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Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación www.eptic.com.br, Vol. VII, n. 1, Ene. – Abr. 2005

Revista Electrónica Internacional de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación Volumen VII, Numero I, Enero a Abril de 2005

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AUTORES

Luiz Gonzaga Motta Fernando Mattos Cristiano Aguiar Cosette Castro Isabel Fernández Alonso Suzy dos Santos Sérgio Capparelli Ángel Badillo Matos Álvaro Benevenuto Jr. Fabián Noguera


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1. Expediente 2. Presentación Artículos 3. Pesquisa em jornalismo no Brasil: o confronto entre os paradigmas midiacêntrico e sociocêntrico Luiz Gonzaga Motta 4. Sociedade pós-industrial e sociedade informacional: apontamentos de uma revisão bibliográfica Fernando Mattos 5. Análise da proposta de criação da Agência Nacional de Cinema e do Audiovisual Cristiano Aguiar Entrevista 6. Eduardo Vizer e os processos comunicacionais Cosette Castro Investigación 7. Tres retos clave para la política de radio y televisión del nuevo Gobierno español Isabel Fernández Alonso 8. O setor audiovisual brasileiro: entre o local e o internacional Suzy dos Santos; Sergio Capparelli 9. La desregulación invisible: el caso de la televisión local por ondas en España Ángel Badillo Matos Reseña/Nota de Lectura 10. As TICs, o mercado comunicacional e a educação: novas perspectivas de análise Álvaro Benevenuto Jr. 11. La globalización transforma las ciencias sociales Fabián Noguera


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EXPEDIENTE Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación Volumen VII, Numero 1, Enero a Abril de 2005 http://www.eptic.com.br ISSN 1518-2487

Revista avaliada como "Nacional A" em Sociais Aplicadas I pelo Qualis/Capes Director César Bolaño (UFS - Brasil) Editor Valério Cruz Brittos (UNISINOS – Brasil) Co- editor Alain Herscovicci (UFES – Brasil) Apoio Técnico Hugo de Carvalho Pimentel (UFS - Brasil) Elizabeth Azevêdo Souza (UFS - Brasil) Consejo Editorial Ramón Zallo (Un. Pais Vasco – España) Juan Carlos de Miguel (Un. Pais Vasco - España) Delia Crovi (UNAM - México) Marcio Wohlers de Almeida (UNICAMP - Brasil) Enrique Sánchez Ruiz (UG – México) Roque Faraone (Um. de la República - Uruguay) Enrique Bustamante (UCM – España) Isabel Urioste (Un. Compiègne – Francia) Jean-Guy Lacroix (Un. de Québec - Canada) Sergio Caparelli (UFRGS - Brasil) Othon Jambeiro (UFBa - Brasil)

Anita Simis (UNESP - Brasil) Jorge Rubem Bitton Tapia (UNICAMP - Brasil) Murilo César Ramos (UnB – Brasil) Manuel Jose Lopez da Silva (UNL - Portugal) Francisco Rui Cádima (UNL – Portugal) Pierre Fayard (Un. Poitiers – Francia) Giovandro Marcus Ferreira (UFES - Brasil) Abraham Sicsu (Fund. Joaquim Nabuco – Brasil) Reynaldo R. Ferreira Jr. (UFAL – Brasil) Marcial Murciano Martinez (UAB – España) Joseph Straubhaar (Univ. Texas - EUA) Peter Golding (Loughborough Univ. - UK) Nicholas Garham (Westminster Unv. - UK) Philip R. Schlesinger (Stirling Univ. - UK) Graham Murdock (Loughbrough Univ. - UK) Hans - Jürgen Michalski (Univ. Bremen - Alemanha) Cesare G. Galvan (UFPb - Brasil) Alain Rallet (Univ. Paris - Dalphine-Francia) Diego Portales (Univ. del Chile) Pedro Jorge Braumann (UNL – Portugal) Guillermo Mastrini (UBA – Argentina) Dominique Leroy (Un. Picardie – Francia) Gaëtan Tremblay (Un. de Québec - Canada)


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Presentación A revista Eptic On Line chega a seus leitores, dos mais diversos países, neste início de 2005, renovando seus compromissos de seriedade e profundidade analítica, características de todo o portal Eptic. O lançamento deste número coincide com o do novo formato do site, inaugurando a sua Biblioteca Virtual e o novo boletim EPnoTicias. Aqui, estamos abrindo a discussão acadêmica em torno de temáticas diversas, como pesquisa em jornalismo, sociedade pós-industrial, regulação do audiovisual e a televisão e o rádio no Brasil e na Espanha. O ano que começa é crucial para a definição – ou não – das políticas públicas democráticas de comunicação no Brasil, tendo em vista ser o penúltimo do Governo Luís Inácio Lula da Silva e o último antes da próxima eleição presidencial. Ou seja, se algum avanço for efetivado nesta área, apesar da imensa articulação empresarial contra qualquer regulamentação mais ousada, terá que ser por agora. Este tema perpassa a presente edição da Eptic (e do primeiro número da terceira fase do EPnoTicias) e certamente vai permear os próximos números. Este primeiro número do ano da Eptic On Line é encerrado com duas resenhas. Primeiramente, Álvaro Benevenuto Jr. comenta o segundo volume da Biblioteca Eptic, o livro Comunicação, informação e cultura: dinâmicas globais e estruturas de poder (Salvador: Edufba, 2004), organizado por Othon Jambeiro, César Bolaño e Valério Cruz Brittos. No texto, é destacado o conjunto temático abordado, incluindo o fornecimento de instrumental analítico de estruturas de mercado, o debate acerca de práticas comunicacionais em sentido amplo e restrito, a discussão acerca dos aparatos tecnológicos contemporâneos e as relações de todas essas dinâmicas com o capitalismo. Já Fabián Noguera discute a obra La proliferación de los signos: la teoría social en tiempos de globalización (Homo Sapiens: Rosario, 2004), de Roberto Follari, Nilda Bistué e Claudia Yarza, em que o exercício do político é um dos alicerces, ao lado de uma preocupação epistemológica.

César Bolaño Director Eptic On Line

Valério Brittos Editor Eptic On Line


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Pesquisa em jornalismo no Brasil: o confronto entre os paradigmas midiacêntrico e sociocêntrico Luiz Gonzaga Motta∗

1. Introdução1

Não pretendo fazer uma síntese panorâmica da pesquisa em jornalismo no Brasil. É impossível sistematizar de forma compreensível uma enorme quantidade de pesquisas produzidas por 270 escolas de comunicação, 20 cursos de mestrado, 11 de doutorado e 33 grupos de pesquisa registrados no CNPq. Além disso, a diversidade de temas, abordagens, objetos e métodos de pesquisa torna difícil estabelecer fronteiras claras do campo. Essas pesquisas são continuamente apresentadas pelos pesquisadores em centenas de congressos e de reuniões acadêmicas nacionais, regionais e locais. Agrupar de forma sistemática as incontáveis tendências conceituais e metodológicas da pesquisa em jornalismo demandaria um esforço gigantesco e, de tão vasto, pouco compreensível.2 Algumas tentativas de revisão das pesquisas em jornalismo no Brasil foram feitas há relativamente pouco tempo. Sobre a pesquisa em comunicação em geral e jornalismo em particular, diz C.Berger (2002): o campo está legitimado desde os anos 70, reconhecido como interdisciplinar, disputado por ênfases profissional ou técnica, ainda sem estatuto de ciência, construindo o seu objeto e em processo de consolidação como área de conhecimento. Para ela, a pesquisa em jornalismo é exemplar da trajetória interdisciplinar, juntando história do Brasil com história da imprensa, teorias do discurso com a fala jornalística, o feminino com estereótipos, e assim por diante. M. Pereira e J. Wainberg (2000) observam que, comparadas com outros países, as pesquisas brasileiras ainda são incipientes e que os estudos têm pouco

Luiz Gonzaga Motta é jornalista, doutor em comunicação pela University of Wisconsin, pós-doutor pela Universitad Autònoma de Barcelona e professor da Universidade de Brasília (UnB). 1 Uma versão oral deste artigo foi apresentada na Pré-Conferência da Association for International Midia and Communication Research (AIMCR), Porto Alegre, 25 de julho de 2004 2 Estima-se que existam cerca de 500 pesquisadores nos 50 grupos de pesquisa registrados no CNPq e que o número de alunos matriculados nos cursos de pós-graduação em comunicação passe de mil. Os encontros nacionais mais representativos da área são os da COMPOS, INTERCOM, ALAIC e SBPJor, sendo que algumas dessas entidades realizam mais de um encontro anual de caráter nacional. As três primeiras têm grupos de trabalho específicos para a pesquisa em jornalismo e a última, recentemente criada, é exclusiva do campo do jornalismo, o que dá uma idéia da exuberância da área no país. No GT de Jornalismo da COMPOS é apresentada uma média de 45 trabalhos por ano.


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impacto nos costumes profissionais. Marques de Melo (1999) identifica na pluralidade de linhas de pesquisa um potencial de reconhecimento pelas corporações. 3 Neste artigo, ao invés de síntese, optei por outro caminho. Pretendo fazer uma breve recapitulação do que penso ter sido o paradigma hegemônico da pesquisa em jornalismo no Brasil nas últimas décadas e identificar uma tendência contra-hegemônica. A minha abordagem privilegiará o conflito no interior da pesquisa em jornalismo, portanto. Corro o risco de simplificar demasiado a questão, de reduzir a rica diversidade das pesquisas e de deixar de fora muita produção qualificada. O caminho escolhido me parece, porém, mais produtivo. Não apenas porque identifica uma postura inovadora, à qual dedicarei maior atenção, mas também porque vincula a pesquisa em jornalismo à história social do país e à consolidação da democracia no Brasil. Assim, torna a análise sociologicamente mais compreensiva. Além disso, facilita a exposição, desde um ponto de vista analítico.

2. Paradigmas em confronto

O paradigma hegemônico da pesquisa sobre o jornalismo no Brasil será identificado como “midiacêntrico”. Os estudos seguidores desse paradigma focam a atenção na mídia para observar o que o jornalismo faz com a sociedade ao divulgar uma “visão de mundo” autoritária a partir da cultura profissional e institucional, e de critérios do mercado. Desenvolveu-se e proliferou desde abordagens muito distintas, até antagônicas, tais como o marxismo, o funcionalismo e o estruturalismo. Guardadas as diferenças, todos conferem ao jornalismo certa autonomia como um ator social ativo no jogo democrático e procuram denunciar seu poder de configurar a cultura política da sociedade, confirmando seu lugar hegemônico de dizer e de poder dizer. O paradigma contra-hegemônico será identificado como “sociocêntrico”. Parte de premissas distintas. Leva em conta a potência do jornalismo e o seu lugar como espaço privilegiado da sociabilidade contemporânea. Reconhece que a dinâmica social e política se 3

Tomando o conjunto de trabalhos publicados sobre a imprensa no Brasil, C. Berger identifica seis tendências da pesquisa: história do jornalismo, jornalismo sindical e alternativo, livros técnicos, análise da profissão e do profissional, análise de coberturas, e jornalismo eletrônico. M.Pereira e J. Weinberg utilizaram 13 categorias para examinar livros, artigos e teses sobre o jornalismo no Brasil: jornalismo organizacional, ensino de jornalismo, direito à comunicação, história do jornalismo, jornalismo alternativo, jornalismo e ciência, jornalismo e economia, jornalismo e empresa jornalística, jornalismo internacional, jornalismo e política,


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alteram com a presença da mídia e das novas formas, recursos e linguagens do jornalismo. Dá conta da midiatização e da adequação do social a essa nova situação (processo em curso). Mas considera o jornalismo permeável às contradições sociais e às pressões da sociedade civil, sujeito às inúmeras negociações. Vê o jornalismo como passível de ceder aos interesses dos diversos atores sociais dependendo da correlação de forças. As pesquisas procuram verificar até onde grupos sociais organizados são capazes de contrapor suas visões de mundo e de reverter as posições autoritárias da mídia, amplificando os dizeres. Essa tendência não é exclusiva do jornalismo nem é tão recente, mas começou a ganhar corpo nos círculos acadêmicos do país em período posterior ao paradigma anterior. Tendo optado por concentrar-me no conflito entre esses dois paradigmas, deixarei de fora outras contradições importantes da pesquisa em jornalismo no Brasil. Por exemplo, um conflito que ocupou muita atenção da área acadêmica nos últimos anos foi, sem dúvida, a discussão entre as epistemologias da objetividade e da subjetividade nas práticas e discursos jornalísticos. Esse conflito repercutia o debate entre o realismo e o construtivismo nas ciências sociais (ainda não concluído). Na disciplina, tanto quanto na profissão, esse debate continua através de calorosas discussões. Grande parte de artigos e livros publicados nas últimas décadas tomam esse conflito como sua questão fundamental. A esse respeito, S. Moretzsohn (2002) argumenta com convicção que a subjetividade presente no processo de apreensão dos fatos indica que o jornalismo “não é o discurso da realidade (como diz ser), mas um discurso sobre a realidade”. Diz ela que o discurso técnico é vitorioso e mais poderoso hoje, mas isto não significa que ele seja definitivo. Ela identifica a necessidade de mudança do paradigma da parcialidade (que desmascara a objetividade) para o paradigma da ideologia, um retorno a um ideal de profissão militante, em relação ao qual são necessários critérios editoriais novos, ainda sem resposta. E. Meditsch (2001) condena tanto o positivismo como o paradigma da ideologia. Para ele, as denuncias oferecidas pelo paradigma da ideologia exerceram um papel demolidor a respeito dos mitos da objetividade, mas o abandono da dialética que lhe deu origem levou este paradigma a um reducionismo estéril. Tudo passou a ser subjetivo: “toda e qualquer verdade passaria a representar uma intenção política a ser demolida pelas intenções concorrentes, sob intenso tiroteio ideológico na luta pela supremacia da definição do politicamente correto.” Esse desdobramento não permite a superação do reducionismo criticado em sua origem,

linguagem e tecnologia do jornalismo e teorias do jornalismo. A revisão de Marques de Melo é de caráter histórico e geográfico.


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apenas o substitui por outros, conclui. Ele propõe colocar a questão no âmbito da teoria da argumentação (da pragmática jornalística) e da perspectiva da intersubjetividade, onde a distinção entre objetividade e subjetividade perde os seus contornos dicotômicos e assume a forma de um continuum, proposta com a qual concordo inteiramente. Reconheço a necessidade de continuar essa discussão, mas não posso aqui me alongar neste instigante tema epistemológico. Fiz recentemente uma reflexão sobre a contradição entre objetividade e subjetividade na profissão e na disciplina do jornalismo a partir das influências do debate mais amplo das ciências sociais (Motta, 2003a). Concluí que, na profissão, houve uma midiamorfose com a introdução das novas tecnologias e linguagens, enquanto na disciplina da comunicação jornalística construiu-se um novo paradigma construtivista a partir das contribuições da filosofia da linguagem, da moderna retórica, da antropologia simbólica e das ciências cognitivas. Mas, esse novo paradigma da disciplina do jornalismo não teve penetração na profissão, onde o axioma da objetividade continua hegemônico. 4 Fiz também uma reflexão sobre a mesma contradição à luz da pragmática jornalística (Motta, 2003b). Argumentei que, na comunicação jornalística, está necessariamente presente a contradição entre objetividade e subjetividade (logos e mythos). Na linha de E. Meditsch, argumentei que o jornalista procura garantir a adesão do seu interlocutor através de um “contrato” que valoriza o referente, mas a “negociação” de sentidos da comunicação jornalística varia segundo a retórica jornalística e os imaginários do leitor. Nas análises pragmáticas da comunicação jornalística, defendi a necessidade de se observar a variação da retórica jornalística no continuum entre objetividade e subjetividade. Defendi a necessidade de a pesquisa observar que a notícia pretende ser um relato objetivo do real, pois essa é a máxima que rege a linguagem do jornalismo. Mas, ponderei a necessidade de se observar simultaneamente às significações simbólicas que ocorrem através das implicaturas. Ou seja, “o foco da análise deve estar na contradição entre a intenção de objetividade e a presença de elementos estéticos e subjetivos (na linguagem jornalística) que revelam estímulos ao

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O novo paradigma construtivista, bastante forte hoje na disciplina do jornalismo, enfatiza que a realidade não é dada pelos valores e qualidade dos fatos per se, mas construída por quem a observa, desde onde e como a observa, por quem seleciona ou deixa de fora, pelas percepções de quem é escolhido para opinar: “se existem regras para selecionar uma informação e regras para editar o material conforme o tempo e o espaço dos meios, existe então uma intenção nestas seleções e revelam-se com clareza os aspectos pragmáticos e a função mediadora e produtor da atividade jornalística.” (Motta, 2003a,155).


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imaginário do leitor”. 5 Por essa razão, não me deterei nesse conflito agora. Embora não esgote a discussão, remeto os leitores aos meus artigos citados. Dei breve destaque a essa discussão por causa de sua centralidade na pesquisa brasileira, mas excluí da discussão outros temas que não posso retomar aqui. Retorno agora o conflito entre os paradigmas midiacêntrico e sociocêntrico como eixo da minha reflexão. Mas, antes, uma advertência: não estou colocando o jornalismo de um lado e a sociedade civil de outro, como se fossem pólos políticos antagônicos ou uma contradição social em si mesma. O jornalismo comercial, na verdade, faz parte do bloco histórico hegemônico. Neste artigo, estou fazendo essa divisão por necessidade analítica e expositiva e para situar de maneira mais compreensível a pesquisa em jornalismo nos movimentos da sociedade. Trata-se de um artifício exposito para discutir duas vertentes da pesquisa que parecem seguir orientações diferentes, ainda que essa contradição de paradigmas possa guardar certa semelhança com as contradições sociais existentes. 6 3. O paradigma midiacêntrico7 (hegemônico)

O paradigma midiacêntrico é hegemônico porque predomina como abordagem das pesquisas desde a década de 60 até hoje. Parte do pressuposto que a mídia em geral, e o jornalismo em particular, tem um efeito demolidor sobre a sociedade. Que o conteúdo do jornalismo de massas está inexoravelmente submetido às determinações comerciais e empresariais, tem um caráter politicamente conservador, impermeável aos interesses sociais 5

Resumidamente, meu argumento é o seguinte. O ato de comunicação jornalística é um processo dinâmico de criação de sentidos, um princípio de contrários, um jogo de efeitos pretendidos e resultados logrados. O nível de transmissão do explícito (do objetivo) se refere ao ato de informar (conteúdos manifestos). Por outro lado, o nível do processo de comunicação propriamente dito tem a ver com uma troca de experiências onde intervêm elementos objetivos, mas principalmente os subjetivos e intersubjetivos (memórias, emoções, sentimentos, paixões, etc.). O jornalismo procura sempre aumentar a eficiência informativa ao máximo objetivando a forma (por exemplo, o lide). Mas, comunica diversos outros efeitos subjetivos de sentido que se insinuam no ato comunicativo, que derivam tanto do significado literal das palavras e frases como de sinais estéticos, éticos e morais no texto e na fala jornalísticos. 6 Paradigma é uma palavra traiçoeira, como já observamos anteriormente (Motta, 2003a). O termo tem sido utilizado para designar coisas diferentes, ora aparecendo como um modelo filosófico ou metodológico, ora como um modo de ver e interpretar o mundo. Mesmo Thomas Khun, o autor mais conhecido na discussão sobre os paradigmas científicos, não estabeleceu um conceito preciso sobre o que é um paradigma. Ele reformulou numerosas vezes o seu conceito e na sua obra aparecem 21 definições diferentes de paradigma. Utilizamos aqui o conceito para nos referir a um conjunto de realizações que uma comunidade reconhece durante algum tempo como fundamento para a sua prática de pesquisa, fornecendo os princípios conceituais e metodológicos. O paradigma pode estar em um conjunto de obras ou em uma obra ou autor único (Khun, 1982). 7 Tomo aqui o termo emprestado de Venício Arthur de Lima (1996), embora ele tenha utilizado a palavra em inglês e para referir-se à sociedade centrada na mídia (não ao paradigma).


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populares ou oposicionistas. Afirma que o jornalismo manipula as informações de acordo com a sua lógica comercial e ideológica, seus conteúdos são medíocres, sensacionalistas (a lógica do espetáculo), homogeneizadores do pensamento social e levam à despolitização da sociedade. Atribui certa autonomia de poder ao jornalismo frente à sociedade e poucas vezes leva em consideração as ações da sociedade sobre o jornalismo. Predomina, portanto, um determinismo econômico e político sobre o social. Essa atitude crítica generalizada dos pesquisadores tem uma razão histórica. A pesquisa da comunicação surge no Brasil na década de 60 e se consolida nos anos 70, quando aparecem os primeiros cursos de pós-graduação. Nesse momento, o país vivia um regime político autoritário prepotente e unificador do pensamento, frustrando as expectativas liberaldesenvolvimentistas da década anterior. A excessiva concentração de poder nas mãos dos militares reduziu o debate político, suprimiu pela força as divergências. Os movimentos sociais são fortemente coibidos, fragilizam-se as lealdades políticas. A capacidade de ação e reação se reduz. No mesmo período, começa a concentração da mídia e o uso de novas tecnologias centralizadoras se generaliza. A organização de redes torna possível a difusão da comunicação em larga escala. O país passa por uma rápida industrialização e urbanização, instala-se a sociedade de massa (ainda que excludente). As culturas regionais perdem força para um consumerismo internacionalizado. A reação política fica confinada em alguns nichos, como as universidades e os pesquisadores do jornalismo fazem coro com outras correntes intelectuais na denúncia do autoritarismo político e da comunicação. A pesquisa se contamina pelo debate político na denúncia do autoritarismo e da prepotência da mídia8. Não posso fazer aqui uma revisão exaustiva do conteúdo desse paradigma nem relacionar a variedade de seus temas e metodologias. Mesmo porque eles não formam um conjunto totalmente coerente. No interior do paradigma midiacêntrico há pesquisas que nele se encaixam apenas parcialmente, há abordagens, objetos e metodologias diversos e até antagônicos. Correndo o risco de cometer uma injustiça por destacar apenas um representante que sequer pode ser tomado como exemplo típico do paradigma, trago para ilustrar o pensamento midiacêntrico um autor cuja obra tem tido uma influência considerável no âmbito 8

Naquele momento, pouca pesquisa sistemática era feita no país, a maioria era ensaísta, mais que científica. Foi intensa a importação de modelos de comunicação pela pesquisa brasileira. Adotava-se predominantemente uma atitude crítica ao capitalismo, ao autoritarismo e à concentração da mídia. Embora críticos, alguns estudos utilizavam as teorias da communication research norte-americana (teorias hipodérmicas, teoria da persuasão, teoria dos efeitos em duas etapas e mais adiante, a teoria dos gatekeepers e newsmaking, mais sofisticadas). Mas, as teorias críticas (o marxismo, as versões frankfurtianas e o estruturalismo semiológico francês) se coadunavam melhor com a atitude militante e crítica à sociedade de mercado. Fundem-se na pesquisa em comunicação o marxismo, a crítica à censura, a militância e o pensamento restaurador da democracia no país.


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da disciplina do jornalismo no Brasil. Trata-se de C. Marcondes Filho, do qual vou tomar o trabalho mais influente, o recente livro Comunicação & Jornalismo – A saga dos cães perdidos. Destaco esse autor porque o considero paradigmático da vertente da pesquisa que repete exaustivamente a declaração que o jornalismo tem o poder de manipular a sociedade a seu bel prazer. 9 No livro, depois de fazer um histórico do jornalismo desde sua pré-história até o presente, esse autor afirma que o jornalismo perdeu o seu espírito moderno, a razão (a “verdade”, a transparência). Para ele, o jornalismo começou a perder terreno diante da sedução midiática irracional e mágica (a TV) e da hegemonia das técnicas do fim do século. Ele identifica o jornalismo do final do Século XX como quarto e último jornalismo, um processo terminal que tem início, segundo ele, por volta dos anos 70. A esse último jornalismo ele chama de “indústria da consciência”, uma inflação de comunicados que passam a ser fornecidos aos jornais por agentes empresariais e públicos (assessorias de imprensa) que se misturam e se confundem com a informação jornalística. Antes disso, diz Marcondes Filho, a publicidade e as relações públicas já haviam começado a brigar pelo espaço da imprensa como fator imprescindível para a sobrevivência do capitalismo monopolista (após 1930). “De indústria de comunicação de ´massa` (o jornalismo) torna-se efetivamente indústria da consciência”, afirma. (Marcondes Filho, 32) Com as novas tecnologias, o aumento fantástico da produção transforma o jornalismo no sentido de render lucro e se tornar economicamente auto-sustentável. Conseqüentemente, o jornalismo deixou de ser livre, descomprometido, espaço aberto a toda e qualquer manifestação dos agentes sociais tornando-se em produto voltado para o mercado. A audácia e a criatividade jornalística perdem terreno em relação ao conformismo e à repetitividade mercadológica. A produção informatizada diária e contínua de um jornal tende a triturar os fatos – inclusive análises, transformando-os em um produto “inodoro, incolor, insosso”, apesar da aparência atraente. (Marcondes Filho, 37) Com o advento da televisão, ganham relevo no jornalismo as montagens, as fantasias visuais graças à edição eletrônica de imagens, a criação de efeitos, as mixagens: “o espetáculo visual torna-se tão importante como o próprio acontecimento que a TV transmite. Há um investimento nas cores, na cenografia, no movimento, nas curiosidades e na pirotecnia visual, que torna a TV antes de mais nada um ´aparelho onírico`, uma ponte ligada ao mundo dos

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Marcondes Filho, Ciro (2000): Comunicação & Jornalismo - A saga dos cães perdidos, Hacker Editores, S. Paulo.


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sonhos” (Marcondes Filho, 42). Assim, o jornalismo transforma-se numa fábrica conservadora de sonhos que “reconstrói diariamente o mundo impondo sua verdade cristalizada sobre as pessoas, sobre os fatos, sobre as ocorrências novas, exercendo a atividade tranquilizadora e gratificante de manter o mundo exatamente como ele é” (Marcondes Filho, 110). Nesse aspecto, conclui a análise, o jornalismo da televisão reconstrói de forma convincente o mundo sem conflitos. Considero desnecessário fazer aqui uma discussão do pensamento do autor. Julgo as transcrições acima suficientemente claras como expressão do paradigma midiacêntrico. Gostaria apenas de recuperar algumas afirmações dele sobre a impermeabilidade do jornalismo às contradições sociais para fechar esta brevíssima revisão do pensamento midiacêntrico. De acordo com a análise de Marcondes Filho, parece não haver contradições sociais no país. Se houver, a mídia e o jornalismo seguem imunes a elas. Em linguagem apocalíptica, ele afirma que há um processo universal de desencanto e uma crise das ideologias que resultam na era da pós-história: “Não havendo mais bandeiras por que lutar... não havendo mais diferenças nítidas entre as culturas e os países, a civilização planetária torna-se uma totalidade sem amanhã” (Marcondes Filho, 26-7). Segundo o autor, o que marcava o engajamento, a força de luta, a combatividade dos homens da modernidade era uma determinação histórica de conquistas (políticas, econômicas, estéticas) que canalizava as energias e os sentimentos solidários. Já a era pós-história instala a eliminação dos jogos, a “impossibilidade de lutar contra”, um “desejo do nada”. (Marcondes Filho, 27). Mais ainda, diz ele, o mundo dos sonhos (da TV) não tem contradições, suas situações de medo e de angústias são passageiras e inofensivas (Marcondes Filho, 42). A prática jornalística torna-se minimalista, a economia não é tratada nas suas relações com os atores sociais, a cobertura política só realça acontecimentos efêmeros e curiosos. Desaparecem os atores revolucionários (indivíduos, classes), os sindicatos, os partidos políticos, a oposição intelectual, as organizações da sociedade civil que constituíam a esfera pública que saía às ruas, que reclamava, que se organizava em torno de idéias, ideologias, visões de mundo (Marcondes Filho, 44). Nesse mundo sem contradições (segundo ele), o jornalismo só repete as posições homogêneas como “porta voz do pensamento das elites, da retórica do establishment”. Daí a decadência e o desaparecimento do jornalismo, “o fim da saga dos cães indomáveis” (Marcondes Filho, 58). Não posso deixar passar em branco aqui as minhas diferenças com o autor a respeito das afirmações acima. Definitivamente, não é esse país nem é esse o mundo que eu vivo. No


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país que eu habito, nunca as diferenças foram tão nítidas. O país que eu vivo está pleno de contradições, de oposições, de confronto políticos, de partidos, sindicatos e movimentos sociais que agem, lutam, conquistam, se desorientam, sofrem vitórias e derrotas. Às vezes agem coerentemente, outras vezes contraditoriamente. As manifestações públicas de diversos gêneros e intensidade regridem em certos momentos, mas voltam com força outras vezes, acampando até mesmo na Esplanada dos Ministérios em Brasília, bem pertinho do poder central. O país que eu vivo está pleno de grupos e movimentos sociais que se organizam, protestam, vão às ruas, reivindicam, avançam, se perdem pelo caminho, se recuperam e voltam. No país que eu vivo, há muito desencanto, mas as utopias continuam vivas, há muitas bandeiras pelas quais lutar, há muito sonho e aspiração por um amanhã diferente. No país que eu vivo, mal ou bem, às vezes mais, às vezes menos, o jornalismo reflete essas contradições. É predominante conservador (nem poderia ser diferente em um país excludente como o nosso), mas não deixa de reverberar as lutas sociais. Não é, nem poderia ser, impermeável aos conflitos políticos diversos, está repleto de tensões. Tende à superficialidade, mas suas práticas e linguagens não são monolíticas, parecem mais um campo de batalha permanente. O conteúdo do jornalismo brasileiro está repleto de tensões, reverbera as lutas e contradições sociais, abre e fecha espaços de acordo com a conjuntura. Como ator social, faz alianças, negocia poder, permite concessões aos movimentos sociais, avança e recua politicamente a todo o momento. A meu ver, a pesquisa não tem o direito de ignorar isto. Afonso Albuquerque (1998) denominou a postura epistemológica que aqui estou chamando de midiacêntrica de paradigma da manipulação editorial da notícia. Utilizando a metodologia da análise do discurso e de caráter mais ensaísta, dizia ele, esses estudos denunciavam repetidamente o favorecimento da cobertura jornalística às causas e aos partidos conservadores em detrimento de causas populares. Embora seus argumentos difiram dos que estou desenvolvendo aqui, ele comentava que a aplicação desse paradigma na análise do jornalismo brasileiro não era totalmente despropositada, tal o nível de interferência de fatores extra jornalísticos na cobertura, tais como interesses políticos e econômicos. Mas, concluía que o modelo era limitado por que: 1) reduz a explicação da cobertura política a fatores extra jornalísticos sem considerar o papel ativo dos jornalistas; 2) dificulta a compreensão do processo histórico culturalmente situado; 3) a ênfase na manipulação restringe a análise dos fatores que intervêm no processo de produção da notícia, em especial das estratégias alternativas de comunicação e das influências de outros setores.


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A crítica ao paradigma não é recente. Eu mesmo criticava, há mais de vinte anos (Motta, 1983), as formulações teóricas pessimistas. Argumentava que mesmo os estudos críticos se limitavam à denúncia formal da imposição ideológica e da manipulação cultural como se os indivíduos e grupos sociais fossem inteiramente passivos. Critiquei as pesquisas que se limitavam a repetir mecanicamente as denúncias da imposição ideológica e da dominação cultural pela mídia e insistiam sobre a passividade e alienação do receptor. Observei, na época, que essas formulações fatalistas prejudicavam uma visão mais dialética do papel da mídia e levavam as análises a simplificar os subjetivos e intersubjetivos processos de produção e circulação dos produtos culturais, perdendo a essência das contradições sociais. Fiz, naquela época, uma análise do jogo entre os interesses dominantes e os movimentos populares, mostrando que as idéias dominantes não se impunham indiscriminadamente, sofriam influências recíprocas dos seus contrários. Mostrei que as ações e reações de cada segmento social estão continuamente condicionadas pelas condições de existência das outras classes, que nada existe em estado puro no social. Concluía que, mesmo manifestando-se de forma precária, ambígua e fragmentada, os setores populares reagiam e resistiam às formas de dominação. Isto, mesmo em uma época de regime autoritário, de forte repressão política. (Motta, 1983). 10 Que as idéias ingênuas de dominação unilateral tivessem aceitação generalizada nos anos 70 e início dos anos 80 é historicamente compreensível. O mais grave é a sua persistência como paradigma predominante depois de tantas décadas de pesquisa continuada, de repetidas críticas, e de mudanças significativas na correlação de forças no país, como argumentaremos adiante. Em recente avaliação das teses e dissertações indicadas como melhores trabalhos produzidos no ano de 2004 pelos programas de pós-graduação em comunicação, um avaliador identificou que a tendência predominante das dissertações de mestrado e teses de doutorado produzidas no país continua repetindo o jargão que se transformou em paradigma da pesquisa nas últimas décadas: o jornalismo manipula ideologicamente os conteúdos das notícias de acordo com a cultura profissional e mercadológica; transforma tudo em espetáculo, retira das mensagens a sua dimensão contextual e contribui para a alienação política da sociedade. Varia o tom, o volume, o tema e

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Na época, reproduzi o documento final de um encontro de pesquisadores latino-americanos que reafirmava a dominação cultural, a imposição do consumismo e dos interesses e padrões culturais internacionais sobre os nacionais. Ao nível dos indivíduos, o documento argumentava que a comunicação substitui a consciência dos interesses locais e objetivos dos explorados pelos conteúdos da consciência do explorador (João Bosco Pinto, Comunicación participatória como pedagogia de cambio, Quito, Equador, 1978).


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os caminhos, mas continua-se a repetir o que já se tornou lugar comum11. Ao que tudo indica, portanto, o paradigma midiacêntrico permanece hegemônico.

4. O paradigma sociocêntrico (contra-hegemônico).

Vou me voltar agora para uma postura epistemológica inteiramente diferente, que me parece menos ingênua em relação às contradições da sociedade e do jornalismo brasileiros. Essa corrente de pensamento não é nova no campo da pesquisa em jornalismo. Ela vem progressivamente ganhando consistência teórica e metodológica ao longo das últimas duas décadas a ponto de poder ser vista hoje como uma contracorrente oposta ao paradigma hegemônico. Vamos denominá-la aqui de paradigma sociocêntrico para deixar clara a sua oposição ao paradigma mediacêntrico, ainda que o nome não seja perfeitamente adequado. O foco se desloca da mídia para o social, cuja correlação de forças determina as posições, as práticas e os conteúdos da mídia. Esse paradigma não é específico dos estudos sobre o jornalismo, refere-se aos estudos da mídia em geral. Mas, a referência principal é o jornalismo como ocorre, por exemplo, nos estudos de mídia e política. O paradigma sociocêntrico não nega a importância do jornalismo e da mídia na sociedade contemporânea nem o seu caráter de classe. Mas, arranca de premissas mais dialéticas, menos clichês. Dirige o foco para a sociedade civil, para as relações sociais. Procura identificar os confrontos de classe e frações de classe para observar os avanços e recuos de cada grupo social, as negociações, alianças e concessões. A partir dessas observações procura, então, analisar como cada segmento social utiliza estrategicamente a mídia. A mídia é vista como um espaço e um instrumento dos enfrentamentos políticos na disputa pela visibilidade e pela conquista do poder. Ao trazer esse paradigma inovador dos estudos de jornalismo (ainda em formação), não estamos fazendo simplesmente um exercício acadêmico. Esses estudos trazem para a disciplina do jornalismo questões significativas do exercício da cidadania e da democracia, da esfera pública, da política como luta pelo poder. Seu aprofundamento remete a discussões sobre o que é o jornalismo, qual a sua essência, qual é o seu papel na democracia. A meu ver, no Brasil, essa discussão já começou. Tanto no interior das empresas (conselho de leitores, ampliação dos espaços de denúncias comunitárias, de artigos de não-jornalistas, discussão

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Entrevista do autor com o professor Mauro Porto, avaliador dos programas de pós-graduação em comunicação 2003/4 da Comissão de Aperfeiçoamento do Pessoal de Ensino Superior, CAPES.


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sobre os conselhos de redação, aparecimento dos ombundsman), passando pelo aumento da consciência do tema na sociedade organizada (aparecimento de grande número de organizações de midia criticism no país), até a tomada de consciência das organizações civis ao se qualificarem para o trato com a mídia (difusão do conceito de marketing político e social). O surgimento do novo paradigma na academia é um indicador que a disciplina do jornalismo não está ignorando os movimentos da sociedade. No novo paradigma, o jornalismo não é visto como uma “indústria da consciência” toda poderosa, monolítica e avassaladora. O jornalismo passa a ser parte de um espaço em disputa onde prevalecem os interesses dos grupos hegemônicos (como não poderia deixar de ser), mas é um espaço passível de conquistas, que cede e negocia continuamente. O jornalismo não é visto como uma atividade fechada e insensível às lutas sociais, mas como um espaço de contradições cujos conteúdos tendem a favorecer os interesses dominantes, mas podem ceder à pressões temporárias ou duradouras, dependendo de cada conjuntura. No paradigma sociocêntrico o jornalismo não é visto como um aparato ideológico homogeneizador da cultura e do pensamento, necessariamente a serviço da lógica comercial. Ele não é um agente autônomo despolitizador, uma “fábrica conservadora de sonhos” impondo continuamente um só pensamento. Nesse paradigma, a sociedade é formada por classes, frações de classe, grupos organizados, movimentos sociais com graus de organização, de enfrentamento e de articulação diversos, capazes de romper as barreiras políticas e de tornar visíveis suas bandeiras no interior do jornalismo conservador. O paradigma é inteiramente outro, menos ingênuo, mais realista, capaz de captar as nuanças da cultura política. À primeira vista, o paradigma sociocêntrico aqui apresentado corre o risco de ser confundido com o modelo denominado “uses and gratifications”. De fato, esse influente modelo da communication research norte-americana coincide com a atitude sociocêntrica de tomar a audiência como um ator ativo do processo comunicativo. O modelo redireciona o desequilíbrio existente nas pesquisas até então, muito orientadas para os efeitos persuasivos da mídia. Como afirmam alguns de seus autores (Katz, Blumler e Gurevitch, 1974), o modelo dos “usos e gratificações” toma como hipótese (não como fato) a afirmação de que a comunicação de massa é o ópio das massas, tendência até então predominante. 12 12

O modelo uses and gratifications estava basicamente preocupado com (1) as origens sociais e psicológicas das (2) necessidades, que geram (3) expectativas em relação aos (4) mass media e outras fontes, e levam a (5) diferentes padrões de exposição (ou de envolvimento), resultando na (6) gratificação de necessidades e em (7) outras conseqüências talvez não pretendidas (Katz, Blumler e Gerevitch, 1974, 20).


