No quesito cultura, a primeira posição fica por conta da Rede Pública, com 35%. Já na Rede TV!, os assuntos variado, gente e religiosidade alcançam 33%. Na tabela três comprova-se as diferenças percentuais entre as emissoras. Tabela 3. Tema predominante em quantidade entre as redes 59%

35%

36%

29%

33%

24%

Record Jornalismo

Band Variado

Globo Rede Pública Jornalismo - Cultura

SBT Variado

Rede TV! Gente, Variado e Religiosidade

Fonte: Grupo de Pesquisa CEPOS.

No tema predominante em duração entre as redes, destaque novamente para o jornalismo da Rede Globo com 79%. A religiosidade ocupa a segunda posição, com 70% na Record. Já na Rede TV! os temas gente, variado e religiosidade contabilizam 69% da programação. Com 43%, 31% e 27% estão o SBT, a Bandeirantes e a TV Pública respectivamente, com o tema variado, conforme apresenta a tabela a seguir.


Tabela 4. Tema predominante em duração entre as redes 79% 70%

69%

43% 31%

Record Religiosidade

27%

Band Variado

Rede Pública Globo - Variado Jornalismo

SBT Variado

Rede TV! Gente, Variado e Religiosidade

Fonte: Grupo de Pesquisa CEPOS.

No contexto das principais redes de TV brasileira, destaca-se a origem da produção local entre as redes. A produção própria interna é a que impera, com 100% dos programas da Rede TV! e da Rede Pública. Na mesma categoria segue a Globo, com 93%; o SBT, com 85%; e a Record, com 52%. A única rede com destaque para a produção alheia é a Band, com 78%. Na tabela cinco percebe-se essa diferença. Tabela 5. Origem da programação local entre as redes 100%

100%

93% 85%

78% 52%

Record Própria interna

Band - Alheia Rede Públlica - Própria Interna

Globo Própria Interna

SBT - Própria Rede TV! Interna Própria Interna

Fonte: Grupo de Pesquisa CEPOS.


O maior tempo de programação da Record está no Distrito Federal, que atingiu 37%. Segundo evidencia a tabela seis, em São Paulo não há programação local, além daquele conteúdo gerado nacionalmente a partir do principal estado da Federação.

Tabela 6. Tempo da programação local da Record 37%

28%

26%

28%

27%

SE

RS

0% RJ

DF

SP

AM

Fonte: Grupo de Pesquisa CEPOS.

Já a programação local da Band concentra-se principalmente no Rio de Janeiro e Amazonas, com percentual de 15%. Ao analisar a tabela sete, nota-se uma diferença bastante significativa da Band em relação ao percentual apresentado pela Record, a qual apresenta índices mais altos. Tabela 7. Tempo da programação local da Band 15%

15%

14% 12%

3% 0% RJ

DF

SP

AM

SE

Fonte: Grupo de Pesquisa CEPOS.

RS


Na programação local da Rede Pública, destaque para o Rio Grande do Sul, com 21%. Em segundo lugar está o estado de Sergipe, com 13%. No Rio de Janeiro a produção é de apenas 2% enquanto que São Paulo não apresenta programação local, ao que se justifica por estes estados centralizarem a produção nacional, respectivamente da TVE Brasil (hoje TV Brasil) e TV Cultura. A tabela oito demonstra os números relativos à Rede Pública, a qual, no geral, apresenta baixos índices na produção local, contrariando uma visão primeira, que poderia identificar o serviço público com a difusão de conteúdos locais. Tabela 8. Tempo da programação local da Rede Pública 21%

13% 9% 6% 2% 0% RJ

DF

SP

AM

SE

RS

Fonte: Grupo de Pesquisa CEPOS.

O Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro lideram a programação local da Globo, com 9%. Já os estados de São Paulo, Amazonas e Sergipe ocupam a segunda posição, com 7%, e o Distrito Federal o terceiro lugar, com 6%. Compreende-se, ao avaliar a tabela a seguir, que a programação local da Globo não sofre grandes variações em números de um estado para outro, ao que se atribui ao pequeno espaço no horário optativo da rede para suas afiliadas


Tabela 9. Tempo da programação local da Globo 9%

9% 7%

7%

7%

SP

AM

SE

6%

RJ

DF

RS

Fonte: Grupo de Pesquisa CEPOS.

O SBT lidera a programação local no Amazonas, com 11%. Nos demais estados, conforme comprova a tabela 10, o espaço destinado à produção local é relativamente pequeno, uma vez que os índices variam de 3% a 2%, ou até mesmo não apresentando nenhum tipo de programação local, como é o caso de Sergipe e São Paulo, este último onde a emissora ocupa a posição de cabeça de rede. Tabela 10. Tempo da programação local do SBT 11%

3% 2%

2% 0%

RJ

DF

SP

0% AM

SE

Fonte: Grupo de Pesquisa CEPOS.

RS


A tabela 11 apresenta a precariedade da Rede TV! em termos de produção local. O único estado em que a emissora possui este tipo de programação, no período pesquisado, é o Amazonas.

Tabela 11. Tempo da programação local da Rede TV! 11%

0%

0%

0%

RJ

DF

SP

AM

0%

0%

SE

RS

Fonte: Grupo de Pesquisa CEPOS.

No tópico tema predominante em duração de cada rede, mais uma vez o jornalismo destaca-se na Globo (80%). Esta situação altera-se na Record, com predomínio da religiosidade (69%), tema este que também conquista o primeiro lugar na Rede TV!, com 70%. No SBT (43%), Bandeirantes (31%) e Rede Pública (37%) o tema de maior ênfase é o variado. CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS

A reestruturação da mídia reflete as mudanças econômicas, políticas e culturais do contexto histórico no qual está inserida. A produção televisiva representa a própria disputa que se dá em torno da televisão, havendo espaço para avanços e recuos, que se refletem na programação. Trata-se da produção de um campo em disputa, sendo seus produtos resultado não só da imposição dos capitalistas, mas também de seus colaboradores-criadores. Os produtos culturais devem estar enquadrados na lógica mercadológica e conquistar nichos de mercado. O capital simbólico nunca esteve tão em evidência como a partir das últimas décadas do século XX, tornando-se a busca


do diferencial uma questão de sobrevivência entre as empresas, com a globalização e a constante homogeneização das produções. Nesse âmbito, há um redimensionamento do espaço local, que ganha novos atributos na grade, a partir da valorização de culturas regionais. Essa particularidade está de acordo com a Fase da Multiplicidade da Oferta, vivenciada hoje pela TV brasileira e representada pela abertura de novos mercados e maior oferta de produtos ao consumidor. Ao analisar os dados expostos, nota-se que a rede com maior espaço para a programação local é a Record, ao que se atribui a produção de programas religiosos, predominantes na emissora, em relação ao tempo ocupado na grade pelo conteúdo local. Já no que se refere à programação local durante a faixa nobre, o primeiro lugar fica com a Rede Pública, com 16%. A Globo destaca-se com o jornalismo, tema que prepondera entre as redes. Outro fator importante observado pela pesquisa é que na maioria das emissoras sobressai a produção própria interna. A única rede em que a produção alheia predomina é a Band, com 78%. Outro dado relevante refere-se ao tempo da programação local destinado às afiliadas nas respectivas capitais pesquisadas. Percebe-se uma disparidade entre os percentuais levantados, a exemplo da Record que no Distrito Federal possui 37% e em São Paulo não possui tempo de programação local. Já a Bandeirantes destina 15% para a produção local no Rio de Janeiro e Amazonas, 14% no Rio Grande do Sul e 0% em Sergipe. A Rede Pública tem 21% no Rio Grande do Sul, 2% no Rio de Janeiro e 0% em São Paulo. No SBT o maior percentual está no Amazonas, sendo que nos demais estados os índices foram de 0 a 3%. Na Rede TV! somente há programação local no Amazonas, com 11%. A Globo é a única emissora em que os índices da programação local se aproximam, variando entre 6% a 9%. Diante da avaliação dos dados conclui-se que existem inúmeras variáveis que fazem parte de um vasto contexto no qual está inserida a televisão brasileira. A estratégia da reterritorialização é característica de todas as emissoras, no


entanto, não contempla todos os territórios, havendo grande desigualdade na programação local entre as regiões de cobertura das redes mapeadas, com exceção da Globo. Basta saber como será a programação com a TV digital e que rumo irá tomar a televisão brasileira. Sem dúvida, tema para muitas pesquisas no intuito de diagnosticar o antes e o depois da digitalização. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARONCHI DE SOUZA, José Carlos. Gêneros e formatos na televisão brasileira. São Paulo: Summus, 2004. BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: ______. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 277-287. BERNARDES, Cristiane Brum; SILVA, Patrícia Rocha da; CAPPARELLI, Sérgio. Gêneros na programação televisiva. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 20., 1997, Santos. Anais ... São Paulo: Intercom, 1997. 1 CD. BORELLI, Sílvia Helena Simões. Gêneros ficcionais na cultura de massa. In: FONSECA, Cláudia (Org.). Fronteiras da Cultura: horizontes e territórios da antropologia na América Latina. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1993. p. 175-185. BRITTOS, Valério Cruz; BENEVENUTO JR., Álvaro. Televisão, interações comunicativas e industrialização cultural. Sessões do Imaginário, Porto Alegre, n. 9, maio 2003. Disponível em: <http://www.pucrs.br/famecos/pos/sessoes/9/brittosbenvenutto.pdf>. Acesso em: 10 out. 2008. BRITTOS, Valério Cruz; SIMÕES, Dênis Gerson. Cultura popular e sua metamorfose em produto do mercado televisivo. In: DUARTE, Elisabeth Bastos; CASTRO, Maria Lilia Dias de (Orgs.). Televisão: entre o mercado e a academia. Porto Alegre: Sulinas, 2006. p. 4770. BRITTOS, Valério Cruz. Televisão, concentração e concorrência no capitalismo contemporâneo. In: _____ (Org.). Comunicação na Fase da Multiplicidade da Oferta. Porto Alegre: Nova Prova, 2006. p. 21-45. CROCOMO, Fernando. TV digital e produção interativa: a comunidade manda notícias. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2007. DUARTE, Elisabeth Bastos; CASTRO, Maria Lilia Dias de. Televisão: entre o mercado e a academia. Porto Alegre: Sulinas, 2006. SARLO, Beatriz. Cenas da vida pós-moderna: intelectuais, arte e videocultura na Argentina. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000. i

Professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), coordenador do Grupo de Pesquisa CEPOS (apoiado pela Ford Foundation), doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas, pela Faculdade de Comunicação (FACOM) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e vice-presidente da Unión


Latina de Economía Política de la Información, la Comunicación y la Cultura (ULEPICCFederación). E-mail: <val.bri@terra.com.br>. ii

Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e graduada em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ). E-mail: <marciaturchiello@hotmail.com>. iii

BRITTOS, Valério Cruz; SIMÕES, Dênis Gerson. Cultura popular e sua metamorfose em produto do mercado televisivo. In: DUARTE, Elisabeth Bastos; CASTRO, Maria Lilia Dias de (Orgs.). Televisão: entre o mercado e a academia. Porto Alegre: Sulinas, 2006. p. 47-70. p. 47. iv

BRITTOS, Valério Cruz. Televisão, concentração e concorrência no capitalismo contemporâneo. In: _____ (Org.). Comunicação na Fase da Multiplicidade da Oferta. Porto Alegre: Nova Prova, 2006. p. 21-45. p. 22. v

SARLO, Beatriz. Cenas da vida pós-moderna: intelectuais, arte e videocultura na Argentina. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000. p. 64. vi

SARLO, Beatriz, op. cit., p. 65.

vii

BORELLI, Sílvia Helena Simões. Gêneros ficcionais na cultura de massa. In: FONSECA, Cláudia (Org.). Fronteiras da Cultura: horizontes e territórios da antropologia na América Latina. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1993. p. 175-185. p. 181. viii

ARONCHI DE SOUZA, José Carlos. Gêneros e formatos na televisão brasileira. São Paulo: Summus, 2004. p. 39, 47. ix

BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: ______. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 277-287. p. 279. x

BORELLI, Sílvia Helena Simões, op. cit., p. 182.

xi

Ibid., p. 182.

xii

BAKHTIN, Mikhail, op. cit., p. 286.

xiii

BERNARDES, Cristiane Brum; SILVA, Patrícia Rocha da; CAPPARELLI, Sérgio. Gêneros na programação televisiva. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 20. 1997, Santos. Anais ... São Paulo: Intercom, 1997. 1 CD. p. 5. xiv

BERNARDES, Cristiane Brum; SILVA, Patrícia Rocha da; CAPPARELLI, Sérgio, op. cit., p. 5-8

xv

BORELLI, Sílvia Helena Simões, op. cit., p. 175.

xvi

Ibid., p. 175.

xvii

ARONCHI DE SOUZA, José Carlos, op. cit., p. 92.

xviii

Ibid., p. 92.

xix

Ibid., p. 30.

xx

BRITTOS, Valério Cruz; BENEVENUTO JR., Álvaro. Televisão, interações comunicativas e industrialização cultural. Sessões do Imaginário, Porto Alegre, n. 9, maio 2003. Disponível em: <http://www.pucrs.br/famecos/pos/sessoes/9/brittosbenvenutto.pdf >. Acesso em: 10 out. 2008. xxi

DUARTE, Elisabeth Bastos; CASTRO, Maria Lilia Dias de. Televisão: entre o mercado e a academia. Porto Alegre: Sulinas, 2006. p. 48. xxii

CROCOMO, Fernando. TV digital e produção interativa: a comunidade manda notícias. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2007. p. 154. xxiii

BORELLI, Sílvia Helena Simões, op. cit., p. 180.


xxiv

O período de coleta de dados é anterior à constituição da TV Brasil, rede publica de televisão vinculada à Empresa Brasileira de Comunicação (EBC). Assim, as emissoras públicas são, via de regra, as emissoras vinculadas aos governos dos estados de estudo, além da TVE Brasil, do Governo Federal. xxv

Os critérios foram definidos de forma a se manterem nos levantamentos desenvolvidos anualmente, a partir de 2007, a fim de comparar a evolução do espaço local na TV aberta brasileira, em confronto com o avanço de sua digitalização.


APROXIMACIÓN A LA “AVENTURA MEDIÁTICA” Y A LA DIVERSIFICACIÓN DE TELEFÓNICA EN LOS ÚLTIMOS QUINCE AÑOS (MEDIADOS DE LOS 90VERANO DE 2010): DESDE ADMIRA A TUENTI APROXIMAÇÃO À “AVENTURA MEDIÁTICA” E À DIVERSIFICAÇÃO DA TELEFÓNICA NOS ÚLTIMOS QUINZE ANOS (MEADOS DOS ANOS 90 VERÃO DE 2010): DESDE ADMIRA A TUENTI APPROXIMATION TO THE "MEDIA ADVENTURE " AND TO THE DIVERSIFICATION OF TELEFONICA IN THE LAST FIFTEEN YEARS (MIDDLE OF 90-SUMMER OF 2010): FROM ADMIRA TO TUENTI

Ramón Reig (Universidad de Sevilla) ramonreig@us.es Antonio Javier Martín Ávila (Universidad de Sevilla) ajmartinavila@hotmail.com Resumo: A incursão da Telefónica na estrutura mediática espanhola sofreu variações na década de 2000. Se durante a presidência de Juan Villalonga a companhia apostou em criar um grupo capaz de competir com a Prisa ou a Vocento, a chegada de César Alierta marcou uma nova

estratégia de

consolidação no mercado das telecomunicações. Palavras

Chave:

Telefónica,

meios

de

comunicação,

investimento,

desinvestimento, década de 2000. Resumen: La incursión en la estructura mediática española de Telefónica ha sufrido variaciones en la década del 2000. Si durante la presidencia de Juan Villalonga la compañía apostó por crear un grupo capaz de competir con Prisa o Vocento, la llegada de César Alierta marcó una nueva estrategia de consolidación en el mercado de las telecomunicaciones. Palabras clave: Telefónica, medios de comunicación, inversión, desinversión, década 2000.

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Abstract: The incursion in the Spanish media structure of Telefónica has suffered variations in the decade of 2000. If during Juan Villalonga's presidency the company made a bet for creating a group of major dimensions, capable of competing with Prisa or Vocento, César Alierta's arrival marked a new strategy of consolidation on the market of telecommunications. Keywords: Telefónica, mass media, investments, disinvestments, decade 2000.

