DIGESTO ECONÔMICO, número 400, janeiro e fevereiro 2000
atentados terroristas como de coiura-ataqucs por jiartc dos Estados Unidos. Com atraso, os americanos consi derariam seus líderes culpados de negligencia por jião terem enfrentado
o terrorismo com um senso mais aguçado de urgência.
Atualmente, o perigo dc que armas de destruição maciça sejam usadas contra os Estados Unidos aliados é maior que em qualqueroutro momento desde a crise dos mísseis cubanos em 1962. Trata-sc dc problema de segurança nacional q tipo de atenção que o Departamento de Defesa dedica às ameaças de ataques nucleares ou conflitos militares regionais. O primeiro obstáculo à imaginação necessá ria para visualizar e en frentar o piore a resigna- '2ção. As perspectivas po- i dem parecer tão assusta doras que muitos deixam de acreditar na eficácia
como no caso da dissua são nuclear, a boa nova é que há muito a ser feito.
Uma organização
Para a vitória
jxaradigma da c seus um iie merece o mesmo r os
nacional é e.sjjecialmeiue significativa, marcando pro- fundamente a topografia do governo americano. O })aradigma de segurança nacional c.stinuila n coleta agressiva e incessante de informações. A idéia é anteci par a ameaça antes de seu surgimento e tomar medidas preventivas contra alvos suspeitos. Já no ação policial, o que importa é reagir a informações proporcionadas de maneira voluntária, recorrer a de tenções cx post facto, levar os culpados a julgamentos onde valem sobretudo as provas c, por fim, protege direitos dos cidadãos.
o terror político na história
materiais
A ameaça do terroris mo catastrófico estende-se a todo o globo, desafiando qualquer classificação pronta de que se trata de algo apenas externo ou interno. Como ficou claro dente de 1993 no World Trade Center, um grupo terrorista pode incluir cidadãos americanos e de outras nacionalidades, operando e movimentando para dentro e para fora do território americano durante longos períodos. O grande perigo pode se manifestar quando a ameaça perde-se numa das fendas jurisdições superpostas dos órgãos governamentais, estrangeiro” e “doentre questões “policiais” e “de segurança no inci-
entre as m as necescomo a existente entre terrorismo méstico”, ou nacional”.
A divisão entre HjANEIRO-FEVEREIRO-2000 nenissuasao; questões policiais e dc segurança
Em maio dc 1998, o presidente Bill Clilmon nomeou um coordenador nacional para questões c dc medidas antiterrorisias.com a mis são dc “mobilizar ioda a gama dc recursos disp níveis com a maior rapi dez c eficiência j5ossívcis”. Não há nenhum j^roblcma na designação dc um assessor para a Casa Bran ca, mas não devemos co locar muita fé nesse tipo dc super-funcionário. O poder efetivo ainda con tinua nas mãos dos ór gãos executivos que dis põem dc pessoal, equipa mentos, recursos e capa cidade de fazer com que as coisas sejam realizadas. Como a maioria das ode qualquer tipo de me dida preventiva. Alguns são fatalistas, como se estivessem diante da pos sibilidade de explosão dc uma estrela supernova. Muitos analistas reagiram do mesmo modo no início da era nuclear, quan do sua expectativa de que o fim dos tempos estava prestes a chegar tornava ocioso qualquer interes se maior no esforço de dissuasão. No entanto, tal repartições governamen tais que se preocupam com o terrorismo catas trófico também sc dedi cam a outras áreas, as autoridades responsáveis pelas decisões a respeito desses recursos anti ter rorismo deveriam ser as mesmas que decidem so bre as outras missões, sendo assim capazes de reconciliar demandas concorrentes. O que o governo americano precisa, na realidade, é criar sistemas que, embora pouco glamourosos, sejam eficazes para a tomada responsabilizável de decisões que juntem especialistas civis, militares e da comunidade de inteligência ao longo de toda a cadeia de comando; integrem as ativi dades de planejamento e execução; reforcem a capaci dade de mobilização institucional; e ressalte sidades defensivas antes da ocorrência de qualquer incidente. Essa estratégia abrange quatro compo tes; coleta de informações e alerta; prevenção e di - administração de crises e suas consequências; c aquisi ção coordenada de equipamentos e tecnologia.
