Revista da Associação Religiosa Israelita do Rio de Janeiro – ARI Ano 12, n° 34, dezembro de 2017 DEVARIM A Lei do Retorno: É Hora de Retornar à Lei? Nicole Maor Uma Doença Adulta do Esquerdismo: O Anti-israelismo Paulo Geiger Debate sobre o Curdistão, Estado e Identidade Alan M. Dershowitz e Amir Taheri A Lei do Retorno: É Hora de Retornar à Lei? Nicole Maor Uma Doença Adulta do Esquerdismo: O Anti-israelismo Paulo Geiger Debate sobre o Curdistão, Estado e Identidade Alan M. Dershowitz e Amir Taheri O Mito e o Rito Rabino Sérgio Margulies 100 anos da Declaração Balfour João K. Miragaya Um Perfil da Rabina de Ra’anana Marcus M. Gilban E Emmais:Poucas Palavras Resenhas de Livros A Arte de DiagnósticoDomimRabinoPerdoar-seDarioBialer–SemelhantesRabinoUriLamePrognósticoVittorioCorinaldiResistiraoTotalitarismo?RicardoLuizSichel O Mito e o Rito Rabino Sérgio Margulies 100 anos da Declaração Balfour João K. Miragaya Um Perfil da Rabina de Ra’anana Marcus M. Gilban E Emmais:Poucas Palavras Resenhas de Livros A Arte de DiagnósticoDomimRabinoPerdoar-seDarioBialer–SemelhantesRabinoUriLamePrognósticoVittorioCorinaldiResistiraoTotalitarismo?RicardoLuizSichel



E
As Tnuot Noar
Nahumanos”.estruturaeducativa das comunidades judaicas en contramos os movimentos juvenis (tnuot noar), que nos momentos críticos dos judeus no século 20 participaram de forma heroica e fundamental.
O voluntário é uma pessoa que se engaja por um objetivo maior do que seu interesse pessoal. O jovem não se empenha no movimento juvenil para adquirir os conheci mentos necessários para ingressar na universidade ou para construir um histórico que lhe facilite a obtenção de uma boa carreira. Ele doa seu tempo, sua engenhosidade e seu entusiasmo para o que supõe ser o bem coletivo.
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Desta forma, os movimentos juvenis são a garantia da qualidade de educação que efetivamente melhora o futu ro, em vez de agravá-lo.
É claro que não se pode esperar que todos os indiví duos tenham a mesma percepção sobre a sociedade e so bre as melhores alternativas para sua construção e evolu ção. Diferentes personalidades, diferentes pontos de ob servação e diferentes experiências de vida criarão, forçosa mente, percepções diversas.
Muito além das posições políticas e das visões dos me lhores caminhos, cumpre à comunidade valorizar os mo vimentos juvenis e proteger sua independência.
Raul Cesar Gottlieb – Diretor de Devarim
Ao mesmo tempo, a educação do jovem pelo jovem cria um ambiente aberto e com um mínimo de hierar quia. Claro que alguma hierarquia existe, mas todos po dem e devem participar de todas as decisões e ninguém se eterniza nas posições. O jovem voluntário, que se propõe a educar um outro jovem que está lá por opção, adqui re ferramentas indispensáveis para participar e motivar os trabalhos em grupo, além de um senso de responsabilidade e respeito para com seus semelhantes impossível de se rem obtidos com a mesma intensidade numa sala de aula
ou numa preleção familiar, por mais meritórios que sejam os exemplos dos professores ou dos pais.
Enquanto a escola atua no contexto da educação for mal, as tnuot educam de modo não formal, caracterizado por dois aspectos fundamentais: a adesão voluntária e a educação do jovem pelo jovem.
Nos últimos meses, a comunidade do Rio de Janeiro se dividiu de forma virulenta e insensata com relação aos mo vimentos juvenis. Estes passaram a sofrer um assédio moral de grandes proporções por parte de pessoas que – muitas vezes sem nenhuma compostura – não enxergam o imen so valor da educação não formal na construção de indiví duos analíticos e dedicados ao bem comum.
Contudo, a educação não é um valor positivo por si só. Ela tanto pode ser solução como agravante. Grande par te dos terroristas islâmicos são altamente educados, mas, matam indiscriminadamente agindo em nome da educa ção que receberam. No caso deles, e em muitos outros, a educação é o problema.
Não estou revelando nenhuma novidade. A educação, como qualquer outra manifestação cultural, pode ser po sitiva ou negativa. A frase deveria qualificar, algo como: “a solução está numa educação que promove e respeita os di reitos
EDITORIAL
m qualquer conversa, a frase “a solução está na edu cação” é recebida sem muita contestação. Ela expres sa a fé num futuro melhor, quando a educação terá produzido as pessoas que endireitarão as mazelas de hoje.
Por uma inescapável lei da natureza, os jovens sem pre terão menos vivência que os mais velhos (há um dita do jocoso a este respeito: “A juventude é a única doença da qual você se cura à medida que passa o tempo”). Por isso eles tendem a ser naturalmente mais impulsivos e românticos. Contudo, a visão analítica adquirida pela inserção nos movimentos juvenis (mormente na qualidade de ma drichim – instrutores), garante o desenvolvimento de uma constante autocrítica e reavaliação das posições do passado.
Ao mesmo tempo, urge restaurar a civilidade. O ju daísmo se pauta pelo debate civilizado e pelo respeito à diversidade de opiniões. Quem não age assim não pode pretender estar defendendo nossa cultura e nossas tradi çõesDesvalorizarmilenares. as tnuot noar é o caminho mais seguro para a construção de um futuro sombrio para nossa comu nidade. Espero que a imensa parcela sadia da comunidade do Rio de Janeiro saiba se sobrepor à grosseria e entender o valor da educação proporcionada pelas tnuot.
Revista Devarim Associação Religiosa Israelita do Rio de Janeiro – ARI Ano 12, nº 34, dezembro de 2017
REVISÃO DE MariangelaTEXTOSPaganini (Libra Edição de Textos)
O Curdistão Iraquiano: Um Debate Sobre Estado e Identidade 31
DIRETOR DA REVISTA Raul Cesar Gottlieb
A Lei do Retorno: É Hora de Retornar à Lei?
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Nicole Maor 3
Rabino Dario Bialer 17
EDIÇÃO DE ARTE
Ricardo Assis (Negrito Produção Editorial) Tainá Nunes Costa
A Secessão Curda e os Mistérios da Identidade Amir Taheri 36
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Os critérios para grafar palavras em hebraico e transliterá-las para o português seguem as seguintes regras: (a) chet e chaf tornam-se ch; (b) tsadik é ts; (c) hei final acentua a vogal e desaparece; (d) kaf e kuf são k; (e) não usamos hífen ou apóstrofe em casos como ledor, em vez de le-dor, e beiachad, em vez de b’iachad e (f) palavras em hebraico de uso corrente na ARI não estão em itálico.
A contracapa de Devarim é uma criação baseada no slogan do Movimento Reformista de Israel – IMPJ. A distribuição de Devarim é gratuita, sendo proibida a sua comercialização.
Por Trás da Declaração Balfour João K. Miragaya 40
EditoraEDIÇÃO Narrativa Um
Em Poucas Palavras 63
Resenhas de Livros 69
Colaboraram neste número: Alan M. Dershowitz, Amir Taheri, Rabino Dario E. Bialer, João K. Miragaya, Marcus M. Gilban, Nicole Maor, Paulo Geiger, Ricardo Luiz Sichel, Rabino Sérgio R. Margulies, Rabino Uri Lam e Vittorio Corinaldi.

A revista Devarim é editada pela Associação Religiosa Israelita do Rio de Janeiro www.arirj.com.br (www.devarim.com.br) Administração e correspondência: Rua General Severiano, 170 – Botafogo 22290-040 – Rio de Janeiro – RJ
Resistir ao Totalitarismo? O Que se Pode Esperar Ricardo Luiz Sichel 58
A Arte de Perdoar-se
A Rabina de Ra’anana, a Cidade Mais Brasileira de Israel Marcus M. Gilban 46

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Domim – Semelhantes
CONSELHO EDITORIAL
O Mito e o Rito
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Rabino Sérgio R. Margulies 11
Rabino Uri Lam 25
devARIm [hebraico] Plural de davar, sm. 1 Coisas, todas as coisas, ou algumas coi sas, ou as que interessam. 2 Palavras, não só as palavras em si (seria então mi lim), mas os signos de coisas, ideias, conceitos, pensamentos. 3 O quinto e úl timo livro da Torá, sua recapitulação pós-mosaica, soma das palavras e das coi sas. 4 Revista da ari, onde as palavras recapitulam o judaísmo milenar em sua inserção planetária e contemporânea.
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FOTOGRAFIA DE CAPA Dutch Scenery / iStockphoto
PRESIDENTE DA ARI Flávio Kosminsky
Cócegas no Raciocínio Paulo Geiger......................................................................................... 72
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Telefone: 21 2156-0444
Os artigos assinados são de responsabilidade intelectual de seus autores e não representam necessariamente a opinião da revista Devarim ou da ARI.
SUMÁRIO
Breno Casiuch, Rabino Dario E. Bialer, Germano Fraifeld, Jeanette Erlich, Marina Ventura Gottlieb, Mônica Herz, Paulo Geiger, Raphael Assayag, Raul Cesar Gottlieb, Ricardo Gorodovits, Rabino Sérgio Margulies.
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O Caso Pela Independência Curda e a Questão Palestina Alan M. Dershowitz 32
RABINOS DA ARI Sérgio R. Margulies, Dario E. Bialer
Diagnóstico e Prognóstico na Sociedade Israelense Vittorio Corinaldi 53
Desde 1950, a Lei do Retorno sofreu uma única grande alteração – em 1970 – após várias notificações à Suprema Corte sobre a questão de quem é o “judeu” nela referido. Um “judeu” poderia ser um padre cristão nascido de pais judeus? Pode um “judeu” nascer de pai judeu e mãe não judia? A Lei do Retorno segue a lei judaica (halachá)? E, em caso afirmativo, quem aprova essa halachá? Quan do a Suprema Corte considerou (6 juízes contra 5) em 1970, que “judeu” po deria incluir uma pessoa nascida de pai judeu e mãe não judia, o Knesset deci
Lei do Retorno é uma das leis mais curtas da jurisprudência de Israel – seu texto ocupa apenas uma página. Exemplifica o sonho sionista e é a pedra angular do direito de Israel a existir. Sua versão original era simples: todos os judeus são elegíveis para fazer aliá, ou seja, obter a cidadania israelense e para morar em Israel, desde que não sejam criminosos ou que de alguma outra forma possam pôr em perigo a sociedade israelense.
No momento em que foi promulgada – dois anos após a criação do Estado de Israel – os legisladores de Israel não imaginaram, e nem poderiam tê-lo fei to, que esta lei – uma “declaração de intenções” – poderia criar tantos proble mas e causar tantos estragos e tanta incerteza aos judeus e suas famílias ao re dor do mundo.
Nicole Maor
A LEI DO RETORNO: É HORA RETORNARDE À LEI?
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Histórico
Se a comunidade judaica é reconhecida, uma conversão que ocorra sob seus auspícios também será reconhecida.
A

As questões que confrontam a Lei do Retorno, quase 70 anos após a sua promulgação.
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Em suma, a Lei do Retorno, no que se refere a con versões, está muito longe da era digital. Skype, Facetime, e conferências on-line não substituirão a participação nos serviços de Shabat e Chaguim na sinagoga. Existe algu ma flexibilidade quando uma pessoa frequenta uma sinagoga que não dispõe de pessoas suficientemente prepara das para ensinar. Neste caso, Israel aceitará a aprendiza
co – Reformista, Conservadora e Orto doxa. Qualquer congregação reformista, conservadora ou ortodoxa que seja mem bro de uma organização “guarda-chuva” –como a WUPJ1 ou a Masorti Olami2 – é considerada “reconhecida”. Curiosamen te, muitos convertidos ortodoxos se vêm incapazes de provar que suas congrega ções são “reconhecidas” porque não exis te autoridade guarda-chuva unânime no judaísmo ortodoxo. O Rabinato israelen se vê-se como a autoridade final, mas não reconhece muitas congregações ortodo xas bem estabelecidas, especialmente nas Américas. Assim que, muitas vezes, os convertidos pela ortodoxia se queixam de que o Estado de Israel aceita convertidos não ortodoxos mais facilmente do que os ortodoxos!
O maior problema é a desconexão entre a era digital e o conceito de comunidade. Skype, Facetime e conferências on-line não substituirão a participação nos serviços de Shabat e Chaguim na sinagoga. O judaísmo não é uma religião “teórica”; ele não pode ser “aprendido”. Tem que ser vivenciado com outros judeus em uma estrutura congregacional.
A alteração de 1970, no entanto, não encerrou a lista de questões decorrentes da Lei do Retorno. Embora hou vesse agora uma resposta à pergunta “quem é judeu”, não havia uma resposta clara à pergunta “quem é um conver tido”. Como não havia outra lei que determinasse a inter pretação de “convertido”, esta questão caiu no colo da Su prema Corte. Ao longo dos anos (desde 1986), a Suprema Corte se esquivou consistentemente da questão, ao consi derar que o problema de “quem é um convertido” deve ser determinado no contexto da comunidade judaica na qual a conversão ocorre. Portanto, se a “comunidade judaica” é “reconhecida”, uma conversão que ocorra sob seus auspí cios também será reconhecida.
Então, ao invés de perguntar “quem é um convertido”, precisamos perguntar o que é uma “comunidade ju daica reconhecida”. No que diz respeito às autoridades is raelenses (com a ajuda da Suprema Corte), a resposta a essa questão, em relação às comunidades da Diáspora, é fácil. Há três “correntes de judaísmo” no mundo judai
No entanto, no mundo judaico de hoje, não só há um número crescente de congregações “não afiliadas”, mas também existem novas “correntes” do judaísmo – “Rene wal”, “Pós-denominacional” e até mesmo Judaísmo Karai ta, que ainda devem provar ao que vieram e até que o fa çam não serão consideradas “reconhecidas”.
Quem é um convertido?
No entanto, o maior problema até este ponto (e ainda não abordamos a questão das conversões realizadas em Is rael) é a desconexão entre a era digital e o conceito de co munidade. Mais e mais rabinos e professores estão abrindo cursos on-line para Introdução ao Judaísmo e até mes mo para todo o programa de conversão de modo a atender as necessidades das pessoas que vivem distantes das con gregações. As congregações realizam aulas e reuniões on-li ne para permitir teleparticipação. O Estado de Israel não reconhecerá tais conversões, pois não existe uma base co munal. O judaísmo não é uma religião “teórica”; ele não pode ser “aprendido”. Tem que ser vivenciado com outros judeus em uma estrutura congregacional.
Desde 1970, um “judeu”, conforme definido pela Lei de Retorno alterada, é uma pessoa nascida de mãe judia, ou que se converteu ao judaísmo e não é mem bro de outra fé. Após muito debate, a pa lavra “halachá” não foi mencionada. Além disso, para contrapor-se a esta nova limi tação e, provavelmente, à luz das Leis de Nuremberg, a Lei do Retorno foi amplia da para incluir familiares imediatos de um judeu, quais sejam seu cônjuge, seu filho/a (e cônjuge) bem como seu neto/a (e cônjuge). Todos esses se tornaram ele gíveis para aliá, viver em Israel e receber automaticamente a cidadania. Os mem bros da família, no entanto, não são reco nhecidos como judeus. Isso não os afeta no dia a dia, mas eles não conseguem se casar em Israel, pois não há casa mento civil nem marco para o casamento daqueles que não têm denominação religiosa.
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diu que deveria interferir e definir especificamente quem é “judeu” para o propó sito da Lei do Retorno.
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Não só a questão da conversão cria dificuldades aos tri bunais, mas a Lei do Retorno também suscita questões re lativas a adoções, casais homossexuais, pais idosos e mui tos outros
gem on-line, quando combinada com a vivência sinago gal. Mas, então, o processo de estudo deverá ser mais lon go do que o normal.

exemplo Reuven e Shimon. Reuven nasceu de mãe judia e pai não judeu. Sua mãe faleceu e seu pai se casou com uma mulher não judia, que decidiu adotá-lo. Portanto, nenhum dos pais legais de Reuven é judeu. Shimon também foi adotado, mas no caso dele pelo ma rido não judeu com quem sua mãe, igualmente não judia, veio a se casar depois que o pai dele, judeu, faleceu. Po dem Reuven e/ou Shimon fazer aliá sob a Lei do Retorno?
zembro de 2017, depois que o governo de Israel se com prometeu em julho deste ano a tentar chegar a um com promisso nessa data. Caso não se chegue ao compromisso, o tribunal estará livre para julgar. Imaginem quantas reuniões foram realizadas até a data da redação deste arti go para alcançar tal compromisso…
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A adoção afeta quem é judeu com a finalidade da Lei do Retorno?
E sobre a conversão em Israel? Misture todos os itens acima e adicione política à equação! Em Israel existem congregações reformistas e conservadoras afiliadas às suas organizações guarda-chuva. Existem congregações ultraor todoxas (charedim) que não aceitam a autoridade do Rabi nato. A Suprema Corte decidiu que as conversões de cha redim (supervisionadas por um renomado rabino chare di) devem ser reconhecidas para fins da Lei do Retorno. No entanto, há mais de 10 anos se abstém de decidir so bre as conversões não ortodoxas3. Quando se tornou cla ro no início deste ano que a Suprema Corte deverá julgar, e também ficou claro que, à luz do seu julgamento quan to às conversões charedim, a Suprema Corte deve, logica mente, julgar a nosso favor, a Knesset (o Parlamento) cor reu para tentar aprovar uma lei que confira a competência exclusiva do Rabinato sobre a conversão em Israel. O re sultado? Um impasse ... e muita frustração para os refor mistas, para os conservadores e para os ortodoxos mode rados. A próxima data decisiva neste cabo-de- guerra é de
Tomemoscasos.como
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Não só a questão da conversão cria dificuldades aos tribunais, mas a Lei do Retorno também suscita questões relativas a adoções, casais homossexuais, pais idosos e muitos outros casos.
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Obviamente, se ambos os parceiros são judeus, a Lei do Retorno não se preocupa de forma alguma se um ca sal é homossexual ou heterossexual. No entanto, se apenas um dos parceiros for judeu e o Ministro do Interior em Is rael for ultraortodoxo, cabe uma pergunta sobre “quem é o cônjuge” para os fins da Lei do Retorno. Por sorte, os reda tores da emenda à Lei do Retorno usaram uma terminolo gia diferente de seus predecessores que redigiram a Lei de Cidadania israelense nos anos 50. Nesta última, os reda tores usaram os termos “marido” e “esposa”. Já na Lei do Retorno o termo usado foi “parceiro”. Embora os tribunais não tenham ordenado ao Ministério do Interior que in terprete “parceiro” como incluindo um parceiro de direito comum, o Ministério do Interior (sob ameaça de ação ju dicial por nosso escritório) admitiu que a única interpre tação razoável de “parceiro” deve incluir parceiros heteros sexuais e Então,homossexuais.seduaspessoas de mesmo sexo e crenças diver sas acharem uma maneira de se casar antes de se candi datarem à aliá, ambos poderão fazer aliá como se fossem um casal heterossexual. Eles serão registrados como “casa dos” no Registro de População em Israel, embora o direi
Até recentemente, esta regra foi interpretada de forma muito ampla. Assim como o cônjuge de um judeu vivo, o cônjuge do filho vivo ou o cônjuge do neto vivo de um judeu falecido tinha o direito de fazer aliá, assim também seu viúvo (viúva) recebia o direito de fazer aliá. No entan to, nos últimos meses, o Ministério do Interior começou a interpretar a regra acima como aplicável apenas à viúva de um judeu. Começamos a receber queixas de viúvas de fi lhos de pais judeus, cujos pedidos de aliá foram rejeitados.
Ao contrário da maioria das leis de imigração em todo o mundo, que se referem ao imigrante e sua família “ime diata”, que inclui filhos e pais, a Lei do Retorno trata quase exclusivamente de “descendentes”. Portanto, se um novo imigrante tem mãe judia e pai não judeu (ou vice-versa), e eles são divorciados, o não judeu não está coberto pela Lei do Retorno. Contudo, comparemos o caso de pai (mãe) não judeu que se torna viúvo (viúva) com o caso de divórcio. A Lei de Retorno afirma que, em relação à elegibili dade para aliá, não importa se o “judeu” (por cujo direito o cônjuge / filho / neto etc. solicita cidadania) ainda está vivo e se ele (ela) imigrou ou não para Israel.
Em geral, a adoção não altera automaticamente a religião do adotado. Portan to, Reuven não deveria ter nenhum pro blema em fazer aliá, pois ele nasceu ju deu. No entanto, Shimon não nasceu ju deu e sim de um pai judeu, cuja paterni dade foi “perdida” quando ele faleceu e o novo marido de sua mãe o adotou. Em teoria, ele não deve ser considerado ele gível sob a Lei do Retorno. Contudo, de vido a inúmeras discussões nos tribunais sobre este assunto, parece que “o sangue é mais significativo do que a lei”, na medi da em que a interpretação aceita da Lei do Retorno está em causa. Mesmo que Shimon não seja considerado filho legal de seu pai judeu e não tenha mãe judia, portanto não sen do judeu, parece que ele poderá fazer aliá, a menos que ele tenha adotado ativamente outra religião. Mas esta situa ção é muito tênue e está sujeita a mudanças e incertezas.
to interno israelense não reconheça qual quer tipo de união homossexual. Casais não casados não serão elegíveis mesmo que tenham tomado medidas ativas para formalizar seu relacionamento, tal como registrar seu relacionamento como uma “união civil”. Isso ainda causa discrimina ção entre casais heterossexuais e homosse xuais, pois os casais heterossexuais “sem pre” podem escolher se casar, enquanto que muitas vezes os casais homossexuais não podem. Mesmo à luz desta discrimi nação, não consigo ver a Suprema Corte alargando a definição de “parceiro” segundo a Lei do Re torno para incluir os casais de direito comum.
Relacionamentos de mesmo sexo: quem é cônjuge pela Lei do Retorno?
Isto é susceptível de causar sérias repercussões no mundo da Reforma, que aceita a descendência ambilinear e, portanto, as pessoas se vêm como judeus e vivem vidas ju daicas plenas com seus parceiros, mas são vistas pelo Esta do de Israel como filhos de judeus e não como judeus. O mesmo se aplica a muitos Olim da antiga União Soviética,
Pais não judeus: quem pode fazer aliá?
Traduzido do inglês por Daniel Kovarsky.
3. Ela julgou a favor o registro de convertidos fora da ortodoxia como judeus no regis tro da população, mas não julgou a respeito do recebimento da cidadania israelen se sob a Lei do Retorno.
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A Lei do Retorno seguramente precisa ser “revisitada” agora. Dito isto, o principal medo é que um “Retorno à Lei” ocasionará ainda mais problemas. Especialmente no clima político de hoje. Todos nós – em Israel e fora – pre cisamos garantir que ela permaneça relevante e fiel ao seu propósito original. Em suma, a Lei do Retorno é tanto sua como minha. Tome conta dela.
2. A organização guarda-chuva para o movimento Conservador.
a “aldeia global” é mais uma realidade do que um sonho e a comunicação virtual domina muita da forma como vi vemos, eu argumentaria que uma lei de uma única página não é mais verdadeiramente viável. A Suprema Corte nem sempre pode ser chamada a interpretá-la e reinterpretá-la e, muitas vezes, ler nela o que lá não está.
Nicole Maor é advogada, com mestrado em legislação e relações internacionais. Fez aliá da Austrália em 1989 e é diretora do Legal Aid Center for Olim, um projeto do Israel Religious Action Center e do Israel Movement for Progressive and Reform Judaism. Nicole é uma das principais advogadas de Israel para as questões que en volvem o litígio com referência à Lei do Retorno, especialmente no que diz respeito a conversões.
Os exemplos acima não são uma lista exaustiva dos problemas não definidos com clareza pela Lei do Retor no. Outra questão complexa fora do alcance deste artigo, porém muito atual, diz respeito a crianças de cidadãos is raelenses nascidas no exterior. Muitos novos imigrantes não permanecem em Israel e retornam aos seus países de origem. Muitos israelenses de nascimento deixam Israel e passam a habitar no exterior. Devem seus filhos ser consi derados como israelenses desde o nascimento, mesmo que nunca tenham estado em Israel (caso em que a Lei do Retorno não se aplica a eles e a suas famílias e os procedimen tos de unificação familiar são muito mais problemáticos) ou devem ser considerados novos imigrantes sob a Lei do Retorno? E a lista continua…
Conclusão
1. World Union for Progressive Judaism – a organização guarda-chuva para os movi mentos Reformista, Reconstrucionista e Liberal Britânico.
Notas
onde, em muitos casos, sua nacionalidade registrada (judaica) foi determinada pelo pai e não pela mãe. Esta ques tão será, com a maior probabilidade, apenas resolvida pela Suprema Corte, uma vez que qualquer alteração à Lei do Retorno em si é muito improvável.
A Lei do Retorno começou como uma declaração de princípio – uma mensagem aos judeus do mundo de que eles sempre terão uma pátria em Israel. Ela serviu como uma ferramenta fundamental para afetar a demografia de Israel desde sua fundação. No entanto, na realidade de hoje, na qual há muitos casamentos mistos, onde as for mas tradicionais de relacionamentos estão mudando, onde

