LYRA LUGUBRE

Page 1


L Y R A LUGUBRE

Glauco Mattoso

LYRA LUGUBRE

São Paulo

Casa de Ferreiro

Lyra lugubre © Glauco Mattoso, 2025

Editoração, Diagramação e Revisão

Lucio Medeiros

Capa

Concepção: Glauco Mattoso

Execução: Lucio Medeiros

Fotografia: Akira Nishimura

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Mattoso, Glauco

LYRA LUGUBRE / Glauco Mattoso. –– Brasil : Casa de Ferreiro, 2025. 222 Páginas

1.Poesia Brasileira I. Título.

25-1293 CDD B869.1

Índices para catálogo sistemático: 1. Poesia brasileira

SONNETTO DAS LYRAS LIBERAS [13.000]

Nas lyras onde exporro, me libero. Nas lyras onde enxergo, vou sonhando. Nas lyras onde brinco, mais me expando. Nas lyras mais sombrias, morrer quero.

Assim, em LYRA LUBRICA, sou fero. Porem, em LYRA LUCIDA, mais brando. Depois, em LYRA LUDICA, vou dando risada. Em LYRA LUGUBRE, exaggero.

Mais livros de sonnettos eu preparo ao longo da cegueira, appesar duma insomnia que tornou meu dia amaro.

Loucuras, muitas, deixem que eu assuma, pois nesse versejar é que eu não paro de, emquanto vivo, ousar ver luz na bruma.

[PRIMEIRA PARTE]

SONNETTOS SOBRENATURAES

CABULOSOS VOCABULOS [10.172]

Glaucão, você precisa accabar com seu habito de, todo o tempo, usar a tragica palavra “azar”! Dá azar! Dizer “falta de sorte” eu acho bom!

Tambem outra palavra não tem dom benefico: “fracasso”! No logar talvez fique “insuccesso”, um exemplar vocabulo, melhor! É de bom tom!

Meu pae morreu de cancer, mas eu não escrevo “cancer”, esse termo horrivel! Não gosta de euphemismos, não, Glaucão?

Fracasso soffreu sempre? Em baixo nivel, azar tem, fodidissimo? Ora, então nem culpa tem um termo discutivel?

BIOGRAPHIA AUCTORITARIA [10.201]

Biographos dividem-se em questão bastante controversa: a minha morte. Uns dizem que morri sem que se importe ninguem, obscuramente. Eu digo não.

Mas outros sabem onde meu caixão está. Dizem que rhuma toda sorte de gente para a tumba. Que eu comforte as mentes pedem muito os que la vão.

Mandaram que eu morresse em soffrimento os sadicos biographos. Morri appenas em seus livros. Nem commento.

Nos livros que escrevi, me encontra aqui quem queira procurar-me. Estou attento àquelles que não mactam nem sacy.

JORNADA

PROPHANADA [10.202]

No dia de Finados, verifica aquelle que visita algum jazigo que está tudo virado. Nem castigo dos Céus quem depredou teme, nem zica.

Levaram todo o bronze e feia fica a tumba sem as placas. Quem comsigo parentes trouxe sente esse perigo nos ares. A familia a mula picca.

Caveiras para fora, de mixtura com lapides pichadas, formam uma orgia que, maccabra, a praga augura.

Com medo, o visitante em fuga rhuma à rua, mas tropeça, batte e fura um olho. O cemeterio cae na bruma.

CHORÕES E FOLLIÕES [10.208]

Ainda que estejamos ja doentes e edosos, sem familia, sem amigo, nós temos um amor, que mal consigo conter, por sermos ‘inda aqui viventes.

Ainda amor à vida, pelos dentes risonhos, a caveira traz comsigo. Ainda amor à vida algum mendigo demonstra, si se lembra dos parentes.

Tristeza sem remedio nós sentimos por terem ja morrido nossos paes ou mesmo nossos thios e nossos primos.

A festa alheia cala nossos ais e irão, dos carnavaes, mais e mais rhythmos calar nossos suspiros terminaes.

CREME ANTIEDADE [10.215]

Abrir irei a griffe mais careira daqui deste paiz, Glaucão! Duvida? Um creme venderei que dará vida eterna à velharada ja na beira!

Sim, mesmo que na cova alguem ja queira pensar que tem um pé, minha alludida pommada tornará mais parescida com pelle de bebê sua caveira!

Farei de margarida negra aquella especie de kosmetico, Glaucão! Que é facto uma pesquisa ja revela!

Ouviu da flor fallar? Ainda não? Não torna alguma feia cara bella, mas joven tal caveira achar irão!

DIA DE LUCTA CONTRA O CANCER [10.361]

Na phase terminal, lhe deram droga fortissima. Que nada! As dores não passavam. O coitado, no colchão mijado, rogou como ninguem roga.

Pediu, implorou… Só quem dialoga com Christo, Satanaz e Buddha tão tenaz lucta travou. Eis a questão: Jogar ou não jogar? Quem soffre, joga.

As chartas foram postas. Figurado sentido, pois rollava no mijado colchão quem supplicava pela vida.

Emfim, foi attendido. Não doia mais nada. Mas assim que essa agonia passou, eis que elle, então, se suicida.

DIA DA EXSPECTATIVA DE VIDA [10.434]

Você ja deveria ter morrido, sabia, Glauco? Sim, septenta e trez ja foi exspectativa, alguma vez! Está no lucro, Glauco, não duvido!

Até septenta e quattro foi… Decido, porem, eu que sou medico, que em seis o numero não chega, Glaucão, eis que, magico, não temos comprimido!

Trez pillulas por dia você toma? É pouco, muito pouco, meu amigo! Não pode nem comer tudo o que coma!

Que viva mais uns mezes não consigo prever, mas quem conhesce não embroma! Vae cada vez correr maior perigo!

DIA DA CONSCIENCIA POSTHUMA [10.507]

Glaucão, tanto melhor! Si for a morte o fim da consciencia, tudo bem! Aqui não estaria mais ninguem ja morto que da cova se transporte!

Tambem nós, si morrermos, muita sorte teremos por não termos que ver, sem que vistos nós sejamos, quando alguem nos chama de escriptores por esporte!

Qualquer que seja a nossa sorte, nada teremos que temer! Ou descansamos ou damos, la do céu, muita risada!

Portanto, quando ouvirmos os reclamos dos mortos sem sossego nem morada, diremos que bananas nós lhes damos!

DIA DO COVEIRO [10.571]

Glaucão, de profissão um meu collega cadaveres viola! Mas lhe narro taes coisas em sigillo, tá? Bizarro fetiche tem, pois só calçados pega!

Sapatos ‘inda novos, botas mega surradas, tennis podres… Meu, que sarro tirei ja delle, porra! Sei que exbarro em coisas delicadas… Ninguem nega!

Malucos somos todos! E mania secreta, quem alguma não terá? Mas esse com fedores se sacia!

Fedores bem peores, camará, que nosso chulezinho, dia a dia mais putrido nas velhas chancas, ja…

DIA DUM NATAL DEPRESSIVO [10.627]

Mactar-se planejou, pois o Natal é muito depressivo para quem está sozinho, sem familia, sem amigos, sem motivos, affinal.

Até deixou bilhete, escripto mal, perdão nelle pedindo por, alem de estar dando trabalho para alguem, ter feito pouco pela Casa Astral.

A Casa Astral, no caso, foi o templo em que elle revisita a sua vida preterita, a servir de bom exemplo.

Mas, antes que mactar-se, emfim, decida, na rua acha a cadella que eu contemplo, sozinha. Ao vel-a, não se suicida.

DIA DA IMPRENSA ESPIRITA [10.676]

No meu fanzine espirita, Glaucão, publico só mensagens de quem ja está desencarnado, quem está num plano superior de evolução!

Bom… tento publicar… Mas, quando são provindos de inferior logar, não ha maneira de evitar que eu proprio va virar mero refem da maldicção!

Os textos são terriveis! Fazem uma daquellas ammeaças de invadir a Terra algum zumbi que vil se assuma!

Nem sempre se confirma, ha que convir meu publico leitor, mas, si elle espuma de raiva, todos temos que intervir!

DIA DO MENSAGEIRO [10.703]

Glaucão, boas noticias tenho para você, que recebi da minha thia cigana! Fim terá sua agonia! Em breve, morrerá! Que bom, né, cara?

Certeza tenho: toda a sua tara jamais lhe compensou o que perdia em termos de visão! Era mania, appenas, que não basta a quem se azara!

Sabendo que você não tem mais chance de ser feliz, a minha thia, que é vidente, é que incumbiu-me deste lance!

Então, o recadinho della até que pode ser bemvindo! Caso danse mais cedo, ‘ocê se livra! Bote fé!

DIA DO SCEPTICO [10.748]

Poeta, não me digas que tu crês em bruxas, lobishomens e vampiros! Não digas que se macta só com tiros de pratta algum monstrengo, toda vez!

Tambem crês na sciencia? Nos bebês diabos? Crês num atomo, num virus? Nas drogas? Nas vaccinas? Nos papyros secretos? Dessas lendas és freguez?

Difficil crer que gente intelligente dê credito, tal como sempre creste, às fontes que confundem nossa mente!

Commigo, não! Só creio mesmo neste caralho que, ja molle, nem que eu tente foder-te, indicará que me fodeste!

DIA DO HELICOPTERO DESAPPARESCIDO [10.749]

Teimosos, insistiram esses septe politicos. Queriam repousar no norte litoral. Mas o logar tem matta fechadissima, sem net.

Batata. Alli na matta quem se mette não chega a seu destino. Foi pousar o dono do helicoptero no mar, ou seja, affundou. Haja quem se affecte!

Nadaram só trez. Pela praia, mal puderam andar. Era muito matto. Seguiu-os um terrivel animal.

Havia lobishomens no local. Cadaveres achados, foi sensato dar vagos pormenores no jornal.

DIA DO PREGADOR DE CHRISTO [10.779]

Irmãos! Eu de Satan não serei fan! Satan não me seduz! Si Satanaz deixarmos que nos tempte, para traz iremos! Luz terá meu ammanhan!

Mas não a luz de Lucifer! Affan terei eu contra aquelle que só faz satanicas menções e coisas más planeja! Não serei como Satan!

Não sigam o Demonio! Não me tomem por esse diabolico senhor! Sou crente na Verdade! Sou bom homem!

Não, Lucifer nem citem! Quando for alguem delle fallar, digam que comem o pão que elle ammassou, de mau sabor!

OUTRO DIA DE COMBATTE À INTOLERANCIA RELIGIOSA

[10.808]

Não, Glauco! Não consigo tolerar tamanha intolerancia! Feiticeira me chamam! Querem ver minha caveira! Não posso mais viver neste logar!

Disseram que Satan vou cultuar na sexta-feira à noite, que quem queira chas magicos, poções, vem aqui! Beira a falta de respeito! Vou chiar!

Tá certo que sou bruxa, que sou maga, mas isso não implica que eu devota me torne de Satan, que jogue praga!

Ah, deixe estar, Glaucão! Esse idiota que coisas taes postou, elle me paga! Irá se transformar numa marmota!

DIA DO ORGULHO ZUMBI [10.898]

Você, que ergueu meu ego, Mattosão, meresce gratidão deste zumbi pivete, que morrera bem alli, na zona! Foi culpado um trezoitão!

O tiro, por azar, no coração pegou e me enterraram! Nunca vi um tumulo tão raso, pois sahi de dentro sem exforço, bem pimpão!

Você do meu pezão tanto gostava que, mesmo ja carniça fedidona, ainda nelle punha a lingua escrava!

Agora nem retorno mais à zona, pois sinto muito orgulho desta brava carcassa, que você nunca abbandona!

DIA DO SUICIDA [10.903]

Ja fiz ao suicidio uns versos bem sinceros, pois respeito o suicida. Ninguem pode dispor da sua vida, excepto o proprio gajo, nada alem.

Mas como, em sociedade, sempre tem quem queira decidir, então decida! Opine, então! Prohiba! Mais convida quem pense em se mactar! Ao caso vem!

Só sabe, em philosophica attitude, si deve se dar cabo, quem está podendo reflectir. Eu nunca pude.

Cegando lentamente, cheguei ja bem perto desse gesto, juventude perdi, mas me diria alguem: “Não va!”

DIA DO LOBISHOMEM [10.905]

Aqui, na matta atlantica, Glaucão, eu tenho territorio bem extenso! Por vezes, um passeio maior penso fazer em Joanopolis, irmão!

Tornei-me lobishomem, por acção dos outros… Sim, são muitos, neste immenso scenario tropical, de matto denso! Mas ‘inda lobishomens mais virão!

Estamos expalhados! São Luiz… Sim, do Parahytinga… Até na Villa, ahi pertinho, um dia morar quiz…

Fui quasi seu vizinho! Bem tranquilla, a sua rua! Ahi só tem juiz, burguez… P’ra me abrigar ninguem vacilla!

DIA DO MORIBUNDO [11.038]

Poeta, aquelle filho duma puta não morre! Dos noventa passou, ja faz tempo! Ja cahindo de gagá está, mas segue firme na labuta!

Patife! Inda persegue quem disputa logar ao sol nas lettras, camará! Mas quando, meu Deus, quando batterá as botas? Muitos baldes ‘inda chuta!

Sahiu ja da politica, da lyra ha muito desistiu, mas continua impondo uma barreira a quem se inspira!

A hora ja não vejo de, na rua, passar o seu cortejo! Foi mentira o auê de que morreu! Tem cu na Lua!

DIA DE COMBATTE À TRANSPHOBIA [11.123]

Eu era lobishomem, menestrel! Mas, quando resolvi me transformar numa lobismulher, só dei azar! Ninguem quiz entender o meu papel!

Ja todo mundo quer copia fiel da sua linda photo, um avatar qualquer, de si, crear! Só quero dar um jeito de ficar menos cruel!

Ainda tenho cara de cachorra, mas acho que paresço não ser brava! Não quero que essa turma de mim corra!

Sim, antes, menestrel, eu me mostrava tal como um lobo horrendo, um monstro, porra! Agora até chamada sou de trava…

DIA DO ROCKEIRO GOTHICO [11.128]

Glaucão, eu nos seus versos não me metto, mas acho que você bem que podia fallar mais um pouquinho da mania que temos nós aqui, do negro ghetto!

À noite é que, vestidos só de preto, sahimos para a rua! À luz do dia não tinha a menor graça! Alguem iria curtir o sol? Componha algum sonnetto!

Sim, diga que eu frequento o cemeterio e em casa collecciono craneos! Sim! Ah, tente me levar, poeta, a serio!

Eu sei que ouvir The Cure não faz, emfim, na scena musical nenhum mysterio, mas quero ver você fallar de mim!

DIA DE ANTINATAL [11.173]

Podia de Satan haver a data natal? Que sim eu creio! Neste mez de junho, o vinte e cinco de freguez me fez, poeta! Achou que é data exacta?

Lhe importa a tradição? O que relata a fonte fidedigna não dá vez a alguma negação! O que talvez influa seja alguma questão chata!

Exemplo: Satanaz nasceu? Mas onde? E quando? Ora, decerto será mais edoso que Jesus! Onde se esconde?

Questões que me parescem ser banaes nem tento responder! Ja nos responde a magica assumpção de taes nataes!

DIA DO SCIENTISTA [11.188]

Glaucão, si um scientista me jurar que crê nos lobishomens, eu confio no gajo! Caso o leigo mais vadio tambem jure, confio sem piscar!

Mas, caso o scientista do lunar bichão duvide, curto de pavio eu fico! Nem retruco! Sem um pio, accolho o palpiteiro mais vulgar!

Ora, a lycanthropia ja faz parte de todo o scientifico legado! É como haver etês verdes em Marte!

Um homem de sciencia não será do respeito geral digno si faz arte contraria à dos poetas do meu lado!

DIA DO COVEIRO SUPERSTICIOSO [11.238]

Coveiro fui, Glaucão! Superstição alguma, sim, terei aqui commigo! Sim, creio que exsistir pode castigo a quem roubar as alças dum caixão!

