DIGESTO ECONÔMICO, número 385, julho e agosto 1997
mentos, sendo o excedente, isto é, a poupança local, canalizada para os grandes centros onde é aplica do, em grande parte, em títulos públicos. A maioria dos Municí pios dispõem, também, de recur sos que podem ser reciclados de uma para outra atividade através de privatizações, parcerias e con cessões.
Quase todas as cidades possu em, além da poupança, recursos potenciais que podem ser explo rados, seja uma atração turística, uma matéria-prima mineral agncola, uma atividade artesanal, mão-de-obra com alguma quali ficação. Mesmo não dispondo de nada disso é possível desenvolver mecanismos para atrair empreen dedores e empresas de fora e, tam bém, estimular 0 talento ou empresa rial local. A atração de empresas de fora via incentivos fiscais frenta enuma grande competição entre os vários municípios e pode
resultar em um “sofisma de com posição”. Na medida em que to dos concederem incentivos todos terão ônus e a decisão de localiza ção das empresas dependerá de outros fatores.
Feito um levantamento de to dos os recursos e potencialidades do município é preciso não ape nas traçar um plano de desenvol vimento como encontrar um “agente catalisador” que possa propiciar a aproximação entre os agentes econômicos relevantes e a integração de toda comunidade em tomo do programa. Esse le vantamento deve incluir, também, pesquisa de todas as fontes de financiamento, apoio técnico e ad ministrativo disponíveis no país e, mesmo, no exterior, e estudar mecanismos de mobilização da poupança local, como as Empre sas de Participação Comunitári as, que vem se expandindo rapi damente em diversas regiões.
Não se pode ignorar um “ati vo” bastante importante para a grande maioria das cidades que é 0 contingente de “exilados”, pes soas que deixaram o Município e desfrutam de posição econômica, política ou social nos grandes cen tros e que mantem seus vínculos afetivos e mesmo familiares com seu lugar de origem.
O que irá determinar o sucesso de qualquer iniciativa de desen volvimento do Município será a aceitação da necessidade de mu danças, a coragem e a determina ção para realizá-las, o envolvimento de toda comuni dade. Com esses elementos não será difícil obter o apoio técnico que se fizer necessário para ela borar um programa que permita transformar potencialidades em realidades. #
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Marcei Doiiiiiif’os Solimeo é ecoiioiuisla, Diretor cio lEGV da ACSP
Estima-se que a Petros tenha uma enorme insuficiência de cobertura.
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^OVA CLASSE: A iURGUESI DO ESTADO i i A
“Ã Petmssawo nasceu como uma agressão à lógica econômica, pois monopolizamos o risco," tornou-se um insulto ao contribuinte, pelo mesquinho retorno dos investimentos do Tesouro.” (Do “Diário de um Dipiomata")
Roberto Campos
Deputado Federal
Brasil descobriu uma nova forma de capitalismo. É o “Capitalismo de Transfe rência”. Uma forma de capitalis mo selvagem em que o Tesouro e seus contribuintes são explorados por uma nova classe — a burgue sia do Estado.
Lentamente, não mais que len tamente, a população começa perceber que as chamadas presas públicas” já foram privatizadas em favor do funcio nalismo. O Tesouro entra como
investidor passivo, que não de fende o patrimônio do povo. Um estudo do BNDES, que inclui 14 das estatais mais rentáveis, ilustra esse “capitalismo de transferên cia”. Se desagregarmos desse gmpo as quatro pérolas da coroa, su postamente estratégicas e rentá veis - CVRD, Eletrossauro, PetrossauroeTelessauro - verificaremos (na segunda tabela) que o dinheiro dos contribuintes nelas aplicado rende anualmente um décimo da caderneta de poupança!
Ano
Fonte: BNDES (Lucratividade, dividendos c investimentos das empresas estatais. Doc. n® 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 a ■em34)
* Dividendo.s da União/Patrimônio Líquido da União (Média ponderada de 14 empresas em porcentagem)
Se os dinossauros estatais não têm capacidade de remunerar mi nimamente os investimentos do Tesouro, como explicar que fundos de pensão sejam grandes capitalistas, compradores de em presas nos leilões de privatização? A explicação está nessa peculiar invenção brasileira — o “capita lismo de transferência”. As presas não trabalham para principal acionista, o Tesouro. Trabalham para seus funcionári-
os o
a burguesia es tatal. No ano passado. Governo injetou R$ 8 bilhões para evitara falência do Banco do Brasil, enquanto o patrimônio da Previ passava de R$ 14 bi lhões a R$ 18 bilhões!