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ito é uma criação simbólica com o intuito de resolver os confli tos. O mito representa a solução dos problemas ao ser designado como elemento capaz de anular as causas dos conflitos que geram indesejáveis situações de desordem. Embora fruto da produção humana, ao mito é atribuída uma natureza que transcende o ser humano, podendo, assim, ter assegurada sua função de resolver os conflitos que o ser humano criou. O mito adquire, deste modo, força própria e torna-se inques tionável. Se fosse passível de questionamento, se enfraqueceria e teria a sua apregoada capacidade de resolução diminuída.
O judaísmo convida a diversidade e se abre para a multiplicidade de opiniões, numa efetiva troca de ideias em que a divergência não anula o aprendizado mútuo.
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M
“O mito é um nada que é tudo.” (fernando pessoa, 1888-1935)
Rabino Sérgio R. Margulies
“Se me for demonstrado que um rito da Igreja é apenas a trans formação de um rito pagão anterior [...] representará para mim um acréscimo à cerimônia que procuram diminuir.” (joaquim nabuco, 1849-1910)
A princípio, o mito e o rito são harmônicos, um espelhando e reforçando o outro. A narrativa que sustenta o mito encontra respaldo na vivência roteiriza da do rito. No entanto, este mecanismo de retroalimentação revela-se disfun cional se for incapaz de lidar com situações não previstas. Neste caso, a religio sidade como expressão genuína dos anseios espirituais ficaria à mercê da ordem estabelecida pelo mito/rito e perderia sua relevância.
O rito religioso dramatiza tanto uma narrativa histórica (real ou imaginária) quanto um modelo de vida (como uma história a ser lapidada) idealizado. As sim, a experiência ritualística nos vincula a um passado que provê um sentido de pertinência e nos imbui por um senso de propósito no porvir do amanhã.
O MITO E O RITO
Mito da uniformidade: acredita que o judaísmo é singular, o ensinamento re ligioso tem um só padrão e que a voz in vocadora da autoridade legítima é única. Isto assegura a uniformidade judaica e a unidade do povo. Assim, a opinião dis sonante é herética e deve ser descartada. Para que isto aconteça um sistema de controle tem que ser Asexercido.lentes que o judaísmo fornece nos fazem perceber que esta concepção de engessamento à pluralidade difere da prática do rito judaico. O judaísmo convida a diversida de e se abre para a multiplicidade de opiniões, numa efeti va troca de ideias em que a divergência não anula o apren dizado mútuo. Por exemplo, diante da diferença entre os posicionamentos dos sábios do século 1, Hillel e Shamai, o Talmud afirma: “Quem quiser conduzir-se de acordo com a Casa de Shamai, que assim faça, e quem de acordo com a Casa de Hillel, que assim faça”.
gere: “Nós temos a responsabilidade de revisar a lei [religiosa] ao invés de permi tir que caia em desuso.”
A fim de manter-se constantemente relevante, demonstrando o equívoco da afirmação do historiador Arnold Toynbee (1889-1975) de que o judaísmo é fossili zado, a vitalidade judaica tem como uma de suas forças pulsantes a capacidade de confrontar seus mitos e ritos. Uma das maneiras propostas deste ímpeto transfor mador é descrita no Talmud: “vá e veja o que o povo está fazendo”. Esta convoca ção talmúdica alerta para que não haja dissonância entre a religiosidade e a religião, entre o rito religioso sustentado no mito e o próprio rito da vida.
As lentes judaicas
Uma proposta: vamos olhar o judaísmo pelas suas pró prias lentes religiosas e não através das lentes que distor cem a mensagem religiosa enxergando alguns mitos e seus ritos correspondentes.
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próprias lentes do judaísmo percebemos que a crença na imutabilidade religiosa destoa do ritual judaico. Desde seus primórdios, a prática judaica tem fa vorecido as mudanças que se fazem necessárias para man ter a mensagem espiritual relevante, valorizando o questio namento como método de transformação, conforme ensi na o rabino Albo, do século 15: “Moshe [Moisés] recebeu oralmente certos princípios somente brevemente aludidos na Torá, através dos quais os sábios podem elaborar parti cularidades emergentes em cada geração.”
A concepção judaica entende que a dinâmica da sociedade humana em constante mudança inviabiliza a pré via determinação de todas as particularidades e lança o desafio de, inspirados pelas referências éticas e pelos re novadores aprendizados, fazer face às questões que apa recem. Assim, o rabino Seymour Siegel (1927-1988) su
No exame oftalmológico, diante da aferição do grau ocular, ao sermos indagados pelo examinador qual lente nos permite enxergar melhor, respondemos uma opção. No exame da visão espiritual também podemos ter uma opção. Tal como a lente ocular que não optamos será adequada para alguém outro, a visão espiritual que não es colhemos poderá ser adotada por alguém outro. De al guém outro que está ao nosso lado, na mesma comunida de, até na mesma congregação. É a enriquecedora abran gência do convívio.
Mito da exclusividade: crê ser vedada à mulher a par ticipação na vida religiosa da sinagoga, descarta o não ju deu (mesmo que de família judaica) do ambiente congre gacional e desconsidera o filho/a de um pai judeu, mas não de mãe judia como potencial membro da comunida
A lente judaica não é bifocal, isto é, não se vale de graus distintos para o perto – o cotidiano da rua – e o longe – o eventual no templo.
Mito da imutabilidade: afiança que o estabelecido pela religião é imutável. A tradição deve ser respeitada, em consequência os conceitos e hábitos estabelecidos ur gem serem preservados em sua forma e conteúdo, sem al teração. Qualquer modificação corresponderia, portanto, a uma transgressão. Os princípios religiosos são inquestionáveis e uma vez que são originários da palavra divina –que se supõe ser perfeita – ninguém tem o direito de pro porAtravésmudanças.das
O convívio plural é o foco das lentes religiosas que am pliam o olhar para que não prevaleça a estreiteza que in valida a visão distinta. Esta característica levou o Talmud a registrar as mais variadas opiniões sobre os assuntos em discussão e tem acompanhado os intérpretes do texto bí blico por séculos a fio, como demonstram os comentários dos sábios da Idade Média Maimônides, Nachmânides, Ibn Ezra, entre outros.
Mito do sagrado: entende que os aspectos da religião são considerados sagrados. A palavra sagrado em hebraico, kedushá, significa ‘estar à parte’. Neste sentido, a vida reli giosa trafega numa avenida distinta daquela que lida com os assuntos que pertencem ao mundano cotidiano. Assim, o templo religioso é envolto de uma redoma que o isola da conturbada sociedade. É lá que o tempo pode ser viven ciado de modo transcendente em oposição ao desenfrea do tempo do cotidiano.
de, mesmo que imbuído da identidade judaica por meio de um processo de educação.
Buscar no templo religioso um abrigo para a reflexão, para a apuração dos anseios espirituais e morais, para re conectar-se com elos rompidos, para curar as feridas da alma e resgatar a esperança é um movimento de aproximação entre o mundano e o sagrado, entre o cotidiano e o ocasional, entre o ideal e o real. Esta aproximação evi ta a existência de um hiato entre o professado no tem plo e o vivenciado fora dele. Evita, sobretudo, que o rito
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Na lente da história judaica lembramos que muitos não hebreus estavam com o Povo de Israel na saída da escravi dão do Egito Antigo e os acompanharam na jornada que culminou com o recebimento da Torá e a entrada na Terra Prometida. Em nossa lente contemporânea enxergamos os que nos acompanham se inserindo na comunidade no intuito de prover orientação aos seus filhos/as que constituem parte da nova geração comunitária.

Ainda assim, estas restrições carregam a justificativa de que a mulher tem outros papéis na vida judaica. Neste âm bito, é utilizada a determinação da condição judaica em função do ventre materno. Porém, nem sempre foi este o critério de atribuição do status judaico. No período bíblico, por exemplo, a descendência judaica era fixada pela li nhagem paterna.
Estes são alguns mitos que intencionam prover um am biente comunitário exclusivo. No entanto, as lentes judai cas focam na inclusão. De acordo com o código de leis da Mishná (século 2), à mulher é permitido, sem ser obriga da, cumprir com os mandamentos positivos dependentes do tempo, e, segundo o código das leis do Shulchan Aru ch (século 15), pode participar da leitura e da recitação das bênçãos da Torá.
Seja como for, o perigo é considerarmos a identida de judaica consequência de algum aspecto genético, pois essencial na determinação da identidade judaica (mes mo que precise ser oficializada) é a orientação familiar dentro de um marco comunitário. Disto decorre o reco nhecimento do empenho do pai/mãe não judeu/ia, que, com seu cônjuge judeu/ia, opta em educar seu filho/a como judeu/ia.
formando uma nova palavra: met (mor to). Segundo alguns relatos, o Golem ga nhou vida própria tornando-se uma fonte de ameaça ao que inicialmente se pro punha defender. Esta passagem do fol clore lembra que os mitos são construí dos para que conflitos sejam resolvidos e nos adverte para o perigo do descaso que permite o mito ganhar supremacia. Quando isto acontece, o efeito de sua atuação será contrário ao intencionado.
Nosso rito religioso não é uma blindagem para o dia a dia e tampouco tem como objetivo tornar opaco o que deve ser transparente. Do templo enxergamos a realidade de modo mais translúcido. Esta é sua sacralidade.
O rito judaico é, de um lado, duplicador dos mitos e, de outro lado,destescontestadormitos.
Bibliografia
A criatura mítica
Sérgio Roberto Margulies é rabino e serve na ARI – Rio de Janeiro.
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O rito judaico é, de um lado, duplicador dos mitos e, de outro lado, contestador destes mitos. A força duplica dora corresponde à criação dos mitos com o intuito de di recionar a resolução dos problemas. O impulso contesta dor evita nos tornarmos reféns destes mitos e impede uma visão distorcida dos propósitos religiosos.
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Zemer, Moshe. Evolving Halakhah: A Progressive Approach to Traditional Jewish Law, Jewish Lights Publishing, EUA, 1999.

O folclore judaico criou uma figura mítica denomina da Golem. Feito de lama e barro, adquiria contornos hu manos a fim de defender os judeus de seus inimigos. A transformação em humano se dava através da colocação da palavra hebraica emet (verdade) em sua testa.
do templo seja desvinculado da conduta fora dele. A lente judaica não é bifocal, isto é, não se vale de graus distintos para o perto – o cotidiano da rua – e o longe – o eventual no templo. Os profetas bí blicos já alertam para esta questão: “Não mais posso tolerar vossas convocações [...] pois vindes envolvidos em iniquidade”. (Ieshaiahu/Isaías).
O Golem voltava à sua condição inicial de lama e bar ro quando seu criador retirava a letra alef da palavra emet,
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O que nos mantém vivos é o desejo. A capacidade de transgredir talvez seja mais um potencial humano do que um defeito.
Na primeira hora do dia, Deus teve a ideia de criar o homem.
A ARTE PERDOAR-SEDE
Na oitava, Ele o trouxe para o Jardim do Eden (o paraíso, com suas árvores).
que nos traz à sinagoga em Yom Kipur não é muito diferente do que levou a Adão, o primeiro homem, perante Deus: erros e arrependi mentos; culpas e desculpas; a tentativa de melhorar; conflitos e recon ciliações; responsabilidade; tradição e traição.
Rabino Dario Bialer
Na terceira, Ele recolheu pó da terra.
Na nona hora, o homem recebeu um mandamento.
O
Na sexta, Ele o fez um Golem (um boneco sem vida)
Na décima primeira, ele foi julgado.
Na segunda hora, Ele discutiu seu plano com os anjos celestiais.
Revista da Associação Religiosa Israelita- ARI | devarim | 17
Adaptado a partir da prédica de Yom Kipur 5778, na ARI
Na décima segunda, ele foi perdoado.
Na décima, ele transgrediu.
Na quarta, Ele o começou a esboçar.
Na quinta, Ele o esculpiu.
Na sétima, Ele soprou o espírito de vida dentro dele, dando-lhe sua alma.
Dizem os nossos sábios, em um dos Midrashim do livro Vaikrá Rabá, que o mundo foi criado em um 25 de Elul, e que o primeiro dia de Tishrei, ou seja, o sexto dia da Criação, transcorreu da seguinte forma:
Disse Deus a Adão: Seja isto um sinal para seus filhos. As sim como você esteve diante de Mim neste dia e foi perdoa do, também seus filhos estarão diante de Mim em julgamen to neste dia e serão perdoados. Quando isso? No primeiro dia do sétimo Vaikrámês.Rabá 29:1
Wandler/istockphoto.comMary
A primeira coisa que fica evidente quando lemos esse Midrash é que vamos transgredir. Recebemos um único e simples mandamento e não conseguimos deixar de que brá-lo. Adão e Eva foram criados e na hora seguinte Deus
lhes indica todas as árvores das quais podiam comer e a única da qual deviam se afastar. Contudo, apenas uma hora depois Adão e Eva não vão e pegam justamente o fru to desta árvore?
Lemos na Torá que Deus escolhe começar o relato da Criação com a transgressão e o perdão. O castigo por ter comido do fruto era a morte (Bereshit / Gênesis 2:17). No entanto, quando a transgressão acontece, Deus decide per doar, e não só não os mata como faz desse perdão uma marca indelével, como está escrito ao final do Midrash:

E há também uma outra habilidade indispensável no ser humano, que é o perdão!
Se Deus não tivesse falado nada, talvez eles nem tives sem chegado perto. Mas bastou que Deus sinalizasse – essa não! – para que imediatamente eles a procurassem, pois o que nos mantém vivos é o desejo. É como se a capacidade de transgredir pudesse vir a ser mais um potencial huma no do que um defeito.
Antes de continuar gostaria de notar que um Midrash é a percepção dos sábios baseada tanto no texto da Torá como em sua sensibilidade individual a respeito da mensa gem que quer transmitir. Assim, podem existir vários Mi drashim contraditórios, conforme a personalidade de cada autor. E o Midrash prossegue:
Essa é a pergunta implícita de Vaikrá Rabá. Quando as severa que Deus já nos perdoou, o texto nos interpela: será que você vai conseguir se perdoar também?
Parar de buscar o perdão do outro, o olhar do outro, a aprovação do outro, e começar hoje a se pedir perdão. Perdão por não ter me cuidado o suficiente e por não ter estado para mim quando eu mais me necessitava. Pare ce fácil, mas muitos de nós costumamos nos julgar com muita severidade.
Rabi Meir não se conteve e respondeu: “Com sua pró pria vida confirmarás o quão certas são essas palavras” (refe rindo-se ao nashim daatam kalot). E ele se apressou a fazer cumprir a sua profecia. Ordenou a um dos seus discípulos que procurasse seduzi-la. Após várias tentativas, Bruria fi nalmente sucumbiu. Não sabemos quanto tempo passou, o texto não informa isso, mas sabemos que quando o acon tecimento veio à luz Bruria se suicidou e o Rabi Meir fu giu, envergonhado por sua desgraça. (Avodá Zará 18b, co mentário de Rashi)
Só consigo me enxergar a partir da devolução que os outros me fazem de quem sou.
Há uma história no Talmud, complexa e muito triste, sobre alguém que não conseguiu se perdoar.
Assim como você [Adão] esteve dian te de Mim [Deus] neste dia e foi perdoado, também seus filhos estarão diante de Mim em julgamento neste dia e serão perdoados. Quando isso? No primeiro dia do sétimo mês.
Talvez Yom Kipur se trate de algo mais do que ser perdoado e Talvezperdoar.hojeseja o dia de perdoar-se. De você se perdoar!
O filósofo francês Emmanuel Levinas explicou de for ma singular de que trata o perdão de Yom Kipur. Depois de fazer a clássica distinção entre os erros com os nossos semelhantes e os erros com Deus e de lembrar que quan do pedimos perdão a uma pessoa dependemos de sua von tade para sermos perdoados, Levinas interpreta a Mishná que ensina que os erros com Deus se reparam com o jejum e as rezas de Yom Kipur. Levinas diz que isso, que parece ser algo muito mais simples (visto que só depende de obe diência ritual), é na verdade muito mais complexo, por que Deus não aparece para nos dizer que está tudo bem, que já esta tudo resolvido e que é para esquecer do assunto. Esse perdão Divino de Yom Kipur é na verdade a in ternalização de um processo integralmente individual que se passa dentro de nós. O instrumento do perdão está nas minhas mãos, diz Levinas, pois o meu arranjo com Deus depende apenas de mim.
Bruria foi uma grandíssima mulher. Brilhante! Conhecia a Torá e o Talmud como poucas mulheres – e como poucos homens também. Era respeitada pelos sá bios. Era inteligente e bonita. Boa espo sa, ótima mãe, sensível, incisiva, questio nadora, tudo de bom! Mas não conseguiu se perdoar e esta foi a sua desgraça. Você pode ter todas as qualidades do mundo, mas se você não for capaz de se aceitar im perfeito e de se perdoar, é bem provável que sua vida acabe se quebrando por causa dessa rigidez.
Há coisas em mim que eu não vejo, mas o outro vê. Precisamos do olhar do outro.
Poderíamos falar aqui da infidelidade, do lugar da mulher na sociedade, de machismo, do abuso da força quando temos o poder e também da atitude de fazer uma profecia e depois armar uma trama para que ela aconteça. Mas, sobretudo, essa é uma história de pessoas que não conseguem se perdoar. Que se enxergam tão perfeitos a ponto de não admitirem voltar atrás nas palavras ditas com raiva e que, quando a vida lhes devolve a evidência de suas fraquezas, eles se quebram e não conseguem fa zer nada para evitar.
E qual é o primeiro dia do sétimo mês? É Rosh Hashaná. E isto compli ca tudo! Pois se já fomos perdoados em Rosh Hashaná, o que estamos fazendo em Yom SempreKipur?acreditamos que Yom Kipur era para buscar o perdão. Mas o Midrash diz que já fomos perdoados em Rosh Hashaná. E agora? Para que serve o Yom Kipur?
É uma história muito difícil, mas também muito rica por suas possíveis abordagens.
Bruria ouviu isso e se ofendeu profundamente. Dian te de todos e com um tom bem irônico começou a debo char e expressar o seu desprezo pelas palavras do marido.
Aquele que se acha perfeito, superior a tudo que o ro deia, quando se descobre tão imperfeito quanto os demais,
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Conta a história que, um dia, ela estava no Bet Midrash ouvindo uma discussão de seu marido, o grande mestre Rabi Meir – discípulo de Rabi Akiva –, com seus alunos. Rabi Meir ensinava que “nashim daatam kalot” (as mu lheres são frívolas, irracionais, são “cabeça de vento”). (Ki dushin 80b, Shabat 33b)
Retornemos a esse Midrash e ao sexto dia da Criação. Lembremos que na segunda hora o Midrash diz que Deus discutiu seu plano com os anjos.
De acordo com vários outros Midrashim não foi fácil e não houve consenso. Os anjos queriam que o humano fosse um ser como eles, sem costas. Um corpo feminino e outro masculino, um ser andrógeno unido pelas costas, com uma face na frente e outra face atrás.
A tragédia de Bruria e Meir parece caricata e remota, mas ela é, na verdade, muito atual. Partidos políticos que se corromperam na tentativa de fazer o bem para a popu lação e não têm coragem de fazer autocrítica e corrigir os rumos. Empresários que escondem a situação pré-falimen tar de suas empresas por não poder admitir a si mesmos que não são modelos de competência. Pessoas que se pre judicam tentando fazer esforços maiores que sua capacida de física ou psíquica. Todos estes, e muitos mais, são Meir e Bruria entre nós.
O que esse antagonismo significa? Panim, a face, simboliza o que nos conecta. Com a face eu consigo enxergar, ouvir, sentir, perceber, reconhecer. Tudo o que tem a ver
Mas Deus queria um ser com duas características dife rentes e o fez com panim e achor, o fez com face e costas. Se conta, em Avot de Rabi Natan, que os anjos ficaram tão incomodados com a decisão de Deus que desceram à terra para destruir o homem e Deus teve que se interpor e prote gê-lo porque assim Ele queria que fosse, com face e costas.
uma economia fortíssima baseada em inovação, que só acontece quando você assume riscos e não tem medo de errar todas as vezes que sejam necessárias du rante o processo. Assim a terra que na Torá era conhecida como aquela de onde emana leite e mel (que não são pre cisamente commodities de primeira linha) seja hoje cele brada no mundo todo por ser a “Start Up Nation”, o país com a maior quantidade per capita de patentes e, a des peito de sua pequena quantidade populacional, a segunda maior quantidade em termos absolutos de patentes novas, ano após ano. Os países que têm medo de arriscar e que punem os erros dos empreendedores continuam venden do matérias-primas até hoje, e essa é a realidade da maio ria de países subdesenvolvidos que permanecem presos a uma situação rudimentar. Quando aprendemos com os er ros, emergimos pessoas melhores e mais sábias.
Uns meses atrás, fui jantar na casa da minha amiga, a rabina Tamar Elad Appelbaum, em Jerusalém (aliás, foi ela, numa conversa deliciosa, quem me deu a ideia de fa lar sobre “panim ve achor”). Quando chegamos à casa dela vejo que na porta tem um cartaz feito por uma criança – depois soube que era de sua filha caçula – que dizia: “Monstros, tornados e pessoas ruins não são bem-vindos nessa casa”. Minha amiga me contou que o simples fato de colo car essa placa do lado de fora fez com que sua filha se sen tisse mais segura; até que um dia a filha fica angustiada e fala para a mãe: “Ima, e se a má pessoa for eu mesma? Eu às vezes, sou uma pessoa ruim, então como posso ficar dentro da casa se é para as pessoas ruins ficarem do lado de fora? Como eu posso estar na casa e ser má ao mesmo tempo?”
A pergunta da filha da minha amiga é a pergunta que todos nós fazemos em Yom Kipur. Como eu posso ser bom e ruim ao mesmo tempo?
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quando é exposto publicamente em suas mazelas, simplesmente não o pode suportar.
Yom Kipur é sobre celebrar o erro, dar entidade ao erro. Pois se não me permito errar, nunca vou sair do lugar de onde estou. O judaísmo não tem um pecado que nos con dena, mas sim um erro que nos aprimora e nos projeta à vida. Assumir riscos não é apenas uma possibilidade, mas umaIsraelnecessidade.construiu
Todos agem como Adão e Eva, que também não con seguem aceitar suas imperfeições, e respondem à interpe lação divina dando desculpas de pé torto. E quando você não é capaz de se aceitar, você não pode se cuidar e não pode se curar. Em vez disso, quando se enxerga incomple to no espelho e reconhece tudo o que lhe falta (mas sem pre se tratando com carinho e com respeito), quando você se dá uma nova chance corrigindo os erros do passado, des se momento em diante, você começou o tikun, o processo de reparação. Mas se, como Bruria e Meir, você não aceita quem você é, e não se perdoa, você se destrói, você se mata.
Panim ve Achor
Essa é a tensão da complexidade do ser humano que no Kol Nidrei invocamos dizendo: “Anu matirim leitpalel im ha’avarianim”, que nos concedemos a possibilidade de re zar com os transgressores. Só que esses avarianim / trans gressores, como aquela pequena menina sabe, não são os outros. Somos nós! Todos somos essa mistura de bom e mau. Essa contradição entre as coisas tão boas que temos e tudo aquilo que trazemos de ruim para o mundo é outro dos ensinamentos que o Midrash em Vaikrá Rabá nos traz.
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Chamamos Yom Kipur de “dia do perdão”, mas ele pontua um processo que é para todos os dias do ano. O ju daísmo é uma religião de adultos, que tem como ápice do seu ritual a transformação de cada ser humano. Ela acon tece quando admitimos nossas fraquezas. E quando final mente nos perdoamos por elas, podemos dizer que alcan çamos a mais honesta e legítima superação.
com conectar-se é panim. Assim, Moshe não apenas percebe a Deus, mas se conec ta íntima e profundamente com Ele. De um panim para outro panim – face a face.
Quando fazemos isso nos colocamos por cima de todos e, consequentemente, aos outros por baixo. E, sem hori zontalidade, sabem o que acontece? Ficamos sozinhos. E o ser humano só pode se erguer no encontro com o outro, na conexão com o outro.
Adonai, Adonai, El Rachum V’chanun... é uma das ora ções que rezamos mais comovidos, na qual declaramos confiantes que Deus é misericordioso com o ser huma no. Mas por que repetimos Adonai, duas vezes? Os nossos sábios ensinam: porque Deus está conosco, nos apoiando antes de termos transgredido, e continua lá para nós de pois de termos errado também.
Yom Kipur não se trata de Deus, pois ele já nos per doou. A pergunta é se você vai se perdoar também.
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Essas são as perguntas relevantes para a avaliação da nossaYomvida.Kipur não se trata de Deus. Se trata de nós. De abrir uma porta para nós.
E é difícil de admitir que as pessoas que nos rodeiam sejam assim, tenham essa ambivalência. Nós também –como tentaram os anjos – parecemos ficar impacientes e nos exasperamos pela indefinição. Queremos que as pes soas se definam, ou no mínimo que ajam de forma carica ta e previsível. Que sejam ou isso ou aquilo. Andamos pela vida julgando as pessoas em nossa volta e colocando nelas rótulos definitivos, lacradores: você é bom, você é ruim! Em seguida, batemos o martelo para sempre. Este vale –aquele não vale a pena. Essas atitudes são um pecado! Elas fazem de você o parâmetro da autoridade moral.
Pensem em panim e em achor. Me parece bem interes sante que justamente nosso rosto e nossas costas sejam o que mais nos identifica – para bem e para mal – e que se jam as únicas duas partes do nosso corpo que nunca con seguiremos enxergar diretamente.
É necessário deixar fluir o amor que sente por você mesmo para se perdoar. E se tem dificuldades em se per doar deve aprender a compartilhar com alguém a sua dor. Um pai, uma mãe, uma irmã, um irmão, um amigo, uma amiga, a sua esposa ou o seu marido, um mestre, pode ser qualquer pessoa que o conheça e em quem você confia, al guém que, como um espelho, saiba mostrar-lhe o caminho que você não está conseguindo ver para ajudá-lo a encon trar o rumo ao seu próprio perdão.
Com as minhas costas, achor, não consigo me relacionar; não consigo ver, cheirar, abraçar. As costas são o que nos desconecta. Por isso dizemos, quando al guém nos dá as costas, que nos rejeita. Com as costas nos desconectamos do mundo. São duas habilidades opostas, a de conectar e a de desconectar, e as duas fazem parte do ser humano.
Os anjos queriam um ser que fosse pura conexão, en trega e entendimento, mas Deus sabe que a nossa essên cia é contraditória, e que não somos anjos, somos criaturas difíceis de decifrar, pois somos panim e achor ao mes mo Somostempo.bons e somos ruins. Generosos e mesquinhos. Aparentemente cabeça aberta, mas apenas quando as coi sas são do nosso jeito.
Isso é o que um relacionamento sau dável significa: Ser um espelho para o ou tro e mostrar-lhe como ele é, sem conde nar e sem rotular, pois ele ou ela o enxer ga como mais ninguém é capaz de o ver. Yom Kipur nos ajuda a nos enxergarmos mais de perto, reconhecer-nos imperfeitos e nos perdoarmos por isso.
Dario Ezequiel Bialer é rabino e serve à ARI Rio de Janeiro.
O erro e o perdão são parte de um processo que emana da nossa liberdade de escolher o que fazer com o que sentimos. O que fazer com a minha vida? Com meus erros, meus desejos, as marcas e as cicatrizes de quando nos quebramos?
Só consigo me enxergar a partir da devolução que os outros me fazem de quem sou. Há coisas em mim que eu não vejo, mas o outro vê. Precisamos do olhar do outro.
Deus está conosco nos apoiando antes de termos transgredido, e continua lá para nós depois de termos errado também.
A única forma é através de um espelho.
ORT INSTITUTO DE www.ort.org.brTECNOLOGIA ENEM13ºLUGARRJMATRÍCULAS ABERTAS R. DONA MARIANA, 213, 2539-1842BOTAFOGO ELETRÔNICA E EMPREENDEDORISMOINFORMÁTICABIOTECNOLOGIACOMUNICAÇÃOAUTOMAÇÃOSOCIAL-TI ENSINO FUNDAMENTAL II ENSINO MÉDIO TECNOLÓGICO COM FORMAÇÃO EM:






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Rabino Uri Lam
Qual a natureza da parceria com o Governo de Israel?
A parceria inicial baseia-se em vários parâmetros, como o conhecimento prévio entre os líderes das comunidades e/ou seus membros, questões de inte
DOMIMSEMELHANTES
L
Atualmente, o projeto inclui 37 congregações reformistas de Israel e 120 comunidades reformistas e liberais fora de Israel, de modo que cada comuni dade israelense esteja em contato com três a quatro diferentes comunidades ao redor do mundo. Embora se tenha a percepção de que a maior relação seja entre Israel e Estados Unidos, segundo os idealizadores do Domim pelo menos um terço das comunidades da Diáspora que fazem parte do projeto estão fora da América do Norte.
ançado em 2015 pelo Movimento Judaico Reformista em Israel em cooperação com o Governo de Israel, por meio do seu Ministério das Diásporas, o Projeto Domim (Semelhantes) foi delineado para for talecer os laços entre as comunidades reformistas, liberais e progres sistas em Israel e no mundo, criando uma rede de “comunidades parceiras”. Ao mesmo tempo, o Projeto Domim busca fortalecer a conexão de judeus liberais, reformistas e progressistas ao redor do mundo com o Estado de Israel e aproximá-los de israelenses que compartilhem de sua visão de mundo, práticas e costumes.
Em 2015, o Movimento Reformista de Israel assinou um contrato de coo peração com o Governo de Israel – o Ministério das Diásporas – para fortalecer os laços entre comunidades progressistas, reformistas e liberais em Israel e no exterior, bem como fortalecer os laços entre judaísmo liberal em todo o mun do e o Estado de Israel.
Revista da Associação Religiosa Israelita- ARI | devarim | 25
O Projeto Domim se propõe, basicamente, a criar laços, a conectar comunidades em Israel a comunidades no resto do mundo interessadas em construir, renovar e fortalecer suas relações e incentivar constantemente o destasaprofundamentorelações.
Com o Projeto Domim, cada uma de nossas comunidades pode se transformar em mais um elo na cadeia de gerações que unem judeus no mundo inteiro, servindo de ponte, no presente, entre o passado e o futuro do povo judeu, onde quer que es tejamos. Conheci o projeto no início de 2016, em uma palestra do rabino Nir Bar kin na sinagoga do Hebrew Union Colle ge, em Jerusalém. Nir era então o primei ro diretor do recém-criado Departamento Israel-Diáspora do Movimento Reformista de Israel e liderava o Projeto Domim.
O projeto inclui 37 forareformistasreformistascongregaçõesdeIsraele120comunidadeseliberaisdeIsrael,demodoquecadacomunidadeisraelenseestejaemcontatocomtrêsaquatrodiferentescomunidadesaoredordomundo.
Os organizadores do Domim estão convictos de que os encontros pessoais são essenciais para o sucesso do proje to. Para isso, dentro do possível, são fi nanciadas viagens de rabinos e rabinas is raelenses às suas congregações parceiras fora de Israel. Quando consultei sobre a possibilidade destas viagens chegarem ao Brasil, a respos ta é que o orçamento atual infelizmente não permite que isso ocorra por enquanto – mas há esta expectativa para o futuro, o que também depende, a meu ver, do grau de comprometimento e de envolvimento de nossas comu nidades com o projeto.
Por outro lado, levando-se em conta a tecnologia a nos so favor, há uma enorme possibilidade de atividades on -line e de reuniões virtuais, em diferentes idiomas. Para isso, faz parte da estratégia construir-se uma base de da dos de pessoas – não necessariamente rabinos e rabinas –que falam diferentes idiomas nas congregações israelen ses. Estes serão a ponte para a realização dessas atividades com as comunidades fora de Israel. Além disso, estão sen do organizadas conferências internacionais nas quais os lí deres e membros das comunidades de Israel se encontrem com seus parceiros, em Israel ou em outra parte do mun do. Também avança o desenvolvimento de material edu cativo utilizado para estudos conjuntos, de modo a conec tar as comunidades reformistas em Israel das comunida des reformistas ao redor do mundo.
resse comum para as comunidades e outras conexões existentes em vários âmbi tos, como por exemplo o idioma.
Eu já conhecia o rabino Barkin da Congregação Yoz má, em Modiín, e dos anos em que estudei no Programa Israelense de Formação Rabínica do HUC, e sempre o ad mirei pela capacidade de empreendedorismo e amor ao povo de Israel. Nir liderou o Domim por dois anos, sendo sucedido por Smadar Bilik, também ela extremamente ta lentosa e dedicada. Smadar era educadora e coordenado ra de estudos judaicos da Escola Yozmá, de Modiín, além de ter sido chazanit (cantora litúrgica) em diversas comu nidades reformistas de Israel.
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Fortalecendo os laços
Rapidamente me entusiasmei pela ideia e, desde en tão, busco conectar minha comunidade, a Congregação Is raelita Mineira, com congregações e rabinos parceiros em Israel, entre eles a rabina Ariela Graetz, da Comunidade Emet veShalom, em Naharia. A Emet veShalom tem mui tos membros de origem latino-americana, principalmen te argentinos. Em parceria com o rabino Or Zohar, rabi no reformista na cidade de Kiriát Tivon e em Hararit, no Galil, fiz a ponte para que ele participasse do Fórum Mun dial da Paz em Amã, na Jordânia, em setembro de 2017. Em 2016 tive a honra de representar a comunidade judai ca nesse Fórum em Florianópolis, com o apoio da WU PJ-Amlat, da AIC (Associação Israelita Catarinense) e da Conib (Confederação Israelita do Brasil). Em virtude dos contatos do Projeto Domim, o rabino Or Zohar foi o pri meiro rabino israelense a participar do Fórum Mundial da Paz. Estes são somente alguns exemplos do que é possível realizar ao aproximarmos comunidades judaicas reformis tas de Israel com comunidades na Diáspora.
Portanto, o Projeto Domim se vê como o endereço para todos os assuntos relacionados às relações entre Israel e a Diáspora no Movimento Reformista de Israel, além de promover vários projetos em cooperação com outras or ganizações como a WUPJ (União Mundial pelo Judaís mo Progressista), URJ (União pelo Judaísmo Reformista), CCAR (Conferência Central dos Rabinos America nos), ARZA (Associação Sionista Reformista da Améri
O Projeto Domim se propõe, basica mente, a criar laços, a conectar comuni dades em Israel a comunidades no resto do mundo interessadas em construir, re novar e fortalecer suas relações e incen tivar constantemente o aprofundamento destas relações. Como isso pode ser feito?
Como espécie de carro-chefe do Projeto Domim, este dia se propõe a ser um marco festivo no calendário judai co, para celebrar as relações entre judeus que vivem em Is rael e judeus que vivem na Diáspora. Um dia no qual pos samos compartilhar milhares de anos de diversidade judai ca, em Israel e ao redor do mundo.
A data escolhida demonstra o respeito compartilhado entre judeus que viviam em Israel e na Diáspora: enquan
A data escolhida foi 7 de Cheshvan – normalmente por volta de outubro, 15 dias depois de Sucot. Por que este dia foi escolhido? Havia uma discussão a respeito:
ca), ARZENU (Federação Internacional Sionista Religio sa Reformista e Progressista), WZO (Organização Sionis ta Mundial), etc.
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“No terceiro dia do mês de Mar-Cheshvan devem ser recitadas as orações pelas chuvas. [Mas] de acordo com Ra ban Gamliel, as orações começam no sétimo dia do mês, ou seja, 15 dias depois do Festival de Sucot, a fim de per mitir que os últimos israelitas possam ter cruzado o Rio Eufrates [na volta para casa].” (Mishná, Taanit 1:3)
O Dia da Diáspora e de Israel – 7 de Cheshvan
to o propósito dos judeus da diáspora era ir a Israel rezar pelas chuvas, mesmo sem viver lá, o propósito dos judeus de Israel, ao atrasar o feriado em alguns dias, era permitir que os peregrinos pudessem voltar para casa em seguran ça, sem serem pegos pelas chuvas. A ideia de cooperação e de boa vontade de ambos os lados foi central na esco lha de 7 de Cheshvan como o Dia da Diáspora e de Israel. Assim como na época da Mishná havia respeito mú tuo entre as comunidades localizadas na Terra de Israel e na Diáspora, do mesmo modo, ao criar o Dia da Diáspora e de Israel em 7 de Cheshvan, o Movimento Reformista de Israel sinaliza a importância das comunidades judaicas não apenas em Israel, mas no mundo inteiro, para a construção da vida judaica e a continuidade do povo judeu em condi ções de igualdade. Tal posição contrasta tanto com a visão reformista anterior à Segunda Guerra Mundial, que não necessariamente assumia uma postura sionista por enten der que era possível viver como judeu em todo lugar onde houvesse comunidade judaica, não necessariamente no Es tado de Israel – quanto com algumas visões sionistas até hoje, segundo as quais a única chance de sobrevivência do povo judeu está no fato de todo o povo judeu viver no Es tado de Israel. O Dia da Diáspora e de Israel, como centro
Revista da Associação Religiosa Israelita- ARI | devarim | 27
O Calendário Domim
Fonte: https://www.Domim-reform.org.il
Prepare um Livreto Memorial de Yom Kipur: pode ser preparado com fotografias e histórias de membros das comunidades parceiras que faleceram ao longo do ano. Cada comunidade mencionará os nomes dos membros fa lecidos da outra comunidade durante suas orações de Yiz kor. Outras ideias podem ser compartilhadas pelas comu nidades para feriados ao longo de todo o ano.
O que é necessário para ser parte do Projeto Domim?
Cartões de Rosh Hashaná: envie para suas comunida des-irmãs cartões de Shaná Tová preparados por membros ou filhos de membros da sua congregação.
• Visitas mútuas de delegações e líderes comunitários e rabinos/rabinas.•Participação de morim e morot, de rabinos e rabinas nos cursos de ambas as comunidades, por meio de video conferência.•Organização de um Beit Midrash conjunto, unido por um mesmo material compartilhado e aulas por video conferência.•Osrabinos das duas comunidades podem liderar um serviço de Kabalat Shabat ao mesmo tempo, em contato via •internet.Desenvolver um projeto musical que exponha a co munidade judaica fora de Israel à música litúrgica israelen se – e vice-versa.
Uri Lam é rabino, paulista, recebeu sua ordenação no Programa Is raelense de Formação Rabínica do Hebrew Union College, em Jeru salém. É rabino da Congregação Israelita Mineira, em Belo Horizonte. Agradecimento a Smadar Bilik, atual coordenadora do Projeto Do mim, por disponibilizar todas as informações necessárias.
Como deve ser a conexão entre as Comunidades Semelhantes?
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do Projeto Domim, enfatiza tanto o caráter sionista quanto o caráter universal do Movimento Reformis ta, que reconhece a importância do intercâmbio cultural e religioso en tre os dois eixos – Israel e Diáspora.
No entanto, embora a organização do Projeto Domim não pro cure criar o mesmo conteúdo que as comunidades parceiras, existe a preocupação de garantir que os re lacionamentos sejam contínuos e que ocorram regularmente: pelo menos uma vez por mês entre a li derança das comunidades e pelo menos uma vez a cada dois meses entre os membros das comunida des. A participação no Projeto Domim é voluntária e gratuita.
Calendário Comunitário de Rosh Hashaná: envie fotos de sua comunidade celebrando as diversas festivi dades do ano anterior para um calendário que será cons truído em parceria com a sua comunidade-irmã em Israel, que também enviará fotos tiradas em eventos semelhantes.

Engana-se, porém, quem ima gina que o Projeto Domim se re sume a um dia por ano. Ao con trário: o conceito é que, a partir desta nova conexão, construa-se todo um calendário de atividades intercomunitárias. Para citar ape nas um exemplo, eis algumas ideias para o período entre Rosh Hasha ná e Yom Kipur:
A gama de possibilidades é mui to ampla. Mas vamos citar outros exemplos de atividades que podem ser desenvolvidas em conjunto:
• As comunidades acenderem juntas as velas de um dos dias de Chanucá através de videoconferência.
Não há padrões uniformes para que as parcerias se jam criadas. Cada parceria intercomunitária construirá uma agenda para fortalecer e aprofundar os laços de acor do com áreas comuns de interesse, públicos-alvo, etc. Para esse fim, serão compartilhados recursos já existentes ou, de acordo com a necessidade, serão desenvolvidos recur sos adicionais.
Excelência acadêmica com alto índice de sucesso nos vestibulares e exames de Cambridge Currículo inovador de Cultura disciplinasintegradoJudaicaàsdonúcleocomum Um Educaçãoesaudável,ambientefelizenriquecedorparaalunosdaInfantilaoEnsinoMédioTecnologiascriativaselaboratóriosparaoaprendizado“mãonamassa” Uma escola judaica renovada: plural, vibrante e conectada. Sede Laranjeiras: do Berçário II ao Ensino Médio - tel 21 2156-6100 Unidade Infantil Ipanema: do Berçário I ao Pré II - tel 21 2513-3318 Integrantewww.eliezermax.com.brdaRededeEscolas Judaicas Pluralistas







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Apresentamos a seguir dois textos contraditórios de relevantes pensadores políticos da atualidade a respeito deste assunto.
É compreensível (o que não significa ser justificável) a oposição do Iraque ao pleito dos curdos, pois ele perderia uma parte do país. Ao mesmo tempo, Turquia, Irã e Síria têm motivos para se sentirem desconfortáveis, visto possuí rem territórios adjacentes ao Curdistão Iraquiano com forte população curda.
Contudo, o único país a apoiar o desejo dos curdos é Israel. Nem os Esta dos Unidos nem as demais grandes democracias liberais do mundo apoiaram a eloquente manifestação da vontade dos curdos.
m 25 de setembro passado, o governo semiautônomo do Curdistão Iraquiano realizou um plebiscito pela independência (secessão) da re gião do Iraque, que apresentou como resultado mais de 80% de com parecimento e mais de 90% de aprovação.
Como o voto não era obrigatório, estes números são imensamente expres sivos e evidenciam, sem qualquer sombra de dúvida ou ambiguidade, o desejo curdo pela autonomia nacional.
O CURDISTÃO IRAQUIANO: UM DEBATE SOBRE ESTADO E IDENTIDADE
Curioso, contudo, notar as declarações do vice-presidente do Iraque, Nou ri Al-Maliki – repercutida por vários políticos do Oriente Médio –, de que o Curdistão independente viria a ser um fator de ainda mais desestabilização no Oriente Médio pelo fato do (ainda) improvável novo país poder vir a se cons tituir num “segundo e indesejado Israel”.
Ao se pautar por estes comentários, ficamos sabendo que a liberdade demo crática, a igualdade entre os gêneros e o desenvolvimento econômico são prejudiciais à região. Seus políticos se empenham para construir a estabilidade atra vés da pobreza, da desigualdade e da tirania. E, mais surpreendente ainda, não têm o menor problema em declarar isto publicamente.
Página anterior: Mesquita em Erbil, Curdisão, Iraque.
Artigos publicados originalmente pelo Gatestone Institute e reproduzidos sob permissão.
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povo, também se opõe à independência para os curdos. A hipocrisia abunda na comunidade internacional e isso não deve surpreender ninguém.
O caso pelo Estado Palestino é pelo menos tão convin cente como o caso do Estado Curdo, mas você não saberá disso se observar a forma pela qual muitos países apoiam o Estado Palestino, mas não o Estado Curdo. O motivo dessa disparidade tem pouco a ver com os méritos dos seus respectivos casos e tudo a ver com os países dos quais am bos procuram ficar independentes. A razão para esse duplo padrão é que poucos países querem opor-se à Turquia, ao Iraque, ao Irã e à Síria; mas muitos desses mesmos paí ses não têm problema algum em demonizar o Estado-nação do povo judeu. Aqui vai, então, o caso comparativo entre curdos e palestinos.
Dershowitz
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O referendo de independência é um passo importan te para remediar a injustiça histórica infligida à população curda na sequência da Primeira Guerra Mundial. Contu do, mesmo tendo milhões de pessoas saído às ruas para co memorar, está claro que os desafios de se chegar ao estabe lecimento de um Curdistão independente estão apenas co meçando. O primeiro-ministro iraquiano, Haider al-Aba di, disse: “Vamos impor a soberania do Iraque em todas as áreas do Governo Regional do Curdistão (KRG) com a força da constituição”. Ao mesmo tempo, outros legisla dores iraquianos exigiram o julgamento dos parlamentares curdos que organizaram o referendo – destacando especifi camente o presidente do KRG, Masoud Barzani.
Antes de tudo, um pouco de contexto histórico. Na sequência da Primeira Guerra Mundial, as forças aliadas assinaram um tratado para remodelar o Oriente Médio a partir dos restos do derrotado Império Otomano. O Tra tado de Sèvres de 1920 estabeleceu os parâmetros para um Estado Curdo unificado, embora sob controle britânico. No entanto, este Estado nunca foi implementado devido à oposição turca e sua vitória na Guerra de Independên cia Turca, na qual parte do território destinado aos curdos tornaram-se parte do moderno Estado Turco. Como resul tado, a região curda foi dividida entre a Turquia, a Síria, o
Publicado originalmente pelo Gatestone Institute e reproduzido sob permissão.
ais de 90% da população curda do Iraque vo tou pela independência do Iraque. Embora o referendo não seja vinculante, ele reflete a vontade de um grupo minoritário que tem uma longa história de perseguição e falta de pátria.
Enquanto Israel apoiou imediatamente o pleito curdo pela independência, o presidente turco, Recep Tayyip Er dogan, tentou extorquir Israel, ameaçando encerrar o processo de normalização diplomática entre os dois países, a menos que esse apoio fosse retirado. Vale ressaltar que o país apoia fortemente a criação de um Estado para os pa lestinos, mas não para a própria população curda. A li derança palestina, que busca criar um Estado para o seu
O CASO INDEPENDÊNCIAPELA CURDA E A QUESTÃO PALESTINAAlanM.
do – o presidente Erdogan submeteu a população curda do país ao terror e à tirania, incluindo o aprisionamento para os curdos que são pegos “cometendo o crime” de fa lar sua língua nativa.
Em contraste, os palestinos sofreram muito menos mortes nas mãos de Israel (e da Jordânia), mas muitos na comunidade internacional citam as mortes palestinas como uma justificativa para o Estado palestino. Por que este duplo padrão?
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Há muitos outros motivos convincentes a favor do Es tado Curdo. Em primeiro lugar, os curdos iraquianos têm sua própria identidade, práticas, linguagem e cultura. Eles são uma nação coerente com profundos laços históricos
Iraque e o Irã, e os curdos foram dispersos pelo norte do Iraque, sudeste da Turquia e partes do Irã e da Síria. Em bora ninguém saiba hoje o tamanho exato desta popula ção, estima-se que existem cerca de 30 milhões de curdos vivendo nessas áreas.
Em contraste com o povo palestino, que adere às mesmas tradições e práticas que seus vizinhos árabes, além de falarem a mesma língua, os curdos têm idioma singular (embora diferentes grupos falem diferentes dialetos), pos suem uma cultura própria, assim como código de vesti menta e feriados. Enquanto a história e a genealogia dos palestinos estão interligadas com a dos seus vizinhos ára bes (a população da Jordânia é de aproximadamente 50% palestina), os curdos se mantiveram em grande parte apar tados dos Estados onde moram, constantemente aspiran do a autonomia política e nacional.
Mas talvez nenhum grupo tenha tido pior sorte do que os curdos do Iraque, que agora totalizam 5 milhões – apro ximadamente 10-15% da população iraquiana. Sob o re gime baathista da década de 1970, os curdos foram sujei tos à “limpeza étnica”. Sob o governo de Saddam Hussein, foram enviados para campos de concentração, expostos a armas químicas e muitos foram sumariamente executados. Estima-se que cerca de 100 mil curdos foram mortos nas mãos do regime baathista. Portanto, “ressarcimento” é um fator inteiramente apropriado a ser considerado – embo ra certamente não seja o único – no apoio ao estabeleci mento de um Curdistão independente no norte do Iraque.
Ao longo dos anos, aconteceram inúmeros protestos e revoltas das populações curdas contra os Estados onde re sidem. Alguns governantes usaram força bruta para repri mir a dissidência. Considere a Turquia, por exemplo, onde a “questão curda” influencia a política interna e externa mais do que qualquer outra questão. Sofrendo do que al guns historiadores se referem como “Síndrome de Sèvres” – a paranoia decorrente da tentativa dos aliados de destacar partes do antigo Império Otomano para um Estado Cur
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Refugiados curdos em Erbil, no Curdistão, Iraque, em 2014.