INTRODUCCIÓN

Desde que Telefónica naciera en el año 1924, se ha convertido en una de las empresas españolas más representativas en el mundo. En la actualidad tiene presencia en 25 países y cuenta con más de 250.000 empleados. Sus clientes superaban la friolera de 264 millones a finales de 2009, generando unos ingresos de 56.731 millones de euros. La implantación de Telefónica en Latinoamérica y Europa, tras consolidarse en España como auténtica líder en el sector de la telefonía e Internet, le ha permitido convertirse en la tercera compañía de telecomunicaciones del planeta en capitalización bursátil, sólo por detrás de China Mobile y AT&T, y en la 36 del ranking que compara todas las compañías del planeta. Dentro de esta importante evolución y de la gran maraña de cifras, destacan las incursiones que Telefónica ha llevado a cabo en varios negocios no ligados estrictamente al mundo de las telecomunicaciones. Nos referimos, principalmente, a su presencia dentro de la estructura de los medios de comunicación tanto en España como en Sudamérica y Europa. Bajo la presidencia de Juan Villalonga en la década de los noventa, la multinacional inició una serie de adquisiciones con la intención de convertirse, a través de su filial Telefónica Media, en uno de los gigantes mediáticos del panorama español. La audiencia, que mantenía una progresiva línea de crecimiento siendo cada vez más global, se confirmó como el elemento perfecto para atraer a la publicidad y multiplicar los beneficios. Por ello, las compañías dedicadas a este sector, inician una competición entre sí, a la vez que ofrecen sus posiciones y comparten alianzas estratégicas, sobre todo tras el acercamiento entre los sectores de las telecomunicaciones, informática e industrias de la

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comunicación. Conseguir un mayor tamaño a través de la compra de nuevas empresas y de la convergencia entre sus distintas áreas de negocio, era la receta exportada de Estados Unidos que los grupos empresariales expertos en la gestión de los medios de comunicación asumieron para seguir aumentado su tamaño y ostentar más beneficio, poder y capacidad de actuación. Esta estrategia inversora que Telefónica inició en la estructura mediática española, cambió de rumbo con rapidez tras la llegada a la presidencia de César Alierta en el año 2000. Con el comienzo de década se puso en marcha una nueva táctica empresarial, que apuntaba a la consolidación del verdadero negocio de la compañía: las telecomunicaciones. Las pérdidas generadas por Telefónica Media, más tarde Admira Media, fueron el elemento clave para que se anunciara la futura venta de sus medios. El nuevo presidente era consciente de que, a diferencia de Prisa, Planeta o Vocento, grupos que comenzaron a tejer su gran telaraña de medios, trabajadores e intereses a partir de un mismo sector de negocio, la edición, aunque más tarde se diversificaron hasta el audiovisual, Telefónica competía desde una posición menos arraigada en los medios de comunicación y con mucho terreno que recorrer aún en la venta de servicios de telefonía e Internet en el extranjero. Sin embargo, su actual dominio en el mercado hispanoportugués de las telecomunicaciones y su posición de referente mundial en el mismo sector, le han permitido volver a experimentar la compra de empresas relacionadas con la creación de contenidos para la emisión en radio, televisión e Internet. MÍNIMA PERSPECTIVA DESDE MEDIADOS DE LOS 90 Y SITUACIÓN A COMIENZOS DEL 2000

La multinacional española llegó al nuevo siglo inmersa en varios negocios dedicados a la explotación comercial de medios de comunicación, una herencia recibida de la etapa presidencial de Juan Villalonga. Desde su privatización en el año 1995, inició una destacada actividad en el sector de los contenidos audiovisuales a través de su filial Telefónica Media. En poco tiempo, adquirió la mayor parte de la cadena de televisión privada Antena 3, quedando con el 59,2%

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del accionariado; creó la empresa Distribuidora de Televisión Digital, bajo la marca Vía Digital, de la que controlaba el 68,6% de las acciones; compró las cadenas radiofónicas Onda Cero y Cadena Voz Radiofusión, además de llegar a acuerdos con Europa FM, Cadena Ibérica y Onda Rambla; y se adentró en el grupo editorial Recoletos – diarios Marca, Expansión o El Mundo a partir de 1999– comprando el 20% de sus acciones. Esta última operación derivó rápidamente en otra de mayor calado internacional. Telefónica vendió su 20% de Recoletos pero, instantáneamente, se hizo con el 5% de Pearson, uno de los grandes grupos mediáticos de Europa y editor del Financial Times entre otros. Pearson, a su vez, se quedó con el 78,9% de las acciones de Recoletos, por lo que Telefónica mantuvo sus intereses en todas las cabeceras del grupo. Otro de los grandes objetivos de la operadora fue introducirse con fuerza en el boyante negocio de los contenidos y servicios en Internet. En marzo de 1999 compró el buscador de habla latina y portuguesa Olé, poco antes de lanzar su portal y proveedor Terra Networks. Ya en el 2000, Telefónica anunció la compra del proveedor norteamericano Lycos y de la operadora alemana de redes Mediaways. Con estos movimientos, daba un paso importante para colocarse a la estela de gigantes como America Online y Yahoo en el negocio de la Red. Lo cierto es que estas dos últimas compras, así como la adquisición de la productora audiovisual Endemol ese mismo año, fueron tachadas de precipitadas y arriesgadas por los propios accionistas de la compañía. Telefónica pretendió, bajo el resguardo del gobierno del Partido Popular (1996-2004), convertirse en un grupo alternativo al dominio que entonces ejercía el grupo Prisa –afín a la socialdemocracia del PSOE- a través de medios como el diario El País y la emisora Cadena Ser o plataformas como Canal Satélite Digital. La estrategia seguida por Villalonga provocó importantes tensiones políticas denomidas “la guerra de los medios”, que dieron lugar a un cruce constante de acusaciones entre políticos, ejecutivos e, incluso, periodistas reconvertidos en hombres de negocios o demasiado “adictos” a sus empresas. Las críticas a los últimos movimientos de Telefónica antes del cambio de presidencia en agosto del 2000, tuvieron mucho que ver con el deterioro de la relación entre Villalonga y el

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presidente del gobierno popular José María Aznar, que hasta entonces había sido amigable. Lo que en un principio se consideró el nacimiento de un grupo antagonista a Prisa, terminó por convertirse en un lastre derrochador que no se ajustaba a las nuevas expectativas de futuro. Dado el ambiente de crispación con el gobierno y los accionistas, y las presiones por la investigación que emprendió la Comisión Nacional del Mercado de Valores (CNMV) sobre el presunto uso de información privilegiada en la compra de acciones de la compañía, Villalonga acordó su marcha tras una indemnización de 27 millones de euros. La llegada de César Alierta a la presidencia de Telefónica conllevó una nueva visión para la empresa. El futuro planteaba la necesidad de reestructurar algunos sectores de la compañía para potenciar el liderazgo en el negocio de los servicios de comunicación de voz y transmisión de datos, en detrimento de los servicios de acceso a la información. En ese momento, Telefónica Media controlaba las actividades en medios de comunicación y producción de contenidos de la compañía, que tras una inversión de 2.400 millones de euros, aglutinaba más de medio centenar de grandes y pequeñas empresas. A finales de 2001, se produjo el primer cambio importante de la era Alierta. Telefónica Media, atendiendo a una estrategia de agrupación de participaciones del grupo en medios comunicativos, cambió su denominación, pasando a ser Admira Media. Desde el principio, intentaron transmitir una imagen de grupo fuerte y competitivo, moderno, adaptado a las exigencias de los nuevos formatos audiovisuales en todo el mundo.

Además, se pretendió relajar las

tensiones con los demás grupos mediáticos españoles, ya que beneficiaban a su imagen corporativa. A pesar del lavado de cara, los beneficios generados por Admira Media no resultaron satisfactorios para César Alierta, quien además, tuvo un enfrentamiento personal con el presidente de la filial, Juan Jesús Nieto. Curiosamente, fueron unas palabras de Nieto en el diario El Mundo, participado por Telefónica a través de Pearson, las que dieron lugar a una reestructuración en la cúpula de Admira y a su retirada del cargo. El siguiente paso importante fue la división de Admira en una filial de medios y otra de contenidos. Esta última nació con el nombre Telefónica de Contenidos y pasó directamente a depender de Alierta. Es necesario destacar que

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la nueva compañía se situó por encima de Admira, lo que ponía de manifiesto, por un lado, la predilección del dirigente de Telefónica por la creación, compra y distribución de contenidos en sus empresas, y por otro, el comienzo de un inminente proceso desinversionista en sus medios de comunicación que daría lugar poco tiempo después a la completa desaparición del grupo Admira. Tras la división de Admira Media, la agrupación de las empresas en las que Telefónica participaba accionarialmente quedó establecida de la siguiente forma: ·Telefónica de Contenidos: Endemol, Vía Digital, Canal Gran Vía, Hispasat, Telefónica Servicios Audiovisuales, Telefónica Servicios de Música, Szena, Lola Films y Media Park. ·Admira Media: Onda Cero, Antena 3 y Pearson.

Es necesario señalar dos aspectos. El primero es que el canal premium Gran Vía se escindió de Vía Digital con el objetivo de iniciar su explotación en otros canales de la competencia. La operación, que dejaba el canal en manos de Telefónica de Contenidos por 240 millones de euros, significó una importante inyección económica para Vía Digital dada su mala situación financiera. El segundo tiene que ver con Onda Cero y con su traspaso a Antena 3. Desde este momento, la sociedad de la cadena privada incluía a la emisora de radio. Este es un movimiento importante con vistas a su futura venta.

INICIO DEL PROCESO DESINVERSOR: FINAL DE ADMIRA

A raíz de la división de su filial Admira en Telefónica de Contenidos y Admira Media, Telefónica comenzó una estrategia desinversora con sus medios de comunicación. La operadora no tardó en revisar las participaciones que poseía en el entramado informativo español con el objetivo de buscar oportunidades de venta. En este sentido, la sociedad dedicada a la representación artística y a la organización de eventos musicales, Szena, fue la primera en colocarse el cartél de transferible. Tras nacer en el seno de Antena 3 a principios de 2000 y consolidarse como una empresa con identidad propia subordinada a Admira,

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Szena se desvinculó de Telefónica en el año 2002. Sin embargo, la gran operación que puso en marcha el ciclo de movimientos desinversores de la compañía española, tuvo lugar un año después. El 2003 inició sus días con un acuerdo sellado por César Alierta y Jesús de Polanco, presidentes de Telefónica y el Grupo Prisa respectivamente. En él se acordaba la integración de la plataforma de televisión de pago Vía Dígital – liderada mayoritariamente por la teleoperadora– en Sogecable –filial de prisa y dueña de Canal Satélite Digital, la otra gran plataforma privada que operaba en esos momentos en España– mediante una ampliación de capital. Como resultado, tras haber adquirido la mayoría de las nuevas acciones, Telefónica se convirtió en el máximo propietario de Sogecable con un 22,23% del capital, por delante de Prisa y Canal Plus Francia, que ostentaban un 16,38% cada una. La compañía de Polanco, a pesar de quedar con un menor número de participaciones que Telefónica, continuó teniendo el control de la que hasta entonces había sido su filial dedicada a los servicios audiovisuales y aumentó progresivamente sus acciones en los siguientes años hasta hacerse con la totalidad del capital. Además, Prisa fue la principal impulsora de la nueva plataforma de pago que monopolizaría el mercado durante algunos años: Digital +. El acuerdo1 permitía a Telefónica, primero, relajar notablemente el esfuerzo administrativo y económico que realizaba en la gestión de Vía Dígital, ya que la lucha con Canal Satélite Digital le generó pérdidas millonarias2; segundo, mantener sus participaciones en el negocio de la televisión digital a través de Sogecable, que tenía importantes espectativas de futuro; y tercero, mejorar sus relaciones con el Grupo Prisa, muy deterioradas durante el periodo de Villalonga. La nueva política que dirigía César Alierta comenzó por hacer viable uno de los negocios medíaticos heredados de la etapa anterior a través de un cambio de intereses entre platormas. Con la integración de Vía Digital en Sogecable, Telefónica también pasó a ser socio de Canal +. En poco tiempo, estaba presente de manera simultánea en dos cadenas de televisión, ya que también poseía el 59,2 % del accionariado de Antena 3. Empero, su doble participación en el sector televisivo no estaría en concordancia con la reforma audiovisual introducida por el Gobierno en la Ley de Acompañamiento de 2003, que impedía, precisamente, dicha dualidad. Este

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hecho, junto al interés de Telefónica por desinflar progresivamente sus negocios en medios de comunicación, dio lugar ese mismo año a la venta de Antena 3 y Onda Cero –esta última ya estaba integrada en la cadena de televisión–. La desvinculación con ambos medios fue progresiva. En primer lugar, la operadora vendió un 25,1% de Antena 3 a Planeta De Agostini –sociedad conformada por el grupo español Planeta y el italiano De Agostini a partes iguales– por 364 millones de euros. En segundo lugar, un 30% del capital fue repartido entre sus accionistas en concepto de dividendo. Finalmente, el 4,1% restante fue adquirido también por Planeta De Agostini3. Una vez iniciado el proceso de reestructuración y reducción de los distintos negocios del grupo y abandonado el control de Vía Dígital, Antena 3 y Onda Cero, el Consejo de Administración de Telefónica aprobó la desaparición de Admira. De esta forma, meses antes de que finalizara el año 2003, todos los negocios relacionados con el mundo mediático, caso de las participaciones en Endemol, Pearson o Sogecable, quedaron integradas en Telefónica de Contenidos, que se ha centrado desde entonces en su gestión. La única excepción al respecto tiene que ver con los intereses que Telefónica posee desde el año 1998 en algunos medios argentinos, concretamente los que integran el grupo Atlántida de Comunicaciones (AtCo) –Telefé, Canal 11 o Editorial Atlántida– y a la productora de contenidos Torneos y Competencias4 (TyC) –Telearte o Canal 9–. Estos negocios transoceánicos han sido controlados a través de la filial Telefónica de Argentina y no por Telefónica de Contenidos. Otro importante movimiento de Telefónica fue el realizado en septiembre de 2004, cuando se deshizo de sus acciones en Pearson. En total contaba con un 4,8% del grupo editor de Financial Times o Les Echos, por lo que ingresó en caja alrededor de 340 millones de euros. Hay que recordar que hasta ese momento, a través de Pearson, Telefónica mantenía intereses en importantes cabeceras españolas dirigidas a distintos segmentos de audiencia, caso de Marca, líder en información deportiva; Expansión, referente en noticias económicas; o El Mundo, uno de los grandes diarios españoles de información general. Por tanto, con su salida de Pearson, abandonaba también su presencia en los medios impresos. Ese mismo año la teleoperadora llevó a cabo dos

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operaciones más en el mercado mediático. Por un lado, abandonó su participación mayoritaria en la productora Lola Films, adquirida también durante la era Villalonga con la intención de convertir a Telefónica Media en todo un imperio multimedia. El empresario Andrés Vicente Gómez se convirtió en propietario absoluto de la productora, ya que sumó el 70% de Telefónica al 30% que ya poseía. Por otro lado, vendió a la compañía energética Iberdrola sus acciones en la productora catalana Media Park, de la que poseía el 7,45% del total. En la actualidad, la productora es propiedad de Mediapro/Imagina. Paralelamente al desarrollo de la operación, surgieron los primeros rumores acerca de la posible compra de O2 –operadora británica de móviles– por parte de Telefónica, así como de una serie de inversiones para mejorar las infraestructuras y aumentar el número de clientes que la compañía posee en Latinoamérica. Un año después los presagios se cumplieron y Telefónica realizó la mayor operación de una empresa española en el extranjero. O2 pasó a ser parte de su estructura por 26.094 millones de euros, aumentando el número de clientes de 116 a 170 millones en todo el planeta. De esta forma, comenzaron a satisfacerse los planes iniciales de César Alierta, quien en apenas cinco años, tras aplicar una estrategia centrada en las funciones propias de una compañía de telecomunicaciones, redujo notablemente sus inversiones en el panorama comunicativo. De un plumazo, su filial mediática se quedaba sin presencia en prensa y reducía sus vínculos con el sector cinematográfico y televisivo. Además, antes de que finalizara 2004, Telefónica vendería otra de las empresas adquiridas por Villalonga. En este caso, su filial para Internet Terra Network, acordó con DAUM COMMUNICATIONS Corp., el principal grupo de Internet en Corea del Sur, la venta del portal Lycos. El acuerdo permitió a Terra Network mantener las acciones en Terra Network USA LLP, filial dedicada a la explotación del portal para personas de habla hispana en Estados Unidos, así como en Lycos Europe, empresa en la que mantenía un 32,10% a finales de 2009. La compañía coreana pagó a Telefónica 100 millones de dólares por el traspaso, o lo que es lo mismo, 12.400 menos de lo que abonó la operadora por el mismo portal en plena burbuja tecnológica. A pesar de existir una diferencia negativa del 99% respecto al precio inicial de compra, la operación, según afirmó

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la propia compañía, estaba enmarcada dentro de la estrategia de Terra de potenciar su presencia en las áreas geográficas en las que Telefónica poseía negocios significativos y en el mercado de habla hispana y portuguesa.

SEGUNDO LUSTRO DEL 2000

La segunda parte de la década del 2000 se inició con el lanzamiento de la primera oferta de televisión por ADSL en España. El nuevo servicio, bautizado por Telefónica como Imagenio, contaba desde un principio con 48 canales de video y 15 de audio, convirtiéndose así en un competidor de referencia para Digital +. En relación a su comercialización, la multinacional española pretendía consolidar en la península los denominados paquetes triple play, es decir, aquellos que ofrecen telefonía, Internet y televisión en la misma factura. Esta forma de venta se instauraría en los siguientes años como una práctica habitual a la hora de contratar un servicio de telecomunicaciones. Ya en 2006, con la intención de seguir consolidando su dominio en el ámbito nacional, Telefónica compró una parte mayoritaria de Iberbanda. Esta empresa es especialista en servicios de comunicación en banda ancha inalámbrica y tiene como principal cota de negocio los espacios rurales y las empresas. Uno de los aspectos más interesantes de la adquisición, que hoy día (primer semestre de 2010) llega al 59% de las acciones de Iberbanda, es que Teléfonica pasó a ser nuevamente compañero de negocio de Prisa, dueño entonces de un 21,6% de las acciones –ahora posee un 15%–. Hay que recordar que tras el traspaso de Vía Digital a Sogecable, Telefónica accedió al accionariado de la filial de Prisa. Ese mismo año la operadora cerró otra importante operación. En este caso se trató de una desinversión, ya que acordó con Yell Group Plc, compañía británica de directorios telefónicos, el traspaso de su filial Telefónica Publicidad e Información (TPI) por 1.838 millones de euros. TPI controlaba empresas como 11888 Servicios, Consulta Telefónica, Goodman Bussines Press, TPI Brasil, TPI Perú o Publiguías en Chile, un elenco de negocios que, por ejemplo, en España, se encargaron de la elaboración y distribución de Páginas Amarillas. La venta de esta compañía se interpretó como un paso más de

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Telefónica hacia el desprendimiento de los negocios prescindibles para consolidar su posición en el mercado y adquirir nuevas participaciones en grandes grupos de telecomunicación. En mayo de 2007 la multinacional española dio un paso más en su estrategia desinversora deshaciéndose de la compañía holandesa Endemol Investment Holding, propietaria de la productora Endemol. La operación, que se cerró en 2.830 millones de euros, dejó a Endemol en manos del grupo denominado Edam Acquisition, formado por los inversores Mediacinco Cartera – propiedad de Mediaset/Fininvest-, Cyrte y Goldman Sachs Capital Partners. Si se compara la cantidad que Telefónica pagó en el año 2000 por la productora –4.800 millones de euros– se puede apreciar un importante deterioro de su valor en poco más de siete años. La teleoperadora argumentó tras la venta que su posición de dominio en el mercado mundial, con más de 200 millones de clientes, le permitía partir con ventaja a la hora de negociar con otras productoras, por lo que no era necesario seguir apostando por Endemol. Ese mismo año, Telefónica realizó una de las adquisiciones más importantes de la última década en lo que a su negocio de origen se refiere: las telecomunicaciones. Tras establecer algunos acuerdos de cooperación comercial, Telefónica tomó un 10% de Telecom Italia a través de Telco S.p.A, un consorcio del que posee el mayor número de participaciones – 46,18%–. La operadora italiana es la de mayor tamaño en el país transalpino, con un beneficio de 1.581 millones de euros en 2009, 70.000 empleados e importantes subsidiarias como Telecom Italia Mobile, Olivetti o Telecom Italia Media. Esta última compañía aglutina diferentes medios relacionados con el negocio de la información. Son los siguientes: ·Telecom Media: La7, Cartapiu, MTV Italia, MTV Pubblicita, MTV Brand New, MTV Hits, Nickelodeon Italy, Paramount Comedy Italy, Playmaker, QOOB, Timedia Broadcasting, La7.it,

MTV.it, MTVbrandnew.it, MTVhits.it, Nicktv.it,

Paramountcomedy.it, Impresalive.tv, Wap.la7.it, Wap.mtv.it. Por tanto, con la entrada en Telecom Italia, Telefónica consolidó su extensión por Europa, iniciada con la compra de O2, y obtuvo nuevos intereses en medios de comunicación, a pesar de no ser esta su intención inicial.

