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Revista Electrónica Internacional de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación Volumen VIII, Numero II, Mayo a Agosto de 2006

AUTORES Flávia Seligman Luiz Alberto Pilatti Edgard Rebouças Luis A. Albornoz Carlos Eduardo Franciscato Gabriela Melo Margarethe Born Steinberger Debora Cristina Lopez Danielle A. Souza Ana Cláudia Gruszynski Cida Golin André Azevedo da Fonseca Leandro Ramires Comassetto Jean Carlos Souza João Miguel


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Eptic On Line, v. VIII, n. 2, mayo-ago./2006 1. Expediente 2. Presentación Artículos 3. O ar da graça: a comédia norte-americana dos anos 20 e 30 Flávia Seligman

4. A lógica da produção do espetáculo: o esporte inserido na indústria do entretenimento Luiz Alberto Pilatti

Entrevista 5. A fórmula para mesclar pesquisa e militância: entrevista com Murilo César Ramos Edgard Rebouças

Especial jornalismo digital 6. Diarios digitales y modelos de negocios: una difícil rentabilidad Luis A. Albornoz

7. Estratégias de leitura na Internet: o comportamento de um grupo de leitores de sites jornalísticos Carlos Eduardo Franciscato; Gabriela Melo

8. El periodista como consumidor de información en la economía de las representaciónes digitales Margarethe Born Steinberger

9. Sociedade da Informação e Jornalismo: campos de interação e intervenção Debora Cristina Lopez

10. A internet como suporte jornalístico em Aracaju: adaptação dos jornais impressos à nova realidade tecnológica e econômica da mídia Danielle A. Souza

Investigación 11. Periódicos científicos nos suportes impresso e eletrônico: apontamentos para um estudo-piloto na UFRGS


Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación www.eptic.com.br, Vol. VIII, n. 2, mayo – ago. 2006 Ana Cláudia Gruszynski; Cida Golin

12. Copyleft: a utopia da pane no sistema André Azevedo da Fonseca

Reseña/Nota de Lectura 13. Reflexões sobre a comunicação numa sociedade desigual Leandro Ramires Comassetto; Jean Carlos Souza

14. Mídia, política e sociedade na contemporaneidade João Miguel


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EXPEDIENTE Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación Volumen VIII Numero 2 Mayo a Agosto de 2006 http://www.eptic.com.br ISSN 1518-2487

Revista avaliada como “Nacional A” pelo Qualis/Capes Director César Bolaño (UFS - Brasil) Editor Valério Cruz Brittos (UNISINOS – Brasil) Co- editores Alain Herscovicci (UFES – Brasil) Francisco Sierra ( US – España). Apoio Técnico Marcos Vinícius N. G. Castaneda (UFS - Brasil) Elizabeth Azevêdo Souza (UFS - Brasil) Consejo Editorial Ramón Zallo (Un. Pais Vasco – España) Juan Carlos de Miguel (Un. Pais Vasco - España) Delia Crovi (UNAM - México) Marcio Wohlers de Almeida (UNICAMP - Brasil) Enrique Sánchez Ruiz (UG – México) Roque Faraone (Um. de la República - Uruguay) Enrique Bustamante (UCM – España) Isabel Urioste (Un. Compiègne – Francia) Jean-Guy Lacroix (Un. de Québec - Canada) Sergio Caparelli (UFRGS - Brasil) Othon Jambeiro (UFBa - Brasil)

Anita Simis (UNESP - Brasil) Jorge Rubem Bitton Tapia (UNICAMP - Brasil) Murilo César Ramos (UnB – Brasil) Manuel Jose Lopez da Silva (UNL - Portugal) Francisco Rui Cádima (UNL – Portugal) Pierre Fayard (Un. Poitiers – Francia) Giovandro Marcus Ferreira (UFES - Brasil) Abraham Sicsu (Fund. Joaquim Nabuco – Brasil) Reynaldo R. Ferreira Jr. (UFAL – Brasil) Marcial Murciano Martinez (UAB – España) Joseph Straubhaar (Univ. Texas - EUA) Peter Golding (Loughborough Univ. - UK) Nicholas Garham (Westminster Unv. - UK) Philip R. Schlesinger (Stirling Univ. - UK) Graham Murdock (Loughbrough Univ. - UK) Hans - Jürgen Michalski (Univ. Bremen Alemanha) Cesare G. Galvan (UFPb - Brasil) Alain Rallet (Univ. Paris - Dalphine-Francia) Diego Portales (Univ. del Chile) Pedro Jorge Braumann (UNL – Portugal) Guillermo Mastrini (UBA – Argentina) Dominique Leroy (Un. Picardie – Francia) Gaëtan Tremblay (Un. de Québec - Canada)


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Presentación De acordo com a política editorial que vimos seguindo, de procurar reunir textos de uma mesma temática para formar um caderno especial a cada edição, sem prejuízo da sistemática de fluxo contínuo, chegamos, neste número, a compor um dossiê de cinco artigos sobre Jornalismo Digital, com textos de Luis Albornoz, Carlos Eduardo Franciscato e Gabriela Melo, Margarethe Born Steinberger, Débora Cristina Lopez e Danielle Souza. O texto que abre a sessão de relatos de pesquisa, de autoria de Ana Claudia Gruszynski e Cida Golim, poderia também incluir-se no caderno, já que se trata de uma discussão sobre as especificidades das revistas científicas on line, apontando para a importância de articular (e repensar) os critérios tradicionais de publicação acadêmica com outros, característicos do suporte eletrônico. Como, a rigor, trata-se, não obstante, de outra problemática geral, mais ligada, de fato, ao debate que ocorre nas Ciências da Informação do que naquele da Comunicação (e porque não é um tópico referente ao Jornalismo On-Line), preferimos mantê-lo como texto de abertura da sessão “Investigación”, onde se encontra também o trabalho de André Azevedo da Fonseca sobre copyleft, outro assunto que poderia ser englobado na temática geral da economia política da internet, à qual pertencem os temas apresentados no caderno especial. São questões, na verdade, às quais retornaremos certamente em outras ocasiões, pois estão na ordem do dia nos campos acadêmicos no interior dos quais a Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (EPC) se move. Nesse sentido, queremos recomendar também a leitura do recente artigo de César Bolaño, publicado no último número da revista Verso e Reverso, que propõe um diálogo crítico da EPC com os chamados Estudos de Jornalismo, citando, entre outros, trabalhos anteriores de alguns dos autores aqui reunidos: Luis Albornoz, Carlos Franciscato e Danielle Souza. A revista Eptic On Line, seu corpo editorial e seus colaboradores cumprem, portanto, mais uma vez, com o seu compromisso de promover o debate interdisciplinar, mobilizando pesquisadores de diferentes paises, gerações e níveis de maturidade acadêmica, para apoiar a ampliação do alcance da EPC e do seu poder explicativo. Além disso, o número contém dois artigos, um de Flávia Seligman, sobre cinema – tema ao qual gostaríamos de dedicar proximamente um número da revista, tendo em vista o crescimento da produção brasileira e latino-americana e da reflexão sobre ela, inclusive por parte da EPC – e outro, de Luiz Alberto Pilatti, sobre o esporte como indústria de entretenimento, muito adequado para este período de mobilização de toda a mídia mundial em


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torno da Copa do Mundo, o momento máximo dessa grande indústria cultural. Finalmente, devemos agradecer a contribuição fundamental dos autores das resenhas deste número, Leandro Comasetto, Jean Carlos Souza e João Miguel, bem como de Edgard Rebouças, que realizou uma importante entrevista com Murilo Ramos, onde são abordadas temáticas centrais para os pesquisadores da área, essencialmente regulamentação, políticas públicas, teoria e, na essência, os caminhos da Comunicação.

César Bolaño Director Eptic On Line

Valério Brittos Editor Eptic On Line


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Periódicos científicos nos suportes impresso e eletrônico: apontamentos para um estudo-piloto na UFRGS Ana Cláudia Gruszynski Cida Golin1

Resumo Este artigo aborda a transição dos periódicos científicos do meio impresso para o eletrônico. Apresenta os resultados preliminares da pesquisa Os elementos comunicacionais dos periódicos científicos e a relação com os suportes impresso e on-line: estudo-piloto na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, desenvolvida com recursos da FAPERGS e CNPq. Discute a importância da eficácia comunicacional gráfica e editorial na divulgação da ciência.

Palavras-chave: Periódicos científicos. Periódicos científicos eletrônicos. Comunicação.

Abstract This paper analyses the transition of scientific journals from the print to the electronic format. It presents the preliminary results of the research The communicational elements of scientific journals and their relation to the print and the online format: a pilot study at Universidade Federal do Rio Grande do Sul, supported by FAPERGS and CNPq. It discusses the importance of communicational effectiveness of the editorial and graphic aspects in the diffusion of science. Keywords Scientific journals. Electronic journals. Communication.

O periódico científico, no processo de comunicação da ciência, funciona como uma das instâncias de consagração. Ao atuar como um filtro seletivo, reproduzindo as sanções e

Professoras Doutoras do Departamento de Comunicação da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FABICO-UFRGS). Este texto teve a contribuição das bolsistas de iniciação científica Ângela Braun (CNPq) e Alana de Menezes Pereira (FAPERGS). Além das bolsas, a pesquisa recebeu apoio financeiro do CNPq e FAPERGS. A equipe é formada também por: Dra. Marcia Benetti Machado (Professora FABICO-UFRGS), Raquel da Silva Castedo (Bacharel em Publicidade e Propaganda), Miriam Moema Loss (Bibliotecária FABICO-UFRGS) e Amanda Villas-Bôas (bolsista voluntária). 1


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exigências próprias do campo científico, confere valor às pesquisas e as situa no seu grau de originalidade em relação ao conhecimento já acumulado em determinada área do conhecimento.2 Vários autores corroboram que o modelo ideal de periódico é um instrumental qualitativo. Garante a memória da ciência, aponta seu grau de evolução, estabelece a propriedade intelectual, legitima novos campos de estudos e disciplinas, constitui-se em fonte para o início de novas pesquisas, dando visibilidade e prestígio aos pesquisadores entre um público altamente especializado, os seus pares.3 Na medida em que não existe investigação sem estratégias específicas de divulgação de seus resultados, ou seja, de reconhecimento entre os pesquisadores-concorrentes de um mesmo segmento, o periódico científico assume o papel de principal veículo formal da comunicação científica.4 Ao espelhar pelo menos parte da produção mais representativa dos campos de estudo, as revistas são utilizadas como indicadores para avaliação de cursos de pós-graduação, concessão de bolsas, progressão funcional, entre outros. Atuam como índices nos sistemas de julgamento que configuram as estruturas institucionais de pesquisa e, conseqüentemente, dos mecanismos decisórios de poder e distribuição de verbas destinadas a ela. Desde o surgimento do Journal de Sçavans na França e do Philosophical Transactions of the Royal Society na Inglaterra, ambos de 1665, as transformações da comunidade científica, suas exigências e interesses, assim como as tecnologias disponíveis, foram gradualmente conformando as práticas editoriais dos periódicos.5 O próprio objeto foi se modificando gradualmente, oferecendo novas possibilidades de leitura, acesso e de ratificação do que é científico. Atualmente assiste-se a uma crise no modelo clássico de produção, distribuição e consumo dos periódicos científicos (Weitzel, 2005), processo esse que também passa pela inevitável migração do suporte tradicional impresso para o eletrônico, sinalizando mudanças tanto no mercado editorial da comunicação científica como nas estratégias de visibilidade do conhecimento. Ao discutir esta transição, Meadows (2001) descreve as tensões existentes entre o conhecido mundo impresso, e seus pacotes determinados de informação, e o espaço on-line como um contínuo informativo. Questões arraigadas, como o direito autoral cedido aos editores e a exclusividade de publicação, são redimensionadas neste ambiente, assim como a Baseia-se em Pierre Bourdieu, 1983, 1996. Marchiori e Adami, 2005; Meadows , 1999; Stumpf, 1996; Biojone, 2003. 4 Bourdieu, 1983; Oliveira, 2005. 5 Meadows (1999) faz um resgate das principais mudanças ocorridas nas formas de apresentação das revistas científicas nas páginas 11 a 14 da obra A comunicação científica. 2 3


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própria velocidade de validação e circulação do conhecimento. O chamado sistema on the fly (Biojone, 2003), oferecendo a possibilidade de divulgar um texto assim que ele é liberado pelo peer review, pode suplantar a lenta circulação, a eventual falta de pontualidade e os limites típicos da ciência organizada em fascículos de papel. Para Meadows (2001), mesmo que o periódico eletrônico necessite reproduzir as rotinas que abalizaram sua reputação e credibilidade na cultura letrada, aumenta-se cada vez mais, no cenário digital, a dificuldade de distinguir entre comunicações formais e informais. O desejo, por parte de alguns atores, de disponibilizar na rede uma grande quantidade de informação perdida no processo de arbitragem (Biojone, 2003), assim como textos que seriam submetidos a avaliações post-hoc, abala um dos principais pilares de confiabilidade no processo formal de comunicação entre pesquisadores, a revisão pelos especialistas. A cautela, porém, impera discernindo o comentário entre os pares da avaliação tradicional (Sabbatini, 2000). No caso dos periódicos, há quem defenda um rigor ainda maior na filtragem do que será disponibilizado on-line, dado o alcance e o efeito multiplicador da leitura em rede (Biojone, 2003). Ao recapitular propostas conceituais para periódicos eletrônicos, Ornelas e Arroyo (2006) propõem a seguinte definição: “a revista acadêmica eletrônica é aquela publicação arbitrada criada, produzida e editada em hipertexto com versão única digital difundida pela Internet, com características editoriais que se apegam estritamente às normas de qualquer revista acadêmica ou científica”. Para Biojone (2003), o que define um periódico desse gênero é ser trabalhado das fases de editoração até a distribuição totalmente em meio digital. Sua distribuição pode estar disponível em plataformas como CD-ROM (compact disc read only memory), fitas magnéticas ou pela Internet. Historicamente, acompanha o desenvolvimento de softwares específicos para editoração e publicação, desde os CD-ROM do início dos anos 90, passando pelo incremento dos periódicos híbridos (disponíveis nos dois formatos, em que o impresso prolonga-se até o meio eletrônico), até os exclusivamente eletrônicos, alguns com estruturas mais sofisticadas ao oferecer, além do texto completo, o acesso integral à coleção, busca em metadados, links, referências cruzadas, estatísticas de citação, acesso, entre outras possibilidades. Segundo levantamento bibliográfico de Arellano, Ferreira & Carregnato (2005), tipologias foram lançadas para organizar estes modelos em transição. Kling e McKim (1999), por exemplo, distinguem as revistas eletrônicas científicas puras das híbridas. Neste último caso, o periódico traz para o meio eletrônico a sua reputação construída a partir da cultura do impresso. Além de acompanharem a evolução tecnológica e o desenvolvimento do sistema de hipertextos pela web, oferecendo alternativas a impasses como o aumento exponencial e


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contínuo do espaço físico das bibliotecas, as revistas eletrônicas têm a capacidade de subverter em parte mecanismos restritivos da indústria editorial científica. Para Briquet de Lemos (2005), o excessivo custo das assinaturas de periódicos renomados e as fusões entre selos editoriais são estratégias cruzadas de um mercado altamente lucrativo, cenário esse já advertido por uma comissão de inquérito sobre comunicação científica realizada pelo Parlamento inglês entre 2003 e 2004. Ou seja, trata-se da apropriação privada, por editores comerciais, de um conhecimento produzido, principalmente, com recursos públicos. Meadows (2001), por sua vez, vê com otimismo a mutação do próprio conceito de publicação no ambiente eletrônico. Acredita ele no aumento do poder do autor, na redução do controle do editor, ou seja, o processo de publicação torna-se menos unificado. A transição entre os suportes impresso e eletrônico, um processo que aponta para a hegemonia do eletrônico a curto prazo, não foge totalmente dos modelos tradicionais ainda vigentes no financiamento das revistas científicas. Segundo Briquet de Lemos (2005), são eles: a) pagamento de assinatura e eventualmente pagamento da publicação pelo autor; b) pagamento da publicação pelo autor e acesso livre; c) os títulos são custeados por suas instituições ou com apoio governamental. Ao oferecer assinaturas de periódicos eletrônicos, as editoras aplicam preços flutuantes baseados em pacotes com número e composição variável de títulos disponíveis ao cliente. Significa o aluguel temporário de um serviço e a impossibilidade de conservar uma coleção; a interrupção da assinatura implica na perda total do acesso ou do acesso parcial conforme pagamento proporcional ao tempo de uso. Além das estratégias institucionais de Universidades e órgãos de pesquisa para formar consórcios e disponibilizar aos interessados as revistas eletrônicas de acesso restrito, iniciativas de amplitude internacional buscam romper os entraves econômicos do sistema editorial ao defender a livre disseminação dos resultados de pesquisas científicas financiadas com recursos públicos. São os periódicos de acesso livre, os repositórios, arquivos abertos e agregadores de uso gratuito. O próprio relatório apresentado pelo Parlamento britânico defende modelos e mecanismos de acesso público aos textos, garantindo sua agilidade, seu rigoroso padrão de qualidade e preservação para gerações futuras (Briquet de Lemos, 2005). No Brasil, o projeto Scielo (Scientific Eletronic Library Online) é um exemplo de agregador não-comercial que viabiliza a consulta a periódicos brasileiros e estrangeiros de várias áreas, selecionados a partir de critérios internacionais de qualidade científica. Apresenta sistema de metadados, links com outras fontes de informação, estatísticas de uso e citações. Segundo Biojone (2003), esse modelo busca colaborar na transição dos periódicos impressos para os eletrônicos. A Scielo trabalha os artigos em formato eletrônico estruturados


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com a aplicação do SGML,6 que alimenta bases de dados, gera circulação, faz com que a informação seja armazenada e resgatada com agilidade, e estabelece links com outras bases de dados. Chega-se aqui a um momento decisivo na transformação da identidade dos periódicos tradicionais visualizados na web: a pesquisa não se restringe mais a um documento, mas a uma rede de documentos. Um único artigo pode levar o leitor a diversos percursos por fontes e dados paralelos. Outra iniciativa, desta vez visando à otimização dos procedimentos editoriais de revistas eletrônicas, foi o desenvolvimento do programa livre e de fonte aberta Open Journal Systems (OJS) da British Columbia University. No Brasil, foi traduzido e adaptado pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), originando o Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas (SEER). Por meio dele, o periódico ganha agilidade e transparência nos procedimentos editoriais, desde a submissão, avaliação, até a publicação online e indexação. A utilização do protocolo OAI – PMH (Open Archives Iniciative - Protocol of Metadata Harvesting) possibilita o intercâmbio de metadados, ferramentas de apoio à pesquisa, assim como mecanismos para preservação dos conteúdos (Arellano, Ferreira & Caregnato, 2005). Os metadados têm a função de facilitar a localização e recuperação de informações eletrônicas, fornecendo meios de identificação e organização da informação digital. Utilizando procedimentos de indexação e classificação de conteúdos, é possível a associação de fontes diferenciadas e heterogêneas de informação. (Ferreira, Modesto & Weitzel, 2006) Em fase de consolidação, o processo de edição e publicação on-line abrange aspectos particulares vinculados ao suporte como a disponibilidade de acesso, o resgate das informações, critérios de interatividade e navegabilidade. Estes, contudo, devem seguir parâmetros balizados pelos séculos da tradição do impresso e que são próprios da legitimidade deste tipo de publicação: apresentar política editorial, possuir conselho editorial, uma rigorosa revisão de qualidade (peer review), dedicar-se a uma área específica, manter edições regulares, ter ISSN, apresentar instruções aos autores, não ter caráter departamental, institucional ou regional, para citar alguns. A Associação Brasileira de Editores Científicos (2005) apresenta os critérios específicos utilizados para a concessão de financiamentos pelo

O Standard Generalized Markup Language é uma norma internacional (ISO 8879/86) que representa a estrutura de qualquer documento. Trata-se de uma metalinguagem utilizada para definir outras linguagens e tem como função principal o intercâmbio de informações entre software, hardware, armazenamento e publicação, incluindo os processos de editoração e o gerenciamento de bases de dados, sem considerar as marcas dos fabricantes. Busca facilitar a troca de informações na web. (Biojone, 2003) 6


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CNPq/Finep para as revistas eletrônicas7. Entre eles, destacam-se: fechar pelo menos quatro diretórios ou fascículos por ano com um de conteúdo não inferior a cinco artigos (por edição); informar se a revista existe também no suporte papel e o quê as diferencia; detalhar procedimentos de preservação dos trabalhos on-line (inclusive quanto à obsolescência de recursos e equipamentos); apresentar em todas as telas a legenda bibliográfica dos artigos; ter links que facilitem a navegação do usuário para o artigo e o autor; dispor de controle estatístico de acesso eletrônico aos artigos, assim como a data e horário da aceitação dos artigos; manter a hospedagem da publicação em servidores seguros, distribuídos em três estados brasileiros (mínimo de dezoito horas por dia e seis dias por semana).

Periódicos científicos e a eficácia comunicacional A expressiva quantidade de publicações científicas existente hoje no Brasil em diferentes suportes conduziu à necessidade de identificar o que é relevante, qualificado e confiável em meio à quantidade de documentos produzidos. Nesse sentido, a avaliação de periódicos tem sido objeto de pesquisas desde a década de 60, envolvendo a busca de parâmetros para dimensionar a qualidade das informações registradas. Em 1964, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – UNESCO – desenvolveu um modelo para avaliação de títulos latino-americanos que incluía itens como “apresentação física, duração, regularidade, periodicidade, colaboradores de outras instituições, nível de especialização e indexação” (Barbalho, 2005, p.135). Este serviu de referência para estudos posteriores8 que foram realizados junto a áreas específicas do conhecimento ou vinculados a instituições de amparo à pesquisa, focando principalmente o suporte impresso. O estudo realizado por Kryzanowski e Ferreira (1998), que considera os periódicos sob os aspectos de forma e mérito (desempenho e conteúdo), atualmente serve como referência para a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES – do Ministério da Educação – MEC – para a classificação das publicações. O Sistema Qualis9 avalia anualmente os periódicos da diferentes áreas em categorias A, B e C dentro dos âmbitos local, nacional e internacional. Dentro deste contexto surgiu o projeto de pesquisa Os elementos comunicacionais dos periódicos científicos e a relação com os suportes impresso e on-line: estudo-piloto na As listagens completas de itens válidos para periódicos impressos e eletrônicos podem ser encontradas no site da Associação Brasileira de Editores Científicos <http://www.liber.ufpe.br/abec/>. 8 Um breve resumo dos estudos já realizados pode ser encontrado em BARBALHO, Célia Regina S. Periódico científico: parâmetros para avaliação de qualidade. In: FERREIRA, Sueli M. S. P.; TARGINO, Maria das Graças. Preparação de Revistas Científicas – teoria e prática. São Paulo: Reichmann & Autores, 2005, nas páginas 135 a 138. 9 <http://qualis.capes.gov.br/> 7


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Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Busca problematizar a eficácia comunicacional gráfica e editorial dos periódicos científicos editados pelas áreas de Ciências Humanas; Ciências Sociais Aplicadas; Língüística, Letras e Artes da Universidade, publicados entre 2003 e 2004. Pioneira na educação superior no Rio Grande do Sul, a UFRGS ocupa posição de destaque entre as instituições de ensino superior do país e da América Latina,10 com tradição na área do ensino, pesquisa e extensão. Segundo o último censo dos diretórios de pesquisa realizado pelo CNPq em 2004, ocupa o quinto lugar em número de pesquisadores cadastrados (2.614 sendo 1.886 doutores) e é a sexta instituição com maior número de grupos de pesquisa (64% de grupos consolidados).11 Consideramos fundamental introduzir, no debate sobre a prática discursiva científica, o domínio dos dispositivos comunicacionais. A disponibilização da produção científica na Internet é cada vez mais comum e não pode ficar restrita aos recursos de mera transposição da produção gráfica impressa. A principal contribuição dessa investigação se dá na sistematização de um quadro de referência que possa, ao final do estudo, orientar a produção editorial de periódicos científicos não apenas a partir dos critérios formais tradicionalmente reconhecidos como “próprios do campo científico”, mas também a partir de critérios que dizem respeito à eficácia comunicacional. Editados por pesquisadores para um público majoritariamente formado por seus pares, esses periódicos parecem não usufruir de todas as possibilidades criativas e cognitivas de que seriam potencialmente capazes para veicular a ciência. Uma vez que o primeiro contato com os conteúdos de um periódico se dá a partir de suas características visuais – cujo suporte pode ser uma tela de computador ou um volume impresso –, que aspectos envolvem o desenvolvimento de uma apresentação adequada à divulgação do conhecimento científico? Levando em conta a normatização própria de publicações científicas, como aprimorar sua apresentação gráfica e editorial de modo a ampliar sua eficácia? A fim de exemplificar pressupostos básicos da eficácia no processo de comunicação, podemos discernir três níveis de estruturação das mensagens: (1) técnico, relacionado à exatidão e correção com que os signos são transmitidos; (2) semântico, vinculado à exatidão com que os signos transmitidos conduzem à assimilação de seu significado; (3) persuasivo, associado ao grau de eficácia da mensagem recebida, de modo que o sentido apreendido conduza à ação desejada (Doblin, 1980). 10 11

Em 2001, ocupava o sétimo lugar no ranking científico latino-americano. Disponível em www.cnpq.br Acesso em 01.04.2006


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No primeiro nível, encontra-se a base técnica-material sem a qual as etapas seguintes não são atingidas. Neste âmbito podemos situar as noções de alcance, tempo, força e percepção. A mensagem precisa atingir seu público-alvo no momento adequado, ser suficientemente forte para não ser confundida com mensagens similares. Deve ser adequada ao tempo disponível para sua percepção e ter características materiais que permitam a apreensão pelos sentidos. No segundo nível, observamos como a mensagem tem seu significado assimilado. Destacam-se decodificação, hierarquia, receptores preparados, acabamento e congruência. A mensagem é compreendida a partir de signos que se articulam em uma hierarquia adequada ao propósito da comunicação. Estes elementos estão integrados e conferem coerência ao conjunto. No terceiro nível assegura-se a eficácia comunicacional, quando a mensagem transmitida atinge seu objetivo. A integridade das informações transmitidas, seu acabamento estruturado de modo adequado e profissional, outorga credibilidade e autoridade ao que está sendo comunicado. Neste nível também é reforçado o apelo estético e emocional, aspecto associado à persuasão. O ruído, parte do processo de comunicação, pode ocorrer em qualquer um destes níveis. Uma página com problemas de impressão, por exemplo, resulta em um problema de nível técnico; a utilização de construções textuais ambíguas, no nível semântico. Uma resposta impulsiva a uma mensagem, como a navegação dispersiva a partir de um link que conduza a um documento exterior ao texto, pode limitar a sua eficácia. Para diminuir as deficiências ocasionadas pelo ruído, utiliza-se a redundância, que introduz nas mensagens um grau de previsibilidade e convenção. Nesse sentido, ao folhear um periódico científico, encontraremos elementos prétextuais como título, autoria, resumos, palavras-chaves, posicionados na página de modo que visualmente se distingam os campos relativos a cada uma destas informações. Além disso, podemos encontrar um bloco de texto assinalado de uma maneira distinta para indicar que é em língua estrangeira. A configuração do layout da página deve reservar, ainda, espaço para a legenda bibliográfica com dados de cada artigo e do periódico. Estas observações genéricas procuram evidenciar que, no campo da produção editorial e gráfica dos periódicos científicos, a normalização é um dos quesitos que determina em grande parte seu projeto gráfico. Estabelece campos de redundância que conduzem a leitura de modo fluente.


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A leitura do texto científico consiste em uma finalidade distanciada do leitor, exterior a si. Demanda uma conduta mental dirigida e visa à ação (situação funcional).12 “Sendo assim, o funcionamento mental é do tipo analítico, seqüencial, convergente. A leitura é sustentada por uma atividade de raciocínio, de controle e de seleção de informações, colocando-os a serviço do objetivo pretendido”. (Gaté, 2001, p.32). Sabe-se o quanto a comunicação científica comporta-se como um segmento reservado em que a questão principal é ser posta à prova e validada como legítima. A mensagem dirige-se a um grupo de referência, cujos sujeitos dominam uma mesma competência de saber. Cada área, por sua vez, apresenta uma forma de linguagem acadêmica e definição do que considera aceitável cientificamente, constituindo comunidades interpretativas (Chartier, 2000) com um perfil próprio de interação discursiva. Essas comunidades estabelecem modelos de interpretação e de fixação de sentido. É nesse âmbito que interessa haver critérios para a constituição dos periódicos que garantam a circulação do conhecimento em cada área e sirvam como garantia de legitimação dos artigos produzidos. Quando discute projetos editoriais e gráficos para a leitura científica, Meadows (1999) centra-se na forma como os cientistas lêem e na importância decisiva da legibilidade dos suportes. Esta envolve as qualidades e atributos inerentes à tipografia que possibilitam ao leitor reconhecer e compreender as formas e o arranjo dos tipos com maior facilidade. A legibilidade, neste caso, levará em conta regras próprias do campo científico que se consolidaram ao longo do tempo, e que hoje constituem um conjunto de orientações sedimentadas em convenções e normas técnicas de diferentes ordens.

Resultados preliminares Tais discussões instigam o desenvolvimento da pesquisa a que este artigo se refere. O trabalho iniciou em março de 2005 e o primeiro procedimento adotado foi a identificação e montagem de acervo dos periódicos publicados que compõem o corpus a ser estudado. Já nesta etapa, enfrentamos a primeira dificuldade: nosso projeto inicial propunha o estudo das revistas publicadas em 2004 apenas. Contudo, mesmo em 2005, vários títulos ainda não tinham lançado todos os volumes previstos para o ano anterior. Assim, incluiu-se no corpus o ano de 2003. No início do levantamento do acervo, foi necessário localizar e contatar as várias

Eveline Chameux (1994) propõe a distinção de dois projetos de leitura que remetem, um ao outro, a situações diferenciadas de leitura. O projeto para si orienta a leitura para o próprio leitor, em uma relação íntima e pessoal entre texto e sujeito. É lúdica e evasiva. O projeto exterior a si conduz a leitura à ação ou conhecimento a adquirir. 12


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Unidades e/ou as comissões editoriais para verificar quais revistas vinham sendo publicadas, além de obter as edições de 2003 e 2004. Estes fatores sinalizaram aspectos que, com o andamento da investigação, foram verificados em maior profundidade. São eles: a falta de divulgação e circulação dos títulos (entre a comunidade interna e externa), problema crônico que condena a produção científica à invisibilidade, a dificuldade de manter a periodicidade do lançamento das edições, bem como a falta de estrutura das comissões editoriais. Impasses como a questão da pontualidade, a demora na publicação, assim como o voluntariado das equipes de edição, são apontados criticamente por estudos desde a década de 60 do século passado, período da explosão da pesquisa, do material informativo e da especialização dos periódicos (Biojone, 2003). Concomitante a esta etapa inicial do desenvolvimento do projeto, a Comissão Assessora de Periódicos da UFRGS, vinculada à Pró-Reitoria de Pesquisa (Propesq), iniciou o recadastramento das publicações. A iniciativa resultou no lançamento do Portal de Periódicos (http://www.ufrgs.br/propesq/periodicoscient) em setembro de 2005, assim como na oferta de cursos de orientação e treinamento de uso do SEER para comissões editoriais. A editora da Universidade, por sua vez, propôs-se a realizar a comercialização e distribuição das publicações. Ao dar por encerrado o levantamento dos títulos publicados, validaram-se 23 periódicos – 21 impressos e dois eletrônicos – para mostra nas áreas de Ciências Humanas, Lingüística, Letras e Artes e Ciências Sociais Aplicadas assim distribuídos (Figura 1):

Figura 1 – Número de títulos por área de conhecimento.

A tarefa seguinte foi o recolhimento de todas as edições publicadas nos anos de 2003 e 2004. Procuramos identificar também quais títulos impressos também estavam de alguma forma presentes na Internet e de que forma. Chegamos, então, ao quadro a seguir (Figura 2):


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Figura 2 – Títulos que compõem corpus da pesquisa e suas características básicas

Em seguida, identificou-se, em cada um dos números, as características editoriais e gráficas dos periódicos, registrando-as em formulário próprio desenvolvido pela equipe a partir de Krzyzanowski & Ferreira (1998). O modelo das autoras adota uma metodologia que prevê a avaliação conjunta do mérito (conteúdo) e desempenho (forma). A análise do mérito passa pela definição do grau de relevância da publicação considerando qualidade (nível científico, corpo editorial e consultores, critérios de arbitragem), natureza do órgão publicador, abrangência, indexação (número de bases de dados nacionais e internacionais), e uma avaliação global que a compara com outros títulos da mesma área. A avaliação do desempenho, por sua vez, privilegia os itens normalização, duração, periodicidade, indexação, difusão, colaboração e divisão de conteúdo. O formulário inicial desenvolvido pela equipe para avaliar os títulos da UFRGS levou em conta critérios que fossem passíveis de coleta e análise, bem como características das edições relacionadas a seu formato gráfico. Optamos por trabalhar a partir dos elementos associados ao desempenho, considerando que nosso interesse é o de levantar características formais dos periódicos, detectando aspectos técnicos a serem qualificados a partir do campo da Comunicação. Durante a análise das edições, contudo, percebeu-se o quanto mérito e desempenho estão relacionados. A avaliação do mérito exige o domínio de conhecimentos


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específicos que necessita, como já discutimos anteriormente, do crivo dos pares. Por outro lado, a qualidade do que é publicado manifesta-se também por elementos descritos e configurados na organização material da edição, conferindo a ela um grau de maior ou menor credibilidade. Na divulgação formal do conhecimento científico, as funções básicas de memória e disseminação assumidas pelos periódicos se consolidaram no formato impresso. A partir do fichamento das edições impressas e da discussão de resultados de pesquisa de outros estudiosos, elaboramos um primeiro roteiro de avaliação já incorporando itens próprios do campo da comunicação nos níveis técnicos, semânticos e persuasivos, contemplando também elementos do meio eletrônico. Os dados preliminares serão agora revistos e novamente checados junto ao corpus impresso, seguindo este primeiro roteiro de autoria da equipe. As revistas eletrônicas já serão avaliadas a partir dele, permitindo sistematizar um quadro de referência mais amplo a fim de orientar a produção editorial científica partindo da contribuição dos estudos da Comunicação.

Considerações finais Uma vez que a compreensão das informações está diretamente relacionada às propriedades dos suportes e ao aparato perceptivo dos leitores, cada um dos itens relacionados na pesquisa em desenvolvimento deverá ser avaliado de forma peculiar no caso de periódicos impressos e daqueles eletrônicos. As interfaces que os caracterizam têm pontos em comum, mas também outros bastante distintos. Enquanto que o meio impresso tem uma longa tradição histórica, tornando de certo modo naturalizada a leitura através de sumários, números de páginas, notas de rodapé, etc., as publicações científicas eletrônicas são recentes e a constituição de orientações sob o ponto-de-vista da ergonomia da hipermídia são um campo de pesquisa com uma trajetória curta. A equipe do Portal de Periódicos da CAPES verificou uma grande diversidade de apresentação das páginas dos periódicos nacionais eletrônicos Qualis A ou B. Para qualificar este conjunto, recomenda aos editores uma padronização das informações básicas de acesso, seguindo práticas e normas internacionais, tendo como referências nacionais a Scielo e o SEER.13

13 Nota divulgada pela CAPES em 31.03.2006. Disponível em <http://www.capes.gov.br>. Acesso em 01 de abril de 2006.


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A dificuldade de leitura na tela exige recursos para que o documento seja impresso. No entanto, o suporte eletrônico exige muito mais do que uma mera transposição do impresso para o digital. Questiona-se a aplicação de uma seqüência linear em um meio que possibilita percursos multifacetados de edição e leitura. Na amostra analisada verifica-se, em linhas gerais, uma adoção tímida e parcial das novas tecnologias. Cabe lembrar que esta questão não se restringe apenas à escolha de formatos e de estratégias de comunicação. Passa também, a longo prazo, por uma mudança de hábitos por parte dos pesquisadores, geralmente conservadores em relação aos modelos consagrados de divulgação de seus trabalhos. O período de transição significa a convivência dos dois suportes ainda por um longo período. O próprio corpus analisado pela pesquisa confirma esta situação. Das 21 revistas impressas, apenas quatro não estão de nenhuma forma presentes na Internet (ver fig.2). Sete delas disponibilizam artigos completos na Internet, sendo três por meio do Scielo. As revistas que mantinham uma tradição consolidada no meio impresso passam a migrar para a web, considerando a visibilidade e o alcance propiciados. Só para ilustrar o impacto obtido, pesquisas já citadas demonstram o incremento na circulação dos artigos por via eletrônica, algo como um aumento médio de 336% nas citações on-line em relação à mesma fonte impressa (cf. Lawrence apud Costa, 2005). Tudo indica que, cada vez mais, será fortalecida a versão eletrônica dos periódicos. Biojone (2003) acredita que sua evolução natural será o banco de dados de artigos, alterando estruturas arraigadas como periodização ou formato de fascículo. “Pode-se dizer que, aos poucos, está sendo gerado um novo produto, que prioriza a informação e não mais o formato em que está disponível” (Biojone, 2003, p.68). Se no campo científico, o privilégio reside no perfil acadêmico, na forma de seleção e conteúdo dos textos, sabe-se também o quanto um periódico perde força e relevância ao deixar de lado o caráter material da edição e os critérios formais de composição. Questões relativas à técnica, à semântica e à eficácia comunicacional permanecem como desafios na transição dos suportes e dos formatos, seja ele um fascículo ou um banco de dados. As pesquisas em design gráfico e para meios eletrônicos alimentam padrões que beneficiam ou não a legibilidade de um texto, transmitem a seriedade ou não de uma pesquisa, organizam ou não a matéria discursiva. Sob a perspectiva histórica, as escolhas, mais do que opções subjetivas, representam a vontade de uma comunidade acadêmica e podem ser consideradas como expressão de uma concepção de pesquisa científica.

Referências


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Copyleft: a utopia da pane no sistema André Azevedo da Fonseca Graduado em Comunicação Social (Universidade de Uberaba / Uniube); Especialista em História do Brasil (PUC-MG); Mestrando em História Cultural na Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquisa Filho” (Unesp-Franca). Autor de Cotidianos culturais e outras histórias: a cidade sob novos olhares (Uniube, 2004) disponível em licença copyleft no endereço: http://azevedodafonseca.sites.uol.com.br

Resumo Este artigo busca conceituar o termo “copyleft”, uma licença que permite a livre reprodução e distribuição sem fins lucrativos da produção intelectual. Simultaneamente, procura desenvolver a discussão: será que essa disseminação do conhecimento é verdadeiramente uma democratização ou apenas um cosmético nas estratégias de propaganda? Dessa forma, vistos os antecedentes históricos, considerando que a indústria de entretenimento sempre se mostrou temerosa quando surgiram novas tecnologias, mas foi sempre eficiente não apenas para vencer as crises mas sobretudo para direcionar as tecnologias a seu favor, percebe-se que o mercado tende a aprender a domar essas “insubordinações” para tirar proveito das técnicas de guerrilha cultural, sob o custo de uma democratização relativa da informação.

Palavras chaves: copyleft; propriedade intelectual; democratização da informação.

Resumen Copyleft: la utopia del parada en el sistema Este artículo busca conceptualizar sobre el termino "copyleft", una licencia que permite la libre reproducción y distribuición, sin fines lucrativos, de la producción intelectual. Simultáneamente, busca desarrollar la discusión: será que esa diseminación del conocimiento es verdaderamente una democratización o apenas un cosmético en las estratégias de propaganda? De esta forma, vistos los antecedentes históricos, considerando que la industria de entretenimiento siempre se mostró temerosa, cuando surgieron nuevas tecnologias, mas fue


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siempre eficiente no sólo para vencer las crisis, pero sobre todo para direccionar las tecnologías a su favor, se percibe que el mercado tiende a aprender a domar esas "insubordinaciones" para sacar provecho de las técnicas de guerrilla cultural, bajo el costo de una democratización relativa de la información. Palabras claves: copyleft; propiedad intelectual; democratización de la información.

Abstract Copyleft: the Utopia of system breakdown

This article tries to conceptualize the term “copyleft”, which is a license that permits, without lucrative ends, the free reproduction and distribution of intellectual production. Simultaneously, this article tries to develop the discussion: Is it factual that this dissemination of knowledge is truly a democratization or simply something superficial in propaganda strategies? From the point of view of looking at the historical antecedents and considering that the entertainment industry has always shown itself to be fearful of new emerging technologies, yet has always been efficient not only in emerging victorious during crisis but in using these technologies in their favor, it can be seen that the market tends to learn how to dominate these “insubordinations” in order to take advantage of these techniques in a cultural guerrilla war, at the cost of the relative democratization of information. Key-words: copyleft; intellectual property; democratization of information

Introdução A revolução digital dos últimos 20 anos desencadeou uma irrefreável popularização de equipamentos de reprodução de conteúdo. Nunca foi tão simples e extraordinariamente barato copiar e distribuir informação, sobretudo devido à facilidade de uso da Internet, aliada a incessantes novidades tecnológicas, tais como gravadores de CD, DVD e impressoras


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pessoais. No entanto, ao mesmo tempo em que a era digital é celebrada pelo seu potencial de democratização da informação, ela preocupa seriamente donos de direitos autorais e empresários da indústria da informação, pois a descentralização inerente à rede parece inviabilizar qualquer tipo de controle da propriedade intelectual. Percebe-se, neste contexto, uma discussão polarizada entre os idealistas da livre informação e os defensores irredutíveis do copyright, sob a franca ineficiência das tradicionais legislações de proteção. O hacker Richard Stallman, fundador do Free Software Foundation (FSF), concebeu uma estratégia criativa para garantir que todas as variações dos programas originalmente criados pelo seu projeto GNU prosseguissem o desenvolvimento em código aberto. Isso significa que nenhum programador pode registrar o copyright desses softwares e impedir que outros usuários tenham acesso ao código-fonte das modificações que porventura tenha efetuado. Esse recurso foi batizado como “copyleft”, em uma paródia que inverte para a esquerda o sentido de direita do copyright. Nos últimos anos, grupos artísticos e intelectuais de tendência anarquista têm defendido que o conceito de copyleft, surgido na informática, pode ser adaptado ao universo da produção científica e da cultura de massa. Os mais entusiastas chegam a argumentar que estamos sob uma nova era de produção e consumo de informação na qual os grandes conglomerados da indústria cultural serão derrubados para que possa emergir uma forma comunitária e aberta de livre distribuição de cultura. Em outras palavras, capaz de provocar uma pane no sistema (sonho antigo dos anarquistas libertários). Entretanto, antecedentes históricos mostram que a lógica e o pragmatismo capitalista sempre tiveram flexibilidade para adequar-se às novidades tecnológicas e tirar proveito das crises com assombrosa eficiência. A pergunta é: o copyleft pode mesmo democratizar a informação ou tende a ser inevitavelmente domado pelo “sistema”? São esses os assuntos expostos e discutidos neste artigo. O estudo direto dos projetos de Richard Stallman justificam-se por que a ele é atribuído a criação do próprio conceito de copyleft. Em relação à transposição do copyleft para a indústria cultural, a pesquisa foi delimitada a um manifesto do coletivo literário italiano WU MING, “Copyright e maremoto”, primeiro por causa do histórico de defesa do copyleft desse grupo, depois pelo farto material que o coletivo disponibiliza sobre o tema, mas sobretudo devido ao fenômeno de vendas do romance Q, de Luther Blisset, editado pela fundação Wu Ming, que, sob a bandeira do copyleft e até mesmo do incentivo à livre reprodução, já vendeu mais de 2 milhões de cópias oficiais. A obra de Shapiro e Varian, utilizada como base da contra-argumentação, foi escolhida por um motivo muito simples: os autores são reverenciados pelos maiores ‘inimigos’ de Stallman,


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como Jeff Bezos, da Amazon.com, além de representantes da Intel, Novell e da Federal Trade Commision, entre outros14. Dessa forma, acredita-se que foi possível reunir um razoável contraponto de idéias e buscar pontos de convergência entre posições antagônicas. Devido às restrições de espaço deste artigo, preferiu-se por não abordar o problema da indústria fonográfica, por tratar-se de uma questão com complexidades próprias, devendo portanto ser analisado à parte. Apesar de ser um conceito cunhado nos anos 80, são raros os trabalhos em português sobre copyleft. Este artigo esboça resultados de uma pesquisa ainda em andamento, e visa contribuir para suprir essa lacuna.

Indústria de informação A discussão sobre propriedade intelectual é uma das mais explosivas da economia do conhecimento, pois toca em um problema crucial na atualidade: como determinar e garantir os direitos autorais de uma idéia, de um produto imaterial? Em um mercado sofisticado ao ponto de ser capaz de comercializar bens simbólicos, ainda não se encontrou a fórmula eficiente para regulamentar a circulação da mercadoria “informação”. E essa economia parece deslizar no seguinte paradoxo, que cria uma curiosa situação de interdependência aparentemente suicida: à medida em que as empresas de softwares e equipamentos – aparelhos de som, de CDs, de DVDs e Vídeos Cassetes, equipamentos de reprografia, indústria de informática etc. – lançam produtos mais sofisticados, capazes de gravar, regravar ou copiar dados com qualidade industrial, os produtores de conteúdo perdem cada vez mais a capacidade de recolher os direitos autorais sobre a reprodução de seus produtos intelectuais. “As mesmas corporações que vendem samplers, fotocopiadoras, scanners e masterizadores controlam a indústria global do entretenimento, e se descobrem prejudicadas pelo uso de tais instrumentos”. (WU MING, 2002, p.5). Shapiro e Varian (1999, p.16) observam que, na economia do conhecimento, a informação é cara de produzir, mas barata para reproduzir – filmes de 100 milhões de dólares, por exemplo, podem ser reproduzidos em fitas que custam alguns centavos. E evidentemente, não há lei de patentes capaz de controlar essa dinâmica. Castells (1999, p.51) afirma que uma das principais características da sociedade em rede é justamente a capacidade de as pessoas

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Na Quarta capa da edição brasileira de A economia da informação, de Carl Shapiro e Hal R. Varian, o empresário Michael Dolbec, vice-presidente da 3Com, escreve: “Leia este livro para descobrir exatamente o que seus concorrentes estão fazendo e como você poderá tirar o sono deles à medida que compete para o futuro”. A informação é um grande negócio.


