TARSILA DO AMARAL, A MODERNISTA

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SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO Administração Regional no Estado de São Paulo Presidente do Conselho Regional Abram Szajman Diretor Regional Danilo Santos de Miranda Conselho Editorial Ivan Giannini Joel Naimayer Padula Luiz Deoclécio Massaro Galina Sérgio José Battistelli Edições Sesc São Paulo Gerente Marcos Lepiscopo Gerente adjunta Isabel M. M. Alexandre Coordenação editorial Clívia Ramiro, Cristianne Lameirinha, Francis Manzoni Produção editorial Simone Oliveira Coordenação gráfica Katia Verissimo Produção gráfica Fabio Pinotti Coordenação de comunicação Bruna Zarnoviec Daniel

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© Nádia Battella Gotlib, 2018 © Edições Sesc São Paulo, 2018 Todos os direitos reservados 5ª edição revista e ampliada As quatro edições anteriores, publicadas em 1997, 2000, 2003 e 2012, foram lançadas pela editora Senac São Paulo. Preparação Luanne Aline Batista Revisão Mayara Freitas, Simone Oliveira Capa, projeto gráfico e diagramação Homem de Melo & Troia Design Imagens da capa Retrato de Tarsila do Amaral (fotógrafo desconhecido, acervo da família) e obra Autorretrato (Manteau rouge) (Tarsila do Amaral, 1923, óleo sobre tela, 73 × 60 cm)

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Gotlib, Nádia Battella Tarsila do Amaral, a modernista / Nádia Battella Gotlib. – São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2018. – 240 p. il. Bibliografia ISBN 978-85-9493-075-0 1. Artes Plásticas. 2. Modernismo Brasileiro. 3. Tarsila do Amaral. 4. Biografia. I. Título. II. Amaral, Tarsila do. CDD 750

Edições Sesc São Paulo Rua Cantagalo, 74 — 13º/14º andar 03319-000 — São Paulo SP Brasil Tel. 55 11 2227-6500 edicoes@edicoes.sescsp.org.br sescsp.org.br/edicoes /edicoessescsp

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Apresentação 8 Danilo Santos de Miranda Introdução 12 “Brasil/Tarsila” 16 Carlos Drummond de Andrade

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ESBOÇO 18

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PRIMEIROS TRAÇOS 26

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CIRCUITO MODERNISTA 68

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PAU-BRASIL 102

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ANTROPOFAGIA 158

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O SOCIAL 184

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ÚLTIMOS TRAÇOS 204

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MOLDURA 222 CRONOLOGIA 226 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 229 RELAÇÃO DE IMAGENS 236 AGRADECIMENTOS 238 SOBRE A AUTORA 239

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Danilo Santos de Miranda Diretor Regional do Sesc SĂŁo Paulo


Tarsila, a modernista

Expoente do Modernismo brasileiro, Tarsila do Amaral manteve intenso diálogo com as diversas expressões artísticas e intelectuais de seu tempo, dedicando-se a traduzir plasticamente dimensões da realidade. A convivência com Menotti del Picchia, Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Anita Malfatti, entre outros, aguçou sua sensibilidade para o cotidiano do país, em seus contextos rural e urbano. O Brasil, com suas cores e natureza, suas matrizes indígena, portuguesa e negra, suas manifestações populares e sua arquitetura colonial, povoa o imaginário e o vocabulário visual da artista, que cria, em 1928, um dos marcos da pintura modernista nacional, o Abaporu — “homem que come carne”, em tupi-guarani. Ofertada a Oswald de Andrade, a tela inspiraria a elaboração do Manifesto Antropófago. Sem se deter nos elementos formais da obra da artista — trabalho concernente à crítica de arte —, a presente biografia analisa a vida de Tarsila do Amaral através de aspectos que pavimentaram o caminho para suas experimentações estéticas. Referimo-nos a âmbitos como a vida privada da artista, sua formação artístico-cultural, o envolvimento no círculo modernista, o engajamento nos movimentos Pau-brasil e Antropofágico e, além deles, sua militância social. Ao se combinarem, essas experiências influenciaram decisivamente sua obra e, por conseguinte, o impacto dela na cultura brasileira. A biógrafa Nádia Gotlib explora, de um lado, a “voz” da própria artista e, de outro, uma miríade de documentos capazes de nos reportar à sua trajetória. Incluem-se aí cartas,

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depoimentos, entrevistas, textos, poemas, memórias e reproduções de pinturas e desenhos. Por meio deles, é possível observar a influência de Tarsila na produção artística brasileira tanto nas artes visuais como na literatura, assim como seu vanguardismo relativo ao papel da mulher na sociedade. Por tudo isso, o contato com a vida e a obra da artista abre caminho a diferentes reflexões. A publicação de Tarsila do Amaral, a modernista reflete o empenho constante do Sesc em promover a democratização da cultura, num convite ao universo das artes plásticas e às problemáticas sociais que nele encontram-se implicadas.

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Para Zezé, tão amiga e mãe: a que vive com arte. Para Aimone (in memoriam), profundamente pai, na presença sábia e carinhosa.