O último balanço da Petrossauro, de 1996, revela a dimen são do
seus
em 1986), além de royalties duas ou três vezes mais altos. Em 1996, os dividendos recebidos pelos aci onistas sobre o patrimônio líqui do foram de 8% nocaso de Amoco, Mobil, Shell e Texaco; de 9% no caso da Chevron e da Esso; e 10% no caso da Atlantic dade entre oito a dez vezes à do Tesouro. Mesmo a YPF Argenti na, recentemente privatizada com
Petroleos Venezuelanos, de 42; e 0 da Aramco, no Oriente Médio, de 146. Poder-se-ia argüir que a geologia nesses países é mais Fa vorável. Mas mesmo tomando-se 0 conjunto das operações de pro dução, refino e distribuição, veri fica-se que no caso das grandes multinacionais Exxon, BP e Texaco por funcionário (em mil dólares) variou, no ano de 1995, entre 1.493 na Shell e 1.086 na Te xaco, baixando para 904 na YPF Argenti na, hojeassaz eficien te. Esse índice, nocaso da Petrossauro, foi de 568!
rentabiliShell, Mobil. em- a receita seu
escândalo” (para usar o “jargão” das ePIs do Congres so). O lucro líquido consolidado foi de R$ 664,3 milhões. O di videndo do Tesouro será de R$ 97,9 mi lhões. pago em três prestações. A rentabi lidade sobre o patri mônio líquido do Te souro foi de 0,8%. A empresa, aliás, nunca foi fanática no . paga¬ mento de dividendos. Os relativos cicio de 1995 só fo- classe ram pagos em fevereiro de I997 sob ameaça de inscrição na dívida ativa... ao exerburguesa é a estatal grande sucesso, pagou aos acio nistas 5% (sobre 0 patrimônio lí quido) em 95 e 4% em 96, ou seja, cerca de cinco vezes os dividen dos petrossaurinos!
O magro retorno do Tesouro não é devido apenas à voraz apro priação de recursos pela burgue sia do Estado, mas à baixa produ tividade. Medido em termos de barril/dia por empregado, 0 índice da Petrossauro é de 21; 0 da o tratamento espoliativo dado pela Petrossauro ra ao capital públi co contrasta smgularmente com o tratamento dado aos acionistas pelas grandes empresas mundiais de petróleo, que não gozam de monopólio, pagam taxas deploração e Imposto de Renda (que 0 dinossauro só excomeçou a pagar
Se 0 Tesouro Naci onal, que representa mais de 160 milhões de pessoas, é maltrata do, 0 mesmo não acon tece com os 43,5 mil funcionários. Enquan to o tesouro receberá dividendos de R$ 97,9 milhões, as contribui ções à Petros monta rão a R$ 539 milhões, ou seja, quase seis ve zes mais! Esquisi tamente, essa contri buição assistencial é imputada “ao custeio das atividades indus triais de pesquisa, prospecção e perfura ção e outras”, ativida des certamente estra nhas a um fundo previdenciário. Apesar da generosidadedas contribuições, estima-se que a Petros tenha uma enorme insuficiência de cobertu- oriunda de aposentadorias precoces e de benefícios muito superiores ao dos funcionários da administração direta - brecha que terá que ser coberta em sua maior parte pela patrocinadora.
O Governo FH, agora empe nhado em sanear o setor público, pensa estar abrindo um armário
com esqueletos. Descobrirá, nas estatais, um cemitério!...