A Revolução Francesa introduziu
O paj)cl da coleta de informações na prevenção do terrorismo catastrófico é dificultado tanto pelo fato dc haver terroristas não-governamentaiscomo pelo desen volvimento sigiloso de armas c mobilizações pouco convencionais por parte de governos - duas caracterís ticas que tornam difícil a monitoração e a neutralização antecipada. No âmbito das redes de computadores, por exemplo, o desdobramento dc armas pode ser inteira mente eletrônico. O governo americano, portanto, deveria ter autoridade para monitorar qualquer grupo e seus potenciais patrocinadores estatais que poderíam ter motivos c meios para empregar armamentos de destruição maciça. A fim dc detectar esse tipo de arma qualquer ponto do globo, os Estados Unidos preci sam recorrer a tecnologias de sensoriamento remoto e cultivar fontes globais de informação. As medidas necessárias incluem a cole ta clandestina dc fontes abertas, como : e Internet, assim pleno intercâmbio de inforaliados-chave.
jornais estrangeiros como um maçoes com Quase um ano antes de realizar o atentado no metrô de Tóquio, o grupo Aum Shinrikyo havia usado o gás Sarin civis. Embora a im-
cm ataques contra prensa japonesa tenha divulgado a no tícia, o governo americano permane ceu no escuro. Não só Washington desconhecia o que as autoridades polisabiam, como estas não y ciais japonesastinham conhecimento do que outras locais no Japão haviam
concentrando seus esforços cm informantes ou cm outros indícios durante a investigação dc possíveis atividades criminosas, como deve ser, o regime dc liberdades individuais não as estimula a sair atrás de criminosos antes que haja prova de intenção criminosa. Por outro lado, essas autoridades policiais dominam muitas técnicas para a coleta de informações, entre as quais escutas telefônicas legais e investigações judiciais. Grande parte do resultado desses esforços, contudo, permanece inacessível à comunidade de segurança na cional devido às leis ou regulamentações de proteção aos direitos constitucionais.
Os Estados Unidos necessitam de uma nova institui ção que concentre todas as informações a respeito do terrorismo catastrófico - um Centro Nacional de Infor mações sobre o Terrorismo capaz de coletar e analisar dados que contribuam para alertas antecipados contra possíveis atos terroristas de escala ca tastrófica.
A ameaça do terrorísmò catastrófico estende-se a todo o
organizações apurado. As instâncias envolvidas não partilham seus conhecimentos de modo a impedir outro ataque. Mesmo hoje, serviços de inteligência americanos não contam com local que permita um planejamento abrangente, onde os dados fornecidos por missões de reconheci mento aéreo e de vigilância eletrônica, agentes clandes tinos e informantes, bancos de dados policiais e relató rios de governos estrangeiros possam ser analisados e organizados da maneira mais eficiente. Embora difícil, o trabalho de coleta de informações não é impossível. Os prováveis terroristas também enfrentam problemas. Se contam com o apoio de um Estado, suas organizações tendem a ser grandes e vulne ráveis ou então restritas e impotentes. Quando não são apoiados por nenhum Estado, o grupo pode ser restrito, impotente e, ainda por cima, patológico. São essas circunstâncias que criam as oportunidades para o êxito dos serviços de inteligência. Os órgãos de segurança nacional podem então tomar a iniciativa. Compreensivelmente, as autoridades policiais internas não se empe nham de maneira sistemática na coleta de informações, os um
Como esse centro teria acesso aos bancos de dados das autoridades poli ciais, ele não poderia ser instalado no âmbito da Central IntelligenceAgenc)'. Em vez disso, o Centro Nacional deve ria incorporar o bem-sucedido diretor do Central Intelligence Counterterrorism Center (CICC), hoje com um mandato mais restrito que o contem plado por esta proposta, e operar no âmbito do Federal Bureau of Investigation. No entanto, o Centro seria dirigido por um comitê executivo pre sidido pelo diretor da CICC e incluiria também o diretor do FBI, o vice-secre tário de Defesa, o vice-procuradorgeral, o vice-secretário de Estado e o vice-assessor de segurança nacional. O Programa Nacional de Inteligência Externa, que já vem fornecendo subsídios à Divisão de Segurança Nacional do FBI, seria responsável pelo orçamento do Centro, ao passo que ao Conselho de Segurança Nacional caberia a solução de eventuais conflitos de jurisdição. O diretor do Centro sairia alternadamente do FBI e da CIA, e Coleta
todos os órgãos de inteligência contribuiríam com determinado número de profissionais que estariam fora das restrições de pessoal do Centro. Em resumo, o Centro combinaria duas abordagens: a de coleta ativa de informações, hoje própria dos órgãos de segurança nacional, que não sofrem de restri ções legais em suas investigações no exterior, e também a das autoridades que atuam no território nacional, aproveitando os recursos de investigação dos órgãos policiais. Essa mescla é compatível com a confiança da população e o respeito às liberdades individuais: o Centro não teria o poder de detenção e instauração de manteria certa distância processos e, ao mesmo tempo
- FEVEREIRO - 2000ÍBF2
PNa Cidade do México, dois padres
celebram missa para gays numa garagem
Vivendo Ia vida loca
The Economist
Para alguém que chegava no México em maio de 1998, a primeira impressão do que os latinoamericanos achavam do homossexualismo vinha dos alto-falantes. Cada emissora de rádio e boate no
toristas na Oxford Street, cm Londres. Dois idosos
obser\'avam o espetáculo balançando suas cabeças cm descrença. Mas quando indagados sobre suas opiniões, respondiam: “Cada um na sua”.