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As coincidências param aí, entretanto. Os estudos denominados “usos e gratificações” mantêm o mecânico esquema estímulo-resposta (variável independente-variável dependente) das pesquisas experimentais que nada tem a ver com o paradigma sociocêntrico aqui discutido. Apesar das variações, os estudos que seguem esse modelo orientam-se predominantemente para as necessidades e gratificações psicológicas dos indivíduos que parecem existir abstratamente fora do seu ambiente político, fora do tempo e do espaço social, como analisa Philip Elliott (1974, 255). A pesquisa sociocêntrica que aqui estamos discutindo parte de premissas completamente distintas, parte do conflito social, da luta política das classes e frações de classe, não dos estados mentais dos indivíduos. P. Elliott fez, a meu ver, uma crítica definitiva ao modelo “uso e gratificações” ao observar que as audiências de fato buscam algo na mídia, mas essa não é a questão: o que interessa é compreender os interesses em jogo, o que o modelo norte-americano ignora. Evidências dos dois lados do processo de comunicação massa, diz Elliott, revelam que os processos de produção e de consumo dos conteúdos estão ambos condicionados pela mesma estrutura social. 13 Entre nós, a origem do paradigma sociocêntrico está, principalmente, nas idéias do pensador marxista italiano Antonio Gramsci.14 Em uma análise sobre o desenvolvimento da pesquisa em comunicação na América Latina, A. Mattelart (1999) nomeava A. Gramsci como um passeur, aquele que ajuda a atravessar uma fronteira, passar de uma época à outra. As formulações de Gramsci foram fundamentais, dizia Mattelart, para liberar os pesquisadores das visões passivas do receptor e para a redescoberta das culturas e das práticas populares. No final dos anos 70 Martin Barbero dava sua contribuição e invertia a idéia da comunicação como processo de dominação para propor o estudo da dominação como processo de comunicação, afastando-se da visão maniqueista carregada de chavões sociológicos. 13

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Essa “passagem” não se processou a partir dos estudos sobre o jornalismo

P. Elliott (1974, 269) observa que as culturas mídia-based e situationally-based estão integralmente relacionadas. Num sentido amplo, analisa ele, a mídia provê uma ideologia, um mapa genérico, aos grupos que representa, legitimando suas atividades e interesses. Mas, “isso não significa que ela se constitua em um sistema monolítico que controla o pensamento e o comportamento da sociedade.” Difusas diferenças internas podem ser encontradas na ideologia hegemônica, assim como no conteúdo da mídia. Mais importante ainda, observa ele, a ideologia da mídia não determina automaticamente a resposta da audiência. Da mesma forma, visões alternativas aparecem aqui e ali na sociedade, embora a ubiqüidade dos meios modernos dificulte que essas visões se contraponham integralmente os conteúdos hegemônicos. 14 Além de A. Gramsci, outros autores importantes como os historiadores E. P. Thompson e Erick Hobsbawn e os cientistas políticos Hannah Arendt e J. Habermas são correntemente citados. Há ainda a influência dos teóricos dos estudos culturais ingleses, como Raymond Williams, Stuart Hall e Alan Swinglewood, referências constantes. Na América Latina, um influente pioneiro foi Jesus Martin Barbeiro. As idéias do educador brasileiro Paulo Freire tiveram uma influência indireta, mas gradual, na recuperação e na valorização da cultura popular. 15 O pensamento de Jesus Martin Barbero está disseminado nos seus conhecidos estudos sobre as mediações e sobre a cultura popular na América Latina. Mas, para os argumentos que estou desenvolvendo aqui, o seu texto


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apenas, e sim das análises da mídia em geral. Mas, é pertinente realçá-la aqui por causa de sua influência gradual sobre os estudos específicos do jornalismo nas duas últimas décadas. Percebendo a tendência, Afonso Albuquerque (1998) denominou o novo paradigma que surgia na pesquisa do jornalismo de “paradigma da produção da notícia”. O novo paradigma, dizia o autor, se contrapunha ao “paradigma da manipulação da notícia” (acima referido). Sua análise não coincide em alguns pontos com a que estamos fazendo aqui. Mas, convergindo conosco, ele apontava os limites sociológicos do paradigma midiacêntrico. No Brasil, paralelamente às mudanças graduais na atitude dos pesquisadores, o país passava por um processo de abertura e de conquista de liberdades políticas. O Estado brasileiro e as instituições públicas se tornaram mais permeáveis às pressões, passaram a ser mais representativas do conjunto da sociedade. A sociedade civil se reorganizou, passou a exercer maior vigilância sobre as instituições públicas, criou novos canais de manifestação, o debate democrático se ampliou. Um grande número de organizações não-governamentais surgiu criando um terceiro setor dinâmico. As organizações trabalhistas recuperaram o seu poder de barganha. Novos movimentos sociais organizados apareceram pelo país afora, alguns mais, outros menos representativos. Houve uma disseminação de partidos políticos. Embora o oportunismo e o clientelismo sejam ainda a tônica predominante, é inegável que se ampliou a representação da cidadania nos seus diversos níveis. 16 No mesmo período, a mídia cresceu aceleradamente no Brasil. 17 Esse crescimento obedeceu a lógica mercantil. Mas, é bom observar que seus produtos são bens simbólicos que

apresentado em um encontro promovido pela INTERCOM em 1999 é mais ilustrativo porque é um depoimento pessoal do autor. 16 Não estou argumentando que o Brasil vive uma democracia plena. A experiência democrática brasileira tem pouco mais de 20 anos, só agora está se consolidando. Além disso, a marca perturbadora de nossa democracia ainda é a exclusão social. Os 10% mais ricos detêm renda 70 vezes maior que os 10% mais pobres. Dezessete milhões de pessoas vivem com menos de 1 dólar por dia. Fica difícil falar em pluralismo em uma sociedade tão concentrada como a nossa. Mesmo assim, a sociedade civil brasileira continua se reorganizando e produzindo novas organizações que reivindicam e disputam continuamente com os setores dominantes, negociam concessões, avançam e recuam estrategicamente em cada conjuntura. Para ficar em um só exemplo, cito o crescimento do chamado terceiro setor no Brasil (significativamente também chamado de “setor solidário” na bibliografia sociológica). Segundo previsões, as organizações do terceiro setor empregam hoje cerca de dois milhões de pessoas e investem aproximadamente 1.5% do PIB nacional (dados do IBASE). 17 Existem quatro mil emissoras de rádio (FM, OC, OM e OT), 270 emissoras de TV e oito mil retransmissoras hoje no Brasil. São três mil jornais e a circulação aumentou em 60% de entre 1990 e 2000. Mas, caiu 20% de 2000 a 2003. Vale notar que embora a circulação tenha caído nos últimos três anos, o numero de jornais aumentou significativamente. Vale observar também que foram outorgadas 1.200 licenças para emissoras de rádio comunitárias de 1998 a 2002, enquanto há outros oito mil processos de emissoras comunitárias em andamento no Ministério das Comunicações. Embora muitas dessas emissoras tenham sofrido deturpação de suas finalidades, uma maioria delas representa informação e programação local, acesso e interatividade com a comunidade, linguagem diferenciada e acessível, campanhas locais, etc. Aqui, provavelmente, estamos falando em uma mídia da sociedade civil, como observa Almeida (2002). A pesquisa em jornalismo, a meu ver, não pode ignorar estes números. (Fontes: ABERT, ANJ, Ministério das Comunicações).


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circulam publicamente para uma pluralidade de destinatários. A mídia, e particularmente o jornalismo, dependem dos seus públicos, de sua audiência, do movimento social, da cultura política. Seu caráter eminentemente público transforma a mídia em um novo espaço de sociabilidade. Ela passa a ser um dos lugares onde se constrói publicamente o mundo, um lugar de enfrentamentos, de conflitos de representações e de interesses. Os pesquisadores midiacêntricos parecem ignorar esses movimentos. Mas, os praticantes do novo paradigma sociocêntrio parecem determinados a captar essa dinâmica social e incorporá-la às análises, fazendo crer que passaremos de meros repetidores de clichês ensaístas a uma observação mais realista do contínuo jogo de negociação política entre o jornalismo e a sociedade. Em grau maior que outras expressões da mídia, o jornalismo está gradualmente tornando-se um ator e um espaço central da cultura política brasileira. Mas, não um espaço nem um ator monolítico. Ganha relativa autonomia frente ao Estado e se transforma no lugar da mediação social, um lugar de encontros, desencontros públicos, de alianças e de enfrentamentos. A realidade hoje no Brasil, como observa J. Almeida (2002), se constrói por meio de uma mesclagem de experiências de vida e televida. Para ele, a mídia altera o poder político porque a política precisa se adaptar à sua linguagem. Mas, não necessariamente submete integralmente a política à sua lógica de mercado. Ao contrário, confirma ele, a mídia é um ambiente disputado pelos demais atores políticos e é, em si mesma, um ator com papéis e funções próprias. As empresas jornalísticas, como as demais mídias, articulam alianças, disputam mercados, atenção, audiências, necessitam manter sua credibilidade. Por isso, suas alianças políticas nem sempre correspondem ao poder político hegemônico na sociedade. Se há uma centralidade da mídia, conclui Almeida, “é no sentido de que a sociabilidade contemporânea passa necessariamente por ela”. Sempre que possível e necessário, a mídia usa formas menos agressivas, deixa passar opiniões antagônicas à sua, abre espaço a personalidades e instituições de outras posições para manter e construir uma imagem de credibilidade e imparcialidade. Quando um movimento social ganha posições, a mídia não pode ignorá-lo, tudo naturalmente dentro de certos limites e dependendo da conjuntura política18. 18

J. Almeida observa com muita propriedade que os meios de comunicação são capital que visam lucros. Nada mais natural que o conteúdo de suas mensagens seja tendencialmente simpático ao capitalismo, independente de qualquer manipulação. Por isso mesmo, precisam de mercado, de consumidores que disputam com outras empresas. Precisam agradar seu público e expandir-se. Não podem fazer tudo o que querem. Fazem concessões, alianças políticas, negociam. Podem fazer alianças com setores conservadores (com inúmeros exemplos na política brasileira recente) ou concessões a grupos contra-hegemônicos (com menos exemplos, mas muitos casos ilustrativos). O livro de J. Almeida é, muito corretamente, um libelo a favor do uso estratégico do marketing político por setores populares.


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Um estudo recente revelou um exemplo interessante e ilustrativo do movimento de reciprocidade entre a cultura política e o jornalismo. Mauro Porto (2002) mostrou como o desgastado Jornal Nacional teve de adequar-se às mudanças da política brasileira diante e às pressões da concorrência e para fazer frente às demandas políticas e as transformações da sociedade. O risco de perda de credibilidade diante de sua audiência devido à cobertura demasiado governista obrigou o telejornal da Rede Globo a adaptar-se à nova conjuntura introduzindo um jornalismo mais ativo e independente. M. Porto conclui que os meios de comunicação têm necessidade de legitimar-se frente às suas audiências, mesmo entrando em conflito com a legitimidade do sistema. Citamos este exemplo como apoio ao nosso argumento. Mas, numerosos outros podem ser recolhidos nas pesquisas recentes do jornalismo brasileiro. As contradições, possibilidades e avanços nas relações entre o jornalismo e a sociedade foram discutidos em um artigo de Luiz Martins (2002) que, a meu ver, lança bases para discussões futuras. Segundo ele, os sujeitos receptores estão para a imprensa em uma condição dupla: consumidores e/ou cidadãos. Por sua vez, a imprensa teria também uma dupla condição: maiores lucros e/ou responsabilidade social. A partir dessas ambivalências, ele discute vários olhares, desde o mais tradicional, como a fiscalização dos poderes públicos pelo jornalismo por delegação da sociedade (a idéia de quarto poder), passando pelo jornalismo-cidadão (public journalism), até algumas formas de agendamento do jornalismo por segmentos sociais organizados. O autor cria uma escala: da cidadania outorgada pela imprensa até uma inversão desse percurso, um jornalismo cívico receptivo à cidadania. Refinada e ampliada, essa escala pode servir a estudos de casos específicos. 19 Se a cidadania é um conceito carregado de autonomia, pergunta L. Martins, como essa autonomia pode ser exercida através do jornalismo? O problema, como ele observa, é que somente a partir do início deste século (ano 2000) instala-se no Brasil a esfera argumentativa pública onde predomina o direito, o consenso, a deliberação. Só nos últimos anos aparecem no país segmentos públicos esclarecidos e atuantes. Essa condição fez com que, historicamente, o jornalismo só se sensibilize pelo social quando nele identifica valoresnotícia definidos pela ótica da imprensa (noticiabilidade). Mas, o autor cita alguns setores públicos que estão obtendo relativo sucesso em influir as pautas do jornalismo brasileiro como, por exemplo, consumidores organizados, organizações não-governamentais voltadas


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para o social e para o meio ambiente. Martins conclui que a sociedade civil brasileira está mais amadurecida e já não gasta tanta energia fazendo pontaria revolucionária contra o aparelho de Estado e sim arregimentando no cotidiano uma artilharia para o confronto e parcerias (entre as quais, com a imprensa). Em outro texto, L. Martins (Martins et alli, 2003) observa que os movimentos sociais precisam muitas vezes adotar a lógica midiática, estabelecer procedimentos tático-estratégicos e criar factóides para abrir espaço no jornalismo. Para verificar como funciona o pluralismo na imprensa brasileira, R. Crispim (2003), aluna de L. Martins, estudou a estratégia de agendamento da organização ambientalista Greenpeace, que utiliza manifestações, ações dramáticas, performances e encenações espetaculares (noticiabilidade) para chamar a atenção dos jornalistas. Das 14 ações estudadas em cinco grandes jornais brasileiros, o agendamento agressivo foi eficaz em mais de 50% dos casos, provocando cinco chamadas de capa nos jornais. Vale observar que as ações noticiadas eram protestos contra empresas poderosas, como a Dow Química, Red Madeiras e Perdigão. Mas, nem sempre a lógica para sensibilizar o jornalismo precisa utilizar os factóides. Outra pesquisa (Neves Lima, 2003) revelou que o trabalho pedagógico da ANDI (Agencia de Notícias dos Direitos da Infância) conseguiu sensibilizar os jornalistas e mudar a quantidade e a qualidade da cobertura sobre os problemas da infância no Brasil. Desde 1996, a ANDI vem fazendo um trabalho consistente para qualificar a cobertura jornalística sobre o tema: sugere pautas, disponibiliza informações, difunde notícias, monitora e divulga o comportamento da mídia, valoriza os profissionais concedendo títulos de “jornalista amigo da criança”, elabora pesquisas e relatórios e mantém as redações e jornalistas permanentemente atualizadas sobre seus temas utilizando-se de um vasto mailing. A estratégia inteligente abriu espaços no jornalismo. De 1996 a 2002 a cobertura qualificada aumentou 900%, segundo a autora. Além de aumentar o espaço, mudou a qualidade da cobertura: as matérias que antes só tratavam o menor quando este era infrator, passaram a tratar da infância como problema social. O exemplo da ANDI se multiplicou: hoje existem oito agências de notícias semelhantes no país e está sendo criada uma rede latinoamericana de notícias sobre problemas da infância. Além disso, estão sendo lançadas as bases de uma cátedra de infância e mídia, que poderá congregar universidades públicas e privadas de todo o país.

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Para o L. Martins a grande virada consistiria na mudança de uma imprensa que diz: “o meu papel social termina com a publicação das notícias”, para uma imprensa que dissesse: “o meu papel social começa na compreensão da gênese dos fatos”.


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Traquina (2002) argumenta que a atenção dada pela pesquisa em jornalismo à questão do agendamento nos últimos anos parece indicar uma redescoberta do poder do jornalismo. O autor procura discutir as relações entre a agenda governamental, a agenda pública e a agenda jornalística (conceitos que ele retira de Molotch e Lester, 1993) e revela que o papel dos promoters (promotores intencionais de acontecimentos) só recentemente começou a ser objeto da pesquisa em jornalismo (quem determina a agenda jornalística?, pergunta ele). Ele discute principalmente a influência da agenda jornalística sobre a agenda publica. Uma conclusão possível dos estudos, conforme Molotch e Lester, é que “o acesso ao campo jornalístico constitui uma das fontes das relações de poder”. Aqueles que não têm acesso regular ao campo jornalístico precisam “fazer notícia” entrando em conflito com o sistema de produção jornalística, gerando surpresa, choque ou qualquer outra forma de agitação. Assim, a luta política tem como palco central uma luta simbólica em torno da construção dos acontecimentos. Baseado na análise de inúmeros estudos, Traquina observa que a influência da agenda jornalística sobre a agenda pública é direta e imediata enquanto a influência da agenda pública sobre a agenda jornalística é gradual e de longo prazo. Com o que estou de acordo. Mas, o autor adverte que os resultados da pesquisa são divergentes quanto essa influência. A crescente complexidade dos estudos mostra que o agendamento do público pelo jornalismo depende da natureza da questão, do grau de sociabilidade dos indivíduos, da necessidade de orientação, do distanciamento geográfico das pessoas em relação aos fatos e outros fatores (Traquina, 2002, 36-43). Na pesquisa brasileira, esses temas só muito recentemente entraram na agenda acadêmica, paralelamente aos avanços democráticos da sociedade civil. Ainda está por ser feito um levantamento dos estudos sobre a correlação de forças entre a agenda pública e a agenda jornalística, que poderá verificar os avanços e recuos da mídia como ator social e da sociedade em relação à mídia enquanto espaço público. Até que este diagnóstico não seja feito, corremos o risco de continuar repetindo clichês. 5. Conclusão É inegável que o jornalismo brasileiro continua realizando um trabalho de redução do debate político. Afinal, ele faz parte de uma sociedade organizada para o mercado, politicamente conservadora, socialmente excludente, apesar dos avanços. Nesse contexto, o jornalismo, uma atividade dependente das relações comerciais, não poderia ser diferente. Mas, isto se realiza com significativas e permanentes contradições. E não quer dizer que nosso


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jornalismo se alie automaticamente com o poder político nem que seja um instrumento exclusivo a serviço de interesses comerciais. A sobrevivência do jornalismo no país passa pela negociação de interesses, não se faz sem concessões, negociações permanentes, sem avanços e recuos de acordo com o jogo político. O jornalismo não é monolítico nem impermeável às pressões sociais. As pesquisas não podem simplesmente continuar denunciando manipulação ideológica como se isso fosse automático apenas porque a mídia existe conforme as regras do mercado. Essa atitude obscurece as contradições. Criticando o olhar analítico viciado, Albino Rubim (2003) adverte: aquilo que deveria ser tomado como uma questão de contemporaneidade a ser investigada, ganha perigosamente o estatuto de verdade inquestionável. Ele observa que a política vem apresentando alterações importantes pela necessidade de se adequar à dinâmica das redes de mídia como suporte da dimensão política contemporânea. Essas alterações passam pela absorção e pela utilização das linguagens e de recursos midiáticos, mas não são obrigatoriamente condicionadas pelas condições mercantis nem pela lógica única do entretenimento. Para ele, a política midiatizada significaria tão somente a política que transita na contemporânea dimensão pública de sociabilidade, buscando adequar-se a este espaço e à suas linguagens próprias. Isto significa mudanças relevantes na dinâmica política, diz Rubim, mas não se segue uma despolitização imperativa. Nem uma imposição da lógica e da razão midiática como superpoder se sobrepondo ao universo social. O acionamento e a adequação à mídia através de critérios de noticiabilidade jornalística não podem ser obrigatoriamente confundidas com espetacularização, como se a mídia tivesse o inerente poder de transformar e de plasmar automaticamente através de sua lógica tudo que toca, conclui. É certo que a mídia condiciona comportamentos políticos, potencializa as performances, carrega uma potente tendência ao espetacular. Mas, uma simplificadora identificação entre mídia e o espetáculo empobrece a diversidade da dinâmica política e das ações estratégicas dos seus atores (Rubim, 2003). Argumentos semelhantes são desenvolvidos por Albuquerque (2000): atribuir ao espetáculo midiático o poder de organizar a vida política como pura encenação subestima a relevância e as sutilezas da existência de uma contemporânea dimensão pública de sociabilidade instituída pelas redes midiáticas. A midiatização da vida social não necessariamente significa uma imposição cultural perniciosa e avassaladora. A mídia não é o lobo mal da política e da vida cultural. Para ele, um novo paradigma da pesquisa em jornalismo deveria: 1) enfatizar a compreensão dos processos de produção da notícia; 2)


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buscar entender o modo como fatores extra jornalísticos pautam o processo de produção da notícia; 3) considerar a participação dos sujeitos desse processo como sujeitos ativos e interessados em influenciar o conteúdo das notícias. O novo paradigma da pesquisa em jornalismo, afirma o autor, deveria tratar de compreender o modo de atuação política das empresas jornalísticas, verificar como elas definem a sua função pública, entender as concepções de noticiabilidade dos jornalistas, superar o simples senso comum e estabelecer métodos para identificar presenças concretas de manipulação. Há na mídia uma profusão de notícias sobre problemas sociais. A temática do desenvolvimento humano tornou-se naturalmente assunto cotidiano do jornalismo pela sua dramaticidade natural (pobreza, miséria, fome, endemias, desemprego, flagelos etc.). Esses temas são notícias, entretanto, apenas porque se encaixam dentro dos enquadramentos da noticiabilidade. A regra continua sendo a superficialidade e fugacidade da cobertura. Mas, há muitas reportagens que contextualizam e analisam temas sociais dramáticos, divulgando uma pluralidade de pontos de vista e apontando soluções de técnicos, especialistas e comunidade, além de boxes de serviço e orientação. Há inúmeros exemplos de adesão expontânea da imprensa a certas causas sociais. Há também inúmeros exemplos de estratégias de agendamento da imprensa por segmentos populares organizados, como vimos brevemente acima. As negociações, concessões e acordos entre o jornalismo e a sociedade civil são feitos e refeitos a todo o momento, de acordo com as posições políticas que se sucedem. Além dos temas observados pela nova pesquisa referidos acima, poderíamos citar outros casos interessantes do exercício da contra hegemonia no jornalismo, como a Rede de Informações para o Terceiro Setor (RITS), o Instituto Ethos e o IBASE. São exemplos de entidades criadas com o objetivo (entre outros) de subsidiar segmentos organizados para lidar com a mídia. Demonstrações incontestes que a lógica da mídia mudou a sociedade e a cultura política. Mas, demonstram que a sociedade civil também mudou, está aprendendo a lidar com a mídia, a conquistar trincheiras midiáticas. Que, ao contrário do que nos diz o paradigma midiacêntrico, ainda há bandeiras pelas quais lutar: há reações, resistências, táticas, conquistas, territórios ocupados, trincheiras democráticas. É essa dinâmica social que precisa ser levada em conta por uma pesquisa menos mecanicista e fatalista, que perde a essência das contradições sociais. Até onde os jornais e emissoras “aderem” por vontade própria às causas da sociedade civil organizada? Até onde o jornalismo conservador se dobra e cede às pressões? Até onde cobre causas sociais e abre espaços fazendo apenas concessão à noticiabilidade e aos


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interesses mercadológicos? Até onde o espírito cívico da sociedade civil pode dobrar a cultura profissional e comercial do jornalismo e reverter a direção das pautas? Até onde há acordos, concessões, negociações? São essas as perguntas que a nova pesquisa brasileira em jornalismo precisa responder. Não a partir de estudos parciais e psicologistas, mas a partir da compreensão de que o jornalismo, como a mídia em geral, é um ator social no dinâmico jogo político, um ator que nega e concede, negocia e recua. Um ator contraditório na sua especificidade, que não apenas transforma-se em um espaço singular da sociabilidade contemporânea, mas que também cobra incessantemente a sua relativa independência em relação a outros segmentos e que reivindica a todo o momento a sua legitimidade como espaço público legítimo, ainda que tenha, predominantemente, de conciliar seus interesses com o bloco hegemônico. É na resposta a essas perguntas que os estudos do jornalismo brasileiro vão ganhar consistência teórica e metodológica e construir um paradigma menos ingênuo, sociologicamente mais complexo, historicamente específico. O foco da pesquisa deve estar prioritariamente voltado para as relações sociais, as disputas políticas, os confrontos de classes e de frações de classe, as negociações, estratégias e alianças políticas que se realizam e se desfazem continuamente na sociedade brasileira, com imediatos reflexos nos processos comunicativos midiáticos, e em particular no jornalismo. Basta observar cuidadosamente nossos jornais, radio e telejornais, sem posições pré-concebidas, para neles identificar as contradições sociais que ali se realizam. Nossa pesquisa deve levar em conta a potência do jornalismo como instituição política, mas precisa considerá-lo como um ator social capaz de ceder e de negociar. O nosso jornalismo é dinâmico, contraditório, singular. Precisamos de uma pesquisa mais empírica e menos ensaísta, mais histórica e menos ingênua, que mantém o olhar no social, capaz de captar a dinâmica da luta pela consolidação da democracia no país.


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Sociedade pós-industrial e sociedade informacional: apontamentos de uma revisão bibliográfica Fernando Mattos∗

Apresentação

Os desdobramentos do processo de globalização econômica vêm promovendo diversas modificações na forma de funcionamento das economias nacionais, na maneira pela qual os diferentes Estados-Nacionais se relacionam e também na maneira como vivem e trabalham os cidadãos dos mais diversos países do mundo. As dimensões dessas transformações promovidas pela globalização não compreendem apenas aspectos econômicos, mas também culturais, sociais e ideológicos. Pensadores sociais de diversas áreas têm se dedicado a compreender e a teorizar sobre as mudanças ocorridas na nova ordem internacional estabelecida depois das ascensões de Margareth Thatcher e de Ronald Reagan ao poder (respectivamente, em 1979, na GrãBretanha, e em 1980, nos EUA), que coincidiu com o aprofundamento da adoção de políticas de caráter liberal (ou neoliberal, como dizem alguns) na maior parte dos países do mundo, quer sejam os desenvolvidos, ou os do Terceiro Mundo. Um ponto importante de nossa argumentação e de nossa concepção a respeito da globalização econômica que se intensificou nas últimas décadas é ressaltar que não consideramos esse fenômeno como obra do acaso ou como desdobramento "inevitável" das transformações econômicas capitalistas (ou seja, das chamadas “forças de mercado”). Nossa concepção é de que as características da globalização econômica que tomou corpo nas últimas décadas são resultado fundamentalmente de mudanças institucionais e legais promovidas pelos principais Estados Nacionais (notadamente EUA) não apenas nos respectivos âmbitos nacionais, mas também na atuação dos organismos financeiros internacionais, como OMC, FMI, Banco Mundial, ONU etc. Na defesa de seus interesses estratégicos, políticos e econômicos, os países hegemônicos da atual ordem internacional (especialmente EUA) têm moldado a atuação dos organismos internacionais e forçado, por exemplo, a liberalização do

Professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da PUC de Campinas. Professor e pesquisador do Centro de Economia e Administração (CEA) da PUC de Campinas. Doutor em Economia pela UNICAMP.


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sistema financeiro internacional20 e a liberalização (seletiva) do comércio internacional de mercadorias. Nesse contexto de importantes modificações estruturais, destaca-se o papel crescente que têm adquirido as chamadas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC). Na pesquisa desenvolvida, discute-se a contribuição dos autores pioneiros no debate sobre os efeitos dessa nova configuração política e econômica internacional (genericamente definida como "globalização") sobre as sociedades capitalistas desenvolvidas, notadamente sobre a estrutura de emprego (queda do emprego industrial; aumento do peso dos serviços no conjunto dos ocupados, especialmente dos serviços nos novos setores, com alta concentração de atividades intensivas em Conhecimento) e as novas formas de trabalho que têm sido exigidas dos trabalhadores. As mudanças promovidas pelo Capitalismo Contemporâneo sobre a estrutura social dos principais países gerou um importante debate que busca conceituar as novas sociedades. Tomando-se como principal referência as transformações tecnológicas promovidas pelo Capitalismo Globalizado, e as crescentes exigências de conteúdos de conhecimento das tarefas realizadas pelos trabalhadores, no contexto das mudanças da estrutura de emprego mencionadas acima, ganhou importância o conceito de Sociedade PósIndustrial (a partir do estudo seminal realizado por Daniel Bell, 1976), que se desdobrou em diversos outros conceitos que buscam caraterizar a natureza das novas sociedades capitalistas. Um dos principais desdobramentos desse debate conduz à formulação do conceito de Sociedade Informacional, para o qual têm contribuído diversos autores, de diversas filiações ideológicas. Um dos trabalhos pioneiros sobre a emergência da Sociedade Informacional foi produzido por Simon Nora e Alain Minc, intitulado "A Informatização da Sociedade" (escrito em 1978 e traduzido para o português em 1980). 20

No primeiro capítulo de minha tese de Doutoramento, traço uma retrospectiva histórica do processo de globalização financeira, que toma impulso especialmente a partir de meados dos anos 70, consolidando-se ao longo da década de 80, com decisiva participação dos governos liberais nos países que, não por acaso, concentravam (e concentram cada vez mais) os interesses financeiros internacionais da forma mais nítida: EUA e Grã-Bretanha. Os governos desses dois países, por intermédio dos seus respectivos Bancos Centrais e através também de pressão política e influência ideológica sobre os principais organismos financeiros internacionais, promoveram importantes mudanças no sentido da flexibilização de regras e normas que permitiram uma progressiva facilidade para o movimento os fluxos de capitais financeiros. Conforme comentamos em Mattos (2001), esse movimento de liberalização tinha por objetivo remover as diversas formas de controle erigidas durante o pós-segunda guerra para a movimentação do capital financeiro especulativo, tidas e havidas, nos anos 50 e 60 (até mesmo pelos ensinamento trazidos pelos anos do entre-guerras, quando, sob o domínio do pensamento liberal, o mundo vivenciou crise depressiva nas principais economias do mundo) (Hobsbawm, 1995) como uma forma importante de evitar movimentos meramente especulativos de capitais. A ordem financeira dos anos 50 e 60 teve papel importante na recuperação econômica e na prosperidade dos principais países capitalistas e o papel desempenhado pelos controles de capitais foram fundamentais para esses resultados econômicos tão favoráveis. Nesse espaço, não pretendemos nos alongar nesse assunto, mas, de qualquer maneira, é importante,


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O objetivo mais geral deste artigo é destacar o papel das novas tecnologias da Informação e das Comunicações no atual contexto capitalista (capitalismo “globalizado”). O objetivo mais específico é descrever a contribuição teórica dos principais autores que trabalham os conceitos de Sociedade Pós-Industrial e de Sociedade Informacional. O método de análise concentra-se em três pontos. Em primeiro lugar, na descrição das principais transformações econômico-financeiras ocorridas desde o final da década de 1970, com o intuito de contextualizar o ambiente em que se produziram os primeiros estudos sobre a Sociedade Pós-Industrial e a Sociedade Informacional. Em segundo lugar, pretende-se elaborar uma avaliação das principais transformações ocorridas nas estruturas setoriais do empregos nos principais países capitalistas, pois foi a partir da análise dessas transformações que os conceitos acima citados foram formulados. Em terceiro lugar, chega-se ao ponto principal da pesquisa: analisar a Sociedade da Informação, a partir dos estudos de alguns dos principais autores que se dedicaram ao tema. Os resultados da pesquisa realizada indicam que foram muito significativas as mudanças

promovidas

pela

globalização

econômica

e

pelas

novas

tecnologias.

Resumidamente, pode-se descrever a seguir as principais mudanças promovidas pela globalização econômica que foi impulsionada a partir do final dos anos 70/início dos anos 80. Entre as principais mudanças, podemos destacar: (a) aumento dos fluxos de capitais financeiros de curto prazo que transitam entre os mercados financeiros dos principais países do mundo capitalistas, quer sejam os países desenvolvidos, os recentemente convertidos ao capitalismo (países do antigo bloco socialista, liderado pela então URSS) ou os países do chamado Terceiro Mundo (que, muitas vezes, assim como alguns dos antigos países socialistas, passam a ser chamados pelos mercados financeiros e pela imprensa de "países emergentes") (Coutinho, 1995); (b) busca incessante das grandes corporações financeiras empresariais pela adoção de tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC), como estratégias para melhorar suas lucratividades e ampliar seus negócios; (c) ampliação dos fluxos de investimentos diretos externos (IDE), cujo estoque cresceu mais, em média, do que os respectivos produtos internos brutos dos principais países do mundo (Chesnais, 1995);

pelo menos, destacar que a forma e o funcionamento da atual ordem econômico-financeira internacional é bastante diferente da que vigorava há quatro ou cinco décadas atrás.


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(d) ampliação também do volume de exportações, embora com velocidade menor do que o crescimento dos fluxos de capitais financeiros e dos fluxos de IDE, mas ainda maiores do que as variações médias do produtos internos brutos dos principais países capitalistas do mundo (Chesnais, 1995); (e) concentração da maior parte dos IDE e dos negócios em fusões e aquisições de novas empresas no bloco dos países mais desenvolvidos (ou seja, os pertencentes à tríade – EUA, Japão e Europa), conforme mostra Chesnais (1995), ao contrário do que poderia parecer ao senso comum de exaltação ao processo de globalização; (f) ampliação da rapidez da incorporação dos avanços tecnológicos da microeletrônica nos processos industriais, promovendo mudanças importantes nas plantas produtivas das principais empresas e nos seus respectivos processos de trabalho (Coutinho, 1992); (g) redução acelerada de custos de transportes e comunicações, com efeitos significativos sobre as estratégias de produção e comercialização das empresas (Serfati, 1996); (h) a redução dos custos de transportes e comunicações amplia e estimula o comércio internacional, inclusive o comércio intra-firmas, pois as grandes empresas passam a poder produzir diferentes partes de seus produtos finais em diferentes países, usufruindo das vantagens de custos oferecidas por cada um deles (Castillo, 1997); (i) o novo paradigma tecnológico promove não apenas um peso crescente do complexo eletrônico, mas também possibilita a crescente automação integrada flexível nas plantas produtivas, que promovem, por sua vez, uma intensa mudança nos processos de trabalho, exigindo ao mesmo tempo maior qualificação e maior flexibilidade da mão-de-obra em suas tarefas (Coutinho, 1992); (j) os processos de fusões e aquisições entre grandes complexos empresarias, notadamente nas áreas farmacêutica, aeroespacial, química, têxtil, automobilística e eletroeletrônica, entre as principais, faz-se necessária para enfrentar a cada vez mais acirrada concorrência capitalista, submetida a crescente internacionalização (Belluzzo, 1997); (k) as economias capitalistas têm crescimento de seu produto interno bruto, a partir dos anos 80, em escala menos acelerada do que haviam presenciado nos anos 50 e 60; isso acirra a concorrência entre as empresas pelos mercados de vendas de produtos, pois muitas vezes o aumento das vendas se faz sobre a demanda das empresas concorrentes (nos mercados nacionais ou internacionais), pois a era da globalização,


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ao contrário do que muitos imaginam, tem sido a era de relativa estagnação econômica na maioria dos países do mundo (Mattos, 2001); (l) a acumulação capitalistas no setor financeiro tem sido mais acelerada do que na esfera produtiva, o que coloca enormes dificuldades para a ampliação do estoque de empregos nos mercados de trabalho dos principais países capitalistas (Mattos, 2001), Belluzzo (1997), Mattoso (1995); (m) transformações importantes da estrutura do emprego, com ampliação do peso das atividades do setor terciário (Singelmann,, 1978), acompanhada de progressiva deterioração dos mercados de trabalho dos países capitalistas desenvolvidos (queda da taxa de geração de emprego, aumento das “inseguranças” no trabalho, queda dos salários reais, aumento do peso das ocupações precárias etc.) (Mattoso, 1995); (n) por fim, mas não menos importante, uma modificação fundamental do cenário geopolítico, com a ampliação da assimetria entre os países em termos de poderio econômico-financeiro, de força militar e de capacidade de realizar políticas econômicas (Tavares e Fiori, 1997).

Estrutura Setorial do Emprego e Ocupações das Tecnologias da Informação

Todo este cenário, sumariamente descrito acima, tem estimulado um intenso debate a respeito da natureza da concorrência capitalista dos últimos anos e principalmente tem estimulado a produção de diversas teorias acerca das características econômicas e sociais da sociedade atual. As intensas transformações ocorridas na estrutura setorial do emprego, a crescente concentração da renda e da riqueza 21 , a crescente precarização dos mercados de trabalho (Mattoso, 1995), refletida no aumento do desemprego, no aumento do peso dos contratos de tempo-parcial e de caráter temporário entre os trabalhadores e pela queda (ou crescimento

21

Dados citados por Wolff (1995), retirados do Survey of Consumer Finances, revelam que, entre 1983 e 1989, a parcela da riqueza toal líquida dos EUA apropriada pelo 1% mais rico daquele país, saltou de 33,8% para 39% e a apropriada pelos 80% mais pobres, caiu de 18,6% para 14,5% da riqueza líquida total dos EUA. No mesmo período, a parcela da renda total americana apropriada pelo estrato do 1% mais rico daquele país, saltou de 12,8% para 16,5% enquanto que os 80% mais pobres, que, em 1983, detinham 48,1% da renda total da sociedade americana, abocanhavam apenas 44,5% do total da renda americana em 1989. Dados mais recentes do Departamento de Trabalho americano mostram que, nos anos 90, o processo de concentração da renda e da riqueza continuou a se aprofundar.


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muito lento) dos salários reais (Mattos, 2001) deu margem a diversas interpretações a respeito do Capitalismo e do Mundo do Trabalho nos tempos atuais. Uma das correntes de maior influência sobre as chamadas Ciências Sociais reúne estudiosos que apregoam estarmos vivendo a partir de pelo menos o final dos anos 70, transformações que nos levam a uma suposta sociedade pós-industrial, conforme procuraremos descrever a seguir. Há também autores de destaque que defendem que as sociedades atuais estariam sendo caracterizadas pela ampliação da importância de postos de trabalho ocupados por trabalhadores que precisam, para sua eficaz atuação, concentrar cada vez mais conhecimento técnico/científico e qualificação da mão-de-obra para atuar sob os novos paradigmas tecnológicos. Para esses autores, dos quais o maior destaque é sem dúvida o sociólogo espanhol Manuel Castells, estaríamos vivendo atualmente sob a Era da Informação, ou sob uma Sociedade Informacional ou Sociedade da Informação. Por fim, há também autores que apregoam estarmos atualmente sob uma situação de crise estrutural grave, que nos leva uma suposta situação de "fim dos empregos", ou "fim do trabalho"22, pelo menos da forma de trabalho caracterizado pela fase fordista da acumulação capitalista, que predominou por quase todo o século XX. Antes de nos dedicarmos a descrever os principais argumentos dos autores que defendem a idéia de que estaríamos sob uma sociedade pós-industrial ou dos autores segundo os quais vivenciaríamos atualmente uma Sociedade da Informação, seria interessante fazer uma avaliação sobre a evolução da estrutura setorial do emprego em alguns dos principais países. Ou seja, antes de apresentarmos uma revisão bibliográfica comentada de alguns dos principais autores a tratar do tema da Sociedade pós-industrial, entendemos que seria interessante analisar alguns dados da evolução da estrutura setorial do emprego e das transformações ocorridas nos mercados de trabalho dos principais países capitalistas nas últimas décadas. Esses dados foram coletados nas publicações de algumas das principais organizações internacionais, como a OCDE, por exemplo. Os dados da tabela 1 já mostram como o tema é sujeito a polêmicas. Nessa tabela, são apresentados os dados anuais do estoque de empregos assalariados na indústria de EUA e da União Européia desde 1960 até os tempos atuais. Na verdade, a amostragem é bastante significativa, pois reúne os principais países capitalistas do planeta e se refere a um período de tempo bastante largo. Na tabela, podemos constatar que, nos EUA, aumentou expressivamente, entre 1960 e 1997, o número de trabalhadores assalariados empregados nas


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atividades industriais. No período de quase 40 anos em questão, foram criados, em termos líquidos, quase 8 milhões de postos de trabalho na indústria americana, o que dá um crescimento médio anual de quase 1% no estoque de empregos industriais no principal país capitalista do mundo. Por outro lado, no conjunto dos 15 países que conformam a União Européia, houve uma queda de pouco mais de 5 milhões de postos de trabalho na Indústria entre 1960 e 1997 – partindo de um estoque de cerca de 50 milhões de assalariados industriais em 1960, o que representa uma redução anual média de cerca de 0,3% no estoque de postos de trabalho industriais nesse conjunto de países. Sendo assim, pelo que mostra na tabela 1, parece ser prematuro afirmar que o Capitalismo atual se caracterizaria pelo "fim" do emprego industrial ou mesmo por sua redução acentuada. Basta ver que no país capitalista mais desenvolvido, se olharmos os dados sob uma perspectiva de médio prazo, ou seja, nos últimos 40 anos, houve um aumento do estoque de empregos na atividade industrial no período. Mas o argumento de alguns dos defensores do suposto "fim do emprego industrial" ou mesmo dos que defendem a idéia de que estaríamos sob uma sociedade pós-industrial baseiase, muitas vezes, na redução do peso relativo do emprego industrial no conjunto das ocupações dos mercados de trabalho dos países desenvolvidos.

Tabela 1 Emprego total na indústria EUA e União Européia Em milhares de empregados 1960-1997

22

Anos

EUA

União Européia

1960

23198

50061

1961

22576

51102

1962

23219

51709

1963

23775

52186

1964

24291

52803

1965

25211

53082

1966

26278

53018

1967

26653

51958

1968

26896

51909

1969

27533

52979

1970

27029

53681

1971

26092

53285

1972

26766

52785

1973

28225

53421

1974

28194

53456

Um dos principais autores que veiculam essa idéia é Rifkin (1995).


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1975

26288

51902

1976

27354

51004

1977

28401

50883

1978

29887

50614

1979

30918

50684

1980

30315

50403

1981

30190

48719

1982

28257

47338

1983

28253

45965

1984

29892

45693

1985

30048

45294

1986

30339

45191

1987

30475

45182

1988

30964

45608

1989

31291

46368

1990

31123

47152

1991

29753

50400

1992

29155

48354

1993

28907

46361

1994

29535

45017

1995

29984

44808

1996

30215

44766

1997

30950

44713

Fonte: OCDE - Quarterly Labour Force Statistics.

Os gráficos I, II e III, a seguir, dão uma idéia da trajetória da participação relativa (medida em termos percentuais) do emprego nos setores segundo uma divisão setorial tradicional, ou seja, setor agrícola, setor industrial e setor de serviços. No gráfico I, sobre a evolução da participação setorial do emprego nos EUA, verifica-se, em primeiro lugar, a continuidade de uma tendência secular de queda do peso relativo do emprego agrícola, que chega a apenas cerca de 2,5% do total das ocupações em 2001 (ver também tabelas a seguir). No que se refere aos outros dois setores, fica claro que a queda do peso do emprego industrial tem como contrapartida a ampliação do peso do emprego nas atividades de serviços, que atingem cerca de 75% do total dos postos de trabalho na economia americana em final do século XX/início do século XXI. Deve-se ressaltar que a ampliação do peso das atividades agregadas como pertencentes ao segmento dos serviços deveu-se ao fato de que elas tiveram um crescimento mais expressivo das mesmas do que das atividades industriais (que também cresceram em termos absolutos, conforme vimos na tabela 1). No gráfico II, com dados do G723, também pode-se verificar uma queda expressiva do emprego nas atividades agrícolas (cujo peso, em 1960, era de cerca de 20%, ou seja, parcela

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Grupo dos 7 países mais ricos do mundo, a saber: EUA, Canadá, Japão, Reino Unido, Itália, Alemanha e França.


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nada desprezível) e uma redução do peso das atividades industriais e aumento do peso das atividades de serviços. No gráfico III, os dados do conjunto de países que formam a União Européia 24 repetem a trajetória verificada nos gráficos anteriores. No caso europeu, a ampliação do peso do emprego nos serviços deveu-se não apenas ao seu aumento em termos absolutos, mas também à redução, em termos absolutos, do estoque de empregos nas atividades industriais (ver tabela 1).

Gráfico I EMPREGO SETORIAL - EUA 80,0 70,0 60,0 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 0,0

Agrícola Industrial Serviços

A N OS

Gráfico II EMPREGO SETORIAL - G7 80,0 70,0 60,0 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 0,0

Agrícola Industrial Serviços

A N OS

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A saber: Reino Unido, Alemanha, Espanha, Itália, França, Suécia, Luxemburgo, Holanda, Bélgica, Áustria, Dinamarca, Portugal, Grécia, Irlanda e Finlândia.


