Educação Inclusiva: inclusão escolar não se faz apenas com leis e decretos – uma compreensão...

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EDUCAÇÃO INCLUSIVA:

Inclusão escolar não se faz apenas com leis e decretos

– uma compreensão das principais dificuldades para se efetivar essa inclusão

Inclusão escolar não se faz apenas com leis e decretos – uma compreensão das principais dificuldades para se efetivar essa inclusão

Aqui, parte da Monografia de Vanusa Lima apresentada à COGEAE – Coordenadoria Geral de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão - PUC-SP como requisito para obtenção do título de Especialista em Educação inclusiva e Deficiência Mental (Intelectual), em 2008. Texto revisitado.

INTRODUÇÃO

A monografia sob o título “Inclusão escolar não se faz apenas com leis e decretos –uma compreensão das principais dificuldades para se efetivar essa inclusão” apresentará a análise de algumas discussões e debates ocorridos mais recentemente sobre a educação especial na perspectiva da educação inclusiva, embasada a partir de fontes bibliográficas, artigos e depoimentos de associações representativas no segmento da deficiência e discussões realizadas por grupos de pessoas por meio da internet. Desde quando se ouviu falar sobre educação inclusiva aqui no Brasil, muitas iniciativas foram tomadas junto às escolas, à comunidade e à sociedade em geral. Iniciativas como a normatização para uma educação inclusiva por intervenção de leis e decretos. E junto com isso vieram outras iniciativas como os trabalhos de sensibilização sobre o assunto, oficinas e treinamentos para os professores da rede regular de ensino. Grandes discussões e debates, publicações abordando o assunto, bem como uma grande divulgação nos meios de comunicação. Até a percepção da sociedade na ocorrência frequente de matrículas de alunos com deficiência nas escolas regulares, especificamente em escolas públicas.

[...]

CAPÍTULO I - EDUCAÇÃO

1. EDUCAÇÃO - CONCEITUAÇÃO

Para iniciar este capítulo sobre a educação especial é preciso em primeiro lugar caracterizar brevemente a educação. A educação aqui tratada como direito humano.

Em 1948, a ONU – Organização das Nações Unidas – aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos e em seu artigo I prescreve que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. A Declaração incorpora os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais.

O direito humano sendo reconhecido universalmente, e que assegura qualquer pessoa o respeito à sua dignidade, sua individualidade, sua dimensão social, material e espiritual. “Todos, independente de sua nacionalidade, religião, opiniões políticas, raça, etnia, orientação sexual tenham condições plenas de desenvolver as suas potencialidades” (Graciano, 2005, org.).

Os direitos humanos tratam dos direitos fundamentais da pessoa humana.

A educação é um direito fundamental ao ser humano, ela não diz respeito somente à educação escolar, mas no seu sentido amplo, abrange cultura, arte, história, política, cidadania, amplia horizontes etc. A educação é um processo, começa com o nascimento e termina com a morte. A educação entendida em sentido amplo é uma das condições de sobrevivência digna e de bem-estar social.

A educação como direito humano pressupõe a valorização das potencialidades e habilidades de cada indivíduo. E para garantir isso, a sociedade deve se constituir de novos direitos na defesa do respeito às diferenças e superação das desigualdades, nesse caso é respeitar que somos todos diferentes, não há discriminação de qualquer natureza.

A educação escolar faz parte dessa educação como direito humano, e muitas vezes considerada como condição para sobrevivência e bem-estar social.

Nesse sentido, a Constituição Federal brasileira (1988) prescreve em seu artigo 205: “ A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Por isso, a educação tem que ser acessível a todas as pessoas, com ou sem deficiência. É um direito social, econômico e cultural. Portanto, a nossa Constituição garante o direito de todos à educação e ao acesso à escola, e acrescenta a isso “a igualdade de condições de acesso e permanência na escola” (artigo 206, inciso I), e mais, que é dever do Estado assegurar esse direito.

Aqui podemos nos referir que a implementação de políticas públicas na educação depende da ação dos gestores governamentais. Quando Prieto (2006) faz uma análise sobre isso, ela conclui que o discurso que devemos usar é em prol de uma escola que acolha a todos, devemos exigir do Estado que assuma como prioridade a administração e o financiamento de

políticas públicas de educação para que haja qualidade de ensino, universalização do acesso à educação e pela democratização do conhecimento.

Em se tratando das questões da educação para o aluno com deficiência, o qual é o assunto desta monografia, Prieto ressalta que deve ainda ter, segundo ela, um compromisso do poder público, não apenas com a matrícula e o ingresso do aluno com deficiência nas escolas regulares, mas a promoção do atendimento às demandas escolares desses alunos. E tanto o poder público como a sociedade civil têm como desafios fazer valer os direitos desses alunos e construir respostas que atendam às necessidades destes, porque: “...a educação escolar pode propiciar meios que possibilitem transformações na busca da melhoria da qualidade de vida da população” (pg.69).

No Brasil, o direito da pessoa com deficiência à educação escolar é garantido tanto pela Constituição brasileira (1988) como pela LDBEN - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394/96 e também pelos tratados internacionais acordados com outros países, como a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); a Declaração Mundial sobre Educação para Todos realizada em Jomtien, Tailândia, em março de 1990; a Declaração de Salamanca sobre Princípios, Políticas e Práticas na área das Necessidades Educativas Especiais, na cidade de Salamanca, Espanha, em junho de 1994; a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Pessoa Portadora de Deficiência, em Guatemala, promulgada no Brasil em outubro de 2001 pelo decreto 3.956/01, esta a qual afirma que todas as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que as demais pessoas. Conhecida como Convenção de Guatemala teve importante repercussão na educação, o que levou a compreensão de que a sociedade deve promover a eliminação de barreiras ao acesso da pessoa com deficiência à sua escolarização. Vale ressaltar ainda que se o direito à educação estiver sendo violado, pode ser exigido por meio de ações judiciais, isso porque o direito à educação é um direito do indivíduo e não um favor que lhe é dado.

[...]

CAPÍTULO II – PRINCIPAIS

ASPECTOS RELACIONADOS À INCLUSÃO ESCOLAR: SOB A ÓTICA DE DEPOIMENTOS E COMENTÁRIOS DE PESSOAS ENVOLVIDAS E INTERESSADAS

NESSA INCLUSÃO

Existem já alguns anos a tentativa de efetivar a educação inclusiva no Brasil, todos os alunos num mesmo ambiente escolar, independentemente do grau de desenvolvimento, sem nenhum tipo de discriminação. O Brasil se comprometeu por meio de Declarações e Tratados internacionais para efetivar a educação inclusiva para todos como um dos princípios elementares de direitos humanos.

