Biografias históricas: repensando o indivíduo e o presente

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A Duquesa Valentina Harif A história da cidade de Bourges Nathan Klein A Liberdade dos Fugitivos

7 7 12 12 16

Lourenço Tigre

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Capítulo 1 - O Começo e o Fim

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Capítulo 3 – A Calmaria

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Capítulo 4 – A Tempestade

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Capítulo 5 – O Fim de Fato

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Da luta à ascensão: uma história de reviravolta Rafael Libaber Starec

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Desejo por Mudança

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Ternura e desilusão

40

Kim Rawicz

40

Ternura e Desilusão

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Cartas para Estelle

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Diário de Pensamentos pertencente á Edward

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Um diário sem fim

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Lara Arkader

62

René Apollon e sua compreensão de como o mundo a sua volta funciona Marina Mann O ideais de um soldado perante a guerra. Marina Nigri Um contexto geral em foco na história Sofia Bevilacqua Devaneios de Anne Marie: uma mulher parisiense Nina Wettreich Goldbach

73 73 79 79 86 86 92 92

Joseph Adams: a história do nascer de uma ideia que estava prestes a mudar o mundo 98 Eduardo Landau A vida de Felipe durante o século XVIII

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Felipe Mandelblat

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REVOLUÇÃO FRANCESA

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Revolução no Haiti

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Conjuração baiana

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"Se não têm pão, comam brioches" André Zajdenweber Uma história na França: François-Marie Arouet

111 111 117

Vitor Aizman

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Nestoir Trembè

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Rafael Rotstein As causas de minha vida - por John Pury Dani Dyskant Flomin A Promessa da máquina Lara Arkader Conflito fábrica-vida social Marina Mann Conto histórico passado na Revolução Industrial Luiza Averbug Zukin Desventuras da Família Crispin Paula Flanzer Londres do século XVII sob a ótica de um proletário Eduardo Landau O Vingador Asteca e o Guarda Vazio

123 129 129 135 135 140 140 145 145 150 150 157 157 163

Lourenço Tigre

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Capítulo 1 - A História

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Capítulo 2 - Os Dois Guerreiros

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Capítulo 3 - Para a Guerra?

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Capítulo 4 - A Virada

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Os Contrastes da Vida

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Kim Rawicz

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O maldito bonde

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Clara de Oliveira Pereira A vida na cidade e a cidade sem vida

179 185


Dani Flomin

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Vida imunda; Olhar puro: Relatos da infância perdida de Emily Smith numa Manchester hedionda 190 Nina Wettreich Goldbach As grandes reviravoltas na França Rafael Libaber Oliver Cart Vitor Aizman

190 195 195 201 201

Um Dia em Brighton

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Valentina Harif

206

Peter Simpson Felipe Mandelblat

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Para um novo jornalista mostrar sua cara, um velho deve permitir que isso aconteça. 216 Andre Zajdenweber A reinvenção do mundo e o avanço técnico-científico Sofia Forell

216 221 221

Uma jornada trabalhosa

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Gabriela Lahtermaher

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Introdução Como e por que alguém se responsabilizaria pelo futuro? O projeto Biografia e História: repensando o indivíduo e o presente é um estudo do tempo – em parte pesquisa, em parte ensaio – pensado a partir do indivíduo biografado, do humano em todas as suas angústias e esperanças e da vida com todos os seus acasos. Em paralelo às aulas e debates feitos em sala, ao longo do ano os alunos e alunas da turma 2001 tiveram a tarefa de biografar uma vida qualquer de um personagem verossímil. De um ponto de vista particular, relataram experiências nos continentes europeu, americano e africano, durante período entre meados do século XVIII e meados do século seguinte. Em busca de quem faz a história, a turma pôde pesquisar e imaginar as dimensões histórica e social de todo pensamento humano, e com isso refletir acerca da condição histórica e social do nosso próprio pensamento.


PRIMEIRA PARTE: 1780 Ã 1800


A Duquesa Valentina Harif

20 de Abril, 1789 Não conseguiria me imaginar como alguém que não é da nobreza. Simplesmente não nasci para trabalhar no campo, suja. Imagine ter de trabalhar, ou ter de cuidar de meus próprios filhos, ou pior, arrumar meu cabelo sem a ajuda de minhas criadas. Ser da nobreza está no meu sangue e no meu nome: Apolline significa “pertencente à Apolo”, o Deus Sol, e Delacour significa “flor da corte” ou “mulher da nobreza”. O ducado de Vendôme não é o mais rico, nem perto disso. O duque, meu marido, se esforça para me agradar, mas com a pequena quantia que ele possui, as coisas se tornam mais complicadas. Na minha opinião, a quantidade de criados e terras que apossamos é muito pequena. Acho que é por isso que Louis Phillipe nunca está presente em nosso château. Segundo ele, eu reclamo muito. Louis me trata como se eu fosse sua filha, o que é perturbador, já que ele tem a idade de meu pai; vive me dando lições, e às vezes, quando estamos discutindo, ele apenas ri e passa a mão em minha cabeça, como se fosse muito mais inteligente que eu. Estava falando sobre isso com minha amiga Marie: “Pelo menos ele ri, Apolline. Não posso ao menos levantar o tom de voz para meu marido e ele me bate. Diz que ele é o dono de tudo, que não tenho o direito de questionálo.”


Ao contrário dele, todos falam que eu sou a mais bonita de toda a França. Afinal, quem não se encantaria por meus cabelos e olhos claros? Tenho todas as qualidades perfeitas para uma menina de dezessete anos. Falo fluentemente latim, inglês e italiano, e sei cavalgar melhor que qualquer um. Ao chegar nas festas, todos olham para mim. Também me considero da família real, pois um primo de meu primo era tio-avô do rei. Se alguém é sortudo, esse alguém é Louis Phillipe. E mesmo assim ele não me dá o que eu quero, e sou obrigada a viver em meio da pobreza que esse château é. Como eu disse, se as condições que eu vivo são consideradas nobreza, imagine quem vive no campo. Sinto saudades de sete empregadas só para mim (agora só tenho quatro). A minha vida antes do casamento era muito melhor. Não que eu também amasse minha família, afinal foram eles que me venderam para o duque. Minha mãe morreu no parto, e meu pai nunca esteve presente. Mas sinto falta de um de meus irmãos, Alison. Como ele não herdaria o título da família, já que não era o mais velho, podia fazer o que quisesse. Ele era aventureiro, e cansado da vida aqui, mudou-se para os Estados Unidos da América. Não que eu saiba onde é exatamente, já que não me interesso por tais coisas. Mas Alison escreve constantemente contando o que faz por lá. O que ele me conta é sobre a guerra de independência que aconteceu. Gosto de contar as histórias para minhas criadas, enquanto elas me vestem: “Eles se vestiram de índios, dizem. Destruíram os carregamentos de chá de um navio no porto. Como castigo, a Inglaterra aumentou ainda mais os impostos, as Leis Intoleráveis. E aí começou a guerra de independência, com a França apoiando os colonos. Isso foi há muito tempo, talvez faça uns dez anos. E então, dois anos atrás eles declararam o país uma República Federativa Presidencialista.” Eu não sei o que isso quer dizer, mas falar me faz sentir inteligente. “Fizeram tudo isso para ter liberdade. Meu irmão acha engraçado, já que acompanhada com a liberdade, está a escravidão. Vocês conseguem imaginar isso acontecendo por aqui?” Elas riram. “Imaginem, uma guerra por causa de simples impostos. Não deve ser tão difícil pagar.” Bom, já está na hora de jantar. Amanhã será um longo dia, afinal, Louis Phillipe volta para casa. 20 de Maio, 1789 Muita coisa aconteceu neste último mês! Têm ficado cada vez mais frio, e com mais frio, menos colheita. Não que seja um problema para mim, continuo comendo a mesma comida de sempre. Comendo ainda mais na verdade, já que descobri que estou grávida. Mas tenho escutado boatos de que a população está insatisfeita, e que tem se revoltado. Não é problema meu, estou muito bem segura no château de Vendôme. A única coisa que Louis e eu tememos é que as revoltas cheguem aqui, já que moramos muito perto de Paris.


Eu e Phillipe comparecemos ao Desfile de Abertura dos Estados Gerais. No dia seguinte, ele teve que comparecer a Assembleia, e depois me contou tudo: “Ouvi dizer que Luís instalou os Estados Gerais tentando salvar a monarquia da falência. A última vez que a Assembleia foi reunida foi 1614. Primeiro, cada Estado se reuniu; nós discutimos o que deveria ser mudado. Fizemos uma aliança, a nobreza e o clero, assim, conseguimos o maior número de votos. Está tudo a nosso favor. Porém, acho melhor evitarmos sair do château.” Isso me deixou extremamente irritada. Acho que Louis já esperava, conseguia ver pela expressão em seu rosto. “Ou seja, você não irá mais em festas em Versalhes.” Começamos uma discussão. “Apolline, tenho certeza que você também já percebeu. Antes, quando andávamos de carruagem por Vendôme, o povo aplaudia e acenava. Hoje em dia, eles nos ignoram. Da última vez, gritaram que nos odiavam. As coisas estão mudando.” Ele passou a mão em minha cabeça, bagunçando o penteado que demorou meia hora para ser feito. Chegamos a um acordo: como não posso ir as festas, faríamos uma grande festa aqui para comemorar a gravidez. Eu cuidaria de tudo: encomendaria os doces, a Champagne, novos vestidos, e contrataria uma cantora de ópera. Sem limite para gastos. Chamei minha melhor amiga Marie para passar um tempo morando aqui, assim, ela ficaria um pouco longe do marido e me faria companhia. A festa será hoje a noite, e contará com grande parte da nobreza de Paris. Alison me escreveu novamente: contava que estava ansioso, já que logo as primeiras eleições dos Estados Unidos seriam finalizadas. 20 de Junho, 1789 Muita coisa mudou. Enquanto o Clero e a Nobreza insistem no voto por Estado, a camada mais pobre quer votos por cabeça, na Assembleia dos Estados Gerais. Não conseguiram chegar a um acordo. Os deputados do Terceiro Estado se trancaram em um salão de Versalhes usado para o jogo de Pela. Eles estão trancados lá, e dizem que só sairão quando a França adotar sua própria Constituição, se autoproclamando uma Assembleia Nacional. Espero que o governo consiga contê-los. Isto aconteceu ainda hoje! Me preocupo que nossa população se inspire neles e se revolte também.


Além disso, o filho de Marie Antoinette morreu dia quatro. Pobre coitada, deve ser difícil perder um filho em meio ao caos que a França está no momento. Digo para Louis Phillipe que tudo ficará bem, e estamos seguros aqui. Ele parece preocupado e irritado. Nunca ficou tanto tempo no château. Está passando muito tempo longe de suas milhares de amantes. Porém, decidimos abrir uma exceção e sair amanhã à noite para a ópera. Toda a corte estará lá. Alison me escreveu este mês, respondendo a carta que mandei a ele: “Querida Apolline, Sinto muito pela situação na França. Tenho falado com nosso pai, que se preocupa com você. Ele espera visita-la em breve. Duvido que a situação chegue a um nível de desespero, mas posso facilmente arranjar um jeito de trazê-los para os Estados Unidos. Assim, poderíamos nos ver novamente. Como você gosta de ler sobre histórias, vou lhe contar uma que você vai se interessar: é sobre uma guerra, conhecida como a Guerra dos Sete Anos. Envolvia os franceses contra os britânicos, como sempre. Foi principalmente uma disputa de territórios, como as Índias e a América do Norte. Podemos dizer que a Grã-Bretanha e a Prússia ganharam a guerra. E foi o chamado Tratado de Paris que a finalizou. Com essa guerra, a França e a Inglaterra saíram falidas economicamente. Assim, a Inglaterra cobrou os tais impostos aos Estados Unidos, gerando a guerra de independência. E isso também afeta você. Afinal, o motivo de todas as revoltas por toda a França é a falta de dinheiro, o aumento dos impostos. Sinto sua falta. Mal posso esperar para conhecer meu sobrinho. Atenciosamente, Alison Delacour”

Não sei se a tensão afetará a minha gravidez. Espero que não. Por mais que eu queira vez Alison, eu amo a França. Não sairia de meu país nunca. As festas, a diversão, as paisagens, tudo é perfeito. Gostaria de criar meu filho, ou filha, no território francês.


20 de Julho, 1789 A Bastilha caiu. Dia doze de julho, começaram os motins em Paris, que culminaram no dia quatorze. Uma grande multidão de operários, artesãos e lojistas invadiu os arsenais do governo e roubou armas seguindo direto para a Bastilha, que foi tomada e incendiada. Os camponeses agora invadem castelos e palácios. Depois da Queda da Bastilha, descobri que havia perdido meu filho, ou seja, não estou mais grávida. Tudo mudou: não são mais os nobres no poder, mas sim o Terceiro Estado. É uma revolução! A França que eu conhecia e amava não existe mais. É uma injustiça! Como ousam os pobres de se rebelarem? Como ousam estragarem a vida que eu mereci! Depois de todos estes acontecimentos, Louis Phillipe resolveu que nós fugiríamos. No mesmo dia, mandei uma carta para Alison, avisando que nós o encontraríamos na América, sem ao menos aguardar uma resposta. Hoje, quatro dias depois, estamos em um navio, a caminho de encontrar meu irmão. Não pude ao menos levar minhas joias e roupas, e a única coisa que tenho é meu marido. Não ouvi notícias de meu pai e meus outros irmãos, mas acredito que estejam todos mortos. Tive muita sorte de conseguir fugir, diferente de Marie, que ficou para trás. Sentirei falta dela. Muitos nobres fugiram para outros países da Europa, mas agora me sinto segura sabendo que estarei muito longe dos rebeldes da França em breve, onde não podem me alcançar. Ouvi dizer no navio que as eleições dos Estados Unidos chegaram a um fim. Agora, um homem chamado George Washington está no poder. Espero que a América seja tudo isso que falam. Sei que minha vida lá não será a mesma, já que tivemos que deixar a maioria de nossas riquezas em Vendôme, afinal, tivemos que correr, já que os rebeldes invadiram nossas terras. Sei que pelo menos que será melhor do que ter ficado na França. Não sei como essa revolução vai acabar, mas tenho certeza que eu antigo país afundará na rebeldia e na sujeira dos camponeses. 20 de Dezembro de 1792 Me adaptar a uma cultura totalmente diferente foi muito difícil para mim. No início, eu e Phillipe não fomos muito bem aceitos, mas com a ajuda de Alison conseguimos lidar com tudo. Hoje, moramos em uma casa em Virginia, com dois filhos.


Escuto constantemente notícias sobre a situação na França, e sobre como a revolução continua acontecendo. Houve oficialmente a queda da monarquia, e o rei e a rainha foram presos, e provavelmente serão mortos. Estão em guerra contra a Áustria e a Prússia, e os outros países da Europa demonstram grande insatisfação em relação à revolução. Em setembro, houveram vários massacres e muitas pessoas foram mortas. Conto para meus filhos sobre como a França era, e não como é hoje. Sobre as riquezas, as festas, os palácios, os doces, as roupas, as vistas e a diversão. Sobre como tudo isso não existe mais hoje em dia. Conto que se pudesse, lhes daria vários criados para lhes vestirem e lhes servirem. Tento ensiná-los francês, na esperança de que um dia possamos voltar, e ter tudo que tínhamos. Devo ir então, pois agora botarei meus filhos para dormir, contando histórias de minha infância para maravilhá-los assim como ficava maravilhada com as histórias de Alison, que para mim não pareciam reais. Me despeço para sempre, com a esperança de uma França melhor e mais justa.

Bibliografia: http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/historiageral/a-crise-prerevolucionaria.htm https://pt.wikipedia.org/wiki/Nobreza_da_Fran%C3%A7a https://pt.wikipedia.org/wiki/Margarida_de_Lorena https://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_Francesa http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/21633/hoje+na+historia+1789++em+meio+a+crise+economica+rei+luis+xvi+instala+os+estados+gerais+na+franca.shtml https://www.infoenem.com.br/entenda-o-processo-de-independencia-das-treze-colonias-inglesas/ https://pt.wikipedia.org/wiki/Assembleia_Nacional_Constituinte_Francesa_(1789) https://pt.wikipedia.org/wiki/Elei%C3%A7%C3%A3o_presidencial_nos_Estados_Unidos_em_1789 http://revolucao-francesa.info/assembleia-nacional-constituinte.html http://www.dw.com/pt-br/1789-queda-da-bastilha/a-591877 https://www.suapesquisa.com/guerras/guerra_sete_anos.htm https://www.infoescola.com/historia/queda-da-bastilha/

A história da cidade de Bourges

Nathan Klein


O século já começa mal, em particular no aspecto climático. em 1707, o sino da igreja de Saint Pierre é derrubada por um terrível furacão e dois anos mais tarde, no 6 de janeiro de 1709 começa o primeiro dia do inverno glacial causadora da grande escassez de comida em toda a região de Berry. Devido às geadas do inverno as árvores foi necessário abater as árvores. Mais tarde, em 1754, no 18 de fevereiro, um outro terrível furacão cai sobre a Santa Capela de Bourges, capital de Berry. E foi o Rei Louis XV que manda derrubá-la sob o pedido do arcebispo cardeal François de La Rochefoucauld, por causa de risco iminente de desmoronar. Se mantendo na “pequena história local”, em 1714 ocorre uma inadimplência em relação aos impostos por parte da população, particularmente o da talha. E foi no 17 de fevereiro de 1715 que violentos incidentes estouram… na catedral Saint Etienne. Denys Dodart tinha desaparecido da memória dos habitantes de Berry, mesmo já tendo sido administrador da província durante 40 anos. Ele era como seu pai, médico. Esse último foi o primeiro médico do Rei Louis XV. Já, o filho, tinha organizado cursos de obstetrícia em Bourges. Foi ele também quem tinha tomado a decisão de derrubar a Saint Chapelle que tinha sido danificada pelo furacão. Ele vai criar em uma região que foi arrasada e esquecida por Paris (e Versalhes), uma zona de agricultura e, favorecer a cultura do linho e da amora. Assim, ele encomenda da região de Avignon 2000 pés de amoras brancos a fim de plantá-los em volta do Hospital geral (atual bairro de Taillegrain). Tornou-se então fundador de uma manufatura de roupas leves, que foi chamada de “les Indiennes”. Denys tenta acordar Bourges, mais essa já tinha entrado em uma doce letargia. Foi também durante esses seus dias ali que aconteceu o episódio do exilamento dos parlamentares à Bourges. Em 1749, sob as ordens de Louis XV, e pelo pedido de Mme de Pompadour, o conde de Maurepas, que era secretário do Estado na Casa do Rei desde 1718, é exilado à Bourges. Mais tarde, no 8 de maio de 1753, o rei exila dessa vez 28 conselheiros ao Parlamento de Paris que tinham se posicionado em relação a famosa controvérsia causada pela bula papal “Unigenitus” sobre a jurisdição eclesiástica e o direito a protestos contra o Parlamento. Logicamente o rei recusa essa bula, e o exílio… é para Bourges! Todos lá vestiam-se de roupas escuras, se viraram para arrumar moradia e se entediavam bastante. Versalhes lhes haviam apelidados “os loucos de Bourges”. Porém essa pequena vila tinha uma vantagem, um tanto relativa, ela ficava apenas a 5 dias de carroça de Paris. Mas a vida lá era bastante sem graça, a universidade não funcionava fazia um tempo e a nobreza era pobre. Foi o nascimento do Duc de Berry, futuro Louis


XVI que ocasionou, no dia 1° de setembro, uma clemência real, reinserindo os parlamentares exilados de volta para a capital. Tentativas de melhorar a situação de Bourges foram até mesmo feitas, porém, infelizmente, sem muito resultado… . O segundo grande administrador de Berry era Dupré de Saint Maur, filho do dono de um feudo em Brinon. Ele foi autor de um grande projeto. Primeiro ele queria fazer a reforma da talha e da corveia, mas isso terá de esperar até a Revolução Francesa. Em seguida, ele quis ligar as províncias Turgot e Limousin ao resto do país. Para isso, ele propôs dois grandes eixos rodoviários. a primeira via passando do oceano para a Alemanha passando por Châteauroux, Issoudun,Bourges, La Charité... etc. A outra, indo do Norte para o Sul, passando por Paris, Fontainebleau, Gien, Bourges, Guéret, Toulouse… . O conselho do rei aprovou esse vasto projeto rodoviário, mas que nunca saíu do papel. Sob o reino de Louis XVI, esse foi o fim dos administradores, e a miséria que cresceu. A província de Berry se estagna. Um texto da época até diz: " Traversez le Bourbonnais, pour aller à Bourges, la Sologne de Vatan à Sully, et vous verrez la misère la plus triste, la plus dénuée, des hommes desséchés par le travail, des femmes vieilles à 25 ans, des enfants malsains et malpropres et cette indifférence pour la vie et qui accuse toujours le gouvernement". Tradução: “ Atravessam o Bourbonnais, para ir à Bourges, a Sologne de Vatan para Sully, e vocês verão a miséria a mais triste, a mais sem graça, homens consumidos pelo trabalho, mulheres velhas com 25 anos, crianças mal de saúde e sujas e essa indiferença pela vida e que acusa sempre o governo”. Em seguida, vem a Revolução Francesa…


Atual Bourges vista de cima com sua catedral Saint-Etienne


A Liberdade dos Fugitivos Lourenço Tigre

Capitulo 1 - O Começo e o Fim Com apenas 20 anos eu tranquei meu destino ao cometer um assassinato, pois quem o comete um morrera por outro. Meu nome é John Browen e sou inglês, ou era, pois infelizmente para mim e para Merle, eu descobri que o mesmo era um espião francês, o que o fez me atacar por impulso, e eu com reflexos rápidos, saquei minha faca de bolso, um presente muito importante para mim. Merle foi de encontro com a lamina que penetrou sua face enquanto seus braços me alcançavam mas sua morte foi rápida, e seu corpo caiu no chão logo após eu tirar a faca do meio de seus olhos. Nós eramos soldados e estávamos em guerra contra a frança, eu não podia deixar ele se safar e ele não podia deixar eu abrir a boca, mas a luta foi rápida e eu sai vitorioso, embora o choque de matar alguém pela primeira vez me fez cair no chão, nunca me senti daquele jeito durante esses anos de guerra. Sem provas de que ele era um espião, apenas meu testemunho, decidi deixar um bilhete contando a situação a quem encontrasse o corpo e fugi, agora eu era um desertor e fui para a única casa que posso chamar de minha, embora não por muito tempo, nela mora meu avô e ele foi quem me deu a faca, ela é um presente de família importante. Contei ao meu avô a situação brevemente e ele sem pestanejar me ajudou a fazer uma pequena mala, e então me disse;


-Vá, vá e não volte, ao menos você não vera seu velho partir primeiro. Com lágrimas nos olhos eu agradeci meu avô e me despedi para seguir meu caminho, as autoridades britânicas já deveriam estar no meu encalço, eu deveria agir rápido, e como eu não conseguiria descansar na Inglaterra decidi ir ao porto e partir imediatamente, eu não tinha prova, mas tinha convicção de que eu sobreviveria a viagem. Na Inglaterra minha vida chegava ao fim, mas era só um começo para a minha vida em outro lugar do mundo. Meu nome é Ogun, e para vocês eu posso ser apenas mais um negro, enquanto para outros eu posso ser um exemplo. Eu fazia parte de uma aldeia muita forte, embora, muito sensata, preferíamos o dialogo a guerra, e as outras aldeias tinham confiança em nós como mediadores para conflitos e todas as aldeias reconheciam que a minha aldeia era um bom lugar para debates e discussões, para qualquer assunto que envolvesse as aldeias, pode se dizer que aquela terra era pacifica embora maior parte dos habitantes fossem fortes e rápidos, com habilidades em caça e combate excepcionais. Minha aldeia era muito hospitaleira, e um dia recebemos um grupo de viajantes bem estranho, eram brancos, com muitas roupas e falavam outra língua, mas isso não foi suficiente para impedir que nós conseguíssemos falar com eles, aprendemos a língua deles rapidamente, e eles fizeram o mesmo com a nossa, e então eles se tornaram tão próximos que era quase como se tivessem nascido conosco. Dentre eles, eu fiz um grande amigo, Thomas Stanford, um tanto fraco, mas muito inteligente, e ele era muito engraçado. Nossa aldeia estava muito animada e as outras aldeias gostaram dos visitantes, mas os demônios vieram para destruir tudo. Numa noite, as sentinelas de minha aldeia foram mortos em um piscar de olhos quando um rugido muito alto soou, e Thomas e seus amigos reconheceram aquele som, era o disparo de uma “arma”, os ingleses possuíam essas armas mas nunca tinham usado elas em nossa presença, mas eles reagiram rápido e nós também, era um ataque surpresa feito por algum povo que Thomas nomeou eles como “Espanhóis”. A batalha foi unilateral, os espanhóis mataram os ingleses primeiro e atearam fogo em nossa aldeia, os sobreviventes foram capturados. Acordei com muito enjoo e o chão estava balançado, foi quando me deparei com correntes e meus amigos, que estavam acorrentados também, e ao meu redor estavam quatro paredes sem aberturas, apenas o teto tinha uma abertura por onde os demônios nos alimentavam, nos mantinham em cativeiro, fornecendo seus restos para que não morrêssemos de fome.


Minha vida tinha acabo, eu não tinha mais casa ou nome, tudo isso era controlado pelos demônios.

Acordei, exausto, destruído física e mentalmente, só sentia tristeza em meus familiares mortos na batalha mais sangrenta que ocorrera na historia de meu povo, meu povo era a grande família da qual fiz parte e liderei, éramos fortes, e nós achávamos invencíveis, mas muitas outras tribos corrompidas pela ganancia, pelo ódio e com sede de poder se uniram e atacaram a minha família. O ataque resultou numa batalha sangrenta onde minha família saiu vitoriosa, mas apenas por um homem, eu, Raoni Ubiratan. Nosso contra-ataque foi efetivo, e embora estivéssemos em menor número, nossas habilidades de combate eram melhores, minha lança perfurou o campo e me encontrei atrás do inimigo, que caia agora atrás de mim, mas matava meus familiares. Minha tribo foi destruída, meu povo se encontrava em extinção e eu era órfão, minha alma morreu junto de meus familiares, dando um fim a minha vida, mas meu corpo se mexia, em busca de um começo, com fome de viver. Não sei por que os deuses me deixaram na terra, sozinho, o único motivo de minha sobrevivência no campo foi meu poder de luta ser mais de 8000, eu carrego a força daqueles guerreiros que transcenderam aos céus e devia proteger minha família, mas eu falhei, meu corpo resistente e minha força, assim como a força de minha família, destroçou os atacantes, mas apenas eu sobrevivi, com a dor que traz o coração. Eu não podia fazer nada além de chorar e andar, mas eu pensava que o acaso vai me proteger em minha viajem sem sentido, sem destino, onde eu seguia a direção do nascer do sol, mas não tinha noção de tempo. Certo momento encontrei um alazão, facilitando meu trabalho e minha viagem, tirando o peso de meu corpo de minhas pernas e pondo sobre ele. Depois de uma longa viajem, meu companheiro sem nome desabou sem forças para continuar, como eu, mas seu relincho atraio a atenção de um homem, tentei falar algo, mas minha boca não se mexeu e minha consciência apagou-se. Acordei rodeado de cavalos, deitado em feno, faminto e sozinho, decidi me levantar e sair, mas antes disso um homem entrou no alojamento; -

Dormiste bem meu camarada? Você parecia exausto, espero que tenha gostado do estabulo Então eu respodi;


-

Suponho que devo lhe agradecer, salvaste minha vida sem sentido, eu devo me apresentar, sou Raoni, não tenho pra onde voltar ou pra onde ir

-

Meu nome é Clint, se você quiser, pode trocar de roupa e comer algo, venha eu vou lhe mostrar a cidade.

Capitulo 2 - As 13 Colônias Minha viagem foi exaustiva, viver semanas, ou até mais tempo escondido em um navio! Quem já pensou nisso? Não quero contar minhas experiencias naquele trambolho balançante, o que importa é que eu cheguei a salvo em um lugar chamado Virginia, onde um homem chamado Jean Carter reparou minha presença, era tão novo quanto eu, por volta dos 20 anos. -

Olá forasteiro, tudo bem com você? – A pergunta não me surpreendeu, eu estava faminto e horrível.

-

Estou exausto da viagem, minha primeira em um navio, obrigado por perguntar, vim reconstruir minha vida, e acho que... ãh... Virginia é o local certo para este recomeço.

-

Maz ahh! Assim que se fala amigo, o doutor precisa de ajuda, ele vai ficar feliz de saber que tem um jovem novo na cidade, e vai sair do meu pé, hahaha. A propósito, me nome é Jean Carter, um prazer.

-

Meu nome é John Browen (hesitei durante um segundo, não queria falar meu nome), conto com você Carter!

-

John... que nome bacana, quem sabe um descendente meu não tenha esse nome, John Carter! (ele falava isso para mim como se seu descendente fosse ir para outro planeta). Ele me levou até a pousada e pediu a Dona Carmem pra me deixar ficar

aquela noite, e com um sorriso e uma voz um tanto rouca a senhora concordou, o que me deixou alegre, mas por pouco tempo pois assim que pude, fui de encontro com a cama para repousar. Ao acordar percebi que Carter tinha arrumado umas coisas para mim, e decide procurá-lo e aproveitar para olhar a cidade, mas assim que eu sai um homem veio em minha direção.


-

Ei você, espere, você é John Browen? – ele falava rápido, empolgado e estava ofegante – eu tenho uma proposta para você, venha me ajudar em meu consultório médico!

-

Quem é você e como me conhece?

-

Sou o Dr. Schultz, uma ótimo medico, embora seja ótimo com uma arma também, as vezes ajudo a policia local a pegar uns bandidos sabe? – (meu corpo estremecera ao ouvir aquilo) – alguns me chamam de caçador de recompensas, eu gosto do titulo, espero que meus descendentes sejam que nem eu. – (ele tinha um sotaque estranho enquanto falava o que me deixou curioso)

-

O senhor nasceu aonde? – vendo minhas intenções ele respondeu rapidamente

-

Nasci na Alemanha, o meu sotaque o incomoda?

-

De forma alguma, seu sotaque me agrada. Eu vou aceitar sua proposta, podemos terminar a conversa enquanto me mostra seu estabelecimento? Meus companheiros e eu fomos chicoteados para fora do navio, estávamos em

um lugar onde éramos expostos, ganhávamos um nome e um novo monstro para nos alimentar e nos criar como um bichinho de estimação, embora era decidido através de um preço, dinheiro, uma coisa ofensiva aos deuses que meu povo tinha abolido. Eu fui vendido por um preço alto, meu físico era bom e eu era jovem, e isso me assustava, eu não sabia oque queriam de mim, mas eu estava pronto para trabalhar arduamente se fosse melhorar minha reputação com meu novo “senhor”. Quando a noite caiu, eu não tinha trabalhado nada, e foi ai que outro senhor adentrou a mansão de meu senhor com um homem forte e de pele escura como a minha, e eles decidiram nos por para lutar até a morte, como entretenimento para eles! Minha raiva era grande devido a situação, o que me fez derrotar meu oponente, sem mata-lo felizmente, mas isso não impediu que o senhor dele o matasse com um tiro de arma na cabeça, e, meu senhor, me atacava por ser fraco de espirito, embora meu espirito se mantinha forte! Mesmo em meio aquele pesadelo. No dia seguinte, enquanto estávamos na cidade, gritos e chamas surgiram do nada, o que me fez entrar em colapso com as memorias de minha terra, mas recobrei a consciência quando um povo que parecia o meu, apareceu para eliminar aqueles demônios e libertar todos que se encontravam na mesma situação que eu. Sem pensar, eu corri, corri até não aguentar, vendo o fogo ao longe quando virava minha cabeça. Depois de correr muito, comecei a pensar sobre aquele povo, meio preto meio branco que me salvara, vinham a cavalo com armamentos como os meus, mas


também possuíam armas. Seguindo viajem, me deparei com uma placa que tinha a palavra “Geórgia” nela, embora eu não soubesse o significado ainda, continuei andando e encontrei uma estranha construção com escritas nas pedras, aquilo me deu um susto, mas apreciei aquilo por um momento e decidi dormir ali. Clint me levara a cidade e me apresentara a todos, que eram muito gentis comigo, embora eu tivesse fracassado em proteger meu povo e fugi do atormento de sua morte. Contei a Clint minha história, sobre meu vilarejo “irọra ti o ni ẹdun” e sobre mim. Clint não acreditava no que ouvia, ele tirou seu chapéu para mostrar respeito, deixando seus cabelos longos e loiros caírem sobre seu rosto enquanto se curvava e depois me abraçou. -

Se você não tem para onde ir, fique conosco, seja bem-vindo a Geórgia Raoni. Passei algumas semanas auxiliando o povo com todo trabalho possível, até me

consideraram parte da família, o que me deixou alegre e triste, uma família novamente seria uma coisa boa para mim? ---Clint me mostrara sua religião, ele acreditava em escrituras sagradas sobre as estrelas escritas em pedras grandes que formavam uma construção um tanto estranha, mas bonita. Clint me disse que queria ser o xerife da cidade, para proteger a todos como Washington (atual xerife) fazia, e eu sabia que ambos eram ótimos em tiro ao alvo, afinal, caçavam para a cidade e realizavam os trabalhos manuais mais pesados, tendo corpos fortes, assim como o meu. A vila me acolheu bem, e me falaram que não eram a favor da escravidão, usar mão de obra negra para seus planos e tortura-los, o que na minha opinião era o certo, pois eu via todos como iguais, até mesmo meus inimigos, talvez de fato eu fosse muito carinhoso, como o nome de minha aldeia fala. (“irọra ti o ni ẹdun”) A horta ia bem, tínhamos água, e o vilarejo era prospero, recebendo poucos visitantes que vinham da costa, mas um dia, um homem negro apareceu, extremamente ferido e cansado, me lembrava eu, e aquilo me assustou. Clint o socorreu, e eu fiz o mesmo, embora seus ferimentos fossem graves, ele acordou na noite daquele dia, e me agradeceu por salva-lo, eu suspeitei que outros como eu o tivessem salvado da escravidão, seu nome era Ogun, e em seus olhos eu via o terror da morte o seguindo. Clint, depois de muito discutir comigo, me convenceu a ir embora com Ogun, mesmo que eu não quisesse partir, se os espanhóis retalhassem o ataque de indígenas


como eu, e era isso que Ogun temia também, ele explicou a situação a cidade, que se preparou para o confronto enquanto nós fugíamos.

Capitulo 3 – A Calmaria Passaram-se varios anos, a guerra acabou e nós colonos não recebemos permissão para ocupar as terras da França ao norte, e a Inglaterra começou a cobrar taxas pela importação do açúcar, pela venda de jornais e documentos, e agora, éramos obrigados a permitir que soldados britânicos adentrassem nossas casas. Tentamos fazer a Inglaterra entender nossa situação, protestando, mas logo depois recebemos mais taxas sobre outros produtos. Eu tinha uma casa e agora trabalhava muito bem com o Dr. Schultz que teve um filho nesses anos, um garoto que sempre nos seguia, e quando não o esperávamos ele gritava: “Esqueceram de mim”, e então nós parávamos para que ele nos alcançasse. Devido aos impostos, todos na cidade tinham problemas para resolver, mas éramos muito unidos e generosos com viajantes e até mesmo com os visitantes da Inglaterra, por mais que alguns nos menosprezassem. Vocês leitores devem estar se perguntando o que ocorreu nesses últimos anos, e eu não queria desapontá-los, mas não aconteceu muita coisa após o fim da guerra. Atualmente estamos passando por um período chato de burocracia onde a Inglaterra não nos permite ter um representante no parlamento e aprovam leis prejudiciais a nós uma atrás da outra. Sobre minha vida, eu tenho aprendido muitas coisas e me tornado uma pessoa melhor, parei de ter pesadelos, dos quais nunca mencionei a ninguém mas me sinto a vontade para divulgar agora, embora, com minha mãos manchadas de sangue eu tenha muito receio em construir relacionamentos amorosos, mas minha mulher não se importa com o que eu tenha feito, apenas com o futuro, seu nome é Charlote, e estamos vivendo muito bem, tivemos uma filha recentemente, Rebeca, só quero que ela possa viver em um mundo melhor, mas o futuro que se aproxima é de difícil previsão. Durante esses últimos anos eu tenho vivido sozinho com meu amigo, irmão e salvador, Raoni, e mesmo morando afastados da cidade, nós sobrevivemos e construímos um ótimo lar, uma casa no pé da montanha protegida de chuva e perto de uma caverna com uma abertura do outro lado dividindo a mesmo para dentro da montanha e para o chão mais baixo e plano onde fizemos nossa plantação. Conseguimos socializar com os moradores das duas cidades mais próximas, e os auxiliamos em vários trabalhos, melhorando nossa reputação, afinal, nem todos os


colonos são como Clint, o amigo de Raoni. Por falar em Clint, nunca conseguimos informações sobre ele após a destruição da cidade, mas surpreendentemente, ele nos achara a alguns dias, e ainda temos muito que conversar. Clint foi um dos poucos que sobreviveram aos ataques, o reforço eliminou todos os espanhóis, mas não eliminou a raiva de Clint, que decidiu nos encontrar enquanto caçava recompensas para aliviar sua raiva, embora as cidades o vissem como justiceiro que ajudava a combater invasores e malfeitores, ele não pensava assim. Um sorriso gelado e lagrimas que pareciam ser feitas de lava apareceram no rosto de Clint quando o mesmo se deparou conosco, embora eu não conhecera Clint por mais de 3 dias, Raoni o conheceu por semanas, e eu sabia que ele era da família, a minha nova família, um tanto pequena, mas muito boa. Clint estava mais robusto, quase tão forte quanto nós, e ainda tinha uma pontaria ótima, um exímio caçador, embora fizesse muito barulho após abater o primeiro animal. Clint percebera que tínhamos cicatrizes e então contamos sobre as batalhas durante esses 8 anos até que nos estabelecêssemos. Raoni quis contar sobre a invasão fracassada de uma tribo indígena em uma cidade que estávamos de passagem. Ao ver Raoni, os invasores estremeceram e Raoni investiu com força, permitindo um contraataque dos habitantes locais, mas sozinho Raoni abatera os 5 primeiros guerreiros, mesmo tendo sido golpeado e acertado por flechas dos demais invasores. Raoni me falara que aqueles eram de uma tribo inimiga, que ele achou ter extinguido em uma batalha a muito tempo. Soubemos que uma nova lei viria a ser aprovada, chamada de “lei do chá”, o que prejudicaria muito as colônias, e devido a isso, começamos a nós mover, decidimos ir a Boston, eu e o Dr.Schultz, para averiguar a situação, e após alguns dias de viajem, a lei de fato tinha ocorrido e presenciamos o saqueamento de um navio inglês, e embora parecesse certo ajudar, eu sabia que uma resistência estava se formando. As pessoas da cidade não se mobilizaram pela Inglaterra, pois alguns anos atrás houve um massacre em Boston realizado por soldados britânicos. Dr. Schultz tinha muitos contatos, isso eu aprendera nesses últimos anos, e ao encontrar um conhecido, ele bateu um papo rapidamente antes de irmãos para um prédio e adentrarmos uma passagem escondida, onde uma mesa redonda e 12 cadeiras, embora só algumas estavam ocupadas, nos esperavam. Dr. Schultz sentou em uma cadeira onde estava escrito Virginia, e de fato, ele era o representante da rebelião na Virginia, o que me fez pensar se as outras cadeiras eram para outros representantes. Um homem alto começou a falar quando o silencio voltou a sala, ele falava devagar e parecia muito sábio;


-

Então, devemos cortar Geórgia de fato, é arriscado demais confiar neles, sinto muito a aqueles que queriam a presença de Geórgia aqui, mas eles são muito fies a Inglaterra, então está távola redonda permanecera com 12 cadeiras.

-

Dr. Schultz me explicou a situação após a conferência, e de fato, as colônias estavam no caminho de se reunirem. Já estava chegando o fim de ano e uma grande reunião estava para ocorrer no ano seguinte.

Capitulo 4 – A Tempestade Expandimos a casa e Clint passou a viver conosco, o que me deixou feliz, mas por apenas alguns meses pois, eu me perguntara o que fez Clint deixar Geórgia e nos procurar entre as Carolinas. Arranquei a informação dele delicadamente para não causar incômodo. Clint me falara sobre os problemas que a Inglaterra causava e ainda sim a Geórgia permanecia fiel, então ele decidiu se juntar a rebelião, uma da qual não sabíamos, mas de fato parecia importante, então ofereci minha ajuda e Ogun ficou convencido a ajudar também. Clint nos levou para a capital da Carolina do Norte e nos mostrou a rebelião, dentre os membros presentes na base, Clint reconhecera alguns, e dentre eles estava o Xerife Washington, que participou da reunião, nos cumprimentou e acompanhou a gente juntamente do representante da Carolina do Norte até a Filadélfia para a primeira reunião com todos os representantes de Colônias (tirando a Geórgia). No congresso continental foi discutido o boicote a mercadorias inglesas, e todos concordaram em intensificar esse boicote. Uma petição ao rei Jorge III foi feita, e sendo bem provável que ela fosse negada, foi marcado um segundo congresso continental para o ano seguinte, e para finalizar o congresso, foi discutido e decidido que as colônias recusariam tantas leis intoleráveis que foram aprovadas nos últimos anos. Depois que a reunião acabou, Dr. Schultz foi ao bar com um amigo, Washington, que nos apresentara Clint, Ogun e Raoni, o que me espantou foi a variedade de pessoas, mas era bom saber que mais gente se juntava a causa, e é correto afirmar que cada dia que passo me importo mais com essa rebelião. Ogun e Raoni me intrigavam, o que me fez ter um longo diálogo com eles, durante quase a noite toda, onde cada um contou suas histórias de como vivera até chegar ali, no presente, e devo dizer que suas histórias eram parecidas, e muito mais trágicas do que a minha, o que me fez me sentir um covarde olhando para eles e para Clint, percebi que meu físico tinha amolecido e eu já não era mais um bom soldado, então pedi para treinar com eles, assim poderíamos passar mas tempo juntos e eu iria me fortalecer com eles. Clint foi o primeiro a me aceitar, pois ele pensava como eu, quanto mais melhor, embora


Raoni estivesse pensando bastante, Ogun tirou a duvida de sua cabeça e todos aceitaram minha proposta. Ainda no bar, de conversa a fora, de algum jeito Clint, Dr Schultz e Washington decidiram ver quem atirava melhor, e a disputa foi estupidamente acirrada, sendo Washington o vencedor, Schultz o segundo lugar e Clint em terceiro, mas todos sabiam que aqueles três eram os melhores atiradores possíveis. As colônias se prepararam para uma guerra iminente e nós ficamos mais fortes e unidos enquanto esperávamos pela resposta do conselho britânico, que finalmente veio, negando nossas exigências e nos declarando uma rebelião. A segunda conferência continental foi organizada e nela decidimos resistir com força aos britânicos, então formamos o exército continental liderado por George Washington e suspenderíamos as leis que a população não podia suportar. Depois da conferência, podemos dizer que a guerra começou pois realizamos três ataques muito efetivos com baixas quase nulas embora o número de feridos. Esses ataques seriam as batalhas de “Bunker Hill, Lexington e Concord”. Como estávamos bem preparados, conseguimos declarar a independência no ano seguinte, mas tivemos que infernizar e aguentar a Inglaterra durante mais 7 anos para sermos reconhecidos.

Capitulo 5 – O Fim de Fato Após a libertação das colônias da Inglaterra, nem todos me aceitavam como eu era, afinal, meus companheiros ainda eram escravos, por isso decidi viajar sozinho rumo ao sul e tentar libertá-los, então deixei Raoni, Clint, Washington, Schultz e Browen seguirem seus rumos, pois eu me separava ali. Raoni quis me acompanhar, mas eu o detive, afinal, não queria envolve-lo. Browen e Schultz voltariam para Virginia, enquanto Clint ficaria pela cidade com Washington, e Raoni voltaria para casa, era o que eu queria, que ele esperasse minha volta. Suponho que Browen e Schultz tenham gostado de encontrar suas famílias, assim como sei que Clint não descansaria enquanto não fosse tão habilidoso quanto Washington. Devido a isso, eu percebi que todos éramos livres para escolher nossos fins, então fui a procura de outros como eu, que vieram para cá como escravos, para que eles pudessem ter um final a própria escolha.

Da luta à ascensão: uma história de reviravolta


Rafael Libaber Starec

Pequeno esclarecimento: o que se passará na história não é de meu agrado, mas sim o que imagino que seja uma possível história que se passaria no período do século XVIII. Agora sim a história irá começar...

Sou um homem que pode dizer que viveu para contar boas histórias. Meu nome é Oliver e fazia parte do exército francês na famosa Guerra dos Sete Anos. Participei das batalhas mais duras contra os exércitos ingleses, portugueses e prussianos. Os ingleses, nossos principais inimigos em batalha, sempre competindo em quesitos econômicos, políticos e bélicos conosco, até saindo vencedores ao final do conflito. Era um homem muito orgulhoso por meus feitos pelo exército francês, ganhando muito respeito pela região de Reims, cidade que morava, perto da capital Paris. Vivíamos de sustento na plantação. Apesar de minha confiança e gosto pelo que fazia, deixar meu país e principalmente minha família composta por minha bela mulher Anne e meus três filhos Jean, Thierry e François, no qual o último tinha apenas dois anos de idade. Deixálos era uma missão emocionalmente desafiadora, mas tendo em mente que não estava indo por motivos egoístas, mas sim para representar meu povo e contribuir em nossas batalhas, me senti como se todos os franceses estivessem me empurrando para a batalha. Esse pensamento me deixava empolgado para participar de batalhas, quase até esquecendo o fato da morte estar presente como um risco real e constante quando indo para confrontos intensos como os que participei. Mesmo depois de pensar nisso, obviamente quis dar um tipo de último depoimento para minha querida família antes de partir, já que possivelmente não voltaria, mas certamente os deixaria por uma quantidade extensa de tempo. Prometi a meus filhos e Anne que voltaria vencedor da guerra e que lhes recompensaria com o amor e carinho que faltaria no período em que estaria ausente em


guerra. Tive o pequeno privilégio de poder embarcar para o conflito somente em 1758, indo para a batalha de Krefeld, que aconteceu por volta da metade do ano de 1758, como suporte às tropas Hanoverianas, que confrontavam os poderosos prussianos, afortunadamente consegui, além de sair vivo do conflito sem sérias feridas ou lesões consegui também contribuir com a eliminação de dois soldados prussianos. Para nós, soldado, eliminar inimigos era uma honra, apesar de parecer estranho para quem não sente ou nunca sentiu o sentimento de precisar “matar para não morrer”. Guerras infelizmente consistem nesse conceito. Após o término do confronto me sentia extremamente realizado, como se tivesse salvado o mundo, tendo o orgulho de poder defender meu país e ainda poder contar esta história para minha família e amigos parecia ser o desfecho perfeito. Retorno a cidade de Reims depois de três anos e descobri que afinal aquele cenário tinha se desmontado em poucos segundos, quando imaginei que minha família iria me receber com uma alegria incomparável tanto quanto estava alegre de revê-los. Foi um momento muito especial, mas logo me deparei com um ar de tristeza e principalmente, não tinha visto meu primogênito, Jean. Algo havia acontecido e era algo possivelmente grave. Depois de falar com Anne, Thierry e François, perguntei á sós para Anne por que nosso filho mais velho que teria exatamente 18 anos, Jean, não estava em casa. Passaram-se muitos sentimentos vindo de medo até uma possível esperança de que algo bom havia acontecido com o mesmo. Quando recebi a resposta senti meu corpo ser destruído por dentro e minhas lágrimas representaram este sentimento por fora. Anne me contou que apenas dois dias após minha partida, um homem que morava na cidade, não muito longe de onde morávamos havia naquela madrugada invadido a casa e sequestrado Jean de forma silenciosa, fazendo com que ninguém ouvisse algum barulho e não acordasse. O homem, que nunca havia trocado palavras e somente olhares um tanto intimidadores comigo e meus familiares, mas nada amedrontador, também deixou uma carta que Anne viu na manhã seguinte, logo ao acordar. Esta carta dizia que se Anne quisesse seu filho de volta deveria ir sozinha para a casa do cretino no dia seguinte exatamente às duas horas da manhã. Apesar de sentir muito medo, Anne foi até a casa do homem no dia e horário mencionados na carta. Quando entrou na casa que estava com a porta préviamente aberta, ouviu uma voz amedrontadora: -

FECHE A PORTA! Anne instantaneamente bateu a porta sem pensar duas vezes e ouviu a

voz de novo: -

VENHA ATÉ MIM! Anne, mesmo tremendo foi andando lentamente em direção à voz e a

ouviu de novo:


-

ENTRE NO QUARTO! Anne entrou no quarto que estava á sua frente e lá estava o homem em pé

com uma faca na mão ao lado de Jean, que se encontrava sentado em uma cadeira amarrado. Rapidamente Anne disse: -

Solte-o agora!

-

Por que o faria?

-

Pois ele é meu filho e deve ser libertado. Afinal, por que você me fez vir até aqui sabendo que ia encontrar meu filho, além de querer me devolvê-lo?

-

Eu a fiz vir até aqui para lhe fazer uma simples proposta: liberarei seu filho com uma condição, ele irá agora para casa, se…

-

Sim, aceito! Posso lhe pagar em ovelhas, em comidas, o que você quiser, só me devolva meu filho.

-

Você não me deixou terminar. Minha proposta é de que deixarei seu filho voltar para casa se você dormir esta noite comigo, aqui mesmo.

-

Como assim? Que tipo de proposta é essa? Que absurdo! Deve haver outra maneira de você libertar meu filho Jean, como disse anteriormente, posso lhe pagar em diversos recursos. Alimentos, animais, você pode decidir.

-

Minha proposta já foi feita, ou você aceita ou eu mato Jean agora mesmo, com esta faca que está na minha mão, na frente de seus olhos. Após um minuto de silêncio total, Anne não teve outra escolha, aceitou a

maldita proposta daquele cretino. Ao menos como prometido, Jean foi libertado e foi para casa, sem nem poder trocar palavras com a mãe que nem podia se sentir feliz de ter seu filho libertado. Anne só conseguiu dizer mais uma coisa: -Vamos acabar logo com isso, seu cretino! O resto só precisa ser contado a partir do dia seguinte. Anne voltou para casa e só voltaria a pensar realmente sobre tudo e voltar à sua rotina uma semana depois do acontecido. A única coisa que ela me contou que lembra dentro deste período de hiato é que no dia seguinte a casa do homem em que Anne havia dormido no dia anterior estava pegando fogo e o homem não havia sido encontrado na cidade nunca mais. Após este baque fiquei aproximadamente 20 minutos sem falar nada ao lado de Anne, nós dois mudos, olhando um para o outro sem mostrar algum tipo de sentimento. Quando voltei a pensar efetivamente perguntei para minha mulher: -

Mas e Jean, onde está?


-

Ele sentiu um ódio descomunal pelo homem que até hoje não conseguimos encontrar nem descobrir o nome. Por isso, desde então sai de casa duas vezes por semana na procura de informações sobre o homem, para um dia ter seu momento de vingança. Pensei um pouco e defini que iria acompanhar meu filho na missão de encontrar

o homem e mostrar para ele o que acontece com pessoas cruéis. No dia seguinte Jean voltou para casa, falei com ele, disse que já sabia da situação e que o ajudaria na missão pela vingança. Definimos quem voltaria quando para casa, pois tínhamos que garantir também a segurança da família, para garantir que nada parecido volte a acontecer. Com o tempo fomos conseguindo informações sobre o sujeito, descobrimos que ele havia se mudado para uma cidade próxima, mas não sabíamos ao certo qual era. Também descobrimos que o homem espionava nossa família antes do acontecido, e ficou sabendo por conversas que eu iria sair do país e Anne ficaria desprotegida por bastante tempo. Descobrimos pessoas que sabiam um pouco mais sobre o homem, descobrimos que seu nome era Søren e que era dinamarquês e que havia se mudado para Anchamps, uma cidade próxima a Reims. Então fomos lá, eu e Jean, na busca incansável pela vingança, que já durava vários anos. Quando chegamos em Anchamps nos deparamos com uma comemoração logo no centro da pequena cidade, então imaginamos que poderíamos encontrar Søren, fomos lá procurar o cretino. Imaginei que quando o visse iria instantaneamente matá-lo com todo o ódio concentrado em meu punho. Não o encontramos, então perguntamos para alguns moradores se sabiam sobre o homem. Ninguém conhecia esse misterioso dinamarquês, então saímos à procura dele sozinhos, até perceber uma face familiar andando com um olhar um tanto amedrontador para uma mulher, exatamente como Søren fazia com Anne. Chegamos um pouco mais perto e logo vimos que era ele. Estava preparando meus punhos para lhe dar uma boa lição de justiça, mas Jean me interrompeu e pediu para falarmos com ele antes de tudo. Nos aproximamos e logo o abordamos: -

Então finalmente encontramos o canalha fugitivo…

-

Vocês… como me encontraram aqui?

-

Isso não lhe interessa. A única coisa que é de interesse agora é saber como você pode seguir vivendo após uma ação desumana daquelas

-

Eu, na verdade, não sei. Nunca parei para refletir sobre a gravidade do que cometi, mas pelo que parece vocês realmente gostam de Anne, vieram defender a dignidade dela, merecem meu respeito…


-

Não queremos seu respeito, viemos lhe mostrar o que acontece com aqueles que são covardes! Logo após não consegui me conter na frente do homem e lhe dei um soco no

rosto que o fez desmaiar. Senti uma mistura de felicidade e incerteza. Aquela confiança e determinação que havia sentido no caminho, aquela vontade de fazer justiça com as próprias mãos que havia sentido na Guerra dos 7 Anos agora havia desaparecido. Achava que o que tinha feito era certo, mas ao mesmo tempo não sabia se a forma que eu fiz foi a correta. Uma coisa era certa: havíamos cumprido nosso objetivo, que era encontrar aquele homem e deixar claro que ele não pode tomar ações tão desumanas e sair intacto da situação, ele deveria ser punido e isso não tem margem para questionamento, mas senti que algo tinha sido feito errado. Voltei com Jean para casa no dia seguinte e falamos para Anne o que tinha acontecido. Ela ficou orgulhosa de seu marido e seu primogênito fazerem de tudo para vingá-la, defendê-la, mas também me falou que sentiu aquele sentimento de que algo foi feito de forma incoerente, nunca descobrimos exatamente o que era, definitivamente era algo que nos incomodou por um tempo. Depois disso voltamos às nossas rotinas normais, voltei a servir o soldado francês em ocasiões de pequenos conflitos em torno de minha região, mas não queria voltar a deixar minha família por longos períodos novamente, portanto voltei a ajudar minha família no trabalho local. Passei a gostar da vida mais calma, que não tinha já desde a época que saí de casa para a guerra, e já se fazem quase 30 anos que aquilo aconteceu. Procuramos Søren por praticamente 10 anos e desde então voltei à vida calma, tendo mais momentos e tendo visto meu filho François crescer e se tornar um homem como Jean quando fomos perseguir Søren. Sentia um pouco de falta da ação, mas também me sentia mais relaxado sem ser extremamente cobrado, mas quando me deparei outra situação importante e empolgante começava a acontecer na capital, ouvi boatos de que queriam aplicar um golpe nos monarcas e tomar o poder para fazer uma França melhor. Me senti empolgado ao ouvir esses boatos, mas também achava impossível que o povo conseguisse tal feito. Num certo dia em 1789, François veio falar comigo: -

Pai, sei que você já tem 60 anos, mas por favor, me deixe ir para a capital.

-

Por que filho?

-

Está eclodindo um movimento revolucionário na capital, todos estão contribuindo para tomar o poder dos monarcas. Invadiram a Bastilha e roubaram os armamentos!


-

Incrível! O povo tomando decisões e conseguindo executá-las me lembra os tempos em que eu batalhava pelo exército, em que todos lutavam por uma causa maior, vá meu filho, vá! Contribua para essa revolução que com certeza mudará o rumo de como muitas coisas acontecem no mundo em tempos subsequentes. Faça a diferença!

-

Muito obrigado pai! Estou muito empolgado e voltarei vitorioso para casa! Então Francois partiu em direção à capital para contribuir para o movimento

revolucionário inédito que lá se passava. Fiquei por um tempo pensando… este tipo de movimento feito pelo povo para derrubar a monarquia, algo que nunca ousou-se fazer, algo incrível, demonstra não só a vontade do povo, mas também o poder do povo, que me deixa empolgado para o que poderá vir nas próximas eras. Isso me lembrava do sentimento de orgulho por representar minha pátria na Guerra dos Sete Anos, mas isso era um tanto diferente, já que o povo demonstrou que não está contente com a forma na qual as divisões estavam muito grandes nos níveis de poder e poder econômico, é ótimo ver o povo tomando uma iniciativa, e mais surpreendentemente ainda: todos juntos! Pensava muito do que seria do mundo quando morresse, o que aconteceria com a França, pois tendo em mente um acontecimento destes, tudo é possível, nós, seres humanos, podemos conquistar e produzir várias coisas. Fiquei sabendo que François havia ajudado a conseguir prender e consequentemente executar o então rei da França, Luís XVI para concretizar que o povo havia dominado o poder, nós éramos aqueles que alguns anos atrás éramos subordinados e agora tomamos tudo, destruímos todo o conceito que conhecíamos sobre poder, tudo foi remodelado, o sentimento de ter a possibilidade de fazer algo nunca foi tão vivo, tão presente. Eis que em 1795 François volta para casa, enfim, após alguns anos contribuindo para a nova revolução, conversamos, falou com todos, nos contou de tudo, em suas batalhas, a proclamação da nova constituição de 1791, sua participação na convenção nacional, foi ótimo ver como meu filho causou um impacto e tanto quanto eu, sentiu aquele sentimento de poder fazer aquilo que era inimaginável. Então é isso, um resumo de minha vida, momentos impactantes e conquistas que aconteceram, estou perto da minha morte, já que vivi bastante, 68 anos, mas não tenho medo da iminente morte, tenho certeza que o legado que deixei será passado entre as gerações de minha família que virão e também, a revolução terá certamente um efeito duradouro que melhorará a condição francesa em quesitos econômicos e políticos, e impactará diretamente tudo que acontecerá nos países do mundo por quaisquer continentes.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS https://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_dos_Sete_Anos#Desenrolar_da_guerra https://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_Francesa https://es.wikipedia.org/wiki/Batalla_de_Krefeld#La_batalla http://www.touristlink.com.br/Fran%C3%A7a/reims/cat/cidades-e-vilarejos.html https://www.infoescola.com/historia/queda-da-bastilha/


Desejo por Mudança Gabriela Lahtermaher

Pierre levantou-se quando o Sol estava quase nascendo. Os galos cacarejando em sua janela desde cedo tiravam-lhe o sono, de modo que ele dormia apenas algumas horas por noite. Mas o cacarejo dos galos não era o único motivo para isso, ele sabia. Os tempos eram difíceis, de fato: a colheita não estava das melhores e sustentar sua esposa e seus dois filhos estava sendo mais trabalhoso do que o normal. Ainda respaldado pelo cansaço de mais uma noite mal dormida, Pierre levantou-se da cama, vestiu suas roupas e deu um beijo em sua mulher, que acordaria


em menos de meia hora também. Anne passava o dia em casa realizando os afazeres domésticos e cuidando da educação de seus dois filhos, Jean e Maxine. A mesma gostava de sua rotina definida e de ser responsável por tais tarefas. Afinal, sempre fora assim e nunca havia lhe passado na cabeça questionar o porquê disso. Para ela, seus filhos eram o maior presente de sua vida, e, portanto, havia de educá-los para mudarem a realidade na qual viviam. Pierre havia trabalhado com a colheita de uvas na região de Bordeaux, no Sudoeste da França, havia tempo, e estava acostumado com o Château Margaux e seus vastos campos. No início, os tempos eram bons: a colheita era farta e não era realizada pela manhã, para que o orvalho não diluísse o vinho. Tal inovação tornou os vinhos do Château Margaux conhecidos popularmente. “Eram tempos de ouro”, dizia Pierre à noite para seus filhos. De um tempo para cá, as colheitas vinham reduzindo gradativamente. Isso se devia, em grande parte, às condições climáticas. Em 1784, a erupção do vulcão Laki na Islândia alterou os padrões climáticos, arrasando a agricultura francesa e fazendo com que uma nuvem cinza de fumaça tornasse o inverno daquele ano uma estação muito mais rigorosa que o previsto. Mesmo em 1789 as consequências ainda eram visíveis, e tal diminuição na produção causava insatisfação no senhor, conhecido como Berlon, o que tornava o trabalho ainda mais árduo e as condições ainda mais precárias. Isso sem contar com os impostos, que, em 1789, estavam em ritmo acelerado de crescimento. Um pão significava um mês de trabalho. Pierre bateu a porta da pequena casa em que morava e seguiu para os campos. Desde o pequeno vilarejo em que viviam, a caminhada era de cerca de meia hora e, por isso, ele já estava acostumado com a vizinhança: o pequeno café de Dominique, agora geralmente vazio; a lojinha de Louis, lutando contra a falência, e uma porção de outros estabelecimentos que lá estavam desde sempre. Porém, o que mais chamava a atenção de Pierre durante o caminho era uma casinha laranja. Aparentemente, a casa era uma como outra qualquer, não havia nada de especial ou de diferente nela. O que arrastava a curiosidade de Pierre sobre aquela casa era o fato dele nunca ter visto ninguém entrar ou sair dela. Certa vez jurou ter ouvido a porta sendo fechada do lado de dentro, mas sempre guardou essa lembrança para si, afinal, a pessoa que lá morasse não devia gostar muito de sair. Pelo menos era isso que pensava. Naquela manhã de terça-feira de julho, a temperatura estava amena e as ruas estavam enchendo-se de flores. “Como é bonito!”, pensava Pierre, que, depois de trinta minutos, havia finalmente chegado no campo. Por volta de meio dia, a temperatura já não se encontrava tão agradável assim. O sol incidia verticalmente na cabeça dos trabalhadores e a fome já começava a bater. Porém, como já se sabe, os tempos eram difíceis e a comida era cada vez mais escassa. Água apenas se dessem sorte.


Depois de mais um longo dia de trabalho, Pierre estava retornando para sua casa já na escuridão, uma vez que o trabalho lhe consumia o dia inteiro. Encontrava-se exausto, com seus olhos quase fechando durante o caminho. Estava passando pela casa laranja, quando escutou algo vindo de lá. Era bem sutil, mas sabia que era com ele. Afinal, não havia ninguém mais nas ruas. Olhou ao redor, mas não viu ninguém. Curioso com o que poderia ser aquilo resolveu entrar na casa. Bateu na porta, mas a mesma não foi aberta. Notou que ela não estava trancada, mas sim encostada, e então, entrou de impulso na casa. A mesma era antiga e pequena, e suas luzes estavam todas acesas. Na sala dava para se escutar uma conversa. Aproximou-se de onde vinha o barulho e notou que havia uma espécie de reunião ocorrendo. Conhecia alguns dos homens que lá estavam devido ao trabalho no campo. Dentre eles, Simon, seu amigo, aproximou-se dele e falou: “Entre! Estávamos esperando por você!”. Sem entender muito a respeito da situação, Pierre apenas sentou-se à mesa estreita sem abrir a boca uma só vez. Estava curioso para saber o que era aquilo. Quando todos já estavam acomodados, um silêncio profundo se instaurou. Foi quando um homem alto, moreno e aparentemente jovem introduziu a questão: - Boa noite à todos, e desculpem-me pela reunião de última hora, acontece que ela se faz extremamente necessária. Para os que não me conhecem, me chamo Michel e venho diretamente de Paris passando de cidade em cidade, para comunicar vocês, trabalhadores do campo, a respeito do que vem acontecendo. Todos estavam surpresos com a figura de Michel, já que suas vestes pareciam custar uma soma razoável de dinheiro e nunca tinham visto um parisiense de fato. As notícias do que vinha ocorrendo chegavam aos poucos pela boca do povo, porém nunca haviam tido a chance de poder escutar diretamente. De todo modo, permaneceram calados, e deixaram o homem prosseguir: - Imagino que as notícias do que vem acontecendo em Paris eventualmente cheguem aqui. Porém, irei explicar tudo de maneira simples para que todos possam compreender totalmente e, quem sabe, fazerem parte do que está para ocorrer. Primeiramente, venho de uma família pobre de camponeses, mas, com dezesseis anos saí de minha cidade e fui para Paris, buscando uma vida diferente da do campo. Passei anos trabalhando em um pequeno armazém cujo dono era um simpático homem chamado René. Recentemente, vocês devem ter reparado que as coisas vêm mudando e as suas condições estão se deteriorando. Não sei se é do conhecimento de todos, mas o rei convocou a Assembléia dos Estados Gerais, onde deputados representam o clero, a nobreza e os plebeus.