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Antes de que concluyera 2007 la teleoperadora española, por un lado, inició nuevas relaciones comerciales con la familia Polanco, y por otro, vendió por 2.982 millones de euros el operador de servicios de urgencia británico Airwave una filial de su compañía O2-. En lo relativo al nuevo negocio con Prisa, Telefónica incorporó a su servicio integrado de telefonía, Internet y televisión, conocido como Trío, la posibilidad de elegir entre Imagenio o Digital +, con el objetivo de cubrir aquellas zonas donde su sistema de televisión por ADSL no ofrecía cobertura. El paquete, conocido como Trío+ en el caso de optar por la plataforma de Sogecable, no tuvo la captación de clientes esperada. A pesar de ello, seguía presente entre las numerosas ofertas5 que a principios de 2010 competían en el mercado español. La última gran operación desinversora de Telefónica en el terreno que nos atañe se produjo en 2008, cuando vendió el 16,79% de las acciones que aún le unían a Sogecable6. Prisa pagó por ellas 650 millones de euros, por lo que consiguió hacerse con la mayoría del capital de la empresa audiovisual. Algunos meses antes, Prisa ya había intentado comprar la parte que estaba en manos de Telefónica, pero ésta se resistió. Los motivos que finalmente le llevaron a la venta tienen que ver, en primer lugar, con la presión ejercida por sus accionistas internacionales, quienes no comprendían que se conservara una parte tan pequeña de Sogecable cuando su socio mayoritario –Prisa– iba a conseguir el 80% del total del accionariado; y en segundo lugar, con la evolución negativa de los mercados internacionales, que en ese momento hacía mucho más atractiva la oferta. Lo cierto es que desde un primer momento se especuló con la posible compra de Digital+ por parte de Telefónica. Al haber dejado de tener vinculación como socios a través de Sogecable, Prisa y Teléfonica no encontrarían grandes problemas desde el punto de vista del derecho de la competencia, que restringe las operaciones entre empresas con grandes posiciones en el mercado. Efectivamente, un año después, la operadora de telecomunicaciones adquirió un 22% de la plataforma de pago, tal y como veremos unas líneas más adelante. Cuando Telefónica decidió vender sus acciones en Sogecable, la filial de Prisa contaba con las siguientes empresas:

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Televisión ·Sogecable, S.A. (Cuatro) ·Canal Satélite Digital, S.L. (Digital+) 100% ·DTS Distribuidora de Televisión Digital, S.A, (Digital+) 100%

Canales temáticos ·Compañía Independiente de Televisión, S.L. 100 % ·Cinemanía, S.L. 100% ·Sogecable Música, S.L. 50% ·Jetix España, S.L. 50% ·Compañía Independiente de Noticias de Televisión, S.L (CNN+) 50%

Producción y Gestión de Derechos Deportivos ·Audiovisual Sport, S.L. 80% ·Real Madrid Gestión de Derechos, S.L 10 %

Producción y Gestión de Derechos Cinematográficos ·Sociedad General de Cine, S.A (Sogecine) 100% ·Sogepaq, S.A 100 % ·Canal+ Investment Us Inc, 60%

Publicidad ·Sogecable Media, S.L 75%

Servicios ·Centro de Asistencia Telefónica, S.A (CATSA) 100% ·Canal Club de Distribución de Ocio y Cultura, S.A 25% ·Sogecable Editorial, S.L 100% ·Vía Atención Comunicación, S.L 100% Elaboración propia sobre los datos extraídos de las referencias.

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MOVISTAR SE CONVIERTE EN LA ÚNICA MARCA COMERCIAL

El año 2009 fue importante para Telefónica. El rumbo desinversor que la compañía había tomado a principios de la década con el objetivo de abandonar su presencia en los medios de comunicación, comenzó a cambiar de sentido. La multinacional se centró durante ese periodo en llevar a cabo un cambio en la estructura de la empresa, reduciendo sus distintos activos y negocios para facilitar los ámbitos de gestión. Además, la compañía ha conseguido situarse en una posición dominante en el mercado latinoamericano de telecomunicaciones tras realizar importantes adquisiciones e invertir en la creación de nuevas infraestructuras. Mucho tiene que ver con esta estrategia lo ocurrido el 6 de marzo del mismo 2009, cuando César Alierta anunció en la Cuarta Cumbre de Directivos de la compañía que todos sus productos comerciales pasarían a denominarse de una misma forma. La marca Movistar, además de telefonía móvil, englobaría los servicios de telefonía fija, ADSL y televisión, y el nombre de Telefónica se convertiría en la enseña institucional, madre de un gran abanico de empresas con influencia en todo el mundo. El proceso, iniciado poco después, y publicitado de forma espectacular en mayo de 2010, no ha afectado a sus filiales O2 (Reino Unido y Europa) y Vivo (Brasil), ya que cuentan con una gran aceptación entre sus clientes. El resto de países donde Telefónica oferta sus servicios, casi todos localizados en Latinoamérica, se están sumando de forma progresiva a la concentración de servicios bajo el logotipo de Movistar, que ha vuelto a cambiar su diseño. Tras el anuncio de unificación hecho por César Alierta, todo parecía indicar que Telefónica había conseguido simplificar sus mandos de actuación y consolidar su negocio en el sector de las telecomunicaciones, convirtiéndose así en una de las cinco compañías más fuertes del mundo en volumen de ventas junto a AT&T (EE.UU.), Verizon (EE.UU.), NTT Docomo (Japón) y Deutsche Telekom (Alemania)7. O lo que es lo mismo, culminar con éxito un proceso de adaptación a las nuevas corrientes comerciales, donde las ofertas reúnen diferentes servicios de comunicación en un mismo paquete; y posicionarse de

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forma sólida en el mercado global con sus tres unidades de negocio: España, Europa y Latinoamérica. Los datos más recientes de la compañía, sus cifras durante el primer cuatrimestre de 20108, ponen de manifiesto la tendencia positiva de la empresa. Su beneficio neto en la primera parte del año ha sido de 1.656 millones de euros, un 1’7% más si se compara con el mismo periodo de 2009, donde el total anual alcanzó los 7.776 millones. Además, la compañía ha superado los 273 millones de accesos en todo el mundo. Sólo en el primer trimestre de 2009, en España ha conseguido 247.000 nuevos clientes, en Latinoamérica 3,7 milllones –triplicando lo ocurrido en 2009– y en Europa 500.000, con especial incidencia en Reino Unido y Alemania.

2010

2009

2008

Primer trimestre Beneficio neto

1.656 (+1,7%)

7.776 (+2,4%)

7.592

Ebitda

5.114

22.603

22.919

Ingresos

13.932 (+0,9%)

56.731 (-2,5%)

57.946

En millones de euros. Elaboración propia. Fuente: Informes anules de 2008,2009 y 2010 de Telefónica.

La consecución de una sólida fortaleza9 en todos sus ámbitos de negocio es, por tanto, uno de los motivos por los que Telefónica, de nuevo, ha comenzado a invertir en el sector de los medios de comunicación. En el año 2009, la multinacional española también reforzó Telefónica Servicios Audiovisuales (TSA), compañía que forma parte de su filial Telefónica de Contenidos, con la intención de desarrollar una nueva estrategia de ampliación de mercado en el sector del entretenimiento, la industria de contenidos audiovisuales y la prestación de servicios técnicos de producción. El negocio de la creación audiovisual es uno de los más golosos con vistas al futuro, puesto que crecerá de forma exponencial gracias a la diversificación de la oferta que incorpora la Televisión Digital Terrestre (TDT) y al éxito de las plataformas de televisión de pago, que cuentan con un gran número de canales a los que ofrecer

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la venta de contenidos. De esta forma, Telefónica compró en octubre por 6 millones de euros la productora Gloway, propiedad hasta ese momento de Antena 3/Grupo Planeta. La adquisición supuso un beneficio doble para Telefónica ya que, por un lado, TSA ha reforzado su posición en la transmisión de señales de televisión vía satélite10, y por otro, ha aumentado su competitividad frente a las demás empresas del sector, donde Overon –propiedad de Mediapro y Abertis– es la compañía líder y Vértice 360 –filial de Avánzit– un importante referente. En total, gracias a las 17 unidades móviles de última generación que aporta Gloway, TSA cuenta con una flota cercana a los 40 equipos, lo que le permite estar en una buena posición para hacerse con parte de los 1.200 millones de euros que los servicios técnicos audiovisuales generan en España. A la oferta de servicios integrados como producción, distribución, difusión y transmisión de señales de televisión y radio digitales, la operadora incorpora otros servicios de valor añadido como postproducción, producción y soluciones de ingeniería. Precisamente, dentro de la operación en la que Antena 3 cedía el control de Gloway a TSA, se incluyó un contrato por el cual la filial de Telefónica seguiría cubriendo durante cinco años la transmisión de noticias y directos de los informativos, magazines y otros programas emitidos por la cadena. TSA ofreces sus servicios en diferentes sectores. A continuación vamos a destacar algunos de sus clientes y funciones: Broadcast ·RTVE: Creación de una plataforma con cobertura sobre América a través de Hispasat / Distribución de canales temáticos e internacionales en Europa. ·Sogecable: Distribución de la plataforma Digital + sobre Hispasat y Astra / Servicios ocasionales con DSNG’s para Canal +. ·Canal Extremadura TV: Integración, suministro, instalación y puesta en marcha, formación y mantenimiento de las infraestructuras técnicas de TV.

Producción de TV ·Gestmusic: Producción y retransmisión de galas “Operación Triunfo” en directo. ·Andalucía Digital Multimedia: Alquiler de DSNG’s para la realización de transmisión de servicios diarios.

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·Audiovisual Sport: Desarrollo de los trabajos de desinstalación y reinstalación de los medios técnicos con los que Audiovisual Sport realiza las retransmisiones de fútbol. ·Miramón Mendi: Integración de una unidad móvil de producción / Servicios técnicos para la producción de series. ·Zeppelin-Linze TV: Servicios de producción con unidad móvil para la grabación de la serie “Arrayán” en Canal Sur.

TV local ·Popular TV: Contribución y distribución de la señal audiovisual del canal Popular TV. ·Localia: Distribución de los contenidos de la red de cadenas asociadas a Localia (Prisa clausuró esta cadena en 2008). ·Vocento: Equipamiento para las televisiones locales del grupo / Servicios de producción y transmisión de partidos fútbol.

Empresas e instituciones ·Real Madrid C.F: Distribución mundial del Canal Real Madrid TV a través de los satélites Eutalsat, Asiasat, Panamsat e Intelsat / Desarrollo del proyecto de CATV en el Estadio Santiago Bernabéu. ·BBVA: Transmisión y producción de eventos corporativos. ·Senado: Dotación para el Palacio del Senado de un sistema de captación y producción de señales de imagen y sonido procedentes de diferentes dependencias del edificio. ·Palacio de la Moncloa: Transmisión de la rueda de prensa posterior al Consejo de Ministros.

Otros países ·Radioteleviçao Portuguesa: Instalación e integración de las tres dependencias de su centro de producción en Oporto. ·Digital World Television: Distribución a toda Europa de sus canales a través de la plataforma Europa TV. 17


·Cablevisión: Instalación y puesta a punto del sistema de control remoto de los equipos. Elaboración propia.

Después de aumentar la capacidad de acción de TSA y adquirir la productora Gloway, Telefónica compró en noviembre de 2009 un 21% de Digital + –ascendió al 22% al poco tiempo–, realizando así la incorporación accionarial más importante en un negocio mediático desde su entrada en Sogecable a principios de la década. Precisamente, esta nueva compra, guarda una importante relación con el ya mencionado acuerdo de integración de Vía Digital y Sogecable en 2003. En él, Prisa contrajo con Telefónica una deuda de 230 millones de euros por la concesión de dos préstamos partipativos con vencimiento en los años 2011 y 2013. Así pues, la compañía de telecomunicaciones cobró la deuda con la familia Polanco –propietaria de Digital + a través de Sogecable– y sólo pagó 240 de los 470 millones de euros en los que se valoraba la parte adquirida de la plataforma. Con la entrada de Telefónica en Digital +, sólo un año después de haber abandonado su participación en Sogecable, donde ya no ejercía una posición accionarial dominante, la teleoperadora ha obtenido un porcentaje del capital que le permite ejercer un control más directo sobre la plataforma. Al finalizar 2009, los propietarios de Digital + eran Sogecable/Prisa –56%–, TSA/Telefónica –22%–, y Gestevisión

Telecinco/Mediaset

–22%–.

Llamó

la

atención

el

acuerdo,

aparentemente “contra natura”, entre Prisa y Mediaset pero las deudas del grupo de los Polanco mandaban. Ese mismo año la multinacional española realizó una operación más. A través de su filial británica O2 adquirió por 140 millones de euros la compañía Jajah, un proveedor de servicios VoIP por Internet con sede en Silicon Valley e Israel que ofrece funciones similares a las de Skype. Por tanto, Jajah permite realizar conexiones de voz entre usuarios conectados a la Red sin necesidad de tener un contrato con una operadora de telefonía. La compra de esta compañía fundada en 2005 supone para Telefónica introducirse en un sector a través del cual millones de usuarios, ya sea por texto, imágen o voz, intercambian información desde cualquier parte del mundo en la que tengan acceso a Internet.

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Por último, este trabajo se cierra con la compra de la brasileña Vivo y la entrada de Telefónica en Tuenti, rival de Facebook. www.elpais.com (29/7/2010), en crónica firmada por Ramón Muñoz y Francesc Relea, titulaba: “Telefónica se hace un gigante en Brasil”. Y añadía estos subtítulos: “La española compra Vivo por 4.500 millones al contado y otros 3.000 aplazados”. “Los portugueses entran en la competidora Oi con el parabién del presidente Lula”. La entradilla del texto era la siguiente: Telefónica ya tiene lo que quería: ser líder en Brasil, el mercado de telecomunicaciones con mayor proyección del continente americano. Le han hecho falta tres meses de dura negociación, casi un conflicto diplomático y 7.500 millones de euros, tras mejorar su oferta inicial hasta por tres veces. Pero la primera multinacional española cree que el esfuerzo ha merecido a pena. Vivo, líder en telefonía móvil de Brasil, está por fin en sus manos. Una vez que lo fusione con Telesp, la compañía de telefonía fija e Internet que ya posee, pasará a dominar un tercio del negocio de las telecomunicaciones de Brasil, que se convertirá en el segundo mercado para Telefónica después de España, con 69 millones de clientes y 12.000 millones de ingresos anuales.

En efecto, se había dado semanas antes una especie de resistencia nacionalista por parte del gobierno portugués que utilizó su acción de oro para detener la venta que Portugal Telecom (PT) había acordado para traspasar a Telefónica –su socio- las acciones que los portugueses mantenían en Vivo, una postura gubernamental rechazada por la Unión Europea. Con la operación por fin consumada, Telefónica se desvinculaba de casi todo el capital que poseía en PT, donde llegó a mantener el 10%, ahora reducido a un 2% testimonial, y disolvió Brasilcel, la sociedad conjunta tenedora del 60% de las acciones de Vivo. La crónica mencionada recogía además: En el acuerdo final (…) ha jugado un papel decisivo la labor diplomática. De hecho, el desbloqueo del mismo no ha llegado hasta que el Gobierno del José Sócrates no ha tenido el plácet del Ejecutivo del presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para que PT entre en el capital de Oi, controlada por el Estado brasileño. Portugal ha hecho de la presencia en su antigua colonia una bandera nacionalista y Sócrates no estaba dispuesto a aceptar que PT saliera de Brasil, incluso aunque el Tribunal de la UE declarara ilegal la acción de oro empleada contra la propuesta de Telefónica.

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Para terminar, en el verano de 2010 (agosto) Telefónica reaviva su presencia en el mundo de las redes sociales (en 2008 fundó la multiplataforma Keteke) adquiriendo el 85% de Tuenti por 70 millones de euros. Según el diario Cinco Días: Keteke nació en 2008 como una comunidad social multiplataforma. Telefónica invirtió 10 millones de euros en su lanzamiento y se dirigía a jóvenes de entre 15 a 35 años de edad. Abierta a clientes de otras compañías, Keteke es un canal en el los usuarios pueden compartir fotos y vídeos sin límite de capacidad, escribir en los blogs, enviar mensajes desde el ordenador, el teléfono móvil y la televisión. Igualmente, integra juegos como uno multijugador online.