Argumentam os estatolatras que, conquanto não receba divi dendos, o Tesouro lucrará com a valorização patrimonial das esta tais. Mas esse é precisamente o melhor argumento em favor das privatizações. Carente de recur sos e rolando sua dívida a cerca de 16% ao ano, enquanto recebe di videndos inferiores a 1 % ao ano, a coisa minimamente racional para o Tesouro é realizar o valor patrimonial pela privatização, empregando os recursos no can celamento da dívida interna. FH exagerou nos erros. Quer proibir por lei a privatização da empresa, amarrando a mão de fu turos governantes; quer privar os acionistas privados do direito de conversão de suas ações preferen ciais em ordinárias, caso não re cebam dividendos em três anos
consecutivos. E outorgou ilegal mente à Petrossauro a concessão do gasoduto Brasil-Bolívia, sem licitação, como se o monopólio não tivesse sido abolido pela Emenda Constitucional n° 9, de 9/ 11/95. Essa ilegalidade é tão mais irritante quanto a Petrossauro efe tivamente sabotou 0 projeto do gasoduto por mais de 30 anos e mesmo agora complica sua exe cução, ao procurar estendê-lo de São Paulo a Porto Alegre, quando se sabe que gaúchos e paranaenses preferem importar gás diretamen te da Argentina sem intermediação da estatal. A falta de visão estraté gica do dinossauro em matéria de gás natural é ilustrada pelo fato de que ele até hoje representa apenas 2% de nossa matriz energética! Os benefícios da privatização podem ser surpreendentemente rápidos como demonstra o caso argentino. Um dos sofrimentos
RENTABILIDADE DA UNIÃO
do Governo Alfonsín eram os apagóns da eletricidade em Buenos Aires. Privatizada a ele tricidade no governo Menem, a Argentina passará a vender ener gia ao Brasil. A YPF apenas pre cariamente atendia ao abasteci mento interno. Privatizada, tor nou-se grande exportadora de pe tróleo para o Brasil. Conquanto o modelo adotado de duopólio regi onal seja discutível, a telefonia argentina, anteriormente primiti va em relação à Telebrás, avan çou celeremente após a privatização. Hoje tem índices melhores que os nossos, sob qual quer aspecto: universalização dos serviços, grau de digitalização, custo e facilidade de acesso e confiabilidade das ligações. As tarifas subiram, mas a tarifa mais alta é aquela de telefone brasileiro inexistente ou das inconfiáveis. ligações
* Dividendo.s da União/Patrimôiüo Líquido da União - 1988/94
Fonte: BNDES op. cit.
o governo não tem tomado apenas medidas para não fazer pagamentos
A MEDIDA PROVISO N21.570,0 ESTAS DE DIREITO E A MORALIDADE ADMINISTRATIVA
AmoldoWald
recentíssima decisão do Su premo Tribunal Federal ■ «conhecendo a constituciona- hdade da Medida Provisória (M P.)n»1.570, cuja importância mstitucional foi reconhecida pelo jornal O Estado de S. Paulo em recente editorial (de 19.04,97) evidencia que a manutenção do Estado de Direito independe concessão generalizada de liminares e não se coaduna com a atribuição ao juiz de direito de poder de decisão fora da comarca. Embora tenha surgido, em torno de matéria, um debate de caráter emocional, inclusive dentro do Poder Judiciário, o jul-
gamento proferido pelo Excelso Pretório repõe as coisas no seu devido lugar, mantendo na sua plenitude as garantias individuais e resguardando a moralidade pú blica.
Na realidade, o artigo 1° da Medida Provisória se limitou a aplicar, aos casos de tutela anteci pada, normas já existentes há lon go tempo, em relação às medidas liminares e até às sentenças de primeira instância, não permitin do que, em determinados casos, houvesse pagamento ao autor da ação ou impetrante do mandado de segurança antes do trânsito em julgado da decisão judicial. Tra-
ta-se de medida de simples coe rência, que se explica pelo fato da chamada “tutela antecipada” existir no passado, aplicando-seIhe, pois, as normas vigentes para situações similares, em virtude da própria analogia, que justifica a posição do legislador.
A finalidade da Medida Provi sória consiste em evitar que o mandado de segurança e outras ações, que protegem os direitos individuais, com maior densida de, se transformem em processos de cobrança, que têm premissas diversas e produzem efeitos dis tintos. No particular, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, pela
maioria dos julgadores, inexistir qualquer interferência indevida do Executivo na aplicação da lei pelo Poder Judiciário.
