Glaucoma Completo 2017

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Índice Alfabético

A Ablação retiniana, 270 Adenocarcinoma do corpo ciliar e da íris, 393 Adenoma da íris, 393 do corpo ciliar, 393 Agentes antifibróticos, 411 hiperosmóticos, 411 Alterações vasculares, 59 Análogos de prostaglandinas, 410 Anatomia do globo ocular, 3-10 Anecortave, 431 Anel de contorno, 72f Angiomatose encefalotrigeminal, 146 definição, 146 quadro clínico, 147 tratamento, 150 Ângulo camerular fechamento do, 313 Aniridia, 151 epidemiologia, 152 etiopatogenia, 152 exame, 152

glaucoma, 153 herança, 152 tratamento, 153 Anomalia de Peters, 136 Antimetabólitos, 466 Artrite reumatoide juvenil, 253 Atrofia peripapilar, 61 B Betabloqueadores, 409 Biomicroscopia, 39, 126 câmara anterior, 40 córnea, 40 cristalino, 41 esclera e episclera, 40 íris, 41 pálpebras e conjuntiva, 39 ultrassônica, 41 Bloqueadores do glutamato, 415 Bloqueio induzido, 122 pelo cristalino, 123 por causas posteriores, 123 pupilar, 122 ângulo fechado com, 238 ângulo fechado sem, 238 Brimonidina, 415

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506 | Glaucoma C Câmara anterior estrutura do ângulo da, 106 Campo visual, 75 Canal de Schlemm sangue no, 50f Carcinomas metastáticos, 382 Catarata extração da glaucoma associado a, 291-305 ângulo aberto, 292 glaucoma coexistentes, 493-499 Células ganglionares, 75 apoptose das, 414 neuroproteção das, 415 Células fantasmas, 177 diagnóstico diferencial, 178 quadro clínico, 178 tratamento, 178 Ceratoplastia penetrante glaucoma associado a, 307-319 classificação, 310 etiopatogenia, 311 incidência, 307 medidas profiláticas, 314 quadro clínico, 308 tratamento, 315 Ciclite heterocrônica de Fuchs, 248 diagnóstico diferencial, 249 quadro clínico, 248 heterocromia, 248 tratamento, 249 Ciclofotocoagulação endoscópica, 446 com laser de diodo, 490 transpupilar, 446 transescleral, 443 a laser, 488 Cicloplégicos, 242 Cirurgia a laser, 223 coclodestrutivas, 247 da catarata, 223 do glaucoma, 223 congênito, 477-483 indicação, 477 tratamento, 477

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Cistos congênitos da íris, 333 da íris e do corpo ciliar, 391 diagnóstico diferencial, 391 tratamento, 392 tipos, 391 epiteliais, 329 e tumores intraoculares glaucoma associado a, 373-395 neuroepiteliais, 332 parasitários, 333 Classificação, 165-170 glaucomas de ângulo aberto, 166 pós-trabeculares, 167 pré-trabeculares, 166 trabeculares, 166 glaucomas de ângulo fechado, 168 com bloqueio pupilar, 168 sem bloqueio pupilar, 168 Córnea ausência de, 136 plana, 138 tração da, 464 transplante de, 502 indicações, 502 Coroide melanomas da, 379 Corpo ciliar adenocarcinoma do, 393 adenoma do, 393 idade média, 393 tratamento, 393 cistos do, 391 melanomas do, 377 Corticoterapia, 243 Crioablação retiniana, 271 Crise glaucomatocíclica, 250 diagnóstico diferencial, 251 etiopatogenia, 251 quadro clínico, 250 tratamento, 251 Cristalino ectopia e intumescência do, 195-206 descolamento traumático do, 201 homocistinúria, 201 lentis, 195 et pupilae, 198 isolada, 198

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luxação, 195 quadro clínico, 195 subluxação, 195 tratamento, 202, 205 D Disco óptico avaliação clínica do, 114 exame do, 114 Disgenesias ectomesenquimais, 144 tratamento, 145 Distrofia endotelial de Fuchs, 341 quadro clínico, 341 tratamento, 342 Distrofia polimorfa posterior da córnea, 150, 342 definição, 150 quadro clínico, 150, 342 tratamento, 151, 343 Down síndrome de, 156 Drenagem implantes de, 471-476 complicações, 473 introdução, 471 mecanismo de redução, 471 tipos de, 472

Estereofotografia de papila, 62 F Facectomia, 268 isolada, 494 Fármacos/farmacologia, 405-412 em fase de pesquisa, 429-433 introdução, 429 locais, 431 sistêmicos, 429 farmacodinâmica, 407 introdução, 405 noções básicas, 405 Fármacos hipotensores oculares, 244 eficácia, 402 modo de ação, 402 Fístulas arteriovenosas, 356 carotidocavernosas, 356 Fosseta adquirida do nervo óptico, 61 Fotocoagulação direta, 273 iriana, 271 panretiniana, 270 G

E Ectopia lentis síndromes associadas à, 157 Epinefrina, 9 Episclerite apresentação, 227 definição, 227 tratamento, 228 Eritropoetina, 416 Escavação tamanho e aspecto da, 57 Esclerites, 228 anteriores, 229 definição, 228 frequência, 228 posteriores, 231 Esclerocórnea, 139 Estatinas, 416

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Genética, 11-18 e glaucoma, 13 classificação, 13 gene, 14, 15 herdabilidade, 13 regiões do genoma, 13 perspectivas, 17 princípios básicos, 11 Glaucoma(s) associado a anomalias congênitas, 135-161 anomalia de Peters, 136 ausência de córnea, 136 introdução, 135 manifestações sistêmicas associadas, 151 tratamento, 138 associado à ceratoplastia penetrante, 307-319 associado a cistos e tumores intraoculares, 373-395

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508 | Glaucoma associado a doenças da retina, 281-289 associado a extração de catarata, 291-305 avaliação funcional do, 75-93 campo visual, 75 perimetria azul e amarelo, 85 perimetria convencional, 77 perimetria de frequência dupla, 86 perimetria flicker, 89 perimetria objetiva, 90 classificação dos, 13, 19 congênito primário, 15 cirurgia do, 477-483 corticosônico, 345-349 diagnóstico, 348 fisiopatologia, 347 formas clínicas, 345 crônica, 345 pseudocongênita, 346 tratamento, 348 e distrofias endoteliais corneanas, 335-344 e hemorragias intraoculares, 171-179 associado a hifema, 171 de células fantasmas, 177 hemolítico, 176 hemossiderótico, 178 epidemiologia do, 19-27 introdução à, 19 facolítico, 207-214 diagnóstico, 209 diferencial, 209 patogenia do, 207 quadro clínico, 208 tratamento, 210 e hipertensão venosa episcleral, 351-363 fatores de risco, 22 demográficos, 22 familiares, 23 oculares, 24 sistêmicos, 23 genética e, 13 laser em, 437-449 maligno, 321-328 diagnóstico diferencial, 324 fisiopatogenia, 322 quadro clínico, 321 tratamento, 326 cirúrgico, 327

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neovascular, 257-279 causas e condições predisponentes, 263 cirurgias oculares, 268 diagnóstico diferencial, 261 doenças vasculares extraoculares, 268 estudo fluoresceínico, 260 neoplasias oculares, 268 patologia, 262 quadro clínico, 257 tratamento, 269 pigmentário, 365-371 diagnóstico diferencial, 369 patogênese, 368 quadro clínico, 366 pigmentação, 366 pressão intraocular, 367 tratamento, 369 por restos corticais, 210 diagnóstico diferencial, 212 patogenia, 211 quadro clínico, 211 tratamento, 212 prevalência e incidência, 21 primário de ângulo aberto, 97-118 avaliação estrutural, 113 avaliação funcional, 116 definição, 97 epidemiologia, 98 fatores de risco, 101 hereditariedade, 98 hipertensão ocular, 109 patogenia, 99 pressão normal, 110 quadro clínico, 102 suspeitos, 109 primário de ângulo fechado, 121-132 --avaliação clínica, 126 classificação, 123 diagnóstico diferencial, 129 fatores de risco, 125 mecanismo de fechamento, 121 tratamento, 129 secundário a afecções da episclera e esclera, 227-233 secundário a uveítes, 235-255 diagnóstico diferencial, 240 fisiopatologia, 237

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tratamento, 241 uveíte anterior, 235 uveítes associadas ao glaucoma, 248 traumatismo e, 181-194 Globo ocular anatomia do, 3-10 Golfmann tonômetro de, 32, 33f Gonioscopia, 45-53 classificações, 51 definição, 45 técnica e identificação de estruturas, 49 tipos de lentes, 45 Goniolentes, 45 cirúrgicas, 46f Gonioprismas, 47 Gonioscopia, 105 definição, 105 técnica de, 48 H Herpes simples, 252 tratamento, 252 Herpes-zóster, 252 tratamento, 252 Hifema espontâneo, 176 glaucoma associado à, 171 ocorrência de, 260f secundário a traumatismo perfurante, 176 tratamento do, 175 Hipertensão ocular, 109, 360 por aumento da resistência ao escoamento do humor aquoso, 237 Hipertensão venosa episcleral, 351-363 causas, 352 introdução, 351 tratamento, 361 Humor aquoso características e funções do, 10 circulação e drenagem do, 101 composição do, 100 dinâmica do, 99 escoamento do, 8 fisiologia do, 5 produção do, 6

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I Implantes de drenagem, 471-476 indicações, 473 técnica, 473 tipos de, 472 Imunossupressores, 244 Invasão epitelial, 329, 330 cistos epiteliais, 329 tumores perolados da íris, 329 Iridectomia cirúrgica, 246 incisional, 455 indicações, 455 técnica, 456 profilática, 132 Iridociclite aguda, 261f pós-operatória, 294 Iridoplastia, 442, 456 complicações, 443, 458 contraindicações, 442, 458 indicações, 442, 457 técnica, 442, 458 Iridotomia, 441, 451 complicações, 442, 454 indicações, 441, 451 mecanismo de ação, 441 técnica, 441, 453 Íris adenocarcinoma da, 393 morbidade, 394 prognóstico, 393 adenoma da, 393 apresentação, 393 tratamento, 393 cirurgia de, 451-460 cistos da, 391 melanocitoma da, 392 melanomas da, 375 Irradiação terapia por, 394 K Koeppe lente de, 46f

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510 | Glaucoma L Laser, 245 em glaucoma, 437-449 ciclofotocoagulação endoscópica, 446 ciclofotocoagulação transpupilar, 446 ciclofotocoagulação transescleral, 443 iridoplastia ou gonioplastia, 442 princípios, 437 trabeculoplastia, 437 varredura a, 68 Lentes de Koeppe, 46f tipos de, 45 Leucemias, 383 Lowe síndrome de, 154 M Malha trabecular compressão, distorção e colapso da, 311 Mapa de desvio, 71f de espessura, 70f Marfan síndrome de, 159 Meduloepitelioma, 389 definição, 389 diagnóstico, 389 manifestações clínicas, 389 Megalocórnea, 140 definição, 140 Melanocitoma da íris, 392 definição, 392 diagnóstico diferencial, 392 prognóstico, 392 Melanomas uveais malignos, 373 Memantina, 429 Metástases irianas e ciclíticas, 382 Microcórnea, 138 quadro clínico, 138 Microesferofacia, 156 etiopatogenia, 158 exame oftalmológico, 158 glaucoma, 159

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herança, 158 tratamento, 159 Midriáticos, 242 N Neoplasias metastáticas, 382 Nervo óptico, 113 avaliação anatômica do, 55-73 constituição do, 55 métodos de, 56 para documentar o, 62 quantitativos, 64 polarimetria, 68 qualitativa, 55 sinais de lesão, 57 tomografia de coerência óptica, 66 topografia do, 64 Neuroproteção, 413-418 apoptose das células ganglionares, 414 estratégias, 415 introdução, 413 mecanismos de degeneração neuronal, 414 Nevos da íris e do corpo ciliar, 390 conduta inicial, 391 definição, 390 diagnóstico diferencial, 390 prognóstico, 391 Neurofibromatose, 145 tipos, 145 tratamento, 146 O Oftalmopatia tireoide, 355 Outros procedimentos combinados, 501-504 descolamento de retina, 501 transplante de córnea, 502 P Papiloscopia, 126 Perimetria azul e amarelo, 85 convencional, 77 de frequência dupla, 86 flicker, 89 objetiva, 90

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Perímetro Humphrey, 77 Octopus, 80 Perkins tonômetro de, 34 Peters anomalia de, 136 Polarimetria de varredura a laser, 68 Pressão intraocular, 29-37, 101, 103, 400 distribuição da, 29 flutuação da, 31 média de medidas, 30t tipos de tonometria, 31 Princípios gerais, 399-404 fármacos hipotensores oculares, 402 fidelidade ou adesividade ao tratamento, 401 pressão intraocular, 400 seguimento do paciente, 403 Procedimentos ciclodestrutivos, 485-491 ciclofotocoagulação endoscópica com laser de diodo, 490 ciclofotocoagulação transescleral a laser, 488 complicações, 487 indicações, 485 resultados, 486 técnicas, 487 Proliferação fibrosa, 332 diagnóstico diferencial, 332 Pseudoexfoliação capsular, 215-225 diagnóstico diferencial, 222 epidemiologia, 215 patogenia, 220 quadro clínico, 217 tratamento, 222 Pseudogliomas, 387 definição, 387 Pupiloplastia, 459 indicações, 459 técnica, 459 Q Queimadura por agentes físicos, 187 química, 186

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R Retalho conjuntival, 464 escleral, 465 Retina descolamento de, 267, 288, 501 glaucoma associado a doenças da, 281-289 doenças retinianas ou decorrentes do seu tratamento, 281 Retinoblastoma, 268, 385 características, 386 definição, 386 patologias, 386 tratamento, 387 Retinopatia diabética, 263 Rima neural defeitos na, 58 S Schiötz tonômetro de, 32 Segmento anterior avaliação do, 39-43 biomicroscopia, 39 ultrassônica, 41 tomografia de coerência óptica, 42 Seio camerular estruturas do, 49f Síndrome da membrana endotelial iridocorneana, 335 diagnóstico diferencial, 339 patogenia, 338 quadro clínico, 336 tratamento, 340 de Down, 156 exame oftalmológico, 156 herança, 156 de Lowe, 154 etiopatogenia, 155 exame oftalmológico, 155 herança, 154 tratamento, 155 de Marfan, 159 etiopatogenia, 160

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512 | Glaucoma exame, 160 glaucoma, 161 herança, 160 tratamento, 161 de Sturge-Weber, 354 Sinequias irianas prevenção de, 314 Sistema de drenagem colapso do, 314 de Scheie, 52f Sutura do retalho escleral, 468 T Testes provocativos, 127 Tomografia de coerência óptica, 42 do disco óptico, 66 Tonometria, 126 limitações da, 36 tipos de, 31 Tonômetros de Goldmann, 32 de Perkins, 34 de Pascal, 36f de Schiötz, 32 outros, 35 Tonopen, 35f Topografia do disco óptico, 64 Trabeculectomia, 467 e facectomia combinadas, 495 isolada, 495 Trabeculoplastia, 437 contraindicações, 438 indicações, 438 parâmetros, 439 técnica, 438 evolução da, 461-470 indicação, 461 introdução, 461 pós-operatório, 469 pré-operatório, 462 técnica cirúrgica, 462 Tratamento como conduzir o, 425-428

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quando e como iniciar, 419-424 introdução, 419 seguimento do paciente, 423 Traumatismo e glaucoma, 181-194 contuso, 181 e hipertensão ocular, 181 quadro clínica, 183 exames complementares, 187 penetrante, 185 pós, 189 diagnóstico, 192 diferencial, 192 fisiopatologia, 191 quadro clínico, 189 tratamento, 188, 193 Tromboflebite orbitária, 353 Tumores linfóides, 384 U Unidades de iluminação, 76 Uveíte(s) anterior, 235 quadro clínico, 235 associadas ao glaucoma, 248 pseudo-hipertensiva, 346 virais, 252 V Via trabecular, 8f uveoescleral, 9 Vitrectomia, 269 Vítreo hialoide hipereplasia do, 141 conceito, 141 quadro clínico, 143 X Xantogranuloma juvenil, 388 características, 388 definição, 388 exame complementar, 388 ocorrência, 388 prognóstico, 389 tratamento, 389

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SÉRIE OFTALMOLOGIA BRASILEIRA 4a Edição

GLAUCOMA

2016 – 2017 III

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SÉRIE OFTALMOLOGIA BRASILEIRA Conselho Brasileiro de Oftalmologia – CBO

GLAUCOMA EDITORES Paulo Augusto de Arruda Mello Professor Associado do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo – Setor de Glaucoma

Membro do Conselho Internacional da Associação de Pesquisadores em Oftalmologia e Visão – ARVO

Presidente da Sociedade Latino Americana de Glaucoma

Homero Gusmão de Almeida

Remo Susanna Jr.

Professor-Adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, MG Doutor em Medicina, Oftalmologia pela Universidade de Minas Gerais, MG

Professor Titular de Oftalmologia do Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, HCFMUSP

Chefe dos Serviços de Glaucoma e de Catarata do Instituto de Olhos de Belo Horizonte, MG

Coordenador da Disciplina de Oftalmologia no Curso de Graduação em Medicina da FMUSP, SP

COORDENADOR Milton Ruiz Alves

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REVISOR CIENTÍFICO Paulo Gelman Vaidergorn

Assistente-Doutor da Clínica Oftalmológica da Faculdade de Medicina da USP

ANOS

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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ C755g 4.ed. Conselho Brasileiro de Oftalmologia. Glaucoma / Conselho Brasileiro de Oftalmologia; coordenador Milton Ruiz Alves; editores Paulo Augusto de Arruda Mello, Remo Susanna Jr., Homero Gusmão de Almeida.- 4.ed. - Rio deJaneiro :Cultura Médica, c2016. p. ; il.- (Oftalmologia brasileira) Vários colaboradores. ISBN: 978-85-7006-671-8

1. Glaucoma. 2. Pressão intraocular. 3. Oftalmopatias. I. Alves, Milton Ruiz. II. Mello, Paulo Augusto de Arruda. III.Susanna Jr., Remo. IV. Almeida, Homero Gusmão de. V. Título. CDD: 617.741 CDU: 617.7-007.681

© Copyright 2016  Cultura Médica®   Esta obra está protegida pela Lei no 9.610 dos Direitos Autorais, de 19 de fevereiro de 1998, sancionada e publicada no Diário Oficial da União em 20 de fevereiro de 1998.   Em vigor a Lei no 10.693, de 1o de julho de 2003, que altera os Artigos 184 e 186 do Código Penal e acrescenta Parágrafos ao Artigo 525 do Código de Processo Penal.   Caso ocorram reproduções de textos, figuras, tabelas, quadros, esquemas e fontes de pesquisa, são de inteira responsabilidade do(s) autor(es) ou colaborador(es). Qualquer informação, contatar a Cultura Médica® Impresso no Brasil Printed in Brazil

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Colaboradores

Adriana Silva Borges-Giampani

João Batista Nigro Santiago Malta

Alberto Diniz Filho

Joel Edmur Boteon

André Batista Ferreira

José Paulo Cabral Vasconcellos

Augusto Paranhos Jr.

José Ricardo Redher

Bruno Pimentel de Figueiredo

Luciana Afonso Pires

Carlos Akira Omi

Luciana Bernardi

Carlos Rubens de Figueiredo

Luciana Meirelles Franklin

Carmo Mandia Jr.

Marcelo Hatanaka

Celso Antônio de Carvalho

Marco Antonio Fares Ramalho

Christiane Rolim de Moura

Maria Cristina Nishiwaki-Dantas

Ednajar Tavares Macedo Filho

Maurício Della Paolera

Edson Quedas

Mauro Waiswol

Emílio Rintaro Suzuki Jr.

Nassim Calixto

Enyr Saran Arcieri

Nassim Calixto Jr.

Fábio Nishimura Kanadani

Natanael Cavalcanti Figueiroa Filho

Felício A. da SIlva

Niro Kasahara

Geraldo Vicente de Almeida

Paula Boturão de Almeida

Ivan Maynart Tavares

Paulo Gelman Vaidergorn

Jair Giampani Jr.

Ralph Cohen

João Agostini Netto

Regina Cele Silveira

João Antonio Prata Jr.

Renato Dias Cardoso VII

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Ricardo Nunes Eliezer

Sebastião Cronemberger

Ricardo Suzuki

Sérgio Henrique Sampaio Meirelles

Riuitiro Yamane

Sérgio Henrique Teixeira

Roberto Freire Santiago Malta

Tiago dos Santos Prata

Roberto Murad Vessani

Wagner Duarte Batista

Rodrigo Antonio Brant Fernandes

Wilma Lelis Barboza

Rodrigo Avelino

Vera Christina Waller de Lima

Rogério Lacerda

Vinícius Paganini Nascimento

Rui Barroso Schimiti

Vital Paulino Costa

Ruth R. Schor

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Apresentação

A “Série Oftalmologia Brasileira” ganha uma nova edição, mais rica e atual. A 4a edição será lançada durante o 60o Congresso Brasileiro de Oftalmologia (CBO) em Goiânia, setembro de 2016. A série teve como preocupação principal atualizar os pontos nos quais o progresso da ciência e o avanço da prática oftalmológica haviam colocado em xeque os conceitos emitidos na edição anterior. O coordenador da obra, Milton Ruiz Alves, trabalhou intensamente, analisando as mudanças propostas pelos coordenadores de cada volume e incorporando as atualizações pertinentes. A 4a Edição da “Série Oftalmologia Brasileira”, contará com 19 volumes, mais de 600 especialistas, e continuará sendo referência importante como literatura para a prova a Título de Especialista do CBO. A editora Cultura Médica, de maneira competente, programou, diagramou e conferiu todo o conteúdo enviado pelos autores, para que pudéssemos tornar esta série, a segunda maior obra bibliográfica da especialidade no mundo. Sinto-me honrado em contribuir com a classe oftalmológica de maneira tão significativa, com o lançamento de mais uma edição desta magnífica obra. Parabenizo a todos que contribuíram para a atualização da série e, em especial, a Hamilton Moreira, que entreviu a importância seminal desta obra, um verdadeiro marco de qualidade na literatura oftalmológica. Boa leitura! Homero Gusmão de Almeida Presidente do Conselho Brasileiro de Oftalmologia – CBO

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Agradecimentos

O projeto de atualização e impressão desta quarta edição da “Série Oftalmologia Brasileira” conta, novamente, com a parceria privilegiada estabelecida pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia com mais de 600 professores e colaboradores que a escreveram: são mais de 10.000 páginas comprometidas, essencialmente, com a divulgação do conhecimento e a valorização do exercício profissional da Oftalmologia que praticamos. Aos autores e colaboradores, responsáveis pela excelente qualidade desta obra, nossos profundos agradecimentos não apenas pela revisão e atualização do conteúdo, mas, sobretudo, pelo resultado conseguido, que a mantém em destaque entre as mais importantes publicações de Oftalmologia do mundo. O Conselho Brasileiro de Oftalmologia oferece aos jovens oftalmologistas esta quarta edição da “Série Oftalmologia Brasileira”, importante fonte de transmissão de conhecimentos, esperando que possa contribuir tanto para a formação básica quanto para a educação continuada. Sintam orgulho desta obra. Boa leitura! Milton Ruiz Alves Coordenador da Série Oftalmologia Brasileira

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Sumário

SEÇÃO I Princípios Básicos

1

Anatomia do Globo Ocular. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 Rui Barroso Schimiti • Vital Paulino Costa

2 Genética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 José Paulo Cabral Vasconcellos • Vital Paulino Costa

3

Epidemiologia do Glaucoma. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 José Paulo Cabral Vasconcellos • Vital Paulino Costa

4

Pressão Intraocular. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 Enyr Saran Arcieri • Vital Paulino Costa

5

Avaliação do Segmento Anterior. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 Enyr Saran Arcieri • Vital Paulino Costa

6 Gonioscopia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .45 Rui Barroso Schimiti • Vital Paulino Costa

7

Avaliação Anatômica do Nervo Óptico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 Luciana Bernardi • Rodrigo Avelino • Vital Paulino Costa

XIII

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8

Avaliação Funcional do Glaucoma. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 Luciana Bernardi • Vital Paulino Costa

SEÇÃO II Glaucoma Primário de Ângulo Aberto

9

Glaucoma Primário de Ângulo Aberto. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97 Carlos Rubens de Figueiredo • Wagner Duarte Batista COLABORADORES André Batista Ferreira • Bruno Pimentel de Figueiredo Emílio Rintaro Suzuki Jr. • Fábio Nishimura Kanadani João Agostini Netto • Luciana Meirelles Franklin

SEÇÃO III Glaucoma Primário de Ângulo Fechado

10

Glaucoma Primário de Ângulo Fechado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121 Riuitiro Yamane • Sérgio Henrique Sampaio Meirelles

SEÇÃO IV Glaucomas Associados a Anomalias Congênitas

11

Glaucomas Associados a Anomalias Congênitas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135 Nassim Calixto • Sebastião Cronemberger

SEÇÃO V Glaucomas Secundários

12 Classificação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165 Homero Gusmão de Almeida

13

Glaucoma e Hemorragias Intraoculares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171 Ralph Cohen • Geraldo Vicente de Almeida • Ricardo Nunes Eliezer

14

Traumatismo e Glaucoma. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181 Sebastião Cronemberger • Nassim Calixto

15

Ectopia e Intumescência do Cristalino . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 195 Ralph Cohen • Geraldo Vicente de Almeida • Mauro Waiswol Maurício Della Paolera

XIV

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16

Glaucoma Facolítico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207 Carmo Mandia Jr. • Geraldo Vicente de Almeida Paula Boturão de Almeida • Ralph Cohen

17

Pseudoexfoliação Capsular. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 215 Remo Susanna Jr. • Roberto Murad Vessani

18

Glaucoma Secundário a Afecções da Episclera e Esclera. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .227 Geraldo Vicente de Almeida • Ralph Cohen Maria Cristina Nishiwaki-Dantas

19

Glaucoma Secundário a Uveítes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 235 Homero Gusmão de Almeida • Rogério Lacerda José Ricardo Redher

20

Glaucoma Neovascular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 257 Homero Gusmão de Almeida • Alberto Diniz Filho

21

Glaucoma Associado a Doenças da Retina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 281 Renato Dias Cardoso • Nassim Calixto Jr. • Nassim Calixto

22

Glaucoma Associado a Extração da Catarata. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 291 Homero Gusmão de Almeida

23

Glaucoma Associado à Ceratoplastia Penetrante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 307 Homero Gusmão de Almeida • Joel Edmur Boteon

24

Glaucoma Maligno. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 321

Roberto Freire Santiago Malta • João Baptista Nigro Santiago Malta • Marco Antonio Fares Ramalho

25

Invasão Epitelial e Proliferação Fibrosa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 329 Nassim Calixto • Sebastião Cronemberger

26

Glaucoma e Distrofias Endoteliais Corneanas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 335 Nassim Calixto • Sebastião Cronemberger

27

Glaucoma Cortisônico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 345 Celso Antônio de Carvalho

28

Glaucoma e Hipertensão Venosa Episcleral. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 351 Geraldo Vicente de Almeida • Ralph Cohen • Niro Kasahara

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29

Glaucoma Pigmentário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 365 Nassim Calixto • Sebastião Cronemberger

30

Glaucoma Associado a Cistos e Tumores Intraoculares. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 373 Felício A. da Silva • Homero Gusmão de Almeida

SEÇÃO VI Tratamento Clínico

31

Princípios Gerais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 399 Remo Susanna Jr.

32 Fármacos/Farmacologia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 405 Rodrigo Antonio Brant Fernandes • Sérgio Henrique Teixeira Carlos Akira Omi

33 Neuroproteção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 413 Jair Giampani Jr. • Adriana Silva Borges-Giampani

34

Quando e Como Iniciar o Tratamento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 419 Ruth R. Schor • João Antonio Prata Jr.

35

Como Conduzir o Tratamento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 425 Roberto Murad Vessani

36

Fármacos em Fase de Pesquisa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 429 Tiago dos Santos Prata • Edson Quedas • Luciana Afonso Pires

SEÇÃO VII Tratamento Cirúrgico

37

Laser em Glaucoma. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 437 Christiane Rolim de Moura • Vera Christina Waller de Lima

38

Cirurgia de Íris. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 451 Paulo Gelman Vaidergorn • Natanael Cavalcanti Figueiroa Filho

39

Trabeculectomia: Evolução da Técnica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 461 Paulo Augusto de Arruda Mello • Sérgio Henrique Teixeira

XVI

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40

Implantes de Drenagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 471 Marcelo Hatanaka

41

Cirurgia do Glaucoma Congênito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 477 Regina Cele Silveira • Augusto Paranhos Jr.

42

Procedimentos Ciclodestrutivos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 485 Wilma Lelis Barboza • Vinícius Paganini Nascimento

43

Glaucoma e Catarata Coexistentes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 493 Ednajar Tavares Macedo Filho • Ivan Maynart Tavares

44

Outros Procedimentos Combinados. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 501 Ricardo Suzuki

Índice Alfabético. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 505

XVII

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S E Ç Ã O  I CBO - Glaucoma - cap-01.indd 1

Princípios Básicos

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RUI BARROSO SCHIMITI • VITAL PAULINO COSTA

C A P Í T U L O  |  1

Anatomia do Globo Ocular

Para possibilitar uma melhor descrição espacial e, consequentemente, proporcionar uma melhor localização das estruturas oculares na prática clínica e na cirúrgica, alguns autores consideram que o olho é formado por dois segmentos: 1. O anterior, que engloba todas as estruturas e regiões situadas diante do cristalino (incluindo este). 2. O posterior, que engloba todas as estruturas e regiões localizadas posteriormente ao cristalino. Por sua vez, o segmento anterior contém duas câmaras: a) Câmara anterior – espaço compreendido entre a face posterior da córnea e a face anterior da íris. b) Câmara posterior – espaço compreendido entre a face posterior da íris, a face anterior do cristalino e, lateralmente, o corpo ciliar. O globo ocular é preenchido por duas substâncias: 1. O humor aquoso: fluido opticamente transparente presente no segmento anterior, é uma solução de água e eletrólitos similar aos outros fluidos tissulares, diferenciando-se destes pelo fato de que apresenta, em condições fisiológicas, pouca quantidade de proteínas. 2. O humor vítreo: gel transparente, consiste em um emaranhado de fibras colágenas com seus espaços preenchidos por moléculas de ácido hialurônico e água. Ocupa a cavidade do segmento posterior denominada cavidade vítrea, delimitada pela superfície posterior do cristalino, pelo corpo ciliar e pela retina. A túnica mais externa do globo ocular é constituída pela córnea, esclera e, posteriormente, lâmina crivosa. A córnea é a sexta parte anterior da túnica fibrosa do olho. Os cinco sextos posteriores dessa túnica, contínuos à córnea, são formados pela esclera e somente 3

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4 | Glaucoma uma pequena área pela lâmina crivosa. A córnea é transparente, lisa e apresenta um formato aproximadamente esférico na sua superfície anterior, com um raio de curvatura menor que o da esclera. A área de junção da córnea com a esclera é denominada limbo esclerocorneano. Abaixo e internamente ao limbo situa-se o seio camerular, principal local de drenagem do humor aquoso. Na região do limbo, o epitélio da superfície externa da córnea torna-se contínuo com a conjuntiva, uma membrana mucosa fina e transparente que cobre a parte anterior da esclera. A conjuntiva e a esclera são separadas por um tecido conectivo frouxo denominado cápsula de Tenon. A esclera apresenta uma consistência rígida e sua cor é branco-opalescente. A falta de um arranjo regular das fibras colágenas e de mucopolissacarídeos na sua constituição a tornam uma estrutura opaca. Posteriormente, a esclera apresenta uma perfuração, o forame escleral posterior, onde se encontra a lâmina crivosa (uma lâmina fenestrada constituída de fibras colágenas densas). Por essa estrutura passa o nervo óptico, formado por feixes de axônios das células ganglionares da retina. A camada intermediária do olho é altamente vascularizada e denominada túnica média, túnica vascular, ou úvea. A parte anterior da úvea é formada pela íris e corpo ciliar e sua parte posterior é formada pela coroide. A íris é a parte mais anterior da úvea. Ela é fina e delicada, circular e apresenta um orifício central denominado pupila. Funciona como um diafragma que controla a quantidade de luz que atinge a retina. A contração do músculo esfíncter da íris contrai a pupila. A dilatação da pupila ocorre pela contração do músculo dilatador da pupila. O corpo ciliar também é denominado úvea intermediária. Quando seccionado sagitalmente, apresenta uma forma triangular e está aderido anteriormente à íris e ao esporão escleral; posteriormente, ele é contínuo com a coroide. A parte anterior do corpo ciliar é a mais curta e se relaciona com o seio camerular dando origem à íris. O lado externo do triângulo (principalmente o músculo ciliar) se relaciona com a esclera. O lado interno é dividido em duas partes: a pars plicata, apresentando aproximadamente 2 mm de extensão, é representada pelos processos ciliares; a pars plana, que constitui a porção plana posterior de cerca de 4,5 mm de extensão, contínua com a coroide e com a retina. Mais profundamente e abaixo da pars plicata, situa-se o músculo ciliar, constituído pelas fibras circulares (mais internas), pelas fibras longitudinais (mais externas e mais próximas à esclera) e pelas fibras radiais. A parte posterior da úvea é denominada coroide e consiste em uma estrutura extremamente vascularizada com função primordialmente nutridora. A túnica mais interna do olho é uma túnica neurossensorial. Posteriormente, esta túnica é representada pela retina. Anteriormente, ela se relaciona com a superfície interna do corpo ciliar e da íris na forma de um epitélio pigmentado de dupla camada. Estas camadas podem ser delineadas na retina que é composta de um epitélio pigmentado externo e de uma parte sensorial interna que contém os cones e bastonetes, as células bipolares e as células glanglionares. A retina é, sem dúvida, a principal estrutura anatômica do olho, uma vez que é responsável pela fotorrecepção. A retina apresenta 10 camadas bem definidas que, do sentido externo ao interno, estão dispostas na seguinte sequência: epitélio pigmentar (EP), camada de cones

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Anatomia do Globo Ocular  |  5

e bastonetes, membrana limitante externa, camada nuclear externa, camada plexiforme externa, camada nuclear interna, camada plexiforme interna, camada de células ganglionares, camada de fibras nervosas e membrana limitante interna. Juntamente com os demais meios dióptricos do olho, o cristalino desempenha a importante função de refratar os raios luminosos, permitindo que a imagem se forme na superfície retiniana. O cristalino é uma estrutura biconvexa de origem ectodérmica. Sua face anterior se relaciona com a pupila, com a face posterior da íris. Sua face posterior é mais convexa que a anterior e se relaciona com o corpo vítreo. As zônulas ciliares constituem um sistema de fibras estendidas. O conjunto de fibras radiadas da zônula tem a forma de um triângulo. Estas fibras originam-se no nível do corpo ciliar, dirigindo-se ao cristalino para, em seguida, inserirem-se em suas faces anterior e posterior.

FISIOLOGIA DO HUMOR AQUOSO Como já pudemos ver, o globo ocular é constituído por um continente e por um conteúdo (Fig. 1). Parte do seu conteúdo é representada pelo humor aquoso, produzido continuada-

Fig. 1  Ilustração esquemática das camadas externa (córnea e esclera), intermediária (coroide, corpo ciliar e íris) e interna (retina) e das estruturas do interior do globo ocular humano. In: Vaughan D & Asbury T. Oftalmologia Geral.

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6 | Glaucoma mente e constantemente renovado, que escoa do interior do globo ocular por meio de estruturas específicas. O humor aquoso apresenta características peculiares e é muito importante para a manutenção da homeostase das estruturas internas do olho, principalmente aquelas desprovidas de vasos sanguíneos. O conhecimento dos processos responsáveis pela formação do humor aquoso, da interação com as estruturas avasculares do olho, das suas funções metabólicas e das particularidades do seu escoamento é fundamental para que se entendam os mecanismos que, quando em desequilíbrio, podem ocasionar o glaucoma. O corpo ciliar pode ser dividido em uma porção pregueada denominada pars plicata e em outra porção posterior e plana, denominada pars plana. A pars plicata é a porção responsável pela formação do humor aquoso e o músculo ciliar é responsável por parte da regulação do seu escoamento bem como pelo processo de acomodação visual.

Produção do humor aquoso O humor aquoso é uma solução opticamente transparente constituída principalmente por eletrólitos diluídos em água. Após ser formado pelos processos ciliares, ele passa através da pupila para a câmara anterior, sendo a maior parte escoada pela malha trabecular, passando para o canal de Schlemm, daí para as veias aquosas e então para as veias episclerais e conjuntivais. O humor aquoso é produzido em um ritmo contínuo de aproximadamente 2 microlitros por minuto, por cerca de 70 processos ciliares que estão dispostos circunferencialmente e posicionados posteriormente à íris. É formado a partir do plasma, na rede de capilares fenestrados, presentes no interior dos processos ciliares. Para que seja constituído, os elementos de sua composição necessitam atravessar o endotélio capilar, o estroma que envolve os capilares e os epitélios pigmentado e não pigmentado dos processos ciliares (Fig. 2). Assim, necessitam atravessar algumas barreiras físicas como a membrana citoplasmática e os complexos juncionais (desmossomos, zonula ocludens, tight junctions, etc.) presentes nas duas camadas epiteliais. Estas estruturas constituem a barreira hematoaquosa dos processos ciliares (Fig. 3). A formação do humor aquoso envolve diferentes processos biofísicos como a secreção, a difusão e a ultrafiltração. Entre esses processos, o que desempenha o papel mais importante para a formação do humor aquoso é o mecanismo de secreção ativa, que depende do acionamento da bomba de sódio e potássio (com gasto de ATP) e é capaz de promover um movimento de moléculas contra um gradiente de concentração. Este processo, ainda não completamente elucidado, proporciona a passagem de íons, principalmente de sódio, para a câmara posterior. A bomba de sódio e potássio é dependente da presença de bicarbonato (cuja formação depende, por sua vez, da enzima anidrase carbônica) e da ativação de receptores da adenilciclase que, em conjunto, exercem influência direta na velocidade e no volume de produção do humor aquoso (Fig. 4). Uma vez na câmara posterior, o sódio acarreta uma força osmótica que facilita a difusão de mais fluido em direção à câmara posterior. A ultrafiltração, que desempenha um papel menor na formação do humor aquoso, consiste em uma diálise (passagem seletiva de elementos por uma membrana semipermeável) sob força de uma pressão hidrostática. Estes diferentes mecanismos irão, conjuntamente, determinar o volume final do humor aquoso produzido pelos processos ciliares. Existe uma flutuação circadiana na pro-

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Fig. 2  Seção transversal de processo ciliar mostrando os capilares, o estroma e os epitélios pigmentado e não pigmentado com aumento de 350 vezes. In: Ritch R, Shields MB, Krupin T. The Glaucomas, 2nd edição, 1996.

Fig. 3  Desenho esquemático das duas camadas do epitélio ciliar. Uma membrana basal constitui a membrana limitadora interna (MLI) na superfície interna. Nas células não pigmentadas do epitélio encontram-se mitocôndria (M), zônula occludens (ZO) e interdigitações laterais e de superfície (I) e junções lacunares (JG= gap junctions). O epitélio pigmentado apresenta grânulos de melanina (GM) e lateralmente, junções intercelulares tipo desmossomos (D). In: Shields, Glaucoma 2a edição, Buenos Aires: Médica Panamericana, 1989.

Fig. 4  Diagrama simplificado do mecanismo de ação da anidrase carbônica e dos íons envolvidos na secreção ativa do humor aquoso. (Extraído de Sherwood MB. New Topical Treatments for Glaucoma.)

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8 | Glaucoma dução do humor aquoso, com menor produção durante o período noturno, e também uma diminuição relativa à idade (2% por década).

Escoamento do humor aquoso Após desempenhar suas funções de nutrição e de remoção de catabólitos das estruturas avasculares do interior do globo ocular (como o cristalino e a córnea), a maior parte do humor aquoso escoa da câmara anterior do globo ocular para a circulação sanguínea através de estruturas formadas especificamente para esse propósito, situadas no seio camerular. Esta via de escoamento é denominada via trabecular ou convencional e é responsável pela drenagem de aproximadamente 80 a 95% do volume do humor aquoso, sob condições fisiológicas. O humor aquoso atravessa inicialmente a malha trabecular (Fig. 5) e após atravessar suas porções (uveal, corneoescleral e tecido justacanalicular), atinge um canal circular denominado canal de Schlemm (Fig. 6); a partir desse canal, dirige-se ao plexo venoso escleral profundo, ao plexo venoso intraescleral e, posteriormente, ao plexo venoso episcleral, passando daí para a circulação venosa geral. A teoria proposta por Thripathi (1971) explica a passagem final do humor aquoso para o canal de Schlemm. Devido à pressão hidrostática na face endotelial do canal de Schlemm voltada para o trabeculado, inicia-se uma invaginação progressiva da parede celular (semelhante a um processo de pinocitose) que culmina com a formação de um canal transcelular transitório (plasmalema transitório basal e apical de curta existência). Durante esse breve momento, ocorre a passagem de um volume substancial de humor aquoso para o interior do canal de Sch-

Fig. 5  Via trabecular ou convencional de escoamento do humor aquoso (Fonte Alcon).

Fig. 6  Desenho esquemático de corte das camadas da malha trabecular: porções uveal, corneoescleral e tecido justacanalicular (parede interna do canal de Schlemm). In: Shields. Glaucoma 2a edição, Buenos Aires: Médica Panamericana, 1989.

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lemm. Imediatamente após esse momento, começa o fechamento da porção basal deste canal transcelular temporário, iniciando-se uma nova invaginação e a formação de um novo canal. Ao deixar o interior do olho pela via trabecular, o humor aquoso pode encontrar as seguintes regiões de resistência: 1) a parede interna do canal de Schlemm, ou seja, no tecido justacanalicular (normalmente, este é o local de maior resistência à drenagem) e; 2) as traves intermediárias do trabeculado, onde pode ocorrer acúmulo de glicosaminoglicanos (principalmente ácido hialurônico, sulfato de condroitina e sulfato de dermatana). O próprio canal de Schlemm também pode se tornar local de resistência à drenagem quando está colapsado por causas degenerativas. Um fator importante que exerce influência na drenagem do humor aquoso pela via trabecular é o nível da pressão venosa episcleral, que apresenta um valor normal médio de aproximadamente 10 mmHg. Devido ao fato de o canal de Schlemm estar em comunicação direta com o sistema venoso, quando há elevação da pressão venosa episcleral pode ocorrer estagnação ou até mesmo refluxo de humor aquoso ou de sangue. A pilocarpina (fármaco de ação parassimpatomimética) promove contração do músculo ciliar. Por sua vez, tendões do músculo ciliar que se inserem nas diferentes porções da malha trabecular e no esporão escleral promovem uma modificação da arquitetura do trabeculado, aumentando os seus espaços e diminuindo a resistência ao escoamento do humor aquoso pela via trabecular. A segunda via de escoamento é denominada uveoescleral ou não convencional e é responsável pelo escoamento de 5 a 20% do humor aquoso, quando em situações fisiológicas (Fig. 7). Por essa via, o escoamento do humor aquoso ocorre através da raiz da íris, atingindo os espaços intermusculares no corpo ciliar até alcançar o espaço supraciliar (contíguo ao espaço supracoroidal). Daí, o humor aquoso passa pelos canais emissários de vasos sanguíneos e de filetes nervosos que atravessam a esclera e chega à região episcleral, onde será absorvido por vasos sanguíneos. O escoamento do humor aquoso pela via uveoescleral é caracterizado pela ausência de barreira epitelial entre a câmara anterior e o espaço supraciliar. Apresenta um fluxo constante e, ao contrário daquele que ocorre por meio da via trabecular, não é influenciado pelos níveis da pressão intraocular ou da pressão venosa episcleral. Fármacos como a atropina, os análogos de prostaglandinas e os alfa-agonistas (como a epinefrina) aumentam o escoamento pela via uveoescleral, enquanto os fármacos com ação parassimpatomimética (como a pilocarpina e o carbacol) diminuem a drenagem por essa via.

Fig. 7  Via uveoescleral ou não convencional do escoamento do humor aquoso (Fonte Alcon).

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Características e funções do humor aquoso O humor aquoso é uma solução opticamente transparente constituída principalmente por eletrólitos diluídos em água, que representa 99,69% de sua constituição. Seu volume normal é de 0,25 a 0,3 ml, apresenta uma viscosidade de 1,025 a 1,04 (maior do que a água) e um índice de refração de 1,336. O humor aquoso apresenta importantes funções no globo ocular. Uma delas é a função trófica, pois cabe a ela o fornecimento de substratos e a remoção de metabólitos do cristalino, da malha trabecular e da córnea, estruturas avasculares. A função de sustentação representa a capacidade de separar as frágeis e dinâmicas estruturas da parte anterior do olho, impedindo que estas sofram aderências entre si. A sua função óptica deve ser sempre ressaltada, pois no sentido anteroposterior, representa o segundo meio dióptrico do olho. O humor aquoso também exerce função protetora, ao absorver o estresse mecânico e a energia térmica liberada pelos raios luminosos que o atravessam. Finalmente, devemos sempre ter em mente que o nível da pressão intraocular depende continuamente do balanço entre a produção e o escoamento do humor aquoso. Pressões intraoculares elevadas podem decorrer do aumento de produção ou da redução do escoamento do humor aquoso, enquanto pressões intraoculares baixas são provenientes da redução da produção ou do aumento do escoamento do humor aquoso.

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Genética

PRINCÍPIOS BÁSICOS A genética é a ciência da diversidade biológica. Nos últimos 50 anos, a genética humana evoluiu da diversidade fenotípica até chegar à variação do DNA propriamente dito. A genética médica é um ramo da genética humana que estuda a relação entre a diversidade biológica em seres humanos, saúde e doença. Dedica-se à investigação de doenças que acometem pacientes e seus familiares, seu diagnóstico, prevenção e tratamento A evolução da genética médica permitiu determinar que as doenças podem apresentar um padrão monogênico de hereditariedade, que incluem os tipos autossômico dominante (AD), autossômico recessivo (AR), ligado ao sexo (ligado ao X) e mitocondrial; ou apresentar um padrão complexo de hereditariedade, que envolve mais de um gene e possíveis fatores ambientais na determinação etiológica da doença (herança poligênica multifatorial). No padrão AD de herança, a presença de um alelo alterado (uma das versões alternativas de um gene que pode ocupar um determinado locus) é suficiente para a manifestação do fenótipo, ao passo que no padrão AR, existe a necessidade dos dois alelos estarem modificados para o desenvolvimento da moléstia. Na herança mitocondrial, a transmissão genética dá-se por meio do DNA mitocondrial, presente somente nas células germinativas femininas, de modo que nenhum homem afetado transmite a doença. A determinação exata do padrão de herança é dificultada pela variabilidade da penetrância e expressividade da doença. Penetrância é um conceito que se refere à expressão de um genótipo mutante, normalmente aplicado aos caracteres dominantes em heterozigose. A penetrância de um alelo mutante pode variar de acordo com a porcentagem de indivíduos portadores deste que manifestem seu fenótipo correspondente. Por exemplo, se uma condição se expressar em 100% dos indivíduos que possuam o alelo responsável, este alelo apresentaria uma penetrância de 100%, ao passo que, se esta mesma condição estiver presente em 70% das 11

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12 | Glaucoma pessoas portadoras do alelo mutante, isso corresponderia a uma penetrância de 70% para este alelo. Expressividade corresponde à gravidade de uma doença associada a uma alteração genética. Se uma condição apresentar expressividade variável, o fenótipo (manifestação clínica) determinado por esta alteração genética variará em grau de intensidade (leve a intenso), mas sempre presente entre os indivíduos que possuírem o genótipo correspondente. Recentemente, com o desenvolvimento da biologia molecular, vários pesquisadores têm procurado identificar genes associados aos mais diversos tipos de doenças humanas. Assim, um grande número de afecções oculares já tem seu locus (posição no cromossomo) e gene determinados por meio do mapeamento genético e das análises de ligação e associação. A informação genética está contida em 23 pares de cromossomos localizados no núcleo de cada célula humana, 22 dos quais chamados de autossomos e dois cromossomos sexuais (X e Y). Os indivíduos recebem um cromossomo de cada par herdado dos pais. Cada cromossomo é composto por uma fita dupla de ácido desoxirribonucleico (DNA). O DNA é uma molécula de ácido nucleico polimérica composta por um açúcar de cinco carbonos a desoxirribose, um grupo fosfato e uma das quatro bases aminadas: duas purínicas, a guanina (G) e adenina (A); e duas bases pirimidínicas a timina (T) e citosina (C). Ao conjunto de uma base, um fosfato e uma molécula de açúcar dá-se o nome de nucleotídeo. Os nucleotídeos, por meio de ligações fosfodiéster 5’-3’entre as unidades de desoxirribose adjacentes, polimerizam-se formando as cadeias de polinucleotídeos que é a fita de DNA propriamente dita. As fitas de DNA são complementares e têm direção oposta, mantidas unidas por meio de ligações de hidrogênio entre os pares de base: A com T e C com G assumindo a forma de uma dupla hélice. A molécula de DNA tem a capacidade de replicar-se a partir da separação de seus dois filamentos que servem como molde para a síntese de dois novos filamentos complementares transmitindo as informações contidas em seu código genético para gerações futuras. A informação genética armazenada no DNA não tem apenas propósito de replicação, mas também oferecer, entre outras, condições para a síntese de proteínas. À informação contida no DNA que leva à formação de uma proteína damos o nome de gene (sequência de bases específica que codifica uma proteína particular) As proteínas são construídas a partir de uma sequência de moléculas denominadas aminoácidos (aa) e têm uma função estrutural ou bioquímica a desempenhar no organismo. O processo de síntese proteica a partir do DNA é chamado de dogma central da biologia molecular. Para que tal processo ocorra é necessário, primeiramente, que a informação contida na sequência de nucleotídeos de um gene seja enviada ao citoplasma em um processo chamado transcrição para orientar a formação de uma proteína. Vários mecanismos podem ocasionar alterações na sequência normal do DNA. Quando isso ocorre e leva a uma alteração de função da proteína damos o nome de mutação. Uma mutação pode ser transmitida através de gerações, bastando que esta ocorra na linhagem de células germinativas do indivíduo. As mutações representam a base das doenças genéticas. Outras variações da sequência do DNA que podem aumentar a suscetibilidade para o desenvolvimento de doenças são chamadas de polimorfismos e, finalmente, algumas regiões de variação do DNA dispostas em padrões de repetição ou com variação de um único par de base

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são utilizados como marcadores para o mapeamento de genes causadores ou de suscetibilidade para as doenças.

GENÉTICA E GLAUCOMA Herdabilidade A história familiar é um dos fatores de risco para o desenvolvimento do glaucoma primário de ângulo aberto (GPAA), segundo diferentes abordagens, incluindo a avaliação de parentes de pacientes com GPAA, estudos do tipo caso-controle, estudos observacionais de prevalência e estudos de avaliação de gêmeos. O principal padrão de herança no GPAA é o poligênico multifatorial (padrão complexo de herança), apesar de já terem sido descritas várias famílias com GPAA apresentando padrão mendeliano de herança. Além disso, características oculares relacionadas com o glaucoma como valor da pressão intraocular (PIO), aspecto anatômico do disco óptico e espessura corneana, apresentam na sua determinação (expressão fenotípica) importante contribuição genética. Esta contribuição varia de cerca de 30% para a PIO, até 95% para a espessura corneana, situando-se ao redor de 50% para características anatômicas do disco óptico.

Classificação genética dos glaucomas A classificação proposta pela Organização Mundial do Genoma Humano designa para os genes associados ao glaucoma a sigla “GLC”. Os números “1”, “2” e “3” a seguir representam ângulo aberto, ângulo fechado e glaucoma congênito, respectivamente. Finalmente, as letras “A”, “B”, “C” e assim por diante, indicam o primeiro e os subsequentes loci identificados para determinado tipo de glaucoma. Assim, o primeiro locus identificado em associação ao GPAA recebeu o nome GLC1A, enquanto o primeiro locus relacionado para o glaucoma congênito foi denominado GLC3A.

Regiões do genoma (Loci) associadas ao glaucoma primário de ângulo aberto Até o momento, pelo menos 13 loci foram identificados, por meio de estudos de ligação e associação, relacionados com o GPAA [Tabela I]. O primeiro locus associado ao GPAA foi descrito por Sheffield et al. em 1993, que estudaram uma família de cinco gerações que apresentava GPAA do tipo juvenil (GPAA-J) (um tipo de GPAA que manifesta-se abaixo dos 40 anos de idade e cursa com PIO elevadas). O locus identificado está localizado no braço longo do cromossomo 1 (1q21-q23), posteriormente denominado GLC1A. O gene correspondente a este locus foi localizado por Stone et al. em 1997, denominado TIGR/MYOC. Posteriormente, dois outros genes foram identificados, o gene OPTN no locus GLC1E em 2002 e o gene WDR36 localizado no locus GLC1G em 2005.

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TABELA 1  Loci genéticos descritos para o glaucoma primário de ângulo aberto Localização no cromossomo

Nome do locus

Gene identificado

Autor

1q21-q31

GLC1A

MYOC

Stone et al., 1997

2p4

Wiggs JL et al., 2000

2p16.3-p15

GLC1H

www.gene.ucl.ac.uk/nomenclature

2cen-q13

GLC1B

Stoilova D et al., 1996

2q33-q34

Nemesure B et al., 2003

3p21-p22

GLC1L

Baird PN et al., 2005

3q21-q24

GLC1C

Wirtz MK et al., 1997

5q21.3-q22.1

GLC1G

WDR36

Monemi S et al., 2005

5q22.1-q32

GLC1M

Pang CP et al., 2006

7q35-q36

GLC1F

Wirtz MK et al., 1999

8q23

GLC1D

Trifan OC et al., 1998

9q22

GLC1J

Wiggs JL et al., 2004

10p12-p13

Nemesure B et al., 2003

10p14-p15

GLC1E

OPTN

Rezaie et al., 2002

14q11

Wiggs JL et al., 2000

14q21-q22

Wiggs JL et al., 2000

15q11-q13

GLC1I

Allingham RR et al., 2005

17p13

Wiggs JL et al., 2000

19q12-q14

Wiggs JL et al., 2000

20p12

GLC1K

Wiggs JL et al., 2004

Fonte: Adaptado de Bao Jian Fan et al., 2006.

Gene TIGR/MYOC Após a identificação do gene TIGR/MYOC realizada por Stone et al., diversos estudos subsequentes, avaliando mutações neste gene em populações das mais diversas origens étnicas, obtiveram frequências de alterações estruturais de 2 a 5%. O rastreamento de mutações no gene TIGR/MYOC também foi realizado na população brasileira de pacientes com GPAA, com idade inferior a 35 anos (GPAA-J), e entre os pacientes com GPAA, com idade superior a 40 anos, (parte do éxon 3 do gene TIGR/MYOC, hot spot para mutações), obtendo-se uma frequência de mutações de 35,71% e 3,85%, respectivamente. Portanto, apesar de mutações no gene TIGR/MYOC em casos esporádicos de GPAA ocorrerem com uma frequência baixa, estas alterações estão presentes em todas as populações estudadas, reforçando o papel deste no desenvolvimento do GPAA. Entretanto, algumas mutações no gene TIGR/MYOC estão restritas a determinadas populações, como, por exemplo, a identificação de uma mutação própria da população brasileira: a troca do aminoácido cisteína para arginina no códon 433 (Cys433Arg), presente em 28% dos pacientes com GPAA-J (8/28 indivíduos estudados) e em famílias com GPAA independente da idade. O mecanismo pelos quais alterações no gene TIGR/MYOC levam ao desenvolvimento do glaucoma está em estudo. Acredita-se que mutações no gene TIGR/MYOC (do tipo ganho de função) acarretem alterações na estrutura quaternária e/ou na capacidade de polimerização da

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proteína codificada, impedindo sua secreção para o meio extracelular da malha trabecular. Tais aspectos desencadeariam um processo de estresse oxidativo no retículo endoplasmático rugoso que levaria à morte das células trabeculares e, consequentemente, a uma menor capacidade funcional da malha trabecular para o escoamento do humor aquoso.

Gene OPTN Sarfarazi et al. em 1998 avaliaram três gerações de uma família com GPAA identificando a região no braço curto do cromossomo 10 (10p15-p14). As características clínicas dos indivíduos incluíam aparecimento do glaucoma por volta dos 44 anos de idade (variando entre 23 e 65 anos de idade) e PIO inferiores a 30 mmHg. Este foi o quinto locus identificado para o GPAA, denominado GLC1E. Posteriormente, Rezaie et al. (2002) identificaram o gene Optineurin (OPTN) associado ao GPAA neste locus. Alterações na sequência codificadora deste gene foram observadas em 16,7% entre os GPAA com história familiar positiva e PIO, na sua maioria, dentro dos níveis estatisticamente normais. A proteína codificada pelo gene OPTN parece interagir com outras proteínas durante o processo de apoptose das células ganglionares da retina, particularmente com o fator de necrose tumoral alfa (TNFα).

Gene WDR36 O locus GLC1G descrito para o GPAA foi obtido por meio da avaliação de 92 indivíduos de uma família proveniente do estado de Oregon (EUA) localizado no cromossomo 5. Recentemente, Monemi et al. em 2005 identificaram o gene WDR36, e relataram a presença da mutação D658G segregando com o GPAA em uma família ligada ao locus GLC1G e ausente em 476 cromossomos de indivíduos normais avaliados. Os autores observaram 4 diferentes tipos de mutações em 17 indivíduos não relacionados com GPAA (5,02%), sendo 11 com PIO elevada e 6 com glaucoma de pressão normal (GPN). O gene WDR36 parece atuar na ativação dos linfócitos T e seu papel no mecanismo de desenvolvimento do glaucoma não está determinado.

Genes de suscetibilidade para o GPAA Como descrito anteriormente, o componente genético predominante no GPAA é o poligênico multifatorial (padrão complexo de herança). O estudo de polimorfismos em doenças complexas incluindo Alzheimer, diabetes melito, degeneração macular relacionada à idade e esquizofrenia tem permitido a identificação de alelos de suscetibilidade associados a estas doenças. Estudos do tipo caso-controle em pacientes com GPAA e GPN também têm sido realizados, identificando-se polimorfismos associados ao glaucoma em vários genes relacionados aos processos neurodegenerativos, à homeostase do humor aquoso, às disfunções vasculares e à resposta imunológica: genes p53, p21, IL-1β, TNFα, IGF-II, OPA1, APOE, NOS3, AGTR2, B2AR, TAP1-1 e TAP1-2.

Glaucoma congênito primário (GCP) O GCP, que acomete ambos os olhos em 75% dos casos, apresenta forte componente hereditário, obedecendo, preferencialmente, ao padrão de herança autossômico recessivo, apoiado na

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16 | Glaucoma existência de alta concordância entre os gêmeos monozigóticos e ausência de concordância entre os gêmeos dizigóticos, não afastando, contudo, o padrão poligênico de herança. Em 1995, Sarfarazi et al. avaliaram 17 famílias provenientes da Turquia que apresentavam de 2 a 9 membros afetados com GCP bilateral e identificaram o gene CYP1B1 associado ao GCP (locus GLC3A). A frequência de alterações estruturais no gene CYP1B1 entre pacientes com GCP variou segundo a população estudada de mais de 85% entre os turcos, árabes e eslovacos a 50% na população mexicana, 40% nas populações indiana e italiana e 20% na população japonesa. Na população brasileira, a frequência de mutações observadas foi de 50% (52 indivíduos, 26 com mutações), sendo quatro próprias de nossa população. O gene CYP1B1, é composto por três éxons totalizando 1.629 pares de bases (pb), codifica a proteína P4501B1, pertencente à família do citocromo P450 e envolvida no metabolismo do oxigênio, ácido aracdônico e na gênese de esteroides. O papel da proteína P4501B1 na etiologia do GCP não está totalmente esclarecido.

Glaucomas associados à malformação do segmento anterior (glaucomas de desenvolvimento) Os glaucomas de desenvolvimento ocorrem devido à malformação dos tecidos mesenquimais (estroma iriano, ângulo iridocorneano, endotélio e estroma da córnea), associados ou não a alterações de tecidos ectodémicos (cristalino) (Dias, 1998). Tais alterações incluem aniridia, malformações de Axenfeld-Rieger, iridogoniodisgenesias. Alguns genes já foram associados a estas disgenesias do segmento anterior, sendo que a maior parte deles atua como fatores de transcrição, ou seja, regula o processo de transcrição de outros genes. Os principais genes são o FOXC1, encontrando-se mutações principalmente nas anomalias e/ou síndrome de AxenfeldRieger, PITX2 principalmente na síndrome de Axenfeld-Rieger e iridogoniodisgenesia e o gene PAX6 onde alterações estruturais estão relacionas com os quadros de aniridia. Dois trabalhos avaliaram mutações nos genes PITX2 e FOXC1 em famílias brasileiras com síndrome de Axenfeld-Rieger. O primeiro (Borges et al. 2002) estudou cinco famílias com síndrome de Axenfeld-Rieger apresentando manifestações sistêmicas, identificando mutações no gene PITX2 em duas destas. O segundo (Cella et al. 2006), avaliou oito famílias, incluindo indivíduos com manifestações restritas ao globo ocular e identificou alterações estruturais no gene FOXC1 em três famílias, sendo duas consideradas como mutações associadas à doença.

Outras formas de glaucoma Andersen et al. em 1997 estudaram quatro famílias de origem iraniana com síndrome de dispersão pigmentar (total de 28 indivíduos afetados) e demonstraram que o gene responsável está localizado no locus 7q35-q36, em uma região de 10 cM. Um segundo locus foi subsequentemente identificado no cromossomo 18 (18q11-q21). Dois loci associados à síndrome de pseudoexfoliação e ao glaucoma pseudoexfoliativo foram descritos, avaliando-se famílias de origens britânica e canadense: o primeiro deles, no braço curto do cromossomo 2 (2p16) com padrão de herança AD e o outro sugerindo padrão de herança mitocondrial. No entanto, os genes associados a estas condições não foram identificados.

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O antecedente familiar positivo inclui-se como um dos fatores de risco para desenvolvimento de glaucoma primário de ângulo fechado (GPAF). Apesar dos padrões AD e AR já terem sido descritos para o GPAF, admite-se o padrão poligênico multifatorial como o mais aceito para este tipo de glaucoma. No entanto, até o momento, nenhum gene foi identificado para o GPAF.

PERSPECTIVAS O desenvolvimento das diversas áreas básicas do conhecimento humano, incluindo a biologia celular e a genética, permitirá no futuro caracterizar melhor os diferentes tipos de glaucoma ao qual, atualmente, denominamos como primário de ângulo aberto. Assim, dividi-los em diferentes grupos baseado em suas diferentes fisiopatologias permitirá um seguimento clínico mais racional e eficiente. Além disso, o conhecimento dos mecanismos que levam ao dano glaucomatoso nas diferentes estruturas oculares permitirá novas abordagens no tratamento do glaucoma, tais como neuroproteção, modulação da cicatrização da cirurgia antiglaucomatosa, outras formas de redução da PIO entre outras, reduzindo o risco de perda da função visual causada por esta doença.

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Epidemiologia do Glaucoma

INTRODUÇÃO À EPIDEMIOLOGIA A definição e a classificação apropriadas de uma determinada doença são fundamentais para descrevê-la do ponto de vista epidemiológico, que tem o intuito de auxiliar a compreensão e o controle da mesma por meio da avaliação de sua prevalência, incidência e dos seus fatores de risco. O glaucoma pode ser definido como uma doença neurodegenerativa de etiologia multifatorial compreendendo inúmeras afecções oculares que têm como características em comum a lesão progressiva do nervo óptico (afilamento progressivo da rima nervosa e aumento da relação escavação/disco) com perda de campo visual correspondente. O sítio primário da lesão glaucomatosa são as células ganglionares da retina (CGR), particularmente seus axônios (fibras nervosas). A elevação da pressão intraocular (PIO) é um fator de risco primário. No glaucoma ocorre uma aceleração do processo de apoptose das CGR comparada à perda natural decorrente do envelhecimento. A necessidade de dividi-lo em subgrupos que compartilhem mecanismos fisiopatológicos e epidemiológicos é dificultada, muitas vezes, pelos critérios de classificação provenientes de sua propedêutica, como a tonometria, a gonioscopia, a fundoscopia e a perimetria.

CLASSIFICAÇÃO DOS GLAUCOMAS O glaucoma pode ser classificado de acordo com a etiologia (primário ou secundário), o aspecto anatômico do seio camerular (aberto ou fechado) ou a evolução clínica (agudo ou crônico). Quando os mecanismos fisiopatológicos que levam ao desenvolvimento do glaucoma são conhecidos e envolvem condições oculares e/ou sistêmicas que resultam em elevação da PIO e lesão glaucomatosa do disco óptico, o glaucoma é denominado secundário. O termo primário 19

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20 | Glaucoma se restringe aos glaucomas cujo mecanismo responsável pelo desenvolvimento da lesão glaucomatosa do disco óptico e, na maioria das vezes, do aumento da PIO não está estabelecido. O seio camerular compreende uma série de estruturas que inclui desde a íris periférica até a linha de Schwalbe. A observação destas estruturas e suas correlações topográficas por meio da gonioscopia permitem classificar o seio camerular ou ângulo em aberto e fechado. Os glaucomas, portanto, podem também ser denominados segundo esse aspecto anatômico do seio camerular em: 1) de ângulo aberto ou 2) de ângulo fechado. Para se diferenciar os glaucomas de ângulo aberto e fechado, é fundamental que o oftalmologista domine completamente a gonioscopia, que permite o reconhecimento das estruturas do seio camerular. Foster et al. em 2002 sugeriram uma classificação para o glaucoma primário de ângulo aberto (GPAA) baseada no aumento da escavação vertical do disco óptico e em defeitos característicos do campo visual. Os critérios diagnósticos foram divididos em três categorias: 1. Evidências de danos estrutural e funcional. O dano estrutural definido como olhos apresentando relação escavação/disco ou assimetria de escavação maior ou igual a 97,5% do percentil normal da população em que se inclua o paciente ou uma redução da rima neural do disco óptico menor ou igual a 0,1 da relação escavação/disco nos polos superior e inferior (entre 11 e 1 hora e entre 5 e 7 horas do relógio) associado à presença de defeito de campo visual compatível com glaucoma. 2. Evidência de dano estrutural avançado sem anormalidade do campo visual comprovada. Nessa situação, a relação escavação/disco e assimetria deve ser maior do que 99,5% da distribuição normal, ou seja, o glaucoma é diagnosticado baseado somente nas alterações estruturais. Considerando-se as categorias 1 e 2 não devem existir outros achados no exame oftalmológico para o aumento ou assimetria da relação escavação/disco, como displasia do disco óptico, anisometropias ou alterações do campo visual secundárias a alterações retinianas e neurológicas. 3. Impossibilidade de avaliação do disco óptico ou do campo visual na presença de baixa visão com aumento da PIO acima do percentil 99,5% da população normal ou evidência de procedimento cirúrgico antiglaucomatoso ou registros médicos confirmando o diagnóstico de glaucoma. Vale realçar que esta proposta de classificação é dirigida para estudos epidemiológicos. Na prática clínica, outros sinais de lesão do disco óptico, assim como o acompanhamento do paciente monitorando mudanças da camada de fibras nervosas da retina e aspectos morfológicos do disco óptico, são fundamentais para o diagnóstico do glaucoma mesmo na vigência de exames funcionais dentro da normalidade. Finalizando, na classificação do GPAA pode também ser considerado o valor da PIO. O glaucoma de pressão normal incluiria indivíduos com lesões estruturais e funcionais glaucomatosas e valores de PIO consistentemente abaixo de 21 mmHg. Os mesmos autores citados anteriormente propuseram uma nova definição para o glaucoma primário de ângulo fechado (GPAF) na tentativa de tornar sua classificação mais homogênea, menos subjetiva e com características semelhantes à classificação utilizada para o glaucoma GPAA.

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Nesta classificação, o ângulo seria considerado estreito (oclusível) quando ao exame gonioscópico sem identação, não fosse possível a observação do trabeculado posterior em 270° de extensão do seio camerular. Quando indivíduos apresentassem esta condição sem outras alterações secundárias do seio camerular (avaliadas à gonioscopia de identação), pressão intraocular (PIO) dentro do percentil de 97,5% da população e ausência de lesões glaucomatosas do disco óptico seriam classificados como portadores de ângulo fechado primário suspeito. Os indivíduos que além do ângulo estreito, apresentassem uma ou mais características clínicas descritas a seguir seriam classificados como portadores de ângulo fechado primário. Esses sinais são: 1) presença ao exame gonioscópico de fechamento angular definitivo caracterizado por sinequias anteriores periféricas, ou intermitentes como o aumento localizado da pigmentação (imprint) do trabeculado; 2) aumento da PIO acima do percentil de 97,5% da população estudada; 3) história clínica compatível com elevação abrupta da PIO (glaucoma agudo) associada ou não a sinais de isquemia secundária do segmento anterior como atrofia setorial da íris, glaucomfleken entre outras. E, finalmente, os indivíduos que associado ao ângulo fechado primário desenvolvessem lesão glaucomatosa do disco óptico e/ou correspondente perda de campo visual seriam então classificados como portadores de glaucoma primário de ângulo fechado (GPAF). O GPAF pode ainda ser classificado segundo o seu mecanismo fisiopatológico em glaucoma por bloqueio pupilar, por íris em plateau e por creeping angle closure. Finalmente, aspectos clínicos do GPAF permitem uma classificação em agudo, subagudo ou intermitente e crônico. Finalizando, existem ainda os indivíduos suspeitos de glaucoma. Esta hipótese diagnóstica é formulada na presença de uma das características a seguir: discos ópticos com sinais não definitivos de lesão glaucomatosa (discos suspeitos), presença de alterações de campo visual do tipo glaucomatoso sem anormalidades correspondentes do disco e/ou camada de fibras nervosas da retina (campo visual suspeito), PIO acima do percentil 97,5% da população estudada e indivíduos com ângulos oclusíveis com aspecto normal do disco óptico, campo visual e PIO dentro da distribuição normal, além da ausência de sinequias periféricas anteriores no seio camerular.

PREVALÊNCIA E INCIDÊNCIA Segundo dados recentes da Organização Mundial de Saúde, o glaucoma é a segunda causa de cegueira no mundo (12,3%), superado apenas pela catarata (47,8%). Apesar das causas de cegueira no mundo variarem de acordo com as condições socioeconômicas e geográficas de cada população, o glaucoma mantém-se como uma das principais causas, independentemente da população avaliada. Uma estimativa prevê a ocorrencia de 60,5 milhões de pessoas com glaucomas de ângulos aberto e fechado em 2010 elevando-se para 79,6 milhões em 2020. As mulheres compreenderão 55% dos casos de ângulo aberto e 70% dos glaucomas de ângulo fechado. Os indivíduos de origem asiática serão responsáveis por 47% do total de glaucomatosos e 87% daqueles com diagnóstico de ângulo fechado. Os autores estimaram que 4,5 milhões e 3,9 milhões de indivíduos com glaucomas de ângulos aberto e fechado, respectivamente, apresentarão cegueira bilateral em 2010, aumentando este número para 5,9 e 5,3 milhões em 2020. Apesar da estimativa menor de casos de cegueira bilateral no glaucoma de ângulo fe-

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22 | Glaucoma chado, a proporção de indivíduos que evoluem para cegueira (acuidade visual menor do que 20/400 bilateralmente) nesta forma de glaucoma é estimada em 25% (mais do que 2 vezes a estimada para o GPAA). Em algumas populações, como em Andhra Pradesh, na Índia, 41% dos pacientes com o GPAF apresentavam cegueira mono ou binocular e na China, estima-se que o GPAF cause 10 vezes mais cegueira que o GPAA. A prevalência do GPAA varia também de acordo com a região estudada, com estudos revelando valores de 1 a 3% na Europa, 1 a 4% na Ásia e 2 a 3% na Austrália. Nos Estados Unidos a prevalência varia de 1 a 5% dependendo do grupo populacional avaliado. Em norte-americanos de origem europeia foi de 1 a 2%, de ascendência africana de 4% e de 2 a 5% nos latinos provenientes do México. Taxas maiores são encontradas na África, variando aproximadamente entre 1% na Nigéria a 8% em Gana. Contudo, as maiores prevalências são observadas no Caribe (7 a 9%) em indivíduos de origem, na sua maior parte, do oeste africano. A informação sobre a incidência de GPAA é mais limitada, sendo cerca de 0,1 a 0,2% por ano nas principais populações europeias após 5 anos de acompanhamento e 0,5% por ano em indivíduos negros acompanhados por 9 anos nos Barbados Eye Studies. As diferenças encontradas nas incidências entre populações caucasianas e negras estão em acordo com as taxas de prevalências correspondentes. A prevalência do GPAF varia de 0,1 a 5,0% sendo menor nas populações de origem europeia e africana e maior entre os asiáticos. No Brasil, existe escassez de informações sobre a prevalência de glaucoma. No Brasil, Sakata et al. (2007) examinaram 1.636 indivíduos maiores de 40 anos de idade. A prevalência de glaucoma neste grupo populacional foi de 3,4% (IC 95% 2,5 – 4,3), sendo 2,4% (IC 95% 1,7 – 3,2) de GPAA, e 0,7% (IC 95% 0,3 – 1,1) de GPAF. Cerca de 12% dos indivíduos apresentaram diagnóstico prévio da doença. Cegueira unilateral devido a glaucoma primário foi observada em 7 indivíduos. Negros apresentaram uma taxa maior de cegueira unilateral que brancos (5 vs. 2 casos, respectivamente, p = 0,014). Outro estudo avaliou a distribuição dos diferentes tipos de glaucoma em um serviço universitário de referência no atendimento de pacientes com glaucoma. Nesta amostra de pacientes, 20,4 eram compostas por GPAF.

FATORES DE RISCO Os fatores de risco associados ao GPAA incluem fatores demográficos, familiares, sistêmicos, oculares e ambientais.

Fatores demográficos Idade e ancestralidade são fatores de risco estabelecidos para os glaucomas primários de ângulos aberto e fechado. No GPAA a prevalência entre os negros é maior em todas as faixas etárias quando comparadas às populações brancas e asiáticas. Em indivíduos acima dos 70 anos de idade, a prevalência nos negros foi de 16% seguida de 6% entre os brancos e 3% na população asiática. Entretanto, o aumento da prevalência do GPAA por década de aumento da idade foi maior entre os brancos com razão de chances de 2,05 (IC 95% 1,91 – 2,18), 1,61 (IC 95% 1,53 – 1,70) entre os negros e de 1,57 (IC 95% 1,46 – 1,68) nos asiáticos. Em relação ao

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gênero, não existe concordância na maior frequência entre homens ou mulheres. Uma revisão sistemática da literatura apontou para uma maior prevalência do sexo masculino (RC = 1,37 (IC 95% 1,22 – 1,53). Além disso, existe uma tendência maior de incidência do sexo masculino ao desenvolvimento do GPAA em estudos populacionais longitudinais com esta abordagem, sugerindo que indivíduos do sexo masculino apresentam maior risco para o GPAA do que as mulheres, no mínimo para algumas populações. Os indivíduos negros apresentam maior prevalência de GPAA em todas as faixas etárias além do desenvolvimento mais precoce da doença. O glaucoma é a principal causa de cegueira neste grupo populacional (32%). Em relação aos asiáticos, a prevalência de GPAA é semelhante à apresentada entre os europeus, contudo, entre os japoneses observam-se valores menores da PIO. Apesar disso, o GPAF é a forma mais frequente nas populações asiáticas. A frequência de GPAF é maior entre os esquimós, asiáticos do leste e do sudeste variando entre 3 a 5% em indivíduos acima de 40 anos de idade. Entre os europeus e africanos a prevalência varia entre 0,1 e 0,9%. No Brasil, a prevalência foi de 0,7% na Região Sul (composta principalmente por indivíduos de descendência europeia) e de 4,2% ao norte (entre indígenas do Alto do Rio Negro). O aumento da idade eleva a chance da ocorrência do GPAF. A incidência deste tipo de glaucoma aumenta a partir dos 50 anos de idade atingindo o ápice na sétima década de vida. Na presença de glaucoma de ângulo fechado em indivíduos mais jovens, deve-se avaliar a possibilidade do componente de bloqueio aposicional (íris em plateau) no mecanismo de desenvolvimento do fechamento angular. As mulheres, em todas as raças, apresentam mais frequentemente GPAF e ângulos oclusíveis em relação aos homens. Esta proporção varia de 2 a 5 vezes, dependendo da população avaliada.

