dos livros. Tempo

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dos livros. Tempo Vanusa Lima

Os livros são fontes. Fragmentos. Brevidade. Eclesiastes. Uma palavra traduzida do hebraico (Qoheleth) para o grego, significa colecionador de sabedoria, pregador. Seu significado traz a ideia de que o pregador reuniu sabedoria para falar publicamente sobre a vida. Eclesiastes é um livro. No seu primeiro capítulo, é possível ver um movimento acontecer, há o anunciar das coisas e de situações que podem ser vistas e sentidas, e que nos parecem familiares, mas não temos o controle de nada, porque tudo acontece num mover de algo. E esse algo parece com o tempo (!?!). Nos versículos 4-6 desse capítulo, lemos: Uma geração vai, e outra geração vem; mas a terra para sempre permanece. E nasce o sol, e põe-se o sol, e volta ao seu lugar, de onde nasceu. O vento vai para o sul e faz o seu giro para o norte; continuamente vai girando o vento e volta fazendo os seus circuitos.

Tempo. Tempos. Nosso tempo. Santo Agostinho (Agostinho de Hipona), com algumas perguntas provoca uma boa reflexão sobre o tempo no seu livro XI, em Confissões, (1984, p. 251): O que é realmente o tempo? Quem poderia explicá-lo de modo fácil e breve? Quem poderia captar o seu conceito, para exprimi-lo em palavras? No entanto, que assunto mais familiar e mais conhecido em nossas conversações? Sem dúvida, nós o compreendemos quando dele falamos, e compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam. Por conseguinte, o que é o tempo?

Boas perguntas, e difíceis de serem respondidas. Vivemos num tempo de pandemia. O início desse tempo foi bem difícil. Um vírus se espalhou pelo mundo, provocando a doença Covid-19, transmissível e


causando mortes. E trouxe pânico para muitas pessoas. O presente e o futuro ficaram comprometidos diante de um aparente caos. Alan Lightman, em seu livro Sonhos de Einstein, escreve: Em um mundo sem futuro, cada vez que amigos se separam é uma morte. Em um mundo sem futuro, cada solidão é definitiva. Em um mundo sem futuro, cada risada é a última risada. Em um mundo sem futuro, além do presente está o nada, e as pessoas se agarram ao presente como se estivessem penduradas à beira de um abismo. (1993, p. 61)

Diante desse cenário, o inusitado aconteceu, o isolamento social foi a forma encontrada para a prevenção da doença, isso abalou drasticamente a economia, a política e o social pelo mundo afora. E assim, foi observado que muitas pessoas não sabiam viver nesse modo de isolamento social, isso porque viviam num ritmo frenético, e agora, ao menos, precisavam refletir sobre o tempo que tinham e o que faziam com ele para se adaptarem a esse novo tempo. Algumas dessas pessoas não souberam lidar bem com a situação. “Uma pessoa que não pode imaginar o futuro é uma pessoa que não pode prever o resultado de suas ações. Por isso, alguns ficam paralisados, inativos.” (do livro Sonhos de Einstein, p. 61). Numa situação como essa há incertezas. Que tempo é esse? Mas, SUPONHAMOS QUE O TEMPO SEJA um círculo fechado sobre si mesmo. O mundo se repete, de forma precisa, infinitamente. Na maior parte dos casos, as pessoas não sabem que voltarão a viver suas vidas. Comerciantes não sabem que farão o mesmo negócio várias vezes. Políticos não sabem que gritarão da mesma tribuna um número infinito de vezes nos ciclos do


tempo. Pais e mães conservam na memória a primeira risada de seu filho como se nunca mais fossem ouvi-la. [...] Como podem saber que nada é temporário, que tudo vai acontecer de novo? Tanto quanto uma formiga caminhando pela borda circular de um candelabro de cristal sabe que voltará ao ponto de partida. (do livro Sonhos de Einstein, p. 5).

Nessa perspectiva, outras pessoas foram procurar respostas, nos tempos passado, presente e futuro. Elas começaram de fato a observar o tempo e a perceber algo semelhante ao que está escrito nos versículos 9-10 de Eclesiastes: O que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; de modo que nada há novo debaixo do sol! Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Já foi nos séculos passados, que foram antes de nós.

