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TENDÊNCIAS, VIVÊNCIAS E EXPERIÊNCIAS

COLUNISTA

//TENDÊNCIAS, VIVÊNCIAS E EXPERIÊNCIAS FELIPE MENDES

General Manager Latam da GFK

VENDER TELEVISÃO OU PUBLICIDADE, EIS A QUESTÃO!

Em 2012, a Best Buy, maior varejista americana de eletroeletrônicos, começou a sofrer os efeitos do “showrooming”, aquela condição na qual os potenciais compradores visitam uma loja física, conhecem o produto e obtêm mais informação, porém depois fazem a compra no e-commerce, buscando melhores preços. Houve muita discussão interna sobre como sair daquela situação, a qual estava corroendo as margens e o lucro da varejista: se em 2012 o lucro caiu pela metade, em 2013 e 2014 se converteu em prejuízo.

Em 2015, a varejista viu seu lucro retornar a patamares similares aos de 2011, em um dos turnarounds mais estudados pelo varejo, sob a estratégia “Renew Blue”. Entre as diversas ações, talvez a de maior impacto para os potenciais compradores foi assumir esse papel de “showroom”. Através de treinamento, engajamento e digitalização das equipes de loja (“Blue Shirt Team”), além da criação de diversas “store in store” e a aceleração da oferta de serviços como o “Geek Squad“, as lojas se tornaram lucrativas novamente. O slogan da empresa, de 2013 a 2018, se tornou “Expert Service. Unbeatable Price”.

No entanto, há uma parte fundamental da história que nem sempre se discute: a negociação entre o CEO da Best Buy e o presidente da operação americana da Samsung. O argumento de Hubert Joly, presidente da varejista Best Buy à época, é que a experiência dos potenciais compradores com os produtos da Samsung dentro das lojas era tão positiva, que gerava vendas adicionais não apenas na própria loja ou nos canais online da Best Buy, mas também em outros varejos.

Para provar o fato, Hubert forçou a retirada de produtos da marca Samsung em algumas regiões dos Estados Unidos, e a Samsung viu suas vendas caírem também nos outros varejistas daquelas regiões. Com os resultados em mãos, ambas as empresas se sentaram

Atuou em empresas de bens de consumo, como Phillip Morris, Mondelez e Unilever, no Brasil, Chile e México, até a posição de Diretor de Marketing. Em consultorias de data analytics, como a GfK, vem liderando empresas e unidades de negócio desde 2008, especializando-se em realizar processos de turnaround comercial, operacional e financeiro, bem como integração de empresas adquiridas. Felipe é membro do YPO (Young Presidents Organization) desde 2014 e atua em Conselhos de Empresas e Associações, além de palestrante frequente em eventos de tecnologia, varejo e comércio eletrônico, sendo investidor de startups nesses segmentos.

para negociar um novo modelo de remuneração e colaboração, o qual corroborou a nova estratégia da Best Buy, na qual os fees de mídia passaram a representar uma parte substancial do seu lucro.

Dez anos depois, acordamos com a seguinte notícia: a Amazon já é a terceira mídia digital que mais recebe investimentos no mundo, atrás apenas dos ecossistemas Google e Facebook (na América Latina, o Mercado Livre ocupa essa mesma posição). A receita com publicidade da Amazon em 2021 foi de impressionantes US$ 31 bilhões, com um crescimento de 32% em comparação com o mesmo trimestre do ano anterior. No ano, o crescimento foi de 50% (similar ao aumento de 2020 contra 2019), e a expectativa de mercado é que cresça outros 30% em 2022.

Usando números dos Estados Unidos, a Amazon recebeu imbatíveis 78% do investimento em publicidade no varejo, apesar de ser responsável por “apenas” 41% da receita de vendas do e-commerce americano, demonstrando a força que o tráfego de clientes tem para a geração de vendas de publicidade (ou “Ads”).