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apropriarem-se criativamente dos novos meios. “As novas tecnologias da informação não são simplesmente ferramentas a serem aplicadas, mas processos a serem desenvolvidos. Usuários e criadores podem tornar-se a mesma coisa. Dessa forma, os usuários podem assumir o controle da tecnologia como no caso da Internet”. Essa dinâmica remete àquela das criações coletivas que marcaram e ainda caracterizam sobretudo as culturas orais, mas que, apesar das restrições de propriedade intelectual, não deixam evidentemente de influenciar a cultura escrita. Nas sociedades ágrafas, um dos fatores que mais enriquecem os relatos populares é a diversidade das versões; ou seja, cada um que ouve um caso apropria-se da estrutura narrativa e acrescenta elementos de seu universo cultural ao contá-lo. De boca a boca, temperadas pelas sutilezas do cotidiano, as histórias adquirem novos sabores e acabam por reunir os ingredientes mais significativos do imaginário coletivo de uma época. A antropologia ensina que o ser humano é o resultado do meio cultural em que foi socializado. Somos herdeiros de um longo processo acumulativo, fundamentado no conhecimento adquirido por gerações de ancestrais. Laraia (2001, p.45-47) observa que é justamente a manipulação adequada e criativa desse patrimônio cultural que permite inovações e invenções, que por sua vez não são produtos de ação isolada de um gênio, mas o resultado de um esforço comunitário. Na história temos incontáveis casos de obras coletivas, como as lendas míticas, as canções populares e mesmo o caso da Ilíada, atribuída a Homero, mas que, hoje, acredita-se tratar de uma reunião de narrativas correntes da tradição oral clássica. Assim, Laraia defende a hipótese que, se Albert Einstein, por exemplo, não tivesse desenvolvido suas teorias, alguém o faria, mais cedo ou mais tarde, pois outros cientistas, “diante de um mesmo material cultural”, estariam aptos para utilizar os mesmos conhecimentos e chegar aos mesmos resultados. Aí está uma boa questão. Estariam os segredos de patentes impedindo o surgimento de novos Einsteins? Laraia (2001, p.46) observa que não basta a natureza criar indivíduos altamente inteligentes, pois isto ela já faz com freqüência; mas “é necessário que coloque ao alcance desses indivíduos o material que lhes permita exercer a sua criatividade de uma maneira revolucionária”. Dessa forma, sentimo-nos à vontade para afirmar que, sim, sem circulação efetiva de conhecimento, sobretudo devido às restrições econômicas, gênios potenciais são prodigamente desperdiçados.


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Mas como a nova economia estruturou a informação como um produto à venda, a equação não fecha. Em relação a Internet, proprietários de direitos autorais não conseguem encontrar soluções para essa inquietante ambivalência. Por um lado, a rede é um recurso fabuloso de divulgação e um potencial inédito de distribuição de conteúdo. Por outro, muitos empresários ainda mantêm forte resistência por considerá-la um instrumento que só favorece a livre e infinita pirataria. Nesse turbulento contexto surge, da informática, a idéia de copyleft, um novo conceito que ainda não é reconhecido em convenções internacionais, mas que vem adquirindo popularidade e legitimidade, sobretudo na Internet, ao mesmo tempo que parece ameaçar negociantes de conteúdos. A criação deste termo é atribuída a Richard Stallman, um ativista da primeira geração de hackers da Universidade de Harvard e do MIT Artificial Intelligence Lab (Laboratório de Inteligência Artificial do Instituto de Tecnologia de Massachusetts) nos anos 1970. Em janeiro de 1984 Stallman abandonou o MIT para dedicar-se ao projeto GNU – uma paródia metalingüística e tautológica, a sigla GNU significa Gnu is Not Unix (Gnu Não é Unix). Em 1985, fundou a Free Software Foundation (FSF). Copyleft é um trocadilho de tradução literal impossível. No primeiro momento, em uma inversão do copyright (direitos de reprodução), o novo termo substitui o “right” pelo “left”, direita por esquerda, em inglês – naturalmente uma alusão à ideologia política à esquerda, historicamente envolvida nos esforços de democratização da informação. Mas “left” é também um modo verbal que se refere ao “simple past” (passado perfeito) do verbo “leave”, que significa “permitir, deixar”. Neste segunda leitura, poderíamos traduzir copyleft por algo como “cópia permitida”. Junto a esse conceito foi criado, para parodiar o slogan “All rights reserved” (Todos os direitos reservados) a fórmula “All rights reversed” (Todos os direitos invertidos). Mas para compreender as sutilezas do copyleft, é necessário compreender os fundamentos do projeto GNU.

GNU is Not Unix O GNU foi idealizado em 1983 e lançado no ano seguinte, com o objetivo de desenvolver um sistema operacional completo e tão eficiente quanto o Unix. A diferença é que, ao contrário deste último, que é um sistema fechado e exige pagamento pela licença de uso, o GNU é um sistema aberto e oferece livre acesso para os usuários – ou seja, pode ser instalado, modificado e copiado gratuitamente. De acordo com informações no site do projeto, diversas


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variações do sistema GNU que utilizam o núcleo Linux são hoje largamente utilizadas (estima-se que aproximadamente 20 milhões de usuários têm acesso ao programa). Apesar de serem normalmente chamados apenas de Linux, o popular sistema operacional gratuito criado por Linus Torvalds, na verdade trata-se de variações de sistemas GNU/Linux. “O Software Livre é uma questão de liberdade: as pessoas devem ser livres para usar o software de todas as maneiras que sejam socialmente úteis.15” Na concepção dos criadores do GNU, a palavra "livre" ("free" no original) está relacionada com liberdade, em vez de preço. Isso quer dizer que o usuário pode ou não pagar um preço para obter o software GNU. Informações no site oficial esclarecem que esse programa possibilita três liberdades específicas de utilização:

Primeiro a liberdade de copiar o programa e da-lo (sic) para seus amigos e colegas de trabalho; Segundo, a liberdade de modificar o programa de acordo com os seus desejos, por ter acesso completo às fontes; Terceiro, a liberdade de distribuir versões modificadas e assim ajudar a construir a comunidade. (Se você redistribui software GNU, você pode cobrar pelo ato de transferir uma cópia, ou você pode dar cópias de graça.)16

A idéia, ainda segundo os criadores, é “trazer de volta o espírito cooperativo que prevalecia na comunidade de informática nos seus primórdios”, removendo obstáculos impostos pelos proprietários do software e tornando possível a cooperação entre programadores. Todo usuário de computador precisa necessariamente de um Sistema Operacional (Operating System), como o Windows, o Mac ou o Unix, para citar os mais populares entre o público não especializado. Sem um sistema operacional livre, não é possível nem mesmo iniciar um computador sem pagar pela licença de uso do software (a não ser que se use versões piratas e, portanto, ilegais). Assim, para o GNU, o primeiro item na agenda do software livre é o estabelecimento de um sistema operacional livre. A Free Software Foundation (FSF), fundada por Richard Stallman, mantém desde 1999 o projeto Free Software Directory (FSD). Em um site da web, a fundação deixa à disposição para download softwares livres que funcionam em sistemas operacionais abertos, sobretudo

15

Traduzida por Pedro Oliveira e revisada por Miguel Oliveira em abril de 2000; Atualizada por Fernando Lozano. Disponívem el: <http://www.gnu.org/philosophy/philosophy.pt.html#AbouttheGNUproject>. Acesso em: 27 fev. 2004. 16 Traduzido por Fernando Lozano. Disponível em: <http://www.gnu.org/gnu/gnu-history.pt.html>. Acesso em: 27 fev. 2004.


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nas variações GNU/Linux. Desde abril de 2003 o projeto conta com o apoio da Unesco. Quase tudo em copyleft. Há nesse conceito uma característica chave que o diferencia definitivamente da idéia de “domínio público”. De fato, o modo mais simples de estabelecer um software-livre é colocálo sob domínio público, ou seja, abrir mão por completo do copyright. No entanto, se por um lado permite que os usuários compartilhem livremente o programa original, essa licença aberta deixa uma brecha. Ela não impede, por exemplo, que empresas não-cooperativas, ao fazer poucas modificações no programa, registrem o copyright e, detentoras dos direitos autorais, comercializem com exclusividade o “novo” software, com código fechado. Assim, em vez de colocar os programas do GNU em domínio público, o projeto desenvolveu esse artifício. O copyleft impõe que qualquer usuário que redistribua o programa, com ou sem modificações, deve necessariamente passar adiante as liberdades de fazer novas cópias e modificá-las. Em outras palavras, torna ilegal a comercialização da versão melhorada em código fechado. A estratégia dessa licença é engenhosa. Para distribuir programa em copyleft, primeiro o GNU esclarece que ele está protegido sob copyright. Em seguida, nos termos de distribuição – o instrumento legal que concede o direito de uso – registra que o usuário pode modificar e redistribuir o código-fonte do programa (ou qualquer outro programa derivado dele), mas somente se todos os termos de distribuição permanecerem inalterados –

leia-se: se for

mantido o código aberto. Além disso, a FSF estabelece que cada autor de código incorporado a softwares da fundação ceda seus direitos de copyright. “Deste modo nós podemos ter certeza de que todo o código em projetos da FSF é código livre, cuja liberdade nós podemos proteger de maneira efetiva, e na qual outros desenvolvedores possam confiar plenamente17.” Assim, o código e as liberdades se tornam legalmente inseparáveis. A grosso modo, são essas as bases da General Public License (Licença Pública Geral), do GNU, comumente chamada de GNU GPL. O trecho a seguir, do coletivo literário Wu Ming, explica, com a insolência típica de grupos anarquistas, como essa estratégia funciona na prática: Se o software livre tivesse permanecido simplesmente em domínio público, cedo ou tarde os rapaces da indústria o teriam colocado sob suas garras. A solução foi virar o copyright pelo avesso, para transformá-lo de obstáculo à livre reprodução em suprema garantia desta última. Em poucas palavras: ponho o copyright, uma vez que sou proprietário desta obra, portanto 17

Traduzido por Fernando Lozano. Disponível em: <http://www.gnu.org/licenses/why-assign.pt.html>. Acesso em: 27 fev. 2004.


Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación www.eptic.com.br, Vol. VIII, n. 2, mayo – ago. 2006 aproveito deste poder para dizer que com esta obra você pode fazer o que quiser, pode copiá-la, difundi-la, modificá-la, mas não pode impedir outro de fazê-lo, isto é não pode apropriar-se dela e impedir sua circulação, não pode colocar nela um copyright seu, porque ela já tem um, me pertence, e eu te enrabo. (WU MING 1, 2003).

“Até onde o software livre pode ir?”, perguntam os criadores do GNU. “Não há limites, exceto quando leis como o sistema de patentes proíbem o software livre completamente. O objetivo final é fornecer software livre para realizar todas as tarefas que os usuários de computadores querem realizar -- e assim tornar o software proprietário obsoleto.”18 Do universo da informática, o copyleft invadiu outras áreas do conhecimento. Em artigo publicado na revista Nature, o próprio Richard Stallman defende que a ciência deve deixar o copyright de lado.

Deveria ser naturalmente óbvio que a literatura científica existe para disseminar o conhecimento científico, e que as publicações científicas existem para facilitar o processo. (…) [Entretanto,] muitos editores de publicações parecem acreditar que o propósito da literatura científica é permitir a eles publicar periódicos para nada mais do que angariar assinaturas de cientistas e estudantes. Tal pensamento é conhecido como ‘confusão dos meios com os fins’. (STALLMAN, 2001)19.

Para Stallman, o copyright foi estabelecido para satisfazer demandas de proteção próprias das publicações impressas, mas não tem mais sentido na era da comunicação eletrônica (voltaremos a essa argumentação adiante). A pergunta que faz é: “quais regras garantiriam a máxima disseminação de artigos científicos, e conhecimento, na Web?” Ele defende que textos científicos deveriam ser distribuídos livremente, com acesso aberto para todos. E nas páginas da Internet, todos deveriam ter o direito de “espelhar” artigos; isto é, republicá-los literalmente em seus próprios sites, com as devidas referências. Editores de periódicos costumam reclamar que a infra-estrutura on-line requer caríssimos servidores de alta potência, e então precisam cobrar taxas de acesso para pagar os custos. Para Stallman, este ‘problema’ é uma conseqüência da própria ‘solução’ que os editores adotam. “Dê a todo mundo a liberdade de espelhar, e bibliotecas ao redor do planeta vão instalar sites espelho para responder à demanda.” Essa distribuição descentralizada certamente reduziria as necessidades individuais de expandir a largura da banda da rede para responder ao tráfego, possibilitaria portanto acesso mais rápido, além da vantagem de proteger os trabalhos acadêmicos contra perdas acidentais.

18

Traduzido por Fernando Lozano. Disponível em: <http://www.gnu.org/gnu/gnu-history.pt.html>. Acesso em: 27 fev. 2004.

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Tradução livre


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Mas como financiar as publicações? O custo da edição, (mesmo no caso de impressos, atreveríamos a acrescentar), poderia ser recuperado, sugere Stallman, através de uma taxa por página, cobrada dos autores, que por sua vez poderiam passar os custos para os financiadores da pesquisa. O autor ocasional que não é afiliado a uma instituição, e que não tem nenhum órgão financiador, seria eximido de pagar as taxas, e os custos computados a outros autores ligados à instituições de fomento à pesquisa. “A Constituição Americana diz que o copyright existe ‘para promover o progresso da ciência’. Quando o copyright impede o progresso da ciência, a Ciência precisa deixar o copyright de lado”, conclui Stallman (2001).

Copyright e maremoto Da ciência, o conceito passou a referir-se a fenômenos da cultura:

Atualmente existe um amplo movimento de protesto e transformação social em grande parte do planeta. Ele possui um potencial enorme, mas ainda não está completamente consciente disso. Embora sua origem seja antiga, só se manifestou recentemente, aparecendo em várias ocasiões sob os refletores da mídia, porém trabalhando dia a dia longe deles. É formado por multidões e singularidades, por retículas capilares no território. Cavalga as mais recentes inovações tecnológicas. As definições cunhadas por seus adversários ficam-lhe pequenas. Logo será impossível pará-lo e a repressão nada poderá contra ele. É aquilo que o poder econômico chama “pirataria”. (WU MING 1, 2002, p.3).20

Esta é a introdução do manifesto Copyright e maremoto, do coletivo literário italiano Wu Ming (que significa, em chinês, Não-famoso, ou Anônimo). O texto argumenta que durante milênios a civilização humana prescindiu do copyright, do mesmo modo que prescindiu de “outros falsos axiomas parecidos, como a ‘centralidade do mercado’ ou o ‘crescimento ilimitado’.” Afirma que, se a propriedade intelectual tivesse surgido na antigüidade, a humanidade não teria a Bíblia, o Corão, Gilgamesh, o Mahabarata, a Ilíada, a Odisséia e todas as narrativas surgidas de um amplo e fértil processo de mistura, combinação, re-escritura e transformação – ou seja, tudo aquilo que muitos chamam de plágio.

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Esse manifesto foi escrito por Roberto Bui, que publicamente identifica-se como Wu Ming 1.


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O manifesto celebra o fato de que, a cada dia, na era digital, milhões de pessoas violam e rechaçam continuamente o copyright. Essa subversão é feita quando copiamos música em formato MP3 na Internet, quando distribuímos informação pela rede e quando reproduzimos livremente conteúdos que nos interessam, usufruindo de tecnologias que suprimem a distinção entre original e cópia. “Não estamos falando da ‘pirataria’ gerida pelo crime organizado, divisão extralegal do capitalismo não menos deslocada e ofegante do que a legal pela extensão da ‘pirataria’ autogestionada e de massas”, prossegue o manifesto. Para Wu Ming 1, a democratização geral do acesso às artes tem a ver com o rompimento de barreiras sociais. “(…) devo fornecer algum dado sobre o preço dos CDs?”. (idem, p.4). Assim, entusiasticamente, argumenta que esse processo está mudando o aspecto da indústria cultural mundial ao inaugurar uma nova fase da cultura onde leis mais duras jamais serão suficientes para deter uma dinâmica social já iniciada e envolvente. Essa movimentação estaria rumando a um ponto em que seriam superadas todas legislações sobre propriedade intelectual para que fossem totalmente reescritas. O copyleft é então saudado como uma inovação jurídica, vinda de baixo, que superou a ‘pirataria’ ao enfatizar a força construtiva (pars construens) do movimento real. Para o manifesto, com aquela estratégia do copyleft (explicitada neste artigo na discussão sobre o GNU), as leis vigentes do copyright21 estão sendo pervertidas em relação a sua função original e, em vez de oferecer obstáculos, se converte em garantia de livre circulação. Para servir de exemplo prático, todos os livros editados pelo coletivo Wu Ming contam com a seguinte locução: “Permitida a reprodução parcial ou total da obra e sua difusão por via telemática para uso pessoal dos leitores, sob condição de que não seja com fins comerciais”. (idem, p.6). Rogério de Campos, diretor editorial da Conrad, editora da coleção Baderna, afirmou em entrevista à Folha de S. Paulo que só conseguiu negociar os direitos de reprodução do romance Q do autor Luther Blisset (pseudônimo de autores coletivos ligados ao Wu Ming) depois de admitir uma cláusula que obriga a editora a “processar qualquer um que impeça a livre reprodução da obra”. (ASSIS, 2002). As leis vigentes sobre o copyright ainda ignoram completamente o recurso ao copyleft. De acordo com o texto do manifesto, em diversos encontros com deputados italianos, os produtores de software livre foram comparados pura e simplesmente aos “piratas”. Isso faz lembrar uma declaração Richard Stallman em entrevista à Folha de S. Paulo: “Não faz sentido 21

As atuais leis de copyright foram padronizadas na Convenção de Berna, em 1971


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sermos comparados a pessoas que atacavam navios e matam só porque compartilhamos informação pública com o vizinho”. (MAISONNAVE; LOUZANO, 2000). A segunda parte do livreto Copyright e maremoto conta com trechos de uma entrevista feita com o grupo. Neste pequeno diálogo, eles expõem com paixão e fúria seus atrevimentos culturais, sem receio de exageros retóricos entusiasmados: “Sim, nós afirmamos que a cultura popular ocidental do século XX (…) estava muitas vezes mais próxima do socialismo do que os regimes ‘socialistas’ orientais do século XX conseguiram estar”. Para eles, a série de imagens de Mao Tse Tung serigrafadas por Andy Warhol foi mais importante para os fundamentos da Revolução do que os retratos oficiais do Grande Timoneiro agitados em manifestações maoístas. “O socialismo deve ser baseado na natureza coletiva da produção capitalista”. Ao contrário do pessimismo de Adorno em relação à indústria cultural, e da ‘obsessão’ dos situacionaistas com o ‘espetáculo’, o manifesto prega que a produção da cultura pop no século passado foi um processo socialista coletivo, aberto, mutante e constantemente entrelaçado por inúmeras subculturas, graças à esfuziante habilidade das multidões na reapropriação, ou “de-propriação” dessa cultura, via pirataria de CDs, violação de DVDs, troca de arquivos em rede, etc. “As instituições da propriedade intelectual estão caindo aos pedaços, as pessoas estão detonando-as. É um maravilhoso processo popular, e está mais próximo do socialismo do que a China jamais esteve.” (WU MING 1, 2002, p.7-8). Surge, enfim, a questão da remuneração dos autores. O trabalho intelectual é um serviço pesado. Exige um alto investimento em estudo, em tempo, e evidentemente deve ser remunerado. Assim, a pergunda natural é: o copyright não é essencial para a sobrevivência do autor? Se um sujeito não tem dinheiro para comprar qualquer um dos livros editados pela Wu Ming Foundation, pode tranqüilamente fotocopiá-lo, digitalizá-lo em scanner, ou então, a solução mais cômoda: fazer o download gratuito da obra integral no site oficial www.wumingfoundation.org em um computador público em alguma universidade ou biblioteca. As reproduções que não visam lucro são automaticamente autorizadas. Mas se um editor estrangeiro quer comercializar uma de suas obras em outro país, neste caso a utilização evidentemente visa lucro, e portanto essa empresa deve pagar por isso. Na verdade, o Wu Ming apenas admitiu uma evidência explícita: ninguém deixa de copiar uma obra porque no rodapé há uma frase que diz: ‘todos os direitos são reservados e protegidos pela Lei 5.988, de 14/12/73. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia


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por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados, etc…’. Quando o copyright foi introduzido22, concomitante ao desenvolvimento da imprensa, há três séculos, não havia possibilidade de ‘cópia privada’ ou ‘reprodução sem fins de lucro’ porque só empresários editores tinham acesso às máquinas tipográficas. Portanto, em suas origens, o copyright não era percebido como ‘anti-social’, mas era uma arma de um empresário contra o outro, não de um empresário contra o público. Mas com a revolução da informática e das comunicações o público tem acesso às tecnologias de reprodução. Dessa forma, o copyright tornou-se, na visão do Wu Ming, “uma arma que dispara na multidão”23 (WU MING 1, 2003) – mas sem muito efeito, poderíamos acrescentar. Nesse contexto, observando sua própria experiência editorial, esse coletivo literário percebeu um fenômeno curioso e aparentemente paradoxal: não há relação direta entre “cópias oficiais não vendidas” e “cópias pirateadas”. Em outras palavras, as cópias não influenciam na vendagem das obras. “Em realidade, editorialmente, quanto mais uma obra circula, mais vende”. Ou seja, quanto mais democratizada, maiores os lucros. O exemplo paradigmático é a obra Q, de Luther Blisset, editado por eles, que vendeu mais de 2 milhões de cópias, apesar de – ou melhor, justamente devido ao copyleft. O sujeito copia o livro, seja porque não tem dinheiro, seja porque não quer comprar ‘no escuro’, e gosta do que leu. Decide indicar ou mesmo dar de presente a alguém, mas não quer dar uma cópia qualquer. Pronto, compra o livro. A pessoa presenteada também gosta e passa a indicar ou presentear outras com o mesmo livro. Uma cópia, dois ou três livros vendidos. Simples assim. Para o Wu Ming, se a maioria dos editores não perceberam essa dinâmica foi mais por questão ideológica que mercadológica. “A editoração não está em risco de extinção como a indústria fonográfica: a lógica é outra, outros os suportes, outros os circuitos, outro o modo de fruição, e sobretudo a editoração não perdeu ainda a cabeça, não reagiu com retaliações em massa, denúncias e processos à grande revolução tecnológica que democratiza o acesso aos meios de reprodução.” (WU MING, 2003).

22

A primeila lei de copyright surgiu na Inglaterra em 1710, mas foi desenvolvida a seguir nos EUA A Disney chegou a levar várias creches americanas aos tribunais por exibirem desenhos animados em vídeo, sem licença formal. Na década de 90, a empresa ameaçou processar três creches da Flórida que haviam pintado personagens da Disney em suas paredes. (SHAPIRO; VARIAN, 1999, p.109). 23


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A estratégia da indústria Será que estamos mesmo prestes a assistir ao desmoronamento da indústria cultural? Será que os legisladores precisarão reescrever todas as regras de direitos autorais para responder ao novo momento tecnológico-cultural do século XXI? Shapiro e Varian (1999, p.103) argumentam que não. Na verdade, eles defendem que muitos princípios clássicos da economia ainda são perfeitamente válidos para essas situações. “O que mudou é que a Internet e a tecnologia da informação em geral oferecem oportunidades e desafios novos para a aplicação desses princípios.” Assim, acreditam que os donos de propriedade intelectual serão naturalmente capazes de superar as ‘ameaças’ da reprodução digital através de estratégias semelhantes as quais superaram os desafios provocados pela tecnologia no passado. “As novas oportunidades oferecidas pela reprodução digital excedem em muito os problemas”. (SHAPIRO; VARIAN, 1999, p.104). Todas as facilidades da tecnologia digital são elencadas para dar suporte ao otimismo dos autores, sobretudo os baixos custos de reprodução e distribuição. “Não lute contra os custos de distribuição mais baixos”, aconselham; “tire vantagem deles”. Para isso, é preciso que negociantes saibam lidar com o que os economistas chamam de “bem da experiência”. O objeto de consumo é chamado de “bem da experiência” (idem, p.18) quando os fregueses precisam experimentar o produto antes de atribuir-lhes valor. Qualquer novidade no mercado é potencialmente um bem da experiência, e os publicitários contam com métodos clássicos de propaganda nesses casos: promoção através de redução comparativa de preço, depoimentos de famosos e anônimos, e a infalível distribuição de amostras grátis de pequenas quantidades do produto a ser anunciado. Eis mais uma pista. Voltaremos a ela adiante. A indústria da informação têm também seus métodos clássicos para fazer com que os consumidores comprem o bem simbólico antes de ter certeza se o que estão adquirindo vale o preço que pagam antecipadamente. Primeiramente, da mesma forma que em supermercados é possível bebericar gratuitamente uma nova marca de iogurte em promoções de lançamento, existem formas de experimentar o “gostinho” do produto cultural. É possível ler as manchetes de capa do jornal, o trailer do filme, etc. Evidentemente, isso é apenas uma parte da história. Os produtos de sucesso superam o problema do “bem da experiência” por meio da promoção de sua “marca” e sua “reputação”. Mas não pretendemos entrar nessa discussão, pois não cabe na abordagem que restringe este artigo. Pois bem, as grandes lojas de livros tornaram o ato de folhear mais confortável, oferecendo poltronas, áreas abertas e cafés, porque, há tempos, já sabem que essa estratégia empresarial impulsiona a venda de livros. Ao ‘oferecerem gratuitamente’ parte de seu produto, elas


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acabam ganhando muito mais dinheiro. Nessa perspectiva, a Internet é vista por Shapiro e Varian (1999, p.106) como “um modo maravilhoso de oferecer amostras grátis do conteúdo da informação”. E enquanto especialistas discutem a maneira mais adequada de propaganda na Web, Shapiro e varian são categóricos: a Internet é ideal para “infomerciais24”, ou seja, estratégia que fisga o leitor através do oferecimento do próprio conteúdo. Mas a dúvida é: como vão ganhar dinheiro se simplesmente doarem seu produto? A resposta dos autores é: doe somente parte de seu produto. É o princípio clássico da amostra grátis, mas com a vantagem do insignificante custo de distribuição. “O truque é dividir seu produto em componentes, dos quais alguns você dá, outros você vende. As partes doadas são os anúncios – os infomerciais – das partes que você vende.” Os autores partem de um princípio ergonômico para fundamentar suas hipóteses: hoje, e provavelmente por um bom tempo, ninguém consegue ler um livro, ou até mesmo um artigo de revista muito extenso, com os olhos fixos em um monitor. É simplesmente muito cansativo. Segundo Shapiro e Varian, pesquisas mostram que os usuários da web em geral lêem apenas duas telas de conteúdo antes de clicarem para sair. Dessa forma, o deconforto associado à leitura direta em monitores sugere que a empresa pode colocar grandes quantidades de conteúdo on-line, sem que isso prejudique as vendas de cópias impressas.25 É claro que se a versão na Web for fácil de imprimir, podemos supor que o usuários estarão tentados a fazê-lo. Mas há uma estratégia muito simples para tornar a impressão caseira um ato trabalhoso e desconfortável. “A melhor coisa a fazer”, escrevem, “é tornar a versão on-line fácil de folherar – muitas telas curtas, muitos links – mas difícil de imprimir em sua totalidade”. Não é difícil perceber que, até esse momento, com palavras e propósitos diferentes, Shapiro e Varian disseram as mesmas coisas que o coletivo Wu Ming em relação ao negócio editorial. As divergências são ideológicas, pois os primeiros admitem como um verdadeiro problema o “contrabando de bits”e a “pirataria digital”, dizendo: “Tudo de que se precisa é que haja vontade política para defender os direitos de propriedade intelectual”. (idem, p.114). Mas na verdade, os autores consideram que os proprietários dos conteúdos são excessivamente conservadores a respeito de gestão de suas propriedades intelectuais. Eles observam que, tradicionalmente, toda nova tecnologia de reprodução produz previsões 24

“Comerciais de longa duração que, além de explicar em detalhes as caracterírticas (…) do produto, transmitem ainda depoimentos de usuários e outras informações pertinentes ao bem ou serviço anunciado.” (SHAPIRO; VARIAN, 1999, p.106). 25 “A Nacional Academy os Science Press pôs on-line mais de mil de seus livros e descobriu que a disponibilidade das versões eletrônicas impulsionou as vendas de cópias impressas em duas a três vezes.” (idem, p.107).


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catastróficas no mercado. Para eles, a história da veiculação dos filmes em vídeo é um caso exemplar:

Hollywood ficou petrificada com o advento dos gravadores de videocassete. O setor de televisão deu entrada em processos para impedir a cópia doméstica de programas de TV e a Disney tentou distinguir as compras dos aluguéis de vídeo por meio de arranjos de licenciamento. Todas essas tentativas fracassaram. Ironicamente, Hollywood ganha hoje mais com os vídeos do que com as apresentações em cinemas na maioria das produções. O mercado de vendas e de aluguel de vídeos, antes tão temido, tornou-se uma imensa fonte de receita para Hollywood. (SHAPIRO; VARIAN, 1999, p.17).

As próprias bibliotecas são um exemplo de uma inovação que primeiro pareceu ameaçar o setor editorial, mas acabou por ampliá-lo imensamente. (idem, p.115). A lógica é simples: o acesso à obras gratuitas forma o gosto de leitores que mais tarde comprarão livros. Shapiro e Varian percebem que, perante os desafios da era digital, há uma tendência natural para que os produtores se preocupem demais em ‘proteger’ sua propriedade intelectual. Mas, para eles, o importante é ‘maximizar’ o valor da propriedade intelectual, não protegê-la pela pura proteção. “Se você perde um pouco de sua propriedade quando a vende ou aluga, esses é apenas um dos custos de fazer negócios, juntamente com a depreciação, as perdas de estoque e a obsolência”. Ao mesmo tempo, sabenos que existem muitos outros recursos para motivar a compra do consumidor, mesmo quando se tratam de bens culturais. Moles (1974), ensina que o mecanismo básico da publicidade consiste em acrescentar um valor psicológico ao valor propriamente utilitário do produto, explorando portanto as emoções secundárias do consumidor. A publicidade alimenta artificialmente um desejo e, sobretudo através da repetição pelos meios de comunicação, primeiro convence que essa vontade é uma necessidade essencial, e depois promete satisfazê-la através dos valores associados ao objeto de consumo. Na verdade, não são vendidos produtos, mas status social, estilos, sensações, impressões. Isso quer dizer que os anúncios publicitários não oferecem sabonetes, mas possibilidade de beleza; não anunciam automóveis, mas o prazer da velocidade e de poder; não querem vender cigarro, mas sentimento de juventude e de liberdade. Em outras palavras, a publicidade complica a vida para oferecer a possibilidade de resolvê-la por meio do consumo. Assim, podemos dizer que o mercado da cultura também vive da venda de status,


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de prestígio intelectual, e não apenas de conhecimento. Basta pensar em quantos livros compramos por ‘impulso’, mesmo sabendo que talvez nunca o leremos. Ou quantos CDs adquirimos, para ouví-los algumas poucas vezes e guardá-los na estante. Ou quantas fitas de vídeo ou DVDs, de filmes que já vimos, nós compramos para guardar, mas nunca assistimos porque estamos sempre alugando outros filmes? Mas há um outro movimento jurídico contemporâneo que parece ter o potencial de provocar uma discussão sobretudo filosófica na economia da cultura no capitalismo do século XXI. O Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas, no Rio de Janeiro, cujo objetivo é estudar implicações jurídicas, sociais e culturais do avanço da tecnologia da informação, vem desenvolvendo estudos importantes nas áreas de propriedade intelectual, software livre, governança da web e privacidade na Internet. O CTS é o órgão responsável pela direção, no Brasil, do projeto Creative Commons, uma iniciativa criada por Lawrence Lessig, na Universidade de Stanford (EUA). O CTS adaptou as licenças do Creative Commons para o ordenamento jurídico brasileiro e fez com que o Brasil se tornasse

pioneiro no desenvolvimento de licenças CC-GNU GPL e CC-GNU LGPL,

atualmente utilizadas pelo governo para o licenciamento de software livre. Uma das principais características do direito autoral "clássico" é que ele funciona como um grande "NÃO!". Isto quer dizer que para utilizar qualquer conteúdo, é necessário pedir permissão ao seu autor ou titular de direitos. No sistema jurídico da propriedade intelectual adotado no Brasil, até mesmo os rabiscos feitos em um guardanapo já nascem com "todos os direitos reservados". Apesar disto, muitos autores e titulares de direitos não se importam que outras pessoas tenham acesso aos seus trabalhos. Um músico, um videomaker ou uma escritora podem desejar justamente o contrário: o amplo acesso às suas obras, ou eventualmente, que seus trabalho sejam reinterpretandos, reconstruídos e recriados por outras pessoas. Assim, o Creative Commons gera instrumentos legais para que um autor ou titular de direitos possa dizer ao mundo que ele não se opõe à utilização de sua obra, no que diz respeito à distribuição, cópia e outros tipos de uso. O Creative Commons é um projeto que tem por objetivo expandir a quantidade de obras criativas disponíveis ao público, permitindo criar outras obras sobre elas, compartilhando-as. Isso é feito através do desenvolvimento e disponibilização de licenças jurídicas que permitem o acesso às obras pelo público, sob condições mais flexíveis. (FGV, 2005)

Existem uma série de modalidades de licença, e cada uma delas concede direitos e deveres específicos. Há licenças que, por exemplo, permitem a divulgação da obra, mas proíbem o uso comercial. Outras permitem a utilização da obra em outros trabalhos. "Há também licenças que permitem o 'sampleamento', remixagem, colagem e outras formas criativas de reconstrução da obra, permitindo uma enorme explosão de possibilidades criativas." Dessa forma, a rígida locução "todos os direitos reservados" é substituída por "alguns direitos reservados", propondo assim uma "universalidade de bens intelectuais criativos acessíveis a


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todos, que é condição fundamental para qualquer inovação cultural e tecnológica." (idem, 2005). Assim, as novas formas de apropriação cultural na sociedade da informação já começam a organizar respaldo jurídico através de movimentos internacionais de questionamento à pertinência das velhas regulações autorais frente às exponenciais possibilidades dos intercâmbios mediatizados.

Considerações finais As convergências expostas entre o pensamento anarquista de ativistas como Richard Stallman, o coletivo Wu Ming, e o raciocínio empresarial de economistas como Shapiro e Varian, sugerem que grande parte da preocupação da indústria em relação à propriedade intelectual se dá mais por questões ideológicas (o ‘indiscutível’ direito à propriedade individual) do que mercadológicas. Parece que a democratização do conhecimento em si é vista pelos empresários como um prejuízo: não é admissível que alguém usufrua do bem cultural sem pagar por ele. Impedir essa ‘aberração’ deve consumir mais esforços do que aqueles orientados para desenvolver estratégias de lucro que assumam e apropriem-se das peculiaridades desse cenário. São como velhos negociantes avarentos, que perdem bons negócios mas não abrem mão do que consideram ‘sua legítima propriedade’. Ao discutir essa problemática, Dantas (2003) concorda que “a apropriação privada da informação” é o principal problema “econômico, social e político” a ser enfrentado nas sociedades capitalistas do século 21. É impossível negar que a Internet e as tecnologias de reprodução causaram enorme impacto nas empresas que negociam conteúdo. Mas analisados os antecedentes históricos, considerando que a indústria de entretenimento sempre se mostrou temerosa quando surgiram novas tecnologias, mas foi sempre eficiente não apenas para vencer as crises mas sobretudo para direcionar as tecnologias a seu favor, percebe-se que o mercado tende a aprender a domar essas ‘insubordinações’ para tirar proveito das técnicas de guerrilha cultural, sob o custo de uma democratização relativa da informação. Esse processo é mercadologicamente apresentado sob o rótulo de ‘infomerciais’, ou amostras grátis de informação, calcado no pressuposto de que quanto mais a informação circula, mais vende, e cujo objetivo é seduzir o consumidor e persudí-lo à compra.


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Portanto, a utopia da ‘pane no sistema’, vislumbrada pelos entusiastas do copyleft, dificilmente tem condições de se concretizar. No entanto, o copyleft pode se tornar um ‘upgrade’ (uma versão melhorada) do copyright ao evocar o sentido histórico da proteção intelectual e servir de instrumento legal da indústria da informação contra eventuais concorrências desleais, e não da indústria contra o público. Por fim, defendemos a necessidade de maior compreensão sobre conceito de copyleft (que é diferente de ‘domínio público’) e a inclusão de discussões sobre o tema nas convenções de direitos autorais.

Referências ASSIS, Diego. Caos organizado: às vésperas do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, chega ao Brasil coleção de livros que refletem o pensamento da “esquerda anticapitalista”. Folha de S. Paulo. São Paulo, 30 jan. 2003. Ilustrada. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq3001200206.htm>. Acesso em: 27 fev. 2004. BENGTSSON, Jarl. Educação para a economia do conhecimento: novos desafios. In: Fórum Nacional. Rio de Janeiro, 2002. Disponível em: <http://www.inae.org.br/publi/ep%5CEP0023.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2003. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede: a era da informação: economia, sociedade e cultura. 4. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999. DANTAS, Marcos. Informação e trabalho no capitalismo contemporâneo. Lua Nova. [online]. 2003, n.60, p.0544. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010264452003000300002&lng=pt&nrm=iso>. DRUCKER, Peter Ferdinand. Sociedade pós-capitalista. 6. ed. São Paulo: Pioneira, 1997. FUNDAÇÃO Getúlio Vargas (FGV). Escola de Direito. Centro de Tecnologia e Sociedade. Projeto Creative Commons. Disponível em: http://www.direitorio.fgv.br/cts/projetos.html. Acesso em: 26 dez 2005). GNU project. Boston, USA: Free Software Foundation, 2004. Disponível em: <http://www.gnu.org>. Acesso em: 26 fev. 2004. LARAIA, Roque de barros. Cultura: um conceito antropológico. 14 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. MAIZONNAVE, Fabiano; LOUZANO, Paula. Códigos livres: o pesquisador e hacker Richard Stallman, eleito o segundo maior “herói da Internet” numa enquete da revista “Forbes”, defende códigos abertos na rede. Folha de S. Paulo. São Paulo, 5 mar. 2000. Mais! Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0503200004.htm>. Acesso em: 27 fev. 2004. MOLES, Abraham A. O cartaz. São Paulo: Perspectiva, 1974 SHAPIRO, Carl; VARIAN, Hal R. A economia da informação: como os princípios econômicos se aplicam à era da Internet. 5. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1999.


Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación www.eptic.com.br, Vol. VIII, n. 2, mayo – ago. 2006 STALLMAN, Richard. Science must ‘push copyright aside’. Nature. Web debates. London, England: Nature Publishing Group, 2001. Disponível em: <http://www.nature.com/nature/debates/eaccess/Articles/stallman.html>. Acesso em: 26 fev. 2004. Tradução livre. WU MING – the oficial site. Bolonha, Itália: Wu Ming Foundation, 2004. Disponível em: <http://www.wumingfoundation.com>. Acesso em: 28 fev. 2004. WU MING 1. O copyleft explicado às crianças: para tirar de campo alguns equívocos. Wu Ming – The Oficial Site. Bolonha, Itália: Wu Ming Foundation, 2003. Disponível em: <http://www.wumingfoundation.com/italiano/outtakes/paracriancas.html>. Acesso em: 28 fev. 2004. Traduzido por: eBooksCult.com.br ___________. Copyright e maremoto. São Paulo: Coletivo Baderna, 2002. Traduzido por Leo Vinícius. Disponível em: <http://www.baderna.org/pdf/download/wuming_final.pdf>. Acesso em: 26 nov. 2003.


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Estratégias de leitura na Internet: o comportamento de um grupo de leitores de sites jornalísticos Carlos Eduardo Franciscato 26 Gabriela Melo27 Resumo: As estratégias de leitura para quem acessa um site com conteúdo jornalístico são complexas e envolvem hábitos, interesses e movimentos dos leitores. Investigamos o ato de leitura de um público específico, os professores da Universidade Federal de Sergipe, por este constituir um grupo social que possui um perfil sócio-cultural com recursos, habilidades e competências para a leitura de notícias online. Palavras-chave: jornalismo, jornalismo online, leitura, Internet 1. Introdução O comportamento do leitor de notícias disponibilizadas online em tempo real é um objeto de estudo que tem recebido pouca dedicação dos pesquisadores em jornalismo online. Isto é conseqüência do fato de as estratégias de leitura para quem acessa um site com conteúdo jornalístico serem complexas e exigirem métodos e técnicas de pesquisa múltiplos que, mesmo assim, não conseguem delinear com razoável precisão um perfil dos hábitos, interesses, envolvimentos e movimentos dos leitores. Esta dificuldade ocorre, por um lado, porque há aspectos gerais referentes às relações entre leitor/usuário, produtor e o suporte (computador e a rede telemática), tais como a diversidade de conteúdos ofertados, formas de interação, linguagens e edição, problemas abrangidos por disciplinas diversas, como a ergonomia e sua preocupação em estudar a adaptação do trabalho às características fisiológicas e psicológicas do ser humano, particularmente no uso de computadores como ferramenta de produção (Abergo, 2005). Por outro lado, o leitor vem tendo acesso, cada vez mais, a conteúdos jornalísticos condicionados por uma aceleração na velocidade de produção e disponibilização de informações a intervalos de tempo cada vez menores. A compreensão da atividade jornalística contemporânea e de seus aspectos temporais exige que consideremos sua inserção dentro de um processo social amplo de estruturação das redes informacionais e sua capacidade de alterar relações espaciais e temporais tradicionais. Torna-se tecnológica e socialmente possível falar-se em 'tempo real', um fenômeno com suas formas e tensões próprias. O jornalismo, por seu imperativo de produzir um relato sobre o tempo presente, é afetado por novos fluxos de informação, hábitos de leitura e interação social, tendo que redefinir seus modos de atuar socialmente, em um processo dinâmico de uma mútua constituição de referências temporais.

26

Professor da Universidade Federal de Sergipe, Mestre e Doutor em Comunicação e Culturas Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia. Jornalista. E-mail: carlosfr@infonet.com.br. 27 Aluna do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Sergipe. Desenvolve pesquisa no Programa de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq/UFS), denominada “Usos e Hábitos dos Leitores de Jornalismo Online: Experiências Temporais na Interação com Jornais em ‘tempo real’”. E-mail: gabrielamelo83@yahoo.com.br.


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Procuramos partir da constatação do crescimento da modalidade de produção de jornalismo em tempo real em sites jornalísticos para investigar que grau de receptividade e interesse este tipo de produto jornalístico gera em um público específico. Optamos por delimitar um público com um elevado grau de formação intelectual, familiaridade com as novas tecnologias da informação, condições mínimas de acesso à Internet e com bom padrão econômico de renda salarial, fator este que lhe deixa potencialmente mais próximo de consumir e utilizar as novas ferramentas tecnológicas. Identificamos nos professores da Universidade Federal de Sergipe um grupo com este perfil específico. Sabemos que os resultados obtidos nesta pesquisa não servem para generalização com vistas a criar um modelo de comportamento em geral do leitor de notícias de atualização contínua. Mas nosso objetivo é estudar um público dotado de competências mínimas para interagir com este tipo de produto e investigar se as notícias de atualização contínua estão se tornando uma modalidade atrativa de jornalismo que justifique seu crescimento como oferta informativa, bem como identificar formas de leitura deste produto, articuladas ou não a outras potencialidades sócio-tecnológicas da Internet.