Nesse momento, a surpresa não foi grande. Afinal, o povo fala. Não precisavam estar no centro do acontecimento para serem informados. Apesar disso, permaneceram calados e deixaram o homem prosseguir: - Porém, o que muita gente anda desinformada é sobre o fato do voto não ser por cabeça, mas sim por estado. Ora, mas onde já se viu tal absurdo! Como consequência, o resultado da votação termina sempre em 2 a 1, já que os nobres e o clero se unem por suas causas. Quando Michel terminou essa fala, gritos de indignação foram escutados. Aparentemente, era a primeira vez que a maioria ouvia tal notícia e, por isso, ficaram revoltados ao escutarem. Frases como “Que absurdo!” ou “Isso não pode ficar dessa forma!” foram logo bradadas. Após alguns minutos de indignação, finalmente o silêncio perdurou novamente. Michel aproveitou a oportunidade para continuar seu discurso: - Pois é, meus caros. Sei que isso é motivo de indignação e é por isso que estou aqui: venho propor à vocês, camponeses, que se aliem com a burguesia nessa causa. As condições estão piorando para todos, menos para aquela corte, que se beneficia imensamente dos impostos cada vez mais altos que pagamos. Isso não pode permanecer assim! Boatos estão no ar de que algo mais está por vir. Algo que esse regime não será forte o suficiente para deter. Algo revolucionário. Sendo assim, venho buscar o máximo de apoio possível. Juntos conseguiremos mudar a situação e esse regime que já devia ter acabado faz tempo. Em um primeiro momento, todos ao redor da mesa se entreolharam. Sabiam que a notícia era verdadeira, já que escutavam todos os dias casos de revoltas em cidades próximas à Paris. Além disso, havia chegado o tal panfleto de Siyes, que dizia que o Terceiro Estado era tudo, porém não tinha sido nada na ordem política até agora, e pretendiam ser alguma coisa dentro dela. Tal panfleto havia agitado todos. Porém, o que fariam? Será que aquela situação era apenas momentânea e logo depois bons tempos viriam novamente? “O futuro é incerto”, pensou Pierre, “Sabe-se lá o que pode acontecer amanhã”. Depois de mais alguns minutos conversando, Michel despediu-se. Já estava de madrugada e amanhã teriam mais um longo dia de trabalho no campo. Passaram-se mais alguns minutos e Pierre já estava em casa. Porém, surpreendentemente, o mesmo estava atordoado. Não conseguia alinhar seus pensamentos e sentia que o sono não lhe viria tão cedo. “Que noite tinha sido aquela?”, pensava ele. Tinham combinado de encontrar-se novamente em uma semana para saberem quais medidas tomariam. Pelo rumo que a conversa havia se encaminhado naquela noite, algo foi despertado dentro das pessoas, sentiu Pierre. Um desejo de mudança e sentimento de revolta, que sabia que não os abandonaria em pouco tempo.


No dia seguinte, Pierre levantou-se normalmente para mais um dia de trabalho. A reunião do dia anterior havia lhe animado de tal forma que até o trabalho parecia mais motivador. Quando estava retornando para casa, chegou uma notícia que deixou ele e todos os outros sem reação: “A Bastilha caiu, a Bastilha caiu!”. Pierre não podia acreditar no que estava escutando. A fortaleza, símbolo do governo monárquico, havia sido tomada. A França estava realmente efervescendo e o regime estava decaindo. Tal fato era ainda inacreditável, mas se antes já estavam motivados a tomarem parte, agora tal motivação aumentou mais ainda. A Revolução estava em todos os lugares. Mais uma semana (que mais parecia um mês) de trabalho havia se passado, e chegou o dia da reunião que havia sido marcada. Pierre, dessa vez informado, saiu do trabalho e foi para a mesma casa laranja, que descobriu que estava abandonada havia tempo, e, dessa forma, passou a ser utilizada para essas reuniões. Tal fato tranquilizou o mesmo, já que podia garantir que não estava louco ao escutar aquela porta batendo quando retornava do trabalho certa vez. Dez minutos passaram-se e todos haviam chegado. A mesa estava cheia de homens que Pierre reconhecia sendo camponeses como ele. Alguns eram conhecidos do Château Margaux e outros trabalhavam em outros locais, mas todos tinham em comum uma coisa: a indignação pela situação que estavam passando e o desejo de fazer algo. Em um primeiro momento, estavam todos muito quietos. Porém, passados quinze minutos, as vozes eram tantas que era necessário prestar enorme atenção para não se perderem: - Tenho um primo que mora no interior de Brântome, e pelo que parece, as revoltas estão cada vez maiores. Aparentemente, os camponeses estão realizando sublevações e motins contra os nobres. - Já ouvi falar dessas revoltas! De fato, acho que é um consenso de que do jeito que a situação está, ela tornou-se insustentável. Aposto que não há um aqui que não se encontra cansado de toda essa opressão. - A Bastilha já foi tomada e está evidente que esse foi apenas o começo. Temos de tomar parte também! Depois disso, só ouviam-se gritos, de modo que a situação tornou-se completamente desorganizada. Gritos de aprovação foram escutados. Em geral, os homens desejavam fazer parte da revolta. Sabiam que estavam acontecendo coisas diretamente em Paris, por que não ajudar do campo? Afinal, constituíam a maioria esmagadora da população e, naquele momento, qualquer ajuda faria a diferença. Pronto. Revoltariam-se lá também.


Empolgados com a tomada da Bastilha e com todas as sublevações e motins ocorrendo no interior de outras áreas francesas, os homens decidiram fazer o mesmo. Saqueariam e incendiariam as propriedades da aristocracia como um sinal de revolta. Além disso, corriam boatos que a comida disponível era monopolizada pelos nobres, aumentando ainda mais o desejo de violência. Pierre estava relutante diante da situação. Porém, a empolgação de seus companheiros era tanta, bem como a raiva do regime, que decidiu tomar parte também. Dito e feito. Propriedades foram saqueadas e incendiadas e, em certo ponto, jovens nobres foram até estupradas. Tais acontecimentos inauguraram um grande medo nessa camada da população, causando a fuga de muitos deles. Um mês depois... As revoltas foram muitas. Pierre não participou de todas, uma vez que o risco era grande. A situação permaneceu dessa forma durante um mês: saqueavam-se castelos e outras propriedades dos nobres, muitas vezes incendiando-as. Um mês havia se passado e agora já era final de agosto. No início daquele mês, havia sido aprovado o fim dos direitos feudais devidos à nobreza, uma grande vitória para os camponeses. Os dízimos, a servidão, isenção de impostos, monopólios, tribunais especiais... tudo isso havia sido abolido! Pierre estava em casa certa amanhã quando outra notícia chegou em seus ouvidos. Dominique, por ser dono de um café, era o que mais mantinha-se informado, uma vez que as pessoas comentavam sobre o que estava acontecendo em cafés, e, no dele, apesar da baixa clientela, não era diferente. Dominique falou: - Meu amigo, já escutou a mais nova notícia? Aparentemente, nós, os franceses, somos agora todos iguais! Foi proclamada uma de Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão pelos deputados. Pierre não entendia muito bem o que aquilo significava, mas sabia que era algo importante. Algo que colocava todos como iguais. “Até que enfim mudanças estão sendo realizadas!”, pensava ele. Anos se passam e chega 1792 A situação no campo encontrava-se muito melhor. As revoltas haviam quase acabado devido à uma guarda montada, e Pierre encontrava-se muito satisfeito. Afinal, havia tomado parte em um movimento revolucionário e muitas injustiças haviam sido abolidas. Agora havia uma Constituição! Porém, sabia que o movimento ainda não havia terminado. Longe disso. De vez em quando chegavam notícias sobre o que ocorria em Paris, e, aparentemente, a situação estava tensa. Pelo que comentavam, o Palácio de


Versalhes fervilhava de intrigas e atividades contrárias ao movimento revolucionário e algo mais estava para acontecer. E não apenas isso! Pelo visto, o movimento havia se expandido para além da França. Aparentemente, no Haiti havia começado um movimento na qual os escravos estavam lutando pelo fim do sistema escravista e por seus direitos. “Esses escravos estão se inspirando em nós!”, disse Dominique à Pierre. Os ideais de igualdade entre os homens ditados principalmente na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão havia os inspirado por lutarem por seus direitos também, dentre eles o fim da escravidão e a igualdade entre negros e brancos. Pierre se entusiasmou imensamente ao escutar essa notícia, já que a Revolução estava se expandindo para além das fronteiras da França. No momento, Pierre não podia fazer nada. Apenas escutava todas as notícias e pensava nas histórias que teria para contar no futuro. Seus filhos já se encontravam mais velhos e Pierre fazia questão de que os mesmos fossem educados para serem jovens revolucionários. Sabe-se lá quanto tempo duraria esses acontecimentos. Depois de mais um longo dia de trabalho, Pierre estava voltando para casa. O Sol estava se pondo por detrás das plantações do Château Margaux e os campos adquiriram uma coloração muito bonita. Pierre parou um momento para admirar a cena e depois continuou andando. Afinal, o jantar seria servido daqui a pouco e não podia se atrasar.


Ternura e desilusão Kim Rawicz

Ternura e Desilusão Ela andava de cabeça baixa por aquelas vielas sujas de excremento jogado pelas janelas de Paris. Naquele momento não pensava em muita coisa, além da sua tarefa principal que era conseguir comprar um pedaço de pão para sua filha de 7 anos. Chegou a padaria e ficou por alguns segundos encantada com a quantidade de comida que via a sua frente. -

Quanto está o pão, moço? - perguntou, ingênua.

-

Nada que você vá conseguir pagar, minha senhora. - respondeu o padeiro, de mau humor.

-

Eu tenho 1 escudo aqui, pode me dar um quilo de pão?

-

Minha senhora, o pão mais barato que tenho aqui, está 2 escudos.

-

Mas como?! Semana passada era só 1!


-

O governo aumentou os impostos novamente… Desculpe, mas não vou poder ajudá-la. Francine saiu da padaria revoltada e com medo. Como iria alimentar sua filha que

a esperava em casa. No caminho a mulher, ainda jovem avistou uma banca que vendia frutas. O vendedor olhava para o lado. Parecia estar conversando com outro vendedor. Então Francine delicadamente passou pelas frutas, pegou duas maçãs e guardou no bolso do seu casaco, já cheio de furos. -

Ei! Aonde vai com minhas maçãs, moça? - Ao ouvir aquilo Francine se desesperou e começou a correr. O homem corria atrás dela, mas não conseguiu acompanhar sua velocidade, pois já era um idoso gordo. A mulher se escondeu em uma pequena biblioteca que avistou e suspirou ao ver o homem passar se percebê-la.

-

Por que está sem fôlego, mulher?

-

Eu...Eu… - Francine tinha dificuldades em mentir.

-

Desculpe, não precisa explicar. Não me apresentei apropriadamente. Prazer, Robespierre, Maximilien Robespierre. - O homem intimidava a jovem mulher, pois parecia um juiz ou advogado.

-

Prazer. - Disse ela, com a voz baixa, estendendo a mão para o homem beijá-la.tenho que ir, estou atrasada para o trabalho- completou ela e saiu da pequena loja e foi para casa.

-

Mãe, por que demorou tanto?- Indagou suzette, com seu olhar penetrante.

-

Eu tive uns problemas... Mas olha, trouxe sua fruta preferida! - respondeu Francine, alegrando a filha.

-

Tenho que ir para o trabalho, estou atrasada.- disse Francine, dando um beijo na cabeça da filha. A mulher decidiu tomar um caminho diferente para o trabalho. Enquanto passava

pela avenida Champs-Élysées Faustine avistou um jovem jornaleiro distribuindo jornais para todas as casas da avenida. -

Posso pegar um? – ela perguntou ao jornaleiro.

-

Mas é claro, senhorita! Francine, apesar de nunca ter completado a escola e nem ter dinheiro para aspirar

tal coisa, gostava de ler e se interessava por notícias, apesar de muitas vezes não conseguir compreendê-las. ‘Um dia histórico! Há exatamente 6 anos era redigida a


declaração de independência das 13 colônias da América”- é o que dizia o jornal recém recebido pela mulher. -

Sabe do que se trata?- perguntou ela ao jornaleiro. - Mas é claro! As treze colônias antes controladas pela Inglaterra se tornaram

independentes há alguns anos atrás. A metrópole explorava sua colônia através de altos impostos e de outras formas, o que estava deixando os Americanos irritados, almejando sua independência. A guerra dos 7 anos intensificou esse desejo dos colonos por liberdade. O aumento das taxas e impostos gerou revoltas dentro das 13 colônias, que acabaram por lutar e conseguir sua independência. - Nossa! Que interessante. Muito obrigada mesmo. – disse Francine, seguindo seu caminho. “Fechado”- é o que dizia a placa na porta da loja de costura onde Francine trabalhava. Algo não estava certo. Era uma terça-feira como qualquer outra. A mulher trabalhava lá fazia 7 anos e nunca tinha visto essa placa lá. Ao entrar Francine deu de cara com Sr. Dupont, seu chefe. A loja estava movimentada. Muitas das costureiras carregando caixas de um lado para o outro. -

O que está acontecendo, Sr? - Perguntou Francine.

-

Arrume suas coisas e vá para casa, a loja faliu. Francine sentiu uma mistura de desolação e medo. Ela trabalhava naquela loja há

anos, e era sua única forma de pagar contas e alimentar sua filha. Seu ex-marido havia sumido logo após Suzette nascer. Francine se culpava por ter engravidado sem ter garantias de que sua filha teria um pai. Mas de qualquer forma ela amava Suzette incondicionalmente. 9 anos antes Francine conhecia Louis em uma cafeteria no centro de Paris. Ela se apaixonou pelo rapaz que tinha assim como ela, 18 anos. Ele era um homem esbelto de cabelos cacheados e olhos verdes. Conversaram por 5 horas naquele lugar até que Louis a levou para sua casa, um pequeno chalé nas redondezas da cidade, onde ele mantinha uma fazenda com duas vacas, um cavalo e uma plantação de trigo, da qual ele retirava seu salário mensal, vendendo para pequenos mercados. Foi lá onde eles fizeram amor pela primeira vez. Não era a primeira vez de Francine, mas sim, sua vez mais intensa. Dois anos depois nasceu Suzette, no mesmo ano em que a mãe de Francine, Amélie, morreu. Foi aí que a vida da mulher se complicou. Dentro de alguns meses Francine perdeu sua mãe e seu marido. Foi então que ela começou a trabalhar na loja de costuraria.


Francine voltava para casa atordoada, quando esbarrou em um homem. Pensou na sua cabeça que ele tinha um rosto familiar, porém não disse nada. Era uma mulher muito tímida. Ao chegar em casa se enfurnou em seu pequeno quarto e começou a chorar. Francine morava naquele sobrado desde que sua mãe morreu, 7 anos antes. Era um pequeno lugar bem localizado no centro de Paris, porém caro para uma mulher que recebia apenas 13 escudos por mês. Com a morte da mãe, Francine não tinha onde morar nem trabalhar. O antigo apartamento de Amélie foi tomado pelo governo, assim como seu pequeno mercado, onde Francine trabalhava como vendedora. Suzette abriu a porta e se aproximou da mãe. -

O que houve mamãe? - indagou a garota, acariciando os longos cabelos de Francine.

-

Não foi nada, minha filha.

-

Então por que está chorando?

-

Tive problemas no trabalho… - respondeu a mulher, acalmando a filha. - vá se deitar, já vou lhe dar um beijo de boa noite. - continuou. Nos dias subsequentes Francine vagava pelas ruas em busca de um emprego.

Porém, Luís XVI havia aumentado os impostos sobre todos os pequenos negócios, que então, tinham dificuldade em contratar novos funcionários. -

Senhor, teria alguma posição em que eu possa trabalhar?- perguntou Francine ao padeiro.

-

Já a vi por aqui esses dias, minha senhora. Você é uma bela mulher. Me desculpe, mas não tenho vagas disponíveis na padaria...

-

Está bem.- respondeu Francine, se virando e caminhando em direção à porta de saída.

-

Espere, minha senhora!- exclamou o padeiro.

-

O que foi?

-

Como você é extremamente encantadora, talvez eu tenha um trabalho para você. Me encontre na Rua Crémieux hoje às 11 da noite.

-

Muito obrigada, senhor. Estarei lá. Francine voltou para casa com uma espécie de receio misturada com animação.

Talvez a mulher saísse aquela noite com um emprego, porém não tinha certeza de nada. Nunca havia ouvido falar naquela rua. Francine chegou em casa e quando abriu a porta


viu o Sr. Beaumont sentando na poltrona de sua sala. Suzette ainda não havia chegado da escola. Sr. Beaumont era o dono do sobrado. Ele tinha a chave de todos os apartamentos. -

Senhorita Francine. Você está 5 dias atrasada no pagamento do aluguel.

-

Eu sei, Sr. Beaumont. Perdi meu emprego semana passada, e não tenho um centavo.

-

Não me interessa! - interrompeu o homem. - Você tem até amanhã para me pagar, senão eu chamo a polícia e a jogo para fora! - exclamou, saindo do apartamento. Para Francine, a oportunidade de trabalho naquela noite era única. Não importa

qual fosse a tarefa que o padeiro tivesse para ela, deveria aceitar. Ao aproximar-se da Rua Crémieux, Francine começou a sentir um cheiro de fezes. Olhava em volta e só via a quantidade de excremento que era jogado das janelas a sua volta. Era uma rua muito suja e cheia de mendigos. Chegou ao ponto combinado com o padeiro e o avistou alguns metros à frente. -

Suba até o terceiro andar dessa casa, lá estará seu primeiro cliente.- disse o padeiro.

-

E o que devo fazer? - indagou a mulher.

-

Você descobrirá... Ao chegar ao terceiro andar Francine abriu a porta e se deparou com um homem

sem camisa fumando um charuto. -

Ele tinha razão. Você é realmente linda. - disse o homem. – Eu prefiro de quatro. continuou.

-

Como assim? - indagou Francine, ingênua.

-

Anda mulher! Tire a roupa e fique de quatro. A mulher impotente e sem reação fez o que o homem disse e deixou-o penetrá-

la. Ao final do sexo, o homem se vestiu, enquanto Francine, deitada na cama se segurava para não chorar. O homem, então, jogou uma moeda de 1 escudo em cima de Francine e saiu. A mulher começou a chorar. Ela havia sido violada, e não pôde nem reagir. Porém, 1 escudo em apenas 30 minutos era muito dinheiro. Se ela fizesse aquilo por alguns dias, facilmente superaria seu salário antigo. Se ela parasse ali, não


conseguiria pagar o seu aluguel e seria jogada na rua com sua filha. Então continuou. Só naquela noite foram 4 clientes. Na noite do quarto dia de trabalho, Francine havia acumulado 10 Francos. Estava no quarto, esperando o próximo cliente, quando abriu a porta aquele homem que havia esbarrado nela na rua. -

É você! Desculpe, não sei o seu nome.- disse o homem. Foi aí que Francine se recordou. Era Maximilien Robespierre, o mesmo homem

que ela havia encontrado na biblioteca outro dia. -

Robespierre, não? - perguntou Francine.

-

Sim! E qual é seu nome?

-

Francine.

-

Vamos, venha comigo! Vamos sentar em algum café para conversar. Francine foi com o homem, feliz, por ter encontrado alguém que não estivesse

apenas interessado em fazer sexo com ela. Sentaram-se em um pequeno, porém refinado café perto da Champs-Élysées. Conversaram por algumas horas. Francine descobriu que o homem acabara de se formar em direito, e adorava falar sobre política. -

Esse Luís XVI é um incompetente! - dizia Robespierre, enquanto Francine só escutava, sem entender nada. - É incrível que mesmo com todos os privilégios que a nobreza tem, eles se afundam em um déficit orçamentário desses. E o pior! Veja a quantidade de impostos que nós temos que pagar. Se fosse por mim, eu guilhotinaria todos eles com minhas próprias mãos. Além do mais, não temos nenhuma chance de participar nas decisões políticas do nosso país. Isso é o que mais me irrita. Depois daquele jantar agradável, Robespierre levou Francine à sua casa, onde

fizeram amor pela primeira vez. A mulher se apaixonou pelo homem na hora. Dois meses depois o jovem casal estava casando-se na Saint-Chapelle, no centro de Paris. 7 anos depois, em 1789 Robespierre tornou-se deputado do terceiro estado, revelando-se um grande orador. Francine participava de todos os comícios de seu marido, apesar de ser mal vista por ser mulher. No ano seguinte, Robespierre tornou-se membro do Clube dos Jacobinos, a ala mais radical dos revolucionários. O homem era chamado nas ruas de ‘Incorruptível” por causa de sua fama de defensor do povo. Em 1791, Georges Jaques Danton se afiliou aos jacobinos, e rapidamente aproximou-se de Robespierre. Em uma noite, Danton jantava na casa do amigo, enquanto Francine servia o vinho.


-

O sistema monárquico está em falência, poucos têm acesso à educação e enquanto isso, pagamos altos impostos para sustentar os luxos da nobreza e do clero. - disse Robespierre.

-

Sim, meu amigo. E o pior: eles controlam o preço de tudo! Inclusive de produtos de primeira necessidade.- respondeu Danton. Francine ouvia a conversa enquanto ia e voltava da cozinha. Ela sentia algo por

Danton. Achava-o um homem bonito, porém não tinha coragem de dizê-lo. -

E o que tem a me dizer sobre esses Girondinos?

-

São uns malucos! Querem manter uma monarquia, porém constitucional. Eles não percebem que o problema é exatamente a monarquia. Os anos se passaram e os jacobinos continuaram no poder. Foi então que houve

a ameaça de uma invasão prussiana na França. Robespierre começou a ficar paranoico com medo de espiões ou informantes. Por isso, com apoio da parte mais radical do povo, começou a guilhotinar milhares de pessoas que se opunham ou tinham uma opinião diferente de seu governo. Francine não gostava daquilo, e muitas vezes tentava impedir seu marido de massacrar parte da população francesa. -

Por que está fazendo isso?! Tem que parar imediatamente.- disse Francine.

-

É para o bem da nação.- respondeu Robespierre.

-

Se Danton estivesse no seu lugar, ele não faria isso.

Então vá morar com Danton, mulher!- disse o homem, dando uma bofetada na cara de Francine. A mulher saiu chorando de casa e foi ao apartamento de Danton. -

O que está fazendo aqui? Por que está chorando?

-

Meu marido me bateu. Eu não amo mais ele. Os dois se olharam por alguns segundos e aos poucos foram aproximando seus

rostos. Começaram a se beijar de forma sútil, e aos poucos o momento foi se tornando mais intenso. Tiraram as roupas e foram para a cama. De uma janelinha há uns 100 metros de distância do quarto de Danton, uma mulher idosa viu os dois fazendo amor e gritou: -Traidores!


Na manhã seguinte Francine e Danton foram acordados com batidas fortes na porta. Ao chegarem à sala de estar, ouviram um estrondo. A porta havia sido derrubada, e por trás da poeira que tomava conta do ar, estava Robespierre, acompanhado de 4 homens extremamente musculosos. -

Traidores! Prendam-nos. Em um lugar escuro, foram jogados Francine e Danton. Uma vela acesa se

aproximou do homem. -

Sente-se aqui.- disse o homem da vela para Danton, e então, começou a raspar seu cabelo com uma lâmina fina. Francine começou a chorar. Já imaginava seu destino. O quer aconteceria com

Suzette? Uma jovem sem a mãe. -

Está pronto. Agora é sua vez.- disse o barbeiro, apontando para Francine. Enquanto a mulher soluçava, o homem raspava seu cabelo, e com ele, sua

dignidade. Entraram dois homens na sala escura, pegaram Danton pelo braço e o levaram para fora. Minutos depois, Francine ouviu aplausos fortes. Ela sabia o que havia acontecido, porém tinha medo de pensar. -

Meu trabalho está feito. - disse o barbeiro. Francine chorava enquanto aguardava o que parecia ser seu fim. 10 minutos depois chegaram os mesmos homens que levaram Danton.

Seguraram a mulher pelos braços e levaram-na para fora. Ela não conseguia enxergar muito. Estava com a visão embaçada por passar tanto tempo em um lugar escuro. Aos poucos via uma multidão de pessoas falando alto. Percebeu que estava na “Place de la Concorde”. Francine foi deitada em uma tábua de madeira. Nesse momento toda a multidão fez silêncio. -

Minha querida mulher... Conspirava contra mim além de transar com meu antigo amigo. - disse Robespierre, em um tom bem alto.

-

Traidora! - gritava a multidão. Francine olhou para o alto e viu uma lâmina gigante sobre sua cabeça. Um homem

coberto de preto se aproximou. Robespierre fez um sinal com a cabeça. Nesse momento, Francine olhou em volta, como uma das últimas coisas que fosse fazer na vida. Então avistou Suzette. Chorando muito, a filha piscou para a mãe. Francine piscou de volta. A lâmina passou direto pela garganta de Francine. O segredo do amor é maior do que o segredo da morte.


Cartas para Estelle Paula Flanzer

O ano era 1791. Jean e Estelle estavam juntos no café quando François entrou pela porta triste, cabisbaixo. Ele estava com um envelope timbrado na mão, e imediatamente o casal soube do que se tratava. Todos os seus conhecidos haviam recebido um igual. Aquilo estava de fato acontecendo e eles mal podiam acreditar. Estelle pôs-se a chorar abraçada ao marido, enquanto o filho sentou-se para tomar uma xícara de café. Jean abriu a carta e leu, embora já soubesse o que estava contido ali dentro. O Senhor Jean Pablo Bonnet está sendo convocado pela Coroa para servir ao exército francês em Saint Domingue. O navio sairá na próxima terça feira, às 7 horas. Era isso. Não havia mais nada que pudesse ser feito, e a verdade é que por mais que eles todos já esperassem por isso, era triste ver o maior medo da família se tornando de fato realidade. Estelle seguia inconsolável, abraçada a Jean e sem acreditar que em tão pouco tempo estariam distante. No fundo, ela sabia que aquilo era inevitável e, mais do que isso, era necessário. A colônia estava passando por um momento tenso e todos os homens franceses estavam sendo convocados a servir ao exército. A família Bonnet era extremamente unida. Embora François trabalhasse nas embarcações e passasse muito tempo fora, eles todos se amavam muito. Eram uma família privilegiada, dona de um dos cafés mais famosos de toda Marseille. Localizado perto do bosque principal da cidade, o café tinha vista para o porto e um ambiente


caloroso e acolhedor. O casal havia herdado o negócio do pai de Estelle, mantendo a tradição familiar que perpassava gerações. Sempre lotado, o café recebia intelectuais e membros da alta classe. Era ponto de encontro ideal para aqueles que gostavam de se reunir e debater sobre os assuntos da vida e do mundo, saboreando um bom pedaço de bolo ou um pão recém saído do forno. Jean e Estelle costumavam cuidar do negócio juntos, mas agora parecia que a responsabilidade ficaria só nas mãos da mulher. Os cinco dias se passaram voando, e a tão não esperada hora chegou. Estelle se despedia de Jean e François que embarcariam juntos rumo à colônia. François já estava acostumado com esse tipo de despedida. Seu trabalho fazia delas frequentes, e ele sabia que por mais que ficasse um tempo sem sua mãe, em breve estaria de volta, mesmo que por alguns poucos dias. Já Jean não. Ele nunca havia saído de Marseille, e não estava pronto para ficar longe de sua amada esposa por tempo indeterminado. O porto estava lotado de mulheres e crianças se despedindo e vendo os homens entrando nas enormes embarcações. Com lágrimas nos olhos, a família se abraçou. Preferiam não pensar nisso agora, mas a verdade é que não sabiam quando um abraço desses ocorreria novamente. François se afastou e deixou os pais a sós. Neste momento, Jean entregou à Estelle um bloco de papel e a explicou: Minha querida, guarde este bloco contigo e me escreva toda vez que quiser. Conte-me dos seus pensamentos, suas angústias e seus medos, conte das suas alegrias e novidades e conte sempre sobre o que se passa na França. Sei que serão poucas as notícias que chegarão até mim. Toda vez que François chegar aqui, ele lhe trará cartas minhas e você deve dar a ele seus escritos também. Ele os levará até mim. Sei que não é o ideal, mas é só o que temos neste momento. Acredito no nosso amor e sei que vamos fazer isso funcionar. Mesmo de longe, estarei sempre por perto, Estelle. Eu te amo pra sempre. O casal se beijou uma última vez e pai e filho embarcaram no navio. Estelle permaneceu lá até que eles desaparecessem no horizonte. A partir daquele dia, Estelle acordava sempre bem cedo e começava a arrumar o café. Aprontava as mesas, colocava as massas no forno e esperava os clientes chegarem. Ela gostava de prestar atenção no que era debatido ali entre as pessoas: era sua forma de ter contato com o que estava acontecendo na França para, assim, poder manter sua promessa e contar ao marido. Entre um cliente e outro, Estelle escrevia suas cartas de amor. Ela se sentava no balcão da frente, com a vista privilegiada para o porto e dissertava longas páginas ao marido, esperando pelo dia em que avistasse de longe a embarcação com seu filho e os escritos que ele traria.


Passaram-se dias, semanas e meses, até que o tão esperado momento chegou. François chegou de volta a Marseille e sua mãe o recebeu com um imenso abraço. Perguntou como ele estava se sentindo e os dois entraram no café. Quando se sentou, François tirou do bolso a primeira carta que trazia à sua mãe. Ela não conseguiu conter as lágrimas. Se afastou, voltou para o balcão e abriu o envelope.

Minha querida Estelle, não sei quanto tempo faz que nos despedimos, mas já não aguento de saudade. Os dias parecem uma eternidade sem você ao meu lado. Faz uma semana que chegamos a Saint Domingue e ainda não me acostumei com tudo por aqui. A viagem foi longa, cansativa e solitária, mas eu e François estamos bem. Saint Domingue é muito diferente do que eu imaginava; não se parece nada com Marseille. Para mim as colônias todas eram miseráveis, mas chegando aqui pude perceber o quão ricas e produtivas elas podem ser. Produzem cacau, algodão, café e tudo que nós não conseguimos em nossa terra, mas fico feliz porque sei que todo o lucro da produção vem para o nosso governo. O que mais me chama atenção é a produção de açúcar. É enorme, Estelle! Eu sabia que o que consumíamos vinha da colônia, mas não tinha noção que a quantidade era tão absurda. Tenho estranhado bastante o clima. Estava tão acostumado com o inverno francês e de uma hora pra outra me vejo nesse calor que parece não acabar. Até de noite a temperatura é alta. Tenho tido dificuldade para dormir, mas não acho que seja só pela temperatura. Minha cabeça tem estado a mil. Sabe como é, muito trabalho, muito cansaço e muita saudade. Tem sido bem difícil, querida. Os mosquitos daqui também não me deixam em paz. Parece que sabem exatamente quando estou prestes a dormir e resolvem zumbir bem no meu ouvido. Eles só saem de perto quando começa a chover, e olha, como chove nessa terra! A chuva não me desagrada. Na verdade, pelo contrário. Acho que ela até me anima um pouco. Me faz lembrar do ciclo da vida, de que nada é pra sempre, tudo é temporário. A água me resgata esse sentimento de que estamos sempre em transformação, podemos tomar diversas formas e que nada é: tudo está. Espero que esse tempo distante passe tão rápido quando a água que cai do céu, minha amada Estelle. Prometo que estaremos juntos em breve. Com todo o meu carinho, Jean


Estelle não ficava feliz assim fazia muito tempo. Seu coração estava apertado, e por mais que seu marido não tivesse ali, agora, mais do que nunca, se sentia muito próxima dele. Imediatamente, foi a dispensa e pegou seu bloco. Queria escrever outra carta agora, com o pensamento ainda fresco. Em poucos dias François embarcaria de volta e ela precisava dar a ele algo para levar à Jean.

Meu querido Jean, que felicidade que foi receber esta primeira carta sua. Sei que um longo tempo se passou desde que nos separamos, mas saiba que penso em você todos os dias. Por aqui a vida tem sido monótona, sem muitas novidades. O café tem estado bem agitado, mas os dias parecem ser todos iguais. Quando posso, tento ouvir o que os clientes conversam. Parece que os efeitos da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão tem se apresentado mais rápido do que esperávamos. Deve ser esse o motivo de você estar ai e das colônias estarem se rebelando tanto. Pelo que eu entendi, elas não estão incluídas nessa declaração e não ganham todos esses direitos também. A França tem passado por esse momento tenso. Tenho visto burgueses comemorando a declaração, mas como podem ser tão ingênuos a ponto de achar que isso não traria consequências negativas se aplicassem as leis só à metrópole?! Não me entenda mal, concordo que a Declaração é importante e melhora a vida de muitos, mas é hipócrita defenderem a liberdade se ela só vale para a alguns. Bom, vou ficando por aqui e dando notícias sempre que puder. Eu te amo, Jean Da sua eterna Estelle

Os dias passavam sempre devagar, mas aqueles que teve com François passaram como um vento. Estelle nem acreditou quando já estava na hora de se despedir de novo do seu filho. Deu a carta a ele, o abraçou com força e voltou a trabalhar. Mais meses se passaram. Estelle começava a ficar preocupada com a demora do navio. Ela via muitos chegarem ao porto, mas nenhum com François. Depois de uma longa espera, finalmente o filho chegou com uma nova carta de Jean.

Querida, foi um prazer enorme receber uma carta sua também. Te disse que faríamos funcionar.


Olha, tenho observado bastante os escravos, e lhe digo que essa história de não estarem incluídos na Declaração de Direitos os revolta bastante mesmo. As condições deles eram tão ruins que agora começo a entender de onde vem tanta força para se libertar de nosso domínio. Eles vivem à base de insuficientes calorias diárias, além de apanharem por tudo. Os que trabalham nas casas dos senhores têm a vida melhor do que os que trabalham na extração de cana, mas mesmo assim, o sofrimento é notável e sinto um aperto no peito só de pensar. São movidos pelo medo e morrem aos montes. Claro, eles são colonizados, negros, inferiores e estão errados em querer se libertar, já que não cabe a eles essa escolha, mas às vezes me questiono se não é como você disse. Talvez seja hipócrita de nossa parte nos dizer revolucionários se lá no fundo ainda defendemos a escravidão em nossas colônias. Penso que seria mais fácil para todos se só os incluíssemos e os deixássemos livres, mas por outro lado, se eles se libertarem, o que será da nossa economia? Olha, não deixe que ninguém leia isso se não serei morto – sabe como eles são rigorosos com os opositores e não quero acabar enforcado em praça pública – mas fico tão dividido com essa história toda... É claro que sinto orgulho do meu país e quero lutar até a morte para defender ele, mas também não vejo a hora de voltar pra casa e acabar com isso logo. Sabe, fico pensando que não fui eu quem escolhi estar aqui, não pertenço à este lugar, e esta luta não é minha! Tem tantas vidas sendo tiradas de ambos os lados, porque é engano seu se acha que só os escravos estão morrendo. Nós também estamos frente a morte. Não estamos acostumados com essas doenças daqui, e não são poucos os homens que estão adoecidos. Acho que já perdemos boa parte de nossas tropas por isso. Não se preocupe comigo, Estelle, estou bem. Sei que preciso me manter forte para que estejamos juntos em breve. Farei meu melhor. Jean

Jean entrega a carta ao filho, mas sabe que a resposta chegará somente muitos meses depois. É difícil se comunicar assim, tanto ele como Estelle são gratos por terem alguém como François que faz as trocas de correspondência para eles.

Meu amor, você não sabe o alívio que foi a última vez que François chegou aqui com uma carta sua. Estava tão preocupada. Desde a última vez em que te contei sobre a conversa no café sobre a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, tenho escutado rumores de que os escravos têm se


rebelado violentamente. Eles falam sobre um tal de Toussaint. Parece que é descendente de um chefe africano, sei lá, mas que ele está mandando matar todos os franceses colonizadores e os grands blancs. Por favor Jean, tome cuidado e se proteja. Por aqui as coisas seguem normais. O café continua agitado e assim consigo me manter informada das notícias. As coisas tem mudado tão rápido, mas o tempo parece passar devagar sem você por perto. Conto os dias pra te ver. Escreva sempre que possível! Com amor, Estelle

Agora a situação parecia um pouco complicada para Jean. As folhas do bloco que usava para escrever para Estelle estavam acabando, e parecia que ele ficaria um tempo sem responder a sua esposa. Ele se sentou e escreveu sua última nota por um tempo.

Amada Estelle, é verdade, a guerra por aqui é sangrenta demais. Soldados britânicos e espanhóis estão ao lado das nossas colônias e juntos eles são extremamente fortes. Não sei mais quanto tempo vamos aguentar, meu amor. Tornou-se impossível encontrar você como combinamos. Não vai dar pra seguir agora só. Sem você, tudo é muito triste, mas sigo caminho quando der. A gente se vê logo. Boa sorte pra você. Espere por mim. Não me esqueça, Estelle!

Seus pensamentos foram interrompidos por François: - Vamos pai, termine logo com isso! Nós já vamos embarcar! Vai começar a chover a qualquer momento e precisamos estar longe daqui quando o temporal chegar. Jean arrancou a última folha de seu bloco e colocou no envelope o pequeno bilhete que havia escrito. Beijou o papel com o coração apertado e deu a François rapidamente para que embarcasse. Dessa vez, por algum motivo, seus sentimentos estavam à flor da pele e se manifestavam com mais intensidade. Abraçou o filho e não conseguiu conter a lágrima que já ameaçava cair. Sua próxima lembrança é acenando de longe e vendo o navio aos poucos desaparecer no horizonte coberto de nuvens escuras. Pouco tempo depois de partirem a chuva começou. O mar estava revolto e as ondas fortes balançavam o navio de um lado para o outro. Entre uma balançada e outra, François deixou a carta cair no chão. A chuva era forte e rapidamente os pingos caíram sobre o papel. François recuperou a carta depressa e checou o envelope: não havia


molhado muito. Ele julgou que ainda era possível ler o que havia sido escrito por seu pai, nada havia sido danificado. O tempo de viagem se passou e finalmente o navio chegou a Marseille. Estelle estava lá para receber o filho, com seu vestido de cor creme e os cabelos loiros presos em um rabo alto, um pouco sujo de farinha como de costume. Ela o abraçou calorosamente, e em seguida perguntou entusiasmada e esperançosa se dessa vez havia algo para ela. François tirou a carta do seu bolso e entregou à mãe, se afastou e a deixou ler sozinha.

Estelle estranhava a letra; estava mais borrada do que o normal e ela tinha dificuldade de ler. Os pingos de chuva daquela primeira noite no mar haviam manchado a carta e o esforço necessário para decifrar os escritos era maior. A pontuação parecia apagada, não dava para interpretar direito. Amada Estelle, é verdade, a guerra por aqui é sangrenta demais. Soldados britânicos e espanhóis estão ao lado das nossas colônias e juntos eles são extremamente fortes. Não sei mais quanto tempo vamos aguentar. Meu amor tornou-se impossível. Encontrar você como combinamos não vai dar. Pra seguir agora, só sem você. Tudo é muito triste, mas sigo caminho. Quando der, a gente se vê. Logo, boa sorte pra você. Espere por mim não. Me esqueça, Estelle! Estelle não acreditava no que seus olhos viam. Aquilo era demais para ela. Leu e releu a carta repetidas vezes, sem crer no que acontecia. Sentou-se no chão e se pôs a chorar. François viu a mãe e correu para ampará-la, mas não compreendia o que estava acontecendo. Sem levantar o rosto, ela apenas deu o papel ao filho para que ele lesse. Ambos estavam confusos, sem saber o que pensar. Estelle estava inconsolável. Ele abraçava a mãe, mas, de repente, ela se levantou e saiu correndo para longe, em direção ao bosque. François não tentou impedi-la: achou que ter um momento sozinha lhe faria bem. O que ela menos precisava naquele momento era ficar cercada de gente a encarando e perguntando o que estava acontecendo. Ela mesma tinha muitas perguntas e pouquíssimas respostas. As horas se passaram e François estranhava que a mãe não havia voltado. Ele saiu a sua procura, tentando refazer o caminho que Estelle talvez tivesse feito dentro do bosque. Caminhou por entre as árvores por um longo tempo. Até que a encontrou, falecida no chão. Ela estava deitada na grama, ensanguentada, com uma faca na mão e com os cabelos loiros sujos de cor avermelhada. François tentou acordá-la de alguma forma, viu se seu coração ainda batia e gritou por ajuda, mas era tarde. Estelle estava morta.


O filho pôs-se a chorar, desolado. Não sabia o que fazer e nem a quem procurar. Seu sofrimento atravessaria oceanos e chegaria a seu pai apenas meses depois, e ele sabia que, quando chegasse, seria o fim para Jean também. Ele não conseguiria lidar com a sua morte e tiraria sua vida junto. Foi então que decidiu, naquele momento, que continuaria a história dos dois. François escreveria no lugar da mãe e se corresponderia com o pai como se fosse ela. Na sua cabeça, se Jean não soubesse da verdade, pelo menos para alguém, em algum lugar, Estelle ainda estaria viva, e isso lhe traria uma sensação de esperança também, como se ela ainda estivesse ali. E assim foi feito.


Diário de Pensamentos pertencente á Edward Ano: 1765 Já não durmo há algumas noites. Tenho passado as madrugadas revirando minha cabeça por uma solução. Jorge III, o rei de nossa linda pátria, coloca uma grande confiança em mim e sinto que é meu dever servi-lo e ajudá-lo. É por causa dele que durmo nesse belo palácio, nesse esplêndido quarto, nessa deliciosa cama. Devo horas do meu sono à ele. Na Guerra dos Sete Anos, meu pai, como um honorável colono, guerreou ao lado da Inglaterra. Jorge subiu ao poder quando já havia se passado 4 anos de guerra e lutou com ele, viraram companheiros. Meu pai se sacrificou pelo rei e morreu ao combater um raivoso soldado francês que vinha pela cabeça de Jorge. Com o triste falecimento de meu honrado pai na guerra contra a terrível França, Jorge III me acolheu, em seu país, a linda Inglaterra que tão rapidamente me apaixonei. Me considero britânico, já não mais um órfão sem lar. Nunca conheci minha mãe e meu pai era toda a família que tinha. Ao final, o seu sacrifício valeu a pena pois, vencemos a guerra. Por outro lado, sofremos uma grande crise devido aos muitos gastos militares. Com todos custos que a guerra trouxe, a nossa linda nação estaria perdida se não agíssemos logo. Por causa disto, o rei implantou algumas práticas que não concordo. Primeiramente, ele negou as terras que nós conquistamos juntos aos colonos, e também criou uma lei, a Lei do Açúcar, colocando impostos altíssimos em diversos a eles. Ele não teve consideração com meu antigo povo, o que causou um conflito em minha mente. Porém, nunca o questionei, pois é um homem sábio e acredito em tudo que faz. Logo, só me resta achar alguma ideia para que eu consiga ajudar nosso país e todavia não prejudicar meu país de nascença. Quando me deparo, estou dormindo com meus livros às mãos e o sol já está longe de ter nascido. Considero os livros grandes amigos meus e estou sempre com eles. Talvez seja esse um dos motivos de meu querido rei ter me dado uma posição tão desejável como um de seus conselheiros, pois sou considerado, para um jovem, alguém muito sabido. Com esses livros que tenho em minhas mãos, tento reforçar meus conhecimentos econômicos, que não são lá de se admirar. Toda a escassa experiência econômica que já vivi foi ter que administrar os gastos na humilde casa que dividia com meu pai. O mesmo continha muita mais força física do que mental, logo eu, desde pequeno havia de equilibrar nossos gastos na casa. Porém, não se compara a grande e complexa economia britânica. Me apresso, botando as duas pernas nas calças num mesmo pulo. Percebo um chá já resfriado na cabeceira de minha cama e faço dele meu café da manhã. Abro a porta e percebo a grande movimentação no palácio, todos andando para todos os lados. [1]


“Eddy! Você se atrasou e perdeu o café da manhã”- grita Frederico, segundo filho do rei e meu grande amigo- “Meu pai perguntou por você. Já a mim nem nota a existência”. Frederico é um ótimo sujeito, considerando a sua pouca idade. É demasiado desastrado e engraçado., me divirto com ele. Seu pai é muito rígido com todos seus filhos,espera que compareçam todos os dias nas aulas às sete da manhã, vivendo vidas de observação religiosa e virtuosidade, o que não condiz muito com a personalidade de Frederico, fazendo com que seu pai desaponte constantemente com ele.Tento sempre ajudá-lo para que melhore sua imagem com o rei, tendo em vista que ele é muito esperto e tem potencial para agradar vossa majestade porém, até então, apesar de meus esforços, aparentemente não deseja mudar ou esconder suas características. “Surrupiei uma torrada, queres?”-exclama o garoto para a minha felicidade Agradeço e a tento agarrar quando Frederico a puxa para si gargalhando, e o dá uma grande mordida “Não sei como caí nessa chacota”- retruco com expressão séria Philip continua a rir e me entrega o pão, enquanto eu dispenso o mal humor que tenho de manhã, lembrando que ele é apenas uma criança levada, com apenas uma dúzia de anos. Me desculpo pela grosseria e desarrumo os seus pelos da cabeça numa forma de graça. “Assim fico mais belo”- ele diz sorrindo e se afastando- “Vá a procurar meu pai que vou a troçar meus irmãos”. Me direciono e caminho rapidamente ao escritório do meu rei. Imagino que esteja ocupado porém vou ao seu encontro do mesmo jeito. Sua porta está trancada e ninguém está por perto. Ouço vozes lá dentro, que aparentam transmitir ser algo confidencial. Minha curiosidade me leva a colar o ouvido na porta: - Levarei esta questão ao Parlamento, e você, concorda majestade?- reconheço a voz do confidente do rei Lorde Mount Stuart - Está perfeito. - ouço Jorge III falar firmemente - Aprovo a Lei do Selo e a Lei do Aquartalamento contra os colonos. Será que escutei certo? Mais leis contra os colonos? Não entendo. Retiro me sem o perguntar seus motivos, não o desejo aborrecer. Porém, meu desejo é de discutir com


a vossa majestade, seus meios estão perdendo seus sentidos. Não é esse o rei que tanto admiro. Ano: 1767 Já faz dois anos em que não anoto neste meu espaço. Não tenho tido muito tempo, confesso. Conheci a mulher mais interessante de minha vida, a algo nela me fascina profundamente. A encontrei pela primeira vez passeando por uns bosques perto do palácio, onde aproveito do ar fresco para ler meus livros. Se aproximou para comentar de uma obra que tinha em minhas mãos, não recordo seu título agora. Porém o nome da moça, lembrei-me bem, Annabella. E apenas de Bella a chamo, de tão bela que és. Discutimos sobre o livro por horas, nunca vi tanta inteligência reunida em uma pessoa só. E acredite se quiser, possuía ideais revolucionários e impressionantes. Bella tirou três exemplares de sua bolsa, me entregou e se foi. Desde então passei a frequentar o bosque mais do que nunca! E ainda não a viste novamente. Porém, seus livros o guardei,e os li, reli e analisei-os. Neles há diversas anedotas de Anabella, e cada vez me impressiono mais. Entrei em seu mundo e não creio que quero sair. Inspirou-me profundamente e motivou-me a criticar, toda essa realidade que um dia tanto admirei. Com o tempo passando, mais discordo das decisões do rei Jorge III. Aguentei todo esse tempo como seu fiel por causa do respeito e gratidão que tenho por ele mas não consigo mais estar apoiando decisões que não concordo. Decidi o confrontar de uma vez por todas. Hoje é domingo e o rei sempre vai a reza matinal. Frederico, que agora se tornou o filho favorito do rei, passou em meu quarto me convidando á missa. Achei uma boa oportunidade e o acompanho. Frederico continua brincalhão como sempre, porém encontrou obediência em seu estudo de religião e no seu amor pela filha mais jovem de um sacerdote. Assisti as rezas porém permanecia inquieto, não pensava em outra senão falar com o rei. As horas se passaram e aguardei o momento correto de se aproximar. “Vossa majestade? Desejava falar algumas palavras com você”-abordei o rei com uma certa confiança “Claro, Edward. O que necessitas?”-ele me disse com um certo carinho “Necessito ir.”- exclamei e na mesma hora me arrependi “Ir? Para onde?”- ele perguntou com uma expressão confusa


“Ir-me embora! Não compartilho de seus princípios! Já não quero mais fingir que te venero. Não venero-te faz tempo, quando começou a atacar meu povo!” “Mas és um rapaz muito ingrato! Dizia-se ser completamente fiel a mim, te considerei como meu filho, te dei espaço em meu reino e você retribui assim? Sai-te de meu palácio antes que te expulse!”.- ele gritou com uma violência que nunca tinha visto antes contra mim E agora, estou a escrever em ti nos bosques. Já não me resta mais nada. Fui demasiado impulsivo e tenho certeza que me arrependerei de minhas escolhas porém, o que adiantava viver na nobreza enquanto meus antecessores sofriam? O que adiantava aconselhar e não ser ouvido? O que adiantava viver cheio de bens materiais e sentir-se uma farsa? Ouço passos e vejo Frederico se aproximar. Um sorriso imenso se abre em meu rosto, pois sua amizade foi a relação mais verdadeira que tive naquele imenso lugar. “Que coragem camarada! Mas não devia ter feito isso. Vou sentir sua falta como nunca senti com nenhum de meus irmãos de sangue”-ele correu ao meu encontro Abaixou-se e me deu um abraço. Em seu rosto mesclavam lágrimas e gargalhadas. Quando percebeu que eu também chorava, levantou-se e subiu em uma árvore com uma certa rapidez. Lá de cima fez caras e bocas para que me fizesse a rir, com sucesso. Pulou de volta ao solo, terminando com uma cambalhota. “Só você me conhece de verdade, só com você posso ser eu mesmo”- ele me confessou “Queria poder levar-te comigo mas isso seria injusto. Finalmente, entendeu-se com seu pai e está apaixonado. Você pertence aqui, já eu, não. Sempre fui um intruso só nunca o percebi. Lhe dou minha palavra que vou a te escrever sempre. Com um codinome, claro, para que seu pai não as proíba.” “Que cumpra essa promessa! E antes que me esqueça, recolhi alguns de seus livros favoritos e algum dinheiro que guardava. Não pode partir sem eles” Nos despedimos e ele se vai. Me sinto tão perdido quanto me senti quando meu pai faleceu. Porém, completamente feliz de poder me recriar por inteiro. Entender e expressar o que realmente sinto. Concentrado em meus pensamentos não percebo quando Anabella se acerca. Quando a noticio, está a me observar. “Somos parecidos, não creia?”- ela disse com sua bela voz suave


Nunca tinha reparado nisso, mas sim, temos vários traços que se assemelham. O mais perceptível são seus olhos grandes cor de mel e suas sobrancelhas grossas, assim como os meus. Ademais, sua estrutura óssea do rosto é bem definida, similar a minha. “Estou há um tempo te observando, vim em nome de minha mãe. Minha mãe é irmã da sua, sim somos primos.”- Anabella pronuncia antes que eu á responda, e consegue me chocar em segundos- “Perdoe-me por só te dizer isto agora” Fico perplexo e paralisado por um breve tempo quando ela me faz acordar dessa confusão que se passava em minha mente: “Deseja conhecer parte de sua família?” Anabella me leva a uma modesta moradia próxima a onde nos encontrávamos e me apresenta uma simpática senhora, supostamente minha tia. Nunca conheci a minha mãe, que eu saiba faleceu ao me parir. Minha tia me contou muitas coisas que eu não sabia sobre minha família. “Eu e minha filha iremos voltar a nossa antiga terra em uma semana. Quer ir conosco?” Eu aceito sua proposta. Há muitos aspectos não claros na história da minha vida e desejo tanto saber. Me despeço com tristeza da linda Inglaterra; já não tão linda ao meu ver. Caí de amores por você, Inglaterra, crendo em seu sistema, me surpreendendo com suas indústrias e vendo beleza até em seus céus mais cinzas. Porém, tive um amor cego e demorei para enxergar suas grandes falhas. Espero que se recupere e um dia se torne o país que tanto me orgulhei, um Reino Unido desenvolvido porém mais humanista. Ano: 1773 Na bagunça da viagem, perdi este diário em minhas coisas. Hoje, revirando a casa que compartilho com minha tia e minha prima te encontrei. Fiquei muito feliz de poder te reler e ver todo esse caminho que segui. Cresci e hoje tenho orgulho de quem me tornei. Quando chegamos em nossa terra depois de uma viagem longa, estivemos trabalhando horas e horas em um campo que um amigo da família possui. Eu e minha prima somos uns de muitos revolucionários por aqui. O Rei Jorge III continua criando mais Leis Intoleráveis(como aqui chamamos suas leis) que nos prejudicam e já se ouve muitos gritos clamando por nossa independência. O rei acaba de criar uma nova lei que nos impede de participar da comercialização do chá e hoje eu e Anabella nos juntaremos com companheiros para saquear navios de chá. Nos vestiremos como índios para causar mais impacto, e é assim que eles nos consideram mesmo, como índios.


E foi assim que aconteceu, nossa revolução teve imenso sucesso, e acabei também jogando alguns carregamentos de chá nos mares. Escrevo disso tudo para meu grande irmão Frederico com um entusiasmo, sei que apesar de onde se encontra, irá me compreender. Gostaria que estivesse aqui comigo, se divertiria demasiado. Anabella entra em meu quarto e eu por isso eu paro de escrever. “Tenho que te confessar algo. Algo que nunca pode dizer a ninguém que te contei. Não deveria te contar porém não posso seguir mentindo.”- ela me disse Me assusto com essa fala de Anabella. “Diga”- foi tudo que saiu de minha boca “Seu pai não é quem você pensa que é. Henry foi quem te criou e cuidou. Mas a verdade é que seu pai é o rei, o asqueroso Jorge III. Quando seus pais começaram a namorar, Jorge III fez uma visita a nossa colônia e ao ver quão bela a sua mãe era, forçoua a ter relações sexuais com ele. Seu pai nunca soube de nada pois sua mãe acreditava que se ele soubesse, iria fazer algo contra o rei e acabar morrendo, você sabe o poder que Jorge III possui. Por outro lado, o rei sempre soube e quando cresceu se tornou religioso, acreditamos que seja por se sentir culpado de tudo que fez. E pelo mesmo motivo te aceitou em seu palácio, para se redimir de certa forma. Por mais que tenha sido um ato não consensual, o rei se apaixonou por sua mãe e a mandava muitas cartas, que ela obviamente jogava todas fora. Pelo amor de sua mãe falecida, te amou também, que seria o fruto daquela paixão não correspondida. Com tantos anos que se passaram, Jorge seguiu em frente, se casou e teve outros filhos porém nunca esqueceu sua mãe, nem você. Sua mãe gostaria que sempre pensasse em Henry como seu pai, mas não poderia te deixar sem saber a história de sua família.” Meu ódio pelo rei só crescia, e minha tristeza por meus falecidos pais também. Nunca imaginei que algo como isso tenha passado com minha família porém, meu pai sempre será Henry. E agora, mais do que nunca me ardo de vontade de cortar todas relações com o rei e com a Inglaterra. Quero a independência, quero que minha terra vire um país sem nenhum vínculo ou conexão com essa metrópole horrível que só nos faz sofrer. Vou lutar, o quanto precisar para que isso aconteça. Darei minha vida pelo meu povo, pela minha terra. Até que independente sejamos.


Um diário sem fim Lara Arkader 7 de maio de 1788: Como em todos os dias, acordei, fui à feira, comprei comida para o dia, falei com minhas colegas sobre como as coisas na cidade estão ficando cada vez mais caras e que nossos impostos não param de aumentar; falamos também sobre a nova loja que abriu no lugar da vendinha do Danton, e de como o mesmo envelheceu tão rápido. Voltei para casa, porque precisava trabalhar nas minhas roupas. O Barão de Vignon vai à um casamento com sua família e precisam de roupas adequadas para a ocasião. Ainda não sei como será o vestido de sua esposa e sua filha, meu filho, Marlon, está muito doente e estou cuidando do menino para ficar logo bom, ele me ajuda nas tarefas diárias, já que somos só nós dois na casa; hoje tive de arrumar a mesma sozinha, não que isso seja um grande problema, na verdade já estou acostumada, mas acabo não conseguindo trabalhar bem depois, e no momento é o que preciso. Agora me encontro deitada na cama pensando no longo e cansativo dia de amanhã. 21 de junho de 1788: Esse mês foi realmente cansativo, terminei as benditas roupas do casamento, que por sinal ficaram lindíssimas; meu filho já voltou à vida cotidiana, curou-se da doença, e que doença, ficou de cama durante uma semana e meia, e eu tive de ficar a sua disposição. Agora estamos bem, mas os impostos só aumentam, então estamos precisando diminuir os gastos em casa. Às vezes me pego pensando quando vou poder ter uma vida boa sem precisar me preocupar com dinheiro. O que ganho com minhas roupas não é de todo ruim, mas como só eu trabalho na casa, tenho que sustentar a mim e a meu filho e ainda pagar os caros impostos que nos são cobrados. 27 de agosto de 1788: Meu filho está revoltadíssimo com a nobreza, fala que isso tudo precisa mudar e que não aguenta mais esse cenário político. Eu não entendo muito dessas coisas, mas meu filho sempre tenta me explicar e me manter a par da situação. Mas para mim, desde que pague impostos mais baixos está ótimo. 29 de dezembro de 1788: Diferente de algumas de minhas colegas, estou ainda com um emprego, e consigo sustentar a casa, temos sempre o que comer e vestir, mas não sei quanto tempo isso vai


durar. Marlon anda falando que a situação das classes mais baixas vai de mal a pior, e isso anda me preocupando muito.

10 de fevereiro de 1789: As pessoa que convivem comigo ou perto de mim estão ficando cada vez mais revoltadas com as autoridades e não aguentam mais serem submetidas a essas ordens e injustiças, nós queremos alguma mudança, precisamos de alguma mudança. Meu filho têm estado muito atento no que está acontecendo, ele acredita numa mudança grande, onde tenhamos mais vós e poder. Apoio ele em seus desejos de justiça em relação ao povo. 4 de abril de 1789: Hoje é o meu aniversário; deveria ser um dia feliz, um dia em que me reunisse com meu amigos e familiares para comemorarmos o mesmo de alguma forma. Acontece que, ninguém está com cabeça para pensar em aniversários quando seus filhos estão sem ter o que comer. Vou acabar fazendo um bolo e passar o dia com Marlon, que está muito animado com o dia. 23 de abril de 1789: Conversei hoje com o Barão de Avignon ,que, surpreendentemente, concorda com o que eu e meu filho pensamos a respeito dos altos impostos, e que devíamos ter mais voz nas decisões, mas não pode se expor demais com suas opiniões porque tem medo que façam algo com ele, afinal, um nobre discordando de outros não é algo bem visto pelos mesmos. Por isso têm me dado um número maior de roupas para produzir, assim consigo sustentar a casa mesmo com os impostos. 23 de maio de 1789: Meu filho chegou em casa hoje falando de uma assembléia que aconteceu nesses dias, e o quão revoltado ele e seus colegas estão com a situação que aconteceu. Ele falou sobre a injustiça dos votos e umas outras coisas que agora não consigo me lembrar, mas pelo jeito que ele falava parecia horrível, e eu só concordava com a cabeça e falava para que continuasse com seus planos de justiça. 15 de julho de 1789: Ontem foi uma confusão, não sei se estou feliz ou com medo do que pode e vai acontecer daqui para frente. Meu filho e mais várias pessoas foram ontem até a Bastilha


e a destruíram como símbolo de revolta. Esse ato mostra as autoridades, como estamos prontos para que as mudanças aconteçam, e que, fazemos o que for preciso para isso. 28 de agosto de 1789: Não param de falar nas ruas sobre a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que, teoricamente, nos dá mais liberdade e preza por uma maior igualdade entre todos. Estou bastante feliz com o rumo que o país está tomando e com o povo, que está se mobilizando e unindo por uma causa comum. 13 de novembro de 1789: Hoje foi um dia horrível, recebi uma carta do meu irmão Olivier que mora em São Domingos, ele tem uma grande fazenda, onde planta algodão e outras coisas. Na carta, diz que está bastante doente e que queria que eu fosse vê-lo. Não nos encontramos há 2 anos e meio. Não sei o que fazer, o Barão de Avignon me avisou a pouco, que não vou poder continuar trabalhando para ele, o mesmo vai se mudar em pouco tempo, têm medo que aconteça algo com sua família. Muito compreensível, pois é um homem da nobreza, o que não agrada ao povo que está lutando pela igualdade, mas ao mesmo tempo é contra as medidas que são tomadas pelos superiores, e isso não agrada aos mesmos, então sua situação é bem delicada dentro desse cenário. 23 de dezembro de 1789: Não consigo parar de pensar na doença de meu irmão, fico imaginando que o pior pode acontecer com ele. Apesar de não concordar com a forma de trabalho de Olivier, continuo o amando. Sempre tento fazer com que ele pare de trabalhar usando escravos em sua fazenda, mas ele se recusa, fala que o algodão sai muito mais barato, e isso é o que ele mais vende. Quando comecei a perceber da falta de comida na cidade, e que as pessoas estavam ficando desempregadas, comecei a guardar dinheiro para que, se alguma coisa acontecesse, tivéssemos como sobreviver. Esse dinheiro não é muito, mas acho que dá para viajar e visitar meu irmão. 14 de janeiro de 1790: Estou animada e assustada, daqui a algum tempo vou para São Domingos. Nunca saí da França, então não sei como são as coisas lá fora, mas pelo que meu irmão me contava, é lindo. Devo ficar uns 4 meses com Olivier, preciso cuidar dele para que fique bom dessa doença, e pretendo também, conscientizá-lo a respeito do trabalho escravo, nunca fui a favor desse meio de trabalho, sempre achei desumano e horrível. 7 de fevereiro de 1790:


As pessoas estão ficando cada vez mais desempregadas e sem suas moradias, quando olho à minha volta fico extremamente assustada e não consigo entender como o país conseguiu chegar num ponto tão ruim. 2 de março de 1790: Amanhã vou embarcar para o lugar onde meu irmão mora, não sei bem quanto tempo demora essa viagem, creio eu que deve demorar um bocado. Não vejo a hora de chegar lá e encontrá-lo.

26 de março de 1790: Já estou há umas três semanas em alto mar, a viagem estava tranquila, mas o comandante está falando que deve haver uma grande tempestade hoje ou amanhã, comecei a ficar com medo e me arrepender de ter vindo. Preciso chegar logo em São Domingos para mandar uma carta à meu filho, quero saber como estão as coisas por lá, e se ele está se virando bem com o pouco dinheiro que consegui deixar com ele. 16 de abril de 1790: Finalmente cheguei ao meu destino! Por aqui é tudo muito bonito e diferente, dá vontade de pintar vários quadros das paisagens e das pessoas que aqui habitam. Vou encontrar meu irmão daqui a pouco, quero ver seu estado, e, quero também ver sua grande fazenda. 19 de abril de 1790: Olivier está mal, mas é recuperável, ele já está se tratando, então, antes de voltar para França meu irmão já vai estar bem. Uma de suas trabalhadoras mais confiáveis me mostrou o terreno hoje. Fiquei impressionada com o tamanho do local e quantas pessoas trabalham no mesmo, fiquei impressionada também com o modo que são tratados, eles apanham e recebem uma miséria de comida. A moça que me mostrou a fazenda se chama Nicole, têm um filho, que também trabalha no lugar, mas ele carrega peso e apanha diariamente, diferente dela, que trabalha dentro da casa, servindo meu irmão. Ela me pareceu muito amigável, passamos o dia conversando como é a vida na França e aqui, falei das crises que estão acontecendo lá, e de como a população está reagindo diante delas. Mandei hoje uma carta para Marlon, avisei que estou bem e que Olivier vai ficar bom logo, falei de como a situação daqui é horrível e que tenho que tentar mudar algo. Perguntei á ele se está bem, como anda a situação lá na França, e se a população ou a nobreza fizeram mais alguma coisa.