Essa dominância na receita de mídia está sendo desafiada por outros varejistas, como o Walmart (5% do investimento), Instacart (2%), Kroger e Walgreens, entre outros, que estão profissionalizando suas estruturas de comercialização de publicidade, bem como desenvolvendo “analytics” para demonstrar o retorno de investimento aos anunciantes, fechando o círculo virtuoso da mídia de varejo.

Os varejistas perceberam que essa jornada é mais complexa do que parece, já que demanda habilidades muito diferentes das que uma empresa tipicamente de varejo desenvolve, seja em recursos humanos, operações ou tecnologia. Mesmo na Amazon, os US$ 31 bilhões representaram pouco menos de 7% da receita em 2021. Portanto, é de se imaginar que houve muitas discussões internas, com frases como “vamos manter o foco em serviço”, “publicidade não é o nosso negócio” e tantas outras típicas “bloqueadoras de inovação”.

Vale a pena comentar que, na outra ponta, a Amazon se tornou o maior anunciante global em publicidade em 2021, tendo crescido 55% em investimentos em relação a 2020, chegando a US$ 17 bilhões (a segunda colocada, P&G, investiu US$ 8 bilhões). É curioso observar que a Amazon investiu um pouco mais da metade do que recebeu como publicidade de outros anunciantes, e o crescimento, tanto em investimento como em receita de mídia, subiu em patamares similares, próximos a 50%. Será que esse foi um acordo com as áreas de marketing e comunicação da gigante, algo como “a verba de publicidade desse ano será metade do que recebermos de receita com publicidade”? Ainda que seja um pensamento fictício, pode ser um desafio interessante a ser lançado para a área de marketing do seu e-commerce.

Quais as razões para o sucesso da “mídia no varejo”?

Há três frases que resumem bem esse sucesso, sendo todos movimentos que se aceleraram nos últimos dois ou três anos:

1) Uma frase icônica entre as pessoas de mídia: “Money follow eyeballs” ou, em tradução livre, “O investimento em mídia estará onde houver mais ‘pupilas’”. A mídia de varejo busca não apenas pupilas, mas também dedos (cliques) e cartões de crédito. Esse

tráfego de “pupilas” já começa inclusive a ser chamado de “audiência” pelo mercado, tendo crescido enormemente com a aceleração dos marketplaces, em especial no Brasil;

2) Outra frase muito usada em mídia: “Half of my advertising spend is wasted; the trouble is, I don't know which half”, que pode ser traduzida como: “Sei que metade do meu investimento em mídia não surte efeito, só não sei que metade é essa”. Com a crise econômica global reduzindo os investimentos em mídia, reforçou-se a importância da “mídia de performance”. No varejo, atribuir crescimento de vendas diretamente ao investimento feito naquele e-commerce é a “nirvana” dos diretores financeiros. O ciclo completo se resolve;

3) Finalmente, uma frase que não é originalmente de mídia, mas que cada vez mais se torna parte do vocabulário: “Data is the new oil”, que literalmente significa “Dados são o novo petróleo”, em alusão à riqueza que ter dados pode gerar às empresas. Especificamente em relação à mídia, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), associada às novas regras para “cookies”, aumentou muito a atratividade de empresas que possuem dados “primários”, isto é, conseguidos diretamente com os seus usuários, compradores ou consumidores em suas “propriedades”.

Um estudo realizado nos Estados Unidos, com anunciantes de marcas de bens de consumo rápido, comprova a relevância dos atributos acima mencionados, porém vale destacar que os anunciantes estão valorizando tanto a quantidade de gente que visita aquele site (“traffic scale”) como a qualidade desse tráfego. Por qualidade entende-se não apenas o poder de compra do target, mas também a possibilidade de se realizarem campanhas para targets específicos (“audience targeting capability”). Algo para se pensar é que marketplaces verticais, apesar de menor tráfego, podem ter bastante valor para alguns anunciantes pela especificidade do target.

