edição nº 1583

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Agosto é o mês do reencontro das comunidades alentejanas que estão espalhadas pelo mundo. É tempo de celebrar a visita dos emigrantes que tornam às suas terras para FESTEJAR e para perceber, ano após ano, como a sua opção de vida foi a mais indicada. Portugal, o seu país, está cada vez menos habitável. E, no regresso, na bagagem, em vez de saudades, os nossos emigrantes levam cada vez mais gente consigo. Para longe. PB

Opinião

Celebração da vida

Emoção versus razão

O abraço de Al-Durrah

Luís Covas Lima Bancário

Francisco Marques Músico

Marcos Aguiar Licenciado em Psicologia

L J R

ondres 2012, momento épico para a demonstração dos desígnios da humanidade. O encontro entre a diversidade de culturas, raças, credos e políticas num movimento à escala global, perpétua o espírito olímpico. Nações e territórios distintos proclamam a sua própria existência, tendo como base valores de entendimento, de solidariedade e de fair play, o que é ilustrado pelos cinco anéis entrelaçados que significam a união dos cinco continentes. Bandeiras e símbolos conjugam-se num clima de harmonia e de respeito pelo próximo. O ideal desportivo aproxima os povos e clama pela paz, numa consagração de glória aos vencedores e de honra aos vencidos. De todas as modalidades inseridas nos jogos, há uma que se destaca por ser historicamente a mais emblemática. A maratona desde sempre fez parte do programa olímpico. Nesta disciplina, e para nosso contentamento, Carlos Lopes em Los Angeles, em 1984, e Rosa Mota em Seul, em 1988, foram medalhas de ouro. Recentemente, e assinalando-se o centenário da primeira participação de Portugal nos Jogos Olímpicos que tiveram lugar em Estocolmo, em 1912, o momento alto foi a evocação da memória do atleta Francisco Lázaro, que sucumbiu a representar o nosso país nesta prova e nessa edição. No medalheiro está registado que os nossos atletas conquistaram, até agora, 23 medalhas. Perante os quatro de ouro, oito de prata resultados obtidos (Londres 2012, canoagem em K2 1 000 metros por Emanuel Silva neste torneio de e Fernando Pimenta, teve uma Londres, houve prata com sabor a ouro) e 11 de quem tivesse bronze. Nem muito nem pouco. falado de falta É capaz de retratar a nossa verde superação dadeira dimensão. Um país que quer crescer e que quer ser come de querer. petitivo, mas nem sempre conOutros falaram segue. Também aqui o fosso que de resultados nos separa dos outros países pameritórios face à rece ser cada vez maior. realidade do País. Perante os resultados obtidos neste torneio de Londres, houve quem tivesse falado de falta de superação e de querer. Outros falaram de resultados meritórios face à realidade do País. Não acredito na primeira e não deveremos tolerar a falta de ambição que transparece da segunda. O chefe da Missão de Portugal aos Jogos Olímpicos lamentou a falta de cultura desportiva do País. Acrescentou que as pessoas em Portugal, por essa via, não conseguem valorizar os resultados até então obtidos. Sinceramente, tenho outra opinião. É uma questão de gestão de expectativas. Se é verdade que em algumas modalidades onde não tínhamos qualquer tradição conseguimos obter excelentes marcas, noutras, em que nos julgávamos competentes para fazer algo mais, ficámos aquém daquilo que esperávamos. O Baixo Alentejo esteve representado nos jogos por uma mulher de Baleizão que nos enche de orgulho. Ana Cabecinha, nos 20 quilómetros marcha, obteve um honroso 9.º lugar. Mantém uma regularidade impressionante, seja em taças do mundo, taças da Europa, campeonatos do mundo, campeonatos da Europa ou jogos olímpicos. Está no top 10 do mundo. O seu querer e capacidade de superação são um exemplo a reter. Hoje com 28 anos, amanhã uma medalha. Essa sim, será a celebração não da vida, mas de uma vida!