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Gráfico III EMPREGO SETORIAL - UNIÃO EUROPÉIA 80,0 70,0 60,0 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 0,0

Agrícola Industrial Serviços

A N OS

As tabelas do anexo I do livro de Castells (1999) mostram de forma mais detalhada a evolução da estrutura setorial do emprego em alguns dos principais países. Procuramos levantar dados de países de diferentes características, para tornar os dados mais amplos e significativos do movimento geral dos mercados de trabalho sob o Capitalismo das últimas décadas. Sendo assim, podemos constatar que tanto nos países capitalistas mais desenvolvidos (como EUA, Itália, Alemanha, França, Reino Unido, Japão), quanto em países europeus de desenvolvimento recente na Europa (Espanha, Portugal) ou na Ásia (Coréia) ou na Oceania (Austrália) e ainda também em países de recente conversão ao Capitalismo (República Checa), tem sido verificada uma queda do peso relativo das atividades agrícolas e das atividades industriais desde 1960 até o ano de 2001. Entre os países mais desenvolvidos, a Alemanha ainda conserva um peso expressivo de emprego em atividades industriais (cerca de 32%), mas o mesmo tem decrescido ao longo dos anos. No que se refere ao peso das atividades agrícolas, a redução de seu peso relativo também tem sido inequívoca, o que vale tanto para países cujo peso dessas atividades era expressivo no início da década de 60 (Portugal, Espanha, Itália, Japão) ou de 70 (Coréia), como também para países que já ostentavam reduzida participação relativa dessas atividades no ano de 1960, como o Reino Unido. Em todos os países, o peso relativo das atividades de serviços era maior do que 60% em 2001, exceto apenas em Portugal e na República Checa, com peso dessas atividades entre 50% e 60%. Feitas essas considerações, é preciso avançar mais. As atividades reunidas no setor de serviços, como se sabe, são residuais, ou seja, são classificadas por exclusão. O que são as atividades de serviços? São todas aquelas que não podem ser classificadas como atividades agrícolas (que incluem atividades de extração mineral ou vegetal) e nem como atividades industriais (que incluem as atividades da indústria da transformação e as atividades de construção civil). Ou seja, entre as atividades do setor de serviços incluem-se atividades


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relativas ao comércio de mercadorias (em grandes estabelecimentos ou em atividades de trabalhadores ambulantes), aos serviços financeiros, aos serviços realizados pelo setor público e todas as atividades dos chamados profissionais liberais. Incluem também o serviço doméstico e os serviços pessoais, esses últimos praticados por empresas ou por indivíduos que trabalham por conta-própria. Trata-se, portanto, de um amplo leque de atividades, com mãode-obra de diferentes graus de qualificação e de rendimentos, para não falar das perspectivas de carreiras profissionais. Em suma, é importante tentar organizar os dados e informações do setor terciário de forma mais desagregada, para compreender de maneira mais conclusiva essas atividades. Na verdade, pretende-se organizar as estatísticas das atividades de serviços de forma a aferir quais são as ocupações mais ligadas às atividades industriais e as que não se relacionam às mesmas. Esse esforço de interpretação é muito importante para que possamos, a seguir (na próxima seção) os principais argumentos dos teóricos a favor e contra a tese da sociedade pósindustrial. É importante destacar que, muitas vezes, atividades que atualmente estão colocadas nas atividades de serviços, eram, há alguns anos, realizadas no âmbito das empresas do setor industrial. Ou seja, há diversos casos de profissionais que atualmente executam as mesmas tarefas que executavam há alguns anos, mas não as executam mais no espaço da planta produtiva de uma empresa do setor manufatureiro/industrial, mas em escritórios ou em casa com trabalho contratado pela mesma empresa que antes o empregava. Há também casos em que o profissional mantém-se no mesmo espaço físico do tempo em que estava ocupado como assalariado de uma empresa do setor industrial, mas seu contrato de trabalho é diferente do caso anterior, ou seja, o trabalhador foi "terceirizado" e sua ocupação, estatisticamente, entra na classificação do setor terciário, embora, na verdade ele atue de forma clara e explícita para uma empresa do setor industrial. Mas não é apenas por causa desses movimentos de "terceirização" da força de trabalho que o peso relativo do setor de serviços aumentou. Muitas pessoas, premidas pelo desemprego, ou pela expulsão de atividades em empresas manufatureiras/industriais, buscam formas de auto-ocupação no setor terciário como forma de sobrevivência, "inchando" as atividades não-industriais dos mercados de trabalho dos principais países capitalistas (isso certamente ocorreu também no Brasil). Deve-se destacar também um outro aspecto muito importante, para o qual estão muito atentos os autores que não coadunam com a tese da sociedade pós-industrial.

Muitas

profissões ou ocupações, embora claramente definidas como integrantes de atividades do setor de serviços, somente existem como conseqüência do desenvolvimento de novas


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atividades industriais ou do avanço tecnológico em atividades industriais já existentes. Assim, por exemplo, a profissão de webmaster executada por um profissional que trabalhe por contaprópria ou como assalariado em uma empresa prestadora de serviços, entra nas estatísticas do setor de serviços, mas essa atividade somente existe por conta do desenvolvimento de atividades industriais no âmbito da chamada "nova economia". O mesmo vale para diversas outras atividades que, de alguma forma, relacionam-se às novas tecnologias industriais que foram desenvolvidas nas atividades de computação, mecatrônica, eletroeletrônica etc., ou seja, nas atividades do chamado setor da Informação. Dessa maneira, torna-se imperioso fazer um estudo mais aprofundado a respeito do conteúdo ocupacional das atividades de serviços, ou das chamadas atividades do setor terciário da economia. Castells (1999) utiliza-se da conceituação concebida por Singelmann (1978) há mais de 3 décadas. Na referida conceituação, Singelmann desagrega as atividades de serviços segundo suas funções dentro da cadeia produtiva das sociedades capitalistas, no contexto do pós-guerra. Os tipos de serviços25 definidos são: serviços de distribuição, serviços relacionados à produção, serviços sociais e serviços pessoais. Os serviços de distribuição reúnem tanto as atividades de comunicações, como as de transportes e também as atividades comerciais de varejo e atacado. Os serviços relacionados à produção relacionam as atividades de serviços que são cruciais para o processo produtivo da economia, como as atividades bancárias (incluindo seguradoras, financeiras etc.), as atividades de assessoria jurídica e congêneres, as atividades de contabilidade empresarial, as atividades técnicas de diferentes características (incluindo atividades de consultoria), as atividades de engenharia de todos os tipos (inclusive computacionais) e ainda todas as atividades ligadas ao comércio, aluguel e administração de imóveis. Os serviços sociais englobam todos os tipos de atividades públicas, com destaque para atividades relacionadas à educação, à saúde, aos serviços religiosos (remunerados ou não), aos serviços em entidades ligadas ao bem-estar social e aos serviços de correios26; em suma, os serviços sociais podem ser definidos também como serviços de consumo público ou coletivo, em contrapartida aos serviços pessoais, que podem ser considerados serviços de consumo individual, reunindo ocupações em serviços relacionados a atividades de lazer, entretenimento, alimentação,

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Em minha dissertação de Mestrado, defendida em 1994 no Instituto de Economia da UNICAMP, adoto uma classificação semelhante para o setor de serviços. Cf. Mattos (1994). 26 Parece estranha a inclusão de serviços de correios nessa rubrica. Muito autores preferem incluí-los nas atividades de comunicações, mas a classificação e Singelmann prefere incluí-los nas atividades de serviços sociais.


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higiene pessoal e domésticos (inclusive serviços de reparo de residências ou de eletrodomésticos, e serviços de lavanderia, entre outros). Uma interessante análise da evolução da estrutura setorial do emprego nas principais economias capitalistas, desde a década de 1920, é apresentada por Castells (1999), no capítulo 4. Conforme lembra o autor (corretamente, a nosso juízo), há diferenças importantes entre os países considerados (EUA, Japão, Alemanha, França, Itália, Reino Unido e Canadá), as quais não se relacionam estritamente a aspectos econômicos, mas também às formas históricas de organização social desses países, que geram estruturas de emprego diferentes e que evoluem também de forma diferenciada. De qualquer forma, pode-se verificar alguns desdobramentos comuns das respectivas estruturas setoriais do emprego, que repetem o que já comentamos acima: redução contínua, ao longo do tempo, do peso relativo do emprego agrícola e redução também do peso do emprego industrial, tal qual sua definição mais tradicional, ou seja, incluindo as atividades mais claramente realizadas no âmbito das indústrias de transformação e de construção civil, incluindo serviços públicos de infra-estrutura. A redução do peso do emprego industrial ocorre em diferentes momentos históricos segundo os países mencionados: no Reino Unido, nos EUA e na Alemanha, a partir dos anos 60 (com a importante diferença de que, na Alemanha, o peso relativo do emprego industrial ainda hoje é bastante alto e bem superior ao dos EUA); na França, Itália e Japão, a partir dos anos 70, mas de forma moderada, acelerando-se vigorosamente a partir de meados dos anos 80 e início dos anos 90. As principais diferenças, entretanto, encontram-se nas atividades de serviços. Ou, mais exatamente, na composição e na evolução da estrutura do emprego nas atividades de serviços. A articulação das atividades de serviço com o setor industrial, assim como fatores históricosociais (como, por exemplo, a dimensão, características e extensão das atividades dos respectivos Estados de Bem-Estar Social) são os principais elementos que explicam a dinâmica ocupacional das atividades de serviços ao longo das últimas oito décadas (pelo menos). Os serviços característicos da sociedade industrial, que viveu seu auge em meados do século XX, são os chamados serviços ligados à produção. Trata-se de atividades de apoio às empresas, principalmente às empresas do setor industrial. As tabelas elaboradas por Castells (1999) demonstram que esse tipo de atividade dos serviços tiveram aumento de seu peso relativo no conjunto do emprego tanto no período entre 1920-1970, quanto no período mais recente (1970-1990) em todos os países do G7. A maior parte das atividades relacionadas como serviços ligados à produção reúne profissionais que, basicamente, tratam de informações estratégicas para as atividades empresariais. O percentual do emprego nos


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serviços relacionados à produção varia em cada um dos países (mas, como já dissemos, houve crescimento em cada um deles) - e esta variação decorre, provavelmente, do grau e extensão com que essas atividades são absorvidas pelas atividades industriais (criando postos de trabalho diretamente no setor industrial) em cada uma das economias em questão. Os serviços sociais tiveram expressivo crescimento durante os Anos Dourados (19451973) do capitalismo (Hobsbawm, 1995). Nesse período, marcado por forte prosperidade econômica e melhoria expressiva das condições sociais, houve um significativo impulso das atividades do Estado de Bem-Estar Social (Welfare State) nos países desenvolvidos, época em que cresceu expressivamente a quantidade de postos de trabalho nas áreas de Saúde, Educação, e em atividades como Correios, burocracia estatal e outros serviços públicos. Foi um período em que a Democracia (com suas conquistas sociais) desenvolveu-se ao lado de uma economia próspera, gerando melhoria do padrão de vida nas sociedades capitalistas que haviam saído de um período difícil, que culminara com os horrores da Segunda Guerra Mundial. A expansão do emprego público, nesse período, foi muito importante para consolidar as atividades de bem-estar social e teve papel fundamental na expansão do conjunto do emprego nos países desenvolvidos (Mattos, 2001). Nos últimos 25 anos, porém, os principais países capitalistas perceberam uma desaceleração significativa em sua atividade econômica, fato que coincidiu com uma retração ou estagnação das atividades dos respectivos Estados de Bem Estar Social nas principais economias do mundo. A expansão do emprego público desacelerou-se fortemente ou mesmo refluiu em alguns países. Essas atividades públicas estão incluídas nos serviços sociais e sua retração provocou também a retração ou estagnação da participação relativa dos serviços sociais nas principais economias desenvolvidas. De qualquer forma, há países, como França e Alemanha, principalmente, em que o peso relativo dos serviços sociais no conjunto do emprego é elevado, por causa do peso significativo do seu emprego público. No caso dos EUA, o peso relativo dos serviços sociais também é alto, mas, nesse caso, deve-se principalmente ao emprego em atividades de Educação. No que se refere aos serviços de distribuição, pode-se afirmar que seu peso relativo é alto na totalidade dos respectivos mercados de trabalho dos países desenvolvidos. Ademais, tem se mantido relativamente estável nas duas últimas décadas. A maior parte de suas atividades se concentra no comércio varejista e no comércio atacadista. Essa atividades ainda conservam elevada participação nas economias capitalistas desenvolvidas, resistindo às principais transformações da área industrial e das novas tecnologias. Na verdade, as atividades comerciais parece que sempre terão importância nas economias capitalistas,


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independentemente do grau de desenvolvimento tecnológico das mesmas. Na maior parte dos países considerados, a participação relativa dessas atividades de serviços era mais que três vezes maior do que a participação dos serviços ligados à produção. Os serviços pessoais também ainda conservam peso relativo importante nas sociedades capitalistas desenvolvidas. Entre essas atividades, encontram-se ocupações no setor de alimentação e bebidas, assim de hospedagem. Há uma ampla gama de outras atividades reunidas nos serviços pessoais, alguns das “novas” atividades relacionadas à economia do lazer e do tempo livre. As mudanças na estrutura de emprego ocorridas no chamado “capitalismo informacional” de Castells (1999) não provocaram a redução do percentual dos serviços pessoais no conjunto das ocupações dos mercados de trabalho dos países desenvolvidos.

O Debate Sobre Sociedade Pós-Industrial

Os dados tabulados e analisados por Castells (1999) são utilizados pelo autor para analisar as transformações que parte significativa (e, segundo nosso entendimento, hegemônica) da literatura econômica e sociológica que trata das mais recentes transformações na ordem social e dos mercados de trabalho chama de “sociedade pós-industrial”. Embora reconhecendo que tem aumentado expressivamente o peso dos serviços, de modo geral, na estrutura de emprego dos principais países capitalistas, em detrimento do emprego industrial, e também reconhecendo que têm ocorrido importantes mudanças estruturais dentro mesmo das atividades de serviços, Castells (1999) discorda da tese da “sociedade pós-industrial”, colocando em seu lugar o conceito de “sociedade informacional” ou simplesmente “informacionalismo”, especialmente porque, segundo ele: (a) a maior parte das novas ocupações criadas não devem ser vistas simplesmente como atividades do setor de serviços, mas, mais especialmente, como atividades realizadas por trabalhadores que se ocupam crescentemente de atividades com elevado conteúdo tecnológico, baseado em funções que exigem alto conhecimento e elevado estoque de tecnologias da informação (notadamente por causa da ampliação do peso da infra-estrutura de comunicações nas atividades industriais ou de serviços); (b) o autor rejeita a afirmação das teses da “sociedade pós-industrial” que interpreta as recentes mudanças na estrutura de emprego como uma tendência de redução acelerada da importância do setor industrial. Castells (1999) lembra do trabalho de Cohen e Zysman (1987), no qual os autores apregoam que, em que pese a redução do peso da indústria


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no conjunto do emprego dos países desenvolvidos (em favor das atividades de serviços27), as atividades industriais ainda comandam parcela bastante expressiva dos respectivos PIB’s nacionais, pois parte importante dos serviços criados são relacionados e dependentes diretamente das atividades industriais28; (c) Castells (1999) reconhece a razão dos defensores das teses de “sociedade pós-industrial” ao afirmarem que tem aumentado o peso das profissões “ricas em informação” nas novas estruturas de emprego, mas lembra que não são apenas elas que estão vivenciando uma expansão relativa, mas também tem aumentado o peso do emprego de profissionais cuja mão-de-obra é pouco qualificada nessas mesmas estruturas ocupacionais recentes29; (d) por fim, Castells (1999) critica uma certa visão “determinista” (termos nossos) segundo a qual estaria em curso uma inexorável evolução das estruturas ocupacionais que conduziria todas as sociedades a um modelo de “sociedade informacional”, destacando que as estruturas econômicas e sociais dos países são bastante diferenciadas30. Na seguinte passagem de Castells (1999) está um resumo do que o autor entende por “sociedade informacional”, conceito que ele propõem em substituição às teses da “sociedade pósindustrial”: “o que é mais distintivo em termos históricos entre as estruturas econômicas da primeira e da segunda metade do século XX é a revolução nas tecnologias da informação e sua difusão em todas as esferas de atividade social e econômica, incluindo sua contribuição no fornecimento da infra-estrutura para a formação de uma economia global. Portanto, proponho mudar a ênfase analítica do pós-industrialismo para o informacionalismo”. 27

Castells (1999) chama a atenção para algo que já comentamos mais acima: a classificação das atividades de serviços, pela sua própria natureza, é de difícil definição, dado o caráter residual das mesmas – ou seja, são classificadas pelo que NÃO são: não são atividades agrícolas, não são atividades industriais. O autor, corretamente, defende que se deve fazer uma investigação mais detida, com dados mais desagregados, das mudanças na estrutura de emprego nos serviços, procurando interpretar as transformações ocorridas recentemente no conteúdo das ocupações dos serviços de forma menos simplória (palavras nossas) do que o fazem os defensores da tese da “sociedade pós-industrial”. 28 Os argumentos de Cohen e Zysman (1987) são mais ricos do que esses destacados por Castells (1999). Devemos destacar que, em nossa avaliação, o livro de Cohen e Zysman (1987) permanece bastante atual e arrola argumentos muito importantes, com os quais concordamos, que rejeitam a tese da “sociedade pós-industrial”. Os autores destacam o papel central representado pelas atividades industriais no Capitalismo e lembram que a própria expansão de diversas atividades do setor terciário (serviços e comércio) dependem da dinâmica e diversificação das atividades industriais. Não se deve confundir queda do peso do emprego industrial na estrutura ocupacional com redução da importância do mesmo para a atividade econômica. Estamos de acordo com essa interpretação de Cohen e Zysman (1987) e consideramos mesmo que as teses de “sociedade pósindustrial” têm muito mais um caráter ideológico do que um caráter científico comprovado por dados e estatísticas de emprego ou de valor agregado. Mais à frente, apresentaremos outros argumentos de oposição à tese de “sociedade pós-industrial”. 29 Sobre isso, cf. Mattos (2001), que mostra que nos EUA (e em outros países capitalistas) tem aumentado a diferença de renda entre os trabalhadores justamente por causa de um esvaziamento da presença de ocupações intermediárias na estrutura ocupacional, em favor de uma significativa expansão de profissões de altas rendas e também das profissões/ocupações de rendas baixas, geralmente caracterizadas por trabalhadores com mão-deobra de baixa qualificação.


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Um livro seminal a respeito desse debate sobre as recentes transformações setoriais do emprego nas sociedades capitalistas é o de D. Bell (1976). Esse autor baseou sua avaliação segundo a qual estaríamos entrando em uma fase de sociedade “pós-industrial” ao afirmar que as atividades produtivas (industriais) estariam sendo substituídas pelas atividades de serviços, assim como, no século passado, teria havido a substituição da agricultura pela indústria. Através dessa dicotomia simplificada, o autor argumenta que a sociedade pós-industrial se fundaria nos serviços e o seu motor básico seria a informação, e não mais o trabalho produtivo, baseado no trabalho braçal do setor industrial. Para Bell (1976), a sociedade pósindustrial representaria a superação da habilidade (o saber-fazer) por uma (suposta) ciência abstrata. Gershuny (1978) apresenta uma crítica muito bem estruturada ao trabalho de Bell (1973), questionando-o em seus próprios termos e premissas. Em primeiro lugar, Gershuny (1978) coloca em discussão o próprio conceito de serviços utilizado por Bell (173) e, nesse sentido, avança mais do que o faria, anos depois, Castells (1999) em sua crítica a Bell (1973). Segundo Gershuny (1978), a inadequação do conceito de serviços utilizado por Bell (1973) reside no fato de que ele não sustenta uma definição clara da atividade de serviços. O principal argumento de Gershuny (1978) é de que as sociedades capitalistas atuais têm se caracterizado pela expansão do auto-serviço, por ele exemplificado pelo aumento do consumo de automóveis (que é um bem) em detrimento do transporte coletivo (um serviço). Gershuny (1978) destaca que a atividade industrial ainda conserva importância fundamental no capitalismo contemporâneo. Segundo o autor, o aumento do emprego nas atividades terciárias resulta, na verdade, de profundas mudanças que têm ocorrido nas organizações industriais. Dessa forma, o aumento do emprego no terciário não seria resultado do aumento da demanda final por serviços, mas notadamente pela expansão de serviços criados pelas novas necessidades das atividades industriais – estas, sim, conservariam papel central na dinâmica econômica capitalista contemporânea. Assim, Gershuny (1978) se opõe à idéia presente nos trabalhos de Bell (1973) segundo a qual estaríamos transitando, já desde as décadas de 60/70 do século XX, para uma sociedade cuja demanda por consumo seria de produtos nãomateriais. A expansão do auto-serviço, para Gershuny (1978), geraria demanda por produtos materiais, produzidos nas indústrias. O auto-serviço muitas vezes substitui os serviços pessoais e geram, portanto, maior expansão da demanda por produtos produzidos

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Estamos de acordo com este argumento de Castells (1999) também, o qual gostaríamos de reforçar afirmando que há um importante componente histórico que normalmente não é levado em conta pelos autores “deterministas” que defendem a tese de “sociedade pós-industrial”.


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industrialmente. Dessa forma, embora não negue a expansão de emprego nas atividades terciárias31, Gershuny (1978) destaca que as estratégias empresariais e as mudanças ocorridas na organização industrial geram demanda para estas mesmas atividades. Bell (173), dessa forma, ainda segundo Gershuny (178) estaria equivocado ao atribuir a expansão do emprego nas atividades de serviços a um suposto crescimento na demanda por serviços. Assim, segundo Gershuny, estaria posto em xeque um dos principais argumentos que sustentam a tese da sociedade pós-industrial – a saber: exatamente o argumento (fundado na Lei de Engel) de que a expansão da renda média familiar teria provocado uma saturação da demanda por produtos/bens de consumo produzidos industrialmente, deslocando-se em favor de atividades de serviços (as necessidades humanas seriam, então, supridas cada vez mais por atividades de serviços e não mais pela compra de produtos industrializados, segundo Bell). Dessa forma, ainda sobre a contribuição do trabalho de Gershuny (1978), que apresenta observações críticas a respeito das teses pós-industrialistas, vale citar a seguinte passagem de Brandão e Ferreira (1992): “os trabalhos de Gershuny (1978) trouxeram contribuições importantes para a compreensão do processo de terceirização das economias capitalistas: superaram a visão pósindustrialista que o associava à mudança do consumo final dos indivíduos; destacaram a heterogeneidade das atividades terciárias e as diferentes dinâmicas que presidem sua evolução; e associaram o seu crescimento ao comportamento e às transformações experimentadas pelo setor industrial”. (pp.17-18). Lojkine (2002) é outro autor que se alinha entre os principais críticos das formulações de Castells (1999) e também de Bell (1976). Ele rejeita as teses (presentes em Castells, 1999) segundo as quais a ampliação do papel do tratamento das informações na tomada de decisões (que ele não nega estar tendo um papel cada vez mais importante nas sociedades capitalistas atuais) tenha promovido mudanças sociais profundas nessas sociedades. Segundo ele, a divisão social do trabalho continua basicamente com as mesmas características que antes do advento da sociedade informacional. O acesso às informações continua sendo propriedade privada das grandes corporações; ademais, nessas grandes corporações, a hierarquia funcional mantém-se com os mesmos fundamentos de épocas anteriores do Capitalismo. Ou seja, para Lojkine (2002), a natureza do capitalismo não se alterou nas últimas décadas, apesar das expressivas mudanças estruturais ocorridas no âmbito empresarial. Em especial com relação ao livro de Bell (1976), Lojkine (2002) destaca que não há, no capitalismo contemporâneo, uma nítida separação entre as atividades industriais e as atividades de serviços (a análise de

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Embora, é bom registrar, a redefina de forma mais rigorosa do que Bell.


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Lojkine, nesse ponto, se assemelha à análise de Cohen e Zysman, já comentada acima). Além disso, Lojkine (2002) destaca (corretamente, a nosso ver) que a informação não substitui a produção, mas atua em conjunção com a mesma, constituindo até mesmo um subsídio decisivo às decisões que conduzem a atividade produtiva32. O autor prefere afirmar que “as premissas da revolução informacional, no contexto atual de crise e de reestruturação capitalistas, discutem a idéia de uma substituição da produção pela informação, defendendo a tese de uma interpenetração complexa entre indústria e serviços, concepção e fabricação, ciência e experiência, e, conseqüentemente, entre assalariados da produção e assalariados da concepção”. Em suma, Lojkine (2002) não ousa negar que tenha havido importantes transformações no trato, uso e armazenagem das informações na atual sociedade capitalista, mas considera inadequada a avaliação segundo a qual os novos paradigmas estejam de fato substituindo os anteriores, preferindo afirmar que eles convivem conjuntamente, em estruturas complexas e contraditórias, muitas vezes até mesmo aprofundando as desigualdades entre os trabalhadores associados aos “antigos” e aos “novos” processos de produção – e, freqüentemente, dentro de uma mesma unidade produtiva. Ademais, o autor, corretamente, a nosso juízo, não deixa de destacar que, mesmo os trabalhadores que lidam com as informações, também estão submetidos à relação social símbolo do capitalismo, ou seja, o assalariamento. Garnham (2000) também enumera diversos argumentos para criticar as formulações de Castells (1999) e destaca em especial a ênfase de Castells no determinismo tecnológico. Segundo alerta Garnham (2000), Castells (1999) não consegue sustentar seu argumento segundo o qual a atual Era da Informação estaria sendo caraterizada por expressivos ganhos de produtividade decorrentes do uso das TIC’s. Garnham (2000) aponta que Castells (1999) se apóia em um argumento que não consegue provar (a da crescente produtividade) para postular sua tese de que estaríamos diante de um momento histórico de transformação do capitalismo industrial em capitalismo informacional. O fato de que nas três últimas décadas do século XX tenhamos de fato experimentado uma desaceleração dos ganhos médios de produtividade para o conjunto da atividade econômica dos diversos países capitalistas desenvolvidos revelam que os supostos (segundo Castells, 1999) expressivos ganhos de produtividade das novas tecnologias não se espalharam por toda a atividade produtiva de bens e de serviços. Há ainda um outro aspecto que deve ser mencionado na crítica de Garnham (2000) ao determinismo tecnológico de Castells. O discurso do determinismo tecnológico tem 32

É o que afirma o autor especialmente no seu capítulo VIII, intitulado “O Consórcio entre Informação e Produção”.


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efeito desmobilizador para a ação política concreta. Ao tomar as modificações que têm conduzido ao chamado capitalismo informacional meramente como resultantes de desdobramentos tecnológicos, o autor despreza os conflitos existentes entre o capital e o trabalho (para ele, a figura do empresário se esvai em favor da sociedade em rede) e entre os diferentes Estados Nacionais (como se o poder de cada um deles fosse semelhante...). Um dos argumentos que sustentam estarmos diante de um novo paradigma tecnológico gerador de ganhos expressivos de produtividade deriva da observação dos surtos de valorização das principais ações nas bolsas de valores americanas nos anos 90, fenômeno devido, na verdade, a movimentos especulativos de atração de capitais externos para o mercado de capitais americano33. As expectativas de valorização das ações eram elas próprias sancionadas por novos movimentos de capitais em direção aos mercados financeiro, iniciando novos ciclos de ascensão do ativos. Quando essa bolha estourou, cessou o movimento ascensional das ações e de outros ativos34.

Conclusões

O estudo de Gershuny (1978) mencionado neste ensaio desmistifica os supostos em que se apóia a tese da sociedade pós-industrial, a qual, por sua vez, deu margem, em estudos posteriores, à criação da tese da sociedade informacional. Sem entrar no mérito das nítidas implicações ideológicas (conservadoras) subjacentes às diversas modalidades das teses pósindustrialistas35, a contribuição de Gershuny e de outros autores citados neste artigo revelam que na verdade estamos diante de uma nova ordem econômica internacional sob a qual as relações entre indústria e serviços tornam-se cada vez mais complexas, sem menosprezo da importância das atividades industriais. Entendemos que falta a autores como Bell e Castells uma melhor compreensão sobre os conflitos de classe que se desenvolvem sob uma ordem financeira internacional cada vez mais hierarquizada (poderes cada vez mais diferenciados dos Estados Nacionais no cenário internacional) e que delimita condições cada vez mais adversas para a acumulação capitalista - notadamente no setor produtivo. Como reação a este estado de coisas característicos do Capitalismo Contemporâneo, as grandes empresas do setor industrial e dos setores de serviços 33

Sobre isso, cf. Mattos (2001). Cf. Brenner (2002). 35 Assim como muitas outras formulações que apregoam estarmos diante de uma “sociedade de fim dos empregos” (Rifkin, 1995), “fim da história”, “sociedade sem fronteiras” e até mesmo “sociedade pós-capitalista” (sic!!!!) (Drucker, 1994)

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mais modernos articulam-se de forma cada vez mais complexa e definem estratégias para, por um lado, enfrentarem uma concorrência cada vez mais acirrada (pois cada vez mais internacionalizada e em contexto de crescimento econômico cada vez menos dinâmico, ao contrário do que o ocorria sob a ordem econômico/financeira internacional que havia sido regida pela regulação fordista do pós-guerra), e, por outro lado, criarem condições próprias para aproveitarem as crescentes oportunidades de valorização do capital financeiro criadas no atual contexto de finanças desregulamentadas (ou seja, caracterizadas, por um lado, pela ausência de claras definições à atuação dos diversos segmentos dos mercados financeiros e, por outro lado, por facilidades crescentes para a movimentação de capital financeiro pelos diferentes países do mundo). Esse contexto de nítida mudança na composição da riqueza capitalista (expansão da riqueza financeira em detrimento da expansão da riqueza gerada no processo produtivo) é o maior responsável pela ampliação da precarização dos mercados de trabalho, em contexto de solidificação da hegemonia do pensamento neoliberal. A precarização dos mercados de trabalho dos principais países capitalistas (no núcleo dos países capitalistas desenvolvidos e também no capitalismo periférico) traduz-se pela expansão do desemprego, pela ampliação da exploração do trabalho (extensão das jornadas de trabalho, fraqueza dos sindicatos e cada vez mais fluida definição das tarefas a serem efetuadas pelos funcionários das empresas) e pela ampliação da presença de contratos informais de trabalho (empregos de tempo-parcial e/ou de contratos de duração determinada). A realização do Trabalho, portanto, encontra-se cada vez mais penosa e instável para os trabalhadores, submetidos a um contexto de crescente mercadorização da mão-de-obra, em processo que, à primeira vista, poderia parecer paradoxal com a maior “sofisticação” de certas atividades profissionais no ambiente das “sociedades da informação”. É essa precarização dos mercados de trabalho, em contexto de mudanças profundas da natureza da concorrência capitalista e de fortalecimento das práticas neoliberais, que representam, a nosso juízo, as mudanças fundamentais que têm caracterizado o mundo do trabalho – fatos que passam longe das análises de Bell e de Castells, para citarmos os aturores mais consagrados. Mas tais mudanças ocorridas nos processos de trabalho da nova “sociedade informacional” não passam desapercebidas nas formulações de Lojkine. Sobre as supostas “novidades” presentes nas formulações da chamada Sociedade Informacional, vale destacar os argumentos de Lojkine (2002), que denuncia o caráter ideológico (EPTIC, 2003) com que o referido conceito vem sendo utilizado no atual debate entre os pensadores sociais.


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Lojkine, inicialmente, critica a visão determinista de Bell (1976), segundo a qual “estaríamos assistindo a uma substituição inexorável (ligada ao progresso técnico) das atividades industriais fundadas na manipulação da matéria por atividades fundadas na informação – tal como se assistiu, no século passado, à substituição da agricultura pela indústria” (Lojkine, 2002; p. 239). Segundo Lojkine (2002), Bell (1976), assim como Touraine (1969), se equivocam ao comparar as recentes transformações da estrutura de emprego e da estrutura industrial às transformações que caraterizaram a Revolução Industrial. A analogia, para Lojkine, é indevida, pois, apesar dos inequívocos efeitos da introdução progressiva das novas Tecnologias da Informação nos processos de trabalho e produção, não houve uma significativa alteração da essência do capitalismo, que é a exploração do trabalho pelo assalariamento da mão-de-obra. O autor não rejeita a importância crescente das novas tecnologias nos processos de produção, mas discorda da noção de que a “antiga” teoria do valor-trabalho (da sociedade industrial) estaria sendo substituída pela de “valor-saber” de uma suposta sociedade pós-industrial (ou pós-capitalista). Está intrínseca à análise de Lojkine a constatação de que também o trabalho intelectual vem sendo crescentemente subsumido pelo Capital, tal qual ocorria com o trabalho “tradicional” dos operários industriais nas revoluções industriais. Ademais, Lojkine (2003) destaca ainda quatro pontos fundamentais para rejeitar a idéia de que estaríamos sob uma sociedade pós-industrial: (a) considera que os processos de inovação baseados nas novas tecnologias espelham relações de reciprocidade com os métodos de fabricação, concepção e marketing das atividades produtivas, e não uma ruptura entre o que ele chama de “saber abstrato” e “experiência concreta” dos usuários e dos fabricantes das novas tecnologias; (b) o autor assinala que o crescimento das atividades de serviço (informacionais, notadamente) não ocorre de forma independente da expansão das atividades industriais, ou seja, estas últimas determinam aquelas; (c) é falso supor heterogeneidade absoluta entre as atividades informacionais (em expansão) e as atividades industriais (com queda de empregos), ou seja, ele ressalta que ambas estão cada vez mais conectadas; (d) não tem ocorrido uma clara, absoluta e definitiva substituição da antiga classe operária pelos profissionais da informação, mas, sim, uma interação complexa entre eles, na qual o trabalho produtivo (segundo Marx) se entrelaça ao trabalho improdutivo, sendo ambos submetidos à lógica do capital. Trata-se, em suma, de um processo acelerado de subsunção do trabalho intelectual ao processo de produção capitalista, conforme, aliás, vem chamando a atenção o prof. César Bolaño na maior parte de seus trabalhos mais recentes.


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Em suma, o que se depreende do trabalho de Lojkine é sua crítica ao caráter desmobilizador do discurso e da análise de Castells (1999). Essa mesma denúncia está presente nos trabalhos de Garnham. Estamos de acordo com esses dois autores quando ressaltam que, na verdade, a chamada Sociedade da Informação (ou como alguns também chamam, a Economia do Conhecimento) representa um momento histórico do Capitalismo em que se aprofundam a exploração e a mercadorização da força de trabalho, com conseqüente ampliação da exclusão social e da concentração da renda, da riqueza e do tempo livre (Mattos, 2000). Conforme afirmamos acima, o capáter financeirizado da valorização do capital, ao lado das reformas neoliberais que lhe dá sustentação, romperam os contratos sociais que haviam sido celebrados durante os Anos Dourados do Capitalismo (1945-1973) – e acabam impulsionando esse processo de exclusão social e de ruptura da Cidadania. Que tenham se expandido, nas décadas mais recentes, as tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC’s) e que as mesmas tenham conduzido necessariamente a novas formas de organização da produção capitalista e a novas formas de exploração da mão-de-obra e a novas formas de realização do trabalho concreto é um fato inegável. Trata-se, portanto, de uma “novidade” que merece ser estudada, mas não devemos nos iludir pensando que tais fatos representem uma “nova” (no sentido positivo da palavra) sociabilidade entre as classes sociais ou mesmo uma maior “integração” entre os povos e as pessoas. A maneira pela qual tem ocorrido a introdução dessas TIC’s nas sociedades contemporâneas tem, na verdade, levado a um aprofundamento dos mecanismos de exclusão social e de precarização do trabalho.


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Análise da proposta de criação da Agência Nacional de Cinema e do Audiovisual Cristiano Aguiar*

Resumo: O artigo traz uma análise do anteprojeto de criação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav). Discute alguns conceitos básicos que justificam a regulação das Comunicações, primordialmente dos setores de cinema e de audiovisual. Faz também uma avaliação crítica do anteprojeto apresentado pelo Ministério da Cultura, primordialmente de seus pontos mais polêmicos. Palavras-chave: cinema, audiovisual, televisão, regulação, legislação

Introdução O filme está de trás para frente... Primeiro, apresenta-se a novidade pronta. Depois, parte-se para a etapa de discussões. Mas essa é a ordem nada natural que não apenas o governo federal anterior utilizou, mas também o atual continua utilizando na apresentação de suas propostas mais relevantes. Tudo leva a crer que se criou no Brasil a “cultura da consulta pública”, instrumento apresentado muitas vezes como o elixir para a garantia de participação social e transparência na elaboração de políticas públicas. Mas, uma vez elaborada a proposta, o máximo que uma consulta pública pode fazer é alterar uma coisa aqui e outra ali, muitas vezes meros detalhes cosméticos, visto que raramente há modificações no cerne dos projetos apresentados e na filosofia que baseia a intervenção estatal.36 A proposta de criação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav) não foge a essa regra. O anteprojeto pretende instalar uma nova agência reguladora, que substituirá a Agência Nacional de Cinema (Ancine) e terá como funções primordiais implementar a política de cinema e audiovisual, regular e fiscalizar o mercado desses setores, além de arrecadar e aplicar recursos oriundos de diversas taxas. Uma minuta desse anteprojeto esteve em consulta pública no sítio do Ministério da Cultura (MinC) entre os dias 11 de agosto e 1º de outubro de 2004. De acordo com o Secretário-Executivo do MinC, Juca Ferreira, a proposta é fruto de 14 meses de “amplas

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Cristiano Aguiar é jornalista, Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental e mestrando em Comunicação – linha Comunicação e Política – na Universidade de Brasília. E-mail: cristiano.aguiar@brturbo.com 36 O instituto da consulta pública foi originalmente criado para colher sugestões acerca de determinada proposta de política pública a ser posta em prática, quando essa política está consolidada em um texto legal. Há pouco espaço para a apreciação do mérito dos projetos com a utilização de consultas públicas, tendo em vista seu limitado poder de geração de discussão pública. Quando muito, as consultas têm exercido mero papel de “comissão ampla de redação”, na qual pontos muito específicos dos textos disponibilizados podem ser criticados pelo público, de forma mediada e sob a tutela de um órgão governamental responsável pela análise e aceitação ou não das sugestões apresentadas.


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discussões” entre todos os setores envolvidos. Acrescentaria: no máximo, entre quase todos, já que para a sociedade a proposta é uma grande novidade. Ela teve a chance de conhecê-la, avalia-la e de enviar sugestões apenas durante o exíguo tempo de vigência da consulta pública, a partir de um documento já elaborado e quase finalizado. E somente agora, apresentado o anteprojeto de criação da Ancinav, tem início a discussão que deveria ter ocorrido há muito tempo: a regulação na área de cinema e audiovisual37 é realmente necessária? Ou tudo isso não passa de “dirigismo”, de uma tentativa de controlar a produção cultural e a livre disseminação de informações? Justificativas para a regulação do cinema e do audiovisual Iniciamos respondendo a essas duas questões primordiais: a regulação nas áreas de cinema e audiovisual é realmente necessária. Não se trata de “dirigismo”. Pelo contrário, apenas com uma intensa intervenção estatal será possível estabelecer um ambiente efetivamente plural e democrático, no qual a livre disseminação de informações e a plena liberdade de expressão sejam possíveis. Tal entendimento pode ser referendado por diversas análises, como por exemplo a apresentada no relatório do grupo de trabalho interministerial que redundou no documento “Análise e Avaliação do Papel das Agências Reguladoras no Atual Arranjo Institucional Brasileiro”. De acordo com esse documento, “a regulação econômica refere-se àquelas intervenções cujo propósito é mitigar imperfeições, como a existência de monopólio natural, e assim melhorar o funcionamento do mercado”. Busca-se, desse modo, a “maximização da eficiência em mercados caracterizados pela concentração de poder econômico e naqueles onde as barreiras à entrada são significativas”. Ora, quem discorda da tese de que há concentração de mercado e significativas barreiras à entrada de novos competidores nos setores de cinema e de audiovisual brasileiros precisa, urgentemente, rever seus conceitos. Na verdade, não apenas esses setores, mas todo o mercado de comunicação, em nível global, é marcado por uma visível oligopolização. Esse processo de concentração, que vinha ocorrendo de maneira lenta e gradual desde o estabelecimento da comunicação em bases empresariais, sofreu grande aceleração em meados 37

Etimologicamente, o termo “audiovisual” abarca o termo “cinema”. Portanto, a expressão “cinema e audiovisual” seria, em princípio, uma redundância. Contudo, por fins meramente didáticos, adotaremos nesse artigo a seguinte divisão: o termo “cinema” designa as produções para exibição pública nas salas de cinema, enquanto o termo “audiovisual” refere-se aos conteúdos para reprodução caseira (VHS e DVD), para exibição por meio da TV ou por todos os demais meios de comunicação audiovisuais.