3 de maio de 1790: Passei o dia com o meu irmão, estávamos lembrando de nossa infância, lembramos das escolas, da casa que moramos, dos nossos pais e familiares, compartilhamos várias memórias. Falei com ele sobre os escravos, e ele me disse que é necessário para que o trabalho renda e para que ele consiga vender muito. 22 de maio de 1790: Eu e Nicole estamos nos tornando muito amigas, como não conheço ninguém daqui, ela tem feito companhia a mim, e temos tido ótimas conversas. Hoje de manhã, ela estava me falando que os colegas dela não aguentam mais o jeito que são tratados, me falou que eles estão sabendo do que vem acontecendo na França e que as medidas que a população está tomando inspiram eles. Ela me contou que, em algumas fazendas alguns escravos estão fugindo e se rebelando, falei que apoiava a causa, afinal odeio essa forma de trabalho, e acho que não deveria existir em lugar nenhum, falei a ela que se precisarem de alguma ajuda eu estarei á disposição. 15 de junho de 1790: Meu irmão têm mostrado uma enorme melhora em sua condição física, já tem três semanas que o mesmo consegue andar sozinho, e fazer coisas sem ajuda, acho que a minha chegada deu um ânimo nele, pois ele me escrevia que, apesar de ter uma vida boa aqui, não se sentia em casa, e, desde que sua mulher faleceu, têm se sentido muito sozinho. 17 de julho de 1790: Recebi uma carta de Marlon, nela ele me contava como a cidade está horrível e triste, mas que ele está conseguindo comida o suficiente para se manter vivo. Ele me falou sobre uns concursos que estão para começar, falou que são concursos para decidirem qual será a roupa ideal de um revolucionário francês; fiquei a imada com esse concurso, meu filho disse que o mesmo acabará no final de setembro, e que, como vou voltar em duas semanas, ainda tenho tempo de participar. 21 de julho de 1790: Partirei amanhã de volta para França, passei ótimos dias aqui junto ao meu irmão, e me aproximei muito de Nicole, que se tornou uma pessoa importante para mim, espero conseguir falar ainda com ela por meio de cartas, porque como ela trabalha dentro da casa de Olivier, fica mais fácil de manter algum contato, as cartas chegam diretamente para ela, e então, ela entrega à Olivier.


28 de agosto de 1790: Não via a hora de sair daquela embarcação e chegar logo em casa, descobri, com essa viagem, que não gosto do mar. Quando cheguei, fui logo falar com o meu filho sobre os tais concursos que estão pra acontecer e ele me aconselhou a começar logo meus projetos, e foi exatamente o que fiz, naquele mesmo dia já comecei a ter ideias e a me inspirar nas pessoas que estavam lutando por essa causa, e para a igualdade de todos. 19 de setembro de 1790: Hoje entreguei meu projeto para o concurso, tínhamos que desenhar três tipos diferentes de roupas, para que não ficassem todos iguais em todo tempo. A população votará no projeto preferido, e isso deve durar uma semana, e então, o mais votado ganhará uma boa quantia e sua criação será usado por todos os revolucionários. 3 de novembro de 1790: Soube hoje que o meu projeto não foi o mais votado, e que, acabou ficando em segundo lugar, mas um homem chamado Pierre, viu minhas roupas e se interessou pelas mesmas, pediu para que eu fizesse um traje para ele, percebi logo que ele têm uma boa condição e que pode ser a minha salvação nesse momento de crise tão grande no país. 29 de novembro de 1790: Terminei essa semana a roupa de Pierre, então entreguei à ele, que por sinal foi muito gentil e já me encomendou mais coisas. Ele caiu do céu, bem quando estou precisando desse dinheiro, ele aparece. 6 de janeiro de 1791: Pierre me disse hoje, que quer patrocinar minhas roupas do projeto do ideal revolucionário, falou que são muito bonitas para serem desperdiçadas e que isso será bom para ele, e consequentemente para mim, afinal, eu que vou fazê-las, então terei dinheiro para comer, e ele ganhará nome e mérito pela iniciativa. 27 de fevereiro de 1791: Eu e Pierre estamos nos dando muito bem, decidimos começar um relacionamento, afinal, ele não é casado e meu marido faleceu há sete anos, e apesar de ter medo de me machucar e machucar meu filho, ele me parece uma ótima pessoa. O único problema é que, ele tem mais dinheiro que nós, e nessa fase da vida dos franceses eu não queria ter esse privilégio, e muito menos meu filho. Percebi que Marlon não gostou muito dele, mas acho que com o tempo isso pode se acertar.


18 de março de 1791: Estou adorando esse meu novo trabalho, assim, sinto que estou sendo útil em alguma parte da revolução, sei que não é muito, mas me sinto mal por agora poder ter mais dinheiro, e assim ter um emprego, comida e casa garantidas, o que não está acontecendo com a maioria que vive ao meu redor. 4 de abril de 1791: É meu aniversário e meu dia não podia estar melhor, encontrei Pierre, passeei com Marlon, porque afinal, ele não gosta de meu namorado, e prefere não encontrar com o mesmo, e agora, vou terminar mais algumas roupas. 25 de maio de 1791: Estava lendo esses dias meu diário, e fiquei com saudades de Nicole, estou pensando em mandar uma carta à ela, perguntar como anda a vida lá em São Domingos; queria saber se continuam com o trabalho escravo, se meu irmão já está totalmente bem, como está o filho dela, e esse tipo de coisa. Acho que vou escrevê-la agora mesmo. 11 de junho de 1791: Pierre me pediu em casamento hoje, e eu, certamente aceitei, afinal, nos amamos muito, e estamos passando ótimos momentos juntos. Preciso dar a notícia à meu filho, espero que ele reaja bem, afinal, me faz muito bem estar com Pierre. 1º de julho de 1791: Não param de falar nas ruas sobre a tentativa de fuga do rei, quando escutei nem acreditei, meu filho vai chegar em casa e não vai parar de falar sobre o acontecido, afinal essa tentativa de fuga mudará muita coisa, só quero saber se vai ser para pior ou melhor. 17 de julho de 1791: Meu casamento com Pierre será no dia 8 de novembro, achamos melhor marcarmos logo a data e não esperarmos muito tempo, temos medo que a situação por aqui piore, e por isso não consigamos nos casar. 22 de agosto de 1791: Estou muito feliz que Nicole respondeu a minha carta, disse que meu irmão por enquanto está bem, mas não sabe por quanto tempo, porque os escravos da região estão planejando uma rebelião, e ela não sabe se ainda, se farão algo com os donos das fazendas, mas creio eu que o mais provável é que façam, e isso me preocupou. Quer dizer, é claro que fiquei feliz com a notícia da possível rebelião, mas me preocupo com meu irmão é claro.


4 de setembro de 1791: Soube que foi imposta ontem a Constituição Francesa, a primeira lei maior da França, ela é fruto das conquistas do povo e de suas reivindicações, e isso só mostra que as pessoas tem que continuar com suas lutas. 8 de novembro de 1791: Agora, estou oficialmente casada com Pierre, e isso me dá uma alegria enorme, espero que isso dure por muitos anos, e espero também que meu filho consiga aceitá-lo, mesmo com suas diferenças de pensamentos. 26 de dezembro de 1791: Hoje me bateu uma tristeza e uma saudade. Sai de casa, e quando olhei à minha volta, havia conhecidos meus espalhados pelas ruas sem terem o que comer. Sempre que sobra comida em casa dou a eles, tenho saudades de quando podia caminhar pela feira e escolher o que queria comer, conversar com minhas colegas, e trabalhar em minhas roupas. 12 de fevereiro de 1792: Meu marido me contou algo muito sério hoje, e eu não soube como reagir, disse que não é a favor da revolução que está acontecendo, e apesar de seus motivos serem um tanto quanto egoístas, eu continuo querendo estar com ele; o único problema é Marlon, se ele descobre, acaba com Pierre, e eu não quero que isso aconteça, então preciso manter isso em segredo. 24 de março de 1792: Recebi hoje outra carta de Nicole, falava que meu irmão havia sido morto, assim como vários outros franceses, e que esse era só o começo. Ela falou, que apesar de não gostar de meu irmão, sente um carinho enorme por mim, e por isso lamenta pela minha perda, mas fala que foi necessária, para que eles consigam a liberdade que por tantos anos almejaram. 5 de abril de 1792: Mais um aniversário de passou, e dessa vez, não foi um dia feliz e digno de comemorações, não consegui fazer nada ontem, só pensava nos mais pobres e de como eles devem estar sofrendo e revoltados, pensava no meu filho, que luta tanto pelo que acredita, enquanto eu, que podia estar fazendo o mesmo, estou estagnada em boas condições; não posso mudar muito, afinal, teria que deixar Pierre, e não é o que quero. 14 de junho de 1792:


Marlon descobriu sobre Pierre, estou com medo do que ele pode fazer contra ele, e estou pensando como ele deve o odiar agora. Vou contar para o meu marido sobre a situação, e avisar para que tomemos cuidado, pois agora, sabem que moro com o inimigo do povo. 23 de julho de 1792: Já fazem alguns dias que não consigo parar de pensar sobre Marlon ter descoberto. Pierre disse para eu ficar calma e não me preocupar com isso,ele acha que não vão fazer mal a pessoas importantes, porque isso seria ruim para eles, mas eu não tenho tanta certeza quanto á isso, afinal, eles não tem mais muito a perder. 28 de setembro de 1792: Estou com medo do que vem pela frente, os jacobinos lideraram um massacre de monarquistas que estavam presos, e foi feita uma Convenção Nacional, em que nela ficou decidido que o rei Luiz XVI seria executado na guilhotina. Eles tomaram ótimas decisões nessa reunião, é claro, em relação a acabar com a escravidão, igualdade de impostos, e outras coisas, mas os girondinos acharam radicais de mais. 2 de dezembro de 1792: É muito perceptível que os girondinos estão com raiva e totalmente contra as decisões que foram tomadas, vários jacobinos estão sendo mortos, e as pessoas não têm certeza do porque, mas é claro que estão vindo de seus opositores, que não aceitaram o que aconteceu. 23 de janeiro de 1793: Estou ainda pasma com o que aconteceu antes de ontem, soubemos que o rei foi guilhotinado na Praça da Revolução. As pessoas que conviviam comigo estão felizes e muito esperançosas, eu não sei bem o que estou sentindo, mas é uma mistura de felicidade com preocupação. 14 de março de 1793: Meu marido chegou em casa preocupado hoje, falou sobre um Tribunal Criminal que foi criado esses dias pelos opositores dele, o objetivo do tribunal era combater todo o tipo de contra-revolução que aparecesse, eu fiquei um pouco preocupada por causa de sua situação em relação a revolução, afinal, meu filho agora sabe o que ele pensa. 4 de abril de 1793: Esse foi um dos aniversários mais estranhos que passei, eu estava feliz pelas conquistas do povo, e por meu filho estar conseguindo ir tão longe com o que acredita,


mas estou preocupada com Pierre e comigo, sei que não devia o apoiar com sua opinião, mas quando discutimos sobre isso ficamos mal por vários dias, então prefiro não contestar muito. 24 de maio de 1793: Fiquei muito surpresa hoje ao receber uma carta de Nicole me contando como a revolução, aqui na França, está sendo boa para os escravos de lá. Ela disse, que quando os fazendeiros de São Domingos souberam que o rei da França foi guilhotinado, decidiram parar a luta, e alguns fugiram para Cuba, e por enquanto não foi decidido o que será feito com a terra, mas ela diz que eles se sentem bem no momento. Fiquei feliz por ela, e foi muito bom saber que as decisões que foram tomadas aqui ajudaram lá. 13 de julho de 1793: Hoje encontrei uma vizinha minha, que costumava ser minha colega, a mesma disse que está um pouco decepcionada comigo, por eu ter me casado com um homem como Pierre, e que espera que eu volte a ser como era. Confesso que me senti mal na hora, mas ela tem razão, não fui a melhor pessoa nesse momento de crise do país, pensei muito mais em mim do que nos outros, mas acho que não tinha muita escolha, afinal queria muito me casar com Pierre e tentar ter uma vida melhor naquele momento. 5 de agosto de 1793: Marlon veio me falar para tomar cuidado, porque criaram um Comitê para perseguir quem é contra a revolução, e pelo que disse, sabem que Pierre é contra a mesma, e meu filho tem medo que aconteça alguma coisa comigo. 18 de setembro de 1793: As coisas estão ficando bem mais sérias e perigosas para nós, estão começando a executar várias pessoas que não apoiam os jacobinos, eles falaram que começou a política do terror agora, e que, para que a revolução dê certo, os opositores precisam ser mortos. 6 de novembro de 1793: Muita gente está morrendo, então eu e meu marido decidimos não sair muito de casa, apesar de saberem onde moramos, por causa dos vizinhos, continua sendo mais seguro em casa. 3 de dezembro de 1793:


Eu e Pierre já percebemos, faz uns dias, que têm pessoas nos observando perto de nossa casa, não estamos gostando dessa situação, porque com certeza não é por bem. 29 de dezembro de 1793: Queimaram nossa casa hoje, com sorte eu e Pierre conseguimos escapar, mas não sei por mais quanto tempo, afinal, são muitos contra nós, e me parece que não têm piedade.


René Apollon e sua compreensão de como o mundo a sua volta funciona Marina Mann

Vivia na França na cidade de Marselha no ano de 1785. Não sabia que a revolução francesa estava por vir, mas isso explica muitas coisas que aconteceram comigo nesses quatro anos. Vou contar a vocês: Trabalhava com a terra,era camponês, tinha uma propriedade pequena que produzia coisas para minha alimentação, às vezes conseguia vender para outros locais, era assim que sobrevivia. Com o que eu ganhava sustentava minha propriedade. Vivia tranquilo. Um sentimento de calmaria pairava sobre mim. Como a França havia perdido a Guerra dos 7 anos que ocorrera alguns anos antes e ainda tiveram gastos com a independência dos Estados Unidos, estavam com um déficit no orçamento. Em resposta a tal ocorrido eles estavam aumentando os impostos e a fiscalização para poderem aumentar a arrecadação para sustentar o regime monárquico. Isso me afetou diretamente, não ganhava o suficiente para sustentar o meu pedaço de terra e ainda pagar mais impostos exigidos pela monarquia. Me vi obrigado a


sair de onde estava. Havia um sentimento de incerteza sobre o meu corpo. Caminhei sem rumo. Buscava algo que pudesse fazer, de preferência trabalhar com a terra. Era janeiro, mês de inverno aqui na França, um simples ato de caminhar se tornava mais difícil. O chão coberto de neve era um dos maiores impedimentos. A medida que caminhava, via e ouvia relatos e pessoas que vinham de uma direção oposta a minha dizendo que se eu caminhasse mais chegaria a uma espécie de distrito que eu não entendia muito bem o que era, porém que teria trabalho e abrigo para mim. Andava e quando anoitecia, parava, dormia e voltava a andar no dia seguinte. E lá se foi um mês. Quando cheguei a esse lugar que se encaixava nas descrições que me haviam dito já era fevereiro. Fui entrando, quando me deparei com outros camponeses,um em específico se mostrou muito apto a me ajudar. Seu nome era Lohan Frederic. Conversei com ele por alguns minutos e a conversa foi mais ou menos assim: -

Oi, qual é o seu nome? Me chamo René Apollon, queria saber onde estou e o que posso fazer neste lugar.

-

Bom, prazer. Você está em Paris, no feudo do Senhor Neville Maurice. Aqui você pode servir como um servo assim como eu, ele me garante proteção e abrigo, enquanto eu produzo para ele. É assim que eu vivo.

-

Achei uma boa proposta, estou a um mês vagando até chegar aqui, é o melhor que eu posso conseguir. Existe algum jeito de eu chegar até o Senhor?

-

Existe sim, vou levá-lo até ele.

E assim foi, fui falar com o Senhor Neville Maurice e ele disse que eu poderia morar em seu feudo. Com o passar dos meses, percebi que não era tão bom quanto imaginava. Eu devia muitas coisas ao Senhor, uma vida muito diferente da que eu tinha em Marselha. Nós èrmos muito explorados. Tínhamos que ceder a maior parte do nosso tempo, além de pagar com uma parte da nossa produção. Não tinha a opção de sair, pois devia coisas ao senhor e também se saísse, para onde iria? Muitas dúvidas rondavam a minha cabeça no momento juntamente com muitas incertezas. Passaram-se os anos e em 1787, as colheitas estavam indo de mal a pior, não só com o meu pedaço da terra, mas também com de todos nós servos do feudo ao qual eu pertencia. Isso fez com que Neville, assim como os outros nobres, aumentassem o preço dos alimentos para suprir a falta deles. Ou seja, nesse período toda a nossa produção


acabou sendo dada a ele. Portanto eu fiquei sem absolutamente nada, cenário esse que já tinha vivido anos atrás. Com isso percebi que teria que trabalhar três vezes mais a partir de agora para conseguir ao final do mês tirar uma parte para mim. Dito e feito, trabalhei arduamente todos esses dias e consegui tirar uma parcela considerável esse mês. Nunca era tão suficiente quanto precisava, eu vivia sozinho, por isso era mais fácil, pois precisava de uma parcela menor de alimentos. As famílias camponesas com as quais eu convivia eram maiores e além do plantio de alimentos, precisavam coletar frutos silvestres, pescar e caçar. Estava trabalhando em minha terra um dia desses, um dia bonito, ensolarado ,cheio de esperança, que poderia me render boas coisas, quando Lohan Frederic veio ao meu encontro. Conversamos bastante sobre como estavam sendo nossos dias, pois apesar de fazermos parte de um mesmo feudo não é sempre que nos encontramos. Na realidade quase nunca, pois apesar de nos vermos com uma certa frequência nunca temos tempo para parar e tirar um tempo a sós para conversar. Mas voltando ao que ele estava me falando, ele me comentou de que trocava cartas com um amigo dele que morava nas 13 colônias e que muitas coisas da história dele se pareciam com as nossas. Não acreditei muito, como alguém de tão longe consegue se comunicar. Ele também me explicou que haviam burgueses que vinham fazer trabalhos nos feudos e que era através deles que as cartas iam e chegavam. Certamente eram meses e meses para eles conseguirem se comunicar direito. Pelo jeito a anos eles se falavam, pois ele me contou uma grande parte da história, cheia de detalhes e coisas que fugiam completamente do meu conhecimento. O que ele me contou foi o seguinte: O antigo regime tinha acabado lá e começaram a surgir ideais iluministas que atuaram expressivamente na independência das Treze colônias inspirados em dois pensadores. Havia a “negligência salutar” que era a autonomia político-econômica em relação a Inglaterra. Dentro das próprias treze colônias, havia distinção em relação às atividades econômicas, no norte havia policultura em pequenas propriedades e tinha destaque para atividades comerciais, enquanto o sul era plantation. Houveram várias guerras e leis que ocorreram durante esses anos são elas: a guerra dos 7 anos-desencadeou o início da exploração das colônias, a Lei do Açúcar(1764)-cobrava impostos na exportação do açúcar, Lei dos Alojamentos(1765)colonos tinham que oferecer alojamento e alimentação às tropas inglesas em seu território , Lei do Chá e Festa do Chá de Boston(1773)-os norte americanos só poderiam consumir o chá inglês e o segundo é que destruíram carregamentos de chá dos navios que estavam no porto de Boston.


Já em 1774, houve o Primeiro Congresso da Filadélfia onde os colonos redigiram um documento em protesto a uma lei específica que acabou não dando em nada, pois o governo não cedeu. Em 1776 eles tentaram novamente e então houve o Segundo Congresso da Filadélfia, onde romperam com os ingleses e proclamaram sua independência. A Inglaterra novamente não cedeu e houve a Guerra de Independência das Treze Colônias, onde com o apoio francês venceram e foi reconhecida em 1783. Em 1787 , foi promulgada uma carta constitucional que tornou o país uma República Federativa Presidencialista. Mas a liberdade não era completa índios continuavam sendo expulsos de suas terras e homens e mulheres não tinham os mesmos direitos. Isso foi tudo que ele me contou. Achei incrível ele trocar cartas com alguém de outro continente ele sabia das mais novas notícias, achei sensacional ele já saber de algo que aconteceu no início do ano em que estamos. Eu não havia acreditado que tinham tantas coisas em comum que tínhamos como havia me comentado Lohan. Os aspectos que observei foram que eles também estavam envolvidos na guerra dos sete anos assim como nós(como nós me refiro a França) e também deve ter acarretado em alguns problemas de qualquer âmbito. Outra coisa, foi que a França ajudou na Guerra de Independência, não tinha conhecimento disso também, e nem sabia que a França estava do lado deles. Lohan me foi um grande informante, agora estava a par de tudo que estava acontecendo e havia acontecido no continente Norte-Americano. Me dei conta que sabia coisas dos outros continentes, mas não sabia do meu próprio e nem sequer da França. Era como se estivesse aprisionado em uma bolha em um mundo próprio, obviamente influenciado por fatores exteriores, mas que não me eram de pleno conhecimento. Burgueses eram quem prestavam os serviços dentro dos feudos e tinham um amplo conhecimento sobre tudo, ou quase tudo.Via eles de longe diariamente mas nunca cheguei perto para realmente tirar dúvidas, conversar e perguntar como estava. Um dia tomei coragem fui ao encontro de um, o via todo dia, devia fazer algo importante dentro do feudo. -

Olá, me chamo René Apollon, poderia tirar um minutinho do seu tempo para conversar com você?

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Oi, claro.


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Você é um burguês não é? Te vejo todo dia, o que você faz aqui? Sou sim. Eu trabalho para o senhor Neville Maurice, sou professor da filha dele.

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Nossa que responsabilidade! Pois é, mas eu gosto do que eu faço e ganho muito conhecimento com isso. Sou capaz de enxergar o mundo dentro e fora do feudo.

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Que interessante. Pois bem era nesse ponto que eu queria chegar, teria como você me dar uma explicação sobre o que está acontecendo na França.

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Claro, adoro falar sobre isso.

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Então fica combinado que a cada dia que você passar por aqui e tiver uma informação nova, você irá falar comigo?

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Isso, até qualquer dia.

-

Até!

Já estávamos em 1778. Durante esse ano ele vinha passando e falava sobre coisas que já tinham acontecido e que estavam acontecendo para poder me situar. Foi reforçado que o rei havia feito uma reforma fiscal sem abalar os interesses do clero e da nobreza e então o peso recaiu nas costas dos trabalhadores e burguesia. Mas uma coisa que eu não sabia é que isso tinha que ser aprovado por um parlamento que poderia decidir o que iria fazer com isso. Porém o rei e o parlamento enfrentavam uma crise política que só poderia ser contornada com a conclamação dos Estados Gerais. Que se deu da seguinte forma: Na primeira fase toda a população votava em representantes políticos e depois escolhiam os participantes definitivos. Cada estado tinha um número X de representantes, onde o terceiro estado tinha a maior parte dos deputados. A partir daí, se viu uma possibilidade de transformação política. Os representantes do terceiro estado exigiram que o voto fosse por pessoa e não por estado, dessa forma eles teriam mais chances de ganhar. Porque o clero e a nobreza tinham mais interesses comuns entre si do que com eles, por tanto se fosse porn estado os dois estados juntos iriam vencer.


Ao perceber o conflito de interesses que o terceiro estado teria, o rei Luis XVI tentou acabar com a assembléia, impedindo a reunião dos deputados . Obviamente os membros do terceiro estado ficaram incomodados e então eles decidiram de reunir separadamente em uma outra sala até que fosse elaborada uma nova constituição na França. E então a reunião se transformou em uma Assembléia Nacional Constituinte.O rei reconheceu as novas atribuições dos Estados Gerais. Colocou Necker para cuidar das finanças. Isso foi tudo que ele me disse no ano de 1788 e no início de 1789, parece que aconteceram muitas coisas que ele encontrava-se insatisfeito. Já era 1789, quando ele não me chegava com notícias a uns dias, achei estranho, pois ao que me parecia essas revoltas e tudo isso estava se encaminhando a uma revolução. Eis que ele me chega com a notícia de que vários habitantes de Paris achavam o Necker um patriota e fizeram protestos em desaprovação a medida do rei. No outro dia ele me chega com uma notícia fresquinha de que a população havia tomado a Bastilha com o objetivo de buscar armas e libertar os inimigos da monarquia dando início a Revolução Francesa. Isso resultou no fim da servidão,ou seja, estava livre. Nunca me senti tão bem. Me despedi do meu amigo Lohan e sai em busca de uma propriedade minha novamente. Estava Livre!


O ideais de um soldado perante a guerra. Marina Nigri 20 de outubro de 1781, 13 colônias, América: Acordo em uma maca na tenda do exército francês localizada em Yorktown. Olho ao redor e vejo vários dos meus companheiros de guerra machucados e desacordados. Reparo em nossa tenda empoeirada e no sol que bate de leve em meus olhos, nos momentos em que ele não está sendo coberto pelas nuvens (algo que já percebi ser típico durante o outono nesta terra). Meu rosto está coberto de gazes molhadas e por isso tento me lembrar de como foi a batalha que ocorreu ontem e como vim parar nesta maca inconsciente. A última lembrança que me vem a cabeça da batalha passada foi lutar ao lado de meu companheiro Erik, matar ou ferir vários soldados ingleses e depois um breu em minha memória que só voltou quando acordei nessa maca. Avisto Erik de longe e aceno para ele. Ele me nota e vai mancando até minha maca para conversar comigo, eu me levanto e vou de encontro a ele, abraço-o apertadamente e depois peço que se sente devido a sua perna. Calmamente e com dificuldade ele se senta e retorna seu foco a mim e pergunta como estou me sentindo. Respondo que estou bem mas que não me lembro com muita clareza da batalha de ontem e nem de como cheguei aqui. Ele me explica tudo: ele me explica que desmaiei apenas no final da batalha, pois caí e bati a cabeça em uma pedra. Me afirma também que após muito esforço e guerras em alto mar e em outros cenários, finalmente Cornwallis rendeu-se e ganhamos a batalha, mas que mesmo assim precisamos ficar mais um tempo para nos certificarmos que nenhuma outra batalha, bombardeio ou atentado ocorrerá. Fico tão feliz ao ouvir tal notícia que dou novamente um abraço apertado em Erik e corro lá para fora da tenda a fim de comprimentar todos os meus companheiros de batalha que após tantos anos viraram meus amigos. Quando saio da tenda minha visão sobre aquele espaço de terra onde estamos localizados muda totalmente. Estou feliz de termos ganhado a batalha, de pensar que talvez haja uma possibilidade de voltar logo à França e matar as saudade que estou de minha família e fiquei feliz também pelo povo das 13 colônias, que estão agora a um passo mais perto de atingir sua independência, afinal após tanto tempo lutando ao lado deles, compartilho dos mesmos ideais e sentimentos de liberdade que eles. Minha mentalidade mudou muito e passei a pensar parecido com a nação que aqui habita, fazendo com que parte da luta deles fosse minha também. Dou a volta na minha tenda e atrás da mesma avisto meus companheiros, sentados, relaxados após ganhar a batalha e conversando. Me junto a eles e o estado de euforia por ganhar a batalha, misturado com o de tristeza por ter perdidos vários companheiros dos quais eu era próximo, tomam conta de mim. Conversamos por horas


até a noite chegar: compartilhamos histórias, lembramos daqueles que já se foram, falamos sobre as saudades que estávamos de casa e brincamos uns com os outros, até o sono chegar e irmos dormir. Ao deitar-me em minha “cama” se é que podemos chamar isso na qual dormimos de cama, me pego pensando na minha família, em minha linda esposa e minha filha que estão á minha espera na França e na saudade que sinto diariamente por elas. Me pego pensando também em como tudo começou. (Flashback) 1778, França, Europa: Tudo começou com a vinda de Benjamin Franklin a França (que queria revanche após a derrota para a Inglaterra na Guerra dos Sete Anos) a fim de convencer o governo francês a enviar tropas para as guerras de independência das 13 colônias, onde as tropas francesas batalhariam contra as inglesas. Tal acordo foi feito e ficou então decidido que as tropas francesas se aliariam às revolucionárias. A França logo depois convenceu a Espanha a se aliar também as tropas revolucionárias. Nós, franceses, separamos tudo, preparamos as embarcações, a comida proporcional ao tempo em que ficaríamos em alto mar e checamos as condições dos navios. Despedi-me da minha família dando um abraço muito apertado em minha filha e mulher, com medo de não voltar mais, medo que permanece em mim até hoje. Nunca havia ido a um lugar tão longe assim de minha cidade natal, tão longe de minha casa. Fiquei assustado ao receber a notícia de que estávamos indo as Américas. Logo eu, um simples soldado destinado a servir meu país. Daria tudo para receber outro abraço da minha família. Entrei na embarcação e zarpei em direção às Américas. 1779, em alto mar: O medo tomou conta de mim. Passei várias horas preocupado se reveria minha família,

como seria essa terra nova e estranha e como seriam as batalhas. E o

pensamento dos revolucionários das treze colônias, seriam esses ideais parecidos com os falados lá na França? Francamente não estou muito por dentro deste modo de pensamento, do qual há vários intelectuais lendo sobre livros a respeito desta filosofia em rodas de conversas de leituras ou até mesmo em esferas públicas. Nunca me interessei a respeito desta filosofia, mas sei que ela se opõe às opiniões do rei. Logo, por eu servir ao rei, nunca fui e nem iria à rodas de conversa como essa. É noite, as estrelas brilham em cima de mim e eu as observo. Volto a pensar em minha terra natal e também penso o quão longe eu estou da mesma. Reflito e bate um desespero ao pensar que estou em uma embarcação cercada apenas por água, longe de


casa, longe da minha família, indo há uma terra a oeste da nossa, da qual não conheço nada. Um homem que assim como eu estava observando as estrelas, senta-se ao meu lado e pergunta-me o que eu acho que encontraremos lá assim que chegarmos. Respondo que acho que assim que chegarmos daremos em um porto muito mal construído, com poucas e pequenas embarcações e com algumas pessoas em vestimentas peculiares. A partir daí conversamos durante muito tempo naquela noite, descobri que seu nome era Erik, ele era um excelente soldado e diferente de mim, não possuía família alguma na França. Conversamos a viagem inteira e ele virou um dos meus grande companheiros de guerra. Finalmente, após três longos meses, chegamos na colônia da Inglaterra. Nos deparamos com os colonos e fomos recebidos pelos soldados do exército de George Washington, que nos mostraram nossas acomodações. Os colonos que moravam ali por perto nos estranharam no início, mas depois a convivência foi se adaptando. Após um ano estando lá e de muitas conversas com os revolucionários, aprendi a falar o inglês, a língua deles, algo que já me era familiar devido a proximidade da Inglaterra com a França. Porém, não sei ler nem escrever tanto o inglês como o francês, sei apenas falá-los. E após diversas conversas com os revolucionários, aprendi sobre seus ideais e sobre essa nova filosofia que também circulava na França. Me identifiquei muito com essas ideias chamadas de iluministas, mesmo indo contra minha ética, (pois sirvo ao rei que é contra isso). O que me colocou e ainda me coloca em um dilema entre o meu pensamento crítico e os de quem eu sirvo. (voltando ao presente) 1781, 13 colônias, america: Mais um dia em que acordo aqui sem fazer nada, apenas esperando algum acordo ser firmado para que a nossa estadia aqui possa ser dispensada e possamos voltar para casa. Outubro de 1783, 13 colônias, América: Chegou ao nosso conhecimento a assinatura de um tratado que declara paz entre as nações envolvidas na guerra de independência das 13 colônias, o que nos inclui. A volta para casa está ainda mais perto, agora só precisamos esperar que as últimas frotas britânicas saiam desta terra para que possamos retornar às nossas casas em segurança. Durante meu tempo aqui conversei muito com meus companheiros de guerra e com os revolucionários sobre os ideais iluministas, aprendi-os e passei a concordar com sua maioria. Aqueles pensamentos passaram a fazer muito sentido para mim e já nem sei mais como era minha mentalidade antes de aprender sobre o iluminismo.


O iluminismo é uma corrente filosófica que preza a utilização da razão, critica o absolutismo (todo o poder concentrado na mão de apenas uma pessoa) e o controle ideológico promovido pela igreja católica. Há vários pensadores que fazem parte dessa linha de pensamento. Dentre esses intelectuais, meu favorito é Voltaire, que defende a liberdade de expressão, religiosa, política e econômica, além de criticar o absolutismo. Antigamente quando não pensava e/ou criticava o mundo a minha volta, não tinha visto o regime absolutista como um problema, mas agora refletindo sobre ele consigo perceber que este regime limita nossa liberdade, nos censurando e o quanto os poderes na mão de uma só pessoa pode ser perigoso. Dentre meus ideais iluministas o mais importante para mim é a liberdade, acho que muito por influência dos revolucionários daqui e do modo que vejo a importância da liberdade para eles. Dezembro de 1783, 13 colônias, América: Finalmente os Ingleses foram embora e agora é a nossa vez e já preparamos todas as embarcações. Sairemos daqui amanhã de manhã. Fico ansioso pensando em como vai ser reencontrar minha família após tantos anos, como minha filha estará crescida e a França mudada. Mas ao mesmo tempo fico triste de ter que me despedir de meu amigo Erik. Ele conheceu aqui uma mulher revolucionária pela qual se apaixonou e agora não vê mais sentido em voltar à França, tendo em vista que não tem ninguém lá. Fazemos nossa última confraternização com Erik antes de sair daqui. Conversamos muito, relembramos histórias nossas, nos despedimos de Erik e finalmente fomos dormir. Acordamos, entramos nas embarcações e fomos em direção às nossas casas. Março de 1784, França, Europa: Chegamos à França. Me deparo com minha mulher e filha e dou um abraço bem apertado nelas. Fiquei impressionado ao ver minha filha, ela cresceu muito durante esse tempo e agora já está com 8 anos! Conto de minha viagem e de todos os aprendizados que tive, de todos os amigos que fiz, dos revolucionários da América e dos costumes de lá. Contei que aprendi muito sobre iluminismo durante a viagem e que penso agora em ir a encontros secretos iluministas. Minha mulher hesita no começo, pois ela não entende ainda muito bem essa filosofia e tem medo do perigo que a mesma pode causar para nossa família. Eu então explico essa filosofia a ela, digo tudo que aprendi, o que essa linha de pensamento preza, seus filósofos e objetivos.


Ela passa a entender meu pensamento e diz que tudo bem eu ir aos encontros, mas apenas se eu for de forma anônima utilizando pseudônimos, para que ninguém descubra quem sou, diminuindo as possibilidades de acontecer algo ruim comigo e deixando minha família em segurança. Duas semanas após meu retorno à França, fico sabendo de um encontro de intelectuais iluministas em uma praça perto de casa. O encontro acontecerá às oito da noite do dia seguinte. Fico deitado e rolando na cama ansioso pelo mesmo afinal não sei como funcionam. Fico me perguntando qual será o tema e como são guiados. Torço para que o tema seja relacionado ou interligado com liberdade, o meu principal ideal iluminista. No dia seguinte à noite vou ao encontro. Chego lá às oito em ponto e percebo que já há bastante gente. Oito e dez começamos nossa reunião devidamente. Sentamos em roda e nessa roda há três pessoas com livros nas mãos. Um deles aparenta ter minha idade, já os outros dois parecem ser bem mais velhos. Um dos mais velhos inicia o assunto com uma breve introdução sobre os valores iluministas e sobre a importância da educação para o mundo, revelando que o tema de hoje é “o iluminismo através da educação”. Partindo desse tema, os três homens que estão conduzindo esse encontro leem em voz alta, (para aqueles que, como eu, não sabem ler ou escrever pudessem entender) alguns textos que tratam desse tema. Após a leitura desses textos debatemos sobre eles, sobre nossas opiniões e como isso funcionaria na prática. A reunião acabou, mas outra já foi marcada naquele mesmo lugar e mesmo horario daqui a uma semana. Volto para casa e me sinto outro, aquela troca de idéias fez muito bem para mim. Conto tudo para minha mulher e vou dormir, ainda pensando sobre tudo o que ouvi aquela noite. Ao longo do tempo, fui em vários outros encontros iluministas, na maioria das vezes com a mesma turma do meu primeiro. Conversamos sobre os mais diversos assuntos e cada vez me agregava mais e mais. Conversamos muito sobre o absurdo que eram nossos impostos e o porquê desse absurdo, fazendo com que toda vez que chegava o dia de pagar as contas eu ficasse mais e mais irritado.. 1788, França, Europa. Não dá mais para a França continuar nesse estado. A crise só aumentou, junto com os nossos impostos, e isso tem que parar! Não aguento mais pagar impostos tão caros para essa nobreza que não para de gastar com suas luxúrias. Não aguento mais fazer cara de paisagem e nao falar nada enquanto faço a segurança do palácio de Versalhes. Assim como também me angustia muito não poder falar nada a meu respeito nos encontros iluministas, pois se descobrirem que eu sou um soldado que trabalha no palácio de Versalhes, os meus colegas iluministas ou pensarão que sou um traidor, ou


irão pedir que eu faça alguma coisa dentro do palácio em prol do movimento, colocando em risco meu trabalho, minha família e ainda trazendo a possibilidade de ir para a cadeia da Bastilha, onde ficam os presos políticos que lutam contra o absolutismo. Por isso, nas reuniões iluministas, criei meu próprio personagem: um burguês, que mora em conjunto com outros em uma pensão. Meu personagem tem uma barraquinha em uma feira e não tem família. Mesmo tendo esse personagem em mente, evito falar muito de mim, para evitar possíveis erros de comunicação e acabar sendo desmascarado. Devido a crise que só vai aumentando e a indignação da população francesa o rei decidiu convocar a Assembleia dos Notáveis, propondo que a nobreza também ajudasse no pagamento de impostos, porém a mesma foi recusada. O rei então, convoca em Abril de 1789 a Assembléia dos Estados Gerais, que dessa vez conta com a representação não apenas da nobreza e do clero mas também com a representação do terceiro estado. Algo que, mesmo com a fome e com a miséria que está havendo, nos deixa momentaneamente alegres de podermos finalmente mudar alguma coisa. É votada a Assembleia dos Estados Gerais e perdemos. Tudo continua na mesma, tendo em vista que o voto era por estado e não por cabeça. Algo completamente injusto já que obviamente os dois primeiros estados votariam “não” para que não precisassem pagar impostos, e ganham a votação mesmo estando em menor quantidade de pessoas. Mais uma vez nada foi mudado. Como estamos muito revoltados e cansados de ficar esperando por alguma mudança, decidimos que vamos ter que fazer nossa própria mudança. Chega! Ninguém aguenta mais essas injustiças. Nós vamos fazer a mudança e a mudança começa agora! Pensamos muito em o que fazer para iniciarmos nossa rebelião e decidimos então formar um exército próprio. Precisaremos pegar em armamentos e munições. Sei o quanto isso será perigoso para mim e para a minha família, por isso secretamente decidi que não irei lutar ao lado deles, mas irei ajudá-los na formação do exército e nos planejamentos, utilizando minha inteligência em planejamento de exército adquirida ao longo dos meus anos de serviço. Organizamos então em julho um exército formado majoritariamente por burgueses e camponeses. Para que esse exército tivesse de fato alguma força precisamos de armamentos. Pensando nisso, o Palácio dos Inválidos é a melhor forma de conseguilos. Fizemos todo o planejamento de como invadiremos o palácio e de como conseguiremos as munições na Bastilha. A invasão no Palácio dos Inválidos para conseguirmos armamentos será amanhã e a invasão da bastilha depois de amanhã. Tendo esse cenário em vista fica muito claro para mim que daqui a dois dias, dia 14 de julho de 1789, a França virará um lugar mais violento. Por isso eu e minha esposa arrumamos tudo que precisamos para viver ontem, pois hoje iremos fugir daqui em busca de um lugar mais seguro para a nossa família.


Já são seis horas e estamos todos prontos para partir. Avistamos uma charrete estacionada em uma das ruas da cidade. A rua está vazia e não há ninguém tomando conta da charrete. Sim estamos roubamos uma simples charrete. Rapidamente verifico se as cordas estão realmente presas ao cavalo e subimos com todos os nossos pertences nela. Nós saímos da cidade em direção a estrada e daí nós transportamos de charrete sem rumo. Precisamos apenas encontrar um lugar no campo, sem dono, para que possamos construir nossa pequena e nova casa e plantar e produzir apenas o que consumimos. Já se passaram dois dias desde que fugimos da cidade, encontramos o lugar perfeito para nossa nova casa e agora estamos plantando nossa própria comida. Estou exausto pois trabalhei muito na nossa plantação e na construção da nossa casa, logo vou dormir. Já na cama antes de adormecer um pensamento invadiu minha cabeça e tira meu sono: A essa hora a bastilha já deve ter caído!!


Um contexto geral em foco na história Sofia Bevilacqua

Em plena França do século XVIII. Tudo bastante calmo por aqui. Cada um exercendo sua função, realizando seu trabalho, servindo ao seu senhor. Para você que está lendo e não está por dentro do contexto, eu vou facilitar e contar minha história. Vivíamos em uma europa de sistema feudal dividida em três classes: clero, que cuidava da fé cristã, nobreza, responsável pela segurança, e os servos, que trabalhavam para sustentar toda a população. Acima de todos estava o senhor feudal, ele era o topo. Nasci em família de servos, logo já estava predestinado a fazer parte dessa mesma classe, sem a possibilidade de ascensão. Todos os dias minha rotina era a mesma. Acordo cedo para fazer as tarefas de casa e logo vou para o campo regar minhas plantações e colhê-las. Meus filhos me ajudam no trabalho e sempre que podem me ajudam em casa. Este era o grande objetivo para o bom funcionamento da sociedade. Confesso que nem tudo são flores, muitos problemas estão por vir aqui no feudo, posso sentir isso. Um clima muito tenso e boatos não param de rolar. Comecei a questionar tudo e a todos. O que será que está por vir? O que vai acontecer? Quando vai acontecer? Tenho até medo, mas não posso fazer nada. Minha mulher um dia desses dando uma volta pelo feudo escutou que estava próximo de ocorrer uma conspiração e que muita coisa iria acontecer e mudar. Claro que minha preocupação veio à tona. O que será que vai acontecer conosco? Meus filhos, o que vou fazer se algo acontecer comigo? Lembro que nesse dia era tanta coisa passando pela minha cabeça que eu mal consegui trabalhar. Fui então falar com meu companheiro de trabalho e ver se de algo ele sabia. Passou uma semana e os boatos começaram a se


confirmar. Estávamos em 1780, auge da guerra das treze colônias que buscavam sua independência, e que teve seu início em 1776. Era uma guerra contra os tributos e exigências impostos pela sua colonizadora. Tais como a lei do açúcar, lei do selo, lei do aquartelamento e lei do chá introduzidas pela Inglaterra aos colonos americanos,. Esses colonos já acostumados com a autonomia não quiseram se submeter a essa nova política imposta. Foi aí que tudo começou. Organizações e discussões surgira, até a criação do Primeiro Congresso Continental da Filadélfia, em 1774. O objetivo desse evento foi reunir representantes que tinham como propósito renegar as tributações. No início não buscavam uma guerra, não contavam com pretensões separatistas, apenas queriam reverter a situação de forma pacífica. Mas nem tudo saiu como previsto. Sem obter o resultado esperado, se viram na posição de ter que enfrentar militarmente. E foi aí que se deu os primórdios da guerra que estava por vir.

Pouco a pouco o desejo de

independência vinha crescendo e junto a isso, os problemas e os conflitos cresceram juntos. Derrotas, vitórias, perdas e conquistas. Foi um começo difícil para os americanos. A busca pela ajuda da França na guerra foi feita por Benjamin Franklin, pois sabiam que a França tinha um assunto pendente com a Inglaterra devido a derrota sofrida na guerra dos sete anos. E tudo começou… Recebemos a notícia de que a França iria participar dessa guerra, o caos se iniciou. Quem iria lutar nessa guerra? Com que armamentos? Com qual preparação? Foi então que em 1780, 5500 soldados franceses foram mandados para lutar ao lado dos americanos e eu era um desses soldados. Tive que largar tudo e todos. Minha mulher, meus filhos, minha casa. Eu tinha a certeza de que não iria mais voltar e que minha história iria terminar lá, lutando em uma guerra que nem minha era. Todos os dias eu pedia para que cuidassem bem da minha família e que nada faltasse para eles. A saudade era o que mais doía e a sensação de talvez nunca mais ver eles me deixava deprimido. Aconteceu tudo muito depressa. No campo de batalha eu não sentia nada, lá eu era apenas mais um. Ninguém me conhecia e eu não conhecia ninguém. Os dias lá foram muitos. Para ser mais preciso, trezentos e sessenta. Não foi fácil mas eu sobrevivi. Acabei me ferindo em uma das batalhas e por isso tive que voltar para casa, em 1781. A guerra teve seu fim apenas em 1783, ao lado de sua também aliada, a Espanha, que foi convencida por Portugal a lutar junto. Os franceses e os espanhóis iam conquistando aos poucos pequenos territórios da Grã-Bretanha e com isso, foi cada vez ficando mais difícil para os britânicos. O envolvimento da França e de sua aliada Espanha no conflito ao lado dos americanos forçou o Reino Unido a mudar sua estratégia, sendo assim decisivo para a vitória americana. A entrada nessa guerra não foi nada boa para a França. Além de terem ganhado muito pouco, viram sua economia entrar em colapso. Foi aí que eu vi que os problemas que eu senti que estavam por vir eram reais e estavam acontecendo naquele momento.


Tínhamos muito com o que se preocupar, a França toda entrou em alerta. Perdi grandes amigos que eu havia feito durante o meu tempo como combatente. Cada perda me arrancava pedaços da pouca esperança que ainda restavam dentro de mim. Não sei de onde consegui juntar forças para passar por tudo aquilo, mas eu consegui, felizmente. A situação da França já era complicada e a insatisfação estava presente. Durante a época do Antigo Regime, já se vivia numa situação de extrema injustiça social. Era dividida em três classes, clero, nobreza e terceiro estado, onde o terceiro estado era formado pelos burgueses, camponeses e trabalhadores. Tinham a obrigação de sustentar as outras duas classes, enquanto os outros estavam isentos de fiscal, possuíam terras, prestígios e altos cargos. A pressão em cima de nós, trabalhadores estava muito grande e a insatisfação aumentando cada vez mais. Estávamos a beira de explodir, até que aconteceu.

Está cada dia mais difícil ter a vida que aqui temos. As dificuldades são muitas, os problemas também. Chegou a um ponto em que a situação social estava muito grave e a insatisfação popular fora de controle, e nós, o povo, começamos a pedir por socorro. Fomos às ruas, queríamos derrubar o poder. A revolução estava a surgir. Teve seu primeiro marco com a queda da Bastilha. Nós estávamos lutando por uma causa nossa, e tínhamos o nosso lema: “liberdade, igualdade e fraternidade”, isso era tudo para o que nós estávamos lutando. Os avanços que nós conseguimos foram muitos, a revolução estava feita. Conseguimos com que a Assembléia Constituinte redigisse e fizesse a promulgação dos Direitos do Homem e do Cidadão. Este documento trouxe significativos avanços sociais, garantindo direitos iguais aos cidadãos, além de maior participação na vida política. Com tantas mudanças, a França já era outra. Dentre as consequências geradas pela revolução para a sociedade, uma de extrema importância foi a de diversificação do


terceiro estado em partidos com opiniões variadas. São esses os grupos conhecidos como os girondinos, que representavam a alta burguesia e queriam evitar uma maior participação dos trabalhadores na política, jacobinos que representavam a baixa burguesia e defendiam a maior participação na política, e por último, liderados por Robespierre, os republicanos, radicais que defendiam

profundas mudanças na

sociedade que beneficiassem os mais pobres. Foram mudanças de fato significativas e que mexeram com toda a pirâmide estrutural da França. Eu tinha certeza de que o período pelo qual estávamos passando era um marco na história. Tudo era muito intenso e delicado, todos muito atentos a tudo que acontecia. A situação da França foi aos poucos melhorando, e o que podemos trazer de importância para os dias de hoje é que foi um marco e significou o fim de um sistema absolutista e dos privilégios da nobreza. O povo ganhou força, teve seus direitos sociais respeitados, mais autonomia. Os poderes já não estavam mais nas mãos de apenas uma pessoa, agora é dividido em três: legislativo, executivo e judicial. Houve a criação de assembleias para representar o povo, oterceiro estado. A vida dos trabalhadores urbanos e rurais finalmente foi melhorando. Sempre há os dois lados da história, apesar de muitas coisas terem melhorado, tem o outro lado. Com essas mudanças

a burguesia aproveitou para

conduzir o processo de forma a ter o seu domínio social. Fez também com que houvesse a independência de alguns países da América Espanhola e muito isso foi devido aos ideais deixados com a independência americana, ideais iluministas. Finalmente um período de calma e paz, tudo estava mais ou menos no lugar, sem muitas dificuldades. Minha família estava bem, todos com saúde, meus filhos já crescidos mas sem muito entender pelo o que tinham passado. O trabalho ia bem, estávamos conseguindo nos sustentar tranquilamente, manter nossa casa. De vez em quando é claro que aparecia um problema aqui, outro ali, mas nada em grande escala. Já que estamos contando um pouco do período que marcou a Revolução, não podemos deixar de falar sobre a revolução Haitiana. Ela ocorreu em 1791, e foi uma grande rebelião de escravos libertos que ocorreu na colônia francesa São Domingos. A rebelião conduziu a independência desta colônia que foi motivada pela exploração e violência do sistema colonial escravista francês naquela região. Tudo começou quando esta região deixou de ser de domínio espanhol e passou a ser de domínio português através do Tratado de Ryswick. O sistema que foi imposto a essa colônia pelos franceses fez com que ela prosperasse bastante e servisse como refúgio. A violência que os escravos sofriam fez com que o desejo de rebelião se iniciasse, gerando inúmeras revoltas. Teve o seu início de fato quando cerca de cem mil escravos já haviam se rebelado. Muito influenciada pela Revolução Francesa e os ideias de igualdade entre os homens serviu de inspiração para a luta pela liberdade e direitos, afinal ambas estavam ocorrendo numa mesma época. Os escravos lutavam pelo fim da escravidão, e os negros


libertos pela igualdade de direitos entre negros e brancos. As lutas contra as tropas francesas eram constante e a força do movimento foi tão grande que, juntamente com os desdobramentos da Revolução, resultou na abolição da escravidão em todas as colônias, inclusive de São Domingos, três anos após o início das revoltas, em 1794. Mas a história não terminou por aí. As tropas francesas foram lideradas por Charles Leclerc, que retomou o controle da situação em São Domingos e ainda conseguiu aprisionar o Toussaint Louverture, líder haitiano que acabou permanecendo lá até a sua morte. A liderança então passou a ser de Jean-Jacques Dessalines que trouxe de volta a luta contra os franceses e conseguiu finalmente derrotá-los de maneira definitiva em novembro de 1803. Um pouco após isso em janeiro de 1804 foi declarado a independência de São Domingos. Com tudo acontecendo em um mesmo período de tempo, o mundo estava em constante mudança. O novo nome dado a antiga colônia foi Haiti em homenagem às populações indígenas que viviam lá antes da chegada dos europeus. Foi uma revolução de extrema importância pois foi o único país das Américas que conseguiu sua independência através de uma rebelião de escravos.

Com o fim do sistema feudal, e após tantas mudanças, eu minha mulher e meus dois filhos resolvemos nos mudar. Queríamos paz, queríamos mudar as nossas energias, um ambiente novo, uma vida nova, melhor. Claro que jamais iremos esquecer o passado e tudo aquilo que a França nos proporcionou, mas chegamos ao limite e o que nos restava era viver o final de uma vida de forma leve e tranquila. E foi assim que fizemos. Nos mudamos e conseguimos realizar o desejo de levar o final de nossas vidas do jeito que gostaríamos. E para vocês que estão aqui hoje podendo escutar um pouco da minha história, peço que preste muita atenção para o que vai ser dito a seguir e leve isso para a vida de vocês, de geração em geração, assim como minha família. Entender tudo que aconteceu nesse intervalo de tempo é complicado e saber que eu fiz parte disso é ainda mais complexo, ou melhor, saber que eu sobrevivi a isso tudo e hoje estou aqui podendo contar minha história a vocês é extremamente gratificante. Por isso eu digo a todos para estarmos sempre atentos à nossa volta, pois a mudança pode estar bem ao nosso lado e não somos capazes de enxergá-la. O mundo está sempre


em constante mudança, e por mais que os problemas de antigamente não sejam como os de amanhã, não podemos esquecer que eles também existem. Por isso devemos sempre estar atento. Afinal, fazer parte de um mundo, de uma sociedade não é uma tarefa fácil, então por que não dar o nosso melhor e sermos a nossa melhor versão de nós mesmos?


Devaneios de Anne Marie: uma mulher parisiense Nina Wettreich Goldbach

Île-de-France, 29 de outubro de 1793. Cá estou novamente, com a única que sabe plenamente sobre meus ideais, revoltas e sentimentos: a minha escrita, a minha caderneta e, portanto, eu mesma. A escrita sempre foi minha válvula de escape dessa realidade imunda e corrompida na qual eu vivo desde que nasci. A escrita e a leitura são os únicos jeitos possíveis de adentrar novos mundos e o único jeito, basicamente, de manter minha sanidade mental: algo que parece faltar por aqui, na França, mais especificamente em


Paris: considerado o epicentro de tudo e todos, mas que mais parece o centro de toda a escória humana e arrogância. Primordialmente, a fonte dessa minha fúria e angústia vem do fato de eu ser uma mulher: Anne Marie Nicolette, de 30 anos, filha de Marion Nicolette e Apolline Pierre, casada com Jacques Antoine e mãe de Maxime Antoine, nome dado pelo meu marido em homenagem a Maximillien Robespierre. Poderia me definir como diversas outras coisas, como curiosa, idealista, aventureira, impulsiva e generosa porém, no momento, me sinto somente mulher, devido ao fato de que ser mulher, me faz ter essa rotina caseira, sem poder ser uma revolucionária. Essa manhã, chuvosa e com folhas laranjas que caíram das árvores espalhadas pelos becos parisienses pelos quais eu estava andando, fui notificada pela minha amiga Juliette de Condorcet que havia sido proibida a realização de clubes políticos femininos. Ambas choramos juntas, com medo de termos que acabar com o clube político o qual fazíamos parte, em meio a correria das ruas parisienses, sempre agitadas com novidades quentes sobre política, até mesmo de fora da França. Me despedi, triste, após horas de conversa, pois precisava voltar para casa e cuidar de meu filho, até porque Jacques Antoine deveria estar prestes a chegar, e eu deveria estar em casa, cuidando do pequeno futuro revolucionário como qualquer mulher francesa deveria fazer. Passei na Boulangerie mais próxima e encarei uma enorme fila para comprar pão, pois ultimamente havia faltado pão para o povo. Demorei mais do que o esperado, e na volta para casa, me deparei com Jacques Antoine na porta, que logo gritou comigo, questionando o fato de eu ter chegado tão tarde em casa[1] . Gritos por toda a casa, ele dizia que isso não era algo para um mulher fazer. Não era isso que os manuais ensinavam. Exausta desse dia tão trágico, tomei um banho e deitei em minha cama, entrando logo em um sono profundo e sem cores, o que talvez seja um reflexo do que vivo hoje e, sem nenhuma esperança, provavelmente do que viverei no resto dos dias da minha vida e, talvez, até depois disso. Île-de-France, 30 de outubro de 1793. Acordei ao som de passarinhos na minha janela, e percebi que ainda há felicidade nas pequenas coisas triviais da vida. Levantei, com um pouco mais de esperança do que fui dormir, alimentei e cuidei de Maxime e fui encontrar com as mulheres que faziam parte do meu clube político, que agora, provavelmente, teria seu fim, a não ser que tivéssemos coragem o suficiente para sermos consideradas traidoras da nação e sermos guilhotinadas. Chegando no local, começamos a conversar sobre o que seria feito em relação a nosso antigo clube, agora não mais permitido, até que brilhantemente, Manon Aubry surgiu com uma possibilidade incrivelmente sábia, de passarmos a fazer um clube de


livros e costura, no qual, na realidade, falaríamos sobre política, de forma escondida. Todas concordaram com a proposta e nós estávamos prontas para começar no dia seguinte. Começamos naquela mesma hora, e Juliette lembrou de um acontecimento muito falado: a revolução haitiana, em um país nas Américas, que é uma colônia francesa e, de acordo com as notícias, há um movimento de independência contra a França nessa colônia. Nessa mesma reunião, conversamos também sobre o assassinato de Jean-Paul Marat, faziam poucos meses, causado pela Girondina Charlotte Corday, e lembramos de como esse dia havia sido conturbado e muito falado em nosso clube. Saindo de lá, eu olhava para as estreitas ruas de paris, e olhava para o imenso céu acima de mim. Gostava de olhar para o céu e imaginar que o mundo era mais do que esse pedaço de terra corrompido. Gostava de estudar outros acontecimentos e ver as diferentes realidades, mostrando o imenso mundo onde vivo, e agora, mais conectado, me permitindo viajar sem sair do lugar. Cheguei em casa, tomei um banho e falei com Jacques, que me mostrou um quadro extremamente triste feito por Jacquel-Louis David, “A morte de Marat”, que havia saído nos jornais parisienses. Estava prestes a falar que havia comentado sobre tal desgraça hoje, no clube político, porém me toquei de que não podia, já que agora era um segredo. Eu me sentia uma traidora da nação e odiava me sentir desse jeito somente por gostar de instigar os fatos e me interessar por política. Deitei na minha cama, e pensei se realmente deveria continuar no clube, afinal as mortes de contra revolucionários só aumentavam, e era algo a se pensar. Todavia, não pararia de ir ao clube. Eu, hoje, percebo que sou resistente, fugindo do que me estabelecem e lutando pelo o que acho certo. Não importa que me achem contra-revolucionária, pois, para mim , isso que eu estou fazendo, mesmo que pequeno, é a verdadeira revolução. Vou mudando o mundo pelas beiradas, e espero que algum dia possa torná-lo melhor, para todos e, principalmente, para as mulheres, que tanto lutaram para tirar esses monarcas tiranos do poder e agora, quando finalmente conseguiram, junto a todos, são deixadas de lado. Parece que nós somos secundárias, que nós servimos a alguém. Esse clube é justamente a minha fonte de esperança, aonde eu posso aprender o que eu quero, e ser quem eu quero. Portanto, já que isso é essencial na minha vida, vou ficar. Essa é a decisão final. Prefiro a ideia de talvez morrer do que a ideia de nunca ter vivido como eu quis. Île-de-France, 31 de outubro de 1793. Hoje cuidei de Maxime o dia inteiro. Fico muito feliz com o meu papel de mãe, ensinando a ele a ser um verdadeiro revolucionário. Já o fiz decorar a Declaração dos direitos do homem e do cidadão. Ele o discursa e me enche de orgulho, e ainda mais seu pai, que chega até a chorar ao ver os feitos do nosso pequeno revolucionário. Em falar


nisso, aproveito para demonstrar minha tristeza extrema. Meu par foi ao Haiti para controlar a situação lá. Disse ele que há pouco a escravidão havia sido abolida e era preciso ir para lá para ter um maior controle da situação. Estava sozinha com meu filho e não sabia como arcar com isso, mas entendo que ele estava fazendo isso pelo bem da nação e estava muitíssimo orgulhosa dessa atitude. Pelo menos,tinha minha irmã, que morava na casa ao lado, e meu irmão, que me mandava sustentos suficientes para uma vida com graças. Nesse mesmo dia, enquanto minha irmã cuidava de Maxime, eu fui ao meu querido e temido clube político, e nós falamos sobre a independência de um novo país que havia acabado de surgir, nomeado de Estados Unidos. O país era colônia inglesa e toda França vibrava com esta independência, já que os ingleses se tratam de inimigos da nação. Houve vários rumores de que eles haviam atrapalhado a produção de chá inglês, e também fizeram uma carta de direitos, já faziam alguns anos desses acontecimentos, mas nós gostávamos de lembrar da perda da Inglaterra. O marido de uma das mulheres do clube, Anne Turneilles, também havia ido ao Haiti, porém há quatro meses atrás, e ela tinha recebido uma carta, cheia de curiosidades que leu para nós. A carta dizia muito sobre o que se passava lá e era exatamente assim: “31 de Agosto de 1793 Querida Anne, Estou com muitas saudades suas. A situação aqui é deplorável e violenta. O clima é insuportável e parece que eu estou vivendo em um úmido inferno. A população é diferente e diversa. Existem brancos como nós e também muitos seres de cor escuríssima. Chego com notícias quentes, pois ontem mesmo a escravidão foi abolida por essas terras inferiores, tanto em termos de localização como em termos de pessoas. Aqui são violentos. A França só cedeu a essa abolição pois Toussaint Louverture, negro da colônia francesa, propôs lutar ao lado de nós, franceses, caso garantíssemos a liberdade de seu povo antes escravizado, então esse acordo foi cumprido. Tudo isso foi feito pelo motivo de estarem acontecendo várias rebeliões por aqui e a França precisou evitar que os rebeldes dominassem tudo, concedendo alguns direitos, como esta liberdade. Sinto saudades, Julius.” Saí da reunião com muitas saudades e preocupada com o destino de meu marido, mas fiquei feliz por saber de tais fatos e entender melhor o que se passa naquela terra. Île-de-France, 2 de novembro de 1793.


