Atlas da IA: poder, política e os custos planetários da inteligência artificial

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ATLAS Da IA

Poder, política e os custos planetários da inteligência artificial

A inteligência artificial está transformando o mundo, mas a que custo?

Em Atlas da IA, Kate Crawford revela os impactos ocultos desse sistema tecnológico, que vai além dos algoritmos e se enraíza em relações de poder, política e exploração ambiental e social. Da extração de minérios essenciais à coleta maciça de dados, a autora desmonta a ideia de que a IA é neutra e imaterial, mostrando como ela reflete e amplifica as desigualdades. Kate Crawford observa que "Precisamos perguntar: o que é a IA? Que formas de política ela propaga? Quais são os interesses a que ela serve e sobre quem recaem os maiores riscos de danos? Onde o uso da IA deveria ser limitado? As respostas para essas questões não serão fáceis." Esta é uma leitura essencial para quem deseja entender o que está por trás do sistema que redefine nosso presente e molda o futuro do planeta e de seus habitantes.

ISBN 978-85-9493-328-7

Pode causar estranheza o título deste livro. Um atlas é comumente uma coleção de mapas organizados. E foi exatamente isso que a pesquisadora e ensaísta Kate Crawford realizou. Temos aqui uma cartografia dos componentes visíveis e invisíveis do que tem sido nomeado inteligência artificial. Mais do que a apresentação dos componentes e das rotas da cadeia de desenvolvimento e uso da IA, ela nos conduz em uma viagem impressionante pelos locais e pontos obscuros de uma realidade que aparenta ser inofensiva, altamente positiva, anunciada como um salto tecnológico para beneficiar toda a humanidade. Kate Crawford consegue alinhar um conhecimento sociotécnico rigoroso com uma escrita suave e envolvente para nos apresentar um cenário terrivelmente preocupante. A pesquisadora reuniu itinerários que nos dão a noção definitiva da materialidade da IA.

O livro nos apresenta a devastação deixada pelas minas de extração de lítio na América do Norte e segue até a Mongólia Interior, onde um gigantesco lago artificial de lama preta tóxica é o subproduto da mineração de terras raras, indispensáveis à cadeia de produção de hardwares vitais para máquinas de alto processamento computacional. Crawford alerta que “para entender os negócios da IA, precisamos considerar a guerra, a fome e a morte que a mineração traz a tiracolo”. Entre diversos pensadores e pesquisadores que Crawford utiliza para nos conduzir nessa navegação, Lewis Mumford se destaca por ter descrito a existência de tecnologias autoritárias e complexas que acabam compondo uma megamáquina. Mumford se referia ao Projeto Manhattan, origem da bomba nuclear. Assim, Crawford propõe enxergarmos a IA como “outro tipo de megamáquina, um conjunto de abordagens tecnológicas que depende de infraestruturas industriais, cadeias de suprimentos e trabalho humano e que, mesmo que se estenda ao redor do globo, se mantém obscuro”.

O que vai se tornando evidente é que a IA opera mais do que algoritmos de álgebra linear e modelos probabilísticos; ela combina infraestrutura, capital e trabalho. Crawford nos leva às imensas instalações da Amazon e da Foxconn para mostrar que deveríamos nos preocupar não com a mera substituição de humanos por robôs, mas com o neotaylorismo, incrementado pelo aprendizado de máquina e pelas redes neurais, que altera profundamente o trabalho e seus ambientes, subordinando-os à vigilância, à avaliação algorítmica

e à modulação do tempo. Para além da precarização do trabalho e das métricas ameaçadoras de controle dos sistemas de IA, Crawford descortina o cenário em que “a computação de larga escala está profundamente enraizada na exploração de corpos humanos, dos quais se alimenta”.

Estamos vivendo uma nova fronteira da acumulação capitalista. Os dados são ativos de alto valor econômico e o insumo fundamental da IA. Crawford nos apresenta as colossais estruturas de armazenamento e processamento de dados extraídos de todas as partes do mundo e concentrados nas Big Techs. Sem dados não é possível extrair os padrões e realizar as classificações dos modelos de IA. Nos anos 1980, Robert Mercer, que posteriormente se tornou um dos sócios da Cambridge Analytica, afirmou: “nenhum dado é melhor que ter mais dados”. A nova corrida pelo ouro está na produção e captura incessante e quase ubíqua de dados de todas as atividades humanas e maquínicas. Um dos resultados é o gasto colossal de energia, acompanhado do elevado consumo de água para o funcionamento e a refrigeração dos armazéns de dados, muitos dos quais possuem mais de cem mil computadores em uma única instalação. O impacto ambiental dos data centers e da IA baseada em dados parece ser insustentável. A Agência Internacional de Energia estimou que em 2022 o consumo dos data centers, da IA e das criptomoedas havia atingido 2% da demanda global de energia elétrica. Somente a demanda dos data centers na Irlanda, em 2022, foi de 17% do total de eletricidade consumida nesse país.