A necessidade de prestação de garantia real ou fidejussória pelo autor da ação, quando a medida judicial (liminar ou de caráter antecipatório) puder ensejar dano à pessoa de direito público, que consta no art. 2° da Medida Provi sória, foi considerada de duvido sa legitimidade por escassa maio ria (quatro votos deferiram a liminar por considerarem que o dispositivo, tal como redigido, poderia restringir o acesso ao Poder Judi ciário e dois por en tenderem que não haveria urgência a justi ficar a edição da Me dida Provisória). As sim seis Ministros de cidiram liminarmente pela inconstitucionalidade, enquanto cin co outros a afastavam. Um dos argumentos, que parece ter pesado na decisão, foi o fato de se estar dificultan do o acesso do cida dão a uma justiça rá pida. Na realidade, a matéria já tinha sido objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, num contexto similar, embora não idêntico, por ocasião do exame, em 19.12.1993, daMedidaProvisórian^375,datada de 23.11.1993, que posteriormente não foi republicada, tendo, na ocasião, sido considerada constitucional a norma que tratava do depósito.
do modo pelo qual deve ser pres tada, assegurando-se, para tanto, ao magistrado, um poder discrici onário de modo a não prejudicar o uso da medida judicial. Trata-se de encontrar o justo equilíbrio entre as garantias constitucionais dadas ao indivíduo e a adequada defesa do Tesouro Nacional, que constitui 0 patrimônio nacional. É até possível que, diante do pro nunciamento da mais alta Corte, o próprio Poder Executivo, na reedição da Medida Provisória, ou 0 Legislativo, por ocasião da sua conversão em texto legal, en-
.●\rt. 62 - Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei. devendo submetêlas de imediato ao Congresso Nacional, que. estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias. Parágrafo único — As medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes.
constitucional vigente, além de se justificar pelo bom senso, mas a intervenção do legisladorfoi opor tuna diante de algumas decisões de juizes locais que pretendiam declarar a inconstitucionalidade de leis, para todo o território naci onal, em ação civil pública, usur pando competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal. No particular, já havia julga mento de mérito, num dos casos, e numerosas medidas liminares concedidas pela Corte Suprema, em reclamações, para impedir que se desse alcance nacional a decisões de juiz monocrático, em flagran te violação do princí pio da competência territorial do magis trado.
Art. 63 - Não será admitido aumento da despesa prevista: I - nos projetos de iniciativa exclusiva do Presidente da República, res salvado o disposto no art. 166, §§3.°e4.®; II - nos projetos sobre organização dos serviços administrativos da Câ mara dos Deputados, do Senado Federal, dos Tribunais Federais e do Ministério Público.
Art. 64 - A discussão e votação dos projetos de lei de iniciativa do Pre sidente da República, do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Su periores terão início na Câmara dos Deputados.
Dispositivo da Constituição sobre Medida Provisória contre uma fórmula que concilie a boa utilização dos instrumentos constitucionais de defesa dos di reitos individuais, que honram o nosso país e as suas tradições jurí dicas, com a necessidade de res guardar a União Federal e demais entidades públicas contra a reali zação de um pagamento indevido do qual nunca mais poderão ser ressarcidos.
Se a caução que se exige do autor da ação constitui, no fundo, uma contra-garantia para o Poder Público, na hipótese de modifica ção do julgamento, em fase poste rior, cabe verificar, em cada caso concreto, se ela não inibe a utili zação do remédio assegurado constitucionalmente ao cidadão. O problema talvez não seja tanto da exigência da caução em si, mas
Finalmente, o art. 3° da Medida Provisória esclarece que as deci sões proferidas em ação civil pú blica, embora fazendo coisa iulgaáaergaomnes, ousejasendo opom'veis a todas as pessoas — e não tão-somente às partes no pro cesso —, só produzem efeitos nos limites da competência territorial do órgão prolator. Trata-se de decorrência do próprio sistema
Na realidade, a Medida Provisória n° 1570 e 0 recente jul gamento da Corte Su prema a ela referente, em todos os seus as pectos, consolidam o Estado de Direito e consagram a mora lidade administrativa, que também se tomou imperativo constituci-
onal.
Cabe aliás salientar que o Gonão tem tomado apenas medidas para não fazer pagamen tos indevidos, mas que também tem tentado acelerar vemo o cumpri mento das suas obrigações, deter minando que não haja, por parte dos órgãos públicos e autárquicos, recursos de caráter exclusivamen te protelatório, em matérias já pa cíficas na jurisprudência. Há, as sim, um conjunto de medidas que pretendem garantir concretamen te 0 bom funcionamento do Esta do de Direito e a defesa adequada da moralidade administrativa, que deve atuar tanto em favor do Esta do quanto do cidadão. #
Arnoldo Wakl é advogado, professor de direito e autor de várias ohras sobre Mandado de Segurança.