Fatores familiares O antecedente familiar positivo inclui-se como um dos fatores de risco para desenvolvimento do GPAA em diversas populações estudadas. Dois estudos populacionais longitudinais avaliaram os fatores de risco para GPAA, um deles na Austrália e outro em Barbados, no Caribe. O primeiro (estudo na população australiana) avaliou 3.271 indivíduos (85% de participação) com 5 anos de seguimento. A história familiar (HF) de glaucoma apresentou um risco relativo para o desenvolvimento de GPAA de 2,1 (IC 95% 1,03 – 4,2). O segundo estudo avaliou 3.222 indivíduos (81 a 85% participação) seguidos por 9 anos. Entre os fatores de risco associados ao desenvolvimento do GPAA, HF de glaucoma foi um dos principais fatores com risco relativo de 2,4 (IC 95% 1,3 – 4,6). Além disso, estudos têm indicado que características clínicas associadas ao glaucoma (como PIO e aspectos morfológicos do disco óptico e da camada de fibras nervosas da retina) também apresentam componente genético na sua determinação. A herdabilidade estimada para a PIO foi de 0,35 (IC 95% 0,27 – 0,43), 0,48 (IC 95% 0,35 – 0,60) para a espessura da camada de fibras nervosas da retina e 0,39 (IC 95% 0,20 – 0,58) para a rima neural do disco óptico. Além disso, estudo transversal realizado na Tansmânia sugeriu que o grupo de pacientes com GPAA e HF de glaucoma está associado à evolução mais grave de glaucoma do que o grupo de indivíduos com glaucoma esporádico. Apesar da contribuição de fatores genéticos no desenvolvimento do GPAA, poucos genes relacionados com ele foram identificados até o momento. Indivíduos que manifestam a doença mais precocemente podem apresentar um padrão de herança autossômico dominante com

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24 | Glaucoma mutações no gene MYOC. Entretanto, o GPAA desenvolve-se, mais comumente, em faixas etárias mais elevadas e apresenta padrão complexo de transmissão genética. Mutações no gene MYOC representam apenas de 3 a 5% dos casos de GPAA. Outros genes como OPTN, OPA1 estão associados a alguns casos de glaucoma de pressão normal, dependendo da população avaliada. Outras diferentes regiões do genoma e alguns genes modificadores já identificados têm sido associados ao GPAA. Desde que a etiologia do GPAA esteja associada a uma combinação de fatores genéticos e ambientais, o estudo da interação entre os genes já identificados (e de novos genes ainda não revelados associados ao GPAA) com o meio ambiente nos auxiliará na compreensão do real papel das bases genéticas do GPAA. Não existem genes associados ao GPAF, entretanto, estudos apontam um risco aumentado de 3,5 e 6 vezes de GPAF entre parentes de primeiro grau de indivíduos com esta forma de glaucoma. Admite-se o padrão poligênico multifatorial como o mais aceito para este tipo de glaucoma.

Fatores sistêmicos Desde o século XIX, postula-se que fatores vasculares possam estar envolvidos na fisiopatologia do glaucoma. A teoria vascular sugere que distúrbios do fluxo sanguíneo no disco óptico devido a fatores vasculares locais ou sistêmicos, desencadeariam o processo de apoptose das células ganglionares. Estudos sugerem que alterações vasculares como vasoespasmo, enxaqueca, anormalidade no fluxo sanguíneo ocular e distúrbios na autorregulação da circulação sanguínea sistêmica e/ou ocular estão associados a maior suscetibilidade para o desenvolvimento do GPAA. O Baltimore Eye Survey demonstrou o aumento de risco de desenvolvimento do glaucoma em até 6 vezes no grupo de indivíduos com pressões de perfusão diastólica menores do que 30 mmHg. Corroborando com este achado, Leske et al. em 2007 constataram que baixa pressão média de perfusão (menor do que 40 mmHg) apresentou um risco relativo de 2,6 (IC 95% 1,4 – 4,6) para a incidência de GPAA na população de Barbados, seguida por um período de 9 anos. Em relação ao diabetes, os estudos são conflitantes na associação desta doença com o GPAA.

Fatores oculares A PIO é o principal fator de risco associado ao GPAA. O risco relativo aumenta de 5,7 até 15,3 para níveis de PIO superiores a 24 e 30 mmHg, respectivamente. Esta relação é mais bem avaliada por meio de estudos populacionais com abordagem na incidência da doença. Os estudos envolvendo a população de Barbados constataram que o risco relativo para GPAA para indivíduos com PIO acima de 21 mmHg foi de 5,2 (IC 95% 3,5 –7,6) e para o grupo de pacientes com PIO acima de 25 mmHg foi de 5,9 (IC 95% 3,6 – 9,4). Entretanto, dos 125 novos casos diagnosticados, 54% apresentaram PIO menores do que 21 mmHg. Indivíduos com PIO elevadas e sem sinais de glaucoma são denominados hipertensos oculares (HO). Na população europeia a prevalência de HO varia de 5 a 10% e é menor entre os japoneses e americanos com ascendência mexicana. A variação da PIO relacionada com o dano glaucomatoso do disco óptico dá suporte à etiologia multifatorial do glaucoma que justificaria diferenças na suscetibilidades ao dano glaucomatoso para diferentes níveis de PIO. Recentemente, estudos multicêntricos têm

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avaliado o papel da PIO no diagnóstico e controle do glaucoma. O estudo OHTS (Ocular Hypertension Treatment Study) teve como objetivo estimar o risco de dano glaucomatoso relacionado à PIO em indivíduos com HO e avaliar o benefício do tratamento profilático precoce. Durante o estudo a redução média da PIO foi 22,5% ± 9,9% no grupo tratado e 4,0% ± 11,6% no grupo controle. Com 60 meses, a probabilidade cumulativa de desenvolver GPAA foi de 4,4% no grupo tratado, enquanto no grupo controle foi de 9,5%. Estudos do tipo transversal têm observado a associação da miopia com o GPAA. Além disso, discos ópticos com escavações maiores apresentam, em alguns estudos, como fator de risco ocular para o GPAA, contudo deve-se considerar que escavações maiores podem ser identificadas como um sinal precoce de dano glaucomatoso. Finalmente, a espessura central da córnea foi considerada como fator preditivo para o desenvolvimento do GPAA em indivíduos com HO. Mais recentemente, o estudo longitudinal de Barbados observou que o decréscimo de 40 mícrons na espessura central da córnea aumenta o risco para glaucoma em 1,41 (IC 95% 1,01 – 1,96). Não está ainda esclarecido se olhos com córneas mais finas apresentam maior risco para o GPAA devido à influência na própria medida da PIO ou se estes mesmos olhos apresentam discos ópticos mais vulneráveis à lesão glaucomatosa. GPAF está associado a determinadas características anatômicas oculares, incluindo comprimento axial reduzido, córnea mais plana, câmara anterior rasa, cristalino mais espesso e ângulo oclusível. Além disso, apesar da possibilidade do desenvolvimento do GPAF em todos os tipos de ametropias, este ocorre mais frequentemente em indivíduos hipermetropes. Comparando-se os olhos contralaterais de pacientes com crise de glaucoma agudo por bloqueio pupilar junto a olhos de indivíduos pareados por sexo e idade selecionados aleatoriamente da mesma região geográfica, os primeiros apresentaram comprimento axial 5% menor, suas lentes eram 7% mais espessas, a câmara anterior destes olhos era 24% mais rasa e o volume final da câmara anterior era 37% menor. Apesar disso, nenhum destes parâmetros apresentou poder preditivo adequado para separar definitivamente os olhos com câmara anterior rasa que desenvolverão GPAF daqueles que não evoluirão para esta forma de glaucoma. Outro exemplo nesta direção é que, apesar do exame de gonioscopia fornecer uma indicação dos olhos com maior risco de desenvolver ângulo fechado primário, este também não o faz de forma definitiva.

Outros fatores Indivíduos com GPAA apresentam maior risco (46 a 92%) de aumento da PIO em resposta ao uso da cortisona do que indivíduos sem glaucoma (5 a 6%). Este risco é dose-dependente. Além disso, parentes de primeiro grau de indivíduos com glaucoma, míopes e diabéticos também têm risco aumentado para elevação da PIO com o uso de cortisona do que a população normal. No GPAF existem fatores ambientais que contribuem para a instalação da doença, alguns deles bem definidos e denominados como fatores desencadeantes, incluindo estresse, fadiga, esforço de leitura e dilatação pupilar por fármacos. A presença destes fatores desencadeantes em olhos com condições anatômicas predisponentes ao fechamento angular aumenta a chance de desenvolvimento do GPAF.

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26 | Glaucoma

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ENYR SARAN ARCIERI • VITAL PAULINO COSTA

C A P Í T U L O  |  4

Pressão Intraocular

A pressão intraocular (PIO) é o principal fator de risco para o desenvolvimento de uma neuropatia óptica glaucomatosa, sendo a redução da PIO um dos objetivos do tratamento do glaucoma. Até o momento, o único fator que conseguimos tratar em indivíduos glaucomatosos é a PIO, que é aferida por meio de um exame denominado tonometria. O conceito de que a redução da PIO retarda a progressão do glaucoma é antigo. Desde o século XVIII, diversas substâncias têm sido utilizadas para reduzir a produção de humor aquoso ou aumentar o seu escoamento de modo a reduzir a PIO de pacientes glaucomatosos. Estudos recentes como Ocular Hypertension Treatment Study (OHTS), Advanced Glaucoma Intervention Study (AGIS), Collaborative Normal Tension Glaucoma Study (CNTGS) e Early Manifest Glaucoma Trial (EMGT) enfatizaram que a PIO é o maior fator de risco para progressão da neuropatia óptica glaucomatosa, bem como o objetivo atual do tratamento do glaucoma. A PIO pode ser definida como normal quando não está associada a um dano glaucomatoso na cabeça do nervo óptico. Não existe um “número mágico” para dividir indivíduos com PIO normal ou alterada. Apesar do desenvolvimento de outras modalidades para aferição da PIO, a tonometria de aplanação de Goldmann permanece como o padrão-ouro.

DISTRIBUIÇÃO DA PRESSÃO INTRAOCULAR O estudo populacional mais frequentemente citado a respeito dos valores da PIO foi realizado por Leydhecker et al., onde 10.000 indivíduos normais (sem doença ocular), com idade entre 10 e 69 anos, tiveram suas PIO aferidas através do tonômetro de Schiötz. Os autores obtiveram uma distribuição das PIO similar a uma curva de Gauss, embora houvesse uma distorção em direção a valores mais elevados. No grupo “normal”, a média da PIO foi de 15,7 ± 2,57 mmHg. Uma vez que aproximadamente 95% da área sob a curva de Gauss estão representados entre a média ± desvio-padrão, os autores interpretaram o valor de 20,5 mmHg como o limite 29

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30 | Glaucoma superior da normalidade para PIO. Entretanto, como a frequência de distribuição apresentava uma distorção, o princípio da distribuição de 95% sob a área da curva de Gauss não deve ser aplicado, e o conceito de limite da normalidade da PIO deve ser visto apenas como uma aproximação grosseira. A divisão do valor da PIO em grupos de normais e alterados não é tão simples, pois existem diversos fatores que podem influenciar a PIO. Além disso, nem todos os olhos respondem da mesma maneira a um determinado nível pressórico. Isso levou a uma distribuição com sobreposição da PIO em populações de indivíduos normais e com glaucoma, que pode ser ilustrada teoricamente na Figura 1. De acordo com o I Consenso da Sociedade Brasileira de Glaucoma sobre glaucoma primário de ângulo aberto (2001), o valor normal da PIO é um dado estatístico oriundo do estudo da distribuição da PIO na população e não deve ser aplicado para cada indivíduo de forma isolada, com valores acima de 21 mmHg devendo ser considerado como hipertensão ocular. Por outro lado, valores baixos da PIO também podem estar associados a alterações oculares, como, por exemplo, o desenvolvimento de maculopatia hipotônica, geralmente observada em indivíduos que apresentam PIO menor que 6 mmHg. As médias da PIO obtidas em alguns estudos populacionais estão listadas na Tabela I. TABELA I  Média de medidas da pressão intraocular em diversos estudos populacionais Autor(es)

Tonômetro

Número

Idade

PIO (média ± DP) 15,8 ± 2,57

Leydhecker et al. (1958)

Schiötz

10.000

10 – 69

Armaly (1965)

Aplanação

2.316

20 – 79

15,9 ± 3,1

Perkins (1965)

Aplanação

2.000

> 40

15,2 ± 2,5 OD

Johnson (1966)

Schiötz

7.577

> 41

15,4 ± 2,65

Segal & Skwierczyriska (1967)

Schiötz

15.695

> 30

15,3 – 15,9 FEM

Lowen et al. (1976)

Aplanação

4.661

9 – 89

Ruprecht et al. (1978)

Aplanação

8.899

5 – 94

16,2 ± 3,4

Shiose & Kawase (1986)

Aplanação

75.545

< 70

14,6 ± 2,5 MAS

David et al. (1987)

Aplanação

2.504

40 – 70

14,9 ± 4,0

Klein et al. (1992)

Aplanação

4.856

43 – 86

15,4 ± 3,3

14,9 ± 2,5 OE

15,0 – 15,2 MAS

18.158

17,2 ± 3,8

15,0 ± 2,3 FEM

Fig. 1  Distribuição da pressão intraocular em indivíduos normais (N) e com glaucoma (G) baseada no estudo de Leydhecker et al.

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Pressão Intraocular  |  31

FLUTUAÇÃO DA PRESSÃO INTRAOCULAR A PIO apresenta um ritmo circadiano, com valores mais elevados da PIO no período matutino e valores mais baixos durante a madrugada, devido à menor produção do humor aquoso. Geralmente os níveis máximos situam-se entre 6 e 11 horas da manhã e os níveis mínimos entre meia-noite e 2 horas da manhã. A variação diurna da PIO em olhos normais se situa entre 3 e 6 mmHg, sendo maior em olhos glaucomatosos. Tem sido sugerido que a progressão da neuropatia óptica glaucomatosa em alguns pacientes poderia ser causada por picos pressóricos ou por uma variabilidade da PIO não detectada pela tonometria durante o exame no consultório. Stewart et al. observaram que uma baixa flutuação da PIO ao longo do tempo é importante na preservação da função visual no glaucoma avançado. Resultados obtidos pelo AGIS sugerem que em casos de glaucoma avançado é desejável que se tenha a longo prazo a menor flutuação possível da PIO. Um outro estudo de Asrani et al. também evidenciou a associação entre estabilidade do campo visual e flutuação da PIO, com indivíduos apresentando maior flutuação da PIO possuindo maior deterioração do campo visual. A melhor forma de avaliar essa flutuação da PIO é a relização de uma curva tensional diária. O ideal seria realizar a curva com medidas no leito. Outras modalidades ou testes propostos não substituem os resultados obtidos pela curva tensional.

TIPOS DE TONOMETRIA Em oftalmologia, a medida da PIO pode ser realizada por dois métodos: digital e instrumental. Por meio da tonometria digital conseguimos uma aferição subjetiva do tônus ocular. Com os dois dedos indicadores colocados sobre a pálpebra superior, exercemos uma pressão sobre o globo ocular de encontro ao piso da cavidade orbital. A tonometria instrumental é realizada por meio de um instrumento, denominado tonômetro, para aferir o valor da PIO. É o método de escolha para determinação do valor da PIO, embora existam aparelhos distintos com a mesma finalidade. Os dois tipos básicos de tonômetros diferem de acordo com a forma de deformação: Indentação – deformação similar a um cone “truncado” (Fig. 2). Aplanação – deformação similar a um “achatamento” (Fig. 3).

Fig. 2  Exemplo de deformação corneana observada quando se realiza tonometria de indentação.

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32 | Glaucoma

Fig. 3  Exemplo de aplanação corneana observada quando se realiza tonometria de aplanação.

Tonômetro de Schiötz O tonômetro de Schiötz (Fig. 4) determina a PIO medindo a indentação da córnea produzida por um peso conhecido. O corpo do tonômetro possui uma base que repousa sobre a córnea. Um êmbolo move-se livremente dentro de um eixo existente na base. A indentação promove um deslocamento da agulha conectada ao êmbolo e esse deslocamento é lido em uma escala linear no instrumento, o qual é convertido em mmHg por meio de uma tabela de conversão.

Fig. 4  Tonômetro de Schiötz.

Tonômetro de Goldmann O tonômetro de Goldmann (tonômetro de aplanação) mede a força necessária para aplanar uma área de córnea de 3,06 mm de diâmetro. Nesse diâmetro a resistência da córnea à aplanação é contrabalançada pela atração capilar do menisco lacrimal para a cabeça do tonômetro. Além disso, a PIO (em mmHg) é igual à força de aplanação (gramas) multiplicada por 10. Dos dispositivos atualmente disponíveis para aferir a PIO, o tonômetro de Goldmann (Fig. 5) é considerado o padrão-ouro.

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Pressão Intraocular  |  33

Fig. 5  Tonômetro de Goldmann (direita). Aplanação corneana pelo tonômetro de Goldmann (superior esquerda) e semicírculos observados na tonometria de aplanação com tonômetro de Goldmann (inferior esquerda).

Esse tipo de tonometria não sofre influência da rigidez ocular, porém apresenta os seguintes fatores de interferência: Espessura corneana: a espessura corneana central e a curvatura corneana interferem nas medidas da PIO obtidas com o tonômetro de aplanação de Goldmann. O próprio Hans Goldmann reconheceu que a acurácia do modelo de tonômetro por ele proposto poderia ser questionável em córneas com uma espessura central considerada como fora de uma “variação normal”. Ele assumiu que praticamente todas as córneas saudáveis possuíam uma espessura entre 500 e 520 µm e concluiu que a espessura corneana não seria um problema na prática diária. O tonômetro é calibrado para córneas com espessura média de aproximadamente 530 micras, com córneas mais finas promovendo uma medida inferior a real e córneas mais espessas levando a uma medida superior a real. Não existe regra para se corrigir esse fator, existindo relatos de 2 a 7 mmHg de diferença na PIO para 100 micra de diferença na espessura corneana. Estudos populacionais em pacientes com diferentes espessuras corneanas descrevem fatores de correção relativamente pequenos, variando de 0,19 mmHg para 10 µm de espessura corneana a 0,5 mmHg para cada 10 µm em uma meta-análise publicada por Doughty & Zaman. Estudos manométricos demonstraram que uma alteração de 10 µm na espessura corneana central corresponde a uma alteração de 0,7 mmHg na PIO. Apesar disso, não existe normograma que possa ser utilizado na prática clínica. A Tabela II traz a comparação do efeito da espessura corneana central no valor da PIO obtido em alguns estudos.

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34 | Glaucoma A presença de astigmatismo a favor da regra eleva artificialmente a PIO, enquanto astigmatismo contra a regra reduz artificialmente a PIO. Geralmente existe uma diferença de 1 mmHg para cada 4 D de astigmatismo. O padrão de fluoresceína (Fig. 6) também pode influenciar no valor da PIO, com o excesso de fluoresceína propiciando a formação de semicírculos espessos, com raio pequeno, elevando a PIO. Se a fluoresceína for insuficiente, o semicírculo formado será muito delgado, com raio maior, reduzindo a PIO. A presença de manobra de Valsalva eleva a pressão venosa episcleral provocando aumento da PIO. Tal fator pode ser observado em indivíduos que utilizam gravatas apertadas. O tonômetro de aplanação necessita ser calibrado periodicamente e para isso vem junto com um instrumento com tal finalidade. A falta de calibração pode ser uma fonte de erro na medida da PIO. TABELA II  Comparação do efeito da espessura corneana central na pressão intraocular em diferentes estudos Estudo Wolfs et al. (1997)

Número de pacientes

Alteração na PIO associada a uma alteração de 10 mm na ECC

352

0,19

33 (59 olhos)

0,23

Singh et al. (2001)

94

0,20

Bhan et al. (2002)

94 (181 olhos)

0,23

175

0,22

Herndon et al. (1997)

Gunvant et al. (2005)

Fig. 6  Padrões de fluoresceína que podem ser encontrados durante o exame de tonometria de aplanação utilizando o tonômetro de Goldmann: padrão normal (superior esquerda), excesso de fluoresceína (direita) e fluoresceína insuficiente (inferior esquerda).

Tonômetro de Perkins O tonômetro de Perkins (Fig. 7) segue o mesmo princípio do tonômetro de Goldmann. A diferença é que o mesmo é portátil e possui um sistema de contrapeso que permite aferir

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Pressão Intraocular  |  35

Fig. 7  Tonômetro de Perkins.

a PIO em qualquer posição, sendo especialmente útil para avaliação de crianças em exame sob narcose.

Outros tonômetros Existe um dispositivo denominado Tonopen (Fig. 8) que é portátil e eletrônico, empregando um sistema de força para aplanar a base de um êmbolo para aferir a PIO. O aparelho emite um sinal elétrico que é analisado por um microprocessador e uma área de 3 mm de aplanação corresponde ao valor da PIO. Geralmente são realizadas de 4 a 10 medidas, sendo permitidas aquelas cuja variação seja inferior a 20%. Outro tipo de tonômetro disponível é o de não contato (Fig. 9), ou tonômetro de ar, que utiliza o ar para aplanar a córnea. Recentemente foi apresentado um novo tipo de tonômetro, o tonômetro de Pascal (Tonometria de Contorno Dinâmico) que fornece, na teoria, uma medida direta, contínua e transcorneana da PIO (Fig. 10). De acordo com dados do fabricante, a acurácia desse tonômetro parece não ser afetada por variações nas propriedades corneanas.

Fig. 8 Tonopen.

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36 | Glaucoma

Fig. 9  Tonômetro de não contato ou tonômetro de sopro.

Fig. 10  Imagens ilustrando o tonômetro de Pascal na lâmpada de fenda, com detalhe da medida fornecida pelo aparelho (extremidade direita).

Limitações da tonometria É importante reforçar o conceito de que glaucoma não é sinônimo de PIO, em que existem pessoas com PIO acima do considerado “normal” e que não apresentam glaucoma, enquanto também existem pessoas que mesmo com valores de PIO considerados como dentro da “normalidade” apresentam um tipo de glaucoma denominado de baixa pressão. Em um estudo realizado por Tielsch et al., os autores observaram que, considerando um valor de corte da PIO superior a 21 mmHg, o exame de tonometria apresentou uma sensibilidade de apenas 47,1%, com uma especificidade de 92,4%. Também não podem ser esquecidos os possíveis fatores de erro que podem interferir no resultado do exame.

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ENYR SARAN ARCIERI • VITAL PAULINO COSTA

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Avaliação do Segmento Anterior

A avaliação do segmento anterior é muito importante tanto na investigação quanto no acompanhamento de pacientes com glaucoma. Essa avaliação pode ser feita com uma simples lâmpada de fenda, instrumento de presença obrigatória em qualquer consultório oftalmológico, como com a utilização de aparelhos e métodos mais sofisticados, como, por exemplo, com a biomicroscopia ultrassônica (UBM) ou tomografia de coerência óptica do segmento anterior (Visante OCT).

BIOMICROSCOPIA O exame de biomicroscopia à lâmpada de fenda permite suspeitar de um quadro de glaucoma de ângulo fechado, bem como diagnosticar diversos tipos de glaucomas secundários, que serão abordados em outros capítulos deste livro. O exame de biomicroscopia deve incluir a avaliação das seguintes estruturas:

Pálpebras e conjuntiva A avaliação palpebral permitirá verificar a existência de hemangiomas, levando a suspeita de doença de Sturge-Weber. De maneira geral, quando o angioma cutâneo acomete a pálpebra superior, ocorre também comprometimento ocular. As pálpebras também podem ser acometidas por neurofibromas na doença de von Recklinghausen. Na melanocitose oculodérmica (nevo de Ota) também se observa comprometimento palpebral, com presença de lesão pigmentada. Todas as doenças supracitadas podem estar associadas a glaucomas secundários. Presença de alterações vasculares localizadas na conjuntiva pode ser observada em diversas doenças associadas a glaucoma secundário a hipertensão venosa episcleral, como fístulas arteriovenosas, obstrução do fluxo venoso, tromboflebite orbitária, síndrome de Sturge 39

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40 | Glaucoma Weber, oftalmopatia tireóidea, entre outras. Nesses casos costuma-se visualizar dilatação das veias episclerais. Melanocitose da conjuntiva também está presente na melanocitose oculodérmica. Além de levar a suspeita de algumas doenças, a avaliação da conjuntiva também permite avaliar a viabilidade de alguns procedimentos cirúrgicos adotados no tratamento do glaucoma.

Esclera e episclera Pode haver neurofibromatose de episclera e esclera na doença de von Recklinghausen, bem como presença de pigmentação na melanocitose oculodérmica. A presença de cicatrizes ou deformidades pode levar a suspeita de trauma e a presença de afinamentos pode indicar processos inflamatórios muitas vezes crônicos.

Córnea Vários tipos de glaucoma secundários podem estar associados a alterações corneanas. Na anomalia de Peters a córnea central exibe um leucoma denso e vascularizado. No glaucoma congênito observa-se a presença de estrias de Haab, que correspondem a roturas da membrana de Descemet. Distrofia endotelial e presença de bolhas subepiteliais estão presentes na síndrome da membrana endotelial iridocorneana (ICE síndrome). No glaucoma pigmentar há acúmulo de pigmento na superfície posterior da córnea em um padrão fusiforme verticalizado, denominado fuso de Krukemberg. Nos casos de uveíte, há presença de precipitados ceráticos na face posterior da córnea.

Câmara anterior A profundidade central da câmara anterior pode ser estimada durante o exame à lâmpada de fenda. Van Herick et al. (1969) desenvolveram uma técnica para estimar a profundidade na periferia da câmara anterior, que é um parâmetro considerado como tendo valor diagnóstico dentro do contexto de glaucoma de ângulo fechado. Para realização do teste de Van Herick, um feixe estreito de luz é projetado na periferia da córnea a um ângulo de 60° o mais próximo possível do limbo. Isso resulta em uma imagem na córnea e a espessura corneana será usada como referência para avaliar as condições na periferia da câmara anterior. A profundidade da câmara anterior pode ser descrita pela distância entre a imagem da córnea e a imagem na íris. A interpretação desse teste está descrita na Tabela I. TABELA I  Avaliação da profundidade periférica da câmara anterior pela classificação de Van Herick Grau I

PCA < ¼ EC*

Grau II

PCA entre ¼ e ½ EC*

Grau III

PCA entre ½ e 1 EC

Grau IV

PCA > 1 EC

PCA = profundidade da câmara anterior, EC = espessura corneana. * Ângulo estreito ou oclusível.

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Avaliação do Segmento Anterior  |  41

O exame da câmara anterior também permite avaliar a presença de um tyndall, que pode estar presente nos glaucomas associados à uveíte e também na pseudoexfoliação capsular e dispersão pigmentar.

Íris A avaliação da íris pode ajudar na suspeita ou até mesmo no diagnóstico de diversos tipos de glaucoma. Em casos de aniridia, pode ser observado desde uma discreta hipoplasia até uma ausência quase total da íris. Nos casos de glaucoma neovascular, pode ser observado um quadro de rubeosis iridis, caracterizado pela presença de neovasos irianos. No glaucoma pigmentar, pode ser observada uma transiluminação iriana, com áreas de transiluminação de padrão radial presentes na meia-periferia da íris – porção ciliar da íris – aparecendo fendas avermelhadas de direção meridional quando se faz o campo vermelho. Diversas outras alterações irianas, como corectopia, atrofia de íris, pseudopolicoria, ectópio uveal, presença de nódulos na superfície da íris, podem levar a suspeita de diferentes tipos de glaucoma secundário.

Cristalino O cristalino pode exibir alterações isoladas ou combinadas de posição, volume, estrutura e transparência. Em alguns casos, ele pode ser o responsável direto pelo aumento da pressão intraocular (ver glaucomas secundários a alterações cristalinianas).

BIOMICROSCOPIA ULTRASSÔNICA (UBM) A biomicroscopia ultrassônica (UBM, Paradigm Medical Industries Inc.) é uma técnica de diagnóstico não invasiva que utiliza transdutores de alta frequência para fornecer imagens de alta resolução do segmento anterior em tempo real (Pavlin 1992) (Figs. 1 e 2). O transdutor opera com uma frequência de 50 mHz e possui uma resolução axial e uma lateral de aproximadamente 50 µm e 25 µm, respectivamente.

Fig. 1  Aparelho de biomicroscopia ultrassônica (UBM, Paradigm Medical Industries Inc.).

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42 | Glaucoma

Fig. 2  Exemplo de imagem obtida pelo exame de UBM, onde se pode evidenciar a córnea, a íris, o cristalino e o seio camerular.

O exame de UBM permite a formação de imagens do ângulo da câmara anterior, bem como de estruturas situadas logo atrás da íris, sendo útil na avaliação de mecanismos envolvidos na fisiopatologia do glaucoma de ângulo fechado. De acordo com Ritch et al. (1995), a UBM pode auxiliar na identificação dos glaucomas de ângulo fechado por bloqueio pupilar, íris em plateau, interferência facomórfica e bloqueio ciliar. No bloqueio pupilar, a UBM pode mostrar o abaulamento da íris, o aumento do volume da câmara posterior, o contato da íris com o cristalino e a oclusão da malha trabecular pela periferia iriana. Também permite avaliar se a iridotomia está pérvia, bem como a mudança da conformação da câmara anterior após realização da mesma. Na íris em plateau, geralmente observa-se anteriorização do corpo ciliar empurrando a periferia iriana contra a malha trabecular. No glaucoma facomórfico a UBM permite avaliar anormalidades no cristalino e nas relações deste com as demais estruturas do segmento anterior. No glaucoma por bloqueio ciliar a UBM permite avaliar a presença de descolamento e rotação anterior do corpo ciliar levando a um fechamento angular, bem como a presença de um fechamento do seio camerular não associado ao descolamento do corpo ciliar (Tello 1993). O exame de UBM também é útil em casos de trauma ocular, opacidade de meios e para avaliar o insucesso de cirurgias fistulantes antiglaucomatosas.

TOMOGRAFIA DE COERÊNCIA ÓPTICA Outro aparelho que propicia a avaliação do segmento anterior é o tomógrafo de coerência óptica para o segmento anterior (OCT Visante, Carl Zeiss Meditec AG) (Figs. 3 e 4). Ele utiliza um feixe de luz infravermelha de 1.310 nm para capturar e analisar imagens das estruturas do segmento anterior, produzindo imagens de alta resolução da córnea, câmara anterior, íris e cristalino. Este aparelho permite a avaliação da anatomia do segmento anterior e, com precisão, mede as distâncias de ângulo a ângulo, os ângulos da câmara anterior, espessura da córnea e o raio de curvatura das estruturas do segmento anterior. Permite identificar a presença de sinequias da íris ou outras alterações do segmento anterior. Possibilita a medição individual da câmara anterior, como os ângulos internos, tanto horizontal quanto vertical, profundidade da câmara anterior e localização do cristalino.

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Avaliação do Segmento Anterior  |  43

Fig. 3  Tomógrafo de coerência óptica para o segmento anterior (OCT Visante, Carl Zeiss Meditec AG).

Fig. 4  Exemplo de imagem obtida pelo exame de OCT Visante, em que se pode evidenciar a córnea, a íris, o cristalino e o seio camerular.

BIBLIOGRAFIA Almeida HG, Cohen R. Glaucomas Secundários. 2a ed. São Paulo: Roca, 2006. Azuara-Blanco A, Costa VP, Wilson RP. Handbook of Glaucoma. Taylor & Francis, 2002. Garcia JP Jr, Rosen RB. Anterior segment imaging: optical coherence tomography versus ultrasound biomicroscopy. Ophthalmic Surg Lasers Imaging, 2008; 39:476-84. Huang D, Li Y, Radhakrishnan S. Optical coherence tomography of the anterior segment of the eye. Ophthalmol Clin North Am, 2004; 17:1-6. Koop N, Brinkmann R, Lankenau E et al. Optical coherence tomography of the cornea and the anterior eye segment. Ophthalmologe, 1997; 94:481-6. Liebmann JM, Ritch R. Ultrasound biomicroscopy of the anterior segment. J Am Optom Assoc, 1996; 67:469-79. Palmberg P. Gonioscopy. In: Ritch R, Shields MB, Krupin T. The Glaucomas,. St. Louis: Mosby-Year Book, 2nd, 1996. Pavlin CJ, Foster FS. Ultrasound biomicroscopy in glaucoma. Acta Ophthalmol Suppl, 1992; (204):7-9. Radhakrishnan S, Goldsmith J, Huang D et al. Comparison of optical coherence tomography and ultrasound biomicroscopy for detection of narrow anterior chamber angles. Arch Ophthalmol, 2005; 123:1053-9. Ritch R, Liebmann JM. Role of ultrasound biomicroscopy in the differentiation of block glaucomas. Curr Opin Ophthalmol, 1998; 9:39-45. Shields MB. Glaucoma, 2a ed. Buenos Aires: Médica Panamericana, 1989. Spalton DJ, Hitchings RA, Hunter PA. Atlas de Clínica Oftalmológica. São Paulo: Manole, 1989. Tello C, Chi T, Shepps G et al. Ultrasound biomicroscopy in pseudophakic malignant glaucoma. Ophthalmology, 1993; 100: 1330-4. Van Herick W, Shaffer RN, Schwartz A. Estimation of width of angle of anterior chamber. Incidence and significance of the narrow angle. Am J Ophthalmol, 1969; 68:626-9.

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RUI BARROSO SCHIMITI • VITAL PAULINO COSTA

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Gonioscopia

DEFINIÇÃO O exame do seio camerular com auxílio da lâmpada de fenda e de lentes especiais é denominado gonioscopia. Apesar de ser necessário certo treinamento inicial para realizá-lo, trata-se de um exame fundamental para a avaliação e classificação dos diferentes tipos de glaucoma. O domínio da gonioscopia torna-se também imprescindível nas avaliações pré e pós-operatórias de cirurgias antiglaucomatosas, assim como nos procedimentos realizados com laser como a trabeculoplastia e a iridoplastia. O seio camerular (também denominado ângulo iridocorneano) é a porção delimitada entre a íris e a córnea, e nele se situam estruturas muito importantes para o escoamento do humor aquoso. A dificuldade de escoamento do humor aquoso pode ocasionar aumento da pressão intraocular (PIO) e acarretar neuropatia óptica glaucomatosa. O exame do seio camerular não pode ser realizado a olho nu, pois a incidência oblíqua da luz não permite a visibilização direta do ângulo. Isto é explicado pelo fato de a luz sofrer uma reflexão interna ao alcançar um ângulo crítico, peculiar para cada interface entre dois meios com diferentes índices de refração. Para contornar esse problema, foi sugerida a utilização de lentes capazes de modificar o ângulo de incidência do raio luminoso, permitindo a observação do seio camerular. Essas lentes podem ser divididas em goniolentes (para observação direta) ou gonioprismas (para observação através de espelhos).

TIPOS DE LENTES Goniolentes Possivelmente, o primeiro indivíduo a visibilizar o seio camerular com o auxílio de lentes foi Maximilian Salzmann que ilustrou algumas alterações do seio camerular. Posteriormente, Koeppe, com uma lente (Fig. 1) semelhante à utilizada por Salzmann, aperfeiçoou as condições 45

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Fig. 1  Lente de Koeppe. Acima, a ilustração da mudança do trajeto do raio luminoso, permitindo a visibilização direta do seio camerular. Abaixo, a visão lateral e frontal da lente de Koeppe.

desse exame empregando lentes de melhor qualidade. Otto Barkan, utilizando inicialmente a lente de Koeppe e posteriormente uma lente projetada por ele próprio, apresentou uma técnica para o tratamento do glaucoma congênito: realizou incisão na região onde a íris apresentava implantação anteriorizada, onde se acreditava haver uma membrana. Tal procedimento foi por ele denominado goniotomia. Lentes mais modernas (como a lente de Hoskins-Barkan (Fig. 2A) e a lente de Swan-Jacobs (Fig. 2B) foram desenvolvidas posteriormente para utilização

Figs. 2 (A e B)  Goniolentes cirúrgicas de Hoskins-Barkan e de Swan-Jacobs para realização de goniotomia. (Retirado de Alward WLM. Color Atlas of Gonioscopy. St. Louis: Mosby, 1994.)

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Gonioscopia  |  47

neste procedimento. A gonioscopia realizada com a lente de Koeppe não é realizada rotineiramente, pois exige que o paciente esteja em decúbito dorsal e que se disponha de sistemas de magnificação e de iluminação portáteis.

Gonioprismas Goldmann foi o introdutor do primeiro gonioprisma com aplicação clínica em 1938. Idealizou uma lente de contato provida de um sistema de espelhos inclinados que permite observação do seio camerular à lâmpada de fenda (Fig. 3). Com uma área de contato de 12 mm e o emprego de substância viscoelástica (para promover uma ponte fluida entre a córnea e a lente), o observador é capaz de visibilizar o seio camerular confortavelmente através da lâmpada de fenda utilizando um espelho inclinado a 62°. Apesar de ser extremamente estável para ser utilizada, a lente de Goldmann pode apresentar um efeito de sucção devido à sua ampla área de contato com a córnea, podendo eventualmente acarretar um pequeno refluxo de sangue para o interior do canal de Schlemm. Ritch apresentou uma lente de quatro espelhos, específica para trabeculoplastia, que apresenta dois pares de espelhos com angulações de 59 e 62°; em cada par, uma das lentes apresenta ampliação da imagem, facilitando a visibilização e aplicação do laser. Os espelhos mais inclinados foram idealizados especificamente para permitir melhor observação da parte superior do seio camerular, normalmente mais estreito. Uma lente confeccionada em vidro no formato quadrangular e uma menor área de contato corneano (de 9 mm) foi apresentada pela empresa Zeiss. Esta lente possui 4 espelhos (todos

Fig. 3  Lentes de 1 espelho (superior) e de 3 espelhos (inferior) de Goldmann. (Retirado de Alward WLM. Color Atlas of Gonioscopy. St. Louis: Mosby, 1994.)

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48 | Glaucoma com a mesma inclinação de 62°). A lente de Zeiss possui uma haste dupla que contorna e fixa os ângulos laterais, permitindo que a lente seja delicadamente sustentada pelo examinador. Uma lente muito semelhante à lente de Zeiss é a lente de Posner, que se diferencia daquela por ser feita de material plástico, apresentando o cabo de sustentação inserido no vértice do próprio material (Fig. 4). A técnica de gonioscopia utilizando as lentes de Zeiss ou de Posner consiste em encostar delicadamente a lente na parte central da córnea anestesiada (em posição primária do olhar), tendo-se o cuidado de não deixar o feixe de luz incidir na pupila para não interferir na visibilização das características do ângulo original. Além de não necessitar do emprego de substância viscoelástica, esta lente permite a realização de uma manobra denominada indentação corneana. Esta manobra consiste na aplicação de uma leve pressão anteroposterior na córnea central, que promove uma ampliação do seio camerular estreito e a observação detalhada das estruturas angulares, antes impossíveis de serem vistas devido à posição da raiz da íris (Fig. 5). A indentação nos permite fazer a diferenciação entre as goniossinequias e a simples aposição da raiz da íris com a córnea. Esta análise é fundamental na avaliação dos ângulos estreitos, pois nos sugere a necessidade da realização de iridotomia, procedimento indispensável nos casos em que há fechamento angular com aderências progressivas entre a raiz da íris e o tra-

Fig. 4  Lentes de gonioscopia de Posner (superiormente) e de Zeiss (inferiormente). (Retirado de Alward WLM. Color Atlas of Gonioscopy. St. Louis: Mosby, 1994.)

Fig. 5  Representação do movimento de indentação corneana com ampliação do seio camerular pela força axial exercida com a lente de gonioscopia. (In: Shields. Glaucoma. 2a ed. Buenos Aires: Médica Panamericana, 1989.)

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beculado. Posner apresentou uma lente similar construída em material acrílico com inclinação de espelhos de 64° e um cabo de apoio inserido na porção acrílica. Devido à sua praticidade e menor peso em relação à lente de Zeiss, tem sido muito utilizada na clínica diária. Uma outra variação da lente de Zeiss foi apresentada por Sussman. Esta lente não possui cabo de apoio. Quando se utiliza a lente de Sussman nas observações gonioscópicas, deve-se manejá-la com o cuidado para não se realizar indentação e ampliação inadvertida do seio camerular. Apesar da praticidade da utilização dessas lentes de menor área de contato corneano desprovidas de cabo de apoio, o examinador iniciante pode apresentar certa dificuldade em manter a lente em posição estável. O apoio do 3o e 4o dedos na face do paciente pode ajudar nessa estabilidade (Fig. 6). Quando ocorre hipotonia ocular, o emprego dessas lentes pode acarretar a visão de estrias nas porções posteriores da córnea (membrana de Descemet e endotélio) que dificultam muito a avaliação gonioscópica. Nesta situação, dá-se preferência à utilização das lentes de Goldmann.

Fig. 6  Gonioscopia com a lente de Posner. Observe o contato de apoio do terceiro e do quarto dedos que permite uma maior estabilidade no exame.

TÉCNICA E IDENTIFICAÇÃO DE ESTRUTURAS O conhecimento das estruturas presentes no seio camerular é fundamental para que se possa avaliar o principal local de escoamento do humor aquoso, o que pode fornecer importantes pistas para elucidação dos diferentes mecanismos que envolvem cada tipo de glaucoma. A identificação de cada estrutura que compõe o ângulo iridocorneano é imprescindível para que se realize uma boa avaliação do paciente glaucomatoso. Estas estruturas serão descritas a seguir em uma sequência posteroanterior (Fig. 7). A raíz da íris é a primeira estrutura visibilizada. Na periferia da íris, a última ondulação da sua superfície anterior foi denominada “linha das cristas irianas” ou “orla de Fuchs”. Da raiz da íris podem surgir pequenos prolongamentos de tecido iriano denominados processos

Fig. 7  Desenho esquemático das estruturas do seio camerular. Na disposição posteroanterior, podemos observar a raiz da íris (final da faixa azul-clara), a faixa ciliar (cor cinza), o esporão escleral (linha cor amarelo-clara), o trabeculado (cor rosa) e a linha de Schwalbe (cor laranja). (Modificado de Sampaolesi, R. Glaucoma. Buenos Aires: Médica Panamericana, 1974.)

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50 | Glaucoma irianos, resquícios da fase de migração da íris durante a sua formação embriológica. São frequentemente visibilizados no seio camerular normal e comumente não impedem a drenagem adequada do humor aquoso, exceto quando ocupam grandes extensões. A segunda estrutura a ser observada é denominada faixa ciliar. Constitui-se em uma faixa escura anterior à raiz da íris e representa a parte visível das fibras longitudinais do músculo ciliar, observada pela gonioscopia. Pode ser mais ou menos evidente e apresentar colorações variáveis de cinza ou marrom, dependendo da profundidade de inserção do músculo na esclera e dos tecidos que estão posicionados à sua frente. Uma linha branca situada anteriormente à faixa ciliar é denominada esporão escleral. O esporão escleral é a região de sustentação das fibras longitudinais do músculo ciliar e representa o limite posterior do sulco escleral, onde estão localizadas as diferentes porções do trabeculado e o canal de Schlemm. Estas estruturas compõem a principal via de escoamento do humor aquoso, denominada via trabecular. A quarta estrutura que deve ser observada na gonioscopia é o trabeculado. Apresenta-se como uma faixa ampla constituída de duas regiões distintas à gonioscopia: a) uma mais posterior e normalmente mais pigmentada, situada diante do canal de Schlemm e; b) uma mais anterior, normalmente menos pigmentada. Microscopicamente, a rede de trabéculas apresenta três partes distintas: 1) porção uveal, mais externa; 2) porção corneoescleral, intermediária e; 3) tecido justacanalicular, mais profundo. O tecido justacanalicular é formado por uma dupla camada endotelial e se constitui na região de maior resistência à drenagem do humor aquoso pela via trabecular. A camada endotelial mais profunda é a parede interna do canal de Schlemm. O canal de Schlemm não é normalmente visível no exame de gonioscopia, exceto quando apresenta sangue no seu interior. A presença de sangue no canal de Schlemm pode ser encontrada em traumatismos oculares, em casos de refluxo devido à compressão inadequada das lentes de Goldmann e nos quadros de aumento da pressão venosa episcleral (Fig. 8). A coloração do trabeculado depende grandemente da quantidade de pigmento depositado nos espaços intertrabeculares durante o processo de escoamento do humor aquoso. A avaliação da intensidade da pigmentação do trabeculado na gonioscopia é de grande valia no diagnóstico diferencial dos glaucomas secundários (Fig. 9) e na avaliação para se programar a trabeculoplastia. A linha de Schwalbe é a quinta estrutura que deve ser observada na gonioscopia. Representa o limite posterior interno da córnea ou o final da membrana de Descemet. É visibilizada gonioscopicamente como uma linha branca e fina. Em algumas situações é difícil de ser identificada

Fig. 8  Sangue no canal de Schlemm devido ao aumento de pressão venosa episcleral secundária à fístula arteriovenosa que surgiu após traumatismo em paciente jovem.

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Fig 9  Gonioscopia de caso de glaucoma pigmentar. Observe a faixa negra constituída de pigmentos encarcerados na porção filtrante (2/3 posteriores) do trabeculado. (Retirado de Sampaolesi, R. Glaucoma. Buenos Aires: Médica Panamericana, 1974.)

com a utilização de iluminação panorâmica, principalmente em ângulos pouco pigmentados. Quando tal dificuldade ocorre, um corte óptico com fenda fina de iluminação intensa e, inclinada em aproximadamente 10 a 15° deve ser realizado. Neste corte, evidenciam-se as linhas de iluminação posterior e anterior da córnea. A linha de Schwalbe situa-se exatamente na junção dessas duas linhas (Fig. 10). Em casos de síndrome de pseudoexfoliação, pode ser evidenciada uma linha ondulada de pigmento, anterior à linha de Schwalbe, denominada linha de Sampaolesi.

Fig. 10  Desenho demonstrando a presença de corte oblíquo de luz no exame à lâmpada de fenda. Observe a presença de um processo iriano isolado na parte inferior da fenda. A seta preta representa a linha de iluminação posterior da córnea. A interseção das linhas de iluminação anterior e posterior identifica a posição exata da linha de Schwalbe. (Desenho de Lee Allen, retirado de Alward WLM, Color Atlas of Gonioscopy, St. Louis: Mosby, 1994.)

CLASSIFICAÇÕES Para facilitar a descrição dos achados gonioscópicos e a comunicação entre oftalmologistas, foram propostos alguns sistemas de graduação do seio camerular. O primeiro sistema de graduação foi proposto por Scheie em 1957. Este sistema se baseia na avaliação do grau de fechamento do seio camerular, além da avaliação do seu grau de pigmentação. O sistema classifica o ângulo iridocorneano em quatro níveis e o grau de pigmentação outros quatro níveis (Fig. 11). Um segundo e mais utilizado sistema de graduação foi proposto por Shaffer (Tabela I) em 1960 e se baseia no grau de abertura angular do seio camerular. Classifica o seio camerular em seis níveis: grau 4) amplitude de 45 a 35°; grau 3) amplitude de 35 a 20°; grau 2) amplitude de 20°; grau 1) menor ou igual a 10°; em fenda) extremamente estreito; grau 0) ângulo fechado. A partir do grau 2, o ângulo apresentaria risco de fechamento.

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Fig. 11  Sistema de Scheie para graduação de gonioscopia. (Retirado de Alward WLM, Color Atlas of Gonioscopy. St. Louis: Mosby, 1994.)

TABELA I  Sistema de Shaffer para graduação da abertura angular Graduação

Abertura angular

Descrição

Risco de oclusão

4

45 – 35°

Amplamente aberto

Impossível

3

35 – 20°

Aberto

Impossível

2

20°

Estreito

Provável

1

≤10°

Extremamente estreito

Provável

Fenda

Fenda

Em fenda

Provável

0

Fechado

Fechado

Com o objetivo de tornar a descrição do exame de gonioscopia mais detalhada, um novo sistema de graduação foi proposto por Spaeth em 1971. O sistema de Spaeth inclui a avaliação do nível de inserção da íris, da amplitude do seio camerular e da configuração da íris (Fig. 12). O nível de inserção da íris, segundo essa classificação pode ser dividido em: A, anterior à malha trabecular; B, atrás da linha de Schwalbe; C, posterior ao esporão escleral; D, profundo, no corpo ciliar e; E, extremamente profundo. A amplitude do seio camerular é avaliada pelo ângulo entre

Fig. 12  Sistema de Spaeth para graduação de gonioscopia. (Retirado de Alward WLM, Color Atlas of gonioscopy. St. Louis: Mosby, 1994.)

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duas linhas tangenciais imaginárias que acompanham a íris e a córnea. Em relação à sua configuração, nesse sistema de graduação a íris pode ser classificada em: s) convexa; r) regular; q) côncava. O sistema de graduação de Spaeth permite a descrição de outros aspectos complementares, como a pigmentação do ângulo às 12 horas (graduação de 0 a 4+), o número de processos irianos e o real nível de inserção (avaliado sob indentação). Este sistema proposto se constitui em uma das formas mais completas de se descrever a informação obtida no exame de gonioscopia. O exame gonioscópico é imprescindível para a avaliação dos mecanismos responsáveis pelo aumento da pressão intraocular. Além de essencial na avaliação do glaucoma, esse exame deve ser repetido periodicamente para detectar o surgimento de mecanismos adicionais que poderiam ser responsáveis pelo agravamento do quadro clínico ou de descontroles pressóricos persistentes. O seu completo domínio capacita o oftalmologista para a tomada de decisões fundamentais para a adequada condução dos diferentes tipos de glaucoma.

BIBLIOGRAFIA Alward WLM. Color Atlas of Gonioscopy. St. Louis: Mosby-Year Book Europe, 1994. Azuara-Blanco A, Costa VP, Wilson RP. Handbook of Glaucoma. Taylor & Francis Group, 2002. Barkan O. Operation for congenital glaucoma. Am J Ophthalmol, 1942; 25:552. Barkan O.Technique of goniotomy. Arch Ophthalmol, 1938; 19:217. Goldmann, H. Zur Technik der Spaltlampen-mikroskopie. Ophthalmol, 1938; 96: 90-7. Koeppe, L. Die Microskopie dês lebenden Kammerwinkels im fokalen Lichte der Gullstrand-schen Nerstspaltlampe. Albrecht von Graefes Arch Ophthalmol, 1919; 101:48-66. Palmberg P. Gonioscopy. In: Ritch R, Shields MB, Krupin T. The Glaucomas, 2nd. St. Louis: Mosby-Year Book, 1996. Salzmann M. Die Ophthalmoskopie der Kammerbucht. Z. Augenheilkunde, 1914; 31:1-19. Salzmann M. Nachtrag zu Ophthalmoskopie der Kammerbucht. Z. Augenheilkunde, 1915; 34:160-2. Sampaolesi, R. Glaucoma. Buenos Aires: Médica Panamericana, 1974. Scheie, HG. Width and pigmentation of the angle of the anterior chamber. Arch Ophthalmol, 1957; 58:510-512. Shaffer RN. Stereoscopic Manual of Gonioscopy. St. Louis: Mosby, 1962. Shields MB. Glaucoma, 2a ed. Buenos Aires: Médica Panamericana, 1989. Spaeth, GL. Th­­­­e Normal development of the human anterior chamber angle: a New System of Grading. Trans. Opthalmol. Soc. UK, 1971; 91:709-39. Spalton DJ, Hitchings RA, Hunter PA. Atlas de Clínica Oftalmológica. São Paulo: Manole, 1989.

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LUCIANA BERNARDI • RODRIGO AVELINO • VITAL PAULINO COSTA

C A P Í T U L O  |  7

Avaliação Anatômica do Nervo Óptico

AVALIAÇÃO QUALITATIVA DO NERVO ÓPTICO Luciana Bernardi O glaucoma é uma neuropatia óptica caracterizada por perda localizada de fibras nervosas, causando redução também localizada da rima neural, principalmente no polo superior ou inferior, e aumento da escavação, com repercussões características no campo visual. Portanto, é fundamental a avaliação da cabeça do nervo óptico no diagnóstico e no seguimento do indivíduo com glaucoma.

CONSTITUIÇÃO DO DISCO ÓPTICO E DISPOSIÇÃO DA CAMADA DE FIBRAS NERVOSAS DAS CÉLULAS GANGLIONARES DA RETINA O nervo óptico é formado por aproximadamente 1,2 milhão de axônios dos neurônios provenientes da camada de células ganglionares da retina, agrupados em aproximadamente 1.000 feixes, sustentados por astrócitos. Os feixes de fibras nervosas possuem uma distribuição específica na cabeça do nervo óptico (também denominado disco óptico) conforme o local de procedência na retina. Existe uma linha imaginária na retina temporal, denominada rafe mediana, que separa as fibras superiores das inferiores. Assim, fibras provenientes da retina superior descrevem um trajeto arqueado e formam o debrum superior da cabeça do nervo óptico, enquanto as fibras provenientes da retina inferior formam o debrum inferior do nervo. As fibras provenientes da retina nasal adentram pela região nasal do nervo e as provenientes da mácula descrevem um trajeto retilíneo até a porção temporal da cabeça do nervo óptico, formando o feixe papilomacular. As fibras nervosas mais longas, provenientes da periferia da retina situam-se mais próximas à coroide e na periferia do nervo, enquanto as fibras que se 55

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56  |  Glaucoma originam mais próximas à cabeça do nervo óptico situam-se mais próximas ao vítreo e ocupam a região mais central do nervo.

MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DO DISCO ÓPTICO O melhor método para avaliação clínica da cabeça do nervo óptico é a biomicroscopia com lente de polo posterior (60, 78 ou 90 D), que permite estereopsia e magnificação adequadas (Fig. 1). Este método é superior à oftalmoscopia indireta em relação à magnificação e superior à oftalmoscopia direta, uma vez que esta última não permite estereopsia.

Fig. 1  Exame de biomicroscopia da cabeça do nervo óptico utilizando lâmpada de fenda e lente de polo posterior.

Aspecto normal da cabeça do nervo óptico A cabeça do nervo óptico (ou disco óptico) normal é formada na sua periferia pela rima neural, composta pelos axônios, que conferem uma aparência rósea e regular ao disco óptico e por um espaço central, não preenchido pelo tecido nervoso, denominado escavação. Em olhos normais, a escavação coincide com a área de palidez, porém no glaucoma a escavação precede a palidez. Assim, deve-se delimitar a escavação pela deflexão dos vasos e não pela sua palidez. O disco óptico tem um aspecto ovalado, sendo maior no seu eixo vertical, enquanto a escavação normal é maior no diâmetro horizontal (Fig. 2). O diâmetro médio do disco óptico é aproximadamente 1,85 mm vertical e 1,7 mm horizontal e a área média do disco corresponde a 2,69 ± 0,7 mm2. O número de axônios é maior nos polos superior e inferior em relação aos

Fig. 2  Aspecto do disco óptico normal mostrando a razão escavação/disco – seta maior indica o diâmetro do nervo e seta menor o diâmetro da escavação.

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quadrantes nasais e temporais. Um nervo normal apresenta a rima inferior maior que a superior, que por sua vez é maior que a rima nasal que é maior que a rima temporal, este aspecto é facilmente lembrado pela regra mnemônica “ISNT” (Fig. 3). É importante lembrar que discos ópticos com maior diâmetro comportam uma escavação fisiologicamente maior. Assim, frente à razão diâmetro da escavação/diâmetro do disco (denominada aqui razão E/D) deve-se sempre considerar o tamanho do disco óptico. Para obter o diâmetro real do disco óptico devemos utilizar um fator de correção conforme a dioptria da lente utilizada para a biomicroscopia. Mede-se o diâmetro com o marcador em mm da fenda e multiplica-se pelo fator corretor: Lente 60 D × 0,88 Lente 78 D × 1,2 Lente 90 D × 1,33

Fig. 3  Aspecto normal do disco óptico mostrando a correlação ISNT.

SINAIS DE LESÃO GLAUCOMATOSA DO DISCO ÓPTICO Tamanho e aspecto da escavação Com a perda de fibras nervosas, ocorre um progressivo aumento da área da escavação. Assim, escavações grandes são suspeitas da ocorrência de lesão glaucomatosa. Porém, devido à grande variação no tamanho da escavação em indivíduos normais, este dado isolado é pouco específico para o diagnóstico de glaucoma. Apesar disso, podemos considerar que uma razão E/D ≤ 0,3 está presente em 70% dos indivíduos normais, enquanto uma razão E/D acima de 0,6 está presente em apenas 4% de indivíduos normais. Mais importante do que o tamanho da razão E/D é o seu aspecto. Uma razão E/D vertical maior do que a razão E/D horizontal ocorre em 57% dos indivíduos glaucomatosos e em apenas 2% dos indivíduos normais (Fig. 4). Da mesma maneira, a assimetria no tamanho da escavação é mais importante do que o tamanho da escavação isoladamente, já que menos de 0,5% dos indivíduos normais apresenta assimetria da razão E/D maior que 0,2 (Fig. 5). A presença de escavação da rima nasal também é bastante sugestiva de dano glaucomatoso, já que esta rima é uma das últimas a sofrer dano glaucomatoso. Também é importante observar o aspecto da lâmina crivosa. Um nervo normal apresenta os poros arredondados, enquanto um nervo com dano glaucomatoso apresenta os poros da lâmina crivosa com aspecto ovalado. Esta alteração deve ser procurada nos polos superior e inferior da escavação em um nervo suspeito de lesão pelo glaucoma.

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Fig. 4  Disco óptico com razão escavação/disco vertical maior do que a razão escavação/disco horizontal.

Fig. 5  Assimetria de escavação do disco óptico.

Defeitos na rima neural A lesão glaucomatosa afeta primeiramente os feixes de fibras dos polos superior e/ou inferior. Assim, no início da lesão ocorre um afilamento do debrum neural nos polos, fazendo com que a regra ISNT seja desrespeitada e a escavação vertical aumente. Defeitos localizados na rima neural (como o notch, que é observado quando a borda superior ou inferior da escavação toca a margem do disco óptico) decorrem da perda localizada de feixes de fibras nervosas e estão associados ao aparecimento dos escotomas arqueados, muito comuns no glaucoma (Fig. 6).

Fig. 6  Disco óptico com notch inferior.

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Como a perda de fibras nervosas ocorre de maneira progressiva no glaucoma, uma área do disco com lesão inicial pode reter ainda algumas fibras, que mantêm a cor rósea da rima naquele local. Assim, se avaliada apenas pela cor, a área da escavação parecerá menor do que realmente é (por isso é necessário observar o local da deflexão dos vasos). Esta característica é típica de lesão glaucomatosa e chama-se escavação pintada de rosa. Este sinal passa despercebido em uma avaliação à oftalmoscopia direta, o que reforça a necessidade da avaliação com método que permita estereopsia (Fig. 7).

Fig. 7  Disco óptico com escavação pintada de rosa no setor inferior. Note como a palidez é menor do que a escavação.

Alterações vasculares Com o aumento da escavação, o vaso circunlinear que normalmente se apoia na rima superior ou na inferior, perde o contato e torna-se desnudado. A presença deste sinal, o desnudamento do vaso circunlinear, é sugestiva de perda neural naquela localização. No entanto, o desnudamento do vaso circunlinear pode ocorrer em cerca de 15% da população normal (Fig. 8). A perda do debrum neural também causa o sinal conhecido como vaso em passarela, onde o vaso fica sem sustentação devido à perda do tecido neural adjacente (Fig. 9). Trata-se de outro sinal que somente é percebido com visão estereoscópica do disco óptico. Com a progressão da perda da rima neural, os vasos sanguíneos passam a descrever um ângulo de quase 90° ao adentrar a borda do disco óptico, alteração denominada vaso em baioneta, que costuma ocorrer apenas nos estágios avançados da lesão glaucomatosa (Fig. 10).

Fig. 8  Vaso circunlinear inferior exposto.

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Fig. 9  Vaso em passarela no setor temporal do disco óptico.

Fig. 10  Vaso em baioneta no setor inferior do disco óptico.

A presença de hemorragia na cabeça do nervo óptico pode ser um fator de risco para o desenvolvimento de glaucoma em hipertensos oculares ou um fator de risco para progressão da lesão em indivíduos glaucomatosos. A hemorragia ocorre principalmente no quadrante inferotemporal, é transitória, dura cerca de 2 a 35 semanas e pode ser recorrente. A prevalência de hemorragia na cabeça do nervo óptico é maior em pacientes com glaucoma de pressão normal em relação aos indivíduos com glaucoma crônico de ângulo aberto ou hipertensão ocular. A presença de hemorragia da cabeça do nervo óptico parece estar fortemente associada à progressão de defeito de campo visual em indivíduos com glaucoma de pressão normal, especialmente nos 10º centrais (Fig. 11).

Fig. 11  Hemorragia no setor inferior do disco óptico.

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Atrofia peripapilar A atrofia coriorretiniana na zona α (mais periférica) caracteriza-se por hipo e hiperpigmentação irregulares do EPR, enquanto a atrofia na zona β (mais central) caracteriza-se por grande atrofia do EPR e coriocapilar, permitindo a visibilização dos vasos coróideos. Anderson considerou a presença de atrofia peripapilar como um fator de risco para progressão do glaucoma. Sugeriu que a atrofia peripapilar impediria a autorregulação do fluxo sanguíneo para a cabeça do nervo óptico em resposta ao aumento da PIO. Assim, olhos com atrofia peripapilar seriam incapazes de aumentar o fluxo sanguíneo para a cabeça do nervo óptico diante de um aumento na pressão intraocular, favorecendo progressão do dano (Fig. 12).

Fig. 12  Atrofia peripapilar nos setores temporal e inferior.

Fosseta adquirida do nervo óptico A fosseta adquirida do disco óptico é uma ectasia posterior da lâmina crivosa que ocorre em 80% dos casos na região temporal inferior, sendo mais comum em indivíduos com glaucoma de pressão normal. Está geralmente associada aos defeitos arqueados densos no campo visual. Além disso, a presença da fosseta parece um fator de risco para progressão do glaucoma.

Escala de classificação de dano do disco óptico (DDLS) Esta classificação de dano do nervo óptico baseia-se na correlação entre o afilamento radial da rima e o diâmetro vertical do disco (medidos no mesmo eixo), considerando o tamanho do disco óptico (Fig. 13).

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Fig. 13  Escala de classificação de dano do nervo óptico (DDLS) – classifica o dano glaucomatoso de 0a (ausência de dano) a 7 (dano intenso) conforme a razão: rima neural/ diâmetro do disco, correlacionando esta razão com o tamanho do disco óptico.

MÉTODOS PARA DOCUMENTAR O DISCO ÓPTICO A documentação do disco óptico é fundamental para o acompanhamento da lesão glaucomatosa. Esta documentação pode ser realizada por meio de desenho, de estereofotografia ou de avaliação computadorizada da cabeça do nervo óptico (HRT). Esta última constitui-se em uma avaliação quantitativa e será descrita nas páginas seguintes.

Desenho Este método é pouco preciso, pois depende da habilidade técnica do oftalmologista como desenhista e é suscetível à grande variabilidade inter e intraindividual.

Estereofotografia de papila É um bom método qualitativo de documentação da cabeça do nervo óptico, que permite a visibilização de detalhes do disco óptico em estereopsia, além de ser relativamente barato. Deve ser utilizado para estabelecer um baseline para posterior acompanhamento. Entretanto,

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a avaliação da estereofotografia também é subjetiva, depende da experiência do examinador e é suscetível à variabilidade inter e intraindividual. Existem dois métodos de obtenção da estereofotografia: 1. Sequencial: nesse caso, as fotografias do disco óptico são obtidas consecutivamente, de forma automática ou manual. No método manual, mais utilizado, deve ser realizada uma captura da imagem do disco no centro da pupila e posterior movimentação da câmera para a posição das 9 e 3 horas para a obtenção das imagens que serão observadas, respectivamente, à direita e à esquerda. 2. Simultânea: nesse caso, a captura da imagem estéreo é obtida em exposição única. É o método utlizado nos retinógrafos modernos (Fig. 14).

Fig. 14  Estereofotografia de papila – método simultâneo.

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MÉTODOS QUANTITATIVOS DE ANÁLISE DO DISCO ÓPTICO E DA CAMADA DE FIBRAS NERVOSAS DA RETINA Rodrigo Avelino

TOPOGRAFIA DO DISCO ÓPTICO A variabilidade da avaliação clínica do disco óptico pode ser reduzida com o uso de métodos quantitativos. Entre esses instrumentos, o mais utilizado atualmente é Tomógrafo de Varredura a Laser (TVL) (HRT®, Heidelberg Engineering, GmbH, Heidelberg, Alemanha) (Fig. 15). O HRT contém laser de diodo, um sistema óptico que deflete o feixe de laser e uma unidade especial de detecção de luz. Trata-se de um sistema confocal que garante a detecção apenas da porção de luz refletida de um determinado plano focal. O feixe de laser é projetado na retina e a quantidade de luz refletida é medida pela unidade de detecção. Cerca de 32 imagens

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Fig. 15  Tomógrafo de varredura a laser.

de planos ópticos paralelos à superfície da retina são obtidas com o HRT I e II e 64 imagens com o HRT III. O examinador seleciona o plano focal do primeiro e do último corte da série tomográfica. Uma limitação do HRT é a necessidade do examinador determinar uma linha de contorno ao redor do disco óptico, pois muitas das medidas quantitativas dependem da colocação apropriada desta linha, o que pode levar a uma variabilidade intraoperador. No HRT III há uma opção de análise alternativa que dispensa a colocação dessa linha de contorno. Esta técnica fornece cálculos estereométricos pela aplicação de um modelo automático da forma do disco óptico conforme sugerido por Swindale et al. Os parâmetros morfológicos resultantes são analisados e resultam em um escore de probabilidade de glaucoma. As medidas da topografia de disco óptico levam em consideração um plano de referência para diferenciar a rima neural da escavação. O plano de referência é definido paralelo à superfície retiniana peripapilar, 50 µm posterior, na região do feixe papilomacular. Assim, os tecidos localizados acima do plano de referência são considerados como rima neural, enquanto as estruturas localizadas abaixo do plano de referência são rotuladas como escavação. O impresso-padrão do HRT (Fig. 16, inferior à esquerda) nos fornece uma série de parâmetros do disco óptico, da rima, da escavação e da camada de fibras nervosas da retina. Apresenta ainda a classificação do Moorfields, que é baseada em um banco de dados do aparelho que inclui indivíduos normais e glaucomatosos com dano inicial e correlaciona área da rima neural global e setorial com a área global e setorial do disco óptico (Fig. 16, inferior à direita). De acordo com essa classificação, um indivíduo é considerado normal quando todas as medidas estão dentro do intervalo de confiança de 95%, borderline quando uma medida está entre os intervalos de 95 e 99,5%, e fora dos limites de normalidade quando uma medida da área da rima está abaixo do intervalo de 99,5% O HRT é um método reprodutível que pode ser usado no seguimento a longo prazo de pacientes glaucomatosos ou suspeitos. Suas sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de GPAA variam nos diversos estudos de 62,5 a 80% e de 75 a 93,2%, respectivamente, e são similares nas diferentes raças.

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Fig. 16  Impresso-padrão do HRT II.

TOMOGRAFIA DE COERÊNCIA ÓPTICA A Tomografia de Coerência Óptica (TCO) (OCT®, Carl Zeiss Meditec, Dublin, CA, EUA) (Fig. 17) é um instrumento não invasivo, de não contato, que utiliza uma fonte de laser diodo infravermelho de baixa coerência (843 nm) para atingir alta resolução (cerca de 8 a 10 mm com o OCT 3, 10 a 15 mm com o OCT 1 e OCT 2). O feixe de luz incide no olho de forma transversal para produzir um corte da região de interesse, usando o mesmo princípio do som no ultrassom modo B. O tempo de aquisição é de menos de 1 segundo e as imagens são transmitidas para

Fig. 17  Tomógrafo de Coerência Óptica.

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um computador para análise em um esquema de cores. Os sinais refletidos mais intensos aparecem em vermelho ou branco e, os menos intensos, em azul ou preto. Cortes circulares ao redor do disco óptico e lineares através do mesmo são os mais indicados para a análise de pacientes glaucomatosos. A CFNR é estudada diretamente por meio de um algoritmo gerado por computador. O impresso-padrão (Fig. 18) nos mostra o perfil da medida da CFNR do indivíduo analisado comparado com o banco de dados do aparelho (Fig. 18, superior à esquerda) e a comparação entre os olhos do indivíduo analisado (Fig. 18, inferior à esquerda); a espessura da CFNR expressa em valores médios, por quadrante e por setores de 30º (Fig. 18, centro); e uma série de parâmetros calculados a partir da espessura da CFNR em determinada região (Fig. 18, inferior à direita). Ao contrário da topografia do disco óptico, não é necessário plano de referência, já que as imagens são avaliadas de forma direta. A fixação é mantida por meio de uma luz interna que é focada na região foveal. A diferença de posição entre essa fixação e o círculo ao redor do disco óptico é gravada, e a mesma posição utilizada em exames subsequentes, diminuindo a interferência do examinador na delineação do disco óptico. A medida da espessura da CFNR com a TCO é quantitativa e reprodutível tanto para olhos normais quanto para glaucomatosos. Apresenta boa correlação com as medidas histológicas e com os parâmetros do campo visual. Além disso, é capaz de detectar defeitos localizados e predizer o desenvolvimento de alterações glaucomatosas na perimetria computadorizada. Suas sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de GPPA variam de 82 a 93,3% e de 84 a 92%, respectivamente.

Fig. 18  Impresso-padrão da Tomografia de Coerência Óptica.

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POLARIMETRIA DE VARREDURA A LASER A Polarimetria de Varredura a Laser (PVL) (GDx®, Laser Diagnostic Technologies, San Diego, CA, EUA) (Fig. 19) é um método quantitativo de medida da espessura da CFNR. O princípio da polarimetria baseia-se na propriedade birrefringente da CFNR, que está organizada em microtúbulos dispostos paralelamente. A luz polarizada, ao atravessar a CFNR, sofre um desvio em seu eixo de polarização, gerando uma alteração da sua velocidade, isto é, um retardo do raio luminoso. Esta alteração no estado da polarização da luz é proporcional ao número de microtúbulos atravessados pelos raios luminosos e pode ser quantificada. Assim, o retardo sofrido pela luz é diretamente proporcional à espessura da CFNR (Fig. 20). A PVL emite um feixe de luz que passa por um polarizador interno de forma a obter luz polarizada, que é defletida por um complexo sistema de cristais da unidade de varredura, nas direções horizontal e vertical. Antes de deixar o aparelho, o raio passa por um modulador de polarização que visa compensar a birrefringência exercida pelo segmento anterior do olho (córnea e cristalino). No modelo original, tal modulação era ajustada para contrapor uma polarização de eixo 15o, desviado na direção nasal inferior, utilizado por ser o mais prevalente na população geral. Os resultados da PVL dependem da avaliação do estado de polarização. Portanto, variações no eixo de polarização corneano podem influenciar as medidas do retardo obtidas com a PVL. Nas versões iniciais da PVL, a compensação da polarização induzida pelo segmento anterior era fixa e muitos olhos não apresentavam o eixo esperado, fornecendo imagens e medidas não confiáveis. A nova versão da PVL (GDx VCC®), com compensação individual da polarização, tem mostrado resultados melhores e mais promissores em relação às versões

Fig. 19  GDx VCC.

Fig. 20  Retardo de parte da luz polarizada ao atravessar a CFNR.

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anteriores da PVL na detecção do glaucoma. Para que a compensação individual ocorra, o eixo específico e a magnitude da birrefringência do segmento anterior precisam ser calculados. O primeiro passo é avaliar a região macular sem compensação. A imagem obtida irá apresentar o retardo total do olho, incluindo córnea, cristalino e CFNR. A birrefringência da região macular é uniforme e simétrica devido à distribuição radial das fibras de Henle nessa região. Entretanto, em imagens não compensadas, um padrão não uniforme de retardo estará presente como resultado da birrefringência do segmento anterior. O eixo e a magnitude da birrefringência do segmento anterior são determinados pela orientação do padrão de birrefringência em “gravata borboleta” da mácula e pela análise complexa do perfil circular da birrefringência macular, respectivamente. Depois de conhecidos, ambos podem ser compensados individualmente para cada olho (Zhou e Weinreb, 2002). O raios incidentes ultrapassam a CFNR, são refletidos nas camadas mais internas da retina e voltam a atravessar a CFNR no seu trajeto de retorno. Em cada ponto mensurado, o raio refletido da retina retorna ao aparato de varredura e o estado da polarização da luz é então analisado por uma unidade de detecção de polarização. A medida é armazenada na memória do computador (Lauande-Pimentel e Costa, 2001). O impresso-padrão de um único exame apresenta as informações diagnósticas importantes da avaliação da CFNR (Fig. 21). Para cada exame, é realizada uma comparação de acordo

Fig. 21  Impresso Nerve Fiber Analysis do GDx VCC.

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70  |  Glaucoma com a idade com o banco de dados normativo do aparelho e qualquer desvio dos limites do normal é classificado como anormal. A fim de calcular certos parâmetros, a imagem fundoscópica é dividida em quatro setores, tendo como centro o disco óptico: superior (120°), inferior (120°), nasal (70°) e temporal (50°) (Fig. 22). Imediatamente após a aquisição dos dados, um algoritmo do software calcula a quantidade de retardo ponto a ponto, gerando um mapa do retardo que é codificado por cores. Cores próximas do azul correspondem a áreas de baixo retardo e as próximas ao vermelho/amarelo indicam as de alto retardo (Lauande-Pimentel e Costa, 2001) (Fig. 23). O mapa de desvio mostra a localização e a magnitude dos defeitos da CFNR no mapa de espessura (Fig. 24). São analisados 128 × 128 (20° × 20°) pixels centrados no disco óptico. Para reduzir a variabilidade devido às variações anatômicas interindividuais, o mapa de 128 × 128 pixels é dividido em uma grade de 32 × 32 quadrados, na qual cada quadrado representa uma região de 4 × 4 pixels, chamada de superpixel. Para cada scan, a espessura da CFNR em cada superpixel é comparada com o banco de dados do aparelho para pacientes de mesma idade. Os superpixels que se situam abaixo dos limites do normal são coloridos de acordo com a probabilidade de normalidade. Quadrado azul-escuro, azul-claro, amarelo e vermelho representam áreas onde a espessura da CFNR está abaixo dos percentis 5, 2,1 e 0,5%, respectivamente. TSNIT significa Temporal Superior Nasal Inferior Temporal e representa os valores da espessura da CFNR ao longo do círculo de cálculo começando temporalmente e movendo-se superiormente, nasalmente, inferiormente e terminado temporalmente (Fig. 25). Em um olho

Fig. 22  Imagem fundoscópica obtida com o GDx.

Fig. 23  Mapa da espessura de um olho normal (à direita) e de um olho glaucomatoso (à esquerda) obtido com o GDx VCC.

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Fig. 24  Mapa de desvio da CFNR obtido com o GDx VCC.

Fig. 25  Gráfico TSNIT de um paciente normal obtido com o GDx VCC.

normal, apresenta o padrão de dupla corcova. A área sombreada representa a variação de 95% dos normais para a determinada idade. Nos indivíduos normais, a curva TSNIT coincide com a área sombreada. Com a perda da CFNR, a curva vai se achatando e cai abaixo da área sombreada, principalmente nas regiões superiores e inferiores. Em indivíduos normais, há uma boa simetria entre os gráficos TSNIT de ambos os olhos e eles praticamente se sobrepõem. No entanto, quando um olho é mais afetado do que o outro em indivíduos glaucomatosos, essa sobreposição não acontece mais. Os seguintes parâmetros foram escolhidos para o gráfico de análise, padrão: TSNIT Average, Superior Average, Inferior Average, TSNIT SD, Inter-Eye Symmetry e NFI. O círculo de cálculo é uma faixa de 0,4 mm de espessura centrada no disco óptico que tem um diâmetro externo de 3,2 mm e um diâmetro interno de 2,4 mm (Fig. 26). Todos esses parâmetros, com exceção do NFI, são calculados a partir do círculo determinado. O TSNIT Average, Superior Average e Inferior Average representam a espessura média da CFNR em todo o círculo, na região superior e na região inferior, respectivamente. O TSNIT SD representa a quantidade de modulação da CFNR em todo o círculo e o Inter-Eye Symmetry mostra o grau de similaridade do perfil da CFNR entre os olhos. Esses parâmetros são comparados com o banco de dados do aparelho e quantificados em termos de probabilidade de normalidade. Valores normais aparecem na cor verde e valores anormais são coloridos de acordo com a probabilidade de anormalidade de modo semelhante ao do mapa de Desvio (Fig. 27).

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Fig. 26  Anel de contorno do GDx VCC.

Fig. 27  Tabela de parâmetros de um paciente normal obtido com o GDx VCC.