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dos anos 80 quando, em um período inferior a quatro anos, as 13 maiores empresas mundiais de mídia da época realizaram nada mais nada menos do que 77 operações de aquisição e de fusão. Esse fenômeno, que manteve seu fôlego por toda a década de 90 e início deste século, levou à ascensão de um reduzido número de mega-empresas mundiais ao posto de mais importantes do mercado de comunicação – empresas essas do porte da AOL Time Warner por exemplo, cujo valor de mercado é estimado em quase 400 bilhões de dólares. De acordo com alguns estudiosos, como resultado dessa crescente concentração, o mercado global de mídia é hoje controlado por não mais que dez conglomerados. Número este que, segundo algumas previsões, deve cair para quatro ou cinco nos próximos anos (LIMA, 2001). Especificamente no setor de produção cinematográfica, a concentração de mercados e o estabelecimento de crescentes barreiras à entrada de novos concorrentes são tão ou mais intensos do que se observa na média dos demais setores das comunicações. Fenômeno esse experimentado em escala global. Essa concentração tem-se dado em toda a cadeia de produção cinematográfica: desde a realização das obras, que ocorre cada vez mais nos grandes estúdios dos Estados Unidos ou em parceria com esses; até a exibição, progressivamente concentrada em salas multiplex de propriedade de oligopólios globais; passando pela distribuição, feita usualmente por subsidiárias ou coligadas dos grandes estúdios. (SIMIS, 1998). É verdade que, tanto no cinema quanto no audiovisual, a concentração de mercados é condição primordial para o estabelecimento dos ganhos de escala necessários à sobrevivência das grandes corporações, ganhos esses advindos da sinergia que se pode pôr em prática em mercados concentrados e multimídia. Por sinal, sinergia essa cada vez mais possível e necessária à medida em que aumenta a digitalização dos conteúdos de comunicação. Desse modo, é essencial que o Estado apóie os grandes grupos nacionais de comunicação, com vistas à manutenção da soberania no que concerne à produção cultural. Do contrário, a tendência é que os grandes grupos internacionais acabem por solapar a indústria cultural nacional – e as externalidades negativas daí provenientes, principalmente as relacionadas à perda da soberania cultural, são intensas. Contudo, também é verdade que essa concentração, ainda que beneficie os grandes grupos nacionais de comunicação e proteja a indústria cultural doméstica, só pode ocorrer até determinado patamar, sob pena de inviabilizar qualquer tipo de competição no setor. Tal preocupação existe até mesmo nos Estados Unidos – país de tradição bastante liberal – onde a Federal Communications Commission (FCC) estabelece diversos mecanismos de controle de


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propriedade e de garantia de livre competição nas comunicações, inclusive no que concerne aos setores de cinema e de audiovisual. Outra justificativa para a necessidade de se regularem mercados é a existência de falhas relativas a externalidades e a assimetrias significativas de informação e poder. Pois em um mercado de comunicações concentrado, são conseqüências imediatas, além de menor concorrência, a existência de um menor número de fontes de propagação de informações, a redução da pluralidade de conteúdos e, em última instância, um decréscimo significativo da liberdade de expressão. Especificamente no caso brasileiro, essa concentração de mercado nas comunicações e todas as externalidades negativas que daí decorrem são bastante visíveis. No setor de audiovisual, o mercado se estabeleceu ao redor das grandes redes de televisão, marcado por um alto percentual de produção própria de conteúdo38. Contam-se essas redes nos dedos de uma mão. Logo, nessa mesma mão, contam-se os principais produtores dos programas televisivos. No setor cinematográfico a situação é quase idêntica, a não ser pelo fato de que, além do oligopólio, há ainda um alto grau de desnacionalização da produção, o que não ocorre no setor de audiovisual, somado ao fato de a maioria das obras exibidas no Brasil ser proveniente do exterior, especialmente dos Estados Unidos. Para aqueles que acreditam ser a Ancinav uma tentativa de “dirigismo” estatal, uma constatação: na verdade, o “dirigismo” já existe de fato, mas não pelas mãos do Estado, e sim do mercado, atual senhor quase único da produção cultural brasileira em cinema e audiovisual. Analisando o anteprojeto39 Tendo por base as justificativas anteriormente apresentadas, pode-se inferir que a regulação do cinema e do audiovisual é realmente necessária, e o anteprojeto apresentado pelo Ministério da Cultura (MinC) não é em vão. Portanto, também não é em vão analisar a proposta apresentada, em busca do aperfeiçoamento do arcabouço jurídico que se pretende dar à futura Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual. Tal aperfeiçoamento é essencial,

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A Rede Globo de Televisão, por exemplo, produz aproximadamente 90% de sua programação. As demais redes têm um índice de produção própria menor, mas também alto, variando entre 50% e 80% (Fonte: “Tema Polêmico”, artigo publicado na Revista Consultor Jurídico de 1º de julho de 2003). Esse fenômeno é, em grande parte, fruto de regras de afiliação e de formação de redes de retransmissão que incentivam a concentração no mercado de televisão, além do controle ineficiente de propriedade previsto pelo Decreto-Lei 236/67. 39 A análise foi feita a partir do texto original apresentado pelo Executivo. As propostas de alteração apresentadas pelo Conselho Superior do Cinema são explicitadas em notas de rodapé ao longo do artigo.


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pois, como demonstraremos nas linhas a seguir, o anteprojeto da Ancinav, nos moldes atuais, implementa um modelo repleto de erros e incertezas. Antes de mais nada, é preciso ressaltar que o MinC, tanto na exposição de motivos que acompanha o anteprojeto de lei quanto nos esclarecimentos do ministro Gilberto Gil, incorre em um sério erro conceitual: a idéia de que é possível (necessário) separar o tratamento legal e institucional que se dá às redes físicas e às plataformas tecnológicas da regulação das atividades de produção e difusão de conteúdo audiovisual. A Ancinav, portanto, seria um ente complementar à Agência Nacional de Telecomunicações e ao Ministério das Comunicações. Algo que o item 11 da exposição de motivos chama de “separação do hardware do software”. Na verdade, tais regulações são inseparáveis. Se hoje o conteúdo (software) é produzido de maneira concentrada, isso se dá, em grande parte, devido à regulação que se dá à infra-estrutura (hardware). E não há como mudar aquele se não houver alteração na regulação desta. O próprio anteprojeto de lei, de certa forma, admite essa inseparabilidade ao estabelecer, no parágrafo 2º de seu artigo 38, que “outras modalidades de conteúdos audiovisuais serão definidos pela Ancinav em função de (...) (seu) meio de suporte e de transmissão, tecnologia empregada e outros atributos”. Se a própria definição da modalidade do conteúdo audiovisual está atrelada à tecnologia e à infra-estrutura que o suporta, como tentar separar as suas regulações?! É verdade que, na regulação de conteúdos, há algumas especificidades sensíveis, como, por exemplo, as referentes à programação para as crianças. Contudo, tais especificidades não são suficientes para se estabelecer qualquer pressuposto teórico sólido capaz de justificar a criação de um aparato estatal que trate exclusivamente desse assunto. É no mesmo item 11 da exposição de motivos que se revela a verdadeira causa da busca dessa separação – a inviabilidade política da idéia original do ex-ministro Sérgio Motta de desenvolver a chamada “Lei de Comunicação Eletrônica de Massa”, que deveria redundar em uma única agência responsável pela regulação de todo o setor de comunicações, no que concerne tanto à infra-estrutura quanto ao conteúdo. A derrota do estabelecimento de uma legislação única para as comunicações tornou-se fato no momento em que a “Agência Nacional de Comunicações” pensada por Motta não vingou, dando lugar a outra proposta, que viria a se concretizar na Agência Nacional de Telecomunicações. (Anatel). Essa derrota ocorreu porque o Governo sabia que, àquele momento, era politicamente impossível reformular tanto a radiodifusão quanto as telecomunicações ao mesmo tempo, como ocorreu na maioria dos outros países que recentemente reformularam suas regulações das


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comunicações. Havia o interesse de se privatizar a Telebrás e de reformular a estrutura de telecomunicações, mas já em relação à radiodifusão se via, principalmente no Parlamento, um forte movimento conservador, avesso a qualquer reforma. Resultado: Houve uma separação das telecomunicações da radiodifusão, para que se pudesse alterar apenas o setor para o qual havia condições políticas para a instituição de uma reforma40. Foi a partir das discussões que precederam à reforma das telecomunicações brasileiras que a tese da separação entre hardware e software ganhou corpo, sendo publicamente defendida pelo sucessor de Motta, o ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros. Tal tese vinha na esteira da idéia da separação entre radiodifusão e telecomunicações estabelecida naquela mesma época – sendo essa separação a tese politicamente vencedora, como comprovam todos os fatos ocorridos durante a reforma das telecomunicações e após o seu término. Portanto, o que propõe o MinC não é baseado em uma teoria, e sim em uma possibilidade política. Tendo em vista que o estabelecimento de um arcabouço legal único e de uma única agência reguladora para todo o setor de comunicações é algo politicamente inviável – ainda que seja o ideal -, opta-se pela criação de uma agência separada, que se concentrará nas questões ligadas aos conteúdos do cinema e do audiovisual. Bem, nada mais justificável, visto como contribuição para a vulgarização do aforismo de Bismarck, “a política é a arte do possível”. Mas talvez o impossível esteja em superar o conflito intra-estatal que a Ancinav, como está sendo proposta, irá criar. Com a Anatel, a confusão se dará na hora de definir quem é quem na regulação dos serviços de comunicação eletrônica de massa por assinatura (TV por assinatura), bem como nos demais serviços de telecomunicações que transmitam conteúdo audiovisual, ainda que eventualmente e apenas como serviço de valor agregado. Com o Ministério das Comunicações, a rinha será no setor de radiodifusão de sons e imagens (TV aberta). E com o Ministério da Justiça, poderá haver conflito ao se definir qual será o papel de cada ente governamental no estabelecimento de sistemas de classificação indicativa de obras cinematográficas e de outros conteúdos audiovisuais. Todas essas indefinições são potencializados pela redação vaga de alguns itens do anteprojeto de lei. Fala-se, por exemplo, em “regular as atividades cinematográficas e 40

Esse desmembramento teve início com a edição da Emenda Constitucional no. 8, publicada no Diário Oficial da União de 16 de agosto de 1995. A Emenda redefiniu os serviços de telecomunicações e de radiodifusão, transformando-os em objetos distintos do ponto de vista jurídico e permitindo a exploração privada dos serviços de telecomunicações.


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audiovisuais” (Art. 20, IV), em “apreciar (...) denúncia (...) contra prestadoras de serviços de telecomunicações” (Art.20, XV), em “regular a relação de programadoras e distribuidoras de conteúdo audiovisual” (Art.20, XVII), dentre outras atribuições. Contudo, não se estabelece exatamente o que é esse “regular” ou “apreciar”. Além disso, o processo de convergência tecnológica no setor de comunicações faz com que, a cada dia, as barreiras que definem o que é cada um dos serviços seja cada vez mais tênue e porosa. A atividade de regulação posta em prática pelos entes governamentais ligados às comunicações – citem-se Anatel, Ministério das Comunicações e Ancine (talvez futura Ancinav) - é metastática, crescendo no mesmo ritmo em que cresce a oferta de serviços de comunicações. Desse modo, a definição da responsabilidade de cada um desses entes tende a se tornar cada vez mais problemática, e as rusgas serão inevitáveis (como já ocorrem constantemente entre Anatel e Ministério das Comunicações). Além dos conflitos de competência, há ainda a possibilidade de desentendimentos devido à possível transferência de recursos entre agências, uma vez que 5% dos recursos do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel), referentes às alíneas “c”, “d”, “e” e “j” da Lei 5.070/66 (com redação dada pela Lei 9.472/97), serão repassados ao Fundo de Fiscalização do Cinema e do Audiovisual, sem qualquer teto para o valor bruto a ser repassado. Atualmente, as verbas provenientes do Fistel são quase todas remetidas à Anatel, cabendo à Ancine somente até 3% dos valores referentes às alíneas da Lei 5.070/66 citadas anteriormente, até um limite de valor bruto de R$ 30 milhões anuais. Na prática, portanto, a Ancinav vai receber mais dinheiro e, por conta disso, a Anatel menos. E quem estiver na Ancinav vai ter de se especializar em conflitos. Mas, ao contrário dos conflitos intra-estatais, que são, na maior parte das vezes, dispensáveis, os conflitos com o mercado devem ser a própria razão de existência da Ancinav – desde, é claro, que ocorram em níveis razoáveis e com vistas à eficiente prática regulatória. Afinal, a atividade mais nobre de uma agência reguladora não é justamente intervir no mercado, de forma a torná-lo mais justo, eficiente e, primordialmente, capaz de atender às necessidades coletivas? E não há como intervir sem se criar uma boa dose de “desentendimentos”, sem se estabelecer um embate entre governo e agentes econômicos, de forma que esses agentes não se guiem exclusivamente pelas leis do mercado, mas também por vontades políticas legítimas e referendadas pela correta atuação estatal.


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Contudo, não apenas os fatos recentes, mas toda a história de audiovisual brasileiro demonstra que esse conflito deverá ser muito mais intenso do que o que ocorreu na instalação das diversas outras agências reguladoras hoje em funcionamento no País. Tal fato ocorre porque o atual modelo brasileiro de regulação do audiovisual é, em sua maior parte, estabelecido pelo carcomido Código Brasileiro de Telecomunicações – CBT (Lei 4.117/62), promulgado ainda durante o Governo João Goulart, e com as posteriores alterações quase todas estabelecidas durante o regime militar. Desde então, houve poucas mudanças. As principais foram o estabelecimento de regras específicas para o setor de TV por assinatura, com destaque para a lei da TV a Cabo (Lei 8.977/95) e para a Lei Geral de Telecomunicações - LGT (Lei 9.472/97), que trouxe apenas alterações pontuais na regulação do espectro radioelétrico e do setor de TV por assinatura, que passaram a ser de responsabilidade da Agência Nacional de Telecomunicações. Essas inovações, contudo, mantiveram praticamente intacto o velho modelo, e as mudanças ocorridas no setor de audiovisual estão sendo ditadas por fatores basicamente de mercado (BOLAÑO, 2001). O CBT, no que concerne à radiodifusão, se mantém vigente, tendo sido revogados, pela LGT, seus artigos referentes às telecomunicações. Na prática, o Código estabelece um controle incrivelmente burocrático, rígido e ineficiente das atividades de radiodifusão no País, que pouco contribui para o estabelecimento de uma comunicação plural e democrática. Os controles de propriedade são falhos 41 , não existem mecanismos efetivos para o estabelecimento de controle social sobre a radiodifusão e boa parte dos preceitos do CBT está tecnologicamente ultrapassada, tornando-se mera letra morta. No que concerne ao conteúdo veiculado pelas empresas de comunicação, é como se não existisse um efetivo controle das atividades de rádio e TV no Brasil. Hoje, essas atividades se encontram em um patamar bastante próximo da auto-regulamentação. Bastou, portanto, o anúncio de uma possível ação estatal para a regulação de conteúdos no setor de audiovisual para que a proposta se tornasse uma “trombeta do apocalipse”, trazendo o prenúncio de volta da censura. Trata-se de uma reação exacerbada da mídia, que traduz não uma preocupação da sociedade, mas sim expressões de discursos de uma classe incomodada pela possibilidade de se estabelecerem controles à produção de conteúdos. Mais que isso: trata-se de uma mentira cínica, já que a inexistência de censura no Brasil é uma cláusula pétrea da Constituição Federal e, portanto, nem mesmo uma Emenda

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Os controles de propriedade foram acrescentados ao CBT pelo Decreto-Lei 236/67.


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Constitucional seria capaz de estabelecer qualquer tipo de cerceamento à liberdade de expressão. Não que o projeto da Ancinav não trouxesse, de fato, alguns itens dúbios, que poderiam ser interpretados como possíveis meios de censura. Citem-se, por exemplo, seu Art. 43, que dava à Ancinav a competência para dispor sobre “a responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção da programação” e o inciso I do Art. 8o, cujo texto estabelece que “a liberdade será a regra, constituindo exceções as proibições, restrições e interferências do Poder Público”. Contudo, praticamente todos esses itens foram extirpados na primeira revisão do projeto, que precedeu ao término da consulta pública. Até mesmo o vice-presidente das Organizações Globo, João Roberto Marinho, um dos maiores opositores do projeto da Ancinav, admitiu em artigo publicado pelo jornal Folha de São Paulo em 02 de setembro de 2004, na seção especial “Ancinav em Debate”, que “a ameaça de volta da censura, que era real, dissipou-se com a supressão de diversos artigos”. Bem sabe Marinho que o governo, quando quer censurar, utiliza meios bem menos explícitos. Apela para uma “auto-censura imposta”, se é que isso pode existir. Para tanto, usa todas as armas que estão à sua disposição para estabelecer cerceamento de forma velada – é necessário lembrar que o Estado é o maior anunciante brasileiro e que, além disso, concede diversos benefícios ao setor de comunicações, em troca, é claro, de um tratamento especial da mídia acerca de temas que lhe podem ser maléficos (LIMA, 2004). Ora, mas se a principal reclamação da mídia em relação ao anteprojeto da Ancinav era o “dirigismo” que ele representava, e se os tais itens “dirigistas” foram extirpados, restam ainda motivos para a mídia espernear tanto? Sim, e muitos. O primeiro deles já foi citado: a possibilidade de haver um maior controle social sobre a programação das empresas de TV aberta e de TV a cabo. Para um setor no qual existe uma virtual auto-regulamentação, essa possibilidade de maior controle sobre seus conteúdos não é bem recebida, uma vez que ameaça a liberdade praticamente plena que as empresas de comunicação hoje têm em suas linhas editoriais. A Ancinav representaria, pela primeira vez na história das comunicações brasileiras, uma tentativa de se regular o conteúdo e promover a diversidade cultural nas comunicações. Seria uma virada na completa falta de interesse em se implementar a regulação de conteúdos, assunto que é citado apenas timidamente na legislação vigente (BOLAÑO, 2001). Muito provavelmente seria apenas uma tentativa frustrada, já que o projeto da Ancinav


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não estabelece qualquer mecanismo efetivo de controle social sobre os conteúdos audiovisuais. Mas ainda assim, lhe restaria a grandeza de haver tentado. Contudo, apesar da questão da liberdade de programação ser a mais citada nas reações da mídia ao anteprojeto da Ancinav, o ponto de divergência realmente crucial está na série de taxas a serem cobradas das empresas dos setores de cinema e de audiovisual. Essas taxas são batizadas, no texto do anteprojeto, de “Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica e Audiovisual Brasileira” (Condecine), e vão substituir a atual “Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional” (também Condecine), regida pela Medida Provisória 2.228-1/01 e pela Lei 10.454/02. Como as siglas são idênticas, as chamaremos, no texto, de “Condecine antiga” e “Condecine nova”. O anteprojeto da Ancinav aumenta consideravelmente a base de incidência da contribuição, que deverá ser a principal fonte de renda para a formação do “Fundo Nacional para o Desenvolvimento do Cinema e do Audiovisual Brasileiros” (Funcinav). O objetivo primordial dessa contribuição é criar uma modalidade de subsídio cruzado nos setores de cinema e de audiovisual, de forma a estabelecer uma transferência de recursos das grandes produções para a produção de obras realizadas por pequenas produtoras. Estabelece ainda mecanismos que taxam as produções estrangeiras, de modo a criar novas fontes de financiamento para as realizações cinematográficas e audiovisuais brasileiras. Dessa maneira, o governo pretende alterar a forma como se dá atualmente o financiamento da maior parte da produção nacional, na qual o Estado investe diretamente ou por meio de incentivos fiscais, de financiamentos com recursos da Ancine ou de aporte de capitais de bancos públicos e empresas estatais. Em outras palavras, “quem atualmente financia a produção é o contribuinte” (SIMIS, 1998) e é por meio de subsídios cruzados que se tentará alterar esse quadro. Para se ter uma idéia do aumento na carga fiscal que o anteprojeto da Ancinav significará para os produtores de cinema e de audiovisual, os valores das taxas pagas a título de “Condecine antiga”, que atualmente variam de R$ 300,00 a R$ 84 mil, passam, na “Condecine nova”, a variar entre R$ 300,00 a R$ 600 mil 42 . Para estabelecer uma comparação mais precisa: a taxa cobrada das obras cinematográficas ou videofonográficas publicitárias estrangeiras com pagamento simultâneo para todos os segmentos de mercado, por exemplo, saltaria de R$ 84 mil para R$ 168 mil.

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O Conselho Superior do Cinema sugeriu uma redução para R$ 80 mil


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Outra novidade é a adoção de um sistema gradativo que torna a taxação sobre as obras cinematográficas proporcional ao número de cópias distribuídas. Assim, quanto mais salas de cinema ocupar uma produção, maior será a taxa a ser pagar a título de Condecine. Os fins que levam ao estabelecimento das taxações são legítimos e, de fato, tais tributos podem, se bem aplicados, alavancar a produção cinematográfica e audiovisual brasileira. Contudo, a Ancinav terá de manejar com habilidade o possível encarecimento que pode ocorrer na distribuição de produtos cinematográficos no Brasil, até mesmo para as produções nacionais. Para evitar esse risco, as taxações previstas no anteprojeto devem ser revistas urgentemente. Isso porque todas as etapas da cadeia cinematográfica serão oneradas caso o anteprojeto não sofra alterações, o que redundará em um efeito cascata na tributação. Até mesmo a venda de ingressos de cinema será taxada, em uma alíquota de 10%, como prevê o inciso III do Art. 63 da proposta43. O resultado deverá ser indigesto: encarecimento dos ingressos e, consequentemente, uma redução de público. Vale ressaltar que hoje apenas 13% dos brasileiros têm o hábito de ir ao cinema44. Além disso, a definição de “produção independente” apresentada no anteprojeto – produção essa que deve ser a principal beneficiada pelos projetos patrocinados por verbas oriundas da “Condecine nova” - é um tanto quanto desastrada. Aliás, é quase uma cópia da que já existe atualmente no texto da Medida Provisória 2.228-1/2001, que regulamenta a Ancine. Segundo o Art. 40 da proposta, “produção independente é aquela realizada por empresa produtora, detentora majoritária dos direitos patrimoniais sobre a obra, que não tenha associação ou vínculo, direto ou indireto, com prestadora de serviços de radiodifusão de sons e imagens ou outras prestadoras de serviços de telecomunicações exploradoras de atividades audiovisuais”. Tal definição parte de uma constatação acertada: a de que, atualmente, a produção comercial de filmes está em sua maior parte sendo efetuada por empresas coligadas a concessionárias de televisão – primordialmente de TV aberta. Cite-se como exemplo a Globo Filmes, subsidiária das Organizações Globo, que atualmente é a maior produtora nacional de cinema, dona de uma fatia superior a 20% do mercado cinematográfico doméstico. Nesse ponto, nada a se acrescentar – de fato a participação de concessionárias de televisão não pode ocorrer nas produções independentes. Contudo, nada é dito sobre composição de capital, domínio de mercado, coligação entre produtoras, etc. Se a Columbia Pictures, por exemplo, estabelecer subsidiária constituída 43

O Conselho Superior do Cinema sugeriu a substituição da taxação sobre ingressos por uma alíquota de 2% a ser cobrada sobre a venda de diversos tipos de aparelhos eletroeletrônicos.


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sob as leis brasileiras, com sede e administração no País e com apenas mais que 50% do capital total e votante sob titularidade direta ou indireta de brasileiros, e sem a co-participação de qualquer entidade citada no Art. 40, passará a ser uma “produtora independente” de acordo com as regras previstas pelo anteprojeto. E não é de interesse de ninguém que tal tipo de empreendimento possa receber verbas públicas, visto que o País não está em condições de promover atos de caridade para um dos negócios mais lucrativos da Sony, que é sócia majoritária da Columbia Pictures. Outra grave possível conseqüência, essa ligada ao sistema gradativo proposto para a taxação das cópias distribuídas, é uma concentração ainda maior da exibição nos grandes centros urbanos. Entre disponibilizar mais cópias, de forma a atender mercados menores, ou comercializar menos cópias, com vistas a evitar uma maior taxação na distribuição de obras cinematográficas, os distribuidores muito provavelmente vão escolher a segunda opção, visto que o custo marginal de exibição crescerá consideravelmente com o aumento do número de cópias distribuídas. A legislação, como planejada originalmente, pode intensificar o fenômeno de cream skimming que há um bom tempo já vem ocorrendo no setor cinematográfico. Em outras palavras, incentivará uma maior concentração do mercado de exibição e fatalmente levará à morte das salas de cinemas não organizados no modelo multiplex ou instaladas em cidades de pequeno e médio porte. Algo preocupante, levando-se em conta que, no ano de 2001, por exemplo, apenas 8,2% dos municípios contavam com pelo menos uma sala de cinema – e ínfimo 0,7% tinha 6 ou mais salas45. Mas entre os diversos pontos de discórdia, o que se tem mostrado mais intenso é a taxa de 4% a ser cobrada na “aquisição, inclusive por permuta, de espaço publicitário para o anúncio de obra cinematográfica ou videofonográfica publicitária nos serviços de radiodifusão de sons e imagens e em outros serviços de telecomunicações exploradores de atividades audiovisuais”, como estabelece o anteprojeto em seu inciso V do Art. 64, combinado com o Art. 7046. Tanto as empresas de TV aberta quanto de TV por assinatura, possíveis prejudicadas por essa taxação, vêm criticando duramente essa proposta e alegam que tal aumento de carga tributária pode inviabilizar a prestação dos seus serviços. Tecnicamente, a crítica não teria razão de ser. A taxa de 4% será cobrada, nos dizeres do anteprojeto, “na aquisição do espaço”, ou seja, os anunciantes, e não as empresas de TV, 44 45

Fonte: Grupo de Mídia, 2004 Dados do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM)


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seriam os responsáveis por seu pagamento. Contudo, no mundo real, os empresários de TV aberta e de TV por assinatura têm razão para estarem preocupados. É praticamente certo que esse custo extra dos anunciantes será, em sua maior parte, repassado às empresas de TV, por meio de descontos na venda de espaço publicitário. Esse repasse deve ocorrer porque não apenas a TV, mas todo o setor de mídia é hoje refém de um oligopsônio, tanto em nível nacional quanto regional. Ainda que os anunciantes sejam muitos, as agências de publicidade, os reais consumidores de espaço publicitário, são poucas. E por serem poucas, são elas o principal fator na definição dos valores cobrados pela mídia na venda de espaço publicitário. Um problema adicional relativo a esse ponto está na definição do que será taxado: “obra cinematográficas ou videofonográficas publicitária”. Essa definição faz com que apenas os filmes publicitários - aqueles exibidos durante os intervalos comerciais - sejam passíveis de taxação. Cria-se, portanto, um incentivo para a prática do merchandising, também conhecido como merchan. Trata-se de uma publicidade tosca, de pouco valor agregado, para cuja realização são necessários apenas um ínfimo número de redatores publicitários e, nos melhores casos, a construção de um cenário minimamente apresentável. Incentivá-la de qualquer modo, ainda que de maneira não intencional, como faz o anteprojeto da Ancinav, é prestar um desserviço ao mercado publicitário. Assim, caso o governo não queira abrir mão da verba proveniente da taxação da publicidade na TV (estimada em aproximadamente R$ 120 milhões), deverá encontrar formas alternativas, de modo que não haja incentivo ao merchandising, tampouco transferência da responsabilidade pelo pagamento das taxas para as concessionárias dos serviços de televisão. Uma possibilidade é adotar, para tanto, uma taxação similar à utilizada no setor de telefonia, cujos produtos compõem o Fundo de Universalização das Telecomunicações (FUST) e o Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Comunicações (FUNTTEL). Nesses casos, o tributo é cobrado das empresas de telefonia sobre o faturamento bruto, deduzidos os impostos, com proibição explícita do repasse desse custo excedente aos consumidores. Previsão de contribuição similar, baseada no total de espaço publicitário contratado, cobrada diretamente das agências de publicidade, com proibição de repasse às empresas de radiodifusão, pode ser uma solução para o impasse estabelecido pelo anteprojeto da Ancinav. Mas um modelo de taxação como esse só é possível se o órgão regulador tiver acesso aos dados financeiros das empresas reguladas. No caso da Ancinav, tal prerrogativa 46

O Conselho Superior do Cinema sugeriu a redução da alíquota para 3%.


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existe, conforme previsão disposta no Art. 32 de seu anteprojeto. Contudo, ainda que tal regra possa vir a proteger alguns dos interesses das empresas de televisão, elas não estão nem um pouco dispostas a fornecer ao Poder Público informações econômico-financeiras relativas aos seus empreendimentos. Finalmente, analisando especificamente a estrutura que se pretende dar à futura Ancinav, poucas são as novidades. Em regra, suas características serão basicamente as mesmas de grande parte das agências reguladoras hoje existentes: entidade integrante da Administração Federal indireta, submetida a regime autárquico especial, vinculada a um Ministério e coordenada por um Conselho Superior integrante da estrutura da Casa Civil da Presidência da República. Como novidade, apenas a alteração do Ministério supervisor, que passará a ser o Ministério da Cultura no lugar do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, ao qual a Ancine é atualmente vinculada. Em relação ao Conselho Superior do Cinema hoje existente, esse passará a se chamar, de acordo com o anteprojeto, Conselho Superior do Cinema e do Audiovisual. O novo conselho não deve apresentar grandes diferenças em relação ao que atualmente existe – exceto talvez em relação à sua composição e presidência. Contudo, o anteprojeto não traz alterações explícitas na composição desse órgão colegiado, remetendo as regras sobre sua formação a regulamento que será posteriormente elaborado, conforme estabelecido no parágrafo primeiro do Art. 9º do anteprojeto. Outra característica praticamente idêntica às das demais agências será o conflito que haverá entre uma agência robusta e um ministério esvaziado. Caso implantada como prevista, a Ancinav deverá ter uma estrutura muito maior do que a de seu ministério supervisor. Além disso, seu orçamento, ao que tudo indica, será consideravelmente maior do que o do Ministério da Cultura. Ocorrerá, desse modo, fenômeno idêntico ao que ocorreu, por exemplo, com a Anatel: a agência é hoje muito mais forte do que o Ministério das Comunicações e, por isso, vem canibalizando o seu ministério supervisor e até mesmo assumindo o seu papel de planejador de políticas públicas. E quando a mesma agência que implementa também planeja, temos uma grave disfunção de modelo.


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Conclusão

A intenção é boa, mas os resultados da instalação da Ancinav, nos moldes apresentados, são imprevisíveis. Não haverá “dirigismo” ou censura, isso é certo. Porém, já não é tão certo que a proposta apresentada seja capaz de trazer, de fato, mais benefícios do que malefícios para a o cinema e o audiovisual brasileiros. No setor cinematográfico, ainda que a presença de produções estrangeiras seja preponderante, há de se destacar que o cinema nacional vem conseguindo resultados brilhantes sob as regras atuais. É preciso lembrar que há pouco mais de uma década, mais precisamente em 1991, quando a Embrafilme foi extinta, durante o governo Collor, chegamos a ficar um ano inteiro sem produzir qualquer filme de longa metragem. A agonia da indústria cinematográfica brasileira perdurou até 1995, ano em que foi lançado “Carlota Joaquina, Princesa do Brasil”. A produção de Carla Camurati foi o divisor de águas para o renascimento do cinema brasileiro. Em 2003, apenas 9 anos após o início do renascimento, as produções brasileiras foram responsáveis por 20% da bilheteria de cinema do País47 – um aumento, sem dúvida, surpreendente. Porém, há espaço para que o cinema brasileiro conquiste uma fatia de mercado ainda maior, inclusive no mercado internacional. Para tanto, a ação do Estado é essencial. Contudo, o governo deve ter a preocupação de não implodir um modelo que vem gerando bons resultados para, em seu lugar, instituir uma nova legislação repleta de incertezas. Mudanças na regulação do cinema brasileiro são necessárias, mas tais alterações devem se basear nos erros e acertos passados. Necessitamos, portanto, em relação ao cinema, apenas de ajustes localizados que possam aperfeiçoar a estrutura já existente, e não instituir um modelo completamente novo, como pretendem os criadores do anteprojeto da Ancinav. Ademais, os erros cometidos pelo anteprojeto deverão comprometer até mesmo instrumentos que poderiam trazer benefícios para a indústria cinematográfica brasileira, como por exemplo os mecanismos de subsídios cruzados a serem criados. As taxações, como previstas, podem redundar em empecilhos aos projetos cinematográficos nacionais realizados em um modelo comercial. Consequentemente, acarretaria uma crise em toda a produção brasileira, não apenas a comercial, mas inclusive a independente. Já o setor de audiovisual é tratado apenas de maneira reflexa no anteprojeto - apesar de ser social e economicamente muito mais importante do que o cinema, uma vez que a televisão


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é o principal meio de comunicação e entretenimento da maior parte da população brasileira48. Temas essenciais para o setor, como a produção independente, a regionalização de conteúdos e o combate à concentração de propriedade são tratados apenas de maneira genérica, simplesmente repetindo as disposições que hoje já integram o capítulo destinado à Comunicação Social na Constituição Federal. Mantém, portanto, o mero caráter programático que tais dispositivos têm desde 1988, jamais tornados efetivamente objetos de políticas públicas do setor de comunicações. Em relação a tais temas, o texto do anteprojeto limita-se a estabelecer, em seu art. 93, um “compromisso público” a ser acordado anualmente entre as empresas de televisão e a Ancinav. Porém não ousa estabelecer cotas para as produções regionais e/ou independentes e, o mais grave, é omisso em relação a possíveis punições aplicadas em caso de não cumprimento do compromisso – ou seja, tudo leva a crer que tal acordo será tão somente uma peça de decoração. Em resumo: o anteprojeto da Ancinav inova muito em uma área na qual deveria interferir pouco e é bastante conservador no setor em que deveria ser vanguardista. Outra dicotomia: implementa divergência regulatória justamente em um setor marcado pela intensa convergência tecnológica. Será necessária, portanto, uma ampla revisão de todo o anteprojeto antes que ele seja apresentado ao Congresso Nacional, de forma a implementar uma proposta forte o suficiente para vencer os interesses pessoais dos muito parlamentares diretamente ligados ao setor de comunicações e capaz de implementar uma regulação efetiva e que realmente traga avanços para os setores de cinema e audiovisual brasileiros. Revisão essa que jamais será posta em prática por meio de uma simples consulta pública.

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Fonte: Boletim Filme Brasil, 2004 Segundo dados do Grupo de Mídia, em estudo realizado em 2002, 84% dos domicílios brasileiros possuíam pelo menos um aparelho de televisão. Além disso, esse mesmo estudo revela que 58,7% das verbas de publicidade foram, também no ano de 2002, destinadas à televisão aberta. 48


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Eduardo Vizer e os processos comunicacionais ∗

Cosette Castro

Depois de algumas horas conversando com Eduardo Vizer parece que o conhecemos há anos. Com a simplicidade de seus 65 anos, esse portenho de cabelos brancos discorre sobre comunicação, vida social e cotidiano por mais de três horas. E é pouco para contar sua história, a influência do marxismo, da Economia Política e da Sociologia e os estudos de Comunicação; uma história relacionada com a Universidade de Buenos Aires (UBA), com a fundação do curso de Ciências Sociais, em particular do curso de Comunicação e suas especialidades. Vizer se diferencia dos demais autores por suas propostas teóricas, que relacionam teoria e trabalho de campo. Seus conhecimentos sobre Ciências Sociais e Comunicação falam por ele e extrapolam as paredes desses cursos, alcançando novos rumos, ultrapassando as fronteiras e campos com seu ar transdisciplinar. Para o autor, “a comunicação é um processo transversal, um processo que cruza todas as fronteiras e resiste a ser delimitado em uma ou outra disciplina”. Isso poderia limitar o número de leitores deste pesquisador que sempre viveu na Argentina, mas só aprendeu a falar espanhol depois dos oito anos 49 . Mas não acontece. O número de leitores e interessados na sua obra não pára de crescer. Seus inúmeros textos e artigos (em inglês e espanhol) falam por ele, mas é através do livro La trama (in) visible de la vida social: comunicación, sentido y realidad (La Crujia/Argentina – 2003) que Vizer mostra o vigor do seu pensamento teórico e aponta contribuições para mudar a realidade social trabalhando diferentes áreas como as Ciências Sociais, a Comunicação de forma mais ampla e a Comunicação Comunitária em particular. Não é por acaso que o livro se propõe a “pensar a comunicação como uma fase contemporânea dentro da construção histórica, social e epistemológica das Ciências Sociais”, lembrando que o que está em jogo na comunicação é a construção de sentido da vida social tanto para os indivíduos como para os textos e para a interpretação das instituições e da cultura. Tampouco é por acaso que a obra é prefaciada por Jesús Martín-Barbero50, um dos maiores teóricos contemporâneos da Comunicação que vive na América Latina, já que o ∗

Drª. em Comunicação e jornalismo cosette@mercurio.unisinos.br De descendência húngara, Vizer falava em casa o húngaro e no colégio, inglês. 50 Embora seja espanhol, Martín-Barbero vive há mais de 30 anos na América Latina. Preocupado com a construção de um pensamento comunicacional latino-americano que inclua as questões da cultura e da sociedade nas análises realizadas, o autor tem sido criticado pelos estudiosos da economia política por seu olhar culturalista sobre as questões comunicacionais. 49


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problema de fundo que Vizer tenta desvendar é a constituição do status ontológico do objeto de estudo das Ciências da Comunicação. Ao apresentar suas propostas teóricas, uma síntese do que vem trabalhando nos últimos 20 anos, o pensador argentino mostra a impossibilidade de pesquisar a Comunicação sem assumir as condições sociais do comunicar e sem projetar sócio-políticamente os conhecimentos no cotidiano da maioria das pessoas, especialmente os

excluídos e

desconectados. E é exatamente este olhar no social, na vida cotidiana aliado a um pensamento teórico sólido que faz a diferença em Eduardo Vizer. Isso se reflete no seu pensar e fazer comunicação que incluem técnicas próprias de pesquisa, diagnóstico e intervenção social, como poderá ser observado no decorrer do texto. Segundo ele, “a comunicação é a ponte, a chave de ouro que pode articular o macro e o micro, as missões coletivas, de grupo com a missão de cada pessoa, da vida, da comunidade”. Professor na UBA desde 1973, ele coordenou o desenho do que viria a se tornar o curso de Ciências da Comunicação Social na década de 80 em uma das maiores universidades da América Latina. 51 Das vertentes desenvolvidas, uma foi direcionada a Políticas e Planificação de Informação e Comunicação, outra para Educação e finalmente outra vertente, voltou-se para a formação em processos institucionais e comunitários. Ou seja, um curso passou a formar profissionais que trabalhem e possam refletir sobre as organizações e as políticas públicas do Estado, assim como o acesso a meios e canais de expressão por toda a sociedade, discutindo, por exemplo, o que se entende por “Direito à Informação ou por “Direito à Comunicação”. O segundo curso, voltado para uma atividade mais “micro” se especializou na formação de comunicólogos-comunicadores. Isto é, voltou o olhar para a sociedade civil, para o chamado Terceiro Setor, debatendo e promovendo formas de inclusão social através de projetos de comunicação. Professor de pós-graduação na área de Epistemologia e Teoria do Conhecimento na Argentina e professor convidado em universidades norte-americanas, alemãs e canadenses52 desde a década de 80, em 2003 Eduardo Vizer veio ao Brasil como professor convidado da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) para dar aulas no Pós-graduação em Comunicação onde passou seis meses. Em 2004, esteve mais dois meses na Unisinos. Essa experiência acadêmica aparece na preocupação em desenvolver marcos téoricos, 51

A UBA possui atualmente 280 mil alunos. A exemplo de outras universidades de língua espanhola, o curso de Ciências da Comunicação faz parte da Faculdade de Ciências Sociais. 52 Eduardo Vizer trabalhou na Universitè Mc Gill de Montréal, na University of Massachussets, entre outras. Além disso, participou de projeto nas Nações Unidas sobre globalização como representante de seu país.


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metodologias de ação e intervenção social a partir da contribuição das Ciências da Comunicação. Isso porque para ele, “os processos de comunicação humana são um veículo mediador e articulador privilegiado para entender os processos sociais como a construção dos vínculos, das relações e das redes sociais no interior das instituições, organizações e comunidades, tanto do Estado como da sociedade civil”.

Esse modo de pensar a comunicação implicou ao autor o desenvolvimento de uma visão ecológica (e não reducionista) das relações entre os indivíduos, os grupos e as comunidades com seus diversos contornos “ecológicos”: naturais, ambientais, trabalhistas, sócio-políticos e econômicos, simbólicos e culturais. Baseado em uma análise crítica da teoria sobre Capital Social, Vizer desenvolveu sua proposta sobre as relações entre o homem e o meio ambiente. A essa teoria chamou processos de cultivo social 53 , onde postula que os indivíduos e os grupos sociais geram ativamente os recursos necessários para sua sobrevivência em relação aos contornos ambientais, construindo assim vínculos de toda classe. Já os processos de comunicação articulam as práticas de inter-relação entre os atores sociais. Isso significa, metodologicamente, os processos de observação (tanto na vida cotidiana como na observação participante, na pesquisa-ação e na observação científica tradicional) e a reflexão nos processos de construção de sentido e de valor, assim como na construção de conhecimento. A Comunicação permite entender as relações que se geram entre o indivíduo, as organizações sociais, a comunidade, a cultura, assim como na construção dos “mundos da vida”. 54 “A Comunicação enquanto práxis deve ser o lugar do sentido e da significação”.

Partindo de sua formação como Sociólogo, Eduardo Vizer tem estudado e tentado redefinir as propostas de várias disciplinas e escolas de pensamento diferentes. Isto é, tem analisado, a partir do ponto de vista teórico e epistemológico, as contribuições da Teoria Geral dos Sistemas e a Cibernética (assim como as sucessivas cibernéticas de segunda ordem), o Construtivismo Radical (Von Foerster, Von Glassersfeld, H. Atlan, entre outros), o Construtivismo Social (B. Pearce) e a Fenomenologia. Além disso, tem discutido a Teoria dos Sistemas Complexos, os Estudos Culturais, a História Social e os clássicos da Sociologia, sem 53

A idéia de cultivo social aparece mais recentemente na obra de Vizer. É possível encontrar uma importante discussão sobre o tema em artigo que apresentou no Congresso da IAMCR, em Porto Alegre/2004. 54 Sobre este tema, ver o livro de Berger. P. & Luckmann, T. La construción social de la realidad. Buenos Aires: Amorrortu, 1986.