Essas pessoas foram pesquisar sobre o que estava acontecendo para entenderem esse tempo tão diferente, isso porque, algumas diziam já ter vivido momentos semelhantes. Alan Lightman, em seu livro Sonhos de Einstein (p. 5), escreve: E, assim como todas as coisas serão repetidas no futuro, todas as coisas que estão acontecendo agora aconteceram um milhão de vezes antes. Em todas as cidades, algumas poucas pessoas, em seus sonhos, estão vagamente cientes de que tudo ocorreu no passado.

Para Santo Agostinho, o próprio tempo é uma invenção humana; há mudanças na natureza e esta é observada como sendo o tempo, surgindo o dia e a noite, e isso acontece repetidamente. Assim, a


humanidade conceitua o tempo e o classifica em passado, presente e futuro. Assim, é possível também entender que observar, pesquisar, perguntar, inventar, conceituar e refletir, tudo isso é do ser humano. No versículo 13 de Eclesiastes, diz que tudo isso faz parte de uma ocupação dada por Deus aos filhos dos homens: “E apliquei o meu coração a esquadrinhar e a informar-me com sabedoria de tudo quanto sucede debaixo do céu; essa enfadonha ocupação deu Deus aos filhos dos homens, para nela os exercitar.” Talvez o tempo seja uma explicação para o que acontece com a humanidade. Nesse caso, apenas seria necessário compreendê-lo, entendê-lo... Tarefa um tanto difícil, é o que escreve Santo Agostinho: Se ninguém me pergunta, eu sei; porém, se quero explicá-lo a quem me pergunta, então não sei. No entanto, posso dizer com segurança que não existiria um tempo passado, se nada passasse, e não existiria um tempo futuro, se nada devesse vir; e não haveria o tempo presente se nada existisse. (do livro XI, em Confissões, p. 251).

Ao observarem o que estava acontecendo, foi compreendido que se tratava de um fenômeno que precisava ser decifrado. Foi então, que surgiram as narrativas. Aliás, diversas narrativas. E a impressão que se teve foi de que muitas pessoas se tornaram contadoras de histórias. Cada pessoa com uma narrativa própria, sua própria criação, e com muitas e muitas informações, uma avalanche de informações. Porém, narrativa sem escuta. Muitas narrativas sem receptores que as escutassem com ouvidos apurados e inclinados a ouvirem, lembrando aqui como eram os contadores de histórias da narrativa tradicional. No texto O Narrador, Walter Benjamin (2012) aborda a extinção da narrativa com aquele contador de histórias tradicional, que era a experiência de narrar com uma escuta, com um ouvinte atento porque


a narrativa tinha sua beleza, era artesanal. Para ele, a narrativa não deixou de existir, porém, agora tem outras formas, é contemporânea, com uma vastidão de informações que precisam ser rápidas, pontuais, objetivas e atualizadas constantemente. Contudo, nunca há uma satisfação, porque não se tem todas as informações e, por isso, há uma busca e a criação de outra e mais outra narrativa, incessantemente. Mas é possível pensar, ainda, no que escreve Alan Lightman “No tempo, há uma infinidade de mundos”. Com tantas narrativas criadas, as Redes sociais se tornaram os principais meios de propagação. Foram os meios de comunicação mais perigosos, devastadores, porém, eficientes e ricos em informações e conhecimentos. Não faltaram narrativas: para contar, falar ou explicar sobre o tempo. E foi numa dessas Redes sociais que apareceu um trabalho bem interessante feito por um grupo de alunos e alunas da Casa do Teatro, um centro de artes e educação para crianças e jovens. Esse grupo fez um vídeo, resultado de um exercício em aula proposto pela artista orientadora Eugenia Cecchini, com o tema Tempo - Imagem, inspirado no livro Sonhos de Einstein, de Alan Lightman, do capítulo que inicia com “Imagine um mundo em que não há tempo. Somente imagens” (p. 35). O vídeo está disponível no YouTube, Canal Casa do Teatro Célia Helena, link: https://www.youtube.com/watch?v=XQ8H_KcFptk . O vídeo traz imagens do cotidiano captadas e apresentadas com textos narrados pelo próprio grupo. São imagens dos espaços interiores e exteriores de casas, captando os objetos, móveis, utensílios, janelas, plantas, árvores, iluminação, pessoas, enfim. As imagens revelam, numa delicadeza e profundidade, o cotidiano das pessoas. O livro Sonhos de Einstein, como inspiração para essa criação, traz muitas reflexões, e proporciona muitas leituras com diferentes perspectivas. O grupo trabalhou muito bem!