imprudência; r sua
país estava executando uma música de Molotov, banda de rock determinada a chocar com letras repletas de palavrões e um CD cuja capa mostra uma garota de calcinhas abaixadas. A sociedade ficou chocada, sim, e a banda Molotov foi condenada po mas ninguém parecia se opor às palavras de “Puto”, hino em ritmo disco que culminava com: “Puto, puto, matarile al maricon” (livremente traduzivel como “Bi cha, bicha, matem-se os homossexuais”. A visão de dezenas de homens jovens agitando seus braços no ar e gritando isso não é tranquilizado quem é um “puto”.
Não ligue, disseram os amigos mexicanos, eles não falam sério. Com
o tempo as pessoas cansaram-se de Puto . Molotov voltou a compor músicas sobre drocomo as sociedades gas. Mas permaneceu a dúvida: latino-americanas realmente tratam pessoas que elas sabem que são homossexuais? Uma entrevista com um homem que se candidatava ao cargo de governador de Zacatecas, estado no centro-norte do México, confir mou que os direitos dos homossexuais não estão entre as suas prioridades. José Narro representa o Partido dos Trabalhadores, um
Numa metrópole, com uma renda que fornece algu ma independência da família, pode-se viver como gay e ser orgulhoso disso como cm Nova York ou Paris. Em outros lugares, os homossexuais enfrentam situações difíceis. Mas o número de modos que os gays latinoamericanos criaram para viver dentro dessas restrições é surpreendente.
Pablo {utilizamos pseudônimos) c um advogado de do desfile
vinte e poucos anos que passou a maior parte de orgulho andando para cima e “Zaaaaaas!” (“Que horror!”) - uma versão gay Deus” - sobre qualquer coisa que Pablo e seus amigos vão a bares gay, restaurantes gay e férias gay. Sua família sabe que ele c gay. Mas no escritório ele mantém seu lado “loca” camuflado, e o faz com a máxima perícia. Ele muda cm uma fração de segundo. Mesmo assim, é jovem e da classe média, relativamente livre para fazer o que quiser.
nao
Os cerca de 120 fiéis em suas três missas dominicais variam de adolescentes despreocupados, como Pablo, a homens e mulheres mais velhos contidos pelos valores tradicionais durante a maior parte de suas vidas. Arturo e Miguel, parceiros por pouco mais de cinco anos, têm ambos cerca de 50 anos. Nenhum está muito bem de vida. E cada um vive com sua família, de modo que a missa na igreja é uma de suas poucas oportunidades de se encontrarem. Antes que aceitasse sua homossexuali dade, aos 43 anos, Arturo nem era um heterosexual para baixo gritando de “Meu ra, especialmente para lhe desagradava.
Tomando o metrô e o ônibus da praça central da cidade em direção norte chega-se a parte não próspera da cidade é o espera encontrar o padre Jorge, o padre Rodolfo rebanho participando de uma missa em uma das poucas igrejas para gays na América Latina, uma capela ecumênica na garagem da casa onde os dois padres, parceiros por mais de 20 anos, moram.