O NFI é baseado em uma rede neural artificial criada para diferenciar normal de glaucomatoso. O perfil da CFNR é analisado e fornece um número de 1 a 100 que representa a integridade da CFNR. Esse número é classificado de acordo com a distribuição normal do NFI a partir do banco de dados do aparelho. O NFI não é apresentado em um código de cores como os outros parâmetros, mas sim em uma escala absoluta (normal de 1 a 30, limítrofe de 31 a 50 e anormal >50). A PVL apresenta boa reprodutibilidade tanto para olhos normais quanto para glaucomatosos (Chi et al., 1995; HOH et al., 1998) e é capaz de diferenciar entre olhos normais e glaucomatosos com dano inicial e moderado, especialmente se avaliado pela combinação de dois ou mais parâmetros em uma análise discriminante (Tjon-Fo-Sang et al., 1996; Weinreb et al., 1998; Lauande-Pimentel et al., 2001).

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LUCIANA BERNARDI • VITAL PAULINO COSTA

C A P Í T U L O  |  8

Avaliação Funcional do Glaucoma

CAMPO VISUAL A função visual é avaliada pela medida da acuidade visual, pela avaliação eletrofisiológica e por testes psicofísicos que investigam a função da retina central e da periférica. Um dos principais testes psicofísicos utilizados é a perimetria. O termo perimetria está relacionado com a possibilidade de medir o campo visual em uma superfície curva, que mantém o ângulo visual constante, independente do local pesquisado. O campo visual é a região do espaço em que os objetos são simultaneamente visíveis quando se fixa o olhar em uma determinada direção. Quando avaliamos apenas um olho, o campo visual extende-se por 60° superiormente, 60° nasalmente, 75° inferiormente e 100° temporalmente. O objetivo da perimetria é determinar a extensão do campo visual e o tamanho e localização de escotomas, determinando o limiar visual de vários pontos do campo de visão. O limiar visual (limiar de sensibilidade) é o estímulo mais fraco visível em um determinado local, sob determinada condição, pelo menos 50% das vezes em que é apresentado. Para melhor compreensão da avaliação de testes que visam diagnosticar precocemente o glaucoma, é importante uma introdução sobre as células ganglionares da retina.

Células ganglionares As células retinianas ganglionares e seus axônios são os alvos primários do dano glaucomatoso. O número de células ganglionares na retina é aproximadamente 1,25 milhão. Estas células distribuem-se de forma variável da fóvea para a periferia (densidade igual a 35.100 células/ mm2 na fóvea e 200 a 300 células/mm2 na ora serrata). Existem 22 subtipos de células ganglionares, entretanto estas podem ser divididas em três subtipos principais, cada um formado por células com características morfológicas e fisiológicas específicas:

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76 | Glaucoma CÉLULAS PARVOCELULARES – correspondem a 70% do total de células, possuem corpo celular pequeno, axônios com velocidade de condução lenta e respondem a estímulos com alta frequência espacial e baixa frequência temporal, portanto, estão envolvidas na percepção de informação espacial fina. Estas células projetam seus axônios para a camada parvocelular do núcleo geniculado lateral (NGL). São as células testadas na perimetria branco-branco. CÉLULAS MAGNOCELULARES – correspondem a 8 a 10 % do total de células, possuem corpo celular grande, axônios com velocidade de condução rápida e respondem a estímulos de alta frequência temporal e baixa frequência espacial, portanto são responsáveis pela percepção de movimento. Estas células projetam seus axônios para a camada magnocelular do NGL. As células magnocelulares são testadas na perimetria flicker e na perimetria de dupla frequência. CÉLULAS BIESTRATIFICADAS – correspondem a 1% do total de células, possuem corpo celular pouco menor do que as células magnocelulares, alta sensibilidade ao contraste, baixa resolução espacial, ausência de sensibilidade para movimentos, e possuem codificação de cores e oposição de cor azul-amarelo. Projetam seus axônios para a camada koniocelular do NGL. São as células testadas pela perimetria azul-amarelo.

A suscetibilidade ao dano glaucomatoso varia conforme a localização do feixe de fibras nervosas (Fig. 1), sendo maior nos feixes temporal inferior, temporal superior e posteriormente no feixe nasal, o que resulta em maior acometimento do campo visual nas regiões superior e inferior dos campos nasal, paracentral superior e inferior, progredindo para o acometimento da região superior à faixa papilomacular, região inferior da faixa papilomacular e por último a região temporal à mancha cega.

Fig. 1  Disposição e o trajeto dos feixes de fibras nervosas.

Unidades de iluminação nos perímetros computadorizados A quantidade de luz que chega ao olho depende da intensidade luminosa, da distância do objeto e da luz refletida pelo objeto. A unidade que correlaciona a intensidade luminosa com a quantidade de luz refletida é o apostilb = iluminação × quantidade de luz refletida na superfície. Um perímetro pode utilizar unidades absolutas como o apostilb e a candela/m2 (=3,142 apostilb) ou unidades relativas de iluminação. No último caso utilizam-se mecanismos de atenuação da luminância, como, por exemplo, o decibel (dB). Um dB = 1/10 da unidade logarítmica de atenuação de um estímulo luminoso máximo (Figs. 3 e 4).

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PERIMETRIA CONVENCIONAL (OU PERIMETRIA ACROMÁTICA) A perimetria automatizada convencional, branco-branco ou acromática, consiste na determinação da luminância mínima necessária para a percepção de um estímulo luminoso estático, branco e de tamanho constante em várias localizações do campo visual.

Perímetro Humphrey O perímetro Humphrey utiliza iluminação de fundo igual a 31,5 asb, estímulo Goldmann III, luminância do estímulo para 0 dB igual a 10.000 asb, duração do estímulo de 200 ms. Apresenta vários programas, dos quais os mais usados são os programas Central 24-2 (que pesquisa 54 pontos nos 24° do campo central, distantes 6° entre si), Central 10-2 (que pesquisa 68 pontos nos 10° centrais, dispostos a uma distância de 2° entre si) e Macular (pesquisa 16 pontos nos 5° centrais, dispostos em uma distância de 2° entre si). O limiar de sensibilidade pode ser pesquisado por meio de duas estratégias principais: estratégia Full Threshold (sequência de alteração da luminância em passos de 4-2 dB) e estratégia SITA (que utiliza um banco de dados para pacientes normais e glaucomatosos e duas funções de probabilidade que são ajustadas após uma resposta positiva ou negativa a cada apresentação do estímulo, alterando o formato da ilha de visão com o número de respostas registradas). No impresso dos resultados do exame, além dos gráficos mostrando a sensibilidade retiniana ponto a ponto e a comparação com a população, o aparelho mostra os índices de confiabilidade do exame e os índices gerais.

Índices de confiabilidade Como o exame de perimetria é um exame subjetivo, existem índices que indicam se a resposta do paciente foi consistente ou não e se este estava atento ao exame. Assim, no aparelho Humphrey, podemos avaliar: PERDA DE FIXAÇÃO – ocorre quando o indivíduo responde a um estímulo projetado na mancha

cega. Quando ocorrer mais de 20% de perda de fixação o aparelho assinala como exame não confiável. RESPOSTAS FALSO-POSITIVAS – ocorrem quando o indivíduo responde a um estímulo não apresentado. Acima de 33% de respostas falso-positivas o exame é considerado como não confiável. Campos visuais com aumento de respostas falso-positivas apresentam elevação da sensibilidade geral da ilha de visão o que torna os escotomas mais rasos. RESPOSTAS FALSO-NEGATIVAS – ocorrem quando o indivíduo não responde a um estímulo supralimiar (9 dB acima) em um ponto já visto. Acima de 33% é considerado como exame não confiável. O alto índice de respostas falso-negativas denota cansaço e/ou desatenção do indivíduo, porém também pode ocorrer em casos de dano glaucomatoso avançado.

Gráficos do impresso do perímetro Humphrey O impresso-padrão do exame contém os seguintes gráficos (Fig. 2):

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Fig. 2  Impresso dos resultados do perímetro Humphrey.

Gráfico numérico Apresenta os valores dos limiares de sensibilidade em decibéis em todos os pontos pesquisados no exame. Os números entre parênteses aparecem nas localizações onde o limiar foi pesquisado 2 vezes. Valor igual a zero aparece quando o estímulo não foi visto.

Gráfico em tons de cinza Transforma os valores numéricos em tons de cinza. Quanto mais escuro o tom de cinza, menor o valor em decibel e, portanto, menor a sensibilidade ao estímulo luminoso naquela região.

Gráfico total deviation Compara os valores em decibéis encontrados para o paciente com os valores em decibéis encontrado em indivíduos normais de mesma idade, para cada ponto. Valores negativos indicam que o limiar de sensibilidade naquele ponto está abaixo do valor esperado.

Gráfico pattern deviation Compara os valores dos limiares de sensibilidade do paciente aos valores esperados para o próprio paciente. A altura da ilha de visão é ajustada, anulando o efeito da redução geral da sensibi-

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lidade (como opacificação de cristalino, pupila miótica, etc.), evitando que defeitos localizados sejam mascarados. Para o cálculo do gráfico pattern deviation o aparelho elimina os pontos periféricos do exame 30-2 e os pontos imediatamente acima e abaixo da mancha cega, mantendo 51 pontos de teste. Destes, o aparelho utiliza o 7º ponto de valor mais positivo do gráfico do total deviation e o transforma em 0; posteriormente compara os outros pontos a este.

Gráficos de probabilidades Representa a probabilidade das alterações de sensibilidade encontradas no gráfico total deviation ou pattern deviation serem significativas. Para o total deviation aparecem as probabilidades de p <5%, <2%, <1% ou <0,5 % quando menos de 5%, 2%, 1% ou 0,5% da população normal apresenta igual valor de limiar de sensibilidade naquele ponto. Para o pattern deviation os valores de p <5%, <2%, <1%, <0,5%, representam a probabilidade da diferença de valores (entre o valor obtido e o valor ajustado para a sensibilidade da ilha de visão do paciente) estar presente na população normal.

Índices globais MD (MEAN DEVIATION) – corresponde a média dos valores presentes no gráfico total deviation. Refere-se à sensibilidade global do paciente e é influenciada por opacidade de meios. Assim, pode estar reduzida tanto nos casos com catarata quanto quando existe um defeito avançado de campo visual. A alteração do MD acentua-se com o avanço do dano glaucomatoso. PSD (PATTERN STANDARD DEVIATION) – corresponde ao desvio-padrão da média das diferenças entre cada valor da sensibilidade encontrada no exame e o valor esperado para o próprio paciente. Indica se os valores numéricos do gráfico pattern deviation são muito diferentes um dos outros. Os valores de PSD aumentam no início do dano glaucomatoso, porém tende a ficar estável à medida que o dano glaucomatoso avança. Indica os defeitos localizados de campo visual. SF (SHORT TERM FLUCTUATION) – indica o grau de consistência das respostas durante o teste. É estimado a partir da repetição da apresentação do estímulo em dez localizações do campo visual. Os pontos retestados aparecem entre parênteses no gráfico em decibéis. Contudo, nas estratégias rápidas, como SITA, este índice não é calculado. CPSD (CORRECTED PATERN STANDARD DEVIATION) – corresponde ao valor do PSD corrigido pelo valor short term fluctuation.

GHT (Glaucoma hemifield test) Considerando que o dano aos feixes de fibras nervosas é assimétrico no glaucoma e que, portanto, um dos hemisférios (superior ou inferior) é acometido antes do outro, o aparelho de perimetria Humphrey possui um teste que compara 5 regiões simétricas dos campos superior e inferior nas áreas de maior possibilidade de ocorrência de defeito de campo glaucomatoso (Fig. 3) . O resultado desta comparação é expresso como: WITHIN NORMAL LIMITS – quando a diferença encontrada entre o hemisfério superior e o inferior for observada em mais de 3% da população normal.

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Fig. 3  Localizações utilizadas para calcular o glaucoma hemifield test.

BORDERLINE – quando a diferença entre o hemisfério superior e o inferior estiver presente entre 1% e 3% da população normal. OUTSIDE NORMAL LIMITS – quando a diferença estiver presente em menos de 1% da população normal ou quando a sensibilidade dos pontos nos hemicampos superior e inferior estiver muito reduzida (pontos com sensibilidade >0,5% da população normal). GENERAL REDUCTION OF SENSITIVITY – quando o nível de sensibilidade global cair a um valor observado em menos de 0,5% da população normal. ABNORMALLY HIGH SENSITIVITY – quando o nível de sensibilidade global elevar-se a um valor observado em menos de 0,5% da população normal. Neste casos geralmente o índice de respostas falso-positivas é alto.

Perímetro Octopus O perímetro Octopus 300 utiliza iluminação de fundo de 31,4 apostilb (asb), estímulo branco, tamanho Goldmann III (0,43°), luminância do estímulo para 0 dB igual a 4.800 asb e duração do estímulo de 100 ms. Apresenta vários programas, dos quais os mais utilizados para glaucoma são o programa G1 (que pesquisa 59 pontos nos 30° centrais, com resolução de 2,8° na área macular e 6° na área mais periférica) e o programa M2 ou macular (que pesquisa 45 pontos na área de 0 a 4°, com resolução de 0,7° e 36 pontos de 4 a 9,5° centrais). O limiar de sensibilidade pode ser pesquisado por meio da estratégia normal (sequência de alteração da luminância em passos de 4 – 2 – 1 dB), estratégia dinâmica (passos variando de 2 a 10 dB) ou estratégia TOP (que utiliza a correlação entre os pontos vizinhos na determinação dos limiares, através de interpolação dos valores).

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Gráficos do impresso do perímetro Octopus O impresso-padrão do exame contém os seguintes gráficos (Fig. 4): GRÁFICO DOS VALORES – expresso em decibéis. GRÁFICO DE CORES – semelhante ao gráfico em tons de cinza: quanto maior o defeito, mais escuras serão as cores. GRÁFICO DE COMPARAÇÃO (COMPARISON) – semelhante ao total deviation, porém a diferença de sensibilidade entre o indivíduo e a população de mesma idade, sexo e raça é calculada da seguinte forma: sensibilidade do indivíduo subtraída da sensibilidade esperada pela população da mesma idade. Assim, o defeito é expresso em números positivos. GRÁFICO DA COMPARAÇÃO CORRIGIDA (CORRECTED COMPARISON) – semelhante ao pattern deviation, mostra a sensibilidade corrigida pela altura da ilha de visão do próprio indivíduo. O defeito localizado também é expresso em números positivos. GRÁFICO DE PROBABILIDADES DA COMPARAÇÃO E DA COMPARAÇÃO CORRIGIDA – representa a probabilidade das alterações de sensibilidade encontradas nos gráficos de comparação e comparação corrigidas serem significativas. Apresenta os valores de p>5%, p<5%, p<2%, p<1% e p<0,5%. CURVA CUMULATIVA DE DEFEITO (CURVA DE BEBIE) – lista todos os defeitos em dB, ranqueando-os do valor com menor defeito até o defeito mais profundo (da esquerda para a direita) desenhando a curva de defeito do paciente. Também mostra a faixa de normalidade (90% da população) com os percentis. Assim, permite visualizar rapidamente a característica e profundidade do defeito, porém este gráfico não mostra a localização do defeito (Fig. 5).

Fig. 4  Impresso dos resultados do perímetro Octopus.

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Fig. 5  Curva de Bebie – mostra os defeitos ranqueados do menos profundo para o mais profundo – em azul dentro da faixa de normalidade, e em vermelho os pontos com defeito fora da faixa de normalidade. Neste gráfico o defeito é localizado.

Índices globais MS (MÉDIA DA SENSIBILIDADE) – expressa a média aritmética da sensibilidade considerando-se todos os pontos testados. MD (MEAN DEFECT) – valor médio da diferença entre a sensibilidade normal e a sensibilidade do paciente considerando-se todos os pontos testados. O defeito é expresso em valores positivos. Está relacionado com o defeito global. O valor normal varia de –2 dB a 2 dB. LOSS VARIANCE (LV) – semelhante ao PSD. Representa como os pontos diferem um do outro em todo o campo. É sensível à irregularidade no padrão do campo, portanto, indica defeito localizado. É calculada do desvio individual das medidas de cada ponto em relação ao valor de defeito médio. O valor normal situa-se entre 0 e 6 dB.

Definição do defeito glaucomatoso Os defeitos de campo visual ocorrem não só no glaucoma, mas também em outras doenças oculares (como retinose pigmentar, coriorretinite e alteração macular) e em alterações neurológicas. Embora algumas vezes a localização e a forma do defeito possam sugerir uma ou outra doença, o exame por si só não faz o diagnóstico, sendo de extrema importância a avaliação clínica do paciente. Para identificar o dano glaucomatoso foram descritos alguns critérios, como os Critérios de Caprioli e os Critérios de Anderson. Nos Critérios de Caprioli observam-se os pontos localizados nas áreas arqueadas superior e inferior. Determina-se como defeito de campo visual (conforme o critério adotado) os seguintes parâmetros: CRITÉRIO NÃO RIGOROSO – presença de dois ou mais pontos adjacentes, cada um com baixa de sensibilidade de 5 ou mais dB; ou presença de um ou mais pontos adjacentes, cada um com baixa de sensibilidade de 10 ou mais dB; ou diferenças de sensibilidade de 5 ou mais dB entre pontos simétricos do lado nasal em pelo menos dois pontos adjacentes. CRITÉRIO MODERADAMENTE RIGOROSO – presença de três ou mais pontos adjacentes, cada um com baixa de sensibilidade de 5 ou mais dB; presença de dois ou mais pontos adjacentes, cada um com baixa de sensibilidade de 10 ou mais dB; diferença de 10 ou mais dB entre pontos simétricos do lado nasal em dois pontos adjacentes.

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CRITÉRIO RIGOROSO – presença de quatro ou mais pontos adjacentes, cada um com baixa de sensibilidade de 5 ou mais dB; presença de três ou mais pontos adjacentes, cada um com baixa de sensibilidade de 10 ou mais dB; diferença de 10 ou mais dB entre pontos simétricos do lado nasal em três pontos adjacentes.

Por outro lado, nos Critérios sugeridos por Anderson, o defeito glaucomatoso de campo visual ocorre quando: O gráfico de probabilidade pattern deviation mostrar três pontos adjacentes não periféricos com p<5%, sendo que um deles com p<1%, em localização compatível com defeito glaucomatoso. O CPSD apresentar valor de p <5%. O GHT apresentar a mensagem borderline ou outside normal limits. Como em outros testes psicofísicos, existe uma curva de aprendizado na realização do exame. Assim, quando o primeiro campo visual realizado pelo indivíduo apresentar áreas com suspeita de defeito, estas áreas devem ser confirmadas com exames subsequentes.

Cassificação do defeito glaucomatoso Segundo Hoddapp et al., o defeito de campo visual glaucomatoso pode ser classificado quanto à gravidade em: Defeito leve: na presença de um valor de MD diminuído até –6 dB; presença de menos de 25% dos pontos com p<5% e menos de 15% com p<1% no pattern deviation; ou quando nenhum ponto apresentar sensibilidade <15 dB dentro dos 5° centrais. Defeito moderado: na presença de um valor de MD entre –6 e –12 dB; presença de menos de 30% do pontos com p<5% e menos de 25% com p<1% no pattern deviation; quando nenhum ponto apresentar sensibilidade igual a 0 dB nos 5° centrais; ou quando apresentar apenas um hemicampo contendo um ponto com sensibilidade <15 dB dentro dos 5° centrais. Defeito grave: na presença de um valor de MD <–12 dB; presença de mais de 50% dos pontos com p<5% e mais de 25% com p<1% no pattern deviation; presença de pelo menos 1 ponto dentro dos 5° centrais com sensibilidade igual a 0 dB; ou quando apresentar os dois hemicampos contendo pontos com sensibilidade <15 dB dentro dos 5° centrais.

Acompanhamento do dano glaucomatoso O exame de perimetria computadorizada, além de estabelecer a existência de defeito glaucomatoso, permite o acompanhamento e a verificação da progressão deste defeito. O julgamento da progressão do defeito é difícil, pois é necessário distinguir entre progressão e flutuação ao longo do tempo. O termo flutuação ao longo do tempo está relacionado com as oscilações fisiológicas de sensibilidade. A flutuação fisiológica é maior em locais com menor sensibilidade, isto é, em áreas previamente comprometidas pelo dano glaucomatoso do que em áreas saudáveis. Assim, uma redução de sensibilidade de 6 dB pode não ser significativa se ocorrer em locais com sensibilidade previamente baixa e ser significativa se ocorrer em uma área com sensibilidade anteriormente normal. Para auxiliar no diagnóstico de progressão o aparelho da

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Anderson definiu os seguintes critérios para progressão de dano glaucomatoso: Em área previamente normal: aparecimento de três ou mais pontos adjacentes com redução de sensibilidade de pelo menos 5 dB, sendo um deles com redução de 10 dB. Em área previamente defeituosa: três ou mais pontos adjacentes com piora de 10 dB. Expansão de um defeito preexistente: acometimento de dois ou mais pontos adjacentes, previamente normais. Redução generalizada de sensibilidade com diminuição do índice MD com significância estatística menor que 1%, excluindo-se outros fatores causais como opacidades de meios, diâmetro pupilar, etc.

Outro programa para avaliar a progressão, o Glaucoma Progression Analisys (GPA), lançado mais recentemente, permite a comparação de exames subsequentes realizados com a estratégia SITA ou a comparação de exames SITA com o baseline realizado com estratégia Full Threshold. Neste programa também são necessários pelo menos três campos para a comparação e os critérios de progressão utilizados são baseados no estudo Early Manifest Glaucoma Trial.

Fig. 6  Impresso do glaucoma change probability. Mostra o gráfico em tons de cinza, o gráfico de probabilidade do total deviation, o gráfico das diferenças entre o exame e o baseline expresso em decibéis, gráfico de probabilidades do glaucoma change probability, r indica locais com melhora da sensibilidade, x indica os pontos previamente alterados que sofreram redução da sensibilidade.

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Assim como no GCP, o impresso de seguimento apresenta um gráfico de tons de cinza, um gráfico de probabilidades pattern deviation, um gráfico numérico com as diferenças dos limiares de sensibilidade entre o exame atual e o baseline e um gráfico de probabilidades denominado Progression Analysis que indica os pontos de redução de sensibilidade estatisticamente significantes em relação ao baseline. O símbolo “” indica um ponto que apresentou pela primeira vez piora esptatisticamente significativa (p<0,05) em relação a pacientes com glaucoma e campo visual semelhante. Um triângulo metade branco e metade preto indica um ponto que apresentou piora significativa (p<0,05) em dois exames consecutivos. O símbolo “” indica os pontos com piora significativa (p<0,05) em três campos consecutivos. Quando existe piora em três ou mais pontos em dois exames consecutivos, o aparelho imprime a mensagem Possible Progression, enquanto a expressão Likely Progression aparece quando os mesmos três pontos mostram piora em três exames consecutivos. Portanto, para o GPA a piora deve ser reprodutível e consistente. A perimetria convencional utiliza um estímulo acromático e está relacionada com a resposta não seletiva de células ganglionares da retina. Contudo, devido à existência de sobreposição entre os campos receptivos das células ganglionares, sugere-se que um exame com estímulo não seletivo poderia não ser sensível à perda destas células, pois ocorreria o fenômeno denominado redundância. Foi descrito que a detecção de defeito de campo visual na perimetria convencional branco-branco pode ocorrer apenas após perda de 30 a 40% das fibras nervosas. Assim, na tentativa de permitir detecção mais precoce do dano glaucomatoso, vários testes psicofísicos têm sido desenvolvidos, como a perimetria azul-amarelo, a perimetria de frequência dupla (FDT) e a perimetria flicker.

PERIMETRIA AZUL E AMARELO Este método foi desenvolvido por Johnson et al. em 1988, para isolar e medir a sensibilidade da via visual do cone-S (estímulos de onda curta), cujo substrato anatômico presumido é a célula ganglionar biestraficada e a via koniocelular. Na perimetria azul-amarelo, a iluminação do fundo da cúpula é amarela de 220 cd/m² (635 apostilb), o estímulo é azul (filtro de 550 nm) e de tamanho V. A iluminação de fundo amarela resulta na adaptação de cones sensíveis ao comprimento de ondas médias e longas, permitindo o isolamento da resposta do cone-S. Tanto o perímetro Humphrey quanto o perímetro Octopus permitem a realização da perimetria azul e amarelo nos mesmos pontos testados pela perimetria convencional. Atualmente é possível realizar este método utilizando as estratégias rápidas SITA ou TOP, respectivamente, reduzindo o tempo do exame que é naturalmente mais longo do que o tempo da perimetria convencional. Os impressos na perimetria azul e amarelo fornecem, como na perimetria convencional, os valores em decibéis, o gráfico em tons de cinza, a comparação do indivíduo com a população normal (total deviation), a correção da sensibilidade do indivíduo para sua ilha de visão (pattern deviation), os gráficos de probabilidades do total e pattern deviation, além dos índices de confiabilidade e índices globais.

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Critério de defeito perimetria azul e amarelo Segundo Polo, existe defeito glaucomatoso de campo visual na perimetria azul e amarelo quando ocorrer: Presença de 3 ou mais pontos adjacentes com redução de sensibilidade p<5%. Presença de 2 ou mais pontos adjacentes com redução de sensibilidade p<1%. A sensibilidade e especificiade deste método na detecção do defeito glaucomatoso apresentadas em um estudo envolvendo 38 indivíduos hipertensos oculares e 62 indivíduos normais foram igual a 100% e 94%, respectivamente. Um outro estudo envolvendo 160 hipertensos oculares apresentou sensibilidade igual a 73% e especificidade igual a 68%. Um estudo com 232 hipertensos oculares submetidos a perimetria azul e amarelo e perimetria convencional e classificados quanto ao risco de desenvolver glaucoma baseado na pressão intraocular, na história familiar de glaucoma, na idade e na razão escavação/disco detectou a presença de alteração na perimetria azul e amarelo no início do estudo em menos de 10% dos indivíduos classificados previamente com sendo de baixo risco, 20% dos indivíduos classificados como médio risco e 33% dos indivíduos classificados como alto risco. Apesar dos estudos demonstrarem que a perimetria azul-amarelo possa detectar mais precocemente o dano glaucomatoso, este método possui algumas limitações: maior variabilidade da estimativa do limiar durante o exame, maior flutuação a curto prazo, maior variabilidade interindividual, maior duração do exame e redução da visibilidade do estímulo azul com a opacidade do cristalino, limitando seu uso em pacientes com catarata.

PERIMETRIA DE FREQUÊNCIA DUPLA (FDT) Quando um estímulo com padrão de grades sinusoidais de baixa frequência espacial (0,25 ciclo/grau) é submetido a alta frequência temporal (25 Hz, isto é, 25 oscilações por segundo), este é percebido como tendo 2 vezes o número de barras escuras e claras (Fig. 7). Este fenômeno de duplicação é, provavelmente, mediado pelas células magnocelulares M-Y. O FDT utiliza este padrão de estímulo para detectar o dano glaucomatoso. O limiar de sensibilidade neste método é definido como a menor intensidade de contraste necessária para perceber este padrão de estímulo. Assim, nas localizações onde existe dano às células ganglionares será necessário aumentar a intensidade do contraste para que o estímulo possa ser percebido. Cada estímulo é apresentado por 720 ms. Durante os primeiros 160 ms o contraste do estímulo é aumentado gradualmente do “0” para o contraste selecionado para o teste. Se o estímulo não é visto ele permanece neste contraste por 400 m/s e é gradualmente reduzido para “0”. Há um intervalo variável de 500 ms entre um estímulo e outro. De 100 ms após o início do estímulo até 1 segundo após o estímulo ser apresentado o computador checa se houve resposta do indivíduo. Na primeira versão do aparelho o estímulo é apresentado em 17 localizações dentro dos 20° centrais do campo visual (16 estímulos quadrados de 10 × 10° e um estímulo circular de 5°) (Fig. 8).

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Fig. 7  Padrão do estímulo do FDT. percepção de duplicação de imagem.

Mostra a

Fig. 8  Impresso do FDT – mostra o gráfico de sensibilidade nas 17 localizações em decibéis, o gráfico de probabilidades, os índices globais.

Na versão mais recente, o FDT Matrix, o estímulo apresentado possui tamanho menor do que o utilizado no aparelho original, permitindo a realização do exame nos mesmos locais testados pela perimetria convencional Humphrey 30-2, 24-2, 10-2 e macular. Outras vantagens da nova versão são: menor variabilidade interteste, presença de monitor para alinhamento do olho testado, monitoração da fixação e a capacidade de gravar o exame em DVD ou hard drive. O impresso fornece os gráficos em decibéis, tons de cinza, total deviation, pattern deviation, gráficos de probalilidades do total e do pattern deviation, além dos índices de confiabilidade e índices globais (MD e PSD) (Fig. 9). Considera-se defeito glaucomatoso no FDT a presença de pelo menos duas áreas com p<0,5% ou pior no pattern deviation ou um valor de PSD com p<0,5%.

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Fig. 9  Impresso do resultado do FDT matrix.

O exame de FDT permitiu a detecção de anormalidade no campo visual em indivíduos glaucomatosos e mostrou boa correlação com os índices globais obtidos na perimetria convencional. Assim como nos outros métodos de perimetria, a existência de um efeito aprendizado tem sido comprovada na literatura científica. Uma das vantagens do exame de FDT é que este apresenta menor variabilidade intra e interteste quando comparada à perimetria convencional e não é influenciado por opacidade de meios ou erros de refração. A sensibilidade e especificidade do FDT detectar dano glaucomatoso foi determinada por vários autores. Na literatura encontram-se valores de sensibilidade entre 88 e 93% e de especificidade entre 91 e 100%. Alguns estudos sugerem que o exame de FDT pode detectar o defeito de campo visual antes da perimetria convencional. O exame FDT é geralmente realizado em hipertensos oculares e em indivíduos suspeitos de glaucoma, portanto, indivíduos que apresentam o campo visual branco-branco normal, sendo considerado como mais um fator de risco para a conversão do hipertenso ocular em glaucomatoso. No momento, quando o indivíduo passa a apresentar defeito no campo visual convencional o seguimento deve ser realizado com este método e não com o FDT, pois ainda não existem softwares e programas estatísticos para o acompanhamento das alterações no FDT.

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PERIMETRIA FLICKER Acredita-se que a detecção de um estímulo que pisca rapidamente (flicker) seja mediada pelas células ganglionares magnocelulares. Existem 3 tipos de perimetria flicker:

Perimetria de modulação temporal (PMT) Neste método, a frequência flicker é mantida constante em um nível de frequência temporal predeterminado e o contraste varia. O limiar é definido como o mínimo contraste necessário para detectar o estímulo flicker (Johnson, 2001).

Perimetria de variação do pedestal de luminância Este método apresenta o estímulo flicker em um aumento do pedestal de luminância (aumento do nível de luminância a partir de um patamar), com o objetivo de encontrar a luminância mínima na qual o estímulo flicker pode ser detectado (Johnson, 2001). Este método é utilizado no perímetro Medmont (M- 700, Medmont Pty Ltd, Camberwell, Victoria, Austrália).

Frequência crítica de fusão (FCF) Neste método, mantém-se o contraste fixo em 100%, enquanto se varia a frequência de oscilação do estímulo (frequência flicker). O limiar é definido como a frequência na qual o estímulo é primeiramente percebido como uma luz contínua (Fig. 10). Este método é utilizado no equipamento Octopus, possibilitando a realização do teste nas mesmas localizações utilizadas na perimetria convencional e perimetria azul-amarelo. Características do estímulo: o estímulo possui tamanho III, intensidade de 2.000 asb, duração de 1.000 ms, contraste de 100% e oscila em uma frequência de 0 a 60 Hz, a iluminação de fundo é igual a 31,4 asb. O estímulo é sempre visível, porém o paciente deve informar apenas quando notar o estímulo piscando. O impresso de resultados contém os mesmos gráficos presentes na perimetria convencional, porém os resultados são expressos em Hertz (Hz) (Fig. 11). Para determinar o índice de respostas falso-positivas o aparelho mostra um estímulo que pisca na frequência de 100 Hz, impossível de ser detectado pelo olho humano como um estímulo oscilatório; já para a deter-

Fig. 10  Conceito da frequência crítica de fusão.

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Fig. 11  Impresso do exame flicker, mostrando a sensibilidade ponto a ponto em Hertz.

minação do índice de respostas falso-negativas o aparelho mostra um estímulo que pisca na frequência de 5 Hz, facilmente perceptível como estímulo oscilatório. O valor médio da frequência crítica de fusão (FCF) em um estudo brasileiro foi igual a 38,3 ± 4,3 Hz. No mesmo estudo a média periférica de FCF foi maior do que a média central FCF. Na literatura, os estudos que compararam a perimetria convencional com a perimetria flicker em indivíduos glaucomatosos ou suspeitos de glaucoma demonstraram que o dano glaucomatoso pode ser mais intenso na perimetria flicker. Como nos outros métodos perimétricos, existe um efeito aprendizado na realização do exame. Apesar da perimetria flicker ser um método pouco influenciado pelo vício refracional ou opacidade de meios, a determinação do limiar de sensibilidade flicker é difícil e o teste é mais longo e cansativo do que a perimetria convencional ou FDT.

PERIMETRIA OBJETIVA A perimetria objetiva foi desenvolvida para suprir a necessidade de exames de avaliação do campo visual mais objetivos, pois a perimetria convencional depende muito da cooperação do indivíduo e apresenta um efeito aprendizado, resultando, em alguns casos, em uma performance pobre ao exame. A perimetria objetiva utiliza a gravação de múltipos sinais de potenciais visuais evocados (mPVE) em resposta à estimulação simultânea de 58 segmentos do campo visual. O potencial

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visual evocado (PVE) é produzido pela atividade elétrica do cortex visual (áreas 17,18 e 19) em resposta à estimulação da retina. O sinal é formado pela primeira resposta evocada (onda curta) seguida da segunda resposta (onda de grande amplitude). A primeira resposta é influenciada por desordens maculares ou do nervo óptico, não sendo influenciada por opacidades de meio, como catarata e opacidade corneana. No aparelho Accumap (ObjectiVision, Sydney, NSW, Austrália), o estímulo consiste de uma tela composta de 58 segmentos (56 segmentos localizados nos 24° centrais e 2 segmentos localizados na região nasal a 32° de excentricidade). Cada segmento é constituído de 16 quadrados negros e brancos que formam um padrão xadrez. O tamanho dos quadrados é proporcional ao tamanho do segmento (Fig. 12). Os segmentos são escalonados conforme a excentricidade para estimular áreas aproximadamente iguais da superfície do córtex estriado. O estímulo em padrão xadrez é submetido a troca binária para cada uma das 58 localizações do campo visual na frequência de 75 Hz. A luminância do quadrado branco é igual a 146 cd/m2 e a luminância do quadrado negro é igual a 1,1cd/m2, produzindo um contraste de 99%. A luminância da tela de fundo é mantida em 73,5 cd/m2. A tela é colocada a 30 cm do indivíduo e utiliza-se a correção para perto. A área correspondente a 1° central não é pesquisada, pois é usada para manter a fixação. Utiliza-se a projeção de uma sequência de números (p. ex., 3, 6, 9) na área central e solicita-se que o paciente avise sempre que aparecer um número predeterminado (p. ex., sempre que aparecer o número 9 o paciente deve apertar um botão), assim, mantém-se a atenção do indivíduo no ponto de fixação. A estimulação é monocular. Os eletrodos são posicionados ao longo da linha média, 3 cm acima e 4 cm abaixo da protuberância occipital e a 4 cm lateral. São determinadas as amplitudes pico-depressão máximas para cada onda com intervalo de 60 a 180 ms e, posteriormente, estas amplitudes são comparadas entre os canais para cada segmento estimulado. A onda de máxima amplitude para cada segmento do campo é selecionada, gerando um mapa topográfico dos potenciais evocados. O impresso de resultados mostra os gráficos: gráfico 1 que indica a amplitude do PVE para cada seguimento; gráfico 2 que mostra o traçado do PVE para cada um dos 58 segmentos; gráfico de probabilidades que mostra a probabilidade de ocorrência dos pontos anormais com redução de amplitude de VEP para cada segmento quando comparado a uma base de dados de indivíduos normais; gráfico de probabilidade de assimetria entre os olhos para cada segmento, baseado em um conjunto de dados da distribuição de assimetria entre os 2 olhos para indivíduos normais.

Fig. 12  Padrão em xadrez do estímulo apresentado na perimetria objetiva.

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92 | Glaucoma O aparelho classifica a redução de amplitude de VEP em valores de p>5%, <5,%, <2% e <1%, quando a alteração presente no exame ocorrer, respectivamente, em mais de 5% da população normal, em menos de 5%, 2% e 1% da população normal. Considera-se um escotoma, no gráfico de desvio de amplitudes do PVE, a presença de 3 pontos em um hemicampo com p<0,2, sendo pelo menos 1 ponto com p<0,1. Para o gráfico de assimetria, considera-se defeito a presença de 3 pontos com p<0,1 ou 2 pontos com p<0,05. A sensibilidade reportada na literatura varia de 81,6 a 92%, e a especificidade foi igual a 89,2%. Um estudo recente comparando a detecção de dano glaucomatoso através da determinação de potenciais visuais evocados múltiplos com o aparelho VERIS (electro-diagnostic imaging) e perimetria convencional utilizando estratégia SITA reportou resultados semelhantes entre os dois métodos, porém estes mostraram concordância de resultados em apenas 80% dos olhos. Assim como na perimetria convencional, os resultados obtidos na perimetria objetiva alteram-se com as opacidades de meios e com o borramento provocado por vício refracional. Finalizando, é importante lembrar que no glaucoma o defeito de campo visual deve ser compatível com a lesão glaucomatosa do nervo óptico. Nenhum destes métodos perimétricos por si só é capaz de fazer o diagnóstico de glaucoma. No diagnóstico do glaucoma deve-se considerar o aspecto do nervo óptico, os níveis pressóricos, o resultado da perimetria, os antecedentes familiares e demais fatores de risco.

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Avaliação Funcional do Glaucoma  |  93

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CARLOS RUBENS DE FIGUEIREDO • WAGNER DUARTE BATISTA COLABORADORES ANDRÉ BATISTA FERREIRA • BRUNO PIMENTEL DE FIGUEIREDO EMÍLIO RINTARO SUZUKI JR. • FÁBIO NISHIMURA KANADANI JOÃO AGOSTINI NETTO • LUCIANA MEIRELLES FRANKLIN

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DEFINIÇÃO O glaucoma pode ser definido como um complexo de doenças oculares que tem como denominador comum, uma neuropatia óptica característica. A neuropatia óptica glaucomatosa é caracterizada por alterações do disco óptico e/ou da camada de fibras nervosas da retina (CFNR) e podendo levar a perda de campo visual, em que a pressão intraocular elevada é um dos fatores de risco. A pressão intraocular (PIO) é considerada o principal fator de risco para o aparecimento da neuropatia glaucomatosa, embora não seja o único fator, e assim a definição de glaucoma com base na pressão intraocular não deve ser considerada. Entretanto, a pressão intraocular é importante no glaucoma por ser atualmente o único fator que pode ser controlado e assim evitar a progressão da doença. No glaucoma primário de ângulo aberto (GPAA) não conseguimos identificar uma causa ocular ou sistêmica que contribua para a obstrução do fluxo do humor aquoso e consequente aumento da pressão intraocular e lesão do nervo óptico. O glaucoma de ângulo aberto pode ser classificado ainda do seguinte modo: Glaucoma de pressão normal – uma variável do GPAA cursando com os níveis pressóricos normais. Glaucoma juvenil de ângulo aberto – o GPAA que ocorre em idade jovem (de 10 a 30 anos de idade). Hipertenso ocular – pressão intraocular elevada, acompanhada de disco óptico e campo visual normais.

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EPIDEMIOLOGIA O glaucoma é a principal causa de cegueira irreversível entre adultos afro-americanos e a segunda causa de cegueira no mundo. O glaucoma afeta mais de 67 milhões de pessoas no mundo, dos quais cerca de 10% ou seja, 6,6 milhões são cegos de ambos os olhos. Nos Estados Unidos, estima-se que 1,9% da população acima de 40 anos é portadora de glaucoma – o que representa mais de 2,2 milhões de pessoas. Levando em consideração o aumento da expectativa de vida da população, espera-se que o número de glaucomatosos nos Estados Unidos suba para 3,4 milhões de pessoas nos próximos 15 anos. No Baltimore Eye Survey a prevalência do GPAA em pessoas acima de 40 anos de idade foi significativamente maior em negros (4,7%) em comparação com brancos (1,3%). A idade avançada exerce uma influência maior que o fator racial. A prevalência do GPAA em brancos entre 40 e 49 anos de idade é de 0,6% aumentando para 1,5% entre 50 e 59 anos de idade; 2,7% entre 60 e 69 anos de idade; 5,1% entre 70 e 79 anos de idade e finalmente 7,3% na população acima de 80 anos de idade. Admite-se que a incidência do GPAA em negros é significativamente superior em indivíduos mais jovens.

HEREDITARIEDADE E FATORES GENÉTICOS O conhecimento das bases genéticas para várias doenças tem um profundo impacto e nisto se inclui o glaucoma. Nas técnicas de mapeamento para o glaucoma a localização de vários genes e o conhecimento das suas mutações tem mudado significativamente o entendimento da doença. Em um futuro próximo o diagnóstico precoce de formas específicas de glaucoma poderá ter uma base genética. Eventualmente este conhecimento poderá levar ao desenvolvimento de novas drogas ou tipos específicos de terapias gênicas com substituição do DNA, modificação do RNA ou substituição das proteínas defeituosas promovendo redução da PIO a longo prazo ou melhorando a neuropatia óptica. O GLC1A foi o primeiro gene descoberto relacionado com o GPAA, inicialmente mapeado em uma família com glaucoma juvenil e localizado no cromossomo 1. Sua mutação, que é suspeita de ser responsável pelo glaucoma de ângulo aberto, produz uma proteína, a miocilina, que também é induzida nas células do trabeculado pelo tratamento com dexametasona. Devido a esta proteína foi dado ao gene da TIGR/miocilina o símbolo TIGR/ MYOC. Esta mutação não é limitada ao glaucoma juvenil e foi reportada em 3% de indivíduos com GPAA. Os corticoides podem induzir aumento da PIO em alta porcentagem de pacientes com glaucoma e isso parece relacionado com a proteína relacionada com o TIGR/MYOC. Dois loci para as formas de glaucoma de ângulo aberto de pressão normal também foram descobertos: GLC1B mapeado no cromossomo 2 e GLC1E mapeado no cromossomo 10. Já que a maioria dos indivíduos com estes genes parece desenvolver um tipo de glaucoma com pressão normal, essas mutações podem levar o nervo óptico à sensibilidade anormal à PIO ou então facilitar o dano a ele independentemente da PIO. Recentemente, mutações no OPTN, gene que codifica a proteína optoneurina, foram identificadas em pacientes com o gene GLC1E e sua caracterização pode potencialmente levar a mais explicações.

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Em contraste ao GLC1A e GLC1B, o GLC1C localizado no cromossomo 3 parece produzir um glaucoma caracterizado por pressões elevadas, início tardio e moderada resposta às medicações antiglaucomatosas. Apesar de relativamente raro, a sua similaridade fenotípica ao GPAA sugere que pode produzir informações importantes para o mecanismo de vários outros tipos de glaucoma de ângulo aberto de início na vida adulta. O glaucoma associado ao gene GLC1D, localizado no cromossomo 8, também parece com o GPAA com altas pressões e poderá ajudar com informações futuras para o GPAA. Os genes GLC1F e GLC1G foram mapeados e são loci adicionais para o GPAA. Cada uma destas localizações genéticas representa apenas uma pequena fração do total da população com glaucoma de ângulo aberto. A identificação destes genes indica a diversidade da genética do glaucoma.

PATOGENIA Dinâmica do humor aquoso (HA) O humor aquoso preenche a câmara anterior e a posterior do olho, assim como os interstícios do vítreo. Funciona como meio nutritivo e metabólico para os tecidos oculares avasculares, principalmente o cristalino, a córnea e a rede trabecular. A pressão intraocular (PIO) é determinada pela quantidade de humor aquoso formada versus sua circulação e escoamento. Após ser produzido pelos processos ciliares na câmara posterior, o humor aquoso (HA) segue para a câmara anterior através do orifício pupilar. A drenagem ocorre principalmente pela via trabecular (trabeculado corneoescleral → canal de Schlemm → canais coletores → sistema venoso episcleral). A equação de Goldmann representa as relações entre estes fatores e a PIO: PIO = F / C + Pv F = Taxa de produção do humor aquoso C = Facilidade de drenagem do aquoso pelo trabeculado corneoescleral Pv + Pressão venosa episcleral Atualmente, com a importância estabelecida para a via não convencional (uveoescleral), uma nova variável deve ser incorporada: PIO = F – Fu + Pv C Fu = Fluxo uveoescleral PRODUÇÃO O humor aquoso é produzido pelas células epiteliais dos processos ciliares na câmara posterior a uma taxa de 2 a 3 microlitros/minutos. Os processos ciliares são compostos por vasos sanguíneos envolvidos por tecido conjuntivo, revestidos por uma dupla camada de células epiteliais: a mais externa de células pigmentadas e a mais interna formada por células não pigmentadas, que contêm inúmeras mitocôndrias e microvilos, denotando sua intensa atividade secretora.

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100 | Glaucoma O volume total de aquoso na câmara anterior é aproximadamente 0,25 ml e, na posterior, 0,06 ml. A produção de humor aquoso envolve três processos: Difusão: movimento passivo de solutos, principalmente os lipossolúveis, através das membranas citoplasmáticas, proporcionalmente ao seu gradiente de concentração. Ultrafiltração: movimento dependente do gradiente entre a pressão de perfusão dos processos ciliares e a pressão intraocular. Secreção: principal forma de produção (80%). É um processo de secreção ativa de eletrólitos até a câmara posterior por parte do epitélio não pigmentado do corpo ciliar. Ocorre por duas vias: paracelular (por entre as células) e transcelular (através das células). A taxa de secreção do humor aquoso depende da taxa de transporte ativo de solutos por parte do epitélio ciliar. O processo de secreção se realiza através dos seguintes mecanismos: Bomba de Na+/K+ (responsável por 60% do processo): localizada na membrana citoplasmática. Anidrase carbônica (responsável por 40% do processo): a enzima anidrase carbônica (isoenzima II) media a reação de formação do bicarbonato a partir do ácido carbônico e hidroxila. Acredita-se que o bicarbonato seja o principal responsável pela regulação do pH ótimo para o transporte dos íons sódio, além de fazer parte de um importante sistema de tampão intracelular. Transporte de ascorbato: também contribui para a formação do humor aquoso, processo importante para a nutrição de alguns elementos das câmaras anterior e posterior, além de sua ação oxidante. Fármacos supressores da formação do humor aquoso: Inibidores da anidrase carbônica: agem inibindo a ação desta enzima que tem importante função na produção ativa do humor aquoso. Fármacos β-bloqueadores: podem provocar a diminuição da eficácia da bomba Na+/K+ e também no número de proteínas carreadoras disponíveis. β2-agonistas: agem nos receptores β2-adrenérgicos presentes na membrana citoplasmática (parecem os receptores os mais envolvidos na regulação da produção do humor aquoso). A formação do humor aquoso sofre uma variação com o ritmo circadiano, já tendo sido demonstrado que sua produção diminui durante o sono e sofre elevação pela manhã. A produção do humor aquoso decresce com a idade, porém, a facilidade de escoamento é também reduzida.

Composição do humor aquoso A maior parte de sua estrutura (99,69%) é formada por água, estando presentes também substâncias orgânicas e inorgânicas.

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Circulação e drenagem do humor aquoso O humor aquoso, após passar da câmara posterior para a anterior, pelo orifício pupilar, produz uma corrente (térmica ou de Turk), devido à diferença de temperatura entre a córnea e a íris. Sua direção é ascendente na córnea e descendente na íris. A íris é um obstáculo natural ao fluxo de aquoso, provocando um “bloqueio pupilar relativo”, justificando o achado de uma pressão na câmara posterior um pouco maior do que na anterior, o que causa maior convexidade na raiz da íris. O escoamento do humor aquoso a partir da câmara anterior ocorre por duas vias: convencional (pressão dependente) e a não convencional (pressão independente). Pacientes com glaucoma, na maioria das vezes, apresentam diminuição na facilidade de drenagem do aquoso, mas a patogênese desta redução ainda não está totalmente esclarecida.

Via convencional Responsável pela drenagem de aproximadamente 90% do humor aquoso. O trabeculado é um sistema valvular unidirecional e pode ser dividido em três zonas: uveal, corneoescleral e justacanalicular, esta última sendo a zona de maior resistência ao escoamento.

Via não convencional No ano de 1971, Bill & Philips comprovaram a existência desta via em seres humanos, sendo responsável por aproximadamente 10% da drenagem do humor aquoso. O aquoso é drenado da câmara anterior passando entre as fibras do músculo ciliar, atingindo os espaços supraciliar e supracoroidal. O fluxo deixa o olho através da esclera intacta ou dos nervos e vasos penetrantes. O fluxo uveoescleral ocorre independente da pressão intraocular, ao contrário da via convencional. Seu fluxo diminui com a idade e com o uso de mióticos; já fármacos como cicloplégicos, epinefrina, apraclonidina e cirurgias como ciclodiálise aumentam o fluxo.

FATORES DE RISCO

Os cinco principais fatores de risco do GPAA são: Pressão intraocular elevada. Idade avançada. História familiar. Raça negra. Espessura central corneana (ECC) fina.

Pressão intraocular A pressão intraocular elevada é o principal fator de risco associado ao glaucoma além de ser o único modificável. Não há um valor de referência que possa ser adotado para dizermos que determinada pressão está “normal” ou “acima do normal”. Isso se deve ao fato da PIO ser influenciada por

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102 | Glaucoma diversos fatores, desde a própria variação decorrente do ritmo circadiano até a influência sofrida pela espessura e histerese corneanas. Estudos populacionais no Brasil mostram que a distribuição da PIO em indivíduos normais seria de 13,0 ± 2,1 mmHg. Os portadores de PIO acima de 21 mmHg devem ser considerados hipertensos oculares. O padrão-ouro para a aferição da PIO é por meio da tonometria de aplanação de Goldmann (TAG). Para melhor avaliação do nível pressórico de cada paciente, deve ser feita uma curva diária de pressão (CDPo) para poder identificar possíveis picos da PIO. Pode-se também lançar mão dos testes provocativos como o teste de sobrecarga hídrica (TSH) e teste da Ibopamina para induzir picos não detectados na CDPo.

Idade Como mencionado, a prevalência do GPAA em indivíduos com até 50 anos de idade é de 0,6% aumentando para 7,3% quando consideramos pessoas acima de 80 anos.

História familiar No Rotterdam Eye Study, 10,4% dos indivíduos glaucomatosos possuíam irmãos também portadores da doença. O mesmo estudo estimou um risco relativo de 9,2 vezes para indivíduos com parentes de 1o grau portadores do GPAA.

Raça A consideração da raça como fator de risco no Brasil deve ser vista de maneira mais abrangente, visto a ampla miscigenação. O GPAA em negros é mais frequente e de pior prognóstico.

Espessura corneana central A influência da paquimetria corneana na medida da PIO foi consagrada pelo estudo do Ocular Hypertension Treatment Study (OHTS) que mostrou que indivíduos portadores de córnea “fina” progridem com o glaucoma mesmo em níveis pressóricos dentro da normalidade. Isso ocorre devido a PIO estar subestimada nesses indivíduos. Os portadores de córnea “fina” têm ainda a propensão de apresentar uma lâmina crivosa mais fina, visto que ambas têm a mesma estrutura embriológica, o que favoreceria o arqueamento posterior da lâmina.

QUADRO CLÍNICO O GPAA é insidioso, lentamente progressivo, usualmente bilateral podendo ser assimétrico. O diagnóstico do GPAA é realizado por meio de avaliação da PIO, aparência do disco óptico e alteraçôes do campo visual.

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História e exame geral Os fatores importantes na avaliação clínica do paciente com suspeita de glaucoma são: Queixas sobre os sintomas: caracterizar início, duração, gravidade e localização. História ocular pregressa: incluindo uso de medicações (em especial esteroides). História sistêmica pregressa: incluindo medicações e hipersensibilidade. Uso de álcool e tabaco. História familiar positiva para glaucoma.

Refração A correção do erro refracional é importante para a realização de uma perimetria precisa. Além dos olhos hipermetropes apresentarem risco aumentado para a ocorrência de glaucoma de ângulo fechado, geralmente apresentam discos ópticos menores. A miopia pode apresentar alterações anatômicas do disco óptico que podem confundir com as alterações glaucomatosas. Ainda é controverso se os olhos miópicos apresentam risco aumentado para a ocorrência de GPAA.

Anexos oculares A avaliação dos anexos oculares externos pode contribuir para o diagnóstico dos glaucomas secundários e das manifestações dos efeitos indesejáveis dos hipotensores oculares.

Biomicroscopia O exame biomicroscópico do segmento anterior pode contribuir para detectar alterações sugestivas dos glaucomas secundários e de sinais de efeitos indesejáveis decorrente do uso de fármacos antiglaucomatosos. A câmara anterior no GPAA apresenta-se profunda, enquanto no glaucoma de ângulo fechado é rasa, o que pode contribuir para distinguir as duas diferentes formas clínicas do glaucoma.

Pressão intraocular Os dados dos grandes estudos epidemiológicos indicam que a PIO média é de aproximadamente 16 mmHg com um desvio-padrão de 3 mmHg. Entretanto, a PIO tem uma distribuição não gaussiana com um desvio para as pressões mais altas, principalmente nos indivíduos acima de 40 anos de idade. Atualmente há um consenso de que não existe para a população como um todo nenhuma linha clara entre valores seguros ou não de PIO.

Fatores que influenciam a PIO A PIO pode variar com um número de fatores que incluem: hora do dia, batimento cardíaco, respiração, exercício, ingestão de fluidos, medicação sistêmica e tópica.

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Variação diurna Em indivíduos normais a PIO varia entre 2 a 6 mmHg em um período de 24 h, assim como a produção do humor aquoso também sofre alterações. PIO mais altas são associadas a maior flutuação e uma flutuação diurna maior que 10 mmHg é sugestiva de glaucoma. Os horários dos picos de aumento da PIO podem variar entre os indivíduos e por isso é importante medi-la em diferentes horários do dia. A relação entre hipertensão arterial sistêmica e a PIO pode ser importante no dano ao nervo óptico; hipotensão sistêmica, principalmente durante o sono é sugerida como possível causa de redução na perfusão do nervo óptico resultando em dano.

Medidas clínicas da PIO TONOMETRIA DE APLANAÇÃO: baseada na LEI DE IMBERT – FICK que estabelece que a pressão

intraocular é igual ao quociente entre o peso do tonômetro e a área aplanada, supondo que o olho se comporta como uma membrana infinitamente fina (delgada), seca, elástica e esférica. Baseada em uma espessura central da córnea de aproximadadmente 500 µm. Estudos demonstram que este método reflete a PIO mais precisamente se a espessura corneana central for em torno de 520 µm. É um método seguro, fácil de realizar e acurado na maioria das situações clínicas. É importante observar alguns detalhes que influenciam na medida como a quantidade de fluoresceína, o astigmatismo corneano, presença de edema de córnea, cicatriz corneana, rigidez escleral alterada, como em procedimentos de retinopexia e a espessura corneana central. O tonômetro de Perkins é similar ao de Goldmann, porém é portátil e pode ser usado com o paciente na posição supina. TONOMETRIA DE NÃO CONTATO: mede a PIO sem tocar o olho medindo o tempo necessário para uma dada força de ar achatar uma dada área da córnea. As medidas obtidas com ele variam muito e frequentemente superestimam a PIO. Geralmente são usados em programas triagem em larga escala e por profissionais não médicos. INSTRUMENTOS ELETRÔNICOS DE APLANAÇÃO PORTÁTEIS (TONOPEN): aplanam uma pequena área da córnea e são particularmente úteis na presença de cicatrizes corneanas ou edema. TONÔMETRO DE SCHIÖTZ: determina a identação da córnea produzida por um peso conhecido. TONOMETRIA DE CONTORNO DINÂMICA: é realizada uma medida da PIO transcorneana e contínua. O príncípio utilizado é o de Pascal em que a pressão aplicada a um conteúdo fechado de fluido é transmitida a todas as partes do sistema fechado, incluindo suas paredes. Um sensor embebido em ponta em formato de concha do tonômetro ao assumir o contorno da córnea permite que as pressões em cada face da mesma sejam teoricamente iguais e nisto é baseada sua medida. São realizadas aproximadamente 100 medidas contínuas pelo ciclo cardíaco e o registro da PIO corresponde a média das PIO diastólicas durante o período em que o instrumento fica em contato com o olho. Esta tonometria também fornece o valor da amplitude de pulso ocular (OPA), que é a diferença entre as médias das medidas sistólicas e diastólicas e um coeficiente que indica a qualidade das medidas realizadas sendo Q1 ótimo / Q2 bom / Q3 aceitável, mas a variação interobservador é alta / e Q4 / Q5 não aceitável. Entre as dificuldades para realizar as medidas está a da necessidade de permanecer em contato com o olho por 4 a 5 segundos e se o paciente move os olhos resulta em baixa qualidade da medida. Estudos

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mostraram maior acurácia relativa e absoluta do que tonômetro de aplanação de Goldmann e pneumotonômetro, baseados em medidas feitas por manometria. O valor da PIO aferida não se relaciona com a ECC. OCULAR RESPONSE ANALYZER (ORA): determina propriedades biomecânicas da córnea utilizando uma relação de deslocamento-força aplicada (por meio de jato de ar que identa a córnea até aplanação e depois leve concavidade). O ORA mede a pressão nos dois pontos em que a córnea está plana. São realizadas duplas medidas para determiná-la.

Pressão intraocular e espessura corneana central (ECC) A acurácia da medida da PIO pode estar reduzida em certas situações. Um edema de córnea pode predispor a medidas mais baixas, enquanto medidas em córneas com cicatrizes podem estar falsamente elevadas. A tonometria realizada sobre lentes de contato gelatinosas também pode demonstrar valores falsamente baixos. A medida da PIO também é diretamente afetada pela espessura central da córnea (ECC). Para uma avaliação correta da PIO é de conhecimento universal a importância da medida da espessura corneana central, ou paquimetria. O tonômetro de aplanação de Goldmann foi calibrado para uma ECC de aproximadamente 520 µm. Entretanto, estudos populacionais relatam uma grande variação da ECC em pacientes normais, aproximadamente entre 537 e 554 µm. Qualquer desvio significante deste valor induz um artefato na medida da PIO. Por este motivo pode ser estimado que entre 30 e 57% das PIO elevadas em suspeitos de glaucoma são artefatos da medida da PIO. Ainda hoje não está claro qual fator de correção deve ser usado para corrigir a PIO em relação a ECC. Uma meta-análise recente sugere que um fator de correção de aproximadamente 2,5 mmHg deveria ser utilizada para cada 50 µm de diferença a partir de 550 µm. Entretanto, o ponto mais relevante seria a interpretação de que em pacientes com córnea mais finas, a medida da PIO estaria subestimada e que, em pacientes com córnea mais espessa, a medida estaria superestimada em relação à medida manométrica. Além disso, medidas da PIO após a ceratectomia fotorrefrativa (PRK) e Laser in Situ Keratomileusis (LASIK), pode estar reduzida por causa das alterações na espessura corneana. O Ocular Hypertension Treatment Study (OHTS) identificou que uma ECC mais fina era um fator preditivo forte ao desenvolvimento de glaucoma em pacientes com hipertensão ocular. Pacientes com ECC de 555 µm ou menos tinham uma chance 3 vezes maior de desenvolver glaucoma em relação a indivíduos com ECC acima de 588 µm.

Gonioscopia A gonioscopia é uma técnica essencial para a visualização das estruturas do ângulo da câmara anterior. Com o advento de diversos métodos de imagem de avançada tecnologia, há um desinteresse dos novos oftalmologistas no domínio desta técnica. A gonioscopia é necessária para a visualização do ângulo da câmara anterior porque, sob condições normais, a luz refletida das estruturas do ângulo sofre uma reflexão interna total na superfície entre o ar e o filme lacrimal. Nesta interface, um ângulo de aproximadamente 46° promove a reflexão total da luz em direção ao estroma da córnea. Isso impede a direta visuali-

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106 | Glaucoma zação das estruturas do ângulo. As lentes de gonioscopia atuam eliminando esta interface com o contato de uma superfície de plástico ou vidro adjacente à superfície anterior do olho. O espaço entre a lente e a córnea é preenchido por filme lacrimal, solução salina ou viscoelástica. As técnicas de gonioscopia se dividem em direta ou indireta. A direta é realizada com um microscópio binocular, iluminação por fibra óptica com lentes como as de Koeppe, Barkan, Wurst, Swan-Jacob ou Richardson. Como a luz visualizada reflete diretamente do ângulo da câmara anterior, estas lentes promovem uma visualização direta das estruturas. Atualmente ela é mais utilizada na posição supina no bloco cirúrgico para a avaliação de crianças ou para a realização da goniotomia. Na prática do consultório, a gonioscopia indireta é a mais comumente utilizada. Ela também elimina a reflexão total interna da luz na superfície da córnea. A luz refletida das estruturas oculares é indiretamente vista pelo examinador através de um espelho presente na lente. Estas lentes também são conhecidas como gonioprismas. Muitas destas lentes necessitam de uma substância viscoelástica para uma visualização mais clara e detalhada. Por causa deste espelho, as imagens observadas são invertidas, apesar da orientação direita-esquerda no espelho horizontal e acima-abaixo no espelho vertical não se alterarem. As lentes de Sussman e Zeiss possuem 4 espelhos, promovendo uma visualização do ângulo sem a manipulação ou modificação da posição da lente. Elas também podem ser utilizadas sem material viscoelástico. Na gonioscopia dinâmica (compressão ou identação), uma leve pressão é feita na córnea impulsionando o humor aquoso em direção ao ângulo da câmara anterior. A porção posterior destas lentes possui um diâmetro menor do que o diâmetro da córnea e uma pressão pode ser utilizada para abrir o ângulo. Em mãos inexperientes, a gonioscopia dinâmica pode levar a uma falsa impressão de ângulo aberto. Caso esta força seja excessiva, podem ocorrer dobras na membrana de Descemet. As goniolentes que contêm 1 ou mais espelhos, promovem uma imagem invertida e discretamente menor do ângulo oposto. Embora a imagem seja invertida, a direção direita-esquerda no espelho horizontal e acima-abaixo no vertical permanece a mesma. A lente de Goldmann requer uma substância viscosa como a metilcelulose para uma melhor eficiência óptica. Nas lentes com somente um espelho, há a necessidade de girá-las a fim de observar os 360° do ângulo. A combinação da manipulação das lentes com o viscoelástico temporariamente diminui a transparência da córnea e podem dificultar um exame de fundoscopia, campo visual ou fotografias. Já as lentes do tipo Zeiss e suas similares possuem uma menor área de contato com a córnea do que as de Goldmann. Além disto, são opticamente preenchidas com o próprio filme lacrimal do paciente. Por apresentarem 4 espelhos, a totalidade do ângulo pode ser analisada sem a necessidade da rotação durante o exame. O diâmetro da lente é menor do que o diâmetro da córnea e uma pressão na córnea pode distorcer o ângulo anterior. Apesar da pressão poder abrir o ângulo e falsear um diagnóstico, a indentação é essencial na distinção de uma aposição iridocorneana de um fechamento por sinequia.

Estruturas do ângulo da câmara anterior Para uma boa gonioscopia, é essencial reconhecer detalhadamente as estruturas que compõe o ângulo. O esporão escleral e a linha de Schwalbe são os mais facilmente identificáveis. A fim

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de identificar a linha de Schwalbe, pode-se fazer um corte óptico à lâmpada de fenda identificando duas reflexões lineares, uma da superfície externa da córnea e sua junção com a esclera e outra da superfície interna da córnea. Estas duas linhas se encontram na linha de Schwalbe. Já o esporão escleral é uma faixa fina e pálida entre a face ciliar e a zona pigmentada da malha trabecular. A porção inferior do ângulo é geralmente mais ampla e é o local mais fácil de localizar estar estruturas. A malha trabecular está entre a linha de Schwalbe e o esporão escleral. Sua porção anterior é sem pigmento e a porção posterior, que recobre o canal de Schlemm, pode apresentar pigmentação. Também podemos observar a presença de sinequias irianas, membranas vasculares ou inflamatórias. A faixa ciliar é a região de inserção da íris no corpo ciliar. Um bom exame requer não somente a descrição de ângulo aberto ou fechado, mas também outros achados patológicos como recesso de ângulo ou presença de sinequias anteriores periféricas. No ângulo fechado, a periferia da íris obstrui o trabeculado, de modo que este não é visível à gonioscopia. A profundidade do ângulo é determinada pelo local de inserção da íris na superfície ciliar, sua convexidade e a proeminência das dobras irianas periféricas. O melhor método para descrição do ângulo é utilizar um sistema de graduação padronizado ou desenhar o contorno da íris, a localização da sua inserção e o ângulo entre a íris e o trabeculado. Há diversos métodos de graduação, mas os mais difundidos são os de Shaffer e Spaeth. A classificação de Shaffer (Fig. 1) descreve o ângulo entre o trabeculado e a íris da seguinte maneira: Grau 4: o ângulo entre a íris e o trabeculado é de 45°. Grau 3: o ângulo entre a íris e o trabeculado é maior do que 20° e menor do que 45°. Grau 2: o ângulo entre a íris e o trabeculado é menor do que 20°. Fechamento angular é possível. Grau 1: o ângulo entre a íris e o trabeculado é de 10°. Pode ocorrer o fechamento do ângulo a qualquer momento. Grau 0: ângulo fechado. O método de graduação de Spaeth estende a classificação, incluindo a descrição do contorno da íris periférica, inserção da raiz da íris e os efeitos da identação na configuração do ângulo. A classificação de Spaeth se baseia em três variáveis: profundidade do ângulo da câmara anterior, configuração periférica da íris e inserção da raiz da íris (Figs. 2 A-C). Originalmente, o canal de Schlemm é invisível à gonioscopia. Ocasionalmente, durante este procedimento, em olhos normais, sangue reflui para o canal, permitindo a sua identifica-

Fig. 1  Classificação de Shaffer.

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Figs. 2 A-C  Classificação de Spaeth.

ção. Isso ocorre quando a pressão venosa episcleral excede a pressão intraocular. Causas patológicas incluem hipotonia e pressão venosa episcleral elevada secundária à fístula carótida cavernosa ou síndrome de Sturge-Weber. Em até 15% das pessoas normais, a linha de Schwalbe pode ser observada pela biomicroscopia quando se encontra espessada, formando um cordão brancacento conhecido como embriotoxo posterior. Os vasos sanguíneos normais no ângulo incluem vasos irianos radiais, porções do círculo arterial do corpo ciliar e ramos verticais das artérias ciliares anteriores. Os vasos normais são orientados tanto radial quanto circunferencialmente na face do corpo ciliar. Pacientes com glaucoma neovascular apresentam vasos que atravessam o corpo ciliar e o esporão e formam uma arborização sobre a malha trabecular. A contração destes miofibroblastos leva à formação de sinequias anteriores periféricas (SAP). A pigmentação do trabeculado aumenta com a idade e tende a ser mais marcante em indivíduos com íris mais pigmentada. Esta pigmentação pode ser segmentar e geralmente é mais acentuada inferiormente. Uma pigmentação mais acentuada pode sugerir uma dispersão pigmentar ou uma síndrome pseudoexfoliativa. A pigmentação de estruturas do ângulo é geralmente irregular na síndrome exfoliativa e mais uniforme na síndrome de dispersão pigmentar. Ainda, uma linha de pigmento anterior à linha de Schwalbe está geralmente presente na síndrome pseudoexfoliativa (linha de Sampaolesi). Outras condições que levam a aumento da pigmentação do trabeculado incluem melanoma maligno, trauma, cirurgia, inflamação, ângulo fechado e hifema.

Fluxo sanguíneo ocular Como o glaucoma é uma neurodegeneração progressiva e complexa que envolve fatores disfuncionais, vasculares e neuroprotetores, devemos considerar que seja uma doença multifatorial.

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Na patogenia do glaucoma não ocorre apenas uma isquemia intraneural levando à neuropatia óptica glaucomatosa como também má perfusão vascular e perda da autorregulação da circulação do nervo óptico. Existem vários métodos que por meio de medidas indiretas medem o fluxo sanguíneo ocular: Doppler colorido, scanning laser ophthalmoscopy (SLO), Heidelberg Retinal Flowmeter (HRF) e pulsatile ocular blood flow (POBF). Nenhum destes aparelhos registra o que interessa na medida do fluxo sanguíneo ocular que é a avaliação do leito capilar responsável pela nutrição do nervo óptico. Entretanto, faltam estudos longitudinais para avaliar os métodos para a avaliação do fluxo sanguíneo.

SUSPEITOS DE GLAUCOMA O paciente suspeito de glaucoma nem sempre é um tarefa fácil de resolver. Existem pacientes que podem ou não desenvolver glaucoma ao longo dos anos, e distinguí-los é um processo dinâmico e dependente da apresentação de fatores de risco. A relevância de se tentar separar estes dois grupos de prognósticos distintos, apesar de apresentar algumas características em comum, deve-se ao fato de iniciar ou não o tratamento.

HIPERTENSÃO OCULAR A maioria dos estudos clínicos considera um paciente hipertenso aquele que apresenta pressão intraocular superior ou igual a 21 mmHg sem danos de disco óptico e campo visual. Devemos lembrar que o hipertenso ocular pode vir a desenvolver o glaucoma. Vários estudos clínicos mostram incidências variáveis de GPAA entre os hipertensos oculares. O OHTS, quando acompanhou ao longo de 5 anos 819 pacientes sem tratamento, obteve uma incidência de 10,9% de indivíduos com glaucoma. Este estudo forneceu dados importantes com relação aos fatores de risco para o aparecimento do glaucoma. Os fatores de risco mais fortemente associados ao aparecimento do glaucoma são: PIO acima de 21 mmHg* Espessura da córnea central inferior a 555* Pacientes afrodescendentes Idade avançada* Aumento de escavação de disco óptico* Valores aumentados do PSD (Perímetro Humphrey)* Dispersão pigmentar Pseudoexfoliação História familiar para glaucoma Outros fatores, especialmente aqueles relacionados com baixa perfusão sanguínea ocular, podem ser considerados como: hipertensão arterial, hipotensão arterial, diabetes, vasoespas* Fatores coincidentes no OHTS e EGPS.

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110 | Glaucoma mos e enxaqueca. O European Glaucoma Prevention Study (EGPS) demonstrou que pacientes que faziam uso de diuréticos sistêmicos eram mais suscetíveis a desenvolver glaucoma. Os fatores de risco para o desenvolvimento do glaucoma nestes pacientes servem como parâmetro de auxílio na condução clínica. Quando a decisão for de tratamento clínico, deve-se ter uma meta inicial de queda média de PIO de 20%. Geralmente os betabloqueadores e os análogos de prostaglandinas preenchem esta necessidade. Quando a decisão for de acompanhar, sugere-se que o acompanhamento com exames clínicos seja feita pelo menos 1 vez ao ano. A decisão sobre o tratamento ou a observação clínica dos pacientes hipertensos oculares deverá ser conduzida de forma individual.

GLAUCOMA DE PRESSÃO NORMAL O termo glaucoma de pressão normal (GPN) refere-se a uma condição patológica ocular muito controvertida. Não existe consenso na definição qual o valor “normal” da PIO para esta doença. Entretanto, a maioria dos estudos e conceitos apontam valores inferiores a 21 mmHg como indicadores de “pressão normal”. O GPN apresenta características típicas de glaucoma de pressão elevada, com algumas particularidades próprias. Entretanto, vale a pena ressaltar que sua existência é variada. Alguns autores demostraram que o GPN constitui 65% de todos os tipos de glaucoma, outros até mesmo desconsideram sua existência. A forma de abordagem semiológica da PIO é a provável responsável por esta divergência estatística. Os ensaios clínicos que submetem os pacientes a curva diária de pressão apresentaram menor prevalência de GPN. Aqueles que consideraram somente uma medida da PIO tiveram taxas maiores de GPN. Córneas delgadas tendem a subestimar a PIO, interferindo no raciocínio conceitual do GPN. Os aspectos clínicos do GPN são semelhantes ao glaucoma de pressão elevada, a despeito da PIO, com alterações estruturais do disco óptico e funcionais do campo visual.

Patogenia do GPN Embora ainda controverso, existem duas teorias: mecânica e vascular. A teoria mecânica é a mesma da patogenia do glaucoma de pressão elevada, de lesão direta da PIO no disco óptico e camada de fibras nervosas. A diferença é que alguns pacientes apresentam lesões com PIO mais baixas (abaixo de 21 mmHg). A teoria vascular tem sido uma hipótese igualmente aceita, e por muitos a principal, para o início da doença. Anormalidades vasculares de fluxo sanguíneo e de perfusão sanguínea têm sido apontadas como predisponentes às lesões do GPN. A deficiência de suprimento sanguíneo deixaria a retina mais suscetível às ações deletérias da PIO. Outro ponto que tem reforçado esta teoria é a correlação deste tipo de glaucoma com desordens vasculares e fenômenos vasoespásticos de ordem sistêmica.

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Alterações estruturais As alterações estruturais do GPN são similares ao glaucoma de pressão elevada, ou seja, perda da camada de fibras nervosas e aumento da escavação do disco óptico. Entretanto, existem algumas alterações patológicas que reforçam ainda mais o diagnóstico de GPN: 1. Hemorragia peripapilar. 2. Atrofia peripapilar tipo beta. 3. Anel neurorretiniano diminuído temporal e inferior. 4. Escavações mais planas. 5. Fosseta adquirida. A hemorragia peripapilar é o principal sinal sugestivo de GPN. Kitazawa et al. observaram o aparecimento deste evento em 43,1% dos pacientes com GPN e 0,3% no grupo controle. o CNTGS apresentou resultados contundentes da importância da hemorragia peripapilar.

Alterações funcionais Os defeitos de campo visual que podem ser sugestivos de GPN são aqueles com as seguintes características: 1. Escotomas mais profundos. 2. Escotomas mais localizados. 3. Escotomas mais próximos à área de fixação. Alguns autores acreditam que para se confirmar o diagnótico de GPN, além da PIO “normal”, teria que ocorrer progressão de campo visual. O Collaborative Normal Tension Glaucoma Study (CNTGS), avaliando os aspectos da progressão de campo visual, identificou que o risco de piora do defeito perimétrico era mais frequente em mulheres, na presença de enxaqueca e com hemorragia peripapilar.

Pressão intraocular Apesar de ainda não haver consenso conceitual rigoroso quanto à PIO, a maioria dos autores define GPN quando a PIO é inferior a 21 mmHg. Entretanto, deve-se ressaltar que o GPN é um diagnóstico de exclusão, principalmente quanto ao comportamento da PIO. Assim, em casos de suspeita de GPN é mandatório a realização da curva de 24 horas de PIO, para excluir algum pico pressórico oculto. A espessura da córnea é parte fundamental e imprescindível para conclusões mais profundas da verdadeira PIO. Córneas delgadas hipoestimam a PIO e podem estar associadas ao GPN.

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Gonioscopia A gonioscopia do GPN não apresenta nenhuma particularidade especial. Todavia, é muito importante para excluir fechamentos angulares intermitentes.

Diagnóstico diferencial As principais condições que se assemelham ao GPN são as patologias neurológicas que envolvem as vias ópticas com: 1. Neuropatia óptica inflamatória. 2. Neuropatia óptica isquêmica. 3. Compressões do nervo óptico. 4. Esclerose múltipla. Outras condições oculares que também podem simular GPN são: 1. Acute Zonal Occult Outer Retinopathy (AZOOR – uveíte). 2. Cicatrizes retinianas. 3. Glaucomas antigos e de resolução espontânea (burned out glaucoma): são situações que apresentaram hipertensão ocular transitória com sequelas estruturais e funcionais. Por exemplo, crise glaucomatociclítica, glaucoma pós-facoemulsificação. 4. GPAA com picos ocultos. 5. Fechamentos de ângulo intermitentes. 6. Uso intermitente de corticoides.

Alterações sistêmicas Quando as condições oculares direcionam o diagnóstico para GPN, é importante a pesquisa de patologias sistêmicas, especialmente as vasculares, tais como: 1. Hipotensão arterial sistêmica. 2. Fenômenos vasoespásticos. 3. Uso de betabloqueadores. 4. Oclusão de carótidas. 5. Vasculites. Assim, exames que podem fornecer informações importantes do perfil da pressão arterial são o MAPA e o Doppler de carótidas.

Tratamento O Collaborative Normal Tension Glaucoma Study mostrou que 30% da redução da PIO diminuem o avançar da doença. A despeito desta queda pressórica, 12% dos pacientes ainda progrediram,

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apontando que para alguns pacientes a redução da PIO deveria ser mais baixa ou ter influência de fatores não relacionados com a PIO. Alguns autores acreditam que a melhora do fluxo sanguíneo pode favorecer o retardo da doença. O uso de gingko biloba a 120 mg/dia vem sendo empregado também como terapia adjuvante aos hipotensores oculares. Os bloqueadores de canal de cálcio têm sido apontados como alternativas ao tratamento do GPN. O mais comum é a nimodipina. Os hipotensores oculares podem favorecer o incremento do fluxo sanguíneo ocular. A travoprosta mostrou ser entre os análogos da prostaglandinas a que melhor alterou o fluxo sanguíneo. Os betabloqueadores têm apresentado papel controvertido, com exceção do betaxolol. A combinação timolol/dorzolamida aumenta a corregulação ocular. A brimonidina têm papel na neuroproteção ocular. Em casos de progressão, a despeito de 30% de redução da PIO, avaliar indicação cirúrgica.

