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ENTREVISTA
O AMOR ESTÁ NO AR (E NO E-COMMERCE)
O sex shop online Dona Coelha cresceu 470% em 2020, com faturamento de R$ 7,5 milhões. E promete mais!
Por Dinalva Fernandes, da Redação do E-Commerce Brasil
Clientes que procuram sex shop buscam formas de melhorar a experiência com o sexo, seja acompanhado ou sozinho. Experiência, aliás, é o fator principal do negócio. Ainda mais quando se trata de produtos tão íntimos. Como o assunto ainda é tabu na sociedade, muitos consumidores preferem recorrer ao e-commerce para adquirir esses produtos e, por isso, alguns cuidados precisam ser redobrados, como o capricho nas embalagens, as descrições e a forma de utilizar os toys.
Nesta edição número 69, que calhou de ser lançada em junho, mês dos namorados, o E-Commerce Brasil conversou com Natali Gutierrez, de 30 anos, e Renan de Paula, de 35, o casal por trás do Dona Coelha, um dos maiores sex shops online do Brasil. O negócio, que começou com um blog relatando as experiências dos então namorados, evoluiu para um site e um canal no YouTube.
Atualmente, cerca de 80% do público do site é composto por mulheres, casadas ou solteiras, e 35% dos clientes se declaram LGBTQIA+. “Muitas mulheres compram produtos eróticos para usar com parceiros homens. Na pandemia, muitas compraram para se conhecerem melhor e se curtirem. Isso foi incrível”, afirma Natali. Em 2020, a Dona Coelha cresceu 470%, com faturamento de R$ 7,5 milhões. No ano seguinte, as cifras passaram de R$ 8 milhões, e a projeção é de R$ 10 milhões para este ano. Confira os principais trechos da conversa:
E-Commerce Brasil: Como começou o negócio e por que decidiram vender online?
Natali Gutierrez: O negócio começou com um blog antes de se tornar uma loja online. Em 2010, começamos a comprar algumas coisas para usarmos juntos e percebemos como era constrangedor comprar, pois as lojas nos empurravam muitos produtos sem nem saber se já tínhamos usado algo. Então, decidimos relatar em um blog as nossas experiências com os produtos e onde havíamos comprado, e as pessoas
começaram a perguntar se nós vendíamos. Foi daí que surgiu a ideia de abrir uma loja para deixar o contato das pessoas com o sexo mais leve porque, afinal, não precisa ser constrangedor.
Renan de Paula: Na época, já queríamos ser influenciadores digitais, mas não havia espaço para esse tipo de influenciador porque sexo sempre foi tabu. Uma fabricante entrou em contato conosco, e a Natali começou a vender os produtos de porta em porta, para as amigas e no trabalho (ela trabalhava como gestora de eventos para uma ONG de educação, e ele atuava na área de marketing digital e tecnologia). Em 2015, tivemos um insight de levar essa experiência para o e-commerce. Junto da loja, lançamos um canal no YouTube para compartilhar com as pessoas que tipo de produto chegaria à casa delas e linkamos os vídeos em cada produto. Atualmente, não temos loja física, mas o nosso escritório, na zona sul de São Paulo, serve como ponto de retirada para quem não quer pagar frete. A ideia é abrir um local físico nos próximos anos.
ECBR: Como funciona a descrição dos produtos no site e quais cuidados são priorizados?
Natali: Quando fazemos as descrições dos produtos, também pesquisamos com os concorrentes o que eles estão entregando aos consumidores para melhorar essa experiência. Colocamos tudo o que é importante, mas também o que não é óbvio, como que sensação o cliente vai ter com aquele toy, se é para iniciantes ou alguém mais experiente, o que esperar daquele brinquedo etc. Também sugerimos um passo a passo para o cliente se familiarizar com aquele toy
antes de usá-lo. É uma forma de evitar que o consumidor tenha uma experiência ruim e nunca mais procure um sex shop.
Renan: Tentamos usar uma linguagem mais acessível, fugindo da linguagem técnica do fabricante para ficar mais parecida com uma conversa entre amigas porque, em geral, as descrições dos produtos são mais frias.
ECBR: Como funciona a logística da Dona Coelha?
Natali: Todo o nosso estoque é de produtos próprios. Compramos de fornecedores nacionais e também importamos para a nossa marca. Eu faço a curadoria dos produtos, nada é terceirizado. Toda a parte de envio é feita por transportadoras que fazem a coleta e a distribuição até o cliente final.
ECBR: Quais os cuidados na logística reversa, já que se trata de produtos íntimos?