Outra discussão central é a capacidade da mídia de varejo de “construir marca” ou se é apenas uma “mídia de performance”. As respostas do estudo reforçam que o maior foco atual está em performance, pois, quando os anunciantes americanos foram perguntados sobre os formatos de mídia que compraram, o foco ainda foi direcionado à “base do funil”, com anúncios/mensagens quando o comprador busca produtos, ou simplesmente a entrega de “banners” e vídeos de produtos nas páginas de compra.

Essa estratégia é derivada, por um lado, do comportamento do e-shopper: dados do Mercado Livre apontam que quase 80% das buscas de produtos são “genéricas”, isto é, digita-se “computador” para se iniciar uma jornada de compra. Imagine tudo o que pode ser influenciado nesse processo, seja marca, utilidade (gaming?), características (placa de vídeo? memória) e, óbvio, crédito.

Mas vale observar a compra de anúncios dentro das TVs conectadas (CTV video ads). Há uma forte parceria, recentemente renovada, entre Amazon e Roku para gerar anúncios da Amazon em TVs Roku, por exemplo. Nota-se que trazer “conteúdo” para o “varejo” é um caminho sem volta, e temos no Brasil exemplos interessantes, como a compra do “Jovem Nerd” e “Canal Tech” pelo Magalu, ainda que a referência do setor seja a Amazon, com IMDb, Twitch, Prime Video, Music, Kindle, Audibles e tantos outros.

O que fica claro nesse movimento é que as clássicas definições de “canal de vendas” e “canal de mídia” ficaram absolutamente obsoletas, e esse fato tem enorme impacto dentro das indústrias e dos varejos, já que

negociar vendas de produtos (“GMV”) não é o mesmo que “espaços” de mídia (“Ads”), como já comentei.

Para exemplificar, pensemos que, até há poucos meses, quem falava com o varejista de e-commerce era um diretor ou gerente de vendas. Algumas indústrias já contavam com gerentes de trade marketing digital, mas o foco ainda era bastante básico (pagar para “aparecer” antes ou melhor, por exemplo). O investimento no “canal” era feito, portanto, por uma mesma pessoa/área, e quem recebia a verba era uma mesma pessoa/área.

Já em 2022, se faz necessário um alinhamento entre marketing, trade marketing e vendas dentro das empresas: em que produto vamos dar foco nesse varejista? Qual investimento que faremos em preço e em exposição? Quanto moveremos sessões de live commerce ou outros formatos que a área de Ads propuser? Como iremos medir a lucratividade desse varejista para a nossa empresa? Como remunerar a agência de publicidade?

Do lado do varejo, o “espelho” também ocorre: qual cliente mais me interessa? Aquele que vende mais produtos (que tem uma margem menor), aquele que usa mais meus outros serviços ou aquele que investe mais verba de mídia (que proporciona margens muito maiores)? Imaginaram os conflitos?

Colocando alguns números sobre a mesa da sala

Na GfK, medimos não apenas as vendas de produtos eletroeletrônicos no varejo, mas também o comportamento dos consumidores, suas jornadas de compra. Para este texto, fui atrás das vendas de dez categorias de produtos durante 2021: telefone celular, televisão, máquina de lavar, fogão, geladeira, aspirador de pó, micro-ondas, laptop, máquina de café e tablet. Elas somaram algo mais de 93 milhões de unidades, das quais aproximadamente 39 milhões foram vendidas em e-commerces.

Como sabemos que, em média, apenas 3% das visitas dos sites geram vendas, com uma conta simples, ainda que cheia de viés, posso assumir que tivemos 1,3 bilhão de visitas durante 2021 procurando essas dez categorias... 1,3 bilhão de pessoas que poderiam ter sido “monetizadas” com publicidade. Uau!!!

Mas como a conta acima pode nos deixar deprimidos com tanto dinheiro perdido, falarei apenas dos compradores: entre os 93 milhões que compraram produtos, sem importar o canal, 65 milhões fizeram alguma pesquisa sobre produto “na Internet”. Ou seja, não estou falando aqui de gente que entrou apenas para se divertir e nunca comprou, mas reais compradores que estiveram em propriedades online - portanto, mais atentos a anúncios, banners, vídeos ou campanhas integradas.