AVALIAÇÃO ESTRUTURAL O glaucoma é uma neuropatia óptica progressiva com mudanças estruturais características do disco óptico. A neuropatia é resultado de mudanças histopatológicas nos axônios das células ganglionares, conhecidas como fibras do nervo óptico. Assim, na avaliação do dano estrutural da doença glaucomatosa, é o disco óptico e a camada de fibras nervosas que deverão ser examinados. Isso será importante no diagnóstico e no acompanhamento dos pacientes com glaucoma.

Nervo óptico O nervo óptico é a conexão entre a retina neurossensorial e o corpo geniculado lateral. Ele é composto por tecido nervoso, tecico da glia, matriz extracelular e vasos sanguíneos. O nervo óptico humano consiste em aproximadamente 1,2 milhão de axônios, embora exista uma variabilidade individual. As fibras arqueadas que entram nos polos superior e inferior do disco óptico parecem mais sucetíveis ao dano glaucomatoso. A porção intraorbitária do nervo óptico pode ser dividida em dois componentes: o nervo óptico anterior e nervo óptico posterior. O nervo óptico anterior estende da superfície retiniana até a região retrolaminar, onde o nervo sai na parte posterior do globo. O nervo óptico anterior pode ser dividido em 4 camadas: Fibras nervosas. Pré-laminar. Laminar. Retrolaminar.

Teorias do dano glaucomatoso do nervo óptico O desenvolvimento da neuropatia óptica é resultado de uma variedade de fatores. Duas hipóteses surgiram para explicar o desenvolvimento da neuropatia óptica, as teorias mecânica e vascular. A teoria mecânica alerta para a importância da compressão direta das

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114 | Glaucoma fibras do nervo óptico contra a lâmina crivosa, com interrupção do fluxo axoplasmático resultando em morte das células ganglionares, enquanto a teoria vascular foca para os possíveis efeitos da PIO sobre o suprimento sanguíneo para o nervo. Recentemente, surgiu uma teoria que sugere um distúrbio de autorregulação contribuindo para lesionar o nervo. Os vasos do nervo óptico normalmente aumentam e diminuem o tônus para manter um fluxo sanguíneo constante independente da PIO e variações da pressão arterial. Um distúrbio na autorregulação vascular pode causar decréscimo do fluxo sanguíneo para o nervo óptico com aumento da PIO ou com ocorrência de vasoespasmo mesmo com a PIO normal. O pensamento corrente sobre a lesão glaucomatosa reconhece que uma variedade de fatores vasculares e mecânicos provavelmente contribui para o dano. Investigações continuam a examinar o papel de fatores, tais quais excitotoxicidade, apoptose, privação de neurotrofinas, apoptose, isquemia e autoimunidade.

Exame do disco óptico O disco óptico pode ser examinado clinicamente pelo oftalmoscópio direto, oftalmoscópio indireto ou com biomicroscopia usando lentes de polo posterior. A oftalmoscopia direta permite a visão do disco óptico, porém sem visão esteroscópica. A oftalmoscopia indireta é útil em crianças, pacientes pouco colaborativos, míopes e pacientes com opacidade de meios, entretanto, o tamanho da imagem é inadequado para a avaliação de detalhes sutis e localizados, importantes na avaliação do glaucoma. O melhor método de exame para o diagnóstico de glaucoma é a biomicroscopia da papila. Este sistema proporciona um grande aumento, iluminação adequada e uma visão estereoscópica do disco.

Avaliação clínica do disco óptico O disco óptico é usualmente redondo ou levemente oval e contém uma escavação central. O tecido entre a escavação e a margem do disco é chamado de rima neural ou neurorretiniana. A rima neural em pacientes normais apresenta uma largura relativamente uniforme e uma cor que vai do laranja ao rosa. A rima neurorretiniana é frequentemente mais espessa na porção inferior do disco, seguida pelas porções superior, nasal e finalmente temporal (regra ISNT). O tamanho da escavação está relacionado com o tamanho do disco. Assim, discos grandes têm escavações grandes e discos pequenos escavações pequenas. A relação escavação-disco aumenta levemente com a idade. A diferenciação de uma escavação fisiológica de uma escavação glaucomatosa pode ser difícil. As alterações iniciais glaucomatosas são muito sutis. Os sinais que sugerem glaucoma são: Aumento concêntrico da escavação: O aumento concêntrico da escavação é o sinal mais precoce detectado no glaucoma. A razão escavação/disco é normalmente entre 0,1 e 0,4, apesar de que 5% de indivíduos normais têm escavação maior que 0,6. Assimetria da escavação entre os olhos do paciente: Como os indivíduos normais têm escavações geralmente simétricas bilateralmente, uma diferença superior a 0,2 da relação escavação-disco entre os dois olhos é um sinal importante. Esta assimetria superior a 0,2 só existe em 1 % de indivíduos normais.

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Aumento localizado da escavação: O aumento localizado da escavação aparece como um afinamento da rima neural. Se este aumento focal da escavação for até a borda do disco é chamado de notch. Geralmente este aumento acontece nas porções inferior e superior do disco, assim, a escavação passa a ter uma forma oval. Hemorragia peripapilar: Desde a descrição de Drance e Beg, em 1970, a hemorragia na borda do disco óptico é um sinal marcante da atrofia glaucomatosa do nervo óptico. Elas estão associadas aos defeitos localizados na camada de fibras nervosas e notch na rima neurorretiniana. A hemorragia é um sinal importante para o desenvolvimento ou progressão de perda de campo visual. É transitória, durando de 3 a 4 semanas. Vasos em passarela ou desnudamento de vaso circunlinear, Atrofia coriorretiniana peripapilar.

Avaliação da camada de fibras nervosas A observação do disco óptico continua a ser o aspecto principal no exame clínico. Entretanto, o exame da camada de fibras nervosas pode proporcionar informações úteis adicionais. O defeito na camada de fibras nervosas da retina pode ser do tipo focal ou difuso. Defeitos focais na camada de fibras nervosas são definidos como defeitos arqueados que partem do disco óptico e se alargam em direção à região temporal da retina. Eles ocorrem de forma típica em aproximadamente 20% dos olhos glaucomatosos. Além da perda localizada na camada de fibras nervosas da retina, uma perda difusa das fibras nervosas ocorre em olhos com glaucoma. Ao exame, a perda difusa é mais difícil de identificar do que o defeito focal.

Avaliação quantitativa do nervo óptico e da camada de fibras nervosas da retina Com o avanço da tecnologia surgiram técnicas que tornaram a avaliação do nervo óptico e da camada de fibras nervosas da retina objetiva, ou seja, independente da avaliação subjetiva de cada examinador. Assim, estes avanços tecnológicos buscam a realização de diagnóstico precoce e acompanhamento da progressão da doença. A avaliação objetiva e quantitativa da camada de fibras nervosas e do disco óptico pode ser feita por: Polarimetria de varredura a laser (GDx). Oftalmoscopia confocal de varredura a laser (HRT). Tomografia de coerência óptica (OCT) . Todavia, lembramos que a utilidade e as tecnologias permanecem sem comprovação. O médico deve lembrar-se de que nenhum sistema de medidas objetivas normalmente usados proporcionam maior confiabilidade do que estereofotografias do nervo óptico de boa qualidade combinadas ao exame clínico detalhado e feito com cuidado.

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AVALIAÇÃO FUNCIONAL O diagnóstico do glaucoma se baseia em três pilares básicos: a avaliação do campo visual, a medida da PIO e uma avaliação criteriosa do disco óptico e camada de fibras nervosas da retina. É amplamente sugerido pela literatura atual que o diagnóstico precoce do glaucoma é mais embasado na avaliação estrutural. Muito por causa das técnicas de avaliação funcional que dispomos na atualidade não serem sensíveis o suficiente na identificação de pequenas alterações. Quando um defeito no campo visual é detectado na perimetria acromática, mais de 30% das células ganglionares já foram perdidas. A avaliação funcional por meio do exame de campo visual (perimetria) contribui para detectar campos anormais ou progressão das alterações que permitirão o manejo clínico do GPAA. Os dois tipos de perimetria são: Estática automatizada. Cinética manual e perimetria estática usando um perímetro tipo Goldmann. No Brasil, os dois perímetros estáticos mais usados são o analizador de campo visual Humphrey e Octopus, embora existam outros aparelhos para a realização de perimetria automatizada. Os defeitos típicos que ocorrem no glaucoma são causados por lesão da camada de fibras nervosas da retina e do disco óptico. As alterações campimétricas típicas decorrentes de lesões glaucomatosas são: Escotomas paracentrais. Escotoma arqueado (Bjerrum). Degrau nasal. Depressão generalizada. Defeito altitudinal. Ilha de visão temporal. No glaucoma avançado pode-se observar apenas uma ilha de visão central. Os polos superior e inferior do nervo óptico parecem mais suscetíveis a lesão glaucomatosa. A lesão de fibras nervosas esparsas do nervo óptico produz uma diminuição generalizada do limiar de sensibilidade, o que é mais difícil de ser reconhecido que os defeitos campimétricos focais. É de suma importância correlacionar as mudanças no campo visual com as alterações do disco óptico. Nos casos que esta correlação encontra-se ausente, outras causas de perda de campo visual devem ser consideradas, como a neuropatia óptica isquêmica, doenças neurológicas e tumor de hipófise, entre outras. As seguintes situações devem ser consideradas para a correlação nas alterações do campo visual e do disco óptico: Disco óptico apresenta escavação menor comparado ao grau de perda de campo. A palidez do disco é mais acentuada do que a coloração rósea. A progressão de perda do campo visual parece excessiva. O padrão de perda do campo visual não é característico do glaucoma, levando em consideração a linha mediana vertical.

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Outros métodos para avaliação funcional Seguindo a teoria da redundância dos subtipos celulares de células ganglionares, diversos testes psicofísicos foram criados na tentativa de um diagnóstico funcional mais precoce. O campo visual cromático, ou azul-amarelo (SWAP), isola a via de comprimento de ondas curtas utilizando um estímulo diferente ao da perimetria acromática. Nele são utilizadas miras de cor azul (440 nm), tamanho V (175° de diâmetro), com 200 ms de duração, projetadas em um fundo amarelo. Esta luz amarela brilhante tem a capacidade de isolar os cones para ondas curtas, reduzindo a sensibilidade dos cones para as ondas médias e longas, sem alterar os cones para ondas curtas. Na perimetria azul-amarelo ocorre maior flutuação intrateste em relação a perimetria acromática. Sendo maior a variabilidade, mais ampla também é a faixa de limites da normalidade. Um outro fator é uma maior flutuação intertestes que poderia levar a maior dificuldade de detectar progressão de defeito de campo visual. Assim, buscando um diagnóstico funcional mais precoce do que a perimetria acromática, a perimetria azul-amarelo estaria indicada na avaliação de pacientes hipertensos oculares, naqueles com alterações estruturais do disco óptico ou CFNR com perimetria acromática normal, avaliação de pacientes com glaucoma inicial, avaliação de progressão e em pacientes portadores de glaucoma pré-perimétrico. Por outro lado, a perimetria de frequência duplicada (FDT), representa um das mais interessantes perimetrias para screening e foi comprovadamente rápida e efetiva para a detecção de glaucoma. Seu princípio é baseado na teoria de que as células ganglionares do tipo magnocelular são danificadas mais precocemente no curso da neuropatia óptica glaucomatosa. Nele, barras claras e escuras são apresentadas e alternadas rapidamente entre branco e preto. Este fenômeno parece ser gerado por uma não linearidade presente nas vias visuais. Suas vantagens são a facilidade e curta duração do teste, baixa influência do diâmetro pupilar, de erros refracionais e de opacidades do meio. Assim, como a perimetria azul-amarelo, o FDT tem como principal indicação a identificação de defeitos de campo visual quando não há ainda lesão identificada pela perimetria acromática. Um outro teste funcional, neste caso objetivo, vem ganhando prestígio na avaliação do glaucoma. O potencial visual evocado multifocal é um teste objetivo de campo visual em que ocorre baixa dependência da cooperação do paciente. Nele, 60 respostas localizadas espacialmente podem ser gravadas simultaneamente a fim de realizar uma análise topográfica do campo de visão. Sua utilização está indicada principalmente naqueles pacientes que não conseguem realizar exames na perimetria acromática de modo confiável, ou aqueles com campos visuais inconsistentes ou questionáveis, para a confirmação de algum defeito novo na perimetria acromática, detecção de defeitos precoces ou progressão, além de crianças e idosos com baixa cooperação.

Avaliação funcional na prática clínica Na prática clínica, muitas variáveis se somam à maioria dos testes. Elas vão desde a calibração dos aparelhos, experiência do técnico e iluminação do ambiente até o fator aprendizado do paciente, sua colaboração e tempo do exame. O padrão-ouro na avaliação funcional é a perimetria acromática. É sempre prudente avaliar criteriosamente qualquer defeito que for

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118 | Glaucoma detectado em um primeiro exame. Muitas vezes um primeiro defeito pode diminuir ou desaparecer no próximo exame. Isto é conhecido como fator aprendizado do teste. Na medida em que forem feitos exames subsequentes, há um aumento na confiabilidade e reprodutibilidade do teste. Uma vez normal a perimetria acromática, em um paciente suspeito de glaucoma, é interessante a realização dos testes psicofísicos existentes na tentativa de detectar algum defeito funcional mais precocemente. Por outro lado, uma perimetria acromática alterada, outros exames devem ser realizados para confirmar o defeito e, os subsequentes, para acompanhar a sua progressão.

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RIUITIRO YAMANE • SÉRGIO HENRIQUE SAMPAIO MEIRELLES

C A P Í T U L O  |  10

Glaucoma Primário de Ângulo Fechado

O glaucoma primário de ângulo fechado (GPAF) é uma entidade clínica caracterizada pelo fechamento parcial ou completo do ângulo da câmara anterior, decorrente de condições anatômicas que propiciam aposição ou adesão da periferia da íris à parede externa do ângulo da câmara anterior, com consequente elevação da pressão intraocular (PIO) de forma aguda, intermitente ou crônica com eventual lesão do disco óptico (1o Consenso do Glaucoma Primário de Ângulo Fechado da Sociedade Brasileira de Glaucoma/1o Consenso do GPAF/SBG, 2006). Mais recentemente, o glaucoma primário de ângulo fechado tem sido definido como uma neuropatia óptica associada à escavação aumentada característica do disco óptico e defeitos de campo visual secundários à hipertensão ocular causada por fechamento angular primário (Foster et al., 2000).

MECANISMO DE FECHAMENTO ANGULAR PRIMÁRIO Quando comparados com os normais, os olhos com glaucoma primário de ângulo fechado apresentam diferenças biométricas significantes (Delmarcelle et al., 1971; Lowe & Ritch, 1989) tais como: Menor diâmetro corneano. Menor raio de curvatura anterior da córnea. Menor raio de curvatura posterior da córnea. Câmara anterior mais rasa. Menor raio de curvatura anterior do cristalino. Cristalino mais espesso. Posição avançada do cristalino. Menor volume da câmara anterior. Menor comprimento axial do olho. 121

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122  |  Glaucoma O fechamento angular pode ser causado por uma ou pela combinação de anormalidades dos tamanhos e posições absolutos ou relativos das estruturas do segmento anterior, que criam forças vetoriais dirigidas anteriormente para a periferia da íris, de modo a causar o estreitamento do ângulo da câmara anterior. O glaucoma de fechamento angular não consiste de uma única, mas de diferentes entidades relacionadas com uma via final comum, a primeira das quais é a aposição da periferia da íris à malha trabecular. Baseado no nível anatômico sobre o qual forças dirigidas anteriormente atuam para alterar a configuração angular, considera-se o ângulo fechado como se segue por: 1. Bloqueio pupilar. 2. Bloqueio induzido pelo corpo ciliar (íris em plateau). 3. Bloqueio induzido pelo cristalino. 4. Bloqueio por causas posteriores ao cristalino. Reconhecem-se que os mecanismos mais posteriores (3 e 4) são menos comuns do que os anteriores (1 e 2).

Bloqueio pupilar O bloqueio pupilar é a forma mais comum de glaucoma de fechamento angular e é responsável por mais de 90% dos casos. É definido como uma impedância ao fluxo do aquoso da câmara posterior à anterior através da pupila. Isto faz a pressão na câmara posterior ser maior do que na anterior, empurrando a periferia da íris para frente e estreitando o ângulo. Este bloqueio é, com maior frequência, relativo. O mecanismo pelo qual o bloqueio relativo é convertido em absoluto, ainda permanece desconhecido, embora fatores desencadeantes como fadiga, ansiedade, excitação, estresse, doenças respiratórias superiores sejam descritos.

Bloqueio induzido pelo corpo ciliar (íris em Plateau) A configuração de íris em plateau se refere a um aspecto angular em que a raiz da íris se dirige para frente e depois para o centro. Na maioria dos casos, a raiz é curta e se insere anteriormente no corpo ciliar, de tal forma que o ângulo é estreito e raso. A superfície da íris apresenta-se plana e a câmara anterior tem profundidade relativamente normal. A íris em plateau resulta de corpo ciliar grande e anteriormente posicionado, que mecanicamente apoia a raiz da íris contra a malha trabecular. A síndrome de íris em plateau se refere ao desenvolvimento de ângulo fechado, seja espontaneamente ou após midríase, em olho com configuração de íris em plateau, apesar da presença de iridectomia patente. Alguns pacientes podem desenvolver glaucoma de fechamento angular agudo. Quando o plateau se eleva no nível da linha de Schwalbe, temos a síndrome de íris em plateau completo, em que a pressão intraocular aumenta com o fechamento (é relativamente rara) ou só parcialmente, temos a síndrome de íris em plateau incompleto, em que a pressão intraocular permanece normal porque a malha superior permanece aberta (uma condição mais comum). Pacientes com íris em plateau tendem a ser mulheres, jovens de 30 a 50

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anos de idade e hipermetropia não tão alta bem como história familiar positiva de glaucoma de fechamento angular.

Bloqueio induzido pelo cristalino Glaucoma de fechamento angular induzido por tamanho ou posição do cristalino frequentemente apresenta dificuldade diagnóstica ou terapêutica. A participação do componente de bloqueio pupilar neste caso é ausente ou mínima. O cristalino pode empurrar a íris mecanicamente para frente e estreitar o ângulo entre a periferia da íris e a malha trabecular.

Bloqueio por causas posteriores ao cristalino Bloqueio posterior ao cristalino ocorre quando forças originadas posteriormente ao cristalino empurram o diafragma iridocristaliniano para frente, podendo causar glaucoma maligno (glaucoma de bloqueio ciliar, doença multifatorial), que se caracteriza por glaucoma por fechamento angular agudo ou crônico prévio, câmara anterior rasa, anteriorização do cristalino, bloqueio pupilar pelo cristalino ou vítreo, frouxidão da zônula, edema e rotação anterior do corpo ciliar, espessamento da hialoide anterior, expansão do vítreo e desvio posterior do aquoso no ou posterior ao vítreo.

CLASSIFICAÇÃO DO GLAUCOMA PRIMÁRIO DE ÂNGULO FECHADO Em geral, o glaucoma primário de ângulo fechado pode ser classificado baseado por sua manifestação clínica em: agudo, intermitente e crônico. Esta classificação tradicional baseia-se nos sintomas e na pressão intraocular para diferenciar as formas clínica anteriormente referidas. Na forma aguda os sintomas são: dor ocular intensa, cefaleia, visão turva, halos coloridos, às vezes náuseas e vômitos. Os sinais são: pressão intraocular elevada, frequentemente acima de 40 mmHg, redução da acuidade visual, edema de córnea predominantemente epitelial, câmara anterior rasa, abaulamento da íris periférica, fechamento angular em 360º de extensão, midríase média paralítica ou pupila hiporreativa (Fig. 1), hiperemia conjuntival com injeção ciliar, tyndall inflamatório e pigmentar, bem como edema do disco óptico, congestão venosa, hemorragias em “chama de vela”. Na forma intermitente os sintomas são: quadro semelhante à crise aguda, porém com manifestações mais brandas e recorrentes com resolução espontânea. Os sinais são: pressão intraocular normal entre as crises, presença ou não de goniossinequias, palidez e/ou aumento da escavação do disco óptico e vestígios pigmentares devido à aposição iridotrabecular prévia. Na forma crônica, os sintomas são frequentemente ausentes. Os sinais são: pressão intraocular elevada, goniossinequias em quantidade expressiva, palidez e/ou aumento da escavação do disco óptico eventuais e concomitância possível de fechamento angular intermitente ou agudo (1o Consenso do GPFA / SBG). Embora os sintomas transitórios sejam preocupantes, percebe-se que o fechamento angular sintomático é apenas a ponta de um iceberg, uma vez que há enorme número de pessoas com perda visual profunda e assintomática causada por glaucoma primário de ângulo fechado.

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Fig. 1  À esquerda, atrofia da íris; à direita, iridectomia periférica cirúrgica.

A classificação mais atual, a de Foster et al. (2002) é a que separa o glaucoma primário de ângulo fechado em: 1. Suspeito de fechamento angular primário: Ocorre em olho com predisposição anatômica para o fechamento angular, quando a aposição entre a íris periférica e a rede trabecular posterior é considerada possível. 2. Fechamento angular primário: Em que há fechamento angular associado à lesão tecidual (sinequias anteriores periféricas, íris isquêmica ou opacidades lenticulares (glaukomflecken) (Fig. 2) e pressão intraocular elevada. O disco óptico e o campo visual são normais. 3. Glaucoma primário de ângulo fechado (GPAF): Quando a neuropatia óptica glaucomatosa está associada ao fechamento angular primário. O termo glaucoma é, portanto, reservado apenas para pessoas que sofreram lesão do nervo óptico, quando avaliada por anormalidades do campo visual associadas ao aumento da relação escavação e diâmetro do disco óptico (E/D) fora dos limites estatísticos para a população estudada. Assim, com o uso restrito do termo “glaucoma”, muitas pessoas que têm sintomas da doença ocular, não serão classificadas como portadoras de glaucoma primário de ângulo fechado (GPAF).

Fig. 2  À esquerda, atrofia da íris, pupila em meia midríase e opacidades subepiteliais do cristalino (glaukomflecken); à direita, pupila ectópica, atrofia e iridectomia cirúrgica.

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O fechamento angular primário sintomático ou agudo pode ocorrer em qualquer estágio do espectrum da doença; caracteriza-se quando há pelo menos dois dos sintomas como dor ocular ou periocular, náuseas e/ou vômitos, história de visão turva com halos coloridos e pelo menos três dos sinais como PIO>21 mmHg, hiperemia pericerática, edema epitelial da córnea, pupila fixa em meia midríase e câmara anterior rasa com ângulo oclusível. Esta classificação da GPAF tem sido endossada pela Academia Americana de Oftalmologia (2000).

FATORES DE RISCO Demográficos: yy Idade avançada. yy Sexo feminino. yy História familiar positiva de GPAF. yy Ascendência asiática, especialmente chinesa. Oculares: yy Hipermetropia. yy Ângulo oclusível. yy Câmara anterior rasa. yy Pequeno diâmetro corneano. yy Cristalino espesso. yy Pequeno comprimento axial do olho. Associação entre o olho pequeno com câmara anterior rasa e o GPAF foi reconhecida por von Graefe em 1857. A ecobiometria veio mostrar que olhos de portadores de GPAF tinham comprimento axial menor que os não afetados. Outro estudo em população chinesa mostrou que olhos com crise aguda de GPAF tinham comprimento axial menor que os afetados por fechamento angular assintomático. A câmara anterior (CA) rasa é o maior fator de risco para o desenvolvimento do fechamento angular. A profundidade da CA aumenta desde o nascimento até 18 anos de idade, a partir da qual diminui gradativamente. Depois dos 40 anos de idade a redução da CA se torna mais lenta. A diminuição mais rápida da profundidade da CA ocorre entre as mulheres especialmente da Mongólia. Atenção deve estar dirigida à CA rasa em pessoas de alto risco de GPFA, especialmente em mulheres idosas de ascendência chinesa ou mongol ou asiática. Da mesma forma, a profundidade da CA periférica (limbar) é um forte indicador de risco de fechamento angular. É com frequência avaliada pela técnica de van Herick. A posição e a espessura do cristalino (CR) determinam a profundidade da CA. Daí não ser surpreendente que estes parâmetros sejam considerados como fatores de risco para o fechamento angular. Embora o GPAF mostre predileção pelos olhos hipermetropes, esta não é uma associação invariável. Assim, na população de Cingapura, 24 hipermetropes, 16 míopes e 8 emetropes apresentaram sinequias anteriores periféricas (SAP). Ainda, 23% dos olhos que tinham ângulo oclusível e 33% dos que apresentavam SAP, eram portadores de miopia. Na Austrália, 7/127 (5,5%) olhos com GPAF tinham miopia. Isso pode ser explicado, uma vez que, nestes casos, a grande alteração estrutural no míope ocorre no segmento posterior por aumento da profundidade da câmara vítrea.

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AVALIAÇÃO CLÍNICA Exame clínico (anamnese) Identificação. História da doença atual rica de sintomas (dor ocular e periocular, cefaleia, visão turva com halos coloridos, náuseas e/ou vômitos) ou completamente assintomática. História familiar positiva para GPFA.

Refração Hipermetropia.

Biomicroscopia Sinais de fechamento angular prévio. Câmara anterior periférica rasa (classificação de van Herick). A avaliação da profundidade da câmara anterior periférica (PCAP) e da amplitude do ângulo da câmara anterior pode ser feita pela técnica de van Herick, que consiste em comparar a profundidade da anterior periférica com a espessura da córnea (ECP), por meio do corte óptico da câmara anterior junto ao limbo temporal: Grau I: PCAP ¼ ECP – ângulo estreito ou oclusível. Grau II: PCAP ¼ – ½ ECP – ângulo estreito. Grau III: PCAP ½ – 1 ECP – ângulo aberto. Grau IV: PCAP > 1 ECP – ângulo aberto. Recentemente, Foster et al. (2002) sugeriram modificação na classificação acima, tal que a PCAP fosse separada de acordo com a porcentagem da ECP em sete categorias: 0, 5, 15, 20, 40, 75, 100% da PCAP, sendo que os graus igual ou menor do que 5% seriam identificados como ângulos oclusíveis.

Tonometria Papiloscopia Gonioscopia Classificação do ângulo da câmara anterior. Sinais de fechamento angular prévio. Este exame em olhos suspeitos de GPAF deve ser feito em condições de luminosidade apropriadas e responder às seguintes perguntas: 1. A porção pigmentada da malha trabecular é visível? Em que extensão? 2. A íris toca a malha trabecular? 3. Se não, há evidências de contato prévio? (impressão iriana ou sinequias anteriores periféricas).

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4. Se sim, o contato é reversível? 5. Se não, qual a extensão circunferencial das sinequias? Ângulo oclusível é o que apresenta alto risco de fechamento; se caracteriza pela impossibilidade de observar a porção pigmentada da malha trabecular em uma extensão circunferencial superior a 180º à gonioscopia. O exame deve ser feito em ambiente escuro com fenda luminosa que evite a área pupilar e sem manobras complementares. Ângulo fechado se caracteriza pela aposição ou adesão da periferia da íris à malha trabecular. A gonioscopia sem e com indentação detecta esta condição que pode ser confirmada por outros exames complementares (Fig. 3).

Fig. 3  Mostra à esquerda, ângulo opticamente fechado (a última de linha de cristas irianas obstrui a visão) revelado pela gonioscopia de Goldmann sem o uso de qualisquer manobras complementares. À direita, após gonioscopia de indentação, o ângulo superior permanece fechado o que caracteriza o fechamento sinequial, enquanto o ângulo inferior se abre o que caracteriza o fechamento aposicional.

Exames complementares Testes provocativos Vários testes provocativos têm sido desenvolvidos para determinar se um ângulo estreito é oclusível ou para confirmar o glaucoma primário de ângulo fechado em olho que, presumivelmente, sofreu crise prévia de fechamento angular. A gonioscopia não garante que um determinado ângulo camerular irá se ocluir (Gorin, 1965; Wilensky et al., 1993 ). Estes testes tentam reproduzir as condições que podem levar ao fechamento angular sob supervisão médica, de tal modo que o paciente possa ser tratado imediatamente, se o teste for positivo ou houver crise aguda durante o exame. Testes não farmacológicos (quarto escuro, pronoposição em quarto claro, pronoposição em quarto escuro) são os mais utilizados (Friedmann & Newmann, 1972; Malta, 1990, 1991; Susanna Jr. et al., 1990).

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128  |  Glaucoma Há três indicações para os testes provocativos em olhos suspeitos de glaucoma primário de ângulo fechado: 1. Olhos suspeitos de terem crises intermitentes ou subagudos que regrediram espontaneamente. 2. Olho contralateral de pacientes após crise no outro olho. 3. Olhos sem sintomas, com câmara anterior rasa, ângulo camerular estreito ou ângulo oclusível evidenciados na rotina de exame (Lowe, 1967). Entretanto, os testes provocativos não são indicadores altamente significativos e provavelmente não tão válidos para definir o tratamento profilático de olhos de ângulos estreitos e câmara anterior rasa (Wilensky et al., 1993). Os testes provocativos são de valor limitado, desde que o teste negativo não exclua, no futuro, o fechamento angular. E, ainda, o teste tem sido negativo em olhos que já sofreram crises prévias de glaucoma. Perimetria. Biomicroscopia ultrassônica (UBM) (Fig. 4). OCT da camada de fibras nervosas e disco óptico. OCT do segmento anterior (Visante). Pentacam. Em resumo, os exames oftalmológicos podem mostrar: 1. Hiperemia pericerática e conjuntival. 2. Edema de córnea. 3. Câmara anterior rasa com flare e células. 4. Pupila em meia midríase, fixa e ovalada. 5. Atrofia de íris e glaukomflecken. 6. Ângulo camerular fechado, goniossinequias, impressão pigmentar por aposição iridotrabecular prévia. 7. Hipertensão ocular. 8. Aumento da escavação e/ou palidez do disco óptico.

Fig. 4  Exames de biomicroscopia ultrassônica. À esquerda, ângulo fechado, à direita ângulo aberto após a iridoplastia.

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DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL 1. Glaucoma secundário a uveítes. 2. Ciclite heterocrômica de Fuchs. 3. Crise glaucomatociclítica. 4. Glaucoma facolítico. 5. Glaucoma neovascular. 6. Glaucoma por cistos ou tumores da íris ou corpo ciliar. 7. Glaucoma maligno. Glaucoma de ângulo fechado é uma neuropatia óptica glaucomatosa associada à lesão do disco óptico secundária à hipertensão ocular causada por fechamento do ângulo de drenagem do humor aquoso. O bloqueio do trabeculado pode ser completo ou parcial, intermitente (aposicional) ou permanente (sinequial). A rede trabecular pode ser bloqueada ou lesionada, antes de a pressão intraocular começar a elevar e causar sintomas. O fechamento angular pode ser: agudo ou crônico. O primeiro é altamente sintomático, resulta de súbito fechamento aposicional do ângulo, levando à grave elevação da pressão intraocular. Se não tratado, poderá ocasionar lesão irreversível do nervo óptico e posterior glaucoma de ângulo fechado crônico. O que se pode fazer é evitar a neuropatia óptica e o ângulo fechado permanente. O GAF pode ser dividido em primário e secundário.

TRATAMENTO DO GLAUCOMA DE ÂNGULO FECHADO O tratamento indicado para o glaucoma por fechamento angular depende da amplitude do ângulo da câmara anterior, da presença ou não de goniossinequias, da extensão do fechamento angular e de o fechamento angular ser agudo ou crônico. Portanto, o exame de gonioscopia é imprescindível na conduta a ser tomada, deve ser realizado no escuro, com um feixe de luz estreito; em casos de fechamento angular, a gonioscopia com identação deve ser realizada para diferenciar um fechamento angular por aposição da íris de um fechamento por goniossinequia. O tratamento, então, pode ser dividido de acordo com a apresentação do fechamento angular.

Glaucoma agudo de ângulo fechado por bloqueio pupilar O tratamento definitivo do fechamento angular agudo, antigamente chamado de glaucoma agudo é cirúrgico. No entanto, é necessário realizar o tratamento clínico para reduzir a pressão intraocular (PIO) em um primeiro instante e, depois, liberar o ângulo e restabelecer a circulação do humor aquoso da câmara posterior para a anterior.

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130  |  Glaucoma O tratamento consiste do uso inicialmente de inibidores da anidrase carbônica sistêmicos (acetazolamida 250 mg por via oral de 6/6 ou de 8/8 horas, ou 500 mg por via endovenosa) e uso tópico de betabloqueadores e agonistas alfa-adrenérgicos. Está indicada ainda a utilização de colírios de corticosteroides para debelar o processo inflamatório associado. O uso de mióticos tópicos como a pilocarpina a 2% deve ser realizado após a redução da PIO, já que a pilocarpina tem pouca ação quando a PIO está acima de 40 mmHg, possivelmente por isquemia do esfíncter da pupila. Se a PIO não reduzir após este tratamento, deve ser prescrito o uso de agentes hiperosmóticos como glicerol por via oral, 1 a 1,5 ml/kg de peso ou manitol, 1,5 g/kg de peso por via endovenosa. Após a redução da PIO está indicado o uso tópico de colírio de pilocarpina 1 a 2% de 6/6 horas, com objetivo de romper o bloqueio pupilar e abrir o ângulo da câmara anterior. Outra opção de tratamento é a realização de manobras de indentação no centro da córnea, com intervalos de 30 segundos, com um gancho de estrabismo, cotonete ou com uma lente de gonioscopia de indentação, visando empurrar o humor aquoso para a periferia da câmara anterior e abrir o ângulo. Após o tratamento clínico, está indicado o tratamento cirúrgico que corresponde à iridectomia incisional (Figs. 1 e 2) ou a laser (YAG ou argônio) (Fig. 5) com a intenção de prevenir novos bloqueios pupilares. A iridectomia a laser tem a vantagem de ser menos invasiva e, com isso, causar menos complicações. No entanto, em casos de opacidade da córnea, como leucoma ou edema grande de córnea, incapacidade do paciente se sentar à lâmpada de fenda, dificuldade de fixação visual, pode ser necessária a iridectomia incisional. Em casos de edema grande de córnea que dificulta a iridectomia a laser, há a opção de realizar uma iridoplastia periférica a laser (Figs. 4 e 6) ou uma paracentese da câmara anterior para debelar a crise aguda e permitir, posteriormente, a realização da iridectomia a laser. Nos casos em que, mesmo após o tratamento indicado, persiste a crise aguda, com PIO elevada, a iridectomia a laser deve ser realizada, mesmo com o olho inflamado, já que a cirurgia incisional nestas condições é mais arriscada do que a feita em olho calmo e as complicações per e pós-operatórias são mais comuns. Vários estudos sugerem que em torno de 25% de olhos tratados apenas por iridectomia, eventualmente irão precisar de medicação ou cirurgia filtrante para controlar a elevação crônica da PIO. Muitos destes pacientes podem apresentar goniossinequias em uma grande extensão do ângulo da câmara anterior. A trabeculectomia se constitui na cirurgia filtrante de es-

Fig. 5  Hemorragia na câmara anterior durante a realização da iridectomia por YAG laser.

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Fig. 6  À esquerda, iridoplastia periférica com os disparos localizados na periferia da íris. À direita superiormente, ângulo fechado; inferiormente, ângulo aberto após iridoplastia.

colha. Devemos ter o máximo cuidado ao realizarmos procedimentos cirúrgicos no glaucoma primário de ângulo fechado, pois tanto a iridectomia incisional quanto as cirurgias filtrantes apresentam alto risco de desenvolver glaucoma de bloqueio ciliar (glaucoma maligno) no pós-operatório. A iridectomia profilática deve ser sempre realizada no olho contralateral assintomático. Esta conduta se baseia em estudos que admitem que 45 a 70% dos olhos contralaterais podem desenvolver crise aguda nos 10 anos seguintes ao desencadeamento do glaucoma agudo unilateral. Por outro lado, estudo de olhos contralaterais ao glaucoma agudo primário unilateral verificou que 90% das crises agudas de glaucoma ocorrem nos primeiros seis meses após a crise e que 34% das iridectomias profiláticas nos olhos contralaterais são desnecessárias. Em resumo, a nossa conduta no tratamento do glaucoma agudo primário consiste, de início, em reduzir a PIO, em seguida, anular o bloqueio pupilar e, assim, abrir o ângulo da câmara anterior; finalmente indicar a cirurgia (iridectomia incisional ou a laser ou trabeculectomia) do olho afetado e a iridectomia profilática no olho contralateral.

Glaucoma crônico de fechamento angular Em pacientes que apresentam glaucoma crônico de fechamento angular deve ser indicada a iridectomia como tratamento inicial. Se houver abertura do ângulo e iridectomia isoladamente não for capaz de reduzir a PIO, está indicado o tratamento clínico adicional. Neste caso, pode ser utilizada qualquer medicação tópica como betabloqueadores, inibidores da anidrase carbônica, alfa-adrenérgicos ou análogos de prostaglandina. Se após a iridectomia o ângulo permanecer fechado, deve ser realizada gonioscopia de indentação para diferenciar um fechamento angular por aposição da íris de um fechamento por goniossinequias. Quando o fechamento angular remanescente após a iridectomia é apenas aposicional ou se houver goniossinequias, elas estão presentes em menos de 180° do ângulo, podemos estar diante de um outro mecanismo de fechamento angular que pode estar associado ao bloqueio pupilar, a íris em plateau. Neste caso está indicada a realização de uma iridoplastia periférica a laser. Uma alternativa à iridoplastia é o uso de mióticos em concentração baixa (pilocarpina a 1% de 12/12 horas). Nos casos em que o tratamento a laser associado ao tratamento clínico não for suficiente para controlar o glaucoma está indicada cirurgia filtrante, a trabeculectomia.

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132  |  Glaucoma Apesar de a extração do cristalino resultar em aprofundamento da câmara anterior, a cirurgia de catarata, tanto a facectomia extracapsular quanto a facoemulsificação, só devem ser indicadas em pacientes que têm um fechamento angular associado a um componente facogênico ou em pacientes que apresentam opacidade significativa do cristalino. Nesses casos deve ser realizada, antes da cirurgia, uma iridectomia a laser.

Iridectomia profilática A iridectomia profilática a laser está indicada em pacientes que apresentam ângulos da câmara anterior oclusíveis, isto é, ângulos com fechamento aposicional em mais de 180°. A iridectomia a laser deve ser considerada também em pacientes que apresentam sinais de fechamento angular intermitente como impressão iriana no ângulo ou presença de goniossinequias em ângulo estreito.

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Glaucomas Associados a Anomalias Congênitas

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NASSIM CALIXTO • SEBASTIÃO CRONEMBERGER

C A P Í T U L O  |  11

Glaucomas Associados a Anomalias Congênitas

INTRODUÇÃO Trabalhos iniciais de Masson (1924) e estudos experimentais de Le Douerin (1960) modificaram o conceito relativo à origem e formação das estruturas oculares e, ao estabelecimento das neurocristopatias (Bolande, 1974). Assim, a crista neural é, ao lado dos ectodermas neural e de revestimento, o elemento básico na formação dos tecidos e estruturas do olho, excetuando músculos e vasos que se originam do mesoderma. Johnston (1975) classificou assim as anomalias de desenvolvimento da crista neural cefálica: 1. Formação deficiente da crista neural. 2. Migração celular anômala dos neurocristoblastos. yy Anomalia de Peters. yy Disgenesias ectomesenquimais (Axenfeld e Rieger). yy Glaucoma congênito. yy Megalocórnea. 3. Proliferação anômala dos neurocristoblastos. 4. Indução terminal anômala dos neurocristoblastos. yy Distrofia endotelial congênita hereditária (CHED). yy Distrofia endoepitelial de Fuchs. yy Distrofia polimorfa posterior da córnea (DPPC). 5. Anomalias adquiridas (acrescentado por Bahn et al., 1984). Nos interessam apenas os números II e IV. 135

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136  |  Glaucoma Observações: do número IV trataremos apenas da DPPC, pois é a única que se acompanha de glaucoma na infância. Apresentamos adiante uma classificação das principais anomalias de desenvolvimento da câmara anterior (neurocristopatias), elaborada há mais de 20 anos (não publicada): Anomalias centrais

Anomalias periféricas (Fig. 1)

I: Úlcera posterior da córnea (von Hippel) (Peters I).

Estria branca na parede externa do SC e saliente na câmara anterior.

II: + Opacidade discoide central da córnea (Peters II).

Estria branca coincidente com a linha de Schwalbe saliente na câmara anterior.

III: + Sinequia anterior anular da íris na borda da úlcera posterior (Peters III).

Embriotoxo posterior (Axenfeld).

IV: + Luxação do cristalino (opaco ou não) aninhado na úlcera posterior (Peters IV).

Disgenesia ectomesenquimal da córnea e da íris (Rieger).

V:

Aniridia (?)

___________

AUSÊNCIA DE CÓRNEA Anomalia congênita extremamente rara com pouquíssimos casos histologicamente confirmados, associada a outros defeitos na formação da vesícula óptica (câmara anterior e cristalino). Um tecido fibroso revestido por epitélio contendo elementos glandulares (pseudocórnea), parece o quadro histológico.

ANOMALIA DE PETERS Peters (entre 1906-12) descreveu clínica e histologicamente uma malformação congênita caracterizada por opacidade central das camadas profundas do estroma corneano (a membrana de Descemet ausente na região da opacidade) e glaucoma (Fig. 2). Atualmente, o quadro clínico é mais abrangente, sendo a forma inicial da anomalia de Peters (Peters I) um Keratoconus posticus circumscriptus (von Hippel) (Fig. 3) e, a forma mais avançada, um estafiloma anterior “conatal” com glaucoma secundário. Comumente bilateral, central, curvatura corneana anterior central mais ou menos normal, câmara anterior rasa e a presença não obrigatória de endotélio e membrana de Descemet no

Fig. 1  Esquema do seio camerular mostrando as diferentes localizações da estria branca, saliente na câmara anterior (embriotoxo posterior). 1: Estria no terço médio da faixa trabecular; 2: a estria coincide com a linha de Schwalbe; 3: embriotoxo posterior (Axenfeld).

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Fig. 2  Anomalia de Peters: opacidade congênita central da córnea (Peters II).

Fig. 3  Anomalia de Peters: úlcera posterior da córnea (Peters I).

nível do nicho posterior. Seguem-se à opacidade das camadas estromais profundas envolvendo o nicho, aderências da íris (colarete à borda do nicho). A membrana de Descemet que circunda o nicho pode também estar opaca. O estafiloma anterior (com glaucoma secundário) constitui a forma mais avançada e grave da anomalia que pode associar-se a outras malformações: 1. Córnea plana, microcórnea, esclerocórnea e esclera azul. 2. Restos de membrana pupilar e coloboma de íris. 3. Catarata polar anterior e raramente cristalino transparente ou opaco aninhado no nicho corneano (Peters IV de nossa classificação) (Fig. 4). O glaucoma congênito secundário (50% dos casos) é de difícil tratamento e origina-se de anomalias do seio camerular associadas ou secundárias a goniossinequias formadas em consequência da câmara anterior rasa ou ausente na periferia.

Fig. 4  Anomalia de Peters: cristalino opaco luxado e aninhado dentro da úlcera posterior (Peters IV).

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TRATAMENTO Quando a gonioscopia é viável e a região do canal de Schlemm entrevista, uma primeira opção é a trabeculotomia. A segunda será uma trabeculectomia com MMC e a terceira a cirurgia com implante (Ahmed).

MICROCÓRNEA (MICROFTALMO ANTERIOR) A microcórnea pura, ou seja, a anomalia congênita isolada sem outra patologia associada é extremamente rara, comumente integrando a microftalmia (microftalmo anterior), ou associada a colobomas, catarata congênita de tipo polar anterior.

Quadro clínico 1. Diâmetro corneano horizontal igual ou <10,5 mm. 2. Ceratometria elevada (>46 D): raio de curvatura diminuído. 3. Transparência normal com espessura normal ou levemente aumentada. 4. Câmara anterior normal ou rasa com restos de membrana pupilar. 5. Visão comumente normal, refração hipermetrópica, às vezes muito alta. 6. Herança dominante. Às vezes associada à síndrome de Ehlers-Danlos. O quadro mais frequente seria a associação com outras anomalias do segmento anterior, tais como anomalia de Peters, disgenesias ectomesenquimais, esclerocórnea, etc. Quando há persistência de restos pectíneos no seio camerular pode sobrevir um glaucoma de tipo congênito.

CÓRNEA PLANA (RÜBER, 1912) Condição muito rara na qual a curvatura corneana se aproxima ou se iguala à da esclera (curvatura <35 dioptrias) com apagamento do sulco esclerocorneano (Fig. 5). A biomicroscopia mostra à perfeição, a continuidade corneoescleral sem depressão (Fig. 6). Nos casos não complicados, o estroma é normal e transparente, mas algumas opacidades difusas estromais profundas podem ser vistas. Arco lipídico, completo ou não, pode ser observado. Câmara anterior rasa mas presente e uma pseudoptose (pseudoenoftalmia) pode ocorrer pela diminuição da

Fig. 5  Córnea plana: perfil mostrando ausência do sulco corneoescleral e pseudoenoftalmo.

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Fig. 6  Córnea plana: corte óptico mostrando ausência do sulco corneoescleral.

curvatura corneana. O bulbo ocular pode ser normal ou alongado posteriormente. Etiologia não bem esclarecida. Anomalias oculares associadas: microcórnea, coloboma de íris, retina, coroide e ectopia do cristalino. Glaucoma secundário pode ocorrer nos casos associados a outras anomalias. A gonioscopia é indispensável para esclarecer o glaucoma congênito secundário (alterações do seio camerular). Um dos nossos casos de córnea plana apresentou pescoço alado (pterigyum coli) (Fig. 7). Nos casos de córnea plana (pura) não tivemos a ocorrência de glaucoma.

Fig. 7  Córnea plana: pescoço alado (frente e dorso).

ESCLEROCÓRNEA Escleralização mais ou menos anular da periferia corneana, contínua com a esclera circunjacente, apagamento do limbo conferindo à córnea aspecto elíptico (horizontal), não hereditária (Fig. 8). Por vezes, associada à córnea plana. Em alguns casos, há escleralização de toda a córnea (esclerocórnea total). Biomicroscopicamente, vemos a progressão dos vasos perilímbicos sobre a área escleral “invasora” (arcadas esclerais superficiais). Não há sinais inflamatórios e a condição aparentemente não progride. A baixa visual é condicionada à opacidade invadindo a área pupilar (aqui, em geral, associada ao nistagmo).

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Fig. 8  Esclerocórnea: escleralização da periferia da córnea com opalescência da córnea.

Além da córnea plana pode haver microftalmia e, quando há anomalias do seio camerular associadas pode sobrevir um glaucoma congênito. Estão descritas alterações sistêmicas como polidactilia, lacunas nos ossos parietais, deformidades do pavilhão auricular e distrofias corneanas com sintomas cerebelares. Nos casos avançados, a ceratoplastia penetrante está indicada, bem como trabeculectomia ou implante valvular para o glaucoma secundário.

MEGALOCÓRNEA É uma anomalia congênita hereditária (autossomal recessiva, cromossoma X com gene mapeado em Xq21-3 – q-22), do segmento anterior como um todo, caracterizada por: 1. Aumento volumétrico: córnea, câmara anterior e íris (Fig. 9). 2. Diâmetro axial normal. 3. Alterações variáveis do seio camerular, mas sempre com pressão intraocular normal ou baixa. 4. Diâmetro corneano horizontal ≥13 mm; espessura corneana normal ou diminuída aparentemente sem alteração estrutural. 5. Câmara anterior profunda. 6. Hipoplasia difusa da íris (Fig. 10), restos de membrana pupilar por vezes presentes, transiluminação positiva da porção ciliar da íris (sobressaindo anel negro correspondente ao equador lenticular) e iridodonese. 7. Facodonese. 8. Gonioscopicamente, a parede externa é descoberta, opticamente densa, com resíduos pectíneos pigmentados ou não, linha ondulada pigmentada na periferia da córnea ou coleando a linha de Schwalbe; às vezes, faixa metaplásica no nível da faixa ciliar, íris côncava na periferia, sem raiz, difusamente hipoplásica com presença de aduelas; iridodonese exuberante (Fig. 11).

Fig. 9  Fotografia mostrando córneas grandes (megaloftalmo anterior).

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Fig. 10  Megalocórnea: rarefação estromal difusa da íris (ausência de colarete).

Fig. 11  Megalocórnea: goniofotografia mostrando rarefação estromal (aduelas) da periferia e concavidade anterior da íris.

Pode estar associada a outras anomalias congênitas (Marfan, Rieger, Down, etc.). Nos poucos olhos em que pudemos estudar a rigidez ocular, esta era normal (entre 0,0190 e 0,0220) e também a prova de Amsler-Huber comprovou rotura da barreira hematoaquosa (inundação de fluoresceína na câmara anterior). Caracteristicamente, o glaucoma, que raramente pode ocorrer, é tardio, por vezes associado ao descolamento de retina.

PERSISTÊNCIA E HIPERPLASIA DO VÍTREO HIALOIDE (PRIMÁRIO) Conceito Preferimos o nome vítreo hialoide, pois como Busacca nos ensinava, existe um vítreo fibrilar (primordial) que precede a formação do vítreo chamado primário: o nome hialoide expressa perfeitamente a origem dessa patologia, ou seja, a persistência hiperplásica do vítreo formado pelo sistema hialoide ao invadir o interior do cálice óptico concomitante ou logo após o fechamento da fenda óptica.

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142  |  Glaucoma Há três formas: 1. Persistência do vítreo hialoide posterior – quando os resíduos hialoides (A-V) envolvidos em manto glial praticamente se interrompem no terço posterior da cavidade vítrea (Fig. 12). 2. Persistência do vítreo hialoide anterior – quando os restos hialoides são mais anteriores, retrocristalinianos, geralmente excêntricos, com processos ciliares alongados, digitiformes tracionados na formação globoide persistente e visíveis à gonioscopia (Fig. 13). 3. Uma terceira forma mostra a persistência completa do sistema hialoide com os vasos envoltos em tecido glial percorrendo a cavidade vítrea como cordão ou cilindro branco-acinzentado levemente excêntrico e terminando na formação retrocristaliniana (Fig. 14). A biomicroscopia com lente de contato de três espelhos (Goldmann) é indispensável para o exame da cavidade vítrea desde o disco óptico até a periferia da retina, inclusive a ora serrata e, com depressão escleral, pars plana e a região do orbiculus.

Fig. 12  Persistência hiperplásica do vítreo hialoide (forma posterior).

Fig. 13  Persistência hiperplásica do vítreo hialoide (forma anterior).

Fig. 14  Persistência hiperplásica do vítreo hialoide (forma mista).

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Quadro clínico 1. A malformação não parece hereditária, é monocular (80 a 90%) e dependendo do seu tamanho e localização provoca leucocoria que pode simular “o olho de gato amaurótico”. 2. Microftalmia e câmara anterior rasa (esta mais na forma anterior). 3. Catarata por invasão retrocristaliniana do vítreo hialoide com reabsorção parcial ou total do conteúdo cristaliniano (Fig. 15). 4. Antes ou após a invasão cristaliniana, a formação globoide opaca traciona os processos ciliares que se mostram digitiformes e muito alongados: as fibras de tração são filamentos zonulares, provavelmente originados do vítreo hialoide. 5. A massa branca é contínua para trás com o pedículo fibrovascular que a une à área marteggiani do disco óptico. 6. A acuidade visual pode variar em função do grau de persistência e da localização dos restos hialoides. 7. Nos casos avançados, quando há invasão do seio camerular pelos resíduos hialoides ou goniossinequias formadas quando a câmara anterior é rasa, podemos ter um glaucoma congênito secundário tardio. Vale a pena assinalar que na persistência do vítreo hialoide posterior e na terceira forma o estrabismo é comum e também a presença de membranas que percorrem a cavidade vítrea do disco óptico à ora serrata (em 70% dos casos ocorre uma prega retiniana congênita). Há ainda descolamento de retina em 45% dos casos e o diagnóstico às vezes é equivocado (retinoblastoma, uveíte e retinopatia da prematuridade). O glaucoma, quando presente, responde mal aos tratamentos tópico e cirúrgico, mas este último deve ser indicado (trabeculotomia, trabeculectomia e implante valvular).

Fig. 15  Persistência hiperplásica do vítreo hialoide (foto de cerca de 10 anos após a anterior mostrando a reabsorção do cristalino à prévia invasão pelo vítreo hialoide hiperplásico).

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DISGENESIAS ECTOMESENQUIMAIS DA CÓRNEA E DA ÍRIS (AXENFELD-RIEGER) Nossa experiência com essas disgenesias é calcada em cerca de 50 casos. Alkemade (1969) colecionou 151 casos da literatura acrescentando 12, totalizando 163 pacientes (ou seja, 326 olhos). Em extensa monografia, estabeleceu critérios para o diagnóstico da síndrome de Axenfeld-Rieger chamada por ele como Dysgenesis mesodermalis primaria iridis. Assim: 1. Estromal da íris. 2. Anomalias do seio camerular: a) Embriotoxo posterior; b) Aderências entre o embriotoxo e o estroma da íris com ou sem tecido mesenquimal no seio camerular. 3. Bilateralidade. Em síntese, calcados em nossa experiência podemos esquematizar o seguinte quadro clínico: 1. Herança autossomal dominante com penetrância elevada (95% para Alkemade), sem predominância de sexo, olhos amétropes (astigmatismo corneano elevado, oblíquo e irregular). 2. Estrabismo (60% dos nossos casos). Exotropia é mais frequente. 3. Embriotoxo anterior anular (40%) com limbo difuso, córnea oval (diâmetro vertical>horizontal). Quando a PO é alta, há espessamento corneano e ceratopatia microbolhosa. 4. Cordão branco na periferia da córnea (Figs. 16 e 17), saliente na câmara anterior, onde bridas ou apêndices irianos se implantam; entre o cordão e a extrema periferia da córnea (linha de Schwalbe) há uma membrânula opalescente adossada à membrana de Descemet. 5. Hipoplasia exuberante dos folhetos estromais da íris (íris sem criptas, sulcos de contração esbatidos, orla pupilar sectorial ou totalmente ausente). 6. Corectopia (80%), discoria (deformação pupilar), ectrópio uveal e pseudopolicoria. 7. A gonioscopia mostra goniossinequias múltiplas, resíduos irianos na periferia da córnea e na parede externa do seio camerular, íris sem raiz prolongada pelos resíduos pectíneos que cobrem parcial ou totalmente a faixa trabecular. 8. Cristalino transparente com coloboma parcial (entalhe) e, às vezes, subluxado.

Fig. 16  Síndrome de Axenfeld-Rieger: discoria, corectopia e cordão do embriotoxo com rarefação do estroma da íris.

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Fig. 17  Cordão de embriotoxo na periferia da câmara anterior com cordoalhas irianas nele inseridas.

9. Vítreo anterior normal ou liquefeito. 10. Nos olhos não glaucomatosos, o disco óptico pode ser normal ou colobomatoso com situs inversus dos vasos e raramente papila oblíqua. 11. Glaucoma congênito secundário tardio, insidioso e de difícil tratamento (glaucoma refratário). 12. Múltiplas alterações sistêmicas: a) Hipertelorismo, telecanto interno, nariz achatado e largo. b) Mandíbula prognata: lábio superior retraído e inferior saliente. c) Hipoplasia zigomática. d) Anodontia (enamelogenesis imperfecta), oligodontia e hipodontia (Fig. 18). e) Retardo mental.

Fig. 18  Síndrome de Axenfeld-Rieger: ausência do esmalte dentário e alterações gengivais.

Tratamento Não existe. Para o glaucoma, tentar inicialmente fármacos hipotensores isolados ou combinados. Na falência deste, tentar a cirurgia (válvula de Ahmed).

NEUROFIBROMATOSE (NF) Há dois tipos principais de NF: 1. NF II – é a NF do SNC (1/50.000 nascimentos) que apresenta neuromas acústicos bilaterais, meningeomas, gliomas e schwannomas com raras manifestações oculares.

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146  |  Glaucoma 2. NF I (Doença de von Recklinghausen – NF clássica) – é a facomatose mais comum (1/3.500 nascimentos) sem predileção por sexo, raça, presente em todos os continentes e autossômica dominante com penetrância irregular. Caracteristicamente, apresenta: 1. Manchas cutâneas cafe-au-lait. 2. Nódulos irianos (Lisch): mais comumente despigmentados em nossa experiência (Fig. 19). 3. Neurofibromas cutâneos (pálpebra superior com ptose mecânica), orbitários (proptose) do SNC e glioma do nervo óptico. 4. Sardas axilares e inguinais. 5. Espessamento dos nervos corneanos e espessamento plexiforme das bainhas de Schwann dos nervos coroidianos. 6. Glaucoma congênito secundário a restos pectíneos no seio camerular e/ou neurofibromas do corpo ciliar com projeção anterior da íris e oclusão secundária do SC.

Fig. 19  Nódulos irianos hipopigmentados (Lisch) no estroma superficial da íris (pequeno e grande aumento).

Tratamento O glaucoma da NF é de tratamento cirúrgico. A gonioscopia é fundamental: se houver resíduos pectíneos, a trabeculotomia é a operação de escolha. Na hipótese de oclusão do SC (goniossinequias), pode-se tentar a trabeculectomia com MMC.

ANGIOMATOSE ENCEFALOTRIGEMINAL (STURGE-WEBER) Definição Anomalia congênita (angioma) aparentemente não hereditária e não familial, comumente unilateral, que compromete o sistema vascular, principalmente cefálico, interessando a primeira e a segunda divisões do V nervo (trigêmeo) e glaucoma secundário (50% dos casos).

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Quadro clínico 1. Nevus flammeus facial com hipertrofia cutaneomucosa (Fig. 20). 2. Angioma capilar conjuntivo-episclero-uveal (Figs. 21 e 22). 3. Angioma meningoencefálico com calcificação secundária ipsilateral com o nevo. 4. Convulsões contralaterais (em relação ao nevo) do tipo jacksoniano. 5. Glaucoma secundário. 6. Gonioscopicamente quando a parede externa está descoberta, há repleção sanguínea do canal de Schlemm durante o exame a despeito do glaucoma. 7. Hipertensão venosa episcleral. 8. Oftalmoscopicamente, além das alterações do disco óptico próprias do glaucoma, encontramos em um percentual elevado de casos, um angioma coroidiano no polo posterior e/ou na região intermediária: a coroide tem aspecto de “molho de tomate” (tomato catchup) (Fig. 23). Em 28 pacientes, comprovamos o angioma coroidiano, medindo pela ultrassonografia a espessura da coroide que se mostrou muito aumentada (estatisticamente significativa) (Fig. 24). Em 3 pacientes, o angioma foi caracterizado exclusivamente pela ecografia de vez que a oftalmoscopia foi inviável. O glaucoma que aparece na doença de Sturge-Weber não obedece a uma patologia única: 1. Em alguns olhos é do tipo congênito primário (persistência do sistema reticular). 2. Em outros, não encontramos anomalias do seio camerular, o glaucoma é mais tardio e aparentemente do tipo simples.

Fig. 20  Angiomatose encefalotrigeminal: nevus flammeus comprometendo a face e o pescoço.

Fig. 21  Angiomatose justalímbico.

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encefalotrigeminal:

angioma

episcleral

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Fig. 22  Angiomatose encefalotrigeminal (grande aumento): angioma episcleral justalímbico.

Fig. 23  Angiomatose encefalotrigeminal: fundo de olho mostrando disco óptico glaucomatoso e o angioma coroidiano (coroide com aspecto de molho de tomate).

3. Na maioria dos casos, encontramos também um angioma episcleral perilímbico (anular ou sectorial) com um plexo vinhoso profundo e alguns vasos superficiais rutilantes responsáveis pelo aumento da Pv (pressão venosa episcleral). Em todos os olhos com glaucoma em que foi possível medir a Pv, Coscarelli (G) encontrou em nosso serviço, a Pv aumentada caracterizando um glaucoma exógeno. 4. Nos poucos casos em que foi viável a realização de biomicroscopia ultrassônica, encontramos vasos intraesclerais (Fig. 25A) e intraciliares e efusão supraciliar (Fig. 25B), a despeito do glaucoma.

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Fig. 24  Angiomatose encefalotrigeminal: acima: ecogramas mostrando à esquerda grande espessamento coroidiano comparativamente ao espessamento normal da coroide à direita. Embaixo: angiogramas mostrando lagos venosos na coroide típicos de angioma.

Figs. 25 (A e B)  Biomicrografias ilustrando: A. um vaso intraescleral dilatado (seta azul), e B. a efusão supraciliar e um vaso emissário (respectivamente setas amarela e azul).

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Tratamento O nevo pode ser tratado com um tipo especial de laser com bons resultados. O glaucoma secundário é de tratamento cirúrgico (trabeculotomia nos casos congênitos secundários) e trabeculectomia nos casos tardios (adultos). Enfaticamente, recomendamos o uso endovenoso de manitol no peroperatório que reduz ou previne a perda de vítreo aparentemente inexplicável e possivelmente a ocorrência de descolamento de retina não regmatogênico transitório no pós-operatório.

DISTROFIA POLIMORFA POSTERIOR DA CÓRNEA Distrofia transmitida por herança autossômica dominante (raramente recessiva), bilateral (raramente unilateral), às vezes congênita ou de aparecimento precoce, frequentemente assimétrica com visão praticamente normal. Os pacientes são assintomáticos o que torna difícil determinar o início do processo distrófico acentuadamente pleomórfico.

Quadro clínico 1. Discreto espessamento corneano por edema das capas estromais posteriores, sem pannus. 2. Sensibilidade corneana normal. 3. A doença progride lentamente. 4. No nível da membrana de Descemet, a biomicroscopia mostra microlesões nodulares, microvesículas, microbolhas, halos (anéis) branco-acinzentados circundando as vesículas e espessamentos localizados (nódulos) da membrana de Descemet (Fig. 26). 5. Descrevem-se também faixas largas e sulcos no nível da membrana de Descemet mais ou menos paralelos que devem ser diferenciados das roturas traumáticas. 6. Lesões associadas à distrofia polimorfa podem provocar: a) Disgenesias ectomesenquimais. b) Corectopia, atrofia iriana e glaucoma. c) Ceratocone posterior circunscrito.

Fig. 26  Distrofia polimorfa posterior da córnea: nódulos na membrana de Descemet e endotélio.

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Histologicamente (ME), há filamentos intracitoplásmicos, alterações mitocondriais, diminuição das organelas celulares e microvilos e micropregas abundantes.

Tratamento Indicado apenas nos casos avançados com baixa de visão acentuada: ceratoplastia penetrante. Quando aparece o glaucoma, tentar inicialmente o tratamento clínico usual.

BIBLIOGRAFIA Bahn C et al. Classification of corneal endothelial disorders baed on neural crest origin. Ophthalmol, 1984; 91:558-63. Calixto N, Cronemberger S. Glaucoma congênito. In: Dantas AM, Moreira ATR. Oftalmologia pediátrica. 2a ed. Rio de Janeiro: Cultura Médica: 2006; p. 251-94. Calixto NS, Frasson M, Aguiar MJB, Cronemberger S. Posterior polymorphous dystrophy (PPD): study of a family in three consecutive generations. Invest Ophthalmol Vis Sci, 2002; 43: E-Abstract 1732. Duke-Elder S. Congenital deformities. In: System of Ophthalmology. Vol. III, Part 2. London: Henry Kempton; 1964. Le Douerin NM. A biological cell-labelling technique and its use in experimental embriology. Develop Biol, 1973; 30:21722. Tasman W, Jaeger EA. Duane’s clinical ophthalmology. Vols. III, IV, V. London: Lippincott Williams Wilkins, 2005. Revised edition. Tasman W, Jaeger EA. Duane’s clinical ophthalmology. Vol I. London: Lippincott Williams Wilkins, 2005. Revised edition.

ANIRIDIA Falta congênita da íris, descrita pela primeira vez por Barrata, é também chamada irideremia. O termo aniridia só é válido no sentido clínico porque na maioria dos casos vê-se ao exame biomicroscópico e/ou gonioscópico um coto de íris. É uma anomalia relativamente rara, quase sempre bilateral (50:1), com uma incidência variando de 1:64.000 para 1:96.000. Clinicamente, essa anomalia da íris não oferece dificuldades ao diagnóstico que, frequentemente, é feito pelo pediatra ao examinar o recém-nascido. Os achados do exame oftalmológico mais comumente associados à aniridia são: baixa acuidade visual (inferior a 0,2 na maioria dos casos), fotofobia, nistagmo, estrabismo, distrofia corneana, glaucoma, catarata, ectopia lentis, hipoplasia do nervo óptico e reflexo foveal diminuído ou ausente.

MANIFESTAÇÕES SISTÊMICAS ASSOCIADAS A aniridia pode também ocorrer como componente de uma associação de alterações sistêmicas que incluem retardo mental, anomalias genitais e tumor de Wilms.

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Herança A herança é autossômica dominante com penetrância quase completa, porém com variável expressividade, ocorrendo com maior frequência casos esporádicos que casos de aniridia familial. A aniridia é uma expressão de haploinsuficiência do gene PAX6 localizado no cromossomo 11p13.

Etiopatogenia A aniridia pode resultar de uma falha do desenvolvimento do neuroectoderma, de uma aberração do desenvolvimento do mesênquima ou de uma mutação genética.

Epidemiologia Na aniridia, não há predileção por sexo. Ela é mais prevalente em pacientes leucodérmicos e feodérmicos e muito rara em melanodérmicos.

Exame oftalmológico Os olhos portadores de aniridia apresentam todo o segmento anterior anormal. Os diâmetros corneanos medem, em geral, entre 11 e 12 mm. A rigidez escleral é maior que a de olhos normais. Geralmente, a córnea apresenta menor curvatura e maior espessura central que nos olhos normais. Um achado comum à biomicroscopia é uma membrânula revestindo anular ou sectorialmente a periferia da córnea (Fig. 27). A profundidade da câmara é menor que a de olhos normais. Na maioria dos olhos anirídicos, o cristalino apresenta anormalidade das curvaturas anterior e posterior, podendo as mesmas ser invertidas (curvatura anterior mais convexa que a posterior) ou simétricas (mesma curvatura anterior e posterior) (Figs. 28A e B). O comprimento axial ocular anteroposterior apresenta-se normal em aproximadamente metade dos olhos portadores de aniridia. Cerca de 33% dos pacientes apresentam comprimento axial ocular diminuído e cerca de 15% deles apresentam comprimento axial ocular aumentado, sendo este associado à pressão intraocular elevada. O exame gonioscópico mostra em mais de 33% dos olhos uma implantação do coto de íris no nível do esporão escleral, goniossinequias e múltiplas anomalias morfológicas dos processos ciliares (fusão, microprocessos alternados com outros espessados, etc.). Ao exame oftalmoscópico, a maioria dos olhos com aniridia apresenta escavação fisiológica do disco óptico. Em aproximadamente 30% dos casos, o disco óptico apresenta diâmetros reduzidos (micropapilas). É muito frequente a ausência de reflexos macular e foveal. Cerca de 40% dos olhos anirídicos apresenta fixação retiniana instável.

Fig. 27  Membrânula na periferia da córnea.

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Figs. 28 (A e B)  Desenho esquemático (A) mostrando: (N): cristalino com curvaturas normais; (S): cristalino com curvaturas anterior e posterior simétricas; (I): cristalino com curvatura invertida (anterior mais curva que a posterior). B. Fotografia ao biomicroscópio da inversão das curvaturas do cristalino.

Glaucoma Mesmo nos olhos anirídicos sem glaucoma, o valor da pressão intraocular à aplanação é maior que nos olhos normais da mesma faixa etária em consequência da maior espessura central da córnea. Isso deve ser levado em consideração na avaliação dos casos de aniridia suspeitos ou portadores de glaucoma. O desenvolvimento do glaucoma ocorre em cerca de 20 a 30% dos olhos com aniridia e, em geral, se manifesta em crianças com idade mais avançada ou em adolescentes. Nesses olhos, há uma elevação gradual e aparentemente patológica da pressão intraocular com o aumento da idade. O glaucoma é causado por sinequias anteriores periféricas (bloqueio do seio camerular pelo coto de íris) como demonstra a biomicroscopia ultrassônica (Fig. 29). Portanto, exames gonioscópico e do disco óptico feitos periodicamente são muito importantes nos casos suspeitos ou portadores de glaucoma.

Fig. 29  Imagem ultrabiomicroscópica mostrando seio camerular bloqueado por coto de íris (aniridia) (setas). (C: córnea; CA: câmara anterior; Cr: cristalino; CC: corpo ciliar.)

Tratamento O glaucoma associado à aniridia é, em geral, refratário ao tratamento clínico. A cirurgia pode também não ter resultado satisfatório. Em crianças com menor idade e córnea transparente, prefere-se a trabeculotomia. Nos casos mais graves e nas crianças com maior idade ou adolescentes, pode-se tentar a trabeculectomia com antimitóticos ou implantes de drenagem, sendo que estes parecem dar resultados mais satisfatórios. Qualquer técnica cirúrgica antiglaucomatosa está sujeita a complicações pós-operatórias graves, incluindo atalamia e toque do cristalino na córnea.

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BIBLIOGRAFIA Brémond-Gignac D. Glaucoma in aniridia. J Fr Ophthalmol, 2007; 30(2):196-9. Cronemberger S, Calixto N. Aspectos biomicroscópicos, tensionais e fundoscópicos da aniridia. Arq Bras Oftalmol, 1995; 58(4):268-76. Cronemberger S, Costa LT, Marigo FA et al. Achados ultrabiomicroscópicos na aniridia. Rev Bras Oftalmol, 2000; 59(11): 822-8. Nelson LB et al. Aniridia; a review. Surv Ophthalmol, 1984; 28(6):621-42.

SÍNDROME DE LOWE É uma síndrome muito rara com prevalência de aproximadamente 1:500.000 na população geral. Também chamada síndrome óculo-cérebro-renal, é caracterizada por anormalidades oculares, retardo mental, psicomotor e do crescimento e anormalidades renais musculoesqueléticas. Ocorre predominantemente no sexo masculino, porém, há relatos de casos isolados no sexo feminino. As anormalidades renais musculoesqueléticas comumente incluem raquitismo, osteomalácia, hiporreflexia e redução do tônus muscular (hipotonia muscular) com dificuldade de deambulação. Elas são aparentes durante o primeiro ano de vida e manifestam-se primariamente por aminoacidúria, albuminúria, glicosúria, oligoamoniúria e acidose tubular renal. Criptorquidismo bilateral também tem sido relatado. Catarata bilateral e hipotonia muscular estão presentes ao nascimento. Temos um caso de síndrome de Lowe em menina: catarata bilateral e paraplegia (Fig. 30).

Fig. 30  Síndrome de Lowe: desproporção cefálica + paraplegia.

Herança Tem sido relatada a herança recessiva ligada ao sexo. Mapeamento genético sugere a localização da síndrome de Lowe no braço longo distal do cromossomo X situado no locus Xq24-q26.

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Etiopatogenia Há hipóteses de que essa síndrome seja resultante de uma anormalidade, ainda desconhecida, de uma enzima essencial que acarreta múltiplas manifestações oculares e sistêmicas. A síndrome de Lowe é causada pela deficiência da enzima difosfato inositol 5-fosfatase localizado no complexo de Golgi.

Exame oftalmológico As alterações oftalmológicas são as mais precoces, mais proeminentes e consistentes, principalmente a catarata e o glaucoma. A catarata congênita é tipicamente do tipo nuclear, densa, ou cortical posterior, estando presente em quase todos os pacientes. Em geral, o cristalino é pequeno tanto equatorial quanto axialmente. A malformação cristaliniana ocorre na embriogênese, o que histologicamente manifesta-se pela ausência de demarcação entre o núcleo e o córtex cristalinianos (Fig. 31). Podem ser encontradas opacidades corneanas (queloide) e enoftalmia.

Fig. 31  Síndrome de Lowe: catarata mostrando a opacificação da sutura anterior com halo translúcido envolvente.

Glaucoma Ocorre em pelo menos 66% dos pacientes. Glaucoma congênito pode ser secundário a microfacia ou a anormalidades do seio camerular. Em alguns casos, Lowe atribuiu o glaucoma a anomalias do canal de Schlemm ou a sinequias posteriores. Embora o exato mecanismo do glaucoma seja ainda desconhecido, tem-se postulado que o cristalino com diâmetros reduzidos exerce tração anterior sobre as estruturas do segmento anterior pela excessiva tensão da zônula. Os processos ciliares são anteriorizados e a retina pode também ser deslocada anteriormente sobre o corpo. Essa anormalidade primária do cristalino pode impedir a diferenciação normal do seio camerular.

Tratamento O tratamento do glaucoma congênito geralmente é desapontador. Levando em consideração a pouca expectativa de vida e o grave retardo mental, as decisões sobre o tratamento devem

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156  |  Glaucoma ser individualizadas. Havendo indicação de cirurgia antiglaucomatosa, deve-se optar por goniotomia, trabeculotomia ou trabeculectomia.

BIBLIOGRAFIA Kruger SJ, Wilson Me Jr, Hutchinson AK et al. Cataracts and glaucoma in patients with oculocerebrorenal syndrome. Arch Ophthalmol, 2003; 121(9):1234-7. Lythgoe C, Ramsey MS. Possible case of óculo-cerebro-renal (Lowe’s) syndrome in a female infant. Can J Ophthalmol, 1973; 8(4):591-6. Tripathi RC, Cibis GW, Tripathi BJ. Pathogenesis of cataract in patients with Lowe’s syndrome. Ophthalmol, 1986; 93(8): 1046-51. Walton DS, Katsavounidou G, Lowe CU. Glaucoma with the oculocerebrorenal syndrome of Lowe. J Glaucoma, 2005; 14(3): 179-80.

SÍNDROME DE DOWN (TRISSOMIA 21) É a mais comum das síndromes trissômicas autossômicas com uma incidência de aproximadamente 1 para 800 nascimentos. É caracterizada por retardo mental e do crescimento (baixa estatura) com braquicefalia e facies característica (mongoloide) representada por boca pequena e aberta com língua protrusa com fissuras profundas – língua escrotal, nariz curto, orelhas deformadas e baixas e pescoço curto. Na maioria dos casos, ocorre uma trissomia do cromossomo 21 fazendo com que o portador dessa síndrome tenha 47 cromossomos em vez dos 46 normais. Em casos raros, pode ocorrer uma translocação de uma das partes do cromossomo 21 que pode estar relacionado com o cromossomo 15, a junção cromossômica atuando como uma unidade simples.

Herança O mongolismo é familial, sendo a herança autossômica recessiva.

Exame oftalmológico Estão presentes os seguintes sinais oculares do mongolismo: hipertelorismo, fenda palpebral estreita para baixo e para dentro, epicanto saliente, blefarite seborreica, nistagmo, estrabismo convergente, ceratocone (comumente causando hidropsia aguda), heterocromia iriana (manchas de Brushfield) (Fig. 32), atrofia iriana, catarata e miopia. O glaucoma congênito pode raramente estar associado. Disgenesias mesodérmicas também podem ser observadas.

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Fig. 32  Manchas (de Brushfield) hipocrômicas na porção ciliar do estroma iriano.

Tratamento O glaucoma congênito, quando presente, deve ser tratado cirurgicamente com a trabeculotomia ou goniotomia.

SÍNDROMES ASSOCIADAS À ECTOPIA LENTIS Existem três síndromes que estão associadas à ectopia lentis: síndrome de Weill-Marchesani, síndrome de Marfan e homocistinúria. Embora possam apresentar essa característica em comum, elas se diferenciam bastante em relação a vários outros aspectos como herança, alterações oculares, inclusive da posição do cristalino, alterações sistêmicas e dentro destas, alterações cardiovasculares. A ectopia lentis é rara na síndrome de Weill-Marchesani e frequente na síndrome de Marfan na qual o cristalino encontra-se, em geral, deslocado superiormente. A ectopia lentis também é comum na homocistinúria, mas nesta, geralmente, o cristalino encontra-se, deslocado inferiormente. A Tabela I resume os achados e também as diferenças encontradas entre as três síndromes. TABELA I  Síndromes associadas à ectopia lentis* Síndrome de Weill-Marchesani

Síndrome de Marfan

Homocistinúria

Herança

Autossômica recessiva

Autossômica dominante

Autossômica recessiva

Alterações oculares

Microesferofacia Miopia lenticular Glaucoma Ectopia lentis (rara) Às vezes, restos pectíneos no seio camerular

Ectopia lentis (comum superiormente) Coloboma e entalhes cristalinianos Zônula rarefeita Restos de membrana pupilar Descolamento de retina

Ectopia lentis (comum inferiormente) Íris clara Degeneração cística da retina Atrofia óptica

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TABELA I  Síndromes associadas à ectopia lentis* (Cont.) Síndrome de Weill-Marchesani

Síndrome de Marfan

Homocistinúria

Alterações sistêmicas

Braquimorfia Músculos e panículo adiposo bem desenvolvidos

Dolicomorfia Aracnodactilia Dolicostenomelia Articulações frouxas

Retardo mental Pele clara e rubor malar Cabelos loiros Genu valgum Ausência de cistationine β sintetase

Alterações cardiovasculares

Desconhecidas

Aneurisma dissecante da aorta (20% dos casos) Prolapso de válvula mitral

Fenômenos tromboembólicos Morte prematura (20% dos casos)

*Adaptado de Presley & Sidbury (Am J Ophthalmol, 1967; 63:1723-7).