2. Características sócio-culturais dos leitores de notícias online Estudos sobre o uso da Internet circulam em torno de uma conhecida preocupação na área em saber como pesquisar adequadamente o usuário ou a audiência, o participante ou consumidor da Internet (Hartmann, 2004). Tais trabalhos estimulam perguntas centrais para compreender o papel da Internet na sociedade, como as formuladas por Patwardhan (2004): o que as pessoas fazem online? Em que grau estão utilizando os recursos da Internet para alcançar muitos dos seus objetivos? Qual a natureza de sua participação na experiência online? Os esforços em compreender este leitor têm seguido por caminhos variados, implicando em diferentes quadros teóricos e metodológicos. Interessa-nos salientar alguns aspectos destas pesquisas que podem nos auxiliar para a investigação proposta, como a análise dos processos de leitura por meio de habilidades, competências e recursos do indivíduo na interação com o computador ou o realce a características que são comuns a certos grupos sociais, definindo uma tipologia de utilização. O uso individual vem sendo mensurado por mecanismos que envolvem adoção de softwares para registro e descrição dos movimentos e atitudes do usuário de computador, como o projeto Eyetrack do Stanford Poynter Institute (2000). Técnicas de pesquisa como as aplicadas por Nielsen (1997) capturaram modos de leitura de páginas web, percebendo uma habilidade de “scanner” (rastreador) de páginas, o que indicaria ao produtor possibilidades para o formato do texto e da edição online. Rocha (2003) utilizou esta técnica para gravar a navegação na Internet de alunos do curso de jornalismo por meio da gravação, com o programa CamStudio, dos movimentos executados na tela do computador. Isto não permitiu a captação dos movimentos dos olhos do leitor, o que, mesmo com a estratégia de solicitar ao navegador apontar o mouse na região da tela em que estivesse lendo, limitou a eficácia da pesquisa, pois tal solicitação introduziu uma mudança de hábito de leitura dos usuários, além de não ser plenamente seguida. Outra estratégia de pesquisa tem sido investigar leitores por meio de grupos de usuários ou da elaboração de tipologias de uso. Destas, podemos citar a tipologia de Norris (apud Patwardhan, 2004), ao classificar os usuários da Internet em quatro grupos: consumidores (uso direcionado à compra ou propósitos financeiros); pesquisadores (utilização


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de email, programas de busca ou investigações diversas); opinadores (expressam suas opiniões ou pontos-de-vista em grupos ou salas de conversação) ou usuários que procuram jogos online ou outros tipos de entretenimento. Por conta desta variedade de usos que Moherdaui (2004) adota o termo “leitorusuário” para investigar o leitor de notícias online, pois, além do ato de leitura propriamente dito, a Internet possibilita relações entre o usuário e: a) a máquina; b) uma publicação e seus recursos de navegação: c) outras pessoas através da máquina (Lemos, 1997). Estes laços disponíveis durante o ato de leitura de notícias online marcam um dos diferenciais em relação à leitura de jornais impressos. Ao estabelecer tipologias de usuários, os pesquisadores procuram ressaltar características específicas nos grupos que possam ser um traço diferencial de comportamento de navegação. Um grupo de usuários de Internet que tem ganho prioridade nas pesquisas são os jovens, pois, segundo Hartmann (2004), os novos estudos sobre jovens têm confirmado o argumento geral de que as novas gerações vêm usando a Internet com naturalidade, a toda hora, local e forma. Estudos de grupos têm, como metodologia predominante, a aplicação de questionários e entrevistas semi-dirigidas ou em profundidade. Hartmann (2004) indica a aplicação de técnicas combinadas para pesquisa de usuários da Internet: questionários; entrevistas com grupos amplos ou pequenos em situação efetiva de uso; observação e descrição de comportamentos dos usuários, entre outros. Mesmo os jovens compõem um grupo amplo, com diferenças de perfil sócio-cultural. Por isso, um subgrupo comum e prático tem sido os jovens universitários, pela familiaridade com as novas tecnologias, maior desenvolvimento intelectual e acessibilidade ao pesquisador. Dependendo das técnicas de pesquisa adotadas, a investigação pode se realizar com a aplicação de questionários para uma amostra ampla, como a pesquisa de Althaus e Tewksbury (2000) com 520 estudantes universitários de uma universidade publica. Os pesquisadores reconheceram que o uso principal da Internet direciona-se para entretenimento e, na leitura de notícias, constataram que as notícias online suplementam (e não substituem) as notícias veiculadas por jornais impressos e Internet. Em contrapartida, a pesquisa de Rocha (2003) com 25 alunos do curso de jornalismo beneficiou-se da redução da amostra para adotar técnicas combinadas de pesquisa, como as entrevistas semi-estruturadas e a observação da navegação em sites jornalísticos. Além da adoção da faixa etária como elemento indicador de um perfil de usuários da Internet, outras opções têm sido feitas para identificar a importância de fatores sócio-culturais na navegação. Patwardhan (2004) optou por introduzir o fator geográfico e comparou as formas de uso da Internet nos Estados Unidos e Índia, dois países com diferenças na amplitude do uso pelas duas populações, aspecto associado a diferenças econômicas, tecnológicas e sócio-culturais. Constituindo uma amostra não-probabilística das duas populações, o autor percebeu, além dessas diferenças, semelhanças nas formas de uso da Internet, particularmente no alto índice de satisfação obtida com a busca de informação e com a interação comunicacional. Becker (2004) utilizou o fator sócio-econômico como diferencial para investigar uma forma específica de uso da Internet. Sua pesquisa foi direcionada para a população de baixa renda usuária de postos de acesso público e gratuito à Internet nas cidades de Curitiba e São Paulo. Foram aplicadas 92 entrevistas em profundidade. A pesquisadora identificou que, mesmo quando o acesso é possível (os postos são públicos e gratuitos), o nível intelectual dos usuários (registrado pelo grau de escolaridade) é um fator fundamental no uso efetivo, já que 85% dos entrevistados de Curitiba e 77% de São Paulo declararam possuir ensino médio incompleto ou grau maior. O principal tipo de conteúdo acessado foi informação, identificado


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pela autora como “busca de informação como resposta concreta às demandas do dia-a-dia”, ou seja, informação-serviço básica sobre processos, documentos e serviços públicos e privados (seguro-desemprego, aposentadoria, programas sociais etc). A autora também constatou um reconhecimento da característica de atualização contínua (Palacios, 2002) como diferencial do suporte, por disponibilizar as informações (notícias e serviços) de “última hora”, segundo depoimentos dos entrevistados. 3. Hábitos de leitura de notícias online por professores universitários 3.1 Perfil do público entrevistado Os diversos tipos de usuários exemplificados nas pesquisas acima indicaram caminhos e questões pertinentes para investigarmos um subgrupo com características particulares e relevantes de navegação online. Consideramos o perfil sócio-cultural dos professores universitários pertinente para esta pesquisa porque, além da ausência de pesquisas com este subgrupo, percebemos que têm traços que potencializam o uso da Internet: elevado grau de formação intelectual, familiaridade com as novas tecnologias da informação, condições mínimas de acesso à Internet e padrão elevado de renda salarial. Supomos, então, que este subgrupo esteja mais preparado para desenvolver as habilidades requeridas de um leitor de notícias online, particularmente no uso das potencialidades que o jornalismo online oferece, conforme Palacios (2002): multimidialidade, interatividade, hipertextualidade, personalidade de conteúdo, memória e atualização contínua. Durante os meses de março a junho de 2005, foram entrevistados 73 professores da Universidade Federal de Sergipe (UFS), selecionados segundo uma amostra de 10% do quadro de docentes (731 professores, incluindo efetivos, substitutos e visitantes), distribuídos proporcionalmente por departamentos e centros de ensino da instituição. A técnica de pesquisa utilizada foi a aplicação de questionários semi-estruturados, com algumas perguntas abertas. Do total de 73 questionários, dois foram apenas parcialmente respondidos e, portanto, não aproveitados na tabulação. 3.2 Comportamentos de leitura dos professores A pesquisa foi subdividida em três itens: perfil dos entrevistados, uso da Internet e leitura de notícias na Internet. Apresentaremos principalmente os dados referentes às formas de acesso e utilização da Internet e os modos de leitura de jornalismo online, particularmente notícias em tempo real. a) Uso da Internet Praticamente metade (48%) dos docentes da UFS tem um uso freqüente da Internet (9 horas ou mais por semana), em dias e horários da semana indistintos, conforme tabelas abaixo. Apenas 4% declararam não usar a Internet.

FREQÜENCIA DE USO não utiliza a Internet até 3h semanais de 4 a 8h semanais de 9 a 15h semanais

%

3 15 19 15

4% 21% 27% 21%


Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación www.eptic.com.br, Vol. VIII, n. 2, mayo – ago. 2006 mais de 15 h semanais

19

27%

N° DIAS DE MAIOR UTILIZAÇÃO de Segundas a sextas-feiras 29 nos fins de semana 12 uso indistinto 27

%

N° HORÁRIOS DE MAIOR UTILIZAÇÃO Manhã 11 Tarde 5 noite (das 18 as 24h) 21 Madrugada 2 uso indistinto 29

%

42% 18% 40%

16% 7% 31% 3% 43%

Os locais de acesso mais freqüente apontados pelos docentes foram a residência (51%) e universidade (37%). A questão admitia mais de uma resposta. Todos os que escolheram a opção ‘outros’ citaram locais de trabalho fora da UFS, como consultórios médicos, escritórios de advocacia, repartições públicas e empresas. LOCAIS DE ACESSO MAIS FREQÜENTE Universidade Residência Locais de convivência Casa de amigos ou parentes Outros

N° (múltiplas respostas)

%

34 47 3 0 8

37% 51% 3% 9%

Ao serem questionados sobre o tipo de conexão no local de acesso mais freqüente, 72% dos docentes afirmaram utilizar a conexão banda larga (o fato de 37% acessarem a Internet na UFS e outros locais de trabalho explica este dado). A parcela que respondeu que utiliza Internet discada afirmou que o local de acesso mais freqüente era sua residência. N° % TIPO DE CONEXÃO NO LOCAL DE ACESSO MAIS FREQÜENTE discada 19 28% banda larga 49 72%

A maioria dos professores da UFS não utiliza a maioria dos recursos que a Internet oferece. A multimidialidade, por exemplo, definida por Palacios (2002) como “convergência dos formatos das mídias tradicionais (imagem, texto e som) na narração do fato jornalístico”, não é aproveitada por grande parte dos que participaram da pesquisa. Apenas 16% acessam ao menos uma vez por semana vídeos e entrevistas em áudio na Internet. Músicas e salas de conversação são ainda menos utilizadas pelos docentes: apenas 13% ouvem músicas na Internet ao menos uma vez por semana e 3% entram em salas de conversação. Estes resultados têm relação tanto com a idade média do público (sabe-se que públicos mais jovens utilizam mais os recursos citados) quanto pela pequena importância dada ao entretenimento virtual, o que pode ser visto na tabela que mostra a finalidade de uso da Internet. Como a conexão banda larga está disponível à maioria dos docentes, há uma maior acessibilidade tecnológica a conteúdos multimídia, embora saibamos da limites ainda hoje existentes neste tipo de tráfego.


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ACESSA AO MENOS 1X POR SEMANA Vídeos Entrevistas áudio Músicas salas conversação

%

Sim

Não

Sim

Não

11 11 9 3

57 57 59 65

16% 16% 13% 4%

84% 84% 87% 96%

Com relação à finalidade de uso da Internet, observou-se que a opção e-mail foi classificada por 48 docentes dos 71 docentes como a mais importante. Pesquisa acadêmica é o segundo uso mais importante para 37 professores e 45 situaram notícias como o terceiro conteúdo mais importante. Entretenimento e compras on-line apareceram como pouco ou nada importantes. FINALIDADE DE USO DA INTERNET e-mail Notícias Pesquisa acadêmica Entretenimento Compras on-line

ORDEM DE IMPORTÂNCIA “1” para o mais importante e “5” para o menos importante “n” significa não usa 1 – 48 2 – 15 3 – 04 4 – 00 5 – 00 - – 01 1 – 04 2 – 14 3 – 45 4 – 02 5 – 00 - – 03 1 – 16 2 – 37 3 – 10 4 – 03 5 – 00 - – 02 1 – 00 2 – 00 3 – 05 4 – 22 5 – 11 - – 30 1 – 00 2 – 00 3 – 00 4 – 14 5 – 21 - – 33

b) Leitura de notícias online Dentre os professores pesquisados, 76% lêem com freqüência notícias na Internet. Considera-se freqüente tanto a leitura diária (realizada por 42% dos professores), quanto a leitura em alguns dias da semana (que 34% dos docentes disseram realizar). Apenas 4 dentre os 68 docentes que afirmaram usar a Internet disseram que não lêem notícias on-line. COM QUE FREQÜENCIA LÊ NOTÍCIAS NA INTERNET? Diariamente Alguns dias da semana Somente nos fins de semana Raramente Nunca

%

29 23 6 6 4

42% 34% 9% 9% 6%

Dos 64 professores que afirmaram ler notícias online, 28% lêem notícias na Internet mais de uma vez ao dia, e os demais em um acesso diário. QUANTAS VEZES LÊ NOTÍCIAS NOS DIAS EM QUE ACESSA A INTERNET? uma vez duas ou três vezes várias vezes

%

46 8 10

72% 12% 16%

Perguntados sobre o que valorizavam em uma notícia online, 90% dos professores responderam que valorizam muito a atualização constante das notícias. O grau de importância


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dado a esse item, entretanto, pode não ser um sinal da leitura de notícias de atualização contínua, caracterizadas por uma rapidez no processo de produção e disponibilização a ponto de oferecer múltiplos relatos de eventos em desdobramento ou quase imediatamente após sua ocorrência. O termo “atualização constante” foi entendido de forma genérica pelos docentes. Quando respondiam ao questionário, muitos comentaram que “Qualquer notícia tem que estar atualizada” ou “De que adianta ler notícia velha?”. Além disso, 86% responderam que valorizavam muito a presença de links que permitam navegar facilmente para assuntos correlatos. Assim, pode-se afirmar que a hipertextualidade, que possibilita a interconexão de textos através de links (Palacios, 2003), é uma característica bastante apreciada pelos participantes da pesquisa. Em outro item, 50% afirmaram valorizar muito que os textos das notícias sejam curtos e não cansem a leitura. O baixo interesse pela multimidialidade na navegação na Internet pode ser confirmado na leitura das notícias online. Dos entrevistados, 38% disseram não valorizar que as notícias tenham conteúdos em áudio e vídeo, enquanto 50% disseram valorizar pouco este recurso. Justificaram que esse tipo de conteúdo não os incomodava, mas também não era uma qualidade que os levava a ler uma determinada notícia. Dois itens adicionais da tabela abaixo podem ser associados às características do perfil do sócio-cultural do grupo pesquisado: 77% valorizaram muito o fato de a notícia ter mais profundidade ou detalhes sobre os fatos e 55% afirmaram valorizar muito um texto denso, com vários pontos de vista. Tais interesses podem ser considerados típicos de grupos com mais elevada capacidade intelectiva, o que significa um desenvolvimento de uma capacidade analítica sobre conteúdos. O QUE VALORIZA EM UMA NOTÍCIA ON-LINE? Atualização constante das notícias Presença de links que levem a assuntos afins Texto curto e não cansativo Conteúdos em áudio e vídeo Profundidade e detalhes sobre o fato Texto denso, com vários pontos de vista

N° Valorizo muito

Não valorizo

% Valorizo muito

Valorizo Pouco

Valorizo Pouco

Não valorizo

58

3

3

90%

5%

5%

55

6

3

86%

9%

5%

32

23

9

50%

36%

14%

8

32

24

12%

50%

38%

49

13

2

77%

20%

3%

35

27

2

55%

42%

3%

Outra característica potencializada pelo meio Internet, a interatividade, tornou-se uma ferramenta de uso deste grupo de leitores. Apesar de grande parte dos docentes (78%) ter revelado nunca ter feito contato com os jornalistas autores das notícias, algo normal no comportamento dos leitores de jornais, 22% (14 professores) afirmaram já ter utilizado este recurso. Destes 14 professores, 13 fizeram contato com os jornalistas através e e-mail e 1 por meio de carta ou telefone. Isso quer dizer que quase todos aproveitaram um recurso da própria Internet – o e-mail – para se comunicar com os autores das notícias on-line. JÁ FEZ CONTATO COM OS AUTORES DAS NOTÍCIAS? Sim Não DE QUE FORMA? Por e-mail

%

14 50 N° (múltiplas respostas) 13

22% 78%


Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación www.eptic.com.br, Vol. VIII, n. 2, mayo – ago. 2006 Em sala de conversação Em blog Por telefone ou carta COM QUE FINALIDADE? Opinar sobre o conteúdo Opinar sobre a abordagem Sugerir novos temas ou enfoques Solicitar reparo de erros

0 0 1 N° (múltiplas respostas) 9 5 3 2

Em suma, podemos constatar que os professores universitários estão habituados com a forma de leitura de notícias na Internet: 37% acharam-na um ato confortável e 39% produtivo em uma questão de múltipla escolha. ACHA QUE LER NOTÍCIAS NA INTERNET É: um ato cansativo um ato demorado um ato confortável um ato produtivo

N° (múltiplas respostas) 10 10 31 33

% 12% 12% 37% 39%

c) Leitura de notícias em ‘tempo real’ Um item específico do estudo foi investigar se a forma de produção e oferta de notícias de atualização contínua despertava o interesse de leitura do grupo específico. Para facilitar a apresentação, ao entrevistado, a que nos referíamos quando falávamos de ‘notícias em tempo real’, apresentamos uma definição simplificada no questionário aplicado: “Agora, vamos lhe perguntar sobre um tipo específico de jornalismo praticado na Internet, que é o jornalismo em tempo real. Pela Internet, é possível ficar acessando atualizações de um noticiário sobre um fato importante, grave ou interessante várias vezes ao dia e, em cada acesso, há novas informações sobre esse fato. Este modo de informar denominamos de jornalismo em tempo real” Perguntados sobre qual meio de comunicação buscavam primeiro para se informar sobre um fato grave e urgente, 61% dos professores escolheram a opção Internet e 31% responderam televisão. Isso pode ser explicado pela diferença na periodicidade dos veículos de informação. O jornal impresso é diário, a televisão tem horários reservados para o jornalismo (no início da manhã, no horário do almoço e no início da noite e eventuais boletins especiais e curtos dentro da programação normal) e o rádio sergipano possui uma cobertura jornalística (predominantemente local) apenas nos horários da manhã. As revistas não entraram como opção porque sua periodicidade é, no mínimo, semanal. QUAL MEIO DE COMUNIC. BUSCA PRIMEIRO PARA SABER SOBRE UM FATO GRAVE E URGENTE? Televisão Jornal impresso Rádio

%

20 1 4

31% 2% 6%


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39

61%

A respeito do tipo de acesso realizado ao se buscar na Internet notícias sobre fatos importantes, 44% responderam que liam a notícia em diferentes sites para identificar dados, enfoques e abordagens mais precisas, enquanto 33% afirmaram que acessavam os diferentes links oferecidos pela notícia para ter acesso a mais informações. Apenas 17% disseram que acessavam a Internet várias vezes ao dia para buscar fatos novos sobre o assunto, o que confirma aquilo que já havia sido observado em outras questões, como na que perguntava quantas vezes ao dia o docente lia notícias na Internet (apenas 16% responderam várias vezes, como pode ser visto na tabela abaixo): a parcela de professores que é efetivamente leitora de notícias de atualização contínua é reduzida. Todos os que marcaram a opção outro tipo de acesso justificaram sua escolha afirmando que nunca buscavam na Internet notícias sobre fatos importantes. QUE TIPO DE ACESSO COSTUMA REALIZAR AO BUSCAR NA INTERNET UMA NOTÍCIA SOBRE UM FATO IMPORTANTE? acesso os diferentes links que a notícia oferece para buscar mais informações acesso a Internet várias vezes ao dia buscando fatos novos sobre o assunto Leio a notícia em diferentes sites para identificar dados, enfoques e abordagens mais precisos outro tipo de acesso

%

21

33%

11

17%

28

44%

4

6%

Em uma das últimas perguntas do questionário, havia 3 afirmações sobre as notícias de atualização contínua, às quais foi pedido que os docentes atribuíssem um grau de concordância. As opções eram: concordo plenamente, concordo parcialmente, discordo parcialmente, discordo plenamente, não tenho opinião. a) Acho o formato destas notícias (divulgação imediata das novidades, texto curto, poucas informações) o mais adequado para a Internet. b) Acho que estas notícias são superficiais e incompletas e prefiro buscar informações adicionais em outros meios de comunicação. c) Acho que as notícias de atualização contínua obrigam os jornalistas a apurar os fatos com rapidez, o que pode levar a erros ou falta de informação. Nos três itens, a opção concordo parcialmente foi escolhida por grande parte dos 64 professores que responderam a questão. Estas respostas indicaram que, de forma geral, os docentes admitem, com ressalvas, as características apontadas em cada afirmação. Com relação à primeira, muitos comentaram que o texto curto e com poucas informações nem sempre é o mais adequado. Disseram, por outro lado, que o texto das notícias de atualização contínua não deveria ser longo como os dos veículos impressos nem tão profundo e completo, já que o tipo de notícia, seu propósito e o meio através do qual ela é veiculada não permitem uma “maior elaboração” (palavras de um dos docentes que participaram da pesquisa). Com relação à segunda, os professores comentaram que a maioria das notícias de atualização contínua era mesmo superficial e incompleta, mas que era possível encontrar textos que, uma vez lidos, dispensavam complementos, aprofundamentos, contextualizações etc. O último item, como os anteriores, também obteve um grande número de concordância – plena ou parcial – e suscitou ressalvas. Os professores falaram que a necessidade de disponibilizar a notícia em tempo real aumenta a probabilidade de erros e de


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falta de informações nas notícias. Muitos dos que disseram concordar parcialmente afirmaram que a qualidade das notícias depende da competência e da responsabilidade do jornalista. COMO AVALIA AS Concordo NOTÍCIAS ATUALIZADAS plenamente CONTINUAMENTE? a) - formato 19 b) - necessidade de complementação c) - confiabilidade -

Concordo parcialmente

Discordo parcialmente

Discordo plenamente

Não tenho opinião

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6

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Considerações finais A combinação dos dados levantados na pesquisa sobre o hábito de leitura de notícias online de professores da Universidade Federal de Sergipe permitiu constatar alguns aspectos que consideramos relevantes para estudos na área: a) O fator sócio-cultural é um indicador relevante para constituir um perfil do comportamento de leitores de notícias online. b) A Internet é um suporte midiático de uso freqüente para o grupo de perfil sócio-cultural e profissional como o delimitado nesta pesquisa; c) A residência continua sendo o local predominante de navegação, embora haja computadores conectados à Internet em locais de trabalho (Universidade e outros); d) A Internet oferece potencialidades como a multimidialidade que, mesmo sendo ferramentas cujo habilidade de uso é de domínio do grupo pesquisado, não lhes desperta grande interesse, particularmente na leitura de notícias online. e) A leitura de notícias na Internet é uma prática freqüente, já se constituindo uma habitualidade a este grupo social. Entretanto, ela não é exclusiva, pelo contrário. Na maioria das vezes, a leitura ocorre no momento em que os professores realizam outras atividades no computador e usam a Internet para outros fins (e-mail e pesquisa acadêmica, principalmente). Este parece ser um indicador da complexidade das estratégias de leitura neste suporte, que possibilita modos de interação do leitor com o meio (computador e rede telemática) e com diversos produtos (incluindo o jornalístico) em atos praticamente simultâneos e complementares. f) O jornalismo online é o tipo de produto jornalístico mais utilizado quando há o interesse para informar-se sobre um fato grave e urgente. Isto ressalta o uso correto da característica da ‘instantaneidade’ (Franciscato, 2003) como fato temporal privilegiado desta nova ‘mídia’. Além disso, o texto curto e direto comum nas notícias de atualização contínua é considerado adequado para este tipo de interesse imediato do leitor, embora não o satisfaça plenamente,


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visto que ele: a) concorda que esses textos são superficiais e incompletos; b) busca informações também em outros meios de comunicação; e c) busca também textos densos. g) A indicação de uma relativa preferência por textos densos, busca por diferentes sites para um mesmo assunto e por diferentes pontos de vista sobre um mesmo assunto revelam o perfil de um leitor qualificado, que demonstra saber explorar potencialidades que a Internet oferece adequadas às suas preferências. Entendemos, então, que pesquisas sobre o perfil e hábitos de leitura de notícias online podem indicar a necessidade de que os produtores de informação jornalística na Internet procurem soluções para produção e edição de conteúdos que atendam a expectativas diversificadas dos leitores, conforme seus interesses específicos. Isso significa dizer, por exemplo, que modalidades de jornalismo como os de ‘tempo real’ ou os de ‘jornalismo contextualizado’ (Pavlik, 2001) podem coexistir em sites jornalísticos para atender a diversidades de preferências e habitualidades.

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A INTERNET COMO SUPORTE JORNALÍSTICO EM ARACAJU: Adaptação dos jornais impressos à nova realidade tecnológica e econômica da mídia

DANIELLE A. SOUZA (danielle_azevedo@yahoo.com.br) Resumo/Introdução Desde que a internet começou a ser utilizada para fins jornalísticos, a partir da década de 90, uma nuvem paira sobre a cabeça dos proprietários de jornais impressos e dos estudiosos das comunicações. A utilização da Internet como suporte jornalístico poderá provocar o fim do jornal impresso? No caso de Sergipe, concretamente, a internet ainda não é uma ameaça, nem do ponto de vista da perda de publicidade, nem da perda de assinantes. Mas, temerosos em perder seu público leitor, os jornais estão tomando medidas tecnicamente avançadas para sobreviver em uma realidade tecnológica e econômica em transformação. Agora eles passam a disponibilizar o seu conteúdo na internet, produzindo notícias em tempo real, numa espécie de aliança com o concorrente potencial, procurando assinantes e lucros com publicidade. Como entender esse processo? O trabalho a seguir propõe, em primeiro lugar, um modelo econômico para o jornalismo on-line, que constitui um novo paradigma, ao promover uma aproximação entre os setores da imprensa (jornal e revista) e de onda (rádio e televisão), na terminologia da escola francesa da economia da comunicação e da cultura. Além de ser multimídia e apresentar convergência tecnológica, o Jornalismo Online possui custos de produção e difusão de notícias reduzidos, produção integrada com outras mídias e em tempo real, postos de trabalho irregulares, técnicas de produção a apresentação não estabilizadas, entre outras conseqüências que serão discutidas ao longo do texto.

Com base nesse quadro teórico é que voltaremos, em segundo lugar, ao estudo dos jornais sergipanos Cinform e da Cidade e dos portais Infonet e EmSergipe, que confirmam as hipóteses levantadas no quadro teórico proposto, no início, para o jornalismo on-line. Para isso, foram utilizados dois instrumentos de análise: entrevistas com empresários e jornalistas para uma apreciação qualitativa na área e questionários, para conhecer sociologicamente os profissionais que escrevem matérias para a web na capital sergipana. Palavras-chave: Tecnologia; comunicação; internet; jornalismo on-line.

A internet O termo internet é derivado da expressão inglesa “interaction or interconnection between computer networks”. É o conjunto de redes de computadores que se conectam entre si com o objetivo de compartilhar informações, é a rede das redes. É a globalização que, ao exigir que as informações necessárias aos negócios sejam transmitidas de maneira virtual e instantânea, determina a expansão das redes telemáticas, o que possibilita o surgimento da internet. Assim, a sociedade encontra-se cada vez mais informatizada. Atualmente todos os processos produtivos e comunicativos são mediados pelas tecnologias da informação e da comunicação e pelas redes telemáticas. Para Manuel Castells, esse processo está ligado a um aumento da produtividade do sistema advindo do uso das TIC’s, caracterizando a Era da Informação. César Bolaño e Fernando Mattos (2004) questionam este argumento, apontando


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que a produtividade diminuiu na fase da hegemonia neoliberal, chegando a apresentar uma das taxas mais baixas da história do sistema capitalista. O que tem ocorrido, na verdade, é que, nos tempos mais recentes, marcados pela chamada globalização, a produção tem crescido a taxas ainda muito menores do que os níveis de produtividade e isso tem afetado o ritmo de geração de postos de trabalho, promovendo aumento das taxas de desemprego a partir dos anos 80, na maior parte dos países capitalistas desenvolvidos, notadamente na Europa (...) As taxas médias de crescimento do PIB real anual, nas décadas mais recentes, têm estado também, na maioria dos países, em patamares bastante inferiores aos que vigiam durante os anos 50 e 60, no auge do período keynesiano (BOLAÑO E MATTOS, 2004, p. 07).

Segundo os autores, para minimizar os custos, as empresas passaram por uma reestruturação produtiva, com uma progressiva mudança nas jornadas de trabalho e a terceirização de atividades, o que resultou numa virtual falência do processo de regulação na chamada Sociedade da Informação. O que houve, nessas condições, foi uma deterioração do perfil ocupacional, do perfil do desemprego e um distanciamento, a partir dos anos 80, entre a evolução dos salários reais e da produtividade. As TIC’s, por si sós, não conseguiram imprimir uma dinâmica sustentada do sistema na sua globalidade. Para Bolaño (2002), a importância das TIC’s reside em que elas desempenham hoje papel semelhante ao da máquina-ferramenta na Revolução Industrial, caracterizando o processo atual como o da subsunção do trabalho intelectual no capital:

O aspecto tecnológico envolvido, como na Revolução Industrial inglesa original, é central basicamente porque permite o avanço da subsunção do trabalho. Esta é a chave para a compreensão do processo. A subsunção real do trabalho significa que o trabalhador perdeu a sua autonomia e o controle que tinha sobre o processo de produção, cuja estrutura e ritmo passam a ser ditados pela máquina. Esta condensa o conhecimento que o capital extraiu do trabalhador artesanal no período da manufatura e desenvolveu, com o apoio das ciências. Assim, é a máquina que passa a usar o trabalhador – e não mais o contrário – e o capitalismo pode expandir-se, revolucionando o modo de produção (BOLAÑO, 2002, p. 54).

Segundo Bolaño, a implantação do modo de produção capitalista exigiu, além de uma acumulação primitiva de capital, uma acumulação primitiva de conhecimento. A separação entre trabalho manual e intelectual é, portanto, genética no capitalismo. O trabalho intelectual


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envolve, acima de tudo, produção, armazenamento, manipulação, controle e circulação de informação. Se atentarmos, agora, para as características específicas desta Terceira Revolução Industrial, veremos que ela se distingue fundamentalmente das duas primeiras pelo fato de que, agora, o que vivemos é um processo duplo de subsunção do trabalho intelectual, inclusive o cultural e artístico, e de intelectualização generalizada dos processos de trabalho convencionais, de modo que as energias que o capital procura extrair do trabalhador são fundamentalmente mentais e não mais essencialmente físicas, o que, diga-se de passagem, não representa em si nenhum ganho real para a classe trabalhadora mas, num certo sentido, o contrário (BOLAÑO, 2002, p. 63).

O desenvolvimento do capitalismo levou, portanto, para o autor, a um processo generalizado de subordinação do trabalho intelectual ao capital e de intelectualização geral da produção e do consumo. O grande problema econômico do nosso tempo reside, assim, em transformar o conhecimento tácito em conhecimento codificado, convertendo-o em matéria que possa ser manipulada sem a presença do sujeito que a produziu. Bernard Miège (1999) deixa claro, por sua vez, que o avanço tecnológico é determinado por fatores econômicos e sociais e não o contrário. Não obstante, os comportamentos e os modos de vida da população se serão fortemente afetados pelo desenvolvimento das tecnologias. Segundo Denis de Moraes (2001), por exemplo, as tecnologias avançadas de comunicação, através das quais os consumidores são interligados em tempo real, facilitam ações mundializadas. Ao tratar do ciberespaço e das mutações socioculturais, o autor afirma que a era da hipervelocidade reconfigura irreversivelmente os campos da comunicação e da cultura. A força invisível dos sistemas tecnológicos subverte toda e qualquer barreira, numa rotação incessante. Os fluxos infoeletrônicos encurtam a imensidão da Terra, propagando um volume incalculável de informações. A busca voraz por fluidez baseia-se na evolução galopante das redes digitais multimídias, as quais operam como provedoras de dados ubíquos e instantâneos, em uma ambiência de usos partilhados e interatividades (MORAES, 2001, p. 67).

O fenômeno internet traria, assim, uma mudança de paradigma, proporcionando maior diálogo e participação e rompendo a imagem clássica dos aparelhos de divulgação no topo da pirâmide e dos receptores confinados na base. “O ciberespaço funda uma ecologia comunicacional: todos dividem um colossal hipertexto, formado por interconexões generalizadas, que se auto-organiza e se retroalimenta continuamente” (MORAES, 2001, p.


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68). Mas o ciberespaço não é uma esfera autônoma, dissociada das realidades socioculturais. Há uma relação de complementaridade entre o virtual e o real, em conseqüência da crescente convergência tecnológica: A internet situa-se na base de criação de uma fronteira a um só tempo física e abstrata. Física e tangível, porque sua infra-estrutura operacional é feita de interfaces gráficas, de modems e de discos rígidos. Abstrata e intangível, pois os conteúdos remetem à ordem da representação, da cognição e da emoção (MORAES, 2001, p. 74).

Mas a hegemonia segue sendo do capital, o que se evidencia na economia mundial. Para Bolaño, o desenvolvimento das TIC’s foi elemento central na reestruturação da esfera pública, com o surgimento da televisão segmentada, da internet e todas as inovações ligadas ao conjunto dos processos de comunicação, colocando em xeque o sistema global das Indústrias Culturais vigente desde os anos 50, ao atingir a televisão de massa. Na verdade, esse desenvolvimento se abre em dois movimentos complementares: um comercial e um de trocas lingüísticas.

O desenvolvimento histórico da internet, em que a lógica comercial vai-se tornando progressivamente mais importante, não chega a eliminar a outra que, ao contrário, aparece como atrativo fundamental para a conexão dos indivíduos, que pagam às companhias telefônicas e aos provedores de acesso, ou aceitam receber publicidade em troca de acesso barato ou gratuito, em busca, não apenas de conteúdo comercializado e facilidades de negócios, mas também da possibilidade de comunicação à distância e daquilo que os italianos chamam de condivisione (BOLAÑO, 2003, p. 20 e 21).

A constituição de um modelo de exclusão pelos preços reforça a tendência à concentração dos setores da comunicação. Alain Herscovici (2003) enfatiza que a internet possui uma economia própria e, ao mesmo tempo, se relaciona com o sistema econômico global. Para o autor, o papel macroeconômico do setor da Informação e da Comunicação é servir de mediador em relação aos outros setores da economia.

A função econômica das indústrias da Informação e da Comunicação consiste em tornar possível o funcionamento do mercado pelo fato de implementar uma atividade de coordenação entre os diferentes agentes, a qual não pode mais ser assegurada pelo sistema de preços (HERSCOVICI, 2003, p. 65).


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As TIC’s, por um lado, representam uma extensão dos mercados e da instabilidade a eles ligada e, por outro, assumem um papel de coordenação global entre as empresas. Ao contrário dos discursos liberais que afirmam que o sistema ligado às novas tecnologias da informação e da comunicação é aberto a todos, Herscovici defende que o sistema é seletivo. A internet seria um espaço público “desintermediatizado”, ainda que acessível a todos, com caráter descentralizado e interativo, escapando à centralidade que caracterizava os sistemas ligados à cultura de massa. A configuração da rede não corresponde a uma estrutura concorrencial. A informação não é simétrica para todos os agentes e a ampliação da rede se limita aos grupos de maior poder aquisitivo.

É preciso frisar que o conjunto do sistema ligado à Cultura, à Informação e à Comunicação, assume um papel importante em relação às necessidades da acumulação capitalista. Se este processo já apareceu nos anos 80, com a instrumentalização da Cultura, no âmbito da economia da diferenciação, ele se intensifica com o desenvolvimento da Internet e das convergências tecnológicas a ela ligadas. (HERSCOVICI, 2003, p. 42).

Enquanto o consumidor, no caso da televisão aberta, paga somente pelo aparelho e pela fatura mensal de energia elétrica, no caso da internet, ele tem que adquirir um aparelho muito sofisticado e sujeito à obsolência precoce, pagar as contas de energia elétrica e de telefone e o provedor de acesso, além da necessidade de possuir periféricos e softwares adequados. Durante os seus primeiros vinte anos, a rede mundial de computadores era caracteristicamente experimental, ligada às instituições de pesquisa, de expansão lenta e gradual e sustentada com recursos públicos. O desenvolvimento de importantes tecnologias de armazenamento, operação, transmissão e recepção de dados em rede e a invenção de microcomputadores, de modems e de sistemas operacionais para computador, mudam o seu perfil. Em 1979, o sistema operacional foi adaptado para fazer a comunicação entre computadores ligados pela rede telefônica comercial. Nessa fase experimental, ainda não existia uma economia da Internet propriamente dita, mas sim economias típicas das telecomunicações e da indústria de tecnologias da informação, a exemplo da produção de computadores (BOLAÑO,CASTAÑEDA E VASCONCELOS, 2003).


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Na década de 80 inicia-se a abertura do acesso à rede a um maior número de pessoas e países. Além disso, as inovações tecnológicas visavam aumentar a interatividade e encontrar, pela primeira vez, aplicações comerciais para ela. Mas os interesses comerciais só começaram a entrar de fato na rede nos anos 90, atraindo usuários domésticos e empresariais. Na segunda metade dessa década, a internet se consolida como uma rede com capacidade de se autofinanciar, em virtude das grandes aplicações comerciais no sistema. Começa então a real exploração econômica da rede. Em 1993, já existia mais de 1 milhão de servidores conectados à rede mundial de computadores. O Brasil começou a utilizá-la mais tarde, mas com altas taxas de crescimento. Em 1996, existiam no país 20 mil hosts e em 2001, esse número cresceu para 876 mil. “Em apenas um ano, de janeiro de 2001 a janeiro de 2002, o número de hosts entre os vinte países mais conectados cresceu de 68,5%, passando de 104.887.307 para 152.996.650” (BOLAÑO; CASTAÑEDA e VASCONCELOS, 2003, p. 63). O resultado dessa expansão da rede foi um grande crescimento dos investimentos em tecnologias da informação e da comunicação, entre 1995 e 2000, mas em seguida instalou-se a crise na rede mundial de computadores, demonstrando o caráter basicamente especulativo do processo. Muitas empresas confiaram no mercado que parecia promissor e investiram em infra-estrutura e serviços. O resultado foi uma queda do número de provedores, que de 600, em 1997, baixou para cerca de 150 no ano 2000. No Brasil, a situação permaneceu estável até maio de 1998, com 400 provedores registrados na Embratel e 800 pedidos de registro. O mercado era 100% nacional e a concorrência se dava nas pequenas áreas de atuação. Em 2000, houve a primeira disseminação de provedores gratuitos no país. Mas, incapazes de se sustentarem sem receita de acesso, eles acabaram fechando as portas. Posteriormente, novas iniciativas do gênero seguem os passos das operadoras de telefonia fixa, que lançam seus próprios provedores gratuitos. A Telefonica criou a iTelefonica e, em parceria com o SBT, o Isbt. No final de 2004, a Telemar lançou a Oi Internet. A Embratel traz o Click21, a Brasil Telecom, o iG e iBest e a GVT, o POP. Muitos dos provedores gratuitos aproveitam a infra-estrutura de companhias de telecomunicações ou nascem como resultados de parcerias de conhecidos portais com operadoras. Assim, apareceram o MSN Brasil, Orolix, Interfel e Oi Internet (PADILHA, 2005).


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O Jornalismo On Line Para Wilson Dizard Jr (1998), “os setores editoriais tradicionais estão adaptando seus estilos operacionais às realidades do computador e enfrentando a concorrência de um número cada vez maior de provedores eletrônicos de informação” (DIZARD JR, 1998, p. 220). De acordo com ele, as empresas da mídia que não conseguirem ou não quiserem se adaptar às realidades tecnológicas e econômicas atuais, ficarão conhecidas como “dinossauros eletrônicos”. O investimento de um grande jornal na rede é um reposicionamento estratégico da empresa no interior da Indústria Cultural enquanto sistema. Ao falar da atração que a internet provoca nessas empresas, em virtude da venda dos serviços de conteúdo, financiamento publicitário ou exploração comercial dos cadastros dos clientes, Bolaño (2000) diz que se trata da mesma lógica das indústrias culturais em geral: de criação da mercadoria audiência. Segundo o autor, os grandes jornais vão para a internet à procura de lucros, porque têm o know-how necessário para disputar o mercado de informação de massa que a rede abre. A mídia impressa, ao longo da história, precisou utilizar novos formatos para competir com outros meios que foram surgindo. Mirela Hoeltz (2001) enfatiza os fatores econômicos, culturais e sociais responsáveis pela variação na formatação dos jornais, a exemplo da redução dos custos da produção jornalística, a facilidade no manuseio para os leitores e a qualidade física do jornal. Embora as indústrias da mídia possuam poucas informações sobre clientes na internet e os processos comerciais estabelecidos nesta ainda sejam por tentativa e erro, trata-se da tecnologia que promete dominar a revolução digital no século XXI. Com a mudança tecnológica, as companhias de comunicação estão se preparando para um futuro incerto, efetuando contínuas fusões, alianças, aquisições de controle e liquidações das antigas empresas de comunicação. Para se manterem no mercado cada vez mais competitivo, as indústrias da mídia apostaram na diversificação das atividades. Os grandes jornais, sistemas de televisão e companhias telefônicas decidiram investir capital no desenvolvimento de sites na internet. É por isso que geralmente os projetos lançados na web são casados com outras mídias. As empresas se lançam no novo suporte para experimentá-lo, pois sabem que se houver retorno financeiro, será a longo prazo. De acordo com John Thompson (1995), a idéia é criar novos centros de lucro dentro da companhia e ampará-la contra as conseqüências negativas do crescimento instável ou do possível declínio em seus campos de atuação. Ao observar a migração dos órgãos de informação tradicionais para a internet, Luís Nogueira (2004) constata que as ações distintas de ver televisão, ouvir rádio e ler jornal


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acabam perdendo suas peculiaridades identificativas. O autor se questiona a respeito da idéia de convergência entre as mídias, no sentido da integração dos conteúdos num só canal.

Se aceitarmos que esta coincidência de formatos e de estruturas entre meios que tradicionalmente

eram

claramente

diferenciados

se

deverá

sempre

às

características

e

constrangimentos técnicos impostos pelo suporte, podemos supor que o fim das rádios, televisões ou jornais como os conhecíamos está aí à porta e que os novos serviços de informação aliarão inevitavelmente texto, imagem e som. Ou será que, inversamente, cada um destes elementos reivindicará sempre linguagens próprias e diferenciadas, respondendo com performances insubstituíveis a necessidades particulares? (NOGUEIRA, 2003, p. 05).

A Economia Política ajuda a compreender a questão.

Um novo paradigma? Em 1980, Patrice Flichy traçou a diferença entre indústrias da edição e cultura de onda. Nesta última ele incluía as indústrias de rádio, TV e imprensa. Essa distinção foi retomada por Miège, Pajon e Salaün (1986), que definem a imprensa como um terceiro paradigma, intermediário em relação aos outros dois. As três primeiras colunas do quadro 1 foram elaboradas por Miège e seus colegas para condensar as tendências gerais dos modelos econômicos na produção cultural e informacional. Na década de 80, já se detectava uma aproximação entre editorial e onda, frente ao surgimento da TV segmentada a pagamento. A presença da internet como meio de informação promove uma nova aproximação, desta vez entre imprensa e onda, constituindo-se um novo paradigma. Para compreendê-la, acrescentamos uma coluna adicional, com as características do jornalismo on line.

Quadro 1: Tendências gerais dos modelos econômicos em ação na produção cultural e informacional28

Caracterí 28

Editorial (livro, Onda (rádio disco, vídeo e televisão) cinema) Conjunto de Onda contínua

e Imprensa (jornal Jornalismo e revista) Online de Série

de Multimídia.

A tabela original é de MIÈGE, PAJON e SALAÜN (1986), p. 80 apud BOLAÑO, 2000, p.178. A última coluna foi elaborada por SOUZA (2005).


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sticas gerais

Função central

Cadeia econômic a

mercadorias culturais feito de obras pontuais. Compra de fruição (artística, de distração...) ou de “distinção” marcando a pertinência cultural a um grupo. EDITOR: escolha das obras, escolha das equipes de concepção e de realização; organização da sua produção e reprodução.

encontros cotidianos e de fidelização da audiência. Escuta doméstica e familiar, gestão de tempo livre. Grande variedade de consumo num público de massa.

A produção é feita aos saltos, frequentemente por pequenas sociedades sem capital fixo. As equipes são reduzidas e mudam a cada nova produção. Os empregos são intermitentes. Os responsáveis pela concepção são remunerados pelo sistema de direitos de autor e de reprodução. A infra-estrutura (estúdios, laboratórios, prensagem, impressão) é comum. O financiamento das produções importantes é frequentemente

Necessidade de uma organização quase industrial para alimentar a onda. Importância das séries sob a forma de: a)produção integrada (direto, atualidades, séries de documentários, jogos, variedades...) – neste caso- os postos de trabalho são regulares, transversais, geridos por um plano e complementados por trabalhadores intermitentes e os materiais e infraestruturas são frequentemente propriedades das estações. b)uma produção externa subcontratada para as séries mais custosas cuja organização está

PROGRAMADOR: definição da grade de programas e organização do preenchimento das seguintes funções:produção interna, produção externa e compras.

mercadorias, compras regulares e excepcionais (atualidade quente). Consumo individual ligado a uma pertinência social, territorial, cultural ou política (espaço público) REDATORCHEFE: escolha dos assuntos; organização da cobertura de atualidade; escolha da paginação; responsabilidade pelo conteúdo. Importância dos responsáveis pela concepção para cobrir a atualidade regularmente. Custos de produção pouco elevados, mas custos de concepção, de reprodução e de difusão importantes. Salariato generalizado, complementado por algumas remunerações por tarefa. Filiação a agências de notícias. Distribuição por rede física organizada coletivamente. Vendas por arrecadações

Público homogêneo. Mídia segmentada. Variedade de consumo. Convergência tecnológica. Contexto de mídias interativas. EDITOR: realiza as mesmas tarefas do redator: criar pautas, escrever e editar matérias. A única diferença é que ele vai coordenar a equipe Custos de produção e difusão de notícias reduzidos. Produção integrada com outras mídias, com aproveitamento da infraestrutura já montada. Produção em tempo real. Distribuição em rede. Postos de trabalho irregulares. Técnicas de produção e apresentação não estabilizadas. Crescente concentração das indústrias.


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complexo (prévenda, participação, coprodução). Distribuição custosa por rede de lojas especializadas. Influência frequentemente importante da distribuição sobre a produção.

a meio caminho entre o modelo de onda e editorial e c) compras de direitos de redifusão em bloco sobre catálogo ou troca permanente entre televisões. Apelo às equipes permanentes de realizadoresresponsáveis pela concepção. O salariato é a regra, mas é completado às vezes pelo sistema de direitos de autor e de reprodução. Os gastos de difusão são relativamente reduzidos e sua organização econômica escapa largamente às indústrias de programas. Autores, jornalistas, Atores, Ofícios animadores, artistas conceituai compositores, intérpretes, realizadores, s realizadores e artistas, técnicos intérpretes. especializados. Técnicos Trabalho concentrado especializados. Grande variedade (produção interna e de remunerações. externa) e Caixa de semiconcentrado. desemprego especial para os ofícios do espetáculo. Trabalho por intermitência muito fragmentado (viveiros e pequenas sociedades). direta Receita indireta Vendas/re Venda produto por (parafiscalidade, ceitas produto. Receitas publicidade), global.

frequentemente não especializados.

Jornalistas e técnicos especializados. Trabalho por redes superpostas (internas, correspondentes, agências, etc.).

Jornalistas, e webdesigners (profissionais especializados em técnicas de design gráfico e de editoração de sites e páginas para a web).

Receitas Receitas semidiretas: indiretas, venda a varejo e através

da


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proporcionais á Importância do audiência conhecimento da alcançada. O audiência. A sistema parafiscalidade e a proporcional publicidade são remonta ao geridas por conjunto da organismos cadeia exteriores, claramente econômica. separados da produção. Caracterí Mercado de Mercado de massa indiferenciado e sticas dos massa indireto. Atenção a mercados segmentado. Compra de um um aparelho (rádio, televisão). Fluxo de suporte obsolência individualizado que incorpora o instantânea. de trabalho artístico Necessidade e de ou de um direito fidelização da de entrada. otimização Dialética do “tubo audiência. e do catálogo” Importância da grade compensando o de programa caráter muito aleatório do sucesso comercial.

por assinatura e venda de publicidade. publicidade. Altos investimentos em novas tecnologias com retorno, na melhor das hipóteses, a longo prazo. Mercado de Mercado de massa massa segmentado. segmentado. Leitura de um Interatividade. suporte Dificuldades na individualizado. fidelização. Fidelização. Dependência da Dependência da atualidade. atualidade. Tendência à desregulamenta ção do sistema. Fusões e sinergias.

De acordo com o que foi visto, pode-se analisar que o conteúdo informacional na internet visa uma audiência segmentada e, assim como nos setores de onda, atender a variedades de consumo. Na prática, não há uma função central exercida por um só profissional. Tem-se a figura do editor, que em alguns casos é chamado de gerente de conteúdo, mas suas funções são as mesmas do redator, com uma única diferença: ele coordena a equipe para agilizar a produção de notícias e se responsabiliza pelas informações colocadas no ar. O custo de produção e difusão de notícias é reduzido, já que não há gastos com a compra de papel e com distribuição em rede física, como ocorre nos setores da imprensa, nem gastos para formação de uma estrutura quase industrial, como nos setores de onda. Na maioria dos casos, a produção das mídias on-line é integrada com a de outros setores, como rádio, televisão ou jornal, tendo em vista que não há retorno imediato dos altos investimentos, a oferta de conteúdo jornalístico na rede não é financeiramente rentável. Isso porque o modelo


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ainda não se consolidou e a credibilidade é tardia. Quem ganha dinheiro com a internet são os provedores de acesso e as empresas de telecomunicações. Os portais-provedores que mantêm uma equipe de jornalistas para disponibilizar notícias aos seus clientes têm por objetivo manter a audiência. Os jornais impressos que passam a disponibilizar uma versão on-line dificilmente irão lucrar com o novo suporte, pois o único retorno financeiro que eles poderiam ter na rede seria com a venda de publicidade. No entanto, os anunciantes ainda possuem certo receio em propagar seus produtos na internet, o que distancia a mídia on-line de alcançar seus objetivos de competitividade com o meio tradicional. A fidelização da audiência, importante ferramenta utilizada tanto pelo rádio e TV quanto pelos setores da imprensa, torna-se difícil no conteúdo on-line. No caso da televisão, o expectador assiste a uma grade de programas pré-definida pela emissora. Mas na internet, os usuários não são obrigados a seguir uma determinada programação, acessam os conteúdos de acordo com os seus interesses individuais e quase nunca se detêm a ficar em um único site. O que tem ocorrido são fusões entre as empresas da mídia, a exemplo de corporações que chegam a abranger os setores editorial, de imprensa, de onda, e agora, on-line, ao mesmo tempo. As empresas que dispõem conteúdo na web fazem uma reapropriação ou reinterpretação das mercadorias culturais dos seus associados. O resultado é a concentração de poder nas mãos de um pequeno número de grandes empresas.