Desses 65 milhões que fizeram pesquisa na “Internet”, impressionantes 21,8 milhões procuraram informações de produto em sites de varejistas, e sabemos que em mais de um varejista, várias vezes... Esse número é um pouco maior do que os 21,6 milhões que foram a sites de marcas e não muito longe dos 25,2 milhões que buscaram informação em sites de “review”! Isso significa que o potencial já está latente também no Brasil, quando pensamos em hábitos de compra dos e-shoppers.

O que o futuro nos traz?

Além dos movimentos já antecipados, como a tentativa de gerar formatos que ajudem a construir marca ou que atuem mais no topo do funil, vale destacar três movimentos:

1) A competição no varejo brasileiro é muito mais balanceada do que no americano, o que nos leva a crer que cada grande player tentará desenvolver formatos mais interessantes para investir, incluindo aquisição ou parceria de conteúdo, mas também plataformas comerciais mais integradas, isto é, alinhar ações de “GMV” (promoções, modelos exclusivos) com Ads” (live commerce, influenciadores, lançamentos de produto);

2) Além dos anunciantes “endêmicos”, ou seja, aqueles que anunciam e vendem no mesmo site, o tamanho e a qualidade da audiência dos grandes marketplaces permitirão que vendam seus dados para outras empresas, sejam agências especializadas em negociar mídia usando esses dados, ou mesmo a realização de parcerias com marcas, para geração de insights e campanhas altamente segmentadas. Por que não usar os dados de quem compra pneus, mas também assina canais de esportes e compra vinhos caros, para gerar anúncios de automóveis de luxo?

3) O metaverso parece ser um caminho natural para essa integração de conteúdo, publicidade e vendas. Quanto mais tempo mantenho a audiência comigo, mais publicidade posso entregar e mais reação comercial posso esperar, seja no meu próprio ambiente, seja em outros. Não deve ser surpresa, portanto, o aparecimento de muitas iniciativas de varejo e marcas, em conjunto, aproveitando inclusive a capacidade que o 5G trará para os lares. Essa visão também nos ajuda a entender por que o Facebook, líder do social commerce, revisou sua estratégia em direção ao metaverso.

É óbvio que o e-commerce médio precisa encontrar seu espaço nesse jogo... e rápido. Ainda que implementar essa estratégia pareça algo complicado, o bonito de se trabalhar com tecnologia é que sempre aparece alguma startup para “resolver as dores do mercado” e, nesse caso, já começaram a aparecer empresas que ajudam o médio varejista a monetizar suas audiências.

Mas talvez ainda mais importante é ter a consciência de que vender publicidade pode gerar de quatro a cinco vezes mais margem do que vender produtos. Portanto, ainda que possa existir um investimento inicial, ele poderá trazer retorno mais rápido do que outras iniciativas comerciais. Único ponto de atenção, em qualquer investimento digital: comece pequeno, teste muito e depois escale.

Finalmente, algo para se estar bastante atento: algumas práticas comerciais poderão ser revisitadas nesse processo de desenvolvimento de mídia, como o portfólio de marcas e produtos que você oferece. Por exemplo, não bastará contar apenas com produtos “que se vendem sozinhos”, já que com esses você talvez não consiga ganhar dinheiro com publicidade do fabricante. Ao mesmo tempo, é lógico que se você não tem esses produtos de alta procura, não terá tráfego...

Fica claro que haverá a necessidade de se tomar decisões que guiem os algoritmos do seu site na direção desejada, em vendas e publicidade. Mas quem fará isso? O coordenador de mídia ou o gestor do e-commerce? Bom, aí já é uma decisão para você tomar, mas espero que tenha sentido aquele calafrio bom no estômago, típico de oportunidade quando aparece.

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