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esquecer a contribuição especial de Wallerstein. Particularmente quando o este pensador realiza a análise crítica da história das Ciências Sociais55. Ao orientar seu pensamento a propostas e hipóteses de trabalho para uma perspectiva construtivista e transdisciplinária dos processos do conhecimento, o pesquisador argentino passou por diferentes fases. Os problemas inicialmente levantados por ele diziam respeito às relações – e interdependências mútuas – entre a formação de estruturas e organizações e a práxis da interação nos vínculos sociais, “dentro da tradição do dilema de pensar o social a partir das estruturas ou desde a ação social”, conta. Mas Vizer foi atrás das novas hipóteses exploratórias para abordar esse problema e se voltou para o desenvolvimento de uma perspectiva comunicacional, como a proposta por B. Pearce (1994). Isso significou refletir sobre as diversas formas e dispositivos de comunicação e de formação de sentido. Para ele, as práticas de comunicação cumprem um papel fundamental tanto através de diferentes formatos discursivos como através das práticas sociais, através dos contextos e as matrizes culturalmente institucionalizadas. Esse papel também se manifesta por meio de uma estimulação permanente que – como uma ecologia informacional, segundo Vizer – é construída através das redes midiáticas. Já as propostas teóricas se orientam em direção as relações de mútua interdependência entre os processos de estruturação (geração e reprodução das estruturas sociais), entre os processos de interação social e as mediações da comunicação e a construção de sentido. Com isso, procurou construir propostas teóricas inovadoras rigorosamente científicas que incluíssem o particular, a história e mesmo a inevitabilidade das transformações impostas pela passagem do tempo e a complexidade das nossas sociedades. Mas, para além dos objetivos teóricos, o pesquisador argentino buscou a aplicabilidade social dos conhecimentos obtidos. Ou seja, buscou evitar a drástica e tão conhecida separação entre teoria e prática, entre pensamento teórico e “vida cotidiana”. Centrado em técnicas qualitativas, na interpretação, na análise com diagnóstico e na intervenção social, Vizer desenvolveu projetos em instituições e organizações sociais utilizando técnicas experimentais focalizadas em comunidades marginais, voltadas para a educação popular, para a comunicação institucional e para a comunicação comunitária. Ele parte da hipótese de que é possível – e, mais do que isso, é necessário – explorar um nível de problemas sociais que as sociedades constroem não apenas de forma objetiva, 55

Vizer traduziu ao espanhol, sob a anuência de Wallerstein e Prigogine, o trabalho da Comissão Gulbenkian “Open the Social Sciences”, de 1995.


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mas também de forma transubjetiva. Isso significa estudar os fundamentos culturais e imaginários de certos dispositivos sócio-culturais e simbólicos por meio dos quais “os agentes sociais (re)constroem na mente das pessoas - através das práticas e das instituições - as condições de existência das certezas sobre relação efetiva e operativa que se produz entre as representações e a própria realidade”.

Por outro lado, inclui também estudar as condições para o rompimento das crenças, das certezas e a efetividade das ações sociais que os indivíduos imprimem sobre as realidades cotidianas. De acordo com Eduardo Vizer, é preciso analisar como os indivíduos constroem e cultivam um habitat tanto natural como social e simbólico. “Um habitus 56 social, real, simbólico e imaginário compartilhado e ao mesmo tempo reconhecível que assegura a participação social na reconstrução coletiva dos diversos contextos sociais e culturais”.

Vizer está falando no conjunto de “certezas” que mantém o sentimento de estabilidade e normalidade da vida cotidiana, como as certezas assentadas no “sentido comum”, construídas por meio da ação social e da linguagem (via processos de comunicação). Certezas sobre a relação entre “sentido e realidade” que foram construídas pela sociedade e pela cultura, “as mesmas que reproduzem e transformam as dimensões de formação de sentido e de realidade ao longo dos processos históricos”. Certezas sobre o futuro, na natureza e a sociedade, sobre as relações humanas, sobre a moral, sobre a política e as instituições, sobre “o sistema”, sobre a justiça e sobre nós mesmos. Ao desenvolver um marco conceitual que promova a teoria e prática sobre diferentes dimensões associadas aos processos de transformações dos grupos, comunidades e coletivos sociais, o pesquisador argentino trata de pesquisar e trabalhar essas transformações nas relações formais e informais, desde uma perspectiva intra organizacionai asi como extra organizacionai. Além disso, analisa os vínculos primários, ou seja, as redes de contenção dos indivíduos; o trabalho, estudando as atividades produtivas; a construção do espaço e do tempo, assim como as dimensões simbólicas e culturais que os acompanham.

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No sentido dado pelo pensador francês Pierre Bourdieu.


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Hipóteses

São três as hipóteses de Eduardo Vizer ao estudar os indivíduos e os grupos sociais. Para o autor, em primeiro lugar eles constroem suas próprias ecologias, seja em termos de espaço físico, de tempo, assim como de espaços ambientais, sócio-culturais e imaginários. Também reconstroem seu meio ambiente transformando a natureza, suas próprias culturas, estruturas, instituições sociais, tecnologias e vínculos. Partindo do princípio de um paradigma de construção e reprodução permanente, ele fala de um paradigma gerativo, onde é possível abordar a questão da geratividade da sociedade desde diferentes perspectivas. Dentro desta idéia, Vizer recorda que é possível elaborar uma hipótese geral sobre a existência de diferentes esferas ou domínios ontológicos de ação tanto materiais como culturais, que simbolicamente se manifestam como construções institucionais e discursivas construídas ao longo dos anos e da história. “A crescente complexidade social e cultural de nossas sociedades, ameaçadas pela homogenização hegemonizante da tecnologia e do poder econômico transformaram os modos de produção dos dispositivos de geração de recursos e as condições de vida das pessoas”.

Neste sentido, a Comunicação aparece como uma possibilidade de compreensão, de diagnóstico e intervenção social frente as situações críticas dos grupos sociais mais carentes. Mas para que isso ocorra, diz Vizer, é preciso que os pesquisadores em Comunicação assumam o desafio de produzir um saber transdisciplinário e acessível às pessoas. Por isso, o autor argentino acredita que é preciso desenvolver um “discurso do método” associado à prática da intervenção social e da construção de espaços de participação, incentivando a cidadania e a auto-gestão.

“A comunicação vai além da recreação dos vínculos e laços sociais. Ela implica sua acumulação em atos e em valores. A comunicação – enquanto práxis – deve ser o lugar do sentido e da significação”.

Para colocar em prática o que denominou de Socioanálise, Vizer desenvolveu seis dimensões ou eixos de trabalho sobre grupos sociais, sejam eles comunidades ou instituições. O primeiro diz respeito às ações instrumentais, isto é que trabalho desempenha determinado grupo, sua produção, função econômica; o segundo está relacionado à organização política do grupo ou instituição (representação e distribuição do poder). O terceiro trata da dimensão normativa, ou seja, como se organiza o grupo, os valores e normas que possui.


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A quarta dimensão está relacionada à dimensão espacial e temporal e trata da construção real, simbólica e imaginária do espaço onde atua o grupo ou instituição. A quinta fala dos vínculos, para analisar como se estabelecem os vínculos e redes efetivas. E finalmente, a sexta dimensão aborda os imaginários sociais, ou seja, a cultura, os mitos, as cerimônias, os rituais, as identidades e a percepção que o grupo ou instituição possui do mundo real. Mas o pesquisador não esqueceu de incluir em sua topologia de análise o papel da tecnologia na vida cotidiana. Nesse sentido, lembra que a tecnociência promove novos ambientes humanos e produz uma ecologia artificial, ou seja, uma forma de cultura dominada pela tecnologia que atravessa s subjetividade e os coletivos sociais, a natureza da cultura e inclusive o sagrado. A grande contribuição de Eduardo Vizer ao pensamento comunicacional latinoamericano e à pesquisa em Comunicação é a possibilidade de vincular teoria com transformação social, oferecendo novas interpretações e propostas teóricas que incluam categorias diretas de trabalho com os grupos sociais para tentar abrir espaço para a participação das pessoas envolvendo a percepção destas sobre o mundo. Ou como diz Vizer, “a proposta é transformar esse mapa sobre um território em um ‘code map’, modificando o próprio território ou a relação que as pessoas estabelecem com a realidade”. Isso significa desenvolver processos de análise, diagnóstico sobre condições de vida, projetos de mudança e produção de conhecimento que inclua o outro/os outros, as comunidades sociais envolvidas. Isso significa trabalhar coletivamente para encontrar alternativas de ação e intervenção social. Algo que vai muito além de pensar a comunicação como campo de predomínio dos processos mídiáticos, pois requer dos pesquisadores envolvidos o exercício de um olhar caleidoscópico que reflita sobre os processos de comunicação em diferentes níveis.


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Tres retos clave para la política de radio y televisión del nuevo Gobierno español57 Isabel Fernández Alonso

*

Resumen: El objetivo de este artículo es reflexionar sobre tres cuestiones esenciales relacionadas con la política audiovisual que ineludiblemente habrá de abordar el nuevo Gobierno socialista español: la creación de un consejo audiovisual de ámbito estatal, la reforma de los modelos de gestión y financiación de las radiotelevisiones públicas y el impulso de la digitalización de las emisiones (y de la recepción) de radio y televisión por ondas. Trataremos de sistematizar los problemas que se han ido generando en torno a estas tres cuestiones e intentaremos aportar algunas ideas encaminadas a solventarlos. Palabras clave: Política audiovisual, consejos audiovisuales, medios públicos, digitalización, España

Abstract: This article aims to provide a reflection on three critical issues related to broadcasting policy that the newly elected Socialist government of Spain will have to face in the short run: the formation of a National Broadcasting Council, reform of the public broadcasting management and financing systems, and the needed advancement of the digitalization process. The article attempts to systematically analyze the challenges surrounding these three issues. Finally, it will also try to provide ideas leading to possible remedies. Key words: Broadcasting Policy, Broadcasting Councils, Public Media, Digitalization, Spain

La vigente legislación española sobre radio y televisión requiere una reformulación, no sólo por la dispersión de la normativa existente58, sino también por la situación de bloqueo en que se encuentran desde hace bastante tiempo tres cuestiones clave: a) la inexistencia de una autoridad audiovisual independiente, b) los modelos de gestión y financiación de las

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Agradezco a Maria Corominas (Universitat Autònoma de Barcelona) y Daniel E. Jones (Universitat Ramon Llull) todas las amables y pertinentes observaciones que han hecho a este texto. * Isabel Fernández Alonso es investigadora del Institut de la Comunicació de la Universitat Autònoma de Barcelona, donde coordina el Observatorio de Políticas de Comunicación. Doctora en Ciencias de la Información por el Departamento de Historia de la Comunicación Social de la Universidad Complutense de Madrid, ha realizado un postdoctorado en el Observatorio de los Medios en Europa de la Universidad Libre de Bruselas y ha sido profesora de Estructura de la Comunicación en la Universidad Católica de Murcia y en el Centro de Estudios Superiores Felipe II de Aranjuez (Madrid). Es coautora del libro Estado y medios de comunicación en la España democrática (Alianza, 2000). 58 Ley 4/1980 (Estatuto de la radio y la televisión); Ley 46/1983, reguladora del tercer canal de televisión; Ley 31/1987, de ordenación de las telecomunicaciones; Ley 10/1988, de televisión privada; Ley 11/1991, de organización y control de las emisoras municipales de radio; Ley 37/1995, de telecomunicaciones por satélite; Ley 41/1995, de televisión local por ondas terrestres; Ley 42/1995, de telecomunicaciones por cable; Disposición adicional cuadragésimo cuarta de la Ley 66/1997, de medidas fiscales, administrativas y del orden social; Disposición adicional primera de la Ley 50/1998, de medidas fiscales, administrativas y del orden social; Disposición adicional primera de la Ley 22/1999, de modificación de la Ley 25/1994, por la que se incorpora al Ordenamiento Jurídico Español la Directiva 89/552/CEE, sobre la coordinación de disposiciones legales, reglamentarias y administrativas de los Estados miembros, relativas al ejercicio de actividades de radiodifusión televisiva; y las disposiciones adicional trigésima y cuadragésima primera de la Ley 62/2003, de medidas fiscales, administrativas y del orden social.


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radiotelevisiones públicas, y c) los procesos de introducción de la televisión digital terrestre y de la radio digital. A la referida dispersión normativa que caracteriza a nuestro sector audiovisual (radio y televisión)59 se han sumado las excesivas modificaciones que ésta ha sufrido -en ocasiones, como veremos, de manera precipitada- por la vía de las leyes de acompañamiento a los Presupuestos Generales del Estado (PGE)60, sobre todo las aprobadas en diciembre de 2002 que reformó las leyes 31/1987, de ordenación de las telecomunicaciones, 10/1988, de televisión privada, y 41/1995, de televisión local- y diciembre de 2003, que modificó de nuevo las leyes 10/1988 y 41/1995. Las disposiciones adicionales a las leyes de acompañamiento a los PGE -a veces introducidas como enmiendas en el Senado- no parecen la fórmula más adecuada para reformar normas que afectan a los medios de comunicación. Al contrario, más bien podría pensarse que constituyen una vía para limitar el debate parlamentario en torno a cuestiones de enorme relevancia social. En cuanto a los tres asuntos clave mencionadas, obviamente éstos no son los únicos temas relacionados con el sector audiovisual que requieren una solución urgente, pero sí quizás los más significativos. Otras cuestiones que reclaman una meditada intervención política son, por ejemplo, la liberalización de la televisión por cable -que garantizaría la pervivencia de los cableoperadores históricos, evitando los conflictos que se han producido por este motivo en el seno del Gobierno del Partido Popular61- o la protección e impulso a la producción audiovisual independiente, muy debilitada por el hecho de que sean las cadenas de

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Cabe matizar que la normativa sobre cine sí que se ha unificado y actualizado a través de la Ley 15/2001, de fomento y protección de la cinematografía y del sector audiovisual (desarrollada por Real Decreto 526/2002). En adelante, cuando utilicemos la expresión sector audiovisual, ha de entenderse que estamos hablando esencialmente de radio y televisión, por cuanto son el objeto específico de este artículo. 60 Aunque frecuentemente se habla de leyes de acompañamiento a los presupuestos del Estado, la denominación correcta es leyes de medidas fiscales, administrativas y del orden social. En adelante utilizaremos indistintamente ambas denominaciones. 61 El Ministerio de Ciencia y Tecnología interpuso en 2001 un recurso contencioso-administrativo contra la decisión de la Comisión del Mercado de las Telecomunicaciones (CMT) de permitir prestar servicios de difusión de contenidos audiovisuales -siempre que no se trate de canales de producción propia- a las empresas que cuenten con licencias C1 (previstas en la Ley 11/1998, General de Telecomunicaciones, y otorgadas por la propia CMT). Los cableoperadores históricos -que, en principio, habrían de cerrar en el momento en que se instalase en su zona de cobertura el segundo operador (Ono, AunaCable) derivado de la Ley 42/1995- se han acogido a estas licencias -que permiten la explotación de redes públicas, siempre que no se utilice el espectro radioeléctrico ni se presten servicios de telefonía- para sobrevivir como empresas y han creado productoras "aparentemente" independientes para seguir editando el canal de producción propia que tradicionalmente han venido incorporando en su oferta. Cfr. SARABIA, Isabel, La televisión de proximidad en la Región de Murcia, Tesis Doctoral inédita, Universidad Complutense de Madrid, 2004, p. 411. Es importante subrayar que la nueva ley general de telecomunicaciones (32/2003) establece la liberalización de los servicios de difusión por cable, pero ésta no será realmente efectiva, en principio, hasta el año 2010 con el objetivo de que las sociedades gestoras de los segundos operadores puedan amortizar sus inversiones.


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televisión las que financien enteramente una buena parte de la ficción nacional62. Igualmente cabría, por citar otro tema pendiente, ofrecer algún tipo de solución a la notable proliferación de emisoras de radio ilegales: 2.419 hasta el 24 de junio de 2004, según un informe presentado en la última Asamblea General de la Asociación Española de Radio Comercial (AERC)63. En todo caso, en este artículo nos centraremos sólo en los problemas que se han generado en torno a las tres cuestiones que indicábamos líneas atrás y propondremos algunas ideas básicas para solventarlos, que confiamos coincidan con las propuestas que elabore próximamente el Consejo para la Reforma de los Medios de Comunicación de titularidad del Estado, nombrado por el Gobierno socialista resultante de las elecciones generales de marzo de 200464. Cabe matizar que consideramos que las acciones legislativas son uno de los instrumentos esenciales de las políticas públicas audiovisuales (o mediáticas), pero no el único. En este sentido, adelantamos ya que, si bien entendemos que la solución a dos de los problemas mencionados -la inexistencia de una autoridad audiovisual independiente y la reforma de los modelos de gestión y financiación de las radiotelevisiones públicas- ha de contemplarse -o, al menos, perfilarse- en una ley general de radio y televisión, en el caso del tercer asunto -la digitalización de las emisiones de radio y televisión por ondas-, sería preferible un plan de acción independiente. A continuación, nos ocupamos, una a una, de las mencionadas cuestiones clave que, sin duda, habrá de afrontar el nuevo ejecutivo socialista, particularmente el Ministerio de Industria, Turismo y Comercio, en la medida en que ha asumido las competencias sobre el sector audiovisual del extinto Ministerio de Ciencia y Tecnología.

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Esto implica que las televisiones se reservan los derechos de las series que financian y al mismo tiempo les permite pagar a las productoras únicamente una cantidad en función de la audiencia que se logre (más un fijo según costes). Todo esto frena obviamente las inversiones de las productoras (incluidas las coproducciones nacionales e internacionales) y es un proceso que se agrava por la tendencia creciente a la concentración vertical que se advierte en nuestro país y que hace que las principales productoras estén controladas por los grupos propietarios de las grandes cadenas de televisión. Cfr. al respecto BUSTAMANTE, Enrique, Comunicación y cultura en la era digital. Industrias, mercados y diversidad en España, Gedisa, Barcelona, 2002, pp. 230-232 y 251. 63 Cfr. El Mundo, 1-VII-2004, p. 69. 64 El Consejo, creado por Real Decreto 744/2004, de 23 de abril (BOE de 24 de abril)- está presidido por el filósofo Emilio Lledó y cuenta con cuatro vocales: el comunicólogo Enrique Bustamante, los también filósofos Victoria Camps y Fernando Savater, y el periodista Fernando González Urbaneja.


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CMT versus Consejo Audiovisual Independiente

Las autoridades o consejos audiovisuales europeos son organismos más o menos independientes de los gobiernos a los que normalmente sustraen una buena parte del control que éstos han ejercido históricamente sobre la radio y la televisión. Sus competencias abarcan desde las funciones meramente consultivas hasta la adjudicación de concesiones, pasando, por ejemplo, por el control del respeto a la legalidad en los contenidos (programación y publicidad). Todos los países de Europa occidental, excepto España y algunos microestados, cuentan con un organismo de estas características de ámbito estatal. No obstante, hay que matizar que algunas de las comunidades autónomas españolas sí que han puesto en marcha sus propios consejos audiovisuales, aunque hasta el momento sólo el Consell de l’Audiovisual de Catalunya (1996) y el Consejo Audiovisual de Navarra (2001) tienen un abanico de competencias suficiente como para ser considerados realmente autoridades independientes65. Los consejos gallego (1999), andaluz (2000) y madrileño (2001) únicamente realizan funciones consultivas y están completamente integrados en el organigrama de la Administración regional correspondiente, siendo sus miembros designados directamente por el gobierno de turno66. La primera iniciativa política que apuntaba la conveniencia de crear un consejo audiovisual con competencias en todo el territorio español se recogía en 1995 en las conclusiones del informe elaborado por la Comisión Especial sobre Contenidos Televisivos que se había constituido en el Senado, bajo la presidencia de Victoria Camps, catedrática de Ética de la Universitat Autònoma de Barcelona. Poco después, durante la primera legislatura con gobierno del Partido Popular (1996-2000) se registraron en los boletines oficiales de las Cortes Generales cinco proposiciones de ley de otros tantos grupos parlamentarios (Grupo Parlamentario Catalán, Grupo Mixto, Grupo Parlamentario Federal de Izquierda Unida, Grupo Popular y Grupo Socialista) para trazar el marco jurídico de un organismo de estas características. Todas estas iniciativas fueron tomadas en consideración por el Pleno del

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El Consell de l’Audiovisual de Catalunya fue creado por Ley catalana 8/1996 y sus competencias ampliadas por medio de Ley 2/2000, modificada, a su vez, en junio de 2004 (Cfr. Butlletí Oficial del Parlament de Catalunya, nº 72, 21 de junio de 2004, pp. 3 y 4). Mientras, el consejo navarro fue puesto en marcha a raíz de Ley foral (general del audiovisual) 18/2001. 66 Cabe matizar que el Ejecutivo andaluz aprobaba el 4 de mayo de 2004 un proyecto de ley de creación de una autoriadad audiovisual, que tendría competencias similares a las de Cataluña y Navarra. [en línea: http://www.porlared.com/cinered/noticias/i_act04050502.html]


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Congreso en junio de 199867 y la Comisión Constitucional decidía por unanimidad el 24 de febrero del año siguiente tramitarlas conjuntamente. A tal efecto, nombraba una ponencia que ni siquiera logró elaborar el informe que habría de ser debatido en la misma Comisión Constitucional antes de elevar un dictamen al Pleno para, a partir de ahí, iniciar el proceso normal de tramitación parlamentaria de una proposición de ley. En la siguiente legislatura (2000-2004), el Partido Popular se sirvió de su mayoría absoluta para rechazar las diversas iniciativas de la oposición -la última presentada por el Partido Socialista Obrero Español en octubre de 200368- para crear un consejo audiovisual, con el argumento de que este asunto ya se contemplaba en el anteproyecto de ley general de radio y televisión que estaba preparando el Gobierno. El anteproyecto en cuestión, redactado desde el Ministerio de Ciencia y Tecnología, preveía una ampliación de competencias de la actual Comisión del Mercado de las Telecomunicaciones (CMT), que asumiría tareas relacionadas con el sector audiovisual 69 . Pero si consideramos simplemente que todos los miembros de la hipotética Comisión del Mercado Audiovisual y de las Telecomunicaciones serían designados por Real Decreto del Gobierno, a propuesta del Ministerio de Ciencia y Tecnología, se constata la nula voluntad del entonces Ejecutivo conservador de delegar en una autoridad realmente independiente buena parte de sus competencias en materia de medios70. En todo caso, el sector audiovisual español continúa padeciendo -a la espera de las medidas que adopte el Gobierno socialista en este sentido- problemas tan graves como, por citar sólo dos ejemplos, la falta de seguimiento y sanción de los sistemáticos incumplimientos por parte de los operadores de televisión de la normativa europea sobre la publicidad máxima permitida, o la arbitrariedad en los procesos de adjudicación de licencias de radio y televisión. El control del respeto a la normativa sobre contenidos audiovisuales en general (no sólo la relativa a los porcentajes de publicidad) correspondía hasta el cambio de Gobierno de abril de 2004 al Ministerio de Ciencia y Tecnología71. Además, eran cargos políticos de este

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68

Cfr. Diario de Sesiones del Congreso de los Diputados, nº 172, 23-VI-1998, pp. 9232-9240.

Cfr. Boletín Oficial de las Cortes Generales, Serie D, nº 605, 17-X-2003, p. 14. Cfr. ABC, 5-VI-2003, p. 54. 70 Además, esta Comisión, adscrita al Ministerio de Ciencia y Tecnología, sólo tendría capacidad de sanción en los casos de infracciones leves a la normativa general y sobre contenidos de radio y televisión, debiendo elevar al Ministerio la correspondiente propuesta de resolución en los demás casos (datos tomados del Anteproyecto de ley gneral de radio y televisión, documento mecanografiado). 71 Este organismo, a pesar de nuestros reiterados requerimientos, nunca nos facilitó información sobre su tarea en este sentido. 69


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mismo departamento los que conformaban las comisiones de contratación que realizaban la valoración -que luego asumía el Consejo de Ministros- de las solicitudes que se presentaban para la adjudicación de concesiones de radio y televisión de ámbito nacional72. En nuestra opinión, ambas tareas -control de contenidos y asignación de licencias de emisión- han de corresponder a la por ahora inexistente autoridad audiovisual independiente. Creemos que esta autoridad ha de ser un organismo realmente autónomo, con independencia para gestionar su presupuesto, cuyos miembros sean designados por el Parlamento -atendiendo, en la medida de lo posible, a diferentes sensibilidades sociales, y por un periodo que no coincida con la Legislatura-, y estén sujetos a un riguroso régimen de incompatibilidades;

un organismo que -además de tareas de estudio, asesoramiento,

vigilancia y sanción de los incumplimientos de la normativa vigente, y asignación de concesiones- disponga de poder real para, por ejemplo, velar por la transparencia en la propiedad de las empresas, garantizar el pluralismo o fomentar el necesario debate sobre la función social de los medios.

Un Estatuto de RTVE de la Transición

Los modelos de gestión y financiación de Radio Televisión Española (RTVE) se fijaron en la Ley 4/1980 (Estatuto de la Radio y la Televisión) y, pese a que han sido reiteradamente cuestionados, ambos siguen plenamente vigentes, no sólo en lo que toca a la radiotelevisión estatal sino también a las autonómicas, puesto que la Ley del Tercer Canal (46/1983) reproduce claramente los planteamientos del Estatuto en este sentido. Los órganos con poder real de gestión en RTVE y en los organismos de radiotelevisión de las comunidades autónomas que han optado por crearlos son: un director general, nombrado por el Gobierno, y un Consejo de Administración formado por 12 miembros, designados la mitad por el Congreso y la mitad por el Senado (en el caso de los organismos regionales, los 12 por la única cámara existente), por mayoría de dos tercios y por el periodo equivalente a la legislatura 73 . Esto supone que RTVE y los organismos

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Cabe precisar que sólo el Consell de l'Audiovisual de Catalunya, y únicamente desde junio de 2004, tiene capacidad de influencia en los procesos de adjudicación de licencias de radio y televisión. Sus informes son, desde la reforma a la que hacemos referencia en la nota 8, preceptivos y vinculantes para el Gobierno de la Generalitat. 73 Los consejos asesores, que deberían articular la participación de diversas entidades sociales en las radiotelevisiones públicas, no cuentan con ningún poder efectivo.


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autonómicos, mientras no cambie la normativa, difícilmente estarán gestionados por personas que no cuenten con la confianza de las fuerzas políticas mayoritarias en cada momento. Un modelo de estas características facilita, sin duda, la politización de los medios audiovisuales públicos, sobre todo si consideramos que las mayorías absolutas han sido bastante frecuentes en España a partir del triunfo socialista en 1982. No obstante, no hay que olvidar la importancia del factor cultural a la hora de explicar las prácticas clientelares (con respecto a una tendencia política concreta) de quienes son designados para el ejercicio de un cargo público en nuestro país (así como en otros del área latina)74. Paralelamente, y en contra de lo previsto en la normativa vigente75, se está advirtiendo una tendencia a introducir la gestión privada de la publicidad y/o de la programación en los organismos públicos de radioletevisión autonómicos. En este sentido, el referido anteproyecto de ley audiovisual elaborado desde el Ministerio de Ciencia y Tecnología en 2003 pretendía cerrar la polémica en torno a este asunto76, autorizando formas de gestión como la que se implantó en la Comunidad Canaria desde el momento del lanzamiento de su radiotelevisión pública en 1999, un modelo basado en la externalización de la producción y realización de toda su programación -excepto los informativos- y gestión de la publicidad77. En cuanto al modelo de financiación, resulta sorprendente el peso proporcional que alcanza la publicidad, sobre todo en el caso de RTVE, frente a las subvenciones estatales (sin contar el aval de la deuda) u otras fuentes menores como la venta de programas. La publicidad garantizó por sí sola la financiación del Ente Público desde la etapa de José María Calviño como director general (1982-1986) hasta la aparición de las televisiones privadas (1990). A partir de esta fecha, RTVE inició un periodo de endeudamiento progresivo -a pesar de que se incorporaron de nuevo las subvenciones estatales y que los gobiernos socialistas condonaron deudas entre 1993 y 1996 78 - que explica su adscripción a la Sociedad Estatal de Participaciones Industriales (SEPI) en diciembre de 2000, con toda la polémica que esto generó pues el antiguo Instituto Nacional de Industria (la actual SEPI) tiene, entre otras 74

Es muy interesante al respecto la reflexión de Daniel Hallin y Stylianos Papathanassopoulos, para quienes estas prácticas clientelares son el resultado de fenómenos como la larga pervivencia de los regímenes feudales en las naciones del sur de Europa, el triunfo de la Contrarreforma o los tardíos procesos de democratización vividos en el siglo XX por estos mismos países. Cfr. el ensayo "Political Clientelism and the Media: Southern Europe and Latin America in Comparative Perspective": [en línea: http://www.portalcomunicacion.com/observa/polis/client.pdf]. 75 Cfr. el artículo seis, párrafo segundo de la Ley 46/1983, reguladora del tercer canal de televisión. 76 Cfr. Cinco Días, 5-VI-2003, p. 3. 77 Cfr. FERNÁNDEZ ALONSO, Isabel, "La externalización de la producción de los operadores públicos de televisión de ámbito autonómico. Los casos canario y extremeño", Latina, nº 46, enero de 2002 [en línea: www.ull.es/publicaciones/latina]


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funciones, la de sanear empresas públicas que atraviesan momentos difíciles para proceder, en algunos casos, a su privatización. A finales de 2003, el Plan de Viabilidad de la SEPI había logrado una reducción del 30% del déficit de explotación de RTVE, gracias al recorte de gastos (sobre todo de plantilla) y al aumento de ingresos (fundamentalmente de publicidad). No obstante, la deuda acumulada se calcula que alcanzará los 6.892 millones de euros al cierre del ejercicio de 2004. Además, la Comisión Europea advirtió al Gobierno español en octubre de 2003 que los avales públicos que financian la deuda de RTVE exceden los costes del servicio público que presta y, por consiguiente, han de ser reducidos79. Las continuas protestas de la Unión de Televisiones Comerciales (UTECA), que sistemáticamente ha acusado a TVE de competencia desleal por el volumen de publicidad que emite, debieron influir en las reformas del modelo de financiación de RTVE que -a través del referido anteproyecto de ley de radio y televisión- se pretendían implantar desde el Ministerio de Ciencia y Tecnología en la etapa en que tuvo al frente a Josep Piqué (julio de 2002-junio de 2003). Según los datos que se filtraron en su día a los medios, en un principio se contemplaba en este anteproyecto una reducción del tiempo diario de emisión de publicidad del 15% al 8%, una tentativa que fue rápidamente rebatida desde los ministerios de Economía y Hacienda por sus previsibles repercusiones en las cuentas del Estado80. Piqué intentó, suprimiendo (hasta la tramitación parlamentaria) los artículos relacionados con el modelo de financiación de RTVE, que el Consejo de Ministros diese luz verde al borrador que había preparado su equipo. Pero esta vez se encontró con la firme oposición del vicepresidente primero del Gobierno, Mariano Rajoy, quien no "terminaba de ver la oportunidad política de embarcarse en una remodelación normativa de alto interés estratégico"81. De hecho, parece que fue esta importante divergencia sobre la política de ingresos de RTVE la que impidió que el anteproyecto de ley llegase a obtener el visto bueno del Consejo de Ministros y la que frenó, por tanto, su tramitación como proyecto de ley. A principios de 2005 se conocerán las propuestas para la modificación del marco legal de las radiotelevisiones públicas que sugiera el Consejo para la Reforma de los Medios de Comunicación de titularidad del Estado. Antes de formularlas, este grupo de expertos ha de 78

Cfr. BUSTAMANTE, Enrique, op. cit., p. 217. Cfr. Noticias de la Comunicación, diciembre de 2003, p. 12. 80 Cfr. Cinco Días, 7-IV-2003, p. 2. 81 Cfr. ABC, 5-VI-2003, p. 54. 79


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justificar la conveniencia de contar con estos medios (adoptando o no un modelo mixto de gestión), definiendo cuáles han de ser sus funciones (de aquí la importancia de los contratos programa) y cómo se garantizará su cumplimiento (aquí entraría en juego la autoridad audiovisual)82. En nuestra opinión, lo primero que hay que hacer es dejar de plantear el debate sobre los medios públicos en términos de eficiencia económica para hacerlo en términos de rentabilidad social. Si decidimos que estos medios deben mantenerse para garantizar determinados intereses colectivos, parece claro que se ha de abandonar la carrera por la audiencia y ha de ser el Estado el que asuma -con los ajustes pertinentes 83 - los costes derivados de su mantenimiento y, obviamente, la deuda acumulada84. No parece factible, al menos por el momento, que en España lleguen a cuajar fórmulas de financiación basadas en las donaciones como ocurre, por ejemplo, con el Public Broadcasting System (PBS) en Estados Unidos. Es esencial no perder de vista el contexto sociocultural en el que nos movemos.

Digitalización sin receptores

La tercera cuestión clave que, a nuestro entender, requiere una solución política urgente es la relativa al proceso de introducción de la televisión digital terrestre (TDT) y de la radio digital85. El Gobierno central ha realizado -adelantándose a casi todos los países del entorno, excepto el Reino Unido- todas las concesiones de TDT y de radio digital que la planificación técnica del espectro le permitía86. Y ello antes de que los fabricantes de receptores se hayan comprometido a comercializar un número de aparatos suficiente como para que los precios resulten asequibles a los consumidores.

82

Para profundizar en la reflexión teórica en torno a estas cuestiones. Cfr. MORAGAS, Miquel y PRADO, Emili, La televisió pública a l’era digital, Pòrtic, Barcelona, 2000. 83 En este sentido, consideramos que habría que contemplar la reducción del número de programaciones y la dimensión de las corporaciones públicas de radiotelevisión, así como fortalecer los mecanismos de colaboración entre ellas. Y no olvidemos que todo esto se habría de coordinar con las radios y televisiones públicas locales. 84 A cambio, los medios públicos pueden contribuir, por ejemplo, al fomento de la producción audiovisual nacional o pueden liderar el proceso de digitalización de la radio y la televisión por ondas. 85 La nueva tecnología comporta básicamente tres tipos de ventajas: mejor aprovechamiento del espectro radioeléctrico, mayor calidad de imagen y sonido, y prestación de servicios de valor añadido. No obstante, su incorporación requiere la existencia de receptores que sean capaces de leer y reproducir una señal digital. 86 Cfr. MORAGAS, Miquel de, FERNÁNDEZ ALONSO, Isabel y LÓPEZ, Bernat, "Les polítiques de comunicació", en COROMINAS, Maria y MORAGAS, Miquel de (eds.): Informe de la comunicació a Catalunya 2002, UAB, Bellaterra, 2003, pp. 235-236.


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La inexistencia de receptores digitales afecta especialmente a los concesionarios de TDT que han iniciado recientemente su actividad en el sector televisivo (Net Tv y Veo Tv) puesto que únicamente pueden emitir con tecnología digital y, por tanto, han de elaborar una programación que, en realidad, casi nadie puede ver87. Debido a las circunstancias descritas, el Consejo de Ministros reunido el 26 de septiembre de 2003 adoptó un acuerdo por el que se flexibilizan las condiciones fijadas en los contratos para la explotación del servicio de televisión digital terrenal suscritos el 18 de junio de 2001 entre el Ministerio de Ciencia y Tecnología y las concesionarias VEO Televisión, S.A., y Sociedad Gestora de Televisión NET TV, S.A.88. Los operadores que ya estaban prestando servicio (TVE 1 y TVE 2, Antena 3, Tele 5 y Canal Plus) han de simultanear emisiones analógicas y digitales pero no están obligados a ofertar programaciones distintas. En todo caso, unos y otros han de asumir los costes de 2,4 millones de euros anuales que conlleva la difusión de la señal digital89. Junto a este problema, la implantación de la TDT adolece de otra contradicción importante: el Plan Técnico (RD 2169/1998) ha reservado un único múltiplex -que, en principio, está pensado para un máximo de cuatro programaciones- para las emisiones digitales de los cuatro operadores que venían emitiendo con tecnología analógica. Pero al contar TVE con dos programaciones, el ancho de banda resulta insuficiente para prestar con la debida calidad los servicios de valor añadido que comporta la digitalización. Incluso hay zonas de España en las que la propia señal no se capta con nitidez.

87

Hasta el momento, para cumplir con la obligación legal de prestar servicio, Veo Tv, de la que son accionistas de referencia el grupo Recoletos y UNEDISA, ha optado por emitir el canal temático Expansión, y Net Tv, que está controlado por el grupo Vocento, cuatro horas de vídeos musicales. 88 Así, ambas sociedades se han liberado, por ejemplo, de los compromisos de estabilidad accionarial. El Gobierno del Partido Popular aplazó además la fecha de ejecución de varios de los compromisos adquiridos por los concesionarios de TDT, como el de realizar inversiones en descodificadores (asumido por Net Tv, que se pospone hasta el 18 de junio de 2007), el de favorecer la producción nacional y/o comunitaria (asumido por ambas concesionarias, hasta el 18 de junio de 2008), el de fomento de la interactividad en la programación (asumido por Net Tv, que se retrasa hasta el 18 de junio de 2008), el de inversiones por importe de 72 millones de euros y aportaciones de capital de 120 millones de euros (asumidas por Net, que deberán cumplirse antes del 18 de junio de 2009), o el compromiso de creación de empleo directo (asumido por Net Tv, que se pospone hasta el 18 de junio de 2011). Además el referido Consejo de Ministros autorizó la sustitución de los avales para el cumplimiento de los compromisos asumidos voluntariamente (29 millones de euros en el caso de Veo Tv y 19 en el de Net Tv) por la garantía definitiva que tienen constituida (12 millones). Cfr. www.la-moncloa.es Igualmente han adjudicado licencias de TDT las comunidades de Madrid, La Rioja Cataluña y Navarra, siendo Cataluña la única que ha otorgado hasta el momento (junio de 2003) concesiones de radio digital. 89 Lo mismo ocurre con los operadores de radio digital, que normalmente han optado por redifundir en digital su programación convencional en FM.


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Parece que este asunto se podría resolver con la redistribución del espectro que ha dejado libre Quiero, una plataforma de televisión digital por ondas terrestres, de pago, que ocupaba tres múltiplex y medio, y que quebró en la primavera de 200290. En todo caso, consideramos más que probable que sobre esta cuestión el actual Gobierno adopte alguna medida, un "plan digital", al margen de la ley de radio y televisión sobre la que actualmente se está trabajando en el Ministerio de Industria, Turismo y Comercio. Ese plan ha de coordinar necesariamente los intereses de los fabricantes de receptores y de los editores de canales y ha de contemplar una campaña de información a la ciudadanía sobre las ventajas que comporta la digitalización. En este sentido, creemos que se debería tener en cuenta la experiencia del Reino Unido, dada la importante penetración de receptores digitales en sus hogares y -en el caso de optar por relanzar una plataforma de TDTel modelo de Freeview, un proyecto conjunto de News Corporation y la BBC que está obteniendo resultados satisfactorios. Al mismo tiempo, este plan ha de dar respuesta a dos cuestiones especialmente sensibles: el sistema o sistemas de radio digital (DAB/DRM) que conviene implantar en España y la particular situación de la televisión local. En lo relativo al sector radiofónico, cabe recordar que el Plan técnico nacional de radiodifusión sonora digital terrenal (RD 1287/1999) optaba por el sistema DAB (Digital Audio Broadcasting) para proceder a la digitalización de la radio por ondas. Este sistema, que utiliza la banda de frecuencias VHF, conlleva una reordenación completa del mercado radiofónico con la que resultan claramente perjudicadas las grandes cadenas privadas: de hecho, si analizamos las concesiones que se han realizado para el ámbito nacional (todas las posibles, según el referido plan), vemos que las cadenas SER, Onda Cero y COPE se han hecho cada una de ellas con sólo una de las 12 licencias posibles para emisiones –ésta es la gran novedad- con cobertura en todo el territorio (frente a las actuales emisiones en cadena)91. No obstante, el hecho de que se hayan realizado concesiones de radio digital no conlleva ningún plazo –a diferencia del apagón analógico previsto para la televisión en 2012- para la

90

Para profundizar en la crisis y cierre de Quiero, cfr. FERNÁNDEZ ALONSO, Isabel, “La televisión multicanal en España: situación actual e interrogantes sobre el futuro”, en Francisco SIERRA (ed.): Comunicación y desarrollo en la Sociedad Global de la Información, Universidad de Sevilla e Instituto Europeo de Comunicación y Desarrollo, Sevilla, 2004, pp. 438-439. 91 Para conocer con detalle la planificación técnica del espectro y los procesos de adjudicación de licencias de radio digital realizados para el ámbito nacional, cfr. FERNÁNDEZ ALONSO, Isabel, "La política radiofónica en España (1996-2003)", Revista Electrónica Internacional de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación, vol. V, nº 3, septiembre-diciembre de 2003 [en línea: http://www.eptic.com.br/revista14.htm].