A internet como suporte jornalístico em Aracaju Os primeiros jornais a conquistarem espaço na Web foram os americanos, em 1990. No Brasil, o primeiro jornal impresso a lançar sua versão on-line foi o Jornal do Brasil – JB –, em 1995, época de difusão da internet no país. Em 1996, foi a vez de ‘O Globo’ fazer o mesmo e, em 1997, o Jornal do Commercio, com o JC Online, entrou em operação, oferecendo todas as suas notícias e vários serviços na Web. Também foi em 1995 que o público sergipano teve acesso a conteúdos jornalísticos através da internet, com a Gazeta de Sergipe. Meses depois foi a vez de o jornal CINFORM utilizar o mesmo suporte. Apesar de ter se lançado na rede sem atraso, comparando-se com outros exemplos no país, a mídia impressa sergipana enfrentou alguns problemas de transição. Não havia um projeto específico para o suporte internet e os investimentos necessários para a aquisição de equipamentos (computadores de última geração e câmeras fotográficas digitais),


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novos jornalistas e infra-estrutura eram altos para os padrões locais, sem a garantia de retorno imediato. A primeira tentativa do Jornal Cinform em manter conteúdo jornalístico na rede não obteve o sucesso esperado. Sem linguagem e jornalistas especializados no novo meio, todo o conteúdo veiculado no impresso era transposto para a internet, sem nenhuma mudança na estrutura do texto e na periodicidade (semanal). Ao contrário, constatou-se que a circulação do jornal começou a cair. A grande maioria dos leitores deixou de comprar o jornal nas bancas de revistas e passou a esperar pelo conteúdo que seria fornecido na internet. A direção do Cinform percebeu que os acessos ao site no dia em que as matérias eram transpostas para a rede eram bem maiores que nos outros dias da semana. A solução foi acabar com a versão online, que só viria a retornar anos depois, em 2004. Manter-se atualizado e criar uma equipe de jornalistas própria para colocar informações na rede pareciam ações inatingíveis para os jornais sergipanos. O pioneiro Gazeta de Sergipe, passando, ademais, por uma crise financeira, acabou fechando as portas. O Correio de Sergipe também experimentou as telas do computador, mas só ficou disponível online entre os anos de 1996 e 1997, disponibilizando as mesmas matérias que eram publicadas na versão impressa. A atualização da versão on-line, no entanto, não era capaz de acompanhar a periodicidade diária do impresso, chegando a passar mais de 3 dias sem atualização. Também o Jornal da Cidade teve um projeto de criação de um site nessa época, mas o fato só se concretizou em 2005, com o auxílio de uma empresa terceirizada, a SECALL – Contact Center. Só assim o JC conseguiu os meios tecnológicos necessários. Atualmente, o Cinform e o Jornal da Cidade são os únicos jornais a possuírem versão on-line no Estado. Conteúdo jornalístico também é oferecido por portais locais29, como a Infonet e o Emsergipe, que atingem a maior audiência em Sergipe, com 40 mil e 8 mil acessos diários, respectivamente, e por sites governamentais. As assessorias de Comunicação Social do Governo Estadual e da Prefeitura Municipal de Aracaju estão cada vez mais preocupadas 29

O Portal EPTIC, ligado ao Observatório de Economia e Comunicação da Universidade Federal de Sergipe – OBSCOM –, a rigor deveria ser considerado aqui, pois trata-se do veículo on line mais antigo produzido no Estado em atividade ininterrupta desde sua criação, em 1999. Não se trata, entretanto, de um veículo local, mas de um portal acadêmico que inclui uma revista eletrônica internacional, biblioteca virtual e outras publicações como livros, capítulos de livros e todo tipo de produção escrita na área da Economia Política da Comunicação, além de um boletim eletrônico quinzenal, o EPnoTICias. .


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em gerir informações em tempo real sobre as ações de cada órgão, transformando-se em verdadeiros ambientes de redação, com vários jornalistas e estagiários nas ruas em busca de notícias. As versões on-line dos jornais se apresentam agora de forma bem diferente do que se via na década de 90. A linguagem é adaptada ao que o senso comum dos jornalistas acredita devam ser as características do novo suporte, com notícias curtas e objetivas, denominadas “notas” pelos produtores que escrevem para a web. Também não há concorrência entre a mídia impressa e a internet. O Cinform Online, que está prestes a completar um ano de criação, não transpõe mais o conteúdo do impresso para o on-line; apenas disponibiliza leads e avisa que se o leitor desejar a matéria por completo, que vá às bancas e compre o jornal. As notas são atualizadas o dia inteiro durante toda a semana, de modo que os tempos das versões on-line e impressa são também completamente distintos. Se a perda de assinantes para as versões on-line não se concretizou, a perda de publicidade, menos ainda. Como a internet ainda pode ser considerada fato novo, as empresas ainda temem em anunciar seus produtos via rede. O lado comercial da internet no Estado ainda não está sendo explorado. Os jornais sabem que se trata de um investimento cujo retorno financeiro, se ocorrer, só se dará no longo prazo. Mas por que colocam seu produto na internet? Além de deixar o leitor informado de tudo o que ocorre depois do dead line, a estratégia dos jornais sergipanos é de procurar sedimentar desde já seu espaço no meio virtual. Leva-se muito tempo para ganhar a empatia do público e como a versão on-line surge, do ponto de vista visual, com outra cara, é preciso tentar manter a identidade do jornal através dos conteúdos, oferecendo editorias similares aos impressos. Pode-se observar que as versões on-line do Cinform e do Jornal da Cidade, bem como o portal Emsergipe, filiado à rede Globo, aproveitam a infra-estrutura já montada pela outra mídia (no caso das duas primeiras, impressa, e desta última, televisiva). Com o objetivo de confirmar as características hipotéticas das tendências gerais do modelo econômico do jornalismo on-line, formuladas no quadro 1, foram utilizados dois instrumentos de análise: entrevistas com empresários e jornalistas para uma apreciação qualitativa na área e questionários para conhecer sociologicamente os profissionais que escrevem matérias para a web na capital sergipana. Foi planejada uma amostra de quatro empresas que atualmente disponibilizam conteúdo jornalístico na internet em Sergipe: Cinform Online, JC Online, Infonet e Emsergipe. Foi restringida a pesquisa à análise de tais


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empresas porque elas possuem grande destaque e englobam os maiores números de acessos diários do Estado. As entrevistas foram realizadas no período de 19 de janeiro a 15 de março de 2005. Os questionários foram aplicados nos dias 15 e 16 de março e continham 17 perguntas pertinentes às funções que exercem, à carga horária, às fontes noticiosas, à elaboração de matérias. Do universo de 15 jornalistas que trabalham com a web nas quatro empresas analisadas, obtiveram-se respostas de 12. A partir dos resultados, observa-se que o jornalista de web em Aracaju é jovem e sem experiência em outras mídias. A maioria é do sexo feminino: 58% dos entrevistados são mulheres. Dentre os entrevistados, 75% possuem idade entre 18 e 24 anos e 25% entre 25 e 34 anos. Os estagiários cursam do 5º ao 8º período do curso de Jornalismo e representam 42 % nesta área de trabalho. 58% são jornalistas recém-formados, que cresceram acostumados a lidar com as ferramentas do computador. Na sua maioria (92%) têm formação de jornalista e uma pequena parcela (8%) tem habilitação em Rádio e TV, o que provavelmente reflete a estrutura do contingente de formados do Curso de Comunicação da UFS. Em relação à experiência profissional em outros meios de comunicação, 59% das pessoas que responderam ao questionário afirmam não ter trabalhado em nenhum jornal, rádio ou TV antes de irem para a web. Os profissionais do jornalismo on-line, portanto, trabalham com várias mídias ao mesmo tempo sem terem passado por cada uma delas separadamente. Além de textos, fotos e gráficos, eles têm que utilizar seqüências de vídeo, áudio e ilustrações animadas, embora os três últimos recursos ainda sejam pouco explorados em Aracaju. Dos entrevistados, 25% estão trabalhando na área há menos de um ano e 50% têm entre dois e quatro anos de experiência na web. Nas redações de web analisadas em Aracaju, há uma tendência à reorganização de tarefas diretamente relacionadas com a atividade jornalística. O repórter e o editor realizam um trabalho conjunto, de selecionar pautas, redigir matérias, tirar fotografias (neste caso a figura do repórter fotográfico deixa de existir) e colocar a matéria no ar. Dos 12 entrevistados, 17% acumulam as duas funções: editor e redator. Também foi observado que 100% dos profissionais redigem matéria para qualquer tipo de editoria, sendo desnecessária a especialização em áreas diferenciadas, como jornalismo econômico, político ou cultural. A causa pode estar no fato de que as redações de web em Aracaju trabalham com poucos profissionais, variando de três a quatro o número de repórteres trabalhando em cada empresa.


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A produção de reportagens, na maioria dos casos, é abandonada, em detrimento do grande número de notícias necessárias para atualizar a página da web em tempo real. Com o questionário, foi possível constatar que 50% dos entrevistados possuem uma carga horária de 20h a 25h por semana, e 33 % trabalham de 30h a 35h semanais. Dos 12 profissionais que responderam às perguntas, 84% escrevem mais de 5 matérias por dia. Não há hierarquização das notícias, pois estas são colocadas no ar por ordem de chegada. As de maior relevância são colocadas em destaque, no centro da página. A pesquisa revelou também que 92% dos entrevistados trabalham exclusivamente com o jornalismo na web. Nota-se que o ato de escutar as rádios no primeiro momento em que chegam à redação, com o propósito de selecionar as pautas do dia, continua a ser praticado pelos jornalistas que trabalham para o on-line. As respostas indicam que 50% dos profissionais da web utilizam a rádio-escuta como fonte noticiosa; outros 25% navegam na Internet para conseguir pautas e somente 8% dizem aproveitar os conteúdos dos jornais. Raramente um repórter de web sai às ruas em busca de um fato. Também foi questionado aos jornalistas como eram realizadas as entrevistas para a elaboração de matérias. Dos 12 profissionais que responderam ao questionário, 51% afirmam que na maioria dos casos fazem entrevista pelo telefone e 33%, pessoalmente.

Os Portais Infonet e Emsergipe Considerada a maior empresa fornecedora de serviços na internet em Sergipe, com 40 mil acessos diários, a Infonet (http://www.infonet.com.br) foi criada em 1º de maio de 1996, como um provedor de serviços, oferecendo acesso e e-mails e hospedando sites de empresas que desejavam mostrar seus produtos na rede mundial de computadores. Um semestre depois já disponibilizava informações on-line. Atualmente, o setor de jornalismo conta com 3 repórteres para alimentar a página durante o dia inteiro. De acordo com a gerente de Negócios da empresa, Ana Paula Vasconcelos30, todo provedor de acesso à internet necessita oferecer também conteúdo aos seus clientes, agregando valor aos seus serviços e deixando o portal mais atrativo. Quando se trata dos custos para disponibilizar conteúdo jornalístico na internet, enquanto o jornal impresso, que coloca sua versão on-line, vende os jornais e a publicidade, o

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Entrevista realizada no dia 1º de março de 2005.


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portal da Infonet tem retorno com esta última e com os acessos. Mas os investimentos são os mesmos, sendo preciso montar toda uma estrutura, tanto em termos de recursos humanos (jornalistas, estagiários, webdesigners, programadores e profissionais da área de negócio), quanto de infra-estrutura e instalações. A percentagem da receita que vem da publicidade é menor que 10% da receita geral. Outros 70% provêm do acesso e os 20% restantes, de outros serviços, como hospedagem, construção e manutenção de home page, desenvolvimento de sistemas para web, serviços de teleprocessamento e segurança para redes corporativas ou empresariais e treinamento em Internet. Assim como a Infonet, o Emsergipe (emsergipe.com) também se caracteriza como um portal-provedor. Na verdade, ele surgiu em 28 de maio de 2001, apenas como portal, mas para agregar valor, passou a ser também provedor. Quando começou, apresentava uma média diária de 70 acessos. Hoje esse número chega a 8 mil. De acordo com a gerente de conteúdo do Emsergipe, Joelma Gonçalves,31o portal é um projeto da Globo.com para manter afiliadas em todo o Brasil enviando conteúdos locais. A notícia é o serviço mais acessado do Emsergipe. Para manter o conteúdo do portal atualizado, trabalham três jornalistas e um estagiário. A princípio, a equipe de jornalistas da filial sergipana da Rede Globo na internet se preocupava muito com a quantidade de informações geradas, mas essa mentalidade foi mudando, devido a novas demandas. Se antes as notas eram colocadas no ar a cada 5 minutos, agora o espaço de tempo entre uma e outra cresceu para 15 minutos, para que os jornalistas passassem a trabalhar as matérias com mais qualidade. Além disso, o Emsergipe passou a realizar coberturas ao vivo, atividades que carecem de maior disponibilidade de tempo. A respeito da mudança de linguagem do jornal impresso para o meio eletrônico, Joelma acredita que se trata de uma exigência do próprio público, pois o internauta procura textos mais curtos e menos rebuscados que os do impresso. Entretanto, além das matérias mais resumidas, as notas, o Emsergipe deixa à disposição dos leitores/internautas textos mais longos e mais trabalhados nos canais, justamente para atender a um público diferenciado. É importante ressaltar que o portal Emsergipe já surge com uma linguagem específica para a Internet. Alguns meses depois de criado, ele já tinha começado a trabalhar com vídeos, o que só foi possível devido à estrutura física, que foi montada dentro da TV Sergipe. Além do canal de notícias e vídeos, o internauta dispõe de rádio on-line. Atualmente, o grupo 31

Entrevista realizada no dia 15 de março de 2005.


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formado pelo portal Emsergipe, pela rádio FM Sergipe e pela TV Sergipe tenta trabalhar de forma harmoniosa para convencer os anunciantes a utilizarem as três mídias diferentes para mostrar seus produtos. Essa é uma das alternativas para que o portal possa se manter financeiramente.

Cinform A atual versão on-line do jornal Cinform 32 (http://www.cinform.com.br) foi criada em abril de 2004, com os objetivos principais de ganhar vantagem mercadológica sobre os seus competidores, que utilizavam apenas um suporte de transmissão jornalística, e de solucionar o problema da periodicidade, tendo em vista que o jornal é de circulação semanal. Segundo o diretor de jornalismo do Cinform, Jozailto Lima33, a idéia foi manter o jornal vivo diante do mercado de comunicação. Embora o Cinform Online ainda não tenha conseguido avançar em termos comerciais, do ponto de vista dos usuários, a aceitação está sendo boa, apresentando uma média de 9 mil acessos diários. Para Jozailto Lima, os resultados só não são melhores em decorrência das ferramentas, que são muito excludentes, voltadas mais para o público A. Hoje o computador está muito presente na vida das pessoas, mas não é um equipamento de prioridade. O site do Cinform não cobra pelo acesso. E como não há a pretensão do jornal vir a se tornar diário, a intenção do on-line é manter os leitores assíduos do jornal (2.500 assinantes) informados de tudo o que vai acontecendo no Estado durante todos os dias da semana, contribuindo para a fidelização do usuário/leitor. Apesar de ser um outro veículo, o jornal online e o impresso são complementares e não competem entre si. A diferença entre um meio e outro está basicamente no modo de fazer notícia, pois enquanto a notícia eletrônica recebe uma linguagem mais rápida, dinâmica e precisa, a dos fatos impressos é mais elaborada. O Cinform on-line acaba se tornado uma janela para o impresso, porque na segundafeira, depois da distribuição do jornal, os repórteres do impresso disponibilizam os leads das matérias que fizeram para que a equipe de web possa colocá-los no site. E este continua sendo atualizado a cada minuto. Ao todo, são 28 jornalistas trabalhando no impresso e 4, no jornal

32

O Cinform foi criado em 02 de fevereiro de 1982 por dois engenheiros da Telergipe. Em setembro de 1983, o jornal passou para as mãos de Antônio Bonfim, atual superintendente da empresa. Sua atual sede fica na rua Porto da Folha, nº 1116, no bairro Getúlio Vargas. 33

Entrevista realizada no dia 22 de fevereiro de 2005.


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on-line. O conteúdo impresso não é disponibilizado na íntegra no site para que o Cinform não perca leitores. Os custos do Cinform no suporte internet são menores que no suporte papel. De acordo com o diretor executivo do Cinform, Adriano Bonfim34, não é possível fazer comparações porque o on-line ainda não tem receita. O que se sabe é que há um custo fixo de manutenção da página, que é realizada pela Aracaju Web Design, os custos com salários dos quatro jornalistas, custos de transporte, recursos de trabalho e fotografia. Já os gastos com o impresso, cuja tiragem está em torno de 21 mil exemplares, envolvem do papel à distribuição. Os insumos para a produção do jornal impresso equivalem a 52% da receita e o gasto com pessoal, dependendo da receita do mês, chega a comprometer 20%. O jornalismo tem participação em 47% do valor total da folha. A impressão, segundo Adriano Bonfim, consome 24 bobinas por semana. O custo do papel é em média 20 mil reais por edição, os dos filmes (fotolito), chapas, reveladores e químicos equivalem a 7% da receita e o custo da distribuição representa 8%. Por enquanto, não há riscos de perda da publicidade do impresso para o on-line. Só para se ter uma idéia, 75% da receita do jornal provêm da publicidade e o restante vem de serviços como pesquisas, classificados e impressos. Enquanto os valores dos banners variam entre 200 e 500 reais, os anúncios no jornal impresso podem chegar a custar 8.000 reais (capa).

Jornal da Cidade O projeto do site do Jornal da Cidade35(http://www.jornaldacidade.net) já tinha sido elaborado há três anos, mas por falta de espaço físico para montar uma equipe específica e pela carência de tecnologia, só foi colocado no ar no dia 26 de janeiro de 2005, depois de muita pressão por parte dos leitores e anunciantes. Para administrar o site, foi feito um acordo com uma empresa terceirizada, a SECALL – Contact Center, que fica responsável pela parte operacional e que irá receber aproximadamente 1 ano e meio de receita. Já que o jornal não tinha condições financeiras 34

Entrevista realizada no dia 08 de março de 2005. O Jornal da Cidade iniciou suas atividades em 05 de maio de 1971, com os sócios Nazario Ramos Pimentel, Ivan Macedo Valença, José Albino de Guimarães Moreira e José Lauro Menezes da Silva. Antes o Jornal se chamava ‘Empresa Gráfica de Sergipe’ e sua primeira sede foi na Rua Santo Amaro, nº296, Centro. Atualmente, o JC se localiza na Avenida Antônio Cabral, nº1069, no bairro Industrial, e pertence a Oswaldo Leite Franco e Marcos Leite Franco Sobrinho. 35


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para gastar na compra de máquinas mais modernas, a empresa fez a aquisição desse material e já iniciou a comercialização do produto disposto na internet, através da venda de publicidade. Apenas o conteúdo jornalístico fica por conta do próprio JC. Diariamente trabalham um jornalista e dois estagiários para alimentar o site. Com o objetivo de conter as despesas com mão de obra, todos os jornalistas da redação colaboram com a versão on-line do JC. De acordo com o editor de web do Jornal da Cidade, Leonardo Zanelli Colleta de Almeida36, a intenção é criar um trabalho integrado entre a redação do jornal e a redação da web, para haver maior “cumplicidade” entre os dois veículos. Durante os primeiros meses, qualquer pessoa poderá acessar o site e ler as matérias que estão sendo publicadas no impresso. Entretanto, em breve, tal conteúdo ficará restrito, tanto para não perder as assinaturas do jornal impresso quanto para conseguir outras assinaturas pelo jornal on-line. Somente as informações atualizadas em tempo real, geradas pela equipe de web, é que ficarão à disposição de todos. As estruturas das redações do on-line são as mesmas do impresso, com redatores e editor. A única coisa que muda é a presença de um webdesigner, que passa a realizar o papel de um diagramador, montando o design da página na internet. O custo da versão on-line é bem mais baixo. De acordo com o diretor administrativo do Jornal da Cidade, Ademir da Conceição 37, apesar da dificuldade de se traçar parâmetros em virtude do pouco tempo de utilização da internet como suporte jornalístico, pode-se dizer que os custos do JC on-line equivalem a 10% dos custos do impresso. O jornal impresso possui um custo mensal de aproximadamente 41% de obrigações sociais, 0,4 % de obrigações fiscais e 36% de despesas fixas para a fabricação do jornal (papel, chapas, tinta, revelador, fixador, distribuição e energia). O Jornal da Cidade possui 6.230 assinantes. Segundo informações do diretor administrativo da empresa, Ademir da Conceição, 80% da receita do jornal provêm da publicidade. Segundo informa, ainda não há riscos de perda publicitária para o on-line. Não há uma procura por parte das empresas para divulgação de seus produtos na internet. Leonardo Zanelli acredita que nenhuma empresa vai deixar o jornal impresso para fazer publicidade no on-line, pois são mídias diferentes, que atraem públicos diferentes. Como o Jornal da Cidade on-line é um produto novo, com pouco mais de um mês em funcionamento, foi oferecido um mês gratuito às empresas para colocarem sua publicidade no

36

Entrevista realizada no dia 19 de janeiro de 2005, pouco antes do lançamento da versão on-line do jornal.

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Informações colhidas no dia 10 de março de 2005.


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site. Além dos anúncios do on-line custarem menos que os do jornal impresso, a audiência do site está sendo boa, com 7.000 acessos diários.

Conclusão A convergência entre os setores das telecomunicações, informática e audiovisual, impulsionada pela internet, tem promovido uma reorganização das indústrias culturais e da comunicação. A rede é um elemento central na transformação da economia mundial, afetando ademais os mais variados setores, especialmente aqueles como os da comunicação e da cultura, cujos produtos podem ser digitalizados. A problemática da convergência entre informática, telecomunicações e audiovisual, como parte de uma mudança estrutural do capitalismo, não pode ser tratada sem base em referências empíricas. As possibilidades abertas pela tecnologia são apenas um dos elementos a serem considerados no traçado de prognósticos. Em todo caso, o surgimento de uma invenção pode levar ao desenvolvimento de uma indústria completamente nova, em concorrência com outras mais tradicionais. A rede é uma das possibilidades de convergência, com repercussões sobre os paradigmas comunicacionais, modelos de financiamento e função ideológica. O investimento de um grande jornal na rede é um reposicionamento estratégico da empresa na Indústria Cultural, em busca da audiência e lucros com a publicidade. A partir da década de 90, a internet começou a ser utilizada como suporte jornalístico. Os jornais tradicionais viram-se ameaçados por diversos provedores eletrônicos de informação e começaram a disponibilizar conteúdo também na internet, como forma de diversificar suas atividades. Nesse processo, fusões e alianças são realizadas para ampliar o poderio financeiro ou conhecimento da empresa, fatores essenciais para o sucesso. As organizações Globo, por exemplo, possuem vantagem mercadológica sobre um jornal, pois além de possuir sua própria editora, sua rede de televisão, rádio, jornal e revista, ainda dispõem de um portal-provedor na internet. Os jornais, nessas condições, se encontram em desvantagem, pois precisam realizar altos investimentos na compra de equipamentos sofisticados e softwares e na montagem de uma equipe de jornalistas específica para alimentar a página na web, sabendo que o retorno financeiro, se é que vai existir, será no longo prazo. De qualquer forma, as indústrias da mídia tiveram que adaptar a natureza de seus produtos e modos de produção ao novo meio. Tendo em vista que a utilização da internet como meio de transmissão jornalística é algo recente, as empresas estão apenas em processo


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de experimentação. Nesse sentido, o jornalismo on-line não concorre, até o momento, com os jornais impressos. Se a internet ainda não tem um modelo econômico claramente definido, algumas tendências podem ser observadas em relação ao conteúdo on-line: custos de produção e difusão de notícias reduzidos, produção integrada com outras mídias, produção em tempo real, distribuição em rede, postos de trabalho irregulares, técnicas de produção e apresentação não estabilizadas, crescente concentração das indústrias, receitas indiretas com a venda da publicidade, altos investimentos em instalação sem retorno financeiro em curto prazo, tendência à desregulamentação, mercado de massa segmentado e dificuldades na fidelização. Estas características, como foi mostrado, apontam para a existência de um novo paradigma, intermediário em relação à cultura de onda e à imprensa, integrando a TV, o rádio e o jornal em um só lugar. As pesquisas e análises sobre o jornalismo on-line em Aracaju reforçam as possibilidades de tais características hipotéticas. A produção na web na capital sergipana é integrada com outras mídias, como ocorre com o portal Emsergipe, cujos projetos são casados com a TV Sergipe e com a rádio FM Sergipe, filiadas da rede Globo. Tendo em vista que o retorno financeiro não é em curto prazo e o caráter mercadológico dos jornais sergipanos na internet ainda é pouco explorado, não há interesse em montar uma estrutura física específica para manter a redação para a web. As empresas aproveitam os espaços físicos já montados e selecionam 3 ou 4 jornalistas para trabalhar na área. Assim, os custos de produção do on-line são reduzidos. No Jornal da Cidade Online, por exemplo, os custos equivalem a 10% dos do jornal impresso. Se isso facilita a vida dos jornais impressos que revigoram a rede, retira-lhes a vantagem do conhecimento que os diferencia das demais empresas do setor sem tradição jornalística. Isto porque o processo de produção dos jornais on line é simplificado, do ponto de vista do trabalho jornalístico, ao mesmo tempo em que outras capacidades, vinculadas ao trabalho informático, são exigidas. Nessas condições, pode-se afirmar, no caso de Sergipe, que portais com Emsergipe e Infonet possuem vantagens em relação às empresas mais propriamente jornalísticas que passaram a atuar na rede. A solução para os jornais é investir em conteúdo jornalístico na web, reforçando seu know how. Mas isso se choca com as idéias que o campo faz sobre o jornal on line, de que os textos para o novo suporte devem ser curtos e simplificados. Além disso, o retorno esperado não recomenda o investimento. O Cinform tira proveito em relação aos outros jornais porque é semanário e aproveita a sinergia. A versão on line o ajuda a estar presente diariamente como fonte de informação. O Jornal da Cidade, que é diário, apresenta uma posição aparentemente


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mais frágil, pois como o trabalho do pessoal que escreve para a web é integrado com os profissionais do impresso, há uma maior cumplicidade e dificilmente a versão on line ousa no aprimoramento das notícias. Furos de reportagem deixam de ser publicados na internet esperando-se o dia seguinte para que a versão impressa o possa fazer. Claro que este é um estudo preliminar. Uma análise mais acurada, com prognósticos conseqüentemente mais consistentes, exigiria pesquisa sobre cada uma das empresas na sua globalidade, inclusive situação financeira, o que está fora dos nossos objetivos.

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Sociedade da Informação e Jornalismo: campos de interação e intervenção Debora Cristina Lopez38

RESUMO A reconfiguração de uma sociedade através do desenvolvimento tecnológico, econômico e social prevê adaptação de seus valores. Os processos comunicacionais, mediados ou não, apresentam-se como fundamentais no cotidiano do homem. A sociedade da informação, originária de um processo de reestruturação social, reconfigura o fazer jornalístico e seus valores fundamentais, como moral e ética, tomados como parâmetros neste artigo.

PALAVRAS-CHAVE: Sociedade da Informação, Ética, Capitalismo.

INTRODUÇÃO Para discutir a sociedade da informação e a prática jornalística neste novo ambiente social, é determinante compreendermos, anteriormente, como se desenvolve a prática jornalística. Dessa forma, propomos, neste ensaio, uma discussão sobre as características do jornalismo e do fazer jornalismo on line relacionando-o com as evoluções sociais e das teorias do jornalismo. A proposta culmina, posteriormente, com uma discussão dos novos valores do jornalismo e da sociedade da informação, assim como em uma breve relativização desses valores e da visão utópica apresentada por alguns autores em relação a eles. As conexões entre a evolução da comunicação e da sociedade, sempre pensando na perspectiva das alterações geradas no jornalismo também são observados nessa pesquisa. Além disso, buscamos apontar e discutir as características do jornalismo na sociedade da informação, com suas especificidades e abordagens. Os novos media e a comunicação trazem uma nova concepção para o jornalismo, que passa a ser pensado como um campo de interação e proximidade com o interlocutor. Observamos, também, não somente as características dessa nova mídia, como algumas de suas conseqüências. A reconfiguração de alguns elementos o jornalismo e a responsabilidade com a verificação dos fatos no jornalismo da sociedade da informação são também contemplados, embora de maneira mais breve nesta proposta. Pretendemos, dessa

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Debora Cristina Lopez é mestre em Letras pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Graduada em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. È docente dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda do Centro Universitário FIB, em Salvador, Bahia. E-mail: derbynha@yahoo.com.br


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forma, apresentar e discutir as características e mudanças principais do jornalismo em seu novo ambiente social. As discussões acerca da Sociedade da Informação e do fazer jornalístico nesse novo ambiente pressupõem a compreensão ou, ao menos, a consideração de uma série de elementos contextuais – econômicos, políticos e sociais – que a apontam como subjugada e regida pelas leis de mercado. Um segundo momento do presente artigo versa sobre uma discussão filosófica. Tratase de um estudo inicial sobre como, na Sociedade da Informação, os conceitos de ética e moral (já tidos como sedimentados filosoficamente), podem se alterar devido a uma série de fatores sociais, históricos, individuais, de categoria, econômicos e políticos. Para que possamos relativizar essas conceituações, buscamos pensar a ética e a moral como uma representação, e não como uma identidade do sujeito. Devido a essa diferenciação, e ao fato de pensarmos na ambiência da Sociedade da Informação, trazemos, neste projeto, estas duas discussões como fundamentais. A proposta teórica presente neste texto concerne não só à relação entre os conceitos filosóficos e a sociedade, mas também ao jornalismo, elemento central do segundo momento de observação e análise da presente pesquisa. Como contexto a essa base teórica, discussões de Pierre Bourdieu acerca da sociedade capitalista (ambiente econômico-social da Sociedade da Informação) e de suas relações com as questões midiológicas, sociológicas, e, em certa medida filosóficas, são apresentadas neste projeto e devem ser ampliadas no seguimento do estudo. A partir dessas estratégias metodológicas pretende-se questionar e discutir se, efetivamente, como se crê, existe hoje uma remissão e um resgate dos conceitos de moral e ética que regiam a sociedade no final do século XIX ou se, como apresentamos como hipótese de pesquisa, está remissão se apresenta somente como uma máscara, um falseamento para uma realidade diferenciada e ainda não compreendida – ou não aceita moralmente. Dessa forma, acreditamos, antes da realização dessa pesquisa, que a moral e a ética configuram-se, na sociedade contemporânea, mais como uma representação, uma imagem a ser conservada e utilizada nas relações sociais do indivíduo do que efetivamente a sua identidade – supostamente o ambiente em que deveria estar inseridos estes conceitos.

ESPECIFIDADES DO JORNALISMO Para que se compreenda as relações estabelecidas pelos meios de comunicação de massa, é importante compreender, também, e inicialmente, como eles se relacionam e


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intervêm nos grupos em que estão inseridos. A interação social é uma das principais características da mídia, que é vista como refletora da sociedade por alguns e como interventora por outros. As teorias do jornalismo apresentam discussões e embates sobre o papel dos media na sociedade. As teorias dos efeitos dos meios jornalísticos têm intensa variedade e contraditoriedade:

podemos intuir que a comunicação jornalística é um elemento importante na organização da vida quotidiana. De alguma forma, as notícias, entre múltiplas outras funções, participam na definição de uma noção partilhada do que é atual e importante e do que não o é, proporcionam pontos de vista sobre a realidade, possibilitam gratificações pelo seu consumo, podem gerar conhecimento e também sugerir, direta ou indiretamente, respostas para os problemas que quotidianamente os cidadãos enfrentam. As notícias, ao surgirem no tecido social por ação dos meios jornalísticos, participam da realidade social existente, configuram referentes coletivos e geram determinados processos modificadores dessa mesma realidade (SOUSA, 2002:119).

O fazer jornalístico lida com fragmentos da realidade, que nem sempre são recompostos segundo seu contexto. Ao lidar com fragmentos do cotidiano social, o comunicador constrói também a informação de maneira fragmentada: “Os jornalistas vêem os acontecimentos como ‘estórias’ e as notícias são construídas como ‘estórias’, como narrativas, que não estão isoladas de ‘estórias’ e narrativas passadas” (TRAQUINA, 2004:21). Desta forma, os efeitos de sentido que um discurso jornalístico pode assumir em um momento histórico varia, não somente de acordo com o conhecimento de mundo do próprio comunicador e de seus co-enunciadores, mas também das ambiências históricas e informacionais em que os sujeitos e objetos do processo comunicacional se inserem. Como define Traquina (2004), o jornalista pode ser considerado um moderno contador de ‘estórias’, que lida com fatos representados fragmentariamente e, depois, a partir da remissão aos fragmentos históricos, compor o todo e assumir efeitos variados de sentido. A prática do jornalismo é múltipla, multiconceitual, variada. Quando se pensa ou se discute jornalismo, é preciso levar em conta estas especificidades que cada produção, cada sujeito e cada ambiente comunicacional apresente: “há a considerar que no mundo existem


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vários conceitos de jornalismo, que possuem uma natureza simultaneamente social, ideológica e cultural” (SOUSA, 2002:28). O jornalismo é, por característica, mediador, assim, por extensão, o é também seu discurso. Ele trabalha, em sua essência, com relações sociais; do mesmo modo que a pesquisa e o pesquisador, como explica Triviños (1987), não são passíveis de objetividade, isenção e não-interação, por trabalharem com processos sociais e sujeitos, também não o são o discurso e o jornalismo. Se a notícia não é o fato, mas a sua narração, não é possível que o jornalismo seja observado como uma ciência objetiva e isenta de interferências subjetivas e individuais: “O jornalismo, além de construir uma realidade social diversa da realidade vivenciada cotidianamente, constrói, ainda, futuros” (LIMA, 2002:10). O sujeito, ao pensar a elaboração do discurso, está em contato com o contexto em que se inserem os fatos e esta característica interfere no processo de elaboração e de construção da mensagem (BRANDÃO, 2002). A observação realizada no que diz respeito aos estudos de discurso aplica-se também às discussões do fazer jornalístico. O comunicador apresenta uma relação sociológica com os acontecimentos, agindo sobre eles e não somente retratando-os. O jornalista representa os fatos através da comunicação39. Para tanto, apresenta, aliadas – e muitas vezes indissociadas – a eles, suas impressões e avaliações. A cada dia mais observa-se uma complexificação das relações sociais e, como conseqüência, da atuação do jornalismo na sociedade (LAGO, 2000). Alguns direcionamentos de pesquisa no campo da comunicação apontam para esta tendência: “Um sintoma da percepção crescente dessa complexidade é o incremento das pesquisas sobre o newsmaking40 e agenda setting41” (LAGO, 2000:2). A pesquisadora segue ainda destacando que, neste jogo de negociações e de impressões sobre os acontecimentos e seus desdobramentos, está representado o caráter da comunicação como instrumento que supera a simples reprodução dos fatos, assumindo a identidade de atuante em um processo 39

Na produção jornalística, a mensagem sofre alterações em variados níveis, um deles o do co-enunciador. Entre os níveis de intervenção na informação apresentados por Sousa (2002), estão as tecnologias utilizadas na produção, a ideologia, as interferências individuais do jornalista, o contexto histórico e as ações culturais e sociais. O autor destaca que o sentido que uma informação jornalística terá só estará determinada, como acontece nos estudos de análise do discurso, a partir do momento em que o sujeito tiver acesso a ela através de uma determinada manifestação midiático-discursiva [comentário nosso]. 40 Na produção jornalística, a mensagem sofre alterações em variados níveis, um deles o do co-enunciador. Entre os níveis de intervenção na informação apresentados por Sousa (2002), estão as tecnologias utilizadas na produção, a ideologia, as interferências individuais do jornalista, o contexto histórico e as ações culturais e sociais. O autor destaca que o sentido que uma informação jornalística terá só estará determinada, como acontece nos estudos de análise do discurso, a partir do momento em que o sujeito tiver acesso a ela através de uma determinada manifestação midiático-discursiva [comentário nosso]. 41 A hipótese do agenda setting discute como os meios de comunicação pautam as discussões da sociedade, no que se denomina de agenda pública de discussões (BARROS FILHO, 1995). Esta agenda pública seria constituída por informações às quais, a princípio, todos os co-enunciadores teriam acesso através da mídia, o que permitiria que houvesse uma interação, uma troca de informações.


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comunicativo que considera múltiplas variáveis. “[...] julgo que o fator tempo afeta o news judgement, logo até por estabelecer um conceito de atualidade. E, afetando o julgamento noticioso, afetará igualmente o processo global de newsmaking, nomeadamente ao nível da seleção (gatekeeper)” (SOUSA, 2002:47). A multiplicidade de efeitos de sentido assumida pela informação veiculada em um meio de comunicação se dá não somente a partir do repórter e/ou redator da matéria, mas se expande também para novos campos e momentos: “O poder do editor sobre o repórter, assim como o do diretor sobre o editor, realmente gera uma tendência na maneira de redigir as notícias” (DARNTON, 1995:77). Não são somente as relações internas nas redações que interferem no cotidiano social ou na informação a ser apresentada pelo meio de comunicação. O contexto das informações transmitidas também afeta a sua compreensão. A não-apresentação do contexto informacional histórico dos fatos pode aumentar os efeitos de sentido possíveis de serem assumidos pelo discurso. ”Os jornais de agora parecem não ter mais pesquisa, nem memória. Busca-se loucamente o novo, a matéria de fácil apuração, com algum charme, se possível, e para rápido consumo. Nenhuma responsabilidade com a história” (COTTA, 1997:34). Ao analisar o fazer jornalístico, seus instrumentais de produção e seu contexto, é determinante observarmos o momento histórico-econômico em que ele se insere. A comunicação brasileira ambienta-se em uma sociedade capitalista, característica que, por si, já gera alterações tecnológico-estruturais em seu perfil. Ao pensar o capitalismo como movimento social de relevância, precisamos considerar suas etapas para, a partir do enquadramento do processo de produção em questão em uma delas, passar a conhecer suas especifidades. O capitalismo apresenta, segundo Libâneo, Oliveira e Toschi (2003), quatro etapas: o concorrencial (séc. XIII ao início do séc XIX); o monopolista (séc. XIX e início do séc. XX); o monopolista de Estado (séc XX) e o concorrencial global (a partir da década de 80 do séc. XX). Duas destas etapas são determinantes para as mudanças no perfil dos processos comunicacionais instaurados nas sociedades ocidentais. A etapa monopolista, inserida na chamada segunda revolução industrial, marca o período de concentração de capital em monopólios e o início de duas ações fundamentais para as negociações de trabalho e para as redes de trocas: a intensificação da intervenção do Estado e a organização sindical, iniciando o processo de negociações coletivas. Entretanto, a característica desta fase do capitalismo que apresenta intervenções mais diretas no fazer jornalístico é o Fordismo. Com o seu surgimento, os processos de produção e consumo em massa passam a integrar o cotidiano dos cidadãos, o que acaba gerando uma desqualificação do trabalho e um domínio da


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tecnologia (LIBÂNEO, OLIVEIRA E TOSCHI, 2003). Esta especificidade dos processos industriais estende-se aos comunicacionais, convertendo a informação, aos poucos, em um bem de consumo necessário e padronizado, homogeneizado. Outra etapa determinante, na qual se enquadra a produção do jornalismo on line, é o capitalismo concorrencial global. Esta fase é considerada o ambiente da terceira revolução industrial. Trata-se do momento em que o sistema financeiro se flexibiliza – como é caro ao neoliberalismo – através da desregulação e das privatizações cada vez mais intensas. A fase concorrencial global apresenta, como características fortemente marcadas, a velocidade das alterações técnico-científicas e a valorização do conhecimento e da educação (LIBÂNEO, OLIVEIRA E TOSCHI, 2003). É o momento em que a sociedade ocidental passa a integrar a chamada Sociedade da Informação, em que o conhecimento é o bem de maior valor e que integra com mais intensidade o sistema de trocas simbólicas (BOURDIEU, 1999). As etapas de seleção da informação envolvem os critérios de noticiabilidade (WOLF, 2003; SOUSA, 2002), os sujeitos enunciadores, locutores e co-enunciadores42 da notícia. Desta forma, apresentam alterações para cada uma destas figuras e a partir das opções realizadas por cada uma delas. “A ‘distorção involuntária’, que faz parte das rotinas de produção e dos valores profissionais, reproduz-se em cadeia em todas as fases do trabalho” (WOLF, 2003:202). O jornalista, segundo os pressupostos das discussões mais atuais das teorias do jornalismo43, abandonaria a função de mediador, se é que em algum momento conseguiu exercê-la, tendo o discurso como estratégia para sua atuação profissional. Ainda assim, mantêm-se as discussões no campo da teoria. O jornalista é considerado, por excelência, mediador e/ou interventor nos processos de interação social. Sousa (2002) apresenta as diferenciações entre estas vertentes teóricas. Entretanto, duas das principais linhas da pesquisa em jornalismo, da mediação e da interação, defendem uma atuação do 42

“Termo introduzido pelo lingüista A. Culioli, substituindo destinatário, para destacar que a enunciação é, de fato, uma co-enunciação, que os dois parceiros desempenham aí um papel ativo. Quando o enunciador fala, o coenunciador comunica também: ele se esforça para pôr-se em seu lugar para interpretar os enunciados e influencia-o constantemente através de suas reações. Além disso, todo enunciador é também seu próprio coenunciador, que controla e, eventualmente, corrige o que diz. A noção de co-enunciador inscreve-se perfeitamente na concepção interacional da linguagem” (MAINGUENEAU, 2000:22) 43 Já há alguns anos as discussões acerca das teorias da comunicação não observam mais a possibilidade do jornalista, durante todo o processo de fazer jornalístico, assumir a postura da propalada objetividade. Como dito, a interferência faz-se presente em distintos momentos no processo de construção da informação. Os pressupostos teóricos das teorias da comunicação na contemporaneidade, até pelo caráter interdisciplinar que a cada dia se tornam mais evidentes nos estudos de comunicação, têm sido geridos pelas relações ideológicas identificadas entre os meios de comunicação e seus desdobramentos (POLITCHUK, TRINTA, 2003; SOUSA, 2002).


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comunicador no processo social, no registro e/ou desenvolvimento de uma dada comunidade. Quando pensamos em construção discursiva e variedades de postura do comunicador, deve-se levar em conta a amplitude do contexto em que este se insere. Observa-se, então, a relação de troca e interação estabelecida entre o jornalismo e a sociedade. Ambos, para que sobrevivam e sejam compreendidos, necessitam um do outro. A constante e gradual complexificação da sociedade em termos antropológicos e tecnológicos fez com que o jornalismo e a comunicação de maneira mais ampla se sedimentassem como peças chave nas próprias relações estabelecidas entre os sujeitos44. Hoje a sociedade é, em grande parte, virtual. O volume de informações apresentadas aos sujeitos é a cada dia maior. A informação está entre os elementos de maior valor nas relações sociais. Entretanto, o cotidiano do jornalista não se vê alterado somente pela tecnologização social. O computador requis e facilitou a convergência tecnológica com as telecomunicações e com a micro-eletrônica, permitindo a transmissão de dados quase instantânea entre todas as regiões do planeta. Estes instrumentos são a base da Sociedade da Informação. Uma dupla via se estabelece, quando se pensa nas tecnologias como instrumento de construção e disseminação da informação e nas tecnologias como contexto em que se inserem. São diversas as alterações sofridas no fazer jornalístico pelas tecnologias usadas por um meio de comunicação. Este contexto não engloba unicamente os instrumentais utilizados pelo jornalista ao coletar e transmitir sua informação, mas também a realidade da atualmente denominada Sociedade da Informação, ou, como caracteriza Rubim (In BARROS FILHO, 2002:47), a Idade Mídia45, um período em que a sociedade é “transbordante de comunicação e de informação”. O autor enumera tópicos que caracterizam a contemporaneidade e que confirmam a sua conceituação, lembrando ainda que a atual sociedade da informação, ou Idade Mídia, com sua potencialização, evidencia, através das relações que presencia, um aumento nas influências geradas pelos media nos grupos sociais e vice-versa. Alguns dos tópicos apresentados pelo autor têm extrema relevância, quando se discute a relação mídia e sociedade: a expansão quantitativa da comunicação, assim como a diversidade das modalidades midiáticas; a mídia como elemento evidenciador da sua supremacia sobre outros grupos sociais. Na sociedade contemporânea, sistematicamente o volume de informações tem 44

Estabelece-se aqui uma relação com o agenda setting e com os estudos que trabalham uma das possíveis tendências da tecnologização e da sociedade global: o rompimento de barreiras de isolamento social e fronteiras territoriais através dos meios de comunicação. 45 Rubim apresenta a Idade Mídia como “uma sociabilidade estruturada e ambientada pela comunicação, especialmente em sua versão mediatizada” (In: BARROS FILHO, 2002:47).


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crescido, assim como a exigência dos sujeitos por uma complexidade e um desenvolvimento mais detalhado das notícias. As fontes de informação têm se multiplicado, permitindo, desta maneira, que o acesso aos fatos seja facilitado e que, na mesma proporção em que a verificação da veracidade destas informações seja questionada, a disseminação de inverdades e a distorção da compreensão dos fatos por uma saturação, um dilúvio informacional (SERVA, 2001), também cresça: “O jornal tem acompanhado intimamente, repito, os processos de desenvolvimento industrial, político e social de cada país, assumindo mesmo função construtiva da identidade nacional” (SOARES, 2003:75). Entre as alterações centrais impostas pela tecnologização da produção jornalística, está a velocidade das informações – tanto no que concerne à rapidez com que os fatos acontecem, quanto no que se refere à transmissão das notícias pelos meios de comunicação de massa.

A urgência constitutiva da informação jornalística [...] indica uma forma de compreensão do mundo, própria à cultura ocidentalizada, que também faz parte do projeto moderno, que o reafirma constantemente, e que ajuda a compor a própria imagem da atualização tecnológica como algo não apenas necessário, mas até mesmo compulsório, inexorável (SOARES, 2003:69).

Estas alterações impostas pela Idade Mídia refletem-se no discurso absorvido e apresentado pelos meios de comunicação de massa brasileiros. Se a linguagem é a matériaprima da comunicação e parte determinante da essência do jornalismo. São contextos sociais, culturais, políticos, econômicos, informacionais, tecnológicos e comunicacionais variados, que, entretanto, só podem seguir mantendo as estratégias de linguagem como elementos centrais na construção da informação. Os fatos, então, não são, em sua manifestação jornalística, uma literal representação da realidade, mas um reflexo de um jogo de interferências no qual age com intensidade a figura do comunicador e todo o seu conhecimento de mundo, que direciona sua avaliação – mesmo que inconsciente – dos elementos intervenientes na informação (SOUSA, 2002).