No que diz respeito à Constituição brasileira, no art. 205 prescreve que:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Portanto, é um direito do indivíduo a educação e que ela deve ser oferecida de maneira mais justa e eficaz para o seu desenvolvimento pleno. Porém, para se efetivar uma educação inclusiva, existem muitas discussões e debates sobre como ela se dará, qual o percurso que essa educação deve seguir para alcançar o desenvolvimento pleno dos indivíduos que passam por ela. Diante disso, a proposta aqui é apresentar aspectos sobre essa educação no que diz respeito à inclusão escolar. Portanto, serão identificados os aspectos relevantes a partir da análise das discussões realizadas por pessoas interessadas e envolvidas com a inclusão escolar. Essas pessoas são professores, famílias de pessoas com deficiência, as próprias pessoas com deficiência, profissionais da área de educação e de outras áreas diretamente ou indiretamente ligadas à área de educação. São discussões e debates ocorridos mais recentemente sobre a educação especial na perspectiva da educação inclusiva, embasada por artigos e depoimentos de associações representativas no segmento da deficiência e discussões realizadas por um grupo de pessoas, via internet, sobre o assunto.

A coleta dos dados para análise se deu a partir dos seguintes procedimentos:

1. Definição da pesquisa por temas e assuntos abordados pelas famílias, integrantes

da escola e profissionais de diferentes áreas que trabalham diretamente ou indiretamente na área da educação.

2. Escolha dos posicionamentos de duas organizações não governamentais referentes à Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva. Sendo que numa delas houve discussão interna entre os profissionais, pais e responsáveis. Foram também utilizados os comentários advindos dessa discussão.

3. Escolha de Fóruns virtuais que discutem sobre a educação inclusiva.

4. Compilação aleatória de e-mails das pessoas que participam nesses Fóruns de discussões virtuais.

5. Compilação desses mesmos e-mails, procurando identificar os temas abordados e não por nomes das pessoas.

6. Compilação desses mesmos e-mails, também das discussões internas na organização não governamental, bem como os pareceres das duas organizações, e dessa forma organizados por três grandes temas: inclusão escolar, qualidade na educação escolar e parceria e mobilização social.

7. A escolha das frases e dos depoimentos das pessoas citados no decorrer dessa pesquisa foi aleatória apenas seguindo o tema específico.

As discussões e análises estão divididas em três etapas: “A que inclusão escolar estamos nos referindo”, “Qualidade na educação escolar” e “Parceria e Mobilização Social”, conforme a seguir:

1. A QUE INCLUSÃO ESCOLAR ESTAMOS NOS REFERINDO...

Tratar sobre a que inclusão estamos nos referimos já inicia um desafio, pois o próprio conceito é pernicioso e até leviano dependendo de quem está falando, quais são seus valores e o caminho que deseja percorrer ou que já está percorrendo há algum tempo.

Quando relatamos o pensamento de pessoas que discutem em fóruns virtuais, percebemos que existem muitas ideias do que seja inclusão. O próprio nome já nos remete há muitos discursos controversos. Pessoas que consideram a palavra “perigosa”, principalmente quando usada pelos meios de comunicação. Aqui sendo tratada como um termo de modismo, e que partem de um episódio ou de uma situação ocorrida com alguém com deficiência que conseguiu participar de um espaço comum a tantas outras pessoas, e que geralmente superou suas dificuldades, mostrando suas habilidades e potencialidades.

Dessa forma, segundo algumas pessoas, os meios de comunicação tratam a situação ou episódio com entonação de heroísmo, trazendo à tona a imagem da garantia de direitos iguais a todos, no sentido de que, porque uma pessoa conseguiu superar os seus obstáculos, todos conseguem, desde que haja esforço individual para isso, depende da própria pessoa com deficiência. Isso é visto como inclusão, já que a sociedade permite que essas pessoas com defici-

ência demonstrem esses momentos de “superação de suas dificuldades e obstáculos”.

Com certeza a inclusão não deve ser divulgada de forma equivocada e medíocre. Não devemos esquecer todo o processo de luta dos movimentos sociais das pessoas com deficiência, de suas famílias, dos amigos e de tantos outros em prol da real inclusão.

A superação das dificuldades nos espaços comuns à sociedade não é heroísmo e sim conquista de espaço a partir de lutas em cada momento da história do nosso país. Ainda para muitas pessoas, precisamos ficar atentos para que as distorções como segregação e inclusão não “continuem ou roubem do outro, apenas pela diferença, a oportunidade de ser pessoa, o direito de pertencer, pois a inclusão significa o direito de pertencer. Não podemos ter uma política excludente, nada é definitivo e todos devem estar abertos às mudanças”, porém, acompanhando e entendendo o processo histórico de luta dos movimentos em prol da inclusão das pessoas com deficiência.

Em se tratando especificamente da inclusão escolar, segundo pais e professores que estão na discussão, a luta por essa inclusão está sendo enfrentada há décadas. E essas mesmas pessoas que lutaram, hoje, lutam pela forma como se dará essa inclusão, já é outro momento que estão vivenciando. Parecia que naquele momento o modelo de inclusão estava aparentemente claro, todos os alunos que tivessem deficiência deveriam estar inseridos na escola regular, educação para todos, num mesmo ambiente escolar.

Então, ao mesmo tempo em que foram surgindo ações isoladas como modelo de inclusão escolar, com a pressão popular naquele momento, o governo criou leis e decretos, até porque o movimento para essa inclusão não era apenas no Brasil e sim um movimento mundial. As leis e os decretos expressavam o que era essa inclusão, porém, não como ela se daria diante da realidade do país. E mais, sem nenhuma política pública que efetivamente garantisse a inclusão escolar, já que as escolas regulares não se estruturaram para isso. Esse é um fato que as pessoas expõem nas discussões, reclamam da falta de estrutura das escolas, da falta de formação dos professores e da falta de acessibilidade e permanência desses alunos na escola regular. Isso perdura até os dias atuais.

É nesse âmbito que devemos entender a que inclusão escolar estamos nos referindo, qual modelo de inclusão as pessoas desejam para os alunos com deficiência na sociedade atual. Essas pessoas são pais, professores, profissionais de diversas áreas e representantes do governo. Em primeiro lugar, algumas dessas pessoas consideram que a inclusão escolar se inicia com a eliminação de preconceitos, o respeito às pessoas com deficiência e o acesso da população em geral à informação. Uma forma do acesso à informação é que quanto mais as pessoas com deficiência compartilherem sua vida cotidiana, mais consciência a população terá de suas reais necessidades e assim poderá entender que são pessoas que possuem sentimentos, desejos, motivações e expectativas.