A resposta é nunca. Ninguém que apoie o Estado para os palestinos pode opor-se moralmente à independência curda. Mas eles o fazem porque é a hipocrisia do duplo pa drão, e não a moral, que caracteriza o debate sobre o con flito israelo-palestino.
Alan M. Dershowitz é Felix Frankfurter, professor emérito de Legis lação na Harvard Law School e autor, entre outros livros, de Trum ped Up! How Criminalization of Political Differences Endangers Democracy, recém-lançado.
Traduzido do inglês por Raul Cesar Gottlieb.
A liderança palestina, que busca criar um Estado para o seu povo, também se opõe à independência para os curdos. A hipocrisia abunda na surpreenderinternacionalcomunidadeeissonãodeveninguém.
Além disso, a Região Autônoma Curda no norte do Iraque – a entidade mais próxima a um Estado que os cur dos jamais tiveram – prosperou e manteve uma relativa paz e ordem no contexto de um governo iraquiano fraco e ine ficaz e de uma brutal guerra civil. Como tal, ela é uma ilha de estabilidade numa região eivada de violência sangrenta, destruição e Estados fracassados.
– Que a independência Curda causará um efeito de sestabilizador num já frágil Iraque que pode reverberar em Estados vizinhos com populações curdas;
– Que o esforço pela independência desviará a aten ção do esforço mais abrangente de derrota do ISIS – que está sendo combatido em grande parte pelas forças da Pe shmerga Curda.
com o seu território. Eles têm suas próprias instituições nacionais que os distin guem de seus vizinhos, seu próprio exér cito (o Peshmerga) e sua própria estraté gia de petróleo e energia. O direito inter nacional estipulado no artigo 1º da Con venção de Montevidéu sobre os Direitos e Deveres dos Estados estabelece as ba ses para o reconhecimento da soberania do Estado. O decreto afirma: “O Esta do como pessoa de Direito Internacional deve reunir os seguintes requisitos: (a) po pulação permanente, (b) território deter minado, (c) governo e (d) capacidade de estabelecer rela ções com os demais Estados”. O KRG atende a esses critérios, pelo menos tão bem como os palestinos.
à ocupação do território iraquiano pelo ISIS. Também não há nada a sugerir que um Curdistão independente suspenda sua cooperação com a coalizão anti-ISIS. Até porque a manutenção da cooperação só traria benefícios para sua recém-conquis tada soberania. Além disso, os curdos iraquianos foram um parceiro-chave para a coalizão dos EUA que derrubou o regi me de Saddam Hussein e impediu novas tensões sectárias nesse país. Uma coisa é clara: se os Estados Unidos continuarem a negligenciar seus “amigos” e aliados na região – aqueles na linha de frente na luta contra o ISIS –o dano à sua credibilidade só aumentará.
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Por que, então, os Estados Unidos – juntamente com a Rússia, a UE, a China e as Nações Unidas – se manifes tam contra a independência de uma das maiores etnias sem um Estado, ao mesmo tempo em que apoiam fortemen te a constituição do Estado Palestino? O Departamento de Estado dos EUA declarou estar “profundamente desapontado” com a ação tomada pelos curdos, enquanto a Casa Branca emitiu uma declaração chamando-a de “provocativa e desestabilizadora”. Essencialmente, a comunidade inter nacional cita dois fatores para justificar sua ampla rejeição:
Esses argumentos não são convincentes. O Iraque é um Estado fracassado que foi atingido por uma guerra civil nos últimos 14 anos e a população curda no norte representa a única estabilidade real nesse país, ao mesmo tem po em que ela assume o maior papel militar no combate
Israel é a única democracia ocidental a se manifestar em apoio à independência curda no norte do Iraque. Esperava-se que, em coerência com sua luta pelo Estado Palestino, a Autoridade Palestina (AP) apoiasse os esforços curdos para a independência. No entanto, a AP se alinhou na posição oposta. Hasan Khreisheh, do Conselho Legislativo Palestino, declarou sobre o referendo: “Os curdos são uma na ção, da mesma forma que os árabes, os franceses e os ingle ses. Mas este referendo não é um passo inocente. O único país a apoiá-los é Israel. Uma vez que Israel está por trás de les, então, do meu ponto de vista, precisamos ter cuidado”.
Claramente, não há limites para a hipocrisia da Auto ridadeNemPalestina.hálimites para a hipocrisia daqueles estudan tes universitários e professores que demonstram eloquen te apoio ao Estado palestino, mas ignoram ou se opõem aos curdos. Quando foi que você leu sobre uma manifes tação em favor dos curdos em um campus universitário?
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Os secessionistas curdos descartam essa contagem com o argumento de que a maioria dos grupos étnicos na re gião são muito pequenos para merecer o status de Estado.
gundo uma contagem, criar pelo menos 18 Estados a mais.
m antigo ditado árabe afirma que sempre há algo de bom no que quer que aconteça. O referen do de secessão realizado na Região Autônoma Curda do Iraque não é exceção. Ele aumentou a tensão na região, despertou muitos demônios antigos e desviou a atenção de problemas mais urgentes. Ao mesmo tempo, também proporcionou uma oportunidade para examinar e debater algumas questões importantes de for ma fria e clínica em vez do atual estilo inflamado do nosso canto do mundo.
A suposição por parte dos secessionistas curdos iraquia nos é que o Estado deve coincidir com a etnia. No entan to, se fosse esse o caso, quase todos os Estados do Orien te Médio teriam de ser divididos e subdivididos, para, se
U
Em outras palavras, o tamanho tornou-se uma justifi cativa para a secessão.
Eles também afirmam que os curdos representam o maior grupo étnico sem o seu próprio Estado. Isso, é cla ro, não é verdade. No subcontinente indiano, os dravidia nos, com mais de 300 milhões de pessoas, não têm um Estado próprio. O mesmo é verdade para os punjabis, cerca de 100 milhões deles, que estão divididos entre a Índia e o Paquistão com referência a diferenças religiosas em subgrupos muçulmanos, hindus e sikhs.
O segundo argumento é que, uma vez que o Iraque é um “país artificial”, criado pelo tratado Sykes-Picot, não há razão para que não se saia dele. Para começar, apesar do discurso elegante ouvido em todas as partes, o chamado
Amir Taheri
A SECESSÃO CURDA E OS MISTÉRIOS DA IDENTIDADE
Publicado originalmente pelo Gatestone Institute e reproduzido sob permissão.
Uma dessas questões diz respeito à relação entre etnia e nacionalidade.Elaéimportante porque o Oriente Médio, que é e sempre foi um mosaico de etnias, chegou ao estágio de ser composto por Estados-nações de modelo europeu através de um atalho histórico que ignorou o enigma étnico. Na Europa, local de nascimento do Estado-nação moderno, o conceito de cidadania proporcionou uma síntese entre etnicidade e nacionalidade. Todos os estados europeus são entidades multiétnicas; e, no entanto, poucos deles expe rimentam tensão étnica da mesma forma como a que afeta os Estados-nação emergentes da nossa região.
Na África, os hausa e os ibo, que são 40 e 35 milhões, respectivamente, não têm Estados próprios. Na China, os uigures (22 milhões) e os manchus (12 milhões), para não mencionar os tibetanos, com 4 milhões, tiveram seus Es tados aniquilados pela maioria han. Há mais pathans no Paquistão do que no Afeganistão, mais irlandeses no Rei no Unido do que na República da Irlanda e mais húnga ros fora da Hungria do que dentro dela.
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Soldados curdos em Arbil, no Kurdistão, Iraque, em 2008.

Ironicamente, quanto mais multiétnico é um Estado, mais bem-sucedido ele se provou. O Estado sumério era “puro” em termos étnicos, mas desapareceu sem deixar ves tígios. O Império Romano, aberto a todas as etnias (um não romano podia, inclusive, chegar à posição de Impe rador) durou mais de mil anos e pereceu quando tentou impor uniformidade através da sua nova religião oficial: o cristianismo.
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Em alguns casos, as identidades étnicas são fabricadas ou exageradas em busca do poder político. Por exemplo, os castelhanos e os catalães compartilham a mesma fé cristã, falam variações da mesma língua latina e são dificilmen te distinguidos uns dos outros pelos estrangeiros. No entanto, temos um movimento secessionista catalão na Es panha. A razão é que a Catalunha sempre foi uma base de apoio para os movimentos de esquerda na Península Ibé rica, enquanto o resto da Espanha, especialmente a Caste la e a Galícia, tem sido conservadora.
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Antes do fim da guerra, o Império Tzarista entrou em colapso e o novo regime bolchevique publicou o texto do rascunho como parte da propaganda contra os “poderes imperialistas”.Orascunho previa a cessão de grandes partes da Ana tólia à Rússia, uma aliada da Grã-Bretanha, da França e da Itália. Mas quando os bolcheviques tomaram o poder, a Rússia tornou-se um inimigo; não havia mais motivo para dar nada a ela.
De qualquer forma, dizer que o Iraque é “artificial” não tem sentido algum porque todos os Estados são artificiais;
Sykes-Picot foi um tratado preliminar entre Grã-Bre tanha, França, Rússia e Itália para formatar as possessões do Oriente Médio do Império Otomano após a Primeira Guerra Mundial. Contudo, o projeto nunca recebeu a ratificação final pelos quatro países envolvidos.
Quanto à Itália, ela atuou tão miseravelmente mal na guerra que a Grã-Bretanha e a França decidiram que ela não merecia nada além de algumas migalhas do bolo, sob a forma de uma presença na Cirenica e na Tripolitania. Com Sykes-Picot tornado inoperante, a Grã-Bretanha e a França fizeram novos acordos mais tarde refletidos em vá rios tratados, principalmente os de Lausanne e Montreux.
Há um século, haviam 32 Estados-nação no mundo; hoje existem 198, a maioria dos quais são mais novos e mais “artificiais” do que o Iraque.
“plano” de Sykes-Picot não tem nada que ver com a forma atual do Oriente Médio.
nenhum deles caiu formatado dos céus. Levou aos Esta dos Unidos quase 200 anos para assumir sua forma atual, ao admitir o Havaí, anexado em 1898, como seu 50º Es tado em 1959.
É fácil definir e reconhecer um cidadão iraquiano por que a cidadania é um status político-judicial que pode ser testado e verificado. No que diz respeito às identidades étnicas e/ou religiosas, no entanto, estamos frequentemente em terreno desconhecido.
Amir Taheri é ex-editor do principal jornal iraniano anterior à revolu ção de 1979, Kayhan, e um proeminente autor baseado na Europa. É chairman do Gatestone Europe.
Traduzido do inglês por Raul Cesar Gottlieb.
Países onde a cidadania não se baseia em etnia ou religião oferecem liberdades indisponíveis em outros lugares. Numa pequena rua em Paris, a Rue des Petites Ecurries, lojas e cafés pertencentes a todos os tipos de seitas islâmicas, judeus e cris tãos coexistem lado a lado sem que nin guém corte a garganta de ninguém (pelo menos ainda não); algo impensável em lugares “puros”, como o ISIS ou o “emi rado” do Talibã.
Há muita conversa sobre identidade nos dias de hoje. Mas a identidade humana é sujeita a voltas tangenciais e às reviravoltas da vida individual e coletiva.
Por exemplo, a identidade do presidente da Região
Todos os Estados europeus são entanto,multiétnicas;entidadese,nopoucosdelesexperimentamtensãoétnicadamesmaformacomoaqueafetaosEstados--naçãoemergentesdanossaregião.
Celebração curda de Newroz, em Istambul, Turquia.

Iraquiana do Curdistão, Masoud Barza ni (também conhecido como “Kak Ma soud” – “Irmão Masoud” em curdo) não é exatamente a mesma que a identidade do Peshmerga que dirige seu Mercedes blindado. Kak Masoud nasceu em Maha bad, Irã, como cidadão iraniano, mas pas sou os primeiros 12 anos de sua vida na União Soviética. Ele passou uma década no Iraque antes de ser forçado a sair pela máquina terrorista baathista, encontran do refúgio primeiro no Irã e depois nos Estados Unidos. Isso não o torna menos iraquiano ou menos curdo, mesmo que os dois não sejam incompatíveis, mas complementares em seu caso.
Alguns curdos, tentaram um esquema semelhante ao incluir as vogais (Irab em árabe) no alfabeto árabe e, imitando Ataturk, purgando muitas palavras árabes e per sas. O resultado é que sua nova fala parece mais curda, mas é difícil de entender especialmente quando se trata dos tex tos clássicos de sua literatura.
Duas coisas são certas a respeito de qualquer um de nós: nossa humanidade e nossa cidadania. Todo o resto está su jeito a especulações dispersas e complexas definições.
Não há nada mais fácil de inventar do que “tradições” sobre as quais as identida des étnicas são construídas. Para fabricar uma nova iden tidade, Ataturk adotou o alfabeto latino e purgou a língua turca do vocabulário árabe e persa, usando ao invés pala vras em Agora,francês.noentanto, vemos o velho fantasma otomano voltando para se reafirmar.
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H
João K. Miragaya
No primeiro dia após iniciar-se, a Primeira Guerra Mundial já tinha um derrotado: o Império Turco-Otomano. Unificado desde os últimos dias da Idade Média, o extenso e subdesenvolvido império era uma aberração no contexto do imperialismo contemporâneo. A administra ção dos territórios obedecia a uma lógica pré-capitalista, os mecanismos de controle não eram eficientes, a corrupção endêmica e o interesse europeu nos seus protetorados era questão de tempo, sobretudo por conta de suas reservas de petróleo. Controlando boa parte do mundo árabe, os tur
Não há como desprezar o importante papel de Weiz mann perante os britânicos, e a influência de sua reputação política. No entanto, a publicação da Declaração Bal four é um acontecimento bastante significativo para que o associemos somente a uma causa. Há outros diversos fato res que culminaram na publicação deste importante apoio formal, alguns dos quais relativamente esquecidos ou igno rados pelo público, e é deles que trataremos neste artigo.
do nenhuma nação de fato estaria disposta a comprome ter-se apoiando uma corrente que não era unânime nem entre seu próprio povo.
A teoria mais conhecida para a aceitação dos britâni cos em produzir uma declaração simpática às aspirações sionistas é a de que Weizmann teria “trocado” uma desco berta científica sua por tal declaração. A descoberta teria sido a produção da acetona por meio da fermentação bac teriana em grande escala, que poderia transformar-se em bombas que não expeliam fumaça, próprias para o uso em batalhas navais. Weizmann teria pedido para, ao in vés de ser condecorado, que um favor fosse feito ao povo judeu. Tal narrativa é um dos mitos mais conhecidos do Sionismo, pois justifica a sagacidade e altruísmo de um dos seus líderes frente a um ambiente controverso, quan
O contexto
POR TRÁS DECLARAÇÃODA BALFOUR
á 100 anos, era publicado o primeiro documento de apoio de uma grande potência ao movimen to sionista e sua luta para construir um Estado judeu na Palestina. A Declaração Balfour, divul gada em 1917, deu outro patamar ao Sionismo, dando-lhe legitimidade política. Um grande esforço político resultou na publicação do apoio britânico às aspirações sionistas, favorecido por um contexto de guerra e também pelo esforço de campo realizado pelos chalutzim das duas primeiras aliot. Alguns personagens, naturalmente, tive ram papel de destaque nessa luta político-social, como o químico e líder sionista Chaim Weizmann.
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A neutralidade do movimento foi crucial para a continuidade da vida ju daica no Ishuv. Quando Djemal Pashá, comandante turco na Palestina, ameaçou expulsar todos os judeus de origem rus sa do protetorado (ou seja, quase todos os judeus), foram os alemães que inter cederam por sua permanência na região. Se bem que o governo alemão não dese jasse comprometer-se com a causa sio nista, ele não era de forma alguma ad verso ao Sionismo.
As grandes potências, então, brigavam ao mesmo tempo pelo apoio judaico-sio nista, mas sem a intenção de comprome ter-se por receio à reação árabe. Até 1917, parte das moti vações políticas de Alemanha e Reino Unido por conquis tar o apoio sionista se dava em relação à entrada dos EUA na guerra: o ascendente poder político-econômico da co munidade judaica norte-americana poderia decidir para que lado iria o país, potência mundial emergente.
Chaim Weizmann foi o grande articulador da declaração. Não somente pelo capital simbólico desenvolvido a partir de sua descoberta científica como também pelo ambiente gerado entre ele e as lideranças da Inglaterra.


cos buscaram aliar-se rapidamente a um dos lados na guerra com o objetivo de so frer menos danos após o fim do confronto.
A relação do movimento sionista com o Império Turco-Otomano, até o início da guerra, era razoável. A imigração era limitada e os judeus eram cidadãos de se gunda classe, mas não havia uma perse guição institucional. Era permitida aos judeus a compra de terras em determina das circunstâncias, e o desenvolvimento do Ishuv (vida judaica na Palestina pré1948) florescia.
A Primeira Guerra Mundial alterou essa relação. Durante o confronto, o mo vimento sionista não cessou seu diálogo com os países que compunham a Tríplice Entente (Reino Unido, França, Rússia [até 1917] e outros), o que gerou acusações de trai ção por parte dos turcos. Por outro lado, o executivo sionista decidiu em 1914, em uma conferência na cidade de Copenhague, não adotar nenhum lado, mantendo igual mente sua boa relação com países que compunham a Trí plice Aliança e com a Alemanha, onde se situava a sede do movimento sionista, naquele momento.
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A guerra, que havia pego o movimento sionista de surpresa, terminou por ter consequências políticas positivas ao Sionismo.
Chaim Weizmann, à esquerda, e Arthur James Balfour, à direita.
um judeu, se opunha ao Sionismo por crer que o naciona lismo judaico reforçava o mito antissemita do judeu apá trida, e contradizia sua identificação com o nacionalismo britânico. O ministro foi o maior opositor ao Sionismo no governo britânico durante a Primeira Guerra Mundial.
Outro entrave importante para a Declaração Bal four foi protagonizado pelo alto comissionado britânico no Egito, sir McMahon, que tinha outros planos para o Oriente Médio: o representante britânico havia trocado correspondências entre 1915 e 1916 com o Husayn Ibn Ali, xarife (título de nobreza, supostamente de um descen dente de Maomé) de Meca. Nestas cartas, McMahon de monstrava apoio à criação de um grande Estado árabe nas regiões pertencentes ao Império Turco-Otomano. Como consequência desse acordo, eclodiu a Grande Revolta Ára be em 1916 contra o domínio turco-otomano, comandada justamente por Husayn Ibn Ali. A revolta durou até 1918, facilitando a conquista da região por britânicos e franceses e desmembrando o Império Turco-Otomano. McMahon não se opôs ao Sionismo como Montagu, e inclusive ad mitia ver certa compatibilidade entre suas promessas aos árabes e a Declaração Balfour.
A publicação da Declaração Balfour, como qualquer fato histórico, foi resultado de uma série de fatores inseri dos em um contexto que possibilitou seu acontecimento. A disputa política que culminou na grande guerra gerou o contexto no qual alguns personagens puderam exercer pa pel de destaque. Alguns desses nomes são conhecidos pelo público, outros, nem tanto.
Com a entrada dos EUA na guerra, Brandeis conseguiu unir setores da co munidade judaica envolvidos na luta pelos direitos civis dos judeus europeus, iso lando-os dos grupos não sionistas Bund e American Jewish Commitee. Brandeis inseriu na pauta a luta pelos direitos ci vis não só dos judeus da Europa Orien tal, mas também dos que viviam na Pa lestina. Eleito presidente do Comitê Exe cutivo Provisional para Assuntos Sionis tas Gerais, Brandeis teve duas audiências públicas com Arthur Balfour, que, com a
Vinte anos após o Primeiro Congresso Sionista, o Sionismo político, inventado por Theodor Herzl, chegava ao seu maior êxito: conseguia o reconhecimento da maior potência europeia às suas aspirações.
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Chaim Weizmann, sem sombra de dúvidas, foi o gran de articulador da declaração. Não somente pelo capital simbólico desenvolvido a partir de sua descoberta científi ca como também pelo ambiente gerado entre ele e as lide ranças do país. Weizmann sentia-se em casa no Reino Uni do, e considerava o país amigo dos judeus. E compreendia o espectro político muito bem, outro capital simbóli co importante. Weizmann, por exemplo, tinha conheci mento da simpatia de determinadas doutrinas cristãs pro testantes ao Sionismo, e como estas doutrinas exerciam influência na liderança britânica. Tal doutrina tinha adep tos anteriores até mesmo a Theodor Herzl, como William Hechler e o suíço Henry Dunant, fundador da Cruz Ver melha, e um dos 10 participantes não judeus no Primeiro Congresso Sionista na Basileia, em 1897.
Essa visão de redenção bíblica através da realização na cional judaica impulsionou Weizmann a, já em 1915, ini ciar seu lobby com partidários dessa concepção religiosa. C. P. Scott, editor do Manchester Guardian, foi um deles, tal qual o importante ministro da Guerra, Lloyd George (Laqueur: 1988, 150), que transformar-se-ia em primeiro-mi nistro em 1916. Evidentemente, Weizmann (com a ajuda de Herbert Samuel, Secretário de Estado para Assuntos In ternos do Império) não dialogava somente em termos religiosos com os líderes britâ nicos: a George, o Sionismo foi apresen tado como geograficamente estratégico ao império britânico frente ao novo mundo pós-guerra (Laqueur: 1988, 151).
Se bem que o apelo religioso funcio nasse com homens como o general Jan Smuts, com Lloyd George e com Arthur James Balfour, não tinha o mesmo efeito com outros importantes nomes do executivo britânico, como o Ministro das Ar mas Edwin Samuel Montagu. Montagu,
Enquanto no Reino Unido o trabalho rendia frutos, o movimento sionista fazia seu lobby em países como Alemanha e EUA a fim de fortalecer a pressão e fortalecer sua proposta política. A entrada dos EUA na guerra dependia do apoio popular, e a comunidade judaica norte-america na tornava-se cada vez mais significativa. Inicialmente não tão afiliada às ideias sionistas, parte importante da comu nidade judaica norte-americana passou a apoiar as aspira ções sionistas, sobretudo após um brilhante trabalho polí tico executado pelo advogado Louis Brandeis.
Os personagens
Em 1917, o lobby político sionista parecia caminhar no Reino Unido, e a declaração parecia ser questão de tempo. A divulgação do Tratado de Sykes-Picot, no entanto, quase pôs tudo a perder. Percebendo a iminente ruína do Império Turco-Otomano, britânicos, franceses, italianos e rus sos reuniram-se para dividir os territórios conquistados em colônias, protetorados e áreas de influência. Estes acordos secretos batiam de frente tanto com a Declaração Balfour quanto com as Cartas McMahon-Husayn, pois, ao mes mo tempo em que prometiam e demonstravam aprovação a projetos de emancipação nacional, planejavam manter colônias e protetorados nessas mesmas regiões.
“O governo de Sua Majestade encara favoravelmente o es tabelecimento, na Palestina, de um Lar Nacional para o Povo Judeu, e empregará todos os seus esforços no sentido de facili tar a realização desse objetivo, entendendo-se claramente que nada será feito que possa atentar contra os direitos civis e re
O coronel Mark Sykes, um dos idealizadores do acor do, passou a apoiar o Sionismo posteriormente, instruindo a liderança sionista a negociar com o alto executivo britâ nico. Incluiu-se a família Rothschild, de importantes ban queiros judeus nas negociações, e de fato foi ao Barão Lionel Walter Rothschild que a declaração foi endereçada. Re união após reunião, de uma simples declaração de apoio o documento ganhava ares de declaração formal de simpa tia britânica às aspirações do povo judeu em implementar um lar nacional judaico na Palestina. Até que no dia dois de novembro de 1917, nasceu o primeiro reconhecimen to internacional ao Sionismo.