JORNALISMO NA SI: NOVOS VALORES


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A reconfiguração do fazer jornalístico na Sociedade da Informação gerou uma crítica à comunicação e ao seu contexto. Os valores sociais, assim como os valores individuais, sofrem alterações quando apresentados em novos ambientes e em relações a cada momento mais intermediadas por processos tecnológicos. Dessa forma, a relação dos comunicadores e da comunicação com a informação e com a sociedade também se reconfigura. Os interesses comerciais têm se tornado, a cada dia, mais presente nas redações dos meios de comunicação, sobrepujando, em certa medida os valores jornalísticos, despertando nos comunicadores ações como censura e auto-censura (BUCCI, 2000). O jornalismo acaba por converter-se em um plano de interesses e seus conflitos, o que acaba por eliminar ou, ao menos, minimizar o seu valor essencial: o compromisso com a verdade (HUDEC, 1980). Rosenstiel e Kovach (2004) lembram que as normatizações do jornalismo advém justamente da observação dessa ruptura entre os limites dos interesses comerciais e das relações editoriais. Para os autores, é determinante que se visualize a necessidade e a fragilidade da independência dos jornalistas nos meios de comunicação da sociedade da informação. Em sua obra, os autores apontam novos elementos do jornalismo, necessários à configuração social em que os processos comunicacionais se inserem atualmente. 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9.

A primeira obrigação do jornalismo é com a verdade. Sua primeira lealdade é com os cidadãos. Sua essência é a disciplina da verificação. Seus praticantes devem manter independência daqueles a quem cobrem. O jornalismo deve ser um monitor independente do poder. O jornalismo deve abrir espaço para a crítica e o compromisso com o público. O jornalismo deve empenhar-se para apresentar o que é significativo de forma interessante e relevante. O jornalismo deve apresentar as notícias de forma compreensível e proporcional. Os jornalistas devem ser livres para trabalhar de acordo com sua consciência. (ROSENSTIEL & KOVACH, 2004, pp. 22-23).

Os elementos do jornalismo apontados pelos autores têm estreita relação, praticamente um implicando o outro. Mas o que pretendemos ressaltar nesse momento é a potencialização, pela Sociedade da Informação, da preocupação com a verdade e da necessidade de verificação no jornalismo em todos os suportes tecnológicos. Embora seja determinante considerar que a Sociedade da Informação, ambiente em que esta releitura realizada pelos autores está inserida, possui, como já dito, um perfil mercantilista, em que o valor de troca que a informação assume é o que lhe atribui também um valor em uma perspectiva subjetiva. Esta realidade faz com que, em grande medida, seja questionado o suposto compromisso com a verdade que Rosenstiel e Kovach (2004) propõem. Não existe, no fazer jornalístico da Sociedade da


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Informação, um desejo benevolente, uma ansiedade pura em informar e cumprir com a discutida função social do jornalismo. A quase totalidade dos provedores de informação localizados na quarta fase do capitalismo está enquadrada no espírito mercantilista e dominador do neoliberalismo. Passa a existir, então, uma reconfiguração da ação de informar: ela deixa de ser eminentemente social para converter-se em uma atividade econômica (TREMBLAY, 1995). Desta forma, comunicadores buscam por estratégias de exploração da informação, que passa a ser vista, na Idade Mídia, como matéria-prima para a elaboração de novos bens. Essa é a perspectiva adotada pela quarta fase do capitalismo e que tem como fundamento o uso do capital intelectual (WEBSTER, 2003). O valor da informação passa então a ser medido a partir da perda que teria o sujeito caso ele não tivesse acesso a ela. Até porque os sujeitos que vendem a informação não a perdem, mas a reproduzem e, ao uni-las a demais informações agregadas e racionalizá-las, passa a convertê-las em conhecimento. A questão da verdade das informações e do valor que ela assume perante os grupos sociais ainda é, entretanto, discutido. Remete-se, aqui, novamente às questões do tempo e da saturação da informação. O jornalismo, que sempre teve na verificação das informações e no compromisso com a verdade – acima da veracidade – uma de suas mais intensas características, tem sido relegado ao jornalismo de informação, à prática da obtenção da informação em fonte única e da especulação das notícias. A interpretação pura, mesmo que sem verificação ou apuração mais detalhada, tem assumido, no cotidiano jornalístico, valor de verdade. “Nesta era de notícias 24 horas, os jornalistas agora passam mais tempo procurando alguma coisa para acrescentar as suas matérias, geralmente interpretação, em lugar de tentar descobrir e checar, de forma independente, novos fatos” (ROSENSTIEL & KOVACH, 2004, p. 119). O jornalismo declaratório, que se utiliza das falas como fatos, é a cada dia mais presente na mídia. Ainda entre as conseqüências geradas pela tecnologização dos processos comunicacionais à informação e à sua verificação, aliada à pressão do tempo, está a exigência da sociedade atual de fornecimento de alto volume de informações. “Enquanto gastam mais tempo tentando sintetizar a enorme massa de informação que tiram dos portais da Internet, os jornalistas correm o risco de se tornarem mais passivos” (ROSENSTIEL & KOVACH, 2004, p. 120). Com o acréscimo de informações a cada dia mais constante e a exigência maior de contextualização ampla (mesmo que não reflexiva e/ou verificada), além da necessidade de transmitir as informações rapidamente, para que sejam consumidas imediatamente, na perspectiva do tempo real, muitas vezes a verdade das informações passa a ser vista


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fragmentada e fragilizadamente. A informação transmitida ao vivo exige mais responsabilidade e articulação do jornalista. Transmissões, por exemplo, emitidas do palco dos acontecimentos, o que Meditisch (2001) classifica como vivo de quarto grau, demandam uma preocupação com verificação e contexto valorativo das informações. É necessário, entretanto, relativizar esta compreensão da verdade nos processos comunicacionais da Sociedade da Informação. Valores tidos como sedimentados até há pouco tempo, hoje são indefinidos e, em grande proporção, desconhecidos. Lançar um olhar sobre a sociedade e suas relações, atualmente, exige do pesquisador uma multiplicidade de compreensões cada vez maior. Para que consiga pensar um processo social ou cultural, é necessário ter em mente suas manifestações e representações perante a um cotidiano de fatos e eventos que direcionam suas rotinas e as retinas dos agentes sociais e pesquisadores, que constróem perspectivas diversas sobre aquele ambiente social. As representações sociais e políticas intervêm e também são afetadas por estas novas moral e ética. Buscamos, assim, compreender como a moral e a ética são representadas em uma sociedade reconfigurada, em que a informação, a imagem e o individualismo se apresentam como elementos sociais fundamentais. Este valor individualizante, característico do capitalismo, pode ser apresentado como um dos elementos componentes do novo referencial de verdade e moral da sociedade. “Penso no que foi chamado de “retorno do individualismo”, espécie de profecia autorealizante que tende a destruir os fundamentos filosóficos do welfare state e, em particular, a noção de responsabilidade coletiva” (BOURDIEU, 1998: 15-16). A sociologia e a economia política nos permitem compreender a filosofia. “A globalização não é uma homogeneização, mas, ao contrário, é a extensão do domínio de um pequeno número de nações dominantes sobre o conjunto das praças financeiras nacionais” (BOURDIEU, 1998:54). As mudanças ocorridas nas relações de trabalho e de trocas econômicas refletem nas trocas simbólicas e nos permitem a relativização de conceitos até então sedimentados. Tomamos, como hipótese central, a idéia de que, ao contrário do que defendem alguns autores, hoje não há uma simples apropriação dos conceitos de moral e ética filosóficos, marcadamente discutidos no final do século XIX, mas sim, existe uma reconfiguração desses conceitos, que são apresentados simplesmente como uma imagem, como uma representação de um ideal, e não como a identidade efetiva da população e, extensivamente, do jornalista. As relações entre ética e moral filosóficas, presentes no século XIX, são vistas como apropriadas pela Sociedade da Informação. Entretanto, essa retomada pode ser relativizada como tendo sido realizada como uma reação às conseqüências da industrialização e do


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capitalismo. Assim, ela se daria muito mais no campo da especulação teórica e menos do cotidiano e das realizações sociais atuais. Muito desta reconfiguração refere-se ao abandono das preocupações com o desenvolvimento sociais em prol do progresso, em uma perspectiva eminentemente econômica (BUARQUE, 1993). Nos anos 80, década de marca a passagem do sistema capitalista para o concorrencial global, a sociedade estava transitando de um modelo centralista, com intensa intervenção do Estado e centralizado nas necessidades sociais para um modelo mais focado no desenvolvimento, centralizado nas necessidades do mercado e estabelecendo com ele uma relação de intercâmbio que acabava por estabelecer uma interdependência. Trata-se de uma mudança gerada pelo abandono de modelos de gestão estatais e com o estabelecimento do neoliberalismo como base social e política. Neste momento, há uma conversão de uma política de valorização da sociedade para uma preocupação com o indivíduo e uma desvalorização da coletividade (TREMBLAY, 1995). Essa individualização, em muitos momentos exacerbada, potencializada pelo sistema capitalista, descarta, conscientemente ou não, muitas das crenças subjetivas agentes determinantes da moral. “Todos esse semi-habilitados em matéria de economia evitam, evidentemente, levar em conta os custos reais, a curto e sobretudo a longo prazo, da miséria material e moral” (BOURDIEU, 1998:14).

CONSIDERAÇÕES FINAIS Observamos, na busca por esta identidade social e sua representação anteriormente apresentadas, apontar e relativizar novas concepções de ética e moral na Sociedade da Informação. Seguindo os pressupostos multidisciplinares a que nos propomos – e na tentativa de evitar lançar um olhar reducionista ou de senso comum sobre essa questão – optamos por tomar, como centrais, discussões filosóficas e sociais sobre os pressupostos morais e éticos da sociedade, além de conhecer e considerar na análise realizada as características e especificidades dos processos comunicacionais regidos pela e focados na informação. Procuramos, desta maneira, integrar discussões que, em muitos momentos, são vistas como corriqueiras e, por isso mesmo, simplistas, tais como a relação entre moral e ética – crucial para o desenvolvimento deste estudo. Se, como lembrou Renato Ortiz46 em sua fala na

46

ORTIZ, Renato. “Cultura, Mundo Globalizado e o Lugar da América Latina”. Palestra de abertura da Cátedra Andrés Bello 2005. Núcleo de Estudos de Cultura e Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal da Bahia. 04 de julho de 2005.


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Cátedra Andrés Bello, muitas das discussões realizadas hoje acerca desses conceitos remontam aos estudos filosóficos do final do século XIX, é preciso relativizar o contexto em que o uso destes conceitos se inserem, a representação e a identidade que assumem perante a uma sociedade que apresenta características econômicas, políticas e sociais distintas, conforme discutiremos adiante. Os estudos acadêmicos que envolvem e discutem comunicação e sociedade, na perspectiva ética, raras vezes relativizam o contexto em que se insere a prática do jornalismo. Isso acaba por gerar uma distorção na compreensão dos conteúdos, além do discutido distanciamento entre as perspectivas teóricas da ética jornalística e o cotidiano dos jornalistas nas redações. Trata-se de uma discussão necessária, tanto para desmistificar a imagem de que a nova ética e a nova moral da sociedade da informação são uma mera recorrência a conceitos antigos, sem revê-los, quanto para aproximar as discussões nesse campo dos comunicadores e estudantes de comunicação que, através de uma discussão e relativização dos conceitos filosóficos, podem minimizar a barreira existente entre as discussões éticas e as implicações éticas da atuação do jornalista.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROS FILHO, Clóvis de (org.). Comunicação na Polis: ensaios sobre mídia e política. Petrópolis: Vozes, 2002. _____. Ética na comunicação: da informação ao receptor. São Paulo, Moderna:1995. BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1999. _____. Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. São Paulo: Jorge Zahar, 1998. BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à Análise do Discurso. Campinas: EdUnicamp, 2002.


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BUARQUE, Cristovam. A desordem do progresso. 4ª ed. São Paulo:Paz e Terra, 1993. BUCCI, Eugênio. Sobre Ética e Imprensa. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. COTTA, Pedro. Calandra: o sufoco da imprensa nos anos de chumbo. São Paulo: Bertrand Brasil, 1997. DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette. São Paulo: Cia. das Letras, 1995. FERREIRA, Giovandro. Contribuições da Análise do Discurso para os Estudos em Jornalismo. In: FRANÇA, Vera, WEBER, Maria Helena PAIVA, Raquel, e SOVIK, Liv (orgs.). Livro do XI Compós 2002: estudos de comunicação ensaios de complexidade 2. Porto Alegre: Sulina, 2003. GOMES, Mayra Rodrigues. Poder no Jornalismo: discorrer, disciplinar, controlar. São Paulo: Hacker. Edusp, 2003. HUDEC, Vladimir. O que é o jornalismo? Lisboa: Editorial Caminho, 1980. LAGO, Cláudia. O romântico no jornalismo: uma proposta para análise do campo jornalístico. Trabalho apresentado no XXIII Intercom, Manaus, 2000. LIBÂNEO, José Carlos; OLIVEIRA, João Ferreira; TOSCHI, Mirza Seabra. As transformações técnico-científicas, econômicas e políticas. IN: A educação escolar: políticas, estrutura e organização. São Paulo: Cortez, 2003. LIMA, Marcus Vinicius Assis. Jornalismo e “Construção de Futuros”. Trabalho apresentado no Congresso da Associación Latinoamericana de Investigadores en Comunicación (ALAIC), 2002, Bolívia. MAINGUENEAU, Dominique. Termos-Chave em Análise do Discurso. Belo Horizonte, MG: Ed. UFMG, 2000. MEDITSCH, Eduardo. Radio na era da informacao: teoria e tecnica do novo radiojornalismo. Florianopolis: Insular, 2001. POLISTCHUK, Ilana; TRINTA, Aluizio Ramos. Teorias da comunicação: o pensamento e a prática da comunicação social. Rio de Janeiro: Campus, 2003. ROSENSTIEL, Tom; KOVACH, Bill. Os elementos do jornalismo: o que os jornalistas devem saber e o público exigir. 2ª edição. São Paulo: Geração Editorial, 2004. SERVA, Leão. Jornalismo e desinformação. São Paulo: SENAC, 2001. SOARES, Luiz Felipe Guimarães. A Serviço da Deusa Urgência. Revista Fronteiras – estudos midiáticos. Vol. V. n° 2. Dezembro de 2003. São Leopoldo, RS: Unisinos. SOUSA, Jorge Pedro. Teorias da Notícia e do Jornalismo. Chapecó: Argos, 2002. TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo. Vol I – Porque as notícias são como são. Florianópolis, SC:Insular, 2004.


Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación www.eptic.com.br, Vol. VIII, n. 2, mayo – ago. 2006 TREMBLAY, Gaetan. The Information Society: from Fordismo to Gatesism. Canadian Journal of Communication, vol. 20, n.4, 1995. TRIVIÑOS, Augusto N.S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987. WEBSTER, Frank. The Information Society Revisted. In: LIEVROUW, L. e LIVINGSTONE, S. (orgs.) The Handbook of New Media. Londres: Sage, 2003. WOLF, Mauro. Teorias da comunicação. Lisboa: Presença, 2003.


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A fórmula para mesclar pesquisa e militância: entrevista com Murilo César Ramos Edgard Rebouças*

O tema central do próximo congresso da Intercom, em Brasília, será Estado e Comunicação. E, infelizmente, há no país poucos pesquisadores envolvidos com tal temática. Um dos principais deles é Murilo César Ramos. Os leitores habituais da Revista Eptic já conhecem muitos de seus textos e apresentações, mas para este número ele concedeu um bate-papo que pode ajudar a muitos a clarear ainda mais suas posturas. Murilo César Ramos é jornalista formado pela UFPR, tem mestrado e doutorado na University of Missouri e pós-doutorado na Unicamp. Sua carreira acadêmica começou na UnB em 1974, onde, alem de professor, já foi chefe de gabinete da Reitoria, chefe de Departamento e diretor da Faculdade de Comunicação. Atualmente coordena o Laboratório de Políticas de Comunicação. Sua trajetória foi construída com base em uma mescla de militância política e bastidores da academia, tendo sito um ator importante nos debates travados nos corredores do poder, passando pela Constituinte, a Lei do Cabo, a Lei Geral de Telecomunicações e as atuais discussões em torno da TV e do rádio digitais e das várias versões para uma nova regulamentação para a comunicação de massa no país. Em 2005 ele foi agraciado com o Prêmio Luiz Beltrão de Maturidade Acadêmica, honraria máxima entre os pesquisadores brasileiros de Comunicação. Nesta entrevista Murilo César Ramos fala de economia, de políticas, de economia política e de temas que são de grande relevância, mas que a maioria dos pesquisadores em Comunicação não têm dado a devida importância.

Eptic - Se a economia política das comunicações é, segundo Vincent Mosco, “o estudo das relações sociais, principalmente das relações de poder, que mutuamente constituem a produção, a distribuição e o consumo de recursos, e tende a se concentrar em um ponto específico das relações sociais organizadas em torno do poder ou de sua habilidade para

*

Pesquisador/professor visitante no Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFPE e professor visitante na Université Stendhal-Grenoble 3.


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controlar pessoas, processos e coisas, mesmo que enfrentando resistência”, quem são os atores sociais desse jogo. Murilo Ramos - A definição de Vincent Mosco é didática e, por isso, muito abrangente. Mas, é uma boa definição para a economia política crítica, e a uso com freqüência. Quanto aos atores, em sentido lato, são as classes sociais fundamentais no capitalismo: a dos proprietários e controladores dos meios de produção, e a dos assalariados destituídos de qualquer relação de propriedade e controle sobre os meios de produção. Reconheço que, ao tentar essa explicação, fujo da dicotomia clássica burguês/proletário, pela dificuldade de aplicá-la, sem nuances teóricas, contemporaneamente. Mas busco manter a contradição básica entre posse e nãoposse dos meios de produção, em uma sociedade que não pode ser apreendida para além da categoria trabalho. Em outras, poucas e metafóricas palavras: proprietário é o Roberto Irineu Marinho; assalariado é o William Bonner, e entre eles persiste um diferencial fundamental de poder enquanto agentes sociais limites. Por mais que o segundo se identifique reificadamente com o primeiro e se aliene do que é incapaz de reconhecer como chão de fábrica. Um chão de fábrica platinado, reconheça-se, e indutor de uma ilusão grande de auto-poder.

Eptic - Você é um pesquisador que utiliza referenciais variados em seus estudos. Qual o caminho para inter-relacionar metodologias e práticas das áreas das Políticas de comunicações com a da Economia Política? Murilo Ramos - Não sei bem a que você se refere quando diz “referenciais variados”. Eu até prefiro dizer que, como mais repórter do que pesquisador das políticas de comunicação que tenho sido, na maioria das vezes não uso referencial teórico algum, exceto uma indignação militante que me situa, mesmo que frouxamente, no terreno da investigação crítica. E é justamente a idéia da crítica que faz a interface teórico-metodológica entre a área de estudo e pesquisa das Políticas de Comunicação com a área de estudo e pesquisa muito mais abrangente da Economia Política. Pessoalmente, na medida em que tento reforçar teórica e metodologicamente meu trabalho acadêmico, me situo muito mais no campo da Ciência Política, do que da Economia Política. Sou daqueles que entendem não ser possível alinhar-se primordialmente à Economia Política sem uma significativa base de teoria econômica. Mas, esforço-me para trabalhar bem com os autores da economia política, pois ela é a base teórica mais definitiva para qualquer esforço significativo nas estruturas sociais.

Eptic - O tema do congresso da Intercom de 2006 será Estado e Comunicação, e não poderia haver local mais adequado para sua realização do que em Brasília. Mas como você vê o


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atual estado da pesquisa sobre esta temática? Os pesquisadores do campo estão atentos para os fenômenos ligados aos sistemas de comunicações? Murilo Ramos - A pesquisa em Comunicação, dado o seu caráter multidisciplinar, tende a ser excessivamente dispersa. Além do mais, com a falência do socialismo real nos anos 80 e início dos anos 90 do século passado, e com a hegemonia teórica neoliberal que se propagou por todos os campos do saber – de que é exemplo a tsunami pseudo pós-modernista que foi particularmente devastadora por um certo tempo inclusive na área da comunicação – ficou meio démodé ocupar-se do Estado. Daí, inclusive, a profusão de estudos sobre terceiros setores, público-não estatal, não governamental, que se verificou com força, e ainda persiste, em diversos campos das ciências sociais. Eu próprio, em determinado momento, me aproximei da idéia específica do público como alternativa ao estatal. Felizmente, um rearranjo científico parece estar se processando, de que é marca maior, a volta aos clássicos, o retorno a teorias, categorias e conceitos que, diferentemente do que parecia, não tinham se esgotado. Vejo a opção pela Intercom de fazer o próximo congresso em Brasília, tendo o Estado como categoria central de reflexão, em sua relação com a comunicação, a política e o poder, como parte desse rearranjo. E vejo isto com muita satisfação.

Eptic - No início dos anos 90 você já alertava para a crise dos paradigmas em relação às políticas de comunicações, que deviam ser pensadas como “políticas efetivamente públicas”. E hoje, elas são voltadas para o interesse público ou ainda continuam reféns dos interesses privados? Murilo Ramos - Nada mudou de lá para cá, até porque não muito tempo se passou. No Brasil, na América Latina, no centro capitalista desenvolvido, a hegemonia é a do privado sobre o público. Do mercado sobre o Estado e, portanto, sobre a sociedade. A hegemonia é a do lucro cada vez mais radical, porque cada vez mais ligado ao rentismo especulativo. Ou seja, os obstáculos políticos à mudança social na direção da igualdade continuam imensos e, sob muitos aspectos, maiores.

Eptic - Ao longo de 1994 você foi um dos principais articuladores nos debates em torno da Lei do Cabo, o que pode ser considerado como um exemplo de postura de um acadêmico no campo das ações. Naquela ocasião havia uma preocupação por parte dos empresários do setor quanto às eleições presidenciais. Você acredita que a eminência de uma vitória de Lula sobre FHC pode ter facilitado nas negociações para que a Lei saísse com tantas “conquistas” sociais?


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Murilo Ramos - Na realidade, em 1994 já estava tudo praticamente resolvido. O embate maior se deu entre 1991 e 1993. Assim, não dá pra explicar certos avanços que a lei permitiu, como o estatuto público da rede, apenas pelo fato de que, em determinado momento do processo eleitoral, em 1994, Lula deu a impressão de que venceria Fernando Henrique. Acredito que o fator mais relevante para o sucesso relativo das negociações foi a desarticulação inicial em que se encontrava o empresariado. A própria Globo, no início, não achava que a TV a Cabo era negócio para ela. Quando entrou forte no processo, já havia uma negociação em curso, com grande apoio no Congresso, liderado pelos deputados Irma Passoni, do PT, e Koyu Iha, do PSDB. Ou seja, muita coisa aconteceu no período, que facilitou a negociação. Aliás, muita coisa já foi escrita sobre a Lei de TV a Cabo, na academia e fora dela. Foi um processo importante, singular, e que ainda guarda boas lições, acredito.

Eptic - O governo brasileiro se vê em uma constante encruzilhada na área das Comunicações devido ao atrelamento do ministério a acordos políticos, enquanto que por outro lado, a Casa Civil, o Ministério da Justiça e o Ministério da Cultura continuam formulando políticas para o setor, como tal entrave pode ser solucionado? Murilo Ramos - Não sei! O governo é uma decepção para quem acreditava mesmo em mudanças mínimas na área da comunicação, da relação com as empresas de comunicação, como é uma decepção sob muitos outros aspectos. A chegada de Hélio Costa ao ministério das Comunicações criou a seguinte situação: desde Antônio Carlos Magalhães, o Brasil não tinha um ministro nessa pasta tão umbilicalmente ligado aos interesses das Organizações Globo. O que mais posso dizer? Que existe um governo ‘do bem’ na Casa Civil, na Justiça, e na Cultura, e um do ‘mal’ nas Comunicações? Nem em sonho eu seria capaz de acreditar em tal fantasia. O governo é um só. E quem manda nele, como aliás deveria mandar mesmo, é o presidente Lula. E foi dele a opção de botar o Hélio Costa onde está, como antes já tinha botado o Eunício Oliveira e o Miro Teixeira.

Eptic - Entra governo e sai e sempre aparece uma proposta de reformulação do Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962. Grupos de trabalhos são formados, algumas consultas são feitas e, no final, o governo (ou ministro) seguinte acaba engavetando o projeto anterior. Neste momento, na reta final do governo Lula, há alguma possibilidade de a atual proposta da Casa Civil ser levada a diante? Murilo Ramos - Não.


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Eptic - O atual governo iniciou duas brigas recentes - os projetos da Agencia Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav) e do Conselho Federal dos Jornalistas - e foi derrotado em ambas logo de partida. Na sua opinião, o que poderá acontecer na próxima, a da TV digital? Murilo Ramos - Prevalecerá o interesse do mercado, e neste, o interesse das Organizações Globo. Pode até aparecer aqui e acolá algumas cerejas sobre o bolo do Sistema Brasileiro de Televisão Digital. Mas, as grandes mudanças estruturais que essa transição tecnológica ensejaria na estrutura do modelo brasileiro de rádio e televisão não vão acontecer. Infelizmente.

Eptic - No último mês de setembro você recebeu a principal honraria da pesquisa em Comunicação no país, o Prêmio Luiz Beltrão de Maturidade Acadêmica, da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação - INTERCOM, e no seu discurso de agradecimento disse não estar no auge da maturidade, mas no início dela. O que podemos esperar de projetos futuros? Murilo Ramos - A gente não vê a maturidade chegar. Lembro-me de ter dito que ela chegou de sopetão, e dei-me conta então de que era hora de rever o meu trabalho acadêmico. É o que tenho feito nos últimos três anos. No plano pessoal, estudo como não fazia há muitos anos, anos dedicados em grande parte a lutas políticas dentro e fora da universidade, e a atividades administrativas universitárias. No plano coletivo, reconstruí o Laboratório de Políticas de Comunicação, onde hoje tenho ao meu lado, em tempo integral, dois jovens pesquisadores: a Dra. Suzy dos Santos e o mestrando Érico da Silveira, a que se somam quase vinte outros pesquisadores, doutores, mestres e graduados, em um grupo de estudos agregado ao LaPCom. Nosso objetivo é fazer do LaPCom, a cada dia que passa, uma referência sólida, científica, para o avanço da pesquisa em Políticas de Comunicação. Quem sabe um dia, não verei o LaPCom como um legado acadêmico, que idealizei, mas que não teria realizado sem o engajamento de tantos outros pesquisadores e pesquisadoras? Esta é a minha principal ambição acadêmica hoje e para as incertitudes do futuro.


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O ar da graça: a comédia norte-americana dos anos 20 e 30 Flávia Seligman 47

“Sou marxista, tendência Groucho”48

“ Se em algum momento os grandes dirigentes do mundo estiverem juntos e se, em algum momento eles rirem juntos, então neste momento o mundo estará em paz.”49

1.

A arte de fazer rir:

Se o homem é o único animal que ri, ele é, por outro lado, o objeto primeiro deste riso. Por isso mesmo, animais, vegetais ou coisas somente são matérias de riso no momento em que podem ser associados, de um modo ou de outro, ao homem ou à sua interferência. Desse modo, os objetos serão risíveis se neles o homem imprimir sua marca. A marca assim deixada deverá ser reveladora de alguma falha, no sentido amplo, ou revelar um padrão de gosto que fuja à norma vista como adequada (BENDER, 1996, p. 53). Segundo Luiz Paulo Vasconcellos, no seu Dicionário de Teatro, a comédia é “uma das formas principais do drama, que enfatiza a crítica e a correção através da deformação e do ridículo. O efeito principal é provocar o riso” (VASCONCELOS, 1986, p.46). Comparada com a tragédia, enquanto gênero, a comédia já foi considerada como um estilo inferior, popularesco e não dado às grandes representações nem às manifestações artísticas mais cultas e acadêmicas. No início do Século XX as peças e pequenas encenações cômicas abrigavam-se nas esquetes dos cabarés, no teatro de vaudeville, nas operetas e nos filmes mudos, curtos e destinados ao público popular dos nickelodeons 50americanos. 47

Doutora em Artes / Cinema pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Cineasta. Professora do Curso de Realização Audiovisual da Unisinos, RS. 48

Grafite anônimo nas ruas de Paris, em maio de 1968.

49

Luis Carlos Vasconcelos, ator, em entrevista para o canal de TV a cabo Globonews, em 10 de outubro de 2004.

50

Antigos armazéns. Grandes galpões desprovidos de qualquer conforto onde eram projetados os filmes ao preço de um níquel, moedas de cinco centavos de dólar norte-americano.


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O riso consiste também em uma certa catarse e implica em reconhecer o ridículo. Mais ainda, em reconhecer-se no ridículo, achando graça de situações que, vistas sem a sátira ou a paródia poderiam ser tachadas de trágicas. Comédia significa rir da desgraça própria ou alheia, rir da falha, da fantasia inalcançada, rir da incapacidade de realizar uma tarefa, por mais simples que esta possa ser, enfim, transformar as pequenas tragédias em situações cômicas, às vezes com tal naturalidade que escorregar numa casca de banana e cair no chão pode ser ao mesmo tempo engraçado em Nova York ou em Nova Délhi.

A comédia tem sido vista e estudada quase sempre como um gênero fácil, intimamente ligado ao seu tempo histórico (a contextualização e a identificação são alguns dos fatores predominantes na aceitação do texto cômico), popular e menor. Enquanto gênero esteve sempre representada na história do teatro e do cinema. A comédia necessita do público para realizar-se em sua plenitude. É o riso, a gargalhada e a compreensão que traduzem a eficiência e a aceitação da mesma. Na Poética, Aristóteles aponta para o fato da comédia trabalhar com a imitação, mas a imitação de homens inferiores, ou seja, de homens que não fossem bravos guerreiros ou sábios letrados, mas incapazes, burros ou simplesmente ingênuos. “... não, todavia, quanto a toda espécie de vícios, mas só quanto àquela parte do torpe que é ridículo. O ridículo é apenas certo defeito, torpeza anódina e inocente”.(ARISTÓTELES, 1966, p.46). Tanto na tragédia quanto na comédia, o enredo é composto de uma ação ou de pequenas ações encadeadas, que desembocarão na ação principal. Esta não começará nem terminará aleatoriamente, tendo um início, um meio e um fim; portanto, o enredo é o primeiro elemento relevante destacado por Aristóteles. Na comédia ele será construído a partir de eventos risíveis que se ajustem à probabilidade, não ficando descartadas as impossibilidades e as ilogicidades, como fontes geradoras do cômico. A definição de falhas e de defeitos depende da estratificação moral de cada sociedade e também de um desajustamento em relação às proporções consideradas corretas, do ponto de vista da natureza humana. Porém, para provocar apenas o riso, e não a comiseração e a tristeza, estes defeitos devem ser pequenos e sem conseqüências graves para seu protagonista ou para o grupo no qual ele está inserido. Quem ri considera-se superior àquele de quem está rindo, pois vê no outro um defeito que não possui. Por isto, o herói cômico que provoca o riso é considerado um indivíduo abaixo da média, inferior. Segundo Vladimir Propp, em Comicidade e Riso (São Paulo, Editora Ática, 1992), um dos fatores da satisfação provocada pela observação de uma situação cômica é o fato de constatar no protagonista exatamente um defeito que não possui. A comédia, então, trabalha com o riso da diversidade, ou seja, achamos graça daquilo que foge à norma (de conduta, estética, moral), porém, achamos isto por não sermos iguais.


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O riso então, brota sempre da constatação de um desvio, de uma transgressão; falhas de caráter moral ou comportamental apresentam-se segundo um padrão definido pela sociedade em questão. Esta transgressão pode dar-se no âmbito moral/comportamental, infringindo regras sociais e trazendo à tona relacionamentos ditos amorais, como o adultério, o triângulo amoroso, o homossexualismo, dependendo sempre das normas estabelecidas em cada grupo social. Claro que sem deixar que esta transgressão tome um caráter catastrófico, a não ser quando esta é a real proposta, como no caso do humor negro.

2.

O riso no cinema:

A comédia filmada inicia junto com a produção em caráter industrial do cinema nos primeiros anos da atividade, vinda dos espetáculos em cabarés, vaudevilles, feiras e manifestações populares destinadas a um público menos exigente com relação à qualidade técnica e às condições das salas de exibição. Nos Estados Unidos, este gênero vai abrigar imigrantes europeus, pobres de um lado e do outro da tela. Na primeira metade do Século XX, o cinema foi o mais popular dos meios de comunicação de massa nos Estados Unidos, obtendo no início, um grande apoio das classes de menor poder aquisitivo. Foi exatamente esta época que marcou a transformação dos Estados Unidos numa sociedade industrial, predominantemente urbana. Neste contexto o cinema enquanto meio de entretenimento das massas coube como uma luva.

“Muitas cidades norte-americanas dobraram suas populações; milhões de imigrantes do Sul e do Leste da Europa trouxeram seus idiomas, instituições religiosas e costumes culturais estranhos para criar uma diversidade que a nação nunca vira até então; longas linhas paralelas de carros puxados por cavalos e de trilhos e bondes estendiam-se dos centros da cidade às áreas abertas onde subúrbios residenciais principiavam a crescer. A indústria mudou-se para o centro comercial da cidade e as classes médias se mudaram para fora do centro, deixando as velhas casas e propriedades para serem ocupadas por estrangeiros e migrantes da zona rural”.(SKLAR, P.13).


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A estratificação das novas cidades acabou por colocar a grande camada de imigrantes na periferia e é lá que surgirão as primeiras grandes salas de cinema. As áreas geográficas das grandes cidades americanas eram separadas de acordo com a classe social e as salas de cinema eram uma proposta de entretenimento para as classes baixas. O tipo de vestimenta, o desconforto, o modo como aqueles imigrantes se comportavam nos galpões onde eram feitas as exibições acabavam por tornar proibitiva uma mistura de categorias. Alguns anos depois e com uma série de mudanças estruturais, o cinema passou a ser também uma forma de lazer da burguesia. “Na cidade do princípio do século XX, as classes respeitáveis conseguiam viver anos sem entrar nos guetos dos imigrantes e nos bairros operários, e as vezes – como era o caso dos “poeiras” 51 - vários anos se passavam sem que o público em geral tivesse conhecimento dos novos fenômenos sociais ou culturais entre as ordens inferiores.” (SKLAR, p. 14).

Nos Estados Unidos o início do século apresentou um crescimento do número de projeções em locais bastante improvisados, na periferia que estava se formando nas grandes cidades e destinadas às populações de baixa renda. Os filmes tinham em média três minutos e as sessões duravam aproximadamente meia hora. Eram pequenas comédias de costumes, com situações corriqueiras e engraçadas. Por volta de 1905 surgiram os nickelodeons, as primeiras salas específicas para a projeção de filmes. Destituídas de qualquer tipo de conforto, serviam à este público, pois o ingresso custava apenas um níquel. Em 1910 já havia 120 destas salas em Chicago e mais de 400 na cidade de Nova Iorque. Nos Estados Unidos contava-se 10 mil salas espalhadas por todo o país e aproximadamente três mil no resto do mundo52.

Constituía-se aquilo que Eduardo Geada chama, no livro O Cinema Espetáculo, de “público barulhento do cinema mudo”. O público do cinema não tinha o comportamento da burguesia intelectualizada que assistia à ópera e aos concertos. O público popular não fora acostumado ao silêncio que os espetáculos nobres exigiam. As projeções eram seguidas por música ao vivo e este acompanhamento ao piano enquadrava emocionalmente o ritmo da narrativa em imagens, disfarçava o barulho do aparelho de projeção e continha a euforia do público.

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Os nickelodeons também eram conhecidos como “poeiras”, por serem grandes galpões, nem sempre limpos e sem nenhum conforto. 52 “Tem-se atribuído geralmente a dois homens de Pittsburgh o mérito de haver inaugurado o primeiro teatro de armazém de bairro em McKeesport, Pensilvânia, no verão ou no outono de 1905.” (SKLAR, P. 26)


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Vista assim, a comédia norte-americana dos primeiros anos cinematográficos é quase como um manifesto social. Feita para um público que não sabia ler, que não podia freqüentar a ópera, os teatros refinados e os clubes de campo das cidades mais desenvolvidas, e que se reunia em galpões de periferia e divertia-se por um níquel, rindo de histórias consolidadas e conhecidas em outras manifestações, como as esquetes teatrais nas feiras e nos cabarés, e de personagens com os quais pudessem se identificar. Era feita para agradar às populações mais carentes que riam de si mesmo. Cada vez que o personagem do vagabundo criado e encenado por Charles Chaplin (1889 – 1977) enfrentava com galhofa um policial e acabava vencendo-o por sorte (uma total improbabilidade), era como se cada um daqueles imigrantes pobres também o fizesse. Portanto, o público ria e até mesmo porque não havia outras formas naquela época de fazer aquele público rir.

Ainda em Nova York e com a colaboração de atores e diretores vindos do teatro popular, é produzida uma série bastante importante de filmes curtos que vão definir o gênero neste formato adotado. Misturando perfis e formatos a comédia inicia trazendo elementos conhecidos. São pequenos esquetes sobre acontecimentos mundanos e contam com atores como Mack Sennett (18181960), Os Irmãos Marx: Groucho (1895-1977), Harpo (1892-1964), Chico (1891-19610 e Zeppo (1901-1979), Stan Laurel (1890-1965) e Oliver Hardy (1892-1957), conhecidos como O Gordo e o Magro, e o próprio Chaplin. A grande inspiração veio do trabalho do cômico francês Max Linder (1883- 1995), que criou no cinema um personagem dandi, um vagabundo que copiava com graça os trejeitos burgueses. Trabalhou na França e nos Estados Unidos, mas não sobreviveu ao desenvolvimento do cinema e ao aparecimento de outros nomes, como, por exemplo, Chaplin, que lhe sucedeu como maestro do filme cômico.


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Já Mack Sennett começou como artista de vaudeville. Entrou para o cinema como ator, escritor e finalmente diretor e um dos fundadores da Keystone, o mais importante estúdio de comédias dos primeiros anos cinematográficos. Sennett contribuiu trazendo elementos europeus para criar o filme cômico norte americano. Sobre ele escreveu Georges Sadoul:

“ Los estadounidenses menosprecian el género cómico que los hizo realizar tantas obras maestras. Sus historiadores han prestado poca atención a este incomparable pionero, de quien las cinematecas europeas y el “mercado de las pulgas” nos revelan al azar de los descubrimientos los excepcionales éxitos. Como Thomas Ince53, fue ante todo un maestro, un relevante animador. Más que dirigir, fue el 54 supervisor de sus películas, que realizaron sus asistentes y actores.” (SADOUL, 1956, p. 131).

Sennett fez parte de uma primeira leva de realizadores e atores cômicos que trabalhavam também com o recurso do inverossímil. A utilização da gag, um efeito burlesco onde o ator joga com um elemento surpresa no texto ou no gestual, foi marcante e até hoje aparece em comédias populares no cinema e nas atuais siticons, as situation comedys, séries baseadas nas comédias de costumes com elenco fixo que fazem muito sucesso na televisão.

Estes elementos associados a truques de magia e acrobacia foram herdados do circo e dos espetáculos em feiras. Tombos, cambalhotas, saltos, chutes, figurinos que se desfazem aos puxões, lutas onde os adversários não se tocam foram utilizados para compor momentos engraçados e mesmo que repetitivos, muito apreciados pelo público. Trata-se do humor corporal que utilizava recursos engraçados da própria natureza humana, das possibilidades e limitações do corpo, uma linguagem universal que dispensava traduções e explicações.

“O cômico cinematográfico, herdeiro dos bobos, bufões e palhaços desfila diante do espectador levando pontapés na bunda, bordoadas na cabeça, tropeções e tortas na cara. Perseguido e ridicularizado, este personagem sofre. Feio, tímido ou tagarela, possui uma inocência que oscila da bondade absoluta a uma malícia exagerada. Careteiro, contorcendo-se quando constrangido, é um idiota ridículo, enganado com muita facilidade, de que o acaso ou uma esperteza inusitada o salvam das piores enrascadas.”(LUNARDELLI, 1996,p.21) O personagem cômico era então o oposto do herói trágico. Sem qualidades enobrecedoras como a valentia, a ousadia, o caráter ilibado ou mesmo a beleza sedutora, cativava o público pela sua proximidade afetiva. Era um indivíduo simples que sofria com o abuso do poder e com as condições precárias nas quais vivia. Era capaz de atos insanos, porém sem malícia e sem prejudicar ninguém, à não ser aqueles que mereciam ser prejudicados, como policiais, burgueses tiranos e bandidos.

A criação de personagens carismáticos pelos atores da comédia foi um ponto bastante importante para o sucesso do gênero. O personagem mais importante deles foi o clown, um indivíduo simples e engraçado que sempre teve seu lugar, pois era responsável por provocar

53

THOMAS HARPER INCE (1882 – 1924), produtor, diretor e roteirista norte-americano. Cantor, dançarino e ator, iniciouse no cinema sob a orientação de Griffith, o qual abandonou para se tornar produtor e realizador. Associado ao circo dos irmãos Miller, contratou caubóis e índios para atuarem nos seus westerns, mas logo renunciou à direção para exercer um papel de supervisor. A equipe de que dispunha era formada por Scott Sidney, Charles Miller, Francis Ford (irmão mais velho e Jonh), Raymond B. West e Reginald Barker. Iria assim, produzir obras tão variadas quanto Civilização (contra a guerra) e Carmen do Klondyke, conhecido como um dos mais belos westerns do cinema mudo. Morreu misteriosamente em 1924 a bordo de um iate de William Randolph Hearst.(TULARD, 1996, p.316) 54

Os norte-americanos menosprezam o gênero cômico que os fez realizar tantas obras mestras. Seus historiadores têm prestado pouca atenção a este incomparável pioneiro, de quem as cinematecas européias e o “mercado das pulgas” nos revelam ao acaso dos descobrimentos êxitos excepcionais. Tal como Thomas Ince, que foi antes de tudo um mestre, um relevante animador. Mais que dirigir, foi o supervisor dos filmes que realizaram seus assistentes e atores. (Tradução da autora)


Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación www.eptic.com.br, Vol. VIII, n. 2, mayo – ago. 2006 situações risíveis e auxiliar no final feliz da história. Segundo Vasconcellos (1987, p. 45) “Embora ignorante, o clown tem humor, simplicidade e sabedoria popular, com o que alimenta a situação cômica”.

Também a paródia, a obra literária, teatral ou no caso, cinematográfica que imita outra obra ou situações conhecidas de outros gêneros ou de clássicos, aparecia como um recurso e acabou perdurando como uma marca da comédia cinematográfica. As perseguições policiais por bandidos transformaram-se em corridas ridículas com tropeços, quedas engraçadas e truques que faziam ganhar sempre o mocinho da história, no caso, o cômico. O ridículo tomava forma para tornar a cena engraçada, mas o final era sempre feliz com o triunfo do dono da história.

Foi neste universo de produções em ascensão e sob a direção de Mack Sennett que Charles Chaplin começou a trabalhar quando imigrou da Inglaterra para os Estados Unidos.

3. Falando para iguais:

Vindo de uma infância pobre e sofrida, Chaplin criou um personagem que sintetizava tudo aquilo que ele e pessoas como ele sentiam nos primeiros anos de vida na América. Encantados com as possibilidade de progresso e liberdade, perspectivas que a Europa arrasada pelas guerras e pela intolerância racial não oferecia, os imigrantes visavam uma vida de sonhos ao cruzar o oceano. Infelizmente o cenário encontrado era bem mais rude. Com os grandes centros em formação e a industrialização em andamento, estes novos “americanos” foram obrigados a engrossar a população das periferias das grandes cidades, sem o conforto e a prosperidade que imaginavam ter.

Trazido do dia a dia de seus pares, o vagabundo criado por Chaplin era um lorde miserável. Sua vestimenta parecia um traje fino, porém era velha e surrada, grande ou pequena demais para seu manequim. Acompanhava um chapéu côco, uma bengala e um jeito engraçado de andar com os pés apontando para os lados, o que lhe provocava um charmoso requebrar. Afora isto, Chaplin criou um pequenino bigode, diferente dos grandes utilizados pelos cavalheiros da época e, por uma incrível coincidência, muito parecido com o de Adolf Hitler, o que ironicamente lhes confere uma estranha semelhança, que podemos comprovar no filme O Grande Ditador (The Great Dictator, 1940), que conta a história de um barbeiro judeu, sósia do Fürer que é confundido e acaba tomando o lugar deste, desestabilizando os planos do Terceiro Reich. Vale destacar que Chaplin fez o filme antes dos Estados Unidos declararem guerra à Alemanha. Segundo George Sadoul

“Casi toda esta vestimenta está tomada de Max Linder. Em su origen Chaplin es um Max em la miséria y que trata de conservar su dignidad.” (SADOUL, 156, 133)55 Max Linder foi o grande modelo para os cômicos dos primeiros anos cinematográficos. Com seu personagem dândi, rico e desembaraçado que gostava de uma boa vida, ironizava os costumes e trejeitos burgueses, inalcançáveis pelos cidadãos da periferia. Linder fazia esquetes onde debochava do cotidiano em situações banais. Segundo Tulard, no Dicionário de Cineastas: “Foi o maior comediante do mundo antes da Primeira Guerra e Chaplin deve muito a ele”. (p.391) Estava lançada a semente da comédia que privilegiava o cotidiano. Um cotidiano do qual a maior parte do público não participava, porém com a comédia poderia observar com galhofa.

Chaplin falava para seus próximos. No começo em pequenas e divertidas esquetes onde a regra era subverter a ordem, depois disto em filmes que colocavam em questão a liberdade e a prosperidade apregoadas pelos Estados Unidos.

A trama era quase sempre delineada da mesma forma: uma situação social consolidada, quase sempre acontecendo com a burguesia e por fim a anarquia provocada pela chegada inusitada do vagabundo. Claro que sempre sem ser convidado. O vagabundo atrapalha a vida da burguesia, que tenta vencê-lo e expulsá-lo de seu convívio, mas não consegue. Por exemplo: a cena é de uma festa de casamento, o noivo, a noiva muito bela, convidados muito bem vestidos e penteados e uma mesa posta com iguarias jamais provadas pelo público que assiste ao filme. Por um acaso do destino o vagabundo invade a cena e acaba com a paz reinante. Os “donos do poder” tentam expulsá-lo iniciando uma perseguição engraçada, satirizando as perseguições de mocinhos à bandidos dos filmes policiais. Alguns tombos, quebra-quebras e algumas tortas na cara depois, o vagabundo consegue conquistar a mocinha e, independente do acerto final, acaba feliz.

