

ISABELLE AUBERT | MARCOS NOBRE (ORG.)


Atualmente, a Teoria Crítica tornou-se, em boa medida, uma disciplina acadêmica, perdendo muito de suas características, tornando-se uma teoria filosófica ou sociológica desvinculada das pesquisas empíricas e dependendo muito fortemente de uma ou outra teoria tradicional especializada. As polêmicas entre as teóricas e os teóricos críticos seguem o mesmo movimento das disputas das várias disciplinas das humanidades e ciências sociais. O pior é quando, nos países periféricos, o trabalho acadêmico limita-se a reproduzir os debates dos países dominantes. A pobreza do diagnóstico daí proveniente é grande.
Diante desse quadro, Os arquivos da Teoria Crítica podem nos ajudar a entender e direcionar as grandes mudanças necessárias no esforço para compreender o presente. A grande originalidade do livro vem da diversidade de experiências com os arquivos; entre os autores dos capítulos, encontram-se acadêmicos reconhecidos no campo crítico, diretores de arquivos e editores de obras dos autores teóricos críticos, mas também doutorandos que refletem a respeito das experiências que tiveram com os arquivos na preparação de suas teses.
Organizado por Isabelle Aubert (Universidade de Paris 1 – Panthéon-Sorbonne) e Marcos Nobre (Unicamp/Cebrap), publicado originalmente em inglês em 2023, o livro contou com a colaboração de pesquisadores de vários países. Convém ressaltar o caráter cooperativo do trabalho, com forte presença de brasileiros.
Os documentos conservados nos vários arquivos – cartas, textos (alguns inéditos), primeiras versões, esboços de pesquisas empíricas, questionários, tabulações de dados – podem ajudar muito na compreensão dos textos publicados pelos autores concernidos,
especialmente em se tratando da Teoria Crítica, que considera que a verdade tem um teor histórico. A reconstrução do processo que leva à elaboração conceitual e sua carga temporal é uma das dimensões fundamentais para a compreensão dos textos hoje considerados “clássicos”. Nos arquivos, podem-se encontrar as bases materiais que possibilitaram os vários diagnósticos de tempo, levando à compreensão do esforço teórico realizado a partir das pesquisas empíricas (ou da falta delas).
A Teoria Crítica, na vertente marxista/frankfurtiana, tem como característica fundamental fazer o diagnóstico de tempo procurando os elementos emancipatórios e de bloqueio da emancipação. Como a verdade tem seu núcleo histórico, o diagnóstico tem que ser refeito segundo as grandes mudanças; e, diante da multiplicidade dos aspectos das transformações sociais, políticas, econômicas e culturais, é absolutamente necessário um trabalho teórico e de pesquisa empírica coletivo e interdisciplinar.
Esta tradução em português do livro certamente contribuirá com o esforço de tirar as pesquisadoras e os pesquisadores brasileiros da tarefa quase exclusiva de repetir os debates americanos e europeus. Compreender o esforço da reflexão a partir das pesquisas empíricas realizado pelos clássicos da Teoria Crítica pode abrir um bom caminho para nossas pesquisas e nossos diagnósticos de tempo na periferia do capitalismo.
RICARDO TERRA é professor do Departamento de Filosofia da FFLCH-USP e pesquisador do Cebrap.
Um século após o surgimento do Instituto de Pesquisa Social, sob a égide do pensamento de Karl Marx e Friedrich Engels, este livro reflete sobre os arquivos criados pelos pensadores da Teoria Crítica, que também ficou conhecida sob o nome Escola de Frankfurt.
Com organização de Marcos Nobre e Isabelle Aubert, a obra traz especialistas brasileiros e estrangeiros que se debruçam sobre os manuscritos e documentos de Walter Benjamin, Max Horkheimer, Theodor W. Adorno, Friedrich Pollock, Herbert Marcuse, Leo Löwenthal e Jürgen Habermas, oferecendo, em momento oportuno, uma perspectiva inédita sobre o trabalho desses pensadores quando o mundo parece, mais uma vez, flertar com ideias fascistas.
ISBN 978-85-9493-317-1
Os arquivos da Teoria Crítica
ISABELLE AUBERT | MARCOS NOBRE (ORG.)
Nota à edição brasileira
Este livro homenageia o centenário do Instituto de Pesquisa Social, criado em Frankfurt, em 1923. Passada uma década, a ascensão de Adolf Hitler ao poder, acompanhada de intensa crise política e social, levaria seus membros, de maioria judaica, a buscarem o exílio na Europa e nos Estados Unidos, provocando a dispersão, perda e destruição de textos, manuscritos e gravações.
