Diário do Comércio - outubro 2002

Page 1

DIÁRIO DO COMÉRCIO

2 -.OPINIÃO.

JOÃO DE SCANTIMBURGO

A N Á L I S E

Pleito difícil

Diferenças americanas Escreveu o saudoso professor Fernand Braudel que é a sociedade que comanda a economia e não o inverso, como pensava Karl Marx. Daí, ser impossível transladar dos Estados Unidos para outro país, seja ele qual for, a política econômica americana, assertiva que os erros formidáveis que os famosos prêmios Nobel de Economia cometem ao analisarem a política econômico-financeira do nosso país, que não tem nada de semelhança com a americana. É preciso observar as diferenças de estruturas da nacionalidade do norte e da nossa. Se o nosso presidencialismo é completamente diferente do americano, o que não se dirá de instituições de um pais em confronto com o outro? Os Estados Unidos são um Estado forte, mas mínimo, se se quiser estabelecer uma comparação com o nosso, muito mais poderoso internamente, onde a rigor a Justiça governa e não pouco. A economia, governada pelo direito, como a americana, deixa largos espaços para a iniciativa privada. Surge, então, a surpresa, havendo casos como a Enron e outras em-

presas que faliram, quando demonstravam, pelos mentirosos balanços, que estavam em perfeita saúde economico-financeira. Mas, a Justiça vai no encalço dos desonestos e todos tomarão cadeia, que lá não se brinca com juizes, como esta demonstrado há muito. Em poucas palavras, é o que temos a dizer sobre os Estados Unidos e as demais nações do hemisfério que adotaram o presidencialismo, mas não adotaram as instituições americanas. Nunca haverá Estado mínimo no Brasil. Pois vimos com FHC, como vimos antes, e vamos ver depois, com Lula ou sem Lula, que o Estado é todo poderoso no Brasil, como na Argentina e outros países latino-americanos. Daí as crises, como agora a do dólar, que ultrapassou o real em muito, quando se supunha que a moeda nacional era fortíssima. Guardem-se, pois, as diferenças, para analisar um país em face de outro. João de Scantimburgo é membro da Academia Brasileira de Letras – e-mail: jscantimburgo@acsp.com.br

A real luta de classes Nivaldo Cordeiro

E

m artigo anterior sugeri que a verdadeira luta de classes acontece entre aqueles que pagam impostos e aqueles que deles usufruem. Essa verdade no Brasil de hoje nunca foi tão evidente. Os usufrutuários dos impostos estão inviabilizando o País, numa ação parasitária sem tamanho. A permanecer a atual inércia, o Brasil poderá viver uma grande crise. Fiquei me perguntando o por quê de uma situação dessas permanecer, contrariando os interesses gerais. Em primeiro lugar, permanece porque a ordenamento jurídico não permite alternativa. Em segundo lugar, porque os que ganham têm o poder de obstar qualquer tentativa de mudança nos direitos adquiridos dentro do Parlamento. Em terceiro lugar, porque o Poder Judiciário sempre se comporta de forma corporativista e medidas racionalizadoras cortariam também os seus privilégios. Em quarto, porque os benefícios gerais não são fortes o bastante para neutralizarem os benefícios particularistas de grupos de pressão. Em quinto, porque aqueles que estão fora da "boca livre" têm esperança de entrar, daí aceitarem as promessas mirabolantes dos políticos, que prometem sempre mais benefícios, em prejuízo dos pagadores de impostos. Os inocentes úteis sempre esperam saúde, educação, moradia, dinheiro, comida, transporte, tudo grátis, como se isso fosse possível, como se a humanidade tivesse superado a condição de escassez. Infelizmente, há sempre um pa-