A inclusão aqui parte do pressuposto de que a sociedade tem que ser igualitária, com respeito e garantia de dignidade para todos. Isso não deve ser utópico. Nesse sentido, a inclusão escolar deve respeitar as individualidades e as particularidades. É preciso ainda garantir

que um sistema educacional inclusivo deva proporcionar que os alunos exerçam sua individualidade e desenvolvam suas potencialidades num mesmo contexto, porém igualitário. O pensamento de muitas pessoas é que haja uma inclusão consciente, cidadã, que respeite a diversidade, as diferenças, as necessidades especiais e direito de escolha de pais e alunos. Isso é inclusão e inclusão escolar.

Em segundo lugar, trata-se de que a inclusão somente acontecerá se tiver dentro do âmbito escolar uma equipe especializada e recursos específicos. Têm algumas pessoas que concordam com isso, outras, por sua vez, poucas, de que não precisa disso, apenas a boa vontade dos professores e dos profissionais da escola (auxiliares e diretores). Lembrando, que na formação acadêmica dos professores sempre se pregou a boa vontade como princípio básico no processo educacional, pois sempre houve escassez de recursos, “sempre houve tempos difíceis”.

Há quem diga ainda que a inclusão escolar se inicia com a boa vontade de fazer algo, boa vontade em acreditar que mudanças são possíveis, porém, sem estrutura (recursos e formação dos docentes) a inclusão é inviável. Nesse caso, as pessoas estão aqui se reportando às queixas dos pais, eles dizem que os seus filhos estão sendo inseridos na escola regular, mas acontecem situações que divergem do discurso da inclusão, como por exemplo:

• Aluno com 12 anos no 6º ano do fundamental II fazendo tarefas diferentes dos seus colegas em sala de aula. As lições dadas para ele são para crianças menores, ou seja, ele não está acompanhando o conteúdo da sua série escolar.

• Alunos não participam das aulas de educação física porque o professor considera as atividades “perigosas” para eles.

• Escolas obrigam os pais a contratarem um auxiliar para acompanhar o seu filho com deficiência em sala de aula. Essa ação, para muitos pais, é considerada como atenção especial em sala de aula, que geralmente não é necessária, e que muitas vezes cria constrangimento ao aluno com deficiência e aos próprios pais.

• Alunos são isolados quando são realizadas determinadas atividades na escola, isso porque os professores consideram que os alunos com deficiência não terão compreensão para executá-las.

• Os pais consideram que seus filhos estão expostos a situações constrangedoras dentro da escola, pois seus filhos estão à margem, não são acompanhados pelos professores da mesma forma que os outros alunos, os sem deficiência.

• Alunos sem deficiência que já estudam com alunos com deficiência questionam a inclusão desses alunos, principalmente os com deficiência intelectual. Eles dizem que esses alunos não conseguirão acompanhar os conteúdos e as dinâmicas das aulas, e que podem até “atrasar a turma”, e assim serem excluídos, e com

certeza se “sentirão mal na convivência de alunos sem deficiência”. Chegam até questionar se não é perda de tempo dos pais em insistirem na inclusão, gastando tempo e dinheiro.

Diante desse cenário, vimos com que intensidade as pessoas estão presas exclusivamente à questão da deficiência e não visualizam as potencialidades de cada aluno, não percebem as particularidades e necessidades que todos os alunos têm, sejam eles com ou sem deficiência. O foco é na deficiência e não no aluno como indivíduo que possui suas peculiaridades.

É preciso que se veja o aluno considerando as suas peculiaridades paralelamente às etapas comuns de desenvolvimento de qualquer ser humano, seja na infância, puberdade, adolescência e fase adulta. Isso já é um pressuposto para a conscientização de que as pessoas possuem características diferentes em si mesmas, dependendo da fase de idade em que estão. Em cada fase, o aluno é indivíduo com diferentes necessidades, desejos e expectativas. Este olhar é outro passo necessário para a inclusão escolar.

Neste capítulo, não podemos deixar de destacar outro movimento que entende a inclusão com outro prisma. É um movimento a favor da continuidade da escola especial. É um movimento também formado por pessoas com deficiência e seus familiares e de profissionais de diferentes áreas, inclusive da educação. São pessoas que não são contra a inclusão na escola regular, porém, tem outra visão do assunto, conforme destacamos:

• As escolas especiais foram criadas para responderem a uma demanda da sociedade, até hoje ela é considerada como parte do sistema regular de ensino.

• As escolas especiais asseguram o direito à educação àqueles que não conseguem se beneficiar da escola regular, principalmente por motivos de dificuldades de acompanhamento do processo de aprendizagem, devido ao comprometimento causado pela deficiência.

• Existe uma obrigatoriedade inconstitucional para que os alunos com deficiência sejam matriculados em escolas regulares e não em escolas especiais. Isso porque essas escolas especiais serão transformadas pela Política Nacional da Educação de 2008 em serviços especializados, oferecidos preferencialmente fora do âmbito da escola regular. Esses serviços serão, portanto, considerados apenas como atividade complementar. Isso é violação de direito.

• Há uma negação ao processo construído historicamente em relação à criação das escolas especiais. Elas foram criadas como resposta às demandas e movimento da sociedade. A atual Política Nacional de Educação que se “força” a implementar compreende que somente a escola regular oferece a escolarização e se utiliza da Constituição de 1988 como forma de obrigar a matrícula de todos os alunos

nessas escolas, pois do contrário há uma infração em relação à Constituição. A história da educação especial no Brasil e principalmente das escolas especiais não deve ser negada, pois faz parte dessa atual sociedade.

• Deve-se respeitar o direito de escolha da família ao matricular o aluno com deficiência. Aqui citam a Declaração dos Direitos Humanos de 1948, em seu artigo XXVI, 3 “Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos”. As pessoas defendem esse ponto de vista ressaltando a existência de muitos casos de pessoas com deficiência intelectual que não têm condições de freqüentar as escolas comuns que fazem parte do sistema educacional no Brasil. Isso porque a realidade em que se encontra o sistema educacional brasileiro, bem como as características próprias das pessoas com deficiência interferem no seu processo de aprendizagem. Citam ainda que a Declaração de Salamanca (1994) salienta: “toda criança possui características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que são únicas...”. Portanto, é preciso tolerância à diversidade, e isto significa aceitar às diferenças onde quer que elas estejam, por exemplo, na escola especial.