MICROESFEROFACIA – SÍNDROME DE WEILL-MARCHESANI A microesferofacia é uma anomalia congênita que se caracteriza pela presença de um cristalino pequeno e relativamente esférico com aumento da sua espessura anteroposterior. O peso e o diâmetro equatorial do cristalino estão reduzidos em 20 a 30%, enquanto o diâmetro axial encontra-se aumentado em até 25%. Classicamente, a microesferofacia vem associada a anormalidades esqueléticas (braquicefalia – crânio pequeno, braquimorfia – baixa estatura e braquidactilia – dedos curtos e largos das mãos e dos pés – e musculares (músculos bem desenvolvidos e tecido subcutâneo abundante) – constituindo a síndrome de Weill-Marchesani. Ocasionalmente, pode estar associada à síndrome de Marfan, homocistinúria, síndrome de Alport, disostose mandíbulofacial e síndrome de Klinefelter.

Herança Autossômica recessiva. Consanguinidade está presente em grande proporção de casos. A microesferofacia com ectopia lentis e glaucoma pode ocorrer como uma anomalia familiar isolada.

Etiopatogenia A microesferofacia pode ocorrer por vários mecanismos. Parece ter origem em um defeito mesenquimal que resulta no desenvolvimento anormal do corpo ciliar. As anormalidades do cristalino e da zônula podem ser também de origem metabólica. A zônula é frouxa e alongada (iridodonese). Às vezes, há alterações do seio camerular do tipo glaucoma congênito.

Exame oftalmológico O globo ocular apresenta dimensões normais. A espessura central da córnea é maior que a de olhos normais, o que pode acarretar hiperestimação da pressão intraocular pelos tonômetros de aplanação. Tipicamente, o cristalino apresenta diâmetros reduzidos (microesferofacia) com consequente aumento do seu poder dióptrico que causa miopia de curvatura podendo, sob midríase, o equador cristaliniano ser visível em 360°. A rigidez ocular, ao contrário da alta mio-

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pia, é normal ou elevada (esclera com espessura normal ou elevada). Além de microesférico, o cristalino, em casos raros, pode encontrar-se ectópico, em geral estando deslocado inferiormente. A varredura do cristalino à lâmpada de fenda resulta em reflexos luminosos cruzados, móveis como lâminas de tesoura, semelhante ao observado no ceratocone. Com a pupila dinâmica a câmara anterior pode ser rasa por causa do deslocamento anterior do cristalino. À gonioscopia, o seio camerular é frequentemente estreito com aparente deslocamento anterior da inserção iriana junto ao esporão escleral e presença de restos pectíneos mais ou menos exuberantes, lembrando o quadro gonioscópico de glaucoma congênito.

Glaucoma Pode ocorrer pelo deslocamento anterior do cristalino ou luxação do cristalino na câmara anterior. Pode também ocorrer sem subluxação do cristalino. O afrouxamento da zônula é que permite ao cristalino deslocar-se anteriormente aumentando a área de contato com a íris. Esse contato aumentado resulta em abaulamento gradual da periferia da íris que culmina com o glaucoma por fechamento do seio camerular. Ataques prolongados ou repetidos podem resultar na formação de sinequias anteriores periféricas ou lesão permanente da rede trabecular. O glaucoma de ângulo fechado causado pela microesferofacia é frequentemente agravado pelos mióticos. Por esse motivo Urbanek (1930), o denominou glaucoma inverso. Supõe-se que nos casos de microesferofacia em que o tratamento miótico não agrava o glaucoma o cristalino encontra-se completamente deslocado ou há falta do efeito sobre o movimento do cristalino por algum fragmento zonular remanescente.

Tratamento Em alguns pacientes, a iridectomia a laser ou cirúrgica, mesmo setorial, pode não normalizar a pressão intraocular e requerer medicação tópica adicional. A iridoplastia com laser de argônio está indicada quando há falha da iridectomia. Está contraindicado o uso de mióticos que podem agravar o glaucoma. A remoção do cristalino transparente também não normaliza a pressão intraocular. Quando está indicada a remoção do cristalino, recomenda-se o uso de manitol intravenoso antes da cirurgia embora mesmo com essa conduta possa ocorrer perda de vítreo, sem causa aparente, logo após a paracentese. Quando o cristalino microesferofácico está luxado na câmara anterior, recomenda-se o uso constante de miótico (pilocarpina a 2% de 6 em 6 horas) até que a remoção cirúrgica do cristalino, transparente ou não, possa ser feita com implante de lente intraocular.

SÍNDROME DE MARFAN É a síndrome mais comum associada à ectopia lentis. É uma desordem hereditária e multissistêmica das fibras elásticas do tecido conectivo, sendo causada por uma mutação do gene FBN-1 (fibrilina-1). Sua prevalência é de 4 a 6 casos por 100.000 indivíduos. A desordem do tecido conectivo compromete proteoglicanos, glicosaminoglicanos, elastina, fibrilina, fibronectina e uma variedade de colágenos e outras proteínas relacionadas com a manutenção nor-

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160  |  Glaucoma mal da arquitetura e da função dos tecidos. A síndrome é caracterizada por um envolvimento progressivo de diferentes órgãos ou sistemas com uma grande variedade de manifestações clínicas. Inicialmente, surgem as alterações musculoesqueléticas que consistem de aracnodactilia – dedos das mãos e dos pés anormalmente longos –, anomalias cranianas, cifoescoliose, hiperextensibilidade das articulações e pobre desenvolvimento muscular. Posteriormente, manifestam-se as anomalias cardiovasculares que incluem as alterações degenerativas progressivas nas paredes dos grandes vasos, aneurisma dissecante da aorta e descompensação cardíaca causada por regurgitação mitral. Cerca de 95% dos pacientes com a síndrome de Marfan falecem em consequência de disfunção cardíaca. Na suspeita de um fenótipo de Marfan, é mandatório aplicar o critério de Ghent baseado na história familiar e nos achados clínicos para estabelecer o diagnóstico. Uma vez confirmado o diagnóstico, deve-se avaliar a gravidade do envolvimento orgânico para estabelecer as necessárias medidas preventivas e terapêuticas, incluindo a pesquisa de novos casos na família. Do ponto de vista histoquímico, os pacientes com síndrome de Marfan têm fibrilina anormal na pele, nos fibroblastos em cultura ou em ambos. As anomalias oculares incluem ectopia lentis, alta miopia com olhos grandes, córnea plana e transiluminação da periferia da íris.

Herança É autossômica dominante com alta penetrância. A anormalidade genética ocorre no braço longo do cromossomo 15 (15q21.1) envolvendo uma mutação do gene FBN-1 (fibrilina-1). Há relato de que praticamente não existe proteína fibrilina no fenótipo letal da síndrome de Marfan neonatal.

Etiopatogenia Parece que a síndrome de Marfan é causada pela produção anormal de fibrilina que é o principal componente das microfibrilas extracelulares. Os pacientes com a síndrome de Marfan apresentam fibrilina anormal na pele, nos fibroblastos ou em ambos.

Exame oftalmológico São várias as alterações oculares encontradas na síndrome de Marfan, sendo a ectopia lentis a principal. O globo ocular geralmente apresenta diâmetros aumentados. Outras achados oculares que podem ocorrer são alta miopia, córnea plana, ceratocone, transiluminação da periferia da íris, heterocromia, coloboma de retina e nervo óptico e retinose pigmentária. A ectopia lentis com o cristalino comumente deslocado superior, nasal ou temporalmente, está presente na primeira década de vida em 80% dos pacientes e pode acarretar importante diminuição da acuidade visual e ambliopia. Pode ocorrer neurofibromatose associada à síndrome de Marfan. No exame da retina são comuns degeneração reticular (lattice), buracos retinianos e descolamento de retina.

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Glaucoma Em geral, está presente em cerca de 8% dos casos de ectopia lentis, sendo que 33% dos casos de glaucoma são de origem facogênica, ou seja, causados pelo deslocamento do cristalino na área pupilar. Podem estar presentes anomalias do seio camerular.

Tratamento O tratamento do glaucoma é dirigido à sua causa, ou seja, à remoção do cristalino com implantação de lente intraocular por meio de fixação escleral ou pelo uso de anel expansor. É imperativo o exame da periferia da retina antes de qualquer medida clínica ou cirúrgica, que norteará a conduta a ser tomada. Recomenda-se o uso de antibiótico antes de qualquer procedimento cirúrgico em pacientes com a síndrome de Marfan para prevenir endocardite decorrente de lesões das válvulas cardíacas.

BIBLIOGRAFIA Cross HE, Jensen AD. Ocular manifestations in the Marfan syndrome and homocystinuria. Am J Ophthalmol, 1973; 75(3):405- 20. Ha HI, Seo JB, Lee SH et al. Imaging of Marfan syndrome: multisystemic manifestations. Radiographics: a review publication of the Radiological Society of North America, 2007; 27(4):989-1004. Jorge E, Calixto N, Borges BJ. Glaucoma na Síndrome de Weill-Marchesani. Rev Bras Oftalmol, 1992;51(5):27-30. Razeghinejad MR, Safavian H. Central corneal thickness in patients with Weill-Marchesani syndrome. Am J Ophthalmol, 2006; 142(3):507-8. Sallum JMF, Chen J, Perez ABA. Anomalias oculares e características genéticas na síndrome de Marfan. Arq Bras Oftalmol, 2002; 65(6):623-8. Waiswol M, Abujamra S, Cohen R, Almeida GV. Variação da acuidade visual em pacientes jovens com ectopia lentis. Arq Bras Oftalmol, 2005; 68(4):495-504. Wright KW, Chrousos GA. Weill-Marchesani syndrome with bilateral angle-closure glaucoma. J Pediatr Ophthalmol Strabismus, 1985; 22(4):129-32.

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S E Ç Ã O  V CBO - Glaucoma - cap-12.indd 163

Glaucomas Secundários

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HOMERO GUSMÃO DE ALMEIDA

C A P Í T U L O  |  12

Classificação

O estudo dos glaucomas secundários constitui um dos capítulos mais estimulantes entre as diversas áreas da Oftalmologia, pelo menos por duas razões: primeiro, pelo amplo conhecimento de oftalmologia geral que se faz necessário, já que o glaucoma se faz presente em um extenso número de doenças da córnea, esclera, cristalino, úvea, retina e órbita; segundo, porque estimula um raciocínio, por vezes complexo, de fisiopatologia ocular, envolvendo a hidrodinâmica dos fluidos oculares. Os glaucomas secundários constituem um grupo de entidades clínicas cujo único denominador comum é o fato de que uma enfermidade identificada é complicada por uma elevação da pressão intraocular. Longe de serem raros, os glaucomas secundários compreendem, segundo várias estatísticas, 20 a 40% de todos os casos de hipertensão ocular. Diante de um paciente que apresenta elevação da pressão intraocular, deve-se sempre proceder a um minucioso exame oftalmológico, que inclui detalhada anamnese, com a finalidade de se identificar a causa provável. Somente após isso, se nenhum achado for detectado, é que o glaucoma pode ser rotulado como primário. Isso é de fundamental importância, uma vez que o tratamento dos glaucomas secundários é, muitas vezes, complexo e, em inúmeras circunstâncias, não se reduz apenas à instilação das gotas hipotensoras e às cirurgias filtrantes.

CLASSIFICAÇÃO A classificação fisiopatológica permite uma identificação direta do mecanismo básico da elevação da pressão intraocular, favorece um raciocínio global e fornece as bases para a estratégia terapêutica. Os glaucomas secundários são, em última análise, resultado de um comprometimento do escoamento do humor aquoso. Então, parece apropriada a sua classificação geral em glaucomas de ângulo aberto e glaucomas de ângulo fechado. Os glaucomas de ângulo aberto podem 165

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166 | Glaucoma ser classificados em pré-trabeculares, trabeculares e pós-trabeculares – segundo o local de obstrução à drenagem do humor aquoso. Ainda classicamente, os glaucomas secundários de ângulo fechado podem ser desencadeados por bloqueio pupilar ou na ausência deste mecanismo. Assim, temos: QUADRO 1  Glaucomas secundários ÂNGULO ABERTO I – Pré-trabeculares II – Trabeculares A) Obstrução da malha trabecular B) Desarranjo da malha trabecular III – Pós-trabeculares ÂNGULO FECHADO I – Com bloqueio pupilar II – Sem bloqueio pupilar A) Anterior B) Posterior

GLAUCOMAS DE ÂNGULO ABERTO Pré-trabeculares (Fig. 1) Nesses casos, o impedimento do humor aquoso em atingir a malha trabecular é causado pela proliferação de membranas translúcidas, com revestimento da parede externa do ângulo camerular que, no entanto, mantém-se aberto, permitindo a visualização de seus elementos: trabeculado, esporão escleral, faixa ciliar, etc. Estas membranas podem ser de natureza fibrovascular, inflamatória, endotelial e epitelial.

Fig. 1  Glaucoma de ângulo aberto pré-trabecular: proliferação de membranas sobre a malha trabecular.

Trabeculares (Fig. 2) Nestes glaucomas secundários, de ângulo aberto, a obstrução à drenagem do humor aquoso localiza-se na intimidade da malha trabecular, quer por obstrução dos espaços intertrabeculares, quer por desarranjo estrutural das trabéculas.

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Classificação | 167

Fig. 2  Glaucoma de ângulo aberto trabecular: a resistência ao escoamento do humor aquoso deve-se a obstrução dos espaços intertrabeculares ou desorganização estrutural da malha trabecular.

Entupimento da malha trabecular Inúmeros elementos podem tamponar os espaços intertrabeculares: hemácias (hifema e eritroclastos), macrófagos (facólise, hemólise e melanoma), células tumorais (tumores malignos, neurofibromatose, xantogranuloma e nevo de Ota), pigmento (síndrome de dispersão pigmentar, síndrome de pseudoexfoliação capsular e melanoma), partículas proteicas (debris inflamatórios, proteína cristaliniana e material zonular) e vítreo.

Desarranjo da malha trabecular A desorganização estrutural da malha trabecular pode ser resultado de edema, infiltração inflamatória e fibrose (uveíte, esclerite, episclerite, trauma e queimadura), hemossiderose, administração de corticoide, etc.

Glaucomas pós-trabeculares (Fig. 3) Nesses tipos de glaucomas o ângulo é aberto, a malha trabecular é normal e a resistência ao escoamento do humor aquoso situa-se após o canal de Schlemm. O problema básico é uma estase venosa e a obstrução poderá situar-se no nível ocular (síndrome de Sturge-Weber e hipertensão venosa episcleral idiopática), orbitário (tumores retrobulbares e exoftalmo tireotóxico) e em outros locais (fístula carotidocavernosa, trombose do seio cavernoso, obstrução da veia cava, tumores mediastinais, etc.).

Fig. 3  Glaucoma de ângulo aberto pós-trabecular: a resistência ao escoamento do humor aquoso situa-se no nível da drenagem venosa, após o canal de Schlemm.

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168 | Glaucoma

GLAUCOMAS DE ÂNGULO FECHADO Nesses casos, o trabeculado é bloqueado por tecido iriano, que impede o acesso do humor aquoso. Poderá ser secundário a bloqueio pupilar ou por mecanismo diverso.

Com bloqueio pupilar (Fig. 4) A obstrução do fluxo aquoso através da abertura pupilar é responsável por um aumento da pressão na câmara posterior. Um gradiente de pressão elevado entre as câmaras anterior e posterior promove um deslocamento anterior (abaulamento) da porção periférica da íris, com consequente bloqueio do ângulo. Isso pode ocorrer em inúmeras situações, tais como alterações na forma do cristalino, luxação e subluxação cristaliniana, presença de vítreo ou lente intraocular na área pupilar, sinequias inflamatórias posteriores, etc.

Fig. 4  Glaucoma de ângulo fechado, com bloqueio pupilar: o humor aquoso, represado na câmara posterior, promove o deslocamento anterior da íris.

Sem bloqueio pupilar Nessa eventualidade, o bloqueio do ângulo camerular poderá ocorrer devido a alterações do próprio seio camerular: anomalias congênitas (defeitos de clivagem do segmento anterior) ou sinequias anteriores periféricas (contração de membranas proliferativas, organização de depósitos inflamatórios, aniridia, etc.). Estas são causas anteriores (Fig. 5). O fechamento do ângulo poderá dever-se também a causas posteriores. Nestes casos, há deslocamento anterior da periferia iriana ou de todo o diafragma iridocristaliniano (Fig. 6). Podem ocorrer com bloqueio do corpo ciliar pelo equador do cristalino ou pelo corpo vítreo (glaucoma maligno), com congestão e rotação do corpo ciliar (oclusão da veia central da retina, fotocoagulação pan-retiniana e cintagem escleral), pela presença de massas retroirianas ou retrocristalinianas (cistos de íris e corpo ciliar, tumores intraoculares, fibroplasia retrolental e vítreo primário hiperplástico persistente).

Fig. 5  Glaucoma de ângulo fechado, sem bloqueio pupilar, secundário a causas anteriores: sinequias anteriores periféricas, anomalias congênitas, etc.

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Classificação | 169

Fig. 6  Glaucoma de ângulo fechado, sem bloqueio pupilar, secundário a causas posteriores: o deslocamento anterior da periferia iriana ou de todo o diafragma iridocristaliniano impede o fluxo normal do humor aquoso.

QUADRO 2  Ângulo aberto I – PRÉ-TRABECULARES Membrana fibrovascular • Glaucoma neovascular Membrana inflamatória • Trauma, ciclite heterocrômica de Fuchs Membrana endotelial • Síndrome da membrana endotelial iridocorneana • Distrofia polimorfa posterior da córnea • Ceratite intersticial luética • Trauma Membrana epitelial • Invasão epitelial da câmara anterior II – TRABECULARES A – OBSTRUÇÃO DA MALHA TRABECULAR Hemácias • Hifema • Glaucoma eritroclástico Macrófagos • Glaucoma facolítico • Glaucoma hemolítico • Melanoma Células tumorais • Tumores malignos • Neurofibromatose • Xantogranuloma • Nevo de Ota Pigmento • Glaucoma pigmentar • Síndrome de pseudoexfoliação capsular • Melanoma Partículas proteicas • Uveítes • Proteína cristaliniana Vítreo

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B –- DESARRANJO DA MALHA TRABECULAR Edema e fibrose • Uveítes • Esclerites e episclerites • Trauma • Queimadura por álcalis Hemossiderose Corticoide III – PÓS-TRABECULARES Ocular • Síndrome de Sturge-Weber • Hipertensão venosa episcleral idiopática Orbitária • Tumores retrobulbares • Exoftalmo tireotóxico Outras • Fístula carotidocavernosa • Trombose do seio cavernoso • Obstrução da veia cava • Tumores mediastinais

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QUADRO 3  Ângulo fechado I – COM BLOQUEIO PUPILAR • Alteração na forma do cristalino (intumescência e esferofacia) • Alteração na posição do cristalino (subluxação e luxação para a câmara anterior) • Seclusão pupilar inflamatória (íris bombée) • Após facectomia (bloqueio iridovítreo e bloqueio íris-lente intraocular) • Mióticos, cintagem escleral e fotocoagulação pan-retiniana. II – SEM BLOQUEIO PUPILAR 1. Anterior a) Anomalias congênitas • Síndrome de Rieger • Anomalia de Axenfeld b) Sinequias anteriores periféricas • Contração de membranas (glaucoma neovascular, trauma, síndrome endotelial iridocorneana, distrofia polimorfa posterior e ceratite intersticial luética) • Organização de precipitados inflamatórios (uveítes, trauma, atalamia e ceratites) • Aniridia 2. Posterior a) Bloqueio ciliar (glaucoma maligno: espontâneo, pós-cirurgia antiglaucomatosa e pós-facectomia) b) Congestão e anteriorização do corpo ciliar (oclusão da veia central da retina, cintagem escleral e fotocoagulação pan-retiniana) c) Massas retroirianas ou retrocristalinianas (cistos de íris e corpo ciliar, tumores intraoculares, fibroplasia retrolental e vítreo primário hiperplástico persistente)

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RALPH COHEN • GERALDO VICENTE DE ALMEIDA • RICARDO NUNES ELIEZER

C A P Í T U L O  |  13

Glaucoma e Hemorragias Intraoculares

As hemorragias intraoculares têm como causa mais frequente os traumatismos acidentais. Elas são também possíveis complicações imediatas ou tardias de diferentes procedimentos cirúrgicos intraoculares e aparecem, espontaneamente, no curso de uma série de enfermidades oculares e sistêmicas. São conhecidas quatro formas de glaucoma secundário a hemorragias intraoculares: Glaucoma associado a hifema. Glaucoma hemolítico. Glaucoma de células fantasmas. Glaucoma hemossiderótico.

GLAUCOMA ASSOCIADO A HIFEMA Hifema é o nome dado a uma coleção de sangue, de volume variável, localizada na câmara anterior. Um hifema pode resultar de traumatismos contusos, perfurantes ou ser espontâneo, como intercorrência de diferentes doenças locais ou gerais.

Hifema secundário a traumatismo contuso Os traumatismos contusos são especialmente frequentes na população jovem. Canavan & Archer, em1982, relataram que 75% de uma série de indivíduos com hifema traumático tinha idade inferior a 30 anos. Nesse estudo, verificaram, ainda, que 85% eram indivíduos do sexo masculino, que 66% desses acidentes foram esportivos ou domésticos e que o hifema estava presente em 81% dos casos de traumatismo contuso.

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Quadro clínico Os sinais e sintomas variam não somente com o volume do hifema, mas também com a existência ou não de outras alterações anatômicas ou funcionais decorrentes do traumatismo. No hifema isolado, o principal sintoma é a redução da acuidade visual, que varia conforme o volume de sangue na câmara anterior. A pressão intraocular do olho envolvido está geralmente elevada imediatamente após o traumatismo, em comparação com a do olho adelfo. Entretanto, após alguns dias, o olho torna-se discretamente hipotônico, por aproximadamente 5 dias. Impõe-se sempre considerar a possibilidade da existência de outras lesões oculares concomitantes, tais como ciclodiálise, uveíte, rotura de esclera, luxação de cristalino, etc. A fonte mais comum de sangramento para a câmara anterior é uma rotura na face anterior do corpo ciliar, entre as fibras longitudinais e as circulares, por lesão de pequenos ramos do círculo arterial maior da íris. Os achados clínicos podem variar. São discretos, quando a hemorragia é microscópica e fica caracterizada pela observação de hemácias circulando no humor aquoso. Em outros casos, o volume de sangramento forma uma coleção com nível superior retilíneo (Fig. 1), que atinge diferentes alturas e que, em grau extremo, preenche toda a câmara anterior. Edwards & Layden classificaram os hifemas segundo a sua gravidade (Figs. 2A-C), em: Grau I – Volume do hifema menor que 33% da câmara anterior. Grau II – Volume do hifema não ultrapassa 50% da câmara anterior. Grau III – Volume do hifema maior que a metade da câmara anterior. O prognóstico de um hifema isolado é usualmente bom, com reabsorção total do sangue, em poucos dias. Entretanto, complicações podem ocorrer durante o período que se segue ao traumatismo, cujas consequências podem ser desastrosas para a visão.

Fig. 1  Hifema grau I secundário a trauma contuso depositado na câmara anterior.

Figs. 2 (A-C)  Volume do hifema (classificação): A. Grau I – menor que 33% da câmara anterior. B. Grau II – de 33 a 50% da câmara anterior. C. Grau III – maior que 50% da câmara anterior.

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As complicações possíveis de um hifema são: Hemorragia recorrente. Glaucoma secundário. Impregnação hemática da córnea.

Hemorragia recorrente Cerca de 10 a 35% dos casos de hifema secundário a traumatismo são complicados por hemorragia recorrente (Figs. 3A e B). O ressangramento ocorre durante a primeira semana após o traumatismo inicial e está relacionado, possivelmente, com a lise e a retração do coágulo. Há divergências quanto à influência das dimensões do hifema inicial sobre a frequência de ressangramento. Por outro lado, sabe-se que as complicações aumentam depois de uma hemorragia recorrente, nos hifemas pós-traumatismo. A incidência de glaucoma eleva-se a 50%, há maior possibilidade de impregnação hemática da córnea e atrofia do nervo óptico, assim como aumenta o risco de necessidade de tratamento cirúrgico. A recorrência de uma hemorragia pode transformar um bom prognóstico em um resultado visual pobre. O glaucoma secundário é mais frequente após uma hemorragia recorrente, porém pode ocorrer após o sangramento inicial. É a complicação mais grave de um hifema traumático. Sua incidência está parcialmente relacionada com a extensão da hemorragia, sendo mais frequente nos casos de hifema total.

Figs. 3 (A e B)  Hifema traumático: A. pequeno coágulo depositado na câmara anterior, em reabsorção. B. A ocorrência de novo sangramento tende a comprometer um prognóstico que usualmente é bom (HG Almeida).

Glaucoma secundário A elevação da pressão intraocular, logo após a hemorragia, é produzida pelo acúmulo de hemácias frescas, restos celulares, fibrina e plasma, no interior dos espaços da malha trabecular. No hifema total, a hipertensão ocular é causada pelos coágulos, por obstrução mecânica do trabeculado ou por bloqueio pupilar (Fig. 4). O aumento da pressão intraocular no hifema total é acompanhado, geralmente, de sintomas que caracterizam um glaucoma agudo, isto é, dor forte, náuseas, vômitos, hiperemia ocular e edema de córnea. A hipertensão parece estar relacionada com o volume do hifema. Um tipo também raro de glaucoma eritrogênico é o glaucoma causado por hemácias anômalas que adquirem um aspecto falciforme (drepanocítico) no humor aquoso. As hemácias tornam-se alongadas e rígidas e, portanto, incapazes de atravessarem a rede trabecular. Esse tipo

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Fig. 4  O glaucoma é mais frequente nos casos de hifema total.

de glaucoma ocorre, em geral, em pacientes negros portadores de hemoglobinopatias, que apresentam hifema pequeno ou moderado, espontâneo ou traumático. A pressão intraocular pode encontrar-se muito elevada, apesar da quantidade relativamente pequena de sangue intracamerular. Além disso, elevações da pressão intraocular, ainda que moderadas, podem provocar efeitos mais deletérios sobre a cabeça do nervo óptico dos pacientes com anemia hemolítica, possivelmente devido à redução da perfusão vascular. O glaucoma ocorre em cerca de 15% dos casos nos quais o hifema preenche menos de 50% da câmara anterior, em 30% nos que ocupam mais de 50% da câmara anterior e em 50% nos hifemas totais. É importante distinguir, nos hifemas totais, aqueles cujo sangue ainda está vermelho-brilhante, dos que já apresentam coloração vermelho-escura ou negra (black ball hyphema). Em uma série de 113 casos, o glaucoma ocorreu em apenas 33% dos que tiveram hemorragia recorrente, porém aconteceu em todos os hifemas do tipo black ball.

Impregnação hemática da córnea Um hifema total de longa duração pode acompanhar-se de impregnação hemática da córnea. Nem sempre está associada a pressão intraocular elevada (Fig. 5). É uma complicação rara: ocorreu em apenas 2% de 289 indivíduos com hifema total recorrente. O aspecto biomicroscópico da impregnação hemática é o de uma opacidade corneana, de cor ferruginosa, central ou difusa, circundada por estreito anel justalimbar indene. A infiltração hemática é mais frequente quando há edema de córnea. Histologicamente, há infiltração do estroma posterior da córnea por restos de células sanguíneas que se romperam. A reabsorção total da impregnação pode levar de 2 a 3 anos e começa a partir da periferia.

Fig. 5  A impregnação hemática da córnea tende a ser mais frequente nos casos com hifema total de longa duração, geralmente associado à pressão intraocular elevada.

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Tratamento do hifema O tratamento do hifema é, basicamente, conservador e visa acelerar a reabsorção da hemorragia e evitar novo sangramento. Não há consenso no tratamento do hifema, mas repouso, esteroides tópicos e midriáticos parecem ser benéficos. Vários fármacos têm sido utilizados para promover a reabsorção do hifema, tais como a acetazolamida, os agentes hiperosmóticos, a aspirina e a atropina. Entretanto, nenhuma delas mostrou eficácia comprovada. Inúmeros fármacos têm sido também ensaiados com o propósito de evitar o ressangramento. Incluem-se nesse grupo os estrógenos e os corticosteroides. Porém os resultados são conflitantes. Os agentes antifibrinolíticos, como o ácido tranexâmico e o ácido ε-aminocaproico, têm sido utilizados, aparentemente com algum sucesso. O ácido ε-aminocaproico inibe a lise do coágulo por interferência na conversão de plasminogênio em plasmina na sua superfície. Isso impede a dissolução prematura da rolha hemostática.

Tratamento da hipertensão ocular Clínico Apesar do risco de ressangramento, o tratamento clínico deve ser realizado quando os níveis da hipertensão ocular ou a sua duração representam risco para a integridade da cabeça do nervo óptico. Consiste na utilização de fármacos que diminuem a produção de humor aquoso ou de agentes hiperosmóticos. O ativador de plasminogênio tecidual (TPA) é uma proteína que catalisa a conversão da proenzima inativa, o plasminogênio, para uma serina ativa, a plasmina. A plasmina, por sua vez, é uma enzima proteolítica que digere a fibrina, transformando-a em polipeptídeos solúveis. A principal indicação são pacientes pseudofácicos após o quinto ou sétimo dia de hifema, na presença de grande coágulo obstruindo o seio camerular e causando hipertensão ocular.

Cirúrgico O tratamento cirúrgico da hipertensão ocular está indicado quando a impregnação hemática da córnea é iminente e a ameaça para a função normal do nervo óptico é grande. Sabe-se que nervos ópticos normais resistem mais à agressão pressórica do que nervos previamente lesados por glaucoma. O procedimento cirúrgico de eleição é a evacuação total do coágulo que geralmente preenche a câmara anterior. A remoção do coágulo é preconizada no quarto dia quando ele já se retraiu das estruturas adjacentes. A paracentese e drenagem do hifema está indicada nos seguintes casos: Hifema que não reabsorveu após 10 dias. Hifema total que não reabsorveu mais da metade após 6 dias e com pressão intraocular superior a 25 mmHg. Hifema total de duração superior a 5 dias e pressão intraocular superior a 50 mmHg. Hifema pequeno ou moderado com pressão intraocular elevada em pacientes portadores de hemoglobinopatias (glaucoma causado por hemácias drepanoides).

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176  |  Glaucoma O procedimento cirúrgico mais empregado é a irrigação da câmara anterior com solução salina balanceada ou agentes antifibrinolíticos. A utilização de agulha de dupla via pode facilitar a remoção do coágulo. A utilização de substâncias viscoelásticas pode facilitar enormemente a remoção dos coágulos. Pelo fato de permitir uma clara observação das estruturas intraoculares, ele também protege a córnea, a íris e o cristalino.

Hifema secundário a traumatismo perfurante Quando o hifema é secundário a cirurgia ocular, faz-se o possível para obtenção de sucesso com tratamento clínico a fim de evitar uma reintervenção para a remoção cirúrgica do coágulo. Nos traumatismos acidentais, a possibilidade de evacuação do hifema pode ser considerada de modo mais liberal.

Hifemas espontâneos As causas de hifema espontâneo, citadas na literatura, são os tumores (Fig. 6), (xantogranuloma juvenil, na infância e melanoma maligno no adulto), a neovascularização da íris (Fig. 7), a ciclite de Fuchs e os tufos vasculares da íris, que nada mais são que micro-hemangiomas biomicroscopicamente observados ao longo da margem pupilar.

Fig. 6  Não é incomum a ocorrência de hifema nos tumores da úvea anterior (HG Almeida).

Fig. 7  Hifema secundário a neovascularização iriana diabética (glaucoma neovascular) (HG Almeida).

GLAUCOMA HEMOLÍTICO O glaucoma hemolítico ocorre por fagocitose de hemácias realizada por macrófagos que, por sua vez, acumulam-se na malha trabecular e obstruem-na temporariamente. O termo hemolítico foi sugerido pela semelhança que alguns pesquisadores notaram com os achados histológicos encontrados no glaucoma facolítico.

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À biomicroscopia, observam-se inúmeras células sanguíneas avermelhadas flutuando no humor aquoso e o exame gonioscópico revela seio camerular aberto, com pigmento marrom-avermelhado, colorindo a malha trabecular. O exame citológico do humor aquoso mostra macrófagos contendo pigmento marrom-dourado. Em estudo ultraestrutural foram encontradas, nos espaços intertrabeculares, hemácias e macrófagos contendo sangue e pigmento fagocitado. As células endoteliais da malha trabecular estavam degeneradas e continham sangue fagocitado. O glaucoma é autolimitado e deve ser tratado clinicamente, se possível. Quando a cirurgia se faz necessária, recomenda-se a lavagem da câmara anterior.

GLAUCOMA DE CÉLULAS FANTASMAS (GLAUCOMA ERITROCLÁSTICO) Campbell et al., em 1976, observaram que o sangue hemolisado na câmara vítrea, contendo células sanguíneas degeneradas, rígidas (células fantasmas, eritroclastos ou ghost cells), alcança a câmara anterior e pode obstruir o fluxo de aquoso. Eles postulam que as células sanguíneas vermelhas normais são flexíveis e capazes de passar através de aberturas menores que o seu próprio diâmetro (diapedese), enquanto as hemácias degeneradas, perdem sua configuração bicôncava e sua flexibilidade, adotam forma mais esférica e ficam mais rígidas, de modo a não permitir sua passagem livre. O glaucoma de células fantasmas ocorre não somente após hemorragia no vítreo, causada por doença retiniana, mas também como complicação de traumatismos acidentais ou cirúrgicos. As células fantasmas desenvolvem-se semanas após a hemorragia no vítreo e ali podem permanecer, por muitos meses, até que uma rotura da membrana hialoide anterior, que constitui barreira para a migração das células degeneradas, permita sua passagem para a câmara anterior para, ali, acumularem-se na malha trabecular, onde podem produzir hipertensão ocular, às vezes acentuada. Em um paciente afácico, o glaucoma de células fantasmas pode surgir por um dos seguintes mecanismos: 1. Pela ocorrência de grande hifema, acompanhado de hemorragia no vítreo, no período pós-operatório imediato de uma facectomia; assim que o hifema desaparece, as células fantasmas migram para frente e desencadeiam a hipertensão. 2. Pela existência de hemorragia prévia no vítreo; se a membrana hialoide se rompe no ato operatório, o quadro se instala. 3. Devido a doença retiniana que produza hemorragia no vítreo, em um olho já submetido a cirurgia de catarata. Esse tipo de glaucoma tem sido encontrado nos casos de implantação de lentes intraoculares, principalmente aquelas de fixação na íris e de câmara anterior. A vitrectomia, nos olhos com hemorragia no vítreo, também pode gerar o quadro de glaucoma entroclástico, se a membrana hialoide for lesionada e o material celular não for completamente removido ou, então, após a ocorrência de novo sangramento, depois da vitrectomia.

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Quadro clínico Dependendo do número de células fantasmas, a pressão intraocular pode apresentar-se nos níveis normais ou alcançar valores elevados, acompanhada de edema de córnea e dor. A biomicroscopia revela as células cáqui no humor aquoso e depositadas sobre o endotélio da córnea. Quando em grandes quantidades, podem formar um pseudo-hipópio. A existência de hemácias mais frescas permite a formação de duas camadas diferentes, isto é, a mais leve com as células cáqui sobre a mais pesada, com células mais vermelhas (candy-stripe sign) (Fig. 8). Na gonioscopia, o seio camerular aparece aberto e amplo, recoberto por pequeno ou grande depósito de células fantasmas.

Fig. 8  Hemorragia intraocular simulando hipópio (LS Pereira).

Diagnóstico diferencial O glaucoma de células fantasmas pode ser confundido com os glaucomas hemolítico e hemossiderótico, uveíte e endoftalmite. O glaucoma neovascular também deve ser afastado, pelo quadro clínico e exame biomicroscópico. O diagnóstico de certeza do glaucoma de células fantasmas é realizado pela aspiração de humor aquoso e observação das células cáqui típicas, através de microscopia de contraste de fase ou microscopia óptica, coradas com hematoxilina-eosina.

Tratamento O glaucoma de células fantasmas não é condição permanente, mas pode durar meses até a eliminação completa das células fantasmas da câmara anterior e da câmara vítrea. Nesse ínterim, é possível controlar a hipertensão ocular com os fármacos antiglaucomatosos rotineiramente utilizados. Alguns casos, entretanto, requerem tratamento cirúrgico, ou seja, irrigação da câmara anterior ou vitrectomia para remoção das células degeneradas.

GLAUCOMA HEMOSSIDERÓTICO É uma condição muito rara, na qual a hemoglobina das hemácias hemolisadas na câmara anterior é fagocitada pelas células endoteliais da malha trabecular. O ferro da hemoglobina é responsável pelo processo de siderose que é a possível causa da alteração tecidual na malha trabecular, que resulta, finalmente, na obstrução das vias de drenagem do humor aquoso.

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SEBASTIÃO CRONEMBERGER • NASSIM CALIXTO

C A P Í T U L O  |  14

Traumatismo e Glaucoma

TRAUMATISMO E HIPERTENSÃO OCULAR As principais formas de traumatismo ocular são traumas mecânico, físico e químico. O trauma mecânico, por sua vez pode ser não penetrante (contusão e concussão), penetrante (com e sem retenção de corpo estranho) e perfurante. No trauma penetrante, existe apenas o orifício de entrada enquanto no trauma perfurante, existem os orifícios de entrada e de saída. As complicações oculares causadas por esses traumatismos são as mais variadas, podendo ocorrer, nos dois primeiros, elevação secundária da pressão intraocular. No trauma perfurante, ocorre hipotonia ocular.

TRAUMATISMO CONTUSO A contusão ocular caracteriza-se por um impacto brusco de qualquer força que atinge determinada região do globo ocular de maneira insuficiente para penetrá-lo. No entanto, essa força poderá causar comprometimento das estruturas internas do olho. Runyan fez um excelente esquema das possíveis lesões oculares que podem ser causadas por uma contusão (Fig. 1). Devido à localização peculiar do globo ocular dentro da órbita, há um padrão básico de trauma. A força que atinge o olho em uma direção anteroposterior vai provocar, inicialmente, diminuição do diâmetro anteroposterior do globo ocular e aumento do diâmetro equatorial. O recuo das estruturas oculares anteriores pode ser pouco ou muito intenso e, dependendo da sua intensidade, ele pode causar rupturas no nível das inserções da íris, do corpo ciliar e do corpo vítreo. Em um segundo tempo, essa força contusiva anteroposterior, tendo encontrado a resistência do conteúdo orbitário, retorna em direção ao vítreo e ao diafragma iridocristaliniano. Compreende-se, então, a possibilidade de lesões oculares em todos os níveis, isoladas ou associadas (Fig. 2): retrocesso de íris e corpo ciliar; iridodiálise e hifema; ciclodiálise; ruptu181

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Figs. 1 (A e B)  Contusão ocular. A. A força que atinge o segmento anterior provoca inicialmente uma diminuição do diâmetro anteroposterior e um aumento do diâmetro equatorial. Posteriormente, esta mesma força, ao encontrar a resistência do conteúdo orbitário , retorna em direção ao vítreo e ao diafragma iridocristaliniano. B. Lesões oculares possíveis: DR = diálise retiniana; RS = retrocesso do seio camerular; Z= ruptura dos ligamentos zonulares; LC = luxação ou subluxação do cristalino; ID = iridodiálise; CD = ciclodiálise; C = ruptura da cápsula do cristalino; E = edema macular.

Figs. 2 (A-C)  A. Paciente com cicatrizes de ferimentos cortocontusos da face. B. No OE observa-se cicatriz corneana e aniridia traumática. C. Em detalhe, ao exame biomicroscópico, é possível visualizar diretamente os processos ciliares estirados por filamentos zonulares espessados.

ra do esfíncter pupilar (pupila em trevo) com midríase pós-traumática e deiscências da borda pupilar, subluxação ou luxação anterior ou posterior do cristalino, respectivamente, por rotura parcial ou completa dos ligamentos zonulares; rotura da cápsula anterior ou posterior do cristalino; descolamento posterior do vítreo; lesão retiniana periférica por rotura (diálise retiniana); síndrome contusiva ao polo posterior, com edema da retina (Berlin) e rotura de coroide.

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A contusão pode ser suficientemente intensa para causar a rotura do globo ocular, o que ocorre mais frequentemente no limbo ou próximo a ele, com expulsão do cristalino, da íris e do vítreo e, mais raramente, no nível da esclera posterior. Neste caso, há hipotonia ocular.

Quadro clínico Eventualmente, o globo ocular pode não apresentar alterações clinicamente visíveis após o traumatismo. A visão pode estar diminuída, a conjuntiva hiperêmica, quemótica e, às vezes, lacerada e hemorrágica. Pode haver fotofobia e dor ocular à palpação. É frequente encontrar-se hematoma e equimose palpebrais. A córnea pode apresentar ulceração traumática e diminuição da sua transparência por edema epitelial ou estromal, por roturas ou dobras da membrana de Descemet. A câmara anterior pode apresentar desde leve tyndall hemático até um hifema completo, que impede o exame das outras estruturas oculares. Em geral, a pupila encontra-se em midríase em relação ao olho normal (Fig. 3). A midríase sucede rapidamente a miose que ocorre imediatamente após o traumatismo. As reações pupilares à acomodação e à luz estão diminuídas ou abolidas. A pupila pode apresentar-se irregular: pupila em trevo por rupturas do esfíncter, ovalada por uma subluxação do cristalino ou por uma iridodiálise (Fig. 4). A íris pode estar rota o nível do esfíncter e, às vezes, mais profundamente, apresentando iridosquise. Frequentemente, há uma descamação do pigmento iriano para o humor aquoso (tyndall pigmentado). Pode ocorrer também desinserção da raiz da íris (iridodiálise), e iridodonese (tremulação da íris aos movimentos dos olhos e da cabeça). A rotura dos vasos irianos, sobretudo dos vasos da raiz da íris, pode ser a causa de um hifema. O cristalino é frequentemente atingido após um traumatismo ocular pelo fato de a região retrolímbica correspondente ao

A

B

Figs. 3 (A e B)  A. Midríase, pequenas roturas e irregularidades da pupila são frequentes no trauma ocular contuso. B. Olho Adelfo (H G Almeida).

Fig. 4  Extensa iridodiálise traumática com leve deformação pupilar secundária, vendo-se através dela o equador lenticular.

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184 | Glaucoma corpo ciliar ser a mais vulnerável. Se a zônula resiste, a cápsula anterior se rompe e permite ao humor aquoso embeber as fibras cristalinianas no interior do saco capsular. Se a zônula se rompe sectorial ou circunferencialmente, o cristalino libera-se e desloca-se parcial (subluxação) ou totalmente (luxação). O seio camerular é quase sempre comprometido nas contusões do segmento anterior do globo ocular, sendo o retrocesso da íris e corpo ciliar muito frequente, sobretudo quando um hifema está presente. Uma causa relativamente frequente de hipertensão ocular após um traumatismo é a hemorragia intraocular. A elevação da pressão intraocular pode ser causada por uma hemorragia recente oriunda de traumatismo contuso, traumatismo perfurante ou cirurgia intraocular ou por uma hemorragia de longa duração, espontânea ou não. Após um traumatismo contuso, a hemorragia intraocular resulta, frequentemente, de uma rotura no corpo ciliar que leva ao sangramento de pequenos ramos do grande círculo arterial da íris. O achado clínico inicial pode ser um hifema microscópico (células sanguíneas circulando ao humor aquoso). Comumente, ocorre hifema pequeno, porém pode ocorrer até mesmo hifema total. Quando o hifema é moderado, deixando uma porção da íris ou da pupila ainda visível, o sangue tende a permanecer vermelho, o que sugere circulação contínua do humor aquoso e oxigenação (Fig. 5). Se o sangue coagula na câmara anterior, ele aparece de cor amarelada ou vinhosa em vez de vermelho. Na maioria dos casos, o sangue se reabsorve dentro de poucos dias, aparentemente através da rede trabecular e o prognóstico é bom. Em alguns pacientes, é importante repetir o exame gonioscópico, pois a reabsorção progressiva e o desaparecimento do hifema podem proporcionar o reconhecimento de lesões antes não diagnosticadas. A origem da hipertensão ocular depende da natureza e da intensidade do traumatismo. Após uma contusão ocular, mesmo sem hemorragia, há frequentemente uma fase inicial de elevação da pressão intraocular. Na maioria dos casos, há uma uveíte anterior transitória que está associada mais frequentemente à diminuição da pressão intraocular, embora um glaucoma secundário possa ocorrer. Deve-se estar alerta para a possibilidade de uma segunda elevação tardia da pressão intraocular, após o desaparecimento da elevação inicial, transitória, que pode durar uma ou mais semanas. O mecanismo dessa elevação transitória da pressão intraocular é desconhecido.

Fig. 5  Hifema recente secundário a trauma contuso. A quantidade moderada de sangue na câmara anterior mantém-se oxigenada pela circulação do humor aquoso (H G Almeida).

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TRAUMATISMO PENETRANTE Os traumatismos penetrantes podem causar elevação da pressão intraocular por rotura dos tecidos oculares, hemorragia intraocular ou por retenção de corpo estranho. Qualquer que seja a intensidade do traumatismo ocular, os sinais de probabilidade de perfuração do globo são a hipotonia ocular e a diminuição acentuada da profundidade da câmara anterior. Já, os sinais de certeza de perfuração do globo ocular incluem a laceração da córnea ou da esclera, o prolapso de tecido uveal ou de vítreo na ferida escleral. A frequência da hipertensão ocular secundária ao traumatismo penetrante é muito variável, tendo em vista que é difícil diagnosticar uma hipertensão ocular precoce quando ainda existe uma fístula, uma ferida mal cicatrizada ou uma inibição relativa da secreção ciliar. Nesses casos, a pressão intraocular pode permanecer normal ou baixa, enquanto a resistência ao escoamento do humor aquoso já se encontra aumentada e as alterações anatômicas, que estão se constituindo, vão favorecer o glaucoma secundário. É mais comum ocorrer uma hipertensão ocular tardia após o traumatismo penetrante. Porém, um número importante de traumatismos oculares penetrantes é acompanhado de hipotonia ocular. Nos traumatismos penetrantes, os mecanismos de elevação da pressão intraocular são, às vezes, múltiplos e, portanto, difíceis de estabelecer. Poderá ocorrer uma elevação precoce da pressão intraocular, em geral, decorrente de uma intumescência do cristalino, massas cristalinianas na câmara anterior, bloqueio pupilar, aposição da íris à parede externa do seio camerular, pinçamento da íris em leucoma aderente, pinçamento do corpo ciliar em ferida corneoescleral, hemorragias, vítreo na câmara anterior, endoftalmite, etc. A associação de lesões é a regra. A pressão intraocular pode elevar-se tardiamente, muito tempo depois do traumatismo penetrante, em consequência de goniossinequias, invasão epitelial da câmara anterior, cistos de íris, subluxação cristaliniana, oftalmia simpática, corpo estranho intraocular, etc. A retenção intraocular de alguns materiais estranhos pode causar alterações teciduais tardias e elevação da pressão intraocular. O glaucoma secundário nem sempre é evitado pela extração do corpo estranho intraocular. O ferro e o cobre são os metais que mais frequentemente causam alterações dos tecidos oculares quando ficam retidos no interior do globo ocular. A siderose ocular (Fig. 6) causa baixa da visão, diminuição da adaptação à obscuridade ou mesmo cegueira noturna, contração concêntrica do campo visual, midríase paralítica e degeneração progressiva da retina com alterações características do traçado eletrorretinográfico. A elevação da pressão intraocular, em geral, ocorre tardiamente e o glaucoma se apresenta com as características do glaucoma crônico simples. A gonioscopia mostra um seio camerular aberto, com faixa trabecular pigmentada pelos depósitos de ferro (siderose do seio).

Fig. 6  Siderose ocular: intensa impregnação do corpo ciliar (C), íris (I) e tecido escleral na região dos canais coletores (CO) (D Miranda).

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186 | Glaucoma A calcose desenvolve-se mais lentamente que a siderose e raramente causa elevação da pressão intraocular, porém as alterações retinianas causadas pelo cobre podem produzir defeitos de campo visual que podem ser confundidos com aqueles do glaucoma crônico simples. O prognóstico dos olhos portadores de corpo estranho intraocular e glaucoma secundário é muito reservado.

QUEIMADURA QUÍMICA A gravidade de qualquer queimadura química é dependente da concentração da substância química, da duração da queimadura, do tempo de exposição e do pH da solução. Os sinais e sintomas das queimaduras químicas são a dor ocular intensa, o lacrimejamento, o blefaroespasmo, a hiperemia conjuntival e a reação inflamatória fibrinoide na câmara anterior. Não havendo a remoção ou a diluição do agente químico responsável pela queimadura ocular, vai ocorrendo a penetração constante e ininterrupta do agente no interior dos tecidos oculares, principalmente no caso de um álcali forte. A elevação da pressão intraocular ocorre por dois mecanismos: inicialmente, ocorre uma elevação rápida de duração aproximada de 10 minutos, causada pela retração do tecido colágeno da córnea e da esclera pelo agente químico; essa elevação inicial é seguida por um retorno da pressão intraocular ao valor normal ou a um valor inferior ao normal; em seguida, uma segunda elevação da pressão intraocular mais lenta, menos acentuada, porém mais duradoura, é causada pela liberação de prostaglandinas no interior do globo ocular. Posteriormente, essa reação pode produzir, externamente, simbléfaro e, internamente, fechamento do seio camerular, com consequente elevação da pressão intraocular. A malha trabecular e o corpo ciliar podem ser lesionados diretamente pela penetração do agente químico pela esclera. Quando a queimadura química compromete a íris, o corpo ciliar e o cristalino podem ocorrer midríase, hipotonia ocular e catarata, respectivamente (Fig. 7).

Figs. 7 (A e B)  Queimadura por álcalis. Paciente sofreu acidente 4 meses antes e apresenta intensa elevação da pressão intraocular que se alterna com períodos de hipotonia ocular (H G Almeida). A. Há catarata, intensa dispersão pigmentar na câmara anterior, sinequias anteriores periféricas e midríase paralítica. B. Observe o aspecto anêmico do limbo corneoescleral.

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QUEIMADURAS POR AGENTES FÍSICOS As queimaduras térmicas raramente provocam alterações oculares. Os gases lacrimogênios raramente causam elevação da pressão intraocular. O glaucoma secundário é absolutamente excepcional após as queimaduras elétricas e as fulgurações. Existem raros relatos de glaucoma secundário ao tratamento por raios X ou à radioterapia.

EXAMES COMPLEMENTARES Tendo em vista a alta incidência de retrocesso traumático da íris e do corpo ciliar, com ou sem hipertensão ocular, nos portadores de hifema traumático, é indispensável a realização da gonioscopia em ambos os olhos para comparação dos achados. A biomicroscopia ultrassônica (UBM) é extremamente importante para estudar as estruturas do segmento anterior na vigência de um hifema total ou quase total (Fig. 8), além de investigar a presença de corpo estranho intraocular no segmento anterior. A ecografia está indicada nos casos de hifema total, com o objetivo de avaliar as condições das estruturas do segmento posterior, assim como descartar a presença de um corpo estranho intraocular nos casos em que o hifema é secundário a um traumatismo perfurante. Nos casos de traumatismo penetrante, em que há suspeita de corpo estranho intraocular, impõe-se o estudo radiológico das órbitas, que permite o diagnóstico e a localização correta do corpo estranho. A tomografia computadorizada e a ressonância magnética contribuem principalmente nos casos em que o corpo estranho não é radiopaco. A oftalmoscopia e o exame dos campos visuais devem ser feitos rotineiramente, sempre que exequíveis, em qualquer tipo de glaucoma secundário. O eletrorretinograma está indicado nos casos de siderose e calcose ocular.

Fig. 8  Imagem de UBM mostrando o retrocesso da íris e do corpo ciliar após traumatismo.

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TRATAMENTO Tratamento clínico No período imediato após traumatismo contuso ou penetrante, a pressão intraocular pode estar elevada em consequência de inflamação, hifema ou fechamento do seio camerular por um cristalino intumescente ou roto. É frequente ocorrer uma uveíte hipertensiva secundária ao traumatismo, cujo tratamento é feito com inibidor da anidrase carbônica por via oral, colírio de atropina a 1% e corticosteroide tópico. No caso de hifema traumático, o tratamento tem por objetivo facilitar a reabsorção do sangue e prevenir a hemorragia recorrente. Para pequenos hifemas, alguns autores recomendam repouso no leito por cinco dias, com elevação da cabeça. Os mióticos, os inibidores tópicos ou orais da anidrase carbônica e os análogos das prostaglandinas devem ser usados com cautela. A acetazolamida e os agentes hiperosmóticos nem sempre são eficazes na redução da pressão intraocular nos pacientes portadores de hemoglobinopatias. Esses fármacos, em altas doses ou doses repetidas, devem ser evitados nesses pacientes, porque podem causar uma hemoconcentração e exacerbar a hemoglobinopatia, dificultando ainda mais o fluxo do humor aquoso. O tratamento do glaucoma eritrogênico pode ser clínico ou cirúrgico dependendo da gravidade da situação. Nos casos em que a pressão intraocular não é muito elevada, é possível controlá-la com adrenérgicos, β-bloqueadores e inibidores tópicos da anidrase carbônica. Nos casos de ruptura cristaliniana, os midriáticos e cicloplégicos (ciclopentolato, atropina, etc.), além de manterem a pupila dilatada, aumentam a profundidade da câmara anterior e dificultam o bloqueio pupilar, favorecendo a passagem de massas cristalinianas para o humor aquoso, onde são passíveis de reabsorção principalmente nos jovens, e prevenindo a formação de sinequias posteriores iridocapsulares. Se o tratamento clínico se mostrar ineficaz, está indicada a remoção cirúrgica das massas cristalinianas. Nos casos de glaucoma secundário a traumatismo penetrante com retenção de corpo estranho intraocular, deve-se averiguar minuciosamente a natureza e a localização do corpo estranho (Fig.9). Alguns corpos estranhos de material não metálico (vidro, plástico.) podem, dependendo da sua localização no interior do olho, não causar elevação da pressão intraocular

Fig. 9  Corpo estranho intraocular (vidro) encravado no seio camerular. O exame gonioscópico é de fundamental importância se se suspeita de corpo estranho intraocular.

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e serem, excepcionalmente, deixados dentro do olho. Os corpos estranhos metálicos causam, em geral tardiamente, uma elevação da pressão intraocular pelas alterações teciduais que provocam, devendo sempre ser removidos. Todas as queimaduras químicas oculares são beneficiadas pela lavagem copiosa do olho com qualquer solução estéril disponível ou até mesmo água filtrada, no momento da sua ocorrência. Remover as partículas do agente químico do fundo do saco conjuntival com cotonetes. Nas queimaduras graves, estão indicados os analgésicos e sedativos. O uso de corticosteroides tópicos é controvertido. Devem ser usados nos primeiros sete dias após a queimadura, com a finalidade de reduzir a reação inflamatória.

Tratamento cirúrgico O tratamento cirúrgico do hifema consiste em uma paracentese através de uma incisão biselada no limbo inferior, com irrigação da câmara anterior com solução salina balanceada. Nos pacientes que apresentam apenas uma reação fribrinoide exuberante na câmara anterior sem hifema, está indicado o uso de TPA intracamerular. O tratamento cirúrgico minucioso e imediato da ferida penetrante ajuda a prevenir a hipertensão ocular. É importante que se proceda a uma sutura hermética dos lábios da ferida corneana ou escleral; liberação completa de todas as sinequias anteriores para evitar o risco de goniossinequias; realizar iridectomia periférica quando a cápsula anterior estiver rota, para evitar bloqueio pupilar, e reformar a câmara anterior com ar ou solução salina. Nas queimaduras químicas graves, diagnosticadas com menos de 2 horas, está indicada a paracentese e a lavagem profusa da câmara anterior com solução salina balanceada, seguida pela aplicação tópica de atropina a 1% e antibióticos.

GLAUCOMA PÓS-TRAUMATISMO Foram Wolff & Zimmerman que correlacionaram o glaucoma traumático por contusão com a alteração anatômica do seio camerular, manifestada histologicamente por retrocesso ou deslocamento posterior do corpo ciliar e íris, provocado por clivagem traumática entre as porções longitudinal e radial e a porção circular do músculo ciliar. O retrocesso da íris e do corpo ciliar, associado à elevação da pressão intraocular, caracterizam a síndrome de Wolff-Zimmerman.

QUADRO CLÍNICO Os agentes traumáticos causadores de contusão ocular são os mais variados: pedra, bolas, armas de ar comprimido, acidentes domésticos, de trabalho e automobilísticos, etc. O glaucoma pós-traumático por retrocesso iriano e clivagem do corpo ciliar é mais frequente em pessoas jovens ou de meia-idade. Parece haver maior incidência no sexo masculino, não havendo predileção por raça. Imediatamente após a contusão, a dor ocular é intensa e mais ou menos constante. Às vezes, ocorre síncope, acompanhada de náuseas e vômitos, por desencadeamento do reflexo oculocardíaco. Pode haver fotofobia, equimose palpebral e conjuntival.

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190 | Glaucoma O primeiro sinal de glaucoma pós-traumático é a elevação da pressão intraocular, que pode instalar-se precoce ou tardiamente. Os outros sinais e sintomas são variados, podendo ser encontrados diminuição da acuidade visual, edema de córnea, que pode ser discreto ou difuso, nubécula ou leucoma, câmara anterior mais profunda que a do olho contralateral, pupila irregular e anisocoria. No exame gonioscópico, encontram-se sempre retrocesso da íris e clivagem da faixa ciliar (Fig. 10), de extensão variável, às vezes com exposição de esclera (Fig. 11). Podem ser encontrados também depósitos de pigmentos na parede externa do seio camerular e goniossinéquias. Lesões de outras estruturas oculares podem estar associadas, como a iridodiálise (rotura da raiz da íris) e a ciclodiálise (separação do corpo ciliar do esporão escleral). Podem ser encontradas também iridosquise, iridodonese e atrofia iriana sectoral. No cristalino, opacidades capsulares anteriores e posteriores, opacificação completa e subluxação ou luxação eventualmente estão presentes. As alterações oftalmoscópicas são variadas: o disco óptico pode apresentar-se normal nos casos de diagnóstico precoce ou com escavação aumentada e assimétrica nos casos avançados de glaucoma. Dependendo do estádio do glaucoma pós-traumático, tornam-se evidentes alterações do campo visual. A evolução do glaucoma pós-traumático por retrocesso da íris e corpo ciliar está intrinsecamente ligada ao diagnóstico e tratamento precoces. O prognóstico desse tipo de glaucoma depende muito da gravidade das lesões associadas. O prognóstico pode ser bom no glaucoma de aparecimento precoce não associado a lesões do

Figs. 10 (A-C)  Retrocesso traumático do seio camerular (H G Almeida): A. Seio camerular horas após trauma contuso: percebe-se o recuo da íris com sangue depositado sobre a malha trabecular e faixa ciliar . B. Cerca de 30 dias após o traumatismo: com o hifema totalmente reabsorvido, fica evidente a faixa ciliar anormalmente larga. C. O exame do olho adelfo é importante: seio camerular normal com Schlemm levemente pigmentado e implantação alta da íris sem exposição da faixa ciliar.

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Figs. 11 (A e B)  Retrocesso do seio camerular anos após o traumatismo: A. Inferiormente, a parede externa se mostra densamente pigmentada. B. Superiormente, a densa pigmentação destaca o Schlemm. Observa-se a íris desinserida e recuada e a esclera exposta apresenta fina pigmentação na sua superfície.

nervo óptico e coriorretina e é similar ao do glaucoma primário de ângulo aberto nos casos de aparecimento tardio.

Fisiopatologia As alterações encontradas no seio camerular, em olhos enucleados poucas semanas após a contusão, podem incluir ruptura da rede trabecular, iridodiálise, ciclodiálise e lacerações na face camerular do corpo ciliar, com lesões variáveis do músculo ciliar, raiz da íris, grande círculo arterial da íris. Mais tardiamente podem ser encontrados revestimento das lacerações do corpo ciliar, alterações degenerativas da rede trabecular, com alteração dos espaços intertrabeculares. Em alguns olhos, uma membrana hialina neoformada reveste a superfície interna da rede trabecular e eventualmente podem também ser observadas goniossinequias, luxação e subluxação do cristalino. O glaucoma de aparecimento muito tardio parece ser decorrente de alterações secundárias comprometendo a rede trabecular. Essas alterações secundárias, cuja etiologia é desconhecida, seriam a impermeabilização e a cicatrização da malha trabecular e o crescimento de membrana endotelial hialina da córnea para o seio camerular, revestindo a malha trabecular. Alguns autores relatam que a maioria dos olhos que desenvolvem o glaucoma de aparecimento tardio parece ter uma predisposição ao glaucoma crônico simples, necessitando minuciosa propedêutica do olho contralateral. Na maioria dos pacientes, existe uma correlação entre a extensão do retrocesso do seio camerular e a elevação da pressão intraocular, porém, extensos retrocessos podem ser encontrados sem elevação da pressão intraocular e pequenos retrocessos da íris e do corpo ciliar com glaucoma.

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Diagnóstico O diagnóstico é feito pela história de traumatismo ocular e pela gonioscopia. Através da história de contusão ocular e da evolução, podem-se distinguir clinicamente os tipos precoce e tardio do glaucoma. Na maioria dos casos de glaucoma pós-traumático por retrocesso da íris e do corpo ciliar existe uma assimetria de profundidade da câmara anterior entre o olho que sofreu a contusão e o olho contralateral. Essa assimetria pode, às vezes, ser diagnosticada pelo exame biomicroscópico, porém o diagnóstico de certeza é feito pela biometria ultrassônica dos dois olhos. Pela gonioscopia, observa-se que a íris encontra-se deslocada posteriormente em uma pequena, média ou grande extensão, ou até mesmo em 360°. Em alguns casos, a malha trabecular e a íris encontram-se também rotas. A íris pode apresentar pequenas deiscências radiais da borda pupilar. O exame gonioscópico deve ser realizado sempre em ambos os olhos, sucessivamente, para compará-los (Fig. 10). Em alguns pacientes em que o traumatismo contuso foi leve ou moderado, a única diferença gonioscópica entre os dois olhos pode ser a presença de um esporão escleral anormalmente branco no olho que sofreu o traumatismo. Nos pacientes em que a ruptura se estende à espessura completa do corpo ciliar, observa-se a exposição da parede escleral branca posterior ao esporão escleral, como em uma fenda cirúrgica de ciclodiálise (Fig. 12). Comumente, o esporão escleral encontra-se mais saliente. Em pequeno número de pacientes, são encontradas sinequias anteriores periféricas, provavelmente formadas em consequência de hemorragia e aposição de superfícies rotas.

Fig. 12  Glaucoma secundário a retrocesso traumático da íris. A foto mostra uma diálise iriana que deixa ver restos de sua raiz no corpo ciliar e processos ciliares contraídos, nesga de esclera exposta, canal de Schlemm intensamente pigmentado e pigmentos na periferia da córnea.

Diagnóstico diferencial O glaucoma pós-traumático por retrocesso da íris e corpo ciliar deve ser diferenciado dos outros tipos de glaucoma que podem surgir após um traumatismo ocular: glaucoma secundário a corpo estranho intraocular, glaucoma secundário a intumescência do cristalino, glaucoma facotópico e glaucoma secundário a um hifema. Deve também ser diferenciado do glaucoma facolítico, do glaucoma pigmentário e do glaucoma primário de ângulo aberto. O glaucoma secundário a corpo estranho intraocular, em geral, manifesta-se tórpida e tardiamente, além de apresentar as alterações teciduais causadas pela retenção do corpo estranho.

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No glaucoma secundário à intumescência crıstaliniana traumática, a câmara anterior é rasa e o seio camerular encontra-se estreito ou fechado. No glaucoma facotópico, encontra-se a subluxação ou a luxação anterior ou posterior do cristalino, sem que haja o retrocesso da íris e corpo ciliar. No glaucoma facolítico, observam-se depósitos de material crıstaliniano no seio camerular, a câmara anterior é profunda, há um tindal leitoso no humor aquoso e o cristalino apresenta catarata morgagniana e/ou hipermadura. O hifema parcial ou total pode causar uma elevação da pressão intraocular, principalmente se ele for recorrente. Naturalmente, as lesões traumáticas nem sempre são exclusivas, podendo haver associação entre elas.

Tratamento A resposta ao tratamento clínico antiglaucomatoso convencional (pilocarpina, adrenérgicos, inibidores tópicos ou orais da anidrase carbônica, β-bloqueadores, etc.) é variável. Em alguns casos de glaucoma por retrocesso da íris e corpo ciliar é possível obter-se controle adequado da pressão intraocular apenas com o tratamento clínico. Quanto maior for a extensão do retrocesso, menor será a resposta ao tratamento clínico. Nos pacientes em que o tratamento clínico não for eficaz, está indicado o tratamento cirúrgico. A trabeculectomia associada ao uso de antimetabólitos dá bons resultados em alguns pacientes. A trabeculoplastia com laser não está indicada neste tipo de glaucoma.

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RALPH COHEN • GERALDO VICENTE DE ALMEIDA • MAURO WAISWOL MAURÍCIO DELLA PAOLERA

C A P Í T U L O  |  15

Ectopia e Intumescência do Cristalino

O cristalino pode exibir alterações isoladas ou combinadas de posição, volume, estrutura e transparência e ser, em algumas circunstâncias, o responsável direto pela elevação da pressão intraocular.

ECTOPIA LENTIS As distopias lenticulares, ou seja, as alterações da posição do cristalino, de origem congênita ou adquirida (Quadro 1), espontânea ou traumática, podem ser encontradas sob forma de:

SUBLUXAÇÃO Quando ocorre relaxamento ou rotura de algumas fibras zonulares, de modo que o cristalino fica afastado de sua localização central, normal, no eixo óptico, porém ainda permanece parcial ou totalmente no espaço pupilar e inteiramente dentro da câmara posterior.

LUXAÇÃO Quando há rotura completa dos ligamentos zonulares e o cristalino migra para a câmara anterior ou para a câmara vítrea.

Quadro clínico Os pacientes portadores de ectopia lentis podem ser assintomáticos ou apresentar diferentes modalidades de alterações visuais, conforme a posição e a intensidade do deslocamento lenticular. 195

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196  |  Glaucoma Quando a distopia é discreta, a modificação da acuidade visual é mínima ou nula. Nos indivíduos jovens, o aumento do eixo anteroposterior do cristalino, devido ao relaxamento zonular, gera miopia lenticular de fácil correção óptica. Por outro lado, o astigmatismo resultante da inclinação ou rotação do cristalino em torno de um de seus eixos dificilmente permite melhora da acuidade visual com correção. Alterações constantes do estado refrativo podem ocorrer quando o cristalino está móvel. Se a luxação for completa e o cristalino desaparecer do campo pupilar, o olho passa a comportar-se, refratometricamente, como um olho afácico. Outro sintoma que pode ser referido pelo paciente portador de ectopia lentis é a multiplicação da imagem. Quando a borda do cristalino permanece dentro do campo pupilar pode instalar-se uma diplopia monocular. QUADRO 1  Distopias lenticulares hereditárias e secundárias I – DISTOPIAS LENTICULARES HEREDITÁRIAS 1. Deslocamento frequente do cristalino • Ectopia lentis isolada • Subluxação espontânea tardia do cristalino • Ectopia lentis et pupillae • Microesferofacia isolada • Síndrome de Weill-Marchesani • Síndrome de Marfan • Homocistinúria • Deficiência de sulfitoxidase 2. Deslocamento esporádico do cristalino • Síndrome de Alport • Aniridia • Córnea plana • Síndrome de Cotlier-Reinglass • Disostose craniofacial • Síndrome de Cross-Khodadoust • Síndrome de Ehlers-Danlos • Pseudomarfinismo familiar • Síndrome de hipoplasia dérmica focal • Hiperlisinemia • Síndrome de Klinefelter • Síndrome de Klippel-Feil • Disostose mandibulofacial • Megalocórnea • Persistência de vítreo primário hiperplásico • Oxicefalia • Síndrome de Pfandler • Retinose pigmentar • Polidactilia • Nanismo primordial • Síndrome de Rieger • Deformidade de Sprengel • Síndrome de Sturge-Weber

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II – DISTOPIAS LENTICULARES SECUNDÁRIAS 1. Causas extraoculares • Trauma • Complicações cirúrgicas 2. Causas oculares • Buftalmia • Síndrome de pseudoexfoliação • Alta miopia • Tumor intraocular • Catarata madura ou hipermatura • Sífilis • Uveíte

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Nas fases iniciais, a subluxação somente é visível após midríase medicamentosa. Um sinal bastante significativo de distopia lenticular é a iridodonese, isto é, o movimento da íris semelhante ao tremular de uma bandeira, que ocorre devido à falta de contato entre a íris e o cristalino que está deslocado. Se o cristalino estiver deslocado para trás, a câmara anterior aprofunda-se e propicia a observação de um seio camerular muito amplo, similar ao de um olho afácico (Fig. 1A). Quando o cristalino se desloca anteriormente provoca diminuição da profundidade da câmara anterior (Fig. 1B). Se houver bloqueio pupilar, o aumento da pressão na câmara posterior gera abaulamento da porção ciliar (periférica) da íris, conhecido como íris bombé (Fig. 1C). Nos casos em que a fragilidade zonular ocorre apenas em um setor do cristalino, sua inclinação resulta em assimetria de profundidade da câmara anterior. (Fig. 1D). Nas subluxações, é possível, às vezes, ver a borda do cristalino e observar fibras zonulares aderidas à cápsula da lente e estiradas ou rotas (Figs. 2A e B). Oftalmoscopicamente, a borda do cristalino aparece como um crescente escuro, que contrasta com o reflexo vermelho do fundo de olho (Fig. 3).

Figs. 1 (A-D)  Subluxação do cristalino: A. posterior; B. anterior; C. anterior, associada ao bloqueio pupilar; D. setorial.

Figs. 2 (A e B)  Nas subluxações, a visão do equador do cristalino permite identificar o estiramento (A), ou a rotura das fibras zonulares (B).

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Fig. 3  Em campo vermelho, a borda do cristalino aparece como um crescente escuro (HG Almeida).

Ectopia lentis isolada A ectopia lentis isolada pode ocorrer sob forma de entidade autossômica dominante com manifestação usualmente bilateral e simétrica. Os cristalinos apresentam-se deslocados para cima e para fora. As complicações oculares são luxação completa do cristalino, glaucoma secundário e descolamento da retina. A causa mais comum de glaucoma secundário é o bloqueio pupilar decorrente do deslocamento lenticular para a câmara anterior.

Ectopia lentis et pupillae Nesta entidade, de caráter autossômico recessivo e de manifestação bilateral, os cristalinos e as pupilas estão deslocados em direções opostas. Os cristalinos tendem para a microfacia. A exemplo da ectopia lentis isolada, as complicações oculares são luxação lenticular para a câmara anterior, glaucoma secundário e descolamento da retina.

Síndrome de Marfan Os indivíduos portadores da síndrome de Marfan têm biotipo longilíneo (dolicomórfico), com membros longos (dolicostenomelia), mãos e pés de ossos longos, alterações esqueléticas outras, manifestações cardiovasculares (Fig. 4A). Estes achados decorrem de anomalia de desenvolvimento embrionário do mesoderma, com repercussão localizada no tecido ósseo, muscular e conjuntivoelástico. A ectopia lentis é a principal das alterações oculares. Essa enfermidade tem caráter autossômico dominante, com expressividade variável e penetrância completa. As principais alterações musculoesqueléticas são: aracnodactilia (decorrente do comprimento excessivo da terceira falange e dos metacarpianos e da retração dos tendões flexores, que conferem à mão o aspecto de aranha; tórax em quilha, cifoescoliose, dolicocefalia, mem-

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bros anormalmente longos, hiperflexibilidade das articulações (devido aos defeitos da cápsula e dos ligamentos articulares); hipotonia por hipotrofia muscular e panículo adiposo escasso (Fig. 4B). As alterações cardiovasculares dessa síndrome são aneurisma dissecante da aorta, insuficiência mitral, comunicação interatrial e comunicação interventricular. Cross & Jensen publicaram estudo extenso e possivelmente um dos mais mais completos da literatura médica sobre as manifestações oculares encontradas em portadores dessa síndrome. Eles estudaram 115 pacientes e observaram que: A manifestação ocular mais frequente é a ectopia do cristalino, presente em 79% dos casos, bilateral e manifesta até os 6 anos de idade, em cerca de 70% dos pacientes. O cristalino

Figs. 4 (A e B)  Síndrome de Marfan: A. biotipo longilíneo, panículo adiposo escasso, tórax em quilha; B. aracnodactilia.

Fig. 5  Ectopia lentis na síndrome de Marfan: cristalino com deslocamento superonasal.

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200  |  Glaucoma pode descolar-se para qualquer direção; contudo, com maior frequência, o deslocamento ocorre nos sentidos superonasal e superotemporal (Fig. 5). Alterações da forma do cristalino, tais como microfacia, esferofacia e microesferofacia, podem estar presentes. O glaucoma ocorre em 8% dos olhos com cristalinos ectópicos; em 33% desses casos a causa é a projeção anterior do cristalino contra a pupila. Outros achados oculares descritos são heterocromia, ceratocone, megalocórnea, coloboma de retina e nervo óptico, retinose pigmentar e megaloglobo.

Síndrome de Weill-Marchesani Os indivíduos portadores dessa síndrome apresentam estatura baixa, mãos e pés pequenos com dedos curtos e grossos, braquicefalia e microesferofacia. Há grave limitação de mobilidade dos dedos e pulsos na movimentação ativa e passiva. A presença de microesferofacia e braquidactilia é essencial para o diagnóstico dessa síndrome. O deslocamento do cristalino é comum e ocorre precocemente (Fig. 6A). A miopia secundária, decorrente da forma anormal do cristalino, ocorre no início da segunda década. A perda da visão acontece cedo e é mais grave nesses pacientes do que em outras síndromes, nas quais há luxação lenticular devido a frequente presença de glaucoma. As dimensões do globo ocular são geralmente normais. Sob midríase, os pequenos cristalinos podem ser observados no centro da pupila e o equador é visível em toda circunferência. Nos olhos sem dilatação pupilar, a câmara anterior pode ser rasa devido ao deslocamento anterior do cristalino. Na gonioscopia, é frequente observar o seio camerular estreito, sem outras características. Embora o caráter dominante tenha sido descrito, parece que a transmissão ocorre, na maioria das vezes, em caráter recessivo. O cristalino microesférico apresenta peso e diâmetro equatorial reduzidos, de 20 a 25%, ao passo que o diâmetro sagital aumenta 25% (Fig. 6B). Os ligamentos zonulares são longos e abundantes.

Figs. 6 (A e B)  Síndrome de Weill-Marchesani: A. Cristalino microesférico luxado para a câmara anterior. B. É nítido o seu volume reduzido, se comparado com um cristalino de dimensão normal.

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O glaucoma pode ocorrer por bloqueio pupilar ou por luxação completa do cristalino para a câmara anterior ou secundário ao relaxamento zonular com consequente deslocamento anterior do cristalino ou, ainda, por formação de goniossinequias, decorrentes de episódios repetidos ou prolongados de fechamento angular. Este tipo de glaucoma piora com o uso de mióticos, pois, ao promover a contração do músculo ciliar, ocorre maior relaxamento zonular.