El mismo diario –consultado en su edición online el 5/8/2010- indicaba que no era intención de Telefónica integrar a Tuenti con Keteke. Casi todo el capital que Telefónica compró a Tuenti procedía de Qualitas Private Equity (del Grupo Prisa o al menos con la presencia de los Polanco), que era el socio mayoritario con el 30% del capital, adquirido en septiembre del año 2008. El 15% del capital que no ha adquirido la operadora continuará en manos del equipo directivo; en él se mantienen algunos de los fundadores de Tuenti, como Zaryn Dentzel y Félix Ruiz, mientras que Bernardo Hernández, directivo de Google, anunció la venta de sus acciones, como exigía Telefónica. Sobre el interés de Telefónica hacia las redes sociales, la edición digital de El País -consultada el día 5 de Agosto de 2010- afirmaba, a través de la crónica de Ramón Muñoz: La operadora no quiere estar ausente del mundo de las redes sociales, donde ya intentó implantarse con Keteké y falló. Este negocio ha experimentado una explosión en los últimos años y se ha convertido en objeto de deseo por parte de los operadores de acceso (ISP) para fidelizar a sus clientes, sobre todo a los más jóvenes (de 14 a 20 años), que representan el grueso de los usuarios más activos en Tuenti. La red social, por su parte, necesita un socio financiero fuerte para poder afrontar sus planes de expansión con los que hacer frente a su máximo competidor, Facebook.

Nuestro recorrido finaliza por tanto con una nueva diversificación de la multinacional española, esta vez hacia el campo de las redes sociales. Aquella compañía que hunde sus raíces en la España de los años veinte, cuando las telecomunicaciones estadounidenses (ITT, sobre todo) logran la concesión del

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régimen del general Primo de Rivera para desarrollar sus actividades en España, nacionalizada después por otra dictadura, la del general Franco, y privatizada por PSOE y PP en los años noventa, se ha adaptado con acierto a lo que llamamos mundialización, si bien su papel como dueña de medios de comunicación no es muy acorde con una empresa de infraestructuras telecomunicacionales. A MODO DE CONCLUSIÓN

· El caso de Telefónica pone de manifiesto los rasgos más significativos de la economía de mercado que sustentan el mundo global y que se alimentan de la comunicación. Con un accionariado multinacional, aunque predominantemente español, la compañía de telecomunicaciones ha evolucionado buscando posibilidades de negocio desde España hasta el resto de Europa, América e incluso Asia (con la presencia en China, véase cronología). · La busqueda de nuevas opciones de negocio han llavado a Telefónica a ampliar su campo de acción profesional, ligado originariamente a las telecomunicaciones, para adentrarse en otros como el de los medios de comunicación. La máxima expresión de la incursión mediática de Teléfonica tuvo lugar durante la presidencia de Juan Villalonga a finales de los años 90. En dicho periodo, la teleoperadora adquirió intereses en empresas españolas y argentinas dedicadas a la prensa, la radio o la televisión en abierto y de pago tras desenvolsar cantidades multimillonarias.

Además de beneficio económico,

Teléfonica buscó rédito político y poder frente a otros grupos mediáticos de la competencia. ·Los intereses de Telefónica en la estructura mediática española fueron duramente cuestionados con la llegada a la presidencia de César Alierta, que rompió la dinámica inversora e inició una tendencia contraria. Durante la década del 2000 los objetivos de la teleoperadora han estado encamidados a la consolidación de su oferta de telefonía fija y móvil, Internet y otros servicios relacionados con el negocio de las telecomunicaciones, alejándose de la producción y venta de productos informativos, así como de tensiones políticas anteriores.

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· Tras constarse como una de las teleoperadoras más fuertes del mundo y ampliar su capacidad de acción por cuatro continentes, Telefónica ha vuelto a interesarse en los últimos meses por los negocios de la producción audiovisual y la televisión digital de pago, estrechamente ligados con la telaraña mediática española e internacional que recoge intereses políticos y económicos de instituciones y empresas dedicadas a sectores comerciales de todo tipo. CRONOLOGÍA

2000. 1) Telefónica compra Endemol, Lycos y Mediaways. César Alierta toma la presidencia de Telefónica e inicia un nuevo rumbo estratégico. 2001. 1) Telefónica Media se convierte en Admira. 2002. 1) Aumento de pérdidas de la filial de medios de comunicación. Admira se escinde en Admira Media y Telefónica de Contenidos. 2) Comienzo del plan de desinversión en medios de comunicación. La compañía Szena es la primera en ponerse a la venta. 3) Onda Cero es traspasada a Antena 3. 2003. 1) La plataforma de televisión por satélite Vía Digital se integra en Sogecable/Prisa, dando lugar a Digital+ tras fusionarse con Canal Satélite Digital. La operación deja a Telefónica con un 23% del accionariado de Sogecable. 2) Antena 3 –también Onda Cero– es vendida al Grupo Planeta De Agostini. 3) Admira desaparece del organigrama de Telefónica. Las participaciones de la empresa en medios de comunicación se integran en Telefónica de Contenidos. 2004. 1) Telefónica vende sus acciones en Pearson –4,8%–, y deja de tener intereses en periódicos como Marca, Expansión o El Mundo. 2) El 7,45% que Telefónica poseía de la productora Media Park fue vendido a la compañía eléctrica Iberdrola. 3) La compañía presidida por César Alierta se desprende también de su participación en la productora Lola Films, de la que poseía un 70%. 4) Telefónica vende Lycos a la sociedad norcoreana DAMNS COMUNICATIONS Corp. 2005. 1) Telefónica lanza Imagenio, una plataforma de televisión digital a través de ADSL. 2006. 1) La operadora española se hace con el 51% de Iberbanda –actualmente posee un 59%–, una empresa de servicios de comunicación en banda ancha inalámbrica. En ella comparte accionariado con el Grupo Prisa –hoy 15% –y El Corte Inglés –21,3%–. 2) Telefónica vende su 59,9% en Telefónica Publicidad e Información (TPI) a la compañía británica Yell Group Plc. 2007. 1) Telefónica vende la compañía holandesa Endemol Investment Holding, propietaria de la productora Endemol, a un grupo encabezado por una filial de Mediaset. 2) La operadora española entra indirectamente en el accionariado de Telecom Italia 10,49%- a través de Telco S.p.A, un consorcio en el que Telefónica posee la mayor parte de sus acciones -46,18%. 3) Telefónica y Sogecable acuerdan el lanzamiento de Trío+, un servicio de telefonía, Internet y televisión digital.

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2008. Telefónica sale del accionariado de Sogecable al vender al Grupo Prisa el 16, 7% que aún poseía. En 2008 su participación en China Netcom es del 7,2%. 2009. 1) César Alierta anuncia que todas las ofertas comerciales de la empresa se englobarán bajo la marca Movistar, dejando el nombre de Telefónica como soporte corporativo. 2) La multinacional española refuerza su filial Telefónica Servicios Audiovisuales/Telefónica de Contenidos con vistas a una nueva estrategia de negocio en el sector del entretenimiento, la industria de contenidos audiovisuales y la prestación de servicios técnicos de producción. 3) Antena 3 vende a Telefónica la compañía de producción audiovisual Gloway. 4) Telefónica compra a Sogecable/Prisa un 21 % del accionariado de Digital+. 5) Telefónica compra, a través de su filial británica O2, el proveedor de servicios VoIP Jajah, con funciones similares a las de Skype. 6) En verano de 2009, adquiere Telefónica el 8% del capital de China Unicom y ésta el 0,88% de Telefónica. 2010. 1) Las actividades comerciales de Telefónica (telefonía móvil, telefonía fija, ADSL y televisión) comienzan a desarrollarse bajo la marca Movistar. 2) En 2010 (enero) su participación en Digital+ sube al 22%. 3) En agosto, adquiere el 85% de la red social Tuenti.

REFERENCIAS

ARTÍCULOS Y LIBROS

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[Consultado el 5/8/2010]

Notas 1

El acuerdo de integración vino precedido de otro a través del cual Telefónica vendía su participación del 40% en Audiovisual Sport –dueña de los derechos del fútbol– a Sogecable, quedando esta última con un 80% de la empresa gestora de retransmisiones deportivas. 2

En el año 2002 las pérdidas de Vía Dígital alcanzaron los 240 millones de euros.

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En 2010, este grupo continúa siendo el principal accionista de Antena 3 con el 44,3% de su total. Por detrás, con un 20,49%, le sigue la productora UFA Film Und Fernseh Gmbh Unipersonal, propiedad del grupo alemán Bertelsmann. 4

AtCo continúa perteneciendo en 2010 a la operadora española. No ocurre lo mismo con TyC, que fue vendida a principios de la década. 5

Compañías como Orange, ONO o Euskaltel también ofrecen servicios conjuntos de televisión, Internet y telefonía, conocidos como triple play. 6

Telefónica ya había vendido parte de sus acciones en Sogecable en el año 2005. El comprador fue el Grupo Prisa, que progresivamente volvió a retomar la mayor parte del capital de la productora audiovisual. 7

Datos relativos al segundo trimestre de 2009. Extraídos de la lista sobre las empresas de telecomunicaciones más grandes que elabora la empresa Telegeography. 8

Resultados trimestrales de Telefónica. Publicados el 13/05/2010.

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El intercambio de accionariado entre Telefónica y China Unicom en el año 2009, que dejaba a la multinacional española con un 8,06% de China Unicom, y a esta última con un 0,92% de Telefónica, es un claro ejemplo de la capacidad de actuación que la compañía presidida por César Alierta tiene en el mercado internacional. 10

Telefónica es accionista de Hispasat a través de Telefónica de Contenidos.

Los autores Ramón Reig, Director del Departamento de Periodismo II de la Universidad de Sevilla y de la revista Ámbitos. Autor de La telaraña mediática (2010); El periodista en la telaraña (2007), Dioses y diablos mediáticos (2004) y El éxtasis cibernético (2001). Antonio Javier Martín Ávila, licenciado en periodismo, redactor del diario Granada Hoy. Colaborador del Grupo de Investigación en Estructura, Historia y Contenidos de la Comunicación (www.us.es/grehcco), dirigido por Ramón Reig. Dirección postal: Facultad de Comunicación Departamento de Periodismo II

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C/ Américo Vespucio, s/n Isla de La Cartuja 41092 Sevilla (España) Tel. 620-342743.

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E-GOVERNO, PARTICIPAÇÃO E TRANSPARÊNCIA DE GESTÃO Othon Jambeiroi Rosane Sobreiraii Lorena Macambiraiii

Resumo: o artigo resulta de pesquisa que buscou localizar os websites de todos os municípios brasileiros obrigados a ter plano diretor, visando observar se as municipalidades, dentro de suas políticas de informação, disponibilizam tal plano para conhecimento dos cidadãos. 1.633

estão

dentro

desta

Dos 5.563 municípios existentes no Brasil

obrigação,

estabelecida

pela

Constituição

e

regulamentada pela Lei 10.257, de 10 de julho de 2001. Os planos, segundo estabelece a Lei, devem ser elaborados com ampla e livre participação da população, devendo ser usados todos os instrumentos de divulgação disponíveis. A pesquisa parte do pressuposto de que somente quando os cidadãos são adequadamente informados podem participar da gestão, conhecer seus direitos e deveres e exercitar a cidadania. O resultado mostrou pouca visibilidade destes planos na Web. Algumas regiões do pais e, dentro delas, alguns Estados, destacam-se, por apresentarem índice não muito baixo de uso da Internet para disponibilizar seus planos diretores. Palavras-Chave – Brasil - Plano Diretor Municipal. Brasil – Websites municipais. Brasil - Municipalidades. Brasil - Internet.

Abstract: This article results from a research aimed at localizing the websites of Brazilian municipalities that are obliged to have a master plan, and if they put this plan in those sites. By the Brazilian Constitution and Law 10.257, of July, 10, 2001, from the 5.563 municipalities Brazil has, 1.633 of them are under that obligation. The plans must be made with substantial and free participation of the inhabitants of the municipality. All the means favouring that should be used. The research was constructed under the idea that only when the citizens are reasonably informed they can participate of the municipality administration, know


their rights and duties and exercise citizenship. The results showed reduced visibility of those plans in the Web. Some of the regions of the country, and inside them some states, are distinguished, because they present not a much low percentage of Internet use to popularize their master plan. Key-Words - Brazil - Municipal Master Plan. Brazil – Municipal Websites. Brazil Municipalities. Brazil - Internet. Resumen – Este artículo es resultado de una investigación que se propuso localizar los sitios web de los municipios brasileños cuyos planes de gestión estén disponibles para los ciudadanos, en el marco de sus políticas de información. De los 5.5563 municipios de todo el país, 1.633 cumplen con esta obligación legal establecida por la Constitución y reglamentada por la Ley 10.257, de 10 de julio de 2001. Esta legislación, según establece la ley, debe ser elaborada con amplia y libre participación de la población, debiendo ser usados todos los instrumentos de divulgación disponibles. La investigación parte de presupuesto de que solamente cuando los ciudadanos son adecuadamente informados pueden participar de la gestión, municipal, conocer sus derechos y deberes y ejercitar la ciudadanía. El resultado mostró que hay poca visibilidad de estos planes de gestión en la web. Algunas regiones del país y, dentro del ellas, algunos estados, se destacan por presentar un índice no muy bajo de uso de Internet para disponibilizar sus planes de gestión. Palabras llave – Brasil - Plan Gestor Municipal. Brasil – Websites municiples. Brasil - Municipalidades. Brasil - Internet INTRODUÇÃO As transformações políticas, sociais e econômicas que têm ocorrido na sociedade contemporânea, aliadas à convergência tecnológica na área das comunicações e ao uso intensivo da informação em todas as atividades humanas, vêm pressionando o Estado para desenvolver políticas que favoreçam o acesso à informação pública – inclusive sobre si mesmo. Considera-se que é dever do cidadão estar atento a essa questão, cabendo-lhe cobrar dos órgãos públicos o cumprimento do seu dever de fornecer à sociedade as informações de que necessita.


Somente quando os cidadãos são informados regularmente conseguem participar ativamente da tomada de decisões e influenciar o planejamento e a execução de ações do poder público. O acesso à informação constitui a condição sine qua non para que o cidadão possa cumprir seus deveres e usufruir de seus direitos. O

desenvolvimento

de

tecnologias

avançadas

de

informação

e

comunicação (TICs) vem ajudando a equacionar este problema, vez que elas agilizam a

produção,

organização,

armazenamento

e

disseminação

da

informação, dentro e fora dos órgãos públicos. Elas permitem que informações produzidas por diversas instituições governamentais sejam amplamente e rapidamente divulgadas. Esta nova situação tem afetado todos os níveis de governo, inclusive o municipal, fazendo que sejam mais participativos, envolvidos e preocupados em traçar políticas voltadas para permitir o acesso às informações que produzem, captam ou armazenam. Há crescente reconhecimento de que o livre acesso à informação pública é um direito do cidadão, cabendo aos governos desenvolver ações para assegurá-lo. Este trabalho analisa o uso de websites de câmaras e prefeituras de municípios brasileiros com 20 mil ou mais habitantes e os que, mesmo tendo populações menores, foram incluídos na obrigatoriedade de terem planos diretores de desenvolvimento. Ele tem como objetivo verificar se os governos municipais – prefeituras e câmaras de vereadores - estão utilizando este recurso tecnológico

para

disponibilizar

aos

cidadãos

seus

planos

diretores.

A

obrigatoriedade de ter plano diretor e a suposição de que sua disponibilização na Internet é um ato necessário à eficiência e transparência da gestão foram tomados como pressupostos básicos para a investigação dos websites dos municípios. A abordagem do texto é a parte inicial de uma pesquisa que visa conhecer as políticas de informação das prefeituras brasileiras, expressas em seus planos diretores. Todos os planos disponibilizados na Web estão sendo analisados no que diz respeito a: diretrizes e estratégias de uso e acesso de informação pública; e utilização das TICs para transparência e eficiência da gestão e para a participação e exercício da cidadania.


Realizado histórica e eventualmente por iniciativa própria de prefeitos, o planejamento de longo prazo foi incluído na Constituição de 1988, Capítulo II, Da Política Urbana (Brasil, 1988) como obrigação para cidades com mais de 20 mil habitantes. O artigo n. 182 remete a obrigatoriedade para uma lei posterior, que fixa diretrizes gerais e “tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”. A Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001 – auto-denominada Estatuto das Cidades (Brasil, 2001) - além de estabelecer as diretrizes gerais das políticas urbanas dos municípios, oficializou a figura do Plano Diretor. Com determinação de que seja aprovado por lei municipal, ele é estabelecido como “o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana”. Dele devem necessariamente derivar os planos plurianuais, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual do município. De um total de 5.563 (IBGE, 2010), são 1.633 (29,35%) os municípios brasileiros que devem ter planos diretores. Por determinação do Estatuto das Cidades esses planos devem ser elaborados de maneira participativa, por meio de: audiências públicas e debates, com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade; e publicidade de todos os documentos e informações produzidas, aos quais qualquer interessado poderá ter acesso. Em termos conceituais a pesquisa opera na perspectiva teórica da relação entre cidades, cidadania, democracia, informação e comunicação, no contexto da chamada Sociedade da Informação. O texto compreende primeiramente um referencial teórico sobre: cidadania, democracia, Internet e governo eletrônico; e uma análise dos portais dos municípios que estão obrigados a ter planos diretores, com especial atenção para a disponibilização neles dos planos diretores municipais. Argüi-se que se os portais dos poderes públicos municipais atendem às necessidades básicas de informação dos munícipes e se o plano diretor é, como define a Constituição Federal, “o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana” esses portais devem necessariamente disponibilizar esses planos para conhecimento dos cidadãos.