Em O garoto ( The Kid, 1921), um filme com mais de uma hora de duração, Chaplin utiliza os recursos das pequenas esquetes para contar uma história muito parecida com a sua própria. O garoto em questão é uma criança abandonada pela mãe pobre, incapaz de cuidá-lo que, por obra do acaso (sempre o acaso costurando a trama das comédias e encaminhando um final feliz), acaba sendo encontrado pelo vagabundo. Criado até os cinco anos numa digna e feliz miséria , novamente por obra do acaso encontra a mãe verdadeira, agora uma atriz

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Quase toda esta vestimenta está tomada de Max Linder. Em sua origem Chaplin é um Max na miséria e que trata de conservar sua dignidade. (Tradução da autora)


Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación www.eptic.com.br, Vol. VIII, n. 2, mayo – ago. 2006 de sucesso. No grande momento dramático da fita o garoto é levado para um asilo de crianças órfãs, tal qual Chaplin fora parar num reformatório quando pequeno por sua mãe não ter condições de alimentá-lo adequadamente.

Em seus filmes de maior destaque como O garoto, Em busca do Ouro (The Gold Rush, 1925), O Circo (The Circus, 1928), Luzes da Ribalta (City Ligths, 1931), Tempos Modernos (Modern Times, 1936) e o Grande Ditador, apesar de uma trama mais bem traçada e de uma narrativa consistente, maior do que simplesmente esquetes com soluções engraçadas para encontros e desencontros do acaso, Chaplin delineia um universo próprio para contar o seu tempo. Sempre ao largo da sociedade, observa e interfere de maneira positiva, traçando um paralelo com o poder constituído e angariando simpatia para seus personagens marginais. Enfrenta o progresso e as agruras da grande cidade com humor e uma rebeldia carismática. Tanto é que acabou sendo perseguido pelo Macarthismo56 e praticamente expulso dos Estados Unidos, perdendo seu visto de permanência quando estava em um navio à caminho de uma viagem à Europa, em 1953. Ironicamente, no final da vida, em 1972, Charles Chaplin voltou à América para receber um Oscar especial pelo conjunto da obra. Chaplin faleceu em 1977 na Suíça, ao lado de sua família.

4.

A graça e a anarquia:

Outros grandes comediantes de sucesso no cinema foram os Irmãos Marx, liderados pelo mais polêmico e intelectual deles, Groucho. Este grupo era escandalosamente excêntrico e fazia uma graça um pouco diferente daquela atuação supostamente ingênua de Chaplin. Mais sarcásticos e abusados criaram tipos de índole não tão boa, mas mesmo assim bastante carismáticos.

Nascidos em Nova York, numa família judia de poucas posses, os irmãos começaram explorando seus talentos musicais no teatro de variedades e depois na Broadway. Faziam tipos característicos: Groucho, o líder, era eloqüente e produzia tiradas irônicas dentro e fora das telas, como a frase atribuída à ele : Jamais freqüentaria um clube que me aceitasse como sócio; Harpo era mímico e potencializava o corpo; Chico era pianista e Zeppo o correto do grupo. Com dotes específicos e harmônicos no conjunto os Irmãos Marx faziam graça em grupo, um servindo de apoio para o outro, as vezes divergindo e entrando em conflito, mas voltando a ter união quando o inimigo era externo.

O grupo ou a dupla de cômicos era bastante comum e segue existindo até hoje, principalmente nas séries cômicas produzidas para a televisão. Cada integrante possuía características próprias, que funcionavam individualmente, mas eram mais bem aproveitadas quando conjugadas com as características do(s) seu(s) companheiro(s). Por exemplo: Groucho tentava arrumar os estragos que Harpo e Chico produziam, estes por sua vez desestabilizavam a ordem, nada tradicional, que o primeiro tentava impor às situações. No teatro usa-se também a expressão escada pra designar uma personagem que desempenha uma ação que sustenta a ação de seu parceiro. Como se uma primeira ação preparasse a ação principal.

A comédia norte-americana das décadas de vinte e trinta possui um texto simples, pronta para atingir um espectador não muito exigente, nem muito letrado e familiarizado com as encenações clássicas. O humor é banal e trata do basicamente do cotidiano, com a interferência do cômico, ou seja, do sujeito que provoca o poder com suas tirada ingênuas e ajuda os necessitados através de seus truques.

A comédia evoluiu no cinema adquirindo um outro status. Passou a ser respeitada não só pelo público popular, mas também pela crítica. Aprimorou a utilização da linguagem, criou novos elementos e incorporou contribuições dos demais gêneros cinematográficos e teatrais.

A fórmula antiga persistiu no cinema a passou a ser utilizada também na produção de seriados, séries e programas de TV. Grupos e duplas cômicas como Os três patetas (The Three Stooges) O Gordo e o Magro (Laurel e Hardy) fizeram um grande sucesso e até hoje são copiados por novos protagonistas que atualizaram a comédia de costumes, adaptando-a principalmente para a televisão.

Os Três Patetas era um grupo formado na sua maioria por filhos de imigrantes judeus: Moe Howard ( 1897-1975) seu irmão, Curly (19031952) e Larry Fine (1902-1975) compunham o primeiro trio. Outro irmão Howard, Shemp (1895-1955) substituiu Curly quando este adoeceu . Depois da morte de Shemp, entrou no trio Joe Besser ( 1907-1989), que por fim foi substituído pelo último integrante, Curly Joe (1909-1993), o único integrante do grupo que veio de uma família de artistas. Este grupo ficou famoso não só pelos filmes, mas também pelos pequenos curtas distribuídos até hoje nas redes de televisão. A estrutura era quase sempre a mesma, uma situação cotidiana, um problema a ser resolvido e soluções humorísticas a base de piadas curtas e humor corporal. Na televisão o grupo agradou principalmente o público infantil.

Já o Gordo e o Magro popularizaram-se mais no cinema, embora também tenham tido seus episódios transmitidos na televisão. Oliver Hard e Stan Laurel formavam uma dupla que se completava. Segundo a publicação 1000 que fizeram 100 anos de cinema (Isto É / The Times) 56

Movimento que se caracterizou pelo sectarismo, notadamente anticomunista deflagrado nos Estados Unidos pelo Senador Joseph Raymond MacCarthy (1909-1957) durante os anos 50. Foram instituídas comissões para averiguação as chamadas atividades antiamericanas, baseadas em delações e interrogatórios. A classe artística era muito visada e foi duramente atingida com a instituição das “listas negras” em Hollywood proibindo a contratação de escritores, atores e diretores que tivessem qualquer ligação com atividades políticas socialistas ou comunistas.


Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación www.eptic.com.br, Vol. VIII, n. 2, mayo – ago. 2006 “Pareciam ser duas metades do mesmo ego.” Um gordo e comicamente brabo e o outro magro, mais desajeitado amoroso. Dois tipos com características comuns, mas que acirradas na tela produziam um efeito emocionante.

5.

Os filhos do riso:

Foram basicamente os seriados de televisão que herdaram os trejeitos da comédia dos anos vinte e trinta do cinema norte-americano. Atualmente é possível observar situações atualizadas e adaptadas para o novo século e para a nova mídia, mas que ainda baseiam-se nos costumes e no cotidiano. Como por exemplo, um dos maiores sucessos atuais da televisão, o seriado Friends que estreou na TV americana em setembro de 1994 ficando dez anos no ar e sendo distribuído para vários outros países, sempre com o mesmo sucesso. O programa abordava o dia a dia de seis amigos, personagens fixos da história: Chandler (Mattew Perry), Mônica (Courteney Cox), Rachel (Jeniffer Aniston), Ross (David Schwimmer), Joey (Matt le Blanc) e Phoebe (Lisa Kudrow). Tal qual os antigos grupos, cada um tem uma personalidade diferente e características cômicas que podem produzir a graça em separado, mas que em conjunto compõem o enredo da série. Novamente, o recurso do episódio isolado (o mesmo acontecia com os filmes curtos dos Três Patetas e do Gordo e Magro) que funciona também sozinho, mas que remete para características já destacadas em outros episódios. O humor cotidiano e contemporâneo, a ironia e a galhofa com os costumes da sociedade, a anarquia e o humor corporal são alguns elementos que nos remetem aos primeiros filmes cômicos, atualmente somando com elementos e piadas abordando a sexualidade, impensável um século atrás, embora a sensualidade estivesse sempre presente. A atualização do enredo e do formato permitiu a continuidade da produção de comédias de costumes tanto no cinema quanto na televisão. Adicionando o componente da sexualidade as comédias passaram a atuar em uma outra esfera e atingir a um público bastante diverso. De adolescentes à adultos, com divisões de faixa etária, as comédias são bem quistas onde quer que estejam. Sempre trabalhando com elementos conhecidos pelo público: tipos característicos do dia a dia, grupos que congregam personalidades diversas (furiosos e amorosos, inteligentes e ingênuos) que , atuando em contraposição compõem o enredo de ações cômicas que forma o episódio. As situações também não se diferem tanto, claro que atualizadas, pois a contemporaneidade é fundamental para a identificação da piada. São fatos do dia a dia, conhecidos do público e potencializados pelas personalidades dos personagens. Passados quase cem anos, a comédia continua sendo a manifestação mais próxima do público popular. Abordando seu cotidiano e até mesmo os seus infortúnios, a comédia revê continuamente posturas e estratificações sociais, rindo, mas também colocando em discussão costumes posições definidas. Apesar de popular e por conta disto, a comédia ainda é vista com ressalvas. Foi utilizada no cinema e na televisão de várias formas, associada aos mais diversos elementos, como a sexualidade, por exemplo.


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Bem quista pelo público popular, talvez seja o gênero mais carinhosamente lembrado quando se fala em cinema e televisão.Atacada pela crítica em diversos momentos e por distintos fatores, a comédia persiste e sempre terá seu lugar dentro das artes. Afinal, fazer rir é tão difícil quanto prazeroso e quando tem êxito, remete a uma vitória na busca por momentos de paz. Bibliografia utilizada: 1. Livros: 1.

ARISTÓTELES. Poética. Porto Alegre: Globo, 1966.

2. BENDER, Ivo C. Comédia e riso: uma poética do teatro cômico. Porto Alegre: Editora da Universidade-UFRGS/EDIPUCRS, 1996. 3. CHAPLIN, Charles. Minha vida. Tradução de Rachel de Queiroz, R. Magalhães Júnior, Genolino Amado; Introdução de Sérgio Augusto; Prefácio de Otávio de Faria; Poesia de Carlos Drummond de Andrade. 7ª edição. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1989. 4.

GEADA, Eduardo. O cinema espetáculo. Edições 70, Lisboa, Portugal.

5. LUNARDELLI, Fatimarlei. Ô Psit, o cinema popular dos Trapalhões.Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1996. 6.

PARAIRE, Philippe. O cinema de Hollywood. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

7.

PROPP, Vladímir. Comicidade e riso. São Paulo: Ática, 1992.

8. SADOUL, Georges. Historia Del Cine I – La época muda. Buenos Aires, Argentina: Ediciones Losange, 1956. 9.

SKLAR, Robert. História social do cinema americano. São Paulo: Cultrix, 1975.

10. STAM, Robert. Bakthin: Da teoria literária à cultura de massa. São Paulo: Editora Ática, 1992. 11.

TULARD, Jean. Dicionário de Cinema: Os diretores. Porto Alegre: L&PM, 1996.

12.

VASCONCELLOS, Luiz Paulo. Dicionário de teatro. Porto Alegre: L&PM, 1987.

13.

XAVIER, Ismail (org.). O cinema no século. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

2. Internet 1. ECONOMIA DA CULTURA, documento da Internet disponível em http://www9.cultura.gov.br/textos/tm06.htm#A3 . 03 de setembro de 2004. 2. TRÊS PATETAS, documento da Internet disponível em http://www.bricabrac.com.br/3patetas.htm. 14 de novembro de 2004.


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3. FRIENDS, documento da Internet disponível em http://www.geocities.com/Hollywood/7937/fstoryp.htm. 14 de novembro de 2004.

3. Periódicos 1. 1000 que fizeram 100 anos de cinema. Isto É / The Times. São Paulo: Editora Três, 1995.


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Diarios digitales y modelos de negocios Una difícil rentabilidad Luis A. Albornoz57

El presente artículo se centra en las estrategias que están empleando las editoras periodísticas para generar ingresos económicos. Finalmente se presentan resultados parciales de una investigación que tuvo como objetivo explorar el panorama ofrecido por algunos de los principales diarios online en castellano.

Una de las principales preocupaciones de los agentes del sector, al momento de lanzar una edición online, es conocer el modelo de negocio que permitirá obtener beneficios económicos a partir de su presencia en la Red como proveedores de noticias. Hasta el momento, la gran mayoría de las cabeceras digitales, con un puñado de excepciones, no es rentable. Y las casas editoras se afanan por encontrar fórmulas que, al menos, no les supongan pérdidas económicas. Por otra parte, la inexistencia de un modelo exitoso y consolidado es el motivo de que muchas editoras de diarios tradicionales aún no hayan incursionado en el terreno online y su estrategia, cargada de prudencia, consiste en aguardar hasta que se consoliden modelos de negocio y estrategias comerciales. En el terreno online desaparecen los costes de impresión, distribución, contra-distribución (debidos a la devolución de los diarios no vendidos) y almacenamiento de ejemplares que deben sobrellevar las empresas periodísticas. Para editar un periódico en la Red no es necesario invertir recursos en adquirir grandes rotativas y cantidades industriales de tinta y papel prensa, ni necesario contratar una extensa red de profesionales, ni establecer un costoso circuito de distribución; pero también es cierto que cualquier editora debe afrontar una serie de costes y riesgos al publicar una edición digital. En este sentido, el investigador británico Collin Sparks (2000 : 273) ha señalado tres dificultades a tener en consideración: o Publicar un diario online no libera a la empresa periodística de continuar editando el diario impreso. Los costes de concepción, desarrollo, diseño, mantenimiento y 57

Luis A. ALBORNOZ (Buenos Aires, 1967) es Licenciado en Ciencias de la Comunicación por la Universidad de Buenos Aires y Doctor por la Universidad Complutense de Madrid. Profesor del Departamento de Periodismo y Comunicación Audiovisual de la Universidad Carlos III de Madrid. Secretario de ULEPICCEspaña (www.ulepicc-es.org) y Coordinador Editorial de la revista TELOS (www.campusred.net/telos). Correo electrónico: luisalfonso.albornoz@uc3m.es.


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alojamiento de un sitio web periodístico se adicionan a los costos globales que soporta la editora. o Los ritmos de producción informativa de una edición online de actualización permanente son diferentes de los de un diario tradicional. Además, es necesario contar con contenidos propios que den atractivo a la edición en Internet y no la solapen con la edición papel. Por tanto, la editora necesita contar con una plantilla de trabajadores (periodistas, diseñadores e informáticos) especialmente dedicada a la edición online a la cual hay que mantener entrenada en el uso de las nuevas tecnologías de la información (formación permanente en la utilización de software y hardware). o Existe el riesgo que el éxito del sitio traiga aparejada la caída de ventas de ejemplares de la edición tradicional (trasvase de lectores) o que algunos anunciantes opten por incluir su publicidad sólo en la edición online (trasvase de anunciantes). Con el paso de los años, los propietarios y editores de prensa comprendieron que Internet no está libre de gastos. El periodista Mario Tascón58 (en Giner y Sussman, 2002: 18) afirmó en una entrevista que “durante muchos años las empresas de comunicación habían considerado que publicar en Internet era prácticamente gratuito. En muchos casos los costes de las operaciones aparecían camuflados y distribuidos a lo largo de los diferentes capítulos de las cuentas de explotación. Así, en ‘Comunicaciones’ se incluía el ancho de banda necesario para la Web y los diferentes departamentos asumían la parte proporcional de los costes de personal. En muy pocos casos se aplicaba un sistema de análisis que permitiera conocer con exactitud el coste real de las operaciones online”. Al margen de los gastos que conlleva editar un diario online, recordemos que las condiciones básicas para acceder a éste son las de cualquier otro sitio web. En primer término, el usuario necesita contar con un terminal con conexión a la Red, para lo cual, en la mayoría de los casos, se requiere el acceso a una línea telefónica. Luego, el usuario debe afrontar una serie de pagos para poder navegar por Internet que abarca desde la cuota por acceder a la Red hasta la compra y mantenimiento de hardware y software. La primera reacción de editoras periodísticas en Internet fue ofrecer contenidos y servicios informativos de forma gratuita y conformar una fuente de ingresos basada en la inserción de espacios publicitarios -en distintos formatos: banners, pop-ups, pop-unders, intersititials…5958

Mario Tascón ha estado al frente de ElPaís.es y ElMundo.es, dos de los más importantes sitios de información general diaria del mercado iberoamericano. 59 Desde hace varios años los precursores banners o rótulos -recuadros de diversos tamaños que contienen textos y/o imágenes- conviven con formas de publicidad online más intrusivas, como los pop ups, los pop unders ventanas que se abren al ingresar a un sitio, por encima o por debajo de la página web solicitada- o los


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en el sitio web. Este modelo de financiación sustentado en los ingresos provenientes del mercado de anunciantes publicitarios60 es una réplica del modelo adoptado por otras industrias culturales como la radio, la televisión generalista y algunas publicaciones gráficas periódicas. Este se basa en la capacidad de atracción de lectores que, a su vez, atraen hacia las páginas del medio a anunciantes publicitarios. Se trata de una relación directamente proporcional: a mayor número de lectores, mayor cantidad de ingresos provenientes del mercado publicitario. Sin embargo, la publicidad online, otrora productora de “las mayores expectativas de convertirse en la principal fuente de ingresos de los negocios dirigidos al consumidor final”, es en la actualidad materia de discusión. Por un lado, se discute la eficacia de los banners: más de la mitad de los usuarios de Internet afirma ignorarlos, estos porcentajes crecen a medida que los usuarios adquieren experiencia navegando la Red. Por otro, la principal forma de medir el impacto publicitario en Internet, el click-through61, ha caído de forma significativa con el paso de los años. Ante la crisis del binomio banner/click-through y a medida que las redes de banda ancha ganan mercados, editores, anunciantes y publicitarios experimentan nuevos y más complejos formatos publicitarios, como los shoshkeles (anuncios con imágenes animadas y sonidos cuyo formato cambia en la pantalla durante los primeros segundos para, al final, quedar quietos), los flyers (anuncios que sobrevuelan la pantalla), sobreimpresiones en las área de contenidos, etc. La gratuidad, uno de sus elementos constitutivos de la oferta informativa en la Red, dio paso al temor a la “canibalización”, es decir a que la edición online vaya paulatinamente “comiendo” lectores a la edición impresa. Sin embargo, el miedo a esta práctica antropófaga parece haber quedado en el pasado, y se asume el hecho de que diarios impresos y online deben aprender a convivir por mucho tiempo más en el complejo sistema de medios de información y entretenimiento. Hoy son muchas las editoras de grandes periódicos tienden a experimentar las sinergias posibles entre sus ediciones impresa y online. Así, por ejemplo, las páginas del diario impreso son utilizadas para promocionar la existencia del sitio web (el diario español El País, por ejemplo, sitúa debajo de su cabecera y eslogan identificatorio su dirección en Internet) o de contenidos y servicios digitales. intersititials -páginas que se superponen a la solicitada, interrumpiendo la navegación- (García, en Knapp Bjerén, 2002 : 211). Frente a la intromisión abusiva de anuncios no queridos se ha desarrollado software (ad blocker) que permite bloquear este tipo de formatos. 60 “La prensa electrónica mantuvo en sus comienzos tarifas publicitarias similares a las del papel; es decir, ‘tarifas planas’ donde la inserción de un reclamo comercial tiene un coste fijo mensual. Este sistema de cobro resulta idóneo en un principio, cuando la difusión es limitada. A medida que los medios se consolidan y aumento el número de páginas visitadas, suelen cambiar sus tarifas al tipo CPI (coste por impresión o por impacto). ElPaís.es adoptó esta modalidad a finales de 1998” (Parra Valcarce y Álvarez Marcos, 2004 : 85). 61 Acción de hacer clic en un banner y ser redirigido automáticamente al sitio del anunciante.


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Asimismo, son varias las compañías que aprovechan sus páginas web para fomentar la venta de ejemplares, anunciando los elementos de promoción que acompañan la compra del diario (libros, CD, DVD...), o para promocionar contenidos de la edición impresa. En los últimos años, algunos diarios de reconocido prestigio a nivel internacional, como The Wall Street Journal, The New York Times o Le Monde, han optado por imponer el pago de una cuota para poder acceder a sus contenidos y servicios, ya sea de forma total o parcial. En España, la empresa editora del diario El Mundo, Unidad Editorial S.A., fue la pionera en incursionar en esta nueva fase62 y el diario El País, propiedad del Grupo PRISA, quien realizó la apuesta más arriesgada por el todo pago63. Son varios los analistas que sostienen que el camino hacia el pago por acceso debe provenir de los grandes periódicos. Aquellas cabeceras pertenecientes a grandes empresas de medios, que cuentan con poderosas redacciones y recursos económicos como para producir y elaborar información de calidad, son visualizadas como las responsables de acabar con la gratuidad del sector. Cuando un usuario paga una determinada suma de dinero por acceder a los contenidos informativos de una publicación online, paga por “la posibilidad de” y no “por la lectura de”, ya que difícilmente lea la totalidad de contenidos a su alcance. Se trata de un “modelo de disposición (acceso) y de posibilidad de uso o de consumo” (Miguel, 2000). Este modelo tiene sus antecedentes en el desarrollo de la televisión de pago durante las dos últimas décadas del pasado siglo. La divisibilidad de los contenidos editoriales de un periódico online permite, por un lado, la elaboración y cobro de paquetes o conjuntos de productos (bundles) determinados, y, por otro, la posibilidad de establecer micropagos por la venta de unidades discretas (de-bundle): artículos, columnas de opinión e informes especiales. En el terreno digital actualmente asistimos a la coexistencia del bundle -contenidos del diario en su totalidad: todas las noticias publicadas en las diferentes secciones y suplementos- y el de-bundle, proceso de atomización de los contenidos editoriales -artículos, reportajes, entrevistas… vendidos individualmente-64.

62

El 17 de octubre de 2001, El Mundo de la Tarde se transformó en la primera experiencia española de información generalista online de pago. Se trató de un vespertino diario de seis páginas en formato PDF que la editora Mundinteractivos publicó entre noviembre de 1999 y junio de 2003. 63 ElPaís.es cobró por el acceso a la gran mayoría de sus contenidos y servicios entre el 18 de noviembre de 2002 y el 2 de junio de 2005. 64 La elaboración y comercialización de paquetes de productos o de eventos y/o películas puede observarse en las actuales plataformas de televisión digital. Así, por ejemplo, en la televisión por cable o vía satélite existe un paquete básico de señales al cual se accede pagando un abono mensual, y, además, el cliente puede suscribirse a otras señales temáticas (sistema premium) o al visionado de acontecimientos singulares (pay-per-view).


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Sin embargo, la presión de la competencia que oferta contenidos de acceso gratuito en la Red actúa como gran inhibidor de la imposición de pagos a los usuarios. Los pequeños sitios con información local junto a los grandes sitios de información de ámbito nacional vienen ofreciendo noticias, en gran parte proveniente de las grandes agencias de noticias, de forma gratuita desde que han plantado su bandera en la Red. Esto ha traído aparejado un acostumbramiento de los usuarios de Internet a la idea de que la información en la Red, al igual que en la radio o en la televisión generalista, es gratuita. Actualmente, la resistencia a pagar por el acceso a contenidos online es un fenómeno generalizado. Un estudio realizado durante 2003 en Estados Unidos, Australia y Europa por la consultora RampRate y Synovate 65 demostró que: o Un 68% de los usuarios encuestados no está dispuesto a pagar por archivos de audio o vídeo. o Un 47,5 % cree que la Red debe ser gratuita. o Un 20 % considera que pagar es engorroso. o Sólo un 2,5 % se mostró dispuesto a pagar por contenidos audiovisuales (porcentaje que sube al 4 % entre los que afirman que lo harían si el contenido fuese mejor). o De no queda otra posibilidad que pagar, un 11 % preferiría un pay-per-view que un modelo de suscripción. Es decir, fórmulas que no comprometan la privacidad ni esclavicen al consumidor. Hoy, los contenidos de acceso gratuito siguen siendo un “gancho” a la hora de generar tráfico. Es por esto que algunas editoras se decantan por la estrategia de dividir su diario digital en dos áreas: una de acceso libre y otra, más rica, de consulta exclusiva de los lectores del periódico impreso que suele contemplar el acceso al archivo. Pese a las dificultades manifiestas, la conversión del gratuito al pago parece estar fuera de duda para una importante parte de las editoras digitales. El debate de hoy para éstas es cómo hacerlo. Y las respuestas que se pueden encontrar en el mercado editorial son múltiples. Para el especialista Crosbie (en Albornoz, 2003 : 133), tres son los criterios básicos a considerar a la hora de arancelar accesos: o Si la información por la que el consumidor paga puede ayudar a hacerle ganar o ahorrar dinero, o puede ayudarle en su carrera profesional. o Si la publicación periódica o emisora es la número uno en su especialidad.

65

Ramp^Rate: “RampRate Announces Quarterly Initiative to Survey Consumer Attitudes on Paid Streaming Media”, 22.04.2003. Ver: www.ramprate.com/about/news_press+releases.php?content_id=18.


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o Si el consumidor no puede obtener la información que le ofrece el medio de ningún otro proveedor66. En marzo de 2002, el consultor Leo Bogart (Innovation International Consulting Group) realizó una encuesta online para la Asociación Mundial de Periódicos (WAN) sobre el modelo de negocio de las ediciones online de los diarios, en la cual participaron 429 directores de periódicos de todo el mundo. Según esta encuesta, la mayoría de éstas pierde dinero (58 %), mientras que el resto iguala ganancias y pérdidas u obtiene beneficios. Asimismo, los resultados de la encuesta evidenciaron que un 84 % de los sitios se apoya exclusivamente en los ingresos provenientes de los anunciantes y no obtiene ningún dinero proveniente de las visitas. Mientras que sólo un 8 % consigue de las visitas a sus respectivos sitios más de un 10 % de sus ingresos totales. Según Giner y Sussman (2002 : 12): “Esta tendencia es cierta en todo el mundo y en todos los periódicos, excepto en los más grandes. Entre los sitios de los periódicos con tiradas diarias superiores al millón, el 37 % consigue al menos algún ingreso por visitas”. Resumiendo algunas de las conclusiones aportadas por esta encuesta: o Las operaciones digitales de los periódicos son tan variadas como los propios periódicos. No es posible generalizar. o Incluso en los precarios últimos meses, han ido aumentando los ingresos de la mayor parte de las operaciones. o La mitad de las operaciones se han realizado en dos o más sitios diferentes. Pero con la excepción de los periódicos muy pequeños, un mayor número de sitios no consigue más visitas. o Los ingresos de cinco de cada seis operaciones digitales dependen de la publicidad. La mayor parte de los que cobran las vistas no lo hacen por acceso, sino por servicios y contenidos específicos. Dentro de este panorama, las editoras norteamericanas son las que con más frecuencia afirmaron que sus sitios de información obtienen beneficios. Como indica Bogart (en Giner y Sussman, 2002 : 9), el hecho de que entre los periódicos norteamericanos la proporción de los que afirman obtener beneficios de sus sitios web se debe, al margen de la atractiva masa de 66

Siguiendo a Francisco Yus (en Díaz Nosti y Salaverría Aliaga, 2003 : 335), al explicar la teoría de la relevancia, “cada lector es diferente, y la lectura (y el pago -agregamos-) del periódico está influida por el conocimiento previo del lector y sus actitudes o intereses, que varían de persona a persona. Por ejemplo, alguien que sufre una determinada enfermedad tendrá mucho interés en leer todo el texto de una noticia (y -agregamos nosotros- en pagar por tener acceso a ésta) en la que se sugieran remedios o avances médicos en su tratamiento, mientras que otros lectores probablemente no pasarán de su titular” (y –nosotros nuevamente- no estarán dispuestos a pagar por acceder a la misma).


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usuarios para los anunciantes publicitarios con que cuenta esa región, a que: 1) éstos “se encuentran entre los primeros que crearon páginas Web” (una encuesta realizada en 2000 por Innovation había puesto de manifiesto que los primeros sitios tenían mayores posibilidades de hacerse rentables), y 2) “sus departamentos de publicidad son firmes puntales de las empresas y actuaron con rapidez vendiendo publicidad en Internet asociada a la compra de ejemplares impresos”.

Cuadro Nº 1: Rentabilidad de sitios web según región - Año 2002 Total

Europa

América Latina

Norteamérica

58 %

71 %

58 %

35 %

Ni gana ni pierde

25 %

22 %

37 %

26 %

Rentable

17 %

7%

5%

39 %

Pierde dinero

Fuente: Innovation, 2002.

Otro dato destacable de esta encuesta es que la mitad de las editoras que operan en Internet tiene más de un sitio: “algunas organizaciones editoriales con periódicos en distintas ciudades mantienen un sitio separado para cada una. Muchos periódicos tienen sitios separados para cubrir secciones especializadas de anuncios clasificados, como inmobiliarias y empleo. En algunos casos, los periódicos disponen de un sitio web accesible a todos y un sitio separado cuyo acceso requiere registro y log-in. (Puede exigirse el pago acceso (sic) a ciertos tipos de información). Los periódicos con un solo sitio tienen más probabilidades de perder dinero que los que disponen de dos o más sitios”. Este incierto panorama está forzando a las editoras a diversificar las fuentes de donde obtener ingresos económicos. Así, es posible encontrar distintas vías para ingresar dinero: venta de contenidos a particulares, instituciones y/o a empresas; modelos de suscripción; inserción de publicidad; sindicación de contenidos; servicios de información (envío de titulares, alertas, informes, etc.) a través del correo electrónico y de dispositivos móviles; comercio electrónico (algunos periódicos han probado suerte con grandes escaparates online abastecidos por diferentes proveedores; otros han montado “tiendas virtuales” propias que ofrecen la posibilidad de solicitar suscripciones y productos de marketing -suplementos, libros, etc.- del propio medio), etc.


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El NYTimes.com, editado por la empresa New York Times Digital (responsable, entre otros, del sitio del diario The Boston Globe), es un ejemplo de diario online que basa su modelo de negocio en el acceso gratuito a sus contenidos generales, la presencia de publicidad en sus páginas electrónicas, el registro de usuarios obligatorio y una gama de servicios informativos premium a los cuales el usuario accede a través del pago de un abono mensual (como, por ejemplo, el acceso a los archivos del diario o las alertas informativas enviadas a los suscriptores a través del correo electrónico). El profesor brasileño Rosental Calmon Alves67 sostiene que el NYTimes.com aplica con muy buenos resultados dos estrategias comerciales diferentes: el targeting y el sorroundig sessions. Por una parte, el registro de usuarios permite a la casa editora obtener una serie de datos demográficos y de gustos y hábitos mediáticos de gran importancia para los potenciales anunciantes del medio que quieran llegar de manera directa (targeting) a los posibles compradores. Por otra, cada paso que da el usuario en Internet deja huella. Así, es posible para el medio seguir las sesiones (sorrounding sessions) de cada visitante y, a partir del análisis de esa información, elaborar perfiles socio-demográficos individuales: información de gran importancia al momento de establecer tarifas publicitarias y acuerdos comerciales.

El caso de los principales diarios online en castellano Una investigación acerca de la presencia en Internet de algunos de los principales diarios digitales en lengua castellana (ver cuadro número 2), finalizada a principios de 2005, ha auscultado, entre otras variables, las fuentes de ingresos y los servicios comerciales ofertados por

ElMundo.es

(www.elmundo.es),

Clarín.com

(www.clarin.com),

Reforma.com

(www.reforma.com), ElPaís.es (www.elpais.es), Abc.es (www.abc.es) y La Nacion Line (www.lanacion.com.ar)68.

Cuadro Nº 2: Ranking de los principales diarios online en castellano – marzo de 2006 Puesto

67

Diario

Editora

Ciudad, país

Ranking

Blanco, D. (2003): “Arancelar los contenidos de los diarios digitales es un camino de ida” (entrevista a Rosental Calmon Alves), Clarín. Ver: http://old.clarin.com/diario/2003/11/06/t-654102.htm. 68 Dicha investigación forma parte de una Tesis de Doctorado, titulada “Los diarios online de información general. El caso de los grandes periódicos en español”, defendida por el autor de este artículo, en abril de 2005, en la Facultad de Ciencias de la Información de la Universidad Complutense de Madrid.


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mundial 1

ElMundo.es

Mundinteractivos, SA (Grupo Unedisa)

Madrid, España

211

2

ElPaís.es

Prisacom SLA (Grupo Prisa)

Madrid, España

593

3

Clarín.com

Buenos Aires, Argentina

978

4

El Universal Online

El Universal Compañía Periodista Nacional SA de CV

México D.F., México

1.488

5

Abc.es

ABC Periódico Electrónico S.L.U. (Grupo Vocento)

Madrid, España

1.848

6

La Nación Line

Buenos Aires, Argentina

1.918

7

La Vanguardia Digital

La Vanguardia Ediciones SL

Barcelona, España

2.197

8

ElUniversal.com

Grupo El Universal

Caracas, Venezuela

2.415

9

Reforma.com

Grupo Reforma

México D.F., México

3.410

10

La Tercera

Consorcio Periodístico de Chile SA (Copesa)

Santiago, Chile

4.228

Grupo Clarín

La Nación SA

Fuente: elaboración propia a partir de datos de Alexa.com (datos referidos al 19.03.2006).

En los próximos párrafos se presentan reflexiones y datos acerca del comportamiento relativo a la oferta de servicios comerciales y a las principales fuentes de ingresos de las seis casas editoras y diarios online seleccionados.

Los Servicios comerciales online Un rico conjunto de formatos publicitarios, avisos clasificados, tiendas virtuales y promociones de diverso tipo forman parte del vasto universo comercial que las editoras han edificado en sus respectivos sitios. Los diarios analizados ofrecen una muestra contundente de la diversidad de emprendimientos comerciales por cuenta propia o en asociación con terceros: desde el empleo de publicidad en las páginas web y la presencia de secciones dedicadas a los avisos clasificados hasta la venta de entradas para asistir a espectáculos, pasando por el establecimiento de tiendas online, escaparates de vehículos, servicios online de valoración de inmuebles y descarga de logotipos y melodías para teléfonos móviles.


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Los diarios editados en Madrid, mediante distintas alianzas y acuerdos comerciales, son los más activos en este terreno, mientas que Clarín.com se muestra como la cabecera con el menor número y variedad de elementos comerciales.

Publicidad online Todas las cabeceras online tienen en sus respetivas páginas web espacios dedicados a la publicidad comercial (venta de espacios a anunciantes: empresas comerciales, fundaciones, ONG, Administraciones públicas, etc.) y a las autopromociones. Hemos comprobado la presencia de una gran variedad de formatos publicitarios: desde los ya clásicos banners hasta los intrusivos pop-ups, pasando por las secciones informativas patrocinadas (por ejemplo, la sección Mercados de ElMundo.es es patrocinada por el Banco Bilbao Vizcaya Argentaria). La clasificación de formatos publicitarios elaborada por La Nación S.A. nos ha parecido la más completa y descriptiva de las presentadas por los casos estudiados. La misma divide a los distintos tipos de publicidad online en Banners, Alto impacto (Fly Ad, Skycrapper, Expand, Video banner, Novedades de Cine), Interacción de contenidos (Skin o máscaras de audios, videos y fotos, Marcas de agua, Coberturas especiales, Partidos al instante), Otros formatos (Replicador de avisos, Vidriera, Búsqueda de clasificados patrocinada). A esta tipología de formatos publicitarios se deben adicionar distintas acciones promocionales, como la realización de concursos, el otorgamiento de beneficios para los lectores, el envío de publicidad por e-mail (por ejemplo, el denominado e-mail marketing, los banners que acompañan el envío diarios de noticias, titulares o alertas, y los e-mail formularios que invitan a participar en concursos o sorteos). A esta clasificación de formatos publicitarios podríamos sumar algunos otros formatos con presencia en algunos de los diarios digitales estudiados. Nos referimos, por ejemplo, a los intersticial, pantallas que aparecen durante unos segundos para luego desaparecer y dar paso a los contenidos informativos- y las ventanas emergentes o pop-ups. Como podemos apreciar, las modalidades publicitarias que los diarios online están desarrollando, tanto para audiencias masivas como segmentadas, son múltiples. Por un lado, hemos verificado la presencia de los denominados anuncios multimedia o dinámicos (rich media), entre los que se destacan aquellos que utilizan tecnología flash; por otro lado, muchos


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formatos rompen con la tradicional separación entre contenidos editoriales y publicitarios que rige las ediciones impresas69. Asimismo, las editoras periodísticas han avanzado firmemente en el terreno del marketing directo. Como sostienen García de Torres y Pou Amérigo (en Díaz Noci y Salaverría Aliaga, 2003 : 64), “en la Red, las cookies, los servicios de alerta y los filtros, las encuestas y el registro e inscripción de los usuarios constituyen flujos de retorno, de registro, que aportan información al centro emisor”. A través del sistema de registro obligatorio y de las suscripciones, el medio suele recabar un cúmulo de información que incluye desde datos personales (nombres y apellidos, fecha de nacimiento, dirección/es electrónica/s de contacto, nacionalidad, país de residencia, etc.) hasta rutinas de consumo y hábitos culturales (acceso a diarios tradicionales y digitales, compra a través de Internet, preferencias, etc.). Una cantidad de datos, sin duda, muy difícil de obtener en el mundo de la prensa tradicional. Esta información es de singular importancia a la hora de elaborar perfiles de usuarios de los respectivos sitios web y ayuda a definir las estrategias empresariales que se manifiestan en la oferta de nuevos contenidos y servicios. Por otra parte, esta información cobra extrema relevancia para la editora a la hora de relacionarse comercialmente con sus potenciales anunciantes publicitarios. Finalmente debemos señalar que la mayoría de los formularios para registrase contienen opciones de envío de información-publicidad a través del correo electrónico.

Tiendas virtuales Los tres diarios online españoles han plantado sus pies en el terreno del comercio electrónico dando lugar a tiendas online, mientras que ni los argentinos Clarín.com y La Nación Line, ni el mexicano Reforma.com han abierto escaparates virtuales. Las tiendas virtuales a las que se accede desde las páginas de ElMundo.es y ElPaís.es son producto de acuerdos entre las editoras de estas dos cabeceras y la empresa de comercio electrónico Código de Barra Networks (CBN). En el caso de la tienda de ElMundo.es, el portal elmundotienda.com ofrece el servicio de Comercio Electrónico CBN Shopping Engine que permite comprar a través de Internet artículos de las tiendas afiliadas a la plataforma de ecommerce gestionada por Código de Barras Networks, S.L.70. 69

Valgan como ejemplos los formatos Novedades de Cine o aquello agrupados bajo el epígrafe Interacción de contenidos en la clasificación elaborada por la editora La Nación. ElMundo.es es el único de los diarios que incluye un elemento de diseño que identifica claramente los espacios publicitarios en sus páginas. 70 Por su lado, CBN Shopping Engine, un agregador de los productos ofertados por los comercios afiliados al servicio, se auto-presenta como la empresa “líder en el mercado español en la prestación de servicios de


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Por su parte, Vocento (Abc.es) es el único grupo que hasta el momento ha conformado su propia área dedicada al comercio electrónico: La Trastienda Digital (ésta forma parte de la oferta comercial de todos los diarios regionales online gestionados por Vocento). Las ofertas de La Trastienda Digital forman parte de la Tienda de Abc.es, un escaparate online que incluye otras 20 secciones (Empleo, Felicita online, Flores, Heráldica, Informática, Libros, Logos y melodías…).

Avisos clasificados La mayoría de los diarios analizados posee áreas dedicadas a los anuncios clasificados, de libre acceso. La excepción la constituye ElMundo.es, cuya sección Clasificados se reduce a ofrecer un motor de búsqueda de avisos gestionados por Maimai Media Networks, una firma comercial conformada por la división de comercio electrónico de la entidad Caja Madrid, la sociedad de inversiones COMITIA y Advance Telephone Services. En el otro extremo encontramos al mexicano Reforma.com que ofrece acceso libre a los anuncios clasificados de las cuatro cabeceras que publica el Grupo Reforma (Reforma, El Norte, Plural y Palabra). A esta sección se halla integrado un buscador que ofrece la posibilidad de consultar entre aquellos anuncios que únicamente incluyan fotografías. Además, Reforma.com ofrece un servicio (Caza oportunidades) exclusivo para sus suscriptores de pago: la editora se vale del correo electrónico para alertar a sus clientes cuando sale al mercado un vehículo o un inmueble interés; asimismo el suscriptor del diario online tiene la opción de recibir alertas sólo de aquellos anuncios que incluyan fotografía(s). Clarín.com y La Nación Line poseen importantes bases de datos de anuncios clasificados a los cuales de accede a través de buscadores. La Nación Line tiene su propio sitio dedicado a los clasificados que incluye un propio mapa, lo cual nos da una idea de la complejidad del sitio. Y, finalmente, Abc.es, fruto de un acuerdo entre la editora ABC y la empresa Telefónica Movistar, ofrece un servicio de alertas inmobiliarias a teléfonos móviles para pisos ubicados en el centro y los alrededores de Madrid (Pisos en tu móvil) y un servicio online de tasación de inmuebles. Y ElPaís.es ofrece un enlace al sitio EXCOGE.com, servicio online de búsqueda de empleo y de inmuebles, gratuito y sin necesidad de registro, de El País S.L.

Promociones comercio electrónico multicanal: web, wap, sms y voz (...) El corazón de nuestro software es el CBN SE, un sistema de clasificación de categorías de productos desarrollado íntegramente por CBN al que a diario se le incorporan nuevas funcionalidades, y los requisitos que nos demandan nuestros clientes, con el objetivo de ser líderes en el comercio electrónico multicanal”. Ver: www.codigobarras.com/ver.php.


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Los diarios online españoles analizados utilizan algunas de sus páginas web para publicitar las distintas promociones que acompañan las respectivas ediciones impresas. Lo más destacado de este apartado quizá sea el Club La Nación del diario homónimo: un programa de beneficios para los lectores suscriptos a la edición impresa del diario y para aquellos que abonen una cuota anual. La editora explota su sitio web como vidriera para mostrar los beneficios para los potenciales miembros del Club.

Las fuentes de financiación Lejos de encontrarnos ante un escenario maduro en el cual los distintos agentes han definido exitosos modelos de negocio, la investigación reveló que el debate acerca de cómo ganar o, al menos, no perder dinero a partir de la presencia de una cabecera en la Red está en estado de ebullición. De los seis periódicos digitales estudiados, únicamente Mundinteractivos S.A., empresa editora de ElMundo.es, declara que su sitio es rentable: obtuvo durante 2005 unos beneficios netos de 3 millones de euros, confirmando la línea ascendente iniciada en 2003 (300.000 euros de beneficio neto) y continuada en 2004 (1,35 millones de euros de beneficio)71. El resto de las cabeceras subsiste gracias a la publicidad y a los recursos económicos de la editora matriz. En el caso de los diarios online de pago debemos adicionar los ingresos provenientes de la venta de suscripciones. A primera vista el conjunto de casos analizados parece dividirse claramente en dos polos: 1) Uno conformado por aquellos diarios online que han adherido al modelo de suscripción de pago, similar al modelo instaurado por las señales de televisión de pago: ElPaís.es (del 18.XI.2002 al 2.VI.2005) y Reforma.com (desde el 27.IX.2003). 2) Otro que ofrece en forma gratuita los contenidos informativos y se financia a través de los ingresos por la venta de espacios publicitarios, un modelo que funciona para la radio y la televisión en abierto: ElMundo.es, Clarín.com, Abc.es y La Nación Line. Sin embargo, ninguno de los dos modelos, ni el de pago ni el gratuito, se presentan de forma pura. Veamos: o Todos los diarios tienen en la publicidad comercial una de sus principales fuentes de ingresos monetarios. o Todos los diarios ofrecen en sus páginas web contenidos y/o servicios de pago. Por ejemplo, las versiones en formato PDF de sus ediciones impresas.

71

Ver: “El Grupo Unedisa confirma su crecimiento a lo largo de 2005”, ElMundo.es, 17.III.2006.


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o Todos los diarios ofrecen en sus páginas web un porcentaje variable de contenidos y/o servicios de libre acceso. Por ejemplo, las propias portadas que incluyen las portadillas y titulares más importantes del momento. o Todos los diarios tienden a conformar una cartera diversificada de fuentes de ingresos económicos. Esto incluye, como hemos visto, desde acuerdos con operadoras de telefonía móvil hasta la elaboración de contenidos digitales informativo-publicitarios. o Todos los diarios incluyen la fórmula del registro obligatorio para acceder a algunos de sus contenidos y/o servicios. Estos registros permiten a la empresa editora elaborar bases de datos y perfiles de sus audiencias, susceptibles de ser utilizados con fines comerciales. o La oferta de venta de contenidos periodísticos a terceros (medios de información, sitios web, etc.) es otra de las posibles fuentes de ingreso que hemos detectado en nuestro análisis. Luego de haber consultado a los directivos de las seis cabeceras, en los meses de diciembre-2004 y enero-2005, podemos afirmar que la venta de publicidad a anunciantes es la principal fuente de ingresos económicos de los diarios online analizados72; los porcentajes varían de acuerdo al medio que se tome en consideración, conformando un abanico que va del 98 % de Clarín.com al 60 % de ElPaís.es. A continuación, el cuadro número 4 recoge la información acerca de las fuentes de ingresos que ha sido suministrada por las distintas casas editoras:

Cuadro Nº 3: Principales fuentes de ingresos de los diarios online en castellano Diario

ElMundo.es

Publicidad y Patrocinio

70 %

Otros Venta de Contenidos, Comercio Electrónico, Venta de Promociones y Suscripciones (diario impreso / servicios a través de telefonía móvil) 30 %

Clarín.com

Otros

98 %

2% Reforma.com

s/d

ElPaís.es

60 %

s/d Suscripciones 40 %

Abc.es 72

70 %

Venta de

Comercio

Otros

Lamentablemente no contamos con información acerca de Reforma.com debido a la negativa de sus directivos.


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La Nación Line

93,5 %

Contenidos

Electrónico

15 %

8%

7%

Clasificados

Servicios Internos (desarrollos y servicios intracompany)

Suscripciones a la “Edición Electrónica”

4,5 %

1,4 %

0,6 %

Fuente: elaboración propia en base a las datos proporcionados por los directivos entrevistados.