É muita sacanagem, meu irmão! Nas costas carregou ja, meu amigo, um desses pesadões? Eu não consigo! Do Alem virá, na certa, a punição!

Fiquei, Glaucão, sabendo que um ladrão de muitas sepulturas castigado foi por um eskeleto, sem perdão!

Assim que violou esse pesado caixão, a tal caveira o pegou, tão de jeito, que elle vive, hoje, cagado!

DIA DO FOLKLORE [11.244]

Da mula sem cabeça alguem só diz que pelas ventas solta fogo! Dá, poeta, para a gente crer? Não ha noção, dum animal, tão infeliz!

Vae ver, quem fez tal lenda appenas quiz crear um monstro horrivel, que será lembrado pela sadica babá que cuida dum attonito pettiz!

Lobato desse mytho fez chacota, citando labaredas duma luz intensa, que de longe ja se nota!

Mas fica alguma dica… Alguem adduz que todos os politicos teem quota da mula, por detraz, pelos seus cus…

DIA DO ACCOMMETTIDO DE DEPRESSÃO [11.302]

Quem soffre de deprê ja fica sem poder siquer dormir, de tão fodido, Glaucão! A vida perde seu sentido! Até do suicidio sou refem!

Tentei ja me mactar, Glaucão, porem perdi toda a coragem, e duvido que tantos depressivos tenham sido levados a tal gesto, meu! Eu, hem?

Mactar-me? Nem pensar! Desanimado eu sei que estou, mas, quando você vem meu pé massagear, ja não me enfado!

Me sinto tão pimpão quanto um nenen beijado pela sua mãe, coitado, na sola dum pezão que cheira bem!

DIA DO KARDECISTA [11.305]

Apposto que és alguem reencarnado, Mattoso! Talvez Milton, ou até Homero! Nos espiritos tens fé? Então entenderás este meu lado!

És bruxo, tens em Baccho o teu sagrado modello, mas entendo que quem é poeta algo recebe de outro Zé que tenha fallescido no passado!

Quem foi Pedro tambem? Tambem quem era José? Pedro José foi o Constancio, um outro fescennino! Ora, pudera!

Tens alma audaz! Emquanto não descanse o Constancio, tu serás, na actual era, herdeiro! Foste thema até em Byzancio!

FRANKENSTEIN FRIDAY [11.337]

Ainda Frankenstein causa pavor?

Paresce, menestrel, pois eu constato que desse monstro fazem um retracto fiel, ou seja, atroz, é de suppor.

Cadaver simulando, sua cor é pallida. Accontesce que, insensato, meu primo usou a mascara, num acto dramatico, verdinha, trovador!

Attonita, a platéa não sabia si via aquelle monstro conhescido ou era marciano quem surgia…

Até virou comedia, não duvido, aquella pantomima, a allegoria dum verde ex-presidente parescido.

DIA DAS CAUSAS IMPOSSIVEIS [11.341]

São Judas invoquei, esse Thaddeu que menos Judas é, pois nos adjuda nas causas impossiveis. Nada muda, porem, pois o glaucoma me venceu.

Alguns invocam Buddha, mas não eu. Tambem invoquei Baccho, de barbuda figura. Caso Baccho nos accuda, brindamos. Ahi, tudo se exquesceu.

Não ha, para glaucoma, alguma cura possivel. Nem Satan soccorreria. Talvez Sancta Luzia, alguem ja jura.

Invoco outros espiritos. Um dia descubro qual tem força na futura galaxia, aonde irei em poesia.

DIA DE FINADOS [11.354]

Poeta, ao cemeterio não vou mais! Meus mortos deixarei de visitar! Notei que essa necropole logar não é para quem ouça aquelles ais!

Sensivel, sensitivo sou, dos taes que escutam taes gemidos num tal ar! Si estou nessa atmosphera tumular eu fico sem parametros normaes!

Sahindo do sepulchro, para mim ja vinha se chegando uma caveira a cada vez que eu ia! Achei ruim!

Não quero sentir essa tremedeira de novo, menestrel! Si for assim, terror num filme vejo, caso queira!

DIA DA CAVEIRA [11.361]

Os olhos são buracos, e quem queira olhal-os appavora-se de cara. Mas isso não é tudo: olhem só para a bocca duma typica caveira!

Alem do que, de podre, ella ja cheira, a sua dentição, que se excancara, suggere que ella a rir esteja, tara propicia a quem da Morte é mensageira.

A todos nós, o craneo uma mensagem envia: A carne fica decomposta bem rapido. O que resta faz visagem…

Pergunta-se, e darei uma resposta: Ao tempo por que taes ossos reagem? Porque de olhar espelho a gente gosta…

DIA DA SOBREVIDA AO SUICIDIO [11.372]

Frustrado, um escriptor quer se mactar. Pegou seu trezoitão. Antes que parta, deixar quer, dando addeus, extensa charta. A charta vae virando um avatar.

Suppõe então que, para publicar aquelle romanção, ha chance farta. Ahi seu suicidio ja descharta e tracta de editor, ja, procurar.

Porem tal obra prima não desperta a minima attenção dum editor qualquer. Ninguem fareja a coisa certa.

Só resta se mactar, mesmo. Si for você pessoa assim, que fique experta. Ninguem fará justiça ao bom auctor.

DIA MUNICIPAL DO CARIOCA [11.403]

Não sendo um carioca que da gemma se diga, alli morei e dizer posso que o Rio de Janeiro será nosso motivo dum candente e eterno thema.

Alguem ha, na cidade, que não tema alguma violencia? Não engrosso, por isso, um khoro hostil, e sempre endosso si for “maravilhosa” aquelle lemma.

A sua paizagem, que não vejo mais, vi de la de cyma, num momento em que foi suicidio o meu desejo.

Porem, do Pão de Assucar ja não tento pullar, nem sinto medo do festejo satanico. Não ha melhor logar.

DIA NACIONAL DO CEMETERIO ALLAGADO [11.429]

Horror, Glauco! Um horror! No radio ouvi que as chuvas allagaram totalmente o nosso cemeterio, que imponente ja fora! Ha só ruina por alli!

O caso horrorizou tambem a ti? Um corpo ou outro boia, ainda quente, ao lado de eskeletos mil! Alguem te contou que essa caveira até sorri?

Sim, essa sepulchral cara amarella que todas as ossadas symboliza, alli, depois da chuva! Scena bella!

À noite, esses zumbis vão, como diz a crendice, interpellar alguem que zela mal pelas tumbas! Tudo se reprisa!

DIA NACIONAL DA BOTA BATTIDA [11.461]

Sahi tarde da zona de comforto materna, mas entrei cedo na zona de guerra, litteral ou brincalhona, a mesma do maior poeta morto.

Com outro me irmanei, deixei o porto em busca de emoção: peguei carona no barco que, em taes ondas, ambiciona chegar onde chegou o vate morto.

Em annos cariocas, eu absorpto fiquei como o mineiro que desthrona o luso menestrel, tambem ja morto.

Deitei-me em muitas camas. Com pé torto entrei no sonho, como quem resomna no tumulo de todo bardo morto.

DIA SOBRENATURAL DA CARNALIDADE [11.489]

Foi sadico! Foi tetrico! Foi tão erotico, grottesco! Foi funesto! Peor que um fratricidio, que um incesto! Foi hallucinação! Foi possessão!

Delirio. Pesadello. Uma sessão espirita. No leito, o mortal resto fodendo-se, fedendo de indigesto banquete diabolico, ou pagão.

Erecto cajadão. Funebre foice. Carnal, lubrico, lugubre caixão. Sepulchro. Tumba. Cova. Alcova. Alcoice.

Um corpo. Um corno. Um caso. Um casco. Um coice. Um ai! Um eia! Um murro. Um urro. Um não. Me venho! Vou gozar! Finou-se! Foi-se!

DIA PESSOAL DA QUEDA LIVRE [11.492]

Em sonho, estou do abysmo sempre à beira, arranhacéu, penhasco, torre, ponte, ja quasi… Ninguem peça que eu lhe conte que medo é o de morrer! Ah, ninguem queira!

Vislumbro até o sorriso da caveira! Penduro-me, me aggarro… Estou defronte à restia de esperança no horizonte… Ja a salvo, viro o rosto à ribanceira!

Repete o pesadello tal roptina, até que, numa noite, estou curvado, olhando para baixo, sem cuidado.

Mas, desta vez, eu mesmo minha signa decido… e pullo! Nesse instante, o lado humano compta… e temo! Ou sou ninado?

DIA PESSOAL DO IDYLLICO COLLYRIO [11.517]

Que bello pesadello, gente, eu tive!

Paresce paradoxo, mas explico: sonhei que eu enxergava bem e rico de cores era o bosque em que eu estive.

De verdes, tons diversos, inclusive nas aguas da lagoa, verifico que tingem esse parque. Perto, um picco rochoso o delimita, no declive.

Não quero despertar, pois si desperto percebo que estou cego de verdade. Mactar-me quero. Quem me dissuade?

De novo ja addormesço. Ja bem perto estou de libertar-me desta grade de trevas. Permittir isso? Quem ha de?

DIA MUNDIAL DA INSOLUBILIDADE [11.527]

Não quero opinião dar sobre a morte nem quero ouvir a alheia. Opinião do typo é como sobre a vida: são diversas: cada qual com sua sorte.

Não quero opinião que me comforte. Não quero nem saber quem dá razão à minha opinião ou quem ja não achou pesado o fardo que eu supporte.

Ja basta a divergencia que na vida nós todos temos, dando ou não em briga, cansados de empurrar com a barriga.

Ja accuso o que comemos de comida sem gosto, o que cagamos de lombriga por causa do que a gente não consiga.

Mactar-me? De pensar nisto desisto. Não quero mais problemas na cabeça. Ja bastam tantos outros. Quem conhesça meus versos a allusão deve ter visto.

Idéa de morrer é como um kysto que fica alli, crescendo, sem que cresça alem dos sonhos. Antes que me exquesça, sonhei de novo, nisso sempre insisto.

A vida todo dia me convida a pelo lado olhar menos ruim as dores que soffrendo tanto vim.

Passei ja muito tempo nesta vida ouvindo o que Torquato para mim dizia: “A vida finda antes do fim…”

DIA PESSOAL DO SONHO SUICIDA [11.562]

DIA SOBRENATURAL DO JUBILO DE JUPPITER [11.570]

A Zeus eu rezo, um dia appós um dia, emquanto, ainda lucido, me deito (mas ja sem ver nenhuma luz) no leito e peço que me macte. É o que eu queria.

Me macte ‘inda dormindo, Zeus! Podia ser desse modo magico. Meu pleito não é tão descabido: tinham feito os deuses coisa assim, sem agonia.

Fallar ouço dum gajo que se deita sem nada sentir, mesmo sem a dor da chaga, sem de cancer a suspeita.

E morre elle, feliz! Si Zeus acceita a minha prece, eu juro: “Meu Senhor, sou teu! Ja de Satan não sou da seita!”

DIA MUNDIAL DAS HORRENDAS LENDAS [11.588]

Eu tenho meu basset. Gatto, um amigo. Mas ha quem tenha aranha cabelluda! Mascottes que nos lambem eu consigo beijar! Caranguejeiras… Não! Accuda!

Fallar ouço que exsiste quem abrigo dá para a centopéa, que lhe gruda no braço, no pescoço, mas commigo apposto que isso é peta, da grahuda!

Nas redes sociaes ha quem garanta que cobras e morcegos dão mansinha e terna companhia a quem definha!

Talvez queiram dizer que se addeanta, assim, o passamento, o fim da linha dum caso terminal… Senhora Minha!

SONNETTO DO HESITANTE INSTANTE [11.652]

Será que, emfim, eu desta feita morro? A grippe é minha deixa! Só não quero correr attraz da peste! Chance zero! Desejo que ella chegue em meu soccorro!

Nem vejo a hora, gente! De cachorro tem sido minha vida! Mas espero depressa compensar este severo caminho de cegueira que percorro!

A gente quer morrer, mas, no momento exacto de exspirar, aquelle instincto impõe a sobrevida! Pavor sinto…

Irei em paz! Appenas eu lamento ficar sem degustar meu vinho tincto, sem dar mais um prazer ao velho pincto…

SONNETTO DO SENSIVEL DESNIVEL [11.724]

Você me criticou porque eu sorri? Tem gente, ja, a morrer que nem formiga? Que quer, meu caro Glauco, que eu lhe diga? Direi, então, appenas: E dahi?

Emquanto cago ou faço o meu chichi, eu penso: tanta gente minha amiga nem é! Não sou do typo que se liga nos outros, nos extranhos! E dahi?

Hem, Glauco? Lhe incommoda si eu sorrio? Mas, sendo um masochista, cê devia sonhar commigo nessa phantasia!

Caralho! Que foi isso? Um calafrio senti, Glauco, nas costas! Que seria? Dos mortos virá mesmo uma energia?

SONNETTO DA PERSPECTIVA NEGATIVA [11.727]

Ainda bem, Glaucão, que ficou cego! Em video nem precisa que eu convide você para assistir ao que a Covid provoca! De dizer-lhe me encarrego!

Peor que ebola, dengue, si isso eu pego, me inflammo, Glauco! O virus nos aggride a todos, pelos ares! Quem decide não é mosquito, ou sexo, ou sujo prego!

Qual tetano! Qual syphilis! Um ar qualquer si respirar, eu ja me fodo! O virus vae chegar ao corpo todo!

Desgraça quer maior? Quem se mactar ao menos abbrevia! Vae a rodo a gente se mactar! Sim, sem engodo!

SONNETTO DO OBITUARIO COMMUNITARIO

Por ser Paraisopolis um mar de casas populares, sendo cada pequena para muitos, é levada ao leito de campanha a avó, sem ar.

Semanas depois, chega a se salvar do virus, sem ter sido visitada siquer pelo marido. Ja sem nada sentir, alta recebe e volta ao lar.

[11.734]

Nem entra no barraco. Dum vizinho escuta a má noticia, triste ja. Chorou, e vae chorar mais um tantinho.

Não tendo logar, acha algum carinho, algum abrigo. Um tumulo será por ella visitado, bem pertinho.

SONNETTO DA BALLA DE PRATTA [11.735]

Não, medo de morrer não nos molesta! A gente tem é medo do momento agonico, de muito soffrimento rollar antes de, emfim, partirmos desta!

Entende, Glauco? Quando alguem faz festa, não é por estar vivo! Appenas tento dizer que não queremos esse lento tormento no tempinho que nos resta!

É simples, Glauco! Caso todo mundo certeza tenha duma morte bem suave, não a teme mais ninguem!

Morrer dormindo, Glauco? Não confundo as coisas! De euthanasia fallo, sem rodeios, si doente esteja alguem!

SONNETTO DA QUALIDADE DE MORTE [11.743]

Nós temos protocollo, Glauco! Nós partimos do seguinte pensamento: Si formos excolher, attendimento daremos à afflicção menos atroz!

Exacto! Quem chegar sem ar, appós um quadro ja gravissimo, nem tento salvar, pois morrerá num grau mais lento da dor, sedado ja. Não sou algoz!

Aquelle que nenhum respirador tiver, não vae morrer soffrendo tanto! Não, Glauco, não demonstre tal expanto!

Irá morrer dormindo! Sim, sem dor! Que foi? Se interessou por esse manto sereno? Pois descanse! Eu lh’o garanto!

SONNETTO

DO CHURRASCO PROPOSTO [11.745]

Não quero ser sarcastico, Glaucão, mas acho que enterrar, em tão extrema tragedia, não devia ser um thema corrente, pois ja falta até caixão!

Então pergunto, Glauco: Por que não cremar directo os mortos? Quem os crema evita todo typo de problema! Ja bastam esses tantos que ahi estão!

Fallando em pandemia, vou propor fazermos um churrasco! Commemora a gente estarmos vivos e sem dor!

Não acha, Glauco, massa? Ah, por favor! Por que não festejar? Quem não adora a carne tostadinha, aquella cor?