• Ainda há a discussão do conceito do termo “preferencialmente” utilizado no inciso III da Constituição de 1988 e do artigo 58 da Lei de Diretrizes de Bases 9.394/96. Ambos prescrevem o atendimento educacional especializado “preferencialmente na rede regular de ensino”. Vale ressaltar que o entendimento aqui é como modalidade de educação escolar, o que significa o preferencial não como uma obrigatoriedade da matrícula no ensino regular e sim uma opção, ou seja, a pessoa com deficiência pode ser matriculada na escola especial ou na escola regular. Devemos entender então que não deve haver obrigatoriedade da matrícula no ensino regular, pois isso é uma opção.

• Apesar de vivermos num país que se intitula democrático, o discurso sobre inclusão escolar é bastante diferente da prática, pois consideram que há democracia apenas no discurso. Este relato refere-se ao fato de não ter ocorrido debate e divulgação das informações sobre a inclusão escolar para toda a sociedade. Para essas pessoas, são sempre uns pequenos grupos que discutem e decidem o futuro de muitos, e não são nem escolhidos para essa representação. Portanto, se constrói uma Política Nacional de Educação com base no interesse de uma minoria e de interesses particulares, por isso não retrata a realidade em que vivem as pessoas com deficiência.

• Existem algumas pessoas que defendem a existência das escolas especiais oferecendo a educação escolar, porém, a sua manutenção deve ser somente enquanto “os instrumentos do sonho da educação inclusiva não tiverem sido aperfeiçoados

e possam vir a oferecer oportunidades de real inclusão”.

• O acesso das pessoas com deficiência ao ensino regular ainda não se efetiva na sua prática, portanto há necessidade da continuidade da existência das escolas especiais. A inclusão escolar é um processo gradativo. “Apesar do avanço das leis que garantem os direitos e o acesso ao ensino regular, ainda há uma grande trajetória a ser conquistada”.

Agora, quando tratamos das possibilidades de inclusão na rede regular de ensino, muitas e muitas pessoas concordam que deve continuar com o processo de inclusão da maneira como está acontecendo, pelo menos as pessoas engajadas no processo.

A responsabilidade para a inclusão escolar é da escola, da família, do governo e da sociedade. Num relato de uma irmã, ela diz que muitas pessoas com deficiência não se desenvolveram porque não tinham quem acreditasse nelas, e exemplifica o seu irmão que tem deficiência intelectual. E ainda ela indaga, mesmo com os esforços de todos, nem sempre o desenvolvimento do aluno é aquele esperado pela família, por toda a escola, pelo governo e por toda a sociedade. E o drama é o que fazer nesses casos “quando o desenvolvimento fica aquém do esperado?”

Aqui vale uma reflexão, quais expectativas temos quanto às pessoas com deficiência nesse processo de inclusão escolar? Queremos os alunos com deficiência doutores, enquanto a nossa sociedade não torna doutores nem os alunos sem deficiência?

A precariedade do ensino brasileiro avança em todas as classes sociais, porque não é apenas reflexo da escassez de recursos financeiros, má formação dos professores, o uso de drogas, gravidez precoce, violência, mas também o aspecto cultural do nosso país, o qual não tem a educação como alavanca para o desenvolvimento do povo brasileiro; a educação ainda não é prioridade no Brasil, e isso é uma realidade para todos.

Então, qual é a expectativa para as pessoas com deficiência nesse processo de inclusão escolar pensando que a educação está precária para toda a população?

Segundo alguns depoimentos de pais e professores, não há fracasso na inclusão escolar e sim na oportunidade dos alunos se desenvolverem. Não podemos pensar que houve um fracasso se o aluno com determinada deficiência não chegou, por exemplo, ao ensino médio. “Ele foi até onde pôde e pode agora desenvolver-se em outros ambientes que não a escola”. A escola o preparou até onde o aluno permitiu, e vale lembrar a existência de outros ambientes que oferecerão outro tipo de ação educativa a partir de agora. A escola regular cumpriu a sua função, oportunizou um espaço comum a todos, possibilitou ao aluno com deficiência o desenvolvimento de suas habilidades, promoveu ações que potencializou as suas capacidades.

Portanto, a expectativa deve ser das melhores possíveis, porque devemos ter em mente: a inclusão escolar deve permitir que as mudanças aconteçam, os desafios sejam enfrentados e que o desenvolvimento da sociedade seja por meio da educação; uma educação justa e igualitária para todos. Vamos realizar o máximo para conquistar o possível.

2. QUALIDADE NA EDUCAÇÃO ESCOLAR

Ao iniciar uma discussão sobre qualidade na educação, colocaremos como premissa: estamos tratando de qualidade no âmbito de uma educação para todos, já que o assunto se refere à inclusão escolar, e entendemos aqui como para todos os alunos que ingressarem na escola.

A partir do momento quando falamos em educação especial na perspectiva da educação inclusiva, desejamos incluir a todos, mesmo que as reflexões dos atores envolvidos na discussão tenham seu foco nos alunos com deficiência. Isso porque se a educação oferecida nas escolas atualmente para os alunos sem deficiência fosse de qualidade, com certeza esse assunto na inclusão escolar não teria esse efeito de tanta polêmica.

As questões que se refere à qualidade na educação escolar são muito parecidas entre as pessoas envolvidas no debate e seus posicionamentos, sejam elas professores, familiares, as próprias pessoas com deficiência e profissionais de outras áreas que estão ligadas diretamente ou indiretamente à área de educação. Essas questões serão apresentadas pontualmente para termos clareza da dimensão dos problemas e conflitos existentes que emperram a efetiva inclusão de alunos com deficiência nas escolas regulares. A seguir as questões:

2.1. Preconceito e discriminação

Uma questão bastante importante discutida ainda é o preconceito e discriminação por parte dos membros da escola, sejam professores, coordenadores, diretores e auxiliares.