Os resultados obtidos na coleta de dados são apresentados em quadros e discutidos em cada um dos aspectos considerados relevantes. As bases contextuais e conceituais a seguir postas, sobre as quais se desenvolveu a pesquisa, buscam expor as balizas que delimitam o trabalho, no intuito de assegurar a objetividade da investigação e a acuidade de seus resultados.

CIDADANIA, DEMOCRACIA E INFORMAÇÃO

A democracia não se caracteriza somente pelo fato de todos os cidadãos serem considerados iguais perante a lei, mas também por que a eles é dado o direito de participar do processo político do seu país. A participação pode ocorrer através do voto, para a eleição dos representantes, e ao longo da gestão destes, para assegurar que os díspares interesses da população sejam adequadamente equacionados. Há dois princípios básicos nos quais se assenta a democracia: (1) igualdade potencial de todos os membros individuais da sociedade; (2) possibilidade objetiva de inclusão de todos os membros nos processos sociais, ainda que tenham, circunstancialmente, possibilidades desiguais de participação nesses processos. A democracia não pode nem deve impedir que indivíduos de maior talento tenham melhor desempenho nos vários setores da sociedade. Mas deve impedir que se conceda a alguns um status inicial mais favorável que a outros, sob a forma, por exemplo, de ausência de condições básicas de competição, como saúde e educação. Quanto ao primeiro princípio – o de igualdade potencial de todos os membros individuais da sociedade - sua base está em que a democracia tem como postulado fundamental a afirmação da igualdade essencial de todos os seres humanos, sendo recusada a divisão da humanidade em seres superiores e inferiores. Nem sempre foi assim, contudo. As crescentes conquistas das camadas sociais proclamadas inferiores – e o desenvolvimento econômico, científico e tecnológico – alteraram estruturalmente a sociedade humana e trouxeram o regime democrático, com este primeiro princípio fundamental. O segundo princípio – o de inclusão de todos os membros nos processos sociais básicos - se traduz na afirmação da democracia como o sistema que se


realiza plenamente apenas quando todos os indivíduos podem alcançar a situação de serem centros de influência nos processos decisórios da sociedade. A vontade social, portanto, é a expressão do contributo de cada um, na medida de seu querer, capacidade, preparo, domínio dos meios necessários e disposição de participar em sua construção. Ela não pode ser determinada por uma classe social, ou camadas privilegiadas da sociedade, a partir da compreensão e das vontades individuais dos que compõem aquela classe ou aquelas camadas sociais. Bobbio observa que a ampliação da democracia na sociedade ocorre, sobretudo, por meio de sua extensão a espaços outros que não o político. “Conquistado o direito à participação política, o cidadão das democracias mais avançadas percebeu que a esfera política está, por sua vez, incluída numa esfera muito mais ampla, a esfera da sociedade em seu conjunto, e que não existe decisão política que não esteja condicionada, ou inclusive determinada, por aquilo que acontece na sociedade civil” (1995, p. 137). Isto leva ao conceito de cidadania, que, segundo Dahlgren (1995, p. 136), citando Marshall, se expressa em três dimensões: civil, política e social. A dimensão civil tem a ver com os direitos legais que protegem a liberdade individual; a dimensão política significa o direito do indivíduo participar da política e do exercício do poder político, expresso no direito de reunião, de livre associação, de liberdade de expressão; e a dimensão social é o direito à segurança econômica e ao bem-estar. Cidadão, portanto, é aquele indivíduo que pode exercitar estas três dimensões na comunidade em que vive. A visão que tende a se tornar predominante é a de que a sociedade deve necessariamente ter as pessoas no seu centro, aí compreendidos os direitos e necessidades fundamentais do cidadão e da humanidade. As metas da sociedade devem estar baseadas no princípio de justiça social, política e econômica. Neste sentido, a participação de cidadãos ativos e informados é a chave para a construção de uma sociedade democrática. De acordo com Araújo (1999, p. 155), a informação é um elemento de fundamental importância, pois permite aos indivíduos, em seu meio social, tomarem conhecimento dos seus direitos e deveres e a partir desse conhecimento decidirem sobre suas vidas. É possível afirmar também que o não acesso à


informação, o acesso reduzido ou o acesso a informações não confiáveis impede ou dificulta o exercício da cidadania. O acesso à informação, portanto, se coloca como um direito de valor similar aos dos demais direitos do cidadão, como saúde, educação ou moradia. Os recentes desenvolvimentos das tecnologias de informação e comunicação (TICs), especificamente a convergência entre microeletrônica, informática e telecomunicações, provocaram mudanças estruturais nas mais diversas áreas, e um aumento extraordinário na quantidade de informações disponíveis para todos os tipos de uso. A Internet – principal fruto dessa convergência - oferece oportunidades sem precedentes, pois é, ao mesmo tempo, expressão e portal de um “novo mundo” e de novas formas de relacionamento. Esta nova realidade consolidou o princípio de que todo cidadão tem direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou coletivo. Além disso, o Estado – que é um grande produtor de informação de interesse dos cidadãos – tem obrigação de formular diretrizes e políticas, desenvolver atividades e projetos relacionados à gestão e disponibilização dessas informações para a população. E mais: dado que o acesso e uso de informações públicas contribuem para o desenvolvimento social e o exercício da cidadania, cabe aos governos fornecer informação precisa e de fácil acesso ao cidadão. Uma melhor interação informacional entre o Estado e os indivíduos repercute na ampliação e maior qualificação dos direitos destes últimos, além de aumentar a eficiência dos serviços governamentais.

INTERNET E GOVERNO ELETRÔNICO: ASPECTOS CONCEITUAIS

O crescente uso das tecnologias de informação e comunicação tem sido estimulado pela busca de realização pessoal de cada ser humano e também pelos ideais de democratização dos processos sociais, maior transparência dos governos e conscientização da população quanto à sua responsabilidade na administração dos serviços públicos da sua cidade, do seu estado, do seu país. Há um grande número de informações relacionadas ao cotidiano dos indivíduos, hoje disponíveis na Internet, que facilitam a interação entre o cidadão e o governo. Exemplos disso são: horários de ônibus interurbanos, disponibilidade


de vagas em escolas públicas, agendamentos diversos, inclusive marcação de consultas na área de saúde, emissão de certidões e outros documentos públicos, declaração de imposto de renda on-line, propostas e planos em apreciação ou já aprovados pelos poderes executivo e legislativo, legislações, normas etc. O uso da Internet pelos governos, como ferramenta de publicidade, transparência de seus atos e disponibilização de serviços é um fato desde a década de 1990. A partir de então informações e serviços públicos têm crescentemente migrado para o meio virtual. A visibilidade e a operacionalização disto acontecem por meio dos chamados portais, com os quais o Estado procura se aproximar dos cidadãos e ser por eles percebido. A disseminação de portais de governo se deveu, em parte, à crescente exigência dos cidadãos por maior transparência no exercício do poder público, o que pressiona os governos para abrirem seus sistemas e bancos de informação ao acesso universal. Os portais de governo são, pelo menos em tese, locais de interação entre os governantes e os cidadãos, criando um ambiente coletivo de diálogo e decisão. Ao estimular maior interação e transparência entre sociedade e governo os portais ampliam o espaço para o exercício da cidadania e da prática democrática. Na verdade, os governos estão hoje diante de possibilidades e desafios para

buscar

eficiência

e

transparência

por

meio

da

incorporação

de

representações da sociedade civil em seus processos decisórios (Teixeira, 2004, p. 14). Se a população participa do processo decisório, a conseqüência esperada é que a gestão seja mais eficiente. A eficiência, por seu turno, além de economia de custos e aumento de eficácia administrativa e operacional, facilita e estimula a transparência de gestão. Quando um governo expõe suas ações e presta contas, submete-se à avaliação da população e se distancia de uma forma autoritária de governo. O diálogo constante e direto com a população permite-lhe detectar falhas da gestão e corrigi-las, assim como obter resposta rápida sobre aceitação ou recusa de novos programas e projetos. Num governo autoritário, ao contrário, as decisões e informações são mantidas sob sigilo, ficando os cidadãos à margem do processo decisório. A transparência nas decisões confere ao governo maior credibilidade e inibe a corrupção, pois “quanto maior for à quantidade de informação disponível


abertamente pelo governo e sobre o governo, menor será a possibilidade de se conseguir ocultar atos ilegais, corrupção e má administração” (Uhlir, 2006). A transparência, portanto, estimula a democratização, dando a todos a possibilidade de conhecer, criticar e opinar sobre as ações do governo, otimizando-o e evitando que seja autoritário. A condição primordial para uma gestão democrática é que informações relevantes que envolvem o governo possam ser acessadas facilmente e de forma compreensível pelos cidadãos. A Constituição de 1988, no artigo 216, § 2º, assegura ao cidadão o direito de acesso a essas informações e designa a administração pública como responsável por garantir esse acesso: “cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem”. O governo, por conseguinte, deve ser transparente, isto é: publicar informações e promover o fácil acesso a elas; buscar convencer os cidadãos da importância de ter conhecimento das suas ações, que devem estar de acordo com as necessidades e aspirações da população; ouvir e levar em consideração as insatisfações e críticas; submeter-se à avaliação constante, a fim de verificar o nível de satisfação dos cidadãos em relação à gestão. A transparência e a eficiência da gestão pública vêm se beneficiando, nos últimos anos, da crescente aplicação de tecnologias de informação e comunicação (TICs), especialmente da Internet, por vários segmentos de governo. É significativa a presença na Web de informações sobre ações de governo, prestação de contas de gastos e investimentos, oferta de serviços online, dentre outras aplicações. Sorj afirma que o uso da Internet contribui para a reforma e democratização do Estado, destacando-se entre seus benefícios a “redução da corrupção, da apropriação privada dos bens públicos e o enorme desperdício e ineficiência aos quais o estado e o funcionalismo publico estiveram associados” (Sorj, 2003, p. 88). Em suma, só é possível participar daquilo que se conhece. O cidadão que desconhece as ações e as informações governamentais não tem instrumentos para interferir na gestão pública, ainda que lhe seja dada a oportunidade. O governo que não promove o acesso nem põe em debate público suas ações e informações está dificultando o exercício da democracia. Uhlir (2006, p. 37) afirma


que: “A maximização do fluxo aberto e irrestrito de informação entre o governo e o público é um aspecto fundamental para uma sociedade democrática e para a promoção de uma boa governança”. Pode-se mesmo afirmar que o nível de democratização de um Estado é proporcionalmente direto ao nível de transparência do seu governo. Ou, como diz Jardim (1999, p. 49), “[...] maior o acesso à informação governamental, mais democráticas as relações entre o Estado e sociedade civil”. MÉTODO

No que se refere à metodologia, a primeira etapa da pesquisa foi a consulta ao Ministério das Cidades visando conhecer os municípios enquadrados na obrigação de ter plano diretor (Brasil, Ministério das Cidades, 2005). A segunda compreendeu a construção de um instrumento de coleta de dados e o desenvolvimento de um banco de dados on-line, para permitir o trabalho concomitante de mais de um pesquisador. A terceira foi a localização dos websites das prefeituras e câmaras de vereadores dos 1.633 municípios constantes do universo da pesquisa. Isto foi feito por meio das ferramentas de busca disponíveis na Internet. Na quarta etapa foram copiados e colados os websites localizados, separados por agente emissor (Prefeitura e Câmara de Vereadores), município e Região. Na quinta eles foram analisados visando verificar se neles estavam disponibilizados os planos diretores dos municípios. Na sexta e última etapa foram feitas a tabulação, análise final e interpretação dos dados. RESULTADOS

Os dados revelam que as regiões com maior numero de municípios são a Nordeste e a Sudeste (Quadro I). No caso da Nordeste explica-se pelo número de Estados que a compõem (nove), mas a região Sudeste, com apenas quatro Estados, mostra-se mais subdividida: a primeira tem 1.793 municípios e a segunda tem 1.668, o que dá uma média, para a primeira de 199 municípios por Estado, e para a segunda, 417.


Fazendo-se a relação entre o número de municípios existentes e o numero de municípios obrigados a ter plano diretor, observa-se que a região menos subdividida – Norte – é a que apresenta o maior percentual de municípios obrigados a ter o plano: dos 449 existentes, 149 (33,18%) têm esta obrigação. Também neste aspecto a região Sudeste fica em segundo lugar: dos seus 1.668 municípios 527 (31,6%) estão obrigados a ter o plano. A situação desta região é peculiar porque é a que concentra maior riqueza dentro do país. Esta concentração certamente explica porque, mesmo tendo uma grande quantidade de municípios, boa parte deles tem mais de 20 mil habitantes ou são parte de sub-regiões com projetos integrados de desenvolvimento. A região que apresenta menor percentual é a Centro-Oeste: 21,5%. Quando se toma os Estados, independentemente da região a que pertencem, Minas Gerais (853), São Paulo (645), Rio Grande do Sul (496), Bahia (417) e Paraná (399) destacam-se dos demais em quantidade de municípios existentes. Mas quando se toma os dados relativos aos municípios que têm obrigação de ter plano diretor, nenhum desses Estados se destaca. Os que o fazem, isto é, os que têm percentual maior – acima de 50% - de municípios obrigados a ter plano diretor, são: Rio de Janeiro, com 64,13% (59 dos 92 municípios existentes); Pará, com 59,44% (85 dos 143 existentes); e Pernambuco, com 50,81% (94 dos 185 existentes). Chama a atenção, inclusive, o fato de em São Paulo e Minas Gerais, que têm o maior numero de municípios, serem tão poucos os que estão obrigados a ter plano diretor: 38,6% no primeiro e apenas 21,7% no segundo. A riqueza que pode explicar o alto percentual da região Sudeste como um todo, neste aspecto aplica-se aqui apenas ao Rio de Janeiro.

Quadro 01 - Municípios obrigados a ter Plano Diretor, por Região e por Estado

Regiões

Estados

Norte

Amapá Amazonas Acre Roraima Rondônia

Municípios Existentes 16 62 22 15 52

Municípios obrigados a ter Plano Diretor 03 (18,75%) 28 (45,16%) 05 (22,73%) 01 (06,67%) 17 (32,70%)


Tocantins Pará 7 Alagoas Bahia Ceará Maranhão Nordeste Paraíba Pernambuco Piauí R. G. do Norte Sergipe 9 Mato Grosso CentroMato G. do Sul Oeste Goiás 3 Minas Gerais São Paulo Sudeste R. de Janeiro Espírito Santo 4 Santa Catarina Sul Paraná R. Grande do Sul 3 Total

139 143 449 102 417 184 217 223 185 223 167 75 1.793 141 78 246 465 853 645 92 78 1.668 293 399 496 1.188 5.563

10 (07,20%) 85 (59,44%) 149 (33,18%) 44 (43,14%) 124 (29,74%) 87 (47,30%) 76 (35,02%) 30 (13,45%) 94 (50,81%) 29 (13,00%) 23 (13,80%) 21 (28,00%) 528 (29,44%) 21 (14,90%) 21 (27,00%) 58 (23,58%) 100 (21,50%) 187 (21,70%) 249 (38,60%) 59 (64,13%) 32 (41,02%) 527 (31,60%) 113 (38,57%) 95 (23,81%) 121 (24,40%) 329 (27,70%) 1633 (29,35%)

Fonte: trabalho de campo, 2010; IBGE.

USO DE WEBSITES

No que se refere à existência de websites, dos 1.633 municípios 1.339 dispõem deles (Quadro 02). Analisados por região, os dados mostram destaque para Sudeste e Sul, nas quais 96% dos municípios possuem website da Prefeitura, ou da Câmara de Vereadores, ou de ambas. Seguem-se: a região Centro-Oeste, com 85%; Nordeste, com 67%; e, em último lugar, a região Norte, com 54%. O número de municípios onde somente as prefeituras têm website é muito superior ao daqueles onde apenas as Câmaras de Vereadores os têm: 525


(32%), contra 46 (3%). O fato se repete em todas as regiões, sendo mais acentuado no Nordeste (43% contra 4%), Sul (34% contra 0,3%) e Norte (37% contra 4%). É evidente, portanto, a maior exposição das Prefeituras na Web, seja por haver uma política para este fim, seja pela pouca autonomia que têm as Câmaras, com relação às prefeituras, na maioria dos municípios brasileiros. As regiões Sudeste e Sul se destacam das demais tanto pelo número de municípios que disponibilizam websites, ambas com 96% (504 municípios no Sudeste e 316 no Sul), quanto pela quantidade de websites localizados: 897 e 518, respectivamente. Isto mostra alta freqüência de municípios, em ambas as regiões, com website tanto da Prefeitura quanto da Câmara de Vereadores: 391 (74%) no Sudeste e 202 (61%) no Sul. Neste item as regiões que apresentam pior resultado são o Nordeste, onde apenas 20% dos municípios têm dois websites, e o Norte, ainda pior, onde apenas 13% os têm. Dos 2.109 websites encontrados e visitados 1.294 são de Prefeituras e 815 são de Câmaras de Vereadores. O que confirma estarem as prefeituras investindo mais na disponibilização de informações e serviços na Web. Isto fica mais evidente nas regiões Norte (dos 99 websites localizados 75% pertencem às prefeituras) e Nordeste (dos 459 websites encontrados 72% pertencem às prefeituras). O Sudeste é a região em que há relativo equilíbrio entre dois agentes emissores: dos 897 websites localizados nessa região, 55% pertencem às prefeituras e 45% às câmaras. Destaque-se que em alguns Estados todos os municípios obrigados a ter plano diretor têm website, seja na Prefeitura, seja na Câmara. Este é o caso de Acre, Roraima, Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rio de janeiro. De outro lado, há Estados em que mais de 50% dos municípios com obrigação de ter plano não têm website nem na Prefeitura nem na Câmara. Estão neste caso Amapá, Amazonas e Pará, na Região Norte, e, excetuando o Maranhão e o Piauí, os demais Estados do Nordeste.