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desaparición de las emisiones analógicas en onda media y frecuencia modulada, aunque se supone que con el tiempo éstas irían extinguiéndose. En este contexto, el Partido Popular adoptaba en diciembre de 2003 una sorprendente medida por la vía de la ley de acompañamiento a los PGE de 2004: la autorización de las emisiones digitales por parte de aquellas entidades que dispongan de título habilitante para prestar el servicio de radiodifusión sonora en OM o en FM (con tecnología analógica)92 . RTVE, a través de Radio Nacional de España, deberá iniciar obligatoriamente sus emisiones en onda media con tecnología digital antes del 1 de enero de 2007 y las emisoras privadas que prestan servicio en esta banda de frecuencias, en un plazo de dos años a partir de la renovación de sus concesiones. De confirmarse esta medida, nos encontraríamos en una situación de coexistencia del referido sistema DAB con el DRM (Digital Radio Mondiale)93, que permite simultanear las emisiones analógicas y digitales en ondas largas, cortas y medias, y facilita la migración digital sin abandonar las actuales frecuencias analógicas y sin afectar, por tanto, al actual reparto de fuerzas en el mapa radiofónico español. Cabe apuntar, no obstante, que el DRM no permite por el momento las emisiones digitales en FM. De ahí el matiz que se apunta en el punto 7 de la disposición adicional cuadragésima primera de la ley 62/2003: “Las entidades que dispongan de título habilitante para prestar el servicio de radiodifusión sonora en ondas métricas con modulación de frecuencia podrán solicitar autorización al Secretario de Estado de Telecomunicaciones y para la Sociedad de la Información para la realización de sus emisiones con tecnología digital utilizando el dominio público radioléctrico que tengan reservado, siempre que existan normas armonizadas elaboradas por un organismo de normalización europeo reconocido y que el nivel de interferencia en el mismo canal o en los canales adyacentes no sea superior al que se produciría con modulación de frecuencia [el subrayado es nuestro]”94. Veremos qué medidas adopta con respecto a la radio digital el Gobierno socialista. Aunque, a la vista de lo expuesto, parece más sensato inclinarse por el DRM, lo cierto es que

92

Cfr. la disposición adicional cuadragésima primera de la Ley 62/2003, de medidas fiscales, administrativas y del orden social. 93 Ambos sistemas están reconocidos por el European Telecommunications Standardisation Institute. 94 Nuestro agradecimiento a Ángel Badillo (Universidad de Salamanca), quien amablemente nos ha cedido su texto inédito “Políticas públicas y la transición al audiovisual digital en España. El caso de la radio”. Este texto, que presentará en el VIII Congreso Iberoamericano de la Comunicación que ALAIC celebrará en La Plata entre el 11 y el 16 de octubre de 2004, nos ha sido esencial para comprender la reforma de diciembre de 2003 que venimos comentando.


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las concesiones realizadas en el marco del proceso de implantación del sistema DAB –que, sin duda, obedecen a una injustificada precipitación en las políticas de digitalización del sector audiovisual- pueden plantear algunos problemas en la medida en que buena parte de sus beneficiarios –las sociedades Sauzal 66, Unedisa Comunicaciones o Recoletos Cartera de Inversores, por citar tres ejemplos- cuentan, en principio, con una posición más cómoda en el mercado y quizás están realizando inversiones basadas, en parte, en esas perspectivas. En cuanto a la TDT local, el Gobierno español debería haber elaborado, a raíz de la Ley 41/1995 de televisión local por ondas terrestres, un plan técnico de televisión local analógica. Al no hacerlo, impidió a las comunidades autónomas legalizar (adjudicando las concesiones pertinentes) la situación de los operadores que venían prestando servicios en una situación "alegal" en sus respectivos territorios desde principios de los ochenta. La introducción de la tecnología digital llevó a los sucesivos gobiernos del Partido Popular a pensar que era más conveniente elaborar ya un plan técnico pensando en la digitalización del sector local, que completase el aprobado en 1998 para la televisión de ámbito nacional y autonómico (Real Decreto 2169/1998). Así, la Ley de acompañamiento a los PGE de 2003 (Ley 53/2002) trazaba las directrices para la elaboración de este plan técnico que, finalmente, recibió la aprobación del último Consejo de Ministros presidido por José María Aznar, el 12 de mayo de 200495. Las coberturas que se prevén (260 demarcaciones = 1.044 licencias)96 superan con creces el ámbito municipal que establecía la Ley 41/1995, salvo en los supuestos de las grandes ciudades, y los operadores locales que obtengan las concesiones -todas habrían de estar adjudicadas a principios de 2005- podrán emitir, en principio, hasta el 1 de enero de 2006 con tecnología analógica97. No obstante, la ordenación del espectro reservado a la televisión local ha generado ya diversas protestas en la medida en que supone la articulación de un modelo que pone cortapisas a parte de los actores del mapa preexistente: los que se definen como "integrantes de un modelo de televisión local, basado en los contenidos de proximidad, independiente de

95

Cfr. el Real Decreto 439/2004, por el que se aprueba el Plan técnico nacional de televisión digital local. Un múltiplex de TDT comprende cuatro programas (o programaciones). En el caso de la televisión digital local uno de los programas de cada múltiplex se reserva para que sea gestionado por el municipio o municipios comprendido/s en la demarcación que se corresponde con la cobertura del múltiplex. 97 Todos estos plazos se han fijado mediante sucesivas reformas de la Ley 41/1995, introducidas a través de las leyes de acompañamiento a los PGE de 2003 y de 2004. Cabe matizar que la reforma de diciembre de 2002 (PGE de 2003), retocada un año después, preveía que las emisiones de los operadores locales se realizasen desde un primer momento en digital, una decisión sin precedentes en Europa que hubiese supuesto que el sector más débil del mercado televisivo liderase la introducción de la nueva tecnología. 96


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los grupos de comunicación supralocales, promovido por actores locales y que defiende el pluralismo, la vertebración del territorio y el acceso conjunto de los ciudadanos a la sociedad de la información"98. En este sentido, sería bueno escuchar las reivindicaciones que se están realizando desde el sector y retrasar la aplicación del plan de TDT local para realizar las reformas que se consideren pertinentes en orden a respetar, en la medida de lo posible, a los actores que actualmente más se esfuerzan por ofrecer auténticos contendidos de proximidad. En esta línea cabe prestar atención a la experiencia catalana. Cataluña es la única comunidad autónoma donde los grandes grupos de comunicación –en buena medida por la cuestión lingüística- no han logrado desmantelar un tejido de televisiones locales donde los ayuntamientos juegan un papel muy significativo al gestionar aproximadamente la mitad del centenar que se contabilizan99. Este peso de las corporaciones locales junto con la implicación de las diputaciones de las cuatro provincias catalanas -que han puesto en marcha dos entidades que facilitan el intercambio y la producción conjunta de programación de proximidad100 - explica que los contenidos de los operadores de televisión local estén mucho menos contaminados de programas de tarot o concursos claramente manipulados que persiguen obtener importantes ingresos a partir de llamadas del público a teléfonos 906. En todo caso, se ha de tener presente que los medios locales, según cuáles sean las políticas que se les apliquen (y el ámbito en el que se desarrollen), pueden convertirse en uno de los pocos reductos del sector comunicativo que sirva de altavoz a los planteamientos

98

Cfr. el "Manifiesto de Granollers en defensa de la televisión local de proximimidad". [en línea: http://www.cineytele.com/supernotic ia.php?noticia=11494] 99 Los grandes grupos de comunicación españoles (particularmente PRISA y Vocento, así como la COPE) han aprovechado la situación “alegal” de los operadores de televisión local para crear –mediante compras, acuerdos de programación o lanzamiento de nuevos proyectos- auténticas redes con cobertura en casi todo el Estado. Mediante la Ley de medidas fiscales, administrativas y del orden social 53/2002 se realizó una modificación de la Ley 10/1988, que prohibía a las sociedades concesionarias de licencias de televisión privada gestionar operadores que coincidieran en algún punto de su cobertura. Si esto se hubiera mantenido, PRISA y Vocento, al tener participación accionarial en dos televisiones de cobertura nacional (Canal + y Tele 5) no podrían presentarse a los concursos para la obtención de licencias de televisión digital local. No obstante, las previsiones de la referida norma se vieron flexibilizadas un año más tarde, por la vía de la Ley 62/2003, de acompañamiento a los PGE de 2004, que establece, entre otras cosas, que si una persona física o jurídica tiene una participación significativa en una sociedad gestora de un operador de televisión de ámbito nacional podrá igualmente ser accionista de otra (u otras) sociedad concesionaria de televisión de ámbito autonómico o local, siempre que la población de las demarcaciones cubiertas en cada uno de estos dos últimos ámbitos por las emisiones del operador (u operadores) correspondiente no exceda del 25% del total nacional. 100 Se trata de la Xarxa de Televisions Locals, lanzada por la Diputación de Barcelona (controlada por el Partit dels Socialistes de Catalunya) y el Consorci Local i Comarcal de Comunicació, puesto en marcha por las diputaciones de Tarragona, Lleida y Girona (que cuentan con mayoría de Convergència i Unió).


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minoritarios y/o alternativos. Pero conviene no olvidar –sin que ambas opciones sean completamene excluyentes- que estos medios pueden igualmente convertirse en el intrumento perfecto de las denominadas naciones sin Estado para diseñar un mapa comunicativo propio.

A modo de conclusión

Hemos intentado sistematizar y resumir los que consideramos problemas más significativos -que no únicos- del sector radiotelevisivo español. Obviamente, cada uno de los aspectos mencionados podría dar lugar a un texto independiente, pero no era nuestra intención analizar a fondo un asunto concreto sino, como indicábamos al principio del texto, poner de manifiesto algunas de las deficiencias e incongruencias más notables del actual modelo español y apuntar algunas ideas para solventarlas. De todo lo aquí analizado se inifiere claramente la necesidad de articular una política firme y coherente, que sea capaz de abordar cuestiones que se han venido posponiendo durante demasiado tiempo –creación de una autoridad audiovisual independiente y reforma del modelo de gestión y financiación de las radiotelevisiones públicas-, y que se aleje de las decisiones precipitadas que han obligado a los últimos gobiernos del Partido Popular a rectificar con demasiada frecuencia las medidas que han ido adoptando en relación con la digitalización de la radio y la televisión por ondas (y en relación con las limitaciones a la propiedad en el sector de la televisión privada). En este sentido, recordemos que la Ley de Acompañamiento a los PGE de 2003 (53/2002) contemplaba una modificación de la Ley de televisión privada que pretendía -al menos, aparentemente- frenar la penetración de los grandes grupos de comunicación en el sector de la televisión local, una reforma que fue notablemente matizada por la Ley de medidas fiscales, administrativas y del orden social aprobada un año después (62/2003)101. Algo similar ha ocurrido con

las pretensiones gubernamentales encaminadas a

digitalizar la televisión local: la citada Ley 53/2002 preveía que, una vez que se adjudicasen las licencias de emisión en este sector, fuese obligatorio para los operadores beneficiarios de las mismas emitir en digital, pero esta previsión normativa fue igualmente modificada a través de la Ley 62/2003 que retrasa el comienzo de las emisiones en digital hasta el 1 de enero de 2006102.

101 102

Cfr. la nota 42 de este mismo artículo. Cfr. la nota 40 de este mismo artículo.


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Confiemos en que la nueva política audiovisual del Gobierno socialista -además de evitar estos titubeos- tenga en cuenta las opiniones de los diversos actores y sectores implicados, incluido el académico, tanto a la hora de sacar adelante una ley general de radio y televisión como en el momento de diseñar un plan de acción encaminado a la digitalización de las emisiones de radio y televisión por ondas. En este sentido, el programa electoral con el que el PSOE ganó las elecciones de marzo de 2004 planteaba “una política de medios de comunicación bajo la perspectiva cultural”, que se desarrollaría desde un nuevo ministerio “de la Cultura y la Comunicación”. Entre los objetivos estratégicos de este ministerio figuraba “transformar integralmente la Televisión Pública española para convertirla en un medio de comunicación de alta calidad y con contenidos prioritariamente orientados hacia la Cultura, la Educación

y la Información

veraz”. Para lograrlo se prometía la adopción de las siguientes medidas: • •

• • • • •

Creación del Consejo Superior de los Medios Audiovisuales. Capaz de inspirar, de forma independiente, la regulación del espacio audiovisual y de vigilar el cumplimiento de las normas establecidas. Creación de un Consejo Consultivo y un Centro de Estudios sobre Cultura, Educación y Comunicación Audiovisual. Con cometidos de asesoramiento y de observatorio sobre las relaciones entre estos ámbitos, en coordinación con las Ciudades y Comunidades Autónomas. Acuerdo estatal para un Código Ético por la Dignificación de Contenidos y constitución de la figura del Defensor del Espectador, lo que implicará obligatoriamente a las televisiones públicas y condicionará a las privadas, impidiendo la programación de “contenidos basura”. Plan de choque de educación en medios para todos los ciudadanos. Canales Digitales Públicos de Cultura y Educación. Acceso a los archivos históricos y documentales de RTVE, estableciendo una zona de documentación y videoteca en la página web de dicho Ente. Creación de un Departamento de Educación y Cultura de RTVE. Plan de inversión en Tecnologías y Contenidos para la Cultura y la Educación. Incluyendo de forma integral todos los aspectos relacionados con este ámbito: acceso, conectividad, producción y utilización real de los nuevos medios. Inversión en I+D+i para el incentivo de productos y servicios multimedia103. Sin embargo, el programa del PSOE no hacía ninguna referencia explícita a los

procesos de digitalización de la radio y la televisión.

103

Cfr. www.psoe.es


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Evidentemente, éste no es el momento de realizar una valoración de la política audiovisual de un gobierno que acaba de acceder al poder pero sí que sorprende el incumplimiento tan rápido de una de las promesas electorales, como es la creación de un Ministerio de la Cultura y de la Comunicación. El órgano competente en cuestiones de política de radio y televisión hasta que no se cree un consejo audiovisual independiente de ámbito estatal y, en todo caso, el que ha de afrontar los problemas relacionados con el proceso de digitalización de la radio y la televisión por ondas es, desde junio de 2004, la Subdirección General de Medios Audiovisuales, dependiente de la Dirección General para el Desarrollo de la Sociedad de la Información del Ministerio de Industria, Turismo y Comercio 104 . Igualmente, es el ministerio encabezado por José Montilla el encargado de elaborar un anteproyecto de ley general de radio y televisión que, entendemos habrá de incorporar las propuestas que se recojan en las conclusiones del informe que elabore el Consejo para la Reforma de los Medios de Comunicación de titularidad del Estado.

104

Son competencias de esta Subdirección, según el artículo 9 del Real Decreto 1554/2004, por el que se desarrolla la estructura orgánica básica del Ministerio de Indusria y Comercio: a) la propuesta de normativa relativa al régimen jurídico de la radiodifusión sonora y la televisión, de los contenidos y de protección de la propiedad industrial en los medios audiovisuales; b) el seguimiento y control de los operadores del sector audiovisual y la tramitación de sus títulos habilitantes en el ámbito de competencias de la Administración General del Estado; c) el ejercicio de las actividades de control e inspección en los medios audiovisuales; d) la instrucción de los procedimientos sancionadores en los medios audiovisuales; e) la elaboración de estudios, estadísticas y propuestas de actuación en el sector de los medios audiovisuales; f) la comunicación con los sectores profesionales e industriales de producción y difusión en el ámbito de los medios audiovisuales; y g) cualesquiera otras que el ordenamiento jurídico atribuya al departamento y que no estén específicamente asignadas a otras autoridades en lo relativo al sector audiovisual y sus contenidos (Cfr. BOE de 26 de junio de de 2004, p.23524)


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O setor audiovisual brasileiro: entre o local e o internacional Suzy dos Santos105 Sergio Capparelli106

O setor audiovisual no Brasil está situado na confluência entre o mercado e a cultura, entre o político e o econômico, entre o coletivo e o individual, entre a educação e o lazer. Nos últimos tempos, sobretudo a partir de 1990, surgem tensões entre esses setores, que mudam qualitativamente no que diz respeito ao nacional e ao internacional, num fenômeno que muitos chamam de globalização. O cinema e a televisão massiva, por exemplo, que antes da década de 90 seguiam caminhos próprios e operavam dentro de limites específicos, diluem suas fronteiras. A televisão aberta empresta seu estilo ao cinema nacional enquanto os sucessos do cinema são absorvidos pela televisão em minisséries, como foi o caso de Cidade de Deus em 2002. Essas fronteiras tornam-se igualmente tênues com as novas tecnologias, como a do videocassete e, mais recentemente, com DVD, que levam o cinema para casa com o auxílio do aparelho de televisão. São os novos suportes tecnológicos que favorecem essas mudanças. Eles atualizam o formato e o conteúdo de audiovisuais que chegavam aos domicílios mais distantes do país, mediante uma infra-estrutura de telecomunicações construída pelos militares nos anos 1970. Os sinais chegam agora transportados por um dos 24 satélites107 geoestacionários do mercado brasileiro. E timidamente – ainda hoje – o consumidor pode escolher um filme ou um jogo eletrônico mediante a oferta que ele escolhe em um menu que lhe chega em casa, através do serviço pay-per-view ou pelo near-video-on-demand. Os produtos audiovisuais, portanto, vão perdendo características que os faziam únicos e se transformando num serviço pago conforme o uso e o suporte. Essas novas possibilidades ao capital – criação de mercadorias mediante trabalho produtivo (Miège, 1989) ou oferta de serviços (Garnham, 1996) – chocaram-se, nos anos 1990, com um Código Brasileiro de Telecomunicações que tudo regulava mas que tinha sido adotado em 1962, quando ainda não existia a televisão em cores e o videotape. Essa 105

(FTC, Salvador) (suzysantos@superig.com.br) (UFRGS) (capparel@terra.com.br) 107 As operadores que hoje atuam no Brasil são as seguintes: Embratel (satélites Intelsat e Nahuel-1), Star One (satélites Brasilsat B1, B2 B3 e B4), General Electric Capital do Brasil (GE-4), Loral Skynet (Brasil-1, Satmex5, Solidaridad-2 e Telstar-12), Galaxy Brasil (Galaxy 8), Inmarsat Brasil (3AGR-East e 3AGR-West-2), Key TV (PAS-1 e 3), Manesco Ramires Perez Azevedo Marques (Hispasat-1C), Nahuelsat do Brasil (Nahuel-1), Net Sat Serviços (PAS-3R e PAS-6B), New Skies (NSS-803, NSS-806), PanAmSat do Brasil (PAS-1R) e Telesat Brasil (Anik F-1) (Siqueira, 2001). 106


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regulamentação foi ultrapassada pelos acontecimentos, com as grandes empresas criando a política de fato consumado. O que já acontecera nos países europeus, no Japão e nos Estados Unidos, ou seja, a adaptação de organismos existentes de controle e de regulação acontece no Brasil nos anos 1990, época em que a vizinha Argentina há muito consolidara a desregulamentação do setor. Os últimos 15 anos, portanto, trazem grandes mudanças no setor de produtos audiovisuais. A televisão massiva inovou em termos de programas, reforçando e atualizando êxitos, “mexicanizando” parte da ficção televisiva para incorporar segmentos populares, ou adaptando novos gêneros internacionais como os reality shows, e recuperando a estética do grotesco, que busca o sensacionalismo. Embora a concorrência com Internet e TV por assinatura ainda não seja expressiva, busca-se manter a média de quase quatro horas diárias que o brasileiro assiste televisão aberta (IBOPE, 1998). Já a televisão por assinatura (por cabo ou satélite) favoreceu um consumo especializado, através de nichos temáticos, multiplicando o número de canais e de ofertas, criando uma legislação própria e integrando ao cotidiano do país a televisão internacionalizada, através dos canais estrangeiros e de investimentos internacionais na televisão massiva, até então proibidos. Mudaram também as políticas cinematográficas. De uma forte presença do Estado nos anos 80, o cinema viveu o recuo desse mesmo Estado durante o governo Collor e Itamar (1990-1994), iniciando parcerias entre produtores cinematográficos e a iniciativa privada no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), mediante renúncia fiscal por parte do Estado. Dessa iniciativa, o cinema brasileiro teve um crescimento no número de filmes produzidos e sucessos de bilheteria em alguns casos concorrendo com êxitos internacionais, mas enfrentando o gargalo da distribuição nas mãos de operadores estrangeiros e das salas de exibição. Outros produtos, como os videogames, encontram um mercado promissor no país. O GameCube, da Nintendo, foi o único a ser fabricado no Brasil, pela Gradiente, mas a empresa anunciou em 2003 que desistia de produzi-lo, em parte por causa da crise econômica e da pirataria. A Sony e Microsoft, com os Playstation2 e Xbox, respectivamente, sempre estiveram reticentes em distribuir ou produzir seus produtos no país por esse mesmo motivo: um estudo da Interactive Digital Software Association (IDSA) aponta que, em 2001, o índice de pirataria de software de entretenimento no Brasil foi de 99% - o pior do mundo, alcançado apenas pelas Filipinas (Fontes, 2003).


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O que, finalmente, significam essas grandes mudanças no país, quando a situação do audiovisual deixa de ser apenas descrito enquanto implantação ou inovação tecnológica? O que são essas mudanças, quando se passa a uma análise de sua existência dentro de grupos monopólicos? De que forma o projeto de televisão digital do país conseguirá romper a barreira da concentração horizontal, vertical e em cruz da mídia, resultado de concessões feitas em períodos autoritários anteriores aos anos 1990 e que repercutem, hoje, na existência ou não de uma pluralidade política e cultural? Estrutura do Sistema Televisivo O sistema de televisão brasileiro é formado por emissoras públicas e privadas. O sistema público existe há mais de 40 anos. Nos anos 1990, os 27 canais públicos, cuja administração dependia diretamente do governo federal ou estadual, começaram a criar conselhos administrativos com parte dos membros independentes do Governo. No entanto, impedidas de veicular publicidade, a força do Estado continuou forte, pois essas emissoras, ao procurarem maior independência, podiam ser asfixiadas economicamente pelo Estado. É o que vem acontecendo ciclicamente com o mais dinâmico desses canais, o da TV Cultura, administrado pela Fundação Padre Anchieta, de São Paulo, reconhecida internacionalmente pela qualidade de seus programas infantis. Por que começar a análise do sistema brasileiro de televisão pela rede pública? Para explicar que apesar do modelo nacional ser privado e público, ele não pode ser considerado dual. Em países como a França, Inglaterra, Canadá, Alemanha ou Espanha, os canais públicos competem com os canais particulares. No Brasil, apenas a TV Cultura consegue, em pouquíssimos horários exibe share de 3% ou 4% da audiência. Na maior parte dos horários não chega a 1%. Por isso, no quadro atual da televisão brasileira, pode-se dizer que essa televisão é privada, com financiamento indireto de seus programas através da publicidade e, no caso da televisão por assinatura (por cabo ou por satélite) pelas mensalidades e pela publicidade. Os canais particulares, organizados em rede, têm uma história que começa em 1951 com a TV Tupi Difusora, dos Diários de Emissoras Associados cujo proprietário, Assis Chateaubriand, foi dono nos anos 1950 e 1960 de boa parte do mercado brasileiro de comunicação, chegando, na sua fase áurea, a 36 emissoras de rádio, 34 jornais e 18 canais de televisão. Esse grupo entra em declínio depois de um golpe militar em 1964, quando a Rede Globo torna-se o grupo de comunicação mais importante do país. A hegemonia da Rede


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Globo acompanha sucessivos governos militares e civis, chegando aos anos 1990 e início do ano 2000 com a primazia absoluta do mercado televisivo em audiência, em penetração e em investimentos publicitários. A segunda rede mais importante, SBT ou Sistema Brasileiro de Televisão, da família Sílvio Santos, foi criada durante o governo do general João Batista Figueiredo (1979-1984). No início, o proprietário do SBT retribuiu o favor da concessão, fazendo o canal funcionar durante muito tempo para a propaganda política do regime militar e do próprio General Figueiredo, o último dos governantes do ciclo ditatorial que durou 20 anos. Da mesma forma que a Globo, o SBT está organizada em uma rede de canais da própria organização e afiliadas, ou seja, canais cujos proprietários fazem contratos de exclusividade da transmissão dos sinais enviados pela cabeça de rede. Em parte, isso acontece porque a legislação brasileira proíbe que alguém possa ser proprietário de mais de cinco canais de televisão em grandes cidades do país. Só recentemente (fim dos anos 1990 até 2003) a Rede SBT conseguiu competir com a Rede Globo em alguns horários. Essa competição aconteceu a partir de novelas mexicanas, programas dominicais de auditório e sensacionalismo mundo cão. Podemos dizer, em resumo, que o sistema de televisão no país está repartido entre algumas famílias, não sendo, porém, familiares no sentido de uma organização arcaica. O próprio crescimento da Rede Globo começou nos anos 1960 com um contrato com o grupo Time Life, dos Estados Unidos, sendo que um dos objetivos era a transferência de técnicas modernas de administração, nunca tendo, porém, se perdido a característica de empresa familiar. O quadro 1, de Lima e Capparelli (2003:24), mostra os principais grupos que atuam na radiodifusão brasileira: (a) nacionais: a família Marinho (Globo); a famlia Saad (Bandeirantes) e a família Abravanel (SBT); e (b) regionais: a família Sirotsky (RBS), a família Daou (TV Amazonas), a família Magalhães (TV Bahia), a família Jereissati (TV Verdes Mares); a família Zahran (MT e MS) e a família Câmara (TV Anhanguera). Lima observa que dos oito grupos familiares, somente dois (Saad e Abranavel) não são sócios (afiliados) das Organizações Globo.


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Quadro 1: Grupos familiares na radiodifusão Nacionais Marinho (Globo) Saad (BAND) Abravañel (SBT) Regionais Sirotsky (RBS-Sul) Câmara (Centro Oeste) Daou (Norte) Zahran (Mato Grosso) Magalhães (Nordeste) Jereissati (Nordeste)

TV 32 12 10 TV 21 08 05 O4 04 01

Fontes: Lima, apud Lobato, 1995; Lobato, FSP/Caderno Especial, 16/9/2000; Zero Hora, 31/8/02, Sucom 2003.

Essa distribuição de canais de televisão por famílias poderia ter outro recorte, ou seja, o da proporção de políticos proprietários de emissoras. Um levantamento feito, pela Folha de São Paulo, em agosto de 2001, apresenta uma conclusão: “Uma em cada quatro concessões comerciais de emissoras de televisão no Brasil, uma está nas mãos de políticos” (Lobato, 2001). Ou seja, os políticos profissionais controlam diretamente 60 (sessenta) das 250 (duzentos e cinqüenta) concessões de TV comercial em operação no país. Também de 2001 é o quadro 2 onde estão listados os partidos políticos a que pertencem esses proprietários, que não raro, receberam essas concessões como moeda de troca nos momentos dramáticos da aprovação de algum projeto de interesse do governo federal. Esses políticos integram partidos mais conservadores do país. O partido do governante atual, Luis Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, não têm canais de televisão.

Quadro 2: Distribuição (%) De Canais De Tv Por Partidos PFL PMDB PPB PSDB PSB PPS PL PRP PDT PMN PSC Outros

37.50% 17.50% 12.50% 6.25% 6.25% 5.00% 3.75% 3.75% 3.75% 2.50% 1.25% 0.00%

Fonte: Bayma (2001)


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Quanto ao número de canais por rede de televisão, a Rede Globo é formada em 2001 por 113 canais; o SBT, por também 113 canais; a Rede Bandeirantes, por 75 canais; a Rede Record, por 79 canais; e a RedeTV por 40 canais. Ao lado dessas redes massivas, que cobrem mais de 99% do território e penetram em 87,7% dos domicílios brasileiros, existe a televisão segmentada, que começou no início dos anos 1990. Atualmente a Globo/Net e a Abril dividem o mercado brasileiro,sendo esse último grupo originário da imprensa escrita, onde detém grande parte das revistas informativas e de entretenimento do país. O número de assinantes dos serviços de televisão por assinatura no país, que vinha crescendo ininterruptamente de 1993 a 2000, desacelerou e mostra um recuo a partir de 2001, devido à crise econômica que o país atravessa e também porque a mensalidade paga por esse serviço corresponde à quase a metade de um salário mínimo. Quadro 3: Evolução das assinaturas de televisão no Brasil (em milhares)

1993 a 2000 - fonte ABTA Com base nas informações recebidas de operadoras que representam 93% da base total de assinantes, mais estimativa sobre o crescimento das operadoras não-informantes. Fonte: Associação Brasileira de Televisão por Assinatura – ABTA. Disponível em: http://www.abta.com.br/panorama/indica_merc07.php.

Para se lançar nessas operações de TV a cabo, a Rede Globo, além de um empréstimo inicial do Banco Mundial, por meio do IFC (International Finance Corp), incluiu nessa operação a associação ou compra de operadoras menores, além de associar-se à News Corp., de Rupert Murdoch, e à Televisa mexicana, de Emílio Azcarraga, para exploração do DTH, com a marca Sky Latin America. Já o Grupo Abril, que jamais havia recebido outorgas para a exploração de televisão até a década de 80, obteve, então, concessões para o Serviço de TVA, modalidade de televisão por assinatura em UHF, que utilizou para o lançamento da MTV brasileira. Nos anos 1990, a Abril optou por investir na tecnologia do MMDS, em associação com grupos regionais. Dificuldades financeiras para crescer no mercado de televisão por assinatura levaram essa empresa a se associar, em MMDS e cabo, na TVA, com a ABC Capital (depois comprada


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pela Disney Corp.), com o Chase Manhatan Bank, e os Grupos Hearst e Falcon Cable. Em São Paulo, a TVA tem, ainda, associações pontuais com a Canbras Comunication Corporation, do Canadá. Mas, foi no DTH que a Abril ousou o seu maior lance, associando-se a um consórcio, o Galaxy Latin America, que inclui a Hughes Communications (da General Motors), o grupo Cisneros da Venezuela e o grupo mexicano MVS Multivision. Juntos, eles operam sob a marca da DirectTV. Caso se confirme a compra da Direct TV (Hughes Eletronics) pela Sky (News Corporation), em apreciação no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) do Ministério da Justiça (Pay TV News, 26/5/2003), o grupo NET-Sky passará a controlar cerca de 74% do mercado brasileiro de TV por assinatura, dentro dos quais estará 95% da TV por satélite, já que a terceira empresa que atua no setor – a Tecsat – controla apenas cerca de 5% do mercado (Lima e Capparelli, 2003:35). Dados disponíveis no site da Sky e com base em uma Survey da Pay TV e em estimativas da própria empresa, mostram que a participação no mercado de TV por assinatura no Brasil, por grupos, era a seguinte, levando-se em conta que, na época do levantamento de dados, 21% da Tv paga era igual a 59% do segmento do DTH: Quadro 4: Participação no mercado nacional: Tv por assinatura

Fonte: Pay TV Survey e estimativas da Sky. Disponível em: http://www.sky.tv.br/prospects

Legislação e Organismos de Controle

Doze anos depois do primeiro canal de televisão, o Governo aprovou o Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/1962), ficando o Estado com poder de outorgar concessões para a exploração de canais por particulares. Esse código, que vigora até hoje, é desatualizado e ineficaz. À época de sua criação, o Código previa que a União detinha o monopólio das telecomunicações, incluindo os serviços de radiodifusão, no país, podendo


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explorá-las diretamente, através de concessão, autorização ou permissão. Os prazos de concessão e autorização seriam de 15 anos para a televisão, podendo haver renovações por períodos sucessivos e iguais. A outorga da concessão ou autorização seria prerrogativa do Presidente da República, tendo preferência pessoas jurídicas de direito público, inclusive universidades. Estipulava um máximo de cinco concessões em VHF por pessoa jurídica, exigia que os concessionários tivessem nacionalidade brasileira e proibia a participação de estrangeiros nessas sociedades. A Reforma Constitucional de 1988 trouxe algumas modificações, passando ao Congresso Nacional a apreciação dos atos do Poder Executivo, quer na outorga ou renovação de concessões, quer nas permissões e autorizações. As novas regras para a concessão de serviços públicos (Lei 8.987/95 e os Decretos 1719/95 e 1720/95), que se aplicam às telecomunicações e à radiodifusão, tornaram as concessões objeto de licitações públicas, onde devem prevalecer os critérios técnicos e econômicos (Lima e Capparelli, 2003:27). Já os serviços de televisão por assinatura têm uma regulamentação específica, a partir do Decreto 95.741 de 23/02/1988, pois até então eram explorados sem uma supervisão do Estado. A Lei do Cabo (Lei 8.977 de janeiro de 1995) negociada entre empresários de Comunicação, segmentos importantes da sociedade civil reunidos no Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e representantes do Estado estabeleceu as normas para a regulação do setor, permitindo que estrangeiros pudessem ter uma participação nessas sociedades de até 49%. Detalhes dessa regulamentação podem ser sintetizados da seguinte forma: As portarias 87 e 88 do MiniCom de 1996 outorgaram as primeiras autorizações para exploração dos serviços de DTH 108 . Em seguida veio a quebra do monopólio estatal das telecomunicações (Emenda Constitucional de 8 de agosto de 1995) que abre as portas para a privatização do sistema Telebrás concretizada em 1998; a Lei Mínima (Lei 9.295 de julho de 1996), que permitiu a entrada de capital estrangeiro nas áreas de telefonia celular e das telecomunicações via satélite, no limite de 49%, até julho de 1999; e a Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472 de julho de 97) que cria a agencia reguladora das telecomunicações – a Anatel – e autoriza o Poder Executivo a estabelecer quaisquer limites à participação estrangeira no capital de prestadora de serviços de telecomunicações, o que logo se transformou em 100%. E em 2002 são aprovadas a Emenda Constitucional e a Lei que permitem a entrada do capital estrangeiro em até 30% também na radiodifusão (Lima. V; Capparelli, S. 2003:22)

108

Posteriormente o Decreto 2196 de 8/4/1997 regulou tanto o Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanais (MMDS) quanto o Serviço de Distribuição de Sinais de TV e de Áudio por assinatura via satélite (DTH).


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A criação do Conselho de Comunicação Social, previsto na Constituição de 1988, e a possibilidade investimentos de capital estrangeiro na televisão massiva são dois acontecimentos importantes da história recente da televisão. O Conselho de Comunicação Social foi instalado em 2002, mas não tem poderes normativos, por ser um órgão auxiliar do Congresso. E a entrada do capital estrangeiro em até 30% na televisão massiva passa a ser possível através da Lei 10.610 de 20 de dezembro de 2002, decorrente da Emenda Constitucional 36/2002.

Produção e Distribuição No Brasil, existem mais domicílios com aparelhos televisores do que com geladeiras. Em 2001 a televisão chegava a 87,7% dos lares brasileiros, com 40 milhões e 600 mil de aparelhos receptores. Esse número veio crescendo desde 1990; em 1992, cerca de 73,9% dos domicílios tinham televisão; em 1993, 75,8%; em 1995, 81%; em 1996, 83,3%; em 1997, 86,2%; em 1998, 87,4%; 1999, 87,4%; e 2001, 87,7%. Existe o consenso que o aumento do número domicílios com televisores vai crescer mais lentamente, mesmo que os sinais de uma rede de televisão como a Globo cubra praticamente todo o território nacional. O crescimento mais lento deve-se à extrema pobreza em que vivem certos segmentos da sociedade brasileira bem como à existência de domicílios não servidos por eletricidade. Os mais de 200 canais de televisão existentes no país, organizados em rede, competem diariamente para chamar a atenção da audiência e buscar sua fidelidade nos mais diversos gêneros de programas, alguns deles exclusivos da televisão por assinatura.Se alguém, por exemplo, procurasse saber quais os cinco programas de maior audiência na televisão no maior mercado brasileiro, o da região metropolitana de São Paulo, num ranking por média de telespectadores, descobriria que os cinco primeiros pertenciam à Rede Globo, sendo duas telenovelas, uma série de costumes, um filme e um jornal informativo. No Rio de Janeiro, o ranking seria o mesmo, com pequenas variações, pois uma das duas novelas tem título diferente, mas é produzida pela mesma Rede Globo.


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Quadro 5: Audiência De Tv - Top 5 Grande São Paulo - semana de 28 de julho a 03 de agosto de 2003

Programas

Nº deAudiênciaNº de Audiência domiciliardomicíliosindividualindivíduos (000) (%) (000) (%)

Globo NOVELA III - Mulheres Apaixonadas A GRANDE FAMÍLIA TELA QUENTE JORNAL NACIONAL NOVELA II - Kubanacan

50 44 42 41 38

2446 2143 2017 2011 1841

25 22 21 20 18

4219 3658 3605 3367 3088

SBT SESSÃO DAS DEZ DOMINGO LEGAL PSS TELE SENA TODOS CONTRA UM TELA DE SUCESSOS

20 19 18 18 18

991 914 891 887 854

11 9 9 10 9

1792 1544 1519 1616 1440

Record FUTEBOL FUTEBOL AO VIVO QA TURMA DO GUETO UM POLICIAL DA PESADA PROGRAMA RAUL GIL

11 9 8 8 7

514 449 402 385 321

5 5 4 5 3

768 896 754 776 484

Bandeirantes HORA DA VERDADE BRASIL URGENTE JORNAL DA BAND SABADAÇO CINE BAND PRIVÊ

7 5 5 4 4

348 249 220 213 212

3 2 2 2 2

501 354 357 307 289

Rede Tv! CANAL ABERTO EU VI NA TV EU VI NA TV R REPÓRTER CIDADÃO SSB TV FAMA SSX

5 4 4 3 3

232 191 171 162 149

2 2 2 1 1

356 308 314 221 231

Cultura CASTELO RA TIM BUM VES 1 O PEQUENO URSO SB RA TIM BUM SB 2 RUPERT CONTOS DE FADA

4 4 4 3 3

189 183 171 168 168

2 2 1 2 1

312 294 243 261 230

Gazeta PROGRAMA SÉRGIO MALLANDRO2 MESA REDONDA 2

108 87

1 1

162 123


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AMIGOS DO FORRÓ GAZETA ESPORTIVA MULHERES

2 2 2

84 80 74

1 1 1

115 111 94

Fonte: IBOPE Mídia

Desses programas preferidos, a primazia sempre esteve com a telenovela, telejornais e filmes, sendo esse último gênero o único produto estrangeiro que tem a preferência da audiência brasileira. Um telejornal, por exemplo, tem share de 51% e 21 milhões de telespectadores. A preferência por programas da Rede Globo não é algo inesperado no mercado das indústrias culturais. Essa liderança acontece há mais de 30 anos. Apenas nos anos 1990, essa rede se viu ameaçada em alguns poucos horários, sobretudo pela rede do Sistema Brasileiro de Televisão – SBT – que foi buscar novelas no México, criou programas de variedades dominicais (Domingo Legal) capazes de concorrer no mesmo horário com o programa da Globo (Domingão do Faustão). Quando parte da audiência transferiu-se para o SBT, especialmente pelo apelo popular do tipo de programação oferecido, a Rede Globo abandonou o que ela chama “padrão Globo de qualidade” e “mexicanizou” algumas de suas novelas e criou programas sensacionalistas sobre crime e violência, contrapondo-se ao avanço do SBT. A concorrência nos anos 1990 trouxe para o Brasil gêneros internacionais, como o reality show Big Brother Brasil, programa da Endemol, empresa de origem holandesa. Gráficos da evolução da share de audiência nacional de todas as redes de televisão, atingindo o total da população brasileira de dois ou mais anos, das 7h às 24h, de segunda a domingo, mostra o domínio da Globo com poucas variações. Quadro 6 : Evolução de share de audiência nacional na TV aberta por redes 1997

1998

1999

Fonte: Mídia Dados http://www.gm.org.br/MidiaDados/tvpaga/118.htm


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Quanto à origem da produção dos programas apresentados, nessas emissoras abertas, uma pesquisa realizada em Porto Alegre na semana de 9 a 15 de junho de 1997, mostrou que 79,55% da produção era nacional, ficando as produções estrangeiras com 20,45%, sendo que desse conjunto 11,44% provinham dos Estados Unidos e 9,09% aos demais paises. A situação é um pouco diferente quando se examina o conjunto de 49 canais na NET SUL, subsidiária da Globo, oferecidos no país. Na mesma época, 38,75% dos programas apresentados eram norte-americanos; 31,13% nacionais; e o restante de diversos países. Quanto ao idioma original, 41,41% da programação eram exibidos no idioma inglês; 31,46% em português; e 27,3% em outras línguas (Capparelli e Santos, 2002:110). Essa pesquisa exige um exame cuidadoso, sobretudo quando se compara a produção nacional e estrangeira entre os canais pagos e os canais abertos. Enquanto a audiência de cinco canais de televisão paga em maio de 2003 atingia uma média de 500 mil pessoas, com uma predominância de programas de origem norte-americana, os programas de maior audiência da Rede Globo eram nacionais, chegando instantaneamente a mais de 30 milhões de pessoas. Esses canais massivos cobrem hoje, geograficamente, quase todo o território nacional (99%), com receptores de televisão presentes em 87,7% dos 39.500 mil domicílios. Em contraste, apenas 8,4% desses domicílios têm serviços de televisão por assinatura. Quadro 7: Mercados TELESPECTADORES DE 18 ANOS E MAIS COM TV PAGA * Canais Alcance Médio % Nº de indivíduos (000) PAYTV 45,8 1990,4 TNT 12,4 537,8 SPORTV 10,3 447,7 DISCOVERY 10,1 440,3 GLOBO NEWS 9,7 421,1 Fonte: IBOPE Telereport - maio de 2003. Todos os números são baseados na audiência individual de 4.343.700 pessoas com TV paga nos seguintes mercados: Grande São Paulo, Grande Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e Distrito Federal

O cuidado com esses dados repete-se quando alguém pretende comparar os índices de penetração da televisão massiva e da televisão por cabo, já que a conclusão será feita somente em termos de tecnologia, visto que a mesma Globo que domina o mercado de televisão massiva é a Globo/Net que concentra boa parte dos negócios da televisão por cabo terrestre e a televisão por satélite, além de serviços como Pay-TV.


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Por outro lado, se nos restringirmos à televisão massiva, concluiremos que esse domínio não é de agora. O gráfico abaixo indica que essas colocações ficaram quase estáveis em 2001, 2002 e 2003 no maior mercado brasileiro de televisão. Nos anos 2003, 2002 e 2001, a Globo ficou com 50%, 40% e 47% do mercado, respectivamente, enquanto o SBT ficou com 20%, 23% e 25%; a Rede Bandeirantes, com 7%, 9%, e 5%; a Record (de uma congregação evangélica) 11%, 10% e 16%; a RedeTV, com 5%, 5%, e 9%; e a TV Cultura, 4%, 4%, e 3%.

Quadro 8: Evolução das maiores audiências domiciliares de TV aberta em períodos semelhantes na área metropolitana de São Paulo

50% 47% 2003 (28/07 a 03/08)

2002 (29/07 a 04/08)

2001 (30/07 a 04/08)

40%

23%

25%

20% 16% 11% 10%

9% 7%

GLOBO

SBT

BAND.