A falta de conhecimento faz com essas pessoas não aceitem que a escola precisa atender as necessidades de todos os alunos. O desconhecido sobre o que é uma determinada deficiência, como lidar com um determinado aluno, faz com que essas pessoas não aceitem a diversidade, a qual está presente em todos os lugares, inclusive na escola. Com uma frase muito simples de uma mãe e profissional da área de educação podemos compreender o que é necessário para resolver esse problema, “...é preciso encontrar o caminho que precisa atender as necessidades de todas as crianças e adolescentes, não é fácil, não tem fórmula, mas a aceitação da diversidade de coração aberto na busca deste caminho é imprescindível”. Uma das maiores dificuldades é a não mudança de atitude em relação aos alunos com deficiência. Hoje ainda os profissionais da escola e muitas outras pessoas, incluindo aqui também alguns pais, têm o pensamento de que uns estão aptos e outros não para frequentarem uma escola regular. De que deve haver separação entre os tipos de alunos, e por incrível que pareça, por que não falar numa seleção de pessoas de quem vai ou não para uma determinada escola; e talvez e mais que possivelmente, numa seleção para o mercado de trabalho, seleção para o exercício da cidadania, seleção para pertencer a uma determinada comunidade ou sociedade, e adiante com esse pensamento.... Será que podemos pensar aqui em formação de guetos?

Numa tentativa de superação desses pensamentos, no depoimento de um pai, ele diz que o único procedimento com a escola, ao fazer a matrícula, foi de orientar os professores de que seu filho poderia aprender.

Diante disso, podemos sugerir aos professores, diretores, coordenadores e auxiliares que acreditem no potencial de cada aluno, não valorize a deficiência que ele tem. Eles podem até saber o diagnóstico do aluno, o nome da deficiência que tem e suas possíveis consequências. Porém, jamais devem esquecer que todos podem aprender, e cada um na sua medida. E como medir? Isso é impossível para o professor, pois quem determinará isso é o próprio aluno por meio do desenvolvimento de seu potencial e sua capacidade no processo ensino e aprendizagem.

O professor tem como responsabilidade motivar os seus alunos, mapear as informações a serem ensinadas, roteirizar as atividades significativas, orientar e supervisionar a produção do conhecimento e assim ajudá-los na síntese e na sua contextualização desse conhecimento. Isso é qualificar o processo de aprendizagem, e por que não dizer qualificar a inclusão escolar, a inclusão para todos. Ressaltando que o processo de ensino e aprendizagem deve ser igual para todos os alunos, com ou sem deficiência.

“A atitude de muitas escolas ainda não é de aceitação, mas de reserva aos alunos com alguma necessidade especial”. Esse cenário precisa mudar e não por decreto ou lei, mas sim por atitude de todos, professores, coordenadores pedagógicos, diretores, auxiliares e até mesmo dos pais, todos devem acreditar que as pessoas com deficiência podem freqüentar um espaço comum a todas as outras pessoas, no caso aquelas que não têm deficiência.

Para quem é a favor da inclusão escolar é simples resolver o problema do preconceito e da discriminação: basta a convivência, já que o problema se inicia devido ao “desconhecimento, a ignorância”.

2.2. O professor como importante mediador

Os professores hoje, na sua maioria, não entendem que são importantes mediadores para seus alunos e fazem parte do processo de aprendizagem de cada aluno. Esses professores precisam entender que os alunos são diferentes um do outro, e, portanto, cada um, independente de ser deficiente ou não, merece atenção especial na sua forma de aprender e do professor ensinar.

O aluno deve ter orientação educacional contínua no seu processo de aprendizagem, isso desde a educação básica. Cada professor que atender esses alunos pelas séries escolares precisa ser mediador, e vale frisar, importante mediador.

Se isso ocorrer da maneira mais simples e corriqueira no âmbito escolar, o aluno chegará, por exemplo, ao ensino médio mais preparado e não vai ocorrer conforme relato de uma mãe: “A partir da quinta série (sexto ano) o aluno já não tem mais o professor de turma, e sim um professor diferente para uma das 8 ou 9 matérias. A grade curricular se torna bem mais complexa, é bem comum a essa altura, o jovem com síndrome de down ainda não tenha atin-

gido o nível de proficiência na leitura e na escrita, pressuposto para essa série. Tal defasagem se reflete, naturalmente, em todas as matérias. Como requerer uma capacidade ainda maior de abstração, a matemática, por exemplo, vai se tornando cada vez mais inacessível a um jovem com síndrome de down sem uma boa mediação”.

Esse relato se refere a dois aspectos, a que todo professor é um importante mediador para o aluno e deve ter um trabalho articulado na escola com os outros professores e orientadores. E no outro aspecto em relação à questão do mediador, deve ter mais um professor mediador ou auxiliar para ajudar o professor titular na aprendizagem do aluno com deficiência que tenha mais dificuldade para aprender.

Hoje o número de alunos por turma nas escolas regulares e públicas é grande. A dificuldade é do professor, mesmo que se prepare e se considere importante mediador para os alunos, tem grandes dificuldades de atender e acompanhar os seus alunos adequadamente. Por isso, a sugestão é a existência de outro professor auxiliar, será mais um mediador nessa relação de ensino e aprendizagem.

Dessa forma, os pais esperam que “seus filhos tenham na escola mais do que um lugar para socialização” e sim um lugar para aprendizagem do conhecimento que o motive para o aprender, o auxilie para as escolhas significativas da vida, o prepare como ser humano que modifica a sua prática e melhora a sua comunidade, e por sua vez, a sociedade.

Vale ressaltar aqui uma divergência de ideias em relação ao professor auxiliar como mais um mediador. Alguns pais e professores consideram isso como um “privilégio” para o aluno com deficiência. Ter um professor auxiliar como mediador “aparentemente é uma forma de discriminação”. Consideram uma forma de dizer, principalmente para os pais, que seu “filho é incapaz”.

Outros, pais, professores e profissionais ainda estão na dúvida quanto ao professor auxiliar como mais um mediador, mas reconhecem a importância desse professor. Nota-se também uma confusão na terminologia, muitas vezes utilizando o termo acompanhante, o que também remete a confusão do conceito do que seja e qual a função desse professor auxiliar. Será adotado aqui o termo professor auxiliar e sendo ele um mediador para o aluno.

No entanto, lembramos que hoje quando nos referimos à acessibilidade não estamos focando apenas a dimensão arquitetônica, mas também à estratégia para promover a inclusão das pessoas com deficiência. Nesse caso, o professor auxiliar como mais um mediador será um instrumento de acessibilidade no processo de ensino e aprendizagem do aluno com dificuldades educacionais.

Devemos pensar esse professor não como um privilégio de uns, mas promoção do desenvolvimento de cada aluno que apresentar dificuldades para aprender.

Esse professor auxiliar deve estar nas escolas regulares particulares e públicas. E no caso das escolas particulares, os pais não devem pagar um preço a mais pela existência desse professor na escola (nos depoimentos, os pais disseram que pagam um preço a mais por isso). Isso porque da mesma forma que a escola deve ter acessibilidade arquitetônica, atitudinal (sem

preconceitos, sem discriminação), ela também deve ter acessibilidade na condução do ensino aos alunos com deficiência.