Azcapotzalco. Esta último lugar que se e seu pequeno grupo esquerdista, e falou em termos fervorosos e animadores sobre sua crença na igualdade. Pretende apoiar o casamento de gays? Ele ficou silencioso. “Acreditamos em igualdade”, afirmou por fim, “mas nunca pensei de fato sobre esse tipo de igualdade Todas as igualdades são iguais, mas algu mas, ao que parece, são um pouco iguais demais para exigir reflexão. “Teríamos de colocar a questão em votação e permitir ao povo do México decidir.” Ele tem palpites sobre o que os mexicanos diriam. No desfile gay deste ano, milhares de homossexuais, drag queens e travestis marcharam pela avenida princi pal da Cidade do México, até a praça central, assim como poderiam marcharem São Francisco ou Berlim. Os motoristas exibiam as mesmas caras de admiração, diversão e repugnância ocasional, como fariam os mo-
atuante, ele viveu até a meia idade sem ter ticio uma relação. Agora, ele c Miguel planejam pedir ao padre ^T?l JANEIRO-FEVEREIRO-?nnn |^l0ÉStiOiE^iÒ>WÍ6MICÒ-
Jorge que abençoe sua união. “Mas ainda não", afirma Aruiro alegrememe, "porque sou um tradicionalista. Na minha família o namoro dura pelo menos cinco anos.”
A América Latina, como outras regiões, tem uma longa história de ambivalência c hijjocrisia com relação à homossexualidade. “Os maias da península de Yucatan”, escreve Clark'I aylor, antropólogo, “realiza vam grandes festas sexuais privadas, que incluíam a homossexualidade. Entretanto, ficavam horrorizados com os ritos sexuais públicos de seus conquistadores toltecas”. Os invasores espanhóis alegaram ter encon trado comportamento chocante entre os nativos. Mas, mais uma vez, os con- ^ quistadores não eram maispurosdoqueoscon- i quistados. Um relato de ^ tribunal em l658sobreo '| julgamento e execução de k 14 membros de um gru- % po de homossexuais na S Cidade do México afirque o patrocinador do grupo era um espa nhol idoso mas irrepreen sível, conhecido entre os SenoraLa
mava amigos como Grande”, que“mantinha relação sexual em todas toda a as ocasiocs, cm hora e em todos os luga res”. Mesmo no hospital, nde foi mandado para o depois de receber 200 chibatadas por falso tes temunho, ele conseguiu se relacionar com outros pidamente pacientes, e ra perdeu qualquer possibi lidade de perdão.
Annick Prieur, antro-
dos homens homossexuais como “efeminados e passi vos” c lão forte que um homem que assimie o j^apel “ativo” ou “masculino”, mesmo com outro homem, não e necessariamente visto como homossexual. Mas, ao contrário, às vezes. “Soy tan macho que mecojootro hombre” (“Sou tão macho que como outro homem”) é um dito colombiano. Prieur escreve: “O desdém ao homossexual efeminado c exatamente o que torna a aceitação (sic) da bissexualidade por homens masculinos e isto é o motivo pelo qual o homofobia, o machismo e a bisse.XLialidade generalizada se ajustam perfeitamente". Mesmo os aztecas compartilharam desse desprezo, a julgar pelo modo como às vezes puniam homens apa nhados em flagrante- O parceiro “ativo”, segun do um antropólogo vito riano citado porTaylor, era meramente amarra do a um poste, coberto de cinzas e deixado para morrer. Entretanto, “as entranhas do agente pas sivo foram extraídas, ele foi então coberto de cin zas e madeira e a pilha foi acesa”.
Sogundo “The Economist", um padre mexicano celebra missa para homossexuais póloga norueguesa, per guntou ao seu contato mexicano gay, Mema, quantos homens ele conhecera que mantiveram relações sexuais com outro. Mema começou a contar. Primeiro, contou os doze lares mais próximos de sua residência. Depois, contou os 27 lares na rua onde morava sua mãe. Dessa maneira, chegou a 130 homens em 39 famílias. Desses, afirmou, 82 tiveram pelo menos uma experiência ho mossexual. Isto ele sabia porque ou tinha-os seduzido ou sabia de alguém que o fizera. Por que tantos homens, supostamente “machos” e de vida tradicional sc permitiram ir para cama com um sujeito que segundo a descrição de Prieur, usa calças agarradas, descolore os cabelos e se contorce? O machis mo, de fato, c a chave para esta charada. O estereótipo íêt(S^fÓjECON6Mlc6-i
Neste sentido, a ori entação sexual da pessoa não é determinada por quem é seu parceiro, mas pelo que você faz com ele. É uma velha distin ção que remonta aos gre gos antigos. E é dura douro, porque mesmo na América do Norte até o começo deste século, an tes de a idéia de gay se tornar comum, os ho mens machos podiam manter relações sexuais com “fadas” e ainda as sim se considerarem heterossexuais. Na América Latina de hoje a visão “moderna” - em que os homossexuais não são diferentes dos heterossexuais exceto pelo deta lhe trivial de quem são seus parceiros - disputa espaço com um léxico surpreendente de identidades sexuais. Sem dúvida, muitos homens homossexuais se casam e têm filhos enquanto continuam a manter casos secretos com outros homens. Como conseqüência, quando a Aids começou a se proliferar, mulheres casadas fiéis contraíram a doença em ritmo alarmante: um estudo de donas de casa soropositivas em Bogotá no começo dos anos 1990 estimou que 80% delas foram contagiadas devido aos casos bissexuais de seus maridos. Além disso, como os casos eram secretos, as mulheres foram infectadas JANEIRO - FEVEREIRO - 200oET3
Tudo o que vinha de Porruga era institucionalmente
Brasil, século XXI
Paulo Napoleão Nogueira da Silva
Desde os primórdios do povoamento, mas so bretudo a contar da época da Independência, atravessando toda a República até os dias atuais, o panorama da sociedade brasileira tem sido permeado por uma nítida sensação de inferioridade, a influir em seu comportamento nos mais variados aspectos.
