489 páginas António Manuel Ribeiro
A
venturo-me a uma segunda crónica que pretendo regular nesta janela chamada FB. O Verão passou a correr, melhor, de carro, de avião e até de barco no oceano. Em todos os intervalos escrevia, lia (outros livros), relia o meu, corrigia, retomava a escrita. Ontem, há pouco, já as duas da manhã iam a fugir, fechei a primeira prova do meu novo livro: deu 489 páginas. Sei que vai ficar mais pequeno, é sempre assim, o censor que há em mim, aquele que persegue a sinuosa perfeição, corta, rasga, lança no lixo – com a poesia é dramático, os livros ficam fininhos e os vestígios num saco de papel a caminho do eco ponto. Por ventura este Verão correu tão depressa e foi tão cheio, que sinto saudades do que me falta, é muitas vezes assim. O frio da manhã não perdoa; o Verão acabou. Gostaria de ter ficado mais tempo em Mértola, em Lagos, em Manteigas, na ilha do Corvo, para ouvir os segredos dos silêncios, o que se ouve e diz sem palavras, os cheiros, os ruídos, a corrida do tempo e as confissões dos locais. Algumas ouvi. Interrompi a gravação do disco infantil, a antologia da minha poesia – a sorte de ter um editor amigo paciente –, fui adiando a escrita de três artigos sobre música, mas consegui acabar duas canções em estúdio para uma surpresa dos UHF aos seus fãs antes do Natal. Vou continuar em palco, ainda vamos andar a tocar por aí até ao final do ano.
ALGARVE INFORMATIVO #76
Disco da manhã: Steeley Span – «Now We Are Six» (1974). Em vinil e em muito bom estado, recordando-me esse mítico programa do Rádio Clube Português, «Dois Pontos», onde se ouvia a integralidade do lado A e depois o lado B de dois LP por emissão. Há dias, em Setúbal, recordei com o meu velho amigo Jaime Fernandes, uma das melhores vozes da rádio, esses programas que permitiam aos tesos como eu, estudante e filho de meu pai, ouvir o melhor da música anglo-americana. E um livro: António Barreto – Política e Pensamento, de Maria José Bonifácio (D. Quixote, 2016), onde ficamos melhor a conhecer o pensamento e os enredos intelectuais de um português que não segue, pensa e é isso que o distingue dos que seguem. A propósito, há dias um amigo meu que se diz de esquerda, olhou para o calhamaço que me acompanha há quatro semanas e disse-me superior: andas a ler isso? Ando. Já leste?, questionei. Ora, esse gajo. O que é que ele tem?, insisti. Ora esse gajo, repetiu. Perguntei-lhe: já leste o livro? Não, desse gajo não. Então se não leste o livro estamos a falar do quê? Ora, desse gajo, rematou. Fiquei elucidado com o exame consciencioso do meu amigo, o preconceito tem muito conforto nas mentes mais conservadoras .
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