A escola precisa de uma equipe que possa oferecer os serviços educacionais necessários ao desenvolvimento do aluno. E isso se refere à contratação de pessoal qualificado para o desenvolvimento dos alunos.

Nesse caso, o professor auxiliar deve ser incluído no quadro funcional da escola, como já acontece com os intérpretes de libras, em muitas escolas já fazem parte do corpo funcional da escola, isso já é uma tendência no sistema educacional brasileiro como estratégia de acessibilidade para todos. Devemos lembrar que a Lei nº 10.436/02 reconhece a Língua Brasileira de Sinais-LIBRAS como uma língua oficial para comunicação expressão, determinando que sejam garantidas formas de apoiar seu uso e sua difusão, determina também a inclusão da disciplina de Libras nos currículos dos cursos de formação de professores. Em caso de escolas particulares é proibido o pagamento a mais pela existência do intérprete de libras.

Muitos pais, os mais informados, levam esse discurso sobre os intérpretes de libras às escolas quando estão dialogando com os dirigentes. Nesse caso aqui se referem às escolas regulares particulares. Elas estão indicando aos pais a contratação do professor auxiliar para seus filhos para acompanhá-los dentro da escola, porém, estão cobrando um preço a mais por isso, já que a contratação é feita pela própria escola.

Para os pais, quando a escola cobra um preço a mais por esse serviço oferecido, traz a mensagem de que “o problema é do aluno que não tem competência para aprender.... Nunca é competência da escola”. Para eles, nesse caso, a escola está deixando de ser escola, o problema da educação dos alunos com deficiência não é dela e sim dos pais, portanto, eles que devem pagar a mais por isso. Essa é a ideia das pessoas que estão na direção e dos professores da escola.

Os pais também consideram que essas escolas particulares estão usando de “má fé”, quando os orientam a contratarem um professor auxiliar para seus filhos dentro da escola, como relata uma mãe: “Na primeira escola que visitei para matricular meus filhos, logo de cara me pediram acompanhante.... Isso foi o motivo para eu sair e mudar de escola...”

Os pais sentem a necessidade de pesquisarem outras escolas, pois se consideram “enganados” por algumas delas quando indicam a contratação de um professor auxiliar. Essa mesma mãe procurou uma segunda escola e obteve a orientação de que somente seria contratado um professor auxiliar em caso de necessidade e feito “fora da escola como qualquer outra criança que precisa de acompanhamento”. Segundo a mãe, a orientação foi para não se preocupar, se precisasse de professor auxiliar, ela seria orientada. Ela ainda acrescenta: “Esse foi o motivo que me fez escolher esta escola, pois para mim isso é inclusão de verdade”.

Diante disso, vemos que a escola deve oferecer o serviço de professor auxiliar como mais um mediador dentro do seu quadro funcional. Não devemos entender aqui como um serviço a mais ou um professor particular para o aluno. Nem tampouco considerar como privilégio do aluno ou mesmo preconceito de que o aluno é incompetente para acompanhar o processo pedagógico. A escola, seja pública ou particular, deve ter isso como uma ação estratégica de

acessibilidade para a efetiva inclusão escolar.

Vale ainda ressaltar da dificuldade de os pais estarem pagando um preço muito mais caro pela inclusão de seus filhos. Segundo alguns depoimentos, têm pais que, além de pagarem o professor auxiliar, também estão pagando os serviços que são oferecidos em salas de apoio. Os pais consideram um abuso pagar um preço a mais pela inclusão de seus filhos. “Esse preço é caro e inaceitável”. Aqui vale lembrar e refletir o artigo 205 da Constituição de 1988: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família”. Que direito é esse que os indivíduos precisam pagar a mais por uma educação escolar supostamente inclusiva?

Diante do exposto notamos que as ideias sobre a inclusão escolar estão muito divergentes umas das outras, concepções contraditórias, é preciso um rumo e que seja assertivo para não permitir a construção de “uma sociedade com abismos cada vez maiores e cada vez com mais guetos”.

2.3. Qualificação dos professores

No que tange à qualificação dos professores, existem aqueles que somente criticam os professores dizendo que não estão preparados para atenderem os alunos com deficiência. De certa forma é unânime essa percepção, até mesmo entre os próprios professores, eles dizem não estar preparados, qualificados para atenderem esses alunos.

A partir dessa leitura existem diferentes caminhos para serem percorridos, bem como diferentes questionamentos, conforme depoimentos das próprias pessoas envolvidas nos debates e discussões. É o que veremos a seguir:

• É melhor que os alunos com deficiência continuem nas escolas especiais, pelo menos enquanto os professores da rede regular de ensino se qualificam e se preparam para atender esses alunos.

• Deve haver adaptação do currículo acadêmico do curso de Pedagogia “afim de que passasse a oferecer cadeiras específicas que possibilitasse ao profissional obter tecnicamente conhecimentos singulares para educação desse público”, aqui considerando que as pessoas com deficiência possuem diferenças significativas.

• As universidades não estão conseguindo formar profissionais em tempo hábil para atenderem a demanda da inclusão escolar, gerando uma defasagem nos profissionais formados na área de educação.

• O professor deve ser “bem capacitado e bem informado”, do contrário a inclusão escolar não se efetiva.

• Os professores precisam se capacitar, porém, não têm recursos financeiros e o Estado não oferece condições para que haja essa capacitação. Portanto, como a escola deve atender esses alunos com deficiência se os professores não estão preparados por falta desses recursos?

• Os professores das escolas regulares particulares estão bem mais preparados do que os professores das escolas regulares públicas. Isso é uma grande diferença, por isso os pais sentem mais receios quanto à inclusão escolar na rede pública de ensino.

• “A Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional (LDBN/96) é muito enfática ao colocar a educação especial como modalidade de educação escolar que conta com professores especializados para o atendimento ao educando com deficiência, na qualidade de mediadores. Porém, se os professores das classes comuns não forem adequadamente preparados, o processo de inclusão corre sérios riscos”.

• Não existirá nenhuma preparação altamente qualificada para os professores, pois a inclusão escolar acontecerá somente na prática, dentro da sala de aula. E é claro aliada à participação dos membros da escola em cursos, palestras, leituras, mas principalmente à conversa, ao diálogo com os pais e, sem esquecer o diálogo com os próprios alunos.