Possivelmente, uma das causas tenha sido a longa dependência em face da metrópole: tudo o que vinha de Portugal era institucionalmente superior, autoridades, ordens e disposições; os próprios naturais do reino lusitano, uma vez aqui instalados sentiam desde logo tal dependência. Alguns degredados que para cá vieram - poucos, aliás, muito menos do que viria a ocorrer na colonização inglesa da Austrália, ao contrário do que a anti-Histôria depois disseminariasabiam estar em situação social e polí tica inferior, sempre dependente.
É claro,
por mais uma razão esse sentimento de inferioridade se acentu aria nos já nascidos aqui, embora filhos e netos de portugueses: já não eram naturais da metrópole, como seus pais e avós. Não teria sido por outra razão que, quando da Restauração portugue sa em 1640, os paulistas tentaram acla mar Amador Bueno como rei: mais do
que uma opção política, parece havêlos movido um desejo de desabafo, de auto-afirmação, de saírem do senti mento de inferioridade.
Mi Segundo Reinado, aqui é .. f
fizera, fosse nascido na antiga metrópole. Tais óticas vetustas e simplistas de então, pareciam incapazes de reconhecer e evidenciar o significado de o herdeiro do próprio trono português haver tomado a testa do movimento de emancipação brasileira; aliás, muito menos seriam capazes de discernir que Dom João VI já o fizera em 1816, e no 7 de Setembro Dom Pedro apenas separara o Brasil do Reino Unido. Os esgares do complexo de inferioridade voltaram. Logo após a Independência, chegaram ao ridículo de pretender expulsar do Brasil todos os de origem portu guesa, inclusive o próprio Imperador. Os propositores - na Assembléia Cons tituinte! - dessa “patriótica” providên cia, esqueciam-se dc que esta importava em devolver o País aos índios, porque todos os demais eram de origem portu guesa. Ou seja, auto-cxpulsarem-se ... Em virtude da impossibilidade e inocuidade flagrantes, virou moda um revide: trocaram os nomes portugueses, por nomes indígenas: era o nativismoqual, registre-se, para os descendentes de portugueses? - que aflorava.
A vinda do rei para o Brasil, em 1808, atenuou os complexos: o período entre 1808 e 1821, foi atípico relação aos sentimentos de inferioridade; afinal, o Brasil passara a ser o centro de tudo. Mas, com a partida de Dom João VI, apesar de aqui haver ficado como regente o filho Dom Pedro, e de o Brasil já haver sido elevado à categoria de reino - como tal, reconhecido internaci onalmente - o atávico sentimento de inferioridade ressurgiu. Nem mesmo a proclamação da Independên cia 0 mitigou, ao contrário; às mentes limitadas de então, era quase insuportável que o Imperador que a FTIjANEIRQ-FEVEREIRO-?nnn
Pedro I foi embora, as regências estiveram a braços com tarefa maior, a de manter a unidade territorial legada pelo imperador abdicante; mas, ao lon go do Segundo Reinado, aqui e ali os esgares ressurgiram; institucionalizoutc, já então, nos meios culturais o nativismo. Gonçalves Dias, José de Alencar e diversos o impossível, o Lim contexto Indígena que criavam idealisticamente, ao qual gostariam de perten existisse; mas não existia tal contexto, e nem a ele
outros brilhantes poetas sacralizaram valor de em cer, se pertenciam.