SONNETTO PARA QUEM ACHA MELHOR MORRER [11.772]

Ouviste fallar, Glauco? Um tripulante mactou-se no navio de cruzeiro! Sentiu-se, em quarentena, prisioneiro, pois fim à reclusão ninguem garante!

Não, Glauco! Minto! Foram trez, durante semanas confinados sob o cheiro do proprio chulé, nesse captiveiro! Espero que tal facto não te expante!

Agora me inteirei de que trezentos mactaram-se, ja, Glauco! Não appenas naquelles transatlanticos ha scenas!

Peões, desempregados, sem sustentos nem chances de sahir das quarentenas, commettem suicidio! Tu os condemnas?

SONNETTO

DO SORRISO NA PANDEMIA [11.804]

Deviam inventar, Glauco, um modello de mascara que fosse transparente! Assim todos veriam este dente canino que implantei! Dá gosto vel-o!

Veriam meu sorriso, que foi pelo meu gruppo tido como simplesmente terrivel, vampiresco! Muita gente iria delirar, ha que dizel-o!

Gastei uma fortuna neste implante, Glaucão! Não vou deixar que pandemia nenhuma me prohiba que sorria!

Leitura labial tambem garante a mascara de plastico! Quem ia temer é quem só finge essa alegria!

SONNETTO DA CANTORA PRETERIDA [11.852]

Glaucão, si eu não ganhar a primeirona, final collocação no festival, eu acho que me macto! Você mal calcula como a gente isso ambiciona!

Não canto, Glauco, como prima donna das operas, mas esse pessoal da bossa nem me chega aos pés! Normal, portanto, que eu não seja a sexta, a nona!

Fiquei sabendo, Glauco, que San Remo deu caso suicida! Alguem jamais venceu e, inconformado, foi ao Demo!

Não sei si chegarei a tal extremo, mas doutras bem accyma estou! Meus ais agudos são! Por isso perder temo!

SONNETTO AGOURENTO

[11.884]

Estão me censurando, Glauco, só porque eu fallei que quero que elle morra! Mas é verdade! Eu quero mesmo, porra! É muito bafafá! Bah! Tenha dó!

Não é de todo mundo que chodó é um filho duma puta! Caso occorra torcermos p’ra que a morte nos soccorra, por certo não será da minha avó!

No consequencialismo, vale o dicto: dos males, o menor! Glaucão, está torcendo o povo todo! Bom será!

Até vampiro morre! Nem lhe cito cayporas, nem sacys! Glauco, não ha ninguem que esteja livre! Tesão dá!

SONNETTO DO NOVO TERROR [11.914]

Horror, Glauco! Um horror é o que começa agora a accontescer! Se collecciona cadaver! Sim, aquelles do corona estão, como zumbis, à solta, à bessa!

Serão “coronavivos” e depressa virão taes mortos vivos dessa zona maldicta em que, na tumba, os abbandona até sua familia! Isso não cessa!

Em breve, invadirão toda a cidade! Quem é que não tem medo dum zumbi que nunca alguem ja vira por aqui?

Em vez de comer cerebros, um ha de querer nossos pulmões! Glaucão, cê ri? Pois saiba que esta noite eu, sim, os vi!

SONNETTO DOS CORONAVIVOS [11.915]

Indagas-me, Glaucão, sobre essa lenda dos taes “coronavivos”, mas garanto que vejo com real e enorme expanto um facto ja bem facil que se entenda.

Suppõe-se que um zumbi normal dependa de cerebros fresquinhos. Para tanto, precisa devoral-os. Padre Sancto! Não teem nossos açougues isso à venda!

No caso dos coronas, do pulmão humano necessitam! Ja pensaste, Glaucão? Não ha pulmão mais que lhes baste!

Estás contente em casa? Pois então contenta-te e te tranca! Algum desgaste soffreste em reclusão, mas te salvaste!

SONNETTO DA MALDICTA VISITA [11.916]

Aquelle senhorzinho num sobrado enorme está morando ja, sozinho, faz tempo. Toda noite elle, a caminho de casa, por um bosque passa, ao lado.

Não é que, do portão tendo passado, escuta attraz extranho barulhinho de passos? Ao voltar-se, ja adivinho que nada viu. Appressa-se, coitado.

Trancou-se. Está seguro? Não, jamais! Janellas vae fechando, cada porta chaveia. Nem na cama se comforta.

Tem, sob o travesseiro, uma das taes garruchas em desuso. Não importa, pois, dum zumbi, ja advista a bocca torta.

SONNETTO DA ADJUDA MEHUDA [11.917]

Em pleno desespero, um suicida attira-se, mas é do quarto andar. No pateo cae, mas passa a agonizar, pois pouca altura não lhe tira a vida.

Ao lado, no playground, a divertida turminha de creanças a brincar está, mas interrompe o salutar recreio ao ver a victima cahida.

Não toma algum adulto uma attitude. A turma vem lynchar quem está cada vez mais agonizante e não se illude.

Sem ter a protecção de quem adjude, recebe ponctapés. Ja quasi nada faltou para appressar a morte rude.

SONNETTO DA ZUMBIZAGEM [11.918]

A cara dum “coronavivo”, ou antes, caveira não de todo descarnada assusta a todos quantos vejam cada detalhe das feições agonizantes.

Rasgada, a bocca abriu pelas cortantes tranqueiras invasivas na coitada. Os olhos, ja sem palpebras, que nada enxergam, nos observam, penetrantes.

Nariz é cavidade ensanguentada. Bochechas são muchibas, como são os labios, as orelhas. Que feição!

Mas, caso um monstro desses nos invada a casa, quererá nosso pulmão comer e compensar um ar, em vão…

SONNETTO DA FUNESTA APPOSTA [11.932]

Gabava-se de medo não ter, mas finou-se, Glauco! Feita foi a apposta. À noite elle, sozinho, ja se posta no gothico jazigo. O que elle traz?

Só traz o cellular, com o qual faz remota connexão. A turma gosta, no bar, de commentar como elle emposta, de empafia, a voz precoce de rapaz.

E ficam escutando, emquanto o cara reporta… “Aqui no tumulo, ninguem virá, querem saber?” -- elle declara.

De subito, um berreiro se excancara ao phone, que emmudesce! Não se tem noticia delle! Ir la? Ninguem ousara!

SONNETTO DA SCENA AGUDA

[11.933]

Os mortos-vivos cercam um sobrado que está de adolescentes bem repleto. Entrar os zumbis querem, pelo tecto, porão, saguão, por tudo quanto é lado.

Os jovens entram quasi que em estado de choque. Em desespero, vão directo aos quartos e se trancam. Me connecto com elles. Um passou-me este recado:

{Seu Glauco, ja pedimos uma adjuda e estamos agguardando… Um entrou! Mal entrou, ja devorou alguem! Accuda!}

{Depois da gritaria, ficou muda a scena… Só restei eu, affinal…} E nada mais ouvi. Que scena aguda!

SONNETTO DA ULTIMA VONTADE [11.934]

“Eu quero ser cremado! Quem não crema seus mortos os quer vivos no postmortem! Depois os familiares que supportem as vindas do zumbi! Que ninguem gema!”

Assim o patriarcha seu dilemma expoz. Porem, por mais que nos exhortem, nós somos é teimosos. Se comfortem aquelles que fugiram do problema.

Agora o zumbi ronda, toda sexta à noite, a residencia da familia. Na rua ja ninguem. Ninguem é besta.

Appenas os rapazes da seresta ja viram o zumbi, que dentes rilha, sem palpebra. “Me cremem ja!”, protesta.

SONNETTO DAS ULTIMAS CONDOLENCIAS [11.938]

Estava no vellorio muita gente. Depois das dez, ainda havia quem chorasse por alli. Mas ja ninguem restava à meia-noite, excepto um ente…

Querido, mas nem tanto. Tal parente brigou com o defuncto, lhe foi bem hostil em vida. Agora, triste, tem remorso. Quer rezar e mal se sente.

De subito, o cadaver se levanta. Sentado no caixão, vira a cabeça. Ha raiva no seu rosto. O outro se expanta.

De medo, quer fugir. Ai, Virgem Sancta! Olhae por um devoto que padesça! O morto o segurou pela garganta…

SONNETTO DA RIGIDEZ CADAVERICA [11.939]

Necrophilo, um veado conseguira emprego bom no Medico Legal. Serviço burocratico, mas, mal as costas vira alguem, a bicha pira!

Depressa, dos cadaveres retira o penis maiorzão, descommunal, que encontra! Tem buccal, até rectal proveito! Só chupando ja delira!

Nem sempre leva aquillo para casa. Às vezes, uma rolla nem amputa, appenas saboreia. Que conducta!

Flagrado, certa feita, a cara em braza ficou-lhe. Quem flagrou foi uma puta, tambem, vejam, necrophila, a biruta!

SONNETTO

DA CRENÇA QUE COMPENSA [11.941]

Ouvindo um barulhinho no porão, rezei, Glauco, rezei ao padroeiro. Mas nada addeantou. O que primeiro baixinho foi, virou um barulhão.

Rezei, quando um phantasma fez clarão. Chamei Nossa Senhora. Aquelle cheiro de incenso senti. Nada mais certeiro. Agora fede enxofre a assombração.

Ainda rezei quando no meu pé tocou o poltergeist endiabrado. Chamei Jesus. Perdi todinha a fé.

Emfim, rezei a Lucifer. Pois é. Não vejo mais espiritos ao lado. Commigo o Demo mora, agora, até.

SONNETTO DOS PODERES

[11.942]

Seu Glauco, ja cresci! Não acho mais que, embaixo desta cama, viveria um monstro que não posso ver de dia mas que, durante a noite, dá signaes!

Não! Monstro não, senhor! Monstro jamais! Mas, em compensação, minha agonia agora vem de formas que eu não via e vejo, ja: são sobrenaturaes!

Duvida do que digo? Não? Que bom que crê tambem! Assim não fico com meu medo só: partilho o meu temor!

Que eu seja sensitivo, que meu dom se explique… Mas eu vejo, escuto o som e nada de “poderes”: só terror!

SONNETTO

PARA EXPANTAR PHANTASMAS [11.945]

Ai, Glauco! Hontem morreu o meu vizinho por causa da covid! Elle morava sozinho! Ja puzeram uma trava na porta! Até lavaram, la, tudinho!

Mas ouço, la de dentro, um barulhinho extranho! Um caso, Glauco, que se aggrava agora à noite! E então? Si não estava ninguem no apê… Fiquei é com medinho!

Glaucão, você que é bruxo, como faz si for assombração? O morador talvez ainda seja soffredor…

Verdade, mesmo? Basta tocar jazz? Sim, claro! Tá, Glaucão, mas e si for alguma alma penada? Ai, que pavor!

SONNETTO DA MEIA-NOITE [11.949]

Que nem o Wilson Pickett esperar eu vou a meia-noite, Glauco! Então vampiro virarei! Minha missão é transformar um outro no meu par!

Preciso de seu sangue! Jugular é o poncto onde meu dente finco, o vão por onde sugo o liquido, Glaucão! Mas outro poncto quero resaltar!

Aquelle que eu morder irá tambem virar vampiro! Sangue quererá sugar, e assim por deante! Claro está?

Não, Glauco! Vocação você não tem! Caralhos quer sugar! Assim não dá p’ra ser vampiro! O que é que engolirá?

SONNETTO DA POSTURA HONROSA [11.952]

Jurei, Glauco, jurei que ficaria pellado na avenida, na Paulista, si visse de verdade, com a vista que tenho, uma alma afflicta na agonia!

E boa visão tenho, não de dia, appenas, mas tambem quando despista, à noite, uma figura que se vista de dama sendo puta alli na via!

Mas juro que vi, Glauco! Vi de facto aquella pavorosa assombração, parada, alli do parque, no portão!

Não, puta não será! Sinão, me macto! Só pode ser phantasma! Ahi, Glaucão, paguei a apposta! Andei, sim, pelladão!

SONNETTO DO PERIGO NA VIA [11.971]

Garanto que um enganno não commetto, pois juro que um cadaver desses vi e não é, não, o classico zumbi, mas sim o puro e simples eskeleto!

Você, Glauco, que escreve seu sonnetto, na certa pouco caso faz e ri, mas, sendo de mulher, de travesti ou homem, com caveira não me metto!

Difficil é saber, mas a caveira que vi me paresceu ser feminina, talvez pela risada aguda, fina…

Ver ossos chacoalhando ninguem queira! À noite, elles rebrilham na neblina! Quem queira andar de moto se previna!

SONNETTO DO DESEJO DE VINGANÇA [11.973]

Não levo desafforo para casa! Soffri toda a desfeita alli na rua e, como não reajo, continua alguem me bullyingando, manda braza!

Mas, Glauco, me vingar vou! Sim, e praza a Lucifer que, quando vem a lua propicia, me transformo numa nua imagem de vampiro que bem casa!

De roupa nem preciso! Pelladão, irei rondar o quarto do moleque sarrista! Vou pinctar de supetão!

Calcule, Glauco, como me verão os olhos do menino, em meu espeque! Será, bem mais embaixo, o meu tesão!

SONNETTO DOS CORPINHOS NUS [11.975]

Hem, Glauco? Ja pensou? Zumbi mirim! Vampiro mirim! Nunca lhe passou tal coisa na cabeça? Pois lhe dou a dica: são communs, exsistem, sim!

Creanças tambem morrem, e ruim seu genio fica quando nem rollou um mez e ja ninguem mais se lembrou de quem assim precoce teve fim!

Ha casos de vingança que pavor suscitam num atheu ou num christão! Parentes, paes, mães, thios, mordidos são!

São pegos de surpresa! Assim, quem for cagar ou tomar banho, pelladão, trancado, surprehende-se… E quem não?

SONNETTO DA VAGA ROTATIVA [11.986]

Notei ja, Glauco, como é que costuma rollar. Quando a pessoa mais se appega às coisas materiaes, jamais sossega depois de morta. Ao poncto sempre rhuma.

Que poncto? O logar onde esteve numa casinha comfortavel, ou num brega e enorme casarão: lareira, adega, porão, sotam… Mansão de filme, em summa.

Na casa em que morou essa pessoa se escuta, à noite, escada accyma: echoa o passo do phantasma em cada andar!

No sotam, olha alguem. Olhou à toa. Mais tarde, é no porão. O dono doa a casa ao netto. Morre… e vem vagar!

SONNETTO DO PHANTASMA TOLERANTE [11.987]

Entrei num casarão desses, Glaucão!

Estava à venda. Assim, pude entrar em seus quartos todos. Logico, olhei bem em cada cantho, o sotam, o porão…

Na hora a gente nota a assombração! Está presente em todo poncto, sem fallar na torre, gothica tambem, assim como o restante da mansão.

Tão grande! Mas fallei com quem comprar aquillo quiz. Me disse que, no andar de baixo, ouvem-se passos e risada…

A farra come solta! Achar um par de extranhos alli dentro de extranhar não é, depois que finda a surubada…

SONNETTO DOS PHANTASMAS PERTURBADORES [11.989]

Mamãe tinha advisado, Glauco: minha herança, aquelle sitio, não devia ficar commigo. Ouvi, mas o queria! Então, não o vendi. Quem adivinha?

Estava assombradão! Sim, mamãezinha razão tinha! Bastou que moradia alli me fosse, e phantasmagoria passou a apparescer, da mais damninha!

Os trasgos começaram a fazer estragos pela casa, com ruidos altissimos, à noite, entre ais soffridos!

Glaucão, só mesmo o Demo tem poder sobre esse poltergeist e seus gemidos que echoam, cara, ainda em meus ouvidos!

SONNETTO DO LABREGO MORCEGO [11.998]

Vampiros, Glauco, gostam de mordida dar numa descuidada jugular, ja disso você sabe. Mas fallar ouviu deste vampiro ja na vida?

Podolatra, accredita? Sim! Duvida? Lhe juro! O gajo chupa devagar, primeiro os dedos! Chega ao calcanhar e vae localizando uma ferida!