Acordei, comi um brioche na Boulangerie, e fui para o clube. Ontem não consegui escrever pelo fato de que Maxime estava impossível, e precisei ficar o dia inteiro cuidando dele, resultando em alguns tapas e broncas. Bom, hoje fui para o lugar de sempre com as mulheres, e depois de muitas reclamarem sobre seus filhos, tarefas e problemas, uma delas, Garance Eveline comentou que tinha achado uma enciclopédia em sua casa e resolveu trazer, pois existiam lá vários conhecimentos muito diversos e novos, feita por Diderot. Nesse mesmo encontro, Juliette trouxe para nos contar a personalidade de uma mulher francesa. Se chamava Olympe de Gouges. Juliette contou que sua prima, Sophie de Condorcet fazia parte de um clube que lutava pelos direitos das mulheres criado em 1791, o Cercle Social. Ela disse que Olympe criou a Declaração de direitos da mulher e da cidadã, e apoiava, assim como eu, o fato da mulher poder estar presente na política francesa, como por exemplo, até mesmo subindo na Tribuna! Eu estava muito feliz em saber da existência dessa inspiração para mim e queria até mesmo poder conhecê-la e conversar sobre tudo o que eu sinto, como eu a admiro e até mesmo lutar ao lado dela pela participação da mulher na política e pelo seu direito de ser revolucionária. Acho que eu não tinha ficado tão exaltada assim por muito tempo. Eu estava vibrante e esperançosa de que um dia poderia ser a revolucionária que eu sempre quis e marcar a história da França. Imagina a idéia de estar presente numa daquelas enciclopédias? Seria um sonho. E, conhecendo a existência de Olympe, ele não parecia mais tão distante. Îlle-de-France, 3 de novembro de 1793. Acordei essa manhã muito feliz, tomei um banho quente, cantando o hino francês e dançando, bebi um copo de água e comi biscoitos amanteigados. Arrumei a casa e deixei-a brilhando. Costurei uma roupa para Maxime. Escrevi. Foi um dia muito produtivo, devido ao meu bom humor. Nem reparei, devido as minhas diversas atividades ao longo do dia, mas quando fui ver já estava de tarde e eu ainda precisava sair para comprar frango, batatas e outros alimentos para a casa. Saí, e fui andando feliz, cantarolando pelos becos sujos e barulhentos, cheios de pessoas nas ruas como sempre. Quando, de repente, em um certo Bistrô da esquina, vejo Juliette e Manon chorando. Muito. Me aproximo e pergunto o que houve, com o meu coração quase pulando pela garganta. Eu não sabia o que esperar, mas sentia um pressentimento horrível e tenebroso, daqueles que o coração parece congelar por um milésimo de segundo, e um arrepio sobe pelo corpo, desde os pés até o último fio de cabelo. Foi quando Juliette anunciou, algo que surgiu em mim como uma facada mortífera em meu peito: “Olympe morreu. Foi executada por seus atos. Hoje mesmo.” Fiquei sem reação. Eu simplesmente não conseguia aceitar aquilo. Aquilo não entrava em mim e era como se meu cérebro não quisesse absorver aquela mensagem. Sai correndo, também não sei o por quê, com um choro desesperador e as pernas


tremendo. Cheguei em casa e não sabia como reagir a aquele sofrimento todo. E dei sorte que Maxime já estava dormindo, junto com minha irmã, na cama, em bons cuidados. Decidi tomar um banho para ver se aquilo de alguma forma saía de mim, aquilo que parecia um espírito do mal em meu corpo. Aquilo me consumia e parecia não me deixar nem ao menos respirar. Aquilo que me deixava trêmula. Aquilo que fazia meu corpo agir desordenadamente, tremendo e com espasmos. Eu sentia um frio suor descendo pelo meu rosto. Entrei na banheira. Junto com o caderno mesmo, pois eu precisava exteriorizar tudo o que eu sentia. Foi quando me veio a mente uma ideia terrível e mórbida, que eu tenho horror de comentar. Eu queria morrer. Queria morrer e ir parar em algum lugar melhor. A minha última esperança havia ido embora. A minha última faísca de vida. Eu apenas sobrevivia, eu não vivia. Por mais que muitos não possam entender, meu querido caderno, eu não tenho mais motivos para viver. Mesmo que eu ame meu marido, meu filho, minha família e amigas, nada disso consegue suprimir o tamanho vazio que existe em mim, criado pela dor de viver restrita de ser a revolucionária que eu sempre quis ser. Eu tinha decidido. Eu iria me afogar. Portanto, aqui deixo minha carta, antes de cometer aquilo do que me libertará dessa profunda angústia: “Marido. Filho. Amigas. Irmã. Irmão. Pai. Mãe. França. Nação. Caderno. Hoje, dia 3 de Novembro de 1793, eu deixo essa terra corrompida e vou para um lugar onde posso ter a esperança de ser livre desse tamanho abismo no qual me vejo vivendo constantemente, dia após dia. Esse ato tenebroso foi o único caminho que encontrei para tentar acabar com o sofrimento. Sinto muito por deixar tantos aqui que sentirão minha falta, mas caso vocês se importem comigo verdadeiramente, um dia verão que isso foi o melhor que pude fazer. Sempre quis ser uma revolucionária, uma mulher política, que lutasse pelo destino da nação francesa, e cada vez fui vendo o quanto isso era tirado de mim. O quanto eu era privada de ser o que eu realmente queria ser. Julguem se quiserem. Daqui a pouco estarei livre dos julgamentos de meros humanos e estarei perante aos julgamentos do único poderoso que pode me julgar. Hoje, Olympe, outra mulher revolucionária morreu, e isso me fez perceber o quanto será difícil para nós sermos políticas nesse lugar. Se eu não posso ser política, eu prefiro não ser nada. Como eu já havia dito antes, prefiro a ideia de morrer do que a ideia de nunca ter vivido como eu quis. Eu não consigo achar mais jeitos de viver a vida que eu sempre sonhei, todavia, o único jeito de eu me sentir viva, é estando morta. Por mais paradoxal que isso pareça, agora eu me sinto bem. Me sinto finalmente livre. Obrigada a todos que sempre viveram ao meu lado. Agora, me afogarei, junto com minhas dores. Morrerei. Contudo, só morrerei fisicamente. Anne Marie já estava morta há muito tempo.”


Joseph Adams: a história do nascer de uma ideia que estava prestes a mudar o mundo Eduardo Landau

JAMESTOWN, Virgínia O ano era 1768, Joseph Adams ouvia seu pai a lhe contar histórias em uma cadeira de balanço que fizera no verão passado. Seu pai estava doente, prestes a partir, então Joseph fez questão de passar com ele seus últimos instantes. Versavam sobre a história de sua família e, em certo momento depois de longas horas frente a lareira e com um bom whisky na mão, atiraram-se a ler fragmentos de um diário feio e empoeirado. Pertencia ao bisavô de Joseph, um comerciante londrino que tinha amor por literatura. Dentro do baú onde se encontrava o diário, depararam-se com rascunhos e ensaios das obras de Shakespeare e de Ben Johnson, dois grandes ídolos de seu bisavô. O diário, com papel podre de cor amarelada escondia grandes revelações e curiosidades que logo despertaram seu interesse. Apesar de estar no auge de seus 26 anos, Joseph pouco sabia sobre a história de seu bisavô nas terras britânicas. Nascido e criado em uma cidadezinha no interior da Inglaterra, seu bisavô foi um grande religioso e de suma importância no processo religioso vigente na época, por volta de 1640. Era calvinista fervoroso e, preocupado com as guerras religiosas e com o cenário conturbado de seu país, buscou imigrar para a América, que para ele passou a ser a Terra prometida por Deus. A travessia era demorada, durava cerca de 1 mês, além de ser muito onerosa. Isso esclarecia muito o perfil do inglês que buscava refúgio na América do Norte, eram em sua maioria religiosos e endinheirados o suficiente para pagar por uma viagem desse porte. O diário não mencionara muitos detalhes da viagem, apenas que ao chegar nas Américas, se instalou em Jamestown, na Virgínia. Essa foi por acaso a primeira comunidade inglesa bem-sucedida nos EUA. Apesar de maioria inglesa, haviam outras nacionalidades também presentes na localidade, como espanhóis e holandeses. E o


diário seguiu nessa linearidade, contando um pouco mais de detalhes sobre seu trabalho e modo de vida. Joseph, assim como seu bisavô também era calvinista e cultivava uma ligação forte com a Inglaterra, de modo que se sentia um cidadão inglês. Leitor ávido e um entusiasta dos autores iluministas, Joseph tinha em sua bagagem cultural alguns dos mais renomados autores, que iam desde John Locke a Rosseau. Apaixonou-se por esses filósofos e pela linhagem iluminista desde os primeiros contatos, o que fez com que ele começasse a se interessar em participar de grupos anônimos, os maçons. Joseph passou a se relacionar com um grupo que pensava como ele, e que já não mais aguentava esse status de colônia e principalmente não ser reconhecido como cidadão legítimo inglês. Essa indignação se deu em grande parte pela cabeça de seu pai, que havia lutado a favor da Inglaterra na Guerra dos Sete Anos e, mesmo assim não obteve reconhecimento algum pela sua atuação. Seu pai também esboçou uma iniciativa de um grupo paramilitar para clamar por independência, mas a idade batera na porta. Joseph e seu pai não tinham uma boa relação, apenas a política os juntava. Interessante, pois o inverso sempre foi mais comum. Joseph quando criança era o mais agitado, também muito proativo e inteligente. Estudou em uma escola de freiras, a qual odiava, até os 12 anos, e depois foi para uma escola técnica da cidade. Em sua primeira escola foi expulso por não respeitar as normas religiosas, e foi amplamente combatido pela sua família, que era católica. Dessa forma, o embate com a religião passou a ser um dos focos de sua mente a partir de então. Sua adolescência foi conturbada, dividida entre brigas com seu pai e depressão. A solidão, no entanto, lhe deu o maior presente que poderia receber, o dom de escrever. Passou então a se interessar por política, e desde então levou isso como mais do que um passatempo, queria impactar sua sociedade, lutar contra o que lhe achava equivocado. Após anos e anos lendo pensadores de importância, começou a escrever rascunhos sobre o que pensava acerca de sua sociedade, focando em seu objeto de estudo principal, a relação Estado-Religião. Para entender um pouco sobre o que grandes autores pensavam sobre esse tema, Joseph se debruçou sobre livros como o Leviatã, de Thomas Hobbes. Esses livros estrangeiros eram de dificílimo acesso, mas graças a um amigo rico da família ele conseguiu emprestado. As visões de Hobbes pareciam não lhe fazer sentido algum. Apesar de descender de uma família religiosa, não acreditava na necessidade de um estado absoluto e centralizado, além da ideia de abdicar de sua liberdade para que se assegure a paz interna e a defesa comum. Todo esse pensamento ia contra sua linhagem filosófica de liberdades individuais. Em contraponto, Joseph Adams escreveu em 1773 seu primeiro livro, intitulado de: “Princípios morais da dissociação Estado-Religião”. Neste livro, ensaiou críticas fervorosas a Hobbes e introduziu o conceito de Estado laico, que serviria de base para


muitas realizações no futuro político não só dos Estados Unidos, mas de grandes revoluções, como a francesa e a inconfidência mineira no Brasil. A maçonaria, desde então, passou a ser um lugar que Joseph passou a se encontrar de corpo e alma. Tudo ali parecia familiar, criou laços e fortaleceu ideias que edificaram um processo de entrada no rumo político. Além do mais, foi na maçonaria que seu livro ganhou destaque e difusão nas 13 colônias. Com tamanha notoriedade, conheceu vários dos mais importantes líderes na época. Uma dessas figuras, e talvez a mais importante tenha sido Thomas Jefferson. Jefferson, assim como Joseph, era nascido no estado da Virgínia, só que em outra cidade, chamada Shadwell. Além de visões similares sobre filosofia e outros temas tangentes a liberdades individuais, partilhavam outro amor, os vinhos. Ambos eram obcecados pela iguaria e, anos mais tarde se viram juntos fazendo inúmeras viagens para a França e passeando pelas suas lindas vinícolas. Thomas Jefferson, em uma de suas célebres frases, disse o seguinte: "Nós poderíamos, nos Estados Unidos, produzir variedades de vinho tão boas como aquelas feitas na Europa, não exatamente dos mesmos tipos, mas sem dúvida da mesma qualidade". Essa amizade que era inimaginável tornou-se deslumbrante. Joseph passou a ser o braço direito de Thomas Jefferson, e passou a o acompanhar em várias etapas de sua trajetória política. Ganharam juntos muito destaque dentro da maçonaria e, em pouco tempo, foram eleitos como os principais nomes da comunidade local pelo seu ativismo. Em 1774 foi nomeado para a Câmara dos Burgueses, onde passou apenas um ano. Logo depois, em 1775, foi nomeado delegado do estado da Virgínia, para o Segundo Congresso Continental, junto com Thomas Jefferson. Sua ascensão foi meteórica, em poucos anos se viu transformar em uma das mentes mais influentes da política. Seus ideais cruzaram os mares e chegaram em países respeitáveis, como a França. Sua vida política estava melhor do que nunca, nunca esteve tão contente como naquela época. Fato é que, era nascido em uma família relativamente abastada, mas nunca havia recebido tanto prestígio, e agora se viu um dos líderes do que estava para ser uma revolução a nível mundial. Mas a vida política não bastava. Seu pai não sobrevivera e a família estava muito abalada. Foi um momento de muita emoção, Joseph pensou em desistir de tudo, viu a vida de seu pai escorrer por suas mãos. E o pior, não sentira que aproveitou sua existência, é mais um dos famosos casos em que as pessoas só passam a se importar quando perdem algo. Pode parecer grosso, mas é a realidade. Além do mais, a rixa entre Joseph e seu pai não era novidade para ninguém na pequena cidade de Jamestown. Reza a lenda que até tiveram uma briga que resultou em sangue anos atrás. Joseph morou boa parte de sua vida sozinho, após ser expulso de casa.


Enfim, essa foi uma fase sombria de sua vida, pouco se sabe sobre ela até então. Todo o conteúdo que estava animado para lançar com um grupo de pensadores que conhecera na maçonaria fora por água abaixo. Sua vida não lhe fazia mais sentido, e passou a se embebedar como jamais havia feito. Passou noites em claro em bares de caubói pobres, e foi cliente cativo de um prostíbulo no centro da cidade, na esquina da rua onde se encontra a St Davids Church, famosa rua. Quase não faz sentido uma rua com um prostíbulo e uma igreja, mas o que fazia sentido em Jamestown em meados de 1774? Ou melhor, o que fazia sentido nas 13 colônias em 1774? Haviam passado por um momento de muita revolta no ano passado, em dezembro. Mais especificamente no dia 16 daquele mês. O que acontecera naquele dia ficou marcado para a história. Alguns colonos, fantasiados de indígenas saquearam um grande carregamento de chá da Companhia Britânica das Índias Ocidentais. Era óbvio que não ia ficar tudo bem, os meses que se sucederam foram mais quentes do que nunca, em nenhum momento até então a repressão da metrópole foi tão intensa. Joseph não compareceu nessa rebelião, mas foi um dos grandes organizadores. Simpatizante e ativista pró-mercado, jamais ficaria quieto frente a um absurdo que esse monopólio do comércio de chá significava. Joseph aliás distribuiu panfletos pela cidade com fortes dizeres contra a metrópole, alertando sobre os abusivos impostos. Lançou então uma campanha de sonegação de impostos, um verdadeiro ato de desobediência civil. Não à toa, um dos maiores filósofos estadunidenses do século seguinte se inspirou nos ideais de Joseph Adams nessa luta anti-impostos. Era Henry David Thoreau, um verdadeiro apaixonado pela carreira política de Joseph. Durante a escuridão de sua vida após a morte de seu pai, uma amizade lhe fez mudar por completo. Thomas Jefferson, seu melhor amigo na época, o ajudou a vencer esse período depressivo. Joseph era como um poeta doente, um potencial mal explorado, uma luz que estava apagada, dizia Jefferson em um dos seus diários. A partir de então, Joseph decidiu se mudar para Charlottesville, para ficar mais perto de seu amigo, estavam planejando muito para seu futuro. As idas à casa de Jefferson, o famoso palácio de Monticello, passaram a ser cada vez mais recorrentes. As noites regadas a vinho e literatura terminavam quase sempre em alguma história a ser contada. Parecia mentira, mas não era. O resto do ano de 1774 foi assim, marcada pela sua volta à luta política e a consolidação de uma amizade para toda uma vida. O ano de 1775 começou agitado. Frustrados com a ineficácia do Primeiro Congresso Continental, que reivindicava a recusa as Leis Intoleráveis e a intensificação ao boicote de produtos ingleses, planejaram um novo encontro. No dia 27 de março, Thomas Jefferson e Joseph Adams foram eleitos delegados para o Segundo Congresso Continental, inspirados pela ânsia de uma nação independente. O Congresso aconteceu em 1775, na Filadélfia, Pensilvânia, e o resultado final foi o documento de Declaração de Independência dos Estados Unidos, inspirado em


valores iluministas. George Washington foi nomeado comandante do exército, uma das figuras que atraíram um olhar de pura admiração de Joseph. A partir de então, a Independência das Colônias transcorreu com muitas guerras e sangue derramado, as batalhas de Concord e Lexington foram umas das mais conhecidas. Era evidente que a metrópole não aceitaria com passividade esse clamor de suas colônias, e foi apenas em 1776 que o evento tão esperado se concretizou. Com seu papel de destaque nesse processo de independência, Joseph Adams passou a ser um dos alvos mais procurados do exército britânico, que passou a ocupar boa parte do território da nação que estava para nascer, os Estados Unidos. Importante ressaltar a crescente fortuna que Joseph acumulou durante esse período de ativismo, em sua maior parte de doações de famílias extremamente ricas do Norte do país. Logo após do anúncio de independência, a família Moore doou cerca de 10 hectares de uma de suas fazendas em Massachusetts, em ato de agradecimento aos serviços prestados pela nação. É uma renomada família latifundiária e um dos grandes expoentes do comercio de leite e seus derivados, que vinha sendo constantemente atrapalhada pelas ofensivas de controle do comércio por parte do governo britânico. Assim sendo, buscou exílio na França, esperançoso de fazer parte da crescente onda de iluminismo que aquele país presenciava. Partiu em agosto de 1776 em uma viagem de navio que durou cerca de 1 mês. Junto com ele viajavam outros aristocratas e latifundiários fugidos das guerras que se instalavam no nascente país. Chegando na França, no porto de Bordeaux, logo procurou por um encarregado de levar sua família para uma grande resideência no interior da cidade. Desde que percebera que a situação não estava pendendo para o seu lado nos Estados Unidos começou a trocar cartas com um amigo da família que mora na França, que fez com que as burocracias se tornassem mais viáveis. Durante um ano ficou recluso em sua residência, ocupando-se apenas de cuidar de sua vinícola. Queria esquecer um pouco a vida política e saborear os pequenos prazeres da vida de pai. Aliás, vira seu filho nascer logo no primeiro mês de estadia em seu novo lar. O bebê era filho de Martha Jhonson, uma mulher pobre que encantou seus olhos durante sua adolescência. Embora estivesse comprometido a cuidar do filho com entusiasmo, não tinha a mesma vontade em relação a Martha. Além do mais, Joseph nunca teve uma vida amorosa sólida, procurava o lazer do sexo no corpo de prostitutas. Sendo assim, não mudou sua postura e, meses mais tarde, foi abandonado por Martha. Felizmente ele manteve o bebê, que recebeu o nome de Antoine. Thomas Jefferson, que dividia seu tempo entre os EUA e a França foi nomeado como padrinho do novo membro da linhagem Adams. Era o final do ano de 1777, e as coisas estavam muito calmas. Viviam uma vida de majestade, muitas regalias e quase nenhuma preocupação. A solidão fez Joseph voltar a escrever, quase que sem nenhuma obrigação, mas sua cabeça sempre tinha ideias.


O contexto francês em nada lhe agradava, aliás era tudo o que mais odiava. Perguntava-se todo dia o que pensara no dia que havia decidido se mudar para a França. Território de nobres e padres, tudo o que ele menos desejava. Era, em suma, o oposto de tudo o que havia lutado sua vida inteira, e de forma alguma poderia aceitar um Estado absolutista como tal se estabelecia. Procurou reunir amigos em sua casa para debates e um bom vinho, e assim foi criando uma rede de pessoas que partilhavam dos mesmos ideais. Vieram figuras proeminentes da época, como burgueses que iam desde relojoeiros a donos de manufaturas e grandes banqueiros. Esses encontros duraram cerca de um ano, e Joseph, com a ajuda de seus companheiros criou, no porão de sua casa, uma sede da maçonaria. Pouco se sabe sobre o tamanho da maçonaria e sua respectiva importância nos processos políticos que apoiaram. Na região litorânea de Bordeaux, era a primeira congregação, sendo que já haviam outras, localizadas em Paris e seus arredores. Trocavam correspondências com uma das organizações de Marselha, a que contava com o maior número de participantes até então. Joseph não gostava desse caráter de pequenas células que a maçonaria adquiria, gostaria de estabelecer algo a nível nacional, queria manter suas tradições fruto de toda sua vida nas 13 colônias. Não satisfeito, endereçou uma carta ao Grão-Mestre Jacques de Bergeron, líder da maçonaria parisiense, a mais influente na época. “Grão-Mestre Bergeron, Eu, Joseph Adams, Grão-inspetor inquisidor comendado da loja maçônica da região de Bordeaux, venho por meio deste ofício prestar minha ânsia por uma congregação maçônica unificada com identidade francesa, a fim de se obter algum provento para os nossos. A desavença só não é mais magnânima do que nosso anelo. Saudações, J.A” Obteve resposta em menos de dois meses, graças à rapidez de seu criado, Hugo Chermont, um jovem de 21 anos. Fez com tranquilidade o trajeto junto com seu lindo cavalo branco, e entregou a carta na mão de Joseph assim como a recebeu. A resposta era das melhores, Jacques de Bergeron propôs um encontro de todas as entidades maçônicas na França, a fim de estabelecer uma linha de conduta e debater sobre pautas que os interessavam. Foi marcada a reunião em seu palácio modesto, com belíssimos jardins e uma linda fonte d´água bem em frente a porta de entrada. Joseph estava realizado, pudera fortificar uma organização às escuras que reunisse centenas de pessoas em torno de uma mesma causa. No dia da reunião, lá estaria ele em seus trajes de alta costura que mandara o alfaiate da cidade lhe fazer. O banquete estava belo, a comida era farta e havia um grande pianista tocando uma belíssima sequência da mais nobre das músicas da época.


Não demorou muito tempo para Joseph estranhar todo aquele cenário, aquilo mais parecia os banquetes que o rei fazia para sua nobreza, nada tinha a ver com o caráter secreto que a maçonaria detinha anteriormente em sua sede em Bordeaux, muito menos em sua cabeça. Não gostou nada do que viu, muita farra para pouca conversa e trabalho sério. Joseph se viu desiludido com a situação, e foi embora da reunião sem sequer ter dito seu nome para alguém. Se não por meio do ativismo maçônico, procurou manter sua mente ocupada em escrever. Dessa vez não era sobre críticas a sua sociedade somente, Joseph se ateve a escrever poemas e poesias, quando não estava a ensaiar seus romances. Por mais que afastado queria estar da política e das questões sociais, jamais conseguira se desvencilhar dessa sua vontade que corria em seus sangues. Tudo em suas novas obras nada mais eram do que alegorias, nas quais ele se orgulhava de espalhar por toda a França, dando os créditos a um tal de Daniel Burnier, seu pseudônimo. E assim foram os últimos anos de Joseph, que morrera em 1785, suicidado. Tamanha era a repugnância pelo cenário francês da época, de uma monarquia absolutista e uma igreja fortificada, que além de tirar sua própria vida, também matou seu próprio filho, que segundo ele não merecia viver sob aquelas abomináveis circunstâncias. Por infelicidade, não pode viver o período de 1789 e adiante, a Revolução Francesa. Teria se animado bastante, e orgulhoso de seu legado, uma vez que seu nome foi alçado como uma das bandeiras do movimento. “Talvez a Joseph não tenha faltado nada, apenas a esperança, que foi cessando conforme sua idade aumentava. Sua herança jamais será esquecida por todos nós que caminhamos contigo ou pelos que tiveram a sorte de cruzar seu caminho qualquer que fosse a aventura. Um homem de caráter e essência, daqueles que pouco se vê e muito se ouve. O mundo está cada vez mais como seus desejos mais profundos, talvez não por completo, mas de um jeito que lhe agradaria. A França hoje passa por uma transformação histórica, e nada disso seria realidade sem seu toque de genialidade e maestria. Obrigado por todos os momentos ao seu lado meu amigo, estarei brindando hoje em seu nome. Thomas Jefferson” (trecho do diário de Thomas Jefferson, em uma escritura datada de 1792)


A vida de Felipe durante o século XVIII Felipe Mandelblat

REVOLUÇÃO FRANCESA Há muito tempo atrás, para ser mais preciso no século 18 (no ano de 1784), minha família e eu, Felipe, um clássico francês, que era de classe média vivíamos na França, na cidade de Dijon. Nós não erámos da Alta Corte, nobreza, clero. Mas a gente vivia nas cidades, famosos burgos. Naquela época, eu, já com 18 anos trabalhava com meu pai, nós juntos sustentávamos o resto da família com o comércio de especiarias e outras bugigangas. Minha mãe ficava apenas em casa cuidando do lar e da minha irmã menor que tinha 8 anos. Para contextualizar, naquela época, mesmo eu e minha família, que morávamos na cidade, a França ainda era majoritariamente agrária, com produção estruturada no modelo feudal. Nessa época a França era governada por Luis XVI. Outro ponto importante é que as ideias iluministas já influenciavam diretamente o pensamento das pessoas, o iluminismo, que prezava o racionalismo, deixando o divino maravilhoso de lado, e que a fé e a política não podiam andar juntas. Se passaram alguns anos, e nas ruas, eu conseguia ouvir boatos que “A Inglaterra está se industrializando”, eles estão ficando mais evoluídos do que nós, precisamos agir. Talvez seja preciso uma mudança radical no poder.


Por isso me aproximei de um amigo, meu maior cliente, e perguntei: -É verdade o que estão falando? Ele respondeu: - Do que? De que haverá uma “revolução”, que vão tentar tirar Luís XVI do poder? E eu balancei a cabeça, fazendo o sinal de positivo. Então ele respondeu: - Mas é claro, venha com nós, o povo tem que estar unido por essa causa, a ajuda de todos é necessária. Chega de Monarquia Absolutista!!! Após alguns dias começaram a acontecer diversas reuniões escondidas, para organizar, como iríamos causar um impacto grande e tirar Luis XVI do poder. Naquela reunião foram lidos vários textos de Rousseau e Voltaire, que criticavam duramente a nobreza, seus privilégios e o absolutismo. No entanto, todos tinham medo do rei, pois em vários textos dos pensadores iluministas e revolucionários, eles contavam da repressão que sofriam. Nos jornais também anunciavam que atos ilícitos e contra o poder do rei seriam passíveis de punição. Então, até que um dos nossos correligionários gritou: - Vamos atacar a Bastilha!!!!! Sendo uma base cheia de armamentos e de grande importância para o governo, se nós conseguirmos tomar a Bastilha será um ponte pé inicial muito positivo. Se passaram alguns segundos, todos começaram a se olhar, até que começaram a ouvir vozes, gritos de : - Nossa, grande ideia!!!! Vamos atacar a Bastilha o quanto antes. Vamos nos organizar e atacar amanhã!!! Após todos esses discursos e gritos entusiasmados, cada um foi para sua casa descansar, pois amanhã seria o grande dia. Durante a noite fiquei pensando, será que vamos conseguir mesmo tomar a Bastilha, ou seremos pegos e mortos por oficiais do governo. Até que fiquei com sono e fui dormir. A noite passou rápida demais, então levantei, tomei um café e fui ao encontro dos meus amigos, na praça central de Paris. Dali, partiremos para Bastilha. O nosso principal homem gritou: - Vamos usar a cabeça, vamos pensar racionalmente. Pela frente deverá haver diversos guardas, então vamos ter que entrar por trás mesmo. Um homem gritou em resposta a isso: - Vamos logo!!! Seja o que D`us quiser. E todos responderam: - Não seja tolo, Jean. D`us não é mais o centro de tudo, agora somos nós, iluminismo que reina agora. Temos que pensar racionalmente.


Depois disso todos foram andando em direção a Bastilha, faltando 100 metros, o grande líder, Oliver cochichou e mandou ir passando a mensagem: “ vamos dar a volta para entrar por trás”. Então todos foram caminhando normalmente em volta da Bastilha, até que Oliver gritou: “ ATACAR”. Após esse grito não me lembro de muita coisa, apenas que no final estavam todos felizes e gritando: “Allez Bleus” No dia seguinte, 15 de julho de 1789, abri o jornal para tentar entender o que tinha acontecido e na capa, com letras maiúsculas: O POVO TOMA A BASTILHA. É o início de uma grande Revolução na França.

Revolução no Haiti No ano de 1790, já durante a Revolução Francesa, eu resolvi mandar uma carta para meu primo, que fiquei sabendo que agora está morando no Haiti. Então peguei uma caneta, uma pena e comecei a escrever. “Primo, tudo bem! Como está a sua vida ai no Haiti? Soube que os franceses estão com medo de perder essa colônia tão valiosa. Bom, aqui, a partir da queda da Bastilha, acho que conseguiremos tirar um grande poder do rei para instalar uma nova revolução com o povo no poder! Por fim, gostaria de dizer que estou muito feliz com tudo isso que está acontecendo aqui espero e que em um futuro não tão distante eu possa ir até aí te visitar. Um grande abraço, Felipe.” Os meses passaram-se até que um lindo dia, eu estava voltando para casa e recebo a notícia de que meu primo tinha enviado uma carta. Na carta, resumidamente, ele disse que também estava feliz pelo que tinha acontecido na França e que queria me ver em breve, me convidando até para visitar ele no Haiti se fosse do meu interesse. Como estava muito entusiasmado com aquela resposta, fui para casa, avisei a todos, perguntando também quem queria ir comigo, mas todos disseram que tinham vários compromissos. Mesmo assim, fiz minha mala rapidamente e peguei o primeiro barco em direção às Américas. Infelizmente, a primeira embarcação só sairia em dois dias. Analisando melhor, aquilo não seria tão ruim pois os barcos saiam de dois em dois meses. Portanto, esperei aqueles dois dias e enfim embarquei em direção ao Haiti. Os meses foram se passando, os mares turbulentos, pessoas ficando com viroses e tendo enjoos e eu, claro, muito calmo lendo textos da revolução e conversando com as pessoas para saber a opinião delas sobre a revolução. Esperei mais alguns dias até que enfim chegamos às Américas e não sei porque, mas ainda bem que o Haiti era a primeira parada.


Assim fui logo descendo, pegando meus pertences e andando em direção ao centro da cidade, pois pelo que eu me lembro a casa de meu primo, mesmo muito tempo depois, ainda era no centro. Quando cheguei no centro, com quem eu dei logo de cara? Nada mais nada menos que meu primo. Reconheci ele e fui logo falar, abracei-o bem forte, então depois ele me levou até a casa dele, deixei minhas malas e fomos conhecer a cidade. Por toda a cidade era possível ver faixas em apoio à Revolução Francesa. Porém no Haiti ainda permanecia o regime da escravidão, no final de 1790 e início de 1791. Por causa disso as pessoas não se manifestavam tão abertamente , mas mesmo assim se via e ouvia na rua faixas em apoio a revolução que estava acontecendo na França. Meu primo, como um bom anfitrião, foi me apresentando para todos e quando eu dizia que era francês, todos diziam você é do governo, da corte? Eles sempre faziam essas perguntas com medo do governo francês, disse meu primo. Mas quando respondi, claro que não, sou um clássico francês, humilde que veio dos burgos e ainda por cima sou a favor da revolução, aí todos olharam felizes e me cumprimentaram. Depois desse passeio pelo centro, meu primo me levou para sua casa onde ele vivia sozinho. Me chamou para conversar e disse: -Primo, não conte a ninguém, mas eu e alguns amigos estamos organizando junto com os escravos uma revolta, baseada na que vocês fizeram na França, aqui no Haiti, pois estamos cansados de escravidão e de ser colônia da França (apesar de eu te amar, Felipe) e eu respondi: - Pierre, sem mágoas, não tem problema, sou totalmente a favor de vocês serem independentes. Bom no que puder ajudar, estou aqui. E meu primo então disse: - Amigo, fique aqui no Haiti, você é muito importante para nós como exemplo, e nós estamos organizando várias revoltas para os próximos dias. Os dias foram se passando e nada do meu primo me avisar quando seriam as revoltas, até que durante uma noite sombria, enquanto eu estava lendo um livro, Pierre me chamou e disse: - Venha cá, Felipe. Preciso falar com você. Então desci as escadas da casa e dei de cara com várias pessoas que eu não fazia a mínima ideia de quem eram. Olhei então para o meu primo e ele disse: - Fique tranquilo, são meus amigos, é que nós estamos nos organizando para começar a revolta e queremos a sua ajuda. Todos disseram que amanhã iria se organizar a luta e começar uma guerra civil com o objetivo de acabar com todos aqueles maus tratos aos escravos e a busca pela independência daquele território. Um dos homens era Dutty Boukman, alto sacerdote, líder dos escravos, eu já tinha ouvido falar sobre ele, um homem de muita importância. As horas se passaram até que chegou ao dia 14 de agosto, durante uma cerimônia religiosa em Bois Caiman, o líder, aquele famoso homem Dutty Boukman, deu o sinal.


A partir daí foram vários dias de uma intensa guerra civil, mas que levou até uma importantíssima vitória, o fim da escravidão e levou à independência da então colônia de São Domingos, como era conhecido o atual Haiti. Durante vários anos, a revolução continuou com Toussaint Louvertire , como líder haitiano. Eu acabei não ficando até o final da revolução, pois tive que seguir meu caminho em direção ao Brasil, mais precisamente na Bahia, onde meu pai veio à trabalho.

Conjuração baiana Após alguns meses , anos , no Haiti , resolvi ir visitar o meu pai que estava na Bahia , por isso fui andando do Haiti até a Bahia. Levaram-se alguns longos , dias , meses e anos até que cheguei exausto até a Bahia. Logo quando cheguei fui para o pequeno sobradinho onde meu pai estava hospedado. O nosso encontro foi incrível , depois de vários longos anos nós estávamos juntos de novo. Nesses anos, mesmo com a dificuldade da língua, meu pai adquiriu grandes amigos , do famoso comércio baiano , e claro de escravos , já que eles era mais de cinquenta por cento da população baiana da época. Meu pai , seu Antoine , começou a me contar uma longa história que resumidamente dizia : -

Filho , as ideias iluministas , de igualdade , liberdade e fraternidade , já chegaram aqui , e como foram bem sucedidas as duas revoluções , eles querem agora tentar implantar também, uma revolução vindo de baixo pra cima , com o povo no poder. Quero participar de alguma forma desse revolução. Mesmo tendo marcado a viagem de volta para a França para depois de amanhã. E eu respondi :

-

Pai , não se você esta sabendo mas acabei de voltar de uma grande revolução no Haiti , com os mesmos ideais que esses ,enfim , por mim também , estamos dentro. Após essa extensa conversa , eu e ele fomos andando em direção uma

parte mais afastada da cidade, onde estava havendo um discurso sobre a insatisfação de todos com o que estava ocorrendo na Bahia. O discurso dizia : “ Nós baianos, queremos a independência de Portugal e o fim do tráfico negreiro e da escravidão nesse território. Expirados nas ideias que surgiram na França, e que foram se propagando pelo resto do mundo. Todos são iguais , sejam negros ou Brancos , todos tem o direito de serem livres e por fim mas não menos importante todos tem que se respeitar. Para encerar gostaria de dizer que estamos organizando uma grande rebelião para amanhã. “ Depois de ouvir aquele discurso , todos aplaudiram e eu fui falar cm o meu pai e disse a ele que nós tínhamos dado muita sorte pois conseguimos participar um pouco da revolução. E ele claro , concordou plenamente.


Fomos dormir cedo. No dia seguinte , acordamos cedo , tomamos um rápido café e andamos em direção ao porto. No dia 25 de Agosto de 1798, minha volta para casa , para a minha amada França. Porém o mais importante era a rebelião que estava acontecendo na Bahia com o povo no comando , os Alfaiates com o governo. Eles eram liderados por João de D’us e Faustino dos Santos Lira. Os meses se passaram, e nós , mesmo ainda no barco , recebemos a notícia de que a revolta dos Alfaiates ou mais conhecida como conjuração baiana tinha sido um sucesso ( a primeira no Brasil com o povo no poder ). Depois de 8 anos viajando , pelo mundo , eu estava enfim, em casa, com a minha família de volta , agora com uma irmã bem crescida , já entendendo tudo que estava acontecendo. A revolução naquele momento estava na fase do Diretório , governada pelos Jacobinos. Todos na cidade também já faziam alguma ideia do tamanho que aquela revolução tomou , as grandes proporções que ela teve. Os Intelectuais sabiam da existência da revolução do Haiti e da Conjuração Baiana. A noite saímos para jantar em um clássico restaurante francês , tomar um bom vinho da casa e comer o que mais eu estava com saudade, a belíssima sopa de cebola. No dia seguinte fui para o trabalho com meu pai, agora mias famosos , nossos produto eram vendidos muito mais caros. Todos na rua , conheciam nossas mercadorias e faziam questão de ir lá bater um bom papo com o meu pai. No final do dia , cansado , fui para casa , comi algo rapidamente e fui deitar. Quando deite-me comecei a pensar no que eu tinha vivenciado nesses oito anos , e acredito , tirei, a conclusão de que eu participei de grandes movimentos que ficaram marcados na história.


"Se não têm pão, comam brioches" André Zajdenweber

16 de Outubro de 1793 e enfim chegou o meu dia. A morte acontece com todos em algum momento da vida. Talvez não com 37 anos, mas considerando o que já vivi, pode equivaler a 5 vidas de muita gente. Após quase 9 meses sem meu marido, morrerei do mesmo jeito e pelo mesmo motivo que ele. Luís sempre foi um ótimo marido, já eu, nunca correspondi á ele. Com isso, mais do que justo eu ir para o céu para me encontrar com ele e tentar ser a boa noiva que nunca fui. E claro que não podia esquecer dos meus queridos filhos. Não vejo a hora de os encontrar. É incrível como a vida pode mudar drasticamente em questão de meses, dias e até horas. Eu era uma simples e indefesa garota austríaca, virei a rainha da França e hoje estou aqui, prestes a ser guilhotinada a praça pública pelos próprios franceses. Mas se dissesse que me arrependo dos meus atos, estaria mentindo. Com certeza eu e


Luís não fomos bons para a França e os franceses, mas nunca quisemos prejudicar os próprios, e sim nos proteger e garantir uma boa vida aos nossos filhos. Como nasci na Áustria, e a cultura de cada país é diferente, demorei para me adaptar e posso dizer que morrerei sem estar completamente adaptada a França. Me lembro de quando fui a uma ópera na França e ao final do espetáculo, como acontece no meu país de origem, aplaudi de pé por ter sido uma apresentação espetacular. Mas quando fui reparar, eu era a única no teatro fazendo aquilo e todos que estavam em volta de mim estavam me olhando com uma cara de assustados. Essa foi somente uma, dos diversos casos em que conheci mais da cultura da França. Mas apesar disso, eu hoje, no meu último dia de vida me considero e sinto que sou uma cidadã francesa. Após partir, o que mais vou sentir saudade do que ainda tenho, pois meu marido e meus filhos morreram, vai ser minha linda casa, de andar no jardim. Pela insegurança de andar pelas ruas, com a revolução acontecendo, passei todos esses anos na França vivendo as 24 horas do dia em nossa casa. E já que era uma casa muito luxuosa e muito grande, nunca fiz questão de sair da própria. Já que estou a algumas horas de morrer, acho importante escrever nesta carta sobre como foi minha vida desde que cheguei a França. Falar de tudo. Porque cheguei a França, porque casei com Luís, se me arrependo de algum ato, fala durante meu reinado, o que acho dessa revolução feita pelos franceses e se acho justo de me guilhotinar por estarem me acusando de traidora da pátria. E claro que dar minha opinião de acordo com o meu ponto de vista. Afinal, apesar de estar do lado oposto da maioria dos franceses, eu vivi a história dessa revolução. Toda a minha história na Revolução francesa, começa antes mesmo de eu nascer. A França e a Áustria já eram inimigas a tempos por diversos motivos. Meu pai Francisco, que era arquiduque da Áustria, e minha mãe Maria Tereza, que era imperatriz da Áustria, me mandaram para a França para me comprometer com um jovem chamado Luís Augusto, que era delfim e futuro rei da França, quando era uma criança ainda. Isso porque minha mãe queria criar uma nova aliança a França que era o então inimigo da Áustria. Ou seja, eu fui usado como peão político pela minha mãe. Em novembro de 1768 , o abade de Vermond partiu para Viena, como meu tutor . Embora eu fosse considerada bela e inteligente, também era descrita como preguiçosa e indisciplinada e não tinha o conhecimento necessário para desempenhar o papel de rainha. O abade me submeteu a um programa educacional projetado especialmente para mim, onde substituiu o estudo de livros por longas palestras que versavam sobre história, religião e literatura francesa. O programa obteve bons resultados e o tutor ficou encantado com o meu progresso. Em 21 de abril de 1770, seguida por sete carruagens, eu deixei Viena. Embora devesse esquecer minhas origens austríacas e tornar-me uma francesa de corpo e alma, como se esperava de uma rainha da França, preferi seguir as instruções de minha mãe, que me ordenou no momento da despedida para continuar sendo uma boa alemã.


E dessa forma terminou uma etapa da minha vida, para outra começar. Eu finalmente estava indo para a França para me tornar noiva de Luís Augusto e rainha da França. Quando vi Luís pela primeira vez notei que ele era muito diferente do descrito durante as negociações de casamento: era desajeitado, inábil e já bastante forte para sua idade, os retratos enviados para mim haviam favorecido muito sua aparência. E depois de muita espera, no dia 16 de maio de 1770, numa cerimônia em Versalhes, em que todo o povo foi convidado, eu e Luís nos casamos. Eu ganhei do meu marido o Palácio de Petit Trianon, em Versalhes. Me lembro que me encantei com a corte francesa, empreendi numerosas reformas no palácio, me divertia em passeios de carruagem, promovia corridas de cavalo, frequentava os bailes em que as mulheres compareciam mascaradas e gastava fortunas em joias. Meus hábitos extravagantes se tornaram alvo da revolta da população. Com isso a população e a corte francesa desde de meu início na França, já me odiava. E como modo de expressar esse ódio, me deram os apelidos de “mulher austríaca” e “outra cadela”. Diversos panfletos contrários à mim mostravam inúmeros amantes, tanto homens quanto mulheres. Porém, a única relação que tive com outra pessoa que não fosse o Luís, foi com o conde sueco Hans Axel von Fersen que, no entanto, nunca foi mencionado em nenhum dos famosos panfletos. Fersen tinha 18 anos quando me conheceu, em um baile de máscaras. Desde então passou a visitar Versalhes regularmente, onde era recebido com especial cortesia. Apesar de todos os boatos, o relacionamento com meu marido era agradável e feliz. Nós éramos completamente diferentes. Ele era tímido e introspectivo enquanto eu era alegre e festiva. O único problema que tivemos foi no início do casamento, devido à demora em efetivar a consumação do casamento, já que demoramos 7 anos para ter nossa primeira relação sexual. A não consumação do casamento era conhecida por toda a corte, que debochava dos nossos insucessos sexuais. Enquanto Luís não tratou de seu problema, sentiu-se incapaz e permitiu que eu me entregasse a todos os luxos, sem medir os gastos dos meus atos . Isso foi desastroso para as finanças do reino e, claro, fez com que a culpa e responsabilidade da crise recaísse sobre mim. Em relação aos meus filhos, tive meu primeiro bebê apenas 8 anos após meu casamento. Os falatórios maldosos da corte me acusavam de expulsar o Luís da cama, me acusando de ser frígida. Com isso, no dia 19 de dezembro de 1778, nasceu a nossa primogênita, Maria Teresa Carlota. O parto, como determinava a etiqueta, foi assistido por toda a corte. Mas o rei ainda precisava de um herdeiro. Com isso o nosso segundo filho, o delfim da França, Luís José, só nasceu em 22 de outubro de 1781. Depois de dar um herdeiro ao Estado, eu poderia legitimamente ser considerada a rainha da França. Ainda que a felicidade pelo nascimento do delfim tenha se espalhado por todo o país, não impediu a circulação de panfletos satíricos que questionavam a paternidade da


criança. A minha reputação, já minada pelos rumores sobre meus modos displicentes, saiu ainda mais danificada. Eu ainda tive mais dois filhos, Luís Carlos e Sofia, que infelizmente morreu com poucos meses de vida. Mesmo com todas as acusações, eu me preocupei com a população quando meu marido finalmente deixou transparecer os problemas de Estado. Em diversas cartas para a minha família na Áustria, eu demonstrava meus temores devido à crise. Eu reduzi gastos, contribui para a caridade, entretanto o estrago à minha imagem já estava feito. Os líderes da Revolução Francesa me utilizaram como "bode expiatório" de toda a crise que a França passava. Falando mais sobre a Revolução Francesa e como eu vi em relação a toda essa situação. Antes de entendermos a revolução, temos que ir até o início dessa história toda. A revolução começou por vários motivos. De várias causas, uma delas foi a Crise financeira que estávamos vivendo na França. A crise financeira francesa decorrente de safras ruins nos campos, das guerras e da decadência da monarquia que pressionava cada vez mais a população para manter seu padrão de vida levou o povo a um estado generalizado de insatisfação. Ao mesmo tempo, a monarquia não parecia conter seus gastos, revoltando especialmente as pessoas que passavam fome no período. Em especial, eu era interpretada pela população como uma monarca com gastos excessivos. Outra causa foram as profundas desigualdades sociais. A desigualdade sociais é, sem dúvidas, uma das causas mais importantes para a revolução francesa. As classes pobres da população passam fome, e tornam-se cada vez mais pobres enquanto nós da nobreza cobramos impostos de forma abusiva para nossos próprios gastos. A situação financeira do país fomentou a revolta da população que sofria. Me lembro de um dos meus atos mais memoráveis. Quando estávamos com um enorme crise de alimentos na França por conta do alto preço dos próprios, os franceses do terceiro estado, por essa falta de alimento estavam revoltados culpando nós, da nobreza pelo fato. Então eu resolvi soltar a seguinte frase. “se não tem pão, comam brioches”. Hoje de cabeça mais fria e refletindo mais sobre o que falei, me arrependo de ter ironizado a população na situação em que estavam. E mais uma importante causa foi as influências da revolução dos EUA. Nós da França e os EUA tivemos uma relação curiosa em seu processo de independência. Como inimiga história da Coroa Britânica, nós auxiliamos a colônia americana da concorrente em seu processo de independência, com financiamento, armamentos e treinamentos. Alguns dos principais personagens do processo de independência dos EUA, por exemplo, foram franceses. O que nós não prevemos, foi que o processo norteamericano inspiraria nosso próprio povo. Alguns destes militares voltaram à França, carregando as próprias ideias que foram estimulados a levar para cá, inflamando os discursos nacionais de liberdade. E claro, que gastamos uma alta quantia de dinheiro para apoiar os EUA contra nossos inimigos, além do alto uso de armamentos. E já que


não estávamos em uma boa situação financeira na França, o uso do dinheiro para combater um inimigo foi muito criticado e causou revolta. A situação social era tão grave e o nível de insatisfação popular tão grande que o povo foi às ruas com o objetivo de tomar o poder e arrancar do governo a monarquia comandada pelo meu marido Luís. O primeiro alvo dos revolucionários foi a Bastilha. A Queda da Bastilha em 14 de Julho de 1789 foi o estopim para o início do processo revolucionário. Pelo fato a prisão política ser o símbolo da monarquia francesa. O lema dos revolucionários naquele início da revolução era "Liberdade, Igualdade e Fraternidade ", pois ele resumia muito bem os desejos do terceiro estado francês. Com a queda da Bastilha a camada mais pobre da população, que é o terceiro estado, passou a ganhar poder junto a revolução, e com isso chegou a fase onde estamos vivendo agora. ”A fase do Terror”. A própria começa quando Áustria, Prússia e outras monarquias europeias pretendiam invadir a França para restaurar a monarquia no país. A França resistiu com a formação de um exército com grande participação das camadas mais pobres. A guerra foi o combate ao inimigo externo que pretendia acabar com a revolução e restaurar a monarquia. Em 1792, os revolucionários que foram chamados de Jacobinos lideraram uma revolta popular que tirou meu marido Luís do trono e demitiu todos os ministros da França. Em setembro de 1792 foi estabelecida a Convenção Nacional que tinha como objetivo modificar as leis da França. Na Convenção houve um forte conflito de interesses entre jacobinos e girondinos pelas suas divergências. Na Convenção Nacional, os jacobinos, sob a liderança de Robespierre, adotaram uma série de medidas: fim da escravidão nas colônias francesas; abolição de todos os privilégios; divisão das grandes propriedades; tabelamento de preços de produtos essenciais; ajuda aos indigentes e educação básica obrigatória e gratuita. As medidas radicais despertaram nos girondinos uma forte reação violenta. Organizados, os girondinos começaram a perseguir, prender e assassinar vários jacobinos. Os jacobinos reagiram com mais violência, pois chegaram a conclusão que para defender a revolução seria necessário eliminar todos os opositores na França. Hoje, cerca de 40 mil pessoas, entre elas monarquistas, girondinos e ricos burgueses foram executadas pelos jacobinos. Com tudo isso, Luís fugiu e depois da fuga de Varennes, foi deposto e a monarquia abolida em 21 de setembro de 1792; a família real foi posteriormente presa na Torre do Templo, e Luís foi condenado e executado na guilhotina, no dia 21 de janeiro de 1793. Após a morte do rei, eu passei a ser chamada de viúva Capeto. Eu vivi vários meses com minha filha Maria Teresa, minha cunhada Isabel e meu filho, o delfim Luís Carlos. Nessa época, alguns monarquistas tentaram organizar uma fuga para mim, porém eu me recusou a fugir sem os meus filhos. Com isso, o governo revolucionário da Convenção separou o delfim da mim, que só permiti após as violentas ameaças dos guardas da prisão direcionadas a minha pessoa. Meu filho foi entregue a um sapateiro analfabeto,


Antoine Simon. A tarefa de Simon era colocar o menino contra a mim para que ele fosse usado no meu julgamento. E o meu filho foi obrigado a assinar uma declaração que me acusava de abusar sexualmente dele. Eu acabei sendo transferida para a prisão da Conciergerie em agosto. Nesse período sofri de hemorragias e muito doente ainda recusei um novo plano de fuga. A Convenção exigia a minha morte, até que fui finalmente acusada de alta traição, o que resultará na minha morte daqui a pouco. Como disse anteriormente, a lista de pessoas mortas na era que estamos vivendo é de 40 mil pessoas, e eu inclusive entrarei para essa lista daqui a algumas horas. Com isso pode se dizer que hoje, sob poder dos jacobinos, estamos vivendo a fase mais crítica da França nos últimos anos. Isso porque estão todos morrendo nas mãos de Robespierre. E eu apesar de não estar mais aqui no futuro, espero que alguém acabe com o governo jacobino já, antes que não sobre ninguém na França. Com tudo isso falado nessa longa carta, espero que tenha sido esclarecedor para todos. Que tenha tirado algumas dúvidas da população. E claro espero que tudo que está escrito aqui chegue nas pessoas. E apesar de muitos de vocês acharem que estou mentindo, estarei do fundo do coração com luís e meus filhos torcendo por vocês lá de cima, torcendo para que a França seja um país reconhecido pelas coisas boas em vez de guerras, crises ou pessoas sendo guilhotinadas. E independente de tudo isso resultar e alguma coisa ou não, entendam, vocês franceses não só fizeram história, como vão ficar marcados pelo resto dela. Então cada um de vocês, bate no peito, enrole a bandeira francesa nas costas e fale para si mesmo, “Liberdade, igualdade e fraternidade”.


Uma história na França: François-Marie Arouet Vitor Aizman

A minha história começa na França, em 1701, me chamo François-Marie Arouet e quando tinha apenas 7 anos já era fascinado em livros e outros estudos que meu pai tinha guardado em seu quarto, e pegava escondido quando ele não estava em casa. Eu estudava numa escola de jesuítas e tinha aprendido a falar um pouco de latim e grego, minha família era uma das mais ricas e respeitadas em Paris e por isso tinha em casa os melhores livros e materiais dos maiores pensadores e filósofos da época. O que mais me interessava eram as teorias que ficava lendo o dia inteiro, e pensando sobre elas, e em como melhorá-las e dar vida à elas pois quando crescer queria ser igual a aqueles pensadores e filósofos. Após alguns anos, eu já com 12 anos, comecei a perceber que nem tudo era como a gente queria, e mudar o mundo era muito difícil, então peguei um caderninho que tinha guardado na gaveta do meu quarto e comecei a escrever algumas ideias que eu tinha ao longo do tempo, para que quando fosse mais velho pudesse tentar colocar alguma delas em prática e realmente mudar a sociedade em que vivíamos. Mesmo não tendo muitas esperanças com aquilo continuei escrevendo, todo dia quando surgia alguma ideia corria para pegar o caderno e anotá-la, pois um dia aquilo seria útil e eu sabia disso. Os livros que mais gostava de ler era de um tal de John Locke, tinha várias inspirações nele e várias das coisas que escrevia eram baseadas em seu pensamento, ele era inglês e era visto como um dos líderes da doutrina filosófica conhecida como empirismo e um dos ideólogos do liberalismo e do iluminismo, durante sua vida pensou


muito a respeito da política e do desenvolvimento intelectual, estudou numa das melhores universidades da Inglaterra e depois foi professor lá. Assim como Locke, eu acreditava que a busca pelo conhecimento aconteceria através de experiências e não por deduções ou especulações, ou seja, a ciência deveria ser baseado na observação do mundo e sem ligação com a fé. Uma analogia feita por ele dizia a mente de alguém é como uma folha em branco e as experiências que a pessoa passa na sua vida é que irão formar seus conhecimentos e personalidade, ou seja, a sociedade é responsável pela formação do indivíduo. Mas foi só mais tarde, com meus 16 anos, que fui começar a entender melhor o pensamento de Locke, continuava concordando com ele em muitos aspectos, mas ainda não estava satisfeito com isso eu queria criar minhas próprias teorias e ter meu próprio livro, com minhas ideias e minha visão do mundo. Ele ainda defendia a separação da Igreja do Estado e a liberdade religiosa para todos, o que lhe causou muita oposição por parte da Igreja Católica, mas que para mim suas ideias faziam todo sentido e tinha uma opinião parecida com a dele, também dizia que o poder deveria ser dividido, assim como outro pensador chamado Montesquieu, pois achava que o Poder Legislativo representaria o povo e os demais estariam subordinados a ele. Embora John Locke estivesse defendendo direitos iguais para todos os homens, não entendia porque ainda era apoiador da escravidão, ele dizia que não relacionava a escravidão à raça, mas sim aos vencidos na guerra. Mais tarde, em 1713, fui nomeado Secretário da embaixada da França na cidade de Haia, na Holanda, e permaneci lá por alguns anos, quando voltei à França já tinha pensado muito e resolvi pôr alguns de meus pensamentos em prática, comecei expondo minhas críticas à nobreza que dominava o país na época mas acabei por ser preso na Bastilha durante 5 meses, que me deram ainda mais tempo para pensar, quando saí me exilaram na Inglaterra, onde fiquei até 1728. Quando voltei à minha cidade divulguei diversas ideias filosóficas que foram desenvolvidas por ele durante sua estadia em Londres, as mesmas tinham uma grande base nos pensamentos de Newton e meu grande ídolo John Locke. Tempos depois resolvi publicar o que acho que seria minha maior obra, o resumo de tudo que já tinha vivido e pensado estava naquele documento, que chamei de “Cartas Filosóficas”, onde defendia a liberdade ideológica, a tolerância religiosa e o combate ao fanatismo dogmático, finalmente pude ter o que sempre desejei e sonhei, uma obra própria, baseada em meus próprios pensamentos e ideias, algo que podia dizer legitimamente que era meu, ali estava expressado tudo que sentia a respeito do mundo e da sociedade em que vivíamos. A partir desse momento eu me sentia parte do Iluminismo, sentia que estava fazendo a diferença em nossa sociedade, estava mudando o mundo a partir de minha palavras e minhas ideias. Então, em 1742, fiz uma viagem à cidade de Berlim e fui nomeado historiógrafo, acadêmico e cavaleiro da Câmara Real mas após vários conflitos com Rousseau, saí da Alemanha e em 1755 fui morar na Suíça, em Delices, perto de


Genebra, depois em Ferney, a dois passos da fronteira, com minha amante, procurando uma vida mais tranquila e calma. Passado alguns anos resolvi voltar a França e revisitar meu passado, minha história, já bem mal retorno à minha antiga moradia e deito em minha cama com apenas um arrependimento, nunca ser reconhecido pelo meu nome real pois o nome que eu usava em meus documentos era Voltaire, e assim fechava os olhos para ali descansar para sempre. Mal sabia ele que uma década depois ele seria uma grande inspiração para um dos maiores acontecimentos na Europa, uma revolução que mudaria o rumo da história mundial e ele continuaria presente com seus ideais e pensamentos. O Iluminismo foi visto como um movimento cultural, filosófico, político e social que via a razão como a melhor forma de conquistar a emancipação, liberdade e autonomia. Essas ideias e seus pensadores estavam concentrados na capital, mas lutavam contra o Absolutismo presente em toda a Europa, apoiando a liberdade religiosa e uma educação para todos, também foram responsáveis por criar diversas enciclopédias, que continham todo tipo de conhecimento que existia. Como naquela época a população buscava forças para lutar contra aquela forma de governo, o Iluminismo apareceu como uma luz na mente dos revolucionários da França. Por ele questionar e criticar o regime absoluto que o país vivia, foi usado como uma inspiração para a revolução que estava por vir, por novas formas de governo, por uma economia melhor e por uma sociedade mais justa. A monarquia era vista como um obstáculo no desenvolvimento do comércio e da burguesia. Os iluministas acreditavam que o crescimento crítico era importante para melhorar a educação e a situação social da população. Quando um jovem morador da colônia inglesa e admirador do antigo pensador iluminista, Voltaire, consegue escapar e fugir para a França ele fica fascinado com a força da população e a vontade de mudar a sociedade, de revolucionar o país que os burgueses tinham lá, para eles a filosofia do Iluminismo era interessante pois mesmo sendo uma classe que possuía um poder econômico eles não tinham direitos dentro da política, obtendo uma participação limitada e outro prática abominada pelo Iluminismo era a interferência do governo na economia. Com o fim do Antigo Regime na França a burguesia podia agora atuar livremente na área econômica e viram também o clero e a nobreza perderem todos seus privilégios. Essa nova forma de pensar gerou novos processos cheios de produção de conhecimento, e na política novos ideais foram os responsáveis por criar instituições com base em um pensamento racional, mas para que o movimento tivesse um efeito era preciso que um grande acontecimento tivesse impacto sobre toda a sociedade e então nessa mesma época a França passou por uma crise, onde o clero e a nobreza viviam às custas do resto da sociedade, que eram os burgueses e os camponeses. Ao ver todo esse desencadeamento o jovem fica fascinado com as ideias e inspirado com toda a revolução planejada pelas classes mais baixas da França e resolve tentar impor o mesmo movimento em seu país, então volta a aquela colônia dominada


pelos ingleses,mas quando chegou se deparou com uma Inglaterra destruída após ter participado da Guerra dos Sete Anos que causou grandes prejuízos e levou a forte exploração de suas colônias. Em 1764 é anunciada a Lei do Açúcar que cobrava impostos sobre a exportação do produto, em 1765 cria-se a Lei do Selo que determinou que todos os livros, jornais e documentos que circulassem na colônia precisariam ter um selo comprado dos ingleses e a Lei dos Alojamentos que obrigava os colonos a oferecer abrigo e alimentos às tropas inglesas que estivessem por lá, em 1773 é publicada a Lei do Chá que dizia que os norte americanos só poderiam consumir do chá inglês. Com todas essas leis a colônia se sentiu extremamente explorada e sem autonomia alguma e organizou uma revolta, que foi depois chamada de Festa do Chá de Boston, em que destruíram e jogaram no mar os carregamentos que haviam chegado no Porto de Boston e a partir daí foram aprovadas as Leis Intoleráveis que tinha como principal objetivo fechar o Porto de Boston até que os colonos pagassem pelo chá. Com inspiração nos acontecimentos na França e em busca de liberdade da metrópole, é realizado em 1774 o Primeiro Congresso da Filadélfia em que os colonos escrevem um documento criticando as leis impostas pela Inglaterra e enviam ao governo, acabando por ter uma resposta negativa eles não desistem e em 1776 ocorre o Segundo Congresso da Filadélfia no qual os colonos decidem romper com os ingleses, proclamando independência e colocando George Washington para assumir a liderança das tropas. A metrópole não aceita novamente e se inicia a Guerra das Treze Colônias e com apoio dos franceses as colônias vencem em 1781 e sua independência reconhecida em 1783. Mas foi só em 1787 que conseguiram promulgar uma carta constitucional, que tornava o país uma República Federativa Presidencialista com George Washington como primeiro presidente, assegurando os direitos civis e a liberdade e dividindo o poder em Executivo, Legislativo e Judiciário e mesmo com a independência as antigas colônias continuaram com desentendimentos na política e na economia. Assim podíamos ver como o Iluminismo foi importante na história e o quanto ele influenciou diversos acontecimentos não só na Europa, mas no mundo todo, e os seus ideais continuam presente na vida de muitos franceses, americanos e ingleses, pois ele foi um movimento gigante que chegou como uma força desafiadora e inspiradora para muitos que sofriam na sociedade escura em que viviam, dominada pela Igreja Católica que escondia da população o mundo real, que os impedia de pensar e questionar sua própria realidade, causando apenas a ignorância e perda da curiosidade presentes no ser humano. Felizmente alguns pensadores e filósofos pararam e pensaram no mundo em que viviam e como podiam mudá-lo para melhor, fazer as pessoas questionarem e buscarem conhecimento através da razão e de um pensamento racional da vida. A França e os Estados Unidos foram um exemplo do resultado da influência do Iluminismo na vida das pessoas, que realizaram a grandeza de nosso mundo, e tudo que poderia ser feito nele, só bastava interesse e força de vontade para que algo acontecesse, como

foi o exemplo dos revolucionários franceses que se utilizaram das ideias


iluministas para pôr em prática uma revolução que mudou toda a França e ainda influenciou outros processos de libertação, como das colônias inglesas. Ambos os processos tinham um objetivo, se libertar de uma força maior que os prendia em uma sociedade fechada e escura, rodeada de misticismos e religião, na França as classes mais altas, nobreza e clero, exploravam o resto da população que estavam trabalhando para eles, sustentando-os. Nas Américas, as colônias se mostravam sempre presas à Inglaterra que com a crise veio a explorar suas colônias com diversas leis abusivas e de controle de mercadorias. Voltaire desde criança já demonstrava seu interesse na área da filosofia, e estava sempre lendo algum livro ou pensando a respeito da vida sendo sempre influenciado pelas ideias de Newton e John Locke, dois grandes pensadores que fizeram grande parte de sua vida, o que o inspirou a escrever, futuramente, diversos ensaios, romances, poemas, peças de teatro e obras teóricas, como por exemplo, as Cartas Filosóficas, uma de suas maiores obras. Ele viveu uma vida que não teve uma influência apenas enquanto estava vivo, mas teve um reflexo após sua morte maior do que poderia imaginar, pois foi um dos maiores pensadores iluministas que influenciaram a Revolução Francesa, tendo como base os ideais iluministas, e a partir dessa revolução na França se desencadearam vários outros movimentos não só pela Europa mas no mundo inteiro, como aconteceu nas Américas em uma das colônias da Inglaterra que resolveu copiar o modelo da França, e iniciou uma revolução contra as medidas abusivas adotadas pelo governo inglês, quando passavam por uma grande crise causada pela Guerra dos Sete Anos. Essa história retrata todo o percurso da história, desde o início do movimento do Iluminismo, com John Locke e outros pensadores que influenciaram muitas outras gerações de filósofos e que até hoje são estudados, passando pela revolução mais famosa do mundo que foi extremamente influenciada por princípios iluministas e movimentada por uma parcela da população que se encontrava revoltada com privilégios dados às classes mais altas, até que uma crise muda todo o rumo da história. Um jovem americano vê toda essa movimentação e se inspira a fazer o mesmo na colônia onde morava e que estava destruída, assim organizando congressos e no final lutando uma grande guerra de independência. -Foi assim filho, que estamos aqui hoje vivendo nos Estados Unidos, um país independente, que atualmente é a maior potência do mundo. Então espero que um dia você possa entender que nem tudo na vida é tão fácil, você precisa lutar pelos direitos, e às vezes até fazer uma revolução, mudar tudo. -Adorei a história papai, será que um dia eu consigo ser que nem esse George Washington? -Mas é claro filho, eu espero que um dia possa ver seu nome no gabinete da presidência dos Estados Unidos da América, o homem mais importante do país! -Boa noite papai! -Boa noite Barack!