E possível concluir que o complexo de inferioridade vingou, espraiou-se: a República não viria senão a mantê-lo e sempre realimentá-lo; o comportamento da sociedade e dos seus agentes políticos, continuou dendo para a rejeição ao que viesse de fora ten, ao mesmo
tempo que, paradoxalincmc, íestejanJo - como superi or-o que ele lá fosse. Uma curiosa mescla dexenofobismo edependência cultural, para não d izcramocoloninlismo, vontade não confessada de ser colonizado. A mídia, sobretudo País, passou a ser a principal comportamento.
Afinal, quando a soprano Kiri fe Kanawa veio a São Paulo, a imprensa não a criticou por “ter classe demais”?
mídia, elevada ã condição de es]')clho do mola propulsora desse
Instaurou-se, enfim, a cultura elo
menos”, do “des pojado , enquanto outros países procuram o “mais” e 0 paramentado. Desde os instauradores da República, havia a crença de que os brasileiros não tinham condi ções de se autogovernarem; enquanto no exterior, sobretudo nos Estados Unidos e na Inglaterra, a ótica cm relação à sociedade brasileira era diametral- §, menccoposca. Nestesen- ~ tido, a magnífica obra dc J Ernest Hambloch {Siía | Majestade, o Presidente do á Brasil),
A cultura do “menos vingou. Nada que trasse ou mostre superio ridade de brasileiros, últimas décadas e nos dias ●O o mosnas presentes, teve espaço na mídia. O sucesso em ge ral, sobretudo no exteri or, passou a ser alvo de uma verdadeira Inquisi ção, como SC os brasilei ros não devessem ter su cesso, só assim estando de acordo com o complexo deinferioridade nacional.
E, quando o príncipe Prederik, herdeiro do trono da Dinamarca veio igualmcnte a São Paulo, os repórteres não fizeram questão de tratá-lo por “senhor”, apesar do protocolo c cerimonial oficiais? É sempre o culto do “menos”, o complexo de inferioridade a querer dizer “não somos inferiores”.
Na Olimpíada profissional de 1999, realizada no Canadá, diversos brasileiros ganharam medalhas de ouro por seus trabalhos e performances; mas, o que vale isso para a mídia comprometida com o ambíguo com plexo de inferioridade? A única referência que se viu, foi um artigo do eminente pacriotaAntônio Ermírio de Morais, na Folha de São Paulo; aliás, recla mando contra a falta de interesse das autoridades públicas.
o exterior e lá obtido fulmente. nos sucesso permanente
Um físico como César Lates, festejado em todo o mundo, duas vezes a ponto de ganhar o prê mio Nobel, foi semi-ignorado pela mídia. Carmen Miranda, invectivada por ter se mudado para gurante sucesso, foÍ hostilizada quando aqui voltou. O músico, arranjador e compositor Nelson Mendes, frequentemente convidado a tocar na Casa Branca, e com grande número de antológicos CDs é, simples- ignorado. Uma bailarina do quilate de Márcia Haidee, durante vinte anos a primeira figura e diretora do Balé de Sttutgart, raramente merece notícia, assim como os seus diversos parceiros brasileiros - de primeirís sima linha - no balé europeu; sopranos como Bidú Sayáo e Violeta Coelho Nettode Freitas, idem. Maria d Aparecida e tantos outros inumeráveis expoentes brasileiros diversos campos das artes, fazendo na Europa, então, nem se fale!
No campo da litera tura e da poesia - propri amente ditas - livros do ex-presidentejosé Sarney vêm sendo editados em pelo menos seis idiomas, com grande sucesso de crítica e de público nos países para os quais fo ram traduzidos; mas a crítica e a mídia brasilei ras, como sempre pouco se dignam reconhecerlhes a existência. Nos meios jurídicos é a mesma coisa; doutrinadores estrangeiros sendo celebrados e recomenda dos, pouca ou nenhuma importância sendo atri buída aos nacionais. Após sua morte, o insuperável Pontes de Miranda - amigo de Einstein, com quem trocava debates - foi esquecido e culturalmente enterra do; exatamente, porque sua capacidade estava acima do normal, não era “inferior”: deixou mais de quatrocentos volumes, enquanto a média dos nossos juristas escreve uma dúzia, pouco mais, e muitas vezes em parceria. Aliás, no contexto da doutrina jurídica, o que acontecerá se alguém tiver a ousadia de escrever em contrário ao statiis quo doutrinariamente estabelecido? Por não se igualar, vai amargar o repúdio geral, quando não a morte cultural pelo silêncio, pelo ostracismo, pelo faz-deconta que não existe.
O despeito, vulgarmente denominado “dor de coto velo”, está indissociavelmente ligado ao complexo de