Achando a rachadura, a suga inteira, até que sangre, Glauco! Tambem suga um bello olho de peixe, uma frieira…

Conhesce tal vampiro? Não, nem queira saber! Você, que solas não refuga, tem bocca vampiresca, ama a sujeira!

SONNETTO DO HUMOR NEGRO [11.999]

Tem gente extranha, Glauco, ora si tem! Um desses, meu avô! Dum negro humor gostava! Me fallava, assustador: “Alguem attraz da porta! Tem alguem!”

Elle ia ver, com medo, mas ninguem estava alli! Magina! Que pavor! Phantasma achei que fosse! Só si for! Prefiro não pensar, Glaucão! Eu, hem?

Mas tenho que lembrar! Sim, Glauco, um dia morreu o velho! Um homem brincalhão!

Contava mil versões de assombração!

Attraz da porta achei que, emfim, havia alguem! Fui ver, porem de cu na mão! O velho estava alli, juro, Glaucão!

SONNETTO DUM BATTIDO RANGIDO [12.004]

Avós meus ja moraram num apê que estava, sim, Glaucão, malassombrado! Passei a noite nelle e ter estado alli me convenceu, digo a você!

Passagem para a salla de TV nos dava aquella porta! Do outro lado, a salla de visitas. Concentrado fiquei num filme extranho, bem deprê…

A porta abriu sozinha, Glauco, juro! Não foi uma só vez! Tinha phobia a gente de ficar alli no escuro!

Alguma explicação ‘inda procuro, pois nada achou vovó, nem a tithia. São surdas, como portas! Exconjuro!

SONNETTO DA FRANQUEZA À MESA [12.007]

Fiquei appavorado quando vi alguem apparescendo na janella! Moravamos num sitio, mas a bella paizagem muda, à noite! Você ri?

Não ria, Glauco! Quasi fiz chichi nas calças! Apparencia tinha aquella imagem de caveira! Você della descrê? Mas eu, sozinho, não descri!

Tranquei tudo! Tranquei-me no quartinho dos fundos! Um barulho ouvi! Não era um morto, mas papae, com a gallera!

Algum tempo depois, fiquei sozinho de novo… Descobri: não era mera visão aquella cara de megera!

SONNETTO DA INADIMPLENTE PENITENTE [12.011]

Devota, aquella velha só pedia ao sancto que evitasse ser tocada por uma apparição que estava cada vez proxima mais della! Ah, que agonia!

Orava, adjoelhada… Ahi, ja via, maccabra, a tal caveira! Appavorada, immovel se deixava ficar! Nada iria accontescer a quem confia!

Aquelle que exhumado um dia fora, agora de eskeleto tendo cara, tentava se encostar na peccadora!

Mas fortes sanctos sua adoradora resguardam, protectores! Só não sara do susto uma alma assim tão devedora!

SONNETTO DO ESTRADEIRO ADVENTUREIRO [12.013]

Estrada perigosa paca, aquella! Estreita, tinha pouco movimento de dia, mas à noite eu era attento aos riscos! Quem tem crença à sancta appella!

Que riscos? Ora, Glauco! Cê não gela de medo dum vivente? Eu não enfrento um desses lobishomens! Que tormento si penso num que vi pela janella!

O carro correr muito não podia! Sahiu do matto um monstro, na certeira vontade de pegar alguem que guia!

Tentou pullar no carro! Sim, queria quebrar o vidro, entrar! Que tremedeira! Se desequilibrou! Ficou na via!

SONNETTO DO BRUXISMO AMPLIFICADO [12.016]

Tu, Glauco, tens pavor dessas visões phantasticas e sobrenaturaes, eguaes às que enxergamos nós, normaes? Então não estás cego, ora, trovões!

Tambem tu desconfias dos colhões naquellas horas mortas, quando os ais ouvimos dos cadaveres que mais insistem em voltar? Que me depões?

Não digas -- Ora, raios! -- que não sentes pavor desses defunctos a vagar! Sem somno, não madrugas, como os crentes?

Confessa, Glauco! Os cegos são videntes! Talvez tenhas ainda mais azar! Mais ouves quando rangem, alto, os dentes!

SONNETTO DA MALEFICA PERCEPÇÃO [12.017]

Que typo de phantasma tu tens visto? Daquelles que morreram e que nós até reconhescemos pela voz, ou seres mais extranhos? Pensas nisto?

Alguns não te parescem por Mephisto uns entes enviados? Teu atroz breu torna-te possivel, quando a sós estás, notar que irmãos não são de Christo?

Attestas, Glauco? Os entes que tu vês não eram teus parentes? Quem, então, seriam? Mensageiros, pois, do Cão?

Cruz credo! Te exconjuro! Sou freguez de tantos maus agouros! Ja não são bastantes os problemas ca do chão?

SONNETTO

DUM INCRÉU PARA DEDÉU [12.018]

Sim, podes crer, Glaucão! De mim não rias! Phantasmas tenho visto! Minha thia os vê de noite! Eu vejo, ja, de dia! Seria de familia? Que dirias?

Ouvi fallar de certas theorias que explicam essa absurda prophecia! Parentes mortos voltam! Eu queria saber qual delles vejo, sem phobias!

Thio rico que, indeciso, quer deixar thesouros para alguem com exemplar conducta? Mas sou gajo tão vadio!

Nem brios tenho, Glauco! Queres dar alguma suggestão? Como? Um altar erguer? Pagar promessa? Ah, não confio!

SONNETTO DAS BOAS INTENÇÕES [12.020]

Não, Glauco, não me indagues como sei! A velha, de accidente vascular, ficou paralysada, a repousar, agora cadeirante, constatei…

Mas ella pensa: “Pensam que estarei feliz só por ficar a tomar ar aqui nesta varanda? Puta azar! De Murphy confirmada foi a lei!”

“Eu fico olhando para aquella gente normal, alli na rua! Mais me dá vontade de morrer, si estou doente!”

“Acharam que melhor alguem se sente na frente dos saudaveis? Mais gagá e invalida me sinto, simplesmente!”

SONNETTO DO CLIENTE INCONSEQUENTE [12.061]

Transmitta, Glauco, minha despedida a todos no Brazil. Fui condemnado à morte, pois aqui nem advogado nos livra. Vou pagar com minha vida…

Aqui será maluco quem decida mactar alguem somente por chamado ter sido, pelo gajo, de veado. Por isso me fodi, Glauco… Duvida?

Estou no corredor da morte e espero que, em breve, me exsecutem duma vez! Cuidado recommendo eu a vocês!

Não, para ca não venham! É severo o codigo daqui! Qualquer burguez se ferra, si da bicha foi freguez!

SONNETTO

DUMA MULHER FATAL [12.130]

Não tive culpa, Glauco! O gajo quiz mactar-se, ué! Problema delle! Fez errado, ué! Se macte duma vez, na proxima! Talvez seja feliz!

Por minha causa? Ah, Glauco! Só quem diz tal coisa não entende que vocês, machões, performam typo bem cortez, mas fragil, nesses modos tão gentis!

Quiz elle appaixonar-se por mim? Ora! Quiz elle comportar-se como um gay, fazendo manha? Ah, dei-lhe logo o fora!

Tentou o suicidio? Morra agora! Culpar-me vão querer? Porem a lei do lado fica aqui desta senhora!

SONNETTO DUM OPHIDIO NO VIDEO [12.138]

Eu juro que vi, Glauco, um voador objecto, hontem à noite! Sim, te juro! Estava, reconhesço, bem escuro! Mas brilho vi, sim! Era de suppor!

Brilhava! Variava, até, na cor! Pairou, immovel, por detraz do muro alli do cemeterio! Sim, appuro passei, mas superei o meu pavor!

Usei o cellular para gravar!

Ainda assim, tem gente que me cobra mais dicas dessa tal nave estellar!

Que dicas posso dar? Do meu logar, mal posso perceber caso uma cobra humana saia para tomar ar!

SONNETTO DUM MAL DE MUITOS DESCONSOLADOS [12.140]

Sim, Glauco, uma só morte nos commove! Si for dum accidente, de doença, qualquer morte nos toca! A gente pensa: “Peor si, duma vez, vão dez, ou nove!”

Mas, quando muita terra se remove no chão dos cemeterios, menos tensa a gente fica! Aquella nossa crença accaba, até que um deus alguem nos prove!

Milhares, ou milhões, sim, quanto mais pessoas forem victimas, paresce que ja ninguem se importa, nem faz prece…

Um ai chama a attenção, mas muitos ais serão indifferentes! Si padesce um povo todo, ja nem houve estresse…

SONNETTO DUMAS POSTHUMAS POSTURAS [12.149]

Tornei-me confessor, Glauco, mas não sou padre. Dum doente terminal escuto o que quizer dizer, de mal, de bem, aos familiares, do caixão.

Aquillo que ninguem quer ouvir, tão difficil de encarar, no funeral a todos digo, mesmo que geral o susto possa ser, de supetão!

Parentes não lerão a confissão dum morto que revele ser veado, ser corno, ter roubado, ter mactado…

Fui pago para aquillo ler, Glaucão! Precisa ver a cara dum saphado que foge do vellorio, ja accusado!

SONNETTO DUM SEDENTO DERRAMAMENTO

Cahiu como uma bomba a nota dura do consul da Romenia, que advisou accerca do vampiro! Glauco, dou eu pouca relevancia a tal figura!

[12.153]

Sahiu da Transylvania ja, à procura de solo mais propicio! Onde é que achou paiz para morar? Aqui seu show terá repercussão, o consul jura!

Glaucão, será que Dracula consegue viver neste Brazil, tão viralatta, que inspira dos politicos a natta?

É muita concorrencia, Glauco! Pegue o caso “Covidão”! Ninguem mais macta egual nesta nação! Não ha quem batta!

SONNETTO DUM PLATONISMO SEPULTADO [12.155]

Você, Glaucão, que sonhos interpreta, me diga de que forma analysar iria a tal visão que, tumular, eu tive em pesadello! Diga, asceta!

Exacto! Si não tiro o cu da recta, a rolla do cadaver penetrar podia até bem fundo! Por azar, eu nunca que desperto! Isso me inquieta!

Comtudo, o mais extranho foi que o tal defuncto um eskeleto ja virara! Mas tinha, Glauco, um osso como vara!

Então é isso, Glauco? Que legal! Assim fico tranquillo! Quem sonhara foder-se e da caveira ver a cara?

SONNETTO DA NECROPHILIA [12.172]

Preciso confessar, Poeta: amei os mortos loucamente, como o Cooper cantava! Fui do typo que até chupa as partes dum cadaver! Confessei!

Glaucão, você me entende, sendo gay! Si mesmo um symbolista nós, de lupa em punho, percebemos que se occupa dos mortos com desejo, que direi?

Direi que vejo, sim, necrophilia, até num corpo ja na cova fria, a carne ja a azular ao nosso olhar!

É, Glauco, mais commum do que seria a sua fetichista phantasia por pés! E os dum defuncto? Os quer cheirar?

SONNETTO

DUMA SALVAÇÃO DA TABUA [12.224]

Poetas cegos, como os do teu porte, Glaucão, são portavozes da verdade! Quem pode contestar-te, então? Quem ha de dizer que não previste nossa sorte?

Ainda que ninguem siquer se importe com cegos, mesmo quando desaggrade a tua prophecia, a sociedade, no fundo, ouviu a praga, agguarda a morte!

Sim, sabem que tu sabes o que irá rollar, mas ‘inda fingem que não és propheta, que não fallas qual Moysés…

Não tens tabua nenhuma? Ah, Glaucão, ah! Então não me porei mais a teus pés! Aos meus tu te porás, do chão ao rés!

SONNETTO DUMA LIGAÇÃO PERIGOSA [12.245]

Alô? Quem falla? Glauco? Ora, você está vivo? Pensei que ja tivesse morrido, porra! A gente até se exquesce dum cego nesse enorme fuzuê!

Em plena pandemia ha quem lhe dê a minima attenção? Nem sua prece meresce ser ouvida, si eu pudesse dar minha suggestão a Deus com “G”!

Ainda mais agora, que essa peste até p’ra americanos, que teem teste, remedios e vaccinas, é castigo!

Me expanta nosso pappo, que ‘inda eu preste alguma attenção nisso que reveste de gozo o que traz tragico perigo!

SONNETTO DUM FILME DE TERROR BARATO [12.260]

Não achas tu, poeta, a quarentena propicia para scenas de terror? Suppondo um solitario morador em casa à noite, logo vês a scena:

O gajo, ou a velhinha (Não dá pena?) não compta com ninguem! Seja quem for que escute seus appellos, vae suppor que enlouquesceu por causa assaz pequena!

Comtudo, de phantasma a casa cheia ficou de quem esteja, alli, sozinho! Ouviu horriveis berros o vizinho…

O cheiro de carniça, que empesteia a rua, allerta para tão damninho effeito dos remedios e do vinho…

SONNETTO DA LUA AGOURENTA [12.302]

Verdade, Glauco? Horror maior prevês assim que, sexta-feira, cheia a lua ficar? Quem saia à noite, então, na rua perigo corre mesmo, desta vez?

Que coisas occorrer podem no mez de agosto? Mesma a lenda continua? Ou achas que Satan melhor actua agora que está juncto do Marquez?

Hem? Como descobriste que Satan de Sade virou socio? Ja não era normal tal sociedade, tal paquera?

Ah, fica agora clara a tal malsan e solida alliança! A actual era, propicia para a lua, se supera…

SONNETTO DO PÉ CADAVERICO [12.310]

Não sentes medo, Glauco? Tu te mettes a versos fazer sobre coisas tão maccabras, tão sinistras! Do caixão irão se levantar alguns pivetes!

Pensaste nisso? Caso te punhetes pensando no pezão dum molecão, um dia attrahirás, de supetão, um delles, à procura de boquettes!

Taes manos morrem cedo. Um morto à balla, nas partes decomposto, si teu lar invade, essa carniça ha que chupal-a!

Terás coragem, vate? Elle te falla: “Tu queres meu pezão lamber, chupar? Tá sujo, pois directo vim da valla!”

SONNETTO DO DIA QUE NÃO CHEGA [12.324]

Pequeno eu era ainda, mas commigo ja vinha mattutando o que seria ficar cego, perder a luz do dia, andar às tontas… Era meu perigo!

Meu pae, que se dizia meu amigo, fallava que entender bem eu iria, um dia, meu azar, e que meu guia eu tinha, algum espirito! O que digo?

Direi que esse meu dia de entender jamais chegou! Jamais eu entendi aquella tal “missão”! Quem bem vê, ri!

Direi que esse meu guia tem poder, sim, pode exclarescer o que eu aqui fazer vim, mas é cada qual por si…

SONNETTO DA TUMBA [12.326]

A sombra duma lapide tem seu sinistro symbolismo! Tu não pensas assim? Si nós tivermos certas crenças, até de dia a gente treme, meu!

De noite, então, até quem seja atheu evita cemeterios! Caso venças teus medos, andarias nas extensas ladeiras do Arassá? Não andei eu!

Mas ja fiquei sabendo dum collega que entrou alli, por gothica vontade de estar num ambiente que degrade!

Qualquer pessoa, alli, seria cega! O gajo ouviu os mortos! Sim! Quem brade, nas trevas, por soccorro, ouvirá Sade!

SONNETTO

DOS FUNEBRES BREUS [12.342]

Proverbio ouvi dizendo que quem cria um corvo se subjeita a ter furado seu olho, Glauco! Causa desaggrado saber disso? Você não se arrepia?

Quem perde a vista assim não vae, um dia, querer o suicidio? Ouço, ouriçado, aquella do John Lennon que, em estado de graça, fez um blues, rara agonia!

Os Beatles bem pisaram na ferida! Glaucão, você pensou na suicida sahida, não pensou? Segue pensando?

Você rezou a Lucifer? Convida Satan que, no sabbath, uma lambida alguem lhe dê no cu? Quer breu mais brando?

SONNETTO DA AFFLICTIVA PERSPECTIVA

[12.366]

Amigos vão morrendo, dia cada, e vemos ja chegar a nossa vez, Glaucão! Ou caducamos, ou, talvez, morremos de repente, eis que do nada!