Organizada pelo filósofo e cientista social brasileiro Marcos Nobre e pela filósofa francesa Isabelle Aubert, a obra reúne especialistas brasileiros e estrangeiros que se debruçaram sobre o que restou dos arquivos pessoais de Max Horkheimer, Theodor Adorno, Walter Benjamin, Friedrich Pollock, Herbert Marcuse e Jürgen Habermas, revelando diferentes perspectivas em torno do conteúdo, da constituição, da organização, dos usos e das leituras possíveis desses documentos.
A esses especialistas somam-se profissionais de arquivo, responsáveis pela manutenção e guarda dos conjuntos documentais, como também pelo acesso e pela difusão do que ali se preserva a fim de valorizar os debates em torno da memória, refletindo sobre o que permaneceu a salvo, por quê, para quem e de que maneira os documentos foram guardados e, sobretudo, como tratar o que se perdeu, cientes de que os arquivos, como corpos vivos e em movimento, estão sujeitos a perguntas que se transformam de acordo com o tempo histórico, as sociedades e culturas em que se inserem.
Para o Sesc São Paulo, a obra, que se vale de certo ineditismo, dada sua circulação restrita e por ser ainda pouco conhecida mesmo em meios acadêmicos, lança luzes sobre o trabalho de importantes intelectuais do século XX, além de apontar para aspectos relevantes do impacto do totalitarismo na liberdade de pensamento e na defesa da democracia.
Em busca dos Arquivos da Teoria Crítica
Isabelle Aubert e Marcos Nobre
Publicação do Marx-Engels-Nachlass: arquivo, edições e implicações teóricas
Olavo Ximenes
Por dentro do Arquivo Walter Benjamin: uma entrevista com Ursula Marx
Introdução e entrevista por Fernando Bee
Benjamin anarquivista
Antonin Wiser
A atitude do povo alemão: o arquivo do Instituto de Pesquisa Social como história contemporânea
Dirk Braunstein e Maischa Gelhard
O papel da pesquisa empírica no pensamento de Theodor W. Adorno: uma experiência pessoal no arquivo do Instituto de Pesquisa Social
Adriano Januário
Trabalho com a memória cultural: o acervo de Max Horkheimer na biblioteca da Universidade de Frankfurt
Gunzelin Schmid Noerr
A parte material da teoria: o exílio do IfS em Genebra e a correspondência entre Max Horkheimer e Juliette Favez
Olivier Voirol
Não apenas o “Diretor”, o “Metodologista” ou o “Parceiro”: uma breve história da recepção da obra de Horkheimer
Paulo Yamawake
Adorno e o arquivamento do efêmero: considerações sobre seu espólio
Michael Schwarz
ISABELLE AUBERT
MARCOS NOBRE
Fundado em 1923, o Institut für Sozialforschung [Instituto de Pesquisa Social]1 foi inaugurado oficialmente em 22 de junho de 1924, na cidade de Frankfurt am Main, Alemanha, por iniciativa de Félix Weil. O instituto reuniu pesquisadores de diferentes domínios do conhecimento, incluindo filosofia, economia, ciências sociais, direito e história, com o objetivo de desenvolver pesquisas acadêmicas sobre o marxismo. Embora o Instituto de Pesquisa em Ciências Sociais de Colônia e o Instituto da Economia Mundial de Kiel já produzissem pesquisa social naquela época2, o Instituto de Pesquisa Social era único por sua orientação marxista. Em seu famoso ensaio de 1937, “Teoria tradicional e Teoria Crítica”, Max Horkheimer, que sucedeu Carl Grünberg na direção do Instituto, deu um nome a essa filosofia social muito específica que tomou como modelo a crítica de Marx à economia política: Teoria Crítica da Sociedade3. “Teoria Crítica” refere-se tanto ao “marxismo” em sentido amplo como a uma vertente específica dentro do marxismo – a do grupo reunido em torno do Instituto4. Como filosofia dialética e teoria oposicionista e
1 Qual seria a forma correta, “Instituto para a Pesquisa Social” ou “Instituto de Pesquisa Social”? As duas versões são corretas. A página web em inglês do Institut für Sozialforschung (IfS) dá a versão “Institute for Social Research” (cf. <https://www.ifs.uni-frankfurt.de/home.html>, acesso em 27 fev. 2024), o que favoreceria a primeira tradução. Mas, durante o período em que esteve sediado em Nova York, entre 1934 e 1950, o nome oficial foi “Institute of Social Research”, o que autoriza o segundo uso.
2 O Königliches Institut für Seeverkehr und Weltwirtschaft an der Universität Kiel [Real Instituto de Trânsito Marítimo e Economia Mundial da Universidade de Kiel], conforme batizado originalmente, foi fundado em 1914 por Bernhard Harms, e o Forschungsinstitut für Sozialwissenschaften [Instituto de Pesquisa em Ciências Sociais] foi fundado em 1919 em Colônia, sendo chamado, a partir de 2013, Institut für Soziologie und Sozialpsychologie [Instituto de Sociologia e Psicologia Social]. Assim como o Instituto para a Pesquisa Social, também esses dois institutos continuam em atividade.