gador em última instância. Não há ninguém que advogue, seja pelos contribuintes em geral, seja pela economia de mercado. O que Gramsci, Lênin, Marx e outros teóricos afirmaram sobre o Estado, de que ele é instrumento da luta de classes, tem um quê de razão, mas não como propuseram. Definitivamente, o Estado não é instrumento da burguesia contra o proletariado. Isso é falso e sempre foi falso. O Estado sempre foi um instrumento da aristocracia contra as demais classes sociais. Pensando errado fizeram a ideologia que lhes permitiram – aos comunistas e socialistas – tornar-se a nova aristocracia dos tempos contemporâneos. São os novos parasitas sociais. No Brasil de hoje a ânsia tributarista ultrapassa qualquer coisa do que se viu nos Estados imperiais da Antiguidade. A tunga é feita com grande desfaçatez, com absoluta falta de respeito para com aqueles que trabalham. É preciso retomar o discurso revolucionário dos liberais clássicos. A liberdade só pode existir se, e somente se, o produto do trabalho for retido nas mãos de quem produziu. Do contrário, é a tirania, a restauração da escravidão. A crer nas tendências informadas pelas pesquisas eleitorais, a situação de esbulho e escravidão tributária será agravada com o novo governo a ser eleito. É chegado o tempo de resistência contra o abuso dos cobradores de impostos.

DIÁRIO DO COMÉRCIO Fundado em 1º de julho de 1924

CONSELHO EDITORIAL: Alencar Burti (presidente), Antenor Nascimento Neto (secretário), Benedicto Ferri de Barros, João Carlos Maradei, João de Scantimburgo, Marcel Solimeo, Marcio Aranha e Miguel Ignatios Diretor-presidente: Alencar Burti Diretor-responsável: João de Scantimburgo Diretor de Redação: Antenor Nascimento Neto REDAÇÃO: Editora-executiva: Vilma Pavani Editores sêniores: Joel Santos Guimarães e Paulo Tavares Editores/Editores Assistentes: Beth Andalaft, Eliana G. Simonetti, Isaura Daniel, Marcos Menichetti e Ricardo Ribas Repórteres: Adriana Gavaça, Cláudia Marques, Débora Rubin, Dora Carvalho, Estela Cangerana, Giuliana Napolitano, Isabela Barros, Paula Cunha, Rejane Aguiar, Roseli Lopes, Sandra Manfredini, Sergio Leopoldo Rodrigues, Sílvia Pimentel, Teresinha Leite Matos, Tsuli Narimatsu e Vera Gomes Chefe de Arte/Projeto Gráfico: Gerson Mora Material noticioso fornecido pelas agências Estado e Reuters

Nivaldo Cordeiro é economista e mestre em Administração de Empresas

Poucas vezes, nestes últimos anos, o pleito eleitoral esteve tão difícil de um prognóstico mais ou menos próximo de seu resultado do que agora. No âmbito estadual, temos em primeiro lugar nas pesquisas o governador Geraldo Alckmin e empatados Paulo Maluf e José Genoino, Podendo um dos três sair governador no segundo turno. É agora o momento de fazer força para convencer os indecisos a escolherem um ou outro. A eleição majoritária tem desses obstáculos a superar. Depois que as pesquisas de

opinião entraram em fun- um palpite. Os adeptos dos ção, para orientar os eleito- candidatos torcem, fazem res e os candidatos, tanto discussões nos bares, nas uns como outros, veio a ser reuniões de clubes em São t r e m e n d a m e n t e d i f í c i l Paulo, mas, sobretudo, no interior, e não cheprognosticar. Daí, gam a nada, ninos marqueteiros A democracia guém sendo capaz terem surgido, feide sufrágio de ter uma certeza to experiências ao universal é aproximada de vivo, com os can- surpresa e que seu candidato didatos, para acer- tentativa de ganhará. O govertarem ou não, co- ganhar por nador Geraldo Almo tem ocorrido, todos os meios ckmin fez progresdesde que surgiram esses especialistas em so extraordinário, mas aineleições para terceiros, pois da não ganhou. Poderá gaeles mesmos não concor- nhar, porém, no segundo turno, onde terá de enfrenrem. Ninguém é capaz de dar tar ou Paulo Maluf, o mais

Gerente de Publicidade Solange Ramon Tel: 3244-3344 PUBLICIDADE COMERCIAL Tels.: 3244-3344 - 3244-3983 - Fax: 3244-3894 PUBLICIDADE LEGAL Tels.: 3244-3626 - 3244-3643 - 3244-3799 Fax: 3244-3123 ASSINATURAS Tel.: 3244-3545 Anual: R$ 118,00 Semestral: R$ 59,00 Exemplar atrasado: R$ 0,80 REDAÇÃO Tel.: 3244-3083 - Fax: 3244-3046 IMPRESSÃO FOLHAGráfica