Preferes morrer como, camarada? De infarcto? De derrame? Embriaguez? Das tripas? Coração? Alguem ja fez teu mappa astral? Que mais te desaggrada?

Ah, quero, tranquillão, morrer dormindo! Não achas bem mais digno, justo, lindo? É grave essa afflicção que nos affecta!

Temias merescer algum malvindo fim, Glauco? Mas, depois de tudo findo, terás nova missão e nova meta!

SONNETTO DAS DOURADAS DENTADURAS [12.372]

Não é daquelles habitos antigos nem moda poderá ser hoje em dia. Virou, em certos circulos, mania: doar dinheiro vivo para amigos!

Em vez de edificar ricos jazigos, que tal ser quem os vivos auxilia? Em vez duma expansão na companhia, que tal prover os pobres duns abrigos?

Da musica, das lettras, dos esportes, os astros ficam velhos e taes cortes nas comptas serão baque indifferente!

Ei, peça alguma grana aos que teem sortes melhores, pois, appós as suas mortes, daqui não levarão ouro no dente!

SONNETTO DOS PERUS EM EXSTINCÇÃO [12.485]

Não, elles não divulgam, Glauco, não, mas muitos se mactando vão, devido à peste, por perderem quem tem ido ou pela antevisão de quando irão!

Você vae se mactar tambem, Glaucão? Ja quanto a mim, lhe digo o que decido: Sabendo que peguei, me suicido, bem antes de ficar sem o pulmão!

Entendo tanta gente que se macta emquanto não ficou, ‘inda, sem ar, depois de seus parentes enterrar!

Talvez, por ser propheta, tem exacta noção você de quando seu logar será desoccupado… Puta azar!

SONNETTO DO ETERNO RETORNO [12.508]

Amei, Glauco, um rapaz, mas fui trahido! Por outro me trocou, que morreria “aidetico”, sim, como se dizia! Ah, Glauco, um caso desses faz sentido?

Então, elle voltou e decidido fiquei a perdoar, sem alegria! Seriamos felizes algum dia? Ah, Glauco, um caso desses faz sentido?

Mais annos se passaram, mas decido pensar que pouco tempo passaria!

Agora confirmou-se esta agonia!

Pois é, foi de covid! Elle, trazido de volta no caixão, a vez addia daquillo que esperei: minha phobia!

SONNETTO DUM MANUAL DO SUICIDA [12.535]

Não, Glauco! Um manual do suicida escripto ja foi varias vezes antes, versões até bastante interessantes, mas sem utilidade garantida!

Agora, não! Ninguem siquer duvida que exsista algum recurso! Os allarmantes registros estatisticos constantes são, caso o novo virus nos aggrida!

Um jeito garantido! Basta a gente pegar uma covid, ainda quente do banho! Ja fallei, ninguem resiste!

Nas midias, a afflicção do presidente ja mostra que elle, embora rindo, mente e está para morrer, inerme e triste!

SONNETTO

DA HORA MARCADA [12.610]

No dia que tiver que ser, será! Quem sabe? Quem souber meresce um… um… Um doce! Isso! Mas acho que em jejum irá ficar, pois data… Ah, não! Não ha!

Qual hora? Muito menos! Hora “H” é força de expressão! O mais commum é mesmo dizer “um momento”, “algum momento”… O tiro certo ninguem dá!

Hem? Como saberemos, Glauco, qual a hora de morrermos, ou a morte mais breve e previsivel, si for sorte?

No caso dos politicos, o mal que fazem é tão grande, que mais forte é a praga do povão! Não ha quem corte!

SONNETTO DUM MORTAL NATAL [12.777]

Emquanto reciprocam boas festas amigos e parentes, o poeta piegas bellas scenas interpreta em tempos natalinos. Menos estas:

Fingimos que não temos indigestas noticias suicidas, pois as veta a midia mais politica, a “correcta”. Mas muitas são as chronicas funestas.

Eu mesmo, no Natal, só não me macto por medo duma pena até maior que todo o meu azar de pato nato.

É muito depressivo o que, de cor, sabemos. Solitarios, nós, de facto, nenhum sorriso vemos ao redor.

SONNETTO DO TRANSTORNO AGGRAVADO [12.849]

Trint’annos que estou cego! C’o passar do tempo, vae ficando vez mais cada difficil supportar! Ja planejada está a assistida morte! Tem que estar!

Emquant’isso, mais medos teem logar, phobias sem nem nome: da calçada, de dia; de sahir à noite… Nada me inspira segurança! Puta azar!

Azar addicional: o vil boycotte que fazem ao cegueta que é escriptor! Hem? Ha quem tantos titulos não note?

Meus males só se sommam! Si eu me for mais cedo, onde estarei? Com meu mascotte, talvez, que dos meus olhos via a dor…

SONNETTO DO AGGRAVADO TRANSTORNO [12.850]

Ja não aguento mais esta cegueira que, decada appós decada, me estressa! Alem de estar invalido, mais essa: Doenças outras pego! Tem quem queira?

A vida, foi perdida quasi inteira! A morte, que ella chegue mais depressa! Mas, caso se demore, me interessa que exsista, ja, a assistida: bem me cheira!

Um cego, que escriptor seja, ninguem o leva a serio, nesta nação sem memoria cultural, sem lettramento…

Na practica, ao sahir à rua, nem meu anjo me protege: sou refem dos barbaros! Tal vida não aguento!

SONNETTO DO MEDO SEM SEGREDO [12.950]

Meu quadro paranoico fundo tem. Não sinto uma phobia só, mas sim innumeras, pois todos teem por fim ferrar-me e me impedir de ser alguem.

Na rua, alguem zoar-me sempre vem. Do cego rindo, roubam meu dindim.

Do banco o guarda, até, desfaz de mim.

Na fila, a vaga sempre fico sem.

Na midia, até me esnoba quem amigo dizia ser. Nas redes, cancellado eu acho que estou. Ferram, sim, commigo.

Morrer, urgentemente, quero. O fado tornou-se insupportavel. Não consigo siquer ser, por um noia, assassinado.

SONNETTO DO OUVINTE DESADVISADO [12.964]

Tambem eu, sim, queria meu martello! Martello da justiça, sim! Decido prender e exsecutar todo bandido! Sim, pela auctoridade é que eu appello!

Sim, quero ouvir meu sino, mestre! Eu zelo, sim, pela liberdade! Mas sentido só vejo si bandido não sou! Ri do bandido que morreu! Achei tão bello!

Glaucão, eu quero ouvir uma canção feliz, animadora! A gente quer ver mortos os bandidos! Não quer, não?

Então! Eu mactarei, ah, si puder (mas pela lei, se entenda), quem na mão me caia! Ah, si escutar eu me fizer!

SONNETTO DO BEIJO LUGUBRICO [12.970]

Caveiras não nos beijam “de sellinho”, tampouco usando a lingua, nem siquer num quadro de Dali! Quem é que quer beijar uma caveira? Ah, ja adivinho!

Você, né, Glauco? Um certo passarinho contou-me que, em seus sonhos, bom affair ja teve com um craneo! De mulher? Magina! Do bandido mais damninho!

Confesse que sonhou! Vamos, confesse! Hem? Nessa sorridente dentição você passava a lingua, sobe-e-desce!

Melhor beijo, porem, foi no pezão daquelle eskeletão que, numa prece satanica, você deu, com tesão!

SONNETTO DO SONHO SENSORIAL [12.983]

Perguntam-me si enxergo cor alguma nas trevas da cegueira. Não ha preto nem branco, ja fallei. Neste sonnetto direi como um cegueta achar costuma.

Direi como sonhei. Então, assuma aquelle que me lê que não prometto veridicas versões. Só neste ghetto dos cegos ha quem veja cor na bruma.

No sonho, tudo em volta de mim é palpavel! Um ar solido, que eu posso tocar, pegar! Prensal-o posso, até!

Mas essa massa densa, como o nosso venoso sangue, envolve-me! Então fé ja perco! Um sonho desses não endosso!

SONNETTO DA CAVEIRA VERDADEIRA [13.043]

Phantasmas não exsistem, sempre diz aquelle respeitado professor. Mas elle fez, tambem, um infeliz e triste commentario. Que suppor?

Sim, disse que eskeletos alguem quiz, à força, reviver! Não tem pudor o gajo de chamar-nos de imbecis si delle duvidarmos… Por favor!

Hem, Glauco? Ja pensou? Algum phantasma não vale, mas sorrir uma caveira ja pode, de verdade! Hem? Quem não pasma?

De facto, um scientista talvez queira tentar tal teste, em casa, mas orgasma alguem, Glaucão, com essa brincadeira?

SONNETTO DO FIM OPCIONAL [13.121]

Pensei em me mactar, tão logo cego fiquei. Duas opções: do meu andar jogar-me, e fechar tudo, o gaz ao ar abrindo. Não optei, mas não sossego.

Si pelo gaz optar, no somno pego, mas pode explodir tudo. Vou mactar mais gente. Si, porem, eu me jogar, será que soffro muito? Um drama ao ego…

Aos poucos, superei o mau desejo mas, hoje, volta toda aquella dor de estar cego, mais velho, mais andejo…

Mais só, mais enfermiço… Vou suppor, de novo, como optar… Mas ja não vejo opção: irei sem alma, quando for…

SONNETTO DA DIARRHÉA PSYCHOSOMATICA [13.130]

O cego, que reside num apê modesto, constatou que está assombrado o predio todo. Gente, que será do coitado? Ja pensou nisso você?

Si pincta algum phantasma alli, cadê quem venha adjudar? Acho que foi dado um bom exemplo disso que me enfado, até, de lhe narrar, pois você vê…

Ouviu o cego uns passos na cozinha. Indaga, appós o susto: “Quem tá ahi?” E nada lhe responde quem caminha…

Pudera! Qual caveira (reflecti), sem chordas vocaes, algo fallar vinha? Até você teria piriry…

SONNETTO DO MONSTRO SOBREVIVENTE [13.136]

Stephen King eu lia, à noite, quando ouvi, no andar de baixo, um barulhinho extranho. Foi na casa do vizinho? Na minha? Passos eram, ja chegando…

Subiam minha escada! Foi me dando aquella tremedeira! Que damninho ser era? Algum zumbi? Devagarinho, peguei o meu revolver, ou quejando…

Jamais usei aquillo! Nem consigo uma arma segurar! Mas o zumbi chegava à porta! Attiro? Que perigo!

Tremi, deixei cahir o ferro! Ouvi um urro! Um lobishomem! Só lhes digo que estou vivo por causa do que li…

SONNETTO

DA MORTE IMMORRIDA [13.138]

Dizia aquelle amigo: “Ja morri, Glaucão! Sahi do corpo! Fui até o proprio Paraiso! Minha fé sahiu fortalescida!” Ahi, sorri.

“Depois dum accidente, bisturi levei, em UTI fiquei! Mas é incrivel! Morto estive, ja com pé na cova! Mas voltei, estou aqui!”

Eu, cada vez que morro, tambem saio do corpo. Mas não posso lhes contar que estive, de Eden, porra, nesse raio!

Estive nos infernos, um logar bem typico dos cegos, onde caio sem mesmo ter morrido, por azar…

SONNETTO DUMA HISTORIA SEM MEMORIA [13.144]

Meu jipe encrencou, Glauco, bem no meio da matta! Annoitescia ja! Com medo, usei o cellular, mas esse enredo você conhesce e entende meu receio…

O phone estava mudo! Ora, me veiu aquella tremedeira! A gente vê, do esquerdo lado, um bicho! Si eu não cedo ao medo, vejo um ente em que não creio!

Um bicho? Ou foi zumbi? No lusco fusco, achei ser lobishomem, ou então um ogro! Um termo desses ‘inda busco…

Hem? Ogro ou ogre, Glauco? Confusão eu sempre faço! O caso, Glauco, offusco, mas nem me lembro onde é que parei, não…

SONNETTO DO RELATO FIDEDIGNO [13.173]

À noite, ninguem pode sahir, pois a rua fica ao lado dum temido e velho cemeterio. Nem duvido do nome que foi dado, um dia, aos bois.

Chamavam de eskeleto, mas depois só mesmo de caveira. Quem tem ido, de dia, por alli, nenhum ruido escuta desses corpos. Ja vi dois.

Talvez um casal, Glauco, pois o par caminha, chacoalhando os ossos, por aquellas alamedas, devagar…

Sim, Glauco, sou contista de terror, mas à realidade fiel! Ar não faço de que invento! Por favor!

SONNETTO DUNS FEITOS SUSPEITOS

[13.174]

Achei extranho, Glauco, pois deixei os oculos na mesa, mas ja não os pude encontrar… Só mais tarde, então, achei-os na caveira… Ah, ja nem sei…

Caveira, sim, Glaucão! Ja lhe fallei que tenho um eskeleto no porão, de enfeite me servindo! Os ossos são branquinhos! Delles sempre bem cuidei!

Mas coisas minhas somem de repente! Caveiras não precisam enxergar com lentes! Ou precisam? Não invente!

Até ja achei, Glaucão, meu velho par de botas nos pés della! Ah, não commente taes factos com ninguem! Vão me gozar!

SONNETTO SEM BRINCADEIRAS [13.175]

Commigo, não, Glaucão! Não accredito que espiritos adjudem um poeta naquellas situações em que interpreta o martyr, o malefico, o maldicto!

Você ja commentou que, sem conflicto, convive com demonios! Nada affecta, na sua producção, essa selecta e excelsa companhia? Ah, não admitto!

Que tenha se inspirado num defuncto poeta, até que pode ser verdade! Mas elle lhe apparesce? -- é o que eu pergunto…

Em forma de caveira? Ah, não me enfade, Glaucão! Si quer brincar, melhor assumpto arranje! Com caveiras, não, cumpade!

SONNETTO DUM CORPO LOCALIZADO [13.178]

Começa a chover. Velha ja, coitada, não pode mais depressa andar. Tropeça na pessima calçada. Teve pressa, agora nem se mexe, extatellada.

A chuva apperta. A velha pode nada fazer. Ninguem soccorre. Ja começa a valla a se encher. Foge quem, hem, dessa crescente e, sem limites, enxurrada?

Alguem, duma janella, advista aquella senhora, ja arrastada, num boeiro entrando devagar. Ainda appella…

Soccorro que não chega… Quem primeiro encontra aquelle corpo, na favella, nem mora alli: chegou só pelo cheiro…

SONNETTO DUMA INFESTAÇÃO SEM SOLUÇÃO [13.197]

O cego desviou daquella aranha sem mesmo perceber que em seu caminho tamanho bicho vinha, direitinho, na mesma direcção. Uma façanha!

Soubesse elle que esteve essa tamanha bichana assim tão perto, ja adivinho que iria appavorar-se e, então, Glauquinho, estava fricto! O bicho obstenta a sanha!

Agora, até maiores do que um pratto, aranhas cabelludas pela rua transitam! É banal, eu ja constato!

Si desse jeito o drama continua, inutil será quando uma ja macto, pois logo outra me segue e, experta, accua!

SONNETTO DA ASSISTENCIA ESPIRITUAL [13.201]

Espiritos nos cercam. Uns do bem, mas outros mui maleficos, Glaucão. Estou tranquillo. Quando fallo, não os temo. Não os temes tu, tambem?

Então és assistido? Que te deem um sopro nos ouvidos eu, então, nem posso duvidar. Inspiração não passa disso: um sopro que nos vem.

Te cuida, todavia, pois, no meio dos optimos espiritos, alguns demonios se mixturam, eu receio…

Parescem creaturas bem communs, assim como sou: bello, jamais feio. Mas desde que não mostrem seus bumbuns…

SONNETTO DA ASSOMBRADA NOITADA [13.202]

Glaucão, sahi do corpo! Sim, durante o somno! Sou somnambulo, mas ando appenas em espirito! Foi quando notei que caminhava, ja, bastante…

Cheguei ao cemeterio! Quem garante que espiritos não formem bello bando, assim como os moleques? Fui chegando e logo me enturmei, qual estudante!