2.4. Metodologia

Fala-se muito em adaptar os métodos para aprendizagem, e para que as informações contribuam para o desenvolvimento pedagógico do aluno é importante a utilização de métodos interessantes. O mais interessante é que não podemos falar em adaptação de conteúdo. Apesar de ser uma discussão polêmica, os que acreditam de fato na inclusão escolar propõem enfrentar os desafios e, portanto, não adaptar os conteúdos e sim buscar formas e estratégias para ensinar esse conteúdo. Isso vale para alunos com e sem deficiência. Avaliando os depoimentos, todos acreditam que de qualquer maneira todos sairão ganhando.

“A escola deve primar pelo seu serviço e atender as necessidades de todas as crianças, pegar uma matéria específica para exemplo é complicado, porque já vi muitos casos em que o aluno não aprende porque o professor não busca meio de ensinar...”. Apesar de considerarmos que a busca de novas metodologias é um desafio para todos os professores, essa busca de novas estratégias de como ensinar tornará as aulas mais compreensíveis, mais atrativas e mais significativas para os alunos. E, com certeza, propiciará um melhor desenvolvimento de cada aluno.

Existem algumas preocupações quando se trata de metodologia para ensinar os conteúdos, primeiro pela complexidade de determinado tema, e segundo, pela falta de recursos disponíveis. Essas são inclusive preocupações de grande parte dos professores. Segundo depoimento de uma professora: “Alguns conteúdos são passados sem que haja um objetivo claro para sua aprendizagem, o que certamente é desanimador para o aluno”. Ela concorda que a maioria dos conteúdos pode ser interessante a partir da forma como é transmitida, no tempo adequado e de maneira agradável.

Ainda, segundo ela, “...tudo pode ser interessante. Conhecer a história da humanidade, saber sobre os minerais, sobre as línguas, exercitar a análise lógica, tudo isso é ótimo e às vezes não percebemos de imediato que aquele determinado conhecimento é útil e enriquecedor. Devemos incentivar nas crianças a alegria de saber, de conhecer o mundo, de fazer descobertas, mostrando que tudo isso nos faz, sim, pessoas melhores”.

Diante disso, partimos do pressuposto que é preciso motivação e clareza do objetivo do conteúdo para assimilação e produção do conhecimento. E para ilustrar não podemos deixar de relatar o depoimento da mãe de uma criança com deficiência matriculada numa escola regular: “...hoje o máximo que ele faz são rabiscos, mas são os melhores...eu dou nota A, porque ele sabe as cores, aprendeu a pegar no lápis, e me desenha sempre de amarelo (pois sou loira), então já é uma grande coisa...E estamos nós família com a escola e terapeutas o ajudando”.

Os pais de fato não concordam em conteúdos diferenciados, mas ficam receosos quando chegam ao ensino fundamental II, consideram a fase mais desafiadora para os alunos com deficiência, principalmente aqueles com uma deficiência mais acentuada ou mesmo com deficiência intelectual, também chamada de deficiência mental.

Mesmo com esses receios consideram que o conteúdo diferenciado é uma forma de discriminação, pois seria considerar que esses alunos não “aprendem mesmo”, portanto, defendem “que todos devem ter acesso a todos os conteúdos”.

Outro exemplo, mesmo sendo de um aluno no fundamental II, vale como sugestão para todos os professores de qualquer série escolar. Um pai relata que para seu filho a única adaptação feita pela escola foi na avaliação, a professora oferece mais tempo para ele escrever, pois escreve mais devagar que os outros alunos. Segundo o pai, “a escola sabe que ele está sendo avaliado pelo conhecimento e não pela velocidade da escrita”.

2.5. Legislação

Outra questão bastante discutida é a legislação brasileira. Alguns pais, profissionais e professores consideram a inclusão escolar como uma intransigência da lei. A Constituição brasileira no seu artigo 208, inciso III, diz “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”. Aqui, para eles é entendido como uma obrigatoriedade, todos devem estar matriculados numa escola regular. Ainda podemos nos remeter ao Estatuto da Criança e do Adolescente, lei nº 8.069/90, no artigo 55

reforça o que consta na Constituição: “os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”. E mais, a regulamentação das matrículas de alunos com deficiência no ensino regular está no documento que apresenta a nova Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva. Essa Política é a garantia do ensino regular para todos os alunos, incluindo os com deficiência, e mais o ensino regular oferecido conjugado com o atendimento especializado oferecido em horário diferente. Diante de tudo isso, esses pais, profissionais e professores entendem que a obrigatoriedade invade o direito de escolha dos pais e responsáveis ao matricularem seus filhos numa determinada escola. E não é qualquer escola, para eles é uma escola despreparada, sem qualificação alguma para atender as necessidades de seus filhos. Essas pessoas também não consideram que as escolas regulares estão acessíveis, tanto no que diz respeito à acessibilidade arquitetônica, bem como acessibilidade atitudinal, ou seja, possuem preconceito e discriminação, e não possuem acessibilidade metodológica para o processo de ensino e aprendizagem dos alunos com deficiência.

Além dessa obrigatoriedade, tem a lei 7.853/89 que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, em seu artigo 8º prescreve que é crime recusar a matrícula do aluno com deficiência em qualquer escola. Portanto, o acesso à escola regular não pode ser negado, pois do contrário a escola terá punição. Os profissionais que trabalham indiretamente com a área de educação mencionam que a obrigatoriedade conforme a lei “impõe às pessoas com deficiência que se adaptem a escola atual, com suas falhas, estigmas e caráter excludente”. E mais, indagam que “não seria prudente que o sistema de ensino regular correspondesse às necessidades da diversidade para receber seus alunos? Não está este processo sendo realizado de maneira controversa? Essa obrigatoriedade não transforma as famílias em vilãs ao optarem pela escola especial e não submeterem seus filhos a uma escola regular excludente, retirando do Estado à responsabilidade quanto à qualidade do ensino?

Além desses profissionais, os pais também indagam: “Se o Estado não consegue cumprir a meta do ensino público com qualidade para todos os que não têm deficiência, não tem por onde cobrar que seus filhos sejam vítimas de um sistema incompetente”.

De qualquer forma todos estão cientes de que o processo para a inclusão escolar é irreversível, portanto, é importante nesse momento “trabalhar a sociedade, a fim de torná-la consciente e tolerante em relação à diversidade humana”. É com informação que a sociedade entenderá que a inclusão escolar é a maneira mais assertiva para a igualdade entre as pessoas e para o desenvolvimento da humanidade.