Nestoir Trembè Rafael Rotstein Nestoir Trembè vivia na França no ano de 1789 quando vendeu seu cavalo para um estranho homem suíço que aparentava carregar demasiada experiência que havia acabado de chegar em Paris e procurava alguém que o vendesse exatamente o cavalo que desejava. Encontrou Trembè numa rua movimentada onde anunciava, aos brandos, que vendia seu cavalo. O austríaco aproximou-se e, inusitadamente, solicitou ao vendedor do cavalo que o encontrasse na terceira quina mirada ao norte na Place de La Concorde, às cinco horas daquela tarde, a ponto em que o sol batesse para o outro lado e não iluminasse seu rosto. Para estranheza de Trembè, seu cavalo não valia nada mais do que três moedas de bronze, porém, ainda assim, o estranho homem austríaco insistiu em pagar o triplo de seu peso em ouro, desde que ele o ajudasse a terminar uma simples tarefa com alto risco de morte até as 50 horas subsequentes ao primeiro contato dos dois. Caso recusasse, o homem austríaco desapareceria e Nestoir perderia para sempre a oportunidade de ficar rico. A coisa estava feia para Nestoir e aquele estranho homem austríaco estava lhe oferecendo a melhor chance que poderia ter provavelmente em toda vida que ainda lhe restava. Trembè era dono de uma humilde fábrica de tecidos que ficava na esquina da Saint Croix de la Breton com a Rue du Platre. Desde sua fundação, em 1769, a fábrica cresceu cada vez mais, só que não tanto, continuava uma fábrica humilde — mas uma fábrica humilde de tecidos bem aprumada. Conseguia tirar algum dinheiro dali e sustentar sua família tendo uma vida razoável como burguês na cidade de Paris. Tinha um filho de dois anos na época em que fundou seu estabelecimento e isso o ajudou a criá-lo pois, antes, era tão obcecado em construir a fábrica de seus sonhos que investia enormes quantias de dinheiro e acabava não sobrando muita coisa pra própria família. No dia em que ele se tornou obcecado pela fabricação de tecidos, não conseguia tirar da cabeça a manchete da primeira página do jornal daquele dia, que dizia “TRÊS MORADORES DE RUA MORREM DE FRIO NESSA NOITE DE PARIS POR NÃO TEREM ROUPAS”— o que fortemente o chocou pois conhecia um desses homens: um mendigo chamado Jean-Baptiste que Nestoir Trembè ajudou quando ele não tinha o que comer e assim ficou muito grato por ele. O que reforçou mais ainda a sua revolta foi ter visto no mesmo dia, mais cedo, uma pintura que retratava algumas pessoas da nobreza e estavam elegantemente vestidas, com excesso de roupas sobre o corpo e ainda se conseguia ver, ao fundo da tela, uma arara com várias outras roupas luxuosas sem dono. Essa pintura e a manchete da primeira página do jornal daquele dia o remeteram um sentimento de altíssima inconformidade. Pessoas morrendo por falta do que vestir enquanto a nobreza muito bem vestida com diversas roupas de estilos e modelos diferentes. Comumente, com a mente transtornada, as pessoas procuram um psicólogo


para tratar de seus problemas, mas, como Nestoir Trembè era ambicioso, visitou um clarividente de renome na Rue du Colombier, perto da Pont Neuf que lhe disse: “— Enriquecerá quando dominar a arte do que o salva da morte e dispersar essa salvação entre as pessoas que não podem acessá-la.” Entendeu que Deus estava colocando sob suas mãos uma grandiosa tarefa: impedir que mais mortes acontecessem na França. Começou o planejamento visitando algumas casas à venda. Queria encontrar um bom lugar com um preço bem baixo pois sua capacidade financeira não lhe permitia exigir muito. Enfim, fundou a Trembè Tissus, sua fábrica de tecidos. Acreditou com todas as forças que aquilo faria muito sucesso e conseguiria fabricar tecidos mais baratos que fossem ser mais acessíveis à população do que os existentes na época em que os três homens morreram de frio. Sua ideia o fez ganhar muito dinheiro e passou a ser conhecido (mas não tão conhecido quanto François Lesmon, dono da maior fábrica de tecidos da cidade francesa, apenas conhecido) em Paris. Para Nestoir, tinha tudo para dar certo que investiu tudo em sua fábrica. Mal sabia ele que estava terrivelmente enganado. Em 1786, a França fez um acordo comercial com a Inglaterra que trocaria vinhos franceses por tecidos ingleses. Isso fez com que muitas fábricas de Paris fossem à falência, inclusive a sua. Tendo perdido tudo, mas ainda lhe restando algumas moedas de ouro, conseguira sobreviver e sustentar sua família com uma vida no nível entre mísera e razoável. Tinha um filho de 17 anos, uma filha que havia completado uma década na semana retrasada, dois cavalos e sua esposa, que, na altura, estava doente. Portanto, viu o estranho homem austríaco como o grande salvador de sua vida. Ele havia oferecido a chance de impedir o encontro de sua família faminta com o Anjo da Morte. Mesmo sem Trembè ter contado isso ao austríaco, ele já sabia de tudo, afinal, aparentava ser um homem que carregava muita experiência. Sabia que tons de misteriosidade rondavam sua fala — o que era um dos motivos para seu receio em aceitar a tarefa. Recusar veio à sua cabeça diversas vezes por se tratar de algo com extremo risco, como a morte. Mas, logo sentia na pele a dor que seria ver o estranho homem austríaco desaparecer. Precisava, mais que urgentemente, de dinheiro para conseguir alimentar sua família. Enfim, não era mais uma dúvida — era uma certeza. Concluiu, ao final de três minutos de pensamentos contrários, que aceitaria a proposta. — “Eu aceito a condição, caro homem austríaco. Desde que se tal risco de morte vir a realizar-se, que vá ao meu casebre, tome o cavalo que estará no anexo ao lado esquerdo e entregue o dinheiro à minha família”, disse Nestoir. “Estou pronto para servir no que o senhor precisar, e explique logo o que tenho que fazer pois as tais 50 horas já tornaram-se 44 e não quero perder essa oportunidade”.


— “Paciência, jovem. Lhe entregarei uma folha de meu diário. Lá está contida toda a explicação para o que vou precisar de você. Assim que tiver memorizado tudo, rasgue a folha em sete pedaços iguais, as coloque num envelope e entregue no seguinte endereço às duas horas da manhã de amanhã: Rue du Colombier, 70”, respondeu o austríaco. Logo ao término de sua fala, Trembè se lembrou de quando visitou o clarividente, na mesma rua, e pensou: “Será que o austríaco e o clarividente tem alguma relação ou será apenas mera coincidência de ser na mesma rua?”. Sem prolongar o questionamento, pegou o papel e dirigiu-se à Pont Neuf para ler escondido. A folha dizia: “Você está certo em uma coisa e muito errado em outra. Sim, eu e o clarividente temos uma relação e esta é nossa sociedade secreta iluminista. Combatemos a escuridão, destruímos as facetas do absolutismo e garantimos a democracia libertária. Você, Nestoir Trembè, acha que acabou de ser escolhido mas já havia sido escolhido a muito tempo atrás, quando visitou o clarividente na Rue du Colombier em 1769. Só que é aí onde você está muito errado. O que o clarividente lhe contou não significava nada do que você interpretou. Não tinha nada a ver com a fábrica de tecidos. Isso não o enriqueceria, até porque você perdeu tudo e essa é sua prova real. Na verdade, era sua convocação à nossa sociedade. ‘O que o salva da morte o enriquecerá’. O que o salva da morte não é a roupa que veste, é algo muito mais complexo. É o sentimento de angústia, de revolta, de inconformidade, esse sentimento revolucionário e de inquietude contra as injustiças do mundo. Nós decidimos lhe escolher porque você se encaixa perfeitamente no perfil, o que ficou muito claro depois que um de nossos agentes lhe entregou aquele jornal, naquela manhã, e observou sua reação, desencadeando todo nosso trabalho até aqui. Precisamos de você para concluir uma grande tarefa que atenderá ao seu espírito revolucionário e a todos que sentem o mesmo na França. Vamos assassinar o rei da França. Faço parte de uma ordem e lá, minuciosamente, elaboramos um plano para que isso seja feito da forma mais destrutiva e menos destrutiva possível, ao mesmo tempo. Mais destrutiva para os monarcas absolutistas e menos destrutivas para nós, revolucionários. Mas, conforme apresentaram nossos estudos, a análise demonstrou que só conseguiríamos realizar essa tarefa caso você nos ajudasse. E só você tem a habilidade que precisamos. Segue o plano, passo a passo, feito por nossos especialistas: ~ 1) Espalhe rumores por Paris e angarie revolucionários o suficiente, mas sendo discreto, para que tais rumores não alcancem a nobreza. Esses rumores serão dispersados mais facilmente se você for convincente e direto em suas palavras. Prepare um pequeno discurso, pois está marcado para amanhã um comício na Place de La Concorde, que você irá liderar, então prepare-se.


2) Organizaremos o povo para invadir a Bastille no mesmo dia (amanhã), pois, coisa que esqueci de falar, alguns membros da Guarda Francesa irão colaborar conosco, mediante suborno que já foi franqueado. Esse suborno será responsável pela nossa livre permanência na Place e nossa entrada pelo portão da Bastille. Contamos também com pessoas treinadas de forma exímia por grandes mestres chineses, em nossas viagens à Àsia, onde também aprendemos questões de resistência. Na Bastille, teremos acesso a um grande arsenal e vamos pegar o máximo de armas que conseguirmos, pois precisamos de todas que encontrarmos para conseguir derrotar o exército da nobreza. 3) Depois da Bastille tomada, iremos marchar à porta de Versailles, onde faremos um cerco e, ao ponto do cerco feito, sua dívida comigo já estará batida e sua família poderá receber o dinheiro que lhe prometi. 4) Com o cerco, iremos batalhar até conseguir invadir o castelo, alcançar o rei e trazê-lo à forca.” Então, seguiu as ordens do austríaco e rasgou a folha em sete pedaços iguais, mas quando viu que estava ficando sem tempo pois faltavam apenas 10 minutos para 2 horas da manhã, rasgou a folha de qualquer jeito mesmo e partiu em direção ao endereço. Chegando lá, na Rue du Colombier, 70, viu que era a mesma casa do clarividente que visitou anos atrás, tomando a conclusão da relação duvidosa entre o austríaco e o clarividente — o que fazia todo sentido, pois ordens secretas sempre estão ligadas a esses sentidos misteriosos de forças poderosas. Muitos acham que são forças obscuras e do mal, mas, seguindo esta linha de raciocínio, podemos ver claramente que estas forças são do bem pois estamos combatendo o grande mau que é o absolutismo monárquico e o severo antagonista do iluminismo. Foi para sua casa, dormiu, acordou às seis da manhã e foi encontrar o austríaco. Nesse encontro, Nestoir Trembè e o austríaco misterioso conversaram muito e ele foi contando o passado que vivera até ali. Carregando muitos anos de idade, tinha um histórico recheado. O austríaco contou que, há 13 anos, havia ajudado o povo norte-americano a tornar-se independente do império britânico, que havia passado sérias dificuldades em mostrar sua importância e estavam muito indignados. Por muito tempo, o povo que vivia na colônia dos Estados Unidos exigia ser reconhecido como cidadãos ingleses pelo parlamento da Inlgaterra, já que estavam sem voz e só eram estorquidos pela Inglaterra. A Inglaterra recusava-se a reconhecê-los, mantendo seu parlamento sem nenhum representante da colônia — o que resultava na ausência da audiência da colônia, eles ficavam sem voz e a maioria das leis aprovadas eram maléficas ao povo, tendo muitas e muitas taxas e impostos, fazendo o povo pagar muito, Assim, o povo estadunidense, junto com o austríaco, conseguiram resistir e fazer diversas manifestações, como de exemplo a The Boston Tea Party.


Depois de anos, o austríaco e sua ordem misteriosa conseguiram, finalmente a independência dos Estados Unidos, ao conseguir, junto com os revolucionários, através de uma guerra: a guerra da independência americana, tendo permanecido independente da Inglaterra até hoje. Isso deixou a ordem muito orgulhosa e percebeu sua capacidade de realizar ações ainda maiores, como a que estamos fazendo aqui na França. Então, depois de horas de comício, Nestoir Trembè conseguiu milhares de revolucionários, mais do que o suficiente, para combater o absolutismo monárquico na França. Partindo dali mesmo, o líder deu a voz para o acompanharem até a Bastille, resultando em sua triunfal queda, invasão e sequestro. Conseguiram as armas e marcharam até o portão do castelo do rei cantando a famosa música “La Marseillaise”, composta pela ordem misteriosa do austríaco e repassada por Trembè: Allons enfants de la Patrie Le jour de gloire est arrivé Contre nous de la tyrannie /L'étendard sanglant est levé L'étendard sanglant est levé Entendez vous dans les campagnes Mugir ces féroces soldats Ils viennent jusque dans vos bras Egorger vos fils, vos compagnes Aux armes citoyens! Formez vos bataillons! Marchons, marchons Qu'un sang impur abreuve nos sillons Amour sacré de la Patrie Conduis, soutiens nos bras vengeurs! Liberté, Liberté chérie! Combats avec tes défenseurs Combats avec tes défenseurs Sous nos drapeaux, que la victoire Accoure à tes mâles accents Que tes ennemis expirant Voient ton triomphe et notre gloire! Alcançando o portão, o primeiro pelotão da Guarda Francesa encaminhou-se até a multidão e foi destroçado pelos revolucionários. O segundo pelotão avançou e também


foi destroçado, porém, esse pelotão era mais bem treinado que o outro e isso resultou na morte de muitos revolucionários. A batalha perdurou por 5 horas, sendo que à duração de 4h10min dois pelotões avançaram ao mesmo tempo e destruíram quase mil revolucionários, porém, ao fim das cinco horas, toda a Guarda Francesa que não havia se rendido estava exterminada, possibilitando o sequestro do rei e da rainha da França. Um grande nome foi morto durante a batalha e sua família recompensada com seu grande esforço pela França, conforme o austríaco havia lhe prometido. Reconhecido como mártir, recebeu a maior das homenagens, secretamente, pela ordem revolucionária iluminista mundial. Ainda que o mundo não conheça seu nome e este não faça tanta ênfase, Nestoir Trembè está devidamente condecorado no coração livre da França.


As causas de minha vida - por John Pury Dani Dyskant Flomin 14 de julho de 1789 Meu nome é John Pury. Escrevo este relato, pois, daqui a alguns minutos, estarei em uma missão enorme e perigosa. Não sei se voltarei vivo. Tudo começou em 1767, com a publicação das Leis Intoleráveis. Eu, realmente, já não suportava mais me sentir como um não-inglês. Na verdade, há anos, já me sentia insatisfeito em Nova Jersey. De qualquer forma, minha salvação é em Cristo. Sou puritano. Um verdadeiro. Amo minha religião e sou totalmente devoto dela, mesmo me questionando, de vez em quando, a respeito de alguns valores e crenças. Entretanto, fixo-me aos mesmos, pois não tenho muito aonde ir. Entendo os limites do meu corpo (ou de minha alma). Meus antepassados vieram a esse pedaço de terra, fugindo do Rei Henrique VIII. Aquele homem só queria saber de sua política. Preocupa-me ver tamanha intolerância. Sabendo de minhas raízes, sempre me interessei por essa possibilidade de cruzar fronteiras. O mundo tem se mostrado cada vez maior para mim. Pensem: há pouco tempo - não estou falando nem de 400 anos -, não se sabia que existia mais terras para além do sabido à época. Precisaram-se de descobridores para encontrar novos continentes. Fico, portanto, questionando-me: o que será que há para além do que conhecemos? Qual o limite da mente humana? Como é o Criador do Universo? Ele fez o homem como um ser maravilhoso ou pecador? Será que, algum dia, conheceremos tudo o que há na Terra? E para além dela? Quem sou eu? O que faço no mundo? A quem devo perguntar tudo isso? Ninguém me ouve, tirando a Igreja. Mas, sendo sincero, nem ela dá conta de me responder todos os meus questionamentos... Aliado a isso, sempre li muitos letrados e esclarecidos. Tive a sorte de conhecer poucas pessoas que tinham cópias de livros dos mesmos. Meu favorito, logicamente, é Locke. Mas também devorava páginas de Rousseau e Montesquieu. Sim, eu sabia um pouco de francês desde essa época. Aprendi com meu avô, um homem que fora magnífico, um verdadeiro exemplo para o seu tempo. Até hoje, não sei como ele conhecia tanto sobre tudo. Se eu tivesse metade de seus conhecimentos, com certeza seria uma pessoa extremamente feliz. As ideias desses gênios sempre me comoveram bastante. Poder ser livre, ter direitos, odiar a ideia de dependência de algum poder absoluto… Só não gosto dos pontos em que condenam religião. Acho-os um pouco exagerados, às vezes. Mas não nego a genialidade e vanguarda. Afinal, uso da razão para explicar a fé. A Bíblia não me basta, necessito de silogismos e agudezas.


Voltando a 1767. Estava em casa, quando recebi a notícia de que um capitão de um navio de linha inglês, que chegara a Nova Jersey, estava muito doente e recorria à ajuda de algum colono. A embarcação trazia açúcar. Ah! Como me irrita esse açúcar e sua lei! Malditos ingleses que vivem na Inglaterra! Inglês sou eu, que sempre dei dinheiro à metrópole e sustentei a nação! Esqueci de dizer que sou um barbeiro-cirurgião, bastante conhecido na minha região. Sabendo disso, um vizinho veio me avisar da questão do marinheiro. Corri ao porto para ver o que eu podia fazer. Chegando à orla, senti-me como um rei. Todos abriam ala para mim. “Corra, corra! É grave!” era o que eu mais escutava. Deitei o capitão em um banco próximo às embarcações e comecei a examiná-lo. Ele se chamava Harry. Estava com as gengivas sangrando, dentes caindo, sentia-se fraco e sua pele estava bastante irritada. O caso era realmente sério. Certamente estava com a famosa Doença do Mar. Alertei-o sobre a pouca chance de viver. Afinal, seu estado era grave. Encaminhei-o à minha casa e cuidei do mesmo por uma semana. O que ele mais precisava fazer era repousar e se alimentar bem. Fato é que, após esse período, Harry estava totalmente curado e não sabia como me agradecer. Ofereceu-me açúcar, joias e até mulheres (que, pelo visto, vieram junto à embarcação). Nada eu quis. Só um favor, o qual implorei a ele: - Preciso ser tratado como um verdadeiro inglês. Não suporto mais viver nesta colônia em que sou visto como um índio, principalmente depois das novas leis que vocês lançaram contra nós. Cansei dessa vida e estou disposto a mudar de perfil! Desejo, portanto, partir com você nessa embarcação, rumo à Inglaterra. Quero que o mar trace meu destino. Desejo ser um nômade, entregue ao caminho que as ondas podem me levar! Então, partirei com o senhor e você me dará algum dinheiro para eu viver em sua cidade. O capitão não pôde negar. Sabia o quanto me devia. Ainda me ofereceu estadia em sua casa. Disse que partiríamos no dia seguinte e se dirigiu ao porto para preparar a embarcação e seus marujos. Avisou-me para estar lá de manhã. Ao deitar em minha cama, à noite, fiquei me questionando se valeria realmente a pena essa aventura. Levei em conta que sou órfão e não me casei ainda. Assim, pensei que não tinha nada a perder. Fiz minha mala e dormi tranquilamente. Na manhã seguinte, despedi-me de meus vizinhos e companheiros e me dirigi ao porto. O capitão, Harry, esperava-me e me ajudou a embarcar a bordo. Mostrou-me meu quarto e me apresentou a todos os marinheiros. Foi uma viagem bastante longa. Perdi a noção do espaço e do tempo. O mundo mostrava-se enorme para mim, com suas diversas dobras e desdobras, ilusões e desenganos, luzes e escuridão. Questionei-me muito ao longo do trajeto. Até onde vai o horizonte? O que há para além? De quais formas nosso planeta pode ser representado?


Qual o sentido da vida? Muitas confusões… Assumo que pensei em me matar. Queria simplesmente me jogar ao mar e ver o limite da maré. Mas minha jornada e minha fé não me permitiram cometer tal gesto ignorante. Chegamos em Dover. Ai, como o mundo é belo… Vi lindas paisagens jamais vistas. Harry fez tudo para mim. Portanto, não precisei me preocupar com nada. Até um certo dinheiro e estadia em sua casa foram-me oferecidos. Passei belos dias na Inglaterra. Finalmente, sentia-me um verdadeiro inglês. Tenho pena dos colonos que tem que continuar com aquela vida inóspita… Em minha estadia, não quis nem mais saber de Nova Jersey. Nunca mais ouvi falar sobre. Entretanto, sempre escutava a respeito da França. Bem ou mal, fato é que essa nação era assunto em muitos ambientes. Um dia, estava na praça pública de Dover e escutei duas pessoas conversando sobre algo que realmente interessou-me: -Sim… Devo estar partindo em breve. Inglaterra já me basta... Já te contei sobre a história de minha família, não? Puritanos, sim. Metade foi a Nova Jersey e a outra se converteu e permaneceu aqui. - um dos interlocutores disse. Ao ouvir isso, resolvi entrar na conversa e passei horas falando com o rapaz. Descobri que ele se chamava Mathew Pury e era meu primo de sangue. Como a vida dá voltas… Sei que sempre digo que esse mundo parece-me cada vez maior, mas, ao mesmo tempo - desculpe-me o paradoxo -, acho-o bastante pequeno. Por isso, prefiro dizer que vivo em um pequeno grande mundo. Voltando ao meu primo, ele me contou que iria à França - novamente eu escutava falar sobre ela. Disse-me que estava envolvido com um grupo de maçonaria francês e que o mesmo patrocinaria sua viagem. Sim, ele também sabia falar francês - coisa de família. Contei a ele sobre minha trajetória e meus pensamentos a respeito do mundo. Afirmava mais uma vez que estava pronto para mudanças e desafios. Afinal, vivemos tempos modernos. Mathew disse-me que, certamente, o grupo poderia incluir-me nessa jornada. Bastava eu me interessar. “Essa Maçonaria discute muito sobre pensamentos do nosso Século das Luzes”, afirmou. E não acrescentou nada. Mas eu já não queria mais saber. Estava concordando com qualquer desafio. Afinal, quer algo mais iluminado do que isso? Portanto, aceitei o convite e preparei minha mala novamente, prestes a conhecer a tão comentada França. A viagem foi ótima. Chegamos à região da Normandia, e dois homens aguardavam-nos. Na verdade, aguardavam somente meu primo. Mas, logo me apresentei - com o meu balbuciado francês - e fui bem-vindo. Certamente, a língua ajudou-me. Fomos, de charrete, a Paris. No caminho, os homens explicaram-me um pouco sobre a ideologia da Maçonaria, e compartilhei com eles meus ideais. Fiquei apaixonado por seus pensamentos: pregavam muitas concepções parecidas com as dos pensadores


esclarecidos, como a secularização do Estado, a defesa da liberdade, a separação de funções do poder estatal, o direito ao sufrágio e a busca constante pela razão. Por outro lado - e aí foi onde mais me identifiquei com o grupo -, há artigos de fé indiscutíveis, como a existência de um ser supremo, o Grande Arquiteto do Universo. - A Maçonaria, sendo uma ordem universal, é uma fraternidade que reúne todos os homens, independentemente de suas raças, credos e nacionalidades, os quais são acolhidos por suas qualidades morais e intelectuais, visando construir uma sociedade humana fundada no amor fraternal, na esperança, com amor a Deus, à Pátria, à família e ao próximo. Ela busca o constante aperfeiçoamento moral e intelectual de seus membros, com base em tolerância, virtude e sabedoria e calcada na tríade “liberdade, igualdade e fraternidade”. A Maçonaria tenta formar homens virtuosos, de caráter, dedicados a viverem em paz, harmonia e afeição fraternal. - os homens explicavam-me. * Os anos na França têm sido tão lindos... Venho acompanhando as magníficas reformas e discussões entre nós (o povo), a injusta Nobreza e o ilegítimo Clero. Acho maravilhoso quando vejo qualquer notícia que ilustre nosso Século das Luzes e demonstre a vitória do povo. Afinal, está se tornando insustentável o regime, da forma que está. Mudanças têm que ocorrer logo, e eu farei o possível e o impossível para defender essa nação, que já considero minha também. Entretanto, deixo claro todas as minhas confusões, pois tudo é muito novo ainda, não consigo me posicionar politicamente com firmeza. Sei que já questionei nesta carta o sentido da vida. Mas acho que o encontrei: primeiramente, não posso deixar de falar sobre minha paixão aos pensamentos iluminados. Mas, para além disso, reencontrei uma mulher maravilhosa, que foi a primeira paixão de minha vida: Augustine. Andando por Paris, vi uma linda moça. Veiome à memória que a conhecia de Nova Jersey, de quando era garoto. Tivemos uma história incrível, mas ela teve de se mudar à França. Como é o destino… Nessa cidade, nos deparamos um com o outro. Tive uma longa conversa com ela e, ao pôr do sol, nos beijávamos como se o mundo fosse acabar a qualquer momento. E agora? A Razão iluminada mistura-se aos meus sentimentos irracionais, incontroláveis… que me dominam. Sou um escravo do amor. Por que a vida faz isso com a gente? Não consigo achar essa tal Razão no meu coração. Mas será que preciso encontrá-la? Melhor simplesmente amar o fato de o amor ser uma chama impossível de se combater… Sei que sinto-me completo perto de Augustine. Escrevi até um poema: “Amor Precisava ser aqui? Nas Américas, é impossível? Precisava ser agora? Meu coração está dividido


Entre o Racional e o Animal Em qual extremo está o amor? Primeiramente, há limites? Entre nossos corações, Certamente não.” Aliado a isso, acompanhei todas as novidades vanguardistas, incluindo as vitórias e derrotas na Assembleia dos Estados Nacionais. Eu e meu primo, Mathew, vivemos ótimos tempos na Maçonaria, sempre ao lado do povo e promovendo as ascensões na política contra o Clero e a Nobreza. Voltando ao dia de hoje, a Oposição passou dos limites. Há rumores de que vão invadir a Sala do Jogo de Péla, onde nossos representantes estão tentando fazer uma Constituição. Decidimos, então, que iremos pegar em armas para fazermos a grande mudança na sociedade. Para isso, vou, daqui a alguns minutos, a uma missão enorme e perigosa, em busca de armamentos no Palácio dos Inválidos. Juro que amanhã relato tudo neste documento a respeito do que houver. Deixarei separada esta última página de meu caderno para falar sobre o que ocorrer. Já deixarei incluído até a data de amanhã. Mas, se qualquer tragédia vir a acontecer e eu não escrever mais nada neste texto, sei que vivi por grandes causas e nunca me arrependerei. Sempre lutei - desde o momento que decidi ser barbeiro-cirurgião - por uma sociedade mais liberta, justa e fraterna, livre de todo o mal que a Idade das Trevas trouxe. Portanto, partirei agora e sei que amanhã vamos nos encontrar para pensar tudo a respeito de nosso casamento. Por isso, escrevo este relato para você, Augustine.


PARTE II: 1800 Ã 1848


A Promessa da máquina Lara Arkader

O tempo estava agradável no campo, mas a tensão era palpável. Apesar de pobres camponeses, conseguíamos, com esforço, nos alimentar com o que colhíamos. Não possuíamos vasta extensão de terra mas dava para o sustento. Nossa casa era pequena e antiga, toda de madeira; no primeiro andar ficava a sala com uma pequena cozinha, já no segundo, dois quartos e um banheiro, do lado de fora havia uma pequena marcenaria, que meu pai usava para construir objetos do cotidiano, e de vez em quando, vendia-os para nossos vizinhos. Todos nós ajudávamos no trabalho, eu, meu pai, Augusto; minha mãe, Elizabeth e meu irmão, Ronaldo. Costumávamos plantar e colher em conjunto, apesar da colheita não estar sendo vantajosa naquele tempo; além disso, trabalhávamos dentro de casa, limpando e cozinhando, ajudando minha mãe. Como toda noite depois do jantar, minha família se reunia ao redor da mesa para conversar. Meu pai não costumava falar muito, é um homem calmo e dedicado, mas com uma certa tristeza no olhar; já minha mãe está sempre alegre e disposta a conversar com todos. Apesar de serem muito diferentes, são muito felizes juntos. No começo do jantar logo perguntei: -

O que está acontecendo?

Meu pai pigarreou, olhou para minha mãe e falou: -

Os tempos estão difíceis aqui no campo, ouvi falar que na cidade há trabalhos

manuais para mulheres e crianças, trabalho com máquinas. -

Não entendi bem, estão pensando em irmos para a cidade? - Perguntei Ainda não temos certeza, não me agrada a ideia de nos mudarmos com

tantas incertezas, não sabemos ao certo com o que trabalharíamos ou onde moraríamos. - Respondeu minha mãe. Nesse momento o jantar havia acabado, todos ficaram calados e eu só conseguia pensar em como seria minha vida se fossemos nos mudar para a cidade. Nunca havia ido para lá, não sabia como eram as casas, as comidas, as vestimentas, ou se era tudo igual ao campo; confesso que fiquei animada com a ideia de conhecer algo novo. Fui junto a meu irmão para o nosso quarto. Quando chegamos ele parecia apreensivo, então perguntei: -

O que há com você, Ronaldo?

-

Não gostei da idéia de nos mudarmos.

-

Por que? Eu fiquei entusiasmada.


-

O emprego não me parece ser bom, podemos acabar vivendo pior do que

vivemos aqui. -

Você me deixou confusa e desanimada, não sei mais se quero partir ou ficar.

Respondi. Adormecemos e nos dias seguintes nossa rotina continuou. Passado algum tempo dessa conversa, decidimos nos organizar para a mudança. Meu pai resolveu ficar no campo, pois não podíamos abandonar por completo a casa onde morávamos, enquanto minha mãe, eu, e Ronaldo íamos em busca de uma nova vida. Não tínhamos muitas roupas para levar, afinal as que tínhamos eram usadas no trabalho, então estávamos com medo delas não serem adequadas para o lugar. Minha mãe havia ido para cidade alguns anos antes, disse que as pessoas se vestiam bem por lá, então havíamos pensado em costurar vestimentas mais adequadas quando chegássemos em nosso destino. Havia chegado o dia da partida, estávamos todos nervosos mas ansiosos para essa nova vida, não fazíamos ideia do que nos esperava. Estávamos tristes por nosso pai não nos acompanharia, mas entendemos sua decisão, afinal de contas, se não desse certo na cidade, ainda teríamos nossa casinha no campo. Fomos de carroça para a cidade, nela havia mais uma família que estava de mudança para a lá assim como nós. Lembro que ficamos conversando o caminho inteiro, trocando expectativas e experiências, assim podíamos nos distrair de algum jeito durante a viagem. O caminho era longo, e ao mesmo tempo que conversávamos eu observava calmamente a paisagem; eram grandes extensões de terra e havia ovelhas no pasto, e cada vez mais o cenário ia se modificando. Chegando na cidade fiquei abismada com tamanha diferença. Haviam várias pessoas circulando pelas ruas, era tudo movimentado e agitado, muito diferente do que estava acostumada; o barulho e o cheiro eram completamente novos, e me causou um certo estranhamento inicialmente.Vimos grandes construções com fumaça saindo das mesmas. O que mais me impressionou, foi uma enorme máquina de ferro andando sobre rodas e que soube depois que era um trem e que servia para transportar pessoas e cargas de um lugar à outro. A carroça nos deixou no meio de uma feira cheia e barulhenta, ficamos meio perdidos e perguntamos a um comerciante: -

Senhor, onde podemos achar um lugar para ficar?

-

De onde vocês vêm? Ele perguntou.

Contamos que éramos do campo e que tínhamos ido para a cidade a procura de emprego. Ele logo nos indicou um lugar, não muito longe, onde ficavam os recém chegados que não tinham condições para uma boa moradia. Conseguimos achar o lugar e felizmente uma alma bondosa nos deu algo para comer. Nos contaram, que essas construções que vimos eram fábricas, onde meu pai falou que íamos trabalhar. As pessoas não me pareciam muito felizes com a vida que


levavam, trabalhavam muitas horas por dia e ganhavam muito pouco. Falaram que meu irmão conseguiria facilmente um emprego, afinal era jovem e forte. Soubemos também que havia fábricas só para mulheres e crianças, onde as condições não eram boas… estávamos muito cansados naquele momento. Apesar da casa ser muito pobre e suja, conseguimos arranjar um espaço para deixar nossas coisas e dormir. Mal consegui dormir naquela primeira noite, o lugar me dava medo, tudo era muito desconhecido, já estava com saudade da minha casa no campo e do conforto que tínhamos. Acordamos com o barulho das pessoas se arrumando para sair, então rapidamente nos aprontamos e acompanhamos os trabalhadores em busca de algo. Ronaldo logo conseguiu um trabalho em uma fábrica mais perto do lugar onde estávamos dormindo, só havia homens no local, todos sujos e exaustos. Percebi que por ser homem, conseguia tudo com mais facilidade na cidade. A minha busca com minha mãe foi um pouco mais longa, mas depois de algum tempo conseguimos achar uma fábrica onde só mulheres e crianças trabalhavam, e esta era ainda pior que a dos homens. As condições de trabalho eram terríveis. Ficávamos em pé durante 16 horas fazendo uma mesma função, a minha, no caso, era colocar os fios no tear. Comíamos muito pouco e a fumaça que saia da fábrica nos deixava tontas; soube que algumas pessoas estavam ficando doentes por causa da inalação. Só encontrava minha mãe na hora de comer, nos davam pão velho e uma sopa rala de batata, sentia fome o dia inteiro. Naqueles momentos me vinham lembranças da minha vida no campo, e surgia um certo arrependimento de termos vindo pra cá, de certo minha vida no campo não era de todo boa, mas lá pelo menos tínhamos o básico para nossa sobrevivência, já aqui não tínhamos certeza de nada. Pensava se essas máquinas seriam mesmo boas para nossas vidas. Um momento muito difícil que passamos foi durante um forte inverno, onde a colheita caiu e como não havia dinheiro circulando, a pobreza foi geral. A fábrica continuava produzindo, porque as máquinas não podiam parar, houve então uma superprodução e ninguém comprava. Nós estávamos muito fracos pela falta de comida, além de termos poucas roupas para nos proteger do frio. Nessa hora ficamos inseguros, e nos perguntávamos se teria valido a pena essa mudança. Conseguimos atravessar esse período traumático e continuar trabalhando normalmente. Um dia saindo da fábrica vimos mulheres lavando roupas em água de uma vala imunda e fétida, essa cena não saía da minha cabeça. Resolvemos então dar uma volta nesse dia, para nos distrairmos um pouco. Conforme nos afastávamos das fábricas era visível a diferença do modo de vida entre nós, que trabalhávamos arduamente e os mais ricos. Eles usavam roupas bem acabadas e bonitas, andavam de carruagem, e compravam diversas coisas nas lojinhas que havia espalhadas pelas ruas, além disso comiam muito. Passamos naquele momento por vários restaurantes, onde do lado de fora podia-se ver as pessoas com fartos pratos e metade deles era jogado fora. Olhava


inquietamente para minha mãe, que estava com um olhar muito triste vendo aquilo tudo. Eu não parava de pensar em como essa diferença do modo de vida era injusta, e que não merecíamos viver do modo que viviamos se aquelas pessoas tinham tanto. Conversavamos com as pessoas que moravam conosco e elas estavam acabadas e se sentiam extremamente exploradas e abusadas por seus superiores das fábricas. Não tínhamos direitos e só servíamos à eles. Me contaram também que haviam grupos que estavam muito descontentes com aquela situação, eles se reuniam e combinavam de não ir ao trabalho como forma de protesto. Era esta a civilização prometida pela máquina? Pouco tempo depois, a situação foi ficando mais dramática e

esse

movimento se tornou mais constante, e mais pessoas foram aderindo. Percebia que falavam cada vez mais sobre isso nas ruas, e esse sentimento de injustiça só crescia. Havia uma lei do governo proibindo os trabalhadores de fazer greve por aumento de salário. Os operários chegaram a conclusão de que a união era fundamental, então começaram a criar associações secretas. Como era menina e pequena não havia muito a se fazer, então apenas observava e perguntava a meu irmão, que às vezes frequentava essas reuniões. Me lembro bem de um diálogo que tive com ele, onde fiquei ainda mais curiosa: -

Ronaldo, conte-me o que debateram na última reunião, por favor. Nem tudo posso lhe contar minha irmã, não quero te comprometer. Quanto

menos você souber melhor. Vou lhe falar uma única coisa: as manifestações estão aumentando, e o objetivo é pressionar os proprietários das fábricas, pois quando os trabalhadores não comparecem eles têm um enorme prejuízo. Finalmente em 1824 a Inglaterra aprovou então, uma lei que permitia a criação de sindicatos dos trabalhadores, o que foi muito importante para nós. Muito tempo depois algumas leis começaram a ser aprovadas. Isso porque, os governantes perceberam que se não cedessem haveria uma revolução sangrenta, como havia acontecido na França. Nos anos seguintes, houve um movimento de reformas para minimizar um pouco as injustiças e toda a exploração que vinha acontecendo com os trabalhadores. Durante esse tempo minha mãe ficou muito fraca e doente, e veio a falecer. Além disso, não tínhamos mais contato algum com meu pai, ficamos apenas eu e meu irmão. Entre as reformas que aconteceram, em 1842, foi aprovada uma lei importantíssima, a lei das Minas, que era a proibição do trabalho para mulheres e crianças com menos de 10 anos em minas de carvão. Logo depois, em 1847, veio a lei das 10 horas, onde a jornada de trabalho nas indústrias têxteis não podia ultrapassar 10 horas por dia. Outra questão muito falada na época foi a promessa de que a vida da população ia melhorar com o uso das máquinas. Porque o trabalho que antes era feito por um único artesão, levando normalmente, até 18 horas para produzir apenas um


produto, podia ser feito por vários operários, cada um executando somente um movimento de uma forma repetitiva. O produto final ficava mais barato, e cada trabalhador produzia mais, ou seja, trabalhavam menos, e ganhavam mais, podendo ainda comprar o seu próprio produto. Conforme fui crescendo minha vida foi melhorando, conheci meu atual marido, Peter, que assim como eu trabalhava em uma fábrica. Ficamos morando juntos por um tempo, ainda no mesmo lugar, mas, com esforço dos dois, conseguimos nos mudar para um lugar um pouco melhor, onde só morávamos nós. Tivemos dois filhos homens, que ajudavam no sustento da casa; um trabalhava numa fábrica de sapatos e o outro trabalhava com meu irmão. Ronaldo, quando mais velho, resolveu abrir um comércio. Vendia os tecidos vindos das fábricas e sua esposa aproveitava os tecidos para costurar roupas para os mais ricos. Num natal que a família passou junta, no ano passado, ficamos lembrando tudo que vivemos e as dificuldades que passamos. Parecia um filme em nossas cabeças. Ronaldo contou várias histórias de quando morávamos no campo, e lembrou como era o natal em nossa casa, meus filhos ficaram curiosos em saber. Durante esse jantar me veio um desejo de escrever sobre essas vivências e memórias, que apesar de terem sido difíceis, nos fortaleceram de modo a encarar o futuro com otimismo e esperança. O meu livro se chamará “ A promessa da máquina”.


Conflito fábrica-vida social Marina Mann

O ano é 1801 moro na Inglaterra e trabalho na parte de trás da minha casa, com o meu pai, somos tecelões. Me chamo John Wilson, tenho dezesseis anos e meu pai Edwin Smith, tem quarenta anos. Ele já trabalha há vinte e dois anos nesse mesmo ofício, da mesma forma que fazemos hoje, o meu avô lhe ensinava as técnicas da tecelagem e ele era aprendiz e agora ele que me ensina. Comecei faz aproximadamente um ano. Não temos uma condição financeira tão boa, tudo o que ganhamos vem dos tecidos. Funciona assim: eu e meu pai produzimos diariamente e uma vez por semana um grande amigo do meu pai vem à nossa oficina, pega nossos produtos e os revende, ele fica com uma parcela do que ganhamos com os produtos. Minha mãe faz os trabalhos domésticos, como cuidar de casa e fazer comida. Passou um ano e lucramos bastante com os nossos tecidos. Porém a nossa situação não estava das melhores.Desde a época do meu avô, o trabalho já estava começando a passar de manual para as fábricas, é algo que veio crescendo aos poucos, porém agora está mais forte que nunca e não estamos mais conseguindo concorrer com as fábricas. Nosso lucro de uma hora para a outra, abaixou drasticamente, as lojas começaram a preferir comprar das fábricas, onde para elas valia mais a pena. Nosso trabalho artesanal, onde meu pai era seu próprio patrão e produzia na escala que precisava, não tem mais espaço nessa sociedade capitalista atual. Com isso, todos nós estávamos sem emprego, desde o meu pai até a pessoa que vinha revender nossos produtos. Mais um ano se passa, estamos em 1803, e estamos mais pobres que nunca. Os poucos consumidores que ainda tínhamos de tecidos desapareceram, estamos praticamente sem dinheiro. Está muito difícil viver nesse mercado, onde os preços só


aumentam, a variedade de produtos é cada vez maior e nós estamos parados em um período atrás. Com tudo isso que estava acontecendo, percebi que precisaria de alguns dias para refletir sobre a situação. Precisava apurar todos os dados e chegar à uma conclusão cabível ao nosso contexto. Durante esses dias tive um diálogo com o meu pai que foi muito interessante e decisivo. Foi mais ou menos assim: - John, estou vendo que esses dias você tem estado muito pensativo e preocupado, o que aconteceu? - Bom pai, é que a nossa situação está indo de mal a pior, precisamos do mínimo para pelo menos podermos comer. -

Sim entendo, mas não consigo pensar em nenhuma solução. -

Eu tenho uma solução, talvez seja preciso tomar uma decisão difícil.

-

Qual?

-

Teremos que nos mudar para a cidade, para o redor das indústrias, é o melhor que podemos fazer no momento.

-

Você tem razão filho, não sei se é o melhor, porém é o necessário.

E lá fomos nós, em direção a cidade, esse deslocamento durou aproximadamente um mês. Quando chegamos lá, meu pai tinha um conhecido que trabalhava em uma indústria que não sabemos exatamente do que era, pois sua única função era apertar um parafuso. Esse conhecido se chamava Edward. Ficamos na casa do Edward por duas semanas. Nesse tempo foi o suficiente para que ele conseguisse falar com o dono da fábrica para nos conseguir emprego. Na realidade só conseguiu para o meu pai. O senhor falou que eu era muito jovem e que minha força de trabalho não lhe servia. Fiquei seriamente frustrado e até estranhei pois haviam boatos de que eles pagam menos para pessoas da minha idade, então para eles seria altamente lucrativo, mas tive que aceitar, não havia nenhuma outra fábrica no entorno de onde a gente morava para eu poder trabalhar. E lá se foi meu pai para seu primeiro dia de trabalho, sua função era bater com o martelo em um prego. Chegando lá, todos estranharam uma pessoa nova, que não parecia muito jovem naquele emprego, todavia, logo se concentraram em outra coisa, senão o patrão ia lhes punir. No dia seguinte bem cedo, antes de sair para mais uma jornada de trabalho, ele me relatou como eram as condições da fábricas. Não eram ambientes adequados ao trabalho, as condições de iluminação e ventilação eram péssimas. Não havia nenhum equipamento de segurança, portanto em um dia meu pai viu cerca de quatro acidentes só na sua área, por conta disso a contaminação por doenças era muito mais corriqueira, com isso podemos imaginar que a média de vida seria muito baixa. A jornada de trabalho beira às 16 horas, sem direito a descanso e pelo jeito sem nenhum direito a férias. O que


tem de pior nisso tudo, é que o salário não compensa, isso tudo para os proprietários das fábricas terem mais lucro. Tudo hoje em dia visa o lucro, nem ligando para a questão humana. Infelizmente, os trabalhadores não tem nenhuma voz, portanto, por mais que sofram e não estejam aguentando mais, não há nada que possam fazer, a única solução seria sair da fábrica, que nunca seria uma opção pela condição de vida de todos os trabalhadores que nem dinheiro para comer alimentos comuns tem. Recentemente, inventaram um termo que seria a “dieta do trabalhador”, onde seria somente arroz e feijão que era a única coisa que eles poderiam dispor. Após mais de dois anos trabalhando, o que significa que estamos em 1805, meu pai Edwin, não aguentava mais toda a pressão que lhe cercava, estava quase enlouquecendo, não conseguia expor toda a sua raiva e indignação em palavras, então decidiu escrever um relato do que acontecia no seu dia a dia. Tentava escrever nos pouquíssimos tempos vagos, porém com pouco conseguia se expressar e escreveu um diário. Era para ser algo secreto, só para ele, entretanto, eu encontrei esse diário, abaixo deixo algumas das páginas que mais achei interessante. “ Inglaterra, 19 de Abril de 1805 Hoje faltaram muitos colegas, não sei ao certo o motivo, porém suponho que tenham adoecido. Com tal fato, fico muito apreensivo de ficar doente também, já que ficar doente, com a falta de saneamento e medicamento que temos, é um enorme risco. Acho que eles podem estar com um problema pulmonar, pois inalarmos diariamente muita fumaça da fábrica. Passaram-se 4 horas e eu finalmente tive uma pequena pausa de quinze minutos, onde aproveitei para escrever e comer um mísero pedaço de pão. Nas últimas 4 horas devo ter martelado 600 pregos. Especialmente hoje,o trabalho está mais severo por conta da falta de funcionários. Apesar da grande quantidade de trabalho que estou realizando, meu salário com certeza não aumentará nada. Sinto-me como se estivesse em um trabalho escravo. Estou perto de acabar as minhas 16 horas de trabalho. Essa pausa corresponde a minha ida ao banheiro, que eu o levei, querido diário. Minha disposição está cada vez menor, para um senhor de cinquenta e seis anos. Essa rotina não está mais sendo possível. O caminho de volta para casa, nunca foi tão cansativo, minhas pernas doem e eu ao final do dia, quase não consigo mais ficar em pé. A única coisa que desejo é chegar em casa, comer um bom prato de comida, tomar um banho e repousar. Pelas horas da madrugada que eu chego, quase não consigo ver o John e minha esposa. Isso é a parte mais desgastante para mim, o trabalho é tanto que nem consigo tirar um tempo para ficar com a minha família. O tempo que tenho para dormir é ainda menor. Apenas 5 horas. O que me deixam apenas, quatro horas para os meus deslocamentos e lazer, o que é infinitamente pouco, meu tempo está muito mal dividido.”


“ Inglaterra, 14 de Novembro de 1805 Hoje acordei mais cansado que o normal,o trabalho ultimamente tem sido mais pesado que o habitual. Agora além de martelar um prego, tenho que apertar um parafuso. Cada coisa com uma mão, acabo tendo que ser multitarefa, onde meu cérebro não consegue absorver nada e entra em colapso. É hora do almoço e os donos da fábrica desceram de seu escritório para nos dar um recado e apresentar dois produtos que diziam ser muito importantes. O primeiro deles é um aparelho responsável por contar as horas, pelo que eu ouvi o nome é relógio. Ele serve para contar nosso tempo de trabalho, desde a hora que entramos na fábrica, a hora dos pequenos descansos e a hora de ir embora. Achei muito interessante, pois agora poderíamos ter uma melhor noção dos nossos tempos e movimentos.E, ao mesmo tempo, parece que demora mais para passar o trabalho de modo geral, e cada minutinho passa mais rápido. é um grande conflito na minha mente. O outro objeto, é algo que emite um som, sirene o nome, que também é outro indicador de quando começa e acaba o trabalho. É um barulho ensurdecedor, parece que é para causar incômodo e irmos fazer de forma objetiva o que precisamos. É chegada a hora da saída e pela primeira vez tocam aquela sirene. Minha primeira reação foi sair correndo e acabar com aquele barulho. Outro motivo para eu ter saído correndo era que eu queria contar essas nossas tecnologias à minha família o mais rápido possível. Como eu já disse anteriormente, sempre que eu chego em casa, John e minha mulher já estão dormindo. Mas justo hoje que eu precisava contar uma novidade, eles estavam acordados, parece que eles estavam sentindo. Contei tudo com detalhes e eles ficaram maravilhados. Até que John me perguntou se aquelas tecnologias eram de fato boas ou se limitam nossa capacidade produtiva. Na minha visão, isso só veio para regulamentar nosso trabalho ao mínimo. Com isso, pelo menos era possível provar se eles nos deixassem mais tempo trabalhando. O dia de hoje foi cheio de novidades e até estou curioso para saber como e se de fato isso irá funcionar. Imagino que o mesmo que está acontecendo aqui, irá acontecer em diversos lugares do mundo e de fato queria poder ir no futuro e conhecer esses outros operários e ver o que eles pensam a respeito do assunto.” “Inglaterra, 15 de Dezembro de 1805 Bom dia diário, hoje foi meu último dia aqui na fábrica, já não estou aguentando mais, não está mais valendo todo meu esforço. Estou cada vez mais fraco. Já havia conversado com o dono da fábrica, ele não tinha gostado muito da idéia, porém prometi que não traria prejuízo e daria uma forma de algúem me substituir .


A primeira pessoa que pensei para me substituir foi John. Quando comentei que me aposentaria ele na hora aceitou, percebeu que alguém teria que sustentar a casa. Foi chegada a hora de eu finalmente assinar os papéis e assinar minha demissão. Na hora contei sobre o meu filho e ele aceitou a troca e disse que ele teria que vir trabalhar o mais rápido possível. Final das 16 horas e lá estava eu saindo pela última vez pelo portão daquela indústria. Por um lado aliviado e por outro lado apreensivo pelo meu filho.” Como meu pai havia escrito em seu último dia de diário, ele se aposentou e escolheu um representante que no caso era eu, John, para substituí-lo. Fiquei honrado por ele depositar tal confiança em cima de mim. Estava com muito medo do que o mundo fabril tinha a me proporcionar, mas estava preparado para sustentar a minha família e representar o legado do meu pai Edwin durante esses anos. Eu pedi que ele não me contasse nada além do básico. A única coisa que eu pedi que ele me passasse era o seu diário. Que começava mais ou menos assim. “ Inglaterra, 1 de Janeiro de 1806 Bom dia, hoje é meu primeiro dia de trabalho aqui na fábrica…”[1]

Referências Bibliográficas: http://revolucao-industrial.info/as-fabricas-e-os-trabalhadores.html https://monografias.brasilescola.uol.com.br/historia/revolucao-industrial.htm http://moisesprofhist.blogspot.com/2017/07/a-revolucao-industrial.html


Conto histórico passado na Revolução Industrial Luiza Averbug Zukin

Imagine o cenário: uma grande indústria com fumaça para todos os lados, máquinas e esteiras, operários alienados. Estamos situados em 1811, mais precisamente em Norwich no leste da Inglaterra. Nosso personagem central é Finley Joshua Lewis, filho órfão de antigos fazendeiros. Finley ajudava seus pais desde pequeno no cultivo e na colheita de algodão para produzirem tecidos e venderem para as cidades. Moravam afastados e a vida no campo era simples e boa. Ele lembrava de suas mãos arranhadas e secas de tanto colher e separar o algodão puro do material da semente menos puro, lembrava da diversão que era sua competição com seus irmãos, quem conseguiria colher mais e mais rápido. Tinha toda a sabedoria e educação sobre o processo de fazer tecidos, considerando que fazia parte de sua rotina, e foi-lhe passado por seus falecidos pais. Possuía uma grande paixão por o que fazia, orgulho ter produzido tantos bons tecidos com sua família. E foi por isso que hoje, e todos os dias desde que seus pais morreram, Finley estava lá em uma das maiores indústrias têxteis da cidade apertando um botão para que o algodão fosse tecido. Acreditava que com sua experiência e capacidade conseguiria um ótimo cargo, porém estava enganado. Recebia um salário mínimo que só pagava por sua alimentação e mesmo assim, precisava ficar quase 14 horas trabalhando. Ethan e James, seus dois irmãos, estavam na mesma situação que ele e todos trabalhavam na mesma fábrica. Todos dividiam uma pequena casa que conseguiam pagar com o pouco de dinheiro que lhes foi herdado. Porém quase não conseguiam pagar o aluguel.


-“Finalmente acabamos por hoje”- exclamou Ethan enquanto saía com seus irmãos da fábrica- “Preciso de um ar puro” -“Não aguento mais essa vida! Como viemos parar aqui?”- retrucou Finley Finley não parava de pensar o quão desvalorizado sua mão de obra era. Com tudo que sabia, seu salário deveria ser o quíntuplo do que é e suas condições deveriam ser muito melhores do que são. -“Eu quase sofri um acidente grave hoje, e nem assim me liberaram.

“-

assume James que estava calado até então, e com sua fala causa uma reação de desespero em seus irmãos -“O que houve??”- ambos exclamam James mostra sua sangrenta mão esquerda que estava escondida em seu casaco e faz uma expressão de dor quando Finley se aproxima para tocá-la. -“Já é o sexto acidente só desta semana! Os burgueses não dão a mínima pras nossas vidas! E se tentarmos reclamar, irão nos substituir por qualquer besta que saiba apertar um botão!”- Finley grita de raiva -“Esquece isso, estou bem. Vamos para casa descansar, usar as poucas horas que temos”- finaliza James Enquanto caminham na direção da estação de trem, Finley não consegue esconder a sua raiva. Bufa e resmunga todo o caminho. Tudo era melhor antes das máquinas aparecerem na Inglaterra. Tudo fazia mais sentido, suas vidas eram muito melhores. No meio da noite, Finley acorda com os barulhos de James gemendo de dor. O franzino loiro de apenas 19 anos acariciava a própria mão que está rodeada de gaze. James não falava de sua dor que certamente era intensa, tendo em vista os poucos produtos de higiene que possuíam e o baixíssimo saneamento básico em seu bairro,sua mão infeccionaria tão rápido quanto foi-se feito o machucado. O alarme toca. Os três irmãos acordam. Levantam, pegam seus cafés e os tomam tudo em um gole. Dividem uma escova de dente e cada um escova em sua vez. Primeiro Finley, Ethan e finalmente James. Todos colocam suas mesmas roupas de trabalho. Andam até a estação de trem. Esperam o trem que sai toda manhã às seis em ponto. O trem chega e eles entram. Sentam e esperam. Sem palavras, ou o mesma conversa curta de sempre. Saem do trem e se dirigem à fábrica. E isso se repete todos os dias. Ao chegar na indústria, Finley avisa que já irá encontrar os irmãos no lugar usual. Ele pretende fazer uma visita mais ampla ao lugar que trabalham a tantos anos. Ao andar um tanto, chega num setor mais desvalorizado e encontra mulheres e crianças sujas e em péssimas condições, parecem que não dormem a dias. Observa um burguês próximo a parede em que está escondendo atrás e foge, com medo de ser encontrado fora de sua função. Esbarra numa mulher em trapos, com 3 crianças em volta de seus braços. -“Como você submete seus filhos a tanto trabalho e abuso?”- ele pergunta de imediato


-“Seu salário é bom?”- ela pergunta calmamente Finley não entende bem o questionamento mas responde com sinceridade- “Não.” -“Imagina receber um terço disso. E ter que sustentar 3 filhos.”- ela retruca- “Se não os trouxesse para trabalhar, não comeríamos”. Com isso a mulher volta com rapidez a trabalhar e Finley se retira, envergonhado e estressado. Volta a seu setor, o mesmo lugar que olha todos os dias. Consegue avistar Ethan por perto, mas não consegue ver James, que trabalha um setor ao lado. Se preocupa com o irmão, pois ele está muito cansado e sua mão deve estar doendo. Finley tosse algumas vezes por causa do excesso de fumaça porém tenta esquecer todas essas chateações e foca em seu ofício. Olha pros lados e vê máquinas. Incontáveis máquinas. Aquelas de aço que trabalham sem parar e aquelas feitas de pele onde já existiu cérebros, almas e mentes, e hoje só funcionam em série, com uma expressão morta, braços levantando e abaixando, como alavancas. -“Acidente! Acidente!”- gritam alguns operários do setor ao lado Os dois irmãos se olham com ar de preocupação, e procuram desesperadamente algum sinal de James, por cima da multidão. Correm pelas pessoas sem se preocupar quem atropelavam no caminho. Avistaram algumas cabeças loiras mas nenhuma delas era o pequeno James. Os piores pensamentos corriam nas cabeças de Ethan e Finley. Ethan era o mais rápido e foi o primeiro a avistar James. O menino estava jogado no chão,ao longo do seu braço esquerdo poças de sangue. E um pouco ao lado, sua mão. A mão de James estava dissociada de o resto de seu membro, rodeada de vermelho. Finley primeiro viu a expressão horrorizada de todos, principalmente de Ethan. Depois viu seu irmão, urrando de dor. Muitas cabeças assistiam o acontecimento mas ninguém se arriscava a tentar ajudar. A quantidade de sangue era preocupante. Os dois irmãos mais velhos se molharam ao abordar o irmão. Ethan tira sua camisa rápido e com auxílio do pano, tenta estancar o sangramento. Finley não sabia como agir, só gritava por ajuda. Ninguém fazia nada, os burgueses presentes só observavam parados. Por mais que o irmão do meio fez do seu melhor para salvar James, era tarde mais. Ele tinha perdido muito sangue e estava extremamente fraco. Assim que, no dia 19 de agosto de 1811, James Henry Lewis, de apenas 19 anos, sangrou até a morte no imundo chão de uma fábrica, rodeado de seus irmãos impotentes, e incontáveis máquinas sem reação às emoções tão fortes e sentimentos tão extremos. A fúria presente em Finley era imensa. Não tinha espaço para a tristeza, apenas para a ira. Ele culpava as máquinas e os burgueses. Se não fosse pelo perigo das máquinas, o acidente de James nunca teria acontecido e se não fosse pela frieza e passividade dos burgueses que não se moveram para ajudar o pobre garoto, James ainda poderia estar vivo. Não teria tido uma morte tão terrível, um fim tão abrupto e injusto.


Os irmãos faltaram seus trabalhos por alguns dias, e com certeza já teriam sido substituídos Pensavam em voltar para o campo,não queriam continuar com suas vidas como estavam. Tinham um ódio pelas cidades. -”Finley, temos que conversar”- aproxima-se Ethan- “Sei de um jeito para que possamos vingar a morte do nosso irmão”. Finley, que estava de extremo luto e não pensava em nada sem ser o recente ocorrido, se interessa muito em o que Ethan tem pra falar. Fica muito atento e deseja com toda suas forças uma vingança, um fechamento para tudo isso. -”Você já ouviu falar dos ludistas?”- Ethan continua- “Não sei sei você lembra do Marc que trabalhava na fábrica com a gente há alguns anos atrás, ele foi demitido quando desafiou um burguês nos dava ordens. Ele faz parte de um grupo, eles se autointitulam Ludismo. Eles destroem máquinas em forma de protesto. É um pouco perigoso, porém…” -”Não temos nada para perder”- Finley o corta- “Vamos se juntar a eles.” No dia seguinte, Finley sai cedinho de casa para vender suas poucas posses. Pela primeira vez em um bom tempo, ele tem vontade de fazer algo. Vende tudo que tem e com esse dinheiro compra machados. Ethan faz todos os contatos, começando com Marc. A primeira reunião é marcada e os irmãos são os primeiros a chegar no local. Por pedido dos Lewis, a fábrica escolhida para o ataque é a têxtil que trabalhavam e Marc concorda com felicidade. Esperam a maioria dos funcionários terem saído dos seus trabalhos, quando só restam alguns patrões da burguesia. Pela silhueta da madrugada, uma dezena de homens com armas de ferro andam com cautela pelas ruas. E assim que Marc dá um sinal, todos entram à força. Com toda a força que ele possui, Finley bate nas máquinas até que se despedaçam. Junta sua raiva toda e transforma numa imensa satisfação. Corre ao setor onde seu irmão perdeu a mão e a vida, e quebra tudo que consegue. Se machuca em um ato intenso e nem isso o faz parar. Chuta, soca e arremessa coisas. Ele ouve um tiro. Dois tiros. Três, quatro, cinco. E mesmo assim, não para, não hesita. Nada penetra o estado de mente que está preso. Ele ouve gritos, seus companheiros sendo atingidos, sofrendo, sangrando, morrendo. E Finley não muda uma atitude que faz. Já não o afeta mais. Até que após ele reconhece um dos gritos. No meio dos berros por socorro, ele reconhece uma voz suplicando piedade. Uma voz ríspida e áspera que ele ouviu sua vida toda. A voz que sempre negava pedir desculpas ao bater no seu irmão mais novo quando criança. A voz que sempre cantava vitória ao ganhar repetidamente suas competições de quem colhia mais algodão. A voz de seu irmão, Ethan. Finley virou-se e avistou um burguês segurando uma arma, próximo do corpo alto de seu irmão estirado. Pegou seu machado que havia soltado no chão e foi em direção deste instrumento letal. Com seu machado acertou suas mãos, fazendo com que a arma caísse. Não satisfeito foi em direção de sua cabeça. E ao ver o burguês berrar e sangrar


como seus irmãos, estava feliz. Atrás de preencher mais seu contentamento, foi com seu machado procurar mais burgueses. Já não tinha consciência do que fazia, só dos sentimentos prazerosos que o trazia. Um prazer imenso subia ao seu corpo,mas além disso não existia nada. Nenhum sentimento, nenhum objetivo. Estava completamente vazio. E com isso, deixou seu corpo cair no chão. Deixou que todas as balas te atingissem, passivamente sofreu. Deixou seus pensamentos fluírem. Não tinha mais volta. Ele só conseguia pensar que ele e seus irmãos perderam suas vidas no momento que se mudaram para a cidade, que se mudaram para aquele local artifical. E em seus últimos segundos de vida, estava feliz. Ele tinha lutado por algo e morrido por algo. Sofria, mas sentia. Não tinha cedido para a alienação que queriam o submeter, não tinha se tornado em uma das incontáveis máquinas sem personalidade e individualidade.


Desventuras da Família Crispin Paula Flanzer

O dia 15 de outubro estava sendo aguardado ansiosamente pela família Crispin havia meses. Bill e Edina haviam trabalhado duro para conseguir terminar de costurar cada bordado e cada detalhe do tecido encomendado pelo Lorde Sullivan, um dos nobres mais ricos de Londres. A família Crispin era conhecida há gerações pelo seu negócio de tecidos. O bisavô de Bill já produzia as roupas dos reis e da nobreza, e tanto o talento quanto os clientes foram passando pelas quatro gerações da família. Era uma honra para Bill e Edina poderem seguir com essa herança Crispin. A família era conhecida pelo seu carinho e afinidade com os consumidores. As pessoas vinham de Londres até Windsor para comprarem suas roupas sob medida. Produzindo sempre tecidos e roupas personalizadas de acordo com a individualidade de cada um, os Crispin tinham a fama de serem refinados e por isso seu trabalho era caro: só os mais abastados podiam bancar. O dia do cliente vir buscar a encomenda chegou e o casal se alegrava. Finalmente, depois de tanto esforço e trabalho, o pagamento viria. A família estava passando por momentos difíceis. O casal tinha de sustentar seus quatro filhos agora com muita dificuldade. Eram tempos sombrios para os donos de pequenos negócios manufaturados. Nem Bill nem Edina sabiam como contornar a situação. Por mais que eles sempre tivessem seus clientes garantidos, de uma hora pra outra, começaram a os perder em peso pras grandes fábricas. De repente, começaram a se ver em uma situação


sem saída. As novas e máquinas eram capazes de produzir em maior quantidade e rapidez os tecidos, que acabavam sendo infinitamente mais baratos que os manufaturados dos Crispin. As feiras e os pequenos estabelecimentos passaram a dar lugar para mercados e grandes centros que revendiam os produtos vindos das indústrias, e era impossível competir com essa nova concorrência. A entrega daquele dia era de fundamental pois seria a primeira grande encomenda em meses. O Lorde Sullivan já havia pago uma parte do preço final, mas o pagamento que receberiam seria o suficiente pra sustentar mais algumas semanas a família de seis. Bill e Edina só tinham filhos homens: Seth, Russel, Owen e Caleb, nessa ordem. Os dois primeiros, de 19 e 16 anos, ajudavam os pais a tocar o negócio. Russel era inteligente e administrava as finanças, enquanto Seth contribuía na manufatura de tecidos como aprendiz. Owen, de 12 anos, não conseguia ajudar e exigia um cuidado especial. O filho do meio do casal tinha uma doença muscular que prejudicava o movimento dos braços, o que o impedia de trabalhar na tecelagem. Ele era encarregado então de ficar com Caleb, de 7 anos, que ainda era muito pequeno pra participar do negócio. Por volta das 11 da manhã daquele dia, os empregados do Lorde vieram ao pequeno estabelecimento dos Crispin buscar a encomenda. Edina e Bill foram cumprimenta-los e lhes deram o tecido pronto. Um dos empregados agradeceu e lhes devolveu um envelope com o restante do pagamento. Naquele momento, o casal soube que todo o trabalho havia valido apena. Antes de sair, o empregado se virou para Bill e indagou: - Senhor Crispin, me desculpe perguntar assim, desse jeito, mas o senhor sabe que isso aqui não tem futuro algum, não é mesmo? Já começou a pensar no que você e sua família vão fazer? - Como assim? – respondeu Bill - Bom, já estamos em 1810, as coisas não são mais como eram na época do seu pai, avô ou bisavô. Agora as máquinas estão ai, bem na nossa frente. Não dá mais pra competir com elas. Isso aqui que você tem não vai durar mais muito tempo. - É claro que dá, meu caro! Meus consumidores estão satisfeitos com meu trabalho, não estão preocupados com o preço. - Olhe em volta, Crispin, não seja tolo! Pense na quantidade de ateliês de artesãos que haviam aqui antigamente! Quantos ainda existem? A vida está mudando, e nós temos que mudar junto com ela... Não adianta negar o óbvio! - Você está equivocado. Nossos clientes gostam da exclusividade e refinamento do nosso produto. Esse ateliê tem história! Os consumidores de hoje são netos dos consumidores do meu avô! Eles não vão nos trocar por um tecido qualquer em um mercado desses.