Alguns de nós, ainda presos aos seus corpos, se junctavam para dar um susto nos noctivagos bohemios…

Junctei-me, então, a taes meninos maus e, longe do sossego tumular, tornei-me balladeiro nesses gremios…

SONNETTO DA CATHEDRAL IDEAL [13.203]

Os gothicos estylos me suggerem scenarios que, sombrios, servem para historias de terror. Nem se compara alguma cathedral recente! Esperem!

Os arcos ogivaes ou, si quizerem, as torres ponctudissimas, dão rara e rica chance para quem achara alli toda a attracção. Que mais preferem?

Na crypta de granito, uma cappella preserva, subterranea, a tumba dum vampiro, mas por elle ninguem vella…

Appenas eu, que soffro de incommum insomnia, toda noite venho, nella, buscar inspiração, quebrar jejum…

SONNETTO DOS TEMORES E TREMORES [13.204]

À noite, eu escutava a gargalhada que vinha dum andar abbaixo, mas às vezes parescia vir de traz da porta do quartinho de empregada…

No quarto, si eu a porta abrisse, nada havia, nem ninguem! Por Satanaz! Andei a digerir leituras más demais, pensei commigo. Que roubada!

Aquillo não cessava, até que, certa vez, ouço o som que vinha da caveira de enfeite, cuja bocca fica aberta…

Fechei aquella bocca! Ah, ninguem queira ouvir essa risada! Agora allerta ja fico, sinão volta a tremedeira…

SONNETTO DA MORTE DO MEDIUM [13.205]

Morreu aquelle espirita famoso. Em transe, elle induzia a multidão. A morte commoveu toda a nação. Louvou Jesus. Morreu bastante edoso.

Mas elle não me illude, não, Mattoso! Aos gays elle só soube dizer não. Nas photos, se encostou no capitão. Achava prohibido termos gozo.

À noite, elle virá puxar o pé da gente, que peccou, só por ser gay. Que venha meu pezão puxar, ué!

Não foi por causa delle que deixei de gozo ter. Faltou quem tenha fé nas taras fetichistas, ao que sei.

SONNETTO

DO PROPHETA APOCALYPTICO [13.206]

Aquelle sacerdote está fallando que, todos os peccados resumindo, lamber pés se tornou o mais malvindo aos deuses. Continua, assim, pregando.

Peor que esse peccado, tão nefando, chamado sodomia, nosso lindo prazer elle condemna ao mais infindo inferno. Segue, emfim, infernizando.

Mas elle se exquesceu, Glaucão, de tudo que Christo nos ensigna, ao beijar pés de todos os apostolos! Me illudo?

Inferno? Ora, que encare elle, entre dez ou vinte mandamentos, um marrudo Satan, sem trella às tabuas de Moysés!

SONNETTO DO SACRIFICIO DE OFFICIO [13.208]

Mamãe, vejo um phantasma alli! Sim, juro! Paresce essa fumaça branca, que é do typo que sae pela chaminé! Se torna mais visivel neste escuro!

Não diga, não, mamãe, que sou eu puro e simples mentiroso! Bote fé naquillo que estou vendo bem, ué! Não basta me chamar de dedo duro?

Mamãe, si continua a duvidar das minhas visões, acho que será melhor que você mesma va checar!

Checou? Não advisei? Phantasmas ha! Suggiro que derrame, em seu altar, um sangue, em offerenda àquelle la!

SONNETTO DOS VINGATIVOS MORTOS VIVOS [13.209]

Em forma de eskeleto, os zumbis ja occupam, pela noite, toda a rua defronte ao cemeterio. São a nua imagem, entre noias, dessa pá.

A nova crackolandia tomará espaço progressivo. Quem recua? Os outros moradores, com a sua pesada consciencia, rude e má!

Hem, Glauco? Quem mandou desamparar menores infractores e carentes? Agora são, ja mortos, um azar!

Caveiras sorridentes esses entes exhibem, mas teem raiva tumular da gente! São ponctudos os seus dentes!

SONNETTO DOS RECEPTADORES DE HORRORES [13.210]

Glaucão, é minha thia feiticeira! Te juro! Mas não topa ser chamada de bruxa! Só de maga! Não lhe aggrada a fama que é, das bruxas, costumeira!

À noite, ella (a segui, Glaucão) se exgueira por entre velhos tumulos e nada impede que exhumar tente essa arcada dentaria que, dourada, acho na feira!

Sim, Glauco! No meu bairro, os camelôs revendem ossos, membros e caveiras, quer tenham algum ouro, quer não tenham…

Tithia até vendeu videos pornôs na feira, mas mais enchem as charteiras taes restos, que evangelicos desdenham…

SONNETTO DO REMETTENTE INEXSISTENTE [13.212]

Fallei, ja, desse historico occorrido. Abrindo um electronico correio, algum destinatario vê que veiu dum gajo, ja faz tempo, fallescido.

Assusta-se, é normal. Não faz sentido um sobrenatural recado, meio ironico: “Ora, agora, amigo, creio na vida appós a vida!” Assim foi lido.

Talvez algum parente do defuncto usasse sua compta. Respondido, voltou aquelle email com assumpto:

“Directo dos infernos…” Não duvido. Mensagem verdadeira? Até me juncto àquelles que em Satan ja tenham crido.

SONNETTO

DUM CONFUSO PARAFUSO [13.223]

Mamãe assegurou que quem está vivendo sob a minha fofa cama não passa dum monstrengo que se chama “espirito maligno”, camará!

Não tenho medo delle! Cresci, ja! Disseram, no Partido, que quem ama taes entes é burguez, que fazem drama accerca do sacy, do boytatá!

Glaucão, mesmo que puxem o meu pé, nenhuma bolla dou aos monstros, nada! Com manos, só, me juncto, lé com lé!

Mas, quando grana ganho, camarada, nem ligo si é phantasma quem chulé deseja de mim, satyro, ogro ou fada!

SONNETTO DOS CUIDADOS PALLIATIVOS [13.238]

Vovó vive entrevada, Glauco! Nós nem temos esperanças! Esperamos appenas o desfecho! Só comptamos com Deus, que jamais deixa alguem a sós!

Nós todos ja perdemos os avós, mas sempre sobra alguma avó que ramos ainda representa, si pensamos nas arvores, em vez de sermos pós!

Sou netto de immigrantes italianos, Glaucão, como você, que está a lembrar dos seus antepassados, ja faz annos…

Em breve, de infecção hospitalar, derrame, infarcto, ou tantos outros damnos, junctamo-nos na casa tumular…

SONNETTO

DA MILAGREIRA DA CEGUEIRA [13.245]

Ah, Glauco! Milagreira mesmo, ouvi dizer, é minha thia! Sim, é bruxa! Quem olha nem crê que essa tal gorducha poderes tenha: “Bruxa? Aquella alli?”

Mas ella faz milagres, sim! Sacy segunda perna ganha! Quem repuxa a perna agora pulla, dansa! Puxa! Dispensa a velha gaze e bisturi!

Ja cegos a visão de volta teem!

Você não quer tentar, Glaucão? Não vem soffrendo, ja faz tempo, da desgraça?

Tithia cobrará barato! Nem precisa ser à vista! A dor, porem, só mesmo com a morte é que, emfim, passa!

SONNETTO DOS HALLUCINOGENOS E DOS SOMNIFEROS [13.250]

Glaucão, no meu boteco offerescendo estou ja toda sorte de bebida que entesa, que euphoria traz à vida, que empresta, aos psychodelicos, addendo!

Aqui podes beber algo que, entendo, fará total effeito! O suicida impulso ja bloqueia! Até convida a coisas prazerosas! Vem correndo!

Que esperas? Quer que eu mesmo va buscar-te? Preferes que eu te leve estes enormes e inteiros garrafões, que enchi com arte?

Sciente estou que insomnia tens e dormes bem pouco! Ora, antes mesmo dum enfarte, infarcto, ou coisa assim, que tu te informes!

SONNETTO DA SINISTRA BEBEDEIRA [13.251]

Não creio nos phantasmas, Glauco, não, mas hontem occorreu extranho facto… Mamãe apparesceu-me, sabe? Exacto, faz tempo que morreu! Sim, pois então!

Jamais imaginei apparição egual, mas, appós vel-a, ja constato que estive eu a beber… Esse insensato costume evoca as scenas que virão…

Certeza tenho, Glauco! Mamãe vae surgir de novo, um poncto repetindo: “Mais ‘inda você bebe que seu pae!”

Phantasma nenhum, Glauco, me é bemvindo, ainda menos quando ja me cae a ficha, ai, esta ficha, ai, ja cahindo…

SONNETTO

DA CRISE SANITARIA [13.272]

Que nojo, menestrel! O que essa suja pombinha a comer fica, na calçada, é tudo o que, insalubre, nos invada a vida na cidade! Hem? Ha quem fuja?

Nem mesmo uma carniça a dicta cuja se peja de engolir, a desgraçada! Ninguem jamais consegue fazer nada e nossa nausea a pomba sobrepuja!

Problema até maior é quando secca o verde cocozinho que, na rua, se expalha! Sim, aquella ave defeca…

Adspire esse pozinho, mestre, e sua sahude levará, depressa, a breca! Sim, morre gente, eis toda a crise, nua!

SONNETTO

DUM VELHOTE SEM MASCOTTE [13.273]

Vovô vivia a dar, aos pombos, milho. Achava natural alimental-os, coitados! Se exquescia até dos callos que tanto lhe doiam, andarilho…

Ficava revoltado quando um filho da puta assassinava as aves: gallos não eram contra bichos que, dos rallos, grudavam no mendigo maltrappilho…

Um dia, respirando o sujo pó que estava no cocô desses pombinhos, o velho morreu… Delle sinto dó…

Entendo o commentario dos vizinhos: “Si estava aquelle velho ja tão só, ficasse em casa, ao lado duns gattinhos!”

SONNETTO DUMA HISTORIA DE PEGADOR [13.276]

Zumbis, Glaucão, não sentem fome, não precisam se hydratar, não seccam uma caneca de cerveja? Alguem assuma que estão aqui, no meio do povão!

Não, cerebros não comem! Comerão, talvez, uma coxinha! Com espuma, um choppe beberão! Ja vi, na bruma, um delles devorando ovo no pão!

Mentira que elles nunca fazem sexo! Eu mesmo ja trepei com cadaverico rapaz, que me deixou, Glaucão, perplexo!

Chulé tinha, fortissimo! Um homerico pau tive que chupar e, para nexo ter, esse encontro digo que é lotterico!

SONNETTO DO PUTANHEIRO JUSTICEIRO [13.277]

Você ja trepou, Glauco, com alguem ja morto, com cadaver decomposto, ou mesmo um eskeleto ja sem rosto, sorrindo, na caveira, com desdem?

Não? Nunca? Pois eu posso dizer, sem mentir, que ja trepei! A contragosto não foi, eu lhe garanto! Mas, proposto por elle, só paguei mero vintem!

Foder cu cadaverico não é tão facil, nem chupar pau de carniça… Tampouco lamber ossos desse pé!

Mas topo o desaffio, pois attiça a minha tara aquelle Zé Mané que, morto na favella, quer justiça…

SONNETTO DO CADAVER PROPHANADO [13.278]

Aquelle bandidão, assassinado depois de, na favella, ser detido, ficou por muitas horas extendido na rua! Ah, mestre, eu ‘tava alli do lado!

Levaram tudo delle: seu calçado, seu typico bonné, seu exhibido blusão… E levariam, não duvido, até sua cueca… Foi gozado!

Inveja me deu, Glauco, do cachorro que, vendo o pé descalço, foi lamber a sola chulepenta! Ah, quasi morro!

Não tive, nem em vida, tal prazer, mas sei que quem lambia, sob exporro, foi uma auctoridade com poder…

SONNETTO

DO EXORCISMO [13.279]

Num rito de exorcismo, o padre estava achando que tirava dum coitado a porra desse encosto, um mau olhado damnado que, no tempo, mais aggrava.

De subito, o demonio cara brava fez, para desespero do prelado. Urrou e vomitou. Teve excarrado o rosto um exorcista. Puta trava!

A cara do possesso se deforma, transforma-se num ogro horrendo. Os dentes ponctudos rangem, quebram-se, eis a norma…

Não, Glauco, nunca tive, entre parentes, alguem que precisasse dessa forma de culto! Satan dá-me costas quentes!

SONNETTO

DA MAMÃE BRUXA [13.291]

O filho duma bruxa não queria seguir da mãe os passos, nem beijar o rabo do Diabo. Seu altar só tinha figurinhas de Maria.

Mamãe não quiz, porem, tal teimosia topar. Forçou o cara a se prostrar, lamber do Demo os cascos e, com ar de supplica, a borrar-se, em agonia.

Satan riu como nunca ao sentir essa linguinha adolescente em suas pregas. Appenas commentou: “Não tenha pressa!”

A bruxa, agora, quando das collegas é thema de fofocas, faz promessa de, pelo filho, um cu chupar às cegas.

SONNETTO

DO PAPAE BRUXO [13.292]

O filho que, dum bruxo, os passos não queria seguir, não topava, nem por sombra, trocar sua crença zen por outra, a satanista, a lei do Cão.

Um anus diabolico o pagão garoto repelliu. O pae, porem, forçou-o. Bem, na marra agindo, quem não lambe taes preguinhas? Hem, Glaucão?

O joven, humilhado, passou sua linguona à volta toda desse cu, alem de enfiar fundo! Quem recua?

Quem ousa recusar? Nenhum tabu supera aquella scena nua, crua, dos labios mergulhados num angu…

SONNETTO DA FAMILIA [13.293]

Aberto, um cemeterio clandestino mostrou scenas grottescas. Ha quem queira, sem sustos, assistir? Que tremedeira causou, em quem ouvia, a voz do sino!

Achado foi o corpo dum menino ao lado de seus paes. Sua caveira sorria tristemente, da maneira mais tragica, qual alma sem destino.

Comtudo, o que impressiona toda a gente é, perto, de cachorro um eskeleto, tal como si dormisse em cama quente…

Glaucão, nesses assumptos não me metto, mas acho que seria, simplesmente, um thema familiar para sonnetto…

SONNETTO DO ESPELHO [13.294]

Olhando-me ao espelho, Glauco, fico bastante impressionado, pois da minha boccarra (para não dizer boquinha) os dentes me suggerem thema rico!

Emquanto não estou fazendo bicco francez, eu arreganho os labios… Tinha, Glaucão, que ver! Perplexo, uma ponctinha maior nos meus caninos verifico!

Será que sou vampiro, menestrel? De sangue não tolero nem o cheiro! Si for para sugar, prefiro o mel!

De dia, todavia, quasi beiro o mystico delirio! Sou fiel, então, dentro da tumba, ao travesseiro…

SONNETTO

DA FILHA REBELDE [13.295]

Não posso tolerar alguem que diga tamanha asneira, Glauco! Minha filha virou ovelha negra da familia, tal como Ritta Lee, rebelde, instiga!

Scismou essa menina duma figa que bruxa quer virar! Ella me pilha! Não basta ter entrado na quadrilha dos manos satanistas? Quer é briga!

Deu para, às sextas-feiras, sahir toda vestida com aquella roupa preta! Si estrillo, me responde: “Que se foda!”

Ah, falta pouco para que eu commetta, Glaucão, um desattino! Gosto, pô, da menina, mas jamais dessa veneta!

SONNETTO DO LATIFUNDIARIO [13.296]

Aquelle intolerante presidente dum clube de empresarios do café sentou-se na poltrona. Poz o pé descalço para cyma, sorridente.

Passando viu, na tela à sua frente, o tragico massacre da ralé sem terra, que invadira algum chalé. Artelhos flexionou, todo contente.

Gostava de ver scenas dos sem terra soffrendo, da policia, a repressão. De subito, um peão, por perto, berra…

Extranha. Vae olhar. Alguem ja não estava alli. Mais tarde, elle se ferra. De susto vae morrer… Assombração?