A mâo invisível do mercado deve ser ajustada por mãos tangíveis
0 DESCOMPASSO ENTRE CAPIl TRABALHO Ê
OEsíadodeS.Paulo
promessa de que novas tecnologias que permitirí am crescimento quase exponencial da produtividade, as sociadas à queda das barreiras al fandegárias e à liberdade de vimentação de capitais, bens e serviços, resultariam em benefí cios para todos contribuiu decisi vamente para que a idéia do livre mercado, indossociável da desre- gulamentação da economia, fosse universalmente aceita. Um “mun do só”, correspondendo a um úni co mercado, não se faria com barreiras das alfândegas nais e sem a aceitação de algumas regras gerais. Como em toda trans formação radical, também desta vez o período de transição seria marcado por algumas disfunções e pequenas crises localizadas, mas estas anomalias seriam rapida mente corrigidas pelo próprio fun cionamento do mercado.
A globalização dos mercados e da economia trouxe, é verdade,
um inusitado surto de crescimen to, mas de forma alguma os frutos de tanta prosperidade estão sendo distribuídos equânime. O mundo, na verdade, está cada vez mais dividido entre os que perdem e os que ganham, e as diferenças estão se aprofundando a ponto de fazer soar os sinais de alerta para a possibilidade de convulsões soci ais e políticas.
William Greider mostra as cir cunstâncias em que a relação en tre capital e trabalho, custosa mente harmonizada ao longo de 200 anos, foi literalmente subver tida da noite para o dia. O capital, hoje, está livre para se movimen tar, podendo escolher a base geo gráfica e humana que lhe ofereça as melhores condições de competitividade. O trabalho, po rém, está confinado geografica mente a seu país de origem. Não pode migrar, escolher serviço fora das fronteiras nacionais, em lo cais onde a remuneração e as con-
dições sociais sejam mais propíci as. Se nos primórdios da industri alização o chamado “exército in dustrial de reserva” era consti tuído pelas pessoas deslocadas do campo para as cidades, agora os exércitos de reserva são países inteiros em que o padrão salarial é baixo e as leis trabalhistas não são rigorosas.
As indústrias não investem mais em máquinas caras para au mentar a produtividade e baratear seus produtos, como mostra Greider. Em vez disso, procuram os países onde o trabalho é barato. Obtêm o mesmo resultado com investimentos menores. Esta equação, porém, não tem resulta do social neutro. O deslocamento do capital em busca de gente ba rata barateia, também, o trabalho nos países de origem. O resultado é 0 paradoxo de uma economia pujante, com salários decrescen tes e desemprego em constante ascensão. Esta teoria e prática do
livre mercado e da globalização da economia
que tem feito o ca
capitalismo florescer como nunparece conter o germe da maior ameaça que o capitalismo pode ter de enfrentar ao longo de sua história. Do ponto de vista econômico, a superabundância de produção é incompatível, durante períodos prolongados, com salá rios em queda e nível de emprego reduzido. Sempre haverá o risco de que a escala de produção se divorcie irreparavelmente da es cala de consumo. A ameaça mai or, porém, está nos planos políti co e social. Esse modo da eco nomia conduz ao fim das lealda-
des
do nível comunitário ao nível nacional —, sem as quais não existe a coesão social e um sentido de propósito comum que constituem o substrato da vida nacional.
O capital está organizado para agir num mundo único e num mercado único, mas o trabalho está contido por uma concepção localizada do mundo, pelas leis e pelas fronteiras nacionais. En quanto não for possível a organi zação internacional do trabalho — seja pela organização sindical, seja pela adoção da “cláusula so cial” —, para que a exploração da mão-de-obra barata não seja o fa¬
OBRAS DE
tor decisivo da localização de in dústrias, a economia global conti nuará funcionando anomalamente: autônoma e isolada do contex to político e social. As forças de mercado não têm o poder de cor rigir esta distorção, a não ser com uma lentidão que apenas contri buirá para o agravamento do de sastre social, com reflexos negati vos sobre os regimes democráti cos. A mão invisível do mercado precisa ser ajudada, para seu pró prio bem, pelas mãos tangíveis dos homens em posição de res ponsabilidade. ●
JOÃO DE SCANTIMBURGO
da Academia Brasileira
de Letras
EÇA DE QUEIROZ E A TRADIÇÃO
Estudo sobre a fidelidade do grande romancista ao Portugal heróico