- Isso era no passado, Bill! Agora que os preços caíram, as pessoas não ligam mais para a exclusividade do produto. Elas querem mais e por mais barato. Veja bem, o Lorde Sullivan tem um primo que abriu uma nova indústria, de tecidos mesmo, lá em Londres. Você devia dar uma olhada se ele está contratando funcionários. Falo isso pelo seu bem. Você sabe que está com os dias contados, Crispin! Preciso ir-me de volta. A viagem daqui até Londres é longa e o Lorde Sullivan aguarda minha chegada. Passar bem! Bill sabia que o empregado tinha razão, só não queria falar na frente dos filhos pois sabia que seria motivo de preocupação para eles. Por mais que soubesse que todos já tinham percebido que a família agora passava por uma situação delicada, na sua cabeça, enquanto ele não falassem sobre, o problema não existia. Os dias se passaram e aquela conversa não saía da cabeça de Bill. Até que, uma noite, depois do jantar, quando Owen e Caleb já estavam dormindo, ele e Edina se reuniram com os dois filhos mais velhos e começaram a pensar nas possibilidades para o futuro. O casal estava relutante em abrir mão do negócio familiar, mas após escutar de Russel sobre a situação econômica, viram que não havia outro jeito. Eles tinham noção que não conseguiriam competir com os preços, a quantidade e a rapidez de produção das máquinas. Era impossível conseguir sustentar a família nessas circunstâncias e, por mais que doesse ver que ele não conseguiria ser a quarta geração a passar o ateliê pros filhos, Bill não tinha escolha. Na manhã seguinte, pai e filho saíram a procura de trabalho. Viajaram de Windsor à Londres e foram à fábrica do primo do Lorde Sullivan, seguindo o conselho do empregado daquele dia. O cenário das duas cidades era completamente diferente. Embora fossem separadas por apenas 40 minutos de carroça, parecia que estavam chegando em outro país – ou outro mundo – conforme iam se aproximando da capital industrial. A fumaça preta tomava conta dos ares e tudo tinha um cheiro horrível. Por mais que Windsor não tivesse exatamente um cenário de campo e pasto, pelo menos era uma cidade menorzinha, conservada e com um ar mais natural. Londres por sua vez era lotada, com cartazes de mulheres posando nuas, mas trabalhadores andando depressa, ocupados demais para prestar atenção nisso. Ainda por cima, o dia era chuvoso e as estradinhas apertadas, agora cheias de lama, tornavam a circulação difícil. Pai e filho eram olhados por todos por conta de suas roupas. Eles não entendiam porque, mas sentiam nos olhares um certo ódio dos trabalhadores. Por um momento, Bill pensou que estivessem associando eles com burgueses, donos de fábricas, mas na sua cabeça aquilo não faria sentido! Por quê os trabalhadores olhariam para os burgueses com essas caras? Bill e Seth andavam cada vez mais rápido. Chegaram na casa do tal primo para conversar com ele. Os dois foram recebidos calorosamente pelo anfitrião, o Sr. Johnson, que propôs a seguinte condição:


Bill e Seth, que já conheciam mais e tinham experiência na área de tecelagem, trabalhariam na linha de montagem da fábrica para produzir os tecidos. Russel cuidaria da parte administrativa, como fazia no ateliê do pai, e Owen e Caleb, os mais novos, ficariam na parte inicial das maquinarias, com trabalhos simples, que envolveriam apenas apertar os botões. Já Edina não teria de trabalhar, poderia ficar em casa cuidando do lar e da família que chegaria cansada do trabalho intenso. Sua função era basicamente servir e agradar aos cinco homens da família, principalmente a Bill. Seth e Bill ficaram preocupados com a proposta do futuro patrão. Tentaram convencer o Sr. Johnson que Owen não poderia trabalhar por conta da doença, mas o homem não se importou. Falou que ele não teria problemas, só teria que apertar uns botões, e que os dois deveriam estar agradecendo por ele estar contratando esse filho! Conseguiram apenas convencer o Sr. a liberar Caleb, que ainda era muito pequeno e não se daria bem ali dentro. Ele ficaria em casa com Edina, até crescer um pouco mais. E assim foi feito. Pouco tempo depois a família declarou fechado oficialmente o ateliê de tecidos e se mudaram para mais perto de Londres. De fato, foi um choque para todos, e custou para eles se acostumarem com o novo estilo de vida. Nenhum dos homens jamais tinha entrado numa fábrica, e aquela atmosfera era completamente diferente da que trabalhavam antes. Um ambiente claustrofóbico, apertado e mecanizado. O que mais estranharam foi o fato de estarem uniformizados e separados uns dos outros. Cada membro da família trabalhava em uma parte da fábrica, com uma área diferente, e eles quase não se viam. Encontravam-se apenas no final do dia, quando o sinal tocava indicando que era hora de partir, e raramente nos almoços. Voltavam pra casa, jantavam sempre pão ou batata que Edina havia preparado e iam dormir cedo, cansados da rotina intensa. Eles sentiam falta da vida antiga. O trabalho era mais livre, mais individual, mais feliz. A casa era mais confortável, a comida mais gostosa, a cidade mais bonita e a família mais unida. Agora estava cada um por si lá dentro. Eram mal tratados pelo Sr. Johnson e recebiam salários insuficientes. Pouco tempo após começarem o trabalho, o pai e Seth perceberam porque naquele dia os trabalhadores na rua os olharam daquele jeito: todos tinham raiva dos ricos burgueses, e associaram eles a isso quando viram suas vestimentas. A família toda foi tomada por um sentimento de tédio e uma depressão profunda em poucos meses, principalmente Bill. Ele se sentia inteiramente responsável pela situação que passavam agora. Era uma mistura de culpa por não ter conseguido manter o negócio de gerações, com arrependimento por ter deixado tudo acontecer dessa forma, e raiva por tudo que ele e sua família estavam passando. O único membro da família que estava gostando mais do seu trabalho era Russel. Como era ele quem cuidava da parte das finanças, percebeu logo de início o


problema que estava se instaurando na fábrica por conta do Bloqueio que Napoleão havia exigido de todos os países em relação à Inglaterra quatro anos antes. Nesse cenário, Russel ficou encarregado de achar comércios alternativos, já que apenas o mercado inglês não era suficiente para toda a produção. O menino então foi convidado a fazer parte de uma viagem ao Brasil. Como sabia que a Família Real portuguesa havia acabado de se instalar lá, achou que seria uma boa oportunidade de negociar uma possível abertura econômica, para que os produtos ingleses pudessem chegar a essa parte do mundo também. Russel sabia como negociar bem, e sabia que os portugueses deviam muito dinheiro à Inglaterra. Essa seria uma ótima oportunidade de fazer a indústria se expandir e aumentar seu mercado consumidor. Bill ficava orgulhoso do filho, mas sofria a cada viagem que ele fazia e a família se separava. Ele estava insatisfeito com absolutamente tudo, e achava que nada poderia piorar, mas estava enganado. Era um dia comum na fábrica e ele estava trabalhando na esteira quando o Sr. Johnson veio pessoalmente o chamar. Achou estranho. O patrão nunca estava na fábrica, principalmente entre os trabalhadores. Os dois sentaram-se na sua sala e o Sr. Johnson começou a falar. - Olha, Crispin, não sei como vou te falar isso... Você é um trabalhador querido aqui dentro, com experiência e é competente, e eu gosto muito de você, então pra mim é complicado te dar uma notícia dessas. Bill já estava suando frio. Só queria que ele falasse logo! - Hoje mais cedo – continuou o Sr. Johnson – me contaram que seu filho mais novo, o Owen, estava trabalhando na sala de máquinas, fazendo o de sempre, né, só apertando os botões, mas a manga da sua blusa acabou prendendo em uma das esteiras e ele não conseguiu tirar o braço. Ele foi puxado para dentro das embreagens e... Owen não sobreviveu. Bill travou. Não sabia o que dizer, o que pensar, nem o que fazer. Pôs as mãos no rosto e começou a chorar. Ele gritava, berrava com todas as suas forças. - MAS É CLARO QUE ELE NÃO CONSEGUIU TIRAR O BRAÇO! ELE TEM UMA DOENÇA! E EU TE AVISEI, EU TE AVISEI! – ele repetiu várias vezes. Saiu da fábrica correndo, sem falar com os outros filhos. Nada passava pela sua cabeça e ao mesmo tempo se via engolido por tantos pensamentos. Bill foi para casa. Encontrou Edina e os dois juntos puseram-se a chorar incessantemente. Nada parecia dar certo na vida dos Crispin. A partir daquele dia, Bill ia sempre a um bar próximo da casa. Passou a ir com uma frequência preocupante, já que a família estava com o dinheiro contado e ele gastava fortunas ali. Ele só queria esquecer. Da morte de Owen, das brigas em casa, da mudança de Windsor, de tudo. E acabava que era assim toda noite.


Bebia a tarde toda, sem parar, da hora que saía da fábrica até a hora da janta. Ele já não estava mais dentro de si. Estava absolutamente viciado no álcool e na sensação que este o causava. Bill estava completamente mudado. Ele voltava pra casa tarde, bêbado, sem conseguir se equilibrar direito. Ficava com raiva sempre e não havia nada nem ninguém que conseguisse o ajudar. Às vezes, acabava até descontando na sua própria mulher. Essa vida de alcoólatra já havia se tornado rotina, e Edina era quem mais sofria. Não suportava ver o marido assim, mas apanhava toda vez que opinava sobre o assunto. Ela sempre o esperava acordada. Ficava tão preocupada com ele que não conseguia dormir enquanto o marido não chegasse. Mas uma madrugada foi diferente das outras. Bill havia voltado para casa com ajuda do dono do bar. Ele havia passado o dia todo bebendo, muito além do normal e muito além do que ele aguentava. Todos a sua volta já estavam extremamente preocupados. Bill Foi deixado bem na sua porta, e entrou com dificuldade. Mal conseguia se equilibrar. Quando entrou, viu Edina. Ela estava na pequena mesa da sala, quase adormecida. O marido estava com uma garrafa na mão e se apoiava nas paredes pois não era capaz de ficar de pé sozinho. Ela se levantou para ajudá-lo a chegar até a cama, mas Bill começou a gritar. - Eu não quero sua ajuda! Sai de perto de mim! Você nunca me ajuda em nada e agora me vem com essa! - Pare com isso, Bill! Sou eu, Edina! Vem cá, vamos dormir. Amanhã conversamos sobre isso! - Não! Não me toque – e deu um tapa forte em sua cara. A mulher se afastou com a mão no rosto, mas tentou de novo. - Venha, Bill, está tarde e você está bêbado! Pare com isso! - Pare você, sua bruxa. Não quero você perto de mim. E, em um gesto súbito, bateu com a garrafa de vidro na cabeça de Edina. A garrafa estourou e quebrou em mil pedacinhos e a mulher, apagando, caiu no chão. Edina pôs a mão na cabeça, viu o sangue escorrendo e os caquinhos espalhados pela sala. Aos poucos, foi perdendo a consciência e, deitada, apagou de vez. Edina também havia falecido. Bill, por mais bêbado que estivesse, imediatamente percebeu o que havia feito. Tentou, sem sucesso, acordar a mulher. Ele não tinha controle sob seus sentimentos: chorava por saber que havia a perdido, mas sentia raiva dela por não ter o escutado. Bill gritava, chacoalhava a mulher e implorava por socorro, mas ninguém o ouvia. O homem sentia uma dor no peito, quase como uma pontada forte. O ar ficava escasso, ele sentia tudo girar, ficava tonto, fraco e suava frio. Ele sabia que seu fim viria


em breve também. Poucos minutos depois, sem que ninguém pudesse o ajudar, Bill teve um infarto fulminante, e caiu no chão, agora morto também. A história da família Crispin virou notícia em todos os jornais, mas apenas como estatística. Bill era mais um dos homens que acabaram tomados pelo alcoolismo, e Edina mais uma das vítimas de violência doméstica. Eles morreram para virar as testemunhas do passado, exemplos do presente e advertências do futuro previsto desde a Revolução Industrial.


Londres do século XVII sob a ótica de um proletário Eduardo Landau Já estava escuro quando eu e meu amigo Ben saímos do ofício. Era sexta-feira então, como de costume, fomos para um pequeno bar perto de onde trabalhávamos. A alegria dos pobres operários daquela época se restringia a beber, algo que era como uma “reunião dos pobres”. O dia tinha sido exaustivo, as 12 horas de trabalho intermitente mal nos permitia respirar e um tempo para descansar. Isso era rotina durante todo o ano, agora imagine quando se trata de uma semana antes do natal. A produção havia crescido cerca de 50%, o que foi motivo de bastante reviravolta dentro dos sindicatos da região. Apesar de apoiar os sindicatos, procurava me manter distante de suas atuações após o incidente do verão passado. Uma de suas lideranças, o jovem John Pickford, foi morto após ser visto espalhando cartazes contra a burguesia pelas ruas adjacentes das duas maiores fábricas da região. Até hoje não se sabe quem o matou, ou melhor, todos nós sabemos, as autoridades e os burgueses é que não querem contar. Das poucas regalias que essa vida me permite, manter contato com amigos de infância é sem dúvida um presente. Gosto sempre de manter por perto os poucos que me restam. Aliás, crescemos juntos em um dos bairros mais pobres da cidade de Londres, o que fez com que morássemos no mesmo cortiço por muitos anos. A dificuldade que uma família passava era compartilhada pelas outras, e tentávamos nos ajudar em tudo que era possível, mas nem tudo nessa vida está sob nosso alcance. Não são poucos os vizinhos que morreram de cólera ou febre amarela, até familiares já sofreram de tais doenças. Ano passado a mãe e o pai de meu melhor amigo Ben faleceram na mesma semana. Não que fosse uma surpresa, os velhinhos já estavam para partir fazia alguns anos. De qualquer forma, todos sabem que a partir dos 50 anos, todo dia vivo já é lucro. Mas enfim, a morte parece assombrosa para muitos, mas a vejo com outros olhos. Para mim nada mais é do que um sinal divino de que sua missão entre os homens fora encerrada, e que não é preciso mais viver com tanto sofrimento. Muitos me descrevem como pessimista, e de fato sou. Acredito que tudo tenha começado lá pelos meus anos de garoto espertalhão. Quando eu tinha 13 anos o clima na família estava muito tenso. Minha mãe havia passado por uma forte doença intestinal e, logo depois, meu pai foi demitido da maior fábrica de vestuário do país, junto com outros 500 homens que eram a fonte de renda de suas famílias. A Wayne´s Clothing, após uma forte crise se viu obrigada a demitir metade de sua mão de obra, sem pagar nada, apenas avisando-os por uma simples carta que foi entregue aos operários em uma segunda-feira chuvosa. A carta, muito mal escrita, não dava nenhum sinal de pagamentos pela demissão e pelo tempo que trabalharam lá, apenas um seco e grande escrito em letras garrafais vermelhas: “Demitido”. A situação que já não era das melhores conseguiu


ficar pior. Meu pai, como tantos outros, sucumbiu ao mal do alcoolismo. Dos sete dias semanais, meu pai dormia em casa em apenas um ou outro, e de fato não sei onde se metera por esse tempo todo. Apesar disso, é de se imaginar que nesse ano que esteve desparecido ele tenha percorrido tudo de mais diabólico que um subúrbio de Londres possa oferecer. Nesse sub mundo, deve ter entrado em contato com as sujas prostitutas que satisfaziam toda sorte de prazer que os operários alimentavam durante sua rotina. Além delas, a noite era palco dos grandes criminosos, ladrões e assassinos. Todo o contexto de caos urbano e ruas de terra mal iluminadas contribuíam para a proliferação desse tipo de gente. Fiquei sem ver meu pai por quase um ano, e de vez em quando ele nos visitava para nos dar algumas moedas. A última coisa que me disse quando partiu foi, “cuide de sua mãe, você é o homem da casa agora”. Nosso reencontro não nos permitiu conversar. Um dia quando estava voltando tarde da fábrica me deparei com um homem sendo brutalmente espancado por outros dois homens. O medo corria em minhas veias, e assim que só sobrou um corpo estendido no chão corri para socorrer. A minha surpresa foi ver meu pai pela última vez, ensanguentado e sujo, dando seu suspiro final. Os tempos que se sucederam foram de miséria e trabalho duro. As sequelas psicológicas eram evidentes, e pelos 6 meses seguintes mal consegui dormir. O dinheiro, que já era escasso, se tornou ainda mais, o que forçou minha mãe a mexer os pauzinhos e abrir uma pequena barraca próximo a entrada de nosso cortiço. Lá ela vendia alguns legumes e frutas apodrecidas, que por um tempo eram a fonte de dinheiro para nós. Eu também fui a caça por um emprego, e graças ao meu porte físico fui contratado aos 15 anos por uma pequena fábrica de calçados perto de onde morávamos. Meus primeiros dias começaram muito mesmo antes de pisar dentro da sala da esteira de rolagem. Quando contei entusiasmado aos meus vizinhos sobre meu novo trabalho, fui recebido com muitos olhares desconfiados. Realmente, eu não fazia ideia do que seria trabalhar em uma fábrica sem conseguir ver o céu por 13 horas consecutivas. Para minha sorte, um antigo amigo de meu pai, o sr. Rose também trabalhava no mesmo lugar que eu, e prometeu me dar importantes conselhos. Os três anos que passei trabalhando lá demoraram, e cada dia era uma nova batalha para sobreviver com o salário ínfimo que nos pagavam. Ganhava cerca de duas libras, o que, para efeito de comparação, conseguia comprar apenas um pão para dividir com minha família. A pequena barraca de minha mãe não ia bem, então o peso de homem da família recaiu todo sobre mim. Essa fase de minha vida foi bastante monótona, os dias se baseavam em ir trabalhar e voltar para casa bêbado, o que minha mãe achava um absurdo. Mas os papéis de pai e filho nem sempre seguiam os modelos, e eu passei a ter mais autoridade para tomar minhas decisões, uma vez que quem alimentava a família era eu. Meu irmão três anos mais novo, Jamie, era uma figura um tanto desleixada. Foram incontáveis os esporros que já lhe dei por não ajudar mamãe enquanto eu estava


ausente. Fora isso, era um garoto com um coração enorme que aprendeu desde cedo a trabalhar. Apesar de não se importar muito com os cortiços, a prefeitura local iniciou um programa de limpeza das ruas em que pagaria mensalmente para os cidadãos que se comprometessem a realizar uma limpeza nos sujos becos de nosso bairro. Com essa oportunidade, incentivei meu irmão a começar com esse emprego, e lhe disse: - “Você sabe muito bem dos tempos difíceis que estamos passando, meu querido irmão. Preciso muito de sua ajuda, garotos de sua idade já estão aptos para trabalhar” E foi com essas palavras e com pouco entusiasmo que em pouco tempo meu irmão Jamie se lançou nas ruas imundas de Londres. Nela, convivia com toda a sorte de dejetos orgânicos, e o fedor era algo insuportável. As ruas que amanheciam lamacentas depois de uma noite chuvosa dividiam espaços com restos podres de comida e fezes humanas, que muitas vezes eram atiradas dos andares mais altos dos cortiços. Volta e meia, ao jogar dejetos para a rua, era comum acertar os desatentos moradores que passavam por lá. E não eram apenas dejetos humanos, a grande quantidade de cavalos, porcos e outros animais também faziam parte do cenário insalubre que era a causa de boa parte das doenças. O principal meio de locomoção, as charretes movidas a cavalos, deixavam rastros de cocô por onde passavam. Foram apenas seis meses para que meu irmão desistisse do trabalho, por mais que precisássemos do dinheiro. Ficou buscando por muito tempo novas oportunidades e nada aparecia, o que devastou a mente de um garoto de apenas 15 anos que já tinha tarefas tão árduas para cumprir. De fato, a vida não permitia luxos como ter uma infância de fantasias e memórias, crescemos com o fardo de sustentar um sistema em que éramos expostos ao terror dia após dia. Por outro lado, eu não tinha muito do que reclamar. O gerente de minha seção, o sr. Richard, me concedeu um cargo mais alto, e fiquei responsável por supervisionar os operários. Eram muitos, cerca de 200 homens iguais, que sequer abriam a boca ou demonstravam alguma expressão facial. Fato é que eu já estive na posição deles, e sei muito bem do constante medo que os trabalhadores têm de seus patrões e superiores. Eu mesmo já vi um espancamento acontecer bem do meu lado. O jovem Arnold estava passando por doenças respiratórias sucessivas, provavelmente causada pela poluição do ar. Em um dia, enquanto estava trabalhando na máquina que confeccionava roupas, teve uma crise de falta de ar. Logo quando deu um suspiro profundo, vários dos homens ao seu redor correram para ajudá-lo, mesmo sem saber o que fazer. O que de fato aconteceu foi um grande alvoroço, e a produção foi parada por uns 15 minutos. Isso foi o bastante para o supervisor lhe dar umas boas chicotadas pelo trabalho mal feito. Já vi de tudo; chicotadas, socos, tapas e até marcas feitas com ferro quente. Os espancamentos, sem dúvida, eram de aterrorizar qualquer um, e serviam como um bom método para estabelecer a ordem e definir quem é que mandava em alguma coisa.


Meu salário um pouco mais alto me permitiu um pouco mais de alívio, comida e lugar para morar não nos faltou, pena é que essa situação durou apenas um ano. O ano era de 1847, e meu irmão estava desempregado. Com meu posto de supervisor, tentei falar com o gerente geral da fábrica, o duro Harry Maguire, para ver se era possível contratar Jamie, alegando que estávamos passando por dificuldades em casa. Após várias tentativas, finalmente consegui que Jamie trabalhasse no mesmo lugar que eu, o que seria bom também para apaziguar os tempos passados que nós tivemos brigando sobre dinheiro. E lá estava ele em uma típica manhã chuvosa londrina para começar seu primeiro dia de trabalho duro. Foi difícil me acostumar com o fato de que eu era superior a ele dentro daquele lugar, e se ele fizesse algo errado, era meu dever puni-lo. Mas, como todo irmão, por mais que não tenham a melhor relação, eu sempre tentava aliviar a barra para ele, deixando ele almoçando mais alguns minutos ou mandando ele fazer alguma tarefa menos trabalhosa. Certo dia, quando voltávamos juntos do trabalho, ouvimos alguns gritos vindos de nosso bloco. Os cortiços tinham vários deles, e dentro deles haviam incontáveis apartamentos. Quando chegamos em nosso mínimo apartamento, nos deparamos com a porta arrombada e todos os móveis destruídos. Sob a cama, que estava intacta, o homem deixou uma carta: “Boa noite, sr. Jordan Me desculpe pela bagunça, aposto que ela só não está maior do que a sua vida. Venho por meio desta carta somente avisar que, se não pagar o aluguel referente aos últimos dois anos, serei obrigado a chamar meus profissionais para te retirarem a força desse apartamento, algo que eu não gostaria de fazer. Sempre nos tratamos com cordialidade, então não deixemos que essa situação piore daqui pra frente. Saudações, J.R. Wesley” Wesley é um grande burguês da região, que tinha laços estreitos com meu pai, que se tornou um homem de confiança após trabalhar anos em uma de suas fábricas. Quando meu pai se foi, o aluguel recaiu sobre mim, o que se tornou um grande fardo. Mesmo com meu salário e de meu irmão Jamie, não conseguíamos pagar, e várias vezes demos calote em Wesley, que passou a desconfiar de mim e quanto a nossa relação que sempre foi de confiança. Apesar de meu salário ser até maior que o de muitos outros trabalhadores, o valor não era suficiente para todos os gastos minimamente necessários para sobreviver. Tentei achar abrigo em casas de vizinhos, mas não obtive sucesso, então procurei ajuda divina. Após esse incidente e não ter lugar para morar, fiquei dormindo dias na própria fábrica, até um dia em que fui a Igreja rezar por dias melhores. Aliás, a Igreja


vinha ganhando novos adeptos, principalmente ente pessoas de minha classe buscando conselhos para alavancarem suas vidas, assim como eu. Já conhecia o padre William Joseph desde quando ele atendia por apenas ‘Will’ na sua sofrida infância. Filho de um pai criminoso e uma mãe prostituta, foi a Igreja quem lhe acolheu quando tinha apenas 10 anos. E de lá para cá assim foi levando a vida, morando num convento de padres e aprendendo dia após dia os valores católicos. Assim que adentrei a igreja, foi com ele que dei de frente. Não demorou muito para que ele me retribuísse com um saudoso aperto de mãos e dizer em uma voz muito harmônica. - “Sr. Jordan, faz tempo que não nos vemos! Como esquecer todo aquele tempo que passamos juntos? Aliás, sei que já fiz isso milhares de vezes, mas devo lhe agradecer mais uma vez por tudo que fez por mim naquela época.” Muitos anos atrás, antes de conhecer a igreja, Willian passou alguns meses morando em nosso apartamento. - “Não há de quê. Aliás, nós, pobres, somos um povo caridoso. Mudando um pouco de assunto... será que você tem alguma cama no convento para que eu possa passar algum tempo por aqui?” - “Mas é claro! Venha comigo que eu lhe mostro o caminho e ainda te apresento todos os cômodos daqui. É um lugar belo, dentro da alma de nosso querido Jesus.” E foi assim que começou uma história que eu jamais havia pensado. Desse momento em diante, firmei meus laços com a igreja. Além do mais, era uma ótima forma de resolver todos meus problemas financeiros. Eu estudava e rezava todos os dias e em troca eu recebia comida e uma cama quente para dormir, não precisava de mais nada para viver. E assim se passaram longínquos anos de tranquilidade. A única ressalva que eu tenho é o fato de eu ter perdido contato com meu irmão Jamie, que vinha me visitar na igreja muito raramente. E assim segui a vida, e ele a dele. Aliás, não faço ideia do que ele fazia da vida nesse tempo todo. Boatos rondavam que ele tinha abandonado a moralidade e virado um grande assassino. Mas tudo isso era uma grande balela que pobre gostava de difundir, além do mais, não tinham nada para fazer além de trabalhar. E foi no ano de 1848, em meio a tranquilidade, que minha vida mudou. E se minha vida mudou, é porque você não consegue imaginar o que acontecera com meu irmão. Já estava rolando nos jornais a notícia que ele estava a frente de uma das maiores revoluções do país. E isso de fato se concretizou. Jamie, com a ajuda da maioria dos sindicatos da cidade de Londres e outros centros urbanos da região se juntaram pela primeira vez em torno da causa do proletário. Quando soube disso, fiquei atônito, sem reação. Sempre tive medo de organizar tais atos contra a burguesia, apesar de sempre ter vontade. O sistema nos impedia de qualquer manifestação. Por outro lado, fiquei extremamente orgulhoso de meu irmão, pois sempre acreditei em seu potencial e espírito de liderança.


Movidos por anseios marxistas, as revoltas eclodiram de forma sangrenta. Era, de fato, uma disputa desleal. Exércitos e tropas reais apoiadas pelos burgueses derrubavam facilmente as barricadas de fogo feitas pelos operários. Apesar de não obter sucesso, representaram o sucesso de um escritor que ganhou muito destaque, Karl Marx. De lá para cá não vi mais meu irmão. Porém não me resta saudades, apenas orgulho de ver que meu querido irmão teve a coragem de ir até o fim por suas causas. Hoje como bispo auxiliar, rezo todos os dias para sua saúde, e se tudo sair como deseja nosso todo poderoso Jesus, nos reencontraremos em breve.


O Vingador Asteca e o Guarda Vazio Lourenço Tigre

Capítulo 1 - A História (2018-Rio de Janeiro) “Pedro meu filho venha cá que quero lhe contar uma história! A história de dois grandes guerreiros que viveram há muito tempo atrás. -Pedro senta-se para ouvir mais uma das histórias de seu pai- A mais de dois séculos, esses homens nasceram em um mundo onde tudo era diferente, os países, as coisas que eles tinham, a vida em si. Essa é uma história de 1800, nesses anos, um gênio militar tinha aparecido, seu nome era Napoleão Bonaparte, um general francês que se tornou imperador e seguindo seus ideais, travou guerras contra vários países da europa, mas ele não conseguiu dominar a Inglaterra, então tentou enfraquecê la com um bloqueio continental, impedindo outros países de realizar o comércio com ela. Napoleão tinha o controle da maior parte da europa e atacaria os países que não se juntassem no bloqueio, entretanto, Portugal, um aliado da Inglaterra, se via no dilema de trair a Inglaterra ou defendê la e ser alvejado por Napoleão e as tropas francesas. O príncipe de Portugal era Dom João, ele só estava no poder pois, sua mãe, a rainha, estava incapaz de governar devido a sua esclerose, e seu


irmão mais velho que tinha se preparado para o cargo havia morrido anos antes devido a varíola. Dom João era indeciso e não era um bom governante, mas conseguiu, após muito tempo, decidir o que fazer, em 1807 com uma escolta de navios da marinha britânica, a família real de portugal atravessou um oceano e se mudou para sua colônia, o Brasil, levando tesouros, a guarda real, a corte e 15 mil cidadãos. E aí conhecemos nosso primeiro guerreiro, que se tornará um dos protagonistas da história, um membro da guarda real que dispõe de habilidades de combate extraordinárias, seu nome é Cristiano, um homem alto, jovem, robusto e sensato que agora se encontrava no Brasil, ele estava em alerta para qualquer problema que ocorresse com a chegada da família real na colônia. Enquanto isso nosso outro guerreiro se encontrava não muito longe de Cristiano, localizado no Vice-Reino da Nova Espanha, na cidade do México, seu nome é Ramon, e embora ele fosse um simples trabalhador, seu físico era impressionante. A Espanha tinha colonizado boa parte da américa e suas colônias eram leais mesmo querendo reconhecimento e tendo ideais iluministas e liberais, o que fazia a população pensar em independência, e esse sentimento estava presente em várias das colônias espanholas, antes mesmo de Napoleão dominar a Espanha em 1808, o que só fez com que as colônias pensassem em independência ainda mais, embora sempre demonstrando apoio a metrópole. Até 1808, quem governava a Espanha era Fernando VII, até que o “intruso francês”, irmão de Napoleão, José, foi nomeado o novo imperador, o que levou tanto o povo da Espanha quanto das colônias a uma guerra, e embora as colônias se mostrarem fiéis, sem o rei, as ideias de independência aumentavam cada vez mais o que mais tarde viria a desencadear as guerras de independência.”

Capítulo 2 - Os Dois Guerreiros Traduzido do espanhol: (1808-Vice Reinado da Nova Espanha) Eu sou Ramon, realizo trabalhos manuais e pesados aqui na cidade do México e nunca pensei muito em independência e nos conflitos internacionais, eu só tinha em mente manter minha família alimentada e ter uma vida feliz, mas meu irmão mais velho Cláudio sempre pensou em melhorar a vida de todos e embora ele fosse gentil e defendesse a coroa como um verdadeiro espanhol ele acreditava que deveríamos ser diferentes, ter nosso próprio país, no começo eu pensava que isso era loucura mas acho que mudei meu pensamento quando a notícia chegou. Napoleão, um francês e seu exército tinham dominado a Espanha, aquilo desencadeou uma reação esperada do ViceReinado da Nova Espanha e das outras colônias, uma guerra teria início, nós espanhóis jamais aceitaríamos um imperador francês, um intruso! Nós das colônias nunca criticamos a coroa mas sim os monarcas que nos governavam, e agora, no meio dessa guerra esses monarcas pareciam ter sumido, sem tomar ações, o que fez o desejo de independência de meu irmão e seus companheiros aumentar, e sem que eu percebesse, o meu também. Uma resistência contra esse intruso foi feita na Espanha e as colônias


decidiram apoiar a resistência, o que levou vários homens a deixar suas casas e famílias para pegar nas armas e cruzar o oceano em direção a Espanha. (1808-Espanha) As Colônias se organizaram e embora fossem poucos homens, toda a ajuda era necessária para defender a coroa, as tropas das colônias se dividiram e adentraram a Espanha, e cada uma reforçou milícias e revoltas espalhadas pelo país. A primeira invasão de Napoleão começou com uma onda de ataques fracassados, seus exércitos foram derrotados e forçados a se retirar sem sucesso na captura de várias cidades como Viena, Gerona, Cádis, Saragoça e outras cidades e territórios ao longo da Espanha. Infelizmente a sequência de vitórias teve um fim, eu e meus companheiros nos encontrávamos em Cuesta e embora tenhamos lutado bravamente nossa derrota foi selada com a chegada de reforços franceses, nessa batalha meu irmão encontrou sua morte, e tomado pela raiva eu usei todas as ferramentas e armas astecas, deixados de geração em geração em minha família para obter minha vingança, sem perceber eu perfurei várias linhas de defesa dos malditos franceses e matei inúmeros homens, ficando totalmente coberto em sangue, o que me levou a ser chamado de “O Vingador Asteca”, eu pensava que morreria naquela batalha também, mas fui salvo por membros de uma milícia que estava presente na batalha, e as forças espanholas foram forçadas a bater em retirada. Eu nunca havia participado de uma guerra, meu corpo estava exausto e minha consciência se perdeu durante um ou dois dias. Depois de totalmente recuperado, eu continuei a lutar embora as forças espanholas continuassem a recuar e perder mais territórios, meu ódio me fazia continuar nas batalhas o máximo possível, até que durante alguns meses as coisas se acalmaram e conseguimos reunir tropas suficientes para sobrepujar os franceses, foi quando os ingleses mandaram apoio, embora pouco devido às dificuldades em Portugal que se encontrava em guerra contra os franceses como nós. Após uma longa conferência, o general Francisco Javier Castanos, separou um grande número de tropas para atacar com ele a cidade de Bailén, eu estava incluso nessas tropas e iria participar de uma das linhas de frente. (1808-Brasil) Me permitam contar um pouco dos acontecimentos no Brasil, eu, Cristiano, revelarei fatos importantes e darei minha opinião sobre eles, começando com a chegada das embarcações portuguesas na colônia, uma decisão desnecessária, acredito que o poderio militar da pátria seja suficiente para defender a mesma da invasão napoleônica, entretanto o tolo e indeciso príncipe escolheu refugiar-se em sua colônia, uma ação sem sentido, agora, o mesmo está para cancelar todo e qualquer tratado com a França e declarar guerra, prevejo que revoltas no território português irão acontecer e provavelmente só conseguirão danificar esquadrões franceses. Dom João se apavorou com o nome “Napoleão”, a cada dia que passa não sei o que devo fazer, esta pátria já não


mais a mesma a muito tempo, me vejo perdido, sem motivos para seguir adiante. (um mês depois) Como eu havia previsto as revoltas por parte do povo tem irritado as tropas napoleônicas, felizmente o império britânico começou a ajudar os rebeldes o que trouxe pequenos avanços. Enquanto a guerra é travada do outro lado devo admitir que Dom João superou minhas expectativas e tem governado muito bem a colônia, parece que a infraestrutura teve um bom avanço, além do crescimento da agricultura que tem tido uma ótima frequência de exportação em grandes quantidades de açúcar e café. Embora o príncipe ainda demore com suas decisões e tenha falhado na abertura de indústrias de tecido devido as indústrias da Grã-bretanha ele conseguiu fazer o chá ser aceito na colônia, magnífico! Quem esperaria que o príncipe fosse permitir a abertura dos portos para comércio com os aliados e criar indústrias? Parece que ele tem lidado muito bem com os problemas administrativos da colônia além de melhorá-la cada vez mais. Devo dizer que após enganar Napoleão fazendo o acreditar que Portugal trairia a Inglaterra, Dom João se tornou um pouco mais confiante. Os dias tem passado e agora o príncipe se locomove de Salvador para o Rio de Janeiro, enquanto planeja melhorias no poderio militar para combater futuramente as tropas napoleônicas e melhorias na cultura, economia e educação. Ver Dom João progredir tanto em um período tão curto de tempo é fascinante, sinto que finalmente preenchi o vazio que tinha em minha pessoa, nunca senti um desejo tão forte de defender minha pátria como sinto agora, antes era meramente por obrigação, estava sem rumo e seguir meu trabalho era minha única escolha. Eu percebi que o povo do colônia não estava contente, as coisas que o príncipe fazia estavam melhorando o Brasil apenas para acalmar a situação que a entrada de 15 mil portugueses teve. Os portugueses podiam escolher qualquer casa para morar, e os brasileiros tiveram que entregar até seus móveis e pagar altas taxas para que a família real pudesse desfrutar e se esbanjar em luxo. A criação de órgãos e ministérios permitiu mais empregos. Dentre as construções realizadas por Dom João estavam: o Banco do Brasil, o Supremo Tribunal, a Casa da Moeda, os Ministérios da Fazenda, da Guerra, da Marinha e do interior, a Biblioteca Real, o Museu Nacional, a Academia Belas-Artes, a Escola Real e várias outras construções além de melhorias gerais na infraestrutura do país como a criação de estradas.

Capítulo 3 - Para a Guerra? Traduzido do espanhol:

(1808-Espanha)

Francisco tinha se tornado um bom amigo meu, e agora estávamos prestes a atacar a cidade de Bailén, assim que o comando foi dado nossa Raide começou, tínhamos uma vantagem numérica e eu não me amedronte, corri rapidamente para chegar aos inimigos e começar um combate corpo a corpo sem o risco de ser acertado por tiros


antes disso, liderei um pequeno esquadrão para causar desordem, outros esquadrões fizeram o mesmo em outras posições de tropas francesas. Em certo momento me deparei diante de 3 inimigos que formavam uma formação triangular comigo no centro, eu olhava para o mais baixo a minha frente enquanto os outros dois estavam se espreitando nas minhas costas, com uma finta, fingi prestar mais atenção no que estava à minha esquerda, ele parecia mais velho e experiente, mas eu sabia que esse movimento daria uma oportunidade de ataque ao outro soldado que se aproximou com uma espada nas mãos, atirei uma de minhas facas de silex e o acertei no peito, ele cairá no chão e se contorcia de dor, não consegui acertar um ponto vital, em um impulso de raiva, o mais baixo avançou em minha direção, então com minha lança perfurei sua cabeça, mas percebi que era tarde demais para me defender do ataque que vinha em direção às minhas costas, felizmente Javier passava por perto e com um tiro certeiro mandou para o inferno o soldado francês. A batalha continuou durante um certo período de tempo, não muito curto ou longo, mas os danos dados ao exército francês fez com que os mesmos se rendessem, não podíamos acreditar naquilo. (1809- Espanha) A notícia da derrota francesa se espalhou pelo mundo fazendo com que outras rebeliões tirassem o foco das tropas napoleônicas da espanha pelo menos por um momento. Entretanto Napoleão reforçou ainda mais suas tropas na espanha e começou a pressionar as tropas espanholas. Um pedido de ajuda foi mandado a Inglaterra e a Espanha se aliou com Portugal e Inglaterra, agora, o apoio Inglês era a esperança das tropas espanhois. Um general Inglês, Moore, veio para a Espanha mas suas tropas estavam separadas ao chegar e sem uma força unificada um desastre aconteceria, o que o levou a decisão de realizar uma retirada para Portugal onde as tropas se juntariam. No meio da retirada de Moore ele obteve uma informação preciosa, um exército francês estava por perto sem conhecimento do exército britânico, que conseguiu se reunir quase completamente para um ataque surpresa. O ataque de Moore foi bem sucedido no começo, entretanto parou o ataque por mais ou menos dois dias pois não conseguiu derrotar as tropas francesas no ataque surpresa. As tropas francesas sob o comando de um general chamado Soult conseguiram se organizar e realizar um contra ataque que forçou Moore a se retirar, Moore fez a melhor escolha ao se retirar pois Napoleão estava tentando flanquear seu exército, embora ele sabia disso, e para realizar a retirada altos sacrifícios foram feitos. As tropas britânicas foram caçadas até que elas conseguissem fugir do território espanhol e ir para o mar, Moore havia morrido e o exército britânico bateu em retirada, quebrando minha esperança e a de meus companheiros. (1809/1810-Portugal)


Ao campo de batalha eu fui mandado pelo príncipe, finalmente ele tinha tomado uma posição em relação a Napoleão, ao chegar na terra de minha pátria, o exército português estava agora mais fortificado, e com a ajuda da Grã-Bretanha, os exércitos liderados por Arthur Wellesley trariam a paz para Portugal novamente. Uma campanha de batalhas ferozes seguiu-se e finalmente chegamos a cidade do Porto, essa batalha era decisiva na nossa retomada, encontramos muitas dificuldades na batalha e as defesas francesas estavam impecáveis, sofremos muitas baixas e a batalha foi sangrenta, o som dos tiros parecia ser incessante. A árdua batalha acabou com a nossa vitória, e conseguimos avançar mais ainda até a Serra do Buçaco, uma Ravina com pontes e passagens que poderíamos usar para mover tropas de maneira segura e emboscar as tropas de invasão francesas. Arthur se demonstrou um grande estrategista e graças a ele foi possível expulsar as tropas francesas sem um grande número de baixas, nos aproveitamos das alturas do terreno e das vegetações para realizar um combate favorável a nossas tropas de artilharia enquanto nossa infantaria ficaria em posições para atrair o inimigo, Arthur percebeu que eu tinha habilidades de combate excepcionais, entretanto eu demonstrava uma performance medíocre, ele tinha visto em mim o reflexo de meu interior, sem determinação ou motivos para lutar, apenas um dever, afinal, eu tinha sido iludido pelo próprio príncipe e já não acreditava mais na pátria. Como era de se esperar, a vitória na Serra do Buçaco foi facilmente obtida, entretanto Arthur sabia dos reforços inimigos e tivemos que recuar até a capital onde formaríamos nossas defesas mais fortes possíveis e manteríamos a guerra naquele ponto até ser possível avançar. Na capital Arthur era praticamente o único que se comunicava comigo direito, eu não reagia aos outros, aos jogos, não sentia o medo ou as preocupações de uma guerra, algo estava estranho em mim, era a falta do meu patriotismo? Em certa ocasião Arthur aproximou-se de minha pessoa e com um golpe rápido me levou ao chão, ele gritava: -“Recomponha-se homem! Onde está o seu espírito?! Não importa o quão ruim esteja a situação aqui ou ali, ACREDITE! Acredite que podemos vencer! acredite que esta nação irá se reconstruir! Fale inúmeras vezes para si mesmo até que você realmente acredite!” Depois disso, eu senti novamente aquele raio de esperança que preenchia meu corpo como o sol preenchia o céu de luz.

Capítulo 4 - A Virada (1812-Portugal) Após 2 anos de tensão e com pouca atividade francesa em nossas terras, a notícia da derrota de napoleão na Rússia motivou os demais países a realizar um contra ataque total agora que as tropas napoleônicas estavam enfraquecidas. Com a ajuda da Grã-


Bretanha,

conseguimos

realizar

uma

investida

assustadora

para

as

tropas

remanescentes perante nós. Arthur liderou as tropas até que conseguíssemos chegar no território espanhol, obviamente não paramos, ao encontrar com os aliados espanhóis começamos a retomar o país pouco a pouco. Ao conquistarmos Madrid, as tropas napoleônicas começaram a bater em retirada desesperadamente, em larga escala. Dentre as tropas espanholas, podiam ser encontrados alguns homens que haviam cruzado o oceano para lutar ao lado de sua pátria, verdadeiros companheiros, aquilo me emocionou. Me tornei amigo de um homem estranho, usava equipamentos antiquados e era conhecido como “O Vingador Asteca”, ele era divertido e intrigante, enquanto eu contava a ele sobre o Brasil, ele contava sobre O Vice-Reino da Nova Espanha. Graças a junção das tropas da Espanha, Portugal e Grã-Bretanha, uma nova constituição sobre a espanha foi feita, chamada constituição de Cádis, e ela parecia ser muito generosa com os povos da colônia o que deixou meu novo amigo extremamente feliz, ao que parece, esse era o desejo de seu falecido irmão. (1814-Portugal) Finalmente a guerra acabou! Napoleão foi derrotado mas os problemas que ele trouxe continuam, meu amigo Ramon, o Vingador, voltou para o seu país e agora novamente está em guerra, por independência, afinal a tal da constituição de Cádis não era tão boa. Agora que a guerra acabou Portugal está um caos, tem sido difícil conter as rebeliões, uma guerra civil é iminente mas o príncipe ainda não voltou, a situação é desastrosa e tenho medo do que possa ocorrer. Parece que nossas relações com a Espanha estão piores do que nunca, serei mandado em batalha após batalha.

Traduzido do espanhol: (1814-México) Após a guerra contra Napoleão, nosso governo estava perdido, e para concretizar o sonho de meu irmão, me juntei ao rebeldes independentes, ouvimos que além de nosso grupo, mais ao sul haviam outros, começamos então uma marcha libertária pelos países juntando forças locais para realizar a independência. As primeiras foram mais fáceis, sem resistência, pegos de surpresa, ninguém mandou cutucar a onça com vara curta! entretanto no movimento de encontro do meu grupo de “revolucionários” e nossos camaradas do sul, o Brasil conseguiu tomar alguns territórios ao seu redor, o que foi um tanto desvantajoso para nós, mas tínhamos de ficar focados, uma batalha muito importante estava por vir. Atacaremos um forte de surpresa, causando grandes danos laterais para invadir pela frente, eu comandava as tropas do ataque frontal, e logo após o sinal, minha investida parecia um sucesso, adentramos o forte com facilidade, mas não percebemos


a armadilha que estava feita, fomos presos, separados das outras tropas que não podiam mais nos ajudar, o portão tinha sido destruído. Num ataque de raiva eu avançava nos inimigos que nos rodeiam, nossas baixas eram muitas, perderíamos a batalha mas não sem levar o máximo de inimigos pro inferno conosco, eu ignorava as balas e avançava gritando e me banhando em sangue, meu próprio sangue e o de meus inimigos, até que percebi ser o único ali, sem inimigos ou aliados ao meu redor, eu olhava o céu e com sono, até cair para dormir no meu leito de sangue, em meus, ao menos, eu veria meu amado irmão.

(1814-Portugal) Como eu previa uma guerra civil tinha começado, o príncipe não se proclamava, só aproveitava da confusão para tomar territórios ao lado do Brasil, as ordens dada ao exército, incluindo a guarda real, eram para conter a rebelião, o que era impossível, mesmo sabendo disso ainda tínhamos que realizar patrulhas e defender o castelo real. Em minha patrulha tudo parecia normal, quando uma gota caiu em meu pé, duvidei de chuva alguma devido ao céu sem nuvens, um bonito céu, minha consciência ia apagando aos poucos, sons de balas ao fundo da minha mente iam e voltavam, quando percebi, a faca dentro de meu peito já estava sendo retirada, minhas roupas manchadas com meu sangue se tornaram borrões, antes de perder a consciência eu via o castelo e me perguntava o que aconteceria com ele? E no final, eu fui só um peão num jogo de xadrez celestial? Eu continuei acreditando até minha vida se esvair que minha pátria teria prosperidade, talvez essa fosse mais uma de minhas previsões corretas, ou o futuro me enganaria como Dom João?


Os Contrastes da Vida Kim Rawicz Peter acordou as cinco da manhã para tomar seu café. O trabalho lhe aguardava. Preparou uma xícara de leite quente com café, e enquanto desfrutava-a, observava a vista de seu casebre. Um campo verde lindo ao nascer do sol. Pássaros cantando e cavalos correndo. Com toda a serenidade do mundo arrumou o cabelo e se vestiu. -Mark, estou saindo. Tenha um bom dia.- disse Peter ao seu namorado, que ainda sonolento, escovava os dentes. -Bom dia, meu amor. Peter e Mark se conheceram três anos antes. Os dois estavam em um mercado fazendo compras quando se esbarraram. Começaram a conversar e se apaixonaram imediatamente. Porém, ninguém no vilarejo sabia da situação. Desde então eles viviam juntos em um pequeno sobrado. A casa era o antigo lar dos pais de Peter, que morreram de velhice um pouco depois dos 50 anos, quando o jovem tinha apenas 20 anos. O filho era muito amado pelos pais, porém, nunca contara que era gay, pois provavelmente seria deserdado. Peter vestiu suas botas e saiu de casa na sua bicicleta preta recém comprada. O homem adorava sentir o vento batendo no rosto enquanto vivenciava o cheiro de manjericão das hortas próximas ao seu vilarejo. 15 minutos depois, ele chegava ao campo onde trabalhava. Logo avistou Richard, seu parceiro de trabalho. -Em ponto novamente, hein? Você nunca erra. - disse Richard. Peter gargalhou. -Que saudades que estava de você! A perna já está melhor? – os dois se cumprimentaram. -Foi só um tombo. Uma semana de descanso e já estou melhor. -Que bom... Peter se dirigiu ao estábulo. Lavou os cavalos, trocou suas ferraduras e os alimentou. Depois, foi ao local onde ficavam as vacas. Ele as ordenhou e reservou o leite. O jovem adorava seu trabalho. Era tão sereno e prazeroso. Depois daquilo foi colher as framboesas. No final do dia estava muito cansado, porém, feliz. Ao chegar em casa se deparou com Mark sentado na mesa da sala lendo um papel. Tinha um rosto desolado. -Chegou uma carta para você. É de seu primo de Londres. A carta dizia: ‘Como está Peter? Não nos vemos há muito tempo, não é? Bom, tenho uma proposta a lhe fazer. Estou morando no centro de Londres e tenho um cortiço para alugar. Posso te arrumar moradia e trabalho em uma fábrica que conheço. Se tiver interesse, por favor, responda. Espero vê-lo em breve. Michael.” -Calma, Mark. Não precisa ficar com essa cara. Não vou a lugar nenhum. Eu amo minha vida aqui e principalmente você.


Os dois se abraçaram e foram dormir. Semanas depois, Peter chegou ao trabalho e encontrou todos os camponeses que trabalhavam nas terras do Sr. Jones, incluindo Richard, sentados em cadeiras próximas ao estábulo. Minutos depois o senhor das terras apareceu vestindo um terno e usando sua bengala. -Senhores. Vou ser breve. Com os adventos da tecnologia, fábricas começaram a ser construídas em Londres e estão necessitando de lã de ovelha para produzir tecidos. Nossa terra a partir de agora será encarada como um bem de produção. Vamos cerca-la. Por isso, a partir de hoje vocês estão dispensados. Muito obrigado pela compreensão.disse ele, se retirando imediatamente. Todos ficaram abalados. -Richard, o que faremos agora? – disse Peter, ao seu companheiro. -Não se preocupe. Ouvi dizer que as fábricas de Londres estão precisando de operários. Vamos para lá! Eles tem hospitais, comida, escolas, mercados enormes... Peter chegou em casa abatido. Não sabia o que dizer para Mark. Estava com uma dúvida obscura. Ele adorava sua vida, mas poderia buscar por melhores condições na cidade grande. -Meu amor, não tenho como tomar uma decisão diferente. Vou me mudar para Londres. Venha comigo! - exclamou Peter. -Mas por que? O que o fez mudar de ideia? -Fui demitido hoje. -Não posso ir com você. Meu pai está muito doente e precisa de mim aqui. -Então acho que isso é um adeus... Peter arrumou apenas seus itens necessários dentro de uma malinha, pegou uma charrete e partiu em direção à Londres, para um recomeço. Já era noite. Ao chegar na cidade, o homem começou a inalar um cheiro forte de excremento que vinha das vielas por onde sua charrete passava. Ruas esburacadas e um barulho ensurdecedor. Muitas pessoas conversando em tom alto em pubs, policiais correndo, som de tiros, sirenes. Peter ficou assustado. Tudo era muito diferente para ele. Finalmente chegou ao apartamento de seu primo, Michael. Pagou o condutor da charrete e subiu as escadas com as malas pesadas. Bateu três vezes na porta. Ninguém atendeu. Então percebeu algo estranho. Havia uma espécie de botão ao lado da porta. Apertou. Um som alto como de uma sirene ecoou pelo apartamento. Rapidamente Michael apareceu para abrir a porta. -Como está primo? Que bom vê-lo aqui. Vejo que recebeu minha carta.- Disse Michael, animado. Peter ainda estava um pouco confuso com toda a situação. -Olá, Michael. Como vai? -Meu querido, vou acompanha-lo até o cortiço que arranjei para você. Você me deve 100 pences por mês.


Então Michael acompanhou o jovem até um pequeno prédio próximo dali. O lugar cheirava muito mal, todo aos pedaços, com água pingando da tubulação, e vigas de madeira caídas atrapalhando a passagem. Peter se assustou. -É aqui seu novo lar!- exclamou apontando para a cama.- Amanhã as 4 da matina você será acordado por um apito. Esse apito representa o horário que você deve se levantar para ir à fábrica trabalhar. O nome da fábrica é Wool’s Desire. Ela fica a três quadras daqui. Nos vemos em breve. – completou, se retirando. Peter não sabia o que fazer. Tinha vontade de voltar ao campo. Mas deveria dar ao menos uma chance à cidade. Além do mais, não tinha emprego em sua cidade natal. Exatamente as 4 da manhã, um som estridente acordou Peter, que dormira bastante cedo. Se tratava do apito que seu primo lhe dissera. O jovem levantou, vestiuse e saiu rumo ao seu primeiro dia de trabalho na cidade grande. Na rua, percebeu que todos andavam com relógios de bolso, diferentemente do campo, onde o tempo era percebido através do sol e do comportamento dos animais. -Com licença, que horas são?- perguntou Peter a um homem que andava a passos largos e rápidos. O homem esbarrou em Peter e seguiu sem caminho, como se não tivesse ouvido a pergunta do jovem. A impessoalidade da cidade assustava Peter. Alguns minutos depois, caminhando, Peter avistou o letreiro da fábrica logo acima de sua cabeça. “Woll’s Desire”, dizia. O lugar era imenso. Só o letreiro media o tamanho de 3 pessoas juntas. Peter adentrou a fábrica e o que viu foi impressionante: Dezenas de máquinas tecendo lindos tapetes e bolsas coloridas. Ele se perguntava como tudo aquilo funcionava. Andou alguns metros até que viu um operário mexendo em uma das máquinas. -Com licença, como posso falar com o gerente? -Não vê que estou trabalhando?! Peter seguiu seu caminho, sem se importar com a rudeza do homem. Mais a frente viu uma escada. No alto havia uma porta escrito: ‘GERÊNCIA” O jovem bateu duas vezes na porta e entrou. -Com quem gostaria de falar?- perguntou a secretária. -Olá, estou à procura do gerente. Sou o novo funcionário. -Qual o seu nome? -Peter. -Pode entrar, o Sr. Smith está à sua espera. O jovem entrou. -Olá! Seja bem vindo à Wool’s Desire. Senhor Peter, não? -Sim. -Me chamo Sr. Smith. Sou o gerente da fábrica. Aqui nós prezamos o respeito acima de tudo. O respeito às regras. O seu trabalho será repor o carvão de todas as máquinas, que gera a energia necessária para nossa produção. Você irá trabalhar das 5


da manhã às 8 da noite. Conversas no trabalho são proibidas. Nós não oferecemos almoço aos nossos funcionários. Você deve trazer sua marmita de casa. O senhor já está pronto para começar? -É claro. - disse Peter, meio indeciso. -Venha comigo. Sr. Smith liderou Peter para a parte inferior da fábrica. O lugar era muito quente e escuro. Peter sentiu um medo. -Você vai trabalhar aqui, com Henry. Ele será seu parceiro. Agora deixo vocês a sós. Bom trabalho. - disse, se retirando. -Olá, sou Henry. Trabalho aqui há 4 anos. De onde você vem? -Olá. Meu nome é Peter. Venho dos campos de York. É um prazer conhece-lo. -Bom, não podemos perder tempo. A máquina está ficando sem carvão. Henry, então, ensinou à Peter como funcionava a máquina. Era algo bem simples. A cada 3 minutos eles deveriam encher todo o interior da máquina, na região onde estava o fogo, com carvão. Se eles perdessem o tempo, a maquina pararia e eles seria demitidos. -E você? De onde vem? - indagou Peter. -Sou nascido nos subúrbios de Londres. Meus pais tinham uma boa condição, mas acabaram morrendo os dois morrendo de varíola jovens. -Então porque trabalha aqui se tinha boas condições de vida? -O governo tomou todo o dinheiro deles, pois no período em que faleceram, eu estava preso. -E por que foi preso? -Foi uma briga de bar. -EEEI! Vocês dois! Parem de conversar e trabalhem! Não quero ver essas maquinas parando!- gritou um homem lá de cima. -Esse é o subgerente da fábrica. Devemos ficar em silêncio.- sussurrou Henry. Então o trabalho continuou e Peter, ainda assustado e com muito calor, seguiu estranhando as coisas a sua volta. Ele se perguntava como Henry podia saber quando se passavam 3 minutos. Porém, logo percebeu que seu companheiro tinha um relógio de bolso e acompanhava as horas por ali. No campo ninguém usava relógio, isso era uma invenção da cidade. Algumas semanas se passaram e finalmente Peter se adaptou a rotina. Comprou um relógio de bolso e estava sempre pontualmente nos seus compromissos. Todos os dias era despertado as 4 da manhã pelo apito. Saía de casa e andava até a padaria mais próxima, exatamente as 4:15. Comprava seu pão por 5 pences e comia-o lá mesmo. Depois ia até um pub e comprava um prato de marmita, geralmente uma canja ou um cozido de carne. As 4:35 estava pronto para ir para o trabalho. Agora, sempre levava um pano de casa para secar seu rosto por causa do calor das maquinas.


Um dia saindo da fábrica, as 8 da noite, andava pela rua, e quando dobrou a esquina se deparou com um menino bem pequeno sentado no chão com um cobertor e um chapéu pedindo esmolas. -Olá.- disse Peter amigavelmente.- Qual o seu nome? -Oliver.- respondeu de forma breve e envergonhada. -Quantos anos você tem? -Oito. -E o que está fazendo aqui sozinho? -Não tenho família. O senhor poderia me ajudar com alguns trocados? Peter sentiu um olhar de desolamento por parte do menino. Ficou muito triste e pensou em como poderia ajuda-lo. -Venha comigo. Eu moro aqui na esquina. O garoto seguiu Peter até seu cortiço, ainda hesitante. -Pode subir. Não tenha medo. Ao abrirem a porta do apartamento, o menino deu um sorriso delicado, porém muito significativo. -Quero saber mais da sua história. Por enquanto, você vai morar comigo. Amanhã de manha vou sair para o trabalho. Me espere, eu volto às 20 horas. Peter tinha um coração enorme, além de ter uma paixão por crianças. Na manhã seguinte, o homem saiu para o trabalho e deixou uma fatia de pão para Oliver, que ainda não havia acordado. Peter estava feliz, havia feito uma boa ação, algo que enchia seu coração de felicidade e orgulho. -Henry.- Sussurrou Peter. –Eu adotei uma criança.- continuou. -Como assim?! Você está maluco? Como sabe que não é um ladrão? -Eu vi no olhar dele que é uma boa pessoa. Além do mais, tem apenas oito anos. -E como vai fazer para sustenta-lo. -Ainda não sei. -Bote ele para trabalhar em uma fábrica. Nos dias de hoje todas as fábricas estão contratando crianças.- disse Henry. Ao chegar em seu cortiço, Peter abriu a porta e não viu Oliver. Talvez ele estivesse no quarto. -Oliver!- exclamou Peter. Mas não obteve nenhuma resposta. Procurou em todo o apartamento e não encontrou o garoto. Começou a ficar desesperado. De repente, alguém tocou a campainha. Peter depressa correu para atende-la. Para a sua felicidade era Oliver. -Veja o que consegui!- disse Oliver animado. O garoto segurava nas mãos vários relógios e moedas. -O que você fez, Oliver? Você está furtando as pessoas?


-É o único meio que encontrei para sobreviver. -Agora você tem a mim. Não precisa mais roubar. Vou conseguir um trabalho digno para você. -Aonde? – indagou o garoto. -Em uma fábrica. De manhã cedo, Peter levou Oliver à uma fábrica no centro de Londres. Rapidamente falaram com o diretor do local e conseguiram um emprego para o garoto. -Você deve estar aqui todo dia das 6 às 18hs. – disse Peter ao garoto adotado. Alguns dias se passaram e o homem chegou à Wool’s Desire, porém, não encontrou seu companheiro. Achou muito estranho, pois Henry nunca havia faltado o trabalho desde que começara a trabalhar ali. No final do dia, o homem foi até o cortiço onde Henry morava e bateu na porta. Foi recebido por Martha, mulher de Henry. -Olá Peter! Como vai? -Vou bem, Martha. Sabe onde está Henry? -Ele está na cama, entre por favor. -Henry!- gritou Martha. Prontamente Henry apareceu na sala. -Mas o que houve com você? Por que não foi hoje ao trabalho?- indagou Peter. -Eu me demiti. -Mas por que? -As condições de trabalho nas fábricas são desumanas, além do salário que não é suficiente nem para sustentar nossas famílias. Nós trabalhamos mais de 13 horas por dia e não sobra tempo para aproveitar a vida. Eu percebi que deveria lutar por nossos direitos. Me juntei ao movimento Ludista. -E o que vocês fazem? -Nós protestamos. Você deveria fazer o mesmo. Aquela noite, Peter comia sua sopa de cebola, junto com Oliver, enquanto refletia se deveria deixar seu trabalho em busca de melhores condições. Porém, percebeu que prezava mais o seu pequeno salário e sua vida com Oliver, do que qualquer outra coisa. Na manhã seguinte, Peter andava para o trabalho quando viu uma folha de jornal no chão com a imagem de Henry. A notícia dizia: ‘Grupo de transgressores invade fábrica e quebra todas as máquinas. Os infratores passarão um mês na prisão.” Peter ficou desesperado, mas sabia que não podia fazer nada para ajudar seu amigo. Semanas se passaram. O amor de Peter por Oliver transbordava. O garoto trabalhava todos os dias e conseguia ajudar a manter a renda da família. Uma noite, quando o homem voltava do trabalho, percebeu uma multidão próxima a rua de seu cortiço. Se aproximou e viu um garoto deitado no chão. Era Oliver. Ele havia levado um


tiro na cabeça. Peter se aproximou do menino e desabou em choro. Não sabia o que fazer. O maior amor de sua vida fora assassinado. -O que houve?! O que eu fiz errado?!- Exclamava o homem. Um policial se aproximou de Peter e disse: -O jovem infrator estava furtando as pessoas, e em uma perseguição acabou levando um tiro. Ele é seu filho? Peter não conseguia reagir. Apenas confirmou com a cabeça. -Nós sentimos muito.- continuou o policial. Anos se passaram, e Peter ainda estava de luto. Ele sempre achou que o dinheiro que Oliver trazia para casa fora ganho trabalhando na fábrica. Porém, o menino nunca deixara de furtar pessoas. Peter nunca conseguiria superar aquilo. Ele ainda trabalhava na Wool’s Desire, porém havia sido promovido a subgerente. Certo dia chegou à fábrica um novo funcionário. Ele trabalharia na parte de empacotamento de tecidos. O homem era alto e esbelto. Tinho cabelos castanhos e olhos azuis. Peter se aproximou. -Bem vindo a Wool’s Desire. Meu nome é Peter, sou o subgerente. Como se chama? -Me chamo Michael. Peter se apaixonou imediatamente pelo rapaz. Ele devia ter em torno de 23 anos. No final do dia, Michael foi o último a sair da fábrica. Peter ficou esperando. Logo que o jovem botou o pé na rua escura, Peter o agarrou por traz e lhe deu um beijo na boca. -Mas o que é isso?! Você está maluco?- Exclamou Michael.- Eu não sou desse seu tipo, não.- continuou o jovem.- vou te denunciar. Peter voltou para casa perplexo e com medo. O que será que Michael faria? Logo de manhã ouviu-se 5 batidas na porta. Peter abriu. Era a polícia. -Senhor Peter Callow, você deve nos acompanhar.- disse o policial. Peter não era de fazer algazarras, então seguiu os oficiais. Ele foi levado para um tribunal. Lá estava Michael, o juiz, e dezenas de testemunhas. -Bom dia, senhor Callow. Baseado no relato de Michael Gibbons, o senhor não tem direito a defesa, e será condenado a passar o resto da vida no hospital psiquiátrico, como consequência de seus atos sodômicos e pedófilos. Semanas depois, Peter estava em um hospício tomando mais de uma dezena de remédios por dia. Era seu pior pesadelo acontecendo. Todo dia acordava as 8 da manhã e era levado pela enfermeira para o café da manhã. Eram servidas sopas sem sabor nas três refeições. Peter só queria um pedaço de carne para mastigar. O resto do dia passava sentado no quarto que dividia com mais três internados observando o que acontecia do lado de fora da janela. Ele nunca imaginara que seu maior sonho seria poder andar livremente pela rua novamente. O homem demorava horas para dormir, pois não havia gastado energia. Ele necessitava trabalhar, passear, se divertir.