Homocistinúria A homocistinúria é uma alteração autossômica, de caráter recessivo, similar à síndrome de Marfan. Caracteriza-se por um conjunto de anomalias esqueléticas, cardiovasculares e oculares. A homocistinúria é causada por deficiência ou anormalidade da enzima cistationina sintetase, que catalisa a condensação de homocisteína e serina, para formar cistationina. A homocisteína, em excesso, produz homocistina, que é excretada na urina. A homocisteína reage com aldeídos para formar compostos cíclicos tiazínicos estáveis, provocando assim bloqueio das reações bioquímicas do colágeno. A tríade clínica característica consiste de alterações esqueléticas, cardiovasculares e oculares. Muitos pacientes são altos e esguios, notavelmente maiores abaixo da cintura do que acima dela, com extremidades longas e pés planos e desviados para fora. Há osteoporose e escoliose com tendência a fratura vertebral. Outras manifestações são rubor cutâneo peculiar com coloração da região malar da face, degeneração gordurosa do fígado e hepatoesplenomegalia, ataques epileptiformes, fenômenos tromboembólicos, deformidades do esterno, joelho valgo, cifoescoliose e palato alto e arqueado. Os fenômenos tromboembólicos de veias e artérias de médio calibre ocorrem em aproximadamente 50% dos pacientes. A trombose pode comprometer múltiplas áreas do organismo, incluindo a artéria central da retina. A morte prematura acontece em 40% dos pacientes. Fenômenos tromboembólicos podem ocorrer após punção venosa, durante a anestesia geral para a cirurgia de catarata e os pacientes são suscetíveis a embolia pulmonar no período pós-operatório. A alteração ocular mais frequentemente encontrada é o deslocamento do cristalino (90%), na maioria das vezes para baixo. Em cerca de 30% dos casos, o cristalino está completamente luxado no vítreo ou na câmara anterior. A luxação dos cristalinos em um mesmo paciente é bem simétrica. Nos estudos de Cross & Jensen, 33% desses cristalinos mostraram-se deslocados inferiormente e 49% para o lado medial. A migração completa para a câmara anterior foi observada em 19% e a luxação para o vítreo ocorreu em 14% dos casos. Ainda no mesmo estudo, o glaucoma apareceu em cerca de 24% dos casos. Dos pacientes com hipertensão ocular, 56% tinham seus cristalinos luxados na câmara anterior; não foi possível determinar a etiologia da hipertensão ocular em 33%, dos quais, em metade, o cristalino estava no vítreo.

Deslocamento traumático do cristalino Os traumatismos oculares são a causa mais comum de deslocamento do cristalino. O deslocamento do cristalino secundário a traumatismo é geralmente acompanhado de outras alterações oculares, tais como hifema, retrocesso do seio camerular, iridociclite, irido-

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202  |  Glaucoma diálise, rotura de esclera, rotura da membrana hialoide do vítreo (Fig. 7), glaucoma e edema, hemorragia ou descolamento de retina. O glaucoma secundário, nos casos de traumatismo, constitui uma complicação séria, de diagnóstico e tratamento difíceis, face a multiplicidade de fatores causais que podem estar envolvidos na produção da hipertensão ocular. Daí, a importância da avaliação precisa da participação do cristalino subluxado ou luxado na gênese do glaucoma. O glaucoma facogênico consequente a traumatismo ocular é explicado pelos mesmos mecanismos envolvidos nas outras causas de ectopia lentis, já citadas.

Fig. 7  Subluxação traumática do cristalino. Botão vítreo com depósitos de pigmento projeta-se para a câmara anterior no quadrante nasal superior (HG Almeida).

Tratamento Ectopia lentis A correção óptica rápida e adequada dos erros refrativos em crianças é essencial para prevenção da ambliopia durante o período de plasticidade do desenvolvimento visual. Nos casos em que o cristalino apresenta pequeno grau de deslocamento e está estável, o erro refrativo pode ser pequeno e facilmente corrigido com os óculos ou lentes de contato. Quando não há evidências de outras complicações, a maioria desses indivíduos não deve ser submetida a tratamento cirúrgico. Quando não é possível alcançar boa visão com refrações cuidadosas e repetidas devido ao deslocamento lenticular, afetando o desempenho das atividades diárias, ou quando há sinais de complicações iminentes, a indicação cirúrgica deve ser considerada. Embora a ectopia lentis venha sendo tratada cirurgicamente, há muitos anos, a intervenção tem sido tema controverso devido à elevada incidência de complicações. Com a introdução de modernas técnicas de microcirurgia, a remoção do cristalino passou a ser indicada com mais segurança.

Cristalino subluxado para frente Nessas condições, os mióticos não devem ser usados, pois provocam contração do músculo ciliar, acentuação do relaxamento zonular e piora do bloqueio pupilar, ao contrário dos cicloplégicos, que promovem o estiramento da zônula e concomitante tração do cristalino para trás, com alívio do bloqueio pupilar.

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De modo geral, devem ser utilizados agentes hipotensores oculares osmóticos (glicerina, manitol) a fim de diminuir o volume de vítreo e facilitar o retorno do cristalino para trás. A posição supina, adotada pelo paciente, favorece também o retorno do cristalino. Os cicloplégicos-midriáticos podem aprofundar a câmara anterior e abrir o seio camerular. Porém, seu uso prolongado é desaconselhado, visto que há tendência à luxação completa do cristalino para a câmara anterior. O maleato de timolol e os inibidores da anidrase carbônica de uso tópico ou oral podem ser utilizados como fármacos coadjuvantes. A iridectomia por YAG laser é o procedimento de eleição.

Cristalino luxado na câmara anterior O cristalino pode ficar encarcerado na pupila (Fig. 8) ou deslocar-se completamente para a câmara anterior (Fig. 9). Em ambos os casos, ocorre o bloqueio pupilar. Se o cristalino permanece na câmara anterior, são grandes os riscos de lesão do endotélio da córnea e de opacificação do cristalino. As duas opções para o tratamento da luxação do cristalino na câmara anterior são o seu reposicionamento na câmara posterior ou sua extração. Se o cristalino está transparente, alguns autores preconizam recolocá-lo na sua posição, na câmara posterior, por meio de midríase medicamentosa e com o paciente em decúbito dorsal. Este, recolocado na posição original, não afasta a possiblidade de bloqueio pupilar, daí a necessidade de uma iridectomia periférica. Uma vez que o cristalino estiver na posição adequada, ele pode ser mantido assim com instilação de mióticos.

Fig. 8  Cristalino luxado e encarcerado na pupila, com consequente bloqueio.

Fig. 9  Cristalino luxado para a câmara anterior. A ampla dilatação da pupila pode romper o bloqueio pupilar (HG Almeida).

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204  |  Glaucoma Alguns autores preconizam a extração do cristalino, como primeira escolha e é a opção óbvia se o cristalino está opacificado. Se aderente à córnea, pode ser extraído concomitantemente a uma ceratoplastia.

Cristalino deslocado no vítreo O cristalino luxado na cavidade vítrea pode flutuar livre no humor vítreo, acomodar-se inferiormente ou aderir à retina. Mesmo opacificado, o cristalino pode permanecer, por anos, sem causar complicações. O tratamento do cristalino luxado no vítreo é, na maioria das vezes, conservador. A suspeita de glaucoma facolítico é a única eventualidade para a qual indica-se a remoção cirúrgica do cristalino da câmara vítrea. São recomendadas a lensectomia via pars plana com vitreófago.

INTUMESCÊNCIA DO CRISTALINO A intumescência do cristalino pode ser a causa de glaucoma cujo quadro clínico é muito semelhante ao de uma crise de glaucoma agudo de ângulo fechado primário e, por esse motivo, de diagnóstico diferencial às vezes muito difícil, pois o próprio processo primário é também parcialmente cristalino-dependente. O comprimento axial do olho normal permanece constante após os 10 anos de idade, enquanto a espessura do cristalino aumenta durante toda a vida, de modo que, ao longo dela, ocorre estreitamento do seio camerular à custa do cristalino, independentemente da configuração anatômica da câmara anterior. O aumento da aposição iridolenticular aumenta a resistência à passagem de humor aquoso pela pupila da câmara posterior para a câmara anterior, aumentando a pressão na câmara posterior. Isso, por sua vez, promove o abaulamento da porção periférica da íris, fenômeno conhecido como íris bombé que produz estreitamento adicional do ângulo da câmara anterior. A catarata senil de progressão rápida e a catarata secundária a traumatismo perfurante são as duas circunstâncias clínicas que predispõem o olho a uma situação de bloqueio do seio camerular, pelo aumento do volume do cristalino. Embora seja possível a ocorrência de bloqueio do seio camerular consequente à intumescência do cristalino em apenas um olho, mais comumente a condição é bilateral. Alguns sinais são muito significativos e devem ser levados em conta quando há suspeita de bloqueio do seio camerular por intumescência lenticular. O mais importante deles é a assimetria da profundidade entre as câmaras anteriores dos dois olhos, bem como a assimetria de abertura dos seios camerulares. Quando essa disparidade não é flagrante, a assimetria de progressão da opacificação entre os cristalinos pode ser o único sinal sugestivo do envolvimento lenticular na gênese da hipertensão ocular. Nos casos de catarata madura unilateral, o diagnóstico pode ficar facilitado (Fig. 10), ao passo que, nos olhos cuja catarata está evoluindo simetricamente, a diferença de acuidade visual pode sugerir a intumescência do cristalino no olho de acuidade visual mais reduzida.

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Figs. 10 (A e B)  Paciente com catarata unilateral intumescente. Observe a nítida diminuição da profundidade da câmara anterior do olho com catarata (A), comparada com a do olho adelfo (B) (HG Almeida).

TRATAMENTO Perante um caso de intumescência lenticular, o tratamento a ser seguido pode ser determinado pelo grau de opacificação do cristalino. Nos olhos portadores de catarata madura, a conduta é a facectomia. Nos casos duvidosos, nos quais a opacidade de lente é pequena e não justifica a lensectomia, o procedimento mais cauteloso é a iridectomia por laser ou cirúrgica. A observação de um seio camerular mais amplo, no exame gonioscópico pós-operatório, traduz contribuição maior do bloqueio pupilar no fechamento angular. Se após a iridectomia o seio camerular continuar estreito ou fechado, a responsabilidade do fechamento deve ser atribuída, em maior proporção, ao cristalino e a melhor opção será a facectomia.

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CARMO MANDIA JR. • GERALDO VICENTE DE ALMEIDA PAULA BOTURÃO DE ALMEIDA • RALPH COHEN

C A P Í T U L O  |  16

Glaucoma Facolítico

Em 1900, Gifford descreveu um tipo de glaucoma de ângulo aberto, secundário à formação de catarata hipermatura.

Patogenia Na catarata hipermatura morganiana, a maior parte do córtex torna-se opaco e liquefeito, permitindo que o núcleo mova-se livremente dentro do cristalino. Resíduos proteicos granulares do córtex liquefeito passam para o aquoso através de defeitos microscópicos na cápsula cristaliniana. Neste estágio, as proteínas lenticulares perdem muito de sua capacidade antigênica, porém ainda são capazes de provocar resposta macrofágica. Os macrófagos com proteínas se dispersam no humor aquoso e podem ser vistos sobre a cápsula anterior do cristalino, às vezes formando verdadeiros tampões, em uma tentativa de bloquear os locais de vazamento. Talvez a dificuldade que os macrófagos encontrem em digerir as proteínas lenticulares possa resultar na sua imobilização da malha trabecular. As proteínas de alto peso molecular aumentam com a idade e a progressão da catarata. Elas são encontradas predominantemente no núcleo. Entretanto, nos cristalinos em processo de facólise, altas concentrações dessas proteínas são encontradas no córtex liquefeito, o que pode indicar tanto processo de desintegração nuclear quanto agregação de proteínas corticais. Estas proteínas solúveis de alto peso molecular, em virtude do seu tamanho, podem obstruir os espaços intertrabeculares, se liberadas em grande quantidade. Evidências sugerem que o glaucoma facolítico deve-se à obstrução direta do escoamento do humor aquoso pelas proteínas do cristalino. Quando um cristalino hipermaturo rompe-se espontaneamente, ou durante uma cirurgia, o glaucoma resulta tanto da liberação de proteínas lenticulares quanto da obstrução da malha trabecular pelas partículas do cristalino.

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Quadro clínico O paciente portador de glaucoma facolítico refere, geralmente, história de dor súbita e vermelhidão do olho afetado. A acuidade visual, que vinha piorando gradativamente pela presença de catarata madura, com o episódio agudo de glaucoma, reduz-se drasticamente, chegando, às vezes, a percepção luminosa. Este quadro é monocular, com raras exceções. Ao exame clínico, o paciente apresenta pressão intraocular elevada, congestão conjuntival e edema epitelial difuso da córnea (Fig. 1). A câmara anterior é profunda, o seio camerular apresenta-se aberto e, eventualmente, mostra-se anormalmente amplo, em comparação com o do olho contralateral. Isso pode ocorrer devido ao fato de o cristalino, pelo processo de reabsorção de seu conteúdo, tornar-se menos espesso, diminuindo seu diâmetro anteroposterior. Há flare acentuado na câmara anterior e moderada quantidade de células, geralmente grandes e reluzentes. É comum a presença de grumos de material branco circulando no aquoso, que, provavelmente, se deve a pequenas partículas de material do cristalino, agregados celulares ou agregados de proteínas lenticulares insolúveis. Partículas iridescentes, que representam cristais de oxalato de cálcio, têm sido encontradas no humor aquoso. Sobre o endotélio corneal podem ser observados precipitados celulares ou depósitos de partículas. A catarata é, na maioria das vezes, hipermatura e, frequentemente, morgagniana (Fig. 2). Na maioria dos casos, a cápsula anterior apresenta depósitos esbranquiçados que, provavelmente, representem macrófagos tentando tamponar os locais de vazamento. Também é frequente a presença de pregas na cápsula anterior do cristalino, que aparecem como resultado da reabsorção do conteúdo lenticular (Fig. 3).

Fig. 1  Glaucoma facolítico, em que se observa presença de catarata hipermatura, câmara anterior muito profunda e depósitos esbranquiçados sobre o endotélio corneal (HG Almeida).

Fig. 2  Catarata morganiana: com o tempo, o cristalino com catarata pode apresentar liquefação do córtex, com deslocamento inferior do núcleo. Observe também os característicos depósitos esbranquiçados sobre a cápsula lenticular (HG Almeida).

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Glaucoma Facolítico  |  209

Fig. 3  Glaucoma facolítico. Catarata hipermatura e intensa congestão ocular. O pregueamento da cápsula anterior é resultado de processo de reabsorção do conteúdo lenticular (HG Almeida).

Diagnóstico Em todo caso suspeito de glaucoma facolítico, sempre que possível, devem ser feitos paracentese e exame microscópico do fluido da câmara anterior. A técnica do filtro de Millipore, preconizada por Goldberg, revela usualmente a presença típica dos macrófagos englobando o material lenticular. Estudos bioquímicos demonstram a presença de proteínas de alto peso molecular no humor aquoso de glaucomas facolíticos. Na prática, o diagnóstico do glaucoma facolítico é feito apenas por meio de dados clínicos. A presença de depósitos esbranquiçados na cápsula anterior do cristalino, as células circulantes e os aglomerados de partículas no humor aquoso, são dados que permitem fazer o diagnóstico correto.

Diagnóstico diferencial Algumas formas de glaucoma apresentam-se com dor súbita e vermelhidão ocular que, às vezes, podem ser confundidas com o glaucoma facolítico. O glaucoma primário de ângulo fechado é facilmente diferenciado do glaucoma facolítico por meio da gonioscopia: neste último, o seio camerular está bem aberto (Fig. 4). Quanto ao glaucoma de ângulo aberto secundário a uveíte, a história de formação prévia de catarata com perda progressiva da visão, no glaucoma facolítico, auxilia no diagnóstico. Os achados típicos na câmara anterior e os depósitos brancos sobre o cristalino são únicos, no glaucoma facolítico. Na maioria dos glaucomas inflamatórios, a reação celular de câmara anterior deve-se à presença de pequenos leucócitos, em contraposição aos grandes e reluzentes macrófagos, observados no glaucoma facolítico.

Fig. 4  Em raros momentos, o glaucoma facolítico ocorre em olhos com catarata madura intumesente e a câmara anterior rasa impõe o diagnóstico diferencial com o glaucoma agudo de ângulo fechado. Neste olho, com câmara anterior rasa e intensa congestão. A gonioscopia permitiu constatar o ângulo aberto (HG Almeida).

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210  |  Glaucoma No glaucoma secundário a traumatismo recente, a história e a presença de células inflamatórias, na câmara anterior, com ou sem retrocesso angular, facilitam o diagnóstico. O glaucoma por “células fantasmas” com presença de células pequenas, numerosas, de cor cáqui, diferencia-se facilmente do facolítico, com macrófagos grandes, reluzentes e esbranquiçados.

Tratamento O tratamento clínico do glaucoma facolítico tem como objetivo dar condições para a cirurgia. A pressão intraocular deve ser reduzida com o uso de inibidores de anidrase carbônica por via oral, agentes hiperosmóticos (por vias oral ou intravenosa), colírio de maleato de timolol e de inibidores de anidrase carbônica. Os análogos das prostaglandinas devem ser evitados devido a seu mecanismo de ação e também pelo risco teórico de exarcebar a inflamação intraocular. Para diminuir o processo inflamatório, aconselha-se o uso de esteroides tópicos. Analgésicos e sedativos são fármacos que não devem ser esquecidos, pois o quadro doloroso, às vezes, é dramático e muito semelhante ao do glaucoma agudo primário. O tratamento consiste na remoção da catarata que deve ser realizada em curto espaço de tempo, em virtude da grande elevação da pressão intraocular e ao fato de que este tipo de glaucoma é refratário à terapêutica clínica (Fig. 5). Há alguns anos, a maioria dos autores recomendava a facectomia intracapsular, pois a presença de restos do cristalino na técnica extracapsular poderia provocar sérias complicações. Acredita-se, atualmente, que a facectomia extracapsular com implantação de lente intraocular de câmara posterior seja a melhor opção cirúrgica. Não existem trabalhos que comparem os resultados obtidos com as técnicas de facoemulsificação e extracapsular nesses pacientes. Quando o diagnóstico é feito tardiamente, a malha trabecular pode estar comprometida e a cirurgia combinada poderá ser uma opção melhor.

Fig. 5  Mesmo olho da Figura 3: a simples remoção intracapsular da catarata normalizou a pressão intraocular (HG Almeida).

GLAUCOMA POR RESTOS CORTICAIS Este tipo de glaucoma é consequente à rotura da cápsula do cristalino, que ocorre após cirurgia de catarata ou após traumatismo perfurante. Nestas condições, o material cortical do cristalino pode ser liberado e levar à obstrução do fluxo do humor aquoso (Fig. 6A). Há frequentemente um intervalo de alguns dias entre a cirurgia ou o traumatismo e o aparecimento do glaucoma. Durante esse período, uma quantidade cada vez maior de material cortical pode deslocar-se para a câmara anterior havendo, com frequência, correlação entre a quantidade de material cortical e o grau de gravidade do glaucoma.

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Glaucoma Facolítico  |  211

Figs. 6 (A e B)  A. A ocorrência de hemorragia coroide e acentuada hipertensão ocular peroperatória impediram a aspiração das massas após a retirada do núcleo. A retenção do córtex lenticular foi responsável por intensa hipertensão ocular no período pós-operatório. B. A irrigação e a aspiração dessas massas permitiram a normalização da pressão intraocular (HG Almeida).

Patogenia Estudos de perfusão experimental, em olhos humanos enucleados têm demonstrado que pequenas quantidades de partículas livres de material cortical reduzem significativamente o escoamento do humor aquoso. Presume-se que este seja o principal mecanismo do aparecimento deste tipo de glaucoma. A eliminação do material lenticular realiza-se à custa de processos celulares que envolvem macrófagos e outras células fagocitárias da malha trabecular. Se esse mecanismo de fagocitose for muito acentuado, pela excessiva presença de material cortical, pode haver “esgotamento” dessas células, resultando em disfunção trabecular, que pode levar a aparecimento de glaucoma crônico, muitos anos depois, como tem sido descrito após cirurgias de catarata congênita.

Quadro clínico Os olhos com glaucoma por restos corticais apresentam-se geralmente com quadro inflamatório muito acentuado que eventualmente pode estar relacionado com o mecanismo do glaucoma. Células e flare de grande intensidade estão geralmente presentes. Edema de córnea difuso e ângulo aberto, à gonioscopia, são comuns. Fragmentos brancos de material cortical podem ser vistos circulando no humor aquoso e, dependendo da sua quantidade, pseudo-hipópio pode ser observado. As células inflamatórias incluem leucócitos (pequenos) e macrófagos (maiores e mais reluzentes). Os leucócitos representam resposta inflamatória à presença de material do cristalino, bem como ao traumatismo recente, cirúrgico ou não. Depósitos celulares e restos lenticulares podem ser encontrados no endotélio corneano. O diagnóstico pode ser feito apenas pela biomicroscopia, uma vez que o glaucoma por restos corticais ocorre após cirurgia extracapsular ou por traumatismo perfurante (Figs. 7 e 8) e está relacionado com a quantidade de material cortical livre na câmara anterior.

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212  |  Glaucoma

Fig. 7  O glaucoma por restos corticais pode ocorrer também em casos de rotura espontânea da cápsula lenticular, como nesse olho portador de catarata polar anterior.

Fig. 8  Catarata hipermatura, com rotura espontânea da cápsula e restos de material cortical na câmara anterior, com formação de pseudo-hipópio. A elevação da pressão intraocular de longa duração foi responsável pela descompensação corneal e amaurose (HG Almeida).

Diagnóstico diferencial A história de cirurgia ou traumatismo recente e o quadro biomicroscópico geralmente não deixam dúvidas quanto ao diagnóstico do glaucoma por restos corticais. Aqueles casos, nos quais o glaucoma aparece mais tardiamente, após cirurgia extracapsular ou por rotura espontânea da cápsula de uma catarata avançada, podem ser confundidos com o glaucoma facolítico.

Tratamento Em alguns casos, quando o glaucoma não é muito grave, o tratamento clínico pode ser cogitado. O uso de fármacos que diminuam a produção de humor aquoso, tais como inibidores da anidrase carbônica e betabloqueadores, está indicado. Os agentes hiperosmóticos podem ser usados temporariamente. A instilação de fármacos cicloplégicos e midriáticos, para manter a pupila dilatada, deve ser iniciada precocemente. Os esteroides devem ser usados com cautela. Se, por um lado, eles diminuem a inflamação que sempre acompanha esses casos e previnem a formação de sinequias, por outro, podem retardar a eliminação do material lenticular. Quando, com a terapêutica usada, os restos de partículas lenticulares são absorvidos e não há evidências de complicações, a pressão intraocular geralmente retorna a níveis normais. Se a pressão intraocular não for controlada rapidamente com o uso da terapêutica clínica ou se a quantidade de material cortical for grande, a remoção cirúrgica dos restos corticais está indicada (Fig. 6B). Eventualmente uma vitrectomia poderá ser necessária para limpeza completa do material cortical.

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Glaucoma Facolítico  |  213

GLAUCOMA FACOANAFILÁTICO A inflamação intraocular induzida pelo cristalino é um fenômeno muito variável. Uma lesão capsular, que se segue a uma cirurgia intraocular ou um acidente, pode ocasionar a saída de material cortical lenticular e este pode permanecer como substância aparentemente inerte, causando pequena ou nenhuma reação. Às vezes, porém, este material cortical pode servir como grande estímulo antigênico e produzir grave resposta inflamatória. Alguns autores propuseram o nome de endoftalmite facoanafilática para a intensa reação inflamatória que se segue à liberação de proteínas do cristalino. Este fenômeno é raro e o glaucoma secundário à anafilaxia, quando esta ocorre, é mais raro ainda. A característica da facoanafilaxia é uma inflamação persistente, inexorável e frequentemente granulomatosa, situada ao redor do material lenticular liberado (Fig. 9). O risco de ocorrer reação facoanafilática é maior quando o material lenticular mistura-se com o humor vítreo, durante uma cirurgia extracapsular com perda vítrea e principalmente quando o núcleo do cristalino perde-se na cavidade vítrea.

Fig. 9  Reação facoanafilática: restos cristalinianos (C) são envolvidos por intensa reação inflamatória granulomatosa (I) (D Miranda).

Tratamento O uso sistêmico e tópico de corticosteroides está indicado, porém, o glaucoma facoanafilático só é resolvido após a remoção cirúrgica de todo o material lenticular residual.

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214  |  Glaucoma Mandal AK, Gothwal VK. Intraocular pressure control and visual outcome in patients with phacolytic glaucoma managed extracapsular cataract extraction with or without posterior chamber intraocular lens implantation. Ophthalmic Surg. Lasers, 1998; 29:880-9. Mandia Jr. C, Almeida GV, Almeida PB, Cohen R. Glaucoma facolítico. In: Almeida HG, Cohen R. Glaucomas Secundários. 2a ed. São Paulo: Roca, 2006; p. 163-74. Phelps CD, Arafat NI. Open-angle glaucoma following surgery for congenital cataracts. Arch Ophthalmol, 1987; 95:1977-85. Richter CU. Lens induced Open-Angle glaucoma. In: Ritch R, Shields MB, Krupin T. The Glaucomas. St. Louis: Mosby-Year Book, 1996; p.1023-31 Shields MB. Glaucomas associated with disorders of the lens. In:____ A Study Guide for Glaucoma. Baltimore: Willians Wilkins, 1982; p. 260-375.

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REMO SUSANNA JR. • ROBERTO MURAD VESSANI

C A P Í T U L O  |  17

Pseudoexfoliação Capsular

Essa doença foi primeiramente descrita pelo finlandês John G. Lindberg, em 1917, que observou flocos e franjas acinzentados sobre a borda pupilar em pacientes com catarata e sem catarata acima de 55 anos em 50% de seus pacientes com glaucoma primário de ângulo aberto. A terminologia utilizada para denominar essa doença variou bastante desde a sua descoberta. Vogt acreditava que o material fibrilar era proveniente da cápsula do cristalino e denominou a condição como “exfoliação senil da cápsula do cristalino” e quando associada a glaucoma, “glaucoma capsular”. A observação desse material em outros tecidos do segmento anterior, incluindo íris, trabeculado, corpo ciliar, zônula e córnea, bem como do seu aparecimento após cirurgia de catarata intracapsular levou a uma mudança na compreensão dessa doença. Para diferenciar essa doença da exfoliação verdadeira da cápsula anterior observada em indivíduos expostos a temperaturas elevadas como os sopradores de vidro, Dvorak-Theobald propôs o termo pseudoexfoliação do cristalino.

EPIDEMIOLOGIA A prevalência da pseudoexfoliação com e sem glaucoma varia bastante de um estudo para outro. Isso reflete uma combinação de diferenças entre as populações estudadas como etnia, distribuição de faixa etária e sexo, além de outros motivos como os critérios clínicos utilizados para o diagnóstico de pseudoexfoliação, a habilidade do examinador para detectar estágios iniciais e sinais mais sutis, o método e o tempo de exame, além da atenção do observador. Muitos casos não são detectados pela omissão da dilatação pupilar ou do exame do cristalino após a dilatação. A síndrome de pseudoexfoliação ocorre no mundo inteiro, contudo as taxas de prevalência na população geral variam bastante. Na Escandinávia, em indivíduos acima dos 60 anos de idade, as frequências chegam a 25% na Islândia, e mais de 20% na Finlândia. Nos Estados Uni215

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216 | Glaucoma dos, o Framingham Eye Study observou uma prevalência de 0,6% para idade entre 52 e 64 anos, chegando a 5% para idade entre 75 e 85 anos. Características genéticas, influências ambientais, incluindo exposição solar, assim como os hábitos alimentares, têm sido sugeridos como fatores para explicar os padrões de distribuição geográfica dessa doença. Em todos os estudos, a prevalência de pseudoexfoliação aumenta com a idade e não há nenhum padrão claro de hereditariedade. A prevalência de pseudoexfoliação em pacientes com glaucoma é significativamente maior do que em populações não glaucomatosas. A prevalência varia de praticamente 0 a 93%, sendo as maiores na região da Escandinávia (Tabela I). TABELA I  Frequência de síndrome de pseudoexfoliação em indivíduos com glaucoma País

% de indivíduos

Japão

16%

Índia

34%

Turquia

47%

Islândia

46-57%

Finlândia

28-47%

Suécia

75%

Dinamarca

26%

Noruega

33-60%

Estados Unidos – geral

12%

Estados Unidos – Sul – caucasianos

2,7%

Estados Unidos – Sul – afro-americanos

0,4%

Turquia

>40%

Irlanda

>60%

Espanha

>40%

Hungria

>40%

Elevação de pressão intraocular e dano glaucomatoso ocorrem mais frequentemente em olhos com pseudoexfoliação do que olhos sem esse distúrbio. Em indivíduos com pseudoexfoliação, o risco de desenvolver glaucoma é cumulativo com o tempo. Um estudo observou que o risco de desenvolver glaucoma em indivíduos com síndrome de pseudoexfoliação, chegava a ser 10 vezes maior do que a população normal após 10 anos de seguimento. Mesmo assim pacientes com pseudoexfoliação têm sido acompanhados por longos períodos de tempo sem desenvolver glaucoma. Uma vez instaurado, o glaucoma na pseudoexfoliação tem um curso clínico mais grave e pior prognóstico quando comparado a indivíduos com glaucoma primário de ângulo aberto. Vários estudos, a maioria americanos, mostram uma frequência maior do quadro unilateral em uma proporção de 3:1. Contudo, uma boa parte da literatura europeia tem relatado o envolvimento bilateral como mais comum. Do mesmo modo, os pacientes com envolvimento clínico bilateral tendem a mostrar uma prevalência maior de glaucoma e hipertensão ocular.

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Pseudoexfoliação Capsular  |  217

QUADRO CLÍNICO Cristalino, zônula e corpo ciliar A presença de depósitos de material esbranquiçado na superfície anterior do cristalino é a característica diagnóstica mais importante e consistente da pseudoexfoliação. O padrão clássico consiste em três zonas distintas que se tornam visíveis quando a pupila é totalmente dilatada: um disco central relativamente homogêneo e translúcido correspondendo aproximadamente ao diâmetro pupilar; uma zona periférica granular frequentemente estratificada e uma área clara separando as duas outras. O disco central, caracterizado por uma camada esbranquiçada homogênea sobre o polo anterior da cápsula cristaliniana, apresenta diâmetro variável e é usualmente menor do que a pupila fisiológica (Fig. 1). Suas bordas são frequentemente enroladas anteriormente. O disco central é ausente em 20 a 60% dos casos, contudo o exame cuidadoso após a dilatação, acaba permitindo sua melhor identificação. A zona periférica está sempre presente (Fig. 2). Ela pode ser granular na periferia e branco-gelo centralmente, podendo apresentar estrias radiais. Uma aparência de vidro fosco da superfície do cristalino em um olho comparada ao outro pode representar um estágio bem precoce da doença (estágio pré-capsular). A zona intermediária clara é criada à medida que a camada pré-capsular torna-se espessa. A região do esfíncter começa a roçar contra a mesma durante o movimento pupilar fisiológico e fissuras discretas começam a se formar à medida que o material pseudoexfoliativo é varrido para fora da área que irá se tornar eventualmente a zona clara intermediária (Fig. 3). Com o tempo, essas fissuras aumentam em tamanho e começam a se tornar confluentes.

Fig. 1  Aparência clássica do cristalino em um olho com pseudoexfoliação capsular. O disco central homogêneo e a zona granular periférica são separados por uma zona clara.

Fig. 2  Com a pupila semidilatada já é possível visualizar-se a pseudoexfoliação da cápsula cristaliniana (HG Almeida).

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Fig. 3  Zona intermediária clara começa a se formar. Fendas são observadas à medida que o material pseudoexfoliativo, depositado aleatoriamente sobre a cápsula anterior do cristalino, é varrido pela fricção iridocristaliniana durante o movimento pupilar fisiológico (HG Almeida).

Quanto mais densa a pseudoexfoliação, maior a chance de haver facodonese. A facodonese e subluxação do cristalino têm sido atribuídas à fraqueza zonular. Depósitos de material pseudoexfoliativo sobre a zônula, associados a alterações degenerativas, fragmentação e inserção anormal junto ao cristalino e corpo ciliar, podem explicar essa tendência a subluxação ou luxação do cristalino em casos avançados. Após a cirurgia de catarata, o material pseudoexfoliativo pode ser encontrado na face vítrea e lamelas vítreas quando a hialoide anterior é rompida na cápsula posterior e sobre a lente intraocular, indicando que a presença do cristalino não é necessária para a sua formação. A associação entre formação de catarata e a pseudoexfoliação é descrita por vários autores. Há uma prevalência maior de pseudoexfoliação em olhos que são submetidos a cirurgia de catarata e uma alta prevalência de catarata em olhos com pseudoexfoliação.

Íris, seio camerular e córnea Depósitos de material pseudoexfoliativo sobre o esfíncter iriano e margem pupilar, com um aspecto semelhante a “cinzas de cigarro”, podem ser achados em 32 a 94% dos pacientes. Essa alteração pode ser extensa (Fig. 4) ou representada por apenas um ponto ou dois de depósito, requerendo um alto índice de supeita e procura cuidadosa. A íris em olhos com pseudoexfoliação parece ser mais rígida do que em olhos sem essa doença. A perda de pigmento na região do esfíncter da íris e seu depósito em estruturas da câmara anterior também é uma marca da pseudoexfoliação capsular. Do mesmo modo que a íris varre o material pseudoexfoliativo da superfície cristaliniana, o mesmo mecanismo causa rotura das células do epitélio pigmentar da íris na região da borda pupilar e região do esfíncter com concomitante dispersão de pigmento na câmara anterior. A perda de pigmento iriano e seu depósito sobre o segmento anterior trazem como consequência a transiluminação da região do esfíncter da íris, aumento da pigmentação do trabeculado e depósitos de pigmento sobre a superfície iriana. Em olhos normais, a despigmentação da borda pupilar ocorre em aproximadamente 6,1% dos casos (0,7% em pessoas entre 40 e 49 anos de idade, chegando a 66% em pessoas de 90

Fig. 4  Depósitos de material pseudoexfoliativo sobre o esfíncter iriano e margem pupilar com um aspecto semelhante a “cinzas de cigarro”.

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Pseudoexfoliação Capsular  |  219

anos ou mais de idade) (Fig. 5). Na síndrome de pseudoexfoliação cristaliniana, a frequência é em torno de 74% (sendo 42% nos indivíduos entre 50 e 59 anos de idade e chegando a 90% em indivíduos de 80 anos ou mais de idade). O depósito de pigmento na superfície da íris raramente recebe atenção, mas é um achado comum. Caracteristicamente, esse depósito é composto por partículas de pigmentos mais largos e distribuídos de modo mais homogêneo sobre o estroma anterior na região do esfíncter, em contraste com o acúmulo de pigmentos mais finos nos sulcos irianos observados na síndrome de dispersão pigmentar. Olhos com síndrome de pseudoexfoliação dilatam mal, mesmo que nunca tenham usado mióticos e tendem a apresentar um diâmetro pupilar menor. Dispersão pigmentar na câmara anterior é comum após a dilatação pupilar e pode ser abundante. Elevações importantes da pressão intraocular podem ocorrer nesses olhos após a dilatação farmacológica, com uma correlação positiva entre a intensidade da elevação pressórica e o montante de pigmento liberado. Essas elevações geralmente atingem o seu máximo após 2 horas. Anormalidades vasculares irianas também podem ser encontradas em pacientes com pseudoexfoliação. Estudos histopatológicos e com angiofluresceinografia mostram estreitamento e obliteração dos vasos irianos em casos avançados, levando a neovascularização localizada da íris. A pigmentação aumentada do trabeculado é um sinal proeminente na síndrome de pseudoexfoliação e é aparente em virtualmente todos os pacientes com a doença clinicamente evidente. Diferentemente da síndrome de dispersão pigmentar, a distribuição do pigmento tende a ser irregular e mal definida. Em virtualmente todos os estudos sobre pacientes com envolvimento unilateral, a pigmentação trabecular é quase sempre mais densa no olho envolvido. O pigmento é caracteristicamente depositado sobre a linha de Schwalbe e em algumas vezes como uma linha ondulada ou linhas anteriores à linha de Schwalbe (linha de Sampaolesi) (Fig. 6). Essa alteração também é um sinal precoce da síndrome de pseudoexfoliação. O acúmulo de material pseudoexfoliativo também pode ser visto no ângulo da câmara anterior durante o exame de gonioscopia, geralmente na porção posterior do trabeculado.

Fig. 5  Defeitos extensos de transiluminação na região do esfíncter iriano.

Fig. 6  Pigmentação do trabeculado aumentada em olho com pseudoexfoliação. A linha de Sampaolesi pode ser vista (linha ondulada anterior à linha de Schwalbe).

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220 | Glaucoma Flocos espalhados de material pseudoexfoliativo podem ser observados sobre a superfície endotelial da córnea. Esse achado pode ser erroneamente interpretado como precipitados inflamatórios (Fig. 7). A deposição de pigmento normalmente causa uma difusa pigmentação não específica do endotélio central, e ocasionalmente pode apresentar um padrão de um fuso de Krukenberg. A microscopia especular revela uma redução significativa da densidade celular endotelial, mesmo com pressão intraocular normal, além de mudanças morfológicas em tamanho e forma das células endoteliais.

Fig. 7  Depósitos de material pseudoexfoliativo e pigmento na face posterior da córnea, os quais podem ser confundidos com depósitos inflamatórios relacionados com a uveíte.

Associações sistêmicas Os relatos de achados de material pseudoexfoliativo extraocular não são recentes. Esse material já foi identificado em várias estruturas, incluindo conjuntiva palpebral, derme palpebral, parede da artéria ciliar posterior curta, veias vorticosas, músculos retos e oblíquos, meninges do nervo óptico, tecido conectivo orbitário, vasos centrais da retina, pele, miocárdio, pulmão, fígado, bexiga, rim e meninges cerebrais. Esses achados chamaram a atenção para uma origem sistêmica da doença, a qual pode envolver um processo anormal da matriz extracelular do tecido conectivo por todo o corpo.

PATOGENIA Apesar de extensa pesquisa, a composição exata do material pseudoexfoliativo mantém-se desconhecida (Fig. 8). O material pseudoexfoliativo fibrilar característico é composto por uma

Figs. 8 (A e B)  Pseudoexfoliação capsular (D Miranda). A. Microfotografia do cristalino onde se observam depósitos capsulares (setas) e uma cápsula discretamente espessada. B. Depósitos sobre o epitélio pigmentar iriano (seta).

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Pseudoexfoliação Capsular  |  221

estrutura central proteica circundada por uma matriz amorfa composta por glicoconjugados e glicosaminoglicanos. No olho, o material pseudoexfoliativo é produzido primariamente pelo epitélio não pigmentado do corpo ciliar, pelo epitélio pigmentado posterior da íris e pelo epitélio cristaliniano equatorial. Avaliações biquímicas e imuno-histoquímicas com o objetivo de tentar identificar a composição do material pseudoexfoliativo conduziram a três possíveis teorias para explicar a patogênese da pseudoexfoliação: uma teoria sugerindo que sua origem tenha componentes de material amiloide, outra relacionada com um distúrbio do metabolismo da membrana basal e uma terceira indicando uma associação com componentes de microfibrilas elásticas.

Mecanismo de desenvolvimento do glaucoma Glaucoma crônico de ângulo aberto Os mecanismos potenciais para desenvolvimento de glaucoma de ângulo aberto incluem disfunção das células do trabeculado, bloqueio do trabeculado por material pseudoexfoliativo, bloqueio do trabeculado por pigmentos e glaucoma primário de ângulo aberto concomitante. A obstrução do trabeculado, quer seja por pigmento ou material pseudoexfoliativo, é geralmente considerada como a causa mais provável para a elevação da pressão intraocular. Estudos mostraram uma frequência de hipertensão ocular associada ou não ao dano glaucomatoso do nervo óptico variando de 15 a 30%. Uma vez presente, o glaucoma pseudoexfoliativo costuma cursar com pressão intraocular bastante elevada. Um estudo por Tarkannen observou que 60% dos olhos afetados em indivíduos com glaucoma pseudoexfoliativo unilateral exibiam pressão intraocular acima de 35 mmHg no momento do diagnóstico. Em curva tensional diária, a variação, o valor da pressão intraocular máxima e mínima costumam ser maiores em olhos com glaucoma pseudoexfoliativo comparados a olhos com glaucoma primário de ângulo aberto. Aproximadamante 35% dos olhos com glaucoma pseudoexfoliativo apresentam variação diurna de pressão intraocular maior do que 15 mmHg, comparados a 7,5% dos olhos com glaucoma primário de ângulo aberto. Sampaolesi et al. reportaram que, enquanto no glaucoma pigmentar o acúmulo de pigmentos ocorre por toda a extensão do trabeculado indo até parede externa do canal de Schlemm e canais coletores, as partículas de pigmento na síndrome de pseudoexfoliação, por serem mais largas e aderentes, são restritas à porção interna do trabeculado. Acredita-se que a maioria do material pseudoexfoliativo acumula-se na área subendotelial do canal de Schlemm e a patologia maior parece envolver acúmulo de material pseudoexfoliativo no tecido justacanalicular, assim como mudanças degenerativas no canal de Schlemm e área justacanalicular. Em adição à obstrução do trabeculado por material pseudoexfoliativo de origem extratrabecular, um envolvimento ativo das células do trabeculado no processo anormal de matriz extracelular e produção local de material pseudoexfoliativo pelas células do trabeculado têm sido sugerido como fatores contribuintes para a obstrução do escoamento. De qualquer maneira, ainda não está claro porque somente alguns olhos com pseudoesfoliação desenvolvem glaucoma ou mesmo hipertensão. A resposta de pacientes com pseudoesfoliação sem glaucoma a esteroides tópicos é similar à da população normal, diferente do glaucoma primário de ângulo aberto.

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222 | Glaucoma

Glaucoma de ângulo fechado Apesar de ter sido relatada uma alta incidência de ângulos estreitos ou oclusíveis em olhos com pseudoexfoliação, a prevalência de pseudoexfoliação em olhos com glaucoma de ângulo fechado têm raramente sido mencionada, sendo até mesmo considerada não usual. O bloqueio pupilar pode ser causado por uma combinação de sinequia posterior, aumento da espessura ou rigidez da íris, ou movimento anterior do cristalino secundário à fraqueza zonular ou diálise. Mióticos podem exacerbar o bloqueio pupilar e o deslocamento anterior do diafragma iridocristaliniano. Fechamento angular induzido por mióticos é mais comum em olhos com síndrome de pseudoexfoliação do que em olhos sem esse distúrbio.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL A entidade mais importante no diagnóstico diferencial é a síndrome de dispersão pigmentar. Os pacientes com síndrome de dispersão pigmentar são mais jovens (30 a 40 anos de idade) e mais míopes do que os pacientes com pseudoexfoliação. As partículas de pigmentos nessa doença são menores e tendem a se acumular nas dobras irianas. A pigmentação do trabeculado em olhos com síndrome de dispersão pigmentar é mais densa e homogênea, o “fuso de Krukenberg” é muito frequente e os defeitos de transiluminação iriana são fusiformes e em média periferia. A apresentação de um paciente mais velho com sinais de dispersão pigmentar e glaucoma unilateral requer um exame cuidadoso para avaliar a possibilidade de pseudoesfoliação. Em pacientes com uveíte o trabeculado exibe uma pigmentação castanho mais claro e com distribuição mais irregular. As estruturas do ângulo em pacientes com glaucoma crônico de ângulo fechado podem exibir áreas de pigmentação aumentada após a abertura do ângulo após uma iridectomia. A exfoliação verdadeira da cápsula anterior é uma condição clínica rara encontrada em indivíduos expostos a altas temperaturas (p. ex., sopradores de vidro) e não está associada a glaucoma.

TRATAMENTO O tratamento dos olhos com pseudoexfoliação e glaucoma de ângulo aberto é semelhante aos com glaucoma primário de ângulo aberto e inclui o uso de prostaglandinas, betabloqueadores, alfa-adrenérgicos, inibidores da anidrase carbônica, mióticos, além do laser e cirurgia filtrante.

Tratamento clínico O glaucoma pseudoexfoliativo tende a responder pior à terapia clínica do que o glaucoma primário de ângulo aberto. Fármacos supressores do humor aquoso podem abaixar a pressão intraocular em olhos com glaucoma pseudoexfoliativo. Dorzolamida é quase tão efetiva quanto o maleato de timo-

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Pseudoexfoliação Capsular  |  223

lol e também tem efeito aditivo quando associada ao mesmo nesses pacientes. Por outro lado, fármacos supressores do humor aquoso, por diminuirem a secreção de humor aquoso, resultam em fluxo de aquoso diminuído pelo trabeculado. Becker apresentou evidências sugestivas de que esses fármacos podem levar a uma piora da função do trabeculado. Os mióticos têm múltiplas ações benéficas em olhos com pseudoexfoliação. Esses fármacos não somente reduzem a pressão intraocular mas, por aumentar a drenagem de humor aquoso, podem permitir a limpeza do trabeculado mais rapidamente e, por limitar o movimento pupilar, podem reduzir a liberação de pigmentos. Teoricamente, esses fármacos deveriam ser a primeira linha de tratamento em glaucoma pseudoexfoliativo. Contudo, muitos pacientes apresentam catarata nuclear e a miose induzida pode diminuir a acuidade visual. Além disso, o uso prolongado de mióticos pode levar ao desenvolvimento de sinequias posteriores. Os derivados das prostaglandinas são efetivos em reduzir a pressão intraocular em olhos com pseudoexfoliação capsular.

Cirurgia a laser A trabeculoplastia com laser de argônio é particularmente efetiva em pacientes com glaucoma pseudoexfoliativo, pelo menos na fase inicial. A redução da pressão intraocular geralmente é maior do que em pacientes com glaucoma primário de ângulo aberto. Dada a gravidade deste tipo de glaucoma, é interessante realizar a trabeculoplastia tão logo o tratamento clínico mostre-se ineficaz, e a cirurgia logo que a trabeculoplastia perca seu efeito hipotensor.

Cirurgia do glaucoma Pacientes com glaucoma pseudoexfoliativo tendem a apresentar menor progressão do que aqueles com glaucoma primário de ângulo aberto após a cirurgia filtrante. Contudo, complicações cirúrgicas são mais comuns nos pacientes com glaucoma pseudoexfoliativo. A pressão intraocular pré-operatória muito elevada pode predispor a hemorragia de coroide ou efusão uveal. A fragilidade zonular pode levar a um movimento anterior do cristalino ou subluxação, podendo causar dano ao cristalino durante a iridectomia, perda vítrea ou encarceramento vítreo tardio no óstio interno. A neovascularização da íris previamente não detectada, pode levar a ocorrência de hifema intra ou pós-operatório. Pacientes com glaucoma pseudoexfoliativo têm progressão da catarata após trabeculectomia mais frequentemente.

Cirurgia da catarata Pacientes com pseudoexfoliação são muito mais predispostos a apresentar complicações no momento da cirurgia de catarata. Entre os fatores relacionados com esse fato incluem-se a má dilatação pupilar, grande incidência de rotura da cápsula posterior, deiscência zonular e perda vítrea. A fragilidade zonular aumenta as chances de luxação do cristalino, diálise zonular ou perda vítrea em até 10 vezes.

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224 | Glaucoma O cuidado para se evitar pressão sobre o cristalino é importante considerando a fragilidade zonular. A instabilidade do cristalino muitas vezes não é visível pré-operatoriamente, podendo piorar consideravelmente quando o olho é aberto e inicia-se a capsulorrexe. Inflamação após a cirurgia de catarata é mais comum em olhos com pseudoexfoliação quando comparados aos olhos sem esse distúrbio. Uma reação fibrinoide transitória atribuída à quebra da barreira hematoaquosa pode ocorrer. Elevações transitórias da pressão intraocular no pós-operatório também são mais comuns nesses olhos. Opacificação da cápsula posterior é mais frequente nesses olhos e descentração tardia de lente intraocular e saco capsular também são mais comuns. A síndrome de contração capsular, caracterizada por uma redução na abertura do saco capsular após a cirurgia de catarata também é mais descrita frequentemente em olhos com pseudoexfoliação, principalmente se a capsulorrexe for pequena.

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Pseudoexfoliação Capsular  |  225

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GERALDO VICENTE DE ALMEIDA • RALPH COHEN MARIA CRISTINA NISHIWAKI-DANTAS

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Glaucoma Secundário a Afecções da Episclera e Esclera

EPISCLERITES As episclerites são processos inflamatórios benignos, autolimitados, com frequência recorrentes e, embora, desconfortáveis não causam dano permanente ao olho. Afetam principalmente indivíduos do sexo feminino, na proporção de 2:1, geralmente na quarta década de vida. Podem ser uni ou bilaterais, de ocorrência simultânea ou não. As episclerites apresentam-se sob duas formas clínicas: simples e nodular. O quadro clínico é semelhante em ambas as formas. O olho torna-se vermelho, sensível, com sensação de “fisgada” e lacrimejante, mas sem secreção. Observam-se quemose conjuntival, edema palpebral, e podem estar presentes miose e miopia temporária. O que diferencia as duas formas clínicas é a existência, na forma nodular, de nódulos subconjuntivais móveis (Fig. 1). As formas de glaucoma que podem acompanhar a episclerite são os glaucomas agudo de ângulo aberto, agudo de ângulo fechado e cortisônico. O glaucoma agudo de ângulo aberto é incomum e aparece geralmente quando há intumescimento e infiltração da episclera, bem como edema palpebral concomitante. Há dor intensa no globo ocular e deterioração da visão. A hipertensão ocular acentuada é acompanhada de edema de córnea moderado, miose e, à gonioscopia, observa-se ângulo aberto. O edema da

Fig. 1  Episclerite nodular (PE Dantas e M Schirmer).

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228  |  Glaucoma malha trabecular e o aumento da pressão venosa episcleral são os mecanismos aventados para explicar a hipertensão ocular. O tratamento desse tipo de glaucoma pode ser efetuado com acetazolamida, tropicamida a 1% e colírio de prednisolona a 0,3%. Na vigência de uma episclerite, pode desenvolver-se glaucoma agudo de ângulo fechado, com quadro clínico idêntico ao do glaucoma primário de ângulo fechado. Os pacientes com episclerite muitas vezes são tratados com corticoide tópico por períodos que podem variar de semanas a vários anos, uma vez que a recorrência desse processo benigno é muito frequente. Portanto, há possibilidade de desenvolvimento de glaucoma cortisônico nos indivíduos sensíveis. Uma vez feito o diagnóstico de glaucoma cortisônico, deve-se suspender o uso do esteroide e substituí-lo por outro fármaco anti-inflamatório como a fenilbutazona ou a indometacina. A continuar o processo hipertensivo, apesar da suspensão do agente causal, o glaucoma deve ser tratado com os fármacos usualmente empregados para o tratamento clínico do glaucoma crônico de ângulo aberto. Se os corticosteroides são imprescindíveis, devem ser administrados por via sistêmica. Se o tratamento clínico é ineficaz, recorre-se ao tratamento cirúrgico. O procedimento de eleição é a trabeculectomia.

ESCLERITES São doenças oculares crônicas, com frequência recorrentes, graves, geralmente dolorosas, potencialmente destrutivas e que requerem, ao contrário das episclerites, fármacos potentes para o seu tratamento. São mais frequentes em mulheres (1,6:1), na faixa etária de 40 a 60 anos. Em cerca de 50% dos indivíduos, a enfermidade se restringe ao olho. Em 30%, está associada à artrite reumatoide (Fig. 2) e nos 20% restantes pode estar associada à granulomatose de Wegener, lúpus eritematoso sistêmico, gota, poliarterite nodosa, herpes-zóster oftálmico e outras. Quando associada à artrite reumatoide ou outras doenças autoimunes, tende a ser mais grave do que na esclerite idiopática (Tabela I).

Fig. 2  As esclerites são frequentes nos portadores de artrite reumatoide do adulto (F Oréfice).

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Glaucoma Secundário a Afecções da Episclera e Esclera  |  229

TABELA I  Glaucomas nas esclerites Tipos de esclerites

Total

Total com glaucoma

Primário de ângulo aberto

Primário de ângulo fechado

Anterior difusa

119

12

6

0

Anterior nodular

134

11

6

0

Anterior necrosante

29

8

2

0

Scleromalacia perforans

13

4

0

0

Posterior

6

0

0

0

Total geral

301

35

14

0

As esclerites podem ser classificadas em: 1. Anterior Difusa Nodular Necrosante yy Com inflamação yy Sem inflamação: Scleromalacia perforans 2. Posterior

Esclerite anterior Esclerite anterior difusa e nodular É uma doença insidiosa, que se manifesta inicialmente por dor. Há edema do tecido escleral profundo, que se segue de congestão episcleral (Fig. 3). Na esclerite nodular, a inflamação escleral limita-se a um ou mais nódulos, que podem atingir grandes dimensões. São nódulos de consistência amolecida, eritematosos, imóveis, dolorosos e que não devem ser submetidos a biópsia, pois sua cicatrização pode ser difícil. Após várias crises de inflamação escleral, pode haver afinamento difuso ou localizado da esclera, que torna-se violácea, pois deixa transparecer a úvea. O tratamento consiste no emprego de agentes anti-inflamatórios sistêmicos não esteroides, tais como ibuprofeno ou indometacina.

Fig. 3  O glaucoma é incomum na esclerite anterior difusa, embora 33% dos casos estejam associados à uveíte (F Oréfice).

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230  |  Glaucoma

Esclerite anterior necrosante Com inflamação Somente 10% das esclerites anteriores assumem esta forma. Inicialmente, o quadro lembra o de uma esclerite benigna. A progressão caracteriza-se por dor acentuada e congestão ocular que não ultrapassa o equador. Os vasos congestos circundam uma área edematosa na qual a episclera e a conjuntiva estão geralmente avasculares. Esta área corresponde a um granuloma ativo (Fig. 4). A cicatrização do processo geralmente resulta em afinamento escleral localizado, muitas vezes deixando uma área coberta apenas por fina camada de conjuntiva. Se o tratamento não é eficaz, ocorre necrose do tecido avascular com perda de substância (Fig. 5). A lesão pode estender-se circunferencialmente ou caminhar em direção ao segmento posterior. O tratamento é feito com corticosteroides sistêmicos em altas doses (1 mg/kg/dia). Suplementação com fármacos imunossupressores pode ser necessária.

Fig. 4  Esclerite anterior necrosante.

Fig. 5  Esclerite anterior necrosante associada a ceratouveíte (E Sato).

Sem inflamação (scleromalacia perforans) Nesta forma, ocorre vasculite obliterante dos vasos episclerais. Consequentemente, há necrose avascular e sequestro da esclera subjacente. Os fenômenos inflamatórios são mínimos. Afeta quase sempre mulheres portadoras de artrite reumatoide de longa duração. Os pacientes são, geralmente, assintomáticos e, à biomicroscopia, pode-se notar a presença de extensa área de afinamento escleral, que, por transparência, deixa visível a úvea subjacente (Fig. 6).

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Fig. 6  Scleromalacia perforans em portador de artrite reumatoide (RL Abbott).

Glaucoma associado à esclerite anterior Glaucoma secundário de ângulo aberto Nesses olhos, apesar dos altos níveis da pressão intraocular, o seio camerular tem aparência normal, o que dificulta o diagnóstico. Dois dados que auxiliam na diferenciação são a redução rápida da pressão intraocular com o tratamento da esclerite e o aspecto gonioscópico de congestão da malha trabecular, adjacente a área de esclerite. A uveíte anterior ocorre em 33% dos pacientes com esclerite anterior (Fig. 7). É geralmente de pequena intensidade e pode ser controlada com a dilatação pupilar e o tratamento da esclerite. O tratamento clínico deve ser dirigido para o controle do processo inflamatório, bem como do hipertensivo. Isso pode ser obtido através de corticoterapia geral ou, nos casos menos graves, com agentes anti-inflamatórios locais. Em alguns poucos casos, cicloplégicos e inibidores da anidrase carbônica podem ser necessários. O glaucoma cortisônico é uma possibilidade menor, quando se recorre a corticoterapia sistêmica. Entretanto, o risco aumenta muito com o uso tópico desses fármacos. Uma vez que a eficácia do uso local dos esteroides nas esclerites é duvidosa, recomenda-se sua aplicação por via sistêmica.

Fig. 7  Esclerite anterior tuberculosa. A reação inflamatória granulomatosa localizada no limbo pode ser responsável por elevação da pressão intraocular (F Oréfice).

Glaucoma secundário de ângulo fechado Esta forma de glaucoma agudo ocorre por formação de goniossinequias, na vigência de uma uveíte prolongada associada ao processo inflamatório escleral.

Esclerite posterior A esclerite posterior tem seu diagnóstico frequentemente dificultado por sua localização e seu quadro pleomórfico. Pode ser confundida com coroidopatia serosa central, coroidite, edema macular, tumores intraoculares ou retrobulbares e pseudotumor orbitário.

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232  |  Glaucoma Os sinais e sintomas da esclerite posterior são determinados pela localização do granuloma. Inicialmente, há diminuição da acuidade visual central, que pode ser melhorada com lentes positivas. A dor é de grande intensidade na maioria dos casos. Outras manifestações menos frequentemente descritas são diplopia, proptose e esclerite anterior concomitante (Fig. 8A). Entre as alterações fundoscópicas, o papiledema é um achado bastante frequente. As dobras de coroide também constituem uma manifestação muito comum e são caracterizadas angiograficamente por faixas alternadas de hipo e hiperfluorescencia. O exame ultrassonográfico é de grande valor para a elucidação diagnóstica, pois por meio dele é possível observar o espessamento grosseiro da coroide em direção a retina, com manutenção da curvatura da superfície posterior da esclera (Fig. 8B).

Figs. 8 (A e B)  Esclerite posterior. A. Discreta proptose, quemose e congestão episcleral mais notável inferiormente. B. A ultrassonografia mostra o típico espessamento parietal, que permite selar o diagnóstico. À direita, 5 dias após o tratamento com oxifenilbutazona, já se constata nítida regressão do espessamento (FA Silva).

Glaucoma associado à esclerite posterior A esclerite posterior pode provocar reação inflamatória do corpo ciliar, edema dos tecidos adjacentes e evoluir para efusão coroidiana, que pode ser circunferencial. Resulta desse fato a rotação anterior do corpo ciliar, tendo como ponto de apoio o esporão escleral, e fechamento do seio camerular. O diagnóstico pode ser facilitado quando há concomitância de esclerite anterior. A pressão intraocular eleva-se, a câmara anterior aplana-se e o seio camerular oclui-se em toda a sua extensão. O tratamento deve ser dirigido para a causa, com a utilização de anti-inflamatórios sistêmicos, tais como a oxifenilbutazona e os corticosteroides. A pressão intraocular deve ser normalizada com inibidores da anidrase carbônica. Mióticos estão contraindicados.

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Glaucoma Secundário a Afecções da Episclera e Esclera  |  233

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HOMERO GUSMÃO DE ALMEIDA • ROGÉRIO LACERDA JOSÉ RICARDO REDHER

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Glaucoma Secundário a Uveítes

O termo uveíte significa inflamação do trato uveal: irite, ciclite e coroidite – embora frequentemente o processo inflamatório interesse também à córnea, trabeculado, base do vítreo e retina. A incidência de uveíte é estimada em 15 casos por 100.000 pessoas/ano. As inflamações da úvea anterior (irite e iridociclite) são 4 vezes mais frequentes que as coroidites ou coriorretinites. E são as uveítes anteriores que estão mais frequentemente associadas a desequilíbrio da pressão intraocular, pelo comprometimento do sistema de drenagem ou de produção do humor aquoso. O diagnóstico de glaucoma secundário à uveíte é, na maioria das vezes, evidente. Mas, em determinadas circunstâncias, a identificação de um processo inflamatório como a causa da hipertensão ocular é extremamente difícil, mesmo porque não há correlação entre a gravidade do processo inflamatório e a intensidade da hipertensão ocular. Existem determinadas situações em que a inflamação, como causa do glaucoma, deve ser pesquisada com atenção: glaucoma de ângulo aberto unilateral, glaucoma de ângulo aberto de início súbito e certos casos de glaucoma de ângulo fechado. É importante que a causa inflamatória da hipertensão ocular seja identificada porque aqui, como também em outras formas de glaucoma secundário, a estratégia para o tratamento dependerá da identificação do mecanismo patogenético envolvido.

UVEÍTE ANTERIOR (QUADRO CLÍNICO) O quadro clínico das uveítes anteriores é bastante variável, dependendo da gravidade, duração e características clínicas da resposta inflamatória. Assim, de acordo com a evolução, podem ser agudas, crônicas ou recorrentes e segundo a resposta inflamatória, podem ser granulomatosas e não granulomatosas.

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236 | Glaucoma Nas uveítes anteriores agudas os sintomas têm início súbito: os pacientes queixam-se de dor ocular, lacrimejamento, olho vermelho, fotofobia e embaçamento visual. Ao exame, constatam-se hiperemia ocular (injeção ciliar) e miose (Fig. 1). Ao exame biomicroscópico, observam-se flare celular e precipitados na superfície posterior da córnea (Fig. 2). Nas íris de coloração clara é possível visualizar-se os vasos irianos dilatados e congestos. Nos processos mais graves, com intensa exsudação, as células inflamatórias podem depositar-se inferiormente na câmara anterior (hipópio) (Fig. 3). As manifestações clínicas das iridociclites incluem aquelas das irites e também apresentam reação inflamatória do vítreo anterior, com formação de aglomerados celulares.

Fig. 1  Iridociclite aguda com intensa congestão ocular, miose e edema epitelial discreto.

Fig. 2  lridociclite aguda com precipitados ceráticos mais numerosos na metade inferior da superfície posterior da córnea (GV Almeida).

Fig. 3  lridociclite aguda grave com fibrina na câmara anterior e depósito de células inflamatórias inferiormente (hipópio).

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Glaucoma Secundário a Uveíte  |  237

FISIOPATOLOGIA DO GLAUCOMA O mecanismo das modificações tensionais no curso das uveítes está relacionado com o comprometimento da drenagem e/ou da produção do humor aquoso: 1. Hipertensão ocular por aumento da resistência ao escoamento do humor aquoso a) Ângulo aberto. b) Ângulo fechado: Sem bloqueio pupilar. Com bloqueio pupilar. 2. Hipotensão ocular por redução na produção do humor aquoso. 3. Pressão intraocular normal por comprometimento simultâneo do escoamento e da produção do humor aquoso.

Hipertensão ocular por aumento da resistência ao escoamento do humor aquoso Ângulo aberto A facilidade de escoamento do humor aquoso em um ângulo camerular aberto, na presença de processo inflamatório, pode estar comprometida por meio de vários mecanismos. Nos processos inflamatórios em atividade, uma infiltração da malha trabecular por células inflamatórias e edema das células endoteliais das trabéculas podem ser responsáveis pela elevação da pressão intraocular. Fibrina, acúmulos celulares e macrófagos também podem comprometer o fluxo normal de drenagem do humor aquoso por obstrução dos espaços intertrabeculares. Nas inflamações agudas há intensa congestão vascular do segmento anterior, mas não existem evidências de que esta possa influenciar a facilidade de escoamento do aquoso. O exame gonioscópico permite observar um seio camerular livre e sem alterações, embora em certos tipos de iridociclite se possa constatar a presença de acúmulos de material inflamatório sobre a superfície interna do trabeculado, semelhantes aos precipitados ceráticos. Clinicamente, no entanto, não há correlação entre a intensidade do flare inflamatório observado à biomicroscopia e a pressão intraocular. Na realidade, pode ser constatada uma hipertensão ocular acentuada na presença de humor aquoso opticamente vazio, ou pressão intraocular normal na presença de humor aquoso plasmoide. Torna-se difícil avaliar esse aspecto, uma vez que outros fatores, agindo em sentidos opostos, podem estar presentes. Seria importante que se estudasse, concomitantemente, além da viscosidade do aquoso e a pressão intraocular, a facilidade de escoamento e a produção do humor aquoso. Na maioria dos casos, com o controle do processo inflamatório uveal anterior, há a normalização da pressão intraocular. No entanto, se o processo inflamatório é muito intenso, prolongado ou recorrente, podem ocorrer alterações estruturais na malha trabecular e a obstrução ao escoamento do humor aquoso torna-se irreversível, bem como a hipertensão ocular, persistente. O comprometimento do escoamento do humor aquoso, nestas circunstâncias, pode ser causado pela organização dos depósitos e infiltrados inflamatórios e fibrose do trabeculado. Pode haver também, a formação de membranas endoteliais e vasculares sobre a superfície interna da malha trabecular. Também nesses casos, a gonioscopia mostra um ângulo aberto, sem maiores alterações.

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238 | Glaucoma

Ângulo fechado sem bloqueio pupilar Já em 1906, Fuchs, em estudos anatomopatológicos, estabeleceu a relação entre a hipertensão ocular e a existência de goniossinequias. As sinequias anteriores periféricas tendem a se formar mais frequentemente nas uveítes anteriores crônicas ou recorrentes. Podem, também, se instalar em um curto espaço de tempo em certos casos com inflamação aguda intensa. A formação de sinequias anteriores periféricas parece relacionada com o edema da raiz da íris e corpo ciliar, com a transudação proteica e com a exsudação inflamatória. Podem formar-se, também, a partir da organização de precipitados inflamatórios presentes na parede externa do seio camerular. As sinequias anteriores periféricas secundárias à inflamação do segmento anterior são, em geral, irregulares (Fig. 4) e assumem formas variadas: fibrilares, cônicas, trapezoidais, anular, etc. A presença de goniossinequias, que impedem o acesso do humor aquoso à malha trabecular, é compatível com pressão intraocular normal. A elevação da pressão intraocular estará na dependência da extensão dessas sinequias e da intensidade do comprometimento funcional da malha trabecular nas áreas em que o ângulo ainda permanece aberto.

Figs. 4 (A e B)  Sinequias anteriores periféricas. A. À gonioscopia, conferem um contorno ondulado à periferia da íris. B. Se são muito anteriores, o exame biomicroscópico permite a sua observação direta (GV Almeida).

Ângulo fechado com bloqueio pupilar Nos processos inflamatórios do segmento anterior com intensa exsudação e também nas iridociclites crônicas ou recorrentes, é frequente a formação de sinequias posteriores. A adesão iridocristaliniana ocorre, inicialmente, devido à deposição de material fibrinoide na área pupilar (Fig. 5). Há, posteriormente, um processo de organização desse material e formação de membrana fibrovascular. As sinequias posteriores, se extensas, impedem o fluxo normal do humor aquoso através da pupila e elevam o gradiente de pressão entre as câmaras anterior e posterior. A maior pressão na câmara posterior promove um abaulamento anterior da íris (íris bombé) (Fig. 6) com consequente fechamento do seio camerular e intensa elevação da pressão intraocular. Se há resolução do bloqueio ao fluxo do humor aquoso para a câmara anterior (punção iriana, iridectomia, etc.), a íris recua para sua posição original e se afasta da periferia corneana, abrindo o ângulo camerular e permitindo o acesso do aquoso à malha trabecular. Geralmente há imediata normalização da pressão intraocular, mas se já existem adesões firmes entre a íris e a periferia da córnea, a situação de fechamento do ângulo se mantém por meio da presença de sinequias anteriores periféricas e a pressão intraocular pode permanecer elevada.

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Fig. 5  Depósitos de fibrina são responsáveis pela formação de adesão entre a íris e o cristalino (sinequias posteriores).

Fig. 6  A organização do material inflamatório depositado entre a íris e o cristalino torna definitivas as sinequias posteriores. Se extensas, podem levar a um bloqueio pupilar, com consequente deslocamento anterior da íris pelo represamento do humor aquoso na câmara posterior (íris bombé) e fechamento do seio camerular.

Hipotensão ocular por redução na produção do humor aquoso O mesmo processo inflamatório que pode causar a elevação da pressão intraocular pelos diversos mecanismos já discutidos é, mais frequentemente, responsável por hipotensão ocular. Estudos fluorométricos demonstram que a queda da pressão intraocular nas uveítes anteriores é decorrente da diminuição na produção do humor aquoso. Em nenhum momento há aumento da facilidade de escoamento e a hipotensão pode se instalar mesmo quando o bloqueio à drenagem do humor aquoso é completo. A inflamação do corpo ciliar é responsável pela rotura da barreira hematoaquosa, o que provavelmente torna o processo de secreção do humor aquoso menos eficiente. O mecanismo íntimo pelo qual a produção de aquoso é comprometida permanece obscuro. Na maioria dos casos, o comprometimento na formação do humor aquoso é completamente reversível: o fluxo de produção do aquoso retorna ao normal após o controle da inflamação, prontamente em alguns casos e lentamente em outros. No entanto, o processo inflamatório é capaz de causar dano estrutural aos processos ciliares e ser responsável por hipotensão ocular persistente. Entretanto, mesmo quando a produção de aquoso permanece baixa devido à lesão irreversível do corpo ciliar, ela pode sofrer variações funcionais e ocasionar marcantes flutuações da pressão intraocular se a resistência ao escoamento encontra-se alta.

Pressão intraocular normal por comprometimento simultâneo do escoamento e produção do humor aquoso A hipertensão ocular resultante da inflamação da úvea anterior é decorrente da diminuição na facilidade de escoamento do humor aquoso e a hipotensão é consequência da diminuição da atividade secretora do corpo ciliar. É fácil entender então que, se a redução na produção de humor aquoso compensa o aumento da resistência ao seu escoamento, a pressão intraocular

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240 | Glaucoma pode permanecer em níveis normais, apesar do grave comprometimento da hidrodinâmica do humor aquoso. É de fundamental importância o conhecimento dos mecanismos fisiopatológicos envolvidos na gênese do glaucoma secundário a uveítes. Devido ao seu caráter extremamente dinâmico, o controle da pressão intraocular nesses casos exige acompanhamento constante do médico, que é obrigado a rever com frequência as suas medidas terapêuticas. Em certos casos, por exemplo, dependendo da intensidade da reação inflamatória no corpo ciliar e na malha trabecular, um olho portador de glaucoma secundário à uveíte anterior pode alternar períodos de conspícua elevação da pressão intraocular com períodos de hipotonia. Nos processos inflamatórios crônicos ou recorrentes, a redução na produção de aquoso é, quase sempre, reversível e o comprometimento da drenagem é frequentemente definitivo. Assim, em certas circunstâncias, o tratamento da inflamação pode resultar em intensa elevação da pressão intraocular pela normalização do fluxo de produção de aquoso em um olho com facilidade de escoamento diminuída. Por outro lado, a utilização de drogas antiglaucomatosas que agem sobre a produção de aquoso podem causar intensa hipotonia ocular que pode durar por várias semanas, devido à lesão estrutural do corpo ciliar secundária à inflamação.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL O diagnóstico diferencial do glaucoma secundário à uveíte deve ser feito com os glaucomas primário de ângulo fechado, facolítico, pós-traumático, pigmentar, capsular, eritroclástico e cortisônico. O diagnóstico diferencial mais importante é com o glaucoma primário de ângulo fechado. Principalmente devido ao fato de que o tratamento de um e outro é basicamente distinto. Por exemplo, o uso de midriático seria desastroso nos casos de fechamento do ângulo camerular e a instilação de pilocarpina agravaria enormemente a congestão e dor oculares nos casos de iridociclite aguda. No glaucoma primário de ângulo fechado agudo também ocorre dor, baixa visual e se observam sinais inflamatórios: congestão ocular e flare celular. No entanto, nestes olhos, ocorre a midríase média paralítica em vez da miose. A câmara anterior é rasa bilateralmente e a constatação, à gonioscopia, do fechamento do seio camerular, sela o diagnóstico. Em certos momentos, no entanto, é difícil a diferenciação, principalmente se ocorre uma uveíte anterior em olhos de seio camerular estreito. Após o ataque agudo de fechamento angular, há menos fotofobia que nos casos de iridociclite; a pupila geralmente mantém-se semidilatada, com àreas de atrofia setorial e dispersão pigmentar. À gonioscopia, constata-se a presença de um ângulo estreito e sinequias anteriores periféricas podem ser detectadas, mas bem distintas daquelas secundárias à uveíte: tendem a ser uniformes e paralelas à linha de Schwalbe. Nos olhos portadores de glaucoma facolítico também observam-se intensa congestão, dor e flare celular. Mas, nesses olhos, constata-se a presença de catarata madura ou hipermatura, tyndall com células grandes e reluzentes e grumos de material cortical cristaliniano em suspensão no aquoso, e a instilação de corticoide tópico não melhora o quadro hipertensivo.

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Nos casos de glaucoma pós-traumático, pode ocorrer conspícua elevação da pressão intraocular em um olho e a sua diferenciação do glaucoma secundário à uveíte baseia-se, entre outros aspectos, na história clínica e na constatação, à gonioscopia, de retrocesso do seio camerular. Nos olhos com glaucoma eritroclástico (por células fantasmas), a história de hemorragia intraocular, a presença de solução de continuidade entre o compartimento vítreo e a câmara anterior, e a identificação das células fantasmas, pequenas, de cor cáqui, em suspensão ou formando um pseudo-hipópio, permitem o diagnóstico. Outros tipos de glaucoma, que podem apresentar elevação intensa da pressão intraocular, com flutuações amplas, dispersão e depósitos pigmentares podem, mais raramente, ser confundidos com glaucoma secundário à inflamação, como, por exemplo, glaucoma pigmentar e pseudoexfoliação capsular. O diagnóstico diferencial com o glaucoma cortisônico será tratado em seguida.

TRATAMENTO O tratamento do glaucoma secundário à uveíte em atividade é dirigido primordialmente à inflamação intraocular. Com o controle do processo inflamatório, há normalização da pressão intraocular, se não tiver ocorrido dano estrutural do sistema de drenagem do humor aquoso, como fibrose da malha trabecular, sinequias anteriores periféricas, etc. Nas uveítes crônicas, a elevação da pressão intraocular, se presente, tende a persistir após o tratamento anti-inflamatório e frequentemente será necessária a manutenção do tratamento clínico hipotensor ou mesmo o tratamento cirúrgico (Fig. 7).

Fig. 7  Tratamento do glaucoma secundário à uveíte.

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Tratamento clínico Midriáticos e cicloplégicos Os midriáticos e cicloplégicos são utilizados com a finalidade de prevenir a formação de sinequias anteriores e posteriores. Se as sinequias ocorrerem em uma pupila miótica, o comprometimento da visão é quase inevitável e o exame do fundo de olho torna-se extremamente difícil, senão impossível (Fig. 8). Os cicloplégicos e midriáticos podem também liberar as sinequias posteriores de instalação recente, devendo-se, para isso, associá-los a fármacos simpaticomiméticos. Classicamente, utilizam-se atropina, ciclopentolato ou tropicamida (antagonistas colinérgicos) e fenilefrina (adrenérgico) (Figs. 9 A-D). A cicloplegia, ao promover também relaxamento do espasmo do músculo ciliar, propicia nítido alívio do desconforto ocular.

Fig. 8  O bloqueio pupilar por sinequias posteriores é mais frequente se a pupila estiver miótica. Nessa situação há, em geral, comprometimento mais acentuado da visão e o exame do fundo de olho fica prejudicado.

Figs. 9 (A-D)  Sinequias posteriores em formação. A. Inicialmente há deposição de fibrina na área pupilar. Devido a um ângulo camerular muito estreito, com grande chance de fechamento, foi realizada iridectomia com laser de argônio na posição de 1 h. B e C. O tratamento anti-inflamatório intenso foi responsável pela reabsorção dos depósitos de material inflamatório. D. A iridectomia possibilitou a utilização de cicloplégicos e midriáticos que foram eficazes na liberação das sinequias.

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A instilação de midriáticos pode, em certos momentos, ser um problema. Em pacientes com câmara anterior rasa é fundamental uma cuidadosa avaliação gonioscópica. Pode-se estar diante de um glaucoma de ângulo fechado agudo ou então correr o risco de superpor um fechamento angular em um olho com uveíte anterior, o que seria um desastre! Às vezes, uma avaliação precisa do ângulo camerular não é possível, já que um edema de córnea, mesmo discreto, compromete o exame. Assim, nos olhos com câmara anterior rasa, se não há certeza de que o ângulo esteja aberto ou se é estreito, passível de fechamento, é recomendável que se inicie o tratamento com cicloplégico-midriático de curta duração (p. ex., tropicamida), cujo efeito poderá ser revertido com mais facilidade, se necessário.