SONNETTO

DO ENCOSTO [13.297]

Eu, quando possuido, sinto o rosto arder e, por soccorro quando peço, ninguem attende! Sou, Glauco, um confesso exemplo de quem soffre desse encosto!

É duro, menestrel! Não foi por gosto que dei a bunda ao Demo! Ja regresso não vejo! Por Satan fiquei possesso! Nem queira, mestre, estar neste meu posto!

Às vezes, o Demonio vem por traz e mero gay passivo de mim faz, a fundo me enrabando, sem ter dó!

Mas, uma vez, chupei do Satanaz aquelle pau de bode que -- Rapaz! -inteiro nem me cabe no gogó!

SONNETTO DA SELECÇÃO NATURAL [13.299]

Não posso ser, Mattoso, um homicida, mas, sim, assassinei algum insecto damninho, reconhesço… Não ha veto da tua parte, certo? Quem duvida?

Baratta, mosca, abelha… Alguma vida daquellas meresceu o teu affecto? De minha parte, digo: o que interpreto da propria Natureza me convida…

Nós somos predadores! Ou não somos? Si eu não mactar algum, elle me vae mactar! Não comerei amargos pomos!

Não ha, na Natureza, mãe nem pae!

Não ha, siquer, a culpa dos mordomos! É cada qual por si, Mattoso, uai!

SONNETTO DO DESFECHO [13.300]

A cada novo livro que termino de, celere, compor, me indago si, de facto, para ainda andar aqui, motivos haverá desde menino.

Por que não me mactei? O que imagino se prende, na cegueira, ao mimimi do qual sou accusado por quem ri da victima dum tragico destino.

Nos livros, macto o tempo, para não mactar minh’alma, alem do corpo, um fardo que, em trevas, não vislumbra a salvação…

Quem ri do meu azar é felizardo? Talvez seja, mas clamo: os “normaes” hão, um dia, de entender por que fui bardo…

SONNETTO DO JOVEN HITLERISTA [13.302]

O filho dum nazista general ganhou, ao completar os seus dezoito anninhos, uma Luger. Quiz, affoito, num alvo practicar. Calculem qual…

Exacto: num judeu, que, por signal, estava ammarradissimo. Um biscoito em bocca de creança. Mental coito em bronha adolescente, por egual.

Deleite por deleite, esse menino podia ser, agora, algum suino devoto da direita aqui de casa…

Assim é que, sem pappas, imagino quem queira se tornar um assassino local ou mundial: Capão ou Gaza…

SONNETTO DA PRECE DESCRENTE [13.314]

Mamãe morreu soffrendo no hospital. Catholica, jamais perdeu a fé. Papae morreu de cancer. Foi até mais rapido. Mas morte é sempre egual.

Pergunto-me, ‘inda agora: Affinal, qual a crença que supera a dor? Qual é a força que sustenta alguem em pé emquanto não esteja assim tão mal?

Elle era kardecista. Ao centro não deixava de, fiel, comparescer. Mamãe o terço sempre tinha à mão.

Não creio como creram. O poder maligno me cegou. Em oração, mais nelles penso, perto de morrer.

SONNETTO PREMONITORIO [13.316]

As malas estão promptas. Desperdiça um tempo precioso quem addia a morte programmada. Mais um dia e estou, com meu esposo, na Suissa.

Dependo de euthanasia, agora. A liça perdi para a cegueira. Só queria livrar-me duma vez por todas. Ia alguem menosprezar minha premissa?

Fez bem Antonio Cicero. Me resta seguil-o nessa trilha. Façam festa aquelles que enxergar podem ainda…

A quem enxergar possa não molesta um drama desse typo. Mas eu, nesta viagem, rememoro o que se finda…

SONNETTO DA POSTERIDADE [13.317]

Soffrer de depressão ninguem queria. Ja basta a paranoia, sempre digo. Ou, como diz aquelle meu amigo: “Comtigo o que se faz é covardia!”

Viver em ostracismo de euphoria não enche ninguem. Quasi não consigo, às vezes, versejar, mas ja me ligo: É tudo o que me resta, a poesia.

Alem de me esnobarem como cego, me esnobam como fertil creador do genero, mas nunca que eu sossego…

Si para a cremação, em breve, eu for, ao menos uns milhares a mais lego aos posteros. Futuro promissor…

SONNETTO ILLUSORIO [13.323]

Contei aos meus amigos, mas ninguem levou a serio, Glauco! O cemeterio estava assombradissimo! Confere o que digo, menestrel! Ouve-me bem!

Sozinho me encontrava alli, ja sem aquelles que, do morto (um deleterio politico), vieram ao funereo serviço. De repente, vejo quem?

Dezenas de eskeletos das pessoas que, em vida, aquelle crapula affligira! Ainda bem que disso não caçoas…

Te juro! Quem fé ponha que confira! Curraram o cadaver, dando boas risadas! Com os punhos, sim! Com ira!

SONNETTO MERENCORIO [13.324]

Nos mortos da familia, às vezes, penso com grande dor de espirito, mas nem por isso, nos meus sonhos, elles veem allivio dar ao breu que me põe tenso.

Supplico-lhes, humilde, neste immenso deserto de esperança: Venha alguem fallar commigo! Venha aqui, sim, bem baixinho, dizer algo de bom senso!

No fundo desta astral melancholia, preciso de soccorro… Basta a voz serena, sussurrada… Ja allivia…

Da minha mãe, do pae, nem dos avós escuto uma só phrase! Eis que, de dia, me lembro das conversas entre nós…

SONNETTO FUNERARIO

[13.356]

Ao tumulo descido outro caixão, ficou, emfim, sozinho quem primeiro chegara ao cemeterio. O tal coveiro estava assustadissimo, Glaucão!

Sei disso porque estive de plantão na rua, alli pertinho. Ouvi berreiro de varias vozes… Delle, o costumeiro chamado, mas, das outras… Não sei, não!

Não era voz humana! Aquelle grito tão rouco, tão maccabro, só podia ser mesmo das caveiras, eu admitto…

Cruzei com o coveiro, ja, de dia, mas elle desconversa… Que bonito assumpto para a tua poesia!

SONNETTO RODOVIARIO [13.373]

No meio da viagem, faz parada um omnibus, num hermo local. Cae a noite e, nessas horas, hem, quem sae à caça? Lobishomens! Que enrascada!

Temor de que, do nada, algum invada aquelle collectivo, logo um ai causou nos passageiros. Um ja vae limpar-se da fatidica cagada.

Por causa do conserto, que demora, a noite passarão alli, morrendo de medo. Uma creança, afflicta, chora.

De subito, ouvem todos um horrendo, uivante berro. Quando uma senhora infarcta, vae o sol apparescendo.

SONNETTO PLANETARIO

[13.396]

Exercito nenhum tem força para deter aquelles seres, eis que irão tomar compta da Terra! Qual nação resiste aos taes verdinhos? Diga, cara!

Hem, Glauco? Me responda! Quem ousara, com armas regulares, ter acção de guerra contra tropas que questão não fazem de poupar nem ave rara?

Sim, pelo que entendi, só venenosas serpentes pouparão, ja que são ellas identicas às caras dos etês…

Não pense que com mimos e com rosas irão se commover! Si não teem bellas feições, escravizar-nos vão, talvez…

SONNETTO INCONTORNAVEL [13.416]

Relaxa, mestre! Estás assaz de estresses possesso! Teu discipulo sou, mas paresço ser teu mestre! Estás assaz possesso por estresses! Tu me exquesces?

Te lembras de mim, mestre? Tuas preces, ha tempos, attendi! Jamais terás sossego si exquesceres Satanaz! Quiz elle que mais preces tu fizesses!

Precisas crer em Lucifer, meu caro! As tuas afflicções só lenitivo terão si para a fé tiveres faro!

Não sentes desse enxofre meu activo odor? Tuas narinas esse raro aroma reconhescem? Ou me exquivo?

SONNETTO DORMITAVEL [13.422]

Nanar é tão gostoso! Meu bassê que o diga! Ah, si eu pudesse dormir tanto! Si hinverno, lhe colloco um quente manto por cyma! Ah, como nana meu bebê!

Você não dorme tanto? O que você faz para addormescer? Ouve esse canto khoral, gregoriano? Ja faz quanto tempinho? Muitos seculos? O que?

Assim tão velho, mestre, é que se sente você? Mas meu bassê só viverá mais dois ou trez anninhos, ja doente…

Melhor somno que a morte? Hem? Não, não ha! Appenas cochilamos, aqui! Tente pensar nisso, meu caro camará!

SONNETTO VIVIVEL

[13.423]

Vivemos nós, Glaucão, como si fosse num somno polyphasico. Um cochilo agora, algum mais tarde… Bem tranquillo não durmo, mas a vida não é doce…

Um dia partiremos, e accabou-se o somno piccadinho! Sem vacillo, te digo que não quero num asylo morrer! Mas boa nova Satan trouxe…

Sabias tu, Glaucão, que iremos nós passar um tempo paca, appós a morte, dormindo num bom limbo? Nada atroz…

Ainda bem que temos essa sorte, só nós, os cegos… Ouve, então, a voz satanica! Accredita! Ha quem se importe…

SONNETTO PREFERIVEL [13.425]

Não, Glauco! Minha thia não quer nem ouvir fallar nas pillulas que estão à venda por ahi, pois faz questão de chas me preparar! Faz ella bem!

De insomnia soffro, Glauco! Ocê tambem? Não tome comprimidos, então, não! Licores de cabeça dores dão! Melhor só chas tomar! Me deixam zen!

Tithia algumas hervas põe naquellas bebidas, que provocam até bellas visões paradisiacas, Glaucão!

Garanto: nem siquer deixam sequelas! Nem temos pesadellos! As cannellas sonhamos que battemos! Legal, não?

SONNETTO IMMORTALIZAVEL [13.442]

Poetas brazileiros, si valor tiveram, só morreram de doença gravissima, accidente e desadvença propensa a crime barbaro, si for!

Que podes, menestrel, disso suppor? Acaso morrerás de dor intensa? De grippe? Bomba? Alguem que me convença do fado que persiga cada auctor!

Ouvi fallar que só famoso fica, depois de morto, o gajo que estiver soffrendo, si as cannellas, cedo, estica…

Terá que ser alguem cujo mester envolva vicio ou crime… Tua zica de cego serviria de colher…

SONNETTO INESPERAVEL [13.450]

Estive digitando o dia todo, segundo o meu biographo. Mentira. Não passo tanto tempo minha lyra urdindo. Mesmo assim, produzo a rodo.

Ganhei ja, dos amigos, um appodo: “Usina de Sonnettos”. Que confira quem queira duvidar. Pois é, se vira um cego, né? Nem sempre, irmãos, me fodo…

Em pouco, ja quattorze mil terei composto neste practico teclado, em Windows, para cegos. Usar sei…

Nem sempre gaz terei, por outro lado, nas horas em que espero, pela lei divina, deixar logo o meu legado…

SONNETTO DEBIL

[13.454]

Nas ultimas estava a minha thia, mas lucida, bem lucida, sim, ‘inda! Aquella mulher tinha sido linda, charmosa… Agora alguem o que diria?

Rhachitica, nem tinha voz! Um dia, meu primo resolveu que era bemvinda a morte della: tudo, ora, se finda! Chamemos de euthanasia, na voz fria…

Que fez elle? Bollou esta tremenda surpresa: a aranha negra! Não é lenda! Appenas collocou-a alli na cama…

A velha, assustadissima (Me entenda, Glaucão!), vendo chegar-lhe tão horrenda bichana, morreu! Coisa de quem ama…

SONNETTO TEMIVEL

[13.470]

De cara feia, Glauco, nunca tive medinho, nem que seja algum vampiro! Tambem de lobishomem jamais piro de medo! Não! Da noite ha quem se prive?

Commigo nas noitadas quem convive bem sabe que Satan eu mais admiro que Christo ou Buddha! Quando me refiro à noite, quem for monstro que se exquive!

Eu acho, meu, que infundo mais terror num outro, que elle mesmo de mim possa ter, visto que sou feio mais que a peste…

Aquelle que me encara vae suppor que minha cara a Morte bem esboça! Não vejo quem, ao ver-me, me conteste…

SONNETTO IMMUTAVEL [13.485]

Na sexta-feira, treze, sempre está alguem a commentar sobre vampiro, phantasma, lobishomem, num retiro remoto ou na cidade, camará!

Quem deixe de ter medo, meu, não ha! Ja viste taes figuras, Glauco? Um gyro ja deste pelos hermos? Quasi piro, pensando num zumbi, num boytatá!

À noite tu ja foste em cemeterio de filme de terror, sozinho, sem siquer um cellular? Não? Falla serio!

Mas gothico não és? Nem bruxo, nem um bardo ultraromantico? Funereo climão tu não cultivas? És tu quem?

SONNETTO DA RECORRENCIA [13.610]

Visão minha, fugaz, que te partiste tão cedo, me deixando descontente, penando neste inferno, longamente, da vida aqui na Terra, sempre triste!

Emquanto fui eu joven, me sorriste, mas hoje, na memoria, mais ausente te tornas, pois das cores, nem que tente lembrar-me, não verei o que tu viste!

Si vires que não posso mais rever-te, siquer em sonho, ja que me ficou a magoa, sem remedio, de perder-te…

Ao menos que Satan, de quem fan sou, mais cedo me carregue, para ter-te de novo nos meus olhos! Graças dou!

SONNETTO DO SYMBOLISMO [13.630]

Caveiras symbolizam o sorriso mortal que nos agguarda appós à terra descermos. Outros symbolos encerra a lapide dum tumulo, ora friso…

Do gelo sepulchral sempre é preciso fallar em poesia, pois se enterra um corpo seminu que (jamais erra quem disse tal) depende de improviso…

Em versos, um cadaver friorento se cobre com a adjuda ardente dum necrophilo, ouriçado cem por cento…

Mas eu, que em cemeterios não me exquento, prefiro na aguardente estar bebum si, em falta dum absintho, enfrento o vento…

SONNETTO DO MATERIALISMO [13.654]

Ah, quando morrer, mestre, irei deixar aos filhos tantas coisas materiaes! Valor nunca darão, mestre! Jamais! Preciso o meu museu inaugurar!

Fundar um instituto, no logar da casa em que morei, irei, e taes objectos, que eu estimo por demais, seguros estarão! Que eterno lar!

Ah, Glauco! Si mexerem nessa tralha, virei o pé puxar de cada qual! Por mim serei eu mesmo quem trabalha!

Será que tenho tara material? Até ja duvidei que muito valha aquillo tudo! Faço um carnaval?

SONNETTO DO SATANISMO [13.666]

Tu vagas, tu, sem rhumo, peregrinas por todos esses generos da lyra, mas nunca te livrar da ziquizira consegues, nem das glosas fescenninas!

É culpa de Satan, ja que te inclinas às practicas sombrias e te inspira appenas o Tinhoso! Não admira que estejas sem visão nessas retinas!

Satan nos cobra aquelle seu tributo, no caso de querermos versejar sem pappas, num estylo torpe e bruto!

Decerto tu ja foste, sob um ar infecto, o cu beijar, assim escuto, do Principe das Trevas! Delle és par!

SONNETTO DO ATHEISMO

[13.669]

Não creio num deus todo poderoso, da Terra creador, do Céu tambem. Não creio no seu filho, que, em Belem nascido, seja agora tão famoso.

Não creio que elle tenha, só por gozo, punido os humanoides. Foi alguem mais forte e mais potente que, convem citar, tem appellido de Tinhoso.

Ah, nesse, sim, eu creio, pois só pode ser elle quem poder tem para toda a sorte de maldades, eis que é bode!

Por elle, que se foda a propria foda! Por elle, quem terraqueo for se fode! O proprio Satanaz de atheu me appoda!

SONNETTO DO KABBALISMO [13.686]

Nos numeros está a philosophia mais certa, mais exacta, mais fatal! Buscando um algarismo sempre egual eu posso mudar tudo no meu dia!