Em uma noite, algo inusitado aconteceu. Logo após conseguir dormir, Peter teve um sonho: Lá estava ele deitado na sua cama no hospital psiquiátrico, quando de repente alguém entrou no maior silêncio no quarto. Era Mark, seu antigo namorado. -Venha! Vamos fugir.- sussurrou Mark. Peter prontamente se levantou da cama, com um sentimento de extrema alegria. Mark colocou seu namorado em cima de um cavalo e os dois foram cavalgando na direção do campo. Chegaram, finalmente, à antiga casa de Peter. Os dois sentaram-se na rede de balanço e esperaram o amanhecer. Logo que o sol começou a aparecer, podiase ouvir o som dos pássaros cantando, os cavalos relinchando, e as galinhas cacarejando. Podia-se sentir a leve brisa batendo no rosto, o ameno frio do campo e os pelos arrepiados. Viram, então, os cavalos correndo pelo campo, as lindas flores que se mexiam harmoniosamente como em uma dança, e as folhas que caiam das árvores levadas pelo vento. Por fim, os dois se abraçaram e se beijaram de forma apaixonada, como se aquilo fosse a última coisa que fossem fazer na vida.


O maldito bonde Clara de Oliveira Pereira Desde pequeno eu via meu pai trabalhando em transporte, dirigindo em meio a cidade, em meio às pessoas apressadas. Ele sempre me disse que era ótimo, pois ele não tinha pressa, ele levava quem tinha. Sempre estava calmo, por vezes acreditava que meu pai era incapaz de sentir estresse ou agitação. Querendo esse estilo de vida eu segui os passos do meu pai e fui trabalhar também com transporte, com cavalos em sua maioria. Não me decepcionei e vivi muitos anos da mesma forma que meu pai, imune a correria. Porém um dia algo aconteceu, todos os que conduziam algum tipo de transporte, mais conhecidos como tílburis, na cidade, foram chamados para apresentar um novo tipo. Cheguei no armazém e me juntei aos outros, esperamos em fila, todos olhando para o grande objeto coberto pelo pano. O dono da empresa chegou, aqueles burgueses pomposos e gordos, olhou para todos nós e sorriu, um sorriso de alguém que tem certeza que os outros ficarão impressionados com o que tem a mostrar. Ele, então, puxou o pano e revelou um estranho retângulo de metal com janelas. O homem de terno começou a explicar o que era a caixa de metal e que ela seria um tipo de transporte para mais pessoas, seria coletivo. Ele explicou que nós agora trabalharíamos nesses caixotes e levaríamos bem mais pessoas. Nessa hora já me adiantei a pensar e ter certeza, que minha paz e calma não teriam como continuar comigo conduzindo várias pessoas no mesmo local, no mesmo pequeno espaço fechado. Depois de muito tentar nos convencer e dizer os benefícios e as maravilhas do retângulo de metal a maioria aceitou trabalhar naquilo. Não porque realmente acreditavam ser uma boa ideia, uma melhor forma de transporte, um passo no futuro, uma inovação nunca antes vista no mundo ou qualquer outra baboseira de burguês. Não foi nada disso, foi porque todos nós utilizávamos as carruagens dele para trabalhar, não tínhamos muita escolha. Ele apenas foi “simpático”, por assim dizer, de nos apresentar a máquina e tentar nos convencer, pois na realidade não tinhamos escolha, era isso ou ficar sem emprego. Pra completar, o nome do caixote era bonde, onde já se viu isso, o que significa bonde? Parece bode, mas não tem nenhum, quem puxa é cavalo mesmo. Só esses nobres e burgueses para ter essas ideias. Eu aceitei, imaginando que minha vida viraria uma agitação e que minha calma estaria perdida para sempre. Eu estava certo, foi um inferno, aquela falação, agitação, gritaria, desce e sobe, pessoas indignadas, de mau humor, pessoas revoltadas que perderam o bonde ou o ponto. Fiquei uma semana, no final decidi que não ia aceitar minha vida virar isso, não ia abrir mão da minha paz por um emprego, emprego posso arrumar outro, posso trabalhar até com outra coisa, mas paz e sossego na minha vida eu tenho que ter, disso eu não abro mão mesmo.


Cheguei em casa no fim desta semana e disse para minha mulher: -

Vamos embora daqui, Glenda!

-

Vamos para onde, Ellis?

-

Não sei, mas aqui não vamos ficar, todos os tílburis foram substituídos por bondes, agora só tem tílburi quem é dono. Nós não temos dinheiro para isso, não temos como pagar e como preciso trabalhar vamos mudar para outro lugar.

-

Ellis, você é louco? Como vamos abandonar tudo? Se os tílburis foram trocados por bondes, trabalhe nos bondes, oras. Não podemos só abandonar tudo e ir para um lugar desconhecido, que nem ao menos você sabe qual é. É um louco mesmo! Me casei com um louco!

-

Não sou louco, quero me mudar porque não quero ficar louco! Trabalhei uma semana nos bondes. Quer saber como é? É um inferno, tanta gritaria, barulho, tanta gente irritada, falante, subindo e descendo. Não tem como eu trabalhar nisso não, sem condições! Nós vamos nos mudar, vamos pegar um barco e vamos para um país desses aí.

-

Meu Deus, tenha piedade! - ela se virou e suplicou para a imagem na parede - abandonar minha terra, abandonar minha nação? Minha família vivia aqui antes dos ingleses, Gales é o meu lugar, minhas raízes estão aqui!

-

As minhas também, mulher! Amo Gales e morreria por ele, mas não posso amar e servir meu país se estiver já morto no inferno! Não tem como, acha que eu quero isso? Acha que eu gosto da ideia, que estou animado e feliz? Pois saiba que não estou e queria muito ficar, mas desse jeito não posso viver, não sei como as pessoas estão conseguindo lidar. Estava tudo muito bem, mas aí vem esses daí e ficam criando coisas e nos fazendo de cobaia, aposto que continuam usando as carruagens bonitas e pintadas deles. Em pleno 1807, querer fazer isso com meu país! Certeza que foram esses ingleses, tudo que tocam estragam, não podem ver um povo feliz e em paz, pois que colocassem lá no território deles, querem testar as coisas e trazem pra cá, se fosse bom mesmo iam colocar lá primeiro.

-

Mas Elliot!

-

Não é uma discussão! Vá arrumar as coisas e as crianças! Esteja pronta ao anoitecer.

Glenda não compreendia, mas quem pode culpá-la, acho que nem eu entendia direito. Fui até o porto e fui perguntando aos capitães para onde iam e tentando avaliar um que fosse um bom país para ir, por mais que eu nunca tivesse ido para nenhum, nunca havia saído dali, onde havia nascido. Um dos capitães falou que ia para a França, me convenceu de que era um lugar bom para ir e que não me decepcionaria lá. Já tinha ouvido muita coisa boa da


França, decidi então que era pra lá que eu ia. Gastei quase tudo que tinha para comprar os lugares para mim e para minha família no barco. Depois de comprar voltei para casa para buscar minha mulher e filhos. Eles estavam prontos, já me esperando. Levei-os até o porto e entramos no barco. Fomos levados até o porão do barco, um lugar escuro feio e fedido, mas era só por uns dias. Muito melhor que viver naquela bagunça e agitação. Dormíamos lá embaixo, porém passávamos boa parte do tempo no convés e foi lá que um dos grandes acontecimentos da minha vida teve palco. Um desses dias eu estava andando pelo convés e vejo uma pequena agitação, nada grande, mas pareciam preocupados, não dei muita importância e fui para o lado olhar a vista e o mar. Quando olho para baixo, na direção do mar vejo um coisa diferente nas cordas e quando olho bem é um garotinho. Entro em pânico, mas sigo meu instinto de salvá-lo, então dou um jeito de pegar a corda e puxar, com cuidado para que o menino não batesse a cabeça na lateral do barco. Peguei-o e descobri o motivo de estar pendurado, tinha o pé preso na corda, deve ter prendido e a corda deve ter sido puxada, ele foi puxado junto e deve ter batido a cabeça na queda. Tentei acordar o menino, que estava agora nos meus braços. De repente, ouço um grito e quando olho pro lado vejo uma mulher correndo na minha direção. Ela se ajoelhou do meu lado e tentou acordar o menino também. Outros vieram e, depois de alguns minutos o menino acordou. A mulher me perguntou como eu o achei, o que tinha acontecido e eu contei pra ela e para o homem ao seu lado exatamente, com todos os detalhes, o que tinha acontecido. Eles depois de me ouvirem me disseram que eram os pais do menino e que momentos antes ele havia sumido. Pareciam estar muito agradecidos. O menino ainda não parecia totalmente bem, então eles me agradeceram por salvar o menino e foram embora. A viagem continuou normal. Quando estávamos todos no convés esperando o barco parar no porto eles chegaram perto de mim e da minha família. O menino parecia bem, não sou médico, mas diria totalmente recuperado. O homem falou que ele e a família dele estavam muito agradecidos e que queriam me recompensar de alguma forma, eles pareciam ter bastante dinheiro pela forma como se vestiam, até como falavam, mas só respondi que não precisava, que só tinha feito a coisa certa. Glenda me olhava fixamente, sabia que ela queria que eu aceitasse, afinal passávamos alguns apertos e dinheiro é sempre bem vindo. Ele insistiu muito, falou que ia me dar o dinheiro. Os olhos de Glenda brilhavam e ela sorria para ele. Pensei bem e disse para ele que aceitaria um tílburi. Minha mulher me olhou com olhos de ódio, queria gritar comigo naquele momento, mas era o que precisávamos, de um tílburi.


O homem aceitou e cumpriu sua promessa, me deu um tílburi logo depois de chegarmos na França. Ouvi minha mulher reclamar e me chamar dos mais diferentes nomes possíveis, mas acontece que eu estava certo. Tinham vários nobres e burgueses e eles usavam meus serviços, logo consegui comprar uma casinha e passamos a viver melhor do que qualquer momento anterior nas nossas vidas. Vivemos muito bem na França por uns bons vinte e poucos anos, quando algumas coisas começaram a acontecer. Era meio para final de julho, comecei a ouvir alguns camponeses e burgueses falarem de uma revolta. Ouvi pela primeira vez de um burguês que levei no meu tílburi, desde aquele dia passei a prestar atenção e quando vi que era uma revolta armada sabia que era hora de sair dali. Que mania que as pessoas têm de querer ficar mudando as coisas, se elas estão de um jeito é porque o jeito está funcionando, oras. Cheguei em casa naquela noite, já imaginando o que Glenda iria dizer quando contasse a ela que partiríamos de novo, sabia que ficaria furiosa, ela gostava muito de lá e nossa vida estava boa, não passávamos necessidade, era uma vida confortável. Entretanto, não era possível viver em um lugar de revoltas, imagina o perigo, não tinha como ficar mais, novamente teríamos que sair, devido ao fato das pessoas não se manterem estáveis e serem gratas pelo que já tem. -

Glenda, vamos embora.

-

Embora para onde? O que quer dizer?

- Quero dizer que vamos embora para longe, vamos fugir desse povo revoltado. -

Ai, não creio! Elliot, de novo? Aqui nós temos tudo que podíamos pedir, você tem até seu próprio tílburi. Nossa casa é boa, temos comida todo dia, aqui é ótimo, o povo é ótimo. Não pode fazer isso, não de novo!

-

Imagina a bagunça, imagina o que vai acontecer! Não dá pra imaginar o que vai acontecer, mas coisa boa não vai ser. Eles têm armas, vão pegar em armas! Não é seguro, não dá mais para ficar aqui. Arruma as coisas, arruma as crianças, não vamos partir hoje, mas vamos partir logo, então esteja pronta, pois depois de vender o tílburi nós vamos.

Coloquei o tílburi à venda, demorou uns três dias para conseguir vender, já estava preocupado que a revolta fosse acontecer antes que eu conseguisse vendê-lo. Com o dinheiro em mãos fui para o porto. Lá conversei com os capitães para negociar os preços e decidir para onde iríamos. Um dos capitães ia para um lugar chamado Brasil, falou que lá tinha sido colônia e era mais calmo, sem muita modernidade, sem muita inovação e que eu provavelmente gostaria, já que estava irritado com as revoltas e mudanças na Europa. O capitão me convenceu, comprei o meu lugar e o de minha família no barco. Não conhecia o Brasil, mas estava disposto a conhecer esse lugar que foi tão bem


falado pelo capitão. Parecia um lugar calmo e tranquilo, onde eu poderia continuar minha vida vivendo assim, longe do estresse. Apenas apreciando a vida, sua calmaria e sossego. Voltei pra casa e fui contar pra Glenda, que já tinha tudo pronto para irmos há três dias. -

Querida, se prepare, vamos hoje de noite.

-

Para onde? - perguntou ela sem animação ou real interesse na resposta

-

Para o Brasil.

-

Onde fica isso?

-

Na América.

-

Tipo Estados Unidos da América?

-

O capitão disse que era mais ao sul.

-

Como assim o capitão disse? Você nem sabe para onde iremos? Deus tenha misericórdia de mim e dos meus filhos, me casei logo com um louco, um completo louco!

-

Ele me garantiu que o lugar é bom, que vamos nos adaptar bem. Lógico que ele disse isso, ele queria o dinheiro, diria até que a cidade é feita de ouro para convencer você de ir. Além de louco ainda é burro e manipulável! Era só o que me faltava, ficar confiando em promessas de capitão. Esse tipo de gente não tem palavra não!

-

Ah, deixe de ser assim, foi a mesma coisa quando viemos para cá, e olha só, deu tudo mais que certo e você adora.

-

Exatamente, eu adoro, deveríamos ficar, mas você completamente insano vai nos levar para esse tal de Brasil na América, que nunca ouvimos falar antes em nossas vidas.

-

Ah, deixe de reclamar, pegue as crianças e vamos.

Entramos no barco e, da mesma forma que a vez anterior, fomos levados ao porão do navio, novamente era feio, sujo, úmido e desconfortável, mas era só por alguns dias e logo estaríamos em terra firme, numa terra em paz. Dormíamos no porão e passávamos o dia no convés. Foram dias chatos e monótonos, até conseguirmos avistar o litoral brasileiro. Foi uma animação, até Glenda parecia animada, mais por chegar em algum lugar do que por chegar ali. Mais um pouco e estávamos nos aproximando do porto, era um lugar movimentado, mas não havia bondes ou revoltas. Descemos do barco e ficamos uns minutos olhando a movimentação, parecia um lugar agradável. Pouco tempo depois de termos chegado no Brasil ficamos sabendo que a revolta na França realmente aconteceu. Virei pra Glenda e falei: -

Eu te disse que ia acontecer, te disse que ia dar problema.

Ela não respondeu, apenas me olhou com cara de desdém. Ela demorou a se adaptar ao estilo de vida brasileiro, mas acabou amando no final e juraria para


qualquer um que é o melhor lugar que ela já botou os pés, que não existe melhor no mundo e que, principalmente, nunca reclamou da ideia de vir pra cá, mas sim que tinha apoiado e ficado feliz. E depois eu que sou o maluco. Vivemos nossa vida calma e feliz no Brasil, tudo bem tranquilo e sossegado. País bom de se viver, sem muitas mudanças ou ideias, o povo não é muito revoltado não, povo amigável e carinhoso. A vida era boa e vivemos bastante. Acredito que vivi esse tempo todo muito bem devido a vida despreocupada, feliz e em paz que tive. O estresse mata as pessoas, mas elas acham que dá um propósito, que esse estresse é sinal de que está usando bem o tempo. Quem sou eu pra discutir, não é mesmo? Porém, em 1859 tudo mudou, era um dia calmo como qualquer outro, eu andava na rua como um idoso feliz, cuidando das minhas coisas e da minha vida, quando, de repente, ouço um barulho. Um barulho que faz meu coração acelerar de uma forma ruim, o sentimento de horror toma meu corpo, não entendo bem de onde conheço esse som. Me viro na direção do som e quando eu olho, um bonde! Minha mão vai direto no meu peito, que aperta de uma forma, dou um grito alto e agudo. Então caio duro no chão, para nunca mais me levantar. Maldito bonde, me perseguiu a vida inteira, logo eu que tentei com tanto esforço fugir, que usei todo meu dinheiro, tempo e energia, para fugir disso tudo, mas parece que no final tudo se acha. Inclusive um maldito bonde.


A vida na cidade e a cidade sem vida Dani Flomin Oliver Fim de 1830. Londres. Dia Chuvoso. Já eram 4 horas da manhã. Oliver saiu ao trabalho, acompanhado de Emily, sua mulher, e de seus cinco filhos, os quais variam entre 8 e 14 anos. Deixaram o cortiço, no qual moram com enorme esforço financeiro, bem cedo. Não dera nem tempo de a dona de casa preparar um café da manhã. Apenas dissera às crianças e ao marido que os ama, e todos correram à fábrica de tecidos, William’s, que se localiza a apenas um quilômetro da “casa” - se é que se pode chamar assim. E sempre o mesmo conflito: o tempo. Ai, o tempo… o bem mais precioso de uns e mais malicioso de outros. As horas, os minutos, os segundos… O sinal da indústria já ia tocar. Por que essa família tinha uma vida tão corrida? Na realidade, esse histórico de luta contra o tempo e à vida não era de agora. Os próprios ancestrais dessa família sofreram com essas questões. Por exemplo, os pais de Oliver tinham uma vida humilde, mas digna, no campo. Todos trabalhavam em um rebanho de ovelhas, vivenciando dias tranquilos. Entretanto, uma ordem superior obrigou-os a se retirarem daquela terra. Apesar de uma leve resistência, não tinham o que fazer. A família toda saiu rumo à cidade, em busca de sobrevivência. Lá, no início, moravam na rua e contavam com a ajuda de “almas caridosas”, como costumavam dizer, até que o tempo passou, e Oliver, já adulto, casado e com filhos, arranjou um emprego para ele e toda sua família na William’s. No caminho à fábrica, presenciavam o mesmo cenário de sempre: havia diversos bandidos soltos pelas ruas, além de bêbados e mendigos. Oliver tinha muita vontade de ajudar - afinal, já vivera como essas pessoas -, mas a conta nunca fechava direito, mesmo com sua mulher e crianças trabalhando. Aliado a esse caos urbano, eles sempre reclamavam do cheiro horrível do esgoto que infestava a cidade e da fumaça avassaladora proveniente da William’s e de outras fábricas por perto. -Pai, posso não ir trabalhar hoje? - um dos filhos perguntou. -Se você não for, você vai ficar sem comer por dias! - Oliver respondeu, grosseiro, mas, no fundo, com bastante tristeza. William Fim de 1830. Londres. Dia Chuvoso. Já eram 8 horas da manhã. A casa de William acordava cedo. As crianças, dois rapazes, já estavam brincando na sala. A mulher, Sophie, já tinha arrumado o lar e preparado um café da manhã delicioso a todos. O chefe do domicílio descia as escadas do casarão e dava “bom dia” a todos. Ele sempre foi um excelente pai e marido. Desde que abriu a fábrica, a família levava uma vida maravilhosa. -Pai, posso visitar seu trabalho hoje? - perguntou um dos filhos.


-Fábrica não é lugar de criança brincar. Fica aqui em casa com seu irmão. - o pai respondeu. A criança fez que sim, e William partiu a mais um dia cansativo na William’s. Oliver O sinal tocou. A fábrica, como sempre, estava quente, úmida, escura e suja. Entretanto, a família estava preparada, na medida do possível, para as muitíssimas horas de trabalho. Mais especificamente, 16 horas. As crianças foram ao seu posto de sempre: amarravam cordas quando quebravam, enquanto Oliver e Emily trabalhavam nas spinning

jenny,

praticamente

sem

descanso.

Mesmo

que

todos

produziam

demasiadamente, Emily e as crianças ganhavam um salário inferior ao de Oliver. -Mais rápido! Acelerem! O patrão está chegando! - disse o supervisor responsável. Nesse momento, todos da fábrica ajeitam a postura, aceleram a produção e fingem estar totalmente dispostos ao dia de produção. William, o dono da indústria, já chegou dando ordem: -Precisamos dobrar nossa produção! Se já era fácil sem máquina, imagina com… Nós somos uma das mais modernas indústrias da Inglaterra. Portanto, ao trabalho! Já! Em seguida, William foi ao seu escritório. Enquanto isso, as crianças ficavam rodando pelas máquinas, observando se havia algum defeito. Após algumas horas de trabalho, um dos filhos de Oliver resolveu descansar, e o mesmo sentou em um canto da fábrica. Quando o supervisor viu, ficou furioso e berrou muito com o menino. Além disso, o capataz deu-lhe 10 tapas em seu rosto. “Isso é para você aprender”, ele disse. No outro canto da sala de produção, Oliver e Emily trabalhavam nas máquinas lado a lado. Apesar de ele agradecer por ter o emprego, sentia-se um pouco constrangido, pois era um dos únicos homens que ainda trabalhava nessa função. Os dois sempre tinham vontade de falar sobre assuntos da casa, da vida ou das crianças, mas evitavam, pois o capataz não permitia “conversas paralelas”, como o mesmo dizia. Entretanto, seria impossível conversarem, de qualquer forma, já que as máquinas faziam um barulho muito alto. Exerciam suas funções de preparar a spinning jenny e a colocar a rodar. Sendo assim, os braços ficavam muito cansados, os olhos doloridos de sono e os pés mal aguentavam sustentar seus corpos. Portanto, a sensação de fraqueza corporal era intensa. Além disso, o tempo parecia que corria, pela demanda da fábrica, mas, ao mesmo tempo, não chegava nunca a hora de ir à casa. Finalmente, chegou a hora do almoço, oferecido pela própria fábrica. A mesma proporcionava, todo dia, dois pães velhos para cada trabalhador que tivesse realizado suas tarefas direito. Esses sentavam no chão e possuíam 15 minutos para comer. Oliver e Emily ofereceram parte de sua comida para os filhos, os quais já estavam


muito fracos e cansados. O horário da comida era o único no qual podiam conversar, nem que fosse por apenas um minuto. Nesse intervalo, escondida das crianças, Emily disse ao marido que achava que havia contraído alguma doença, pois estava com tosse seca contínua, cansaço excessivo, falta de apetite e fraqueza. Jurava que a causa era a fumaça da indústria. Um típico caso de tuberculose, apesar de ela nem saber o que isso significa. Antes que Oliver pudesse responder algo, o sinal tocou. Todos deveriam voltar ao trabalho. Ficariam ainda por mais algumas horas em seus cargos. Emily, desgastada pela doença, sofreu um leve acidente na máquina. Nem ela sabia exatamente o que ocorrera, mas fato é que seu dedo começou a sangrar. Logicamente, nesse contexto, o capataz, ao invés de mandá-la descansar, deu uma bronca imensa. -Sua imunda! Não sabe nem trabalhar direito! - ele dizia, em tom de grosseria e indiferença. Apesar de tudo, a mulher - guerreira, como sempre - suportou a dor e seguiu seu trabalho, com o choro entalado em sua garganta. O marido, ao lado, queria muito ajudar, mas sabia de sua proibição. Nesse cenário, suscitou na cabeça de Oliver um pensamento: adoraria ter mais direitos. Imagina se ele pudesse trabalhar por 8 horas, dormir por 8 horas e ter 8 horas de lazer… ainda lembrou de uma notícia que escutara outro dia de que havia tido um grupo de trabalhadores “quebradores de máquinas” que reivindicavam direitos aos mesmos. Nessa situação, Oliver adoraria ser um desses, mas tinha que colocar sua família em primeiro plano. Não podia arriscar seu emprego, ainda mais porque estavam em declínio homens em sua área. Após um longo dia de trabalho, a família foi à casa. Oliver passaria na rua para beber algo antes, enquanto a mãe cozinharia o jantar e as crianças tomariam um banho - o que era raro - no meio do cortiço. William O sinal já havia tocado há um tempo. William chegou à fábrica, deu ordens, como de costume, aos trabalhadores e se dirigiu ao seu escritório. Tinha muitas contas a fazer. Ficou sentado em sua cadeira confortável, anotando os pedidos de matéria-prima, checando a presença dos operários e calculando o lucro do mês. Especialmente nesse período, percebeu que precisava apertar um pouco os gastos, já que não estava obtendo o rendimento que buscava. Durante o trabalho, parou para pensar e apreciar a modernidade: esse período magnífico no qual estavam vivendo, a exemplo das novas invenções, como o trem. Além disso, tinha orgulho da Inglaterra: “uma verdadeira nação, digna de louvor, em contraponto a outros países do sul da Europa, que só retrocedem com o absolutismo”, como William costumava dizer. Ele também gostava muito da França, que recentemente colocara um verdadeiro rei, em sua visão: Luís Filipe[3] [4] . Entretanto, para ele, nada se comparava à nação inglesa.


Ao chegar o horário do almoço, William já havia acabado todas as suas tarefas do dia e foi em direção a sua casa, através da mala-posta, da qual o mesmo era dono. O cheiro da comida espalhava-se pela casa, junto à limpeza da mesma. A comida já estava na mesa: um banquete, com tudo que se podia imaginar, incluindo um peixe delicioso e um purê de batatas que somente a Sophie sabia fazer. William cumprimentou a mulher e as crianças, que estavam brincando no meio de um corredor. Todos sentaram-se à mesa. Durante a refeição, Sophie comentou com o marido que havia sido lançada uma nova joia, com mais de 200 diamantes, e deu a entender que ele não dava nenhum presente a ela fazia um tempo. William, preocupado com as contas da fábrica, teve de pensar duas vezes se seria possível dar isso à mulher, mas disse à esposa que resolveria de algum jeito, se ela o “tratasse bem à noite”, segundo suas palavras. A mesma riu e afirmou “pode deixar”.

Oliver Oliver chegou à casa já alterado, pois havia bebido bastante gim. Irritado com a vida, decidiu descontar sua ira em sua mulher, espancando-a e reclamando que era culpa dela a situação da família estar do jeito que estava. As crianças ficaram espantadas. Entretanto, após passar um pouco do efeito do álcool, e vendo que sua esposa não parava de tossir, Oliver pediu desculpas e se sentou à mesa junto à família. Como de costume, havia sopa de batatas bem quente. Todos comiam em silêncio - apesar da crise de saúde de Emily - e apreciavam cada parte da comida. Afinal, nem sempre tinha quantidade suficiente a todos. Após o jantar, quando as crianças foram dormir, e Emily, lavar louça, ela chegou ao marido e avisou que precisava conversar seriamente com ele: -Meu estado é grave. Não estou me sentindo nem um pouco bem. Realmente, não conseguirei ir ao trabalho amanhã. Temos algum dinheiro para chamar um médico-cirurgião? Oliver, preocupado com as contas da família, teve de pensar duas vezes se seria possível dar isso à mulher, mas disse à esposa que, infelizmente, não teria como. Ou era isso ou a comida. Sendo assim, a única alternativa encontrada pelos dois seria pedir, encarecidamente, ao dono da fábrica que os ajudasse nessa ocasião. O caso de Emily era realmente trágico. Então, no dia seguinte, com Emily ainda na cama, a família saiu rumo ao trabalho. Lá, o capataz questionou a ausência da esposa de Oliver, e o mesmo respondeu que precisava falar urgentemente com o senhor William. Com muita resistência e após


grande insistência, o supervisor foi perguntar ao burguês se poderia falar com o proletário, que respondeu que sim. -Entendo sua situação, mas estou com umas questões em casa. Portanto, não poderei ajudar. Você, já para o trabalho! E sua mulher, não quero que falte amanhã! - essa foi a resposta de William, quando o trabalhador explicou sua situação. Deprimido,

Oliver voltou à máquina. Além disso, observou o estado

miserável de suas crianças e lembrou o de sua mulher. Pensava em se matar naquele momento. Afinal, não conseguia ser um bom marido e pai. Tudo piorou quando chegou à casa e se deparou com sua mulher morta - a doença havia a pegado de vez. Dias horríveis para ele e para seus filhos. Mas, não tinha o que fazer. Apenas trabalhar, trabalhar, trabalhar, trabalhar, trabalhar e trabalhar… para, no final, tudo ser pó. William William foi a mais um dia de trabalho. Dessa vez, ele estava muito pensativo, pois queria muito dar aquela joia de mais de 200 diamantes a sua mulher, mas não sabia se seria possível, de acordo com o cálculo de lucro, o qual ele pretendia ganhar no mês. Afinal, esse presente comprometeria 20% de sua renda desses 30 dias. Para piorar, ainda veio um trabalhador da fábrica pedir dinheiro emprestado. Lógico que ele teve de recusar. Sendo assim, saindo do trabalho, tomou a decisão de comprar o presente, conforme sua mulher queria. Ainda levou uns pequenos brinquedinhos aos seus filhos. Chegando à casa, não parou de ouvir “você é o melhor marido do mundo” e “você é o melhor pai do mundo”. E, para sempre, levou consigo a missão de apenas trabalhar, trabalhar, trabalhar, trabalhar, trabalhar e trabalhar… para, no final, tudo ser alegria.


Vida imunda; Olhar puro:

Relatos da infância perdida de Emily

Smith numa Manchester hedionda Nina Wettreich Goldbach Manchester, 15 de setembro de 1830. “O dia começa com a inauguração da locomotiva a vapor Stephenson´s Rocket” Tomada pela fumaça típica das fábricas, a cidade acelerada de Manchester e eu, Emily Smith, com apenas doze anos, mas dona de milhares de histórias, amanhecemos com a notícia mais esperada do século, anunciada pelo jornal The Manchester Guardian! A Rocket era a mais nova máquina a vapor que ligaria Liverpool a Manchester. Logo de manhã, todos já iriam para as ruas ver a nova máquina chegar, que faria o trajeto completo até chegar aqui. O desfile contaria com o próprio criador da máquina, Stephenson, e até mesmo com o primeiro ministro, Arthur Wellesley. Minha família parecia animada, algo muito raro para a nossa rotina dura e miserável. Meu pai, George Smith, trabalhava intensamente durante a semana e eu só o via de manhã, já que ele voltava demasiadamente tarde todos os dias. Era um homem amargurado e explosivo, que sentia falta de seu passado calmo e mais bucólico, no qual era aprendiz de ferreiro, em sua pequena manufatura familiar. Minha mãe, Ava Smith, também trabalhava, pois na minha casa, todos nós precisávamos trabalhar para garantir ao menos pães velhos, inhame e batatas, muitas vezes estragadas. Era uma mulher sensível, mas muito forte, já que voltava da fábrica exausta, e ainda assim cuidava da casa e dos filhos. Meu irmão, Charlie Smith, tinha apenas nove anos de idade, porém já sustentava a casa também, com a sua pequena estatura, essencial nas indústrias, entrando em espaços de operações minúsculos. Para mim, ele se tratava da mais pobre criança de todos os tempos. E, por último eu, que tentava sempre contornar com minha alegria as misérias da rotina conturbada, da tecelagem fabril exaustiva e do nosso lar, que mal poderia ser chamado de lar, pois se tratava de uma das piores casas da parte mais feia da cidade: um cortiço sujo e disforme. Meu pai dizia que aquele lugar era como o St. Giles de Londres, lugar onde estavam os trabalhadores mais pobres, ladrões e prostitutas. Éramos a escória da Inglaterra. Após comer um pouco de sopa de batatas, fomos às ruas para assistir a chegada da Rocket. Essas invenções eram impressionantes! Eu poderia ficar o dia todo assistindo toda aquela inovação, mas infelizmente, era hora de trabalhar. Andei pelas ruas estreitas, nada planas, cheias de pessoas sem dinheiro, com restos de comida no chão, sem esgotos e fétidas até chegar ao meu trabalho, no qual eu passaria as seguintes 5 horas. Com meus pequenos e finos dedos, fui manuseando os fios de tecido, mas eu não sabia no que aquilo seria utilizado. Ao meu lado, estava a


minha companheira de trabalho Lilly Stein, que parecia ter a mesma idade que eu. Eu tinha vontade de fazer amigos, eu me sentia muito solitária, e sentia que eu era indiferente naquela cidade, mas com o trabalho eu não tinha tempo de ir a escola e muito menos de socializar com alguém, tudo era muito impessoal e baseado no dinheiro. Depois de vários calos e dor na mão, a sirene finalmente tocou e era hora de voltar para casa. Era setembro e ainda não estava tão escuro quanto em dezembro ou janeiro, mêses nos quais a escuridão e os barulhos da cidade me davam um certo medo. O clima era ameno e minhas roupas finas e rasgadas ainda suportavam o frio. Chegando em casa, como sempre só encontrei minha mãe e Charlie. Comemos um pouco de inhame, mas ainda assim eu tinha fome. Carnes eram como um milagre para nós e, com alguma sorte, conseguíamos comê-las uma vez por mês, normalmente aos domingos. Cansada de um dia como todos os outros, fui dormir na minha pequena e dura cama junto com meu irmão. No meio da noite, em um grande susto, acordei com gritarias do meu pai e da minha mãe, provavelmente discutindo o por quê dele ter chegado tão tarde. Minha mãe dizia que ele se embebedava e andava embriagado pelos becos noturnos, indo ao cabaré, estressado com o dia de trabalho. Essa era a única maneira de fugir daquele mal estar terrível e pobreza. Voltei a dormir, num sonho profundo, no qual eu vivia no outro lado da cidade, em um bairro burguês onde eu comia carnes todo domingo. Manchester, 16 de setembro de 1830. “Como uma família deveria se comportar? Aprenda aqui!” Sempre acordava de manhã e lia o jornal “The Manchester Guardian” com George. A edição de hoje se tratava de pequenos desenhos que demonstravam como uma família deveria ser. A família da figura tomava chá, lia livros, possuía filhos escolarizados e uma mãe que passava o dia cozinhando, enquanto o pai trabalhava. Que futuro inalcançável! Minha família não bebia chá, devido à extrema pobreza, não tinha tempo para livros e nem mesmo disposição. Eu ficava me imaginando como as meninas desses desenhos. Bonitas e com roupas inteiras. Separadas de mim por um passo enorme que garantia toda a felicidade deste mundo vil: o dinheiro. Durante o dia, a rotina foi a mesma, e aquela pobreza toda me incomodava. Muitos se incomodavam com isso também, e até se revoltaram, mas tudo era em vão. Nada mudava e tudo fedia a mal cheiro, a desigualdade e a miséria. Há um tempo atrás, minha mãe me explicou que houve um movimento no qual os trabalhadores quebraram as máquinas, mas não adiantou nada. Não quebraram o sistema. Muitas vezes eu tenho um desejo enorme de quebrar a máquina de tecer no meu trabalho e acabar com os meus calos e dor na mão, mas nunca o faço. Além disso, também existiam as Trade Unions e os sindicatos, uniões de trabalhadores que lutavam


por mais direitos. Estes começaram a ser permitidos há menos de 10 anos atrás e existem até atualmente. Em outros lugares do mundo, ocorriam várias coisas, as quais eu sempre quis conhecer, mas nós só sabíamos a partir dos jornais mesmo. Na França, estava ocorrendo uma revolução por causa de um rei autoritário! Acho que isso é pior do que não ter dinheiro! Jovem Itália, Jovem Polônia e Jovem Alemanha ainda estavam tentando se tornar nações. Ao voltar da indústria, encontrei meu pai e minha mãe chorando muito. Meu coração parou. Logo notei meu irmão, deitado na cama, extremamente fraco. Ele estava com tuberculose, uma epidemia muito comum, devido a poluição e a fumaça. Assim que o vi, comecei a chorar também. Como poderia uma criança de 9 anos tão bondosa como Charlie estar doente por conta de seu trabalho? Como poderia tanta miséria enquanto outros vivem de riquezas extremas? Como é uma doença contagiosa, meus pais me mandaram dormir e ficar longe de Charlie. Fui dormir soluçando de tanto chorar, eu não entendia como isso poderia ter acontecido logo com o meu irmão, tão meigo e ingênuo. Não entendia como as fábricas podiam fazer isso a uma criança. Manchester, 17 de setembro de 1830. “Casos de epidemias da tuberculose e da cólera aumentam no país”. Assim como dizia a manchete do jornal, de manhã, ao acordar, aconteceu o esperado: meu irmão não conseguiu resistir e a doença o venceu. Era como se o mundo tivesse acabado de desabar por completo. Eu, que sempre conseguia lidar com as recorrentes tristezas dessa vida injusta, hoje desejei morrer no lugar de meu irmão. Eu simplesmente não conseguia mais aguentar toda aquela injustiça e sofrimento, porém, infelizmente, a cidade desigual não dá nenhum descanso aos pobres, então hoje aconteceu o cúmulo: o trabalho e o dinheiro tomaram o lugar da morte de um ente querido e amado. O trabalho e o dinheiro tiraram o lugar da família, das emoções e do amor. A troco de que? Como estava muito triste, deitei no colo da minha mãe um pouco antes do trabalho, enquanto ela me contava de como sua vida era agradável, quando vivia com seus pais e aprendia artesanatos. Depois disso, chorando, fomos todos enterrar o corpo de Charlie e trabalhar, na quinta feira mais cinzenta do ano. Diferente do que costumava acontecer, hoje, na fábrica, consegui finalmente me relacionar com alguém! Ah, como eu sinto falta de falar, cantar, pular nesses dias de trabalho árduo! Como eu sinto falta das coisas de criança! O nome dele era Thomas Craftsman e nós conseguimos conversar: sobre dinheiro, sobre comida, sobre as máquinas e tudo mais. As vezes, eu me pego pensando no que as crianças do bairro rico devem fazer, e como deve ser a vida delas. No final da conversa, eu chorei, por conta de


Charlie, mas Thomas me acalmou e disse que tudo iria se resolver. Eu tinha até esquecido como era ter uma amizade, não dá tempo de nada por aqui. Como de costume, cheguei em casa e comi um pão velho e duro, mas eu não me importava mais com isso. Só conseguia pensar no Charlie e como ele provavelmente estaria me implicando naquele momento. Resolvi dormir para ver se aquela dor passava, enquanto minha mãe arrumava a casa e meu pai ainda estava vagando pela noite. Durante a madrugada, novamente acordo desnorteada pelos berros de meu pai com a minha mãe. Ouço gritos, pratos se quebrando, coisas caindo, choros, e decido ficar no meu quarto, com medo do que poderia acontecer comigo. Eu e a minha cama vazia, sem meu irmão, e dura, assim como minha realidade. Espero até o amanhecer acordada. Manchester, 18 de setembro de 1830. “Papel da mulher e do homem: mais uma edição de como uma família deve se comportar” Após ler a manchete do dia, me encaminhei para a cozinha para comer alguma coisa. Lá, encontrei minha mãe, de cabeça baixa, com o rosto marcado de sofrimentos de tons avermelhados e roxos. Eu sabia o que tinha acontecido, mas resolvi não comentar, e apenas a abracei, enquanto ela chorava, e agradeci por ainda tê-la na minha vida. Eu com certeza não sei dizer qual é papel do homem e qual é papel da mulher, como li no jornal hoje, mas tenho certeza de que o papel da minha mãe nessa casa não deveria ser sofrido por ninguém, e o papel do meu pai jamais deveria ser repetido por ninguém. Assim que meu pai chegou na cozinha, indaguei se bater em alguém fazia parte do papel do homem, genuinamente. Ele, impulsivo e furioso, reagiu com um tapa na minha cara. E eu não chorei. Não reagi. Eu simplesmente não entendi o motivo da revolta. Não entendi como o meu próprio pai pode violentar a filha e a esposa, pessoas tão amadas e próximas. A cada dia que passava, mais indignada eu ficava. O mundo não fazia nenhum sentido, e eu não aguentava mais a vida cercada por violência e dinheiro. Queria poder correr livremente, cantarolar, abraçar e ouvir histórias. Ser criança! Amar e ser amada! Mas tudo parecia sem esperança alguma nessa realidade de concreto e fumaça. Manchester, 20 de Janeiro de 1850. Ao longo dos anos de trabalho, me envolvi cada vez mais com Thomas Crafstman e nos tornamos melhores amigos e namorados. Ele passou a ser a única coisa que me fazia ver um pouco mais de cor no mundo de fumaças cinzas e fábricas pretas. Já a minha mãe, infelizmente foi morta pelo próprio marido, em 1832, e este continuou a me espancar por anos após a morte dela. O dia em que minha mãe morreu foi o dia mais triste de toda a minha vida.


Com 19 anos, após aguentar os 5 anos mais duros de todos os tempos, sendo violentada brutalmente, fui para o trabalho e nunca mais voltei para a casa. Nunca mais olhei nos olhos amedrontadores de meu pai, ou melhor, George Smith, já que eu tinha vergonha de chamar a criatura mais cruel de todas de pai. Fugi com Craftsman e vivemos uma vida extremamente pobre. Em 1848, dia 21 de fevereiro, tomamos consciência de uma ideologia denominada de comunismo, publicada por um livro em anonimato. Desde então, apesar de pobres, eu e meu amado lutamos por mais direitos e uma vida mais justa e igual para todos. Apesar de minha vida cinzenta e dura como concreto, tenho orgulho de quem fui e de quem sou. Orgulho de sempre tentar buscar a felicidade nos momentos mais miseráveis e orgulho de sempre resistir e procurar a mudança e a revolução.


As grandes reviravoltas na França Rafael Libaber

Venho aqui contar minha história, vivida em meio a um processo de várias reviravoltas que aconteceram no meu país, a França, no século XIX. Venho contar de como passei pelas situações desde o governo do nosso grande Napoleão Bonaparte, até a governo constitucional de Luís Felipe, em que minha família estava em ótimo estado. Me chamo Danton, hoje me encontro casado com minha bela esposa Natalie, e vivemos em Paris com nosso filho Oliver. O ponto de partida de minha história é um dos momentos mais marcantes de minha vida. Entre 1814 e 1815, quando nosso grande imperador Napoleão, aparentemente invencível e supremo, foi derrotado e a França passou por uma sequência de mudanças drásticas. Este período me traz várias recordações e sentimentos, partindo de incerteza com relação ao rumo que o país tomaria, mas também uma certa insegurança pela derrota de Napoleão. Lembro bem de acontecimentos e conversas nas ruas. Na época eu tinha somente 17 anos de idade, então era muito novo para julgar ou classificar ações, mas não sabia o que era viver em um país que não era comandado por Napoleão, então me sentia preocupado. Neste mesmo período pude conhecer minha futura esposa, Natalie, que sempre viveu perto de mim, então nos encontrávamos casualmente, mas nunca conversávamos por mais de dois minutos. Soube que havia uma ascensão na pressão política para a volta do regime autoritário que reinou em nosso país, mas isto só me era conhecido em histórias e relatos, apesar da revolução ter sido um acontecimento relativamente recente. Minha família sempre se posicionou com uma ideologia mais liberal, mas eu queria entender bem estes assuntos para poder me posicionar pessoalmente. Em um dia que andava pela


minha rua, cruzei com Natalie, e por pelo menos conhecê-la, perguntei se ela entendia algo a situação atual. Ela me disse que estava passando pelo mesmo dilema, por ser da mesma idade que a minha, mas seu pai era um ativista liberal que discursava em praça pública algumas vezes, então disse que se eu estivesse interessado em aprender estes conceitos mais á fundo eu poderia encontrar com ele. Logo aceitei a proposta e no dia seguinte fui até a casa de Natalie para aprender com seu pai, Pierre, sobre a situação atual do país. Após uma explicação eu comecei a entender mais á fundo do que se tratava a situação no momento, então comecei a ir uma vez por semana para a casa de Natalie aprender sobre o que acontecia no momento e sobre a política francesa, e Natalie sempre me acompanhava no caminho de volta para casa, então conversávamos e nos conhecíamos melhor a cada vez. Uma vez que me dirigia para a casa de Natalie, vi a mesma na rua, logo na esquina, então me dirigi até ela para perguntar o que estava acontecendo: -

Olá, Natalie, o que houve?

-

Nada demais, na verdade, estava fora de casa te procurando. Precisava te

falar que meu pai e minha mãe estão fora de casa em um encontro político, então queria saber se você pode me ajudar. Meu pai não gosta que eu fique sozinha em casa. -

Claro, posso te ajudar, mas há algo que você precise em específico?

-

Não exatamente, só preciso de alguém comigo para caso algo aconteça.

-

Certo, então podemos discutir e usar o tempo livre. Entramos na casa de Natalie, comemos a comida que ela gentilmente havia

preparado para comermos enquanto conversávamos sobre os recentes acontecimentos, que na época envolviam a tomada do governo por parte de Luís XVIII e o retorno da dinastia Bourbon. Após uma longa conversa, fui para casa pensando como havia me apaixonado por Natalie e o que devia fazer para agradecê-la, então não hesitei e antes de chegar em casa voltei para a casa dela e perguntei se ela queria ir á uma cafeteria próxima no dia seguinte para conversarmos mais. Ela logo aceitou. No dia seguinte, na cafeteria, conversamos sobre o mais recente acontecimento: a tentativa de retomada do poder por Napoleão logo após a entrada de Luís XVIII no poder. Decidimos começar a ir juntos em manifestações e discursos em praças públicas relacionados aos recentes assuntos políticos em meio à tamanha incerteza que nosso povo francês passava. Com o tempo fomos nos aproximando até que decidimos ir morar juntos e nos casar. Logo fomos morar no centro de Paris, onde nos encontramos hoje, ainda sim em meio a tantas dúvidas, tínhamos certeza de que estaríamos juntos quando precisássemos da ajuda um do outro, além de nos posicionarmos politicamente em conjunto, já que concordávamos em praticamente tudo com relação à política. Fizemos parte do grupo dos ultrarrealistas na época, apesar de não concordar inteiramente com o que era proposto, enquanto nosso filho, Oliver, nasceu em 1823, no meio do governo


de Luís XVIII, o criamos dentro do possível, comigo indo trabalhar todo dia de segunda a sexta. Quando percebemos, outra grande mudança estava acontecendo no país, com a entrada de Carlos X no poder, com inicialmente uma pressão absolutista e o poder da nobreza e do clero sendo restaurados e poucos anos depois outra oposição burguesa, com o intuito liberal que gerou a chamada “revolução de 30”, com cunho liberal que levou ao poder Luís Felipe de Orleans, conhecido como o Rei Burguês, encerrando assim o absolutismo na França. Com o novo governo liberal e nosso filho crescendo, nossa felicidade vivendo na França da década de 1830 somente aumentava, nos sentíamos mais confortáveis com o governo e o fortalecido liberalismo não somente político, como também econômico, além de como consequência do fim do absolutismo, favorecendo principalmente a burguesia neste período uma submissão dos poderes do rei àquilo que está imposto na constituição, diferente de antes, quando o rei “era” a constituição, definindo por conta própria as regras. Na época ainda houveram rebeliões e conflitos com a oposição que reivindicava a volta dos Bourbons, representando o período ainda instável e incerto que a França passava. Dentre estes opositores estava um dos futuros revolucionários de 1848, Napoleão III. Enfim, nem tudo eram flores: Luís descontentou em grande parte o povo francês quando tentou estabelecer relações com a Inglaterra e ainda recusando a coroa belga que foi oferecida a seu filho. Já em 1838, meu filho, Oliver, começou a se interessar pelos assuntos políticos, quando pediu para eu e Natalie conversarmos com ele sobre o assunto: -Vamos, filho. Faça-nos perguntas. -Vocês sempre se sentiram bem com o jeito que a França era? -Não, depois da queda de Napoleão do poder sentimo-nos inseguros e incertos em conjunto com a maioria do povo, sem saber o que poderia acontecer conosco, e principalmente nós dois, que nunca tínhamos vivido sem o poder de Napoleão que era visto como um pilar para nós. -Entendo, e o que exatamente vocês pensavam na época? -É difícil apontar o dedo em algo específico, mas buscamos seguir o que nossas famílias sempre nos passaram, além de aprender para podermos opinar. Eu pessoalmente aprendi muito com seu avô, nos reuníamos toda semana para ele me explicar e atualizar ao contexto político da França numa época complicada. Foi neste contexto que eu pude conhecer sua mãe melhor, já que ia em sua casa toda semana. -Interessante, então você me diz que meus avós pensam de forma parecida com vocês?


-Sim, na maioria dos casos concordamos tanto com meus pais quanto com os de sua mãe, especialmente quando precisamos nos posicionar contra as propostas absolutistas. -Me parece coerente, o absolutismo era realmente muito repressor? -Nós pouco pudemos saber já que vivemos por muito pouco tempo esse momento, pois que a França passa por diversas mudanças no poder político desde a grande Revolução de 1789, mas pelo que nos foi dito e sabemos, era muito repressor, com o poder absoluto nas mãos somente do rei e sem poder constitucional. -Parece ser muito complicado, mas acima de tudo, hoje passamos por esse período e vivemos uma nova história na França! Obrigado pela explicação, pai, mãe. -Não precisa agradecer. Sempre que quiser saber mais, procure por nós. Fiquei feliz de ver o crescimento intelectual de Oliver, significava muito para mim poder repassar aquilo que aprendi para meus sucessores, isto me mostrou que meu filho estava se desenvolvendo bem, com um interesse nos assuntos políticos demonstrados até mais cedo que os meus. Alguns anos depois, meu filho, que recentemente havia completado seus dezoito anos de idade, tomou uma decisão, então resolveu conversar sobre comigo e Natalie: -Pai, mãe, recentemente completei meus dezoito anos como vocês sabem, então tomei uma decisão. Obviamente, preciso da aprovação de vocês para seguir em frente, e sei que é algo complexo, mas ainda sim, gostaria muito da consideração de vocês dois. -O que foi filho? -Pretendo fazer uma viagem ao redor de toda a França. Quero expandir meus conhecimentos além de poder viver novas experiências, já que pela minha vida toda vivi somente em Paris, que apesar de ser a capital do país, é somente uma das várias cidades do nosso grande país. -É interessante, mas precisamos pensar, não sabemos o quão difícil pode ser para nós ficar sem nosso filho por bastante tempo… -Entendo, mas eu pretendo estipular um tempo limite para retornar, já que ainda quero estudar aqui em Paris, mas este tempo terá uma margem para erros, não sei ao certo pelo que passarei. Eu e Natalie ficamos inicialmente preocupados e incertos, em um dilema. Queríamos deixar nosso grande filho que já tinha dezoito anos prosseguir com seu desejo de poder explorar nosso país e viver experiências que nem eu nem meus pais haviam experienciado ou nos prender aos nossos próprios sentimentos e impedir nosso filho por insegurança e medo de deixá-lo, mesmo que temporariamente. Ficamos presos nesse dilema. Era óbvia a decisão correta, de deixar nosso filho seguir com suas intenções, mas estávamos hesitando em deixá-lo ir pelo forte sentimento de saudade e preocupação que sentiríramos. Passados dois meses, finalmente conseguimos tomar nossa decisão: -Filho, finalmente nos decidimos.


-Então?! O que vocês me dizem, depois de tanto tempo pensando sobre? -Foi uma decisão muito difícil para nós, mas permitiremos que você parta em sua viagem pelo país. -Obrigado! Vocês me deixaram extremamente contente! Estarei realizando um sonho e terei muitas histórias para contar á vocês e meus futuros sucessores! Devo voltar em três anos e meio, de acordo com meus cálculos. Tomarei cuidado, serei aberto a novas experiências e voltarei em um piscar de olhos! -Estamos felizes de ter optado por lhe deixar ir, filho. Sentiremos muitas saudades, mas tome muito cuidado! Não sabemos o que você irá encontrar em tantos locais diferentes, que apesar de todos falarmos a mesma língua e vivermos no mesmo país, possivelmente existem culturas e estilos de vida muito diferentes do que nos é conhecido. -Tenho noção disso, não poderei só me preocupar com as paisagens e com o que me é novo positivamente, preciso estar atento sempre. Irei aprender em vários aspectos de uma vez só, será incrível! Com a permissão para Oliver partir em sua viagem concedida, além de fazer os preparativos para sua partida, tínhamos que traçar uma rota de viagem, já que Oliver não tinha pensado nisso por não ter confirmação. Decidimos então que sua viagem começaria por Amiens, na direção de Lille, então ele “contornaria” o país, passando pelas cidades que ou faziam fronteira com outros países ou ficavam na costa litorânea do país, terminando sua viagem em Rouen, onde o mesmo voltaria para Paris, para reencontrarnos após os estimados três anos e meio. Oliver estava particularmente empolgado para conhecer a cidade de Marseille, uma das principais e cidades do país. Outra medida que sentimos necessária tomar era a de organizar uma “despedida” para Oliver, antes de sua partida, chamando os familiares além de seus amigos. Feito isto, marcamos um jantar de despedida para nosso filho na noite da véspera de sua partida. Vieram todos os avós, primos e tios que moravam na região e seus amigos e conhecidos que quis chamar. Vieram em torno de trinta pessoas, um número quase limite que nossa casa comporta. Então foi isso, Oliver partiu em sua jornada pela França com seus sentimentos e lembranças, além da incerteza e da esperança de encontrar ótimas experiências nos novos locais que visitaria. Passados quase cinco anos, Oliver volta para casa diferente, com uma barba enorme e uma expressão de exaustão e felicidade, mesma que sentimos ao reencontrar nosso filho. Oliver logo nos contou além de suas vivências, também sobre um movimento que estava acontecendo de industrialização e o possível crescimento de uma reivindicação por novas possíveis mudanças e posteriormente a introdução do novo conceito chamado “socialismo”, introduzido por Karl Marx que certamente influenciará muitas mudanças no século vinte.


De forma breve, esta é minha história, a história que Danton construiu junto com Natalie e Oliver na França que constantemente modificava no século XIX.


Oliver Cart Vitor Aizman Me chamo Oliver Cart e moro numa pequena cidade da França chamada Feucherolles, no ano de 1815 e nasci numa família de camponeses que trabalhavam diariamente numa fazenda, produzindo e colhendo diversos alimentos que seriam depois levados para as principais cidades do país. Como precisávamos de mais gente trabalhando para suprir a necessidade de produção imposta a nós tivemos de começar a trabalhar bem cedo, aos 14 anos já estava junto com meus pais e meu irmão mais velho no meio de plantações imensas, plantando e colhendo, só que durante um dia de trabalho em que estava muito cansado, pois não havia dormido muito bem na noite anterior devido a forte chuva que havia acontecido e as diversas gotas que caíam do nosso teto em cima de mim, me distraí um pouco e quando fui a mexer na mais nova máquina que havia chegado para agilizar a colheita e acelerar o processo acabei enfiando a mão no lugar errado e ela foi devorada pela maquinaria junto com parte do meu braço. Saí aos prantos do armazém gritando enquanto segurava o resto do braço que sangrava demasiadamente., todos que estavam naquele campo vieram ao meu encontro para me ajudar e fazer algo a respeito, minha mãe era a pior pois estava desesperada e não sabia o que fazer, então me levaram rapidamente ao médico mais perto que tínhamos ali naquela região e ele conseguiu fazer parar o sangramento, fazendo um curativo no braço e estabilizando a situação. Anos se passaram e aprendi a conviver com a falta de parte do braço, me adaptei as condições e fui levando a vida, mas o problema foi quando tivemos que sair de nossa casa no campo, onde trabalhávamos, para ir para a cidade pois a famosa “Revolução Industrial” tinha chegado à França e o campo estava sendo mecanizado, e o trabalho humano não estava mais sendo tão necessário e requisitado quanto antes. A nossa vida iria mudar bastante ao ir para a capital, já que o dia-a-dia ali era bem diferente, teríamos que arrumar trabalhos diferentes e uma nova casa para viver, mesmo que fosse uma das menores que poderiam existir e seria ali que viveríamos daqui pra frente, toda a família trabalhando em indústrias exceto eu que não poderia ser contratado por causa de minha deficiência e falta de eficiência no trabalho que era pedida e exigida dentro dessas indústrias gigantescas. Com meus 20 anos resolvi que não poderia mais ficar parado em casa, sem fazer nada e sendo visto como um filho inútil para meus pais então nesse dia saí de casa decidido, iria passar por todas as fábricas que eu encontrasse e oferecer trabalho, e eu já sabia que todos olhariam para mim com estranhamento mas eu teria a missão de provar a eles que minha mão de obra poderia ser a melhor de sua fábrica. Fui de fábrica em fábrica e todos me rejeitavam de primeira, foi então no final do dia e na última indústria que visitaria que consegui conversar com Jean, um dono que tinha recém


aberto sua fábrica e estava realmente precisando de gente para trabalhar, ele não tinha escolha e decidiu me contratar para trabalhar na área metalúrgica, me foi dito que eu começaria no dia seguinte e voltei para casa mais motivado do que nunca a provar meu valor à aquele simpático homem que se arriscou bastante ao me colocar para dentro de seu maior investimento. No dia seguinte acordei bem cedo, coloquei o uniforme que Jean havia me dado e fui ao meu primeiro dia de trabalho naquela pequena indústria de ferro , meus pais estavam impressionados e muito felizes por mim, pois eles achavam que eu nunca teria a oportunidade de trabalhar depois daquele terrível acidente no campo. Dessa vez eu estava confiante, ao chegar na fábrica, que ficava uns 30 minutos da minha casa, fui me apresentar a Jean, falar que tinha chegado e perguntar onde deveria começar meu trabalho, ele me levou até um setor e me apresentou a máquina em que iria mexer, e para minha surpresa e desespero ela se parecia bastante com aquela em que me machuquei, era uma das minhas perigosas do lugar, mas tive que aceitar já que não em uma posição onde poderia exigir alguma coisa, então com muito medo aprendi a mexer corretamente na máquina, e um sujeito que trabalhava no mesmo setor muito paciente e generoso chamado Marlon me ajudou e me ensinou algumas técnicas para evitar me machucar e agilizar o trabalho. Passava diariamente por volta de 15 horas dentro daquela fábrica e mesmo recebendo um salário bem baixo estava contente por poder estar trabalhando e desempenhando uma função dentro da sociedade em que vivíamos, com tempo peguei prática e peguei o jeito de como mexer naquelas máquinas, percebi também que o Sr. Jean se mostrava orgulhoso do trabalho que eu estava realizando lá dentro. Todo dia tinha oportunidade de conversar bastante com Marlon sobre diversos assuntos, e ele morava bem perto de mim então íamos juntos para casa e quando voltávamos do trabalho um dia ele citou um movimento que tinha recentemente chegado a França, o movimento Ludista, em que os trabalhadores que estavam insatisfeitos com suas condições de trabalho e seus salários baixíssimos se juntavam em sindicatos para discutir e organizar uma forma mais radical de protesto. Ele me explicou que o objetivo deles eram chamar atenção e mostrar sua força a partir da invasão de fábricas e destruição de várias máquinas e no final me convidou a se juntar a eles para ajudar numa futura ação deles em diversas fábricas por Paris, eu pensei um pouco e disse que por mais que não apoiasse esse tipo de protesto iria ajudá-los pois sabia das condições e exploração que sofriam, então agiria para assistir na garantia de melhorias e direitos para os vários trabalhadores revoltados. O ano era 1825 e no dia combinado com Marlon, me encontrei com ele e fomos até o ponto de encontro com os outros operários que participariam da ação, eu não tinha ideia que tinha tanta gente incomodado com essa causa. Eles já tinham montado nossa rota, atacaremos 3 fábricas e partimos em direção da primeira, todos pareciam bastante revoltados e ao chegar lá entraram com violência quebrando tudo e


destruindo máquinas, num primeiro momento me assustei com a quantidade de raiva que aquelas pessoas tinham dentro delas, mas de qualquer jeito tive de ajudar e comecei a derrubar e quebrar os vários equipamentos que estavam na fábrica e tudo isso se repetiu nas outras duas, eu acabei conseguindo escapar do grupo em que estava e voltei correndo para casa pois eles estavam passando o limite e não queria me envolver mais com aquilo. Quando voltei para casa já era noite, comi a comida que estava em cima da mesa me esperando e depois fui dormir, tentava dormir mas não conseguia aquelas cenas de destruição e selvageria me destruía por dentro, estava totalmente consumido por elas e decidi que faria algo a respeito pois aquela não poderia ser a única e melhor forma de resolver os problemas dentro de nossa sociedade, deveria haver outra maneira. Vários anos depois do acontecimento, em 1837, fiquei pensando nas fábricas que haviam sido destruídas e massacradas por um bando de operários, sentei no meu quarto e tive uma ideia, eu poderia criar um movimento, que em parceria com a Associação dos Operários já existente na França, que exigisse melhores condições, limitação da jornada de trabalho e outras medidas que tornassem esse ambiente de trabalho mais justo e menos explorador. Quando encontrei com Marlon ele disse que havia sido expulso por Jean, pois foi avistado destruindo a fábrica e ele tinha ficado furioso, resolvi compartilhar com Marlon minha mais nova ideia de criar uma forma de exigir nossos direitos como trabalhadores menos agressiva e que criasse uma espécie de regras dentro do ambiente de trabalho, ele acabou se mostrando bem interessado e quis fazer parte na mesma hora e pedi para que ele começasse a espalhar pela cidade e com seus amigos a respeito desse movimento que chamei de “Movimento Cartista”, em referência a meu sobrenome. Eu pensava que com organização e uma forma de atuação mais pacífica conseguiríamos resolver todos nossos problemas e solucionar diversas questões no mundo trabalhista, assim como garantir mais direitos aos operários que lutam tanto todos os dias. Para mim aquilo se mostrava a maneira correta e mais fácil de conseguirmos convencer outras pessoas e lutar por nossos direitos na sociedade francesa, e contei também com o apoio de Jean para colocar nosso movimento pra frente e espalhamos cartazes por toda a cidade convidando trabalhadores e operários a se juntar a nós e buscar mais justiça. Resolvi começar fazendo reuniões mensais para consultar os mais variados trabalhadores de diversas cidades dos país e com tempo fomos crescendo e nos tornando um grupo gigante de pessoas que queriam mais respeito e consideração da população, sempre buscando uma maneira calma e que as pessoas pudessem compreender nossa causa e nossos motivos. Nosso movimento estava sendo um sucesso por todo o país e cada vez mais pessoas aderiram a ele, construindo cada vez um grupo maior de pessoas espalhadas por várias cidades, mas que buscavam um mesmo objetivo. Nossa força aumentando cada vez mais nos garantiu um maior poder dentro do governo e começamos uma luta para conseguir algumas melhorias e direitos relacionados à política, como o estabelecimento do sufrágio


universal (nesta época, o voto era um direito dos homens, apenas), a extinção da exigência de ter propriedades para que se pudesse ser eleito para o parlamento e o fim do voto censitário. As conquistas só aumentavam e a vida dos trabalhadores franceses melhorava cada vez mais com agora vários direitos garantidos pelo Movimento Cartista criado por mim numa época onde nós éramos menosprezados e explorados. Minha família percebeu meu sucesso dentro da comunidade dos trabalhadores e ficou assustada pois não poderiam acreditar que aquele pequeno garoto do campo sem parte de um braço conseguiu liderar um grupo imenso de trabalhadores revoltados até uma causa que se tornou tão grande dentro da França que fiquei sabendo que ela tinha se expandido para outros países da Europa, como na Alemanha, Itália e até na Rússia. Eu conversava bastante com meu antigo chefe, Jean, ele sempre me ajudava e dava dicas de como lidar com situações políticas e discussões dentro dos sindicatos. Dali pra frente eu trabalharia dentro de sindicatos, organizando e praticando atos junto com outros trabalhadores que buscavam uma mudança e uma nova visão a respeito do nosso trabalho pesado, todo dia eu visitava uma fábrica diferente, fazia uma inspeção e olhava se tudo funcionava corretamente e dentro das nossa regras estabelecidas, passava o dia dentro de cada indústria verificando e assegurando que nossos direitos estavam sendo garantidos, e toda vez que ia sentia que estava fazendo a coisa certa para aquela comunidade de trabalhadores que lutavam diariamente para receber seu humilde salário todo mês. Todos já me conheciam, e sabiam por que eu estava lá, se sentiam seguros apenas por saber que havia alguém ali lutando junto com eles por algo que desde o começo lhes devia ser proporcionado, os direitos básicos de qualquer ser humano, qualquer trabalhador dentro da França. Mas eu sabia que aquela nossa felicidade não duraria para sempre, não teríamos todo aquele poder na política por um longo período de tempo, então decidi convocar uma reunião com todos os membros dos conselhos e sindicatos que existiam na França para anunciar uma novidade e iria precisar da ajuda de todos, eu estava querendo entrar para a política, assumir uma posição de respeito dentro do país, talvez até governá-lo. Todos foram a loucura dentro daquele salão, começaram a gritar meu nome e sabia que já tinha o apoio de todos eles, depois de tanto tempo convivendo com todos esses operários e trabalhadores eu tinha noção da reputação que eu havia criado, do reconhecimento e respeito que eu tinha dentro daquela comunidade de pessoas com muita garra. Eu teria muito trabalho ao me arriscar desse jeito e tentar ocupar um cargo tão alto e que nunca tinha sido ocupado por nenhum operário, a burguesia dominava mas não deixaríamos assim, queríamos pôr um fim na exclusividade política deles. Comecei a pesquisar bastante e estudar a respeito de tudo que envolvia o governo francês, me tornaria um especialista no assunto para que quando chegasse a hora eu soubesse o que fazer e não desapontasse aqueles que me apoiaram tanto. Foi então no dia 7 de abril de 1830 que começamos a agir por toda a França e minha tentativa de governar o país através de uma revolução pois isso não seria feito da


maneira convencional, tínhamos um “exército” de trabalhadores furiosos lhes esperando. Essa fala causou algum medo na população e consegui chegar onde queria, com apoio de meus amigos e companheiros lutei para chegar a governança do país, invadimos o Parlamento destruímos o jardim, tivemos que matar alguns guardas e após realizarmos uma série de levantes contra Carlos X, que culminaram com a sua abdicação e conseguimos combater a Guarda Real até chegar ao seu quarto para podermos espancá-lo até que sua vida chegasse ao fim. Com sua morte a França teria um novo governante, que representava os trabalhadores e todas as classes mais baixas que eram desvalorizadas, seu nome era Oliver Cart e ele faria da França um país mais justo e com menos desigualdades. Após o meu discurso que realizei da varanda do Palácio, Marlon veio falar comigo e recebi a notícia de que a burguesia estava furiosa e indignada com a atual situação, mas eu achava que aquilo não era nada perto de mim e meus seguidores, estava totalmente desiludido e consumido pelo poder que tinha me sido garantido, nada poderia chegar perto de mim. O problema apareceu quando ficamos sabendo que a burguesia já havia se reunido diversas vezes e planejava um ataque contra mim e meu governo, mandei que minhas tropas se preparassem e se equipassem com as melhores armas do país pois aquela noite seria agitada. Mas o que não esperava era que aquela parcela da população fosse tão inteligente, quando a noite chegou em meu palácio tropas imensas compostas por membros da burguesia nos atacaram por trás e massacram as tropas que me protegiam, meu exército não havia se preparado o bastante mas tive que mandá-los atacar, eles também foram destruídos e quando chegaram a mim tentei lutar, mas não possível, não tive chance alguma, aqueles burgueses vieram sem pena para cima de mim, corri para a varanda de meu quarto e eles vieram atrás com suas espadas na mão e enfiaram em meu peito. A morte foi lenta e dolorosa, sentia cada parte do corpo se destruindo e podia ouvir o desespero dos companheiros, eles estavam desolados e seriam totalmente exterminados pelas tropas burguesas, esse seria meu fim e eu havia falhado com eles, com todos eles.