O documento, fruto de uma intensa atividade política, jamais teria sido publicado sem que duas ondas de imigração judaica povoassem a Palestina otomana entre 1881 e 1917, as duas primeiras aliot.
Com o advento da Revolução Russa, Vladimir I. Le nin divulgou os termos do tratado, deixando britânicos e
“Caro Lord Rothschild, “Tenho o grande prazer de endereçar a V. Sa., em nome do governo de Sua Majestade, a seguinte declaração de simpatia quanto às aspirações sionistas, declaração submetida ao gabinete e por ele aprovada:
franceses em situação embaraçosa. Por es sas adversidades, os líderes das potências europeias chegaram a acordos com oligar quias árabes, garantindo a independência de determinadas regiões (como o Iraque), nas quais reinariam monarquias simpáti cas às demandas desses países. Outras re giões passariam a ser protetorados e colô nias britânicas e francesas. As monarquias árabes criadas pelo desmembramento do Império Otomano resistiram até a Guerra Fria, mas não puderam conter o avanço do movimento nacionalista árabe.
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A Declaração
troca de governo britânico, havia assumido o posto de secretário do Foreign Of fice. Na primeira, em abril de 1917, fez saber a posição da comunidade judaica norte-americana em relação ao Sionismo. Na segunda, garantiu que conseguiria o apoio do presidente norte-americano Woodrow Wilson ao que seria a Decla ração Balfour. O advogado também tra balhou em conjunto com segmentos cris tãos norte-americanos favoráveis ao Sio nismo, sendo o principal deles o reveren do William NachumBlackstone.Sokolow(secretário-geral da Organização Sionista Mundial) foi encarregado de conseguir apoio de políticos influentes na França e na Itália. Na Alemanha, o trabalho político era constante, dificultado, porém, pela barreira imposta pelos alemães em negociar qualquer acor do antes do fim da guerra.
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A legitimidade do Sionismo não é apenas fruto de acordos com grandes potências, ou de uma sensibilização mundial perante o ocorrido após a barbárie produzida pe los nazistas. Ela é, igualmente, oriunda de um trabalho ár duo e intenso, levado a cabo por gerações de idealistas, dis postos a construir e serem construídos pela ideia sionista.
“Arthur James Balfour.”
Trinta e cinco anos após a Primeira Aliá (primeira onda de imigração judaico-sionista à Terra de Israel), o Sionismo surtia efeito na prática. Vinte anos após o Primeiro Con gresso Sionista, o Sionismo político, inventado por Theodor Herzl, chegava ao seu maior êxito: conseguia o reco nhecimento da maior potência europeia às suas aspirações. Ao mesmo tempo, a Declaração Balfour esbarrava no cres cente nacionalismo árabe e no imperialismo mundial, am bos com planos conflitantes aos do Sionismo.
“Desde já, declaro-me extremamente grato a V. Sa. pela gentileza de encaminhar esta declaração ao conhecimento da Federação Sionista.
ligiosos das coletividades não judaicas existentes na Palestina, nem contra os direitos e o estatuto político de que gozam os judeus em qualquer outro país.
A Declaração Balfour deu ao movimento sionista as garantias políticas exigidas; por outro lado, marcou a mu dança de uma era na região. O documento, fruto de uma intensa atividade política, jamais teria sido publicado sem que duas ondas de imigração judaica povoassem a Pales tina otomana entre 1881 e 1917, as duas primeiras aliot O esforço dos chalutzim (pioneiros) ao deixarem suas ca sas em direção à Eretz Israel, desértica e pantanosa, aban donada e subdesenvolvida, a fim de estabelecerem as bases para o surgimento do Estado judeu, não é de forma algu ma menos significativo que toda a atividade de barganha política que culminou no reconhecimento de parte dos países europeus ao direito dos judeus de estabelecer um lar nacional na Palestina.
A Declaração Balfour tornou-se pública na imprensa no dia 18 de novembro, competindo com notícias sobre a Revolução Bolchevique. Os meses que se seguiram foram de intenso trabalho do movimento sionista a fim de convencer outras nações a apoiar o documento britânico. Tí midas declarações de apoio italiano e francês vieram dois meses mais tarde. Somente dez meses depois, os EUA declararam um débil apoio ao Sionismo, por meio do par lamentar democrata e rabino reformista Stephen Wise. O novo governo soviético associou a Declaração Balfour a uma intriga imperialista antissoviética, portanto, sem apoiá-la. A Alemanha não se manifestou.
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Walter Laqueur. Historia del Sionismo. La Semana Publicaciones Ltda, 1988, https://www.fozmuseum.com/exhibits/dreamers/dunant/http://www.https://es.wikipedia.org/wiki/Declaraci%C3%B3n_Balfourhttp://phihttp://www.morasha.com.br/historia-de-israel/declaracao-balfour-o-Jerusalén.centenario-de-um-marco.htmllosemitism.blogspot.com.ar/2010/11/henry-dunant-first-christian-zionist.htmljpost.com/Features/In-Thespotlight/The-many-faces-of-Christian-Zionism
Jonathan Schneer, The Balfour Declaration: the origins of the Arab-Israe li conflict. Random House, 2010.

João Koatz Miragaya é historiador e sheliach para a Argentina da tnuat noar Hechalutz Lamerchav.
Bibliografia

D
evarim é a primeira publicação latino-americana a conversar com Chen Ben-Or Tsfoni, única ra bina da única sinagoga reformista de um total de cem em Ra’anana, a cidade com a maior concen tração de brasileiros em Israel – já são 220 famílias – e que segue como destino mais desejado dos cerca de 900 olim que devem deixar o nosso país em 2017, de acordo com a Agência Judaica.
Aos 53 anos, a israelense é conhecida por ser uma mu lher de fibra e de muitos sorrisos. Mãe de três filhos, de 23, 21 e 16 anos, Chen aceitou em janeiro o desafio da sua vida: o púlpito da congregação Beit Samueli, que em muito se assemelha à ARI como principal referência de ju daísmo igualitário e inclusivo em sua cidade. Sempre usan do seu talit, ela conduz as rezas e também atua como cha zanit de voz suave. Parece tirar de letra aqueles que ainda torcem o nariz para uma “rabá”, palavra nova no idioma, já que “rabanit” ou “rebetzin” são os termos em hebraico e em ídiche para referir-se à esposa do rabino.
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Assim como a própria cidade de Ra’anana, a Beit Sa mueli foi fundada por imigrantes norte-americanos. Hoje reúne cerca de 400 famílias afiliadas formal ou informal mente, em grande parte compostas por imigrantes “an glo”, como se identificam por aqui aqueles provenientes
A RABINA DE RA’ANANA, A CIDADE BRASILEIRAMAISDE ISRAELMarcus
M. Gilban

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Filha de iraquianos que fizeram aliá logo após a fundação do Estado de Israel em 1948, a rabina conta da sua co nexão com a América Latina. Cresceu em meio aos argentinos fundadores do kibutz Bahan e teve como um dos seus mentores o icônico rabino americano Marshall Meyer, incansável ativista de direitos humanos que lutou contra a ditadura na Argentina, onde fundou o Seminário Rabínico Latino-Americano. Pouco a pouco, Chen vem conhecendo as famílias brasileiras em Ra’anana, que buscam a Beit Samueli apesar da pequena sinagoga brasileira ortodoxa inaugurada em janeiro, que conta até com um rabino paulista que faz prédicas em por tuguês. Na cerimônia de boas-vindas à rabina, um brasi leiro foi convidado a discursar em nome de todos os olim chadashim da Beit Samueli.
O que significa ser a única rabina na única sinagoga reformista entre quase 100 sinagogas de uma cidade de apenas 80 mil habitantes como Ra’anana?
“Hoje nós somos 107 rabinos reformistas em Israel, sendo 50 mulheres. Em novembro, o HUC comemora a ordenação do centésimo rabinoisraelense.reformistaDos
Uau! Nunca parei para pensar, a pergunta assim é as sustadora. Hoje nós somos 107 rabinos reformistas em Is rael, sendo 50 mulheres. Em novembro, o HUC comemo ra a ordenação do centésimo rabino reformista israelense. Dos 4 graduandos, 2 são mulheres e, 2 homens. Em 2016, foram 3 mulheres e apenas 1 homem. Em 2015, 4 mu lheres. É uma grande mudança. Hoje, são ambas mulhe res a reitora, Naamah Kelman, e a chefe do programa de estudos rabínicos, Talia Avnon-Benveniste. Antes de Rosh Hashaná, a prefeitura organizou um evento com 200 re presentantes de sinagogas da cidade. Uma das nossas fundadoras recebeu o convite, decidiu ir e perguntou se eu gostaria de acompanhá-la. Apesar de não ter sido convida da – nem eu, nem o rabino Dani –, eu disse: por que não? Ao chegarmos, havia só homens. Lá no fundo, vimos uma mesa com quatro mulheres ortodoxas. Nós nos juntamos
Ordenada aos 46 anos pelo Hebrew Union College, principal seminário rabínico do judaísmo reformista mun dial, Chen possui graduações em Serviço Social pela Universidade de Haifa e em Educação Judaica pelo HUC. Trabalhou por 20 anos no projeto HaMidrashá, um cen

tro de renovação da vida judaica cujo objetivo é auxiliar judeus israelenses não or todoxos a refletir sobre questões de iden tidade judaica pessoal e comunitária e fo mentar uma atmosfera espiritual e cultu ral pluralista em Israel. Viveu em Nova York por três anos e, de volta para casa, assumiu com afinco um projeto de levar conteúdo religioso às escolas tradicional mente seculares do país.
de países de língua inglesa. A inauguração da sinagoga em 2002 veio coroar 16 anos de serviços realizados em residências, es paços cedidos ou alugados. Com um in vestimento inicial de 1 milhão de dólares por parte da família Samueli, da Califór nia, o sonho se concretizou num dos pré dios mais imponentes e suntuosos da ci dade, construído inteiramente com a tra dicional pedra branca de Jerusalém.
4 graduandos, 2 são mulheres e 2, homens. É uma grande mudança.”
Os olim que vêm de um ambiente onde há várias op ções são, sim, mais abertos. Na maioria dos casos, nós po demos contar com olim da Europa e das Américas. Mas a maioria dos franceses, que vem de um background ortodo xo, jamais pisaria aqui. Olim dos Estados Unidos sentemse em casa quando podem falar a sua língua. Há algumas sinagogas conservadoras e reformistas onde só se fala in-
Os olim são mais abertos a aceitar uma congregação reformista e igualitária do que os sabras? Você acredi ta que uma sinagoga com maioria de sabras a acolheria da mesma forma?

glês e, por isso, alguns sabras não se encaixam. Israelenses são mais conservadores. Na época da fundação do Estado, os religiosos fizeram exigências e pediram poder a Ben-Gurion, que concordou com todas. Parte da tragédia que vivemos hoje provém dessa atitude política. Quan do os pioneiros concluíram o seu objetivo de estabelecer um Estado secular e este caminhava com as suas próprias pernas, esse buraco espiritual se abriu. O “melting pot” não funcionava mais. “Nós queremos a nossa identida de de volta”, dissemos. “Nós estávamos tomando conta dela para vocês”, alegavam. Eu fui criada num kibutz e eu posso afirmar que os israelenses estão mais acostumados à linguagem reformista – apesar de não ao Movimento Reformista. Todos os chaguim são comemorados linda mente, as celebrações são comunitárias, as crianças com põem músicas nas escolas. Mas ainda existe um medo toda vez que há que realizar cerimônias. Há um senti mento de kmo she tzarich (“como deve ser”). O judaísmo se reinventa há milhares de anos, ou ele teria morri do. Teve que sobreviver às diferentes épocas. Hoje, vive mos em Israel uma das épocas mais paralisadas porque não há pessoas corajosas o suficiente para dizer “vamos mudar”. O judaísmo evoluiu em meio aos outros povos. Era preciso ao mesmo tempo se desenvolver por den tro e reagir ao que o cercava, o que terminava por torná -lo mais integral. A necessidade de reação fez o diálogo mais rico. Você tem que se esforçar, você tem que esco lher ser judeu. Escolher onde morar, em que escola ma tricular os seus filhos, comprar a sua comida. Assim, você
a elas. É um grande desafio, você tem sempre que se esforçar para ser vista e reconhecida. É uma situação bastante peculiar, você não pode apenas ser. É um duplo desafio: ser reformista num ambiente tradicionalista e ser rabina. Ra’anana é um ambiente bastante tradicional. Algumas fa mílias seculares que vêm até nós para o Bar ou Bat Mitz vá de seus filhos insistem que querem um rabino para rea lizar a cerimônia. O rabino Dani realiza cerca de 50 casa mentos por ano, eu, apenas 5. Para algumas pessoas, não é normal ser rabina. Eu suponho que, para ser parte do todo, eu precisaria fazer algo bastante agressivo. Mas eu prefiro apenas sorrir bastante e assim chegar às pessoas. Rabi Aki va começou a estudar aos 40 anos. Ele não reconhecia uma letra sequer. Ele percebeu que uma pedra havia sido mol dada pela água que caía nela, e refletiu: “Se a pedra, que é dura, foi moldada pela água, eu também posso aprender”. É um grande desafio, uma jornada a percorrer.
Quando você decidiu ser rabina? Qual foi a reação da sua família?
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O que significa para você realizar casamentos, divórcios e conversões – os dois últimos são os únicos ritos judai cos onde um rabino é obrigatório – sabendo que nenhum
Meus pais eram judeus tradicionais. Eu nasci em Pe tach Tikva e cresci em Tel Aviv e depois no kibutz Bah an. Sou a mais velha de três irmãs. Quando criança, nos so senso de família era muito intenso. Meu pai tinha cin co irmãos e todos moravam na nossa rua. A casa dos meus avós estava sempre cheia. Já adulta, eu vivia duas vidas pa ralelas: uma como educadora judaica, outra realizando tra balhos sociais. Quando eu passei um tempo como mem bro de uma delegação na congregação B’nai Jeshurun, em Nova York, eu vi que era possível combinar a minha pai xão e amor pela tradição judaica e pelas pessoas. Eu costu mo dizer que foi algo iluminado! Num certo dia, eu sim plesmente soube. Eu ingressei no seminário rabínico aos 40 anos. Minha mãe já tinha falecido. Meu pai tinha mui ta curiosidade e era muito liberal nas suas atitudes. Meu marido era o mais animado, ele adora um desafio. Eu di zia para ele: “não fique tão animado, nossa vida vai mu dar”. A maneira que ele reagiu me deu força. Nós já tínha mos nossos três filhos, que ficaram muito orgulhosos. Eles me convidavam para falar na escola deles. Como eu disse, foi tudo iluminado.
Neste último, no ano passado, eu ainda não havia ini ciado o meu trabalho aqui. É assustador. Há muita raiva envolvida e uma abordagem muito chauvinista. “Uma única verdade” e ela é “minha”, pensam. Eu acho que, de alguma forma, o governo indiretamente apoia esta abor dagem por meio de orçamento público para essas pes soas, por exemplo. Uma vez que os valores judaicos co meçaram a se difundir e o Movimento Reformista a cres cer, ele não podia mais ser ignorado. Judeus liberais não pediram permissão, apenas fizeram, foi quando o outro lado se tornou mais agressivo. Volta e meia, há casos de ultraortodoxos que esfaqueiam, até mataram uma parti
deles é reconhecido pelo Rabinato de Is rael, ortodoxo, que monopoliza a ques tão religiosa no país?
Por um lado, eu me sinto irritada e chateada, principalmente pelo fato de sa ber que, pelo menos por agora, nada vai mudar. É muito poder envolvido. Por outro, esta semana eu vou realizar um casa mento para o qual os noivos me escolhe ram porque eu sou uma rabina reformis ta e eles simplesmente não compactuam com a ortodoxia, é quase que uma forma de protesto. Nesses momentos, nós vemos que não estamos sozinhos. O rabinato é algo que vem se tornando mais relevante para algumas pessoas seculares. E eles não aceitam que alguém que eles não apreciam venha a reali zar o seu casamento. Nós oferecemos casamentos judaicos com significado e com tudo o que é necessário sob a chu pá. Mas, ao mesmo tempo, não fazemos parte do mode lo ortodoxo antigo e opressivo em Israel. Nós não realizamos casamentos inter-religiosos, mas damos todo o nosso apoio a estes casais de outras maneiras. O rabino Dani é quem coordena os processos de conversão, mas eles são ra ros. Sobre patrilinearidade: para os filhos de famílias onde apenas o pai é judeu, e que tenham sido criados dentro de um ambiente judaico pleno, consideramos o curso prepa ratório para Bar e Bat Mitzvá como um processo de con versão antes da sua primeira leitura da Torá.
dá um sabor diferente à vida. Aqui em Israel as coisas são fato consumado, você não tem que se esforçar para guardar o Shabat porque há menos transporte, as lojas fecham, você pode sentir o Shabat no ar. Por outro lado, há uma anomalia na questão da identidade. Fala-se hebrai co, serve-se o Exército, mas quais são os seus valores? No que você acredita? Em alguns movimentos juvenis, são comuns atividades em torno do tema ser israelen se versus ser judeu. Na parashá Lech Le chá, Deus diz a Avraham: “Vá embora da tua terra, da tua pátria e da casa do teu pai”. Yitzchak já recebeu a missão pronta. E Yaacov veio depois. Estamos na ge ração de Yaacov.
Como você avalia as pixações e as mensagens antissemi tas à Beit Samueli, que foram publicamente assumidas por judeus ultraortodoxos?
“O único caminho é o diálogo. Isso vale para a nossa vida como um todo. Conversar, aprender junto, conhecer-se olho no olho. Quando você conhece alguém de verdade, você não consegue odiá-lo. Você pode discordar, mas não odiar.”
Por que muitos israelenses enxergam o judaísmo com tanta indiferença?

O kibutz onde eu cresci foi fundado por imigrantes ar gentinos, nós éramos a única família não argentina, eu até aprendi algumas palavras em espanhol. A minha única ja nela para a América Latina foram os meus dois mentores no seminário rabínico. Ambos eram argentinos. Além dis so, eu tinha grande admiração pelo rabino Marshall Me yer, americano que foi para a Argentina e estabeleceu lá o Seminário Rabínico Latino-Americano. Ele foi um grande ativista dos direitos humanos e tinha personalidade mui to forte. Nos Estados Unidos, ele atuava na congregação onde eu fiz o meu estágio. Eu aprendi muito com eles. In felizmente não conheço o Brasil ainda.
Que mensagem você deixaria aos judeus reformistas brasi leiros, incluindo aqueles que pensam em fazer aliá um dia?
O que você conhece sobre o Judaísmo Reformista no Bra sil e na América Latina?
Muita gente acredita que a religião vai tirar algo delas. Afinal, trata-se de algo muito distante da vida delas hoje. “Por que eu devo me casar com esta pessoa que veste pre to e um dia pode querer se divorciar e me trazer sérios pro blemas?” Há uma percepção similar a um pós-traumático. Nós temos a obrigação de fazer uma transição para a vida moderna. Em paralelo, não podemos fugir da nossa identi dade, ela é a resposta de tudo, ela faz parte de nós, é a nossa raiz. Devemos lutar para torná-la nossa. É um privilégio.
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O único caminho é o diálogo. Isso vale para a nossa vida como um todo. Conversar, aprender junto, conhecer-se olho no olho. Quando você conhece alguém de verdade, você não consegue odiá-lo. Você pode discordar, mas não odiar. Nós somos humanos, nós estamos vivos e todos esta mos comprometidos com a continuidade judaica. A picha ção foi feita por gente que não se importa com a continuidade judaica e acha que nós também não nos importamos. Não precisamos ir aos extremos, podemos encontrar um caminho no meio. Não é fácil. Escutar as dores um do ou tro é o único caminho. Aliás, é o meu caminho. Há outros, como pela esfera política, mas este não é um dom meu.
Como acabar com a intolerância dos ultraortodoxos con tra as correntes liberais?
Uma faca endereçada a Anat Hoffman (líder do movimento das Mulhe res do Muro), ao rabino Gilad Kariv (presidente do movimento Refor mista de Israel) e ao rabino Rick Jacobs (presidente do movimento Re formista da América do Norte) foi deixada na entrada da sinagoga de Ra’anana por vândalos que a picharam.
Marcus M. Gilban é jornalista, carioca, correspondente da agência de notícias Jewish Telegraphic Agency (JTA) há 20 anos. Fez aliá em 2016 e vive com a família em Ra’anana.
A imigração de judeus reformistas é uma das coisas mais difíceis que há. Eu vivi três anos nos Estados Uni dos e sei bem. Israel é um país muito caloroso, nós cuidamos do nosso país. Apesar de toda a situação problemáti ca, há muito que se fazer aqui e nós queremos que vocês venham para cá. Nós temos muito a aprender com vocês. Viver num país diferente e esforçar-se para manter a sua identidade. Aqui a vida pode ser muito boa, nós precisa mos uns dos outros, é uma perspectiva diferente de ser ju deu. Nossa congregação é extremamente receptiva, nós re cebemos a todos muito bem. Queremos ser a comunidade da qual todo mundo quer fazer parte.
cipante de parada gay, e a polícia parece ignorar ou ale ga não encontrar os culpados. É gente louca, mas mes mo gente louca tem a nos ensinar: devemos ser mais to lerantes e aceitar todas as cores.