á há algum tempo que, em pequenas conversas informais com amigos, venho a manifestar a minha opinião sobre um aspeto que me parece de extrema importância no processo de educação das crianças: o equilíbrio que para mim é necessário existir entre as formas de abordagem emocional e racional dos conteúdos que fazem parte dos currículos. Não consigo compreender como é que se continua a apostar cada vez mais na componente racional, que é, e sempre será, de uma enorme importância na educação, sem que esta aposta não se faça acompanhar de uma valorização da componente emocional. Na minha opinião, um investimento desequilibrado entre estas duas componentes só pode levar a que num futuro próximo tenhamos indivíduos de dois tipos opostos, consoante a componente mais valorizada: seres humanos pouco imparciais que não tomam as suas decisões com base em competências e capacidades, indicadores isentos e factos concretos e reais, nos casos em que a aposta é feita essencialmente na componente emocional; seres humanos sem bom senso e que tomam as suas decisões com base em dados estatísticos frios e desumanizados, quando a aposta valoJulgo que é preciso riza demasiado a componente racional como o tipo de aborque o processo dagem a utilizar no processo de educação de educação das crianças. das nossas Neste momento, como dizia crianças comece atrás, parece-me que se valoriza demasiado a forma racional de a valorizar ambas abordar os conteúdos e isso está as componentes, a contribuir para que os seres hudando algum manos se convertam em “máquidestaque à nas” que não pensam com uma componente visão global dos factos, que não emocional e não medem os prós e os contras com apenas à racional, base no racional e no emocional. para que possamos Esta abordagem tem vindo a conter seres humanos tribuir para que os indivíduos se comecem a assemelhar a compumais justos e que tadores, nos quais são introdupossam pesar zidos apenas os dados em bruto, também outras resultantes de uma recolha estatística enviesada, e que é seguida configurações de uma análise cega e muitas vede cariz mais zes desadequada da realidade que humanista nas julga tudo com base no mesmo alturas em que crivo. tenham que tomar Julgo que é preciso que o prodecisões com as cesso de educação das nossas quais todos somos crianças comece a valorizar ambas as componentes, dando algum confrontados destaque à componente emociodiariamente nas nal e não apenas à racional, para nossas vidas. que possamos ter seres humanos mais justos e que possam pesar também outras configurações de cariz mais humanista nas alturas em que tenham que tomar decisões com as quais todos somos confrontados diariamente nas nossas vidas.

13 Diário do Alentejo 24 agosto 2012

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Louçã acaba de dar mais um contributo [ao apoiar uma liderança bicéfala] para fechar o Bloco no seu labirinto: acaba de dar o seu contributo inestimável para bloquear o Bloco. Paulo Rangel, “Público”, 21 de agosto de 2012

ecordo-me vagamente de ter visto na televisão o crime que ceifou a vida de Muhammad AlDurrah, de 12 anos, em Gaza, na Palestina. Corria o ano de 2000. Para mim foi apenas mais uma imagem cruel de uma guerra que ainda hoje continua a ser fértil em terríveis acontecimentos. Confesso que, na altura, talvez por ainda não ser pai, não consegui assimilar por completo a extensão daquele drama humano. Simplesmente aconteceu e pronto. Restou uma ténue memória… Há dias, por mero acaso, voltei a ver na Internet o vídeo do infame momento. Desta vez perturbou-me profundamente. Muhammad Al-Durrah escondia-se atrás do seu pai, Jamal Al-Durrah, que agachado e encostado a uma parede tentava fazer do seu corpo um escudo para proteger o filho do fogo cruzado israelo-palestiniano. Não resultou. Mortos por tiros israelitas – dizia-se. Assassinados, afinal, por balas palestinianas – provou-se depois. Que importa? Olhando a minha filha, tenho-me lembrado muitas vezes do menino Al-Durrah. Como ela, certamente ele não perceAl-Durrah era uma bia nada de geopolítica, de religião ou de economia global. criança e estava a Mesmo assim foi sacrificado chorar. Tinha medo. em seu nome. Muitos responEscondeu-se atrás sáveis e analistas políticos ligados ao tema israelo-palesdo pai, confiando que este o poderia tiniano afirmam, ainda hoje, que o chamado “Incidente proteger. Deveria Muhammad Al-Durrah” é ter chegado para uma fraude. Uma bandeira ilecalar as armas. gítima dos palestinianos na sua Todas as armas luta pela liberdade. Explicam, em jeito de descargo de consci– israelitas e ência, que Jamal e Muhammad palestinianas. foram mortos pelos próprios Não chegou! compatriotas. Já os palestinianos, imunes aos factos e cegos pelo ódio, continuam a aclamar os Al-Durrah como mártires de guerra. Pobres de espírito – uns e outros. Não percebem que o poder daquelas imagens reside numa sensibilidade tão profunda que extravasa qualquer análise política, religiosa, geográfica ou económica. Al-Durrah era uma criança e estava a chorar. Tinha medo. Escondeu-se atrás do pai, confiando que este o poderia proteger. Deveria ter chegado para calar as armas. Todas as armas – israelitas e palestinianas. Não chegou! Ficaram ali, os dois, contra aquela parede fria e cravejada de balas, abraçados para sempre – pai e filho. Miseráveis, não percebem que aquele abraço mortal conteve, num único momento, todo o amor que existe no mundo. Canalhas, incapazes de entender que o menino Al-Durrah deixou de ser, naquele mesmo instante, uma criança qualquer. Quatro balas transformaram-no num grito que devia envergonhar todos os que são indiferentes ao sofrimento alheio e num símbolo universal do amor – sem geografia, religião ou preço – que vive dentro dos Homens de bem que, como Jamal, todos os dias abraçam os seus filhos.


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