Quadro 02 – Municípios com Websites, por Região, Estado e Agente Emissor


Regiões

Estados Municípios obrigados a ter o

Agentes Emissores dos Websites localizados

Município Municípios que s que não

possuem

Prefeitura Câmara Prefeitura e possuem

Websites

Plano

Câmara

websites

Diretor

Norte

Amapá

3

1

0

0

2

01 (33,3%)

Amazonas

28

8

0

3

17

11 (39,3%)

Acre

5

1

1

3

0

05 (100,0%)

Roraima

1

1

0

0

0

01 (100,0%)

Rondônia

17

10

3

4

0

17 (100,0%)

Tocantins

10

3

0

3

4

06 (60,0%)

Pará

85

31

2

6

46

39 (46,0%)

TOTAL

149

55 (37%)

6 (4%)

19 (13%)

69 (46%)

80 (54,0%)

Nordest

Alagoas

44

18

1

4

23

21 (48,0%)

e

Bahia

125

52

7

33

92

33 (26,0%)

Ceará

87

46

3

23

72

15 (17,0%)

Maranhão

76

23

2

3

28

48 (63,0%)

Paraíba

30

14

4

6

24

06 (20,0%)

Pernambuc

94

43

3

19

65

29 (30,0%)

Piauí

29

9

0

4

13

16 (55,0%)

Rio Grande

23

14

1

4

19

04 (17,0%)

Sergipe

20

8

1

9

18

02 (10,0%)

TOTAL

528

Centro-

Mato

21

4

0

17

0

21 (100,0%)

Oeste

Grosso 21

9

0

12

0

21 (100,0%)

Goiás

58

18

3

22

15

43 (74,1%)

TOTAL

100

31 (31%)

3 (3%)

51 (51%)

15 (15%)

85 (85,0%)

Minas

187

51

10

106

20

167 (90,0%)

São Paulo

249

24

1

223

1

248 (99,6%)

R. Janeiro

59

17

0

42

0

59 (100,0%)

E. Santo

32

7

3

20

2

30 (93,7%)

o

do Norte

Mato

227 (43%) 22 (4%) 105 (20%) 354 (67%)

174 (33,0%)

Grosso do Sul

Sudeste

Gerais


TOTAL

527

99 (19%)

Santa

113

47

0

Paraná

95

38

Rio Grande

121

28

Sul

14 (3%) 391 (74%)

23 (4%)

504 (96,0%)

62

4

109 (96,5%)

1

51

5

90 (95,0%)

0

89

4

117 (96,7%)

13 (4%)

316 (96,0%)

Catarina

do Sul TOTAL Total

329

113 (34%) 1 (0,3%) 202 (61%)

1633

525 (32%) 46 (3%) 768 (47%) 294 (18%)

1339 (82,0%)

Fonte: trabalho de campo, 2010

Considerando-se os dois totais - o ideal (número de municípios multiplicado por dois, isto é, um website da Prefeitura e outro da Câmara) e o efetivamente encontrado – as regiões se apresentam assim: Norte, que deveria ter 298 websites, tem 99 (33,22%); Nordeste, que deveria ter 1.056, tem 459 (43,46%); Centro-Oeste, que deveria ter 200, tem 136 (68%); Sudeste, que deveria ter 1.054, tem 897 (85,1%); e Sul, que deveria ter 658, tem 518 (78,72%). Em suma, dos 3.266 websites idealmente previstos, foram encontrados apenas 2.109 (57,52%). Apenas Norte e Nordeste ficam abaixo dos cinqüenta por cento, destacando-se positivamente o Sudeste, que alcançou o índice mais significativo. Os destaques positivos entre os Estados, em cada Região, são: São Paulo, no Sudeste (94,97%); Mato Grosso, no Centro Oeste (90,47%); Rio Grande do Sul, no Sul (85,12%); Acre, no Norte (80%); e Sergipe, Nordeste (67,5%). Os destaques negativos são: Paraná, no Sul (74,21%); Minas Gerais, no Sudeste (73,78%); Goiás, no Centro Oeste (56,03%); Maranhão, no Nordeste (29,39%); e, o pior de todos, Amapá, no Norte (16,66%). Quadro 03 - Websites localizados e visitados por Região, Estado e Agente Emissor Município Agentes Emissores

Região

Estados

s

dos Websites

obrigado

encontrados

s a ter Plano

Prefeitura Câmara

Número

Somatório de

ideal de

Websites

websites

localizados

Diretor Norte

Amapá

3

1

0

6

01 (16,66%)

Amazonas

28

11

3

56

14 (25,00%)


Nordeste

Acre

5

4

4

10

08 (80,00%)

Roraima

1

1

0

2

01 (50,00%)

Rondônia

17

14

7

34

21 (61,76%)

Tocantins

10

6

3

20

09 (45,00%)

Pará

85

37

8

170

45 (24,47%)

TOTAL

149

74

25

298

99 (33,22%)

Alagoas

44

22

5

88

27 (30,68%)

Bahia

125

85

40

250

125 (50,00%)

Ceará

87

69

26

174

95 (54,59%)

Maranhão

76

26

5

152

31 (20,39%)

Paraíba

30

20

10

60

30 (50,00%)

Pernambuco

94

62

22

188

84 (44,68%)

Piauí

29

13

4

58

17 (29,31%)

23

18

5

46

23 (50,00%)

Sergipe

20

17

10

40

27 (67,5%)

TOTAL

528

332

127

1.056

459 (43,46%)

Mato Grosso

21

21

17

42

38 (90,47%)

21

21

12

42

33 (78,57%)

Goiás

58

40

25

116

65 (56,03%)

TOTAL

100

82

54

200

136 (68,00%)

Minas Gerais

185

157

116

370

273 (73,78%)

São Paulo

249

248

225

498

473 (94,97%)

59

59

42

118

101 (85,59%)

32

27

23

64

50 (78,12%)

527

491

406

1.054

897 (85,1%)

113

109

62

226

171 (75,66%)

95

89

52

190

141 (74,21%)

121

117

89

242

206 (85,12%)

Rio Grande do Norte

Centro-

Mato Grosso

Oeste

do Sul

Sudeste

Rio de Janeiro Espírito Santo TOTAL Santa Catarina

Sul

Paraná Rio Grande do Sul


TOTAL Total

329

315

203

658

518 (78,72%)

1633

1294

815

3.666

2.109 (57,52%)

Fonte: trabalho de campo, 2010

DISPONIBILIZAÇÃO DOS PLANOS DIRETORES NOS WEBSITES

Tomados os municípios por Região, observa-se que no Norte (sete Estados e 449 municípios), dos 149 obrigados a ter plano diretor, apenas 16 (11%) o disponibilizam em website, sendo 13 nos das prefeituras e três nos das Câmaras de Vereadores. A Região mostra um caso no limite negativo, o Amapá, onde nenhum plano foi localizado na Web. No Pará, dos 85 municípios obrigados a ter o plano apenas quatro (4,7% do total) o disponibilizam na Web. Outro caso extremo nesta região é Roraima, onde o único município obrigado a ter plano, o disponibiliza no website da Prefeitura. O Nordeste possui nove estados e cerca de 1.793 municípios, dos quais 528, são obrigados a ter plano diretor. Contudo, apenas 25 destes últimos (5%) o disponibilizam na Web, sendo 14 em websites das prefeituras, nove nos das câmaras e dois em ambos. Também nesta Região há um caso no limite negativo, Alagoas, onde nenhum plano foi localizado, apesar de 44 de seus municípios serem obrigados a tê-lo, dos quais 21 possuem websites. No Ceará, Maranhão e Paraíba, com, respectivamente, 87, 76 e 30 municípios obrigados a ter plano diretor, apenas um plano foi localizado em cada. O caso do Ceará é mais grave porque 72 dos seus 87 municípios incluídos na obrigatoriedade do plano têm website, sendo que em 23 deles os há tanto de prefeituras quanto de câmaras, mas o plano diretor está ausente de todos. Na região Centro-Oeste, com três estados e 465 municípios, apenas 100 são obrigados a ter plano diretor. Foram localizados 31 (31%) planos, sendo 17 disponíveis nos websites de prefeituras, seis de câmaras e oito nos de ambas. Dentre os estados desta Região Mato Grosso se destaca com 42,8% dos planos localizados. Em Mato Grosso do Sul foram encontrados 33,3%, ficando Goiás com o menor percentual, 25,8%, em último lugar. O Sudeste possui quatro estados e 1.668 municípios, 527 dos quais são obrigados a ter Plano Diretor. Nela foi encontrado um percentual de 43% de


municípios com planos disponibilizados na Web. Em números absolutos isto significa 227 planos, 101 disponíveis em websites das prefeituras, 69 nos de câmaras e 57 nos de ambas. São Paulo e Espírito Santo são os estados que apresentam melhor resultado, com mais de 50% dos seus municípios disponibilizando

seus

planos

nos

websites

governamentais.

Minas,

surpreendentemente, apresenta um percentual muito baixo – 17,29% - vez que dos seus 185 municípios com obrigação de ter plano apenas 32 os disponibilizam na Web. A região Sul, por fim, com três estados e 1.188 municípios, tem um baixo índice de municípios obrigados a ter plano diretor: apenas 329. Deste total, 162 (49,2%, praticamente a metade) disponibilizam seus planos diretores na Web, sendo 98 em websites de prefeituras, 29 nos de câmaras e 35 nos de ambas as instituições. Comparada com as outras, a região Sul é a mais equilibrada, não havendo grande diferença entre os percentuais dos seus estados, com relação aos planos localizados. O destaque da região é o Rio Grande do Sul, o único estado onde mais de 50% dos municípios disponibilizam os planos em websites governamentais. Quadro 04 – Localização dos Planos Diretores nos Websites, Região, Estado e Agente Emissor

Região

Norte

Nordeste

Municípios

Planos

Agentes Emissores dos Planos

obrigados a

Diretores

Diretores

ter Plano

localizados

Diretor

nos websites

Amapá

3

0 (0,0%)

0

0

0

Amazonas

28

3 (11,0%)

3

0

0

Acre

5

2 (40,0%)

2

0

0

Roraima

1

1 (100,0%)

1

0

0

Rondônia

17

4 (23,5%)

3

0

1

Tocantins

10

2 (20,0%)

0

0

2

Pará

85

4 (4,7%)

4

0

0

TOTAL

149

16 (11,0%)

13

0

3

Alagoas

44

0 (0,0%)

0

0

0

Bahia

125

7 (5,6%)

3

3

1

Ceará

87

1 (1,1%)

1

0

0

Estados

Prefeitura Câmara

Prefeitura e Câmara


Maranhão

76

1 (1,3%)

0

1

0

Paraíba

30

1 (3,3%)

1

0

0

94

4 (4,2%)

2

2

0

Piauí

29

3 (10,3%)

2

1

0

R. G. Norte

23

5 21,7%)

5

0

0

Sergipe

20

3 (15,0%)

0

2

1

TOTAL

528

25 (5,0%)

14

9

2

M. Grosso

21

9 (42,8%)

5

2

2

21

7 (33,3%)

5

1

1

Goiás

58

15 (25,8%)

7

3

5

TOTAL

100

31 (31,0%)

17

6

8

M. Gerais

185

32 (17,3%)

17

13

2

S. Paulo

249

151 (60,6%)

57

44

50

R.Janeiro

59

25 (42,4%)

14

8

3

E. Santo

32

19 (59,4%)

13

4

2

TOTAL

527

227 (43,0%)

101

69

57

S. Catarina

113

49 (43,4%)

34

5

10

Paraná

95

47 (49,5%)

31

7

9

R. G. Sul

121

66 (54,5%)

33

17

16

TOTAL

329

162 (49,0%)

98

29

35

1.633

461 (28,0%)

243

113

105

Pernambuc o

Centro-

M.G. do

Oeste

Sul

Sudeste

Sul

Total

Fonte: trabalho de campo, 2010

Sumarizando os resultados temos que: 1. Em termos relativos à região Norte é a que tem maior percentual de municípios obrigados a ter plano diretor, acima, inclusive, da média nacional, que foi de 29,35 por cento. Ela teve 33,18%, ao passo que a região Sudeste teve 31,6%; a região Nordeste 29,44%; a região Sul 29,35%; e a Centro-Oeste 21,5%. Contudo, no que se refere à disponibilização do plano diretor apenas 16 (11%) dos 149 que estão obrigados a tê-lo o disponibilizam. 2. O Nordeste, por seu turno, tem dois destaques, um positivo e outro negativo: em números absolutos é a região com maior número de


municípios obrigados a ter plano diretor. Quando se verifica a disponibilização dos planos nos websites, contudo, ela tem o menor percentual dentre as regiões: 5%, equivalente a apenas 25 dos 528 obrigados a ter plano. 3, A região Sudeste tem um destaque: em números relativos é a que tem maior percentual de municípios com websites tanto na Câmara quanto na Prefeitura. 74% contra 61% da região Sul; 51% da região Centro-Oeste; 20% da região Nordeste; e apenas 13% da região Norte. 4. A região Sul se destaca, junto com a região Sudeste, como as que têm os maiores percentuais de municípios que possuem website, ambas com 96%. As demais regiões têm: Centro-Oeste 85%; Nordeste 67%; e Norte 54%. Mas o Sul se destaca sozinho por ser a região com o maior percentual de planos localizados: 49% dos seus municípios têm seus planos diretores disponibilizados nos websites das prefeituras e câmaras de vereadores.

CONCLUSÕES

De modo geral verificou-se que as prefeituras investem mais na criação e disponibilização de informações e serviços na Web do que as Câmaras de Vereadores. Os dados mostram também grande disparidade entre as regiões e os estados brasileiros, tanto em termos de uso da Web pelas municipalidades, quanto no que diz respeito à transparência do planejamento estratégico dos municípios. Na região Norte 149 municípios são obrigados a ter plano diretor, mas só 16 deles (11%) o disponibilizam na Web, para consulta e acompanhamento pela população. No Nordeste, dos 528 municípios obrigados a ter plano, apenas 25 (5%) o disponibilizam em websites governamentais. O Centro-Oeste, com 100 municípios obrigados a ter plano, embora não tenha índice tão baixo quanto as duas primeiras regiões, alcança apenas 31% no número de municípios que disponibilizam seus planos na Web. No outro extremo estão as regiões Sudeste e Sul: na primeira, dos 527 municípios que devem ter plano diretor, 227 (43%) o disponibilizam; e na segunda, dos 329 municípios enquadrados no universo da pesquisa, 162 (49%) têm seus planos em seus websites.


Embora comparativamente as regiões Sudeste e Sul se destaquem, devese observar que, em ambas, mais de 50% dos municípios que têm obrigação de ter plano diretor continuam sem disponibilizá-los na Web. Isto apesar de possuírem, respectivamente, 897 e 518 websites de suas prefeituras e câmaras de vereadores. Em suma, dos 1.633 municípios estudados, apenas 461 (28%), disponibilizam seus planos diretores para consulta e acompanhamento do público. Levando em conta que 1.339 (82%) deles têm, em conjunto, 2.109 websites (somatório dos de prefeituras com os de câmaras de vereadores), conclui-se que é parco o compromisso de transparência dos governos municipais, no que diz respeito ao seu planejamento estratégico. O uso de websites para isto, decorrência natural de tê-los, mostra-se, absolutamente insuficiente, denotando, na melhor das hipóteses, desconhecimento do seu potencial para informar e estimular os cidadãos à participação no processo de gestão do município. Destaque-se que tanto a Constituição quanto o Estatuto das Cidades determinam que seja assegurada participação plena dos cidadãos desde a elaboração do plano, tendo como pressuposto a mais ampla divulgação de informações a respeito dos seus trâmites, processos e propostas de conteúdo. As evidências levam à conclusão de que o e-governo, embora possa consagrar alguma transparência entre governo e sociedade, não está ampliando o espaço para a participação social no debate político da gestão pública. O que não estimula interação entre povo e governo, nem intensifica o exercício da cidadania e da prática democrática. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAÚJO, Eliany Alvarenga de. Informação, sociedade e cidadania: gestão da informação no contexto de organizações não-governamentais (ONGs) brasileiras. Ciência da Informação, Brasília, v. 29, n. 2, p. 155-167, mai./ago. 1999. BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade. 4a. ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasil, DF: Senado, 1988. BRASIL. Ministério das Cidades. Plano Diretor Participativo. Brasília: Ministério das Cidades, dez 2005, 92 p.


BRASIL. Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: <http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/2001/10257.htm>. Acesso em: 03 out. 2007. DAHLGREN, Peter. Television and the Public Sphere. Londres: Sage Publications, 1995. IBGE. Perfil dos municípios brasileiros 2009: pesquisa de informações básicas municipais. Rio de Janeiro, 2010. Disponível: < http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/perfilmunic/2009/munic2009.pdf> Acesso: 24 de abril de 2010. JARDIM, José Maria. Transparência e opacidade do estado no Brasil: usos de desusos da informação governamental. Niterói: EDUFF, 1999. SORJ, Bernardo. Brasil@povo.com: a luta contra a desigualdade na Sociedade da Informação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; Brasília: Unesco, 2003. TEIXEIRA, Alberto. O uso das novas tecnologias de informação e comunicação (TIC) e a transparência na gestão pública municipal no Ceará. Fortaleza: Fundação Konrad Adenauer, 2004. UHLIR, Paul F. Diretrizes políticas para o desenvolvimento e a promoção da informação governamental de domínio público. 2006. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001373/137363POR.pdf>. Acesso em: 29 maio 2006. i

Mestre em Ciências Sociais (USP), PhD em Comunicação (University of Westminster, Londres), Professor Titular do ICI/UFBA, Pesquisador 1-B/CNPq. ii Graduada em Arquivologia (UFBA), bolsista de Apoio Técnico de Nível Superior - ATNS/CNPq. iii Graduanda em Arquivologia (UFBA), bolsista de Iniciação Científica - IC/CNPq.