Reflexiones finales La rentabilidad de las publicaciones online es materia de preocupación del conjunto de las editoras de prensa de información general. Conscientes de las dificultades que deben enfrentar -un escenario informativo-digital altamente competitivo, un aún insuficiente mercado publicitario y unos usuarios reacios a pagar por acceder a una serie de contenidos informativos, entre otros factores- propietarios y empresarios buscan afanosamente nuevas estrategias comerciales que aseguren la fidelidad de los usuarios al tiempo que diversifican la cartera de fuentes de ingresos de sus medios. En el caso de algunas de las principales cabeceras digitales en castellano hemos constatado, a través de nuestra investigación, la fuerte presencia de los servicios de los contenidos y servicios comerciales, los cuales, en general, tienen como objetivos aumentar el tráfico de sus respectivos sitios web y la recopilación de información acerca de los perfiles de sus lectores/usuarios. La publicidad/patrocinio se revela como la principal fuente de ingresos en el caso de los seis medios estudiados, pese a que dos de éstos habían, al momento de realizarse el trabajo de campo, arancelado el acceso a la gran mayoría de sus contenidos y servicios informativos. Asimismo, todos los diarios cobran por acceder a determinadas zonas esgrimiendo un equilibrio sui géneris. En nuestra opinión, la debilidad del modelo para las publicaciones de información general en la Red quedó al descubierto durante los atentados registrados en la ciudad de Madrid el 11 de marzo de 2004. Conscientes del calado del suceso y del papel central de la Red a nivel informativo -según el Observatorio Español de Internet, el acceso a Internet se multiplicó por ocho-, los principales diarios online españoles cambiaron sus portadas por páginas de escaso peso y retiraron los anuncios publicitarios para facilitar las descargas en los ordenadores.


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Durante las horas que siguieron al siniestro suceso los directivos de Prisacom decidieron, debido al creciente número de consultas desde todas partes del mundo, reducir la portada de ElPaís.es a la mitad e incluir en ésta sólo información referida a los atentados. Asimismo, decidieron aumentar el ancho de banda y, algo sin precedentes hasta entonces: “abrir” las páginas de ElPaís.es. Al poner a disposición de cualquier lector los contenidos del diario online (y no sólo de aquellos clientes que habían abonado sus suscripciones), sus directivos optaron por no sacrificar su presencia e influencia en los flujos informativos en aras del modelo de pago. Tiempo más tarde, en junio de 2005, los directivos de ElPaís.com decidieron abandonar el modelo de pago… Por último, entendemos como una necesidad de estudiar las relaciones que se están estableciendo entre los diarios online y la publicidad. No deja de llamar la atención la diversidad de formatos publicitarios que han ido apareciendo en los últimos años en las publicaciones digitales. Los formatos de tipo audiovisual van ganando terreno a medida que crece el número de usuarios de la Red que acceden a la misma a través de conexiones con un mayor ancho de banda. Esto plantea nuevos desafíos, por ejemplo, a la hora de medir, ya sea en píxeles o en segundos, el porcentaje que ocupan los contenidos publicitarios en cada diario online. Asimismo, se debería indagar en las reacciones de aceptación o rechazo que la publicidad online despierta entre los lectores/usuarios.

Bibliografía Albornoz, Luis A.: “La prensa digital en busca de modelos de negocio. Todo lo que el dinero puede comprar”, TELOS, núm. 57, Fundación Telefónica de España, Madrid, 2003; pp.131-133. Albornoz, Luis A.: Los diarios online de información general. El caso de los grandes periódicos en español, Tesis Doctoral, Madrid: Universidad Complutense de Madrid, 2005. Bustamante, Enrique (coord.) Comunicación y cultura en la era digital, Gedisa, Barcelona, 2002 (2ª edición revisada y ampliada: 2004). Bustamante, Enrique (coord.): Hacia un nuevo sistema mundial de comunicación, Gedisa, Barcelona, 2003. Díaz Noci, Javier y Salaverría Aliaga, Ramón (coords.): Manual de ciberperiodística, Ariel, Barcelona, 2003. Flores Vivar, Jesús y Aguado Guadalupe, Guadalupe: Modelos de negocio en el ciberperiodismo, Fragua, Madrid, 2005.


Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación www.eptic.com.br, Vol. VIII, n. 2, mayo – ago. 2006 Giner, Juan Antonio y Sussman, Barry (eds.): Innovaciones en periódicos. Informe mundial 2002. Estudio anual del Innovation International Media Consulting Group para la Asociación Mundial de Periódicos (WAN), España, 2002. Knapp Bjerén, Alberto (coord.): La experiencia del usuario, Anaya Multimedia, Madrid, 2002. Miguel, Juan Carlos de: “Industrias culturales, gratuidad y precios en Internet”, Zer, núm. 9, noviembre de 2000. Parra Valcarce, David y Álvarez Marcos, José: Ciberperiodismo, Editorial Síntesis, Madrid, 2004. Sparks, Colin: “From Dead Trees to Live Wires: The Internet’s Challenge to the Traditional Newspaper”; en J. Curran y M. Gurevitch (Eds.): Mass Media and Society, Arnold (3 edition), London, 2000. Sparks, Colin: “La influencia de Internet en los medios de comunicación convencionales”, en J. VidalBeneyto (Dir.): La ventana global, Taurus, Madrid, 2002.


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A LÓGICA DA PRODUÇÃO DO ESPETÁCULO: O ESPORTE INSERIDO NA INDÚSTRIA DO ENTRETENIMENTO

Luiz Alberto Pilatti

Doutor em Educação Física (UNICAMP, 2000). Professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Campus Ponta Grossa, onde atua no Programa de Mestrado em Engenharia de Produção e, atualmente, é diretor. Autor de vasta produção, incluindo livros, capítulos de livro, artigos em periódicos e eventos científicos. Currículo disponível na Plataforma Lattes (http://lattes.cnpq.br/).

RESUMO O presente artigo discute a expansão do consumo dos espetáculos esportivos nas sociedades contemporâneas. A mídia e a indústria do entretenimento foram elementos determinantes no processo de mercantilização. Trata-se da leitura de um setor de produção de bens e serviços, que mostra que o esporte moderno é orientado pela lógica da sociedade de consumo de massas. PALAVRAS-CHAVE: Consumo; Espetaculariazação; Indústria do Entretenimento; Esporte moderno.

INTRÓITO No decorrer do século vinte, o mais capitalista de todos os séculos, o esporte tornou-se um fenômeno sócio-cultural cingido de alto grau de relevância e complexidade. O modelo capitalista, suscitado em sua progênie pelo espírito ético que manou da Reforma protestante, subsiste e, ainda que despojado de seu fundo religioso elementar, tornou-se dominante. Nele, o predomínio do capital metamorfoseou radicalmente signos e a própria sociedade, em muitos de seus segmentos, com transformações dessemelhantes.


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As premissas destas transformações, em parte significativa, estão inculcadas no espetáculo esportivo, que é um fenômeno multifacetado de alta significação simbólica. Em sua conformação atual, o esporte pode ser pensado na lógica de um objeto apropriado pela indústria produtora de entretenimento (GIOVANNI, 2005). O delineamento produz um valor distintivo para alguns esportes, o de troca e não de uso (BAUDRILLARD, 1991; 1995), que, enquanto sub-campos, estão em concorrência dentro do campo esportivo (BOURDIEU, 1983). Assim, o espetáculo esportivo é construído duas vezes. Uma pelos atores envolvidos no próprio espetáculo e outra pelos produtores e reprodutores da imagem em discurso desse espetáculo que estão em confronto, orientados por pressões exercidas com as relações objetivas estabelecidas por um campo dotado de lógica própria. Esse raciocínio permite antever e, ao mesmo tempo, impõe a necessidade de uma compreensão interpretativa estruturada do esporte contemporâneo. A compreensão da lógica que produz a compreensão do espetáculo, tendo o esporte como pano de fundo, é objetivada no presente texto.

O ESPETÁCULO ESPORTIVO O esporte espetáculo é um fenômeno multifacetado que, em sua conformação atual, foi apropriado pela indústria do entretenimento (PILATTI, 2000). Inserido nessa indústria, diferentes modalidades, principalmente em função de seus elementos distintivos, deixaram de ter seu valor medido pelo uso, assumindo um valor de simbólico de troca (GIOVANNI, 2005). O espetáculo passou a ser orientado por produtores e reprodutores da imagem em discurso. Trata-se de um espaço de confrontos que são determinados por pressões exercidas com relações objetivas estabelecidas num campo dotado de lógica própria, o


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campo esportivo (BOURDIEU, 1983). No entanto, indícios recentes sugerem que, se o modelo não está esgotando, e parece que não está, pelo menos, transmutações significativas estão em curso. A pergunta que fica é: Qual a lógica desse processo? A construção dessa resposta será precedida da apresentação de alguns dados desse cenário multimídia, no qual o esporte moderno foi transformado. As transações multimilionárias, envolvendo transferências de atletas, parecem estar chegando próximas de um ponto de inflexão, ainda que os valores das transações que envolvem astros de primeira linha do esporte mundial apresentem tendência de crescimento. Tornou-se patente que a capacidade de pagamento de somas astronômicas para um número elevado de jogadores está se esgotando. Evidentemente que precisar o mencionado ponto de inflexão é algo intangível. Não obstante, é factível vislumbrar uma possível direção do processo para a compreensão interpretativa de sua lógica: o esporte espetacularizado passa por um momento de construção de estratégias menos convencionais. De um jogo local, o esporte ganhou dimensão planetária. O amadorismo presente na origem dos esportes na Inglaterra, deu lugar a um negócio altamente profissional que, segundo estimativas, apenas em receitas diretas, movimentaram mais de US$ 70 bilhões em 2005. As receitas indiretas são aproximadamente seis vezes maiores (KEARNEY, 2003). Em O jogo está começando, Kearney (2003) vê o esporte como um setor próspero, que possui consumidores diversificados dispostos a pagar pelo espetáculo. Com efeito, “os esportes se consolidaram como valioso nicho da programação de lazer, disputado pela mídia eletrônica em batalhas cada vez mais complexas diante da proliferação de plataformas e canais de TV” (KEARNEY, 2003, p. 37). Os centros esportivos se tornaram,


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ou estão se tornando, centros de entretenimento multimídia. Nos centros pode-se assistir aos jogos, fazer compras e comer em restaurantes luxuosos.

Os esportes vivem um boom, figuram entre os segmentos de crescimento mais rápido na área da mídia e do entretenimento. Em todo o mundo, o setor do esporte gerou uma receita superior a US$ 54 bilhões em 2001. Tal valor deve crescer mais de 7% ao ano no próximo quadriênio, e a receita direta deve chegar a US$ 73 bilhões em 2005. O maior mercado está nos Estados Unidos, embora a América Latina e o bloco Europa, Oriente Médio e África registrem maiores crescimentos. Além disso, o esporte beneficia segmentos afins – de turismo e publicidade até equipamentos, roupas, games e alimentação -, movimentando indiretamente em 2001 US$ 370 bilhões em todo o mundo, dos quais US$ 155,7 bilhões só na América do Norte. (KEARNEY, p. 37).

Os geradores de receitas tradicionais se tornaram elementos com possibilidades restritas num cenário dinâmico. O crescimento de fluxos não-tradicionais de arrecadação, dentro das categorias tradicionais, está sendo grande responsável pelo boom do setor. Com isso não se está afirmando que as categorias de arrecadação tradicionais, como a venda de ingressos, os direitos de transmissão e o patrocínio, não sejam, ainda, as mais importantes. Contudo, na direção do decrescimento mencionado, as mesmas dependem menos de táticas administrativas convencionais e mais de originalidade e inovação. A venda de ingressos, para a maior parte das organizações esportivas, deve ter aumentado 10% até 2005 (KEARNEY, 2003). Alguns clubes como o Manchester United já faturam mais com venda de ingressos do que os direitos de transmissão e patrocínio combinados. Para dimensionar o mercado é importante ter em vista que, “no futuro próximo, a receita mundial com ingressos ultrapassará em US$ 7 bilhões o valor referente a direitos de transmissão” (KEARNEY, 2003, p. 37). Os camarotes VIPS em modernos estádios são responsáveis por parte da transformação. A Nathional Footbal League (NFL) é um exemplo importante. Na NFL, camarotes são alugados para empresas por até US$ 150 mil anuais, em contratos com


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periodicidade variável entre cinco e dez anos. Com uma lotação próxima de 90%, a demanda por esses espaços luxuosos está longe de diminuir. Os camarotes comuns também têm se mostrado uma opção interessante. Além disso, de uma forma geral, os preços dos ingressos vêm crescendo continua e consideravelmente. Nos últimos dez anos o preço médio dos ingressos cresceu mais de 60%.

A receita com ingressos, contudo, só aumentará se a demanda persistir, e as pessoas só continuarão comprando enquanto extraírem valor dos ingressos. Ao elevar os preços, as organizações esportivas mudaram o perfil do público freqüentador de estádios e ginásios. O novo consumidor de esportes é um torcedor disposto a pagar por uma proposta de valor. Para satisfazê-lo, as empresas esportivas abraçam uma filosofia consagrada há tempos no setor de entretenimento: oferecem pacotes completos de lazer. As arenas esportivas deixaram de ser amontoado de assentos ao redor de um campo ou quadra – são plataformas de marketing multimídia. (KEARNEY, 2003, p. 38)

No entanto, nem mesmo a ascensão do sportainment permite que um clube ou uma empresa corra o risco de sacrificar os seus tradicionais torcedores na expectativa de novos públicos. Estratégias como vendas de ingressos para empresas e carnês acompanham a otimização dos preços dos ingressos. A variação de preços conforme a demanda e dependendo de vários fatores é outra estratégia presente no cenário mutável dos esportes.

Os clubes esportivos e times profissionais também têm examinado o mercado de revenda de ingressos; alguns querem estabelecer um relacionamento diferente com a rede de distribuição de ingressos; outros almejam leiloar ingressos pela Internet (a venda on-line para grandes eventos pode chegar a US$ 4 bilhões em 2004). O ideal é que os torcedores paguem preços diferenciados para o mesmo jogo, dependendo de quando e onde comprem seus ingressos. Os dirigentes com visão empresarial mais ousada tentam alavancar a geração de receitas em suas arenas esportivas na baixa estação. (KEARNEY, 2003, p. 39-40)

Os direitos de transmissão, entre os geradores de receitas, ocupam o segundo lugar na formas de arrecadação. Organizações capazes de se adaptar às novas regras do mercado


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podem vislumbrar um aumento de 5% ao ano nesse segmento. Assim, “a mudança começa pelos acordos de longo prazo. Na era da economia digital, esses contratos provavelmente se extinguirão, por dois fatores: a escassez de dólares do mercado publicitário e a percepção de que os direitos de transmissão estão superestimados” (KEARNEY, 2003, p. 40). Nos Estados Unidos, as principais redes vêm abrindo mão de contratos para não perder dinheiro. Essas redes estão tendo prejuízos com as transmissões esportivas. A situação no Brasil não é diferente. Os canais abertos deixaram de transmitir eventos menores, os quais passaram a fazer parte das programações por assinatura. Diferentemente dos canais abertos, os canais por assinatura não dependem totalmente da receita publicitária. O relacionamento pode ser direto entre os canais e os times. Com a diminuição da arrecadação dos valores com os direitos de transmissão, o desafio presente é busca de novas fórmulas. Os avanços recentes apontam para a possibilidade de transmissão do conteúdo por formas distintas, a partir de diferentes plataformas. A principal delas é, indiscutivelmente, a Internet. O volume de informações é muito grande e o tempo médio de visitação das páginas esportivas é um dos mais altos da Internet (KEARNEY, 2003, p. 42). O fato tem produzido uma transformação dos sites. O formato baseado em informações vem ficando de lado para adoção de um modelo que gere receita. Os caminhos são variados. Pode-se comprar na Internet desde vídeos editados, segundo instruções do comprador, até o caminho da televisão digital, adotado pela NBA. A idéia é que o espetáculo esportivo chegue à TV, computadores, telefones celulares e PDAs. A NBA também está inovando na direção de captar e vender seus ativos digitais. A imagem que o cliente desejar pode ser adquirida. A digitalização de imagens é o caminho seguido pela NFL. Todo acervo acumulado desde 1933 está sendo passado


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para o meio digital produzindo um material com possibilidades inclusive comerciais (KEARNEY, 2003, p. 42). O serviço de mensagens instantâneas é outro produto novo. Na verdade, no que se refere aos contratos de transmissão, os mesmos são cada vez mais curtos. Todos correm alguns riscos. Para Kearney (2003, p. 44),

Na próxima temporada, a NBC vai trocar o prestigiado basquete da NBA pelo arena football (futebol americano de quadra, disputado numa área quatro vezes menor do que um campo tradicional). A rede de TV nada pagará pelos direitos de transmissão, dividindo riscos e receitas com os times da nova modalidade. Como parte interessada no desenvolvimento desse esporte, a NBC assumiu a possibilidade de atrair o público com o perfil desejado. No futuro mundo da banda larga, os clubes poderão transmitir jogos em seus próprios canais e manter para si o dinheiro ganho com publicidade, em vez de vender direitos de transmissão para as redes de TV.

No campo esportivo, a chave é aumentar a receita e atrair mais público. A necessidade produz estratégias diferenciadas nas organizações para conquistar novas fronteiras (PILATTI; VLASTUIN, 2005). Trata-se de um esforço de captação de consumidores para um esporte que se tornou global. Apenas para ilustrar pode se mencionar o caso da NBA: nunca tantos estrangeiros atuaram na liga. A abertura de novos mercados acompanhou a vinda desses jogadores. A fonte de arrecadação tende a ser cada vez global e as equipes transnacionais. Os galácticos do Real Madrid e Barcelona são exemplos notórios. As estratégias de aberturas de fronteiras estão cada vez mais presentes nas diferentes modalidades. A FIFA foi pioneira na criação de estratégias expansionistas inovadoras (PRONI, 1998). As estratégias adotadas na F-1 têm essa direção. Depois da internacionalização dos esportes, através da indústria do entretenimento, para captar e capitalizar dividendos para seus cofres, os profissionais passaram a trabalhar na promoção da marca. Esse é o caminho para encher estádios, vender produtos licenciados, vender jogos televisionados, vender produtos pela Internet. O Manchester United talvez seja o maior referencial nesse sentido. Mais que um time de futebol é uma


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marca que vende qualquer coisa, em qualquer lugar do planeta. O terceiro elemento considerado por Kearney (2003) é o patrocínio. As organizações sempre dependeram do patrocínio para sobreviver. Os valores envolvidos são cada vez mais elevados. As estratégias voltadas para essa que é a terceira maior fonte de arrecadação tem, igualmente, ganhado contornos inovadores. Existe uma associação estreita com as outras duas fontes. As transformações são profundas e os cenários tornamse cada vez mais mutáveis. O caso da parceria entre o Corinthians e MSI é um exemplo atual, que serve para ilustrar um processo que permeia de forma definitiva os esportes.

A LÓGICA DO CONSUMO NAS SOCIEDADES DE MASSAS A discussão do consumo nas sociedades impessoais será centrada no texto Mercantilização das práticas corporais, do economista Geraldo di Giovanni (2005), que discute essencialmente as relações entre o esporte e o consumo na sociedade moderna. Para Giovanni (2005), o consumo ganhou uma nova atualidade, determinando a constituição de um novo quadro de valores sociais. A leitura desse novo quadro, onde se insere o esporte contemporâneo (transformado em mercadoria), exige a utilização de conceitos adequados. Os conceitos propostos são: mercantilização, individuação e o surgimento de modelos. O objetivo estabelecido para a discussão é o de enxergar os fenômenos relativos as práticas corporais à luz das teorias do consumo na sociedade contemporânea. O estudo que tem sustentação teórica nos escritos de Jean Baudrillard (1991; 1995) relativos a sociedade de consumo e na primeira parte do livro A questão dos remédios no Brasil (GIOVANNI, 1980), traz algumas suposições: o esporte é tomado como um bem cultural que, submetido a um processo de mercantilização, transformou-se em uma mercadoria; nos últimos decênios ocorreu uma associação incomensurável entre o esporte e a atividade econômica


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com o aporte de um crescente volume de investimentos, e a cultura corporal é interpretada de forma contígua e nos mesmos patamares do esporte no plano das atividades corporais. Partindo da pergunta, “como e porque as práticas culturais e o esporte se mercantilizam? Ou seja: Como adentram ao universo do consumo, constituindo um setor de produção de bens e serviços, bem como um importante campo de consumo?”, Giovanni (2005, p. 146) lembra que para o surgimento de um ramo da economia são necessários múltiplos fatores. Entre esses, a existência de um substrato que abarque desde a constituição de uma economia capitalista até a existência de um background sócio-cultural e a existência de um estoque social de tempo disponível. São identificas três características que, no entendimento do autor, são naturais das sociedades complexas (de modo de vida urbano-industrial): individuação, mercantilização e a despersonalização. Com efeito, a vida societária é impessoal, simbólica e marcada pela competitividade, ou seja, os agentes sociais são individualizados e as relações se processam em função dos papéis sociais que esses agentes ocupam. O entendimento conferido a competitividade, no padrão cultural capitalista, é o da concorrência entre os produtores de bens e serviços (BOURDIEU, 1983). Essa competitividade determina o processo de mercantilização. Para Giovanni (2005, p. 148), o processo de mercantilização

[...] reflete a complexidade da divisão social de trabalho na sociedade urbano-industrial, bem como os princípios de organização da economia capitalista, na qual a atuação das “leis de bronze” que regem a concorrência entre os produtores faz com que passe a ocorrer a “produção pela produção”, o produtivismo que faz aumentar a massa de mercadorias aportada ao mercado, bem como o surgimento de novos bens materiais ou culturais mercantilizados e a constituição sempre renovada de novos mercados.

E, citando Granou, acrescenta que


Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación www.eptic.com.br, Vol. VIII, n. 2, mayo – ago. 2006 [...] enquanto a ampliação da produção é uma lei de bronze do modo de produção capitalista, conseqüência ao mesmo tempo que condição da busca insaciável do lucro máximo, a extensão da demanda solvente em geral e da demanda de produtos fabricados em particular não cai em absoluto sob o âmbito desta lei. Pelo contrário, a extensão da demanda solvente é o problema que o capitalista está constantemente obrigado a resolver para poder realizar a ampliação da produção. É esta contradição, lei essencial da acumulação capitalista, entre a capacidade – ilimitada- de produzir e a – limitada – de consumir que, em definitivo, empurra o capitalismo a ampliar seus mercados e, em conseqüência, a criar constantemente novas necessidades de consumo. (GIOVANNI, 2005, p. 148)

Estabelecidas às características particulares que compõem a índole das sociedades modernas, Giovanni (2005) apontou os valores que orientam as relações sociais e tipificam sua sociabilidade. Para o autor, existem essencialmente dois tipos de valores que se materializam nas sociedades complexas, os valores mais duradouros e os valores mais coletivos. Os valores mais duradouros (ou menos perenes) são valores correlatos às relações sociais que estruturam uma sociedade. A mutabilidade dos quadros valorativos são produzidas pela dinâmica social. Por sua vez, os valores mais coletivos, são valores inclusivos. Eles abrangem e incorporam os demais valores e, pelas condições em que são produzidos ou utilizados, possuem possibilidades irrestritas de generalização. Nas sociedades contemporâneas, o campo de consumo se apresenta articulado com os valores mais coletivos. Duas idéias vigorosas articulam essa forma internista de valoração, a idéia de produtivismo e de consumo. O produtivismo é inerente à economia capitalista e deriva de suas leis. Nessa economia, os produtores buscam aumentar suas produções e a massa de produtos ofertados. A busca de produtividade é uma constante no comportamento empresarial. Generalizado, o produtivismo, dotado de uma capacidade irrefreável de produção, depara-se com uma capacidade circunscrita de consumo. Fazer com que os bens e serviços produzidos sejam consumidos se torna um problema, que é histórico, a ser


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resolvido. Duas formas não excludentes, historicamente, possibilitaram arrostar essa conjuntura: a ampliação da extensão dos mercados e a geração de novas necessidades. Acrescenta-se que, na sociedade atual, o individualismo tem sua medida social na idéia de desempenho, o qual não é apenas exigido, mas é almejado. O desempenho, real ou ostentado, personifica e se materializa na forma de símbolos. Para Giovanni (2005, p. 150151),

[...] a profusão de mercadorias advinda do caráter produtivista das economias capitalistas contemporâneas ganha um sentido próprio e uma nova função na sociedade impessoal (despersonalizada), individualista e competitiva: os objetos servem de meios de sinalização social; atuam como uma outra linguagem em que os objetos e comportamentos “falam” sobre seus portadores: são pobres ou ricos, marginais ou integrados, jovens ou velhos, da elite ou da massa. A partir dos objetos materiais ou culturais de que são portadores ou usuários, os homens se localizam reciprocamente nas hierarquias sociais e se auto-descrevem para os demais: o carro, a casa, a roupa, a caneta, o espetáculo teatral, o corpo, são muito mais que objetos de consumo. São o testemunho do sucesso ou do fracasso de seus portadores, são símbolos materializados dos valores que a sociedade de consumo instaura, reinstaura, cria e recria. E é através desta permuta simbólica que os homens e os grupos sociais criam suas identidades num meio social cada vez mais denso e opaco. Não se tratam, pois, de táticas ocasionais de inserção e identificação social, mas “de uma instituição social que determina os comportamentos antes mesmo de ser refletida pela consciência dos atores sociais”.

O argumento construído evidencia que nas sociedades complexas, que são impessoais, as relações se dão através dos papéis sociais institucionalizados, que determinam o reconhecimento. Outra evidencia é a de que os símbolos e signos são fatores decisivos para o mencionado reconhecimento. Com efeito, a mobilidade social individual (ascensão social) depende tanto da condição econômica como da capacidade que o indivíduo apresenta em manipular o universo simbólico. É bom que se diga que a lógica da distribuição de bens culturais e materiais com a função de signos obedece à lógica do mercado.


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Essa linha de raciocínio facilita a compreensão do processo de personalização social. Pessoas competem para o reconhecimento social por seus atributos materiais, sociais e econômicos. O reconhecimento depende, em grande parte, do desempenho individual dentro de regras socialmente estabelecidas que determinem um fluxo e um refluxo de signos. Esse “desempenho” transforma indivíduos em “pessoas” socialmente reconhecidas. O acesso aos bens que personalizam o indivíduo é restrito. Processos de personalização são processos essencialmente competitivos, cunhados por conteúdos altamente discriminatórios. Os objetos revestidos de função simbólica são veículos materiais que obedecem a determinados modelos e são produzidos pela mass media. Esses veículos possuem, além do valor de uso (funcionalidade prática), valor de troca. Esse valor é reflexo de um complexo intercâmbio econômico chamado de simulacro funcional (make-believe). O simulacro funcional é o estágio atual da função social do objeto signo. Os estágios anteriores foram: a necessidade e valor de uso, a troca simbólica e o consumo ostentatório. Partindo do entendimento que o simulacro funcional corresponde a um rompimento com a idéia do consumo ostentatório nos termos de Thorstein Veblen, Baudrillard (1991, p. 14-15) infere que,

[...] esta imposição de ociosidade, de inutilidade como fonte de valores, esbarra actualmente por toda parte com um imperativo antagónico; de tal modo, que é de um conflito, ou melhor, de um compromisso entre duas morais contrárias, que resulta o actual estatuto do objecto quotidiano: da moral aristocrática do “otium” e da ética puritana do trabalho. Com efeito, esquece-se facilmente, ao fazer da função dos objectos a sua razão imanente, em que medida tal valor funcional é por sua vez regido por uma moral social que pretende que, actualmente, o objecto, tal como o indivíduo, não é ocioso. Cabe-lhe “trabalhar”, “funcionar”, e desculpar-se deste modo, por assim dizer democraticamente, do seu antigo estatuto aristocrático de puro signo de prestígio. Este estatuto antigo, fundado na ostentação e no gasto, continua presente mas claramente marcado pelos efeitos de moda e de decoração, é dobrado a maior parte das vezes – em


Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación www.eptic.com.br, Vol. VIII, n. 2, mayo – ago. 2006 doses variáveis – por um discurso funcional que pode servir de alibi à função distintiva (invidious distinction). Assim, os objectos fazem um perpétuo jogo que resulta, na realidade, de um conflito moral, de uma disparidade dos imperativos sociais: o objecto funcional aparenta ser decorativo, reveste-se de inutilidade ou dos disfarces da moda – o objecto fútil e ocioso carrega-se de razão prática. No limite, é o gadget: pura gratuitidade a coberto de funcionalidade, pura prodigalidade a coberto de moral prática. De qualquer modo, todos os objectos, mesmo fúteis, são objecto de um trabalho: a lida da casa, a arrumação, os pequenos arranjos, as reparações – em tudo o homo faber dobra o homo otiosus. De um modo mais geral (e isto não apenas no mundo dos objectos), estaríamos perante um simulacro funcional (make- believe), por detrás do qual os objectos continuariam a desempenhar o seu papel de discriminantes sociais. Ainda por outras palavras, todos os objectos estão apanhados no compromisso fundamental de ter de significar, quer dizer, conferir o sentido social, o prestígio, sob o modo do otium e do jogo – modo arcaico e aristocrático com o qual a ideologia hedonista do consumo procura reatar – e de, por outro lado, se submeter ao consenso fortíssimo da moral democrática do esforço, do fazer e do mérito. Podemos imaginar um estado da sociedade em que daqui resultassem duas espécies separadas de objectos: uso/prestígio, valor de uso/valor de troca-signo – disjunção ligada a uma forte integração hierárquica (sociedade primitiva, ritual, de castas). Nas nossas sociedades, mais uma vez, isso leva frequentemente à ambivalência ao nível de cada objecto.

Em outras palavras, Baudrillard (1991) imagina que existam duas espécies separadas de objetos: uso/prestígio, valor de uso/valor de troca signo. Com efeito, os objetos deixaram de ser um local de satisfação de necessidades para ocupar um espaço de trabalho simbólico. Do ponto de vista de uma associação, sua função é a constituição de uma prova contínua e tangível do valor social do seu objeto. Para Giovanni (2005), os modelos, que são referências para o consumo, refletem e se entrosam com a lógica do produtivismo na construção de necessidades. Um modelo não existe objetivamente, é um tipo ideal, é uma construção baseada em quem usa, em quem deve usar e na quantidade efêmera de significações que serve de suporte. Em junção com o modelo existe a série (profusão de objetos) que distingue conforme são diferentes seus portadores. Esses modelos, em série, são transferidos na hierarquia social de cima para baixo, em ritmos retardados progressivos. Para Giovanni (2005, p. 152), quando os estratos inferiores têm acesso aos objetos e serviços de consumo,


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“já ocorre um déficit técnico, estético, temporal ou de ‘atualidade’, que passa a servir de critério técnico de discriminação”. Partindo desse arcabouço teórico, o próximo passo dado por Giovanni (2005) foi indagar como as atividades esportivas adentram neste universo e quais são as especificidades

que

revelam

bens

e

serviços

mercantilizados

nas

sociedades

contemporâneas. O ponto de partida foi o seguinte:

Seja na forma de espetáculo esportivo, seja como práticas corporais individualizadas, é inegável o fato de que, nas últimas duas décadas, o esporte (e a atividade física, de um modo geral) tem se constituído num vasto e sempre crescente campo de investimento econômico. Tal crescimento está, como não poderia deixar de ser, associado aos mass media e ao surgimento de uma imensa rede de produção industrial de equipamentos, artefatos, academias, eventos e mega-eventos, que dão a medida da importância destes fenômenos, quando comparados com períodos anteriores. (GIOVANNI, 2005, p. 153)

A argumentação aduz que as transformações são derivadas de uma nova forma de valorização do esporte e das atividades corporais, e estão associadas à constituição de um novo patamar de mercado, qualitativa e quantitativamente diferenciado dos anteriores: trata-se de uma nova forma de utilização do tempo livre, mediatizada pelo mercado capitalista. A aproximação feita por Giovanni (2005) é que a relação dos homens com o tempo livre, no passado, era feita basicamente em relação ao valor de uso, enquanto que na sociedade capitalista contemporânea a ênfase da utilização desse tempo, agora mercantilizado, está no valor de troca. Para ilustrar,

Basta dizer que os preços das emissões de rádio e de televisão nada têm a ver com as qualidades intrínsecas dos produtos anunciados ou dos programas transmitidos. Seu único critério é o tempo de transmissão combinado com a categorização de horários, mais ou menos “nobres”, que nada mais significam do que uma forma de apropriação de parte do estoque social de tempo disponível num determinado momento. Isto nos sugere como o tempo disponível torna-se mercadoria no processo de


Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación www.eptic.com.br, Vol. VIII, n. 2, mayo – ago. 2006 troca, principalmente na (GIOVANNI, 2005, p. 153)

mercantilização

dos

bens

culturais.

A explicação dada para as novas formas de valorização social das práticas esportivas e corporais foi a da entrada do corpo no campo das significações de consumo, circuito esse impregnado por valores do individualismo, da competição e da personalização. Os ideais de qualidade de vida e estéticos e os comportamentos pragmáticos produzidos por esses ideais criaram um ambiente cultural de valorização positiva, adequado à produção da indústria serial de mercadorias para demanda construída. Em outras palavras, isto explica e se explica pela constituição de um mercado capitalista. A outra face do fenômeno da mercantilização do esporte, a transformação do esporte em espetáculo, segundo Giovanni (2005, p. 154),

[...] se constitui e se desenvolve num “mercado onde o consumo se define pelo tempo socialmente disponível, preponderantemente comercializado pela mídia [...]”. E, em seguida, “trata-se de aproveitar a existência tanto deste tempo como de um enorme contigente de praticantes amadores para construir um mercado voltado para grandes públicos com potencial de consumo de imagens espetaculares [...]”. Neste contexto, dá-se a integração da construção econômica do mercado com os valores relativos à atividade corporal. O atleta (profissional) exerce a função de modelo, seja do ponto de vista de valores relativos ao corpo (no sentido da personalização), seja do ponto de vista da performance (no sentido da competição), ou ainda, da perspectiva da ascensão social através do uso institucionalizado do corpo.

Em linhas gerais, a expansão dos mercados esportivos ocorre “em estreita relação com a criação, destruição e recriação de modelos de saúde, de atleta vitorioso, ou de distinção social e pessoal, que caracterizam a ação dos principais canais da mídia e que, por sua vez, guardam uma íntima relação com a lógica de produção e comercialização de eventos esportivos” (GIOVANNI, 2005, p. 154). De acordo com o potencial de mercado de cada modalidade esportiva, pode-se acrescentar.


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A transmissão dos próprios eventos tem mudado. Os recursos técnicos tem sido o eixo de sustentação dessas transformações e tem liames estreitos com a venda de imagens. O instrumental tecnológico tira de cena, na medida do possível, quem não patrocina o show midiático. Em oposição, novas formas de veiculação das marcas são arquitetadas. O exemplo emblemático ocorreu nas Olimpíadas de Atlanta, onde um corredor disputou e venceu uma das provas do programa do atletismo utilizando uma lente de contato com o símbolo da marca que o patrocinava. Essas transmutações dos esportes modernos são acompanhadas de disputas crescentes pelo poder e controle dos esportes e de uma modernização organizacional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS O esporte foi transmudado em relação a todas as formas anteriores. Com a inserção midiática e, utilizando-se principalmente desse canal, na indústria do entretenimento, a lógica da produção do espetáculo passou a ser a lógica da sociedade de consumo de massas. O esporte tornou-se um grande espetáculo de massas. As entidades administrativas, que nos moldes weberianos são entidades burocráticas, açambarcaram o controle dos esportes e, supostamente, passaram a administrá-los nos moldes de empresas capitalistas modernas. Estabeleceu-se ligação definitiva com o lucro. A construção do espetáculo passou a ser feita de forma cada vez mais profissional e pautada em estratégias inovadoras, com inserção em um universo simbólico. Nesse universo, elementos como individualismo, personalização e competição, que são traços da sociedade de consumo de massas, passaram a determinar o devir do espetáculo.


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Essa dinâmica despojou o esporte de seu espírito elementar, ideado pela burguesia e presente na ideal do amadorismo, transformando-o num espetáculo para ser consumido. O show deve continuar...

REFERÊNCIAS BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 1995. BAUDRILLARD, Jean. Para uma crítica da economia política do signo. Lisboa: Edições 70, 1991. BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983. GIOVANNI, Geraldo di. A Questão dos Remédios no Brasil: produção e consumo. São Paulo: Polis, 1980. GIOVANNI, Geraldo di. Mercantilização das práticas corporais: o esporte na sociedade de consumo de massa. Revista Gestão Industrial, v. 1, n. 1, jan.-mar., p. 146-155. KEARNEY, A. T. O jogo está começando. HSM Management, v. 39, p. 37-46, jul.-ago. 2003. PILATTI, Luiz Alberto. Os donos das pistas: uma efígie sociológica do esporte federativo brasileiro. 2000, 255 f. Tese (Doutorado em Educação Física) – Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2000. PILATTI, Luiz Alberto; VLASTUIN, Juliana. Metodologia para a construção de cenários prospectivos para o esporte. Lecturas – Educación Física y Deportes, Buenos Aires, año 10, v. 85, 2005. Disponível em: <http://www.efdeportes.com/efd85/cenarios.htm>. Acesso em 09 jan. 2006. PRONI, Marcelo Weishaupt. Marketing e Organização Esportiva: elementos para uma história recente do esporte-espetáculo. Conexões: educação, esporte, lazer. Campinas, v. 1, n. p. 74-84, jul.-dez. 1998.


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El periodista como consumidor de información en la economía de las representaciónes digitales73 Profa. Dra. Margarethe Born Steinberger74 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP)

Resumen Las teorías del Periodismo (Wolf, 1987; Traquina, 2004)75 generalmente parten del presupuesto de que el periodista es un productor de noticias y nunca un consumidor de información noticiosa. El desarrollo tecnológico creó nuevos escenarios periodísticos en que el reciclaje de textos y las reconversiones discursivas permiten rever tal presupuesto. En este trabajo discuto las implicaciones teóricas de una concepción del periodista como consumidor de noticias, y su impacto sobre la construcción de una historia del periodismo fundada sobre modos de consumir información. Discuto además como diferentes modos de consumo de las noticias pueden afectar la memoria y la historia de los acontecimientos. Palabras clave: teoría del Periodismo; historia del Periodismo; identidades del periodista; periodismo y representaciones sociales; lenguajes periodísticos.

1. Consumo de información periodística como forma de trabajo inmaterial El punto de partida teórico de este trabajo es el hecho de que la información periodística tiene un valor simbólico, constituyéndose como objeto de estudio de una economía de las prácticas simbólicas, tal como ha sido propuesta por Bourdieu (1997).

El consumo no agota la mercancía informacional. Dicho de otro modo, una vez consumida, la mercancía informacional no agota su valor de cambio. En el campo periodístico, el consumo de la información no se agota después que leemos periódicos o revistas, vemos la televisión, escuchamos boletines en la radio o nos conectamos a un portal de información en la Internet. Al contrario, a partir de ahí comienza un proceso de reconversión de la información en nuevos bienes, dependiendo de los usos que le sean atribuidos y de su poder de desencadenar nuevas acciones en el campo social.

73

Nueva versión de “El periodista como consumidor de información”, trabajo presentado en el XXVIII Congreso Brasileño de Ciencias de la Comunicación, taller de abertura del Grupo de Investigación en Periodismo (NP-2), Rio de Janeiro, UERJ, del 5 al 9 de septiembre de 2005. 74 Coordinadora del Programa de posgraduación lato sensu en Comunicación Periodística de la PUC/SP. Doctora en Comunicación y Semiótica (PUC/SP). Se dedica a la investigación teórica de los discursos sociales en el campo de los medios periodísticos. E-mail: mborn@uol.com.br 75 Wolf, M. (1987), Teorias da Comunicação, Lisboa: Presença; Traquina, N. (2004), Teorias do Jornalismo: por que as notícias são como são, Florianópolis: Insular.


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En Steinberger (2005: 194) explico que la información que “consumimos” cuando vemos un noticiario de televisión rendirá dividendos económicos (en una economía de las representaciones), si la utilizamos en otras producciones intelectuales. Por ejemplo, ¿que hace un profesor que graba las imágenes de un telediario sobre un tema relacionado al medio ambiente para usarlas como recurso pedagógico durante la clase o para analizarlas a título de ejemplificación en una comunicación que escribe para un congreso? Está atribuyendo un nuevo valor de cambio a esas imágenes que, en principio, serían consumidas sólo como noticias. Ya, si las mismas imágenes fueran reutilizadas en un programa electoral, adquirirán otro valor de cambio. Y si, a título de prestación de servicios, fueran usadas para alertar a la comunidad local sobre una eventual amenaza a la vida cotidiana de los ciudadanos, tendrán además un tercer tipo de valor de cambio. Inclusive un cuarto tipo, se fueran usadas para promover la imagen de esta o aquella corporación, especialmente afectada en sus intereses en la región. La lista es interminable: el valor de la información no se agota en su consumo.

Los bienes simbólicos se encuentran sujetos a una cadena de infinitas reconversiones, que obviamente terminan por descaracterizar la relación “original” entre los bienes y sus usos, y atribuirles nuevas identidades, al punto de tornarlos irreconocibles como el mismo bien en la parte inicial y en la parte final de tal cadena. O sea, a través de los nuevos usos –que no son otra cosa que reconversiones en nuevos valores de cambio- ocurre la transformación de los bienes simbólicos, al punto de poner en duda los límites de su cadena genealógica. ¿Cuándo un bien simbólico deja de ser él mismo?76 ¿Cuándo una información deja de ser ella misma? El rescate de esa cadena genealógica se realiza mediante el rastreo de su enraizamiento en el lenguaje.

Para Marx (1989), todas las formas de trabajo se equivalen, y el valor de cambio del trabajo es indiferente a la forma que el mismo asume –material o inmaterial. Ya Rossi-Landi (1985: 64), en un razonamiento análogo, se refiere a una noción generalizada de trabajo lingüístico. Según él mismo, el lenguaje es el resultado de un trabajo humano que nos permite diferenciarnos culturalmente a partir de nuestros modos de apropiación del capital lingüístico. Eso nos da la posibilidad de calcular que mediante el análisis de los vestigios

76

Cf. desdoblamientos de este tema en Steinberger (2005: 144), que, al tratar de caracterizar teóricamente la institución de una “economía de las representaciones”, se pregunta “a partir de cuando una sociedad no es más la misma”.


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dejados sobre la materialidad lingüística es que se podría recuperar la genealogía de una cadena de cambios.

Así, el consumo de la información periodística, que inevitablemente desencadena su reconversión y su nuevo valor de cambio, es concebido como una nueva forma de trabajo inmaterial social. A través de esa forma de trabajo, que se lleva a cabo en el ámbito discursivo y que se consustancia en el intercambio informacional, se redimensiona el valor de la información, y junto con él, su cadena de usos y sentidos.

2. Economía y geografía del trabajo social sobre los flujos de bienes inmateriales e informacionales

El desarrollo tecnológico creó nuevos escenarios periodísticos en que el reciclaje de textos y las reconversiones discursivas obligaron a rever la concepción tradicional del periodista como productor de información. Por ejemplo, la información periodística divulgada a través de portales es casi siempre el resultado del reciclaje de otros vehículos (impresos, televisivos, radiofónicos e inclusive digitales). Así, la información se encuentra insertada en una cadena de reconversiones de valor de cambio especialmente larga y veloz en su potencial de propagación. Y puede difundirse tanto a través de otros medios, como a través de la propia sociedad, en tanto “destinataria final”. La identidad de los periodistas pasa a depender del modo como se organiza el flujo de bienes informacionales en el espacio geográfico y en el campo económico.

Comencemos hablando del espacio geográfico. La propagación de la información puede darse a través de ondas cortas o largas. Adoptaré aquí el sentido metafórico para hablar de extensión/duración de una onda de difusión informacional. En principio, las ondas cortas de información caracterizan flujos de corto alcance, esto es, cuya circulación se circunscribe a un área geográfica restringida. Este es el caso de las radios comunitarias, de los periódicos de barrio, de las estaciones locales de televisión. Ya las ondas largas de información caracterizan flujos informacionales de amplio alcance, al abarcar áreas geográficas enormes, e invariablemente transponer fronteras nacionales.

La dimensión y naturaleza de los flujos materiales de información (su difusión) es objeto de la ingeniería en telecomunicaciones, que estudia los canales físicos de la comunicación. Ya la


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dimensión y naturaleza de los flujos inmateriales de información es objeto de la sociología de los bienes simbólicos, que estudia las redes de difusión social de la comunicación. Tales redes abarcan dos vertientes: una economía de los discursos (red de representaciones) y una geografía de los discursos (relación entre representaciones y usos, constituyendo un lugar social)77. La geografía de los discursos se ocupa principalmente de las imágenes y de los contenidos. Veamos las palabras de Chaparro: “(…) los grandes cambios en el periodismo siempre ocurrieron en función de las tecnologías de difusión. La Internet no más que eso, una fantástica tecnología de difusión. O, si lo prefieren, una fantástica tecnología de esparcimiento de contenidos y de acceso simultáneo de billones de personas a las mismas informaciones.” (Chaparro, M. C., Comuníquese, 15/04/05) 3. Alcance y duración de los flujos informacionales

La mayoría de las veces, los discursos periodísticos se caracterizan por la difusión en flujos informacionales de largo alcance. Esto ocurre, por ejemplo, en oposición a los discursos científicos, que circulan con un alcance restringido a los “pares” en la investigación de un determinado campo de saber. Aunque la medición del alcance nunca pueda ser exacta, sería de esperar que, en los discursos periodísticos, el noticiario local tuviera un alcance más estrecho que el noticiario internacional –o sea, que su “onda de difusión” sería más corta. En verdad, el concepto de alcance informacional no puede ser confundido con la dimensión geográfica de propagación de la onda. Se trata de otra perspectiva, la de evaluar cuál es el espectro de comunidades potencialmente afectadas por una noticia. O sea, se trata de evaluar el espectro de comunidades con condiciones de posibilidad para consumir tal información, esto es, atribuirle un valor social de cambio.

Veamos algunos ejemplos. La noticia del asesinato de cien iraquíes por las fuerzas de ocupación estadounidenses repercute mundialmente y alcanza una dimensión global en todos los medios de comunicación. Sería una noticia local si no desencadenase un efecto de sentido multiplicador, potenciado por la fuerza de los EEUU y su capacidad tecnológica para amenazar cualquier país del planeta. En esa dimensión, se diferencia de una guerra local (como entre tutsis y hutus, por ejemplo), porque tiene un amplio alcance (potencial de afectar comunidades capaces de consumir la información). Además de eso, genera un flujo informacional de larga duración, esto es, durante un buen tiempo se desdoblará en otras 77

No confundir con el concepto de “geografía de la Internet”, por ejemplo, tal como es utilizado en Castells (2001/2004), para describir la distribución geográfica de los usuarios en diferentes áreas del planeta.


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noticias correlacionadas acerca de otros ataques o amenazas efectivamente acontecidos, o sujetos a acontecer. ¿Cuánto tiempo dura una guerra en el noticiario? El tiempo cronológico es diferente del tiempo de la noticia. La “onda” puede agotarse antes del fin de la guerra o puede proseguir reverberando mucho tiempo después de terminada.