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inais preocupantes de doença se fazem notar na sociedade israelense de hoje. À sua frente, quem deveria conduzir a ação e o debate para as urgentes tentativas de saneamento, assume, ao invés disso, atitudes absolutamente contrárias à postura de líder responsável que se espera de umCadagovernante.diavêmà tona novos sintomas patológicos, que se manifestam pra ticamente em todos os setores da vida do país. O mais grave é, sem dúvida, a revelação dos interesses corruptos que se infiltraram no processo de compra de submarinos e navios para a Marinha de Israel, e que – alcançando montan tes astronômicos desviados para os bolsos de alguns personagens envolvidos – constitui uma perigosa transformação na tradição de isenção e objetividade que sempre foi associada ao tratamento dado aos assuntos de defesa, e um gol pe fatídico na até hoje unânime confiança que se outorga ao Tsahal – o Exér cito de Defesa de Israel.
DIAGNÓSTICO E PROGNÓSTICO NA SOCIEDADE ISRAELENSE
S
O caso, plenamente comprovado e documentado, foi inflado por círculos da direita radical, que, ainda antes do veredicto final, e encorajada por prema turas e irresponsáveis declarações dos próprios ministros a começar por Neta
Outro episódio em que o prestígio do exército se vê contestado é o do sol dado El-Or Azaria, recentemente condenado por tribunal militar a 18 meses de prisão, pena anunciada após um longo processo que despertou fortes polê micas e emoções. Azaria foi acusado de ter matado a sangue frio na cidade de Hebron um árabe que já fora subjugado após um ataque terrorista que perpe trou, e jazia ferido ao solo, sem mais representar perigo.
Vittorio Corinaldi
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O acontecido no processo
do soldado El-Or Azaria é apenas uma amostra do que já há tempo vem acontecendo com o Poder Judiciário: um ataque contínuo por parte dos círculos de direita, no sentido de limitar a autonomia dos tribunais e condicioná-la à orientação do governo.
zadas ou modificadas por força de pres sões alheias ao conteúdo jurídico. E não há motivos não já avaliados no processo que possam fazer prever redução ou can celamento da pena. Assim, é de se esperar que acalorados debates ainda acompanha rão o caso – formalmente encerrado com a entrada do soldado na prisão. E tam bém o comandante do Exército será víti ma de virulentas acusações de “esquerdista”, características da linguagem fomenta da pelo governo.
Azaria foi representado na Corte militar pelo advoga do Yoram Sheftel, astuto magistrado que se celebrizou pela defesa de réus cuja aparente e provada culpabilidade apre sentava, porém, dúvidas jurídicas difíceis de refutar. O que no passado acabou em absolvição, como a do conhecido caso do criminoso nazista ucraniano Demianjuk.
O acontecido neste processo, porém, é apenas uma amostra do que já há tem po vem acontecendo com o Poder Judi ciário: um ataque contínuo por parte dos círculos de direita, no sentido de limitar a autonomia dos tribunais e condicioná -la à orientação do governo.
niahu, transformou o caso num desafio da “esquerda” àquilo que muitos consi deram o legítimo e patriótico comporta mento do soldado israelense.
Isto é particularmente grave porque, em Israel, não havendo até hoje uma Constituição, é o Supremo Tribunal que funciona como instância constitucional, e nessa veste põe freio à avalanche de leis populistas, antidemocráticas e hostis aos direitos elementares dos cidadãos, que um Parlamento estranho às suas verdadeiras funções e orienta do por interesses menores e politiqueiros vem sistematica mente tentando sancionar.
O atual espírito da sociedade israelense não permite esperar uma volta à contingenteumaProgressista,liberalimportânciachalutsiano.laicadeclaradamentelinhadosanosdoestabelecimentoGanhaavisãodoJudaísmonaqualsadiaconsciênciajudaicaatualizadacomomundodehojeprocuraumainterpretaçãoabertaeinquiridoradasraízes,admitindotambémumnãofanáticodecultoecerimonial.
O conceito de “esquerda” inclui natu ralmente também a própria Justiça Mili tar, que – contrariamente à imagem que o nacionalismo extremista procura criar – se manteve firme e autônoma, não se deixando influenciar pela atmosfera de ruidosa demagogia que acompanhou o processo.Osoldado acusado, agora revestido pela imagem de herói perseguido, parece ser um dos inúmeros jovens manipulados pela propaganda direitista, que sistemati camente vem procurando manchar e des legitimar tudo o que se relaciona com os cidadãos árabes de Israel ou com os pa lestinos dos territórios (“ocupados”, se gundo a opinião da maioria; “libertados” segundo os radicais messiânico-naciona listas). Acredito que seu comportamen to no incidente de Hebron foi instinti vamente instigado por essa atmosfera de violento “patriotismo” patrocinada pelo poder estabelecido, e ele se deixou levar na corrente de um “amor” piegas a que seu público simpatizante e sua emotiva família o arrastaram.
Sheftel se distingue também por um discurso agressi vo e provocativo, que não hesita em ofender e contestar até mesmo pedras básicas do edifício nacional israelense. No caso de Azaria, seu método não surtiu efeito. No en tanto, ele ainda procura conduzir por vários meios a uma solução de anistia, que deveria ser concedida pelo Che fe do Estado-Maior do Exército, o General Gadi Eisen kot. Este personaliza bem a linha objetiva que prestigia as instituições da estrutura do Exército, como o Tribunal Militar, cujas decisões ponderadas não podem ser despre
O diagnóstico negativo do estado da sociedade is raelense se manifesta também em outros casos agora pre sentes na pauta do debate público, que se procura distorcer para desviar a atenção da probabilidade de que o primeiro-ministro (e sua gananciosa, caprichosa e influente esposa, refratária aos princípios de modéstia e de transparência fiscal que se exige de sua posição) venham a ser chamados a processo em virtude de escusos comportamentos no terre no pessoal, familiar ou público. Neste último, é inverossímil a tese que Netaniahu sustenta, de que não estava a par das negociatas que seus emissários e homens de confiança praticaram usando de suborno e distorção de dados, ou ex plorando posições-chave em consórcios vitais para o país.
Netaniahu tem reputação de despejar sobre outros a responsabilidade por erros e desfeitas, assim como credi tar para si sucessos de que não é o autor.
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Menosprezando o fato de que as investigações agora em curso são levadas a cabo pela autoridade policial e pela Procuradoria do Estado por ele próprio indicados, ele faz uso da mesma linguagem incitatória que o caracterizou em outros momentos dramáticos de sua carreira. E antecipan do-se a qualquer decisão judicial que estabeleça o destino das investigações de que é objeto, ele representou no comí cio o papel do “inocente perseguido”, pleiteando demago gicamente o apoio da massa contra nebulosas instituições hostis, que se interpõem em seu “eficiente”, “patriótico”, “dedicado” caminho na defesa do país, que ele desinteres sadamente conduz com gestos de monarca!
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Recentemente fez convocar um grande comício de seu partido, o Likud (organizado nos moldes de campanha eleitoral pelo deputado Bitan, o grosseiro e agressivo chefe da coalisão parlamentar), no qual se lançou com violência contra indefinidos solapadores de seu governo que ele identifica genericamente como “a Esquerda” e “a Imprensa”.
Mas não é pelo aspecto sensacionalista das notícias que resolvi trazer o assunto a estas páginas: a enumeração dos resultados do mau governo de Netaniahu poderia ser alar gada consideravelmente, dentro de um espírito talvez vin gativo, talvez mexeriqueiro, que não cabe num periódico como Devarim
O caminho para isto será certamente árduo e penoso. Ele terá que passar pelo inevitável abandono dos assentamentos judaicos na Cisjordânia: passo impossível de ser dado enquanto o governo for manipulado por interesses
Apesar do justificado orgulho ou do pretensioso ufanis mo com que essa experiência é apresentada à opinião ju daica e mundial, ela ainda é demasiado frágil, demasiado assentada em anseios de valores universais de justiça e humanismo, para ser manipulada e ameaçada por trafican tes; para ser arena de conchavos, instrumento de poder por parte de indivíduos indignos da validade ética do inigua lável movimento. E é preciso que todo judeu de consciên cia, em Israel e na Dispersão, laico ou religioso, reformis ta ou ortodoxo, liberal ou conservador – levante sua voz, materialize seu protesto antes que seja irremediavelmente tarde! Antes que critérios setoriais e interesses particulares de maior ou menor fundamento político, ideológico, cul tural ou teológico; de maior ou menor suposta lógica eco nômica – ponha por terra a inédita criação que a História não mais nos deixará repetir!
O que sim me motiva é a expressão de revolta e profun da preocupação com que assistimos a uma imoral, inescru pulosa e cínica utilização do patrimônio material e espiri tual contido na experiência sionista.
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É hora de pôr fim ao exaustivo conflito já secular, e empregar recursos materiais e intelectuais para encontrar com inteligência e boa-fé a solução sensata a que a maioria do público judaico aspira, e que também o parceiro palestino não se negará a aceitar.
Sua crença cega na trilogia indivisível: Povo de Israel, “Torá” de Israel, Terra de Israel os encaminha para o servi ço militar ativo (negado pelos demais grupos ortodoxos), como um caminho para consolidar a progressiva anexação do território palestino.
assentamento nos territórios, como tam bém à difusão da doutrina religiosa infil trada nas mais diversas modalidades do ensino, desde o infantil até o acadêmico.
O líder do partido (que se considera candidato à ca deira de primeiro-ministro) é também o atual ministro da Educação. Jovem empreendedor proveniente do setor da Indústria high-tech, até pode criar uma ilusão de político moderno, disposto a dialogar com todos os ramos do público judaico e israelense. Atrás disso, porém, se esconde a mesma linha de fanatismo messiânico, aplicada não só ao
Será, então, dentro de uma corrente desta natureza que partidos oponentes à atual situação poderão, embora man tendo a gama de opiniões e fontes diferentes que cultivam, chegar à substituição das forças que hoje estão no poder.
É hora de pôr fim ao exaustivo conflito já secular, e empregar recursos materiais e intelectuais – não para no vos e cada vez mais sofisticados ou absurdos instrumentos de defesa, e sim para encontrar com inteligência e boa-fé a solução sensata a que a maioria do público judaico aspi ra, e que também o parceiro palestino (contrariamente a quanto a retórica de Netaniahu procura fazer crer) não se negará a aceitar.
Vittorio Corinaldi é arquiteto formado pela Faculdade de Arquite tura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-SP), vive em Israel desde 1956. Foi membro do Kibutz Brach Chail e atuou em diversas funções ligadas à arquitetura, planejamento e organização dentro do movimento kibutziano.
Eles vêm ocupando cada vez mais cargos de comando e graus de oficialidade nas fileiras do Exército, empenhan do-se na introdução de um regulamento religioso que –sem negar o prestígio das Unidades Combatentes de Eli te – vem sorrateiramente modificando o caráter aberto e democrático do Tsahal numa direção condizente com cos tumes religiosos ortodoxos obsoletos e discriminatórios.
À diferença dos demais partidos or todoxos (que, mais do que pela santifi cação da Terra Prometida, se preocupam com a manutenção das gordas regalias que, em troca do apoio à coalisão go vernamental, lhes são concedidas para a continuidade de suas instituições e seus guetos anacrônicos) – o Partido Nacio nal-Religioso (rebatizado como “O Lar Judaico”) coloca como ponto principal de sua plataforma a anexação de todo o território da suposta Eretz Israel bíblica. Seus adeptos não se distinguem por ca racterísticas de roupagem que facilmente revelam a iden tidade dos demais judeus ortodoxos, mas sim adotam a vestimenta moderna e algumas atitudes de abertura para costumes atualizados – que, porém, mascaram uma in transigência religiosa tão severa quanto a dos ultraorto doxos. Para fazer justiça, é necessário afirmar que não todos os ortodoxos modernos são nacionalistas-messiâ nicos. Contudo, quase todos os religiosos nacionalistas-messiânicos são ortodoxos.
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setoriais e continuar a ser controlado pela pressão política do partido Nacional-Re ligioso (genericamente identificável pelo uso da “kipá” de crochê).
Acredito que uma das chaves para o almejado saneamento do poder públi co israelense está na neutralização dessas tendências “messiânicas”. O atual es pírito da sociedade israelense não permi te esperar uma volta à linha declaradamente laica dos anos do estabelecimen to chalutsiano. Ganha então importân cia a visão liberal do Judaísmo Progressis ta, na qual uma sadia consciência judai ca atualizada com o mundo de hoje pro cura uma interpretação aberta e inquiri dora das raízes, admitindo também um contingente não fanático de culto e cerimonial.
A realidade contaminada do presente momento terá que terminar, e é preciso que o esforço conjunto do público israelense equilibrado e do judaísmo mundial escla recido restituam o feito sionista à sua única, autêntica e vital vocação pacífica, democrática e humana. Se isto não se der, nenhum argumento nos porá em posição de me recido reconhecimento por parte da comunidade dos po vos. E nenhum artifício de sobrevivência pela espada ga rantirá a continuidade de nosso contestado renascimento.





































OTOTALITARISMO?AOQUESEPODEESPERAR
Ricardo Luiz Sichel
R
RESISTIR
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esistir é indagar qual o verdadeiro limite que se pode exigir de um ser humano. Até que ponto é crível supor que alguém vá colocar seus interesses pessoais em risco, em nome de valores tais como dignidade humana, liberdade de expressão e religião, de opção sexual ou de atu ar politicamente. O ato de resistir pode ser isolado ou coletivo. Um movimen to cívico organizado, a desobediência civil, evidencia o desconforto de todo um segmento da sociedade com o estado de coisas. Não se trata de perpetrar atos violentos, mas sim de demonstrar disposição a se opor a uma ação tida como injusta. Em janeiro de 1923, a França e a Bélgica ocuparam o vale do Ruhr, para garantir o pagamento de reparações de guerra. O governo alemão conclamou pela resistência passiva, o que gerou uma série de greves gerais, causando transtorno aos ocupantes que resultou na desocupação.
O ato de resistir pode ser isolado ou coletivo. Um movimento cívico organizado, a desobediência civil, evidencia o desconforto de todo um segmento da sociedade com o estado de coisas. Não se trata de perpetrar atos violentos, mas sim de demonstrar disposição a se opor a uma ação tida como injusta.
Com o término da Segunda Guerra Mundial, a humanidade não pôde mais ignorar o somatório de fatores macabros que permitiram a uma máquina assas sina aniquilar 6 milhões de judeus, de 2 a 3 milhões de prisioneiros soviéticos (em um total de cerca de 20 milhões de mortos da URSS), 1,8 milhão a 2 mi lhões de poloneses, 220 mil a 1,5 milhão de ciganos, 220 a 250 mil deficientes físicos, 80 a 200 mil maçons, 2 a 5 mil Testemunhas de Jeová, 5 a 15 mil ho mossexuais, além de mais de 100.000 prisioneiros políticos, denominados de grupo com comportamento antissocial.
Muitos agiram de forma silente, buscando permitir a um outro uma chance de vida. Nesse sentido, agiu a aus tríaca Grete Denner. Ela era muito amiga da judia Edith Hahn, também austríaca. Grete Denner foi à polícia e declarou ter perdido toda a sua documentação em um pas seio de barco. Conseguiu um jogo novo de documentos e os entregou para Edith Hahn. Desta forma, Edith Hahn se transformou numa segunda Grete Denner. Como as duas não poderiam morar na mesma cidade, a segunda se muda
para Munique, onde sobrevive à Guerra, casada com o ofi cial nazista Werner Vetter, para quem confessa ser judia. Este não a denuncia, muito ao contrário, a protege duran te o período do conflito.
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Outros agem de forma mais discreta, usam o nome como meio de ajudar a terceiros. Nesse caso temos Albert
Apesar da proximidade dos fatos e da gravidade do ocorrido cabe ainda indagar o que esperar daqueles que não foram atingidos pela barbárie. Testemunhamos atos de destemor, quase suicidas, para salvar a vida alheia. Não se trata de salvar um grupo maior por interesses financei ros, como a ação organizada por Oscar Schindler, mas agir individualmente. Ao tentar salvar uma pessoa, haviam ris cos a serem suportados; colocava-se em risco a vida, a fa mília… será que colocar-se em risco para ajudar um seme lhante é um comportamento esperado? Será que cada um de nós agiria desta maneira? Colocaríamos em risco nossa segurança na defesa de um perseguido? Devemos fazer um exame de nossas atitudes, quanto indivíduos, como tam bém quanto comunidade.
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Outro exemplo é Dietrich Bohnhöffer, que estava nos Estados Unidos da América e retorna para a Alemanha, sendo preso em 1943 e fuzilado em abril de 1945, em Flossenburg. Bohnhöffer não suportou a segurança do exí lio e preferiu lutar observando, antes de sair dos EUA1:
Cometi o erro de ter vindo para a América. Tenho que vi ver este período difícil da nossa história nacional juntamente com os cristãos da Alemanha. Não terei o direito de participar da reconstrução da vida cristã da Alemanha após a Guerra se não participar dos desafios juntamente com meu povo… Cristãos na Alemanha terão a terrível alternativa de ou desejar a derrota de sua nação para que os valores cristãos sobrevivam ou desejar a vitória de sua nação com a consequente destrui ção da civilização. Eu sei qual alternativa tenho que escolher, mas não posso fazer esta escolha em segurança [nos EUA]

Contudo, a maioria preferiu olhar para o outro lado, permanecer silenciosa e ignorar a sorte dos perseguidos. Isso sem falar daqueles que ajudaram ao sistema, alguns movidos por fanatismo ideológico, outros movidos pela vontade de obter vantagens e outros ainda por considera rem arriscado não compactuar com o sistema.