De grana posso obter qualquer quantia! Nas datas acharei meu carnaval e, para alguns rivaes, o funeral! Palindromos tambem servem de guia!

Si eu fosse numerologo, dos taes que bruxos são, ha seculos, na Terra, seus olhos estariam, Glau, normaes!

Mas, como na kabbala as visões erra a minha vista, ainda, muitos ais você, que se fodeu, no mundo berra!

SONNETTO DO VIBRACIONISMO [13.722]

Maleficas pessoas liderança terão, pela ambição empoderadas. Mas isso tem seu preço, pois pesadas serão as consequencias, sem tardança.

Poder teem os politicos, se cansa a gente de estudar, e ninguem ha das potencias que desfaça. Si damnadas estão as energias, alguem dansa.

Facadas, accidentes vasculares ou tiros, não importa: tudo vem provar que vibrações enchem os ares.

Em breve, botas batte mais alguem que “lider do Occidente”, entre seus pares, quiz ser, fazendo o povo de refem.

SONNETTO

DO LETHALISMO [13.725]

Quem queira assassinar alguem, Glaucão, devia dar um tiro bem na cara da victima, pois nada se compara à boa balla, até de trezoitão!

Melhor seria, claro, usar canhão, granada, pois agora não é rara a gana de dar golpes. Se dispara na frente e pelas costas do povão!

Na falta das de fogo, uma arma pode ser util: a faquinha de cozinha, mas, quando o golpe falha, alguem se fode!

Do jeito que este mundo, Glau, caminha, em breve basta a acção que nos accode, da droga da pharmacia, a mais damninha…

SONNETTO

DO ABYSMO [13.772]

Aquelle que ficou cego se sente tal como que cahindo num abysmo. Com isso sonho e, quando accordo, scismo que disso não me livro facilmente.

Cheguei quasi na beira, quasi rente ao alto precipicio. Um paroxysmo de panico me envolve. Então, sophismo que estou, à minha morte, indifferente.

Nós todos ja tivemos sensação egual, ja nos sentimos despencando, em sonho, mas commigo não ha chão…

Despenco, mas não chego ao fundo. Quando achei que ja cheguei, estou, então, na beira novamente, me jogando…

SONNETTO DO AGNOSTICISMO [13.795]

Não creio, menestrel, que se consiga provar que Deus exsiste e que Satan não seja quem, de facto, um ammanhan prepare para a gente! Faça figa!

O pão que nos ammassa, bem se diga, tem gosto de cocô! Só quem é fan do sadomasochismo acha que van não seja a sympathia que elle instiga!

Satan ja conseguiu provar que está, faz tempo, no commando desta porra! Deus disso seus signaes jamais nos dá!

Não vejo quem com Lucifer concorra, Glaucão! Nos governar, em breve, irá de Norte a Sul, Sodoma até Gomorrha!

SONNETTO DO TRADICIONALISMO [13.824]

Sciente estou da velha tradição imposta pelas bruxas satanistas, da qual foram deixadas muitas pistas nos livros de magia! Como não?

Um anus bem fedido tem o Cão! Ainda assim, estão sempre previstas, nas missas do Sabbath, as masochistas lambidas no trazeiro do mandão!

Mas reza a tradição, alem da bunda beijada, que Satan nos foda, a fundo, a bocca, da maneira mais immunda…

Fallei ja muito disto, mas redundo: Satan nos mija! Ahi que, então, affunda a rolla, até gozar, com ar jocundo!

SONNETTO

DO SYLLOGISMO [13.930]

Glaucão, todos os homens crueis são!

Jesus Christo foi homem? Então, ora,

Terá sido cruel tambem! Agora pergunto: Quaes maldades fez, então?

Ficou elle illudindo o seu povão?

Fallou que mais feliz será quem chora?

O mundo garantiu que ‘inda melhora?

A todos prometteu a salvação?

Os cegos saberão testemunhar!

Alguns fé demonstraram e Jesus curou-os, reza a lenda millennar…

Alguns, porem, não creram e, em seus cus, a rolla penetrou, mas tal azar foi culpa de Satan, ja se deduz…

SONNETTO

DO MYSTICISMO [13.940]

Sou mystico, Glaucão, como você! Você não accredita numa fada madrinha, numa bruxa habituada aos peidos de Satan, nisso não crê?

Tambem creio naquillo que se vê à noite, em cemeterios, camarada, naquelles eskeletos que, em estrada deserta, causam tanto fuzuê!

Ja muito lobishomem advistei!

Vi muita assombração, muito vampiro! De historias pavorosas, tantas, sei!

Por isso, menestrel, é que eu admiro você, que, mesmo cego, mesmo gay, entende que com vampas eu me viro…

SONNETTO

DO BANDITISMO [13.944]

Me chamam de bandido, Glauco, mas prefiro que me chamem de infractor! Não chamam, ja, você de transgressor? Nem ligo para tantas linguas más!

Disseram que implorei a Satanaz meu corpo que fechasse e quiz propor um pacto que me fosse protector! Não nego que é versão assaz veraz!

Não fosse Satan nosso companheiro, ficava complicada a bandidagem! Satan protege cada bandoleiro!

Poetas assim, Glauco, tambem agem, concorda? A poesia, ao que me inteiro, tambem privilegia a sacanagem…

SONNETTO DO ANTHROPOMORPHISMO [13.951]

A cara de Jesus a gente nem direito sabe! Hem, mestre? E qual a cara, pergunto, do pae delle? Alguem achara que fosse parescida? Sabe quem?

Satan tambem… Alguma cara tem de gente? Elle feição nunca mostrara humana! Acho que esteja mais é para a cara desse bode de Salem!

As bruxas de la dizem que Satan tem chifres e tem cascos, mas eu não confirmo, ja que delle não sou fan…

Você confirma? Diga ahi, Glaucão! Politicos mais feios que elle, em van fé, julgam-se bonitos no sallão…

SONNETTO DO INEXSISTENCIALISMO [13.965]

És supersticioso demais, ora! Phantasmas não exsistem, nem zumbis, tampouco! Só noticias imbecis me trazes, menestrel, a esta hora?

Me queres convencer de que la fora ha muitos lobishomens? Que é que eu fiz, Senhor, para aguentar taes mimimis accerca dum azar que te appavora?

Não sabes que esta casa trancas tem? Mas… Ouve, Glauco! Ouviste esse ruido? Entrar acho que está querendo alguem…

Hem, Glauco? Que faremos? Ja duvido até dos meus ouvidos! E si vem entrando o meu avô, ja fallescido?

SONNETTO DO DERROPTISMO [13.993]

Entrar com pé direito nesta vida é quasi que impossivel! Nem quem tem a fama dessas bruxas de Salem consegue reverter essa corrida!

Estamos, desd’o poncto de partida, fadados a perder! Mesmo que eu zen me julgue, dum azar serei refem até que me mactar, emfim, decida!

Achou-me pessimista demais, Glau? Comtudo, você mesmo sempre diz que espera, de manhan, seu dia mau!

Sim, acho que sou, mesmo, um infeliz, lembrando que ‘inda fico num degrau accyma de você, neste paiz…

[SEGUNDA PARTE]

PATERNIDADE DA SANCTIDADE

DIA DO UMBANDISTA [10.278]

Sim, toda sexta-feira, Glaucão, tem battuque no terreiro, bem do lado do predio onde resido! Mas gozado achei este detalhe, sem desdem:

Aqui não ha terreno vago! Quem quizer fazer um afro culto, usado terá, claro, um apê desoccupado! Mas, Glauco, um templo desses pega bem?

Não pega! Quem battuca fica tenso, a cada nova queixa dos vizinhos, com medo da policia! Assim eu penso!

Periga até que espiritos damninhos, querendo se vingar, causem immenso terror, com seus nocturnos barulhinhos!

DIA DA BAHIANA DO ACARAGÉ [10.354]

Comeu acaragé do bom quem ja esteve em Salvador, como você, Glaucão! Caso vontade ca me dê, não creio que comer um bom eu va!

Ja tive experiencia que fará você zoar commigo, bem se vê! Achei bollinho secco, sem dendê no gosto, sem siquer o vatapá!

Difficil encontrar é, por aqui, daquelle genuino! O meu avô achava que a bahiana diz por si!

Aquella que é devota de Xangô, de Exu, dos orixás todos, sorri com jeito, offerescendo um ao “Sinhô”!

DIA DE XANGÔ [10.461]

Algum dos orixás que mais lhe dão appoio, por acaso, não será Xangô, meu caro Glauco? Quem lhe dá, tambem, é Sancta Barbara, né não?

Os entes que, do raio ou do trovão, são deuses, teem persona de orixá até que hermaphrodita, fiquei ja sabendo pela bocca do povão!

Hem, Glauco? Por que tanto orixá nessa cultura aphrodisiaca da sua espirita attitude, louca à bessa?

Um cego tem humor, si está de lua, mais calmo ou mais inquieto? Me interessa saber quem, no momento, ‘ocê cultua…

DIA DO VENTO [10.462]

No dia de Yansan, que desejar, Glaucão, ao seu devoto, que confia nos ventos e nos raios, noite e dia, em terra firme como em alto mar?

Hem, Glauco? Tempestades quem chamar será bem attendido, pois aqui a chuvinha não dá tregua! Que seria das pragas si não fosse nosso azar?

Chamei por Sancta Barbara naquella terrivel ventania, quando nós ficamos sem luz! Lembra? Sim, por ella!

Voltou a luz! Ouviu a minha voz, mas tudo se queimou! Sim, quem appella que tire da tomada seus chodós!

DIA DE OXUM [10.494]

Eu disso não entendo nada, pô!

Então uma mulher é? Tem certeza, poeta? Não me fica a luz accesa! É deusa, vate? Esposa de Xangô?

Mas vate, esse Xangô não tem pornô perfil? Hermaphrodita não é? Tesa piroca tem, então? Eu sou de mesa mais branca, não entendo disso, sô!

Percebo, simplesmente, que mulher ou homem, si for afro tal scenario, é coisa de somenos no mester!

Paresce que, si for reaccionario, o gajo medo sente e, si puder, evita seu espelho ou seu armario!

DIA DO BABALU AYÊ [10.574]

De tantos orixás que eu hoje invoco, talvez o Babalu, Glaucão, lhe possa allivio dar ao olho que lhe coça, alem das dores, nesse seu suffoco!

Doenças elle cura, mas nem toco na febre e inflammações quetaes da nossa sahude tão precaria, meu! É grossa tolice orar aos sanctos do pau oco!

Orar aos Babalus Ayês não é só coisa de cubanas canções, não! Os afros ritos nelles botam fé!

Eu mesmo, que perdia meu tesão, orei, fiz offerendas, e meu pé ja lambe essa affluente multidão!

DIA DE OXALÁ [10.631]

Qualquer mythologia nos dará um ente em quem possamos botar fé? Duvido! Omnipotente ninguem é! Por isso sempre invoco um orixá!

No caso, estou fallando de Oxalá, Glaucão, um orixá que faz até chover, e me fará beijar seu pé, sciente de que em mim de olhão está!

A Zeus equivalente, elle poder tem mesmo superior ao dos demais, por isso de louvar tenho o dever!

Tomara que elle escute estes meus ais! Zeus queira! Hem? Oxalá! Mas fazer ver de novo, ninguem, Glauco, faz jamais!

DIA DE YEMANJÁ [10.671]

Qualquer mythologia nos dará um ente em quem possamos botar fé? Duvido! Omnipotente ninguem é! Por isso sempre invoco um orixá!

No caso, estou fallando de Yemanjá, rainha que é das aguas, da maré, daquelles pescadores, ou até dos cegos! Você não concordará?

Você mesmo contou que, em Sanctos, quasi morreu, quando o jogaram no canal! Foi grato a Yemanjá, naquella phase!

Não digo que pretendo me dar mal, mas, caso me impuzerem que eu me case, a ella pedirei melhor astral!

DIA DE OXOSSI [10.801]

Qualquer mythologia nos dará um ente em quem possamos botar fé? Duvido! Omnipotente ninguem é! Por isso sempre invoco um orixá!

Oxossi, por exemplo, não só la nas selvas tem poder, pois caça até pequenos animaes que no meu pé estejam se fartando dum mannah!

É serio! Quando a pulga, a pernilonga, a larva dum bichinho uma coceira me causam, não é praga muito longa!

Invoco Oxossi e, logo, quem me queira foder se foderá! Oxossi gonga quem vem cantar de gallo na frieira!

OUTRO DIA DE YEMANJÁ [10.885]

Qualquer mythologia nos dará um ente em quem possamos botar fé? Duvido! Omnipotente ninguem é! Por isso sempre invoco um orixá!

No caso, estou fallando de Yemanjá, por causa, alli na praia, dos que pé teem grande e me deixaram ja lelé da cuca! Quem maior poder terá?

Nos pés desses rapazes eu tesão demais tenho, Glaucão! Si ella Aphrodite tambem é, me soccorre! Por que não?

Quem ama, vate, é justo que accredite em tudo quanto possa dar razão aos fluidos dum erotico convite!

DIA DE OGUM [11.084]

Qualquer mythologia nos dará um ente em quem possamos botar fé? Duvido! Omnipotente ninguem é! Por isso sempre invoco um orixá!

São Jorge, como Ogum, se invocará no caso dum guerreiro que seu pé fincou, segundo os credos da ralé, na lucta vingativa, até que má.

Invoco um orixá nesse sentido raivoso, odio curtindo contra alguem que tenha me barrado ou me impedido.

Não venham me dizer que não me vem rancor à face emquanto sou mantido, faz tempo, no ostracismo! Graça tem?

DIA DE OXUMARÊ [11.248]

Qualquer mythologia nos dará um ente em quem possamos botar fé? Duvido! Omnipotente ninguem é! Por isso sempre invoco um orixá!

Invoco Oxumarê porque elle dá noção de novos cyclos. Mesmo um Zé Mané conseguirá botar em pé a vida arruinada, desde ja.

Nas cores, o orixá se manifesta, mostrando que estarei em nova phase, mas desde que me baste isto que resta.

Me lembro dessas cores. Estou quasi me vendo, bem pimpão, fazendo festa, em sonho. Só sonhando a fé tem base.

DIA

DE OSSANHA [11.308]

Qualquer mythologia nos dará um ente em quem possamos botar fé? Duvido! Omnipotente ninguem é! Por isso sempre invoco um orixá!

Ossanha, pelas hervas, mostrou ja poderes controlar. Para a ralé, as plantas tudo curam, sim, até glaucoma, que cegueira sempre dá.

Usei pilocarpina, até maconha, si fosse como balla, accabaria usando… Mas passei só foi vergonha.

Mas nunca desisti, não. Qualquer dia, eu chamo Ossanha, peço que me ponha de novo ver podendo, uma alegria!

DIA DO UMBANDISTA VIGARISTA [11.369]

Fingindo ser, de sancto, um pae, o cara a cura do glaucoma me promette em troca duma paga de boquette, alem duma quantia até que cara.

Commigo penso: preço não ha para milagres desse typo. Quem se mette a bruxo ou feiticeiro, creio, o septe por certo pinctará. Quiçá! Tomara!

Chupei o pae de sancto, sua porra sagrada deglutti, paguei aquillo que fora combinado: uma Camorra.

Cahida a ficha, fico mais tranquillo. Conformo-me que nada me soccorra, siquer um ritual feito em sigillo.

DIA PESSOAL DOS MALDICTOS MYTHOS [11.572]

Emquanto ouvidos davam ao vovô eu delle duvidava, jururu.

Emquanto prohibiam o pornô eu ria, a tactear meu corpo nu.

Emquanto crença punham no tarot eu duvida não tinha do tabu.

Emquanto davam glorias a Xangô eu ia me entendendo com Exu.

Em Juppiter emquanto punham fé eu, cego, orando a Lucifer me vi e, delirante, em mim mesmo, só, cri.

Emquanto de Drummond citam José eu, Pedro, sou tambem Podre e Pourri, alem de ser José, pois me fodi.

[SEGUNDA PARTE]

São Paulo 2025

Casa de Ferreiro

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.