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Tarsila do Amaral é figura de destaque no Modernismo brasileiro. Neste livro, examino alguns dos aspectos dessa “personalidade artística”, procurando acompanhá-la em sua história de vida cultural, marcada por uma atitude de inquietação, sempre à procura de novos objetos e modos de expressão, e por um comportamento de mulher tranquilamente firme em seus propósitos. Privilegio as relações que a atividade artística de Tarsila do Amaral manteve com outras manifestações estéticas do período, que se acham configuradas em obras várias de autores vários — poemas, manifestos, desenhos, pinturas, memórias, narrativas em prosa — que dialogam entre si, num conjunto de cultura dinâmico e instigante. Procuro, nesse percurso de leitura, deter-me sobretudo nos anos 1920, quando tais pendores modernistas se concretizam em arte pau-brasil e antropofagia. Não desenvolvo, pois, estudo específico da pintura e desenho da artista, que já conta, entre tantos pronunciamentos críticos, com a pioneira e substanciosa obra de Aracy A. Amaral, entre elas, e principalmente, Tarsila: sua obra e seu tempo, editada em 1975, reeditada em 1986 e revista e aumentada em 2003. Dando continuidade ao trabalho que venho desenvolvendo com a literatura, considero, agora, a narrativa de vida de Tarsila do Amaral inserida num contexto de cultura registrado, em grande parte, pela própria Tarsila — em memórias, entrevistas, depoimentos, cartas, autorretratos pintados, desenhos feitos durante viagens —, para delinear

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como aí, nessas várias linguagens, se desenvolve uma personalidade de mulher artista. Para expor essa fatia de matéria tão extensa, e, em parte, já tão amplamente examinada pela crítica, procurei recriar neste texto, conscientemente, o clima de entusiasmo tão característico do grupo modernista, com o objetivo de fazer chegar ao leitor um certo tom de época, desfiando aspectos de um universo estético que, no entanto, busquei rever, de uma perspectiva crítica, ao longo do livro. Procurei também trazer ao leitor um texto que fosse ao mesmo tempo sintético e de apelo visual, de modo a levar ao leitor-espectador informações básicas e reproduções de documentos que nos ajudam a construir uma imagem da artista, que é apenas uma, dentre as tantas possíveis. Os tópicos colocados em questão sugerem, de algum modo, discussão, já que apontam ora para a complexidade crítica das forças culturais que aí interagem, ora para as linhas múltiplas de interpretação que suscitam. É minha intenção apenas mostrar ao leitor-espectador algumas dessas questões que fazem parte da história do movimento modernista brasileiro, cujo desenvolvimento se deu mediante uma conjunção tão íntima entre formas variadas de construção da linguagem artística, e que tiveram em Tarsila do Amaral, de vários modos e por vários motivos, um firme e intenso centro de irradiação.

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[...] o Modernismo, de um só passo, rompia com a ideologia que segregava o popular [...] e instalava uma linguagem conforme à modernidade do século. João Luiz Lafetá

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Fazenda, s. d., Tarsila do Amaral

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“Brasil/Tarsila”

A Aracy Amaral

Tarsila descendente direta de Brás Cubas Tarsila princesa do café na alta de ilusões Tarsila engastada na pulseira gótica do colégio de Barcelona Tarsila medularmente paulistinha de Capivari reaprendendo o amarelo vivo o rosa violáceo o azul pureza o verde cantante desprezados pelo doutor bom gosto oficial. Tarsila radar tranquilo captando em traço elíptico o vazio da rua de Congonhas com um cachorro e uma galinha servindo de multidão a mudez da rua de São João del-Rei com duas meninas no cenário operístico de casas [e igreja o silêncio do desvio rodoviário o sono da cidade pequena onde as casas são boizinhos espalhados em presépio. (Tarsila, Oswald e Mário revelando Minas aos mineiros de Anatole.) Tarsila acordando para o pesadelo de assombrações pré-colombianas tão vivas agora como outrora abaporu das noites na fazenda bichos que não existem? mas existentes cactos-animais, pedras-árvores, monstros a expulsar de nossa mente ou a recolher para melhor

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seguir nosso traçado preternatural. Tarsila mágica, meu Deus, tão simples, alheia às técnicas analíticas de Freud e desvendando as grutas, os alçapões, as perambeiras da consciência rural, expondo ao sol a alegria colorida da libertação. Tarsila relâmpago de beleza no Grande Hotel de Belo Horizonte em 24 acabando com o mandamento das pintoras feias Quero ser em arte a caipirinha de São Bernardo A mais elegante das caipirinhas a mais sensível das parisienses jogada de brincadeira na festa antropofágica. Tarsila nome brasil, musa radiante que não queima, dália sobrevivente no jardim desfolhado, mas constante em serena presença nacional fixada com doçura, Tarsila amora amorável d’amaral prazer dos olhos meus onde te encontres azul e rosa e verde para sempre.*

Carlos Drummond de Andrade *

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Carlos Drummond de Andrade, As impurezas do branco, São Paulo: Companhia das Letras, 2012. Carlos Drummond de Andrade © Granã Drummond (www.carlosdrummond.com.br).