3 Há um debate que segue aberto sobre escrever a expressão “Teoria Crítica” em maiúsculas ou minúsculas. Deixamos a decisão a esse respeito ao juízo de cada autora e autor dos capítulos deste volume.
4 No texto “Filosofia e Teoria Crítica”, publicado juntamente com “Teoria tradicional e Teoria Crítica”, Horkheimer escreveu: “Entre aqueles que hoje recorrem à Teoria Crítica, há quem a rebaixe, em plena consciência, a uma mera racionalização de seus respectivos empreendimentos; outros se apoiam em
John Abromeit é professor do Departamento de História e Educação em Estudos Sociais na Universidade Estadual de Nova York, em Buffalo, onde ministra cursos sobre história europeia moderna, história intelectual e teoria social crítica. É autor de Max Horkheimer and the Foundations of the Frankfurt School (Cambridge University Press, 2011). É coeditor de Herbert Marcuse: A Critical Reader (Routledge, 2004), Herbert Marcuse: Heideggerian Marxism (University of Nebraska Press, 2005), Transformations of Populism in Europe and the Americas: History and Recent Tendencies (Bloomsbury, 2016) e Siegfried Kracauer: Selected Writings on Media, Propaganda, and Political Communication (Columbia University Press, 2022).
Isabelle Aubert é professora associada de Filosofia na Universidade de Paris 1 – Panthéon Sorbonne e membro do Institut Universitaire de France. É autora de Habermas. Une théorie critique de la société (CNRS, 2015). É coeditora de Dialogues avec Habermas (CNRS, 2018), Niklas Luhmann: Une théorie générale de la société (Éditions de la Sorbonne, 2023) e Adorno: Dialectique et négativité (Vrin, 2023).
Fernando Bee é doutor em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Escreveu sua tese sobre a obra de Walter Benjamin. Seus interesses de pesquisa incluem a Teoria Crítica e os efeitos das tecnologias digitais na sociedade.
Dirk Braunstein (Ph.D) é arquivista e assistente de pesquisa no Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt. É autor de Adorno’s Critique of Political Economy (Brill, 2023) e editor dos quatro volumes de Die Frankfurter Seminare Theodor W. Adornos. Gesammelte Sitzungsprotokolle 1949-1969 (de Gruyter, 2021).
Ricardo Lira é doutor em Filosofia e mestre em Música pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Tem interesse pela relação entre música e sociedade, especialmente da perspectiva da Teoria Crítica. Sua pesquisa foca particularmente na música do século XX e na obra de Theodor W. Adorno.
Inara Marin é psicanalista e professora colaboradora do Departamento de Filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É também pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), onde coordena um grupo de pesquisa sobre psicanálise na Teoria Crítica contemporânea. Em 2022, publicou o livro Narcisismo e reconhecimento: os caminhos da psicanálise na Teoria Crítica.
Ursula Marx é pesquisadora associada do Arquivo Walter Benjamin da Akademie der Künste, Berlim. É editora de Walter Benjamin, Briefe im Entwurf (Ulrich Keicher, 2020) e coeditora de Walter Benjamins Archive. Bilder, Texte und Zeichen (Suhrkamp, 2006; também em chinês, inglês, francês e espanhol), e Walter Benjamin, Werke und Nachlass. Kritische Gesamtausgabe, vol. 4: Goethes Wahlverwandtschaften (juntamente com Martin Kölbel; Suhrkamp, no prelo).
Marcos Nobre é professor de Filosofia Política na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador sênior do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Autor de livros sobre Adorno, Lukács, Hegel e sobre Teoria Crítica de forma mais ampla. Em 2022, a Springer publicou seu livro Limits of Democracy: From the June 2013 Uprisings in Brazil to the Bolsonaro Government.
Rafael Palazi é doutorando em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Tem interesse em Teoria Crítica e, especificamente, nos trabalhos de Jürgen Habermas. Sua principal pesquisa se concentra na Teoria da Ação Comunicativa e seus desdobramentos.
Raquel Patriota é professora de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Suas principais áreas de interesse são a Estética, a Teoria Crítica e o Modernismo.
Aurélia Peyrical estudou na École Normale Supérieure (Paris) e na Sorbonne Université. Leciona Filosofia e atualmente está escrevendo seu doutorado na Université Paris-Nanterre, sobre a teoria da personalidade e da individualidade de Adorno. Também é estudante de mestrado em Psicologia Clínica Integrativa e Psicoterapia na Université Paris 8.