Central de Atendimento ao Assinante Rua Boa Vista, 51 - CEP 01014-911 - Tel.: (011) 3244-3544 - Telex 1123355 - Telefax 3244-3355

provável, ou José Genuino, o candidato que sobe. Enfim, democracia de sufrágio universal é isso mesmo, é surpresa, e tentativa de ganhar por todos os meios ao alcance do candidato, mas, principalmente, a campanha pela televisão, que ajuda com a projeção da imagem e sua voz, suas palavras e suas promessas, que as candidaturas assentam, geralmente, sobre promessas, que nunca são cumpridas, ao menos totalmente. Vamos esperar para ver. João de Scantimburgo

Gato escaldado... Denise Campos de Toledo

A

proximidade das eleições está provocando uma pressão nos mercados muito além do que se previa. A especulação tomou conta das mesas de operações e leva a medidas protecionistas que podem custar caro para a economia brasileira. O grande receio é de que uma eventual mudança de governo venha acompanhada por alterações também nos rumos básicos da atual política econômica. A possibilidade de vitória da oposição, na visão mercado, aumenta a possibilidade de adoção de medidas pró aceleração do crescimento que comprometam avanços obtidos nos últimos anos, como o ajuste das contas públicas. Sem esquecer o eterno receio de calote ou confisco. É a velha história: gato escaldado....E não adianta os candidatos assumirem uma posição de respeito aos contratos e de responsabilidade fiscal. O mercado quer se defender e pronto. Essa defesa aparece de várias formas. Temos a disparada do dólar, o avanço da taxa de risco no mercado internacional, a queda das bolsas, a busca por ativos reais, como imóveis, a dificuldade de rolagem dos títulos públicos. E nesse ponto a especulação ganhou mais força ainda. O governo para conter outras ondas de alta do dólar, como as do ano passado, relacionadas à crise Argentina, vendeu um volume muito grande de papéis cambiais com vencimento de curto prazo. Isso levou a uma concentração de vencimentos agora, época de eleições – total imprevisibilidade. Como o mercado quer liquidez, dinheiro no cofre, está difícil rolar os papéis. As taxas de juros exigidas são cada vez maiores para

compensar o risco de uma queda do dólar mais à frente, que reduziria o rendimento dos papéis. O Banco Central, para não sancionar as propostas do mercado, tem optado pelo resgate, com um efeito desastroso: fez explodir a especulação e até possíveis manipulações das cotações do dólar. O proprio mercado gerou a dúvida. O dólar avançou mais justamente nas vésperas dos vencimentos dos papéis. Assim, a cotação de referência para o resgate é maior, o que significa lucro também maior para quem está com os títulos em carteira. Do ponto de vista da economia os estragos são evidentes: alta dos preços no atacado e no varejo pelo repasse do avanço do dólar; inflação residual já prevista para o ano que vem, com o impacto que a alta do dólar terá no reajuste das tarifas de serviços, como luz e energia; aumento da dívida pública, que já passa de 60% do PIB; queda da atividade econômica, com o adiamento das decisões empresariais e piora do risco Brasil. Além de desconfianças próprias, o mercado externo reage muito mal ao ner vosismo do mercado doméstico. Estamos exportando ansiedade. A torcida é para que o presidente eleito, seja quem for, aja rápido, defina os nomes mais importantes da nova equipe e sinalize rumos para a política econômica que possam devolver a confiança, ou, pelo menos, acalmar os mercados. Agir rápido poderá ser a garantia não apenas de uma transição mais tranquila de governo, como de uma estréia em 2003 menos tumultuada. Denise Campos de Toledo é jornalista e comentarista de economia