9% 5% 5%

5%

RECORD

REDE TV

4% 4% 3%

TV CULTURA

Fonte: Ibope, 2003

TV Digital vs TV analógica A mudança de um sistema de televisão analógico para a televisão digital é muito mais do que uma opção tecnológica. Pelo que vimos até agora, ela é também uma opção social, política e econômica, com impactos culturais. E, visto de mais perto, uma única instância, a econômica, pode se decompor em diversas camadas, por se manifestar de formas diferentes, através de suas tecnologias, dos atores participantes, da regulação e até mesmo da


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concentração de propriedade, que inutiliza a vantagem tecnológica da multiplicação de canais.. No início do governo do Partido dos Trabalhadores (janeiro de 2003), a televisão digital vem se configurando uma política pública prioritária no universo das comunicações, mesmo considerando que sua implantação aconteceu em poucos países. Analisando-a pela ótica da convergência, poderíamos dizer, com Garnham (1996), que seu processo conta também com um conjunto distinto de impulsos sociais e econômicos bem como com impactos culturais, políticas, atores e apostas diferentes. A linha histórica das discussões sobre o modelo da televisão digital no Brasil parece simples. A) Interesse no início dos anos 1990 pelo projeto de criação de um modelo digital nos Estados Unidos, que queria se contrapor à hegemonia do Japão em sistemas analógicos de alta definição (HDTV); B) Criação de um grupo de trabalho pela Sociedade de Engenharia de Televisão (SET) e pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), em 1994, para analisar os sistemas existentes (japonês, norte-americano e inglês) e para indicar comparativamente qual o melhor e sugeri-lo para adoção no País; C) Avanço em 1998, quando a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) dá início ao processo de seleção; D) Sinalização do fim das análises, quando, em 2000, a comissão Abert-SET publica o resultado de sua pesquisa, indicando que o melhor sistema é o japonês; E) Pressões de grupos europeus e norte-americanos contrariados, até que, em 2002, a Anatel prevê que a opção final deveria ocorrer em 2003, entrando em funcionamento em 2004. O melhor padrão digital seria escolhido entre sistemas Digital Video Broadcasting (DVB), na Europa; Advanced Television Systems Committee (ATSC), nos Estados Unidos; e Integrated Services Digital Broadcasting (ISDB), do Japão. Para a escolha, as soluções não seriam apenas técnicas, mas envolveriam um contexto mais amplo de discussões. A decisão do governo federal estaria assim condicionada às negociações comerciais entre o Brasil e blocos como a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) ou a União Européia, o que gerou protesto de outras emissoras: em depoimento ao AcessoCom (2002), o diretor da Central Globo de Engenharia e coordenador do SET/ABERT, Fernando Bittencourt, classificou como absurda a idéia de trocar o setor de televisão, com sua importância econômica e social, por produtos como aço e laranjas;


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F) Mudança de rumo com o novo governo de Luis Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, cuja proposta de junho de 2003 envolve análises não apenas técnicas. O Ministério das Comunicações retoma da Anatel seu papel de formulador de políticas para a televisão e discute também os impactos sociais que pode ter o modelo escolhido, busca uma previsão de sua evolução tecnológica, procura prever seus impactos dentro das comunicações - produção de aparelhos receptores e de aparelhos transmissores, especialmente – adoção de um modelo comum para toda a região, utilização da televisão digital para favorecer a inclusão digital. Esse percurso mostra o jogo complexo de interesses sociais, políticos e econômicos, de atores nacionais e internacionais. Para se medir as dimensões da opção, lembremos Garnham (1991), que analisava o modelo de televisão massivo, surgido na Europa e nos Estados Unidos depois da Segunda Guerra Mundial, como um dos motores do modelo de acumulação existente. Para ele, da mesma forma que as indústrias automobilística e televisiva atuaram como um fator importante na consolidação do modelo fordista de acumulação, a introdução da televisão digital poderia ser o motor da fase pós-fordista de acumulação, iniciada em na década de 1970. Escrevendo em 1991, Garnham não tinha condições de imaginar o papel que a comunicação por computador e a WEB assumiriam nesse período. A televisão digital teve de esperar alguns anos mais. Tanto nos Estados Unidos como na Inglaterra, o sistema de televisão analógica deverá estar totalmente substituído por televisores digitais até 2010. A televisão digital poderia, da mesma forma, transformar o panorama da televisão brasileira. Primeiro dentro do enfoque até agora analisado, isto é, renovando o parque de 40 milhões de televisores. Segundo Santos (2003:8), mesmo no período de transição, o modelo exigirá uma caixa conversora de sinais: “o estímulo inicial para o desenvolvimento da televisão digital consistiria, portanto, na expectativa de um substancial aumento das vendas de eletroeletrônicos”. A decisão sobre o modelo a ser escolhido parece ter saído, porém, do gueto econômico. As discussões envolvem agora questões como a da interatividade, a da inclusão digital, a da programação e a da multiplicação ou regionalização dos canais. Santos (2003:39) lembra que organizações da sociedade civil, como o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) acentuam a idéia de que a conversão ao formato digital deve servir para multiplicar o número de canais e, conseqüentemente, reduzir a concentração de propriedade que caracteriza o sistema de televisão terrestre brasileiro vigente. Alguns problemas são localizados na proposta do Ministério das Comunicações, na


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versão de junho de 2003. O FNDC, em seu boletim 21, de 17 de julho 2003, enumera alguns deles: 1) a proposta em discussão trata quase que exclusivamente do transporte, sem se preocupar com os conteúdos. Para o FNDC, o modelo de televisão digital deveria contemplar também produção audiovisual e de outros conteúdos, tanto para o consumo interno como para a demanda por conteúdo digital no mercado internacional; 2) a discussão da digitalização da televisão, segundo o FNDC, deveria abarcar o conjunto das mídias, incluindo a televisão aberta e as diversas modalidades de televisão por assinatura, que futuramente incorporarão essas mesmas características tecnológicas; 3) a indústria e a produção de softwares mereceriam a mesma atenção dada até agora à digitalização por sua presença embutida nas ferramentas que produzirão o conteúdo, através de chips e semicondutores presentes nos aparelhos receptores e transmissores; 4) o FNDC considera finalmente que está sendo criada uma expectativa exagerada em relação à inclusão digital de grandes setores da população: o mesmo objetivo pode ser buscado, com custos menores, no rádio digitalizado, nos serviços de TV a cabo, na telefonia fixa ou celular. Há, pelo visto, muitos interesses em jogo. Não é à toa que, quando Luis Inácio Lula da Silva foi aos Estados Unidos encontrar-se com seu homólogo, George Bush, os jornais brasileiros noticiaram que um dos assuntos constantes de sua agenda de discussões era o modelo digital da tevê brasileira, a partir de pressões do ATSC, apresentado como o melhor em possibilidade de contrapartidas comerciais e com um dos maiores mercados potenciais: 267 milhões de televisores.

Cinema

A década de 90 foi o período mais difícil para a produção cinematográfica nacional desde a década de 50, quando as companhias Vera Cruz e Atlântida inauguraram o modelo comercial de produção parecido ao das grandes companhias hollywoodianas. Após duas décadas de sucesso sob forte proteção e financiamento do conteúdo nacional instauradas pelos governos militares, através da Embrafilme, o governo Fernando Collor de Mello optou, em março de 1990, pela extinção do protecionismo já consolidado e pela abertura ao mercado através do Programa Nacional de Apoio à Cultura-PRONAC, através da Lei 8.313, de dezembro de 1991, conhecida como Lei Rouanet, que previa a captação de investimentos no setor privado para a promoção da cultura nacional.


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O governo Itamar Franco retomou o incentivo estatal, a partir de julho de 1993, quando sancionou a Lei do Audiovisual, N. 8.695, que criou o Ministério da Cultura-MINC- e estipulou incentivos fiscais às empresas privadas financiadoras de filmes em longa metragem. Apesar desta retomada, a produção de filmes nacionais caiu drasticamente em comparação às décadas anteriores. A dependência quase exclusiva do Estado como financiador soma-se às dificuldades de exibição: em 1992, dos seis filmes produzidos no país apenas três foram lançados e tiveram um público de somente 36 mil pagantes; no ano seguinte, dos 16 filmes produzidos foram lançados quatro; e, em 1994, apenas sete das 13 produções chegaram a estrear as salas de cinema (Finotti; Arantes, 2002, E8). Segundo o Secretário-Executivo do MINC, dos 70 filmes produzidos em 2002, somente 32 serão exibidos nos cinemas brasileiros em 2003 (Bastos, 2003).

Quadro 9:

Fonte: Ministério da Cultura, 1998.

O público também se afastou das salas de cinema neste período. A lista dos dez maiores públicos de cinema no Brasil inclui sete filmes da década de 70 e apenas dois brasileiros: Dona Flor e Seus Dois Maridos, de 1976, em terceiro lugar com 10,7 milhões de expectadores e Dama do Lotação, de 1978, em décimo lugar com 6,5 milhões. Ambos protagonizados por Sonia Braga, uma das principais atrizes das novelas da Rede Globo na década. Segundo Luiz Tadeu Correia da Silva, Sônia Braga era, à época, a grande estrela do cinema brasileiro, responsável pelas duas maiores bilheterias do período (‘Dona Flor’ e ‘A Dama do Lotação’), ambas baseadas em obras literárias de autores de sucesso (Jorge Amado e Nelson Rodrigues, respectivamente) e que exploravam a sensualidade e a nudez da atriz. Seu sucesso merece destaque, pois foi uma


Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación www.eptic.com.br, Vol. VII, n. 1, Ene. – Abr. 2005 das poucas atrizes brasileiras a conseguir equilibrar uma carreira de sucesso entre filmes e telenovelas até conquistar o mercado norte-americano em meados dos anos 80 (‘Luar sobre Parador’, ‘Rebelião em Milagro’) (...) Além disso, começou a haver uma distensão por parte dos órgãos de censura, atraindo para as salas de cinema um público curioso por cenas de sexo e nudez protagonizadas pela estrela da época, Sonia Braga. Com imagens que não poderiam ser vistas na novela das oito, o filme “Dama do Lotação” chegou a abocanhar quase 10% das bilheterias daquele ano. (2000, Online).

Também oriundo da programação aberta da Rede Globo, o humorista Renato Aragão pode ser considerado o sucesso de bilheteria mais perene da história do cinema nacional e um dos poucos a sobreviver à crise dos anos 90. Encarnando a personagem Didi, líder do programa Os Trapalhões, exibido primeiro na TV Excelsior (1964-1974) e depois na Rede Globo (1975-1995), Renato Aragão mantém presença dominical na televisão aberta até os dias de hoje com o programa Turma do Didi. Dos 41 títulos que já protagonizou, 23 estão entre os 50 maiores sucessos de bilheteria do cinema nacional (Arantes, 2003, E9), sete deles entre os dez maiores, conforme podemos ver no quadro abaixo. Seu filme mais recente. Didi, O Cupido Trapalhão, foi lançado no final de junho de 2003 em parceria com a Globo Filmes e distribuição da Columbia Pictures do Brasil atingindo, até 07 de setembro do mesmo ano, um público de 1.649.171 pessoas. Em três meses de exibição este filme supera a marca de expectadores de alguns sucessos internacionais do ano como: Piratas do Caribe (Pirates of the Caribbean: The Curse of the Black Pearl), 951.442; Lara Croft: Tomb Raider – A Origem da Vida (Lara Croft Tomb Raider: The Cradle of Life), 573.568; O Dono da Festa (Van Wilder), 299.152 (Adorocinema.com, 2003, online).


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Quadro 10: Os dez filmes nacionais de maior público Ranking 1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 9º 10º

Filme

Ano

Dona Flor e Seus Dois Maridos A Dama do Lotação

Diretor

1976Bruno Barreto 1978Neville D´Almeida Os Trapalhões nas Minas do 1977J. B. Tanko Rei Salomão Lucio Flavio, O Passageiro da 1977Hector Agonia Babenco Os Saltimbancos Trapalhões 1981J. B. Tanko Os Trapalhões na Guerra dos 1978Adriano Planetas Stuart Os Trapalhões na Serra 1982J. B. Tanko Pelada O Cinderelo Trapalhão 1982Adriano Stuart O Casamento dos Trapalhões 1988José Avarenga Jr. Os Vagabundos trapalhões 1982J. B. Tanko

Público (milhões) 10,735 6,509 5,786 5,401 5,218 5,090 5,043 5,027 4,779 4,632

Fonte: Filme B com informações da Embrafilme, CONCINE, distribuidoras e produtoras. Obtido em Correia da Silva, 2000, online.

Quadro 11:

Fonte: Ministério da Cultura, 1998.

A retomada do crescimento dos índices nacionais acontece a partir de 1995 quando Carlota Joaquina, com 1,3 milhões de expectadores, aproximou a linguagem do cinema à televisiva. De 1995 a 2002 foram realizados no país 190 longa-metragens, destes, três foram indicados ao Oscar na categoria melhor filme estrangeiro (Central do Brasil, de Walter Salles;


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O que é isso companheiro?, de Bruno Barreto; e O quatrilho, de Fabio Barreto). A inserção internacional do cinema brasileiro passa ser institucionalizada, a partir de 1995, com a criação do Brazilian Cinema – GNCTV, que comercializa filmes brasileiros no mercado internacional e o Brazilian Cinema Promotion que tem a função de promover os filmes nacionais em eventos internacionais de referência. Segundo o Guia Brasileiro de Festivais de Cinema e Vídeo (2003), a Brazilian Cinema Promotion foi responsável pela participação de filmes brasileiros em 26 eventos, em 2001, e mais de cem em 2002. Ainda assim, a distância entre o volume de importação e exportação de produtos audiovisuais é alta. Segundo o Secretário do Audiovisual, Orlando Senna, o Brasil importa anualmente US$ 695 milhões e exporta US$ 40 milhões (Senna, 2003, online). Em 1999, somente as telenovelas, séries e minisséries da Rede Globo eram responsáveis por US$ 38 milhões deste total (Ministério da Cultura, 2000, online). No âmbito interno, os festivais e mostras de cinema têm crescido nos últimos anos. Em 2002, foram 61 eventos e, em 2003, prevê-se que serão 77 (Guia Brasileiro de Festivais de Cinema e Vídeo, 2003). Os dois mais tradicionais são o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, que realizou sua 35° edição em 2003, e o Festival de Gramado, que abrange os países latinos. A 31° edição do Festival de Gramado, em 2003, contou pela primeira vez com a participação de um Ministro da Cultura. O sucesso de crítica e as premiações internacionais de alguns filmes nacionais não foram acompanhados por sucessos de bilheteria no mercado interno. As maiores bilheterias deste novo momento estão aliadas ao desenvolvimento da empresa Globo Filmes, braço cinematográfico da Rede Globo. Em 1999, enquanto Central do Brasil teve 403 mil espectadores; Simão, o fantasma trapalhão, estrelado por Renato Aragão, foi a maior bilheteria nacional com 1,6 milhão (Paiva, 2000). Criada em 1997 com a finalidade de aglutinar os filmes decorrentes de sua programação em televisão aberta, especialmente os destinados ao público infantil, a Globo Filmes começou a deslanchar a partir do sucesso da versão cinematográfica da mini-série O Auto da Compadecida, de Guel Arraes, em 2000. Com crescimento acelerado, a partir de 2000, a empresa passou a atuar como co-produtora de filmes independentes da sua grade televisiva de programação. Em 2002, a Globo Filmes deteve 74% do público do cinema nacional. Os filmes Xuxa e os Duendes 2 e Cidade de Deus concentraram 5,5 milhões do total de 7,4 milhões de espectadores de filmes nacionais (Castro, 2003).


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O investimento da Rede Globo em cinema vai de encontro aos incentivos estatais para o fortalecimento do cinema no País e não está restrito à vinculação entre televisão aberta e salas de cinema. Na implantação do sistema de televisão por assinatura, a partir de 1995, a legislação buscou aliar o desenvolvimento da indústria cinematográfica às previsões de desenvolvimento da TV a cabo. A regulamentação da chamada Lei do Cabo, Decreto 2.206, de 14 de abril de 1997, inclui a obrigatoriedade de todas operadoras oferecerem um canal exclusivamente nacional de produção cinematográfica e audiovisual independente (Dec. 2.206/97, Artigo 74) com transmissão diária e um mínimo de doze horas de programação ininterrupta incluindo o horário das 12 às 24 horas (Dec. 2.206/97, Artigo 74, § 3°). Este mesmo decreto previa a integração do Ministério da Cultura e do Ministério das Comunicações para estabelecer diretrizes que estimulassem o desenvolvimento da produção nacional de filmes, desenhos animados, vídeo e multimídia (Dec. 2.206/97, Artigo 75) e, também, o estímulo ao investimento das operadoras e programadoras de TV por assinatura em co-produções de obras independentes (Dec. 2.206/97, Artigo 76). Em vez de um dispositivo de contribuição para o desenvolvimento da indústria cinematográfica nacional, o Artigo 74 desta regulamentação acabou por se transformar em uma armadilha que beneficia a Rede Globo. A Globo Cabo, braço programador da Rede Globo no segmento de assinatura, foi a única programadora a registrar no Ministério da Cultura um canal de conteúdo cinematográfico e audiovisual exclusivamente nacional e independente, o Canal Brasil. A Anatel não se manifestou a respeito do descumprimento da obrigatoriedade do canal de programação cinematográfica independente e exclusivamente nacional até o final de agosto de 2003, quando, a partir de denúncia do Canal Brasil, determinou que as operadoras de TV a cabo devem se manifestar sobre o cumprimento do Artigo 74 num prazo de 90 dias (Tela Viva News, 2003, online). Nestes quase oito anos de existência do mercado de TV por assinatura no país, o desenvolvimento da TV a cabo enfrentou diversos problemas e os incentivos, previstos nos artigos 75 e 76 da legislação, que poderiam viabilizar a competição entre canais jamais ocorreram. Assim, o Canal Brasil torna-se de transmissão obrigatória em todas as operadoras e a Rede Globo o único grupo apto a oferecer programação cinematográfica independente na televisão por assinatura. Em 2001, o governo Fernando Henrique Cardoso, instituiu a Agência Nacional do Cinema – Ancine, e a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional – Condecine, que prevê a arrecadação de 11% dos recursos gerados com cinema no


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Brasil e que são enviados para o exterior e 3% dos gastos com importações de produções internacionais. São isentos dessa taxa festivais e obras brasileiras para exportação e têm 70% de isenção filmes estrangeiros com até seis cópias. O funcionamento regular da Ancine e a cobrança da Condecine, somente começou a acontecer regularmente a partir do final de 2002. Esta cobrança está sendo questionada judicialmente pelas principais empresas internacionais do setor, como Fox Film, Universal Music, Universal Pictures e Warner Bros, e também pela Sigla – Sistema Globo de Gravações Audiovisuais, parte da Rede Globo. De janeiro a maio a taxa já rendeu aos cofres públicos R$ 9 milhões (Tinoco, 2003). Também a cota de tela para filmes brasileiros, já praticada desde a década de 30 e que foi praticamente extinta nos anos 90, está prevista em 2003 para 280 dias nos cinemas em formato multiplex com mais de 11 salas (Souza, 2003). Em 2003, o merchandising para as co-produções invadiu as telenovelas, as séries e os programas de auditório da Rede Globo. A já corriqueira cena de personagens comentando as qualidades de este ou daquele filme nacional tem dado bons frutos: Em julho de 2003, outra co-produção da Globo Filmes, Carandiru, de Hector Babenco, arrecadou R$ 27,16 milhões ultrapassando o hollywoodiano O Senhor dos Anéis: as duas torres, que tinha arrecadado até este momento, R$26,31 milhões (Cineweb, 2003, Online). Os maiores sucessos de bilheteria da Globo Filmes foram: Carandiru, 2003, 4,5 milhões de espectadores; Cidade de Deus, 2002, 3,3 milhões; Xuxa e os Duendes, 2001, 2,6 milhões; Xuxa e os Duendes 2, 2002, 2,3 milhões; O Auto da Compadecida, 2000, 2,1 milhões; Deus é Brasileiro, 2003, 1,6 milhão; Simão, o Fantasma Trapalhão, 1998, 1,6 milhão; e, por fim, A Partilha, 2001, 1,4 milhão de espectadores (Morisawa, 2003). A tradição de produção televisiva da Rede Globo e a possibilidade de publicidade veiculada pela televisão aberta são bastante atrativas para os produtores nacionais. Esta vinculação tem se dado sem qualquer regulamentação. Naturalmente, estes índices estão distantes daqueles obtidos por filmes norteamericanos. Segundo o Diretor-Presidente da Ancine, Gustavo Dahl, o percentual de filmes brasileiros lançados subiu de 5,41%, em 1995, para 26,92%, em 2002 (Dahl, 2003, online). Por outro lado, se compararmos os dez filmes mais vistos nos últimos cinco anos, percebemos que o domínio do cinema oriundo de Hollywood prevalece. Os sucessos de bilheteria no cinema, repetem-se em DVD e nos aluguéis de VHS.


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Quadro 12: Maiores bilheterias de cinema no Brasil 1999 2000 Públic Renda Filme Filme Públic Renda Filme o (000) R$ R$ o (000) (000) (000) 4.123 21.259 Dinossaur 3.393 15.055 Xuxa 1 O Sexto PopStar o Sentido (Dinosaur (The Sixth ) Sense)

2

Star Wars: 3.458 Episódio I (Star Wars: Episode I)

2.728 17.871 Missão: Impossíve l2 (Mission: Impossibl e - 2)

16.031 O Retorno da Múmia (The Mummy Returns)

2001 Públic Renda Filme o (000) R$ (000) 2.391 9.615 HomemAranha (SpiderMan)

2.274

2002 2003 (até agosto) Público Públic Renda Filme (000) o (000) R$ (000) 5.372 8.488 46.026 Todo Poderos o (Bruce Almigh ty) 12.817 O Senhor 4.286 24.560 Matrix 5.115 Reload dos ed Anéis: A Sociedade do Anel (The Lord of the Rings: The Fellowshi p of the Ring)


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3

Tarzan

3.367

13.910 Gladiador 2.651 (Gladiator )

4

A Múmia (The Mummy)

2.458

5

Vida de Inseto (A Bug's Life)

2.271

12.546 Todo Mundo em Pânico (Scary Movie) 11.681 O Pequeno Stuart Little (Stuart Little)

15.127 Planeta dos 2.164 Macacos (Planet of The Apes)

2.438

12.856 Shrek

2.058

2.204

9.892

2.028

Náufrago (Cast Away)

3.933 12.827 Harry Potter e a Câmara Secreta (Harry Potter and the Chamber of Secrets) 10.745 Homens 3.445 de Preto 2 (Men in Black 2)

12.146 ScoobyDoo

3.186

22.961 Carandi 4.647 ru

18.741 Procura 4.213 ndo Nemo (Findin g Nemo) 4.133 16.612 O Senhor dos Anéis 2 (The Lord of the Rings 2)


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2.106 2.056. 10.007 O Auto 190 .100 da Compade cida

6

Matrix (The Matrix)

7

Um Lugar 1.657. 8.840. 300 Chamado 819 Notting Hill (Notting Hill)

X-Men: O 2.082 Filme (XMen)

8

Noiva em 1.719. 8.748. 125 000 Fuga (Runaway Bride)

Xuxa 2.074 Requebra

11.073 Do Que as 2.016 Mulheres Gostam (What Women Want) 1.892 10.996 Corpo Fechado (Unbreakab le)

8.141

Harry Potter e a Pedra Filosofal (Harry Potter and the Sorcerer's Stone)

1.816

12.283 Cidade de 3.117 Deus

18.693 X men 2

11.079 Sinais (Signs)

2.427 16.024 007: um novo dia para morrer (007 Die Anothe r Day) 11.681 Xuxa e 2.301 os Duende s2

9.995

2.710

Xuxa e os 2.657 Duendes

3.567


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9

Simão - O 1.658. 8.547. 691 Fantasma 136 Trapalhão

1.836 Beleza American a (America n Beauty)

1.784 10.864 Todo Mundo em Pânico 2 (Scary Movie 2)

9.194

A Era do 2.495 Gelo (Ice Age)

10

A Vida é Bela (La Vita è bella)

1.593. 8.215. 756 812

Toy Story 1.832 2

8.067

9.515

2.438 Onze Homens e Um Segredo (Ocean's Eleven)

Jurassic Park III

1.752

Fontes: Filme B, 2003; claquete, 2003. Os dados consideram apenas a exibição do filme no ano de referência.

2.261 13.308 O extermi nador do futuro 3: A Rebeliã o das Máquin as (Termi nator 3: Rise of the Machin es) 2.185 15.318 As pantera s detonan do (Charli e's Angels: Full Throttle )


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Quadro13: VHS Mais Alugados e DVDs mais vendidos em 2002 VHS* Xuxa e os Duendes 2 Harry Potter e a Câmera Secreta 007 – Um novo dia para Morrer

DVD** Star Wars – Episódio I Shrek O Homem Aranha

* Fonte: Jornal do Vídeo, abr. 2003. **Fonte: DVD.com.br

Além da concorrência com a globalizada indústria de produção norte-americana, a produção nacional encontra barreiras quase intransponíveis na distribuição e na exibição dos seus filmes. Segundo a pesquisa mais recente disponibilizada pelo Ministério da Cultura, realizada em 1998, são estrangeiros: 71% do mercado nacional de produção cinematográfica (Columbia, Disney, Universal, Warner e Fox); 63% dos distribuidores de filmes (Fox,Warner, UIP, Cinemat Franco-Brasileira, Paris Filmes, Screen Gems, entre outras); 90% dos exibidores são norte-americanos (Cinemark e UCI, entre outras) (Ministério da Cultura, 1998, online). Uma outra classificação, de 2000, considerando as principais distribuidoras que atuam no mercado nacional traz os índices de 50,3% dos títulos exibidos, 88,9% da renda obtida, e, por fim, 88,7% do público concentrado apenas nas quatro maiores distribuidoras norte-americanas (Columbia, UIP, Warner e Fox) (Ministério da Cultura, 2000, online). O número de salas de cinema no formato multiplex vem crescendo nos últimos anos. Desde 1997, quando os exibidores norte-americanos reformularam o conceito de exibição com salas melhor estruturadas concentradas em shopping centers, o mercado ainda não conseguiu retomar o número de salas da década de 70. Em 1980, eram 2,3 mil salas de cinema; em 1992 passaram a menos de mil e, finalmente, em 2002, atingimos 1,7 mil. Desta forma, o Brasil possui uma sala de cinema para cada 105 mil habitantes normalmente concentradas em cidades com mais de 400 mil habitantes. As redes americanas tendem a concentrar seus esforços de exibição em filmes do gênero blockbuster, restando ao mercado de filmes alternativos, os chamados “filmes de arte” 10% do mercado (Souza, 2003).


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Quadro 14: Evolução Do Mercado Cinematográfico 2000 2001 2002 Público

68.045.304 74.884.491 90.865.988

Renda Bruta

352.363.694 424.401.720 529.558.406

Salas Filmes Lançados

1.480

1.620

1.690

151

153

197

Fonte: Souza, 2003

Assim, a ausência de uma política pública integrada, converteu o mercado nacional num dos segmentos mais instáveis do audiovisual brasileiro. Segundo o Ministério da Cultura: É indiscutível a importância econômica e cultural da indústria cinematográfica brasileira no cenário mundial. Como mercado cinematográfico, o Brasil ocupa o oitavo lugar do mundo, em termos de público, o décimo, em bilheteria, e o décimo segundo, em número de telas. A dimensão do mercado, contudo, não se traduz na posição do país enquanto produtor que, segundo o número de filmes produzidos, ocupa atualmente um mero décimo oitavo lugar no ranking mundia. Quer em termos quantitativos ou qualitativos, a produção cinematográfica brasileira é bastante instável e dependente dos recursos governamentais. Por fim, a participação dos filmes brasileiros nas receitas de bilheterias domésticas é relativamente pequena e, nas internacionais, insignificante. Até o momento, portanto, o cinema brasileiro mostrou-se incapaz de explorar em bases sustentáveis a dimensão do seu mercado interno e, a partir disso, tornar-se competitivo no mercado internacional (2000, online).

Multimídia e Novas Tecnologias Junto com o cinema, televisão, televisão por assinatura via satélite ou por cabo, existem novos produtos audiovisuais que substituem rapidamente produtos mais antigos (como é o caso de vídeos que estão sendo substituídos por DVDs), produtos que normalmente são oferecidos por empresas de comunicação mas que atraem o interesse de empresas de telecomunicações, como a Brasil Telecom, ligada à Telefônica de Espana, e ofertas na modalidade pay-per-view, e finalmente, jogos eletrônicos. Há dificuldades de se avaliar a oferta e o consumo de alguns desses produtos, por serem ainda muito novos ou por existirem dentro de uma economia subterrânea. Falamos, anteriormente, nos problemas ligados a uma avaliação dos jogos eletrônicos no país. Sabe-se que o Brasil é um grande mercado para esses produtos que devem movimentar em 2003, em todo mundo, cerca de US$31 bilhões, puxados pelos mais vendidos atualmente, como Playstation 2, da Sony, o Xbox, da Microsoft, e o GameCube, da Nintendo. Já o mercado brasileiro de games, contando somente os produtos legalizados, foi de US 30 milhões em 2002,


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segundo Paulo Roque, presidente da Divertire Melhoramentos, mas que chegaria a US 150 milhões se não fossem as cópias ilegais (Roque, 2002). Outro produto audiovisual em crescimento constante no país são os DVDs. O quadro 9, abaixo, mostra um crescimento contínuo do consumo, acompanhando a queda de preços que o torna acessível a grandes camadas da população. O preço médio de um aparelho que custava US $1450,00 dólares no país, em 1998, custa agora US$ 190. Ainda é um preço alto para a maioria da população, mas esses valores são próximos do que custa um televisor. Paralelo a esse aumento de vendas dos aparelhos DVDs, cresce também o número de lançamentos de títulos, que chegou a quase 1000 em 2002. Quadro 15: Estatística do DVD no Brasil 2002*

2001

2000

1999

1998

DVD Players Vendidos

1.320.000588.000 194.217 140.000 5.000

Base de DVD Instalada

2.300.000928.280 339.717 145.500 5.000

Preço Médio DVD Vídeo** 13

14

19

21

23

Preço Médio Player**

210

410

700

1.450

DVD

Vendas de DVD Vídeo

190

4.250.0003.215.5181.553.581388.000 86.000

Títulos em DVD Lançados 935

783

534

** Em Dólares

209

99

* Estimativa

Vendas de DVD Vídeo, DVD Player, VHS Rental, VCR e TVC no Brasil (durante o primeiro semestre) 2002

2001

2000

1999

1998

DVD Vídeo

1.782.4501.140.813451.730 94.800

ND

DVD Player

450.576 210.021 46.796

ND

VHS Rental

1.496.2361.488.8111.751.8161.700.9131.403.519

Videocassete*

338.218 487.195 531.078 551.679 99.832

TV em Cores

2.638.9102.447.0982.193.3791.689.3942.078.376

* Os dados sobre VCR em 2002 são até maio. Fonte: DVD Video Business

8.066


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Existe, por outro lado, um conflito entre as operadoras de telecomunicações e as empresas tradicionais de comunicação. Enquanto as primeiras, até recentemente preocupavamse com o transporte de sinais, sem se preocupar com os conteúdos, as segundas eram especializadas em conteúdos, sem interesse nas atividades ligadas ao conteúdo. No corrente ano, 2003, a Brasil Telecom, começou a fazer propaganda sobre as possibilidades do cliente da Turbo Vídeo, “ver um filme, acessar a Internet e falar ao telefone com uma única conexão. Alugar um filme por controle remoto. Assistir ao show da banda preferida a qualquer hora, sem sair de casa. Obter treinamento, prover diagnósticos, diminuir distâncias físicas e de conhecimento, aumentando a inclusão digital”.

Ora, o provimento de conteúdos televisivos por empresas de outros setores como telefonia e energia elétrica é assunto de intenso debate: A regulamentação do Serviço de Comunicação Multimídia (Resolução n. 272 de 09 de agosto de 2001) permite a transmissão de conteúdo de áudio e vídeo por operadores de telefonia, mas proíbe a continuidade e também a geração deste conteúdo que caracterizariam os serviços de TV por Assinatura e radiodifusão. Na época de seu lançamento, este regulamento foi contestado pelas operadoras de televisão por assinatura, através da ABTA – Associação Brasileira de TV por Assinatura - preocupadas em assegurar seu mercado de atuação (Cruz, 2001). Recentemente, o assunto voltou à tona quando a Brasil Telecom anunciou testes para a transmissão de vídeo on demand, através do serviço de banda larga BR Turbo. A empresa teve de se explicar ao Conselho de Comunicação Social assegurando não ter interesse em gerar conteúdo visando somente parcerias futuras com empresas de televisão por assinatura (Capparelli; Santos, 2003:8).

Apesar dessas dificuldades, a Brasil Telecom está confiante em um entendimento com os órgãos reguladores ou mudança da resolução 272, tendo começado um teste piloto em Foz do Iguaçu, prometendo extendê-lo para todo o Brasil ainda em 2003. Segundo a empresa, a qualidade de DVD é garantida pela Content Delivery Network (CDN) da Brasil Telecom, uma rede específica para transmissão de conteúdo multimídia que utiliza o backbone IP da operadora. Pela CDN da Brasil Telecom, a Brasil Telecom informa aos seus clientes da possibilidade do serviço Near Video on Demand, em lotes de programação que se repetem em intervalos definidos. Por exemplo, a cada 15 minutos começa um determinado filme. Nesse caso, o cliente não escolhe a programação, mas tem mais flexibilidade de horários. Tanto no Video on Demand quanto no Near Video on Demand, o conteúdo fica armazenado num servidor, dentro do Cyber Data Center da Brasil Telecom (A Tribuna Online, 2.4.2003). Caso não consiga derrubar a proibição, a empresa informou ao


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Conselho de Comunicação Social que estabelecerá parcerias futuras com empresas de televisão por assinatura (Teletime News, 2003). Inversões Publicitárias

O modelo comercial de comunicação de massa herdado do rádio pela televisão transformou o país em importante mercado para a publicidade. Desde os anos 50 em que o Repórter Esso – “a testemunha ocular da história”- era o programa jornalístico com maior respaldo no país até os dias de hoje, o mercado publicitário é a principal fonte de renda dos veículos de comunicação. A publicidade brasileira movimentou, em 2002, R$ 13,2 bilhões (Affini, 2003) o que significa que, em apenas cinco anos, o país caiu de sexto mercado mundial (Moraes, 1999) para oitavo. Além das tradicionais inserções nos intervalos comerciais e do patrocínio de programas ou eventos específicos, como campeonatos de futebol ou festivais musicais, recentemente o foco das atenções tem sido o merchandising inserido nos programas televisivos. Esta atenção deve-se ao fato deste tipo de inserção ser considerada o investimento mais nobre do mercado, custando, em média, três vezes o valor de uma inserção no intervalo comercial em horário nobre. Comentou-se, nos últimos meses, que a novela Mulheres Apaixonadas, exibida no horário nobre da Rede Globo, voltou às origens quando as telenovelas foram batizadas de soap operas por conta do patrocínio das fábricas de sabão. As cenas onde duas protagonistas da novela e algumas personagens coadjuvantes apareceram comentando como é fácil lavar roupas com o sabão Omo 109 , da Unilever – maior anunciante privado no país em 2002 - e a participação das atrizes Christiane Torloni e Maria Padilha num evento, da Casa Cor São Paulo, onde o público pode observá-las lavando roupas com Omo deram início a um amplo debate sobre o excesso de publicidade na programação televisiva. No início de julho de 2003, 63,62% das pessoas que responderam a uma enquete no portal do jornal O Estado de S. Paulo consideraram o merchandising em novelas incômodo (Jacintho, 2003). Mulheres Apaixonadas vem sendo considerada uma das telenovelas

109

“o Omo levou personagens à lavanderia. A protagonista Helena (Christiane Torloni) deu bronca no filho, que havia sujado uma camiseta. Em frente à embalagem, a empregada interveio: ‘É só jogar na máquina e pronto’. Em outro capítulo, a moça que trabalha na casa de Carlinhos declarou na área de serviço, diante da caixa do sabão: ‘É só colocar na máquina e pronto’” (Mattos, 2003, E1).


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brasileiras com maior índice de audiência da história da Rede Globo e, também, o seu “maior sucesso de merchandising”, como afirmou o autor Manoel Carlos (Mattos, 2003, E1) e confirmou o diretor de Desenvolvimento da TV Globo, Marcelo Duarte “sem dúvida é uma das melhores performances de merchandising em novelas” (Jacintho, 2003). Este debate acontece num cenário onde a televisão aberta mantém sua hegemonia como locus privilegiado de investimento publicitário e num momento onde os veículos de comunicação vêm enfrentando, desde o final da década de 90, uma dura retração no volume de investimento publicitário no país. Conforme podemos ver no quadro abaixo, em 2002, a variação dos investimentos em dólar em relação ao ano anterior foi positiva apenas no rádio. Por outro lado, se esta conta fosse feita em Real teríamos um aumento de 12% o que é um bom índice se considerarmos que a variação do Produto Interno Bruto do País no mesmo período foi de 1,52% (Affini, 2003).


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Quadro 16: Veí Investimento Publicitário* culo

2002

2001

R$ (000) US$ (000) TV aberta 9.095.08 3.113.456 8 Jornal 6.805.97 2.322.981 1 Revista 2.051.96 688.025 6 Tv por 1.002.94 337.077 Assinatura 5 Rádio 640.448 219.144 Outdoor 166.584 58.197 Tot 19.763.0 6.738.880 02 al

R$(000)

Faturamento Bruto em Reais (000)** % 2002 2001 Var. Variação % US$(000) R$ US$

7.723.596 3.292.79 18 5 6.256.023 2.661.03 9 3 2.021.769 854.260 1

-5 -13 -19

5.657.47 7 1.918.81 8 985.466

5.340.23 5,9 1 1.975.04 -2,8 9 937.759 -4,8

872.942

368.479 15

-9

183.148 142.603 28

489.577 251.971 17.615.87 7

207.665 31 107.161 -34 7.491.39 12 3

6 -46 -10

438.174 441.564 -0,8 257.063 233.857 9,9 9.322.58 3,4 9.636.19 1 8

* Fonte: Investmídia, Ibope Monitor, 2003. ** Fonte: Affini, 2003.

Quadro 17: Investimento Publicitário em Televisão – Ranking por veiculação (mil segundos) 70.000 60.000 50.000 40.000 30.000 20.000 10.000 0 2000 Globo

Bandeirantes

SBT

2001 Record

Rede TV!

MTV

CNT

Fonte: Investmídia, Ibope Monitor, 2003.

Assim como tem ocorrido em toda a América Latina, as sucessivas crises econômicas afetaram também as agências publicitárias nacionais que, na década de 90, passaram por diversas fusões e associações ao capital internacional. Até o final da década de 80, entre as dez maiores agências atuantes no país, sete eram brasileiras (Mattos, 2000, p. 85); em 2002 aparecem apenas duas agências neste mesmo ranking (Franco, 2003). Segundo Denis de


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Moraes, a concentração da publicidade em agências internacionais dá-se pelos seguintes fatores: a) a interligação dos mercados por redes infoeletrônicas de comunicação, largamente favorecidas pelas desregulamentações neoliberais; b) a globalização das marcas; c) a intensa concorrência entre um número cada vez menor de agências transnacionais, constituídos por fusões e aquisições; d) centralização das decisões fundamentais e dos planos de inovação nas holdings, que também supervisionam as ações das subsidiárias no exterior; e) alinhamento de contas multinacionais, com vistas à padronização das mensagens e à racionalização de custos das campanhas globais (1999).

Um dos fatores que contribuiu para a queda das agências nacionais no mercado Brasileiro foi a diminuição dos gastos governamentais com publicidade em relação ao setor privado. Tradicionalmente as empresas estatais, bem como os governos em si (presidência, ministérios, estados e municípios) tornavam o Estado o maior anunciante do país e, desde os governos militares, as agências nacionais eram privilegiadas nos processos de escolha. Com as privatizações e as crises econômicas por que o país passou na última década, o volume dos investimentos foi diminuindo. Em 2002, o governo perdeu, pela primeira vez em pelo menos três décadas, o posto de maior anunciante para uma empresa privada. A Unilever investiu R$152,6 milhões (Franco, 2003) contra R$ 147 milhões investidos pelo governo (Costa, 2003). Esta situação pode estar mudando. Para 2003, estima-se que serão gastos R$ 232 milhões, configurando um aumento de 58% (Costa, 2003). A primeira licitação do governo Luis Inácio Lula da Silva foi a que selecionou as agências para as campanhas relacionadas à imagem institucional do Governo Federal. Para esta licitação, foram destinados cerca de R$ 150 milhões, a serem distribuídos entre três agências, todas elas nacionais. Esta licitação retoma a discussão sobre os critérios que devem pautar as políticas públicas em relação à comunicação de massa. Dentre os três vencedores, dois tem ligações com as campanhas anteriores do partido do Presidente da República (PT-Partido dos Trabalhadores): Duda Mendonça, o primeiro colocado, foi o publicitário responsável pela campanha de Lula ao governo em 2002 e tem larga experiência em marketing político; a segunda agência colocada na licitação, a Lew, Lara, foi, em 2002, a quarta maior agência nacional em receita (Meio & Mensagem, 2003); mas, a terceira empresa vencedora da licitação, a Matisse, é a que causou maior estranhamento no mercado publicitário. A agência tem apenas cinco anos de existência e jamais teve qualquer experiência com contas publicitárias governamentais ou políticas.