En cambio, la noticia sobre un acuerdo histórico de cooperación entre Rusia y la Unión Europea (en las áreas de economía, justicia, seguridad externa y cultura) vehiculada en el portal Uol el 11/05/05, por ejemplo, puede obtener solamente una nota (o, por vía impresa, apenas una subretranca en la parte inferior del pliego del periódico), con lo cual repercute bien poco en le prensa brasileña. Se trata de una noticia internacional que tematiza las relaciones entre dos potencias que ya participaron de conflictos históricos, al punto de denominarlos eufemísticamente de “mundiales”, por tanto, con una potencial expectativa de amplio alcance; sin embargo, a juzgar por la prensa brasileña (que en ese aspecto no es diferente de otras regionales), se propaga en flujo informacional de corta duración, y simplemente no se vuelve a mencionar el asunto78.

4. Valor de cambio de la información periodística en el medio social-discursivo

Existe, por consiguiente, una geografía propia de los discursos, que no se confunde con la geografía de las telecomunicaciones. O sea, el potencial físico de difusión de una noticia no necesariamente corresponde a su potencial de receptividad entre comunidades sociales. Así, el valor de cambio de una información periodística no podría, en principio, ser establecido a partir del parámetro geográfico de potencial de difusión. Es necesario evaluar ese valor de cambio en el ámbito social-discursivo, preguntándonos sobre los usos que cada sociedad le dará a aquella información, usos estos con potencial de cambio por otros bienes inmateriales (como reaseguramiento, control, etc.). Es necesario indagar sobre los tipos de demanda sobre bienes inmateriales que cada comunidad desenvuelve, y con relación a los cuales determinadas informaciones periodísticas presenten un potencial valor de cambio.

78

Un desdoblamiento altamente especulativo de este razonamiento proyectado hacia el campo de estudios de la Geopolítica investigaría la correlación entre representaciones en ondas cortas y noticias de poco interés estratégico para las potencias hegemónicas; y su contrapartida para las representaciones en ondas largas que, hipotéticamente estarían asociadas a noticias estratégicas para la institución de imágenes positivas de aquellas potencias. En esa interpretación, el efecto de sentido de una información sería objeto de cálculo estratégico.


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Lo que vengo sugiriendo aquí, entonces, es que el valor de la información periodística sea aquilatado en relación al flujo informacional, esto es, al potencial que tiene la noticia de afectar comunidades sociales (alcance) y por su potencial de continuar reverberando ampliamente dentro de tales comunidades (duración).

El siguiente paso consiste en evaluar el impacto de estos dos factores –alcance y duración en el medio digital donde, en principio, parece que las diferencias tienden a atenuarse, generando un efecto de interpretación según el cual todas las noticias tendrían aproximadamente el mismo impacto, y serían evaluadas dentro del mismo diapasón. Cabe investigar, pues, como se configura el alcance y la duración del flujo informacional noticioso en el medio digital. ¿Cómo las operaciones de cambio de bienes inmateriales son afectadas por ese medio? ¿Qué tipos de flujos podrán desencadenar nuevos valores de cambio para la información periodística en el medio digital? ¿Cómo se organizaría una economía de las representaciones digitales? ¿Qué factores interfieren en la distribución de tales representaciones a través de flujos en el espacio cibernético?

Asumo como hipótesis de partida que la información digital tiene una economía y una geografía discursivas propias, o sea, que el medio digital interfiere en las reconversiones del valor de cambio de los contenidos periodísticos, tanto con relación a su alcance como a su duración. Asumo también que la democratización de los medios digitales requiere de competencia social para identificar reconversiones y rastrear flujos informacionales.

5. Condiciones de producción, consumo y circulación de la información periodística en el medio digital

En un estudio sobre la prensa del Estado de Bahia, Machado (2003: 128) distingue tres generaciones de webperiodismo: la primera, que “consiste en la transposición de contenidos de otros medios”; la segunda, “que produce contenidos propios, aunque sin sistemas de examen, producción y circulación de contenidos adaptados a las redes digitales; y la tercera, “cuando todas las etapas del trabajo periodístico son desarrolladas en el ciberespacio, con adopción de sistemas descentralizados de producción”.

A partir de nuestra reflexión llevada a cabo hasta el momento, podemos suponer que el valor de cambio de la información periodística se ve más afectado en la medida en que el grado de


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reconversiones va aumentando en dirección a los productos de la tercera generación. No obstante, se hace necesario considerar aquí el hecho de que en el ámbito digital, la información se produce de modo más segmentado, y vinculado a procesos on-demand. La “customización” convierte la información pública en servicio sujeto a una apropiación privada por una clientela individualizada.

También hay que considerar que, con los recursos de la interactividad y del hipertexto, “el usuario, aunque orientado por una jerarquía sugerida, tiene un poder de decisión mucho mayor que en la lectura de un producto impreso” (idem, ibidem, p. 88). Así, el valor de cambio de la información no puede ser medido solamente por sus condiciones técnicas de producción, sino que también es necesario tomar en consideración sus modos sociales de recepción.

Pero la dimensión más importante para caracterizar el valor de la información periodística, desde el punto de vista de una economía y una geografía discursivas del medio digital, se refiere a los modos de circulación de los contenidos noticiosos. No se trata aquí de distinguir modelos de comunicación uno-todos (típico de los medios masivos) y todos-todos (circuito digital).

Se trata de insertar las prácticas periodísticas de la web en los universos de sentido fundados en la praxis, que sean capaces de transformar a usuarios individualizados en actores sociales. Esa transformación puede ocurrir mediante el reconocimiento de las cadenas de cambio de información, que permiten situar al usuario en una perspectiva genealógica de las representaciones digitales. Su identidad pasa a construirse a partir del nivel en el flujo de cambios de que participó.

En esta perspectiva, el usuario individual genera un acontecimiento, su participación en la red informativa periodística –en chats, grupos de discusión, oyendo radio, viendo televisión, navegando en sistemas de búsqueda, etc.- constituye también un acontecimiento más en un vasto sistema dividido, sin que los participantes perciban la “trama social” (cf. Vizer, 2003) en que se encuentran involucrados. Esa “trama social” deriva de una forma inmaterial definida como “trabajo”.


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El consumo de bienes informacionales es una forma de trabajo social, a medida que implica operaciones de atribución de valor a la información y operaciones sucesivas de reconversión de tal valor. Los modos de distribución y consumo de ese tipo tan especial de bien inmaterial que es la información revelan el trabajo de una comunidad social como medio (en el sentido dado por McLuhan).

Al operar los cambios de información, ese “medio” mcluhiano deja en ellas su marca, restituyéndolas como capital informacional. Deja también su marca en la comunidad que llevó a cabo los cambios, redefiniendo dinámicamente su identidad a partir de las informaciones cambiadas. A partir de esto se puede inferir que la información es una unidad económica constituida en y por el trabajo. Si el medio es el mensaje, el trabajo que es medio también será información.

6. El periodista no sólo es productor, sino además consumidor de información

“La desaparición del mundo de los periódicos no es ninguna tragedia ni deja ningún vacío. Porque hoy tenemos un mundo en que la noticia circula sin periodicidad, sin fronteras, sin dueños, corriendo a través de redes universales que los periódicos no controlan. Pero de las cuales forman o deberían formar parte. No se trata de un cambio simple. Al contrario. Tenemos ahí, en esa nueva fisonomía del mundo de la noticia, temáticas de alta complejidad, sobre las cuales todavía no sabemos pensar.” (Chaparro, Comuníquese, 15/04/05) Las nuevas tecnologías no provocaron crisis en el periodismo. Al contrario, nunca tantas personas tuvieron acceso a tanta información en tan poco tiempo y por un precio tan bajo. Quien está hoy en crisis es el periodista, sin preparación adecuada para gerenciar el espacio público de los medios, y obligado a enfrentar las presiones de los segmentos que disputan sus espacios de visibilidad. Su nuevo papel es el de administrar conflictos de intereses y asegurarle a la sociedad que pueda formar una opinión honesta e independiente sobre los asuntos en pauta. Al haber perdido el poder de decisión sobre la agenda, el periodista pierde la oportunidad de ser pautero, pasando a ser pautado por los grupos más poderosos de la sociedad y por los que tienen acceso a los medios.

Según Saad (2003: 103), “los intermediarios entre público y contenido pasarán a ser los portales, agentes inteligentes, softwares de formatación y también equipos editoriales con capacidad para formatear y empaquetar contenidos, de acuerdo con las necesidades


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individuales del usuario”. Descritos de ese modo, los portales no son productores de contenido, sino meros espacios de reconversión noticiosa.

El trabajo social realizado por medio de las intervenciones de los usuarios y de sus lecturas/intervenciones del/ no noticiario periodístico en la web es tan sólo complementado por el trabajo social del periodista. En el medio digital, ese trabajo del periodista es menos el de un productor de información, y más el de un consumidor de información.

Eso significa que el periodista recibe la información por iniciativa de los segmentos de la sociedad que tienen o pleitean el acceso al espacio público de los medios. El modo como él reconvierte tal información garantizará su valor de cambio dentro del público específico para el cual escribe. Su competencia puede ser resumida como capacidad para reconvertir el valor de uso de la información periodística (cuando el periodista consume la noticia para su propio deleite), en valor para el público al cual se destina.

El periodista portugués Mario Mesquita (2004: 45) expresa que, a través de la tecnología, los periodistas presentan argumentos que refuerzan su autoridad como contadores de historias. Según este autor, “la legitimación de los periodistas por medio de la competencia tecnológica aumentó de manera notable en las últimas décadas”.

Wolton (1999: 37) alerta sobre la confusión entre los conceptos de comunicación normativa y comunicación funcional, sobre la ilusión de que las nuevas tecnologías, debido a su potencial y velocidad de desempeño, serían capaces de establecer formas de comprensión más eficientes “entre pueblos, culturas y regímenes políticos”. El aceleramiento de los cambios comunicacionales, según el autor, pude incluso producir el efecto contrario: “Las diferencias entre culturas y sistemas de valores se hacen más visibles (…) debido a la aceleración de la circulación de mensajes, imágenes e informaciones”.

Para Wolton, sólo la acumulación de conocimiento científico sobre el asunto podrá pensar lo que él llama de “problema esencial”: “la articulación, en las sociedades abiertas, de la comunicación como valor con la cuestión del número”. La desconfianza con relación a los medios masivos, según él, es tan desproporcionada como el exceso de confianza en las nuevas tecnologías. Según Wolton, lo que prevalece es “la desconfianza con relación a toda y cualquier comunicación a gran escala”.


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7. Economía de las representaciones

Propongo una economía de las representaciones como teoría del valor de bienes culturales y de la información periodística en ese orden mediático que nace de una nueva etapa del capitalismo, llamado por algunos de “tardío” y por otros de “informacional”. En el ámbito de esa teoría, desarrollo la hipótesis de que el consumo intelectual de información es redimensionado como trabajo social, capaz de restaurar el valor de cambio de los bienes simbólicos de modo infinito. Esto ocurre en la medida en que tales bienes sean reciclables por la memoria social. En términos marxistas, podría decirse que el sistema mediático constituye en la actualidad la infraestructura de la cual dependen la economía, la política y buena parte de las relaciones sociales.

La economía de las representaciones revela el distanciamiento entre condiciones de producción y condiciones de consumo (abarcando los conceptos de Verón de “reconocimiento” y “recepción” de conjuntos significantes, permitiendo caracterizar la volatilidad de ciertos discursos. Ese distanciamiento puede tener lugar, por ejemplo, en operaciones de referenciación en que un enunciado es arrancado de la actividad del lenguaje, con lo cual gana una apropiación metalingüística. Tales operaciones, reinterpretadas en una economía de las representaciones digitales, corresponden a la atribución de un nuevo valor de uso a ese enunciado.

El consumo discursivo, por tanto, se identifica como “consumo para uso” o “consumo para cambio”. Esa distinción gana importancia cuando se trata de rastrear significaciones socialmente institucionalizadas y verificar los procesos que las reinstituyen como discurso periodístico en el ambiente digital. O, al contrario, rastrear significaciones institucionalizadas en un sistema de referencia periodístico que se reinstituyen como otras formas discursivas. En Steinberger (2005a) mostré como tales conversiones operan entre discursos periodísticos y geopolíticos, generando una identificación entre ambos, lo cual resulta en la transferencia del efecto de verdad del discurso periodístico al geopolítico.

No existe justificación moral para tratar de controlar el valor de cambio proveniente de esa conversión realizada por el usuario. Ni siquiera para controlar el registro de la misma


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conversión en la memoria del usuario-consumidor79. Desde esa perspectiva, parece que un discurso, mientras mayor el número de operaciones de reconversión a que sea sometido, mayor será su volatilidad, distanciándolo cada vez más del sistema de referencia en el que pasó a ser socialmente reconocido.

La consecuencia de tales prácticas de reconversión y de reinstitución es la necesidad de instalación de una ética del consumo discursivo capaz de regularlas. Para los discursos periodísticos, la ética del consumo de la información se somete a una ética general de los cambios fundada en la aceptación de la libertad/autonomía del usuario-consumidor para reconvertir, siempre que lo desee, el valor de uso en valor de cambio.

8. El nuevo trabajador social como reconversor de sentidos

En la sociedad posindustrial, el mundo corporativo de la economía formal controla el valor de cambio inicial, pero no las reconversiones derivadas o desplegadas de los valores de uso que a partir de él se generan en la sociedad. El nuevo trabajador social que es, en última instancia, un conversor de sentidos, también se define como un productor de efectos de sentido discursivos. No obstante, la noción de sentido como producción discursiva es el resultado de un trabajo social-discursivo que va más allá de la dimensión individual del trabajador. Ese trabajo puede ser entendido como el movimiento de circulación de los sentidos, esto es, su consumo en regímenes de corta o larga duración (mensurable a través de las reconversiones). En analogía con el concepto de “duración” de Braudel y Wallerstein, los discursos de consumo de larga duración “son susceptibles de una gran asimetría entre condiciones de producción y recepción, ya que las primeras se mantienen constantes, mientras que la últimas podrán alterarse drástica e indefinidamente” (Verón, 1998, p. 81).

El consumo intelectual de bienes simbólicos motiva la investigación de un subcampo de la economía social de las prácticas discursivas, que es el de la economía de las representaciones. A partir de esa perspectiva, el conocimiento se define como sistema de efectos de sentidos discursivos, al tratarse de equiparar las formas conceptuales-simbólicas con las formas prácticas (tecnologías y operaciones sobre lo “real”). Para comprender el

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“Consumidor” tiene una connotación pasiva, “usuario” presupone la existencia anterior de un objeto a ser usado. Mientras tanto, en el concepto de “usuario-consumidor”, el objeto es re-creado productivamente por el usuario, que se convierte en sujeto del cambio.


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sistema productivo de los discursos sociales es necesario trabajar el interdiscurso como espacio de las reconversiones discursivas.

Una economía política de las representaciones digitales requiere, junto a una teoría de las mediaciones (Martín-Barbero, 1997), una teoría de las reconversiones discursivas –capaz de acometer la arqueología y la genealogía de la producción mediática. El impacto histórico de hechos periodísticos se vincula no sólo a sus condiciones de producción, sino también a los modos como fueron socialmente consumidos. La identidad del hecho no puede ser desvinculada del valor/uso que le fue atribuido en cada momento de la Historia (y, por consiguiente, de la historia de su consumo).

El valor del hecho periodístico que se convierte en hecho histórico (por fuerza de reconversiones discursivas) depende de las camadas de referencias que le fueron socialmente atribuidas y que quedan incorporadas para siempre a su sentido. En la perspectiva histórica, los revisionismos son paliativos inevitables: hay que resignificar la Historia para el momento presente, pero sin la ilusión de que tal resignificación se perpetuará y afirmará como universal y eterna.

El valor de un hecho periodístico, por tanto, está relacionado a sus condiciones de producción, y también a las condiciones de consumo. Entre estas, la memoria de cómo fue consumido en otros discursos y órdenes discursivos. Si, como ha dicho Veyne (1982), los hechos no pueden ser abarcados en su totalidad, es porque no podemos reconsumirlos de cualquier modo (y del mismo modo) como ya lo fueron a lo largo de su historia de usos. Paradójicamente, la síntesis histórica de ese consumo (convertida en memoria), no puede ocurrir mientras no nos ocupemos de ellos.

La historia de nuestros modos mediáticos de consumo informacional, de un lado muestra los procesos de conversión de hechos en noticias y, de otro lado, los procesos de conversión de discursos noticiosos en discursos de documentación histórica.

Referencias bibliográficas

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Mídia, política e sociedade na contemporaneidade João Miguel80 GOMES, Wilson. Transformação da política na era da comunicação de massa. São Paulo: Paulus, 2004. 1. Introdução O momento político de maior agitação esta cada vez mais se aproximando no contexto brasileiro, à medida que o mês de outubro se avizinha. Paulatinamente os diversos setores da sociedade, uns mais e outros menos, estão se mobilizando para a efeméride. A mídia também anunciou que está se preparando para que a cobertura seja efetiva de tal forma que as pessoas estejam informadas de tudo o que vai ocorrer antes, durante e depois das eleições. De igual modo esforços estão sendo envidados, pelos meios massivios, no agendamento de assuntos que, do seu ponto de vista, poderão pesar na hora de decidir o voto. O livro de Wilson Gomes com título, Transformação da política na era da comunicação de massa, pode ser tomado como pretexto para uma reflexão a relação entre comunicação e política, numa altura em que parece ter se tornado comum que a comunicação midiática, particularmente a comunicação que se processa pelos jornais e pela televisão, foi convertida num lugar privilegiado para a “palavra política” (p. 423). 2. Assunto As temáticas abordadas, sobre as várias formas que a atividade política foi assumindo ao longo da história, levam o autor a não se identificar com alguns posicionamentos hodiernos que afirmam ter havido mudanças nas formas de política, o que tampouco significa insistir na continuidade dos mesmos fenômenos. Dessa forma, Gomes defende a existência de aspectos que se transformaram efetivamente na política ao lado de outros que se perpetuam. Nesse sentido, “a simplificação do conceito nos forçaria, então, a uma opção excludente entre transformação e permanência que, além do mais, demonstra-se contrário ao bom senso” (p. 420). Segundo Gomes, a política funciona sempre com base em práticas, habilidades, classes de agentes e representações interrelacionados e reciprocamente implicados de forma sistêmica. Em sociedades complexas, a atividade política se apóia em mais de um desses

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Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos); bolsista do CNPq.


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sistemas, de forma que quando um deles é substituído, ou alterado, o campo político e a atividade política dessas sociedades não cessam nem desaparecem (p. 423). A partir dessa compreensão, pode-se afirmar que a centralidade que os meios de comunicação massivos ostentam na atualidade fez com que a atividade política estabelecesse uma forma de suas práticas diferente daquelas que assumiu em outros momentos. A mudança de contextos processados historicamente não implicou na mudança da forma interna do fazer político. O autor propõe que se faça uma leitura do que está acontecendo com atividade política contemporânea. Não proponho apenas que se distinga a atividade política em sistema de práticas. Como defendo que os sistemas de práticas se especializaram em diferentes fins e funções, gostaria de sugerir que eles possam e devam conviver, em níveis variados de interface, integração e coerência, nas diversas formas históricas da política (p. 426). Dessa forma é descartada a visão defendida por autores que destacam passagem de um modelo para outro. De fato, uma observação desatenta do fenômeno pode levar a pensar que houve efetivamente mudança de modelo. Não foi a política de partido (práticas e recursos ad intra) o modelo substituído, mas a forma anterior ad extra, pouco desenvolvida e muito dependente do jogo político interno (...). A política midiática ou da comunicação, portanto, não passa de novas habilidades, padrões de atividades, configuração de agentes, saberes, representações e valores da política ad extra em nossos dias (p. 429). Nas sociedades atuais não é penas a atividade política tem se vê impelido a se ajustar o seu modo de funcionamento aos protocolos da mídia, mas todos os outros campos sociais, nas suas práticas, não têm o direito de prescindir da visibilidade possibilitada pelos meios de comunicação. 3. Apreciação A construção metodológica feita por Gomes é digna de ser realçada. O movimento dialético (continuidade de aspectos políticos ad intra e a descontinuidade de aspectos políticos ad extra) que ele realiza faz com que o leitor tenha facilidade de acompanhar a evolução do argumento e adentrar na profundidade teórico-metodológica característico do autor, como se pode deparar também em outros textos por ele publicados. Em Internet e participação política em sociedades democráticas, afastando do que Umberto Eco chamou apocalípticos e integrados, Gomes adota um ponto de vista que se afasta tanto dos entusiastas quanto dos pessimistas. Esse tipo de posicionamento do autor não significa que ele se coloca num meio termo, tomando, de cada parte, o que mais se aproxima à


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realidade em análise. Ele defende a tese segundo a qual recursos tecnológicos não podem frustrar nem realizar promessas de efeitos sociais. Citando Hamlet, frisa que a internet não frustrou expectativas de participação política porque tão pouco poderia formular promessas de transformação da democracia. O ciberespaço é um ambiente, um meio que, como ainda é claro para todos, está pleno de possibilidades, desde que as sociedades consigam dela retirar o que de vantajoso à democracia pode oferecer (Gomes, 2005: 75). Essa mesma compreensão encontra-se em Esfera pública política e media II, fazendo referência da mídia no geral chega conclui que a esfera de visibilidade pública midiática pode ser editada e vivenciada como autêntica esfera pública pelo seu usuário e não que ela de fato seja editada e vivenciada como esfera pública por todos os seus usuários ou, mesmo, pela maioria deles. Os media não constituem uma esfera pública para todos, portanto uma esfera pública monolítica e universal; porém é fato que os media, o sistema expressivo dos media melhor dizendo, podem ser usados, praticados como uma esfera pública por aqueles que reúnem condições e o interesse para fazê-lo. De qualquer forma é verdade que uma grande parte das pessoas, talvez a maior parte delas, forme a sua opinião – e não apenas seja seduzido ou convencido por procedimentos não-demonstrativos – através da esfera pública de alguma maneira mediada pela cena pública midiática (GOMES, 1999: 29). 4. Considerações finais A presente obra de Wilson Gomes pode ser considerada com referência para todos aqueles que estão interessados no fenômeno midiático, de maneira geral, e na interface comunicação e política, em particular. Sua reflexão leva a que sejam descartados posicionamentos que afirmam a presença de um novo modelo de atividade política. O autor entende uma novidade presente nas condições em que o mesmo fazer político se realiza, agora centrado na lógica da mídia. Esses dispositivos, em si, como já se fez referência, não devem ser tidos como favoráveis ou contrários à criação de um espaço público democrático. Isso passa necessariamente pelo maior engajamento da sociedade e pela superação de interesses setoriais que, na maioria das vezes, frustra a construção e a defesa de interesse geral e a luta pela visibilização de suas demandas.

5. Referências GOMES, Wilson. Transformação da política na era da comunicação de massa. São Paulo: Paulus. 2004.


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______. Internet e participação política em sociedades democráticas. Revista Famecos. Porto Alegre, n. 27, p. 58-78, ago. 2005. ______. Esfera pública política e mídia II. In: RUBIM, Antônio Albino C.; BENTZ, Ione Maria; PINTO, Milton José (Orgs.). Práticas discursivas na cultura contemporânea. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 1999. p. 201-231.


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Reflexões sobre a comunicação numa sociedade desigual Leandro Ramires Comassetto Jean Carlos Souza81 MORAES, Dênis (Org). Sociedade midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006. 246 p. (Comunicação). Depois de “Por uma outra comunicação” (Record, 2003), Dênis de Moraes volta a reunir um time seleto de pensadores da comunicação contemporânea e da revolução informacional e traz a público “Sociedade Midiatizada”. O livro, organizado em duas partes (Cultura tecnológica e midiatização, e Sociedade em rede e mutações comunicacionais) e onze artigos, põe no centro das discussões transformações e dilemas de nossa época, preocupado em aprofundar as reflexões sobre o papel e a influência da mídia numa sociedade contraditória, que, ao mesmo tempo em que atinge seu mais alto estágio tecnológico, apresenta desigualdades perturbadoras. A publicação inicia com o artigo do teórico Muniz Sodré. “Eticidade, campo comunicacional e midiatização” prepara o terreno para a discussão que se estabelece ao longo da obra e que diz respeito às mutações sociais provocadas pela mídia e pela realidade virtual. Retomando uma reflexão ampliada na teoria “Antropológica do espelho”, o autor desenvolve uma argumentação sociológica, antropológica e filosófica sobre o cenário onde agora se constituem e se movimentam os novos sujeitos sociais, um espaço regido pelas neotecnologias e moldado pelo virtual. Mudam as relações, mudam valores, muda a consciência. Está-se diante de uma nova ordem cultural. As formas de vida tradicionais são afetadas por uma qualificação de natureza informacional, que chama a atenção para a prevalência da forma, do meio sobre o conteúdo, conforme já diagnosticado por McLuhan ao dar conta do envolvimento sensorial provocado pelas mídias eletrônicas. Mas não se trata de um informacionalismo redentor, ao contrário do que talvez tenha dado a entender o teórico da aldeia global. Há que se considerar aqui a hipertrofia provocada pelas tecnomediações que se impõem ao ethos social, como desconfia Baudrillard e demais críticos da cultura tardomoderna. Sodré pensa a midiatização como um novo bios, um novo modo de presença do sujeito no mundo, e discute como a qualificação cultural resultante desta esfera existencial atua em termos de influência ou poder na construção da realidade social. A mídia é estruturadora ou reestruturadora de percepções e cognições, mas atravessada por injunções que atuam de modo 81

Respectivamente, doutor e mestre em Comunicação Social, professores da Universidade do Contestado - SC


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a atender à dinâmica do mercado globalista. O valor moral resultante desse processo é fundamentado por uma ética material, que dá conta do indivíduo enquanto consumidor. É desta forma que ele alcança o reconhecimento social. Dênis de Moraes retoma uma reflexão marxista e discorre sobre o eterno dilema do capital em reduzir ao máximo o tempo de giro da mercadoria. A preocupação recai principalmente sobre a mercantilização da cultura numa época em que tudo é feito para o consumo rápido, se possível, instantâneo, graças à enxurrada de mídias que invade as casas e ruas, mentes e corações. É o que o autor chama de abundância rentável, visto que tudo é coisificado para saciar a voracidade do capital, que impõe a tirania da velocidade fortuita. Assediadas permanentemente por estímulos e ofertas de toda ordem, as pessoas são engolidas por uma lógica do efêmero, que torna cada vez mais breve a duração do prazer e faz o presente parecer passado. O imaginário é arrebatado pelas novidades incessantemente vomitadas pelas mídias, sempre atentas ao potencial de consumo dos indivíduos. E, nesta direção, a cultura é, antes de qualquer coisa, negócio, e os produtos culturais são feitos para o mercado, como Fredric Jameson já observara uma década atrás. A tendência à especialização, refletida nos produtos segmentados, não corresponde à valorização das diversas culturas. Antes de refletir as manifestações culturais dos vários povos, a segmentação atende às tendências de consumo de clientelas específicas, reavivando fórmulas de colagem e pastiche, em que, na essência, tudo muito se parece. Dos best sellers aos longametragens, dos seriados de TV aos games, distribuídos em ritmo alucinante pelos conglomerados que controlam a informação e o entretenimento no mundo globalizado. É a lógica do “mais do mesmo”. Deleitam-se os consumidores da cultura estandardizada, regados por muita coca-cola ao sabor de Big Macs com batatas fritas. O número de informação despejado pelas mídias, e em tal velocidade, é tanto que se estima que a massa de conhecimento (o que não significa capacidade de pensar) da humanidade cresce 100% a cada cinco anos, devendo dobrar a cada 90 dias dentro de dez a 15 anos. Mas não de maneira uniforme, visto que a disparidade de acesso às mídias digitais é de tal ordem que hoje 19% dos habitantes da Terra representam 91% dos usuários da Internet. Enquanto Europa e América do Norte têm 64% dos internautas, a África responde por menos de 1% e, a América Latina, por 6%. Mais grave ainda é a procedência do conteúdo que corre o mundo. Hollywood detêm 85% do mercado cinematográfico global, e 77% das programações televisivas da América Latina provêm de conglomerados norte-americanos. Dênis de Moraes alerta que não se pode esperar a diversidade dos prazeres sensoriais


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proporcionados pela Disney ou pelos cinco mil itens anunciados anualmente pela Sony e nem a busca de identidade tem a ver com compras compulsivas. Diversidade e identidade se concretizam com intercâmbio e cooperação horizontal entre as culturas de povos, cidades e países, para o que a implantação de políticas públicas e medidas reguladoras são imprescindíveis. Para Jesús Martín-Barbero, não há como analisar a comunicação sem entender o que aconteceu com o mundo após os atentados terroristas ocorridos em 11 de setembro de 2001 e as novas perspectivas abertas pelo Fórum Social Mundial de Porto Alegre. Esses dois episódios são fontes de extrema tensão no mundo globalizado, que convive hoje tanto com a desconfiança que leva ao aprofundamento das fronteiras quanto com a potencial subversão contra o sistema dominante patrocinada pelas novas tecnologias da comunicação. É neste ambiente que a comunicação, no começo do novo século, encontra-se encarcerada entre fortes mudanças e densas opacidades, que derivam da necessidade de uma razão comunicacional que dê conta da fragmentação que desloca e descentra, do fluxo que comprime e globaliza e da conexão que desmaterializa e hibridiza. Entre as mudanças e opacidades citadas por Martín-Barbero, estão os efeitos que os processos de globalização econômica e informacional provocaram sobre as identidades culturais, a educação, o mundo do trabalho, o exercício da cidadania e a percepção do tempo. São especialmente oportunas as constatações que o autor faz a respeito das mutações infligidas pela globalização às identidades culturais. Até pouco tempo, identidade se confundia com raízes, ou seja, com costumes, territórios, tempo longo e memória simbolicamente densa. Hoje, a tecnicidade midiática acrescentou à formação das identidades culturais as migrações, as redes, os fluxos, a instantaneidade e a fluidez. As raízes ganharam movimento. É claro que a comunicação na sociedade globalizada faz-se como eficaz motor da venda de bens simbólicos, sustentáculo para a legitimação do consumo de todo e qualquer tipo de mercadoria, sempre no sentido centro-periferia. Martín-Barbero alerta ainda que a parafernália midiática criou novos campos de mudança, que devem ser compreendidos para que se vislumbre como se processam e que efeitos provocam em pontos nevrálgicos da sociedade atual, como, por exemplo, a desterritorialização/relocalização das identidades, as hibridações da ciência e da arte, dos escritos literários, audiovisuais e digitais e a reorganização dos saberes desde os fluxos e redes, pelos quais se mobilizam não só a informação, mas também o trabalho e a criatividade. O autor extrai do cenário atual da comunicação duas perversões e duas oportunidades.


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As perversões estão vinculadas à tendência de concentração no controle dos veículos e conteúdos que circulam pelas redes mundiais de comunicação e nas ameaças contra a liberdade de expressão e informação surgidas a partir do 11 de setembro. As duas oportunidades se baseiam nas possibilidades abertas pela digitalização, que pode fomentar o aparecimento de uma linguagem comum de dados, que desmonte a hegemonia racionalista do dualismo que até agora opunha a razão à imaginação, a ciência à arte e o livro aos meios audiovisuais. A segunda oportunidade diz respeito à configuração de um novo espaço público e de cidadania. Perigos e promessas de um mundo midiático em que a comunicação ganhou o status de estrutura. De um lado, a visão de que a tecnologia é o motor principal das mudanças que estamos presenciando e experimentando; de outro, um olhar sobre a comunicação e a produção de conhecimentos a partir das “re-produções” – grafia escolhida pelo autor – que realizam os receptores com base nos referentes informativos com os quais negociam sentidos. Guillermo Orozco Gómez parte de uma contraposição entre as perspectivas tecnocêntrica e sociocêntrica para discorrer sobre as mudanças tecnológicas que fundamentam a sociedade do conhecimento. O autor assume, de imediato, que se sente mais confortável navegando pelas águas do sociocentrismo, até porque a maior parte dos problemas vividos dentro do mundo globalizado referem-se mais à cultura nascida do uso das novas tecnologias do que propriamente das condições impostas pela máquina. As mediações originadas pelo computador, por exemplo, proporcionam uma nova combinação entre cérebro e informação, muito mais relevante que a tradicional relação do corpo com a máquina. Orozco Gómez deixa claro desde o início que as mudanças que estamos presenciando no campo da comunicação não se devem ao potencial tecnológico mais recente, mas, sim, à extensa presença das mídias e tecnologias nascidas na modernidade. Foi essa sobreposição de novidades tecnológicas, sempre se somando e raramente se substituindo, que levaram à transição do paradigma da literalidade ao paradigma da imagem. Essa sobreposição deu origem a um complexo ecossistema comunicativo, que desembocou em des-ordenamentos e destempos, já que a rapidez do desenvolvimento tecnológico não acompanha a sua assimilação cultural, nem perceptiva, nem tampouco política. Para o autor, há atualmente uma explosão de mediações – entendidas como processos estruturantes que provêm de diversas fontes, incidindo nos processos de comunicação e formando as interações comunicativas dos atores sociais. Em meio a essa explosão, as mediações ligadas às instituições típicas da modernidade, como o Estado e a escola, perderam espaço como orientadores das produções de sentido, sendo vorazmente sobrepujadas pela


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mediação tecnológica. Orozco Gómez destaca que uma das mudanças socioculturais mais importantes estimuladas pela mediação tecnológica é o da “audienciação”, instância em que a audiência ganha novos contornos de vínculo entre os atores sociais, de estruturação e de ancoragem no real. Toda a análise do autor converge para o impacto provocado pelo mundo midiático sobre o mundo da educação. Orozco Gómez admite que a relação entre esses dois mundos exala mais incertezas do que perspectivas. A tecnologia que privilegia a imagem desgastou a escola enquanto fonte de conhecimento. Ao mesmo tempo, a escola não descobriu ainda que não basta levar as novidades tecnológicas para dentro das salas de aula para recuperar a atenção da sociedade-audiência. O autor, olhando especialmente para os países latino-americanos, não apresenta uma receita para superar a montanha surgida da erupção tecnológica. Ele apenas sugere que, em meio às grande mudança de época que vivemos, o melhor a fazer é continuar debatendo e repensando a educação e a comunicação. O desafio essencial do amanhã que propõe Marc Augé no título (Sobremodernidade: do mundo tecnológico de hoje ao desafio essencial do amanhã) passa pelo entendimento dos paradoxos que marcam a momento histórico atual, rico em esperanças e carregado de contradições. O maior dos paradoxos é o que aponta para um mundo, ao mesmo tempo, unificado e dividido, uniformizado e diverso, desencantado e reencantado. Dimensões tão díspares conseguem ficar lado a lado em função da interligação planetária proporcionada pelos meios de comunicação, que fez com que para todos os indivíduos e lugares o contexto passasse a ser planetário. Essa mudança de perspectiva é impactante e leva a três movimentos complementares,

segundo

o

autor: a)

o passar

da

modernidade,

chamada

de

sobremodernidade; b) o passar dos lugares, que se transformam em não-lugares; c) e o passar do real ao virtual. Augé cunha o termo sobremodernidade para dar conta da coexistência das correntes de uniformização e particularismos que convivem no mundo atual. A situação sobremoderna amplia e diversifica o movimento da modernidade. Ela é pautada pela lógica do excesso, que pode ser mensurada a partir dos excessos de informação, de imagens e de individualismo, todos umbilicalmente ligados. Do excesso de informação e de imagens nasce a noção de que a História se acelera, de que o planeta encolhe e de que há uma priorização do tempo sobre o espaço. O excesso de individualismo deriva dos dois excessos anteriores. A exposição cotidiana aos meios de comunicação gera indivíduos abstraídos da relação com os outros, que substituem o cara a cara pelo som ou a imagem. Os espaços de circulação (auto-estradas, aeroportos, áreas de serviço em postos de


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gasolina), os espaços de consumo (hipermercados, cadeias hoteleiras, grandes lojas de departamento) e os espaços de comunicação (telas, cabos) são os não-lugares que substituem os lugares. Na visão de Augé, os lugares são espaços em que se podem ler a identidade, a relação e a história. Os não-lugares são espaços em que essa leitura não é possível. Neles, os indivíduos não praticam relações sociais duradouras. Não se comprometem, praticam a solidão acompanhada. Para o autor, a mais importante reflexão, no entanto, é que a envolve o real e o virtual. Construído principalmente a partir da imagem, o virtual provoca mediações submetidas ao exercício midiático. Essa condição leva o indivíduo a ter uma dependência da imagem e a viver de simulações do real. Com freqüência cada vez mais assustadora, a imagem não representa um papel de mediação e, sim, um papel de legitimação do real. A realidade parece não existir enquanto não se traduz em imagem. O autor, entretanto, não assume uma postura pessimista ao fazer essas constatações. Augé sugere que, mesmo diante de força tão avassaladora, algumas recomposições simbólicas e sociais operarão por vias múltiplas e invisíveis, fruto dos usos não programados que o homem fez, faz e sempre fará da tecnologia. Douglas Kellner parte das análises de Guy Debord para discorrer sobre “a sociedade do espetáculo” numa era em que a cultura da mídia promove espetáculos cada vez mais sofisticados para conquistar audiências e aumentar o poder e o lucro da indústria cultural. O foco do autor está nas produções construídas tecnologicamente e disseminadas pela mídia de massa. Perpassa a publicidade, os espetáculos comerciais, o entretenimento, o esporte, a moda, as artes, a música, o erotismo, a arquitetura, a economia, a política. Tudo é feito para impressionar e vender, é transformado em mega-evento, do escândalo das celebridades às guerras arquitetadas sob as lentes das câmeras e transmitidas pelos canais de jornalismo em tempo integral. Estamos tão acostumados ao espetáculo que nossa atenção já não responde a estímulos que não se caracterizem como tal. As corporações da mídia e os gigantes do mercado sabem disso melhor que ninguém, mas também sabem os governos, os atores da política e os protagonistas dos movimentos contrários à hegemonia dominante, que mais sobressaem pelo inusitado de suas ações e pela publicidade que lhes é dada que pelas próprias causas que querem levar a efeito. Estas, aliás, parecem desaparecer, fazer cada vez menos sentido, num mundo que só responde pelo trágico, pelo chocante, pelo maravilhoso que enche os olhos do espectador, mesmo quando às custas de milhares de vidas. O escritor uruguaio Eduardo Galeano fecha a primeira parte do livro dando conta da contradição do mundo. Por um lado, este nunca foi economicamente tão desigual, enquanto


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que, por outro, nunca foi tão furiosamente igualador, quando se trata de idéias e costumes que se impõem em todo lugar. O abismo que separa pobres e ricos dobrou em 30 anos, mas, paradoxalmente, há uma adoração unânime dos valores da sociedade neoliberal, que oferece o direito de escolher entre coisas idênticas. Capitaneada por uma mídia cada vez mais concentrada em grupos poderosos, a comunicação vende a idéia de um único mundo possível, regido pelos mercados, cuja pregação é o culto ao consumo. A televisão transforma em necessidades reais as demandas artificiais que o Norte inventa para uma minoria que consume, enquanto os excluídos são levados a saciar seus desejos por uma violência em expansão. Ao mesmo tempo em que é instigada pela publicidade, a delinqüência é espetacularizada pela telinha e torna-se produto também. Mas estigmatizada como resultado do fracasso, e não da injustiça, numa sociedade cada vez mais competitiva e não desigual. Só é pobre quem é incompetente, prega o discurso dominante. E assim somos condicionados a aceitar como destino uma realidade que nos humilha. A parte II abre com o artigo de Lorenzo Vilches. O autor faz uma reflexão sobre a criação de valor na era das migrações midiáticas e analisa vários casos em que se evidencia a passagem do conceito de produto ou de conteúdo cultural para o de imagem corporativa, afirmando que, no novo contexto, sobrevivem as companhias capazes de gerar interesse das mídias, seja na indústria, na comunicação ou no futebol. Ilustrativa é a contratação de David Beckham pelo Real Madri, em 2003, em que o que está em questão não é exatamente o talento do jogador, mas a estrela midiática que ele representa e cujo glamour permite ganhos suculentos com direitos de imagem. O clube espanhol é o mais claro exemplo de gestão futebolística em que o objeto não é exatamente o esporte, mas a compra e ostentação de valores midiáticos. Na televisão, dá-se algo parecido. Mais que apostar na qualidade dos produtos que oferece, o veículo centra forças no marketing e na promoção de sua imagem, gerando expectativas que revertam em prestígio. O discurso que acompanha os produtos sempre é adjetivado, “o melhor do cinema”, “o melhor da música”, e assim por diante. Mas se esforça também o meio para incorporar a seus ganhos novas fontes de financiamento, adicionando para isso recursos adicionais, como o telefone, que, além de serviço básico das sociedades, é agora também objeto imprescindível para a criação de valor. Sob o discurso da interatividade, as televisões convertem as ligações do público em milhões de dólares, e devolve a esse a ilusão da participação e a criação de uma expectatitiva de mudança para uma vida melhor, como bem denotam os reality shows. A mudança de vida não proporcionada pela vida real,


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mas vendida pela televisão, também é uma criação de valor. A passagem do analógico para o digital alterou o valor da fotografia. Mais do que a realidade que representa, o que importa agora é o tempo em que se move a imagem. Aquela sempre pode ser retocada, melhorada, modificada, mas a distribuição não pode esperar. A eficácia reside na circulação, na distribuição imediata, na apresentação em tempo real. É ela que satisfaz a pressa do espectador, sempre pressionado pela aceleração da oferta. No novo cenário midiático, sobressai-se a internet como lugar onde se constituem e proliferam novos valores. A valorização das empresas ponto.com, com seus mecanismos de busca, shoppings virtuais e oferta de informações e serviços em abundância, é o retrato mais evidente disso. Mas também a ação comunicativa é ampliada, a linguagem oral e escrita é reavivada pelos chats em exercícios que reinventam a gramática sem perder a eficácia, e uma diversidade de vozes nunca antes vista comprova o potencial democrático da rede, que, na opinião do autor, já exerce uma concorrência frente às mídias tradicionais que virá a equilibrar o poder da informação. Para Vilches, a liberdade é o principal valor da internet. Da mesma opinião compartilha Manuel Castells. Para o autor de “A era da informação”, a internet é o meio de comunicação local-global mais livre que existe, permitindo descentralizar os meios de comunicação de massa. Castells contrapõe-se à tese do determinismo tecnológico e diz que sugerir a revolução tecnológica como responsável por uma única forma de organização social possível, associada à lei do mercado e ao processo de globalização, como vende a ideologia tenocrática futurológica, equivale a aceitar que, se utilizadas racionalmente, a ciência e a tecnologia, por si, seriam capazes de solucionar os principais problemas da humanidade. Ele entende que a disparidade de conhecimento e capacidade científica se concentra cada vez mais em termos relativos, por países, por classes, por instituições e por organizações, e levanta que o problema reside no fato de que os efeitos desta revolução sobre a qualidade de vida são apropriados fundamentalmente pelas grandes corporações e seus circuitos de distribuição. A Internet não é fruto das corporações ou das instruções burocráticas, mas surgiu do impulso criador e da generosidade pessoal dos inovadores, observa o autor, citando aqui os hackers, os universitários e os milhões de internautas espalhados pelo mundo. O autor não nega a comercialização que há por dentro da rede, nem que esta foi convertida em instrumento essencial para a atividade econômica, mas lembra que a grande massa de fluxos de informação na Internet é de uso social e pessoal, não comercial. Castells defende o software livre e afirma que o controle tecnológico privado do software equivale à apropriação privada do alfabeto nas origens da história. Louva as


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iniciativas dos programas produzidos livremente, sem direito de propriedade intelectual, e elogia, sobretudo, a adoção do sistema cooperativo de livre associação de produtores e usuários no processo de inovação tecnológica. Para ele, não é a concentração que gera a riqueza, mas seu oposto. Por isso, há que se cuidar para que não se dê um tratamento indevido no que tange ao direito de propriedade intelectual. Encaminhamentos muito restritivos podem, no seu entender, constituir-se em sério obstáculo ao progresso material e à qualidade de vida na era da informação. Pierre Musso dá um outro viés à discussão e centra sua análise na interpretação do ciberespaço. Este é pensado sob um enfoque espiritual, não no sentido doutrinário, mas como a concretização de um reino de comunhão e, quem sabe, de eternização da vida terrena. Musso diz que o ciberespaço reatualiza uma mitologia do século XIX, que já demonstrara um certo desencantamento com a religião em favor de um deslocamento para a indústria e as redes técnicas. Aqui, como já se deu lá atrás, a Internet, e não mais a estrada-deferro, é a rede que promove a comunhão entre os sujeitos, com a diferença de que liberados do corpo e de territórios. Neste novo espaço, onde é permitido ter um lugar e estar em todos ao mesmo tempo, o que conta é o espírito, o cérebro desenraizado e disposto numa interconexão sem fim, onde todos comungam das mesmas possibilidades e têm o direito de falar e se fazer ouvir. Agora é a rede, este cérebro coletivo e planetário, que pensa a sociedade e tem o poder de eliminar tudo o que resiste. O ciberespaço dissolve o território, o corpo, a memória, o Estado, a política. Utopia? Já há demonstrações bastantes que não, e que, pelo menos potencialmente falando, a rede técnica permite a comunicação, a comunhão e a democratização pela circulação igualitária dos homens. Para o autor, o desenvolvimento das redes é uma revolução política, mas não apenas isso. A rede, a concretização do ciberespaço, pode ser comparada a uma catedral cuja flecha indicaria não mais o além, mas o futuro terrestre prometido, como já antecipara a ficção científica. O ciberespaço, fruto da ficção, torna-se projeto utópico universal realizável. Para Armand Mattelart, se há um tema de fato controverso nas discussões sobre as tecnologias da informação é o do regime da propriedade intelectual. O autor fecha o livro condenando os poderes estabelecidos, políticos e econômicos, que estão na iminência de provocar um novo distanciamento Norte-Sul, e elogia a resistência das organizações nãogovernamentais e das redes sociais nessa discussão. Ao perguntar “Para que uma nova ordem mundial da informação?”, Matellart chama à reflexão ao lembrar que, no último quarto do século XX, a reivindicação de uma “nova ordem” passou do campo da contestação do intercâmbio desigual para feudo dos donos do


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mundo. Há que cuidar, portanto, para que a história não se repita. Daí a importância da organização e do envolvimento da sociedade. O autor reitera que os usos sociais das tecnologias são também assuntos dos cidadãos e não só do determinismo do mercado e da técnica. No que se refere especificamente à propriedade intelectual, alerta que as regras de gestão têm ainda muito que evoluir, e o que se pode desejar é que a dinâmica, desta vez, seja dada por uma sociedade civil ampliada, preocupada por inserir a questão da técnica no porvir da democracia. Sociedade Midiatizada é um livro que discute e ajuda a melhor compreender nossa era, com os questionamentos e as reflexões necessárias para a construção de uma comunicação democrática em favor de uma sociedade mais igualitária.


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