Um Dia em Brighton Valentina Harif

Mais um dia começa em Brighton. Abro os meus olhos vagarosamente. Olho para a janela, ainda está escuro. Fecho os meus olhos. E então, vem aquele cheiro. Cheiro de cidade, de poluição, de sujeira. Faço uma cara feia, e tomo coragem para levantar. Me ocupar com outras coisas tira a atenção daquele cheiro horrível. Acordo Charlie, e a primeira coisa que ele faz é a mesma cara. Ainda não nos acostumamos com o fato de estarmos morando na cidade. Acho que também ainda não nos acostumamos com o fato de estarmos casados. Charlie tem uma aparência quase angelical. Por mais que seja alto, e muito desajeitado, seus olhos azuis, cabelo loiro e suas sardas não enganam ninguém. Pena que a sujeira em sua face e roupas escondem grande parte de sua beleza. Não temos água limpa, muito menos vestes de qualidade. Por mais que eu não ligue para isso, ele parece se decepcionar. Charlie e eu nos conhecemos desde crianças. Nossos pais trabalhavam juntos criando e vendendo cavalos. Às vezes, eles nos levavam para o trabalho e assim passávamos tempo juntos. Aos meus dez anos, Charles prometeu que um dia se casaria comigo e me daria uma vida cheia de riquezas. Há um tempo, um grupo de vândalos invadiram a fazenda onde nossos pais trabalhavam, roubaram todos os cavalos, e mataram os dois. Assim, resolvemos sair do campo e iniciar uma vida nova na cidade, que está cada vez maior e mais lotada. Depois de Charlie se levantar, ele acorda os gêmeos. Enquanto isso, preparo o café da manhã: um pão para os meninos dividirem, um ovo para meu marido. Thomas e


Oliver são iguais ao pai. Os dois têm olhos azuis e sardas, porém cabelos marrons que vieram de mim. Enquanto Thomas é curioso, desobediente e audacioso, Oliver é disciplinado, cauteloso e reservado. Enquanto comemos, meu marido lê sobre as recentes guerras de independência que aconteceram na América do Sul. Não é muito aceito que uma mulher leia, mas à noite, quando não consigo dormir, leio livros como esse. O fato de que as colônias se revolucionaram contra a Espanha é inspirador, principalmente em tempos como esses, onde somos explorados pelos ricos, que lucram enquanto nós empobrecemos. Tenho um grande sonho de morar em algum daqueles países, que me inspiram a lutar por minha liberdade. Desde que saímos do campo, sinto que sou uma escrava da burguesia. Todos nós nos vestimos e fomos para a porta. Seguimos todos juntos até a avenida Carlyle, onde eu e as crianças nos separamos de Charles. Enquanto ele segue para a fábrica de tecidos perto da marina de Brighton, eu e os gêmeos vamos para a perto do cemitério. Charlie trabalha para uma grande indústria, e eu vou para uma pequena mais perto de nossa casa. Ele tem estado muito preocupado em manter seu emprego, afinal, as pessoas preferem contratar mulheres e crianças por ser mais barato. Ele diz que é mais seguro para mim trabalhar em uma fábrica menor, onde tem menos riscos de algo acontecer comigo ou com nossos filhos. Afinal, uma mulher jovem com duas crianças de quatro anos é um alvo fácil. Ao chegar nos portões da fábrica, o mesmo senhor que guarda a porta pergunta meu nome. ̶ Amélia Luddington. ̶ respondo. ̶ E esses são meus filhos, Thomas e Oliver Luddington, senhor Wood. A gente vem aqui todo dia. Wood nos deixa entrar e o barulho das máquinas vai aumentando à medida que vamos chegando mais perto. Se essa é a menor fábrica desse bairro, não consigo imaginar como é a maior. Sento no mesmo lugar de sempre. Meu trabalho é costurar botões às blusas produzidas no dia anterior. Não sei para quem vão essas blusas e quem as vende. Só faço o meu trabalho. Enquanto isso, os meninos ficam ao meu lado ajudando, porém, às vezes deixo-os passarem o dia brincando escondidos. ̶ Oliver, sente-se ao meu lado. Vou costurando as blusas, e te dando para você dobrálas, está combinado? ̶ Sim, mamãe. ̶ Disse ele, com a voz abafada pelo barulho. Enquanto isso, Thomas brinca com um boneco de pano que lhe dei de aniversário. O dia passou rapidamente, e logo já parecia que era noite. Não que eu tenha certeza disso, já que aqui não tem janelas. Hoje, o almoço durou menos tempo, e os patrões foram menos tolerantes à idas ao banheiro, sendo que não pude levantar de minha cadeira nenhuma vez. Todos nós trabalhamos tanto, para ganharmos uma quantia que não está nem perto de suficiente. Quando as luzes se apagam, é o sinal de que podemos ir para casa. Como fica escuro demais, e uma grande multidão empurra a todos no sentido da porta, combinei


com os gêmeos que sempre que nos separarmos, devemos nos encontrar do lado do portão onde o senhor Wood normalmente senta. Fui andando segurando a mão de Oliver. Ao chegar do lado de fora, onde era mais claro, não vi Thomas. Paro por um segundo. Respiro. Seguro Oliver com mais força, e vou andando até o lugar combinado. Esperei. Esperei por cinco minutos... quinze... meia hora. Sem falar absolutamente nada, ando até o interior da fábrica desesperada. ̶ Thomas! Thomas! ̶ grito. Nada. Ele não estava lá. Não sei o que fazer. Decido ir para casa, pedir ajuda à Charlie. Como ele reagiria? Eu não sei. Seguro Oliver no colo e corro até em casa. Não sei como aguentei um garoto de quatro anos em meu colo durante todo o caminho, acredito que seja a urgência de chegar logo a meu destino. Charles espera do lado de fora de casa, com as mãos no rosto andando de um lado para o outro, preocupado. Ao me ver, ele vem correndo. ̶ Amélia, o que você estava pensando? Você nunca se atrasa! ̶ gritou Charlie. E então, ele para, percebe a preocupação em meu rosto e olha para baixo na esperança de ver Thomas segurando minha mão livre, que não carregava Oliver. ̶ Me conte o que aconteceu. Entramos em casa. Coloquei Oliver, que parecia chocado em ver a mãe em desespero pela primeira vez, na cama. Ele permaneceu sentado, sem se mover. Sentei em uma cadeira na cozinha, com lágrimas em meus olhos. Charlie me esperava lá, segurando um copo d´água na mão. Como não havia explicado o que tinha acontecido, ele provavelmente pensava que nosso filho estava morto. ̶ Tínhamos acabado o turno. As luzes se apagaram e fomos para o lado de fora, e ele não estava lá. Esperei por um tempo, e ao perceber que ele não apareceria, fui procurá-lo ̶ Disse, com a voz trêmula. ̶ Ele não estava em lugar algum. ̶ Vou passar a noite o procurando se for preciso. Não me espere acordada. ̶ Disse ele, claramente irritado. Charles é o tipo de pessoa que precisa achar alguém para culpar. Nessa situação, esse alguém sou eu. Já tivemos várias brigas, e posso prever o que irá acontecer. Ele voltará para casa, com nosso filho. E então, me acusará de irresponsável, entre outras coisas. E então dirá que foi um erro vir para a cidade. Provavelmente passará o resto do dia sem falar comigo e depois tudo voltará ao normal. Se levar uma bronca de meu marido for a consequência para ter meu filho de volta, estou disposta a passar até um ano sem falar com ele. Rezo para que quando acordar no dia seguinte os dois já estejam em casa. Me deito na cama, e choro até dormir. Acordo com um brusco barulho de uma porta batendo. Corro até a cozinha, de onde Charlie entrava. Ele olha para mim, e quebra um copo jogando-o ao chão. Charles nunca me machucaria, mas sempre foi muito agressivo. ̶ Não o achei. ̶ Disse ele, seriamente ̶ Me disseram que essa época do ano é comum roubarem crianças para trabalharem como escravas em Portslade. Era longe e estava escuro demais para ir agora. Irei quando amanhecer, e você ficará aqui com Oliver.


̶ De jeito nenhum. Faço questão de ir procurar Thomas. ̶ Você já fez o suficiente, Amélia. ̶ Surpreendentemente, Charlie parecia muito mais calmo. Pela primeira vez durante uma situação como essa, ele não gritou comigo. ̶ Charlie, eu vou. Deixaremos Oliver passando o dia com aquela senhora que trabalha na padaria. Ela é de confiança. Enquanto isso, eu e você vamos para Portslade. Ele assentiu. E foi isso que aconteceu. Logo ao deixar Oliver na padaria, fomos andando até o nosso destino. Durante todas as três horas de caminhada, não falamos nada. O bairro onde estávamos era muito mais escuro e sujo. Não que os outros bairros fossem limpos, porque na verdade, era puro caos. Porém esse era diferente. Ratos corriam pelas ruas, que eram completamente vazias. Lojas fechadas, pessoas dormindo no chão. ̶ Aposto que estão aqui a procura de seu filho. Ou filha. ̶ Disse um velho, rindo, sentado na calçada oposta a que estávamos. ̶ Como você sabe? ̶ perguntei, enquanto Charlie fazia um olhar de “não fale com estranhos, principalmente estranhos que estão no bairro mais estranho de Brighton” ̶ Isso já se tornou normal para mim. Todo dia passa alguém procurando um filho roubado. Posso contar mais, mas apenas com algo em troca. Charles e eu nos olhamos. Fui logo tirando as poucas moedas dos bolsos de meu vestido esfarrapado. Enquanto atravessava a rua, meu marido sussurrava para eu voltar. Entreguei o dinheiro para o senhor. ̶ No final dessa rua tem uma fábrica. A única fábrica que pode-se ver fumaça saindo pelas chaminés. É para lá que vejo as crianças serem levadas tarde da noite. Os donos do lugar saem normalmente de tarde e voltam à noite com mais crianças. É o momento perfeito para vocês dois entrarem. Saímos correndo em direção ao final da rua, onde dava para ver a fumaça. Ao chegar mais perto, começamos a escutar gritos das crianças de dentro do local. Combinamos que, quando os donos da fábrica saíssem para sequestrar outras crianças, nós entraríamos e buscaríamos Thomas. Esperamos bastante tempo, até vermos cinco homens saindo da fábrica. Andamos discretamente até a porta, abrindo-a vagarosamente. De longe, pude avistar Thomas sentado costurando de forma desajeitada uma blusa. Havia apenas um homem, gritando e batendo nas crianças que o desobedeciam. Estabelecemos um plano: eu distrairia o homem, enquanto Charlie daria um jeito de pegar nosso filho. ̶ Olá senhor! Será que você pode vir aqui? Acabo de ver um garoto correndo para a rua, por acaso ele pertence à você? ̶ Gritei. Thomas se levantou, me reconhecendo. O homem veio até a porta onde apontei para o “garoto” que havia visto. Ele começou a perder a paciência. Com o canto do olho, vi Charles pegar um pedaço de metal caído no chão, em seguida, nocauteando o homem. Depois de garantir que ele ficaria deitado no chão por um tempo, abrimos todas as portas, libertando as crianças para saírem daquele lugar, e fomos correndo até Thomas. Nós dois o abraçamos, e assim, pudemos voltar para casa com um sorriso no rosto e nosso filho no colo. A partir de hoje, ao trabalhar na fábrica, garantirei que meus


filhos estão sempre ao meu lado. São tempos onde não se pode confiar em ninguém, onde todos estão desesperados para sair da miséria, fazendo o que for preciso para terem uma vida e condições melhores. Um tempo depois do acontecido, Charlie, ao terminar seu livro sobre as guerras de independência, se inspirou como eu e se juntou a um sindicato. Queremos lutar para que nossos filhos não vivam assim para sempre, e para que nenhum dos dois passe pelo que Thomas passou. Espero que um dia tudo mude, e que a vida que Charles me prometeu se torne realidade. Por enquanto, me contento com a felicidade de ter meus filhos e meu marido ao meu lado, porque depois do acontecido, eles são tudo com que me importo.


Peter Simpson Felipe Mandelblat Bom, vou começar contando a minha fabulosa história a vocês. Meu nome é Peter Simpson e eu nasci na Inglaterra no século XVIII , mais precisamente no ano de 1779, durante a Revolução Industrial. Eu trabalhava no campo, plantando e colhendo tudo o que eu consumia. Ou seja , para a minha subsistência. Nós vivíamos no interior de Londres. Eram seis pessoas, eu , minha mulher , e meus quatro filhos. Dois gêmeos com quinze anos , um com doze , e outro , menorzinho com oito anos. Minha mulher se chamava Mary. Apesar de parecer um número alto de filhos , naquela época e ainda no campo, era considerado um número até baixo. Em comparação com os nossos vizinhos , um tinha oito e outro tinha seis. Esse número altíssimo de filhos se dava pelo fato de nós precisarmos de muita mão de obra e das condições insalubres de vida que tínhamos no campo. A revolução industrial teve grande influência em nossas vidas. Essa revolução foi um processo que levou à substituição das ferramentas pelas máquinas, da energia humana pela energia motriz e do modo de produção doméstico pelo sistema fabril. Então, por causa de todas essas mudanças na Inglaterra, eu e minha família tivemos que nos mudar do conforto do nosso campo para a cidade, trabalhar nas indústrias. No início foi um pouco difícil, mas, depois acredito que nós nos adaptamos bem a esse novo estilo de vida. Um dos pontos positivos foi o fato de que não fomos os únicos a fazer essa migração. Duas famílias vizinhas a nós, também foram morar na cidade, e a melhor parte é que eles continuaram sendo nossos vizinhos. Eu, John e Lerry fomos trabalhar na mesma fábrica. A vida na cidade era um pouco diferente. Primeiramente, claro, a situação de que o número de pessoas era muito maior. Acredito que o dobro. Uma coisa que me chamou atenção é que as pessoas se importavam muito com o tempo, o que elas tinham que fazer, naquela hora, em grande quantidade, enquanto no campo cada um fazia o que queria na hora que queria , sem correria e também tinha muito mais tempo de lazer para conversar com as pessoas, ou jogar um carteado. Vou contar para vocês como foi o meu primeiro dia na fábrica, junto com os meus amigos. Chegamos e fomos direto conversar com o nosso patrão. Doutor Gary. -

Bom dia doutor, como vai o senhor? E ele respondeu :

- Tudo bem, e com vocês? Prontos para trabalhar muito? Aqui queremos agilidade e quantidade , pois agora temos as incríveis máquinas! -

Tudo tranquilo também, esperamos um grande dia, pode deixar senhor!

Então fomos direcionados as nossas máquinas e começamos a trabalhar. Depois de algumas horas percebi , que havia produzida uma quantidade imensa e que por isso já estava exausto. Na última hora de trabalho, eu, um pouco cansado , me distraí, e acabei


ferindo um dos meus dedos. Graças a D’us não foi nada grave, apenas coloquei um curativo e continuei a produção. Entretanto, esse episódio me deixou em alerta para as péssimas condições de trabalho em que nós estávamos expostos. A grande carga horária e as perigosas máquinas me deixavam muito preocupado. No fim do dia voltei para casa muito cansado. A minha ideia inicial era acabar o dia na fábrica e ir para um bar beber e jogar conversa fora com os meus amigos, mas como estava exausto fui direto dormir. Quando cheguei em casa, lá para as 19 horas, fui jantar , quando cheguei minha mulher já tinha feito tudo, arrumado tudo na casa , levado e buscado as crianças na escola e deixado o jantar pronto. Então jantei e fui dormir. No dia seguinte, acordei tomei o meu café, dei um abraço em cada um e fui andando até a fábrica. No caminho fui cumprimentando todos que eu conhecia. Quando cheguei na fábrica, fui direcionado a minha fábrica novamente e comecei tudo de novo, produzia , produzia e produzia até dar a hora de ir pra casa , sem interrupções. Quando acabou o nosso expediente eu e meus dois amigos fomos jogar aquela conversa fora que estava atrasada do dia anterior. Chegamos no PUB e: -

Boa noite, queremos cervejas bem geladas. E o garçom respondeu:

-

Ok. Trago em um instante.

Então começamos a conversar e fui logo perguntando o que eles estavam achando da vida na cidade. Foi unânime, todos preferiam a vida no campo mas tinham fé de que a vida na cidade iria melhorar. As cervejas chegaram, nós tomamos e caminhamos pra as nossas casas. No dia seguinte, na semana seguinte, no mês seguinte, tudo a mesma coisa, sempre a mesma rotina cansativa. Os anos foram se passando e a vida na cidade piorava , estava claro que a cidade não estava preparada para receber aquele número enorme de gente. Com isso vários problemas sociais foram atingindo as camadas mais pobres e claro a nossa família também. No campo nós tínhamos uma vida acomodada, já na cidade , em determinado momento nós não tínhamos nem comida para colocar na mesa. Uma saída que achamos foi o refúgio da Igreja Evangélica. O padre nos dizia o que tínhamos que fazer, como agir. Ele moralizava os nossos costumes. Adora ouvir o que ele tinha a dizer, de que “tudo vai passar , acreditem em mim, tudo vai ser como antes “. Uma ocorrência que mudou, foi que a minha mulher e meu filho mais velho foram também trabalhar nas fábricas, para ganhar uma renda extra para a nossa família. Os dois eram uma mão de obra barata na época mas necessária para a nossa sobrevivência. Ainda assim, a nossa família era uma exceção, pois o comum ainda era a mulher em casa, os filhos na escola e o homem trabalhando fora do domicílio. Os nossos filhos iam para as Escolas Dominicais. Lá eles aprendiam a ler a Bíblia, aprendiam sobre Jesus. Eles voltavam outra pessoa depois da escola. Definitivamente a igreja foi a nossa salvação.


Em paralelo, a todas essas mudanças que estavam acontecendo na Inglaterra, a Europa e o mundo estavam se modificando. Eu, tinha um parente que morava na França que me contava sempre que podia , como andavam as coisas, pós revolução Francesa. A última carta dele, me contava que Napoleão Bonaparte tinha dado um golpe de estado e assumido o poder do país. Esse dia ficou conhecido como 18 de Brumário. Ele me disse que tinha viés de uma ditadura militar. Com muita repressão e diversos desaparecimentos. Durante o governo de Napoleão houve a criação do consulado , Banco da França, código civil Napoleônico e a criação das primeiras escolas públicas da história, os Liceus. Com o intuito de difundir as ideias revolucionárias e de patriotismo. Depois de um tempo, o mesmo primo me enviou uma nova carta me contando como foi o resto do governo de napoleão: “Primo , o governo durou de 1799 até 1815, ele instaurou várias reformas e posso lhe dizer que o governo dele foi dividido em três partes: Primeira fase do consulado , segunda do império e a terceira o governo dos 100 dias’’. Nessa carta , Jean me contou que a Igreja católica e evangélica haviam perdido muita força depois da Revolução Francesa e durante a Era Napoleônica, pois naquele momento as ideias iluministas , de racionalidade , pensamento lógico , com o homem no centro do mundo (antropocentrismo) estavam impregnadas na sociedade francesa. Isso me deixou extremamente chateado pois eu amava as igrejas e acreditava em deus com todas as minhas forças. Um dos acontecimentos mais importantes durante o período napoleônico, foi o decreto do Bloqueio Continental imposto pela França, onde os país europeus não poderia negociar com a Inglaterra, o que influenciou diretamente na história do Brasil , com a vida da família Real portuguesa em 1808. No ano de 1814, após as tropas de Napoleão serem derrotadas, começou a se instaurar o congresso de Viena na Europa. O intuito era de resolver questões de fronteira e determinar a legitimidade dos governos que assumiram cada um dos Estados Nacionais. Então representantes de países como Rússia, Prússia, Inglaterra, Áustria e a França se reuniram em Viena, capital da Áustria. No ano seguinte, já mais adaptado a vida na cidade , claro pela ajuda da Igreja, recebi , a terceira carta em nove meses do meu primo Jean. Estou dizendo isso porque era uma raridade, para efeito de comparação, em vinte anos ele havia mandado as mesmas três cartas. A carta contava como estava a vida dele pós Era Napoleônica e com o Congresso de Viena e o que ele desejava pro futuro. No mesmo documento, Jean me perguntou o que achei sobre as inúmeras revoltas e independências que estavam acontecendo na América. Respondi para ele assim : “Meu caro primo, eu penso que todos tem o direito de ser livre e por isso que quanto mais países forem independentes melhor. A minha cabeça era diferente da do


meu primo e de vários ingleses que eu conhecia. Eles pensavam que a Europa deveria continuar exercendo o seu poder sobre os países americanos’’. Para saber melhor sobre o assunto, procurei falar com o meu tio, um senhor de idade que tinha ido morar no chile , onde conheceu sua atual esposa. Por causa da minha curiosidade resolvi mandar uma carta para ele , assim : -

Marco, tudo bem? Como vai o senhor? Eu sei que não nos falamos a muito

tempo, mas queria me reaproximar de você e saber como anda a vida por aí. Pelos relatos que chegam a maioria dos países da América Espanhola, estão conseguindo as suas independências, inclusive o Chile, o que deve ser uma maravilha para o senhor. Saiba que eu apoio totalmente vocês e espero que todos os países consigam as suas emancipações. Um grande beijo, Peter Simpson. Portanto, entreguei essa carta a um amigo que estava indo para o Brasil naquele dia. O navio faria uma parada em Santiago. Meses se passaram até que inesperadamente, em um domingo normal, chega uma carta para mim, com nome de Marco. Fiquei abismado por causa do tempo que havia levado. Apenas cinco meses. Abri a carta correndo e lá estava, a resposta. A carta dizia que meu tio estava bem, que também estava com saudade e que por isso planejava visitar a Inglaterra quando pudesse. Marco disse que vários países realmente estavam se tornando independentes. Muitas das revoltas foram inspiradas na independência das 13 colônias e consequentemente na Revolução Francesa. As pessoas queriam o fim do pacto colonial. Muitas revoltas no início tiveram a ajuda da Santa Aliança. Outro ponto que meu tio havia comentado que o Brasil, era um dos poucos países que ainda não tinha conseguido a sua liberdade. O país caminhava para aquilo, com a vinda da Família Real, a mudança da capital para o Rio de Janeiro, a criação da escola de Belas Artes, Banco do Brasil e o Jardim Botânico, porém Portugal ainda mandava no Brasil. Depois de ler aquilo fiquei muito feliz, com ressalva ao caso do Brasil e resolvi comunicar a minha esposa e meus filhos. Todos ficaram muito contentes pois a liberdade reina na minha casa. O único fato que não me deixou contente foi que no final ele comunicou que a nova esposa dele havia falecido. Por causa disso fizemos um minuto de silêncio em homenagem à ela. Para continuar contando minha historia, tenho que fazer uma ressalva. Agora estamos no ano de 1820. Eu sei que alguns anos se passaram mas achei melhor passar e contar um pouco sobre esse ano. Nossa vida era um pouco diferente, agora morávamos em uma casa maior, estávamos com mais dinheiro, Meu filho mais velho já tinha um filho, ou seja , eu era avó. Entretanto a dinâmica da família era praticamente a mesma.


A história começa em um belo dia, uma segunda – feira, dia normal de trabalho. Estava chuvoso, como a clássica Londres. Fomos todos trabalhar para a fábrica de seu Gary. Eu, Mary e meus dois filhos mais velhos. Quando chegamos lá tudo estava normal, cada um foi direcionado para a sua máquina. Até que, no meio do nada, minha mulher da um grande grito: -

AHHHH, estou sentindo muita dor no coração, acho que vou desmaiar! Fui

correndo na direção dela e disse: -

Meu amor, segura aí vamos te levar para o hospital.

Portanto, todos se comoveram e me ajudaram a carregar ela até o hospital. Tivemos sorte pois o hospital era no outro lado da rua. Quando chegamos lá o médico pediu um exame. Depois de um tempo, ele chegou em mim e disse: -

Desculpa lhe informar, mas a sua mulher não desmaiou, ela faleceu, Mary

teve um ataque fulminante, não tive o que fazer. Fiquei sem palavras, apenas levei meus filhos para casa. No dia seguinte, era dia do meu aniversário, mas não tínhamos o que comemorar pois naquele momento seria o enterro da minha amada esposa. Prefiro passar essa parte, muito triste para se contar. Após esse enterro declarei a todos que eu tinha tomado uma decisão. “Vou me mudar para Santiago. Quero o conforto do meu Tio Marco’’. A minha vida nas Américas fica para a próxima, espero que tenham gostado.


Para um novo jornalista mostrar sua cara, um velho deve permitir que isso aconteça. Andre Zajdenweber

André, é um cidadão francês de 60 anos, nascido no sul do país. É jornalista desde os 20 anos. É casado como uma mulher italiana chamada Francesca, e tem 2 filhos, Bernardo de 13 anos e Leonardo de 18 anos. Mora em uma linda casa em Paris desde o nascimento do primeiro filho. Ele sonha que Leonardo siga seus passos, e que vire jornalista. Conheceu sua atual noiva em uma viagem a Itália a trabalho. Essa seria a vida de um simples jornalista do século em que estamos (XIX)[1] , mas uma única foto, mudou a o percurso da minha vida. Deixei de ser "um jornalista"e virei "o jornalista". É impressionante como essa caixinha de surpresa que chamamos de vida, pode nos proporcionar viradas de mesa do dia para a noite. Sempre sonhei em ser um grande jornalista, mas nunca acreditei que poderia ser uma referência continental dentro dessa área. Claro que muitos fatores me beneficiaram para conseguir me tornar o que sou. Morar na França em uma época em que o país é o centro das atenções europeias e até mundiais, por vários acontecimentos que vinham acontecendo, era mais fácil conseguir uma matéria de impacto. Mas para entender como eu virei um jornalista famoso, temos que voltar lá para o ano de 1790. Em Toulouse, cidade do sul da França, lá estava eu nascendo. Minha mãe, que se chamava Gabriela, tinha o desafio de cuidar de 3 filhos sozinha. Ela


havia se separado com o pai das minhas 2 irmãs e o meu pai que nem cheguei a conhecer, não quis assumir o desafio de cuidar de mim. Morávamos em um campo muito bonito, porém em uma casa muito pequena. Era afastada de tudo. Minha mãe não tinha dinheiro, e tinha que sustentar 3 filhos sozinha. Lembro que a gente nunca comprava comida, porque sempre plantávamos todos os alimentos no campo em que morávamos. Por conta de ser longe de tudo, eu e minhas irmãs sempre demorávamos cerca de 1 hora e meia pra chegar na escola que a gente estudava. Me lembro que eu e minhas irmãs tinhamos uma brincadeira que a gente fazia no caminho da escola, em que eu ficava fazendo perguntas e elas tinham que responder em 5 segundos. Quando minha mãe ficou sabendo disso, a primeira coisa que ela fez, foi juntar parte de suas economias e comprar uma câmera pra mim. Perguntei para ela o porque daquele presente, e me respondeu que ela me via como um grande jornalista. Eu sem entender muito nem o que era ser um jornalista, apenas aceitei a câmera e passei a tirar fotos durante o caminho para a escola. Quem diria que aquela câmera que eu usei para tirar a minha primeira foto, seria a mesma câmera que viria a mudar a minha vida quase 12 anos depois. De fato, para mim, minha carreira de jornalista começava aos 10 anos com as fotos tiradas no caminho da minha escola. Aos 15 anos, sai de casa rumo a Paris, em busca de um jornal que aceitasse meus serviços de jornalista. Porém com o pós Revolucão Francesa e período Napoleônico acontecendo, o número de jornalistas no país era surreal. Com isso, passei 7 anos morando na casa de um amigo, tentando de todas as formas conseguir um emprego de jornalista mas sem sucesso. Com o fim do período Napoleônico, no ano de 1814, começaram os boatos no país, de que iria acontecer uma grande reunião em Viena, na Áustria, com grandes representantes de vários países poderosos. Então, resolvi arranjar um emprego qualquer para juntar dinheiro para viajar para Viena. Consegui um emprego de assistente de padeiro, que apesar de ser pouco dinheiro, foi o suficiente para viajar. Então lá estava eu, um garoto de 24 anos, que nunca tinha conseguido realizar o sonho de ser jornalista, com uma câmera velha e bem desgastada, rumo a Áustria, em busca da mesma coisa de outros milhares de jornalistas muito mais experientes e com muito mais auxílio. Cheguei em Viena, e a cidade estava uma loucura. Lotada de pessoas, cameras, jornalistas, os restaurantes lotados. Então chegou o grande dia da reunião em Viena. Estava perdido no meio de todo aquele caos que estava a cidade. Quando começaram a chegar alguns poderosos representantes, fiquei encurralado, então decepcionado, desisti da missão e fui para o outro lado da casa em que iria acontecer, mas que era longe da entrada principal que estava lotada de jornalistas tentando entrar para conseguir fazer uma matéria. Onde eu estava, não tinha mais ninguém. Depois de 1 hora esperando, um homem qualquer apareceu e me perguntou se eu era jornalista. Após eu responder que sim, ele apenas me levou para dentro e em 5 minutos, lá estava eu, sozinho de frente para todos aqueles poderosos homens. Questionei o do porque eu estar sendo levado. Então descobri que


queriam apenas 1 jornalista cobrindo a reunião, e na entrada principal tinham muitos, enquanto na entrada secundária onde eu estava, só tinha eu. Após dar a maior sorte da minha vida, comecei a escrever, cada palavra que se dizia naquela reunião e tirei várias fotos com aquela mesma câmera que a minha mãe me deu. Após a reunião, todos estavam decepcionados achando que ninguém tinha conseguido descobrir do que se tratava aquilo tudo. Foi então que eu soltei uma matéria explicando o que era, com várias fotos tiradas por mim. Se tratava do Congresso de Viena. O Congresso de Viena foi uma conferência entre embaixadores das grandes potências europeias que aconteceu entre os anos de 1814 e 1815. O objetivo era a de refazer o mapa político da europa após a derrota da França napoleônica na primavera anterior. Este congresso pretendia também restaurar os tronos das famílias reais derrotadas pelas tropas de Napoleão. Os termos de paz foram estabelecidos com a assinatura do Tratado de Paris ,em que se estabeleciam as indenizações a pagar pela França aos países vencedores. O congresso foi presidido pelo estadista austríaco Príncipe Klemens Wenzel von Metternich, contando ainda com a presença do seu Ministro de Negócios Estrangeiros e do Barão Wessenberg como deputado. Portugal estava sendo representado por três Ministros Plenipotenciários: D. Pedro de Sousa Holstein, Conde de Palmela, António de Saldanha da Gama, diplomata destacado na Rússia, e D. Joaquim Lobo da Silveira, diplomata destacado em Estocolmo. A Prússia foi representada pelo príncipe Karl August von Hardenberg, o seu Chanceler e o diplomata e acadêmico Wilhelm von Humboldt. O Reino Unido foi inicialmente representado pelo seu Secretário dos Negócios Estrangeiros, o Visconde de Castlereagh; A Rússia foi defendida pelo seu Imperador Alexandre I, embora fosse nominalmente representada pelo seu Ministro de Negócios Estrangeiros. A França estava representada pelo seu Ministro de Negócios Estrangeiros CharlesMaurice de Talleyrand-Périgord. Inicialmente, os representantes das quatro potências vitoriosas esperavam excluir os franceses de participar nas negociações mais sérias, mas sem sucesso. Após ter cobrido, o Congresso de Viena por quase 1 ano, sendo o único jornalista na Europa passando todas as informações sobre tudo que acontecia ali dentro. Virei um dos jornalistas mais procurados por jornais. Inicialmente, estava pensando em fazer meu próprio jornal, mas como após o Congresso de Viena, tinha muita chance dos países da Europa terem algumas consequências que poderiam causar várias matérias interessantes. Mas para conseguir cobrir os acontecimentos, eu teria que ter disponibilidade a vários recursos. E os jornais davam tudo que precisava para conseguir rodar a Europa inteira em busca de matérias para publicar. Então escolhi ir para um


jornal da época chamado "La Croix", onde fui denominado como diretor chefe do jornal. Com isso, eu me botei na função de rodar a Europa pelos próximos anos em busca de cobrir o que estavam acontecendo nos países do continente após as decisões tomadas durante o Congresso de Viena. Então lá fui eu pelo meu "Tour á trabalho" pela Europa. Durante esse anos de viagens e mais viagens, consegui fazer matérias: Na França, Luís Felipe foi colocado no trono da França pela Revolução de 1830, representando os ideais da burguesia e tendo por objetivo conciliar a Revolução com o Antigo Regime. A oposição popular ao regime era manifesta. As tendências republicanas ganhavam adeptos através das várias sociedades políticas fundadas com este propósito. A oposição não era somente popular. O partido socialista opunha-se ao governo, propondo reformas. Seus líderes,iniciaram uma campanha em todo o país visando à reforma eleitoral. Surgiram as barricadas nas ruas com o apoio de elementos da Guarda Nacional. A revolta ganhou vulto. A Câmara foi invadida e os deputados fugiram. Luís Felipe abdicou. O governo provisório foi organizado e proclamou a Segunda República da França, com a participação de burgueses liberais e socialistas, e no dia 23 de abril, realizou-se a primeira eleição na Europa com o voto universal masculino, direto e secreto. Em 12 de novembro de 1848 foi promulgada uma nova Constituição. Na Áustria, o Império austríaco dos Habsburgos era muito heterogêneo. Estava composto por alemães, húngaros, tchecoslovacos, poloneses, e muitos outros. Destes povos, somente os húngaros tinham certa autonomia. Os mais numerosos, húngaros e tchecos, conscientes de sua individualidade, buscavam reconhecimento imperial. Os alemães da Áustria reclamavam contra o governo de Metternich. Insurgiram-se estudantes, burgueses e trabalhadores, forçando a queda do chanceler e a convocação de uma Assembléia Constituinte. Viena foi tomada, formando-se um governo absoluto após ter sido bombardeada, sendo implantado um regime de perseguição policial. Na Alemanha, se começou a constituir uma Confederação composta por numerosos estados, cuja política exterior era coordenada por uma Assembléia que se reunia em Frankfurt. A Prússia e a Áustria lideravam esta Confederação. Visando à maior integração entre os Estados germânicos foi criado, uma espécie de liga aduaneira que liberava a circulação de mercadorias nos territórios dos membros componentes, em torno da Prússia e sem a participação da Áustria. Esta política econômica estimulou o desenvolvimento industrial, que por sua vez acentuou o nacionalismo germânico, o desejo de independência e de união política. Vários Estados juntaram-se ao movimento, aproveitando a oportunidade para tentar a unificação política. Em março, reuniu-se em Frankfurt uma assembléia preparatória para um Parlamento representativo, que deveria iniciar seus trabalhos legislativos em maio. Os príncipes alemães aproveitaram-se da divisão entre os revolucionários para retomar o poder abalado. Berlim foi tomada e a Constituinte dissolvida pelo exército. O movimento liberal foi abafado. A Assembléia de Frankfurt decidiu eleger como imperador


o rei da Prússia, que recusou por se considerar rei por vontade de Deus. Propôs, entretanto, aos príncipes alemães a criação de um império. Na Itália, estava dividida em vários Estados, todos eles com governo tipicamente despótico. A crítica a este regime era conduzida pelas sociedades secretas, Ao mesmo tempo, reformas liberais visavam à unificação dos Estados italianos. Porém, seria preciso expulsar os austríacos, que desde o Congresso de Viena adquiriram supremacia sobre a Itália. Em janeiro deu-se uma revolta no Reino das Duas Sicílias. O rei Fernando II foi obrigado a conceder uma Constituição. O rei de Piemonte, Carlos Alberto, tomou a liderança da revolta, declarando guerra aos austríacos. Os exércitos austríacos obtiveram duas vitórias, forçando Carlos Alberto a abdicar em nome de seu filho Victor-Emanuel II. A repressão implantada pelos austríacos foi violenta em toda a península. A tentativa liberal e nacionalista dos italianos foi frustrada. Em todos esse anos descobrindo todos esses acontecimentos pela Europa, um país em que fui fazer matéria foi muito especial pra mim. Na Itália, enquanto fazia minha matéria, no meio a repressão Austríaca, me apaixonei pelos olhos de uma italiana liberal que estava em um dos protestos. O nome dessa linda revolucionária que veio a virar minha atual esposa é Francesca. Me lembro que estava tirando algumas fotos do protesto, quando minha camêra apontou para essa linda mulher italiana. Após o protesto levei ela para jantar, e prometi que após meus anos de viagens pela Europa, voltaria a Itália para buscar ela, e que levar a própria para morar comigo na França. Os anos se passaram e minha promessa foi cumprida. Levei ela para Paris, nos casamos e alguns anos depois, tivemos nossos 2 maravilhosos filhos. Talvez muitos que vão ler essa carta, e esse perguntar o porquê de eu estar escrevendo sobre minha vida no próprio jornal para que todos possam ler. Como já disse anteriormente, tenho minha mulher, e meus 2 filhos em casa que me dão muito carinho e amor. E acho que chegou a hora de me dedicar a minha família. Então com essa longa matéria sobre minha história dentro e fora do jornalismo, me despeço do jornal "La Croix" e anuncio minha aposentadoria da profissão. E apesar de querer passar minha história para todos, existe a outra intenção dessa matéria. Meu filho Leonardo de 18 anos, está começando a definir seu futuro, e por meio desse texto onde passo tudo que passei e senti nos meus 40 anos de jornalismo, espero poder plantar uma sementinha para que o próprio siga o mesmo caminho que me fez feliz, me fez ter história para contar para minhas 5 próximas vidas. Leonardo, se você está lendo tudo que escrevi, você é o único capaz de me substituir no jornalismo e passar pro mundo o que está acontecendo. Espero que leve o que vou te dizer agora para o resto da sua vida: Para um novo jornalista mostrar sua cara, um velho deve permitir que isso aconteça.


A reinvenção do mundo e o avanço técnico-científico Sofia Forell Olá, meu nome é Claudio Roberto Rose e eu sou escritor nascido em 15 de Janeiro de 1785. Não sou um escritor comum e me interesso por escrever fatos importantes da história pelo qual estou vivendo. É mais uma espécie de diário do que de um livro em si. Escrevo o que tenho vontade e quando eu quero. Não gosto de regras e limites. Acredito que meus pensamentos devem ser livres e expressos na hora que eles bem entenderem. Eu moro em Bruges na Bélgica junto com minha noiva e minha mãe. Tudo estava finalmente calmo por aqui, então resolvi tirar um tempo pra mim e fazer aquilo que eu mais gosto. Escrever um pouco sobre os últimos dias que se passaram. Hoje é dia 18 de Dezembro de 1815, uma data muito importante. Em meio a tantas mudanças, hoje faz alguns meses de um dos principais conflitos da história. A derrota de Napoleão Bonaparte na Batalha de Waterloo que ocorreu em 18 de Junho de 1815 aqui na Bélgica. O conflito foi travado entre o exército do Primeiro Império Francês comandado por Napoleão e o exército da Sétima Coligação que incluía uma força britânica e uma prussiana. Este confronto marcou o fim dos 100 dias, período que ficou conhecido pelo governo final de Bonaparte, quando, após ter perdido o confronto ele abdica e é exilado para ilha de Santa Helena. Foi sua última batalha e seu adeus ao cargo de Imperador da França. Todos ficaram na expectativa de qual seria o desfecho do conflito, e o mundo todo atento a cada minuto. Após esse episódio, a história regressou com a assinatura do contrato estabelecido no Congresso de Viena que visava restaurar a volta da ordem absolutista do Antigo Regime. Houveram algumas outras medidas e consequências que foram estabelecidas nessa conferência. Os participantes dessa reunião foram embaixadores das grandes potências europeias, Rússia, Prússia, Inglaterra, Áustria e a própria França. O principal objetivo era redesenhar o mapa político do continente europeu após a derrota da França napoleônica. Visava também restaurar o trono das famílias reais, como por exemplo a dos bourbons que perderam seu poder com os inúmeros conflitos. A primeira medida tomada de impacto foi a concessão do governo da França para Luís XVIII, irmão de Luís XVI, que havia sido guilhotinado durante a Revolução Francesa. Além disso, o governo francês teve a perda de todos os seus territórios que havia conquistado além de uma indenização que deveria ser paga as nações prejudicadas pelas invasões napoleônicas. Os exércitos absolutistas que estavam na França por garantia, só sairiam com o pagamento da dívida. Alguns países foram privilegiados devido ao prestígio pela vitória contra Napoleão, podendo conquistar territórios fora da Europa. Essa medida estava servindo como recompensa aos serviços prestados em defesa das monarquias europeias.


Tal conflito trouxe também consequências consideradas boas e que visavam a paz, como por exemplo a criação da Santa Aliança, um pacto de natureza política e militar entre Rússia, Prússia e Áustria que tinha como objetivo defender as medidas adotadas no Congresso. Foi formado um exército com esse acordo que tinha como objetivo combater a disseminação de ideais liberais e preservar a autoridade dos governos europeus sobre as suas colônias. No final das contas, a Santa Aliança acabou não alcançando seu objetivo devido aos vários levantes liberais que tomaram o mundo no século XIX, não conseguindo com isso, estagnar o processo de emancipação que tomava conta do continente americano. A situação estava meio instável e eu e minha família questionamos mudar de vida, e recomeçar em algum outro lugar. Aproveitamos que tínhamos parentes na Inglaterra e um novo mundo estava ocorrendo por lá, decidindo assim recomeçar a nossa história. Em meio a uma conversa com minha noiva chegamos à conclusão de que seria melhor para o nosso futuro se nos mudássemos o mais rápido possível. Sentamos todos para conversar e para darmos o veredito final, e minha mãe indagou: -

Mas meu filho, você tem certeza que esse é o melhor caminho para

tomarmos? Está tudo tão instável aqui na Europa. Uma mudança tão drástica agora pode trazer muitas consequências negativas. E eu respondi: -

Sei que a mudança é repentina e não estamos tendo muito tempo para

tomarmos a decisão, mas eu realmente acho que essa é a hora certa. A Inglaterra está vivendo mudanças incríveis. Vamos ter muitas oportunidades por lá, trabalho, melhores condições de vida, reencontrar nossos parentes. Minha mãe no começo ficou meio insegura com tudo, mas acabou se adaptando a ideia no final de tudo. Lá fomos nós dia 25 de Janeiro para Birmingham, uma cidade perto de Londres, onde o irmão da minha mãe e a mulher dele moravam. Ficamos um tempo na casa deles até acharmos um emprego. Assim que chegamos e nos instalamos, tivemos uma conversa onde eles esclareceram todas as dúvidas e algumas questões que precisávamos saber. De cara eles deram as boas vindas e já começaram a conversa assim: - Vou ser sincero com vocês. O que eu vou dizer agora vai parecer uma aula de história, mas é importante que vocês estejam cientes. A Europa está passando por uma série de mudanças como vocês sabem, especialmente a Inglaterra. A partir do século XVIII, a ciência ingressou em um constante processo de evolução, que desencadeou uma série de novas tecnologias que transformaram de forma rápida a vida do homem, sobretudo, no modo de produzir mercadorias. O nome do processo que ficou conhecido por esses avanços tecnológicos foi Revolução Industrial. A importância para o desencadeamento desse evento foi que descobriram o carvão como fonte de energia e a partir disso, desenvolveram a máquina a vapor e a locomotiva.


Empolgado com a história eu respondo cheio de dúvidas: -

Nossa! Eu não fazia ideia que a Inglaterra foi pioneira disso tudo. Que incrível!

Viu mãe, isso que estamos vivendo agora vai fazer parte da história no futuro e vai ser contado a todos.

Mas tio, voltando ao assunto, como essas indústrias foram

introduzidas? -

Bom, a produção têxtil que antes era desenvolvida de forma artesanal, foi

a primeira a usufruir da nova tecnologia da máquina a vapor. A utilização dessas máquinas junto com a agilidade movida por causa do carvão, proporcionou uma produtividade extremamente dinâmica, chamando a atenção de todos. Com isso a indústria tornou-se uma alternativa de trabalho. A consequência disso foi a saída de milhares de pessoas do campo, em busca desse novo mundo. Eu mesmo fui um dos que deixou o campo para vir explorar esse território desconhecido que estava vindo a surgir. Naquela época a maioria da população européia vivia no campo e produzia o que consumia de maneira artesanal, e o produtor dominava todo o processo produtivo. Depois dessas mudanças, o quadro ficou diferente. Interrompi e questionei-o a quanto tempo eles estavam morando na cidade, e como estava sendo a experiência. E ele me respondeu: -

No começo foi um pouco difícil, as coisas eram muito diferentes e demorou

para nos acostumarmos. Estamos morando na cidade a mais ou menos 8 anos. Depois disso eu e meu tio fomos conversar com uns conhecidos dele para ver se eu conseguia arranjar algum emprego. Confesso que não foi tão fácil mas eu já imaginava devido a aula que eu havia acabado de ter. O crescimento populacional foi muito grande, logo a procura por empregos também era grande.. A Europa estava vivendo seu tempo de transição para novos processos de manufatura, incluindo a transição de métodos de produção artesanais para a produção por máquinas, a fabricação de novos produtos químicos, novos processos de produção de ferro, e o uso crescente da energia a vapor, além da substituição da madeira e de outros biocombustíveis pelo carvão. Todos estavam atrás disso, a procura era imensa e a disputa também. Nossa adaptação pelo outro lado, foi um pouco mais fácil. Tudo era muito novo e diferente. Mas nos adaptamos extremamente rápido e não temos do que reclamar, nossa vida mudou para melhor. Perto de onde morávamos tinham indústrias têxteis de algodão e metalúrgicas. Foi lá que eu fui a procura de emprego. Meu trabalho na Bélgica era cuidar da loja de um conhecido meu, e com isso, não ganhava tanto e para nos mantermos, minha noiva trabalhava também. Foi com a ajuda dos meus tios que


conseguimos começar a trabalhar tão cedo e conseguir organizar nossa própria vida sem depender dos outros. Eu trabalhei na indústria de metalúrgica, mas não foi nada fácil, tive que aprender muita coisa, eu não tinha experiência nenhuma em comparação aos meus companheiros de trabalho. No começo eu estava responsável pela extração do ferro mas com o passar do tempo eu fui aprendendo outras funções e fui evoluindo de cargo. Atualmente eu trabalho com a soldagem do minério, gosto bastante. Minha rotina é bem puxada, acordo sempre 5:00 da manhã e volto pra casa só às 20:00 da noite, sempre muito exausto. Minha noiva fica em casa com a minha mãe para cuidar dos afazeres domésticos. O tempo hoje é curto. Não consigo dar tanta atenção a minha família como eu gostaria, e isso é algo que eu sinto falta de antigamente. Mas tudo bem, todo lado bom tem sempre seus pontos negativos e precisamos aprender a conviver com eles. Mal tenho tido tempo para atualizar meu caderno de escrita mas sempre que posso escrevo uma novidade ou outra, mas por hoje é só. Espero que alguém se interesse por minhas histórias no futuro e que elas sirvam de aprendizado como relato sobre alguém que viveu o tempo de primeira Revolução Industrial..


Uma jornada trabalhosa Gabriela Lahtermaher

Londres, 1838 - Papai, por que você nunca falou do meu avô? - Ora filho, porque você nunca me questionou sobre ele. Lembro do meu pai me contando toda sua história de vida antes de eu ir dormir. Também lembro de como eu ficava intrigado com tudo que ele viva. Se hoje em dia a situação não é das melhores, para ele era algo inimaginável. - Agora fiquei curioso! Como era essa vida? Muito diferente da nossa? Ele também era operário? - Calma, Max. Uma coisa de cada vez. Vou contar um pouco do que ele me contava, mas não tenho muito tempo. Amanhã preciso acordar cedo pro trabalho e não posso me atrasar de jeito maneira se você quiser ter sopa de batata nas próximas refeições. - Tudo bem. Mas, por favor, conta! - Vou contar. Mas já vai se preparando para ir dormir. - Eba, obrigado! Já estou pronto. - Seu avô chamava-se Henry e não me lembro o ano em que nasceu, mas algo em torno de 1740. Morava no campo em uma região próxima de Londres com seus pais. Seu pai, meu avô, era artesão. A vida no campo nessa época era tradicional e quase todos seguiam o trabalho desempenhado pelas suas respectivas famílias. Então, não tardou para que seu avô se tornasse artesão também. - Mas papai, e as máquinas?


- Ora, filho. As máquinas não eram como são hoje. Na época, elas ainda estavam em processo para tornarem o que são hoje, e os trabalhos não eram realizados por meio das mesmas. Eles eram em geral domésticos e seu avô me contava que se identificava muito com seu trabalho. Lembro que dizia-me sempre com orgulho que era artesão. Seu ofício o orgulhava. - Que legal. Mas como nós viemos parar aqui? Por que ainda não moramos no campo? - É nessa parte que as máquinas entram na história. Diante da mecanização e do cercamento dos campos, as pessoas foram ficando desempregadas. Com isso, muitas delas foram em direção à cidade em busca de melhores condições de vida. E é por isso que estamos aqui hoje. Seu avô foi uma dessas pessoas que veio pra Londres. Perdão, Londres não. Inicialmente foi para Manchester e depois veio para cá. - Entendi. Então é isso? Achei que a história era maior. - É claro que é maior, meu filho. Porém agora está muito tarde para te contar o resto. Amanhã será um longo dia para mim. Vai dormir que amanhã continuo. No dia seguinte John acordou junto com os primeiros raios de sol. Um longo dia de trabalho na fábrica estava por vir e não podia demorar para levantar-se. Caso isso ocorresse, Mark, seu patrão, ficaria aborrecido. Dessa forma, o mesmo pulou da cama e vestiu seu macacão de trabalho como de costume. Sua esposa, Mary, já havia preparado seu café da manhã do jeito que gostava. Ela sempre deixava tudo preparado para o marido ir o mais rápido possível para o trabalho. John comeu seu pão e partiu para as oito horas de trabalho na fábrica de tecidos. Seu trabalho havia sido muito mais facilitado pela invenção do tear Jacquard em 1801, que, por sua vez, mecanizou o complicado trabalho manual do tecelão, onde os fios da urdidura deviam ser movidos para cima e para baixo com as mãos. Através da invenção, levava muito menos tempo para fabricar tecidos muito mais complexos. O trabalho na fábrica de tecidos era muito bom quando comparado ao da maioria da população. John possuía horas dignas e tinha diversos companheiros no trabalho, que, embora não pudessem conversar diante da rigidez de Mark, o patrão, deixavam o trabalho menos insuportável. Mais um dia de trabalho e o imenso relógio na fábrica já apontava que estava na hora de ir embora. A reivindicação das oito horas de trabalho, oito horas para descanso e oito horas de lazer finalmente estava tornando-se realidade para a felicidade de todos os operários. Dessa forma, John voltou para sua casa. Durante seu caminho de volta, olhava ao seu redor e via a situação degradante. A cidade de Londres estava altamente poluída e era possível ver pessoas vivendo nas ruas com extrema frequência. Ademais, o cheiro na cidade era altamente desagradável e as ruas estavam lotadas de lixo.


Para sua sorte, John possuía um trabalho relativamente bom quando comparado ao da maioria dos operários. Trabalhava em uma fábrica de tecidos renomada em Londres fazia bastante tempo e durante todo esse período já havia ganhado uma quantia razoável de dinheiro. Seu salário era ótimo em relação ao resto da população e conseguia sustentar sua esposa e seu filho, embora a pressão fosse muito alta. Porém, muitos de seus amigos não desfrutavam dessa condição. A situação era tão grave que volta e meia circulavam notícias de suicídio entre operários devido à pressão de sustentar suas famílias. Ao chegar em casa, Mary já havia esquentado a sopa de batata. Ela estava sempre um passo à frente. O cheiro já estava dando para ser sentido do corredor. Assim que abriu a porta de casa, Max, filho de John já pulou em cima do pai e começou a falar em uma voz alta e estridente: - Papaaai, papaaai! Você me prometeu continuar o resto da história sobre o vovô hoje. Vai cumprir sua promessa? - É claro que vou, filho. Mas antes vamos jantar pois estou faminto e esse cheiro está me dando cada vez mais fome. Dessa forma, Max, John e Mary sentaram-se juntos à pequena mesa da estreita cozinha para mais um usual jantar de família. A casa da família era pequena, mas os três viviam muito bem lá. Nunca desejaram mudar de casa, até porque embora o salário fosse estável, também não era alto. Max começou as perguntas. Como era curioso o menino! Tinha apenas onze anos, mas queria saber de tudo que ocorria ao seu redor. Às vezes, acabava com a paciência de todos, é verdade. Mas, na maioria do tempo, era apenas uma maneira de entender o que se passava a sua volta. - E aí, papai. Como foi seu dia de trabalho? - Foi normal, filho. O de sempre. - Você trabalhou quanto tempo? - Hoje foram oito horas. Finalmente nossa reivindicação surtiu efeito. Agora tenho mais tempo para descansar e ficar com vocês. - Que ótimo papai! - E vocês? O que me contam? - Hoje estava andando pela rua procurando gente para brincar comigo, quando encontrei um menino muito legal. Seu nome era Bernard e a gente brincou de piquepega. Depois de um tempo, Bernard falou que precisava ir para a fábrica trabalhar senão seus pais ficariam furiosos. Por que ele tem que trabalhar se é criança? Foi então que Mary entrou na conversa: - Ah, filho. A situação aqui em Londres está muito complicada. Muitas famílias estão vivendo na pobreza e, por isso, precisam que todos trabalhem, inclusive as crianças. É muito triste ver isso. As fábricas estão cheias delas e muitas trabalham durante períodos similares aos adultos mesmo com a lei de 1833 de proteção ao trabalho


infantil. Infelizmente, essa é a realidade que vivemos, mas ainda bem que você não precisa passar por ela. - Ah, entendi... Realmente gostei de Bernard, espero poder ver ele de novo. O papo se prolongou mais um pouco, mas não durou muito. Não tardou para que todos se levantassem e colocassem os pratos na pia para Mary lavar. Foi então que Max disse: - Papai, e a história? Vamos continuar. - Calma, filho. Deixa eu trocar de roupa e falar um pouco com sua mãe. Quando estiver pronto vou para seu quarto contar. - Tudo bem. Vou esperar lá então. Max foi correndo para o quarto e Mary e John ficaram sozinhos na pequena mas aconchegante cozinha. Foi então que John disse para sua mulher: - Então, diversas pessoas lá da fábrica já vinham falando dessa tal de “Carta do Povo” mas nunca tinha visto de fato. Pelo que falaram, foi escrita por William Lovett, um ativista aqui de Londres. Nela, algumas reivindicações estão escritas, tais como o direito de todos os homens votarem, eleições todo ano, participação de pessoas como nós, operários, no Parlamento e outras coisas. Poucos sabem disso. - Mas e aí? Essas reivindicações vão ser acatadas? - Não sei, querida. Teremos que esperar para saber do resto, mas espero que sim. Na França em 1830 quando estavam insatisfeitos com o governo já sabemos o que ocorreu. Levantes e barricadas tomaram Paris por parte do povo contra Carlos II. Espero que acatem essas demandas, senão quem sabe... Mas agora preciso ir falar com Max, o menino não sossega. Mais tarde conversamos melhor. - Tudo bem. John saiu da sala e bateu na porta do quarto de Max. Assim que entrou no quarto, o menino estava dormindo. Sem querer incomodar, logo foi tratando de se retirar. Mas era tarde demais. Max já havia acordado. E, conhecendo seu filho do jeito que conhecia, não ia dormir até que ele terminasse a história de seu avô. - Max, eu conto outro dia. Você já estava dormindo quando cheguei. - Não, pai! Me conta, por favor. Já perdi todo meu sono. Agora não vou conseguir mais dormir tão cedo. A não ser que você me conte... - Você não desiste né. Vou contar mais um pouco então. - Eba! Obrigado. - Onde paramos? - Você estava me contando que o vovô havia ido para Manchester. - Ah sim verdade, me lembrei. Preparado para escutar o resto? - Claro! - Então vamos lá. Seu avô, após largar a vida no campo, foi para Manchester em busca de melhores condições. Ele sempre me contava que havia boatos no campo de que as indústrias nas cidades estavam crescendo mais e mais e lá as oportunidades eram


melhores. Então, por que não ir? Seu trabalho já não lhe dava tanto dinheiro diante das grandes máquinas. Dessa forma, era a melhor opção que tinha. A única que lhe restava. - E ele foi sozinho? - Sim. Os pais dele, ou seja, seus bisavós, já estavam muito velhos e não aguentariam ir para lá, além de não possuírem forças para o trabalho nas fábricas. Seu avô foi sozinho. Tremenda coragem da parte dele. - Nossa! Verdade. E o que ele fez quando chegou lá? - Ele procurou um emprego o mais rápido possível. Foi de fábrica em fábrica até achar uma de tecidos que o aceitou. Seu salário era baixíssmo, porém não havia nada que podia fazer. Não estava em posições para fazer demandas ou exigências. Tinha dado sorte que havia conseguido um emprego. - E o que ocorreu depois? - Foi nessa fábrica que ele conheceu minha mãe, ou seja, sua avó Kate, que também trabalhava lá. Assim como para ele, o trabalho para ela era uma questão de sobrevivência. Os dois trabalhavam de 10 até 12 horas diárias em condições insalubres. Por ser mulher, o salário dela era menor do que o dele. Então, tornou-se quase impossível para ela conseguir sustentar-se. - Mas eles se casaram, não? - Sim, filho. Depois de um tempo os dois se casaram e passaram a viver juntos em um casebre com muitos outros operários na periferia da cidade. Por mais que o dinheiro fosse pouco, conseguiram se virar por um tempo. Porém, quando tiveram seu primeiro filho, Michael, meu irmão, a situação ficou insustentável. Foi então que decidiram se mudar para Londres junto com alguns outros operários para tentar buscar melhores salários. Foi um risco e tanto, mas ainda bem que fizeram isso. - E agora é por isso que estamos aqui, né? - Isso mesmo. Pouco tempo depois eu nasci e a situação já estava um pouco melhor. Meu pai conseguiu um emprego estável e minha mãe ficava em casa cuidando de mim e do meu irmão. Ainda lembro dele contando-me de como nós dois aprontávamos. Ele chegava exausto do trabalho e ainda tinha que lidar com nós dois, coitado. - E você sente falta dele, papai? - Ah, todos os dias meu filho. - Queria ter conhecido ele. Parece ter sido um homem tão corajoso. - Ele de fato foi. Mas agora conversa encerrada. Tenho que ir para o trabalho amanhã cedo e, se tudo der certo, mudanças estão por vir. - Que mudanças são essas? Quero saber! - Ah, meu filho, você é muito jovem para entender essas coisas. Porém, são reivindicações que acabarão com as injustiças sociais. Mudanças que trarão mais voz e voto aos operários. Se tudo der certo, a nossa Carta, a Carta do Povo, será aceita pelo Parlamento.


- Que carta é essa? - Já falei muito. Agora vá dormir, pois o dia será longo amanhã. Mudanças estão por vir, espero eu. - Acho que o vovô ficaria orgulhoso de você, papai. - Ah, meu filho! Espero que você esteja certo. Boa noite.[1]




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