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Nem só de Semana de Arte Moderna viveu São Paulo de 1922. Passados quatro meses da Semana, no mês de junho, Tarsila do Amaral desembarca do Massilia, navio de luxo vindo de Paris. “Depois de uma permanência de dois anos na Europa, de lá voltei trazendo uma caixa de pintura com muitas tintas bonitas, muitos vestidos elegantes e pouca informação artística”, afirma Tarsila1. Era o suficiente para desencadear uma atuação significativa na construção e sedimentação do Modernismo brasileiro da década. Com as tintas bonitas, registraria sua redescoberta de um Brasil interiorano e rural das fazendas onde passou a infância, com muitas árvores, bichos e pedras. E enveredaria pelas ruas, pontes, trilhos e chaminés da sua São Paulo cosmopolita, em intenso processo de industrialização. Com os vestidos elegantes, atrairia atenções, inclusive a do escritor Oswald de Andrade, neste mesmo ano de 1922, conforme afirma Menotti del Picchia:

Tarsila chegou de Paris muito bonita. Bonita e perigosamente feminina […]. Logo que a viu, Oswald de Andrade ficou impaciente, apaixonado. Ele teve por Tarsila o que se chama de coup-de-feu…2.

A informação artística especificamente modernista, Tarsila traz parcialmente de Paris. “Saindo do Brasil em 1920, como aluna dócil de Pedro Alexandrino, fui cair em cheio no pompier do ambiente parisiense. Não tinha visitado nenhuma galeria moderna. Entre sorrisos zombeteiros, ouvia falar de Picasso, inteiramente alheia à agitação renovadora que se processava a meu lado”3. Embora na cidade tenha frequentado “suas academias de pintura, seus museus, seus teatros”, considera que “nada de profundo calara na [sua] sensibilidade”4.

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Tarsila do Amaral, “Confissão geral”, catálogo da exposição Tarsila 1918-1950, São Paulo, Museu de Arte Moderna (MAM), dez. 1950. Este e outros textos escritos por Tarsila do Amaral encontram-se reproduzidos em Laura Taddei Brandini (org.), Crônicas e outros escritos de Tarsila do Amaral, Campinas: Editora da Unicamp, 2008. Menotti del Picchia, “Tarsila”, O Estado de S. Paulo, São Paulo, 21 jan. 1973. Tarsila do Amaral, “Recordações de Paris”, Habitat — Revista das Artes no Brasil, São Paulo: 1952, n. 6, p. 16. Ibidem, p. 17.

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A experiência de uma sensibilidade modernista Tarsila encontraria aqui, com intensidade, no contato com o pessoal da Semana que constituirá o “Grupo dos Cinco”: Tarsila, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Anita Malfatti e Menotti del Picchia. E a informação artística modernista haveria de se completar nos anos seguintes, na feérica Paris vanguardista. Nem só de Semana de Arte Moderna viveu o ano de 1922. Tarsila chegou depois. Mas chegou para experimentar, ela também, o espírito da Semana, que continuava forte nesses frequentadores assíduos do seu ateliê, à rua Vitória, 133. Nesse período, irradiando talento e simpatia, favorecia uma convivência amigável entre as pessoas do “grupinho”, enquanto se alimentava da São Paulo modernista de junho a dezembro de 1922. É ainda tempo de ebulição do Modernismo brasileiro, prolongando o ritmo esfu– ziante da Semana. É tempo de fermentações, que preparam a Tarsila pintora e mulher. Mas, dessas Tarsilas, a das tintas, dos vestidos e das informações artísticas, qual a que mais marcadamente nos ficou? A Tarsila pintora consagrou-se numa carreira de sucessivas invenções. Revelou-se como artista tranquila, mas curiosa no exercício de uma técnica do seu tempo, que assimilou no contato com a vanguarda europeia, e da qual se serviu no registro de uma identidade: é a pintora brasileira que faz pintura brasileira, afirma Sérgio Milliet 5. A Tarsila desenhista também se impõe como a artista da linha e, por vezes, de modo mais solto, sem os tantos esquemas que usa na pintura. Com linhas — poucas e breves — e com gesto que parece natural, e quem sabe até seja, consegue representar a calma de uma fazenda ou o movimento acelerado da cidade grande. Na trilha artística da pintura e do desenho, vai abrindo alas para a literatura. Define direções do movimento Pau-brasil, que se consolidou nas viagens da “caravana paulista”, de que participou também o poeta Blaise Cendrars, quando cumprem um programa de destaque na história do turismo no nosso país: passam o Carnaval no Rio de Janeiro e a Semana Santa nas cidades históricas de Minas Gerais. Inaugura a Antropofagia, ao dar de presente ao então marido, Oswald de Andrade, o famoso quadro Abaporu.

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Sérgio Milliet, “Tarsila do Amaral”, Revista do Brasil, São Paulo: abr. 1924, n. 100, pp. 366-367. Ver também: Marta Rossetti Batista, Telê Porto Ancona Lopez e Yone Soares de Lima (orgs.), Brasil: 1º tempo modernista, 1917/1929 — documentação, São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), 1972.

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