Natali: Temos um pós-venda que me deixa muito orgulhosa, porque fazemos esse atendimento com muito carinho. Tem cliente que usa o toy e se frustra dizendo que o produto está quebrado, mas na verdade é porque não sabe usar ou ligar. E também tem a parte mais delicada, que é a pessoa comprar, usar e falar que não gostou. É como se a pessoa comprasse uma calcinha e dissesse que não gostou porque é grande e quer devolver. Mas, no geral, é tranquilo. Se o produto apresentou defeito, fazemos a troca com o fornecedor, e a pessoa pode escolher se quer crédito na loja ou receber o reembolso. Como é um produto íntimo, às vezes, a pessoa usa e não se adapta, e também estornamos o valor, mesmo não sendo a regra, porque a pessoa volta no futuro e compra outro produto mais adequado para seu perfil. Fazemos um atendimento personalizado para oferecer o que a pessoa busca. Tem gente que procura o que a amiga usou, mas nem sempre é o que vai ser o que ela vai gostar. O que vale para nós é a experiência do cliente.
Renan: Para facilitar esse serviço, fizemos um modelo de autosserviço chamado Troca Fácil, onde o cliente pode gerar um código de logística reversa dizendo o motivo da troca, Às vezes, pode ser um caso de suporte ou o produto tem um defeito de fábrica.
ECBR: Além de a embalagem ser discreta, como funciona a emissão de nota fiscal?
Natali: A nota fiscal vai com o nome da empresa, e o endereço é de uma caixa postal que nós temos nos Correios, justamente para nenhum curioso achar o nome da empresa. As transportadoras aceitam a nota fiscal unificada, que é só o código de barras. A exceção são os Correios, que pedem que a nota fiscal fique do lado de fora. Nesse caso, a NF fica dobrada somente com código de barras aparente. A pessoa só vai saber o que tem dentro se abrir. Se for presente, tudo vai em branco, mas a pessoa que comprou recebe a nota por e-mail.
ECBR: Qual o faturamento nos últimos anos? A pandemia ajudou nesse sentido?
Renan: A pandemia ajudou demais o negócio. Em 2020, tivemos aumento de 470% comparado a 2019, com faturamento de R$ 7,5 milhões. Em 2021, foram R$ 8 milhões. Para este ano, a projeção de crescimento é de R$ 10 milhões.
ECBR: Há aumento no Dia dos Namorados e outras datas?
Renan: A nossa grande data sazonal é o Dia dos Namorados. O aumento de visitas no site é expressivo, e a conversão fica lá em cima. Em geral, faturamos 12 vezes mais do que em um dia comum. Nosso ticket médio hoje é de R$ 250. Tem sex toys de R$ 2 mil,
mas queremos democratizar o uso desses brinquedos para que todo mundo tenha acesso. Por isso, procuramos trabalhar com produtos legais para quem quer iniciar e entender do que gosta.
ECBR: Ainda há preconceito com o segmento de sex shop? Já tiveram problemas por atuar nesse ramo?
Natali: Já teve banco que não quis abrir conta para nós, dizendo que não trabalhavam ‘com esse tipo de coisa’. Quando fomos comprar um apartamento, o corretor de imóveis foi bem deselegante. Quando é no nosso segmento, é tranquilo, mas já ocorreram situações em que as pessoas falam com malícia ou deboche. Tem muito preconceito. No começo, já aconteceu de se masturbarem no telefone enquanto falavam comigo, já fizeram comentários péssimos. Hoje, a nossa equipe tem 15 pessoas, sendo 13 mulheres. As atendentes são as que mais sofrem com comentários no telefone, pessoas dando em cima, usando palavras de baixo calão e mandando fotos que não pedimos. É extremamente agressivo.
ECBR: Já aconteceu de terem que bloquear alguma pessoa ou tomar uma atitude mais drástica?
Renan: Já fomos atrás disso, mas não existe nenhuma lei que nos ampare. É um assédio, mas ninguém faz nada. Não há uma ação preventiva nesse caso. A melhor ferramenta é bloquear essas pessoas em todos os lugares, principalmente no Instagram.
ECBR: Qual é a principal desvantagem de se vender os produtos de sex shop online?
Natali: Uma desvantagem é lidar com situações em que alguém pega a encomenda do cliente e nega que pegou. Quando isso acontece, entramos em contato com a transportadora para saber quem recebeu o pacote. Falamos para o cliente e, no geral, a pessoa fica envergonhada e devolve. Porém, já aconteceu uma vez de um vizinho não devolver de jeito nenhum.
ECBR: Qual é o peso das redes sociais no negócio de vocês?
Natali: Hoje, estamos no Instagram, Twitter, TikTok, YouTube, blog e o site. Cada uma delas com propostas diferentes, mas procuramos amarrar umas às outras para que o cliente finalize a jornada na loja online. Toda essa estrutura é interna na empresa. O Instagram e o YouTube têm um peso muito grande porque são as nossas grandes vitrines, mas temos alguns problemas porque o Mark [Zuckerberg, fundador da Meta, dona do Facebook e Instagram] não gosta de sexualidade. Algumas palavras não podem ser usadas. Inclusive, já tivemos publicações derrubadas.