Evidentemente, o ato de resistir à injustiça não se limi tou a esse período. A América Latina teve sua história mar cada por períodos de exceção, nos quais os direitos huma nos não foram respeitados. Será que resistir ao arbítrio e à violação de direitos humanos, se colocando em risco, é uma ação esperada?
A disposição destes líderes religiosos evidenciou a te nacidade da sociedade civil e seu ato foi um marco divi sor na luta pela democracia. Mas, mesmo assim, cabe indagar, podemos ser responsabilizados por nossa omissão? A resposta não me parece fácil, entretanto omissão não se contrapõe à luta suicida; ninguém espera que coloquemos a nossa vida em risco, buscando de forma irresponsável a defesa de um ideal, transformando-nos em novos Dom
Göhring, irmão do ministro Hermann Göhring, que não se filia ao partido nazista e usava o sobrenome para conse guir vistos que libertassem pessoas.
Será que o silêncio é uma conduta inesperada, ou, ao contrário, a mais esperada? Um líder religioso pode, através de sua postura, transformar-se em um exemplo. O Ra bino Henry Sobel, por exemplo, se recusou, em 1975, a enterrar o jornalista Vladimir Herzog como suicida. De pois se comprovou que ele havia sido assassinado nos porões da ditatura. Como noticiou a revista Veja2:
Em 31 de outubro de 1975, o arcebispo emérito de São Paulo, cardeal dom Paulo Evaristo Arns realizou um culto ecumênico em memória do jornalista Vladimir Herzog, na Praça da Sé, região central de São Paulo. O culto, que reuniu 8.000 pessoas, se transformou na maior manifestação públi ca de repúdio à ditadura militar, desde 1964. Ao lado do ar cebispo estavam o rabino Henry Sobel e o reverendo evangé lico Jayme HerzogWright.foipreso pelos militares no dia 25 de outubro da quele ano, nas instalações do DOI-Codi (órgão repressor cria do durante a ditadura militar), onde foi torturado e morto. A versão contada pelos agentes, contudo, era de que ele tinha se suicidado, por enforcamento.
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Em recente artigo, o presidente da Confederação de Ju deus da Alemanha, Josef Schuster, se posicionou no sen tido de que a liberdade de expressão deve ter salvaguar das em relação àqueles que claramente a menosprezam3. A igualdade, segundo Simone Veil, se constitui no “reco nhecimento público, efetivamente expresso em institui ções e maneiras, do princípio de que um grau de atenção igual é devido às necessidades de todos os seres humanos”. Observa-se a atenção para o ser humano como um todo, pois, como ela mesmo acrescenta, a paciência atenta é uma forma de humildade.
Quixote, porém desta vez lutando contra inimigos reais e não imaginários. Ini migos com capacidade para nos destruir, sem que a nossa existência tenha feito a menorPorém,diferença.nãodevemos ser indiferentes, dentro de nosso microuniverso, à injusti ça, à luta do refugiado quando este bus ca um lugar para fugir da morte certa, a nos mostrar indignados quando se gene raliza a responsabilidade de um grupo ét nico, racial ou qualquer outro. A nossa indiferença ou mesmo tolerância a qual quer um destes comportamentos nos tor na perigosamente omissos. Abrir espaços democráticos para quem manifestamente age contra a li berdade e a dignidade humana é permitir que o arbítrio se torne justificável. Não é concebível haver espaços demo cráticos para quem discrimina, seja por racismo, por ho mofobia, por sexismo, por totalitarismo (e, infelizmente, a ONU não é um exemplo para a humanidade). A demo cracia precisa ter suas defesas contra esta forma de ataques.
Como uma luz para o mundo, que anteriormente jamais havia sido vista e com um espírito de vitória único, o espírito humano encontra-se influenciado pelo senso de justiça.
Konrad Adenauer esclarece que o es tado de bem-estar social, baseado na li berdade de mercado (Sozial Marktwirts chaft), busca propiciar dignidade aos menos favorecidos e fomenta o seu aces so aos benefícios da economia de merca do4. Segundo Churchill, a democracia é uma má forma de governo, porém cons titui a melhor existente. Rui Barbosa ob serva que a luta pelos direitos do homem deve ser uma constante. Igualmente, me rece destaque o pensamento de Hannah Arendt, para quem a essência dos direitos humanos é o direito a ter direitos. Com plementando, Nelson Mandela observava que negar direitos humanos às pessoas é questionar a pró pria humanidade delas.
Os sistemas arbitrários não surgem como obra do aca so. Nos países democráticos, eles emergem de crises, da in capacidade da solução de conflitos através dos meios ins titucionais, onde “salvadores da pátria” iludem o eleitora do com soluções mágicas, quase sempre elegendo um gru po como o responsável pela mazela, prometendo o paraí so, quando, na verdade, conduz para a escuridão. Prome te-se a todos os serviços, não se fala nos custos, mas faz-se crer que a falta de serviços adequados decorre de um “cul pado” e não da ineficiência ou corrupção. Trata-se de uma visão contemplada pelo Judaísmo. Citando Samson Ra phael Hirsch, a Revolução Francesa trouxe uma esperança:
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O ponto central pode aparentar ser em como organi zar a resistência. Trata-se de um falso, ou melhor, inade quado questionamento. O início deveria ser como evitar que surja uma situação que leve a resistência a se tornar ne cessária. Não existem fórmulas mágicas, mas certos pres supostos que não podem ou não deveriam ser abdicados, quais sejam: defesa da dignidade e dos direitos humanos, manutenção do Estado Democrático de Direito (onde ele já existe), Estado de bem-estar social, luta para a erradica ção da miséria independentemente da questão da igualda de de resultados; como base para a sustentação de uma so ciedade livre e digna.
Na visão dele, o século XIX proporcionou a necessária liberdade para o desenvolvimento do Judaísmo. Mais re centemente, o Rabino Jonathan Sacks, observou5:
Isto significa que liberdade pessoal e econômica não estão sujeitas a negociação política. São inalienáveis, direitos outor gados por Deus. Tem-se esta referência em John F. Kennedy, quando em seu discurso de posse, referindo-se às crenças revolu cionárias pelas quais os fundadores da América lutaram, espe cialmente quando mencionaram que os direitos do homem não derivam da generosidade do Estado, mas sim da mão de Deus.
A América Latina teve sua história marcada por períodos de exceção, nos quais os direitos humanos não foram respeitados. Será que resistir ao arbítrio e à violação de direitos humanos, se colocando em risco, é uma ação esperada?
Esta busca pela liberdade, pela inexistência de mági cas na sociedade, se evidencia em Charles Chaplin, em o Grande Ditador:
4. wirtschaft(https://www.konrad-adenauer.de/stichworte/wirtschaftspolitik/soziale-markt),acessoem11/08/2017.
Notas
É isso que forma fundamentalismo – um texto sem in terpretação –, um ato de violência contra a tradição.
1. I have made the mistake in coming to America. I must live through this difficult period of our national history with the Christian people of Germany. I will have no right to participate in the reconstruction of Christian life in Germany after the war if I do not share the trials of this time with my people…Christians in Ger many will face the terrible alternative of either willing the defeat of their nation in order that Christian civilization may survive, or willing the victory of their na tion and thereby destroying civilization. I know which of these alternatives I must choose, but I cannot make this choice in security. (Dietrich Bonhoeffer Works, Volume 16: Conspiracy and Imprisonment 1940-1945)
Ricardo Luiz Sichel é mestre e doutor em Direito da Proprieda de Intelectual na Alemanha, professor associado da Unirio e con selheiro da ARI.
3. freiheit-vorbeugen.html(http://www.zentralratdjuden.de/de/article/6095.missbrauch-der-versammlungs),acessoem11/08/2017.
7. To be free, you have to let go of hate. . . . You cannot create a free society based on hate. Resentment, rage, humiliation, a sense of victimhood and injustice, the de sire to restore honour by inflicting injury on your former persecutors—sentiments communicated in our time by an endless stream of videos of beheadings and mass murders—are conditions of a profound lack of freedom. What Moses taught his people was this: you must live with the past, but not in the past. Those who are held captive by anger against their former persecutors are captive still. Those who let their enemies define who they are have not yet achieved liberty (http://www. thepublicdiscourse.com/2017/04/19147/).
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O fundamentalismo, explica Daniel Goldman, citando o Rabino Sacks, decorre de falhas de interpretação, da forma literal como esta é feita:6
Para ser livre, você tem que deixar o ódio ... Você não pode criar uma sociedade livre baseada no ódio. Ressentimento, rai va, humilhação, sensação de vitimização e injustiça, o dese jo de restaurar a honra com vingança para com seus antigos perseguidores – sentimentos comunicados em nosso tempo por um fluxo interminável de vídeos de decapitações e assassina tos em massa – são condições de uma profunda falta de liber dade. O que Moisés ensinou ao seu povo era o seguinte: você deve viver com o passado, mas não no passado. Aqueles que são mantidos em cativeiro pela raiva contra seus antigos perseguidores ainda são cativos. Aqueles que deixam seus inimi gos definir sua identidade, ainda não alcançaram a liberdade.
2. -ato-contra-a-ditadura/(http://veja.abril.com.br/brasil/homenagem-de-dom-paulo-a-herzog-foi-o-maior,acessoem03/07/2017).
Vivenciar a tradição importa na reinterpretação dos tex tos canônicos.
Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucum birão e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao mesmo. E assim, enquanto morrerem homens, a liberdade nuncaSoldados!perecerá.Não vos entregueis a esses brutais... que vos des prezam... que vos escravizam... que arregimentam as vossas vidas... que ditam os vossos atos, as vossas ideias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como gado humano e que vos utilizam como bucha de canhão! Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humani dade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fa zem amar... os que não se fazem amar e os inumanos! Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela li berdade!
Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Sol dados, em nome da democracia, unamo-nos!
Tem-se que buscar a base para a criação de uma socie dade baseada na liberdade, continuando no pensamento do Rabino Sacks7:
5. This means that personal and economic liberty are not open to political nego tiation. They are inalienable, God-given rights. This is what lay behind John F. Kennedy’s reference in his 1961 Presidential Inaugural, to the “revolutionary be liefs for which our forebears fought,” namely “the belief that the rights of man come not from the generosity of the state but from the hand of God.”
Liberty-Israel.pdfbbisacks.org/wp-content/uploads/2015/05/CC-5775-Behar-The-Economics-of-(http://ra)
Evitar, através do voto bem informado, que “salvadores da pátria” tomem o poder, que apontem para certos gru pos como responsáveis pelos problemas nacionais ou glo bais, garantir que a diversidade é a base para a convivência humana, estes são os melhores fatores para garantir uma profícua resistência contra os abusos cometidos pelo arbí trio. Trata-se de uma conduta individual, apoiada por al gumas organizações civis comprometidas com a democra cia, o que inclui as religiosas, na medida em que a omissão e a desinformação hoje poderá ser a tragédia de amanhã.
6. Living traditions constantly reinterpret their canonical texts. That is what makes fundamentalism—text without interpretation—an act of violence against tradi tion (http://www.thepublicdiscourse.com/2017/04/19147/).
Outra convergência entre o Bund e o Sionismo é o socialismo. No pri meiro, o socialismo foi pedra funda mental. O Bund era um partido de es querda, sem a menor ambiguidade a esse respeito. Já o Sionismo não se definia como socialista, mas foi lidera do por suas facções de esquerda por 80 anos redondos – desde 1897 até 1977. Definitivamente, o caminho da reconquista da dignidade judaica tran sitou pela esquerda.
Mas não podemos permitir que a vitória do Sionismo apague das pá ginas judaicas a heroica e gloriosa caminhada do Bund. Principalmente quando se comemora os 120 anos de sua fundação. ü
Os Sionistas sustentavam que se ria impossível obter esta normaliza ção sem o concurso de um Estado Ju daico soberano. Já os Bundistas afir mavam que a normalização seria fruto da igualdade, sem assimilação, entre os cidadãos em seus respectivos paí ses e, portanto, se empenharam em fa zer os judeus participar plenamente da vida cultural e política de seus países (nada mais natural neste contexto do que fundar um partido político). Duas visões divergentes para o mesmo de safio, mas ao mesmo tempo conver gentes em sua oposição a uma tercei ra resposta ao desafio da normalização que pregava a dissolução do judaísmo, ou seja, a assimilação dos judeus den tro das culturas que os rodeavam.
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O Bund obteve vitórias espetacu lares em sua caminhada. Injetou maci ças dosas de orgulho por sua riquís sima cultura aos judeus. Conseguiu mitigar séculos de opressão e gran jeou respeito aos judeus. Foi traço de união entre comunidades e criou sóli dos laços de solidariedade. Contudo, se aceitarmos a controversa assertiva de que o nazismo foi o resultado inevi tável do antissemitismo europeu, a vi são Sionista se provou superior. Pois foi o nazismo que derrotou o Bund e é por conta do nazismo que neste 2017 se fala muito mais das quatro datas redondas do Sionismo do que dos 120 anos do Bund. O nazismo acele rou a conquista do Sionismo ao mes mo tempo em que destruiu fisicamen te toda a liderança do Bundismo eu ropeu (que sobreviveu na América, se bem que hoje com muito pouca força).
• 100 anos da Declaração Balfour (2 de novembro de 2017)
O fator de união entre estes even tos é o Sionismo moderno e sua concretização no Estado de Israel. Contudo, há uma outra data de im portância seminal para o povo ju deu que aconteceu em ano termi nado por 7 que é, injustificadamen te, muitas vezes colocada em segun do plano pelos historiadores: a fun dação em 7 de outubro de 1897, em Vilnius, Lituânia, da gloriosa União Geral dos Trabalhadores Judeus da Lituânia, Polônia e Rússia, ou mais simplesmente “Bund” (União em ídi che). O primeiro, e até agora único, partido político organizado por ju deus e para judeus na Diáspora.
EM POUCAS PALAVRAS
Os anos terminados por 7 abrigam os aniversários redondos de uma série de eventos transformadores do mundo judaico.
120 ANOS DO BUND

premissas e caminhos divergentes. O desafio de trazer o povo judeu para a normalidade junto com as demais na ções e povos do mundo, depois de mais de 18 séculos de vil, criminosa, e muitas vezes violenta, marginalização.
• 50 anos da Guerra dos Seis Dias (5 a 10 de junho de 1967)
• 120 anos do Primeiro Congres so Sionista (29 a 32 de agosto de 1897)
• 70 anos da votação de partilha da Palestina pela ONU (29 de novem bro de 1947)
Sua fundação ocorre no mesmo ano do primeiro Congresso Sionista e isto não é nenhuma coincidência. Por décadas Bundistas e Sionistas dispu taram as almas e as mentes da rua ju daica. Ambos empenhados em res ponder ao mesmo desafio, mas sob
rael, que ela não conhecia, mas cujo jornal tinha aceito um post dela há al guns anos. E o editor sentiu que deve ria fazer alguma coisa. Afinal de con tas, os problemas de Neda na Turquia tinham começado com o post que ela enviou para o seu jornal. David Horo witz contatou todos os conhecidos que poderiam ser de alguma ajuda e ficou surpreso. Ninguém se negou a ajudar. E, assim, ele, que é um gran de crítico do governo Netanyahu, con seguiu que este mesmo governo con cedesse permissão de moradia para Neda Amin em tempo recorde.
“Como um jornalista que é frequen temente crítico do que é feito aqui, que se preocupa sobre o caminho que estamos trilhando, eu me sinto muito orgulhoso do que o Estado de Israel fez hoje” declarou David Horowitz de pois de receber Neda no aeroporto.
“Israel foi criado para servir de refú gio para os perseguidos”, disse Natan Sharanski, o presidente da Agência Judaica, no momento em que Neda começou a frequentar aulas de hebrai co num ulpan em Jerusalém, algumas semanas após sua chegada.
SOB A PROTEÇÃO DA ONU
ela continuou a ser vigiada e percebeu que sua integridade estava em risco. Em 2014 fugiu para a Turquia, onde pediu asilo à ONU. Recebeu o status de exilada política e sossegou. Final mente estava livre para escrever o que bem entendesse e publicar onde quer que a Ledoaceitassem.engano.Seus problemas ape nas mudaram de endereço. Ela come teu o “erro” de enviar uma postagem para o The Times of Israel e a partir daí foi o governo turco que passou a vigiá-la. Ela foi interrogada seis vezes, sob suspeita de trabalhar para o ser viço secreto israelense (como se um bom disfarce para um agente secreto fosse o de enviar postagens para jor nais israelenses). Numa das vezes ela perguntou aos interrogadores se era um crime escrever para um jornal is raelense. Responderam que não era crime, mas que eles (a polícia turca) não gostavam de Israel, que eles não gostavam de judeus e que era para ela parar de escrever, pelo bem dela.
Ela achou que o status de refugia da reconhecida pela ONU garantia sua integridade. Mas estava engana da. Quando recebeu uma carta do Mi nistério do Interior da Turquia dando a ela 30 dias para deixar o país, recor reu à ONU e lá foi informada que eles nada poderiam fazer. Ou achava um outro lugar para morar ou seria depor tada para Teerã (e, consequentemen te, ser presa e torturada).
Para encerrar, consideremos o elo quente silêncio e omissão da ONU sobre o episódio. Que, talvez, pode ser traduzido na seguinte (e hipotéti ca) declaração: “Nossa missão conti nuará sendo de ajudar a todos os re fugiados políticos que denigram o Es tado de Israel. Quanto aos outros, bem, eles que se virem!” ü
Bateu o desespero e ela começou a apelar para tudo e para todos. Inclu sive para o editor do The Times of Is

“Ganhei uma segunda chance na vida. Vivi sem liberdade e igualdade por 32 anos e agora estou descobrin do seu verdadeiro significado e valor. É muito excitante!”, disse Neda, acres centando “estou convencida de que os israelenses amam os iranianos e os iranianos amam os israelenses”. E para os mulás no Irã ela deu o recado: “continuarei a escrever sobre seus cri mes até que o regime caia e eu possa voltar livre ao Irã”.
Contudo, a chegada de Neda não era algo corriqueiro. O que aquela fotografia mostra é o ponto final de uma jornada que, se não fosse por Horowitz e pelo Estado de Israel, te ria terminado numa prisão em Teerã e, muito provavelmente, na execução da Elajornalista.mantinha um blog em Teerã e era crítica do governo. Participou das manifestações contra o regime em 2009 e foi espancada pelas forças de segurança (melhor dizendo, da opres são). Depois protestou pelo assas sinato em massa dos cães da cida de e ficou presa alguns dias por isso. Mas o pior problema foram seus li vros. Dois foram banidos por “iludir a opinião pública” e ela foi obrigada a reescrever um outro, onde relatava a opressão das mulheres por seus pais, irmãos e maridos. A censura a obrigou a retirar todas as críticas, transforman do cinicamente a obra numa história de amor e harmonia. Mas, como nas ditaduras a única liberdade de expres são que existe é a de elogiar a lideran ça, mesmo cedendo à algumas das pressões para moderar suas críticas
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Em 10 de agosto a blogueira irania na Neda Amin chegou ao aeropor to Ben Gurion em Tel Aviv onde foi re cebida pelo editor-chefe do The Times of Israel, David Horowitz. As fotos do aperto de mãos entre os dois não tem nada demais. Em primeiro plano se vê um sorrindo para o outro e ao fundo a habitual cena de familiares e amigos que se encontram, como em todos os aeroportos do mundo.
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EPPUR SI MUOVE

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título oficial (que ainda assim é mui to dignificado). E o caso dela não é único. Mais e mais congregações or todoxas em toda a América do Nor te admitem “líderes comunitários” e “lí deres espirituais” para servir aos ho mens e às mulheres de suas comuni dades. A Yeshiva University e a Yeshi vat Maharat formam anualmente deze nas de mulheres letradas em halachá e nos demais aspectos da vida judai ca para atender a uma demanda cres cente. O novo reitor da YU declarou em entrevista recente: “A questão das mulheres em posição de liderança é, certamente, um tema central nos dias de hoje e é algo no qual estamos mui to envolvidos”.Hádez-vinte anos, quem sonha ria com uma mulher em posição de li derança nas comunidades ortodoxas? Contudo, hoje elas não apenas exis tem, como, em números crescentes e até movimentos mais ao centro da or todoxia norte-americana, promovem ati vamente sua formação.
Da mesma forma, quando se olha desavisadamente para a ortodo xia, se tem a sensação que ela não se move. Que segue tradições mile nares e imutáveis e que tudo que é hoje já foi assim no passado. Con tudo, isto é um engano. Ela também se move, mas para apreciar seu mo vimento é preciso avaliar um período de tempo mais extenso.
Uma pessoa recém-chegada de Is rael contou numa reunião comunitá ria: “Visitei a congregação Shirá Cha dashá, uma sinagoga ortodoxa femi nista em Jerusalém. Tal qual as de mais sinagogas ortodoxas, há uma mechitsá (divisão) entre o setor dos homens e o das mulheres, mas a bimá oferece acesso igualitário a am bos os lados da mechitsá. Mulheres rezam na bimá, são chamadas à Torá e fazem Kidush. Eles não têm rabinos. Tudo é decidido por um ‘comitê ha láchico’ composto por dois homens e duas mulheres. É emocionante ver a ortodoxia abrindo cuidadosamente suas portas à vida religiosa igualitá ria”. Efetivamente, a cada ano surgem mais sinagogas ortodoxas igualitárias, algo impensado há dez anos.
Em 1819, na Alemanha, Eduard Gans, Heinrich Heine, Leopold Zunz, Moses Mozer e Michael Baer fundaram a Verein für Kultur und Wissenscha
Grande parte das meninas ortodo xas da atualidade celebram o Bat Mit sva. Ainda de forma diferente do que seus irmãos do sexo masculino, mas, mesmo assim, o celebram. Cinquenta anos atrás esse contexto praticamente não existia em parte alguma do mundo.
Dentro do Tribunal Galileu assinou uma declaração aceitando a “verda de científica” da Igreja que sustentava ser a Terra o centro do universo, com os corpos celestes girando ao seu re dor. “Com coração sincero e fé infini ta, eu abjuro, maldigo e desminto os meus erros e heresias”, se lê em sua declaração oficial. Mas, ao sair do tri bunal, não se conteve e sussurrou a célebreClarofrase.queo movimento da Terra em torno do sol não é intuitivo. Quando se olha para o alto o que se vê é o sol se movendo. Mas isto é apenas uma impressão causada pela lentidão do movimento astronômicos e pela gran de distância entre os corpos.
Em setembro passado a sinago ga ortodoxa de Prospect Heigths, no Brooklin, admitiu Michal Kohane como “Rosh Kehilá” (líder comunitária) para servir à comunidade ao lado do rabino sênior Ysoscher Katz. Ela será uma ra bina em todos os sentidos, menos no
Conta a história que em 1633, ao deixar o prédio do Tribunal da Inquisição em Roma, onde salvou a vida ao abjurar suas teorias astro nômicas, Galileu Galilei teria olhado para o sol e sussurrado para si mes mo “eppur si muove” (no entanto, ele [o sol] se move).
ft der Juden (Sociedade para a Cultu ra e Ciência Judaica), uma instituição dedicada ao estudo científico da cul tura judaica. A Wissenschaft der Ju den se tornou o ponto central ao redor do qual o Movimento Reformista se de senvolveu. Os setores mais retrógra dos do mundo judaico se indignaram: “O judaísmo só pode ser estudado do ponto de vista religioso”, exclamaram, “a análise histórica e literária do Tanach e demais fontes é uma aberração he rética!” Contudo hoje, quase 200 anos depois, vemos uma profusão de inte ressantíssimas obras de autores orto doxos que estudam o Talmud a partir das posições políticas e das circuns tâncias históricas das vidas de seus personagens. O rabino Biniamin Lau é um dos expoentes deste movimen to, com livros muito populares sobre os sábios do Talmud. O que o rabino Lau e seus colegas fazem não é nada di ferente do que fizeram os precursores do movimento Reformista.
Então, é inegável que também po demos dizer “eppur si muove” para a ortodoxia. O que, para os judeus re formistas, é algo que dá muito pra zer. Não por que isto justifique sua for ma de vivenciar o judaísmo, visto que esta não depende de terceiros, mas sim pela riqueza que o pluralismo e a diversidade emprestam à cultura. Re ligiões que não se transformam, que não evoluem, estão destinadas a de saparecer e ninguém quer isto para a ortodoxia judaica. ü
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UMA ESTRANHA PROXIMIDADE
“O National Holocaust Monument relembra os milhões de homens, mu lheres e crianças assassinados du

rante o Holocausto e honra os so breviventes que conseguiram chegar ao Canadá depois de um dos mais sombrios capítulos da história. Este monumento reconhece a contribui ção destes sobreviventes ao Canadá e serve como um sinal de recorda ção para que nos mantenhamos vigi lantes contra o ódio, a intolerância e a discriminação.”Exatamenteoito meses antes, no dia internacional de lembrança do Ho locausto, a Casa Branca divulgou o seguinte comunicado do presidente Donald Trump:
Talvez esta omissão não seja fruto nem de desinformação nem de má fé. Talvez ela tenha sido motivada pela vi são de que o Holocausto não é a úni ca tragédia a ter acometido a humani dade e que a mensagem fica mais po derosa quando não particularizada.
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vezes as posições políticas das duas grandes democracias do norte da América estiveram tão afastadas uma da outra. Os governos de Donald Trump e de Justin Trudeau divergem na questão da imigração, na questão climática, no grau de interven ção estatal no fornecimento de servi ços de saúde e educação e em mais tantos outros temas sensíveis.
Contudo, estes dois opostos co meteram exatamente o mesmo lapso.
Poucas
“É com o coração pesado e a mente sombria que recordamos e honramos as vítimas, os sobreviven tes, os heróis do Holocausto. É im possível apreender completamente a depravação e o horror infligidos a pessoas inocentes pelo terror nazis
ta. No entanto, sabemos que nas ho ras mais sombrias da humanidade, a luz brilha com mais intensidade. No mesmo momento em que nos lem bramos dos que morreram, estamos profundamente gratos aos que arris caram suas vidas para salvar os ino centes. Em nome dos que morreram, eu prometo fazer tudo em meu poder durante toda minha Presidência, e minha vida, para garantir que as for ças do mal nunca mais derrotem os poderes do bem. Juntos, faremos o amor e a tolerância prevalecerem em todo o Estesmundo.”textos passam a impres são que a Shoá (o Holocausto) viti mou pessoas não relacionadas entre si que tiveram o azar de estar juntas no lugar errado e na hora errada. Tal qual as vítimas de um terremoto ou de um desastre de ônibus. Nenhum dos dois comunicados informa que a Shoá foi perpetrada contra os judeus pelo fato de serem judeus e por ne nhum outro motivo.
Em 27 de setembro o governo ca nadense inaugurou o “National Holo caust Monument” (Monumento Nacio nal do Holocausto) na capital Ottawa. A placa comemorativa da inaugura ção, assinada por Justin Trudeau, exi bia os seguintes dizeres:
Mas isto é um erro. É verdade que outros povos sofreram perseguição e extermínio. Ou seja, os judeus não são as únicas vítimas de atrocidades. Con tudo, “desjudaizar” a Shoá, num even to ou monumento em que ela está em foco, dilui a particularidade das víti mas, oculta os motivos pelos quais ela aconteceu e, portanto, diminui a pos sibilidade de que a humanidade esteja alerta para evitar sua repetição.
E, mais que tudo, é perturbador ve rificar que dois governos afastados em tanta coisa encontrem seu ponto de interseção justamente na generali zação dos crimes cometidos contra os judeus. ü
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Rabi Mendel Epstein tem certeza de estar agindo da melhor forma possível. E ele tem bons motivos para pensar assim. Este rabino ortodoxo de New Jersey dedica sua vida a con fortar pessoas que ele não conhece e que estão vivendo um pesadelo inso lúvel, não fosse pelo seu empenho.
E a solução funciona. O marido vi lão que deixou a esposa desespera da é punido. A esposa está solteira de novo e pode retomar a vida. Ficou, aos olhos dele, tudo bem. Mas há um “pequeno” problema.
A leitura estrita da halachá (lei reli giosa judaica) determina que a espo sa não tem papel algum no divórcio. Apenas a vontade do marido con ta e se ele não quiser assinar os pa péis, o casamento continua válido. Isto, evidentemente, impede a moça a ter outros relacionamentos sem in correr em adultério, o que é clara mente inaceitável para pessoas com princípios. Então o destino dela é de “ficar para titia” num ambiente social onde isto não é bem visto. A negati va do divórcio pelo marido equivale a uma condenação de eterna angús tia e tristeza.
ENTRE DOIS AMORES
E a solução que ele dá é radical e eficaz. Primeiramente ele usa deteti
Conclui-se, então, que para a hala chá continuar a ter validade ela preci sa ser modificada. O tribunal rabínico deve ter poderes para decretar o di vórcio religioso sempre que os moti vos forem bem fundamentados. É ne cessário que os que agem por amor à halachá entendam que ela só vai con tinuar a ser amada se conseguir res ponder às circunstâncias do entorno onde vivem os judeus. ü