Este livro é indispensável, também, porque abre as janelas do treinamento dos modelos de IA com seu viés racializado, com a redução dos humanos a categorias binárias de gênero e com o empobrecimento da diversidade cultural e a eliminação ou invisibilização dos desviantes da padronização. Enfim, a cartografia trazida por Kate Crawford nos permite ver que a “IA não é nem inteligente nem artificial. Em vez disso, ela é corpórea e material, feita com recursos naturais, combustíveis, trabalho, infraestruturas, logística, histórias e classificações humanas”.

Sergio Amadeu da Silveira

Sociólogo e professor da Universidade Federal do ABC

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Assistente: Ricardo Kawazu

ATLAS DA IA

Tradução: Humberto do Amaral

Poder, política e os custos planetários da inteligência artificial

© 2021 by Kate Crawford

Originalmente publicado pela Yale University Press

© Edições Sesc São Paulo, 2025

Todos os direitos reservados

Tradução Humberto do Amaral

Preparação Leandro dos Santos Rodrigues

Revisão Edgar Costa Silva e Tulio Kawata

Projeto gráfico, capa e diagramação André Hellmeister / Estúdio Collages

Ilustrações de capa e miolo André Hellmeister

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

C32a

Crawford, Kate

Atlas da I. A.: poder, política e os custos planetários da inteligência artificial / Kate Crawford; tradução de Humberto do Amaral. – São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2025. –380 p. il.

Bibliografia

ISBN: 978-85-9493-328-7

1. Inteligência Artificial. 2. Relações de poder. 3. Política. 4. Economia. 5. Custos ambientais. 6. Custos sociais. 7. Custos humanos. 8. Relações éticas. 9. Tecnologia. 10. Logística em inteligência artificial. I. Título. II. Amaral, Humberto do.

CDD 006.3

Elaborada por Maria Delcina Feitosa CRB/8-6187

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Para Elliott e Margaret

Nota À ediÇão BraSileira

Em Atlas da IA , Kate Crawford examina criticamente a inteligência artificial, apresentando-a como um sistema global interligado de tecnologia e poder. Longe de ser apenas um avanço técnico, a IA é uma infraestrutura com raízes profundas em dinâmicas políticas, econômicas e ambientais. Como mostra a autora, o impacto dessa infraestrutura no cotidiano em geral é desconhecido pelos cidadãos e, até mesmo, ocultado pelas big techs.

Kate Crawford traça um panorama que vai das minas de lítio aos conjuntos de dados, revelando como a IA depende de recursos naturais, trabalho humano precarizado e vastas estruturas computacionais. A extração de minérios, o uso excessivo de água e energia, e a coleta maciça de informações operam sob um modelo econômico que transfere custos sociais e ambientais para comunidades marginalizadas e governos, enquanto, como ela aponta, as grandes corporações colhem os benefícios.

Crawford argumenta que a IA reforça desigualdades ao automatizar decisões em setores como segurança, mercado de trabalho e crédito, frequentemente baseadas em dados enviesados e classificações reducionistas, marginalizando cidadãos de acordo com sua aparência. A suposta objetividade dos algoritmos mascara processos históricos de exclusão, reproduzindo e reforçando preconceitos de gênero, raça e status socioeconômico.

Ao conectar temas globais à realidade local, o conteúdo do livro dialoga diretamente com o trabalho desenvolvido pelo Sesc São Paulo, que, entre suas muitas atividades, se dedica a promover a educação para a cidadania e a sustentabilidade. Por meio de projetos que aliam cultura, conhecimento e consciência ambiental, o Sesc contribui para um debate mais amplo a respeito do papel da tecnologia na sociedade.

O cavalo mais inteligente do mundo INTRODUÇÃO

No final do século 19, a Europa ficou fascinada com um cavalo chamado Hans. Conhecido como “Hans Esperto”, era nada menos que uma maravilha: conseguia resolver problemas de matemática, dizer a hora, identificar dias em um calendário, diferenciar notas musicais e soletrar palavras e frases. As pessoas se amontoavam para assistir enquanto o garanhão alemão batia os cascos para resolver problemas complexos e chegava de forma consistente à resposta correta. “Quanto são dois mais três?” Hans batia diligentemente o casco no chão cinco vezes. “Em que dia da semana estamos?” Ele então batia o casco em cada uma das letras de uma tábua construída especialmente para isso e soletrava a resposta certa. Hans dominava até mesmo questões mais complexas, como: “Estou pensando em um número. Subtraio nove e o resultado é três. Qual é o número?”. Em 1904, Hans Esperto já era uma celebridade internacional, e o New York Times o consagrou como o “maravilhoso cavalo de Berlim; ele faz quase tudo, menos falar”1 .

O adestrador de Hans era um professor de matemática aposentado, chamado Wilhelm von Osten, que tinha um fascínio antigo pela inteligência animal. Von Osten já havia tentado

Fonte Adriane de Marconi Lima/Typefollio

Papel capa Supremo alta alvura 250 g/m2

miolo pólen natural 80 g/m2

Impressão Leograf

Data maio de 2025

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