MARIA... MARIA(S): UMA LEITURA INFANTIL DE GÊNERO A PARTIR DA MUSICALIDADE DE MILTON NASCIMENTO Alberto Carlos de Souza Mestrando do Programa de Pós- graduação em História – UNIVERSO Acsouza71@bol.com.br Mary Del Priore Professora do Programa de Pós-Graduação em História – UNIVERSO / Membro do IHGB. marydelpriore@terra.com.br Túlio Alberto Martins de Figueiredo Professor do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva – UFES. tulioamf@bol.com.br

Resumo Oficina de gênero realizada com 27 crianças de nove anos de idade, estudantes de uma escola pública municipal de Vitória – ES, e que teve como propósito celebrar o Dia Internacional da Mulher, em 8 de março. Toda a produção estética dessa oficina girou em torno da música “Maria, Maria”, de autoria de Milton Nascimento e Fernando Brant (1978) e constou de canto coral e elaboração de pictografias femininas (desenho com massa de modelar), a partir da questão norteadora: “Quem é essa mulher, de quem tanto fala a música?” Maria foi representada pelas crianças principalmente como figura parental (mãe, avó), trabalhadora (cantora, feirante, lavadeira e professora) ou ente religioso (santa). A oficina culminou com a apresentação de toda a produção estética (canto coral e projeção de imagens) para as mães daquelas crianças. Palavras Chave Gênero; Música Popular Brasileira; Crianças; Educação Artística Resumen Taller de género realizado con 27 niños de nueve años de edad, estudiantes de una escuela pública municipal de Vitória – ES, y que tuvo el propósito de celebrar, el 8 de marzo, el Día Internacional de la Mujer. Toda la producción estética de ese taller giró alrededor de la música “María, María”, de los autores Milton Nascimento y Fernando Brant (1978) y constó de canto coral y elaboración de pictografías femeninas (diseño con masilla de modelar), a partir de la cuestión norteadora: “¿Quién es esa mujer de quién tanto habla la música?” María fue representada por los niños principalmente como figura parental (madre, abuela), trabajadora (cantante, feriante, lavandera y profesora) o ente religioso (santa). El taller culminó con la presentación de toda la producción estética (canto coral y proyección de imágenes) para las madres de aquellos niños.


Palabras Clave 1. Género; 2.Música Popular Brasileña; 3. Niños; 4.Educación Artística Abstract Workshop on gender held with 27 children, 9 -year-old students at a local public school in Vitória - ES, which aimed to celebrate the International Women's Day on 8 March. The whole production aesthetic of this workshop was about the song "Maria, Maria", written by Milton Nascimento and Fernando Brant (1978) and consisted of choral singing and the development of female pictographs (drawing with clay), from the question question: "Who is this woman, who talks so much about the music?" Mary was represented mainly by children and parent figure (mother, grandmother), worker (singer, marketer, laundress, and teacher) or religious entity (holy). The workshop culminated with the presentation of the whole production aesthetic (choral and projection of images) for the mothers of those children. Key words Gender; Brazilian Popular Music; Children; Arts Education

INTRODUÇÃO

Este estudo dá conta de relatar as representações sociais que um grupo de 24 crianças de nove anos de idade, estudantes do 3º Ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Prof. Vercenílio da Silva Pascoal, no Município de Vitória / ES -, têm sobre a mulher. Tal estudo constituiu-se como a primeira parte de um projeto que teve como motivação criar um espaço estético para comemorar, em nossa escola, o Dia Internacional da Mulher, cuja data é reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU), desde 1975, como o dia 8 de março. Esta data em que se comemora o Dia Internacional da Mulher foi marcada há 152 anos por uma tragédia: um incêndio no dia 8 de março de 1857, na cidade de Nova Iorque, que causou a morte de 130 manifestantes, dentre as centenas de mulheres trabalhadoras das fábricas de vestuários e têxteis. Essas mulheres, em greve, protestavam contra os baixos salários, as péssimas condições de trabalho e a jornada estafante de 12 horas diárias de trabalho (BRITO, 2003, p.1).


Sobre este relato, especificamente, tratou-se de um projeto implementado à luz dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) – um documento editado pelo Ministério da Educação e que oferece as balizas para se construir uma referência curricular nacional para o ensino fundamental.

Dentre as suas muitas

recomendações estes parâmetros recomendam aos educadores que [...] as crianças e os jovens deste país desenvolvam suas diferentes capacidades, enfatizando que a apropriação dos conhecimentos socialmente elaborados é a base para a construção da cidadania e da sua identidade, e que todos são capazes de aprender e mostrar que a escola deve proporcionar ambientes de construção dos seus conhecimentos e de desenvolvimento de suas Inteligências com suas múltiplas competências (BRASIL, 1998, p. 10-11).

Tais PCN prescrevem também que os temas sociais urgentes – chamados Temas Transversais -, devam ser desenvolvidos de maneira interdisciplinar no ensino fundamental (BRASIL, 1998). De acordo com os referidos PCN, é necessário que os docentes atuem com a diversidade existente entre os alunos e que com os seus conhecimentos prévios sirvam como fonte de aprendizagem de convívio social e não apenas como um meio de aprendizagem de conteúdos específicos (BRASIL, 1998). Assim posto, entendermos que as questões afeitas às relações de gênero – aqui incluídas a mulher e a sua relação com o trabalho -, constituem um tema social urgente. Como forma de celebrar o Dia Internacional da Mulher na escola, propusemos este projeto interdisciplinar de protagonismo das crianças, deixando emergir suas representações sobre a mulher. Conforme observam Schiele e Boucher (2001), as representações são construções simbólicas que norteiam as atividades. Tais representações são elaboradas coletiva e socialmente pelos atores sociais e servem para os mesmos nomearem, apreenderem e transformarem o seu meio ambiente. Essas representações circulam e transformam-se principalmente por meio das relações de comunicação desenvolvidas entre os atores sociais. Sobre as representações sociais - uma forma de conhecimento prático que se inserem muito bem entre as correntes que estudam o senso comum -, Moscovici (1978, p. 26) as definem como “uma modalidade de conhecimento


particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre os indivíduos”, visto que constituem “um corpus organizado de conhecimentos e uma das atividades psíquicas graças às quais os homens tornam inteligível a realidade física e social, inserem-se num grupo ou numa ligação cotidiana de trocas, liberando os poderes de sua imaginação (Moscovici, 1978, p. 28). Na elaboração do referido projeto, o nosso propósito foi o de deixar emergir as representações que as crianças – enquanto atores sociais cheios de conhecimentos prévios -, tinham sobre as mulheres. Para tal nos apropriamos da música “Maria, Maria”, de autoria de Nascimento e Brant (1978), como ponto de partida da nossa intervenção, por entendermos que esta letra é um hino de amor às mulheres (in)comuns brasileiras, que, assim como aquelas trabalhadoras norte-americanas de 1857, ainda lutam por fazer valer os seus direitos e participam da construção do nosso cotidiano social. Apoiados pela musicalidade da interpretação de “Maria, Maria”, na voz de Milton Nascimento, buscamos através do desenvolvimento da tensão psíquica das crianças, dar visibilidade às representações que as mesmas têm sobre a mulher.

Utilizamos para tal a linguagem estética, compreendida pela sua

dimensão plástica e musical.

Sobre o conceito de tensão psíquica, tão essencial ao processo de criação, Ostrower (1987) observa que, [...] Criar não representa um relaxamento ou um esvaziamento pessoal, nem uma substituição imaginativa da realidade; criar representa uma intensificação do viver, um vivenciar-se no fazer; e, em vez de substituir a realidade, é a realidade; é uma realidade nova que adquire dimensões novas pelo fato de nos articularmos, em nós e perante nós mesmos, em níveis de consciência mais elevados e mais complexos. Somos, nós, a realidade nova. Daí o sentimento do essencial e necessário no criar, o sentimento de um crescimento interior, em que nos ampliamos em nossa abertura para a vida (OSTROWER, 1987, p. 27-28)

O ponto de partida do projeto foi o alcance do seguinte objetivo: conhecer as representações sociais que crianças têm sobre as mulheres, tendo como referência a música “Maria, Maria”, de Milton Nascimento e Fernando Brant.


METODOLOGIA

Tratou-se de uma experimentação estética de caráter plástico, teatral e musical, enquanto intervenção de ensino-aprendizagem interdisciplinar (Arte – Educação Física), em uma escola de ensino fundamental de Vitória. A intervenção teve como cenário a Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Prof. Vercenilio da Silva Pascoal, da Rede Municipal de Educação de Vitória / ES. O universo desta intervenção foi constituído pelos 24 estudantes da turma única do 3º ano do Ensino Fundamental da referida escola.

O trabalho foi realizado através de atividades de laboratório e constou dos seguintes momentos: 1º) Leitura compreensiva da letra “Maria, Maria”; buscando esclarecer termos ou expressões desconhecidas pelas crianças; 2º) Audição silenciosa da música; 3º) Memorização da letra da música, através da escuta e canto simultâneo e, 4º) Representação da mulher, através da técnica de desenho com massa de modelar, a partir da seguinte questão norteadora: “QUEM É ESSA MULHER, DE QUEM TANTO FALA A MÚSICA?”;

Para a elaboração do relatório desta experimentação estética tomamos como suporte a Análise de Conteúdo, entendida como “[...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição de conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam interferência de conhecimentos relativos às condições de produção/ recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens” (BARDIN, 2000, p. 42).


MARIA, MARIAS ...

Nem todos os fenômenos sociais são formadores de Representações Sociais. Uma Representação Social surge onde houver perigo para uma identidade coletiva e traduz a relação de um grupo com um objeto socialmente valorizado. Assim, toda Representação Social é a representação de algo e/ou de alguém por alguém. Nossa opção por esse quadro teórico ficou assim justificada: a representação de alguém – a mulher –, por um grupo de crianças. Mas afinal, quem são essas crianças? São, conforme nos apresenta Del Priore (2006), crianças brasileiras como aquelas que estão em toda parte, com destinos variados e variados rostos: rostinhos mulatos, brancos, negros e mestiços. Algumas amadas e outras simplesmente usadas. A partir das cenas de produção estética elaboradas por aquelas crianças, através da técnica de desenho com massa de modelar em papel branco, construímos cinco categorias analíticas que nos deram conta de compreender que, para essas crianças, Maria faz-se representar, nesta ordem, principalmente como:

1) figura parental (mãe = 6 referências, avó = 3 referências); 2) trabalhadora (cantora = 2 referências, feirante = 3 referências, lavadeira = 3 referências e professora = 1 referência); 3) ente religioso (santa = 3 referências); 4) personagem (mutante de uma novela = 2 referências) e, por fim, 5) simplesmente como persona (mulher feliz = 1 referência).

Podemos evidenciar que neste estudo, as representações de Maria como figura parental – mãe ou avó -, ou como trabalhadora, são as que mais se sobressaem, denotando a importância da família e do trabalho feminino na vida dessas crianças.


Sobre a família, D’Inácio (2004) observa que foi a partir do século XIX, época marcada pelo início da urbanização brasileira, que a mulher ressignifica, pela primeira vez em nosso contexto histórico, o seu lugar nas relações da chamada família burguesa, fortemente valorizada pelos sentimentos de intimidade e maternidade. Dessa forma, a mulher passa a fazer parte de um sólido ambiente familiar, o lar acolhedor, tendo como função o cuidar dos “filhos educados e (ser) esposa dedicada ao marido, às crianças e desobrigadas de qualquer trabalho produtivo, representavam o ideal de retidão e probidade, um tesouro social imprescindível” (D’INACIO, 2004, p. 223). Tal concepção de sociedade, reservando “ao homem, o universo do público, o trabalho remunerado, o papel de provedor econômico da família, a racionalidade, a fibra” (SOUZA, 1997, p. 182) e “à mulher, o universo do privado, o trabalho não remunerado do lar, o cuidado com os filhos, a sensibilidade, a fragilidade” (Op. Cit., p. 182) foi algo que perdurou ao longo dos séculos. Trata-se, no entanto, de uma visão burguesa da sociedade brasileira, pois nas camadas de baixo poder aquisitivo as mulheres, em todos os tempos sempre estiveram inseridas no mercado de trabalho. No presente estudo, as crianças referem Maria como uma trabalhadora – geralmente inserida em ocupações pertencentes ao setor de serviços: Maria é feirante, ou lavadeira, ou professora ou cantora. Em relação à inserção da mulher de classes menos favorecidas no trabalho, temos de considerar que historicamente as mesmas sempre foram pressionadas a obter remuneração “(...) As empregadas domesticas (...) existem desde o fim da escravatura. No campo, as mulheres sempre estiveram presentes na lavoura, basta ver qualquer ilustração de colheitas de café ou cana de açúcar para constatá-lo...” (SOUZA, 1997, p. 182). A finalização do projeto se deu através de um encontro de socialização do mesmo com as mães das crianças: as crianças receberam suas mães cantando em coro a canção “Maria, Maria”. Simultaneamente, as representações elaboradas foram apresentadas em uma tela.

CONSIDERAÇÕES FINAIS


O ponto de partida desta intervenção consistiu na exploração da musicalidade de Milton Nascimento, protagonista do “movimento” Clube da Esquina, que floresceu em Minas Gerais, a partir da década de 60, no auge de um dos períodos mais críticos da história contemporânea brasileira: a ditadura militar (BORGES, 1996). Dentre o seu conjunto da obra, nossa opção se deu pela música Maria, Maria. As representações sociais da mulher, aqui apresentadas, são entidades quase tangíveis que “circulam, cruzam-se e se cristalizam incessantemente através de uma fala, um gesto, um encontro” (MOSCOVICI, 1978, p. 41), no universo cotidiano dessas crianças. O estudo evidenciou que, para essas crianças, Maria se faz representar como aquela mulher comum, representada por Milton Nascimento, em sua infância de menino negro, filho adotivo, criança traquina, tão igual a muitas das crianças que frequentam as nossas escolas de periferia: Maria é mãe, ou avó, ou trabalhadora, ou santa, ou – simplesmente -, uma mulher que é feliz!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2000. BORGES, M. Os sonhos não envelhecem: histórias do Clube da Esquina. São Paulo: Geração Editorial, 1996. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos parâmetros curriculares nacionais / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. BRITO, M. Dia Internacional da Mulher – história. In: Femenina comemora o dia da mulher na Fafi. Disponível em: www.vitoria.es.gov.br/secretarias/cultura/femenina2003.htm. Acesso em 8 fev. 2009. DEL PRIORE, M. História das crianças no Brasil. 5 ed. São Paulo: Contexto, 2006. D’INACIO, M.A. Mulher e família burguesa. In: DEL PRIORE, M. (Org.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2004. MOSCOVICI, S. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. NASCIMENTO, M.; BRANT, F. Maria, Maria. In: Clube da Esquina 2. Rio de Janeiro: EMI-ODEON, 1978. 2 CD, CD 2, faixa 8.


OSTROWER, F. Criatividade e processos de criação. 19 ed. Petrópolis: Vozes, 1987. SCHIELE, B.; BOUCHER, L. A exposição científica: uma maneira de representar a ciência. In: JODELET, D. (org.). As representações sociais. Rio de Janeiro: Eduerj, 2001. p. 363-377. SOUZA, B.P. Mães contemporâneas e a orientação dos filhos para a escola. In: MACHADO, A.M.; SOUZA, Marilene P.R. Psicologia escolar: em busca de novos rumos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.


Igreja eletrônica e midiatização Rafaela Barbosai Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS/RS) E-mail: byrafaela_barbosa@hotmail.com.

GOMES, Pedro Gilberto. Da Igreja eletrônica à sociedade em midiatização. São Paulo: Paulinas, 2010.