ves para identificar o destino dos fu jões. Depois ele os atrai para uma conversa com subterfúgios tais como propostas de emprego e outras ofer tas. Daí, quando o marido está em sua frente, ele aciona uma turma de corpu lentos ajudantes que agarram, amar ram e espancam o fugitivo por horas, até que ele concorde em assinar o do cumento do divórcio. Ou seja, a solu ção dele envolve torturar fisicamente os maridos fugitivos.
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Mas ele não é um criminoso co mum. Seus crimes não foram cometi dos para enriquecimento ou para sa tisfação pessoal. Seus crimes foram cometidos em nome de dois amo res. O primeiro é a louvável compai xão dele para com o destino das mo
A halachá também estipula que a esposa pode recorrer a um tribunal ra bínico. E muitas fazem isso. Porém, tudo o que tribunal rabínico pode fa zer é decretar publicamente que o ma rido é uma pessoa pérfida, o que dei xa sem condição de conviver dentro de sua comunidade. Mas se o marido fugir dali, não há mais nada a fazer.
Ele trabalha numa organização que ampara moças ortodoxas que não apenas tiveram o casamento destruí do, como também não têm nenhuma chance de recompor suas vidas, pois os maridos se recusam a lhes conce der o divórcio.
A ação de Rabi Epstein faz dele um criminoso aos olhos da legislação de qualquer país democrático. E é por isto que, depois de ter sido atraído para uma cilada, ele foi preso pelo FBI e condenado a dez anos de prisão.
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Entra em jogo, então, Rabi Epstein e sua sincera compaixão. Ele pode ria simplesmente dizer “isto não é meu problema”. Mas ele se incomoda com o sofrimento dos outros, mesmo quan do estes outros são desconhecidos, e arregaça as mangas na tentativa de achar uma solução.
ças abandonadas. O segundo é um amor cego e insensato pela halachá. O medo de que qualquer mudança na halachá possa fazer ruir o mundo orto doxo no qual ele vive o faz agir de for maEcriminosa.nistoRabi Epstein está comple tamente equivocado. Pois está claro que a halachá funcionava quando os judeus viviam em comunidades isola das e a possibilidade de saída delas era mínima. Neste entorno a pressão social faz efeito e a declaração de per fídia do marido resolvia a maior parte dos casos. Mas hoje isso não é mais assim. Qualquer um pode abandonar a comunidade, basta sair andando. Isto esvazia completamente a força da pressão social e torna ineficazes as declarações do tribunal rabínico.
Contudo, em 1933, este mesmo ar guto jornalista descreveu para os lei tores do NYT a “brincadeira juvenil” de colocar uma bandeira com uma suástica no alto de uma sinagoga e não viu mal algum na queima de li vros por toda a Alemanha. Até 1936 ele continuava não percebendo “evi dência de preconceito religioso políti co ou racial” no nazismo. E ele não foi o único a ignorar o racismo do regime nazista. Em 1933 um repórter do The Christian Science Monitor comparou os camisas marrons a “membros de algum tipo de organização estudantil” e coroou sua peça com a observação que “essas histórias angustiantes de judeus perdendo seus empregos di ziam respeito a apenas uma pequena parcela dessa comunidade. O gover no nazista não molesta os judeus”.
Provavelmente estes enganos são fruto da falta de habilidade dos jorna listas, pois é sempre mais fácil anali sar o passado do que avaliar o pre
tório de Pyongyang não era compos to por repórteres e sim por funcioná rios do governo norte-coreano, pa gos pela AP mas subordinados ao re gime. Assim a AP vende imagens de propaganda, como aquelas adoráveis reuniões coreografadas, enquanto evitava cuidadosamente temas como fome em massa e campos de prisão.
O jornalista Matti Fridman, corres pondente da AP em Jerusalém entre 2006 e 2011, relata que no conflito de 2008 o repórter palestino local em Gaza informou ao escritório em Jeru salém que combatentes do Hamas es tavam vestidos de civis e eram consi derados como civis na contagem do número de mortos – um detalhe cru cial. Poucas horas depois, ele voltou a telefonar pedindo que esse “detalhe” fosse suprimido de sua matéria, coi sa que Fridman fez pessoalmente. Al guém havia falado com ele que aquela informação colocava sua vida em ris co. A partir daquele momento, relata Fridman, a cobertura da AP de Gaza se tornou uma colaboração silencio sa com o Hamas. “Passamos a ne gociar a verdade em troca de aces so e fornecemos uma ilusão de ‘co bertura’ que era realmente propagan da. Um tipo bem efetivo de propagan da porque era rotulada como ’jornalis mo’. Se você mostra imagens reais de uma casa destruída por um ataque is raelense, mas omite os soldados do Hamas lançando foguetes do quin tal daquela casa, seu relatório é uma mentira”, escreve Fridman em artigo publicado neste ano.
USE COM CUIDADO!
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Tudo isso – sem falar nas reporta gens e análises ideologizadas feitas por jornalistas que transformam sua profissão na missão de impor sua in dividual visão política ao mundo – su gere que a indústria do noticiário deva ter seus produtos sujeitos ao mesmo regime que regula os cigarros e a be bida alcoólica: “Use com moderação e por sua conta e risco!” ü
Frederick Birchall (1871-1955), jor nalista nascido na Inglaterra, co laborou com o New York Times du rante muitos anos. Em 1932 ele alçou a chefia do serviço europeu do NYT, onde ficou até 1941, tendo, desta for ma coberto in loco a ascensão nazista na SuaAlemanha.cobertura do nazismo lhe gran jeou o Prêmio Pulitzer em 1934. Na quele ano, ele noticiou sobre um ple biscito vencido pelos nazistas com as seguintes palavras: “O endosso [do plebiscito] dá ao chanceler Hitler, que há quatro anos nem cidadão alemão era, poderes ditatoriais sem igual em nenhum outro país, e provavelmente sem igual na história desde os dias de Gengis
sente. Contudo, às vezes existe má fé. Um artigo publicado no ano pas sado pela historiadora alemã Har riet Scharnberg relatou que a partir da metade dos anos 1930 a Asso ciated Press se comprometeu com o governo nazista em só divulgar fotos favoráveis, em troca de manter aber to o seu lucrativo escritório fotográfi co alemão. Harriet relata que no pe ríodo nazista a AP vendia imagens alemãs nos Estados Unidos e vendia imagens dos Estados Unidos na Ale manha, permitindo que fotografias de judeus americanos e outros fossem usadas em algumas das mais vis propagandas raciais produzidas pe los nazistas. A AP foi, por exemplo, o principal fornecedor de imagens para um livro de propaganda chama do Os judeus nos EUA. As fotos da AP sobre o avanço alemão na Polô nia e na Rússia não focavam no as sassinato organizado de dezenas de milhares de judeus e outros pelo Ein satzgruppen. As fotos dos prisionei ros soviéticos retratavam espécimes humanos feios. E assim por diante. O artigo de Harriet é demolidor con tra a reputação da AP.
O conluio entre a imprensa e os governos totalitários ainda é uma rea lidade. É impossível manter presença em países como Irã, Arábia Saudita ou Coréia do Norte sem se compro meter com os regimes locais. A jus tificativa dada pelas empresas jorna lísticas é que sem estes acordos não haveria cobertura alguma de lá. Po rém, em muitos casos o resultado é pior do que nenhuma cobertura, pois é algo que se parece com a cober tura, quando na realidade é desinfor mação, dando às pessoas a ilusão de que eles sabem o que está aconte cendo em vez de dizer-lhes que estão recebendo informações que tentam enganá-los. Um bom exemplo disso vem de novo da AP: até que a trama fosse revelada em 2014, seu escri
PoucosKhan.”em 1934 denunciavam o nazismo. Churchill era ridiculariza do pelos ingleses e ninguém enxerga va a semelhança entre Hitler e Gengis Khan, que se provou lamentavelmente acurada mais tarde.
As Obras de Isidoro de Sevilha e a Questão Judaica está escrito num estilo leve e agradável, sem, contudo, deixar de abrigar o rigor acadêmico, contando com copiosas notas. Santo Isidoro (canonizado em 1598), Bispo de Sevilha, foi um dedicado educador, autor profícuo e teólogo católico. Ele é frequentemente indicado como o “patrono da internet”, por ter reunido em sua obra nada menos que 154 diferentes fontes do passado clássico e dos primórdios do cristianismo. Numa época pré-Google isto é uma enormidade!
O livro se divide em quatro partes. A primeira descreve a produção histórica a respeito do tema. Já na segunda, Feldman situa com precisão o momento político vivido por Isidoro, que é o da consolidação do domínio Visigodo na Península Ibérica, iniciado no século sexto, na onda da derrocada do Império Romano. A conquista visigoda criou duas categorias principais de população cristã: de um lado os romanos e de outro, a nova nobreza visigoda conquistadora. Estes dois segmentos se dividiam tanto pelos códigos legais aplicados a eles como pela adesão a duas variantes de cristianismo. Além destas tensões ainda havia a questão da transformação dos visigodos de tribos nômades para ocupantes sedentários e a construção de uma realeza hereditária.Osvisigodos praticavam a variante cristã denominada “ariana”, enquanto que os romanos eram católicos. Gradativamente os reis visigodos tentam consolidar seu domínio, uniformizando o povo. E é para responder a este desejo real de impor a uniformidade que entra em cena Isidoro, pacificando as seitas cristãs e unindo todos os cristãos sob
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Livro de Sergio Alberto Feldman
leitor de Devarim que se interessou pelo texto Adversus Iudaeos, de Saul Kirschbaum, a respeito de Isidoro de Sevilha (publicado em Devarim em abril de 2013) ganhou uma nova chance de ampliar sua visão sobre este tema com o lançamento, pela Editora Prismas, de um livro sobre o mesmo personagem, escrito por Sergio Alberto Feldman, professor no Departamento de História da Ufes de Vitória.
As Obras de Isidoro de Sevilha
A nobreza e o clero tentam eliminar essa diferença, convertendo os judeus, assediando-os com métodos cada vez menos sutis, dentre os quais o completo afastamento dos cristãos e o empobrecimento da minoria judaica. Conforme se lê na página 105: “A quantidade de cânones e leis reais relacionados com os judeus, editadas entre 589 e 711, é muitas
RESENHAS LIVROS
e a Questão Judaica
O
o catolicismo. Uma vez os cristãos unificados, salta ao primeiro plano a diferença judaica.
m Contra o Fanatismo, Amos Oz escreve: “Acho que inventei o remédio para o fanatismo. Senso de humor é uma grande cura. Nunca vi na minha vida um fanático com senso de humor, nem vi uma pessoa com senso de humor tornar-se fanática”. O senso de humor, efetivamente, inclui a capacidade de não se tomar completamente a sério, de colocar uma pitada de dúvida em tudo o que você acredita firmemente.
a loucura. O livro está magistralmente estruturado a partir das biografias de oito personagens judeus, entremeadas por curtos ensaios sobre mitos atribuídos a judeus e, finalmente, por um narrador que intervém no começo e no final do livro comentando a reação do escritor à medida que avança em sua obra.
Devarim em abril de 2011, com um texto a respeito das referências judaicas no filme Bastardos Inglórios), escreveu Meshugá, um romance sobre
A relevância do estudo da obra de Isidoro de Sevilha para os nossos dias é o processo inerente às ditaduras de construção de um inimigo externo para fortalecer a coesão interna do grupo. Para impor uma dinastia hereditária absolutista foi necessário criar um inimigo
A busca da igualdade, o objetivo da vida de Isidoro, parece ser um objetivo nobre. Mas é preciso qualificar qual igualdade é efetivamente nobre: a de direitos e deveres, tal qual as democracias modernas ou a do achatamento forçado de todos os indivíduos num único molde formatado conforme os interesses dos poderosos de turno. O livro de Sérgio Feldman, com sua precisa e muito agradável leitura sobre a Espanha Visigoda, mostra a inevitável opressão gerada pela tentativa de eliminação das diferenças individuais.
demoníaco e ameaçador, sendo os judeus escolhidos para esse papel. Enquanto o Império Romano cultivava o multiculturalismo, o judaísmo não era contestado, mesmo tendo os judeus se revoltado com uso de violência por duas vezes. Contudo, no momento em que a entidade política tenta se impor de forma absolutista aparece a necessidade de construir pela força uma uniformização do pensamento.
Meshugá
Livro de Jacques Fux
A loucura compartilha com o senso de humor esta mesma capacidade de repudiar o fanatismo. Ao não aceitar experimentar o mundo da mesma forma como os demais parecem estar experimentando, ao se perceber irremediavelmente atraído por algo que mais ninguém percebe, as certezas deComparadadoutorJacquesdesaparecem.Fux,judeu,mineiro,epós-doutoremLiteratura(etambémcolaborador
O terceiro capítulo é dedicado à análise de cada um dos livros da extensa obra de Isidoro, com um foco especial no Fide Catholica ex veteri et novo testamento contra iudaeus, onde o judaísmo é analisado e demonizado. Contudo, Isidoro não entendia hebraico e não conhecia o
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E
Começa o narrador: “Ele imaginava que escrever este livro seria divertido. Pensava que todos os mitos, as crenças e as falácias atribuídos ao louco judeu – meshugá – poderiam ser discutidos ludicamente. Vislumbrava demolir estes absurdos argumentos,
O papel de Isidoro nesse processo é o de prover um arcabouço teológico que justifique a opressão. Não é descabido considerar que ele é o principal expoente na fundamentação do antissemitismo religioso, que impregnou a Igreja Católica até o Concílio Vaticano II.
vezes superior àquelas direcionadas para coibir as heresias e o paganismo. Isso comprova a importância conferida aos judeus desde então”.
Talmud. Então a sua análise é cheia de suposições muito duvidosas, como a que encontramos na página 225: “Utiliza-se de um trecho da lei que fala de dois tipos de chuva – uma antecipada e outra posterior, comparando-as à doutrina dos dois testamentos”. Ou seja, uma referência agrária relevante aos hebreus do tempo bíblico é distorcida para justificar a substituição dos judeus pelos cristãos como “povo eleito”. E assim, o shabat, a kasherut, a circuncisão e tantos outros fundamentos judaicos são desvalorizados. Não faltando nessa lista as pesadas alegações da culpa judaica pela morte de Jesus. O último capítulo do livro analisa a visão isidoriana da história e do papel do monarca cristão e de sua missão.
Parte dos judeus emigra, parte sucumbe e se converte e parte resiste: empobrece, se isola, mas se mantém judia. Os judeus jamais desaparecem, o que faz Isidoro publicar mais e mais acusações contra a prática, as crenças e a reputação dos judeus, numa espiral que só termina junto com sua vida.
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O sétimo da lista é o genial enxadrista Bobby Fischer, ganhador do campeonato mundial de xadrez de 1972, colocando a bandeira dos EUA no meio de uma impressionante série de 26 vitórias russas, que seriam consecutivas, não fosse por Fischer. Contudo, seu triunfo vira sua perdição e acaba a vida vituperando contra os EUA e contra os judeus. O último meshugá é o mais remoto no tempo da lista. Trata-se de Sabbatai Zevi (1626-1676), o tristemente famoso falso Messias que arrebatou as esperanças judias de redenção para
destroçá-las num único dia ao ser confrontado pelo grão-vizir Turco.
Oito personagens impressionantes, que não compartilham, de forma alguma, da mesma visão ou compreensão sobre os judeus e o judaísmo, mas que pintam um quadro fundamentalmente judaico. Pois o judaísmo é a cultura da dúvida, da instabilidade e da percepção das próprias fraquezas. A Torá é única também por não esconder as falhas das figuras que reverencia. Com isto ela coloca o judaísmo em total contraste com o culto a heróis sem mácula e aos personagens fundadores das diversas culturas que são, via de regra, tidos como isentos de qualquer tipo de falha e centralizadores de todas as virtudes.Jacques
desafio da matemática moderna), o que lhe granjeia a medalha Fileds (o maior prêmio da matemática), mas que se sente incapaz de enfrentar a fama, recusa a medalha e se retira do mundo indo viver com a mãe. Em seguida, Fux nos apresenta o personagem mais inesperado da série – Daniel Burros – um judeu norte-americano que se tornou, nada mais nada menos, do que um dos maiores ideólogos da Ku Klux Klan, grupo racista e virulentamente antissemita.
resenhas de livros

Grisha (Grigori) Perelman, matemático russo contemporâneo que conseguiu resolver a conjectura da geometrização e Thurston (o maior

credos e teses através da ironia. Esperava que toda a questão da loucura fosse uma mera brincadeira, mas se enganou redondamenteEfetivamente,”. o quadro que o narrador pinta do escritor ao final do livro é perturbador: “Ao vasculhar a alma e a mente destes atormentados personagens, se confronta com a própria vida e com a loucura”. e “Nessa viagem ao inferno ele não consegue encontrar o personagem divertido e irônico que fez de si”. Escrever sobre a loucura não foi uma tarefa divertida, muito ao contrário.Ocaminho entre a divertida expectativa inicial e a angústia ao final da obra é pavimentado pela descrição da loucura de oito personagens, alguns muito conhecidos, alguns com ocupações completamente divergentes do main stream judaico, mas todos fascinantes.Fuxcomeça com Sarah Kofman (1934-1994), uma aclamada filósofa francesa, com mais de 20 livros publicados, onde analisa Freud, Nietzsche, o papel das mulheres e outros temas. Sarah se suicida aos 60 anos, após escrever um livro sobre a sua atormentada vida de sobrevivente da Shoá. Em seguida vem Woody Allen e seu assombroso caso de amor pedófilo com a enteada adolescente, filha adotiva de sua esposa Mia Farrow. O livro prossegue com Ron Jeremy, um improvável amante das artes, que se tornou o principal ator da indústria pornográfica dos Estados Unidos. O quarto da lista é Otto Weininger (1880-1903) filósofo austríaco e homossexual que se suicida aos 23 anos de idade, por ser incapaz de achar um lugar para si no mundo.
Fux, este imensamente talentoso escritor judeu e brasileiro, nos coloca frente a frente com as diversas variantes da doença que acomete a quem não consegue conviver com as próprias fraquezas. A leitura de Meshugá é perturbadora, mas necessária.
O esquerdismo, como um socialismo cuja prioridade hoje não é um projeto hu manista e sim uma luta centrada em confli tos políticos de poder, está sujeito a suas próprias doenças. Mais de 170 anos após o Manifesto Comunista, exatos 100 anos após a Revolução Russa, não se pode dizer que sejam doenças infantis. E meu objetivo aqui não é analisar as esquerdas contem porâneas, mas especular sobre um aspec to que, em minha visão, tem todos os sinto mas de uma doença, uma doença adulta do esquerdismo, a do anti-israelismo.
Lênin identificou uma doença infantil do comunismo, que ele, em 1920, chamou de esquerdismo. O esquerdismo hoje não é uma doença, é o status quo dos que se con sideram herdeiros do projeto socialista, que no aspecto institucional perdeu quase toda a relevância, embora ideologicamente ain da se apresente como alternativa para mui tos, num mundo tão fragmentado, dolorido, radicalizado e ainda radicalizante.
Há quem aponte, simplificando, causas de natureza política internacional. Israel não se filiou, ao nascer, ao bloco soviético, ape sar do apoio da URSS e seus aliados à sua independência. Havia milhões de judeus no mundo ‘Ocidental’, e isso naturalmente pe sou para uma neutralidade oficial de Israel, mas com uma identificação cultural com os valores do Ocidente, e os Estados Unidos. Numa época de Guerra Fria, isso acabou sendo imperdoável. Porém, ao contrário das oposições políticas a governos e regimes que caracterizam as posições da esquerda em outros casos, a oposição a Israel apro fundou-se para se tornar, hoje, sistêmica, estrutural, conceitual, incondicional.
Porque o anti-israelismo da esquerda não tem lógica, não tem ideologia, não tem explicação. É uma doença. Não infantil, e, sim, senil, alzheimeriana, demente, esquizo frênica. Só enxerga o que sua venda ideo lógica lhe impõe como realidade. E muitas vezes a causa mais provável dentro desse quadro, a mais compatível com esse tipo de sintoma, é o velho e sempre disponível antissemitismo.
cócegas no raciocínio
UMA DOENÇA ADULTA DO ESQUERDISMO: O ANTI-ISRAELISMOPaulo Geiger
Israel é amigo e aliado dos Estados Uni dos, e isso justifica, para esquerda, a opo sição ao atual governo de Israel, e a má vontade com a sociedade israelense, que tem elegido esse governo e parece se fir mar numa posição ideológica de direita. Só que a esquerda não é contra somente o go
os quais até compactua? Como explicar? Como explicar a identificação das es querdas, ainda na época da URSS e do blo co soviético, com estados reacionários em sua essência, ou teocráticos, ou ditatoriais, como o Egito, depois a República Árabe Uni da, a Síria, o Iraque, armando-os até os den tes contra uma nação até então dominada pelo espírito pioneiro e socialista dos chalu tzim, da Histadrut, dos kibutzim e moshavim, onde se desfilava no dia 1º de Maio desfral dando bandeiras vermelhas? Por que, hoje, organizam boicotes acadêmicos, culturais, econômicos, em universidades, na Unesco, nos partidos ‘de esquerda’ por todo o mun do, contra uma nação democrática onde vi gora a livre expressão, inclusive da esquer da, onde a esquerda tem lugar no Parlamen to, enquanto poupam de suas críticas e re presálias regimes teocráticos, autoritários, onde ser de esquerda, ou dissidente, ou ho mossexual, pode ser arriscar a vida?
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A etiologia, ou estudo das causas de doenças, dificilmente vai localizar no anti -israelismo da esquerda uma causa ideo lógica. Como explicar essa oposição sis têmica, obstinada, a um país e uma socie dade — mesmo em sua atual configuração capitalista, mesmo com uma predominân cia de políticas de direita no governo e na sociedade, mesmo ainda não tendo resol vido a questão de sua ocupação de terras que o senso comum internacional enten de devam ser de um Estado palestino in dependente – em que os níveis de demo cracia, de paridade social (para não dizer ‘igualdade’, pois quando existem classes, elas não são ‘iguais’), de respeito a direitos humanos, às mulheres, às várias diversida des de opinião, às opções de sexo e cul tura, da prevalência do estado de direito, são MUITO superiores aos de quase todos [quase não, TODOS] os seus vizinhos, que a esquerda, estranhamente poupa, e com
verno atual de Israel. É contra Israel, contra a sociedade israelense, contra o Sionismo, conceito que fundamenta a própria existên cia de Israel como estado do povo judeu. Contra o Sionismo, que, se por um lado nasceu nas cabeças burguesas de judeus europeus emancipados, se realizou ao lon go de mais de cinquenta anos no trabalho obreiro e socialista dos chalutzim, nos ki butzim e moshavim, no ideal ideológico de transformar o povo judeu num povo de ope rários e Claroagricultores.quesempre se pode criticar a polí tica, as ações, as ideias, a tendência do go verno e da sociedade israelense. São mui tos os israelenses que o fazem. São mui tos os judeus, no mundo inteiro, que o fa zem. Mas, ao contrário de outras críticas a outros governos e outras sociedades, a es querda estigmatiza tudo que tenha o nome de Israel, inclusive, às vezes, sua existência.
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