Corticoterapia A ação anti-inflamatória dos corticosteroides é inespecífica, sem efeito sobre a causa da inflamação, seja ela infecciosa, tóxica ou imunológica. Agem protegendo os tecidos dos efeitos danosos das reações inflamatórias: Diminuem a permeabilidade capilar aumentada. Suprimem a formação de exsudatos celulares. Inibem a migração dos neutrófilos para o local inflamado. Inibem a formação de tecido de granulação. Têm efeito de estabilização sobre os lisossomos intracelulares. Inibem o processamento do antígeno pelos macrófagos. Inibem a liberação de prostaglandinas. As vias de administração podem ser tópica, periocular e sistêmica. Na maioria das vezes, a administração tópica é suficiente para o controle da inflamação nas uveítes anteriores. Os fármacos mais utilizados são a dexametasona a 0,1%, acetado de prednisolona a 1% e, mais recentemente, o loteprednol a 0,5%, que teria o mérito de interferir menos na pressão intraocular. A frequência das instilações variará de acordo com a intensidade do processo inflamatório: nos casos graves pode-se utilizar 1 gota a cada 1 ou 2 horas e, após a melhora do quadro, promove-se a diminuição gradativa até a menor dose de manutenção. Depois, em momento adequado, caminha-se, também gradativamente, para a suspensão do tratamento. Para os casos rebeldes de uveítes anteriores e intermediárias e na maioria das uveítes posteriores e difusas, deve-se recorrer à administração sistêmica. O fármaco mais utilizado é a prednisona por via oral e a dose inicial variará de acordo com cada caso, de 40 a 100 mg/ dia. É importante que a diminuição do tratamento seja realizada gradativamente. Isso é válido também para a medicação tópica: a interrupção abrupta da instilação das gotas pode reativar um processo inflamatório controlado. Na maioria dos casos, o tratamento anti-inflamatório promoverá, juntamente com a resolução do quadro inflamatório, a normalização da pressão intraocular, se o comprometimento da drenagem do humor aquoso for devido a edema e infiltração inflamatória do sistema de drenagem. Em certos casos de uveíte crônica ou recorrente, a corticoterapia poderá ser responsável por elevação adicional da pressão intraocular devido à normalização de uma hipossecreção de humor aquoso em um olho com comprometimento estrutural do sistema de drenagem (fibrose da malha trabecular, sinequias anteriores periféricas, etc.). Do mesmo modo, a pressão intraocular pode estar normal ao início do tratamento e apresentar, ao final de al-

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244 | Glaucoma gum tempo, intensa hipertensão, porém devido a um aumento na resistência de escoamento do aquoso secundário ao uso prolongado de corticoide. Portanto, nos casos de elevação da pressão intraocular na vigência de corticoterapia é fundamental que se esclareça se a causa é uma resposta hipertensiva ao corticoide ou é devido à normalização da produção de humor aquoso pelo tratamento da ciclite. Em alguns olhos será possível suspender gradativamente a corticoterapia: se a pressão intraocular se normalizar, sem recidiva do processo inflamatório, o diagnóstico de glaucoma cortisônico é selado. Se a normalização da pressão se acompanha de exacerbação da inflamação, a dúvida permanece. Se o olho contralateral for normal, podese tentar reproduzir a hipertensão cortisônica nesse olho.

Imunossupressores As mais diversas alterações imunológicas têm sido constatadas e amplamente estudadas em pacientes com uveíte. O emprego de fármacos imunodepressores busca inibir reações hormonais ou celulares responsáveis pela perpetuação ou recorrências de muitas uveítes graves, em geral refratárias aos corticosteroides. É importante lembrar da alta toxicidade desses fármacos e da extensa lista de contraindicações.

Fármacos hipotensores oculares Ao mesmo tempo que se institui o tratamento anti-inflamatório é importante o cuidadoso monitoramento da pressão intraocular, cujo comportamento é bastante variável. Com o controle do processo inflamatório, a pressão intraocular pode normalizar-se, se a resistência ao escoamento do humor aquoso for funcional e pode, mais raramente, elevar-se em duas situações: nos casos em que o comprometimento funcional da produção do humor aquoso preponderava sobre o comprometimento funcional da drenagem, e por resposta hipertensiva ao uso de corticoide. Nas uveítes anteriores agudas, a elevação moderada da pressão intraocular não é motivo de alarme e raramente necessita tratamento hipotensor, já que é bastante provável que só o tratamento anti-inflamatório promova a sua normalização. Por exemplo, um olho com disco óptico e campos visuais normais suporta bem, sem maiores consequências, uma pressão intraocular em torno de 30 mmHg. Por outro lado, nos processos crônicos ou recorrentes, com provável lesão estrutural do sistema de drenagem do humor aquoso e glaucoma persistente, é fundamental o controle rigoroso da pressão intraocular. É importante lembrar que esses olhos requerem um acompanhamento frequente e criterioso, já que tendem a apresentar flutuações frequentes da pressão intraocular em virtude das flutuações na atividade inflamatória. Para o tratamento da elevação da pressão intraocular dispõe-se hoje de inúmeros fármacos com variados mecanismos de ação. Os betabloqueadores são fármacos de primeira escolha: já amplamente testados e apresentam geralmente bons resultados pela sua ação na produção de humor aquoso. Também podem ser utilizados agentes adrenérgicos (brimonidina) e inibidores da anidrase carbônica de uso tópico (dorzolamida, brinzolamida). Os inibidores da anidrase carbônica de uso sistêmico podem ser prescritos e são particularmente úteis no tratamento dos picos hipertensivos, embora o seu uso a longo prazo seja prejudicado pelos efeitos colaterais frequentes: anorexia, fraqueza muscular, parestesias, etc.

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É interessante notar que alguns desses olhos com inflamação crônica prolongada, com dano importante do corpo ciliar, podem se mostrar hipersensíveis à ação dos fármacos que diminuem a formação de humor aquoso. Os análogos das prostaglandinas (latanoprosta, travoprosta, bimatoprosta) são excelentes hipotensores oculares e aparentemente isentos de efeitos sistêmicos. Todavia devem ser evitados em pacientes com uveítes em atividade, naqueles com história de ceratite herpética e de edema macular cistoide. Os mióticos estão contraindicados nas uveítes em atividade, pois aumentam a congestão de desconforto ocular e propiciam a formação de membranas pupilares. Devem, porém, ser utilizados com cautela nos glaucomas pós-inflamatórios. Os agentes hiperosmóticos (glicerol e manitol) podem ser empregados temporariamente nos casos com uveíte em atividade e intensa elevação da pressão intraocular: devem ser administrados 1 vez/dia por até 1 semana. São úteis também como medida preparatória para a iridectomia com laser e o tratamento cirúrgico.

Laser Nos olhos com ângulo fechado secundário ao bloqueio pupilar, o tratamento definitivo é a iridectomia, que pode ser obtida facilmente com a utilização do laser (argônio e/ou Nd:YAG) (Figs. 10A e B). Em olhos muito inflamados e com edema de córnea, é grande a chance de queimaduras endoteliais ou epiteliais, que dificultam ou mesmo impedem a realização de iridectomia com laser. Certas medidas preparatórias podem facilitar enormemente o tratamento. É surpreendente a melhora da visualização das estruturas intraoculares que se pode obter com a instilação de glicerol tópico. Uma outra dificuldade técnica na realização de iridectomia com laser nos olhos com íris bombé é a grande proximidade da íris com o endotélio corneano. Isso pode ser melhorado com a administração prévia de hipotensores osmóticos que, ao diminuir a pressão do aquoso na câmara posterior, alivia um pouco o abaulamento anterior da íris e afasta-a um pouco da superfície posterior da córnea, além de diminuir o edema corneano. Se esta medida falha e

Figs. 10 (A e B)  A. lridociclite recorrente com sinequias posteriores, bloqueio pupilar e deslocamento anterior da íris, que apresenta-se acolada à face posterior da córnea (íris bombé). Há, consequentemente, fechamento angular e intensa elevação da pressão intraocular. B. Com a iridectomia com laser de argônio, no quadrante temporal superior, a íris reassume a sua configuração original e o ângulo camerular abre-se, com normalização da pressão intraocular.

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246 | Glaucoma a íris encontra-se acolada, em grande extensão, à face posterior da córnea, uma alternativa é realizar pequena iridectomia junto à pupila. Com isto, obtém-se resolução do bloqueio pupilar e desaparecimento da configuração bombé da íris, o que permite, então, proceder-se à confecção de outra iridectomia, mais periférica e maior (Figs. 11A e B). Quanto mais intenso o processo inflamatório, maior a chance de oclusão subsequente da iridectomia. Por isso, nos casos de glaucoma associado à uveíte, o controle da inflamação é importante na manutenção da iridectomia, que deve ser a mais ampla possível. Uma outra aplicação do laser de argônio é a trabeculoplastia que, embora com resultados muito variáveis, deve ser tentada inicialmente nos olhos candidatos à cirurgia, desde que a malha trabecular esteja livre de goniossinequias e o processo inflamatório inativo.

Figs. 11 (A e B)  Iridectomia com laser em olhos com bloqueio pupilar e íris bombé. A. Em certos momentos, uma área extensa da íris encontra-se acolada ou muito próxima do endotélio corneano, impedindo a confecção da iridectomia periférica. Pode-se, nessa situação, realizar uma pequena iridectomia em uma região mais central. B. A iridectomia provisória permite que a íris afaste-se da cómea. Realiza-se, então, outra iridectomia, maior e definitiva, na periferia iriana.

Tratamento cirúrgico Iridectomia A iridectomia cirúrgica está indicada nos olhos com bloqueio pupilar, na impossibilidade de obtê-la com laser ou devido à sua oclusão subsequente. Deve ser a técnica preferida nos casos em que tenha também finalidade óptica, devido à oclusão da área pupilar. Nestas circunstâncias, deve ser a mais ampla possível e, se exequível, em setor.

Cirurgia filtrante A cirurgia filtrante está indicada a partir do momento que não se obtenha o controle adequado do glaucoma com o tratamento clínico ou laser. O índice de sucesso das cirurgias fistulantes nos glaucomas secundários a uveítes é significativamente menor que nos olhos portadores de glaucoma primário. Deve-se, sempre que possível, esperar pela inatividade do processo inflamatório. Nas uveítes crônicas, convém lembrar mais uma vez que uma pequena quantidade de células e flare não significam necessariamente atividade do processo inflamatório, já que

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esses olhos exibem uma anormalidade persistente da barreira hematoaquosa. Em qualquer circunstância, no entanto, é importante uma cobertura com anti-inflamatórios nos períodos pré e pós-operatórios. Nós iniciamos, nos casos quiescentes, com 30 mg diários de prednisona 5 dias antes da cirurgia e que são mantidos por cerca de 15 dias, quando, então procedemos à sua suspensão gradativa. Em determinados momentos, se a pressão encontra-se significativamente elevada e o disco óptico exibe sinais de dano progressivo, a cirurgia deve ser realizada mesmo que o processo inflamatório esteja em atividade. Além da corticoterapia sistêmica, utilizamos a administração tópica a cada 2 a 3 horas durante, pelo menos, 1 semana, quando diminuímos gradualmente a frequência das instilações. Geralmente o corticoide tópico é mantido durante cerca de 2 meses. O acompanhamento frequente no período pós-operatório imediato é importante no ajuste da terapêutica. A massagem ocular também pode ajudar a manter funcionante uma bolsa que tende ao colapso. A liberação de sutura com laser de argônio é frequentemente necessária e deve ser realizada nas duas primeiras semanas de pós-operatório. Os glaucomas secundários a uveítes se enquadram nos chamados glaucomas refratários. Assim, a utilização de substâncias moduladoras da cicatrização (5-fluorouracil, mitomicina C) está frequentemente indicada. A nossa preferência é pela mitomicina C, utilizada na concentração de 0,5 mg/ml, aplicada sob o retalho escleral durante 2 a 5 minutos. Após o insucesso de uma ou duas trabeculectomias com mitomicina C, tentamos a utilização de implantes para drenagem (Molteno, Ahmed) (Fig. 12).

Fig. 12  Implante de drenagem em um olho com glaucoma secundário à uveíte, após o insucesso de duas trabeculectomias.

Cirurgias ciclodestrutivas Os resultados com a ciclocrioterapia deixam a desejar: controle em 30 a 60% dos casos e grande incidência de phitisis bulbi. É importante ressaltar que alguns desses olhos com glaucoma secundário à uveíte podem ter, já de início, importante comprometimento do corpo ciliar. Portanto, o risco de hipotonia ocular com a ciclocrioterapia é maior nesses olhos. Por isso, nós iniciamos o tratamento com 4 a 5 aplicações em uma área pouco maior que um quadrante, com temperatura de cerca de –60°C e durante 60 s. O tratamento poderá ser repetido em outro setor alguns dias após, se necessário. A ciclocoagulação transescleral com laser de diodo tem sido utilizada com bons resultados. Pastor et al., em relatório da Academia Americana de Oftalmologia que analizou 130 trabalhos publicados, concluem que o laser de diodo é a melhor técnica para a ciclofotocoagulação, principalmente se são consideradas a eficiência, portabilidade, facilidade de uso e custo.

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UVEÍTES FREQUENTEMENTE ASSOCIADAS AO GLAUCOMA SECUNDÁRIO Na maioria dos casos, a elevação da pressão intraocular ocorre se houver envolvimento da úvea anterior: iridociclites ou pan-uveítes, principalmente naquelas formas graves, crônicas ou recorrentes.

Ciclite heterocrônica de Fuchs Trata-se de uma iridociclite crônica, insidiosa, com características peculiares e intrigantes, unilateral em 90% dos casos, sem predileção por sexo ou raça e o diagnóstico é geralmente feito entre os 20 e 40 anos de idade.

Quadro clínico A iridociclite heterocrômica de Fuchs é caracterizada pela tríade: Heterocromia. Iridociclite. Catarata. O quadro clínico é bem definido e não relacionado com qualquer anormalidade sistêmica. Trata-se de um processo crônico, de evolução insidiosa e unilateral na maioria dos casos. Geralmente o paciente procura o médico com queixa de discreta baixa visual unilateral ou percepção de “moscas volantes” ou, mais raramente, devido a desconforto ocular.

Heterocromia A heterocromia iriana é parte clássica da doença (Figs. 13A-C), mas sua constatação (por depender da cor da íris, da quantidade de melanina do epitélio pigmentar e do grau de atrofia

Figs. 13 (A-C)  Heterocromia de Fuchs. A. É nítida a diferença de coloração das íris. B. Olho normal (OD), de cor verde. C. Olho ciclítico (OE), de cor azul. Observe a presença de catarata já madura e pequeno hifema na periferia nasal da córnea.

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iriana) pode ser difícil. Geralmente, o olho acometido é o mais claro, mas em portadores de íris muito escuras e nos casos em que o acometimento é bilateral o fenômeno pode não ser observado; além disso, em indivíduos de íris claras o olho afetado pode se tornar mais escuro (pela maior exposição do epitélio pigmentar consequente à atrofia estromal iriana: heterocromia inversa). A rarefação do estroma iriano torna os vasos radiais mais proeminentes e, mais raramente, um certo grau de rarefação do epitélio pigmentar pode ser causa de transiluminação anormal. À gonioscopia, podem-se observar inúmeros vasos radiais e circulares no seio camerular, provavelmente relacionados com a intensidade da atrofia mesodérmica. Estes vasos parecem os responsáveis pela hemorragia que ocorre após a paracentese da câmara anterior ou mesmo após simples manipulação do olho com lente de Goldmann.

Iridociclite O quadro clínico é o de uma uveíte anterior leve, crônica e sem queixas de dor, congestão ou fotofobia. Ao exame, a hiperemia está ausente ou é muito discreta e não se observa a miose. Caracteristicamente, não há tendência à formação de sinequias, sejam posteriores ou anteriores periféricas. O flare celular do aquoso é discreto. Os precipitados ceráticos são razoavelmente característicos: pequenos ou médios, arredondados ou estelares, esbranquiçados, de aspecto hialino e translúcidos, estão dispersos em toda a face posterior da córnea.

Catarata A catarata é frequente e ocorre mais tardiamente, como resultado do processo inflamatório. Sua incidência varia de 30 a 90% e, obviamente, está conectada ao tempo de duração da doença. Deve-se, possivelmente, a um aumento da permeabilidade da cápsula posterior do cristalino devido à inflamação crônica, mas com frequência tem forte componente cortisônico.

Glaucoma O glaucoma é a complicação mais séria da iridociclite heterocrômica de Fuchs e se desenvolve mais tardiamente, usualmente após o aparecimento da catarata e, às vezes, após a facectomia. Tende a ser persistente e a elevação da pressão intraocular não parece influenciada pelas flutuações na intensidade da reação inflamatória. Sua incidência varia enormemente, de 10 a 60% dos casos, dependendo do tempo de seguimento.

Diagnóstico diferencial O diagnóstico diferencial da ciclite heterocrômica de Fuchs deve ser feito com todas as outras formas de heterocromia, principalmente com aquela secundária a outros tipos de uveíte. Outras causas possíveis de heterocromia são: trauma, melanose ocular (nevo de Ota), melanoma difuso da íris, atrofia essencial progressiva da íris, neovascularização iriana, etc. Uma outra entidade que merece atenção é a crise glaucomatociclítica.

Tratamento Os corticosteroides, em geral, não são eficazes. O seu uso prolongado pode acelerar o desenvolvimento da catarata e também ser responsável pela instalação de glaucoma cortisônico. A

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250 | Glaucoma cirurgia de catarata tem em geral um bom prognóstico, embora com maior incidência de hifema e hipertensão pós-operatória. Não há contraindicação para o implante de lente intraocular. O tratamento clínico do glaucoma deve ser conduzido de maneira rotineira: betabloqueadores, agentes adrenérgicos e inibidores da anidrase carbônica de uso tópico. O tratamento cirúrgico do glaucoma parece exibir um sucesso limitado. De 21 pacientes submetidos à cirurgia, o controle da pressão intraocular foi obtido em apenas 12 (57%). A utilização de substâncias inibidoras da cicatrização está frequentemente indicada.

Crise glaucomatociclítica (síndrome de Posner-Schlossman) Quadro clínico Como o nome sugere, a doença é caracterizada por ataques recorrentes de inflamação e elevação da pressão intraocular. Ocorre geralmente entre os 20 e 50 anos de idade. A frequência dos ataques é extremamente variável, com períodos de remissão que se estendem de 1 mês a vários anos. A duração dos ataques também é muito variável e pode estender-se de poucas horas a 1 mês, mas na maioria dos casos não ultrapassa duas semanas. O acometimento é quase sempre unilateral, embora casos raros de bilateralidade tenham sido publicados. O sintoma mais frequente é discreto desconforto ocular. Como regra, o paciente não se queixa de dor ocular, mesmo nos casos de intensa elevação da pressão intraocular. Embaçamento da visão é frequente, sem grande baixa visual, e halos irisados podem ser percebidos. Ao exame, o olho apresenta-se calmo, apenas com discreta hiperemia conjuntival. Em alguns casos, intensa congestão e dor podem estar presentes se o diagnóstico não foi feito e o paciente foi previamente medicado com mióticos. A córnea não raramente apresenta-se com edema epitelial, proporcional à intensidade da hipertensão ocular. Na maioria dos casos, a pressão intraocular situa-se entre 40 e 60 mmHg e, em geral, instala-se simultaneamente com o surgimento de flare celular muito discreto. Sem dúvida, a elevação da pressão intraocular é desproporcional à sintomatologia e à discreta inflamação uveal. Excepcionalmente, algumas crises podem ocorrer sem nenhuma evidência de iridociclite, assim como esta pode estar presente sem hipertensão ocular. Os precipitados ceráticos surgem, em geral, 3 dias após o início do ataque. Se são pequenos, podem ser obscurecidos pelo edema corneano, daí a importância da instilação de glicerina tópica para um exame detalhado do segmento anterior. Caracteristicamente, não há formação de sinequias posteriores ou anteriores. Durante o ataque, o olho acometido apresenta discreta midríase, que pode pesistir após a crise. O ataque da crise glaucomatociclítica termina em 1 a 2 semanas, com ou sem tratamento e com queda da pressão intraocular frequentemente a um nível inferior ao do olho contralateral. Classicamente, entre as crises, o olho apresenta-se normal e exibe respostas negativas a todos os tipos de testes de provocação. O disco óptico é normal e o campo visual não apresenta nenhuma alteração que possa ser atribuída à doença. Entretanto, vários trabalhos chamam a atenção para a associação entre a crise glaucomatociclítica e o glaucoma primário de ângulo aberto. Torna-se, assim, evidente a importância do acompanhamento rigoroso desses pacientes, com exames detalhados de ambos os olhos. É bom salientar que o diagnóstico de crise glaucomatociclítica muitas vezes não será selado no primeiro exame. Somente o acompanhamento

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sequencial, com a caracterização do quadro clínico, com crises autolimitadas e, principalmente, desproporção entre a discreta inflamação intraocular e a gravidade da hipertensão intraocular, permitirá confirmar a suspeita diagnóstica levantada na primeira consulta.

Etiopatogenia A causa da crise glaucomatociclítica permanece obscura. Durante o ataque, a tonografia demonstra indubitável diminuição da facilidade de escoamento do humor aquoso, que é interpretado como edema da malha trabecular. Parece que, ao lado do aumento na resistência ao escoamento, há também aumento significativo da produção do humor aquoso.

Diagnóstico diferencial O diagnóstico diferencial da crise glaucomatociclítica deve ser feito com o glaucoma primário de ângulo fechado agudo e também com a elevação da pressão intraocular associada a outras formas de uveíte anterior. O diagnóstico diferencial com a crise aguda de glaucoma de ângulo fechado não oferece dificuldades: no glaucoma agudo, a dor e a congestão ocular são geralmente intensas, há midríase média paralítica, ausência de precipitados ceráticos inflamatórios e o exame gonioscópico revela o fechamento angular. Maior dificuldade existe no diagnóstico diferencial com outras formas de uveíte anterior associadas ao glaucoma, o que inclui a iridociclite heterocrômica de Fuchs. Em muitas circunstâncias essa diferenciação é muito difícil e somente o acompanhamento e caracterização do curso clínico permitirão o diagnóstico.

Tratamento A crise glaucomatociclítica é uma modalidade de glaucoma que cede de forma espontânea, independentemente do tratamento. Classicamente, o tratamento resume-se na utilização de fármacos hipotensores oculares durante o ataque: β-bloqueadores, alfa-agonistas, agentes adrenérgicos e inibidores da anidrase carbônica de uso tópico ou sistêmico. Os fármacos antiglaucomatosos não previnem as crises subsequentes e não estão indicados nos períodos de remissão. O tratamento com corticosteroide tópico é usualmente instituído e é aconselhado por alguns autores. No entanto, não há evidência definitiva de que a sua utilização encurte o curso do episódio agudo. O uso prolongado de corticoide tópico é desaconselhável, principalmente porque o risco de glaucoma cortisônico parece maior nesses olhos. A utilização de inibidores da síntese de prostaglandinas, como a indometacina e a aspirina, está teoricamente indicada. A indometacina oral parece efetiva no controle da crise, mas o curso clínico da doença muito variável dificulta a avaliação terapêutica. Classicamente, a cirurgia não está indicada. No entanto, em casos graves, com comprometimento progressivo da papila e do campo visual, a cirurgia filtrante parece prevenir as elevações da pressão intraocular, embora sem alterar os episódios de iridociclite.

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Uveítes virais Herpes simples A ceratite dendrítica herpética raramente é complicada com glaucoma. Já a ceratouveíte é frequentemente associada à elevação da pressão intraocular (Fig. 14). A hipertensão associada à uveíte herpética é caracterizada por ataques intermitentes, cuja duração pode estender-se de uma semana a vários meses. A elevação da pressão intraocular está relacionada com o processo inflamatório da malha trabecular, sem componente de fechamento angular.

Fig. 14  Ceratouveíte herpética com envolvimento corneano epitelial.

Tratamento O aciclovir é o fármaco antiviral de escolha pelo controle que exerce na replicação viral. Fármacos hipotensores como β-bloqueadores e inibidores da anidrase carbônica são necessários nos frequentes casos de hipertensão intraocular. Geralmente há normalização da pressão intraocular com o controle do processo inflamatório, entretanto, em cerca de 12% dos casos instala-se um glaucoma persistente que necessitará tratamento adequado, clínico ou cirúrgico.

Herpes-zóster O quadro clínico é típico: grave eritema e erupção vesicular, precedidos de dores intensas, ocorrem na distribuição do ramo oftálmico. Quando o ramo nasociliar é acometido, há frequentemente o desenvolvimento de ceratite, iridociclite e glaucoma secundário, 1 a 2 semanas após o aparecimento das lesões dermatológicas. A inflamação do segmento anterior é usualmente intensa, com flare e células no humor aquoso e formação de precipitados ceráticos tipo mutton fat, que tendem a ser densamente pigmentados. Pode haver formação de hipópio. Úlceras dendríticas podem ocorrer, embora a ceratite profunda seja mais frequente, podendo persistir por longo período. O comprometimento da íris é frequentemente grave: o estroma desenvolve placas de atrofia devido à vasculite isquêmica e necrose. A elevação da pressão intraocular parece ocorrer em 25% dos olhos acometidos, e é secundária à obstrução do escoamento do humor aquoso pelo processo inflamatório.

Tratamento O aciclovir oral deverá ser prescrito precocemente em casos de herpes-zóster oftálmico não só para diminuir a agressividade das lesões dermatológicas, como também para prevenir complicações oculares.

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Os corticoides tópicos são usados nas ceratites ou ceratouveítes sem envolvimento epitelial, de modo geral associados ao aciclovir. Drogas hipotensoras oculares devem ser utilizadas se necessário. Se, apesar do tratamento clínico, a pressão intraocular permanecer elevada, a cirurgia está indicada.

Artrite reumatoide juvenil O glaucoma é uma complicação relativamente frequente da artrite reumatoide juvenil e sua ocorrência cresce com a maior duração da doença, alcançando uma incidência de 20%. Pode surgir por mecanismos diversos: lesão da malha trabecular, formação de sinequias anteriores periféricas, bloqueio pupilar por sinequias posteriores, etc. (Fig. 15). Devido ao caráter crônico da iridociclite e a necessidade do uso prolongado de corticosteroides, o glaucoma cortisônico é uma possibilidade real. Cerca de 50% dos pacientes respondem bem ao tratamento tópico de corticoide e cicloplégicos. A corticoterapia sistêmica é reservada àquelas formas mais rebeldes, resistentes. Algumas dessas crianças, com o passar do tempo, tornam-se corticoide-resistentes e podem necessitar de fármacos imunodepressores e imunomoduladores.

Fig. 15  O comprometimento ocular na artrite reumatoide juvenil caracteriza-se pela tríade clássica: ceratopatia em faixa, catarata e iridociclite crônica.

Síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada A síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada enquadra-se no grupo das úveomeningites, no qual, associados ao comprometimento ocular, ocorrem sinais meníngeos e cutâneos. O quadro clínico da síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada apresenta quatro fases distintas: prodrômica, ocular aguda, de convalescença e recorrente crônica. Na fase ocular aguda surge, na maioria dos casos, uma pan-uveíte bilateral e simultânea. O envolvimento posterior caracteriza-se por uma coroidite difusa com desconpensação secundária do epitélio pigmentar da retina e consequente descolamento seroso da retina. Hiperemia e edema do nervo óptico estão sistematicamente associados. O segmento anterior pode apresentar uma reação discreta, mas de modo geral a iridociclite, com ou sem características granulomatosas, é também importante (Fig. 16). O flare é intenso e a quantidade de células é, por vezes, exuberante; os precipitados ceráticos são grosseiros, tipo mutton fat, e pode haver formação de nódulos irianos. Há grande tendência à formação de sinequias posteriores, com seclusão pupilar e íris bombé. O glaucoma secundário é muito frequente e, em geral, rebelde ao tratamento clínico e mesmo cirúrgico.

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Fig. 16  Síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada. O envolvimento anterior caracteriza-se por uma iridociclite granulomatosa com precipitados ceráticos tipo mutton fat, flare, células no aquoso e vítreo anterior.

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HOMERO GUSMÃO DE ALMEIDA • ALBERTO DINIZ FILHO

C A P Í T U L O  |  20

Glaucoma Neovascular

O glaucoma neovascular é uma forma particularmente devastadora de glaucoma, secundário à formação de uma membrana fibrovascular que recobre a malha trabecular. Inicialmente, o ângulo é aberto e a pressão intraocular pode ou não estar elevada. Posteriormente, há retração do tecido fibrovascular e formação de sinequias anteriores periféricas, com acentuada elevação da pressão intraocular. A neoformação vascular do segmento anterior está, quase sempre, associada a algum tipo de doença do segmento posterior. O conhecimento das doenças que podem levar à neovascularização iriana auxiliará o médico na identificação dos grupos de risco e no diagnóstico da causa subjacente de um glaucoma neovascular já instalado. O conhecimento da causa da neoformação vascular iriana é de fundamental importância na estratégia da profilaxia e do tratamento do glaucoma neovascular.

QUADRO CLÍNICO Os primeiros achados biomicroscópicos são delicados tufos de capilares dilatados na margem pupilar, que podem passar despercebidos se o exame não for cuidadoso, com bom aumento e iluminação adequada. Ao exame mais rápido, principalmente nas íris de coloração escura, podem ser confundidos com acúmulos de pigmentos (Fig. 1). Acreditamos ser excepcional a ocorrência de neovascularização iriana sem o comprometimento da margem pupilar (Figs. 2 e 3A) . Outros autores, entretanto, acreditam que o processo de neoformação vascular se inicie no nível da raiz da íris. Portanto, todo paciente com risco de vir a desenvolver glaucoma neovascular deve ser submetido, periodicamente, a meticuloso exame biomicroscópico da margem pupilar e também a exame gonioscópico cuidadoso. Após iniciado o processo de neoformação vascular, há o aparecimento de delicada trama de neovasos sobre toda a superfície iriana, com uma disposição mais ou menos irregular e aspecto arborizado. 257

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Fig. 1  A neovascularização iriana inicia-se quase sempre na margem pupilar e pode confundir-se com grumos de pigmento nas íris de coloração escura.

Fig. 2  Neovascularização iriana: com o tempo, os neovasos na borda pupilar tornam-se mais evidentes.

Os vasos irianos normais têm uma disposição radial, com raras anastomoses, sem arborização e estão sempre recobertos por alguma quantidade de parênquima iriano, sendo evidentes somente em íris de coloração clara. Já os vasos neoformados têm delicada parede que permite a visualização nítida da coluna sanguínea. Os neovasos presentes na margem pupilar tendem a se anastomosar com os vasos do colarete para, então, se estenderem em direção à periferia. Nesta fase, geralmente o paciente não tem sintomas. Somente se ocorrer algum hifema espontâneo é que o paciente notará algum distúrbio visual. No ângulo, os vasos neoformados podem ser facilmente diferenciados dos vasos normais. Estes têm uma disposição radial na periferia da íris, sempre localizados sob o estroma. Pode-se, às vezes, notar segmentos de vasos circunferenciais localizados na raiz da íris ou sobre a faixa ciliar. Em nenhum momento observam-se vasos ultrapassando o esporão escleral. Já os vasos neoformados, caracteristicamente, estendem-se da periferia da íris sobre a faixa ciliar, cruzam o esporão escleral e se arborizam ao atingir a malha trabecular (Fig. 3B). A partir de um vaso que atinge o trabeculado, há a formação de uma fina rede capilar que corre circunferencialmente até anastomosar-se com neovasos provenientes de outro tronco nutridor. Neste estádio II, a pressão intraocular pode estar elevada e a facilidade de escoamento do aquoso diminuída, mas o ângulo mantém-se aberto. Em um terceiro estádio, com a contração do tecido fibrovascular, o estroma iriano é tracionado anterior e perifericamente, ao longo dos troncos vasculares, e direção da malha trabecular (Fig. 3C). Nestes pontos inicia-se a formação de sinequias anteriores periféricas que tendem a se alargar e coalescer, até que todo o ângulo torna-se ocluído.

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No estádio IV, a íris apresenta-se implantada sobre a malha trabecular, podendo estender-se até a linha de Schwalbe ou mesmo ultrapassá-la, promovendo o sepultamento da trama vascular neoformada presente no ângulo da câmara anterior (Fig. 3D). Muito frequentemente, só nesta fase é feito o diagnóstico: o paciente procura o atendimento de urgência com intensa dor ocular e periocular, congestão e redução da visão. Ao exame, há conspícua elevação da pressão intraocular, usualmente com valores entre 40 e 80 mmHg. A córnea exibe edema epitelial, às vezes intenso, o que dificulta, em alguns casos, o exame adequado do segmento anterior e a visualização da neovascularização da íris. A instilação de glicerina tópica promove nítida melhora da transparência corneana, permitindo o exame biomicroscópico adequado. Não há correlação estreita entre dor e elevação da pressão intraocular. Alguns pacientes têm dor relativamente intensa quando a pressão intraocular está ainda em níveis normais e outros se queixam apenas de discreto desconforto, embora a pressão esteja extremamente elevada, evidência de que, nestes olhos, a reação inflamatória é componente importante no mecanismo da dor. À medida que avança o processo de neoformação vascular, a íris torna-se compacta, afilada e perde o relevo normal. A pupila torna-se dilatada e fixa devido à fibrose iriana e atrofia dos músculos esfíncter e dilatador. Frequentemente, há a formação de ectrópio uveal pela contração do tecido fibrovascular, que traciona o epitélio pigmentar da borda pupilar sobre a superfície anterior da íris (Fig. 5). O hifema está presente em 25 a 75% dos casos (Fig. 6).

Figs. 3 (A-D)  Curso clínico da neovascularização iriana: A. Neovasos incipientes na borda pupilar (Estádio I). B. Os neovasos presentes na raiz da íris tendem a recobrir a malha trabecular e estendem-se radialmente em direção à pupila (Estádio II). C. Com a retração do tecido fibrovascular, ocorrem pinçamentos do parênquima iriano e tem início a formação de sinequias anteriores periféricas (Estádio III). D. As sinequias anteriores periféricas terminam por fechar o ângulo camerular em 360º (Estádio IV).

Fig. 4  Neovascularização na porção ciliar termina por se unir à rede pupilar.

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Fig. 5  A retração do tecido fibrovascular é responsável pela formação de ectrópio do epitélio pigmentar na borda pupilar e perda de textura normal do relevo iriano (G V Almeida).

Fig. 6  A ocorrência de hifema é relativamente frequente nos olhos com neovascularização iriana, principalmente nos casos avançados.

O tempo necessário para que ocorra a oclusão completa do seio camerular, desde o aparecimento dos discretos tufos de capilares neoformados na margem pupilar, é extremamente variável. O fechamento do ângulo pode ser fulminante e processar-se em poucos dias após o surgimento das primeiras alterações irianas. Por outro lado, a neovascularização iriana pode permanecer estacionária por vários anos, sem comprometimento do ângulo (Figs. 7A e B), ou mesmo entrar em processo de regressão espontânea. O glaucoma neovascular que se segue à oclusão da veia central da retina parece ter um curso mais rápido e fulminante do que aquele devido à retinopatia diabética.

Figs. 7 (A e B)  A. Extensa neovascularização da íris e sinequias posteriores. B. O seio camerular, no entanto, está aberto em 360º.

ESTUDO FLUORESCEÍNICO Antes de qualquer anormalidade ser percebida pelo exame biomicroscópico, alterações vasculares podem ser detectadas pelo exame angiofluoresceinográfico da íris. A alteração vas-

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cular mais incipiente é o extravasamento de fluoresceína através de capilares peripupilares dilatados. Este fato sugere que a lesão endotelial da rede vascular precede o surgimento dos neovasos. A angiografia fluoresceínica retiniana também tem grande valor na identificação dos olhos que têm maior chance de desenvolverem glaucoma neovascular e é tratada com detalhe mais adiante.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Devido ao início súbito dos sintomas, o diagnóstico diferencial deve incluir os glaucomas: primário de ângulo fechado agudo, facolítico e secundários à uveíte e ao trauma. No glaucoma primário de ângulo fechado, o exame do olho contralateral é de grande valia, já que a condição de seio estreito é bilateral. Com cuidadosa anamnese e meticulosos exames biomicroscópico e gonioscópico, o diagnóstico diferencial não é difícil. No glaucoma facolítico se constatará a presença de catarata madura ou hipermatura, ausência de neovasos e discreto flare de partículas esbranquiçadas em suspensão no aquoso. Nos glaucomas secundários à uveíte, uma iridociclite intensa pode causar intensa congestão dos vasos irianos normais que, principalmente nas íris de coloração clara, podem ser confundidos com neovasos (Figs. 8A e B). A instilação de corticoide e cicloplégicos promove pronto desaparecimento desses vasos ingurgitados, elucidando o diagnóstico. A ciclite heterocrômica de Fuchs pode também ser confundida com glaucoma neovascular. Nessa condição, o olho é usualmente calmo e a neovascularização, que ocorre somente no ângulo camerular, não tem aspecto arborizado e não há formação de sinequias anteriores periféricas. Como o glaucoma neovascular pode apresentar-se com hifema, uma quantidade maior de sangue na câmara anterior pode impedir um exame adequado e o diagnóstico diferencial deverá incluir qualquer causa de hemorragia intraocular com glaucoma associado: trauma, sangramento pós-operatório, tumores intraoculares, etc. Geralmente uma história cuidadosa elucidará o quadro. Confirmado o diagnóstico de glaucoma neovascular, deve-se procurar identificar a causa subjacente. Isso será de fundamental importância no prognóstico do olho afetado, do olho contralateral e mesmo da vida do paciente. A ocorrência de neovascularização iriana bilateral é, de longe, mais frequentemente constatada nos casos de retinopatia diabética.

Figs. 8 (A e B)  A. Iridociclite aguda com intensa congestão e elevação da pressão intraocular. B. O intenso ingurgitamento da rede vascular peripupilar pode ser confundido com neovascularização.

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262 | Glaucoma Nos pacientes diabéticos com neovascularização iriana, a incidência de bilateralidade varia de 20 a 75%, havendo, obviamente, íntima relação com o tempo de seguimento. Um olho cego com glaucoma neovascular e impossibilidade de exame adequado do fundo de olho não pode ser definido como portador de oclusão da veia central da retina ou descolamento de retina antigo, e um exame ecográfico, indispensável nesta situação, poderá revelar um melanoma de coroide.

PATOLOGIA O exame histológico da íris com neovascularização não fornece nenhuma indicação a respeito da possível causa. Às vezes, o diagnóstico de diabetes pode ser feito quando se observa alterações cistoides típicas de acúmulo de glicogênio no epitélio pigmentar da íris. Histologicamente é difícil a identificação dos vasos neoformados que, devido ao escasso suporte, tendem ao colapso durante a preparação da peça. A neovascularização começa como brotamentos endoteliais de capilares e vênulas, daí surgir inicialmente onde a rede capilar é mais densa: na porção pupilar e na periferia da íris. Os vasos neoformados tendem a se localizar nas camadas mais anteriores da íris e têm paredes delicadas e tênue suporte. Clinicamente, a neovascularização iriana é superficial, no entanto, os neovasos podem ser detectados em todas as camadas. Com o tempo, há proliferação de tecido conectivo, formando uma membrana fibrovascular. Com a contração deste tecido conectivo, os vasos são, em grande parte, sepultados e, nesta fase, a íris torna-se fibrótica, afilada e perde o seu relevo normal. A contração da superfície anterior da íris resulta em distorção da pupila e ectrópio do epitélio pigmentar. O ângulo, com o crescimento dos neovasos, é recoberto pela membrana fibrovascular, com comprometimento da drenagem do humor aquoso mesmo antes do aparecimento das sinequias (Fig. 9). Com a retração da membrana fibrovascular, há tração radial da íris, que resulta na formação de sinequias anteriores periféricas. Com o tempo, estas sinequias estendem-se em 360° e a íris mostra-se implantada no nível da linha de Schwalbe, formando um pseudoângulo que, não infrequentemente, é interpretado como aberto, em um exame gonioscópico menos cuidadoso. As alterações do fundo de olho dependerão da doença subjacente. E as alterações do disco óptico no glaucoma neovascular são inespecíficas.

Fig. 9  Neovascularização iriana: observe a perda do relevo normal e a presença de uma membrana fibrovascular sobre a superfície anterior da íris. Essa membrana é rica em vasos neoformados (setas pequenas) e traciona o epitélio pigmentar (ectrópio) (seta grande) (D Miranda).

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CAUSAS E CONDIÇÕES PREDISPONENTES Existem várias publicações relatando a incidência das diversas causas de neovascularização do segmento anterior, em estudos anatomopatológicos e clínicos. São inúmeras as causas de neovascularização iriana. Em revisões recentes da literatura, foram identificadas de 25 a 41 causas. Todas as entidades reportadas na literatura têm em comum alguma forma de comprometimento do segmento posterior. As causas mais frequentes de neovascularização iriana entre 593 olhos analisados foram: oclusão da veia central da retina (28,3%); retinopatia diabética (21,9%); descolamento de retina (7,1%); e obstrução carotídea (5,9%) (Tabela I). A lista que se segue enumera todas as causas mais frequentes:

Doenças Vasculares Oculares Retinopatia diabética Oclusão da veia central da retina Oclusão da artéria central da retina Doença de Coats Doença de Eales Anemia falciforme Fibroplasia retrolental Doença de Sturge-Weber

Outras Doenças Oculares Descolamento de retina Uveíte Vítreo primário hiperplástico persistente

Doenças Vasculares Extraoculares Obstrução carotídea Fístula carotidocavernosa Doença de Takayasu Arterite temporal

Neoplasias Oculares Retinoblastoma Melanoma da coroide Melanoma da íris Carcinoma metastático

Cirurgias Oculares Facectomia Vitrectomia

Doenças vasculares oculares Retinopatia diabética A incidência geral de neovascularização iriana em uma população de diabéticos varia enormemente: de 1 a 10%. Esta variação, sem dúvida, está conectada à seleção dos diversos grupos

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264 | Glaucoma estudados. Em uma amostragem não selecionada, a incidência gira em torno de 5%. Quanto maior a duração do diabetes, maior a incidência de neovascularização iriana: cerca de 5% dos pacientes com duração do diabetes inferior a 5 anos, e 59% daqueles com duração superior a 20 anos. A idade média dos pacientes com glaucoma neovascular de origem diabética é significativamente menor que a dos pacientes com glaucoma secundário à oclusão de veia central da retina: 49 e 67 anos, respectivamente. O curso da neovascularização iriana é imprevisível: pode progredir rapidamente, em semanas, para o glaucoma neovascular; pode mostrar-se estacionária por vários anos, ou pode mesmo regredir espontaneamente. Parece não haver dúvida de que a progressão da neovascularização iriana de origem diabética processa-se mais lentamente que nos casos secundários à oclusão da veia central da retina. Talvez porque também a instalação da isquemia, nos olhos portadores de retinopatia diabética, seja um processo muito mais lento que nos casos de oclusão da veia central. O conhecimento da história natural da neovascularização do segmento anterior é de fundamental importância na avaliação de qualquer tratamento profilático do glaucoma neovascular. Quando um paciente diabético desenvolve glaucoma neovascular em um olho, frequentemente se constatará neovasos irianos no olho contralateral.

Oclusão da veia central da retina A oclusão da veia central da retina é uma das causas mais frequentes de glaucoma neovascular (Tabela I). Cerca de 37% dos glaucomas neovasculares têm como causa subjacente a oclusão da veia central da retina. O glaucoma neovascular ocorre em aproximadamente 30% dos pacientes com oclusão da veia central da retina. O tempo que decorre desde o início do quadro obstrutivo até a instalação do glaucoma neovascular pode variar enormemente, de semanas a anos. Mas, na maioria das vezes, o glaucoma surge 2 a 3 meses após a oclusão venosa, daí o termo “glaucoma dos 100 dias”. O diagnóstico de oclusão da veia central da retina é feito ao constatarem-se, ao exame de fundo de olho, edema de retina, veias túrgidas e tortuosas e hemorragias retinianas, em um paciente com queixa de baixa visual súbita, sem dor ou outros sintomas. Hayreh distingue duas categorias: Retinopatia hemorrágica – Caracterizada por isquemia retiniana acentuada, hemorragias extensas e grave baixa visual. Retinopatia por estase venosa – Não há isquemia retiniana, as hemorragias são discretas e a baixa visual é moderada. A angiografia fluoresceínica da retina constitui, hoje, um exame de grande importância na avaliação dos pacientes portadores de oclusão da veia central da retina, ao possibilitar a identificação daqueles com maior risco de desenvolverem glaucoma neovascular (Figs. 10A e B). Este exame deverá ser realizado no período de 4 a 8 semanas que se segue ao episódio de oclusão venosa e repetido subsequentemente, se necessário. O eletrorretinograma também auxilia na identificação dos casos com componente isquêmico importante (Figs. 11A e B).

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105 70 100 110

208 593

Schulze* (1935)

Anderson* (1971)

Hoskins* (1974)

Gardner & Hendkind* (1978)

Brow et al.**

Total (28,3)

168

75

8

28

13

44

(21,9)

130

67

21

33

6

3

OVCR Diabetes

(7,1)

42

3

3

12

24

DR

(5,9)

35

27

8

Insuficiência carótida

(4,2)

25

13

4

2

6

Glaucoma

(3,9)

23

3

11

2

7

Uveíte

(3,5)

21

8

2

11

OACR

DR = Descolamento de retina; OACR = Oclusão da área central da retina; OVCR = Oclusão da veia central da retina. * Estudo anatomopatológico. ** Estudo clínico.

%

No

Autor

TABELA I  Causas de neovascularização iriana e glaucoma neovascular

(3,2)

19

10

9

Melanoma

(3,2)

19

10

6

3

Retinoblastoma

(3,0)

18

14

4

Trauma

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266 | Glaucoma

Figs. 10 (A e B)  Oclusão da veia central da retina: exame angiofluoresceinográfico. A. Forma não isquêmica: veias tortuosas, estase, hemorragias esparsas e boa perfusão tissular. B. Forma isquêmica: hemorragias, neoformação vascular e áreas extensas de isquemia (não perfusão).

Figs. 11 (A e B)  A. O ERG é normal nas oclusões venosas não isquêmicas. B. Nas formas hemorrágicas observa-se o chamado ERG negativo, isto é, onda a normal e onda b extremamente reduzida, espelhando a isquemia (infarto) das células bipolares (Elisabeto Ribeiro-Gonçalves).

Em 1922, Moore descreveu uma queda da pressão intraocular associada à oclusão da veia central da retina. Esta redução da pressão intraocular, confirmada por inúmeros autores, ocorre imediatamente após a oclusão venosa e perdura por várias semanas ou meses. A redução tensional situa-se em torno de 4 a 5 mmHg nos casos de obstrução da veia central, e é menos expressiva nas oclusões de ramo. O mecanismo dessa redução tensional é obscuro. Especula-se se a mesma substância vasoproliferativa, produzida pela retina em hipóxia, não poderia ser também responsável pela redução da pressão intraocular. Isso estaria de acordo com a acentuada hipotensão ocular observada nos pacientes com retinopatia diabética grave. A incidência de glaucoma primário de ângulo aberto em pacientes portadores de oclusão venosa varia de 10 a 69%. É interessante notar que, em cerca de 15% dos pacientes com oclusão venosa, a pressão intraocular era inicialmente normal e elevou-se subsequentemente. Curioso também é o fato de que a incidência de oclusão venosa em pacientes portadores de glaucoma de ângulo aberto é bem menor do que seria de se esperar, girando em torno de 1a 3%. Isso sugere que, além da hipertensão ocular, outros fatores devem estar envolvidos na patogênese da oclusão venosa.

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Se cerca de metade dos pacientes com oclusão da veia central da retina é também portadora de glaucoma primário, torna-se imperativo, nestes pacientes, uma minuciosa propedêutica de glaucoma. A situação nem sempre é clara. Comumente, detecta-se hipertensão ocular no olho contralateral e pressão normal ou baixa no olho com oclusão venosa. A redução tensional no olho acometido pode mascarar o glaucoma subjacente, assim como o edema do disco óptico pode dificultar a avaliação da escavação. Não é raro que o glaucoma se torne evidente algum tempo após o episódio de oclusão venosa. Um pequeno número de casos de oclusão venosa é associado a crises de glaucoma por fechamento angular e outros tipos de glaucoma, evidência de que a elevação da pressão intraocular de qualquer origem predispõe às oclusões vasculares. Em situações raras, pode ocorrer conspícua diminuição da profundidade da câmara anterior, após a oclusão da veia central da retina, com instalação de bloqueio do ângulo e crise de glaucoma agudo. O mecanismo é obscuro e estaria relacionado com a exsudação da coroide e consequente deslocamento do diafragma iridocristaliniano. Embora rara, esta eventualidade é importante por dois motivos: 1) uma crise de glaucoma agudo de ângulo fechado pode ser confundida com glaucoma neovascular, cujo tratamento é essencialmente distinto; 2) a fotocoagulação panretiniana pode agravar a exsudação da coroide e precipitar uma crise de glaucoma agudo em olhos predispostos. Especial atenção deve ser dedicada a esses casos, no período que se segue às aplicações do laser.

Oclusão da artéria central da retina Após oclusão da artéria central da retina, somente cerca de 2% dos casos desenvolvem glaucoma neovascular. O aparecimento do glaucoma neovascular, após oclusão da artéria central da retina, é mais precoce que na oclusão da veia central: tipicamente, o paciente relata início súbito de dor intensa 2 meses após a oclusão arterial. A maioria destes olhos já está cega devido à oclusão arterial retiniana, embora, excepcionalmente, a existência de uma artéria ciliorretiniana possa preservar a visão central. A baixa incidência de neovascularização iriana e glaucoma neovascular, após a oclusão arterial, talvez seja devido ao fato de que, nesta circunstância, a isquemia é tão completa que não há tecido retiniano em quantidade suficiente para produzir o hipotético fator vasoproliferativo.

Outras doenças oculares Descolamento de retina O descolamento antigo de retina é uma causa frequente de neovascularização iriana e glaucoma neovascular (Tabela I). A correlação entre descolamento de retina e glaucoma neovascular torna-se mais expressiva quando se atenta para o fato de que o descolamento está, muito frequentemente, associado a inúmeras outras patologias que são causa de neovascularização iriana, como tumores, doença de Coats e a própria retinopatia diabética proliferativa.

Uveíte A incidência de neovascularização iriana, em caso de inflamação intraocular, varia de 1,5 a 11% (Tabela I). A confusão diagnóstica pode ocorrer em duas situações: primeiro, a elevação intensa

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268 | Glaucoma da pressão intraocular em olhos com glaucoma neovascular causa inflamação ocular, que pode acompanhar-se de resposta celular na câmara anterior e induzir ao diagnóstico de uveíte; segundo, uma uveíte hipertensiva pode acompanhar-se de intensa congestão vascular iriana que, principalmente nas íris de coloração clara, pode ser confundida com neovascularização (Fig. 8).

DOENÇAS VASCULARES EXTRAOCULARES Qualquer que seja a causa, uma diminuição do suprimento sanguíneo do globo ocular, suficientemente intensa para ocasionar isquemia retiniana, pode ser responsável por neovascularização do segmento anterior. A neovascularização iriana e o glaucoma neovascular são complicações relativamente raras em pacientes com obstrução carotídea, provavelmente porque, na maioria dos casos, as conexões anastomóticas são suficientes para garantir o suprimento sanguíneo do globo ocular. No entanto, Brown et al. relatam uma incidência de 12,9%, na avaliação de 208 pacientes com glaucoma neovascular. Ponderam que a frequência é provavelmente maior, já que a avaliação angiográfica da carótida é realizada raramente, somente nos casos altamente suspeitos. Alguns casos de insuficiência carotídea podem também passar despercebidos quando alguma causa óbvia de neovascularização iriana estiver presente, como retinopatia diabética ou oclusão da veia central da retina.

NEOPLASIAS OCULARES Retinoblastoma Walton & Grant examinaram histologicamente 88 olhos com retinoblastoma e constataram neovascularização iriana em 44% dos casos. O diagnóstico é raramente feito ao exame clínico, aparentemente porque o exame do segmento anterior é rápido, já que a patologia do fundo de olho atrai tanto a atenção. O significado de ordem prática é pequeno, já que a maioria dos casos tem indicação de enucleação, mas pode ser importante quando o tumor é bilateral.

Melanoma de coroide Em estudo histológico, cerca de 10% dos casos de neovascularização iriana têm, como causa subjacente, o melanoma de coroide (Tabela I). Terry & Johns, em 1935, relataram, pela primeira vez, a associação entre glaucoma neovascular e melanoma da coroide. Em 94 olhos com o tumor, constataram glaucoma neovascular em 14%.

CIRURGIAS OCULARES Facectomia Beasley, em 1970, relatou a ocorrência de glaucoma neovascular em dois pacientes diabéticos, 6 meses após a extração da catarata. O exame de fundo de olho foi impossível nos olhos aco-

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metidos e, nos olhos não operados, a retinopatia era leve, sem sinais de proliferação vascular. No exame de fundo de olho, realizado logo após a cirurgia, a retinopatia era semelhante em ambos os olhos dos pacientes. Aiello et al. conduziram um detalhado estudo em 154 pacientes. Todos os pacientes tiveram um olho submetido à facectomia intracapsular e o outro, como controle, não era operado. A neoformação vascular iriana e o glaucoma neovascular, que surgiram no período de 6 semanas de pós-operatório, foram considerados complicações da cirurgia. A incidência de neovascularização iriana foi de 7,8% nos olhos operados e de apenas 0,6% nos olhos controles. Nos olhos com retinopatia proliferativa, 40% desenvolveram glaucoma neovascular e nenhum dos olhos controle. A causa dessa maior incidência de glaucoma neovascular após cirurgia de catarata, em olhos com retinopatia diabética proliferativa, é obscura. Obviamente, a causa subjacente, que é a isquemia, está presente. É possível que a hipotensão pós-operatória ou o trauma cirúrgico, com liberação de mediadores inflamatórios, seja importante. Também é possível que a ruptura da barreira vitreoaquosa permita maior difusão de substâncias vasoproliferativas produzida pela retina isquêmica. Teoricamente, a técnica extracapsular de extração da catarata poderia ter um papel protetor, pela manutenção de uma cápsula posterior do cristalino e hialoide intactas.

Vitrectomia O glaucoma neovascular é uma complicação relativamente comum após vitrectomia em olhos portadores de vasculopatias retinianas isquêmicas. A incidência de glaucoma neovascular, em olhos com retinopatia diabética proliferativa, submetidos à vitrectomia, gira em torno de 10%. Esta frequência praticamente duplica se a lensectomia for realizada conjuntamente, o que vem corroborar a hipótese do papel protetor desempenhado pela presença do cristalino ou de uma hialoide íntegra.

TRATAMENTO O olho tolera a neovascularização iriana até que o glaucoma neovascular se instale. Até bem pouco tempo atrás, o tratamento do glaucoma neovascular era desanimador: assistia-se, com grande sensação de impotência, à perda inexorável da visão em praticamente todos os casos. Há três décadas houve substancial modificação desse panorama, graças, principalmente, à utilização do laser. Atualmente o tratamento profilático ou curativo do glaucoma neovascular tem amplo arsenal à sua disposição: Tratamento clínico Ablação retiniana Fotocoagulação iriana Cirurgias fistulizantes Substâncias antiblásticas Dispositivos de drenagem Cirurgias ciclodestrutivas

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270 | Glaucoma Porém, a literatura atual sobre o glaucoma neovascular tem poucos artigos que fornecem fortes evidências em apoio às recomendações de terapia (nível I). Outros estudos são ainda necessários para avaliar áreas em que a evidência atual é moderadamente forte (nível II) ou fraca, consistindo apenas de um consenso da opinião de especialistas (nível III). Sempre que possível, os estudos devem ser ensaios clínicos randomizados e prospectivos.

Tratamento clínico O timolol e outros β-bloqueadores, cuja ação é de diminuição da produção de humor aquoso, têm ação na redução da pressão intraocular. Também, pela ação sobre a produção do humor aquoso, os inibidores da anidrase carbônica de uso tópico ou sistêmico são efetivos. Também a brimonidina e os análogos das prostaglandinas podem ser testados. É muito importante ter-se em mente que o tratamento clínico é temporário: o controle da pressão intraocular eventualmente obtido apenas fornece tempo para a instituição do tratamento definitivo com laser e/ ou cirurgia. As substâncias hiperosmóticas, de administração oral ou parenteral, podem reduzir drasticamente a pressão intraocular e aliviar a intensa dor ocular que frequentemente está presente nos casos de glaucoma neovascular. O glicerol, na dosagem preconizada de 1,5 mg/kg de peso, é eficiente e representa uma ingestão calórica pequena que, nos diabéticos, pode facilmente ser compensada pelo ajuste na dieta ou na dosagem de insulina. Nos pacientes que não toleram o glicerol, devido às náuseas e vômitos, pode ser administrado o manitol a 20%, por via intravenosa. A atropina e outros cicloplégicos, bem como um corticoide tópico também têm efeito benéfico sobre a congestão e a dor oculares. Muitas vezes, é surpreendente a melhora dos sintomas que se obtém com a instilação de atropina (2 vezes/dia) e corticoide (4 vezes/dia), tornando desnecessária a indicação de álcool retrobulbar ou evisceração nos casos avançados. O uso de atropina e corticoide tópicos é também de grande importância na preparação do paciente para a cirurgia e no pós-operatório.

Ablação retiniana Fotocoagulação panretiniana Há quatro décadas, a fotocoagulação panretiniana permanece como o tratamento de escolha da retinopatia diabética proliferativa (Fig. 12).

Fig. 12  A fotocoagulação panretiniana é o tratamento clássico da retinopatia diabética proliferativa e importante na prevenção da neovascularização do segmento anterior e para o sucesso das cirurgias para o controle do glaucoma neovascular.

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Em 1971, Krill et al. relataram a regressão de neovascularização iriana em um paciente com oclusão de ramo da veia central da retina que havia sido submetido à fotocoagulação com xenônio. Little et al. publicaram os resultados da fotocoagulação panretiniana em 15 olhos com neovascularização iriana secundária a diversas causas. Em quatro pacientes, com glaucoma neovascular e sinequias anteriores periféricas em 360o, o tratamento não alterou a pressão intraocular e apenas fez regredir a neovascularização em um caso. Em quatro olhos, com pressão intraocular moderadamente elevada e bloqueio parcial do seio camerular, a pressão normalizou-se, com desaparecimento dos neovasos na íris e no ângulo; em sete olhos que não apresentavam sinequias anteriores periféricas, a neovascularização regrediu em todos eles. Concluem que o tratamento não é útil nos casos avançados e deve ser indicado primariamente como medida profilática do glaucoma neovascular. A endofotocoagulação pode ser tão eficaz quanto a fotocoagulação panretiniana e é utilizada rotineiramente em olhos com retinopatia diabética que são submetidos a vitrectomia.

Crioablação retiniana Em um número considerável de olhos, devido a opacidades dos meios oculares (hemorragia vítrea, catarata, etc), torna-se impossível o tratamento com laser. Uma alternativa será a cauterização retiniana pela aplicação de crio transescleral (Figs. 13A e B). O que se almeja obter com a crioablação retiniana é o mesmo que com a fotocoagulação panretiniana: a cauterização do tecido retiniano isquêmico e, com isso, a eliminação do estímulo vasoproliferativo.

Figs. 13 (A e B)  Na eventualidade de não ser possível a cauterização retiniana com laser, a crioablação é uma alternativa válida. A. São realizadas oito aplicações por quadrante, dispostas em três fileiras, a primeira logo após a inserção dos retos, e as seguintes são mais posteriores, estendendo-se em direção das arcadas vasculares e do nervo óptico. B. Visão oftalmoscópica da disposição das aplicações de crio.

Fotocoagulação iriana Ao mesmo tempo que se firmava o efeito benéfico da fotocoagulação panretiniana sobre a neovascularização iriana, Simmons et al. desenvolviam a técnica da fotocoagulação direta dos neovasos do segmento anterior. A iridogoniofotocoagulação é um tratamento coadjuvante e pode ser realizado em duas circunstâncias básicas: nos casos em que o fechamento do seio camerular pelo tecido fibrovascular parece iminente e naqueles olhos nos quais o processo de neovascularização iriana prossegue, apesar do tratamento retiniano (Figs. 14 e 15).

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Fig. 14  A iridogoniofotocoagulação com laser de argônio pode ser empregada como tratamento complementar da cauterização retiniana (crio ou fotocoagulação).

Fig. 15  O tratamento direto da neovascularização iriana deverá ser repetido até que se obtenha a obliteração de todos os neovasos.

Cirurgias ciclodestrutivas Ciclocrioterapia De maneira geral, o controle da pressão intraocular é obtido em 30 a 60% dos casos (Fig. 16). A maioria dos pacientes logra obter alívio da dor, provavelmente devido ao congelamento dos nervos sensitivos. Obviamente, a redução da pressão intraocular é proporcional ao número de aplicações, tempo de congelamento e à temperatura utilizada. No entanto, com o tratamento mais vigoroso, também cresce o número de complicações, já que é difícil quantificar a intensidade do tratamento necessário para cada olho individualmente. Assim, é alta a incidência de hipotensão e de atrofia do globo ocular. Inúmeras outras complicações podem seguir-se à ciclocrioterapia, tais como inflamação persistente, descompensação corneana, necrose do segmento anterior, etc. É nossa opinião que a ciclocrioterapia está indicada somente quando outras medidas, inclusive os implantes de drenagem, falharam.

Fig. 16  Ciclocrioterapia: o tratamento inicial consiste de sete aplicações em dois quadrantes. As áreas de congelamento que extrapolam o ponto de aplicação devem se superpor.

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Fotocoagulação direta dos processos ciliares A fotocoagulação transpupilar dos processos ciliares com laser de argônio parece uma alternativa de tratamento que pode ser utilizada quando se obtém uma visualização adequada dos processos ciliares, através de midríase ou iridectomias amplas (Fig. 17). Outra técnica de cauterização direta dos processos ciliares é a endofotocoagulação com laser de argônio. Trata-se de uma técnica elaborada, que deve ser realizada em olhos áfacos ou candidatos à facectomia, com vitrectomia associada. Há necessidade de fotocoagulação em uma área de pelo menos 180° e os autores acreditam que as complicações são bem menores, se comparadas às da ciclocrioterapia. A endociclofotocoaguação endoscópica com laser de diodo foi desenvolvida em 1992 por Uram. Ele relata uma queda tensional de 65% em 10 olhos portadores de glaucoma neovascular. Lima et al. também reportam bons resultados com esta técnica.

Fig. 17  Excepcionalmente, existe a possibilidade de se cauterizar os processos ciliares com o laser de argônio através de iridectomia ou midríase amplas.

Ciclocoagulação transescleral A ciclocoagulação transescleral com laser de Nd:YAG tem apresentado resultados animadores. Também a ciclocoagulação transescleral com laser de diodo tem sido utilizada com bons resultados. Schlote et al. trataram 100 olhos de 100 pacientes portadores de glaucoma refratário: após o seguimento de um ano, o índice de sucesso era de 74,2%. Um alto índice de sucesso foi obtido em glaucomas inflamatórios (75%), glaucoma primário de ângulo aberto (89%) e glaucoma neovascular (87%). Reportam que não observaram nenhum caso de phthisis bulbi ou hipotonia persistente. A maioria dos olhos necessita de mais de uma aplicação. Pastor et al., em relatório da Academia Americana de Oftalmologia que analisou 130 trabalhos publicados, afirmam que o laser de diodo é a melhor técnica para a ciclofotocoagulação, principalmente se são consideradas a eficiência, portabilidade, facilidade de uso e custo.

Cirurgias fistulizantes As cirurgias fistulizantes clássicas mostram-se invariavelmente ineficazes, e as complicações mais frequentes, responsáveis pelo insucesso da cirurgia, são hemorragias per e pós-operatórias e a cicatrização da fístula. Em 1974, Heuer et al. publicaram um estudo-piloto com a utilização de um antimetabólito, o 5-fluorouracil. Esta substância é administrada na forma de injeções subconjuntivais diárias,

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274 | Glaucoma durante as duas semanas que se seguem à cirurgia fistulizante. Em 13 olhos, uma pressão intraocular igual ou menor que 21 mmHg foi obtida em 69% dos casos. A utilização de substâncias antiblásticas melhorou enormente o índice de sucesso da trabeculectomia em todas as categorias dos chamados glaucomas refratários. A preferência hoje pela utilização da mitomicina C, em detrimento do 5-fluorouracil, deve-se à facilidade da aplicação única intraoperatória e à ausência de toxicidade sobre o epitélio corneano (Fig. 18). A utilização de suturas removíveis no retalho escleral ou a sua liberação com laser de argônio é um recurso importante para modular-se a drenagem da fístula no pós-operatório. Assim, é possível evitar-se uma hipotonia acentuada no pós-operatório imediato, indesejável em um olho com tendência a hemorragias intraoculares.

Fig. 18  A desepitelização corneana é uma complicação comum após múltiplas injeções de 5-fluorouracil.

Agentes antiangiogênicos Pesquisas recentes têm mostrado que o fator de crescimento vascular endotelial (VEGF) é responsável por muitas patologias oculares que envolvem a neovascularização. O VEGF é conhecido principalmente por seu papel na formação dos vasos sanguíneos. Por conseguinte, a terapia antiangiogênica ou anti-VEGF reduz os níveis da proteína VEGF e inibe o crescimento de novos vasos sanguíneos. Ao longo dos últimos anos, novos agentes anti-VEGF, tais como o bevacizumabe, o ranibizumabe e, mais recentemente, o aflibercepte, se tornaram comercialmente disponíveis para o uso intraocular. Estes agentes revolucionaram o tratamento da degeneração macular relacionada com a idade e têm emergido como uma modalidade adjuvante no tratamento do glaucoma neovascular, de forma a regredir ou suprimir a neovascularização da íris e do ângulo iridocorneal e também a auxiliar na modulação da cicatrização após a cirurgia filtrante antiglaucomatosa. Atualmente a terapia anti-VEGF intravítrea tornou-se o padrão para o manejo do edema na oclusão de veia central da retina e retinopatia diabética. Porém, recentes estudos têm relatado a administração de agentes anti-VEGF na câmara anterior. Em um deles houve a utilização de 0,5 ml de ranibizumabe na câmara anterior para induzir a regressão de neovascularização da íris de um paciente não diabético. A regressão da neovascularização iriana e a resolução do hifema foram observadas no prazo de 4 dias após a injeção intracameral de ranibizumabe, permitindo a execução da vitrectomia. Já em outro estudo, houve diminuição da neovascularização e da pressão intraocular 4 semanas após a administração de bevacizumabe na câmara anterior. O fármaco foi utilizado antes da cirurgia fistulizante para o glaucoma neovascular e foi eficaz na prevenção de hemor-

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ragia intra e pós-operatória, o que constitui uma forma promissora de investigação para evitar complicações cirúrgicas. O uso de agentes anti-VEGF abre uma nova perspectiva no tratamento do glaucoma neovascular. Os primeiros estudos sobre o uso de bevacizumabe e ranibizumabe em cirurgias filtrantes no glaucoma neovascular relataram resultados promissores. Entretanto, estes estudos são incipientes e um grande ensaio clínico randomizado ainda é necessário para a confirmação destes resultados.

Dispositivos de drenagem Molteno et al., em 1976, desenvolveram um sistema de drenagem que consiste de um tubo de silicone conectado a um disco de acrílico (Fig. 19). A ideia é que o disco implantado sob a conjuntiva, ao ser envolvido por tecido fibroso cicatricial, forma uma bolsa (Fig. 20) que coleta o humor aquoso drenado da câmara anterior (Fig. 21). O aquoso é, então, escoado através da parede da bolsa fibrosa e a facilidade com que isto ocorre dependerá da área e da espessura da parede desta bolsa. De 36 olhos operados, com tempo de seguimento de 6 meses a 4,5 anos, a pressão intraocular foi controlada em 30 (83%), sendo que apenas seis olhos necessitaram medicação complementar. Cerca de 72% dos olhos mantiveram a visão pré-operatória. Inúmeros outros dispositivos de drenagem foram desenvolvidos mantendo o mesmo princípio de se obter uma bolsa subtenoniana a partir da qual o humor aquoso é absorvido: implantes de Baervedt, Ahmed, Krupin com disco, Suzanna, Optimed, entre outros. Os resultados parecem similares entre os diversos modelos. A falta de estudos prospectivos ramdomizados e a falta de uniformidade quanto aos critérios de sucesso impedem identificar se algum modelo é mais eficiente.

Fig. 19  Implante de Molteno: o fechamento do tubo de silicone com fio absorvível sob o enxerto de esclera (seta) previne a atalamia prolongada no pós-operatório.

Fig. 20  Uma bolsa cicatricial se forma em torno do prato e, a partir daí, o humor aquoso é reabsovido.

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Fig. 21  Implante de Molteno: o tubo de silicone é introduzido na câmara anterior. É muito importante que seja bem posicionado, evitando que mergulhe no tecido iriano ou que toque o endotélio da córnea.

Embora o índice de sucesso dos diversos dispositivos de drenagem nos glaucomas refratários seja inicialmente bom, parece haver um decréscimo ao longo do tempo, principalmente nos olhos portadores de glaucoma neovascular. As complicações com os dispositivos de drenagem são frequentes e comuns a todos os tipos: hipotonia, obstrução do tubo, hipertensão, extrusão do tubo e descompensação corneana devido à toque endotelial (Fig. 22).

Fig. 22  A biomicroscopia ultrassônica permite a identificação precisa da posição do tubo de drenagem: observe o toque endotelial. (Sebastião Cronemberger). T = tubo, C = córnea.

Estratégia A estratégia para o tratamento do glaucoma neovascular vai depender, inicialmente, da visão: se é útil ou não (Fig. 23). Se a visão é útil, todos os esforços devem ser envidados no sentido de preservá-la. O conceito de visão útil é extremamente variável. A visão de vultos, de grande valia se o paciente for monoftalmo, será de pequena importância se o paciente for portador de visão normal no olho contralateral e a chance de comprometimento deste é mínima (por exemplo, oclusão da veia central da retina). Se, no entanto, a causa subjacente do glaucoma neovascular for sistêmica, com grande chance de bilateralidade (p. ex., diabetes), a visão de vultos torna-se potencialmente útil, já que não se sabe se no comprometimento eventual do segundo olho as chances de sucesso serão melhores. Todo paciente com neovascularização do segmento anterior deverá ser referido ao setor de retina para avaliação. Quase sempre haverá indicação de fotocoagulação panretiniana, crioablação ou administração intravítrea de agentes anti-VEGF. Outro aspecto de fundamental importância é a situação do seio camerular: está aberto, pelo menos em alguns setores, ou está completamente ocluído pelas sinequias anteriores periféricas? Se o seio camerular estiver aberto, a cauterização retiniana propiciará, em um bom

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Fig. 23  Estratégia de tratamento do glaucoma neovascular.

número de olhos, a regressão dos neovasos e normalização da pressão intraocular. Eventualmente haverá necessidade de se manter o tratamento clínico, mas a regressão dos neovasos permitirá o controle da pressão intraocular ou, no caso de cirurgia, as chances de sucesso serão bem maiores. A iridogoniofotocoagulação, como coadjuvante do tratamento retiniano, poderá ser utilizada em determinadas situações, como no fechamento iminente do ângulo camerular, naqueles olhos em que a cauterização retiniana não parece promover a regressão dos neovasos, ou no preparo da íris para a cirurgia fistulizante. O tratamento clínico poderá incluir os β-bloqueadores, a brimonidina e os inibidores da anidrase carbônica, de uso tópico ou sistêmico. Os análogos das prostaglandinas podem ser tentados com cautela. As substâncias hiperosmóticas (glicerina e manitol) poderão ser utilizadas nos casos de dor intensa e conspícua elevação da pressão intraocular, como compasso de espera para o tratamento definitivo. No combate à inflamação, deve-se lançar mão da corticoterapia tópica e cicloplégicos. Se com o tratamento com o laser não se logra obter a regressão da neovascularização e controle da pressão intraocular, ou se o ângulo camerular encontra-se totalmente ocluído, deve-se recorrer às cirurgias fistulizantes. Nossa primeira opção é pela trabeculectomia com

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Glaucoma Associado a Doenças da Retina

GLAUCOMA SECUNDÁRIO A DOENÇAS RETINIANAS OU DECORRENTES DO SEU TRATAMENTO Glaucoma de ângulo aberto secundário a descolamento de retina Schwartz, em 1973, descreveu 11 pacientes com descolamento de retina unilateral associado a glaucoma. O outro contralateral dos pacientes tinha pressão intraocular normal. O seio camerular era normal e a pressão intraocular retornou ao normal após a reaplicação cirúrgica da retina. Não se conhece ao certo o mecanismo do glaucoma nestes olhos. Schwartz sugeriu que a inflamação do trabeculado causada pela irite secundária ao descolamento de retina poderia ser responsável pelo comprometimento da drenagem do humor aquoso e elevação da pressão intraocular. Acredita-se que a obstrução da rede trabecular possa ser ocasionada por grânulos de pigmentos liberados pelo epitélio pigmentário da retina. Estes teriam acesso ao vítreo através da perfuração retiniana e seriam conduzidos pelo humor aquoso à câmara anterior, onde produziriam um bloqueio mecânico trabecular. Qualquer que seja a etiologia, é importante pesquisar sempre a presença de descolamento de retina em portadores de glaucoma primário de ângulo aberto unilateral com sinais inflamatórios ou grânulos de pigmentos na câmara anterior.

Glaucoma secundário a iridociclite associada a descolamento de retina O descolamento de retina recente, pode eventualmente acompanhar-se de processo inflamatório intenso do segmento anterior e, secundariamente, pode ocorrer elevação da pressão intraocular. A uveíte anterior e o glaucoma, nestas circunstâncias, resolvem espontaneamente após a cura do descolamento da retina.

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Figs. 1 (A e B)  Síndrome de retração iriana: A. A presença de seclusão pupilar é responsável pelo deslocamento anterior da íris (íris bombé), fechamento do seio camerular e glaucoma. B. A presença de descolamento de retina regmatogênico permite uma drenagem alternativa de aquoso (bomba retiniana). Quando a produção de humor aquoso é inferior ao volume de líquido sub-retiniano absorvido através do epitélio pigmentário (p. ex., administração de acetazolamida), há intensa hipotonia no compartimento vítreo e deslocamento posterior da íris (podendo ocorrer uma verdadeira sínfise iridocristaliniana).

Glaucoma de ângulo fechado devido à faixa ou implante circular Nestes olhos, é observada uma redução acentuada da profundidade da câmara anterior e fechamento do seio camerular, com elevação da pressão intraocular, decorrentes de uma projeção anterior diafragma iridocristaliniano. A maior parte do sangue que circula pelo corpo ciliar é drenada posteriormente pelas veias vorticosas. O comprometimento destas por introflexão escleral extensa e muito posterior dificulta a drenagem venosa, podendo resultar em congestão e descolamento do corpo ciliar, com consequente compressão e fechamento das estruturas do seio camerular. A compressão ou lesão direta das vorticosas pode também ocasionar descolamento de coroide extenso, o qual pode determinar uma projeção anterior do vítreo, cristalino e íris, com consequente compressão das estruturas do seio camerular (Fig. 2). A obstrução completa de todas as veias vorticosas resulta no aparecimento imediato de glaucoma, acompanhado de sinais inflamatórios graves do segmento anterior do olho.

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Fig. 2  Edema e rotação anterior do corpo ciliar, determinando o fechamento do seio camerular. Tal complicação resulta de congestão do corpo ciliar e descolamento anular da coroide, decorrentes da compressão das veias vorticosas por implante circular posterior.

Outro mecanismo que pode determinar o aparecimento de glaucoma de ângulo fechado após a cirurgia de descolamento de retina é a introflexão mecânica da esclera por faixa ou implante circular muito anteriores e elevados, os quais podem produzir uma rotação mecânica anterior do corpo ciliar O prognóstico do glaucoma de ângulo fechado consequente à cirurgia de descolamento de retina é habitualmente favorável. Seu curso é limitado e a pressão intraocular normaliza-se, em geral, em um período de 2 a 4 semanas. Neste intervalo, deve-se fazer uso de corticoterapia local e cicloplégicos para combater a inflamação ocular, bem como de betabloqueadores e inibidores da anidrase carbônica, com a finalidade de reduzir a pressão intraocular. Nos casos mais prolongados, podem formar-se goniossinequias, dando origem a um glaucoma permanente. Eventualmente, a drenagem do descolamento de coroide, quando presente, pode ser realizada. Em algumas circunstâncias, o relaxamento da introflexão e, até, a remoção do implante, podem fazer-se necessários.

Glaucoma secundário à injeção intravítrea de gases expansivos e óleo de silicone A utilização de gases, tais como o perfluoropropano (C3F8), cujo volume expande cerca de quatro vezes em um período de 24 a 36 h após sua injeção, produz um tampão interno extremamente eficaz para o tratamento do descolamento de retina. A expansão do gás no compartimento vítreo pode também determinar o aparecimento de um glaucoma de ângulo fechado transitório, porém grave. Este pode ser evitado, calculando-se adequadamente o volume da substância a ser injetada. Na ocorrência de tal complicação, faz-se, às vezes, necessária a remoção de parte do volume do gás. O óleo de silicone é um polímero de alto peso molecular, não absorvível, extensamente testado como substituto vítreo, sendo hoje a única substância existente para o tamponamento prolongado da retina. Sua utilização em viscosidades elevadas permite a reaplicação mecânica de uma retina mantida descolada por traves vítreas e membranas pré-retinianas. Inúmeras complicações decorrem da sua utilização, entre as quais a retinopatia por silicone, catarata, degeneração corneana e glaucoma. Este pode ocorrer por fechamento angular, consequente à compressão das estruturas do seio camerular por injeção de um volume muito grande de silicone na cavidade vítrea. O glaucoma pode ocorrer também por bloqueio pupilar pela bolha

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Glaucoma neovascular secundário a descolamento de retina Esta modalidade particularmente grave de glaucoma, caracterizada pela proliferação de neovasos na superfície da íris e do seio camerular, pode ocorrer em casos de descolamento de retina de longa duração. Entretanto, manifesta-se com maior frequência em olhos previamente submetidos a múltiplas cirurgias e nos quais a retina permaneceu descolada (Fig. 3).