No livro “Da Igreja eletrônica à sociedade em midiatização” discute-se a relação entre mídia e religião pensada enquanto processo. Segundo Gomes, as outras investigações que ele analisa, dedicadas à temática, ficaram devedores de tal debate. No decorrer da obra, percebe-se que para realizar o enfrentamento proposto pelo autor é necessário deixar o objeto se expressar. A partir daí, o pesquisador pode visualizar metodologias que dêem conta da nova ambiência que a sociedade midiatizada impõe, onde a realidade social necessita estar no palco (mídia impressa ou eletrônica) para ser percebida e discutida pelos setores sociais competentes. Então, o desafio é tentar achar novas perspectivas para interpretar a comunicação no campo religioso, para além dos dispositivos tecnológicos. Nesse sentido, algumas questões se fazem necessárias para uma melhor compreensão da obra, quais sejam: Quem é o autor? Qual é a relevância do tema na contemporaneidade? Apontamentos para a primeira pergunta: Pedro Gilberto Gomes possui formação em teologia e filosofia, com mestrado e doutorado em Ciências da Comunicação. Há 30 anos se dedica aos estudos de mídia e religião. As preocupações iniciais sobre a temática eram pensadas num panorama funcionalista da comunicação com as Igrejas Cristãs, em especial o Catolicismo, já no doutoramento entrou no âmbito dos estudos de recepção Latino-Americano para pensar as implicações do movimento religioso na perspectiva midiática. Na atualidade, como professor, pesquisador, orientador de dissertações e teses e depreende que os processos midiáticos precisam ser refletidos


de maneira ampla, visto que a mídia ganhou um jeito de ser totalizante na sociedade, inclusive na área da religião. Tais argumentações serão discutidas mais adiante. Apontamentos para a segunda pergunta: Os pesquisadores brasileiros dos estudos sobre mídia e religião encontram suas bases teóricas em autores franceses, estadunidenses e latino- americanos para refletir a comunicação com interface, no âmbito religioso. Ante isso, tanto o percurso acadêmico de Gomes como o assunto por ele escolhido se faz necessário, no cenário brasileiro, pois o livro é o resultado de pelo menos seis anos de pesquisa pautada num trajeto metodológico que articula procedimentos como: análise documental de confissões religiosas históricas, no que se refere à comunicação social e pesquisa bibliográfica das disciplinas comunicacionais, filosóficas e históricas. Vale ressaltar, que a documentação (histórica e funcional) analisada parte do pensamento das Igrejas Cristãs sobre o uso dos meios de comunicação de massa para difusão da mensagem teológica. A obra é construída em duas partes. Na primeira, a descrição da trajetória do pesquisador justifica a importância de sua formação filosófica e teológica para as análises que abarcam a temática do livro, bem como a proposta de imersão na dimensão histórica do fenômeno estudado, na tentativa de ler o momento atual dos estudos de mídia e religião. No âmbito histórico, tanto os atores da Igreja Eletrônica (transnacionais ou nacionais), quanto à própria Igreja Cristã são analisados para apreender a processualidade deste movimento religioso na sua origem, dentro da área comunicacional. Daí justifica-se o título da obra que pensa no deslocamento do conceito de Igreja Eletrônica para Igreja Midiatizada. A reflexão da transição conceitual só pode ser realizada por meio de pistas na filosofia e na história, já que a comunicação é uma disciplina recente dentre as contidas nas Ciências Sociais (CS). No âmbito filosófico, os conceitos de unicidade e totalidade são essenciais para entender a Igreja Midiatizada, pois o exercício de entendimento da realidade observada é imprescindível: a revisitação dos clássicos da antiguidade filosófica impõe-se como exigência metodológica fundamental. Daí a importância de se voltar aos filósofos gregos,


antigos e medievais para recuperar a visão de unicidade e de totalidade para o mundo. Se desejarmos compreender o fenômeno da midiatização como um projeto de totalidade e unicidade social, é importante conversar com os filósofos que anteriormente pensaram esses conceitos. Evidentemente, seus conceitos não são autoaplicáveis aos problemas contemporâneos. Mas, conhecendo a sua gênese e origem, pode-se estabelecê-los para encontrar pistas que ajudem a interpretar a realidade atual. (p. 20)

Em suma, apreende-se que o percurso teórico-metodológico adotado pelo autor cerca o objeto de estudo de perguntas, sem, no entanto, dar respostas fechadas para a relação que estabelece entre mídia e religião. Isso porque o processo de midiatização é complexo e ainda está em vias de constituição, nesse sentido sabemos que para uma análise cuidadosa de um dado fenômeno a ser investigado, o distanciamento temporal é indispensável para ler o contexto social. Dentro de tais circunstâncias, Gomes explicita que com a pesquisa pretende “encontrar elementos novos que ajudem nesse projeto-construção da metodologia adequada [para a sociedade em midiatização]”. (p. 17). Dada a complexidade do assunto, acredita-se que o campo da comunicação precisa fazer articulações teóricas com outras áreas do saber para compor teorias competentes para si mesma. Nesse quadro, o corpus selecionado para a investigação foram as Igrejas: Católica Apostólica Romana, Evangélica de Confissão Luterana do Brasil, Metodista e Universal do Reino de Deus. Sabe-se que as três primeiras Igrejas são confissões históricas, já a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) está dentre os neopentecostais, que pode ser entendida como uma vertente do pentecostalismo que prega a salvação no plano material, surgida no país a partir da década de 1970. De acordo com o autor, a definição das Igrejas estudadas sustenta-se na, longa tradição do discurso e da escrita [das três primeiras Igrejas]. A utilização da palavra escrita as leva a valorizar sobremaneira a imprensa. São Igrejas que se movem com desenvoltura na produção de documentos que expressam sua doutrina e o seu pensamento. [...] Por outro lado, a Igreja Universal do Reino de Deus é uma nativa midiática. Isto é, ela nasce já sob o signo da mídia. Tudo é novo. Para ela, tanto faz a escrita, a imprensa quanto à mídia eletrônica, cujo mundo já existia quando ela surgiu. (p. 26-27).

Os conceitos e teorias apontados compõem a articulação com o corpus da pesquisa que proporcionou o entendimento em perspectiva histórica dos tele-


evangelistas e de suas Igrejas, para pensar na contemporaneidade, como estas confissões religiosas se relacionaram (ou se relacionam) com a mídia. Na segunda parte, o autor debate a comunicação enquanto problemática para o campo religioso. Mas Gomes argumenta que a noção de problema no contexto é visto positivamente, porque pensando nesta angulação pode-se questionar, exaustivamente, o objeto de estudo, instigando-o a encontrar delineamentos para perceber que configuração a área midiática proporciona às práticas religiosas. Perante isso, a hipótese da investigação é que a comunicação é entendida como solução pelas Igrejas Cristãs, enquanto espaço eficaz para transmissão da mensagem de evangelização. A apropriação da mídia ganha importância para dar visibilidade às ações das confissões religiosas estudadas e isso pode ser confirmado pelos registros documentais sobre a concepção das Igrejas, a respeito dos usos dos meios de comunicação. A problemática que surge fundamenta-se na seguinte questão: quais tipos de religiões emergem destas práticas comunicacionais? O autor deixa esta pista para futuras investigações, dado a emergência do fenômeno em análise. De maneira que no passado, a Igreja Católica teve uma visão mais cautelosa da usabilidade da mídia, muito embora, seja a confissão que mais discutiu e escreveu sobre a comunicação social. Em seus escritos a função dos dispositivos tecnológicos é motivada mais pela concepção funcionalista e atualmente pensa o processo, mesmo assim, faz uso dos meios de comunicação com questionamentos insuficientes sobre as implicações disso para a sociedade. Hoje, detém uma rede de televisão e rádio e possui sítios na rede mundial de computadores. No lado contrário, a IURD não teoriza sobre suas práticas comunicacionais, visto que ela utiliza amplamente a mídia para transmissão de sua doutrina sem problematizar, via documentos, as decorrências disso para o seu campo de atuação. O autor ressalta que a IURD entende a comunicação como um instrumento tecnológico a serviço da propagação de seu discurso evangelístico, e assim a reflexão teórica é dispensável para os eclesiastas iurdianos. Isto explica o império midiático comandado pela IURD, que inclui redes de TV e rádio, jornais, revistas e sítios na internet.


Conforme Gomes, as Igrejas Luterana e Metodista, são Igrejas da Palavra, pois fundamentam seus discursos por meio da imprensa escrita, tendo poucas experiências com a radiodifusão. No que se refere ao pensamento e registro de suas visões, a respeito do uso dos meios comunicacionais, quando os descreve fragmenta-os em textos teológicos ou litúrgicos. Ante o exposto, reforçam-se as idéias iniciais do autor que argumentou que para as Igrejas Cristãs a mídia é entendida como solução, em virtude disso, elas não vêem necessidade em discutir ou analisar os meios de comunicação, quer dizer, em problematizá-los. De modo que eles servem como elemento de extensão de seus métodos evangelísticos. Todavia, as constantes atualizações tecnológicas que aproximam as redes de informações da sociedade, potencializando novos modos de interação entre os sujeitos, precisam ser entendidas por qualquer esfera social. O autor ainda reflete que, até mesmo as vertentes com postura esquerdista, na Igreja Cristã, quando estabelecem suas críticas, elas se constituem a partir do que está sendo produzido pela TV e não se questiona quais são as conseqüências que a técnica trará para o campo da religião. Visto isso, ao entrar no mundo da mídia, as Igrejas não levam em conta que o processo mudou. Os dispositivos tecnológicos são apenas uma parcela mínima, a ponta do iceberg, de um novo mundo, configurado pelo processo de midiatização da sociedade. Estamos vivendo hoje uma mudança grande, com a criação de um bios midiático que incide profundamente no tecido social. (p. 161)

Na contemporaneidade, com o processo de midiatização social, os setores públicos ou privados que estabelecem relações com os indivíduos, precisam estar na mídia para serem alcançados, visto que a dimensão midiática estabelece as construções de sentido na sociedade, porque, cada vez mais, para um fato ser considerado real é preciso ser midiatizado. Tal processualidade, coloca o mundo num novo estado de ser, ainda que exista um mundo fora das câmeras de televisão. A obra institui-se como leitura indispensável aos estudiosos e interessados, nas áreas de comunicação, sociologia, antropologia e filosofia, já que os estudos de mídia e religião contemplam estas disciplinas.


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Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação (PPGCC) da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS/RS), bolsista da Ford Foundation e membro do Grupo de Pesquisa CEPOS. E-mail: byrafaela_barbosa@hotmail.com.


Os entraves políticos na era da transição tecnológica da televisão Political barriers in the age of television technological transition Lívia Cirne1 Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) liviacirne@gmail.com

CRUZ, Renato. TV digital no Brasil: tecnologia versus política. São Paulo: Editora Senac, 2008. ISBN: 978-85-7359-755-4

No dia 22 de dezembro de 2007, o presidente Lula decretou oficialmente o início das transmissões dos sinais digitais de televisão. No ano seguinte, o jornalista e doutor pela USP Renato Cruz lançou o livro TV digital no Brasil: tecnologia versus política, na tentativa de desmistificar esse cenário de indefinições no qual estamos inseridos atualmente. A obra, de maneira profunda, conduz o leitor à reflexão ao inferir uma postura crítica sobre a influência política na(da) televisão, desde seus momentos iniciais até a implementação digital. Ao mesmo tempo, a narrativa elucida as características deste novo modelo de televisão que norteará a vida dos brasileiros. Antes da chegada da TVD ao país, os estudos e investigações sobre esta digitalização já estavam sendo desenvolvidos há doze anos. Inicialmente o governo decidiu estimular a pesquisa de institutos e universidades públicas e privadas para a produção de um modelo próprio adaptado à realidade econômica, cultural e social do Brasil, como por exemplo, atenuar a exclusão digital ainda freqüente. Talvez, esse tenha sido o lema da criação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD). A seguir, por falta de incentivo capital, aos poucos a experiência acadêmica e em institutos de pesquisa, bem como a possibilidade da criação de um protótipo genuinamente nacional foi castrada pela falta de recursos, o que, na visão do autor, prejudicou o projeto de inclusão digital, proposto pelo sistema brasileiro. O projeto inicial do governo também visava o estímulo ao desenvolvimento tecnológico nacional, em contrapartida, desde o começo, o Ministério das Comunicações adotou uma postura identificada por Renato Cruz como “antiquada”,


uma vez que afastou a indústria do processo, o que, de igual maneira, foi severamente reprovado pela academia. Isso porque, A proposta do Ministério, um tanto engessada, considerava que seriam necessários os institutos de pesquisa como intermediários para que as indústrias tivessem acesso à pesquisa desenvolvida pela universidade, quando, na realidade, indústria, institutos e universidades poderiam trabalhar em conjunto no projeto da TV digital. (CRUZ, 2008, p. 121).

Contudo, na ausência de capital para financiar as pesquisas, Cruz revela que o posicionamento do governo foi outro: investigar os principais modelos em operação no mundo (americano, europeu e japonês), para saber qual deles melhor se adaptaria ao Brasil. E, mais adiante, o autor defende que, embora o processo de escolha dos padrões estivesse sendo veiculado para a massa como democrático, o ministro das Comunicações Hélio Costa, ex-repórter da Globo, mostrava certa preferência pelo japonês, coincidindo com os interesses das emissoras de televisão, em detrimento ao sistema de exportação (que enxergava vantagem no modelo americano) e ao setor rival da radiodifusão, as telecomunicações (que optavam pelo modelo europeu). Sobre esta questão, afirmou-se: É errado enxergar Costa simplesmente como homem da Rede Globo. Os outros grandes grupos brasileiros de televisão, como o SBT, a Record, a Bandeirantes e a RedeTV!, encontraram no ministro um interlocutor atencioso, depois de serem pouco ouvidos durante o governo de Fernando Henrique Cardoso e o começo do governo Luís Inácio Lula da Silva. Enquanto outros setores do governo mostraram dúvidas quanto ao melhor padrão a ser escolhido no Brasil, Costa manteve postura consistente, em defesa do ISDB japonês, preferido da Rede Globo e, desde o começo de 2006, de todas as redes brasileiras. (idem, p. 194).

“Coincidências” à parte, há muito as empresas de radiodifusão queriam agilizar a transição para o sistema binário, visto que estavam em desvantagem perante as demais plataformas de distribuição de conteúdo, já digitais, como o sistema de telefonia. Nesse sentido, o livro admite que o período eleitoral, o qual previa a reeleição de Lula, foi decisivo para a implementação do padrão de TV digital, pois no governo FHC a situação financeira deficitária dos grupos de comunicação impossibilitava que a questão da TVD fosse definida. De tal maneira, uma das razões que gerou o apoio ao padrão nipônico, deu-se justamente em 2006 (ano eleitoral) quando um banco japonês ofereceu financiamento às emissoras para que saíssem da crise e apostassem na mudança tecnológica. Ora, pode-se perceber que esse caráter antidemocrático não se apresenta como estarrecedor para o autor, porque é sustentado ao longo da leitura que as


emissoras sempre foram detentoras de poder e tiveram participação política. Já no início da obra, no que cerne à história da televisão brasileira, Renato Cruz esclarece com “tom” crítico que “um em cada dez deputados é proprietário direto de rádio ou televisão, o que é proibido pela Constituição” (idem, p.23) e que dos 513 deputados, 50 tem emissoras de radiodifusão, com concessão em seus próprios nomes. A Rede Globo, então, com sua política de controle, personificada por Roberto Marinho, escolhia ministros para o país e estabelecia contratos desrespeitando a Constituição Federal. Atualmente, pontua-se que, mesmo sendo ainda centralizadoras, as emissoras estão inseridas na “Fase de convergência”2 (iniciada a partir de 2002), na qual as TVs estão sendo ameaçadas pelo poder econômico das empresas de telecomunicações e pelos efeitos da convergência de meios. A conseqüência desse crescimento da rede de telefonia e distribuição de conteúdo por estas, têm gerado embates entre os setores das telecomunicações e radiodifusão. No entanto, na visão do autor, os grupos de comunicação acabam em vantagem com o comando de Hélio Costa, uma vez que sentem seus interesses protegidos. Na escolha do padrão digital de televisão não foi diferente, porque o adotado realmente pode ser o mais moderno e, conseqüentemente, o melhor (como apontou anteriormente os testes realizados em 2000, pela Universidade Mackenzie), mas para as emissoras esta decisão tem um sabor a mais: o modelo permite que as estas transmitam conteúdo diretamente para as plataformas móveis, sem passar pela rede das operadoras. No que tange às políticas públicas de tecnologia, o jornalista pontua que o país perdeu mercado durante o mandato neoliberal de FHC, no qual se atraia multinacionais e não se privilegiava as pesquisas e desenvolvimento das tecnologias locais, culminando com a privatização do Sistema Telebrás (1998). E, no cenário da implementação dos sinais digitais de TV, dois dos desafios do governo consistem(iam) em alavancar a indústria de semicondutores e promover a inclusão digital. Quanto à primeira questão, TV digital no Brasil: tecnologia versus política apresenta, dentre outras pesquisas desenvolvidas, a experiência de Santa Rita do Sapucaí, maior pólo tecnológico de Minas Gerais, que tornou-se a pioneira na


exportação de equipamentos da TV digital. Já no que se refere à inclusão digital, a meta é democratizar a informação e criar uma rede universal de educação à distância. Neste contexto, destaca-se a penetração alta dos celulares no país e o crescente incentivo à comercialização de laptops com preços populares, como uma possível solução para o problema da inclusão. Estes, integrados à TVD, fariam do Brasil o primeiro a utilizar a TV para a inclusão. Porém, convém ressaltar que não só o acesso à tecnologia será o suficiente. Renato Cruz acrescenta que para a efetivação desse processo é necessário: infra-estrutura disponível a todos; preços acessíveis; educação; treinamento; conteúdo relevante; integração do uso das Tecnologias de Informação e Comunicação no dia-a-dia. No último capítulo, alerta-se para o interesse das empresas de mídia em mudar a legislação vigente e se apresentam críticas aos projetos de lei e propostas de alteração da Constituição coordenadas por políticos. Chega-se a conclusão de uma real necessidade de transformação do Código Brasileiro de Telecomunicações – ainda de 19623, tendo sofrido alterações durante a ditadura militar. O problema regulatório é analisado no livro, em detalhes, no governo Fernando Henrique Cardoso (Lei de Comunicação Eletrônica de Massa) e no atual cenário Lula (Lei da Comunicação Social). Sob este prisma, interessante notificar que o autor considera as alterações legislativas um problema, face ao fato já mencionado de muitos parlamentares serem acionistas das empresas de radiodifusão, concluindo que se o debate não for bem direcionado, podem-se comprometer direitos constitucionais de acesso à informação. Por fim, TV digital no Brasil: tecnologia versus política é uma leitura obrigatória não só para os profissionais da Comunicação que lidarão com uma nova mídia, como também para todo e qualquer cidadão esquivado desse processo de transição. Com um prefácio conduzido por Ethevaldo Siqueira, a obra é bem fundamentada e consistente, descrevendo experiências e aplicações desenvolvidas e fornecendo dados relevantes. Cabe mencionar que na elaboração do livro, cerca de 120 pessoas – de envolvidos na elaboração do Ginga4 ao ministro Hélio Costa – foram entrevistadas, o que dá credibilidade às enunciações. 1

Doutoranda em Comunicação (PPGCOM/UFPE). Mestra em Comunicação e Culturas Midiáticas (PPGC/UFPB). Graduada em Jornalismo (UFPB) e em Telecomunicações (Cefet-PB). Como colaboradora do Laboratório de Aplicações de Vídeo Digital (Lavid/UFPB), desenvolveu pesquisas e


protótipos interativos para o telejornal da afiliada da TV Globo, em João Pessoa (TV Cabo Branco). Email: liviacirne@gmail.com. 2

Metodologicamente, o autor propõe fases da televisão: 1. Fase da instalação (1950-1964); 2. Fase da expansão (1965-1984); 3. Fase de consolidação (1985-2002); e, por fim, 4. Fase da convergência (2002-atual). 3

São apresentadas na leitura legislações mais atuais como a Lei Geral das Telecomunicações (1998), que abrange as empresas de telecomunicações e exclui a radiodifusão e a Lei do Cabo (1995), a qual, por sua vez, não dialoga com a posterior Lei Geral das Telecomunicações e não abrange as TVs pagas (microondas e satélite). 4

Software de interatividade da televisão digital. É a única tecnologia brasileira incorporada no sistema nipo-japonês e se destaca principalmente por ser compatível com todas as tecnologias dos sistemas internacionais.


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