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Segundo o jornal Folha de São Paulo, o publicitário Paulo de Tarso Santos, responsável pelas campanhas presidenciais do PT em 1989 e 1994, associou-se à Matisse especificamente para participar desta licitação e a classificação da agência em terceiro lugar na licitação deveuse ao fato de que “Lula e petistas do chamado núcleo duro do governo - os ministros José Dirceu (Casa Civil) e Luiz Gushiken (Comunicação de Governo) - resolveram compensar um antigo aliado que esteve afastado nos últimos anos” (Rodrigues, 2003, p. A6). A distribuição das cotas públicas de publicidade também gera debate quando se discute a escolha dos veículos para investimento em publicidade. Embora a televisão aberta seja o principal veículo do país, e a Rede Globo a maior audiência, a propriedade de algumas de suas afiliadas por parte de políticos direciona este investimento. Segundo o Epcom (Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação), "o faturamento destes veículos é sustentado por verbas públicas destinadas por governos comprometidos com os 'donos da mídia' local" (Carta Capital, mar. 2002, p. 18). O exemplo mais expressivo de uso das verbas estatais para custear veículos de comunicação de políticos localiza-se no estado da Bahia. A família e alguns aliados do exMinistro das Comunicações atualmente Senador Antonio Carlos Magalhães são proprietários da Rede Bahia que inclui: seis emissoras de TV aberta, afiliadas à Rede Globo; uma emissora de TV UHF; parte da única empresa de TV a cabo da capital; duas emissoras e uma rede de rádio FM; um selo fonográfico; uma editora musical; um jornal diário; uma gráfica; e, por fim, uma empresa de conteúdo e entretenimento. Estes veículos absorvem a maior fatia da verba publicitária governamental do estado, 13° maior anunciante de governo e maior estado anunciante do país (Paiva, 2001). Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, a prefeitura de Salvador, controlada por aliados do Senador, gastou, em 2000, mais em publicidade (R$14 milhões) que em ensino fundamental (R$12,6 milhões) e transportes (R$ 11,9 milhões) (Paiva, 2001). A distribuição das verbas publicitárias para os veículos da família do Senador absorveu, por exemplo, em 2000: 77% dos anúncios do governo do Estado em jornais – enquanto o jornal concorrente de maior circulação no Estado não obteve nenhum anúncio; e, 67% dos anúncios em televisão aberta.


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Conclusão

As mudanças no audiovisual brasileiro nos últimos 15 anos permitem-nos perceber as mudanças aceleradas por que passa o setor. Um pouco como se até recentemente houvesse dois personagens – cinema e televisão – caminhando paralelos, e de quando em quando se visitando através do videocassete, para conversarem sobre seus respectivos caminhos. Chegam os anos 1990 e tudo parece se transformar. A televisão se multiplica, a partir de novas tecnologias, o cinema penetra cada vez mais no espaço televisivo dos canais por cabo e por satélite, os antigos videocassetes –para Garnham, eles seriam o motor de uma nova etapa de acumulação capitalista – foram substituídos pelos DVDs, as telecomunicações que cuidavam do transporte de conteúdos interessaram-se também por sua produção, as redes de televisão passaram a investir nas telecomunicações, os adultos começaram a brincar com videogames, o cinema novo saiu do nicho intelectual e político, voltando-se para o mercado com o nome de novo cinema. Por fim, os limites dessas atividades culturais, políticas ou de lazer receberam o nome de setor audiovisual, como se esse manto resolvesse todas as ambigüidades. Que o setor audiovisual mudou muito nessa etapa das indústrias culturais, não resta dúvida. Que as tecnologias deram um novo rosto ao entretenimento e criaram novas possibilidades ao capital, também não resta dúvida. Que a televisão - massiva, por cabo ou por satélite – é capaz de atingir todos os recantos do país, ninguém nega. Que o mercado tornou-se o principal regulador do audiovisual do país, permitindo a entrada de capital estrangeiro na televisão e se globalizando, também ninguém nega. O período analisado não mostra, porém, apenas mudanças. Houve continuidades. O audiovisual brasileiro continua nas mesmas mãos de empresários que obtiveram vantagens durante a ditadura brasileira de 1964 a 1984. A televisão brasileira está concentrada nas mãos de grandes famílias, grupos políticos e, mais recentemente, religiosos. Apesar dos valores neoliberais da economia brasileira, o cinema depende do Estado, através da renúncia fiscal, para se desenvolver. Aumenta o número de filmes produzidos, mas os distribuidores são os mesmos do período anterior, formado pelas grandes companhias norte-americanas (Columbia, UIP, Warner e Fox), que promovem os grandes sucessos internacionais. De certa forma, predominou também no audiovisual, o otimismo dos anos 1980 e parte de 1990, no sentido de que a globalização traria benefícios a todos e que transformaria o mundo provocando o desenvolvimento, pluralidade de informações, bem estar, e participação de todos no universo da comunicação, especialmente no setor audiovisual, dada a existência de


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numerosos contingentes que não sabem ler nem escrever nos países emergentes. No entanto, diz o historiador Hobsbawm (FSP, 01/01/1999), o mercado livre e sem controles foi uma moda passageira dos anos 1980 e 1990. A produção de cinema nacional conseguiu um novo fôlego após uma duríssima crise, mas o cenário continua dominado por menos de dez grupos, em sua maioria norte-americanos, que distribuem e exibem os blockbusters que têm as maiores bilheterias e índices de aluguéis tanto em VHS quando em DVD no País. De um lado, a tradicional dissociação entre produção e distribuição parece ser o maior entrave para uma maior expressão do cinema nacional. Por outro lado, há um início de mudança neste setor. O aumento dos filmes brasileiros premiados em festivais internacionais, através do apoio estatal para a sua exibição, conseqüentemente aumentou o interesse das grandes distribuidoras internacionais na produção nacional, como foi o caso da Columbia Pictures (Eu, tu, eles; Auto da Compadecida; Carandiru), da Warner Bros (Orfeu; Xuxa e os Duendes 2), da Fox (Lisbela e o Prisioneiro; Xuxa Requebra) e da Miramax (O que é isso companheiro?; Central do Brasil). É possível também observar um início de integração entre a televisão e o cinema a partir da criação da Globo Filmes e do Canal Brasil. Esta integração vai além da possibilidade de aumentar a exibição da produção nacional nas salas de cinema ou da adoção de uma linguagem televisiva no cinema. Pode, também, aumentar a exposição desta produção nos mercados anciliares - como TV aberta, TV por assinatura, Internet, homevideo e DVD – o que viabilizaria uma mudança na estrutura artesanal que se configura até os dias de hoje. Porém, estas novidades aparecem concentradas sob as diversas marcas, holdings ou empresas afiliadas da Rede Globo, e suas afiliadas comerciais. A eleição de um governo do Partido dos Trabalhadores acenou com uma mudança nessas relações incestuosas entre as comunicações e o Poder. E a televisão digital oferece tecnicamente, a vantagem de aumentar a oferta da programação televisiva. Trata-se de uma vantagem ligada à pluralidade de expressões políticas, num país em que a oligarquia tradicional, representada pelos partidos PFL, PPB e o PMDB, controla 67,50% dos canais de televisão, enquanto afiliados ou simpatizantes do PT, atualmente no governo, não controlam nenhum (Bayma,2001). A minuta do decreto de TV digital encaminhada pelo PT parece ter a mesma posição do governo anterior, de não mudar o status quo. Tanto assim que cada canal analógico tem reservado para si um canal digital, optando, assim, pela continuidade.


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La desregulación invisible: el caso de la televisión local por ondas en España Ángel Badillo Matos∗

1. Introducción110 A escasas fechas de las últimas elecciones generales, el Ministerio de Ciencia y Tecnología ha aprobado el nuevo Plan Técnico de la Televisión Digital Local111, con el que el ejecutivo ya saliente pretende abocar a las estaciones de televisión local por ondas hacia la digitalización de sus emisiones. Éste es un paso que culmina un proceso que llamaremos en este trabajo de “desregulación invisible” de la televisión local que comienza con la llegada del Partido Popular al Gobierno en 1996 y concluye, al menos momentáneamente, con la publicación del Plan Técnico en marzo de 2004 —y la derrota electoral de los populares en las elecciones generales. Estos ocho años han supuesto para la televisión local en España una verdadera transformación de un sector más relacionado con la iniciativa pública y sin ánimo de lucro en la mayor parte del país (Prado y Moragas, 1991) a un espacio clave para la inversión y el posicionamiento de los grandes grupos de comunicación (Prado y Moragas, 2002). El camino que se ha recorrido en estos ocho años pasa por una reformulación del “modelo” de televisión local propuesto por el Parlamento dominado por el Partido Socialista Obrero Español (PSOE) en 1995 hasta una tendencia al mercado, y en la práctica a la libre ocupación de frecuencias, impulsada por el Partido Popular (PP) desde su primera llegada al Gobierno y hasta hoy. Este trabajo pretende, desde un análisis de políticas de comunicación, acercarse a esta transformación y explicarla conforme a dos factores: (a) la desactivación de la función sancionadora de la administración durante los últimos años en materia de ocupación de frecuencias y (b) la reordenación de canales de emisión consecuencia de la transición a la televisión digital terrenal.

Centro Tecnológico de Diseño Cultural, Facultad de Ciencias Sociales, Universidad de Salamanca Una versión anterior de este trabajo se presentó ya en el I Congreso Ibérico de Comunicación, celebrado en la Universidad de Málaga en 2001. El marco general de esta investigación fue defendido como tesis doctoral en la Universidad Autónoma de Barcelona, bajo la dirección del Dr. Emili Prado i Picó, en 2003. 111 En el momento de redactar este texto, el Plan Técnico se encuentra pendiente de publicación en el Boletín Oficial del Estado. 110


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2. La regulación del fenómeno de la televisión local en España

Hemos definido 3 periodos regulatorios para la televisión local en España: el primero coincide con las primeras experiencias de audiovisual local, todavía sin ninguna norma que ordene el sector; el segundo se abre con la propuesta del Gobierno del PSOE que se convertirá en la Ley 41/1995; el tercero surge con la victoria electoral del PP y la reordenación del sistema audiovisual que, basándose en la implementación de la TDT, va a hacer el Gobierno central y que se extenderá hasta la modificación del texto de 1995 a través de las leyes de acompañamiento de los presupuestos generales del Estado para 2003 y 2004.

2.1

. El periodo de la “alegalidad”

La primera experiencia de televisión local desarrollada en España es la que se puso en marcha en Cardedeu (Cataluña), el 7 de junio de 1980 (Prado i Picó y Moragas Spà, 1991: 7) y a raíz de ella muchos otros municipios pusieron en marcha emisoras similares. Estas primeras experiencias son herederas —en algunos casos incluso coetáneas— de las primeras radios libres: su principal argumento es el del libre acceso al espacio radioeléctrico en nombre de las libertades democráticas, contra el poder del Estado en la administración de ese recurso (Navarro Moreno, 1999: 78; Prado i Picó y Moragas Spà, 1991: 10) y en muchos casos con el interesado apoyo de las empresas fabricantes de tecnología audiovisual (Baget i Herms, 1994: 71). Al tiempo que en Cataluña, en otras zonas del país se viven fenómenos de televisión local ligados a pequeñas productoras audiovisuales que difunden televisión local sin permisos oficiales, tan sólo con el visto bueno de los Ayuntamientos, durante las fiestas de las localidades o como manifestación de la necesidad de estructurar vías de comunicación local. La actitud de la Administración ante este fenómeno colabora en la configuración de dos modelos diferenciados: por un lado, la experiencia catalana, donde el mayor desarrollo de la sociedad civil, su articulación más fértil y la mayor implicación de los Ayuntamientos genera un gran número de experiencias de comunicación local apartadas de la legalidad —no ilegales, sino alegales, como se venía denominando a su situación— que contaban con el apoyo de las entidades locales e incluso autonómicas. En el resto de España, la situación apareció bien


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distinta: aunque sí se desarrollaron a lo largo de la primera mitad de los ochenta experiencias de televisión local, estuvieron marcadas por la temporalidad —lo que en otros lugares hemos llamado “titiriterismo audiovisual”— y por la actitud belicosa de la Administración central, a través de cuya Dirección General de Telecomunicaciones se otorgaban las licencias para la emisión temporal. Esta persecución por parte de los poderes públicos encuentra su reacción en el asociacionismo y las reuniones sectoriales que se repiten en esos años en busca del reconocimiento de la alegalidad de la actividad. En todo caso, las primeras experiencias de televisión local hertziana en España distan mucho de estar en una órbita totalmente comercial y cuentan con una implicación municipal que varía en función de las zonas (Corominas y Llinés, 1992; Martínez Hermida, 2001; Navarro Moreno, 1999; Prado y Moragas, 1991). El progresivo crecimiento del fenómeno hace que la administración central empiece a preocuparse por su posible regulación. Primero, entendiendo la televisión local como una de las “nuevas formas de televisión” que se implantarían en el futuro. Así es durante la gestión del ministro socialista José Barrionuevo. Pero su sustitución por José Borrell coincide con el envío de esta cuestión al Consejo Asesor de las Telecomunicaciones, en el que presumimos que la presencia de los operadores de televisión privada —en especial de Antena 3, beligerante en ese momento con todas las experiencias de televisión local— condiciona un radical cambio de actitud: a partir de ese momento, el Gobierno comienza —finales de 1991— a desmarcarse de la posible legalización del fenómeno de la televisión local: el proyecto de ley de presupuestos para 1992 contempla el inicio de la regulación del cable y el satélite, pero deja fuera la regulación de la televisión local 112 . Una clave más de este cambio de perspectiva la encontramos en el Plan Nacional de Telecomunicaciones 1991-2002, publicado en 1992, que se refería a las previsiones del Gobierno en torno a la televisión local por ondas, que esperaba fuera eliminada por un lado por el aumento de oferta producido por la llegada de las privadas y, por otro, por las actuaciones gubernamentales tendentes a la orientación de las experiencias de ondas hacia el cable: “El incremento de la oferta de televisión con la puesta en servicio de los 3 programas privados y penetración de las televisiones públicas, tanto TVE como las autonómicas, previsiblemente autoeliminarán las experiencias incontroladas de hace unos años de televisiones locales, tanto por ondas como por cables. No obstante, a lo largo de 1992 deberá regularse la distribución de televisión 112

El País, 9 de octubre de 1991.


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El cambio de legislatura resultará determinante. En un Parlamento que el PSOE ya no controla con mayoría absoluta —sino con el apoyo de partidos nacionalistas procedentes de varias comunidades autónomas y partidarios de expandir el tejido de comunicación local— los movimientos en torno a la regulación definitiva de la televisión local se suceden y empiezan a cristalizar en 1994 con la publicación y difusión de los primeros borradores de una futura norma sobre la televisión local, una vez decidida la separación de regulaciones para las nuevas formas de televisión (cable, satélite y local).

2.2. La ley de televisión local de 1995

En 1994, el Grupo Federal de Izquierda Unida (IU) y el Parlamento de Cataluña presentan iniciativas legislativas para que se regule la televisión local, y también lo hace el Gobierno del PSOE. El texto presentado incide sobre la escasez de operadores (uno por demarcación) y la preferencia por los ayuntamientos como concesionarios, que de no ejercer esa posibilidad la cederían sólo a entidades sin ánimo de lucro. Tanto los operadores como el principal partido de la oposición, el PP, se mostraron disconformes con esta propuesta y abogaron por un número de operadores limitado sólo por las exigencias de espectro. Distinguimos tres modelos en la concepción de la televisión local por parte de los distintos grupos parlamentarios, a través del análisis de sus enmiendas al texto del Gobierno y de sus intervenciones en las sesiones parlamentarias de tramitación del texto: a.

El modelo propuesto por el Gobierno, municipalista y conectado con el modelo existente de televisión local en Andalucía, próximo al cual se encuentra el propuesto por ERC de televisiones municipales. Este modelo asume la televisión local como una actividad de los ayuntamientos que sólo podría ser prestada por otro tipo de entidades en el caso de que las municipalidades prefirieran no desarrollar sus propios canales locales. Es una propuesta similar a la concepción de las emisoras municipales de radio en la Ley 11/1991.

b.

El que combina la actividad de los ayuntamientos con la de los entes sociales sin ánimo de lucro, dinamizada por IU-IC y CiU. En ambos casos se trata de


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concepciones en las que la sociedad civil, a través de asociaciones no lucrativas, puede proporcionar el servicio de comunicación local televisiva con al menos tantas garantías como el ayuntamiento. c.

El más fuertemente mercantilizador de la actividad es el propuesto por Coalición Canaria y el PP. Para ellos, la televisión local debería ser desarrollada, fundamentalmente, por entidades mercantiles en régimen de libre competencia, para favorecer la creación de un “mercado de ideas” que incrementara el debate democrático local.

El tránsito parlamentario sirvió para delimitar los aspectos del texto final, especialmente por la necesidad de negociación del Gobierno con los grupos políticos dado el reparto político del arco parlamentario en la V Legislatura. Así, el PSOE accedió a aproximarse al modelo planteado por CiU valorando positivamente en los concursos a las entidades sin ánimo de lucro113, aumentó hasta 2 el número de licencias cuando fuera posible en función del espectro siguiendo una enmienda del PNV114, aceptó las críticas al escaso plazo de concesión para aumentar la prórroga a los 5 años, pero sobre todo el Grupo Parlamentario Socialista en el Congreso flexibilizó buena parte de las normas dejando mayor margen de maniobra a las comunidades autónomas en ejercicio de sus competencias, como pedían especialmente PNV, ERC y CiU. La Ley fue publicada finalmente en el BOE como Ley 41/1995 de Televisión Local por Ondas Terrestres y finalmente planteaba un modelo de televisión local (a) de servicio público, (b) de ámbito estrictamente local, (c) con dos licencias como máximo por municipio, (d) con prioridad para ayuntamientos y entidades sin ánimo de lucro frente a iniciativas empresariales, (e) sin posibilidad de emisión en cadena, (f) con 5 años de concesión renovables —pero con la indicación de que el modelo es provisional hasta la transición digital— y (g) sin necesidad de un Plan Técnico nacional, sino con frecuencias asignadas a solicitud de las comunidades autónomas (es decir, como se venía haciendo desde 1991 con las emisoras de FM municipales). Se podría resumir el marco regulatorio diseñado como la base para la creación de un tejido audiovisual provisional, condicionado a las transformaciones tecnológicas a corto

113

Diario de Sesiones, Congreso de los Diputados, Comisión de Infraestructuras y Medio Ambiente, 4 de octubre de 1995, p. 17437. 114 Véase Boletín Oficial de Cortes Generales, Congreso de los Diputados, 6 de octubre de 1995, p. 79.


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plazo del sistema audiovisual español, que tratará de impulsar el desarrollo de un audiovisual local de uno o dos operadores con gran peso de la iniciativa de las administraciones locales y que reconoce sus competencias a las comunidades autónomas en la definición de modelos más o menos desregulados en lo referente a los contenidos.

2.3. La “desregulación invisible”: las políticas públicas del Partido Popular en materia de televisión local 1996-2004

El texto de 1995 quedó, sin embargo, sin el adecuado desarrollo legislativo. Publicado en los últimos días de diciembre de 1995, se encontró con la victoria parlamentaria del PP en marzo de 1996, que lo congeló. Las dos legislaturas siguientes, controladas por el PP, verían distintas configuraciones administrativas de la política en materia de comunicación, primero con el Ministerio de Fomento y después, en el segundo gabinete Aznar, con el Ministerio de Ciencia y Tecnología. Pocos meses después de ganar las elecciones, el Gobierno sostenido por el PP comienza un serio intento de reestructuración del sistema audiovisual español. El 21 de febrero de 1997, el Ejecutivo lanza el Plan de liberalización y de impulso de la actividad económica115. En él se propone la supresión del carácter de servicio público de las televisiones locales y autonómicas, que pasarían así de un régimen de concesión a un proceso de obtención de la oportuna autorización reglada. Fruto de este nuevo enfoque, el Ejecutivo lleva al Parlamento en febrero de 1997 un Proyecto de Ley de modificación del texto de 1995: el Proyecto de Ley propone la supresión del carácter de servicio público de la televisión local, con lo que los operadores no necesitarían una concesión, sino simplemente una autorización administrativa. El texto advierte que el límite fijado en 1995 de dos estaciones por municipio no tiene sentido en este nuevo marco, y el número de operadores puede aumentarse hasta tantos como permita el espectro radioeléctrico, eliminando además la preferencia por los Ayuntamientos en la gestión del servicio; como último rasgo importante, el texto propone prohibir que las televisiones locales de titularidad municipal se financien a través de publicidad si lo hacen a través de los presupuestos públicos. Sin embargo, el PP no controlaba la mayoría absoluta en el Parlamento para aprobar el texto, y las propuestas de su “socio” de Gobierno en 115

Un extracto del mencionado Plan liberalizador puede revisarse en http://www.minhac.es/GABINETEP/MedidasEconomicas/1997-1998/LIBER2.htm.


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aquel momento, CiU —que defendía una estructura de la televisión local más proteccionista con la experiencia catalana de emisoras sin ánimo de lucro—, suponían renunciar a buena parte de esos principios. Por ello del Partido Popular optó por retirar el texto, aunque en los meses siguientes los responsables ministeriales volvieron a insistir en el deseo del Gobierno de abrir la televisión local al mercado116. Mientras tanto, la Ley 41/1995 seguía sin desarrollo, y sin él las Comunidades Autónomas continuaban sin poder adjudicar las licencias. Varias autonomías realizaron desarrollos normativos complementarios a la Ley 41/1995 (Rozados Oliva, 2001) —así lo hicieron Navarra, Cataluña, Castilla La Mancha y Andalucía, y otras como Murcia o Extremadura se quedaron en puertas— pero en todo caso infructuosos. Sin embargo, a falta de un camino parlamentario para la transformación del tejido de televisión local, el Partido Popular optó por desactivar las sanciones a la ocupación del espectro. De esa manera, la televisión local empezó a convertirse en tierra de nadie y las ocupaciones de frecuencia se multiplicaron ante la falta de sanciones y con la ausencia de normativa para emitir legalmente. En este sentido, la reordenación de los canales de UHF para la implantación de la TDT (véase Comisión del Mercado de las Telecomunicaciones, 2002) —realizada en 1998— ha tenido un papel destacado al indicar a los “ocupantes” de frecuencias cuáles iban a ser utilizadas para la futura televisión digital y dejando los demás (salvo los ya utilizados para emisiones nacionales y regionales) como inutilizados hasta el apagón digital anunciado por el Gobierno del PP para 2012. Las aproximaciones a esta cuestión mediante trabajo de campo han mostrado claramente cómo se ha producido la elección de canales de emisión con este factor de fondo117. Aunque es imposible dar una referencia exacta de cuántas frecuencias ocupadas por señales de cobertura local existen en España, sabemos que son muchísimas: la revista Cine y Teleinforme hablaba en 2001 de 1.500 (Teleinforme, 2001), otra publicación del sector, Cinevídeo20 las cifraba en 1.200 (Ferreras, 2001), el diario El País ofrecía cifras similares118. No es éste un dato fácil de obtener, puesto que no existe ningún reflejo en documentos públicos procedentes del Ministerio de la ocupación de frecuencias, y los estudios más minuciosos,

116

Se puede revisar este proyecto en el Boletín Oficial de Cortes Generales, serie A, 17 de febrero de 1997, núm. 30-

1. 117

Durante el año 2002 se realizó un extenso trabajo de campo en Castilla y León en el que se demostró ampliamente este extremo (véase Badillo, 2003). 118 El País, 20 de mayo de 2001.


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como los de la AIMC (AIMC, 1996, 1999; 2002), reflejan tan sólo aquellas de las que existe constancia documental y un funcionamiento regular. Los censos de AIMC muestran sin embargo el crecimiento sostenido del sector: el último informe de la Asociación para la Investigación en Medios de Comunicación cifra el número de estaciones aéreas en 897, frente a las 741 que fueron censadas en 1999 y las 881 que aparecían en 1996, claro que contando en todos los casos tanto emisoras vía cable como vía éter (AIMC, 1999, 2002). En todo caso, el modo en el que se realiza el estudio no permite recoger todos los casos de ocupación de frecuencias, como se puede ver en la nota metodológica de los estudios de AIMC. Pues bien, si revisamos los datos del censo de AIMC de 1999, sólo el 69% de las emisoras existentes habían sido creadas antes de 1995, como la ley exigía119. Trabajando con los datos del censo de 2002, el 47% de las emisoras locales por ondas que hoy existen en España fueron creadas después de 1995 –un total de 244–, frente al 44% que sobreviven hoy de las creadas antes de esa fecha – 227 emisoras–, más un 9% de las que desconocemos su año de inicio de emisiones. Dicho de otra manera: en el plazo de 7 años, entre 1995 y 2002, se crearon más emisoras –aun cuando en teoría no estaba permitido hacerlo– que en los primeros 14 años de existencia de este tipo de estaciones, de 1980 hasta el año de su regulación.

119

El dato es de elaboración propia sobre el censo AIMC de emisoras de televisión local de 1999.


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Figura 1 Emisoras de televisión local creadas en España, por año declarado de comienzo de emisiones, según la AIMC (2002) 57 49

40

31 24

27

20

20

1991

1992

25

29 26 23 19

2002

2001

2000

1999

1998

1997

1996

1995

1994

1993

14

1990

14

1989

8

1987

9

1986

3

1985

2

1984

1981

1980

0

1982

1

1983

14

1988

16

Fuente: elaboración propia sobre datos de AIMC (2002).

En realidad, y dado que no se ha producido ninguna modificación de la Ley 41/1995 hasta diciembre de 2002, todas las emisoras creadas a partir de la promulgación de la ley son, estrictamente, ilegales. Las emisoras de televisión local posteriores al 1 de enero de 1995 podrían encuadrarse en distintos tipos de infracciones de la Ley General de Telecomunicaciones, que es bien clara respecto a la imposibilidad de utilizar frecuencias sin el correspondiente título habilitante —tanto la de 1998 como la de 2003 tipifican como infracción la ocupación de espectro. Sin embargo, y pese a la explosión de operadores que entran en los últimos años en el mercado, las sanciones a televisiones locales descienden de manera muy significativa desde 1999.


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Figura 2 Expedientes sancionadores a televisiones locales (1997-2002) 70

60

58 54

50

40

30 23 21 20 16 11 9

10

9

9 5

4 1

1997

1998

1999

2000

2001

Resueltos

Incoados

Resueltos

Incoados

Resueltos

Incoados

Resueltos

Incoados

Resueltos

Incoados

Incoados

Resueltos

0

2002 (hasta 30 sept)

Fuente: elaboración propia sobre datos del Ministerio de Ciencia y Tecnología.

Esta situación permite la entrada de centenares de nuevos operadores en el mercado: algunos que disponían de estaciones de emisión en redes de cable saltan a ondas, otros multiplican los canales ocupados para aumentar la cobertura más allá de la local, algunos crean redes que se convierten de facto en emisoras con coberturas autonómicas (como ocurre en Castilla y León con Canal 4 o Televisión Castilla y León), muchos otros ocupan frecuencias y rellenan su espacio con barras o con emisiones vía satélite —en muchos casos financiadas por audiotex— frecuentemente con la intención de especular con ellas y revenderlas a elevados precios a los operadores que deseen entrar en el mercado… En esta situación caótica que se ha vivido en la televisión local española en los últimos tres años, los últimos en incorporarse son los grandes grupos de comunicación, en especial Vocento (con vocación de convertirse en un grupo que incorpore pequeños “multimedia regionales” que incluyan una estación de televisión local en los mercados en los que opera), Prisa (con la red Localia, que ya incorpora a más de 60 estaciones) y la cadena radiofónica COPE (mediante Popular Televisión, que supera ya las 50 estaciones). La mercantilización e industrialización del sector en los últimos 4 años ha sido


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muy notable, en medio de una vorágine de ocupación de frecuencias y creación de nuevas estaciones, muchas más —no cabe duda— de las que recoge el censo de AIMC cuyos datos se comparan, en esta figura, con los expedientes abiertos por la administración en los últimos años.

Figura 3 Expedientes abiertos por la Administración y emisoras creadas por años 9

2002

19 11

2001

2000

1999

49 4 26 16 23 54

1998

1997

31 21 29 Emisoras creadas según AIMC, 2002

Expedientes incoados por el Ministerio

Fuente: elaboración propia con datos del Ministerio de Ciencia y Tecnología y AIMC (2002).

Como se aprecia en los modelos gráficos, existe una clara desactivación de la actividad sancionadora de la Administración en materia de televisión local. Las razones para esta reducción del número de sanciones no han sido manifestadas por el Gobierno públicamente, pero coinciden en el tiempo con la reestructuración del sistema audiovisual que propone el Partido Popular a través de la implementación de la Televisión Digital Terrenal, cuyas consecuencias serán determinantes para la reordenación del espectro y para la reactivación de la Ley 41/1995 que se produce, finalmente, en el marco de la TDT en 2002. El PP realiza los cambios a través de la Ley de Acompañamiento de los Presupuestos Generales del Estado (tanto en 2002 como en 2003) y con ellos marca la transición de la televisión local hacia la


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TDT, cuya implantación es hoy, 6 años después de su regulación, uno de los más llamativos fracasos de las políticas de telecomunicaciones y sociedad de la información del Partido Popular. La publicación, apenas unos días antes de las elecciones de marzo de 2004, del Plan Técnico Nacional de la Televisión Digital Terrestre —pendiente de publicación en el Boletín Oficial del Estado cuando se escribe este texto— plantea un futuro complicado para las televisiones locales, a las que se obligará a pasar a emisión digital. El nuevo entorno dibujado por el Gobierno del Partido Popular permite la existencia de más de mil emisoras en el territorio del estado español y reserva ¼ de cada múltiplex local a la gestión municipal —sólo en el caso de que los ayuntamientos así lo deseen—, lo que orienta el paisaje final de la televisión local en España al modelo planteado en los debates parlamentarios por el PP, deja espacio a todas las emisoras existentes y aún más (si consideramos la cifra recogida en el censo de AIMC), y las fuerza a una transición digital que probablemente eliminará a las más pequeñas ante las importantes inversiones que los operadores tendrán que hacer para obtener la habilitación antes del 1 de enero de 2006 —según las últimas modificaciones incorporadas a la Ley 41/1995. 3. Conclusiones: desregulación de la televisión local y transformación hacia el mercado La actitud del Gobierno del Partido Popular en materia de telecomunicaciones y sociedad de la información ha estado claramente orientada hacia la apuesta por la industrialización como garantía para encontrar en los mercados de comunicación operadores fuertes capaces de proporcionar un servicio atractivo y competitivo a los ciudadanos. Para ello, en los distintos ámbitos pero en especial en el de las telecomunicaciones, las políticas del PP han estado orientadas —con la poderosa influencia de las directrices comunitarias en este campo— hacia la apertura al mercado y la eliminación de las barreras de entrada a los distintos mercados de la comunicación. El ámbito de la televisión local ha vivido también esta decidida orientación desregulatoria pero, al contrario de lo que ocurre habitualmente con las desregulaciones, que son articuladas mediante un proceso hiperreglamentarista que dispara el número de normas que rigen los nuevos mercados, el camino hacia el mercado se ha abierto en España mediante la desactivación de las sanciones administrativas por ocupación de espectro, lo que Bustamante


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ha denominado una situación de “pasividad cómplice de la administración en los últimos tres años” (Bustamante, 2002: 221). En definitiva, como sugerimos en esta investigación, la opción desregulatoria se ha articulado de una manera silenciosa, pero ha conseguido una verdadera transformación del tejido audiovisual local que sin duda condicionará cualquier decisión política que el nuevo Parlamento español quiera tomar al respecto en la legislatura 2004-2008.


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As TICs, o mercado comunicacional e a educação: novas perspectivas de análise120 Álvaro Benevenuto Jr.∗

A biblioteca EPTIC apresenta o segundo volume de sua coleção, não apenas para o deleite dos leitores atentos às questões que buscam as mudanças e as transformações do mundo dos negócios da comunicação e para aqueles que se enveredam pelos caminhos da Economia Política da Comunicação. Nesse volume, os temas abordados ultrapassam as problemáticas do mercado restrito aos meios de comunicação, que são tratados com a eficiência crítica pertinente aos propósitos da disciplina, ao oferecer análises sobre processos e condições do estabelecimento da educação à distância, que tem sido uma das ações oferecidas (com freqüência) e requisitadas nas instituições de ensino que atuam na sociedade contemporânea. Sob a organização dos professores doutores Othon Jambeiro, César Bolaño e Valério Cruz Brittos, cujas trajetórias acadêmicas sempre estiveram ligadas às análises das vicissitudes do mercado comunicacional, especialmente num momento de convergências das mídias e de grandes transformações no espectro radioelétrico nacional, o volume se propõe a apresentar perspectivas e prospecções para entender as questões uterinas da produção televisiva, a partir do reconhecimento das barreiras de acesso e das dimensões estética e de regulamentação dos serviços da televisão, diante da perspectiva da oligopolização dos mercados. Nessa direção, pensando na construção de um referencial teórico para posteriores estudos, encontra-se um artigo que propõe a busca de elementos estruturais da transformação social apoiado na história da regulamentação dos meios e dos sistemas de comunicação nacionais, visando a atualizar os contraditórios postulados sobre a sociedade da informação. Como o trabalho não está desconectado do processo, a pertinente mirada sobre a mediação das habilidades humanas diante das estratégias comunicacionais não poderia ser esquecidas, principalmente quando se colocam as questões da construção da comunicação mundial e as formas de reestruturação produtiva brasileira. No que se refere aos propósitos comunicacionais e empresariais nacionais, são necessários alguns elementos fundantes para a análise exploratória dos termos e limites dos controles possíveis (e alcançáveis) para a população 120

Resenha do livro: JAMBEIRO, Othon; BOLAÑO, César; BRITTOS, Valério Cruz. (Orgs.) Comunicação, informação e cultura: dinâmicas globais e estruturas de poder. Salvador: EDUFBA, 2004. Coleção Biblioteca EPTIC. 196 p. ∗ Doutorando em Ciências da Comunicação (UNISINOS). Professor de Jornalismo (televisão) na Universidade de Caxias do Sul (RS).


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consumidora dos produtos culturais apresentados pela televisão brasileira. Como contraponto, a obra apresenta o olhar portenho dos sistemas de comunicação no que se refere ao processo regulamentatório da atividade na Argentina, focando especialmente as produções dirigidas à infância e adolescência. Numa outra perspectiva, a Economia Política da Comunicação começa a ver com maior proximidade as relações que começam a se constituir no âmbito da educação, especialmente quando se percebe o desenvolvimento dos programas de aprendizagem a distância nos níveis de graduação. A reconfiguração dos sistemas educacionais, embasado na qualidade (e quantidade) das possibilidades de comunicação, torna-se objeto de discussão ao subordinar a educação aos parâmetros da economia de mercado, através de um discurso moderno, que deve ser observado com algum cuidado crítico. Por fim, o volume 2 da Biblioteca EPTIC reflete as preocupações com a democratização do conhecimento através das redes educacionais, apontando as contradições entre trabalho, capital e políticas públicas que viabilizem o acesso daqueles atores que continuam excluídos das tecnologias da informação e da comunicação. Participam dessa edição, prefaciada por Murilo César Ramos, os pesquisadores Valério Cruz Brittos, César Bolaño, Maria de Fátima Monte Lima, Othon Jambeiro, Paula Rodríguez Marino, Sayonara Leal, Wagner Braga Batista, William Dias Braga e Marcos Castañeda, que desenvolvem seus trabalhos em universidades públicas e privadas de várias regiões do país, o que proporciona ao leitor um variado mosaico de opiniões críticas sobre a condição presente das tecnologias da informação e da comunicação (TICs) na vida cotidiana. Assim é que a Rede EPTIC colabora com a comunidade científica da Comunicação, da Economia e Ciências Sociais, apresentando novos elementos para o debate acerca do papel dos fenômenos comunicacionais e culturais no confronto com o espaço público, nesse momento histórico, assinalado pelo aumento da funcionalidade econômica, política e cultura dos meios, crescentemente concentrados quanto à propriedade e controle.


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La globalización transforma las ciencias sociales121 Fabián Noguera

El libro que reseñamos es una apuesta por una polémica necesaria sobre la crisis del ejercicio de lo político en los últimos años, y los callados efectos que ella promueve en las producciones sobre Filosofía y ciencias sociales. Roberto Follari profundiza y amplía conceptos desarrollados en su anterior texto Teorías Débiles, esta vez acompañado por dos investigadoras que forman parte del equipo que dirige en Mendoza; por ello, el texto se instala en una discusión ya iniciada, la cual ha tenido repercusiones en diferentes ámbitos de América Latina, especialmente en lo que respecta a los llamados “estudios culturales”. Se había advertido en tales estudios la pérdida de rigor epistémico y de exigencias metodológicas, a la vez que un apartamiento progresivo del pensamiento crítico, en el momento mismo en que Latinoamérica ha sido arrasada por planes económicos que han precarizado enormemente la condición social de la mayoría de la población. Esta paradoja entre necesidad de oposición ideológica definida, y ciencia social aquiescente y domesticada, aparece en La proliferación de los signos como propia no sólo de los estudios culturales, sino también de otros espacios de la producción teórica contemporánea. Es cierto que estos diferentes espacios no son homologados entre sí; la Filosofía política es criticada no en cuanto a sus específicos desarrollos, sino más bien en cuanto al “lugar” privilegiado que ha alcanzado en la reflexión actual. Tal fuerte posicionamiento es advertido como reemplazo –en el plano de la justificación o incluso del fundamento- de la práctica política misma, o de la construcción de una teoría política que tenga en cuenta los actuales condicionamientos económicos y políticos propios del capitalismo globalizado. La tesis del libro es que a falta de soluciones prácticas, hay un cierto salto al plano de “los principios” que distrae de tal falta de soluciones prácticas; lo cual se advierte aún con más claridad en el auge de la Etica como disciplina académica, la cual no hace más que plantear principios “a priori” ajenos a la historicidad misma, que pretenden dictaminar sobre ésta o –peor aún- influenciarla decisivamente.

121

Reseña de libro: Roberto Follari, Nilda Bistué y Claudia Yarza: La proliferación de los signos: la teoría social en tiempos de globalización, Homo Sapiens, Rosario, 2004, 122 pp.


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El artículo escrito por Claudia Yarza muestra cómo después del nihilismo y la erosión de los principios justificatorios sostenida por el pensamiento posmoderno, no ha podido edificarse en la Filosofía general alguna nueva perspectiva que escape a esa erosión previamente establecida. El resultado es el desplazamiento hacia problemas “aplicados” como los de la Etica y la Filosofía política, o la identificación de los sujetos epistémicos con los objetos que analizan, llevando hacia una versión cuasi-mediática del discurso académico. A su vez, Nilda Bistué sitúa la necesidad de recuperar la negatividad y la totalidad en los análisis sociales, aún en el campo post-metafísico que el pensamiento contemporáneo supone. La posibilidad de recuperar no-telelógicamente aspectos de la dialéctica hace a la necesidad de superar el fragmentarismo y el minimalismo de raíz posestructuralista, por una parte; por otra, de salir del marasmo que se da en la aceptación de lo existente y la carencia de un pensamiento que lo rebase hacia la transformación práctica. Pero sin dudas que no es ni la recuperación de la noción de “totalidad”, ni el pensamiento negativo (en el sentido de crítico-situado), lo que predomina en la actualidad. Por el contrario, el caso de los cultural studies es revisitado detalladamente por Follari para mostrar cómo diversos autores provenientes de tradiciones y trayectorias disímbolas (Jameson, los argentinos Casullo y Reynoso, Mabel Moraña, etc.) coinciden en la existencia de una serie de síntomas problemáticos en tales estudios, que han alcanzado notable auge en la contemporaneidad latinoamericana (pero también en la del llamado “Primer Mundo”): una interdisciplina que no reconoce protocolos ni criterios para establecerse, pérdida de las nociones estructurales sobre los procesos económicos y políticos, caída de la referencia empírica y la exigencia metodológica, apelación a recursos retóricos para resolver controversias argumentativas, pretensión de representar la “otredad” identitaria al interior de la escritura académica, entre otros items. Ante estas dificultades del pensamiento para asumir la gravedad del actual momento histórico, cabe la reflexión sobre cuáles son las causas que lo determinan. En este aspecto el libro que comentamos esboza un desarrollo que seguramente continuará en trabajos posteriores: es la globalización financiera junto a la posmodernización cultural, lo que promueve una especie de “centramiento de los signos sobre sí mismos”, y lleva a la impresión de que la realidad material hubiera eclipsado tras una densa marea de textualidades y representaciones. La virtualización de lo económico que opera en la predominancia de lo financiero, combinada con la catarata de estímulos perceptivos operada desde el creciente universo


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massmediático, hacen que el mundo se haya vuelto fábula, que la realidad sea percibida como ficción, y no diferenciada de esta última. El trabajo material, el esfuerzo físico presentes en la reproducción de la vida quedan opacados tras la saga interminable de incitaciones mediáticas al consumo, y de las operaciones financieras con tarjetas, bonos y demás representantes vicarios del dinero, los que son representación abstracta de ese abstracto que el dinero ya es con respecto de la producción material del valor. Siendo así, no es raro que la ciencia social reproduzca esta concepción desmaterializada de lo real, y ella misma se presente como textualista, ficcionalista, capaz de abandonar el conflicto concreto y la roca dura de la realidad social. De tal modo que en tiempos de marginalidad social, inseguridad cotidiana y violencia en la resolución de los conflictos internacionales (Irak no es una excepción sino un síntoma), encontramos más análisis que nunca de identidades, imaginarios, textualidades y otredades que poco nos dicen -pero mucho nos ocultan- de los conflictos más flagrantes que en esta época debemos enfrentar. Por ser un desafío polémico, entonces, La proliferación de los signos sin dudas encontrará adherentes fervorosos y críticos decididos, pues no es un libro que esté llamado a pasar con neutralidad por las encrucijadas de los difíciles escenarios contemporáneos.


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