O conhecimento da própria legislação facilita a compreensão do que é inclusão escolar e facilita também a sua efetividade. Vejam que relato interessante de uma mãe: “...bastou 5 min de conversa com a coordenadora mostrando que conhecia leis e decretos e ela estava matriculada. Hoje está muito bem, na segunda série, APRENDENDO, frequenta a sala de recursos de 2 a 3 vezes por semana, mas se eu não tivesse mostrado que conhecia nossos direitos, talvez estivesse estudando longe de casa, em uma sala de recursos longe da escola e talvez tivesse sido convencida que seria melhor uma escola especializada”.

[...]

REFERÊNCIAS

BUENO, José Geraldo Silveira. Educação Especial Brasileira: Integração/segregação do aluno diferente– EDUC – FABESP, SP, pp 125-167, 2004.

________________________, entre outros autores. Políticas de educação especial no Brasil: estudo comparado das normas das unidades da Federação. Revista Brasileira de Educação Especial. Marília. Jan-abril., v. 11, n. 1, 2005.

GARCIA, Rosalba Maria Cardoso. Discursos Políticos sobre inclusão: questões para as políticas públicas de educação especial no Brasil. GT Educação Especial/ nº 15 – CNPQ.

GRACIANO, Mariângela, org. Educação também é direito humano – São Paulo: Ação Educativa, Plataforma Interamericana de Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento – PIDHDD, 2005.

JANNUZI, Gilberta de Martino. Políticas públicas de inclusão escolar de pessoas portadoras de necessidades especiais: reflexões. Revista GIS, Rio de Janeiro, out. 2004. Seção Artigos. Disponível em: http: www.itds.ufrj.Br/gis/ januzzi/januzzi2.htm.

PRIETO, Rosângela Gavioli. Inclusão Escolar: pontos e contrapontos. Maria Tereza Eglér Mantoan, Valéria Amorim Arantes (org). São Paulo, Summus, 2006.

Revistas e cartilha

Inclusão: Revista da Educação Especial/Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial. v.1., n.1 (out. 2005) – Brasília: Secretaria de Educação Especial, 2005.

Revista Mensagem da APAE. Federação Nacional da APAES, fevereiro de 2008, ano 40, nº 95.

O acesso de alunos com deficiência às escolas e classes comuns da rede regular/ Ministério Público Federal: Fundação Procurador Pedro Jorge de Melo e Silva (organizadores) / 2ª ed. rev. e atualiz. – Brasília: Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, 2004.

Documentos

Posicionamento do Movimento Apaeano em defesa da inclusão escolar de pessoas com deficiência intelectual e mútipla- Federação Nacional da APAES – FENAPAE, 2007.

Parecer da APABB referente à Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva – Associação de Pais, Amigos e Pessoas com Deficiência de Funcionários do Banco do Brasil e da Comunidade, 2008.

Legislação e documentos:

Constituição Federal 1988.

Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência - Decreto nº 3.956/2001.

Declaração de Salamanca, Espanha, 1994.

Declaração Mundial sobre Educação para todos, Jomtien, 1990.

Declaração Universal dos Direitos Humanos – 1948.

Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8069/90.

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9394/96.

Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva – janeiro, 2008.

Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Lei no 7.853/1989.

Sites

APABB – www.apabb.org.br.

Associação Baiana de Síndrome de Down – www.serdow.org.br .

Conselho Municipal de Defesa dos direitos da pessoa com deficiência – Rio de Janeiro/RJ – http://comdef-rio.blogspot.com.

Educação Especial à Distância – http://listas.cev.org.br/arquivos/html/cevagita/1998-06/msg00014.html

(Ead – 1) Educação à Distância na Educação Especial – www.listas.unicamp. br/pipermail/ead-1/2005-june/007175.html

Fórum Estadual de Educação Especial – www.grupos.com.br/group/feei

Inclusão: ampla, geral e irrestrita – http://br.groups.yahoo.com/group/sindromededown www.orkut.com/Community.aspx?cmm=43817565 http://groups.myspace.com/sindromededown

Grupo Ethos-paideia – www.grupos.com.br/group/ethos-paideia/messages. html?action=message&id=119

Rede saci – www.saci.org.br.

(Da monografia Inclusão escolar não se faz apenas com leis e decretos – uma compreensão das principais dificuldades para se efetivar essa inclusão, de Vanusa Lima, sob a orientação da Profª Dra. Darcy Raiça, 2008)

VANUSA LIMA Educadora e assistente social. Especialista em A arte de contar histórias e em Educação Inclusiva e Deficiência Mental (Intelectual). Fez Seminário Teológico nível médio. Idealizadora do Contação de Leitura – um projeto social, um conceito. Conta histórias com os livros há mais de trinta anos. Trabalhou em organizações sociais na área da Assistência Social, grande parte com formação profissional. Participou do Grupo de Pesquisa A voz escrita infantil e juvenil: práticas discursivas, certificado CNPq - Programa de Estudos Pós-Graduados em Literatura e Crítica Literária da PUC-SP. Foi aluna ouvinte do mesmo Programa. Foi bolsista CNPq como auxiliar de pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Educação: História, Política e Sociedade - PUC-SP. Foi aluna ouvinte do mesmo Programa. Foi bolsista de iniciação científica pelo PIBICCEPE/PUC-SP, pesquisa Escola pública e as possibilidades para implantação do Serviço Social (Graduação em Serviço Social PUC-SP). Tem seus estudos sobre o livro, a leitura e a infância.

Capa e design gráfico de DÉBORA LIMA (LIMA.DE). Artista visual, pesquisadora na área de Criação e arte-educadora. Mestranda em Literatura e Crítica Literária na PUC-SP (com Bolsa CAPES). Graduada em Comunicação SocialRádio e TV pelas Faculdades Integradas Rio Branco. Formação em Artes Plásticas pela Escola Panamericana de Arte e Design. Atuou como editora de arte e designer na área de Educação básica. É membro do Grupo de Estudos em Escrita Criativa na PUC-SP.

.São Paulo: Contação de Leitura, 2023 1. Monografia 2. Serviço Social

Educação inclusiva 4. Escola 5. Deficiência

3.

“O corpo não é feito de um só membro, mas de muitos. Se o pé disser: ‘Porque não sou mão, não pertenço ao corpo’, nem por isso deixa de fazer parte do corpo. E se o ouvido disser: ‘Porque não sou olho, não pertenço ao corpo’, nem por isso deixa de fazer parte do corpo. Se todo o corpo fosse olho, onde estaria a audição? Se todo o corpo fosse ouvido, onde estaria o olfato? De fato, Deus dispôs cada um dos membros no corpo, segundo a sua vontade. Se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo?”

(da Carta I Coríntios 12:14-19, escrita por Paulo de Tarso, Bíblia Sagrada)

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