Associação Comercial de São Paulo Rua Boa Vista, 51 - 6º andar São Paulo - CEP 01014-911 Tel.: 3244-3322 - Fax: 3244-3046 E-mail: dcomercio@acsp.com.br

terça-feira, 1 de outubro de 2002

Rua Boa Vista, 51 - PABX: 3244-3030 CEP 01014-911 - São Paulo - SP home page: http://www.acsp.com.br e-mail: acsp@acsp.com.br UNPF - Unidade de Negócios Pessoa Física - Fone: 3244-3374 Gerente: Roseli Maria Garcia UNPJ - Unidade de Negócios Pessoa Jurídica - Fone: 3244-3091 Gerente: Agostinho do Couto Sacramento UNNA - Unidade de Negócios Novos Associados - Fone: 3244-3993 Gerente: Roberto Brizola Martins

As cartas à Redação somente serão publicadas se contiverem, além da identificação do missivista, endereço com rua, número, bairro, CEP e, se possível, telefone e rg. As cartas poderão ser resumidas pela redação, publicando-se, apenas o essencial. Os originais não serão devolvidos. Os artigos enviados à Redação do DC para eventual publicação devem conter no máximo 2.800 caracteres, se digitados, ou 40 linhas de 70 toques cada, se datilografados.

P.S. Último suspiro Esta semana é a derradeira para o último suspiro dos candidatos que ainda têm esperança de conseguir vitória na urna eletrônica no dia 6 de outubro. Refiro-me a todos os cargos em disputa. Para presidente da República, para governador de Estado, deputados federais e estaduais e senadores. Agora é vencer ou morrer (ao menos politicamente até uma próxima eleição, caso na ganhe uma boquinha em cargo público de algum amigo eleito).

Presidente A eleição mais badalada entra em sua semana derradeira com duas vertentes. Uma diz que Lula vencerá já no primeiro turno. A outra indica que, mesmo por margem mínima, haverá segundo turno dia 27 de outubro. Aqui a questão se desdobra. Os especialistas dizem que se houver o segundo turno ainda não está decidido quem enfrentará Lula. Primeiro foi Ciro, depois Serra. Agora ainda podem ser Serra ou Garotinho. Para Ciro só uma reação espetacular servirá de alento. Especialistas em pesquisas de opinião dizem que a definição em primeiro turno dependerá do debate final que os candidatos travarão na noite da próxima quintafeira, último dia de propaganda eleitoral antes de 6 de outubro, na Rede Globo. A não ser, claro, que ao longo da semana surja fato novo que impacte junto ao eleitorado. O que a estas alturas da corrida poucos duvidam é que com primeiro ou segundo turno, só um milagre ajudará Serra, Garotinho ou Ciro a vencer a eleição. Governador Para o governo paulista a definição também ocorrerá na linha de chegada. A posição dos três principais concorrentes ainda é de necessidade de avançar. Geraldo Alckmin passou Maluf, que es-

PAULO SAAB

tava até o fim da semana com tendência de queda. Genoíno, do PT, em tendência de crescimento. Pode-se afirmar que qualquer um dos três ainda tem chances de ir para o segundo turno, com ligeira vantagem para Alckmin definir-se como o primeiro deles. Qual o fôlego de Genoíno ser embalado por Lula deve ser a chave de definição ao longo desta semana. Congresso Os representantes de São Paulo no Senado também estão indefinidos. Duas vagas se abrem agora e a tendência é pelo preenchimento por Romeu Tuma e Aloisio Mercadante. Orestes Quercia ainda não está fora do jogo. Pode surpreender na reta final. Federais Tudo indica que o exótico dr. Enéas será o deputado federal mais votado por São Paulo. Voto de protesto, certamente, porque a figura do candidato serve de instrumento para canalizar insatisfações. Mas dará a ele a oportunidade de firmar-se como político confiável ou apenas folclórico, como tem sido até agora. A tradição deverá permanecer na escolha dos demais nomes. A renovação ainda é pequena e lenta no Brasil. O poder econômico e político predomina. Estaduais O quadro não será diferente. A também exótica dra. Avanir seguirá o caminho do mestre Eneás para a Assembléia Legislativa. O restante do raciocínio se aplica. Importância É de se lamentar que as Casas Legislativas, equilíbrio do poder, em qualquer âmbito de governo, nunca mereçam a importância e consideração por parte dos eleitores e da mídia, que deveriam receber. E-mail do colunista psaab@uol.com,br


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.