Tratando da condição humana a partir da busca dos mistérios do tempo e do espaço abordada nesse livro e observando as imagens captadas nesse vídeo, voltemos ao primeiro capítulo do livro Eclesiastes, versículos 2-3: “Vaidade de vaidades! – diz o pregador, vaidade de vaidade! É tudo vaidade. Que vantagem tem o homem de todo o seu trabalho, que ele faz debaixo do sol?”, aqui é importante observar a expressão “debaixo do sol” que traz o significado de um cenário nada bom, e a expressão “vaidade de vaidades”, no hebraico expressa um superlativo, que para os pesquisadores e estudiosos pode ser traduzida por “muito fútil”. O pregador de Eclesiastes, em sua análise, compreende que “debaixo do sol” tudo é “vaidade de vaidades”, assim, tudo é “futilidade”. Alan Lightman escreve na página 16: Um mundo em que o tempo é absoluto é um mundo consolador. Pois, embora os movimentos das pessoas sejam imprevisíveis, o movimento do tempo é previsível. Embora se possa duvidar das pessoas, não se pode duvidar do tempo. Enquanto as pessoas ficam divagando, o tempo prossegue em sua caminhada sem olhar para trás.

Então, como podemos observar o tempo e tirar proveito dele sem nos corromper com essa “vaidade de vaidades”, com essa “futilidade” e com toda essa vida frenética que não nos permite a escuta?

— E o que é essa escuta?


REFERÊNCIAS Agostinho, Santo, Bispo de Hipona. Confissões. Tradução Maria Luiza Jardim Amarante, revisão cotejada de acordo com o texto latino por Antônio da Silveira Mendonça. São Paulo, Ed. Paulus – Coleção Paturística, 1,2 Mb; Epub., 1984. Benjamin, Walter. O narrador. In: Obras escolhidas v. 1, Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução Sérgio Paulo Roaunet. 8ª ed. revista. São Paulo, Ed. Brasiliense, 2012. Bíblia de Estudo Arqueológica NVI - Nova Versão Internacional. Tradução: Claiton André Kunz, Eliseu Manoel dos Santos e Marcelo Smargiasse; Prefácio da Edição Brasileira: Luiz Sayão. São Paulo, Ed. Vida, 2013. Bíblia de Estudo Palavras - Chave Hebraico e Grego. Almeida revista e corrigida. 2ª ed.; 2ª reimpr. Rio de Janeiro, Ed. CPAD, 2011. (O primeiro capítulo de Eclesiastes foi extraído desta edição). Lightman, Alan. Sonhos de Einstein. Tradução Marcelo Levy. São Paulo, Companhia de bolso, Ebook, 1993. Vídeo Tempo - Imagem, exercício em aula proposto pela artista orientadora Eugenia Cecchini. publicado em 18 de maio de 2020. Casa do Teatro. Uma proposta de exercício inspirada no livro “Sonhos de Einstein”, de Alan Lightman. https://www.youtube.com/ watch?v=XQ8H_KcFptk

*Vanusa Lima. Educadora e assistente social. Especialista em A arte de contar histórias e em Educação Inclusiva e Deficiência Mental. Idealizadora do Contação de Leitura – um projeto social, um conceito. Conta histórias com os livros há mais de trinta anos. Trabalhou em organizações sociais na área da assistência social, grande parte com formação profissional. Participou do Grupo de Pesquisa “A voz escrita infantil e juvenil: práticas discursivas”, certificado CNPq Programa de Estudos Pós-Graduados em Literatura e Crítica Literária da PUC-SP. Foi aluna ouvinte do mesmo Programa. Foi bolsista CNPq como auxiliar de pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Educação: História, Política e Sociedade - PUC-SP. Foi aluna ouvinte do mesmo Programa. Foi bolsista de iniciação científica pelo PIBIC-CEPE/PUC-SP. Tem seus estudos independentes sobre o livro, a leitura e a infância.



.2021. capa e projeto gráfico Lima.de


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