Nutrição em Saúde Pública, 2ª ed. | José Augusto Taddei et al.

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CAPÍTULO

Bócio e Cretinismo Endêmico: Moléstias Associadas à Carência Crônica de Iodo

INTRODUÇÃO O iodo é um componente essencial dos hormônios produzidos pela glândula tireoide. Em forma de iodeto, encontra-se distribuído de maneira ampla, mas desigual, na superfície terrestre. Glaciações, enchentes e a erosão sofreram depleção do iodeto da superfície dos solos, fazendo com que a maior parte fosse encontrada nos oceanos, onde sua concentração é de cerca de 50µg/L. Os íons iodeto do meio marítimo são oxidados para iodo, que se volatiliza para a atmosfera e retorna ao solo com a chuva, completando o ciclo. No entanto, em várias regiões esse processo é lento e incompleto, fazendo com que os solos e a água potável apresentem conteúdo reduzido de iodo. As culturas agrícolas desenvolvidas nessas áreas apresentarão baixo teor iódico. Os humanos e os animais que delas se alimentarem tornar-se-ão deficientes em iodo. A concentração de iodo nessas plantas alimentícias pode situar-se em menos de 10µg/kg de peso seco, enquanto naquelas procedentes de solos suficientes é de aproximadamente 1mg/kg. As regiões pobres nesse elemento são comuns nas localizações montanhosas (p. ex., Alpes, Andes e Himalaia) e naquelas sujeitas a inundações, especialmente no sul e no sudeste da Ásia (p. ex., planície do rio Ganges no nordeste da Índia). A carência iódica afeta também o interior da Ásia Central, da África e do Leste Europeu, assim como algumas populações costeiras e insulanas. Essa insuficiência persistirá até que o iodo volte a entrar na cadeia alimentar, seja por sua adição ao sal ou pela diversificação dietética introduzida por produtos originários de áreas suficientes. O conteúdo nativo de iodo na maior parte dos alimentos e bebidas é baixo; os mais comumente consumidos fornecem de 3 a 80µg por porção. As principais fontes dietéticas nos EUA e na Europa são o pão e o leite. A fervura, o cozimento e o enlatamento de alimentos que contenham sal iodado provocam apenas pequenas perdas (≤10%) no teor de iodo. Este é também influenciado por compostos iodados usados na irrigação, em fertilizantes e rações animais. Os antissépticos utilizados para limpeza das latas coletoras de leite e úberes podem aumentar o conteúdo natural de iodo dos produtos lácteos. O iodeto é rápido e quase totalmente absorvido (>90%) no estômago e no duodeno. O iodato, amplamente utilizado na iodação do sal, é reduzido no intestino e absorvido como iodeto. Em geral, o iodo orgânico é digerido e o iodeto liberado, absor-

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Geraldo Medeiros-Neto

vido, mas se assimila cerca de 75% de uma dose oral de tiroxina (L-T4 levotiroxina) intactamente. A depuração tireóidea do iodo circulante varia conforme sua ingestão: quando o suprimento está adequado, ≤10% do elemento absorvido é capturado pela tireoide. Na carência crônica, esse percentual pode exceder 80%. Em circunstâncias normais, o iodo circulante exibe meia-vida de cerca de 10h, mas tal tempo se reduz na deficiência. Durante a lactação, a glândula mamária concentra iodo e o secreta no leite materno para prover o recém-nascido. O adulto saudável encerra 15 a 20mg de iodo, dos quais 70% a 80% encontram-se na tireoide. Na carência crônica, o conteúdo iódico tireóideo reduz-se a menos de 20µg. Em áreas suficientes, a tireoide adulta capta cerca de 60µg de iodo por dia para compensar as perdas e manter a síntese hormonal. O simportador de sódio/iodeto (NIS, do inglês sodium/iodide symporter, bomba de íons que ativamente transporta iodo por meio da membrana basolateral para dentro das células epiteliais tireoidianas) transfere iodeto para a glândula contra gradiente de concentração que corresponde a 20 a 50 vezes àquele do sangue (Figura 15.1). O iodo participa de 59% e 65% do peso da tri-iodotironina (T3) e da tiroxina (T4), respectivamente. A renovação é lenta: a meia-vida do T4 leva cerca de 5 dias e a do T3, 1,5 a 3 dias. Quando liberado, o iodo entra no pool circulante e pode ser novamente captado pela tireoide ou excretado pelo rim. Mais de 90% do iodo ingerido é fundamentalmente eliminado pela urina. A Tabela 15.1 apresenta a referência diária recomendada de iodo segundo o grupo etário.1 A necessidade durante a gravidez é maior devido ao aumento na produção hormonal de T4 para manter o eutireoidismo materno, por transferência fetal – especialmente no fim da gestação – e aumento provável na depuração renal de iodo Quando as necessidades mínimas de iodo não são alcançadas no dia a dia em determinado segmento populacional, podem surgir várias anormalidades funcionais, particularmente atraso no desenvolvimento pondoestatural. As mais comuns são: alteração funcional da tireoide (com queda de T4 sérico e elevação do hormônio estimulador da tireoide [TSH]) e aumento da glândula tireoide, inicialmente difuso, que tende a progredir para nodular se a carência iódica permanecer crônica. Tal fenômeno é denominado bócio endêmico. Embora seja facilmente visível a distância, o bócio tem menor consequência médica para o indivíduo. Mais importante é o retardamento mental (30%), que atinge tanto o

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BÓCIO E CRETINISMO ENDÊMICO: MOLÉSTIAS ASSOCIADAS À CARÊNCIA CRÔNICA DE IODO

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