Fig. 3  Glaucoma absoluto secundário a descolamento de retina de longa duração.

Glaucoma neovascular produzido por doenças isquêmicas da retina Quase todas as causas de glaucoma neovascular têm em comum a presença de hipóxia crônica e difusa do segmento posterior do olho. Este tema é tratado em detalhe em outro capítulo.

Glaucoma de ângulo fechado secundário a fotocoagulação retiniana A fotocoagulação extensa, sobretudo no tratamento das formas graves de retinopatia diabética e da oclusão da veia central da retina, pode resultar em elevação, às vezes grave, da pressão intraocular. Esta seria consequente a um deslocamento anterior do diafragma iridocristaliniano, causando uma redução da profundidade da câmara anterior e, em alguns casos, fechamento do seio camerular. Esta rara complicação desenvolve-se algumas horas após a fotocoagulação panretiniana e seria decorrente de um aumento de volume do segmento posterior do olho, determinado por uma exsudação dos vasos coroidianos para a cavidade vítrea e por um descolamento anular anterior da coroide, com fechamento do seio. Geralmente essas alterações podem ser prevenidas evitando-se fotocoagulação excessiva em uma única sessão. Com ou sem tratamento, as alterações que determinam a elevação da pressão intraocular nestas circunstâncias tendem a desaparecer em poucos dias, raramente dando lugar a sequelas. Podem ser usados cicloplégicos, corticosteroides e hipotensores oculares tópicos para o controle do glaucoma.

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Glaucoma associado às doenças retinianas neonatais e da infância O glaucoma presente na retinopatia da prematuridade parece decorrente de movimentação anterior do diafragma iridocristaliniano, determinado pela massa de tecido retrátil retrolenticular, levando a um estreitamento progressivo do seio camerular. Geralmente, o glaucoma de ângulo fechado ocorre entre os 3 e 6 meses de idade, durante a fase cicatricial da doença. Um mecanismo similar parece envolvido no glaucoma secundário à persistência do vítreo primário hiperplástico. Na doença de Coats, o glaucoma é resultante de alterações inflamatórias crônicas do segmento anterior determinadas por profundo sofrimento retiniano e descolamento de retina de longa duração. Nestes casos, a hipóxia retiniana grave e duradora pode também favorecer o aparecimento de glaucoma neovascular.

GLAUCOMA ASSOCIADO A DOENÇAS RETINIANAS ATRAVÉS DE CAUSA COMUM OU POR RAZÕES DESCONHECIDAS Glaucoma crônico simples e descolamento de retina A prevalência elevada de glaucoma crônico simples em portadores de descolamento regmatogênico de retina é conhecida. Becker encontrou esta modalidade de glaucoma em 5,8% de pacientes com descolamento de retina, Phelps & Burton em 4% e Forest et al. em 3,4%. Estes achados são muito superiores à prevalência do glaucoma crônico simples na população. Becker e Langham & Regan encontraram uma prevalência elevada de redução da facilidade de escoamento do humor aquoso no segundo olho de portadores de descolamento de retina unilateral. A razão da associação do glaucoma crônico simples e descolamento de retina em alguns olhos é desconhecida. Não existe qualquer evidência de que a miopia ou a utilização de mióticos em portadores de glaucoma crônico simples possam ser responsabilizadas pela prevalência elevada de descolamento de retina neste grupo de pacientes. É possível que indivíduos míopes tenham maior chance de desenvolver glaucoma crônico simples. Uma outra possibilidade é que os pacientes míopes procuram mais o oftalmologista e, dessa forma, têm mais probabilidade de se detectar a doença. Em virtude da associação relativamente frequente entre ambas as patologias, é necessário que se esteja atento para que o diagnóstico do descolamento de retina possa ser feito precocemente em portadores de glaucoma crônico simples. A periferia da retina de todo paciente no qual se planeja iniciar terapêutica antiglaucomatosa, especialmente com mióticos, deve ser examinada com oftalmoscopia binocular indireta, o que deverá ser repetido anualmente. A miose medicamentosa prejudica o exame adequado da periferia retiniana, fazendo com que uma perda de campo visual consequente a descolamento de retina possa ser atribuída à lesão progressiva do nervo óptico pelo glaucoma. Portanto, diante de perda súbita da visão periférica ou de redução acentuada da pressão intraocular, deve-se suspeitar da presença de um descolamento de retina. Em virtude da possível influência dos mióticos na patogênese do descolamento de retina, estes devem ser evitados ou utilizados com cautela em portadores de lesões da periferia retiniana frequentemente associadas ao descolamento.

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Glaucoma pigmentário e descolamento de retina A síndrome de dispersão pigmentária do segmento anterior do olho caracteriza-se por atrofia iriana resultante da perda de pigmento do epitélio pigmentário da úvea anterior e por deposição deste no endotélio corneano, na superfície da íris, na parede externa, na zônula e sobre o cristalino. A maioria dos olhos envolvidos é míope, os pacientes são brancos entre 20 e 50 anos de idade, e um percentual elevado acompanha-se de glaucoma. A primeira observação de descolamento de retina na síndrome de dispersão pigmentária foi feita por Kraupa em 1917. Brachet & Chermet foram os primeiros autores a estabelecer a relação entre as duas doenças, reunindo 19 (47,5%) ocorrências de descolamento de retina em 40 observações de glaucoma pigmentário. Eles levantaram a suposição de que a prevalência elevada de descolamento nestes pacientes estaria relacionada com a presença de lesões atróficas periféricas no nível do epitélio pigmentário da retina. Scheie & Cameron identificaram descolamento de retina em 26 (6,4%) olhos de 407 pacientes com síndrome de dispersão pigmentária. A prevalência deste foi comparável nos portadores de glaucoma (6% de 151 pacientes) e naqueles em que a pressão intraocular era normal (6,6% de 256 pacientes). Estes autores relacionaram o descolamento de retina com a presença da dispersão pigmentária e não ao glaucoma. Em 64 pacientes com síndrome de dispersão pigmentaria examinados por um de nós (RDC), foram identificados cinco casos de descolamento de retina, em um total de 123 (4,1%) olhos. Este foi detectado em apenas uma ocasião entre 47 (2,1%) olhos sem glaucoma; ocorreu em quatro (7,0%) entre 57 olhos com glaucoma pigmentário e não foi observado em 19 olhos suspeitos de glaucoma. Os dados obtidos nesse estudo revelaram prevalência elevada de descolamento de retina nos portadores de glaucoma pigmentário. Observamos, ainda, descolamento de retina em proporções mais elevadas na dispersão pigmentária sem glaucoma do que na população normal. Acreditamos que a elevada frequência com que o descolamento ocorre nestes pacientes possa estar relacionada com a presença de lesões atróficas no nível do epitélio pigmentário da retina ou ao descolamento de hialoide zonular, conforme sugerido por Calixto. Este foi identificado na maioria dos olhos examinados por nós e poderia determinar tração aumentada sobre a retina periférica. Os pacientes portadores de glaucoma pigmentário respondem bem ao tratamento clínico. Tendo em vista a incidência elevada de descolamento de retina no glaucoma pigmentário, julgamos desaconselhável a utilização de mióticos nos portadores dessa patologia. A trabeculoplastia a laser dá bons resultados nesses pacientes, podendo, se necessário, ser complementada por tratamento tópico. Quando a trabeculoplastia e o tratamento clínico isolados ou combinados fracassam, a trabeculectomia com mitomicina C geralmente é exitosa.

DOENÇAS RETINIANAS SECUNDÁRIAS AO GLAUCOMA OU AO TRATAMENTO DELE Glaucoma crônico simples e neuropatia óptica anterior isquêmica A neuropatia óptica anterior isquêmica (NOIA) caracteriza-se pela presença de papiledema de coloração pálida, geralmente acompanhado de hemorragias peri e epipapilares em pequena

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quantidade e, tardiamente, de atrofia óptica. A NOIA é dividida em duas formas: a arterítica e a não arterítica. A NOIA arterítica é causada pela arterite de células gigantes. Nesses casos, há oclusão trombótica das artérias ciliares posteriores curtas e das arteríolas que suprem o segmento anterior do nervo óptico. Essa oclusão é secundária a processo inflamatório granulomatoso das paredes arteriais, resultando em infarto extenso e grave do nervo óptico. A NOIA não arterítica compreende a maioria dos casos de infarto do nervo óptico. Ela é secundária a uma grande variedade de causas, que levam a uma redução temporária da perfusão sanguínea do segmento anterior do nervo óptico, mais frequentemente do que a obstrução das artérias ciliares posteriores curtas. A NOIA é uma manifestação de doença sistêmica e/ou ocular. Um dos fatores oculares mais importantes envolvidos na produção da NOIA é a pressão intraocular elevada, através do comprometimento da circulação papilar. Sabe-se que o fluxo sanguíneo na coroide peripapilar e na cabeça do nervo óptico cessa com a elevação da pressão intraocular em níveis muito inferiores àqueles necessários para interromper a circulação da árvore arterial da retina. Assim, um paciente portador de glaucoma crônico simples tem mais possibilidade de desenvolver esta doença do que uma pessoa com pressão intraocular normal. Qualquer desequilíbrio entre a pressão de perfusão das artérias ciliares posteriores curtas e a pressão intraocular pode determinar repercussões hemodinâmicas importantes, com a produção da neuropatia óptica anterior isquêmica. Em pacientes portadores de arteriosclerose ou de outras doenças sistêmicas, nas quais a pressão de perfusão nas artérias ciliares posteriores curtas já está comprometida, uma discreta elevação da pressão intraocular pode ser suficiente para precipitar o processo isquêmico agudo da região papilar e retrolaminar.

Glaucoma crônico simples e oclusão da veia central da retina A maioria dos pacientes portadores de oclusão da veia central da retina apresenta doença vascular sistêmica associada, ou seja, hipertensão arterial, arteriosclerose e/ou diabetes. Outras doenças que produzam alterações intrínsecas na parede dos vasos (enfermidade carotídea) ou causem distúrbios dos mecanismos de coagulação e viscosidade sanguínea (síndromes de hiperviscosidade) podem predispor ao processo obstrutivo vascular. Mais raramente, a obstrução venosa pode ser determinada por fatores locais, tais como compressão retrobulbar secundária a aumentos de volume da órbita ou fratura dos ossos da parede orbitária. O glaucoma crônico simples é um fator causal relativo na oclusão da veia central da retina. A compressão da parede vascular secundária à pressão intraocular elevada pode contribuir para o aumento da resistência do fluxo sanguíneo. Assim, o glaucoma constitui um fator de risco adicional, quando associado às demais causas que predispõem à obstrução venosa. A melhora das condições do retorno venoso pode ser observada em alguns pacientes glaucomatosos após a normalização da pressão intraocular. Em várias ocasiões, tivemos oportunidade de verificar o desaparecimento de hemorragias e microaneurismas retinianos periféricos, indicativos de processo obstrutivo venoso crônico, alguns meses após a redução da pressão intraocular por cirurgia fistulante. Portanto, é preciso estar atento à presença do glaucoma crônico simples em portadores de oclusão da veia central da retina, visto que a normalização dos níveis tensionais tende a favorecer o retorno venoso. Não só os pacientes definitivamente glaucomatosos, como também os suspeitos deverão ser medicados. A pressão intraocular no outro olho deverá ser objeto

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288 | Glaucoma de criteriosa avaliação. A redução da pressão no segundo olho pode prevenir a ocorrência do processo obstrutivo vascular, apesar de fatores predisponentes sistêmicos que porventura estejam presentes.

Mióticos e descolamento de retina Os achados da literatura são sugestivos de que o descolamento de retina pode ser considerado como potencialmente induzido por mióticos. Lemcke & Pischel e Pape & Forbes analisaram séries de descolamentos de retina ocorridos durante terapia com mióticos, tendo concluído que estes, sobretudo os inibidores da colinesterase, podem ocasionar o descolamento. Esta relação só deverá ser estabelecida naqueles casos em que o início da utilização do miótico, ou sua substituição por outro mais potente, tiver ocorrido em um período inferior a 2 meses do diagnóstico do descolamento de retina. Em duas ocasiões, foi observado por um de nós (RDC) a ocorrência de descolamento regmatogênico de retina dias após o início de terapia antiglaucomatosa com pilocarpina. Na ausência de outros fatores relacionados com a gênese do descolamento, acreditamos que este pudesse ter sido decorrente do uso de miótico.

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Glaucoma Associado a Doenças da Retina  |  289

Phelps C D. & Burton T C. - Glaucoma and retinal detachment. Arch Ophthalmol, 95:418-422,1977. Scheie H G. & Cameron J D. - Pigment dispersion syndrome: a clinical study. Br J Ophthalmol, 65:264-269, 1981. Schwartz A. - Chronic open-angle glaucoma secondary to rhegmatogenous retinal detachment. Am J Ophthalmol, 75:205-217, 1973. Sebestyen J C, Schepens C L. & Rosenthal M L. - Retinal detachment and glaucoma; tonometric and gonioscopic study of 160 cases. Arch Ophthalmol, 67:736-745, 1962. Smith T R. - Acute glaucoma after scleral buckling procedures. Am J Ophthalmol, 63:1807-1808, 1967. Stickler G B, Belau P G, Farrell F J, Jones J D, Pugh D G, Steinberg A G. & Ward L E. - Hereditary progressive arthro-ophthalmopathy. Mayo Clin Proc, 40:433-455, 1966.

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HOMERO GUSMÃO DE ALMEIDA

C A P Í T U L O  |  22

Glaucoma Associado a Extração da Catarata

A incidência de glaucoma secundário à extração da catarata com implante de lente intraocular, descrita na literatura, varia enormemente de 0 a 4,3% (Tabela I). A comparação entre os diversos trabalhos é dificultada pelas diferentes técnicas cirúrgicas empregadas, inúmeros modelos de lentes intraoculares, tempo variável de seguimento e distintos critérios para o diagnóstico do glaucoma. TABELA I  Glaucoma secundário a implante de lente intraocular No

Lente intraocular

Glaucoma (%)

606

FI

4,35

Binkhorst (1977)

500

FI

4,2

Fyodorov (1980)

2.700

FI

0,2

Azar (1978)

800

CA

0,7

Kwitko (1978)

100

FI

0,0

Kratz et al. (1981)

756

CP

0,4

Autor Smith & Anderson (1976)

CA = câmara anterior; CP = câmara posterior; FI = fixação iriana.

Em 1983, o FDA, dos Estados Unidos, publicou os resultados de extenso estudo, comparando os diversos tipos de lentes intraoculares, classificadas de acordo com a sua fixação intraocular e a incidência de complicações. Nesse estudo, observou-se maior incidência de glaucoma secundário com as lentes de câmara anterior: 6,3%, se computada também a ocorrência de bloqueio pupilar. A incidência de glaucoma “persistente”, presente aos 12 meses de seguimento, foi bem menor. Layden publicou um estudo retrospectivo relacionando 30 pacientes com glaucoma secundário à cirurgia da catarata, acompanhados por até 49 meses. A causa mais frequente de glaucoma foi a inflamação intraocular (40%), seguida pelo bloqueio pupilar (30%) e hifema (17%). O autor chama a atenção para a natureza complexa dos tratamentos clínico e cirúrgico: 291

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292 | Glaucoma a maioria desses olhos necessitou de três ou mais fármacos para o controle do glaucoma e o resultado com a cirurgia filtrante foi parcial. Os glaucomas associados à pseudofacia ou afacia podem ser classificados de acordo com a configuração do ângulo camerular:

Ângulo Aberto: Glaucoma Primário de Ângulo Aberto. Elevação Transitória da Pressão Intraocular. Glaucoma Secundário à Inflamação Intraocular. Glaucoma Secundário à Hemorragia Intraocular. Glaucoma Facogênico. Glaucoma Pigmentar. Glaucoma Cortisônico. Hipertensão Pós-Capsulotomia com Laser. Glaucoma Secundário à Invasão Epitelial.

Ângulo Fechado: Glaucoma Primário de Ângulo Fechado Preexistente. Glaucoma Secundário à Inflamação Intraocular. Glaucoma Secundário a Bloqueio Pupilar. Glaucoma Maligno. Glaucoma Neovascular.

ÂNGULO ABERTO Glaucoma primário de ângulo aberto Se o aparecimento do glaucoma é relativamente precoce, ocorrendo 2 a 4 meses após a extração de catarata com ou sem implante de lente intraocular, quando a reação inflamatória do trauma cirúrgico já desapareceu, e sem nenhuma causa aparente, deve-se admitir a possibilidade de tratar-se de um glaucoma primário de ângulo aberto preexistente. De fato, em alguns pacientes portadores de glaucoma primário, o diagnóstico poderá não ter sido feito se a pressão apresentava-se dentro de limites normais nos exames pré-operatórios. A catarata, se avançada, impede a correta avaliação da papila e do campo visual. O diagnóstico de glaucoma primário será sempre de exclusão, se nenhuma causa possível for identificada após cuidadoso exame do segmento anterior. Este diagnóstico pode ser confirmado pelo exame do fundo de olho e a constatação de extensa escavação do disco óptico, incompatível com a instalação recente da hipertensão ocular. O exame do olho contralateral também poderá ser esclarecedor, já que o glaucoma primário de ângulo aberto é uma doença bilateral. Uma outra possibilidade é a de que o paciente submetido à facectomia não está livre de desenvolver glaucoma primário de ângulo aberto, em qualquer época, no período que se segue à cirurgia. O tratamento, quer nos casos de glaucoma preexistente, quer naqueles de instalação subsequente, em nada diferirá das medidas terapêuticas adotadas para o glaucoma primário em olhos não operados. Poderá incluir fármacos colinérgicos, β-bloqueadores, α2-agonistas, aná-

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logos das prostaglandinas, inibidores da anidrase carbônica de usos tópico ou sistêmico, e ainda trabeculoplastia com laser de argônio, cirurgias filtrantes, etc.

Elevação transitória da pressão intraocular Uma conspícua elevação da pressão intraocular pode ocorrer logo após a extração da catarata e durar por alguns dias. Uma reação inflamatória mais intensa, assim como obstrução da malha trabecular por hemácias, debris celulares e restos corticais podem ser responsáveis pela elevação da pressão intraocular. Alguns autores acreditam que a compressão da sutura corneoescleral pode desempenhar algum papel. Na realidade, o mecanismo preciso desse aumento tensional permanece obscuro. Um fator importante na reação inflamatória no pós-operatório imediato, com eventual elevação da pressão intraocular, é a liberação de prostaglandinas e outros mediadores inflamatórios, causada pela manipulação cirúrgica, com consequente rotura da barreira hematoaquosa. Uma das principais complicações da utilização das substâncias viscoelásticas, no pós-operatório imediato, é a elevação da pressão intraocular. As substâncias de maior peso molecular (coesivas) têm maior dificuldade de deixar o olho através da malha trabecular e, portanto, causam mais elevação da pressão intraocular. Todavia, aquelas com menor peso molecular (dispersivas) são mais difíceis de serem aspiradas ao término da cirurgia. A elevação da pressão intraocular ocorre mais frequentemente nas primeiras 24 horas, embora a hipertensão possa permanecer até 2 a 3 dias após a cirurgia. Especial atenção deve-se ter com o Healon 5, substância de elevado peso molecular e que, devido à fragmentação, é muito difícil de ser removido da câmara anterior. A hipertensão que provoca é grave e pode prolongar-se por vários dias, requerendo reintervenção para evacuação e limpeza da câmara anterior. A instilação de hipotensores oculares ao término da cirurgia ou no primeiro dia pós-operatório reduz significativamente a incidência e a magnitude da hipertensão ocular. Deve-se ter cuidado na avaliação dessa hipertensão transitória: às vezes, alguns cirurgiões instituem a medicação antiglaucomatosa e a mantém indefinida e desnecessariamente, sem uma reavaliação adequada posteriormente.

Glaucoma secundário à inflamação intraocular O glaucoma pode se instalar secundariamente à cirurgia de catarata se o processo inflamatório for prolongado e não responder ao tratamento. A inflamação crônica pode levar ao glaucoma, inicialmente através da obstrução da malha trabecular por edema, células inflamatórias e debris celulares, ou por ação direta de mediadores inflamatórios (Fig. 1). Posteriormente, alterações estruturais do trabeculado podem manter a elevação da pressão intraocular, mesmo após a resolução do processo inflamatório (Capítulo 9). Como resultado do aperfeiçoamento na técnica cirúrgica e no desenho, fabricação, controle de qualidade e métodos de esterilização das lentes intraoculares, a incidência de reações inflamatórias graves diminuiu de maneira significativa. A etiologia da uveíte crônica e persistente, secundária à implantação de lente intraocular, é complexa e multifatorial. Um dos fatores importantes na gênese dessa inflamação é a irritação mecânica dos tecidos oculares pelo atrito com as lentes intraoculares. Isso acontece mais frequentemente com certos tipos de lentes de fixação iriana e de câmara anterior, embora

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Fig. 1  Intensa iridociclite, com fibrina na câmara anterior, no pósoperatório imediato de extração extracapsular da catarata com implante de lente de câmara posterior.

também ocorra com as lentes de câmara posterior. O microtrauma contínuo levará à liberação de prostaglandinas e outros mediadores inflamatórios, como bradicininas e leucotrienos. Alguns autores postulam que a reação inflamatória pode estar relacionada com hipersensibilidade ou resposta imunológica do tipo corpo estranho contra os materiais das lentes intraoculares. O hipópio estéril caracteriza a chamada “síndrome tóxica da lente” ou TASS (toxic anterior segment syndrome) e tem sido relacionado com o trauma cirúrgico, alteração estrutural do material plástico nas lentes injetadas, resíduos de material utilizado no polimento e produtos gerados por certos métodos de esterilização (Fig. 2). O tratamento do glaucoma secundário à inflamação intraocular, que surge após a extração da catarata com implante, variará enormemente, de acordo com cada caso. O objetivo principal é controlar o processo inflamatório. A corticoterapia deve ser utilizada inicialmente: tópica, subconjuntival ou sistêmica, dependendo da gravidade. Ao mesmo tempo, medidas para o controle da pressão intraocular são instituídas: β-bloqueadores, α2-agonistas, inibidores da anidrase carbônica de usos tópico ou sistêmico e, eventualmente, hipotensores osmóticos. Na maioria dos casos, se o processo inflamatório for suprimido, a pressão intraocular é normalizada. Algumas vezes, será necessária a retirada da lente intraocular para o controle da inflamação e da pressão intraocular. Eventualmente, em algum desses olhos, mesmo após a retirada da lente, haverá necessidade de recorrer-se à cirurgia filtrante para o controle da pressão intraocular. Em processos inflamatórios crônicos ou recorrentes torna-se necessário o diagnóstico diferencial com processo infeccioso causado pela Propionibacterium acnes e outros micro-organismos. A endoftalmite crônica infecciosa tem quadro clínico variável, mas exibe certas características, tais como uveíte crônica pouco intensa, granulomatosa ou não, depósitos esbranquiçados na cápsula e início meses após a cirurgia (Fig. 3). O tratamento inclui vitrectomia via pars plana com cultura e antibiograma. A capsulectomia é frequentemente necessária.

Fig. 2  Iridociclite pós-operatória, com formação de hipópio estéril.

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Fig. 3  Iridociclite crônica recorrente em olho com lente de câmara posterior, com depósito inflamatório retropupilar e formação de hipópio; provável diagnóstico de endoftalmite por Propionibacterium acnes.

Glaucoma secundário à hemorragia intraocular A ocorrência de hemorragia na câmara anterior pode elevar a pressão intraocular por mecanismos diversos: por um rápido aumento do volume e bloqueio mecânico do trabeculado pelas hemácias, macrófagos e debris celulares. Uma hemorragia intraocular de longa duração pode ser a causa de hemossiderose e esclerose da malha trabecular. É descrita a ocorrência de glaucoma eritroclástico em pacientes submetidos à cirurgia de catarata com implante de lente intraocular: várias podem ser as origens da hemorragia intraocular; no entanto, é fundamental que o sangue atinja a cavidade vítrea e que haja solução de continuidade com a câmara anterior. A história de hemorragia vítrea e a presença de células acastanhadas na câmara anterior permitiram o diagnóstico. Em todos os casos, a vitrectomia e a irrigação da câmara anterior foram efetivas na remoção das células fantasmas (eritroclastos), com normalização da pressão intraocular. Em 1977, Ellingson descreveu a ocorrência de glaucoma associado à uveíte e hifema em olhos nos quais foi implantada a lente de câmara anterior, modelo Choyce Mark VIII. Estes achados permitiram a identificação de uma síndrome típica, a síndrome UGH (uveíte, glaucoma e hifema). A sua incidência, relatada em 1978, atingia a marca de 15% dos olhos submetidos à cirurgia de catarata com implante. O aparecimento dos sintomas ocorre geralmente em 2 a 3 meses, embora possam surgir até 6 meses após a cirurgia. O quadro clínico apresenta-se com irite, precoce ou tardia, hipertensão ocular de difícil controle (30 a 70 mmHg) e episódios de pequenas hemorragias ou mesmo hifemas maciços. O mecanismo sugerido por Ellingson compreende distorção das extremidades da lente intraocular, com irritação das estruturas do ângulo (Fig. 4). Também sinequias anteriores periféricas, que eventualmente ocorrem após a cirurgia, podem promover um deslocamento ante-

Fig. 4  Síndrome de UGH – a distorção da extremidade da alça da lente de câmara anterior (Choyce Mark VIII) propicia o toque endotelial na periferia da córnea.

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296 | Glaucoma rior do plano iriano e, com a movimentação normal da pupila, pode haver atrito da íris com as bordas da lente (Fig. 5). Também as lentes de câmara posterior, cuja fixação intracapsular nem sempre é obtida, podem ser responsáveis pelo aparecimento da síndrome UGH. A maioria das lentes intraoculares retiradas nos casos de síndrome UGH tinha mau acabamento, com superfícies irregulares e bordas cortantes. A incidência dessa síndrome declinou drasticamente com o refinamento no desenho dos diversos modelos e melhor controle de qualidade. Se a causa é a irritação mecânica dos tecidos oculares pela lente intraocular, as alternativas são a estabilização, a troca ou a simples remoção da lente. Se um pequeno vaso pode ser identificado como a origem das hemorragias, pode-se cauterizá-lo com laser de argônio. Também com o laser, pode-se realizar uma iridoplastia e afastar a íris de algum ponto de atrito com a lente intraocular. Às vezes, a simples redução das excursões pupilares, através de um miótico fraco, poderá diminuir o atrito da íris sobre o implante. O tratamento anti-inflamatório à base de corticoide tópico pode manter certos olhos sob controle, com ou sem a associação de colírios hipotensores. Nos casos mais graves, a lente intraocular tem que ser removida, geralmente com boa perspectiva de reversão do quadro. Em alguns olhos a cirurgia filtrante será necessária.

Fig. 5  Lente de câmara anterior (Choyce Mark VIII) com diâmetro pequeno que permite a movimentação da lente, com trauma contínuo das estruturas do segmento anterior e instalação da síndrome de UGH.

Glaucoma facogênico Se uma quantidade considerável de material cortical fica retido, após a extração extracapsular da catarata, uma elevação significativa da pressão intraocular pode ocorrer (Fig. 6). Nestes casos, a hipertensão ocular ocorrerá por obstrução da malha trabecular por material cortical e células inflamatórias. Se a quantidade de material cortical não for muito grande e o glaucoma não for muito grave, o tratamento é clínico. A administração de β-bloqueadores, α2-agonistas, inibidores da anidrase carbônica e corticoide manterá o quadro estável até a reabsorção com-

Fig. 6  Pós-operatório imediato de extração extracapsular da catarata com implante de lente de câmara posterior com retenção de material cortical cristaliniano e elevação da pressão intraocular.

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pleta das massas. Se a resposta ao tratamento clínico não for satisfatória, ou se for grande a quantidade de material cortical retido, haverá necessidade de se proceder à irrigação e à aspiração das massas, o que resultará no controle da pressão intraocular. Fragmentos de núcleo que tenham mergulhado na cavidade vítrea podem ser responsáveis por baixa visual, uveíte, glaucoma e descolamento de retina. O glaucoma ocorre com uma incidência relativamente alta e geralmente é refratário ao tratamento clínico. A remoção dos fragmentos é necessária, com normalização da pressão intraocular na quase totalidade dos casos. Deve-se evitar a abordagem por via anterior, que frequentemente leva a complicações adicionais: a melhor opção é a remoção via pars plana realizada por cirurgião vitreorretiniano experiente. Excepcionalmente, os restos corticais, após a extração extracapsular da catarata, podem induzir uma reação facoanafilática. A endoftalmite facoanafilática é uma resposta inflamatória granulomatosa, estéril, secundária à autossensibilidade à própria proteína cristaliniana. Pode ou não acompanhar-se de glaucoma. Na cirurgia da catarata com implante de lente intraocular, com a atual preferência pela técnica extracapsular, era de se esperar uma incidência relativamente alta de reação facoanafilática. No entanto, esta entidade continua a ser rara, talvez devido ao fato de que o diagnóstico nem sempre é fácil. Em alguns olhos, o processo inflamatório se resolve com intenso tratamento corticoterápico. A remoção da lente intraocular não será curativa: o tratamento efetivo, na maioria dos casos, será a remoção completa dos restos cristalinianos (inclusive a cápsula) e cuidadosa limpeza do segmento anterior.

Glaucoma pigmentar Woodhams & Lester descreveram 13 olhos com glaucoma pigmentar secundário a implante de lente intraocular na câmara posterior. Caracteristicamente, há densa pigmentação negra da malha trabecular em 360°, principalmente nos quadrantes inferiores. O atrito da lente intraocular com o epitélio pigmentar iriano seria responsável pela dispersão de pigmento no segmento anterior. Uma lente que anormalmente se movimente na câmara posterior, ou a movimentação fisiológica da pupila sobre as bordas ou alças de uma lente mal posicionada, podem promover erosão do epitélio pigmentar da íris. Na maioria dos casos, é possível detectar transiluminação iriana na área correspondente ao toque da lente intraocular (Figs. 7 e 8). A resposta ao tratamento é boa e tem sido observada a tendência à normalização da pressão naqueles casos em que o mecanismo de abrasão foi corrigido.

Fig. 7  Lente de câmara posterior descentrada (síndrome do “pôr do sol”), com toque na face posterior da íris pela alça nasal, dispersão pigmentar e elevação da pressão intraocular.

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Fig. 8  Glaucoma pigmentar secundário. Lente de câmara posterior invertida, com anteriorização da porção óptica, propiciando toque entre a íris e a borda da lente em toda sua extensão. Observe a conspícua rarefação do epitélio pigmentar com transiluminação em 360o.

Glaucoma cortisônico Como na população geral, também um certo número de pacientes que foram submetidos à cirurgia de catarata com implante de lente intraocular (5 a 6%) é alto respondedor apresentando conspícua elevação da pressão intraocular com o uso prolongado de corticoide tópico. Especial atenção deve ser dedicada àqueles pacientes que têm maior probabilidade de desenvolverem resposta hipertensiva ao uso do corticoide, tais como portadores de glaucoma e seus parentes de primeiro grau, diabéticos e míopes.

Glaucoma pós-capsulotomia com Nd:YAG Laser Elevação transitória da pressão intraocular, às vezes atingindo níveis muito elevados, é uma complicação frequente da capsulotomia por Nd:YAG laser. A elevação máxima parece ocorrer 2 a 4 horas após a aplicação, retornando a níveis normais em 24 a 48 horas na maioria dos casos. Cerca de 30% dos pacientes apresentam picos pressóricos superiores a 30 mmHg. É extremamente importante, portanto, o tratamento profilático da hipertensão em olhos com glaucoma avançado. Os fatores de risco mais importantes são: pressão pré-tratamento maior que 20 mmHg, glaucoma preexistente e energia total de aplicação alta. Vários fármacos podem ser administrados, de preferência um que já não esteja sendo utilizado pelo paciente. Eventualmente pode ocorrer uma elevação permanente da pressão intraocular, necessitando tratamento clínico continuado ou mesmo tratamento cirúrgico.

ÂNGULO FECHADO Glaucoma primário de ângulo fechado prévio O diagnóstico de glaucoma primário de ângulo fechado pode, excepcionalmente, passar despercebido na avaliação pré-operatória. Se um olho sofreu crise aguda, que foi controlada clinicamente e não há ainda sinequias anteriores periféricas, a eventualidade de fechamento angular estará definitivamente afastada com a extração da catarata e o aprofundamento da câmara anterior. Se já existem sinequias anteriores periféricas em quantidade expressiva, poderá haver fechamento adicional do ângulo, devido ao trauma cirúrgico ou irritação dos

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tecidos oculares pelas alças de uma lente de câmara anterior, com agravamento do grau de controle da pressão intraocular. É fundamental que se realize cuidadoso exame gonioscópico pré-operatório, se planeja implantar uma lente de câmara anterior.

Glaucoma secundário à inflamação intraocular A uveíte persistente, que eventualmente se instala após a extração da catarata com ou sem implante de lente intraocular, secundária a diversas causas (excessiva manipulação cirúrgica, irritação mecânica por diversos tipos de lentes, hifemas repetidos, etc.), pode levar à formação de sinequias anteriores periféricas e progressivo fechamento do seio camerular. O tratamento deverá ser dirigido no sentido de debelar o processo inflamatório e eliminar a causa da inflamação. Ao mesmo tempo, deve-se promover o controle da pressão intraocular com fármacos hipotensores e, eventualmente, com cirurgia filtrante.

Glaucoma secundário ao bloqueio pupilar O bloqueio pupilar é a causa mais frequente de fechamento angular após a facectomia. Ele é mais comum no período pós-operatório imediato, mas pode ocorrer a qualquer tempo. Nos olhos afácicos, vários fatores podem concorrer para a formação de aderências entre a superfície da hialoide anterior e a face posterior da íris, impedindo a passagem de humor aquoso da câmara posterior para a anterior através da pupila (Figs. 9A-C). O glaucoma por bloqueio pupilar em olhos pseudofácicos tem sido relatado com os mais diversos tipos de lentes intraoculares. Uma lente intraocular ou vítreo na área pupilar pode, em determinadas circunstâncias, ocluir a abertura pupilar e, na ausência de iridectomias patentes, impedir a passagem do humor aquoso da câmara posterior para a câmara anterior. O humor aquoso represado promove o deslocamento anterior da íris, com consequente bloqueio do seio camerular (Fig. 10). A iridectomia pode não ter sido realizada, pode ter sido incompleta e não ter incluído o epitélio pigmentar, ou pode ter sido ocluída no pós-operatório. Tanto a iridectomia quanto a pupila, podem ser bloqueadas precocemente por restos de material cortical, cápsula, coágulos, vítreo ou por bolha de ar na câmara anterior e, mais tardiamente, pela formação de membranas inflamatórias, sinequias, etc. (Fig. 11).

Figs. 9 (A-C)  O extravasamento de aquoso pela incisão, no período pós-operatório imediato (A), predispõe à atalamia e descolamento de coroide (B), que agrava a hipotonia ocular. A atalamia prolongada propicia estreito contato entre a hialoide anterior e a íris e pode ser responsável pela instalação do bloqueio pupilar. O quadro típico se manifestará com o fechamento espontâneo ou cirúrgico da fístula incisional (C).

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Fig. 10  Bloqueio pupilar com lente de câmara posterior. A íris apresenta-se acolada à face posterior da córnea e a câmara anterior está patente somente na porção central, onde se observa também uma anteriorização da lente intraocular.

Fig. 11  Bloqueio pupilar e íris bombé, secundários à iridociclite crônica recorrente em olho com lente de câmara posterior. Houve oclusão completa da pupila.

O bloqueio pupilar pode ocorrer com qualquer tipo de lente intraocular, embora seja muito mais frequente com aquelas que propiciam estreito contato com a pupila, como é o caso das lentes de fixação iriana e de certos modelos de câmara anterior (Tabela II). Situação semelhante existe se ocorrer a captura pupilar da porção óptica de uma lente de câmara posterior (Fig. 12A). O bloqueio pupilar com as lentes de câmara posterior é bem menos frequente,

Figs. 12 (A-C)  A captura da porção óptica de uma lente de câmara posterior pode ser responsável por bloqueio pupilar (A). A dilatação pupilar rompe o bloqueio (B) e permite o reposicionamento da lente intraocular (C) (GV Almeida).

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tanto que hoje a iridectomia não é parte integrante da técnica cirúrgica da catarata. A facoemulsificação permite a extração da catarata em um olho pressurizado e com as microincisões autosselantes é muito rara a ocorrência de câmara anterior rasa no pós-operatório, o que predisporia ao boqueio pupilar. Todavia a iridectomia estaria indicada em certas situações como a utilização de lentes de fixação iriana ou de câmara anterior. Em certas ocasiões, principalmente se uma lente intraocular não foi implantada (afacia) alguns cirurgiões terminam o ato operatório injetando ar na câmara anterior. O bloqueio pupilar por ar pode ocorrer quando a bolha de ar ocupa toda a câmara anterior, bloqueando o fluxo de humor aquoso através da pupila. Nesse caso, o aquoso retido atrás da íris provoca o seu bombeamento periférico e o fechamento angular (Fig. 13A). Outra possibilidade de bloqueio existe quando o ar está parcial ou completamente confinado na câmara posterior e comprime a íris contra a malha trabecular (Fig. 13B). Tabela II  Glaucoma secundário a bloqueio pupilar Autor Werner & Kaback (1977) Stark et al. (1983)

Moses (1984)

Lente intraocular

Incidência (%)

106

FI

3,8

3.587

CA

0,8

538

FI

0,6

1.213

FIC

0,2

2.703

CP

0,3

100

CA

4,0

CA = câmara anterior; CP = câmara posterior; FI = fixação iriana; FIC = fixação iridocapsular.

O curso clínico do glaucoma por bloqueio pupilar é variável. Pode instalar-se horas ou até anos após a cirurgia da catarata com implante de lente intraocular. O olho acometido torna-se doloroso e a visão diminuída, embora, ocasionalmente, possa ser assintomático. Ao exame, classicamente, constata-se uma câmara anterior muito rasa ou ausente, edema corneano e elevação da pressão intraocular. A configuração da câmara anterior variará de acordo com a duração do bloqueio, a causa subjacente e o tipo de lente intraocular. Se a câmara anterior for rasa, torna-se necessário o diagnóstico diferencial entre bloqueio pupilar, glaucoma maligno, extravasamento de aquoso pela incisão e descolamento de coroide. O extravasamento de humor aquoso pela incisão pode ser o responsável pela atalamia e

Figs. 13 (A e B)  A presença de ar na câmara anterior pode ocasionar bloqueio pupilar e o humor aquoso represado será responsável pelo deslocamento anterior da periferia da íris e fechamento angular (A). O ar pode localizar-se na câmara posterior e, além de ser responsável pelo bloqueio pupilar, também promove o deslocamento anterior de todo o diafragma da íris (B).

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302 | Glaucoma pode também favorecer o descolamento de coroide. Em ambas as situações, a pressão intraocular é muito baixa e a atalamia resultante pode, por sua vez, propiciar a instalação de bloqueio pupilar com qualquer tipo de lente intraocular. O bloqueio pupilar pode continuar após a restauração da câmara anterior e a hipertensão ocular, por sua vez, forçar o extravasamento de aquoso pela ferida cirúrgica, reiniciando o ciclo. Outras medidas profiláticas, além da iridectomia periférica, podem evitar a instalação do bloqueio pupilar. Deve-se proceder à meticulosa aspiração dos restos corticais, sangue e substância viscoelástica presentes no segmento anterior ao final da cirurgia. Com a técnica de extração extracapsular, é importante a confecção de cuidadosa sutura corneoescleral e que se evite estender desnecessariamente o tempo de cirurgia, diminuindo a chance de extravasamento de aquoso pela incisão e de descolamento de coroide, respectivamente. A reação inflamatória, no pós-peratório, deve ser tratada vigorosamente. O tratamento do glaucoma por bloqueio pupilar na pseudofacia é a iridectomia, que pode ser facilmente executada com laser (Nd:YAG e/ou argônio). Nos casos de afacia o bloqueio pode ser facilmente rompido com a aplicação de laser na própria área pupilar (abertura de membrana inflamatória, hialoide anterior, etc.) (Figs. 14A e B). Se já existe uma iridectomia parcial, com preservação do epitélio pigmentar, poucos disparos com o laser completarão a comunicação entre as câmaras posterior e anterior, aliviando o represamento de aquoso na câmara posterior, aprofundando a câmara anterior e abrindo o seio camerular. Se for realizada em outro local, deve ser o mais periférica possível e onde a câmara anterior for mais profunda. A redução da pressão intraocular e o uso de glicerina tópica diminuem o edema corneano e melhoram a visibilidade, facilitando a aplicação do laser. Se houver atalamia, ou mesmo grande proximidade entre a íris e a córnea, os primeiros disparos provocam queimaduras do endotélio que impedem uma boa visualização, e a iridectomia com o laser torna-se inexequível. Nestas circunstâncias, a única alternativa será a iridectomia cirúrgica. A fotomidríase, pela retração do tecido iriano, traciona a pupila e pode romper a adesão com a lente intraocular. Geralmente a pupiloplastia e a iridoplastia, assim como o tratamento clínico, são medidas iniciais, já que o tratamento definitivo será alcançado pela iridectomia. Em certas circunstâncias, pode-se tentar a dilatação pupilar (Fig. 12). Obviamente, medidas hipotensoras oculares devem ser tomadas: β-bloqueadores, brimonidina, inibidores da

Figs. 14 (A e B)  A. Bloqueio pupilar por botão de vítreo no pósoperatório de extração intracapsular da catarata. Observe o abaulamento anterior da periferia irídica, mais evidente na posição de 6 h, com fechamento do ângulo camerular. B. Após iridectomia com o laser de argônio, na posição de 11 h, há recuo da íris, que se afasta da periferia da córnea e normalização da pressão intraocular.

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anidrase carbônica, substâncias hiperosmóticas, etc. Frequentemente uma reação inflamatória está presente, com fibrina e debris celulares, predispondo à adesão entre a lente intraocular e a íris, daí a necessidade de tratamento anti-inflamatório. Na presença do mecanismo de bloqueio iridovítreo, devido a aposição da hialoide anterior contra a superfície posterior da íris, a iridectomia com laser de argônio, ou mesmo cirúrgica, poderá não ser curativa. Nesses casos, a melhor opção será o tratamento com Nd:YAG laser que, além da iridectomia, é capaz de promover a fotodisrupção da hialoide e do vítreo anterior. A formação de sinequias anteriores periféricas é a complicação mais frequente nos casos de bloqueio pupilar. A gonioscopia deve ser realizada logo após o alívio do bloqueio: se houver sinequias em quantidade significativa, pode-se tentar gonioplastia com laser de argônio, que geralmente é eficaz na liberação das sinequias se estas forem relativamente recentes. Geralmente, com a resolução do bloqueio pupilar, normaliza-se a pressão intraocular. Poderá haver, nos casos de resolução mais tardia, já que a extensão das sinequias anteriores periféricas é proporcional ao tempo de duração do bloqueio pupilar, necessidade de complementação medicamentosa e, eventualmente, de cirurgia filtrante.

Glaucoma maligno Se a iridectomia for ineficaz no tratamento do bloqueio pupilar, deve-se admitir a hipótese de bloqueio ciliar (glaucoma maligno pseudofácico). O humor aquoso é desviado posteriormente em direção ao corpo vítreo, que, por sua vez, se desloca anteriormente, criando um círculo vicioso. Com o presente estágio, de nítida preferência pela extração extracapsular (facoemulsificação), torna-se teoricamente maior o risco de surgimento de glaucoma maligno após a cirurgia de catarata. Isso porque, com as técnicas atuais, há preservação da cápsula posterior do cristalino e é mantida a integridade do vítreo anterior, condições que permitem a instalação do bloqueio ciliar. É possível que inúmeras roturas zonulares possam ocorrer com as diversas manobras na extração do núcleo, aspiração dos restos corticais e inserção da lente intraocular, e poderiam explicar a raridade desse tipo de glaucoma. O tratamento cirúrgico do glaucoma maligno pseudofácico consiste na capsulotomia posterior e aspiração do vítreo anterior. Uma outra opção que é eficaz na maioria dos casos consiste na fotodisrupção da cápsula posterior, hialoide e vítreo anterior com o Nd:YAG laser. Esta capsulotomia deve ser feita perifericamente à porção óptica da lente intraocular para permitir a livre passagem do humor aquoso represado.

Glaucoma neovascular Aiello et al. relatam a ocorrência de glaucoma neovascular em 7,8% de 154 pacientes diabéticos submetidos à extração intracapsular de catarata, enquanto no grupo controle (não operados), a incidência foi de 0,6%. Considerando somente os diabéticos portadores de retinopatia proliferativa, a incidência de glaucoma neovascular subiu para 40%. É possível que a manutenção da cápsula posterior, com a extração extracapsular da catarata, signifique alguma proteção contra a difusão de substâncias vasoproliferativas produzidas pela retina isquêmica: Weinreb et al. descrevem 3 casos de glaucoma neovascular ocorrendo após a capsulotomia por Nd:YAG laser. A facoemulsificação e a extração extracapsular da catarata em pacientes portadores de retinopatia diabética apresentam resultados visuais semelhantes e satisfatórios. Os olhos com

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304 | Glaucoma retinopatia diabética devem ser acompanhados de perto e a fotocoagulação considerada no pós-operatório imediato naqueles que apresentarem agravamento do quadro retiniano.

Glaucoma secundário à invasão epitelial Com o aperfeiçoamento das técnicas cirúrgicas, invasão epitelial, com ou sem formação de cistos, é hoje uma raridade. O glaucoma se instala pelo revestimento epitelial das estruturas do ângulo da câmara anterior e consequente comprometimento da drenagem do humor aquoso (Fig. 15). Se a invasão é cística (Fig. 16), pode ocorrer o mecanismo de bloqueio pupilar. Este tema é tratado com detalhes em outro capítulo.

Fig. 15  Invasão epitelial da câmara anterior revestindo a metade superior da face posterior da córnea.

Figs. 16 (A-D)  Cisto de invasão epitelial após extração extracapsular (A). O tratamento foi realizado com aplicações de laser. Inicialmente com Nd:YAG para perfuração e colapso do cisto (B) e depois com argônio, com cauterizações múltiplas (C). O tratamento completo promoveu uma verdadeira iridectomia setorial e em 10 anos de seguimento, uma visão de 20/20 foi preservada, sem rescidiva do cisto (D).

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HOMERO GUSMÃO DE ALMEIDA • JOEL EDMUR BOTEON

C A P Í T U L O  |  23

Glaucoma Associado à Ceratoplastia Penetrante

Uma das complicações mais sérias associadas à ceratoplastia penetrante é o glaucoma, devido à sua frequência, gravidade e à dificuldade de diagnóstico e tratamento. Aldave et al. reportam que de 156 pacientes transplantados que necessitaram de nova ceratoplastia penetrante, 94 (60,3%) eram portadores de glaucoma. O glaucoma é a segunda causa mais frequente de insucesso da ceratoplastia, vindo logo após a rejeição do transplante. Com a diferença de que na rejeição do transplante há, quase sempre, a oportunidade de uma nova cirurgia e no glaucoma é grande o risco de prejuízo visual irrecuperável, se não for diagnosticado em tempo hábil e tratado convenientemente.

INCIDÊNCIA Irvine & Kaufman chamaram a atenção para a dificuldade em se comparar os diversos estudos publicados sobre a incidência de glaucoma associado à ceratoplastia penetrante, devido a enorme margem de erro dos tonômetros até então disponíveis. Mediram a pressão intraocular no pós-operatório imediato de 44 pacientes submetidos à ceratoplastia penetrante eletiva. Observaram que a hipertensão ocular parece ser a regra: pressão intraocular maior que 25 mmHg foi constatada em 32 olhos (73%). Mais importante foi o fato de que a elevação tensional era maior nos olhos afácicos. Nos olhos com cristalino, a incidência de hipertensão foi de 37%; nos olhos afácicos, de 88%; e nos olhos submetidos à cirurgia combinada com extração da catarata, de 100%. A amplitude da hipertensão ocular foi também diferente nos três grupos: 24, 40 e 50 mmHg, respectivamente. Embora a elevação da pressão intraocular no período pós-operatório imediato possa representar ameaça ao sucesso do transplante, ela tende a ser, na maioria dos casos, transitória. É a hipertensão persistente que representa maior perigo à integridade da função visual. 307

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308 | Glaucoma Olson & Kaufman observaram que pacientes afácicos submetidos à ceratoplastia, ou aqueles submetidos à cirurgia combinada com a facectomia, e que apresentam grande elevação da pressão intraocular na primeira semana de pós-operatório, têm maior chance de desenvolver elevação persistente da pressão, independentemente da suspeita de glaucoma antes da cirurgia. Parece indubitável que o glaucoma preexistente e a afacia sejam situações conectadas à maior incidência de hipertensão ocular tanto no período precoce quanto no período tardio do pós-operatório da ceratoplastia penetrante. Outras entidades também parecem estar associadas à maior ocorrência de glaucoma após o transplante de córnea: traumas, ceratite herpética, ceratite intersticial luética, etc. Uma incidência relativamente maior de glaucoma associado à ceratoplastia penetrante parece ter ocorrido a partir do final da década de 1960, que coincidiu com significativa mudança na indicação do transplante de córnea. Essa modificação se deveu principalmente aos avanços na técnica cirúrgica, nas técnicas de preservação das córneas doadoras e no maior conhecimento dos mecanismos de rejeição do transplante. A maior mudança ocorreu na indicação de ceratoplastia perfurante em olhos com ceratoplastia bolhosa afácica. Acreditamos ser provável que a maior incidência de glaucoma associado ao transplante perfurante de córnea seja resultado, em parte, do maior refinamento nos métodos para avaliação da pressão intraocular (tonômetros eletrônicos) e em parte, devido ao fato de que olhos em condições mais precárias (p. ex., ceratopatia bolhosa) passaram a ser indicações formais para a cirurgia. A incidência de glaucoma associado à ceratoplastia penetrante parece variar também com a técnica cirúrgica. Mortada, em 50 olhos submetidos a transplante de córnea, observou a ocorrência de glaucoma em 10% dos olhos com transplante de 5,0 a 5,5 mm de diâmetro e em 35% dos olhos com transplante de diâmetro maior (6,0 a 6,5 mm). Também a disparidade entre os diâmetros do disco doador e do leito receptor (doador 0,5 mm maior que o receptor) parece diminuir a incidência de glaucoma no pós-operatório, embora os resultados sejam variáveis.

QUADRO CLÍNICO O exame pré-operatório dos pacientes candidatos à ceratoplastia penetrante deve constar de minuciosa anamnese, cuidadoso exame biomicroscópico e, quando exequível, medida da pressão intraocular e avaliação do fundo de olho. O campo visual, quando indicado e factível, deve ser realizado. Na anamnese, deve-se dedicar especial atenção à presença de glaucoma, tipo, duração, estágio de evolução, qualidade do controle, drogas em uso, cirurgias realizadas, etc. Deve-se coletar detalhes sobre a doença básica responsável pela indicação do transplante: ceratopatia bolhosa afácica ou não, trauma, ceratite etc. O exame biomicroscópico possibilitará estudar detalhadamente as características das lesões do segmento anterior: extensão das cicatrizes nos casos de traumas, alterações irianas, presença de vítreo na câmara anterior, etc. A biomicroscopia ultrassônica poderá fornecer informações valiosas acerca das estruturas do segmento anterior. O exame do fundo de olho é possível, ainda que precário, em um número expressivo de olhos candidatos à ceratoplastia. Quando não for exequível, está indicado um estudo ecográfico, que fornecerá informações sobre estruturas intraoculares, posição do cristalino e até mesmo uma extensa escavação glaucomatosa pode ser diagnosticada.

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No pós-operatório, deve-se inquirir sobre os sintomas que frequentemente acompanham uma elevação mais acentuada da pressão intraocular. A dor é um sinal de alarme e está frequentemente relacionada com o aumento rápido da pressão intraocular. Quando a pressão atinge rapidamente 40 a 50 mmHg, o paciente já começa a sentir desconforto local. Se a elevação tensional instala-se lentamente, a pressão intraocular pode atingir cifras de até 70 a 80 mmHg sem esse sintoma. A baixa visual pode ser pouco percebida pelo paciente, tendo em vista a má qualidade de visão que se segue à ceratoplastia, por fatores diversos: alto astigmatismo, astigmatismo irregular, hifema, inflamação, etc. Halos coloridos são referidos raramente. O exame do segmento anterior é de fundamental importância na avaliação dos olhos com elevação da pressão intraocular após a cirurgia do transplante de córnea. A congestão é de pouca importância para o diagnóstico da hipertensão aguda no pós-operatório imediato devido à inflamação pós-operatória. O edema epitelial pode ser indicativo de pressão intraocular elevada, embora a sua ocorrência esteja também na dependência da integridade do endotélio da córnea transplantada. Assim, se houver lesão endotelial, o edema epitelial pode surgir com uma pressão intraocular de 20 mmHg e desaparecer com uma pressão de 15 mmHg. Em córneas sadias, o edema epitelial ocorre quando a pressão intraocular excede 50 a 60 mmHg. A fisiopatologia do edema de córnea foi detalhadamente estudada por Ytteborg & Dohlman (Figs. 1A-C).

Figs. 1 (A-C)  Fisiopatologia do edema de córnea. A pressão de inchaço (PI) do estroma é função da impermeabilidade das “membranas”corneanas (epitélio e endotélio) e da ação de desidratação desempenhada pelas células endoteliais. A pressão de inchaço nas córneas normais é negativa e situa-se em torno de –50 mmHg. A pressão hidrostática do estroma (PHE) é o gradiente de pressão existente entre a pressão de inchaço do estroma (PI) e a pressão intraocular (Po); logo, PHE = PI – Po. A. No olho normal a PI é de –50 mmHg e a Po em torno de +15 mmHg. Portanto, a PHE é negativa, em torno de –35 mmHg. B. Se a Po eleva-se, por exemplo, a 60 mmHg e a PI mantém-se normal (pois não há lesão endotelial), a PHE torna-se positiva (+10 mmHg) e há edema epitelial. C. Se há lesão endotelial, a PI aumenta, por exemplo, para –5 mmHg e, mesmo na presença de Po normal, a PHE torna-se positiva (+ 10 mmHg) e há edema epitelial.

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310 | Glaucoma A câmara anterior pode estar rasa ou ausente, conter debris inflamatórios, massas cristalinianas, vítreo e hifema. A íris pode apresentar midríase paralítica devido ao glaucoma de ângulo fechado, estar aderida ao cristalino ou vítreo (sinequias posteriores), à periferia da córnea (sinequias anteriores periféricas), à ferida cirúrgica, ou estar ausente (aniridia traumática ou cirúrgica). O cristalino pode estar subluxado, apresentar-se intumescente ou roto ( devido a trauma prévio ou lesão iatrogênica). O vítreo pode estar ocupando a câmara anterior, mostrar-se aderido à íris ou à córnea, ou ser responsável por bloqueio pupilar ou ciliar. Enfim, o quadro clínico do glaucoma associado à ceratoplastia penetrante é extremamente variável, pois inúmeras são as causas e os mecanismos fisiopatológicos envolvidos. A tonometria constitui um problema nos olhos com indicação de ceratoplastia e também no pós-operatório destes olhos. Valores obtidos com o Tono-Pen (Fig. 2) mostraram um excelente índice de correlação quando comparados com a manometria direta da câmara anterior. Na nossa opinião e na de outros, em muitos olhos submetidos à ceratoplastia perfurante é possível obter-se medidas confiáveis com o tonômetro de Goldmann. Atualmente, com as técnicas modernas de sutura, é perfeitamente seguro medir a pressão intraocular já a partir do primeiro dia pós-operatório. Mesmo a tonometria bidigital tem algum valor: pelo menos nos informa se a pressão intraocular está inquestionavelmente baixa ou elevada. O mais importante, no entanto, é estar ciente da frequência do glaucoma em olhos candidatos ou já submetidos à ceratoplastia perfurante.

Fig. 2  O Tono-Pen, tonômetro eletrônico digital de aplanação, parece um instrumento mais confiável na medida da pressão intraocular em olhos submetidos à ceratoplastia penetrante ou com cicatrizes corneanas extensas.

CLASSIFICAÇÃO Os glaucomas associados à ceratoplastia penetrante são divididos em dois grandes grupos: aqueles com glaucoma preexistente e aqueles com glaucoma secundário à cirurgia do transplante de córnea. Teoricamente, o paciente candidato à ceratoplastia pode ser portador de qualquer forma de glaucoma, primário ou secundário. Obviamente, algumas formas de glaucoma secundário são mais frequentes pelo fato de estarem associados a alterações corneanas passíveis de indicação para transplante. Já os glaucomas secundários à ceratoplastia penetrante compreendem aqueles relacionados especificamente com a cirurgia do transplante.

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Glaucomas associados à ceratoplastia penetrante I – Glaucoma Preexistente 1. Primário (ângulo aberto, ângulo fechado e congênito). 2. Secundário: a) Não relacionado com as alterações corneanas. b) Relacionado com as alterações corneanas: Congênitas (microcórnea, goniodisgenesias e esclerocórnea). Inflamatórias (uveítes anteriores e ceratites). Traumáticas (queimaduras químicas, traumas contusos e perfurantes). Pós-cirúrgicas (complicações da cirurgia de catarata etc.). II – Glaucoma Secundário à Ceratoplastia Penetrante 1. Colapso trabecular. 2. Fechamento angular. 3. Bloqueio pupilar. 4. Bloqueio ciliar. 5. Inflamação intraocular. 6. Hifema/Glaucoma eritroclástico. 7. Glaucoma facogênico. 8. Glaucoma cortisônico.

ETIOPATOGENIA Muitos mecanismos podem estar envolvidos no aparecimento de glaucoma secundário à ceratoplastia penetrante e são discutidos nos diversos capítulos deste livro: glaucoma por bloqueio pupilar, glaucoma facogênico, glaucomas secundários a hemorragias intraoculares, glaucoma cortisônico, etc. Dois mecanismos em particular serão abordados, pela sua frequência e íntima relação com a técnica cirúrgica do transplante: compressão, distorção e colapso da malha trabecular, bem como fechamento angular.

Compressão, distorção e colapso da malha trabecular A conspícua elevação da pressão intraocular presente no pós-operatório dos olhos afácicos submetidos à ceratoplastia penetrante, na maioria dos casos ocorre somente no período pós-operatório imediato, tendendo a se normalizar no espaço de alguns dias a poucas semanas. Importante é a observação de que o fechamento angular não é o mecanismo envolvido. Estudos clínicos e laboratoriais constataram que os olhos operados com sutura transfixante têm incidência menor de hipertensão ocular no pós-operatório e permitiram concluir que a distorção do sistema de drenagem (malha trabecular e canal de Schlemm) seria o mecanismo envolvido (Figs. 3A e B). A compressão e distorção do sistema de drenagem ocorreria

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Figs. 3 (A e B)  Mecanismo da hipertensão ocular no pós-operatório imediato da ceratoplastia penetrante. A. É possível que a má coaptação das bordas posteriores da ferida cirúrgica permita um deslizamento da membrana de Descemet e seja responsável por um colapso da malha trabecular. B. A pegada transfixante, ao incluir a membrana de Descemet na sutura, impede que ocorra diminuição da facilidade de escoamento que é observada com a sutura usual.

principalmente com a técnica de sutura usual, de média profundidade, que permite aos lábios posteriores da ferida cirúrgica ficarem mal coaptados. Olson & Kaufman fizeram uma análise matemática dos vários fatores relacionados com a distorção da parede externa do ângulo camerular nos olhos submetidos à ceratoplastia perfurante. A maior distorção do ângulo camerular está relacionada com: 1. Sutura mais apertada. 2. Sutura com pegada mais longa. 3. Maior diâmetro de trepanação da córnea receptora. 4. Maior espessura da periferia da córnea receptora. 5. Diâmetro da córnea doadora igual ou menor que o diâmetro de trepanação da córnea receptora. É fácil entender que a sutura mais apertada e as pegadas mais longas sejam responsáveis por maior compressão tecidual. De acordo com os estudos de Olson & Kaufman, a maneira mais simples de melhorar a compressão e distorção da periferia da córnea receptora (onde o sistema de drenagem está alojado) é aumentar o diâmetro da córnea doadora. O efeito da disparidade no diâmetro de trepanação doador/receptor tem sido estudado por diversos autores, e a maioria relata que a ocorrência de hipertensão ocular é menor nos olhos com disco doador de diâmetro maior. Vários fatores podem influenciar no diâmetro da trepanação: 1. A trepanação pela face epitelial da córnea fornece, em média, diâmetros 0,26 mm maiores do que a trepanação pela face endotelial. 2. Quanto maior a pressão intraocular, maior o diâmetro da trepanação. 3. Quanto mais alta a guarda do trépano, maior o diâmetro. 4. Quanto menos afiado o trépano, maior o diâmetro. As variações induzidas pela técnica da trepanação podem alterar o diâmetro obtido em até 0,75 mm. A pergunta permanece: qual o mecanismo íntimo pelo qual a ceratoplastia penetrante é responsável pelo aumento da pressão intraocular no pós-operatório?

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Baseado nos vários trabalhos, parece não haver dúvidas de que a compressão e distorção da periferia corneana, onde está alojado o sistema de drenagem do humor aquoso, é o mecanismo básico (Fig. 4). No entanto, por que a elevação da pressão intraocular é muito mais frequente em olhos afácicos? Zimmerman et al. acreditam que a má coaptação das bordas posteriores da ferida, que ocorre com a sutura usual, com pegadas médias e profundas, permite que haja retração da membrana de Descemet em direção à periferia e consequente colapso da malha trabecular. Eles postulam que o sistema trabecular normal tem dois pontos de fixação: o suporte anterior é oferecido pela membrana de Descemet e o suporte posterior é oferecido pelo sistema músculo ciliar/cristalino. Com a extração do cristalino, o equilíbrio desse suporte posterior é comprometido e com a ceratoplastia penetrante, o suporte anterior também é relaxado, resultando em retração e colapso da malha trabecular. Essa teoria explicaria a acentuada elevação da pressão intraocular nos olhos afácicos submetidos a transplante perfurante. Também explicaria o efeito benéfico da utilização de discos doadores maiores que a trepanação receptora e da sutura transfixante, ao proporcionarem melhor coaptação da borda posterior da incisão e, consequentemente, melhor suporte (anterior) para o trabeculado (Figs. 3A e B). O mais provável é que, ao lado do colapso da malha trabecular, ocorra também um certo grau de compressão e distorção de todo o sistema de drenagem do humor aquoso (Fig. 5).

Fig. 4  Compressão tecidual pela sutura na ceratoplastia perfurante. A e B representam os pontos de entrada e saída da agulha. Com o aperto da sutura ocorre uma compressão tecidual que equivale, em média, a uma diminuição de 0,4 mm no diâmetro do enxerto.

Fig. 5  A compressão tecidual pela sutura do transplante provoca um aplanamento da curvatura corneana que, além de acarretar distorção da malha trabecular, é responsável por uma diminuição na amplitude do ângulo camerular (α).

Fechamento do ângulo camerular O fechamento do seio camerular pode ser secundário a diversas causas: dificuldade de restauração da câmara anterior ao final da cirurgia, vazamento de humor aquoso pela incisão cirúrgica no pós-operatório, descolamento da coroide, iridociclite, bloqueio pupilar, diminuição da amplitude do seio camerular pela técnica cirúrgica empregada, etc. O extravasamento de aquoso produzido por sutura irregular ou má coaptação das bordas da ferida pode acarretar atalamia no pós-operatório. A atalamia que se prolongue por mais de 1 semana será responsável pela formação de sinequias e bloqueio do seio camerular (Fig. 6). O mesmo poderá ocorrer no descolamento da coroide e nos casos de iridociclite, devido à hipossecreção de humor aquoso.

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Fig. 6  A ocorrência de sinequias anteriores é uma causa frequente de glaucoma após a ceratoplastia penetrante, tanto em olhos fácicos quanto afácicos. Observe a íris aderida à face posterior da córnea receptora nos quadrantes superiores e estendendo-se também sobre o transplante nos quadrantes inferiores.

O bloqueio pupilar ocorrerá mais frequentemente quando a iridectomia não for realizada, estiver incompleta ou for ocluída por uma atalamia prolongada ou uma reação inflamatória mais intensa. A utilização de disco doador com o mesmo diâmetro de trepanação do leito receptor pode ser responsável por compressão da periferia corneana e consequente estreitamento do ângulo da câmara anterior. Essa situação será agravada com a compressão exagerada da sutura, com pegadas muito longas, etc. Em olhos com periferia corneana mais espessada, maior reação inflamatória no pós-operatório, congestão iriana e humor aquoso fibrinoide, é grande a chance de formação de sinequias anteriores periféricas.

MEDIDAS PROFILÁTICAS Certos cuidados são importantes na prevenção de inúmeras complicações relacionadas com o aparecimento de glaucoma após a cirurgia do transplante de córnea penetrante.

Prevenção da compressão e colapso do sistema de drenagem Em olhos predispostos, principalmente aqueles sem cristalino, é importante: 1. Evitar utilizar sutura muito apertada. 2. Evitar pegadas muito longas ou superficiais. 3. Procurar utilizar disco doador com diâmetro maior que o da trepanação da córnea receptora.

Prevenção de sinequias irianas Ao término da cirurgia, a câmara anterior deve estar sempre restaurada, preferencialmente com solução salina balanceada. Se houver dificuldade em reformar a câmara anterior: Comprovar se a sutura está hermética e aplicar pontos adicionais, se necessário.

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Checar se a iridectomia periférica está pérvia. Observar se não há compressão externa (p. ex., blefarostato). Não esquecer da possibilidade de haver ar retido na câmara posterior. Nos olhos com nítida hipertensão vítrea, pode-se recorrer à administração peroperatória de manitol intravenoso; em certos casos, será necessária a aspiração vítrea, via pars plana ou, nos olhos afácicos, por via anterior.

As aderências da íris à incisão devem ser liberadas com espátula delicada, que pode ser feito com o auxílio de irrigação e substâncias viscoelásticas. As íris flácidas, como nos casos de iridodiálise, rotura do músculo esfíncter, iridectomia sectoral, propiciam a formação de sinequias e podem ser corrigidas pela sutura adequada da íris (Figs. 7A e B). Nos olhos com câmara anterior muito rasa, pode-se planejar o transplante com disco doador maior que o diâmetro do leito receptor, que evitará um angustiamento adicional do ângulo camerular. De maneira geral, deve-se evitar, ou reduzir ao máximo, a manipulação excessiva da íris e promover cuidadosa limpeza de restos cristalinianos, sangue, vítreo, etc. Nos olhos com maior risco de desenvolverem sinequias irianas está indicado um vigoroso tratamento anti-inflamatório.

Figs. 7 (A e B)  A. Com a iridectomia setorial, a íris perde o seu suporte e é frequente a formação de sinequias. B. Com a sutura adequada é possível recompor a configuração normal do diafragma iriano.

TRATAMENTO O tratamento específico do glaucoma associado à ceratoplastia penetrante baseia-se, primordialmente, na identificação do tipo de glaucoma e do mecanismo fisiopatológico envolvido. A identificação de uma causa passível de correção é de extrema importância. Por exemplo, hifema, iridociclite, restos cristalinianos, uso prolongado de corticoide tópico, bloqueio pupilar, bloqueio ciliar e sinequias anteriores (Figs. 8 e 9), devem ser tratados convenientemente. Vários aspectos merecem considerações:

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Figs. 8 (A e B)  A. Ceratoplastia penetrante em um olho com leucoma corneano secundário à queimadura química, com a porção pupilar da íris aderida à ferida cirúrgica. Há uma situação de bloqueio pupilar, com intensa elevação da pressão intraocular. B. Com a cirurgia (sinequiálise) foi possível liberar a íris, que reassume a sua posição normal, com alívio do bloqueio angular e normalização da pressão intraocular (ver Fig. 9).

Fig. 9  A aderência da íris à borda posterior da ferida cirúrgica não é uma complicação infrequente da ceratoplastia penetrante. Após preencher-se a câmara anterior com substância viscoelástica, é possível promover uma sinequiálise, utilizando uma espátula delicada de ciclodiálise (ver Fig. 8).

Glaucoma preexistente O glaucoma deve ser controlado adequadamente no pré-operatório do transplante da córnea, pois sabe-se que a pressão intraocular elevada é uma das principais causas de insucesso da ceratoplastia perfurante. Se não há controle da pressão intraocular com o tratamento clínico, deve-se recorrer ao tratamento cirúrgico. Mesmo sabendo que há grande risco de comprometimento da fístula com a ceratoplastia perfurante, a trabeculectomia, com a utilização de mitomicina C é, na nossa opinião, a cirurgia de escolha. A cirurgia combinada de trabeculectomia e ceratoplastia não parece ter aceitação mais ampla.

Hipertensão ocular transitória A conspícua elevação da pressão intraocular, que ocorre com frequência no pós-operatório imediato da ceratoplastia penetrante, principalmente em olhos áfacos, está relacionada com a inflamação pós-operatória, compressão do sistema de drenagem e colapso da malha trabecular. Esses olhos devem ser medicados convenientemente: β-bloqueadores, derivados das prostaglandinas, inibidores da anidrase carbônica de usos tópico ou sistêmico e, eventualmente, agentes hiperosmóticos. A maioria desses olhos não necessitará de tratamento prolongado.

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Hipertensão ocular persistente A elevação persistente da pressão intraocular no pós-operatório tardio da ceratoplastia penetrante, seja devido a glaucoma prévio ou secundário à cirurgia do transplante, necessitará do tratamento adequado, clínico ou cirúrgico.

Tratamento clínico O controle do glaucoma nos pacientes submetidos à ceratoplastia penetrante pode apresentar dificuldade quanto à medida da pressão intraocular, avaliação do disco óptico e exame do campo visual, mas esse acompanhamento deve ser realizado rigorosamente, sempre que exequível. O tratamento clínico deve ser iniciado com um betabloqueador, por ser um fármaco com baixa incidência de efeitos colaterais e sua ação mostrar-se satisfatória em um número significativo de pacientes portadores de glaucoma associado à ceratoplastia. São especialmente eficazes nos casos de ângulo fechado pela sua ação de diminuição da produção de humor aquoso. Em seguida, se necessário, pode-se acrescentar a brimonidina ou mesmo a pilocarpina, que é bem tolerada em pacientes idosos e em afácicos, mas são de pouca ou nenhuma valia se o ângulo camerular estiver ocluído por sinequias. Todavia, deve-se evitar o uso da pilocarpina em olhos com uveíte em atividade porque pode agravar a congestão e o desconforto oculares. A dorzolamida é também uma opção, no entanto, existem relatos de descompensação corneana e deve ser evitada em pacientes com transplante de córnea com tendência a rejeição ou com endotélio comprometido. Os inibidores da anidrase carbônica de uso sistêmico podem ser prescritos e são particularmente úteis nos tratamento dos picos hipertensivos no pós-operatório imediato, mas a maioria dos pacientes não tolera o seu uso mais prolongado devido aos efeitos colaterais: anorexia, fraqueza muscular, parestesias, etc. Os análogos das prostaglandinas são excelentes hipotensores oculares e aparentemente isentos de efeitos colaterais sistêmicos. Devem ser evitados em pacientes com história de ceratite herpética e ser administrados com cautela em pacientes afácicos e pseudofácicos pelo risco de edema macular cistoide.

Tratamento cirúrgico O tratamento cirúrgico está indicado se ocorrem alterações no disco óptico ou no campo visual, se o transplante estiver ameaçado, ou se a elevação da pressão intraocular persistir em níveis inadequados a despeito do tratamento clínico. A trabeculectomia clássica, sem antimetabólitos, tem resultados limitados. Vários fatores contribuem para o alto índice de falência das cirurgias filtrantes: cicatrizes conjuntivais de cirurgias prévias, sinequias anteriores periféricas e afacia. Na nossa experiência, a primeira cirurgia a ser tentada deve ser a trabeculectomia com mitomicina C, com boas chances de sucesso se a conjuntiva estiver preservada. Na trabeculectomia, a ocorrência de atalamia, que seria desastrosa em olhos com transplante de córnea, é excepcional, mesmo com a utilização de mitomicina C, e a manipulação do segmento anterior é mínima. De qualquer maneira, com respeito à técnica cirúrgica, é muito importante um fechamento cuidadoso do retalho escleral para a manutenção da câmara anterior no pós-operatório

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318 | Glaucoma imediato. Posteriormente, a lise da sutura com laser nos casos indicados permitirá modular a filtração. Devido à toxicidade sobre a córnea, o 5-fluorouracil deve ser utilizado com muita cautela em pacientes portadores de glaucoma pós-ceratoplastia. Muitos investigadores têm relatado o uso dos implantes de drenagem quando o glaucoma pós-ceratoplastia mostra-se resistente ao tratamento convencional (Fig. 10). O índice de sucesso é alto em inúmeros trabalhos publicados, em torno de 71 a 96% dos casos. Infelizmente os implantes de drenagem parecem estar associados a uma incidência alta de falência do transplante. A etiologia é provavelmente multifatorial: inflamação crônica, sinequias anteriores periféricas extensas, toque endotelial e múltiplas cirurgias prévias. A ciclocrioterapia permaneceu por um bom tempo como um dos procedimentos preferidos pela maioria dos cirurgiões de córnea. Os trabalhos relatam controle da pressão intraocular em 50 a 70% dos casos, e a ocorrência de phtisis bulbi ou perda do globo ocular em 10%. Outras modalidades de tratamento visando a destruição do corpo ciliar foram desenvolvidas, como a aplicação de Nd:YAG laser, laser de diodo e a endociclofotocoagulação com laser de argônio, e têm apresentado melhores resultados. Bons índices de sucesso têm sido publicados com a ciclofotocoagulação transescleral com Nd:YAG laser e laser de diodo, com controle da pressão intraocular em torno de 78% dos casos.

Fig. 10  Se não se obtém sucesso com a trabeculectomia com antimitóticos, o implante de drenagem é o próximo passo.

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ROBERTO FREIRE SANTIAGO MALTA • JOÃO BAPTISTA NIGRO SANTIAGO MALTA MARCO ANTONIO FARES RAMALHO

C A P Í T U L O  |  24

Glaucoma Maligno

QUADRO CLÍNICO O glaucoma maligno é uma complicação pós-operatória grave que se segue, geralmente, a cirurgias antiglaucomatosas em pacientes portadores de glaucoma de ângulo fechado. Esses pacientes desenvolvem tipicamente atalamia, parcial ou total, acompanhada de súbito aumento da pressão intraocular. O quadro clínico pode se instalar durante o ato cirúrgico ou, o que é mais frequente, imediatamente após a cirurgia, havendo casos descritos que surgiram dias, meses ou mesmo anos após a intervenção cirúrgica. Frequentemente o início da doença coincide com a interrupção do uso de cicloplégicos ou com o início do uso de colírios mióticos. Os níveis de pressão intraocular geralmente são elevados, variando entre 40 e 60 mmHg, havendo, porém, casos com níveis normais ou pouco elevados. Associado ao súbito aumento da pressão intraocular, observa-se diminuição da profundidade da câmara anterior, com anteriorização do diafragma iridocristaliniano e consequente fechamento do ângulo (Figs. 1 e 2A e B). Caracteristicamente, não existe a presença de íris bombé que normalmente acompanha o quadro de glaucoma agudo por bloqueio pupilar. A presença

Fig. 1  Glaucoma maligno em um olho operado de glaucoma primário de ângulo fechado agudo. Atalamia praticamente total poupando apenas a área pupilar em presença de iridectomia periférica temporal superior patente (HG Almeida).

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Figs. 2 (A e B)  Glaucoma maligno (A), mesmo com iridectomia patente (B).

de iridectomia patente afasta o diagnóstico do bloqueio pupilar. A hiperemia da conjuntiva bulbar e o edema corneano epitelial são também manifestações comuns associadas ao quadro hipertensivo grave. O paciente apresenta diminuição da acuidade visual, visão de halos coloridos ao redor de lâmpadas, fotofobia e lacrimejamento. Tipicamente, o glaucoma maligno apresenta curso clínico bastante tormentoso, quando tratado com a medicação antiglaucomatosa tradicional. O olho contralateral tem marcada disposição de desenvolver o mesmo quadro.

FISIOPATOGENIA Em 1954, Shaffer, estudando o papel do descolamento do vítreo nos pacientes com glaucoma maligno, sugeriu que nesses olhos o humor aquoso é desviado para o corpo vítreo, com formação de bolsões de aquoso. Consequentemente, ocorre aumento da pressão na cavidade vítrea, que leva à anteriorização do diafragma iridocristaliniano, com atalamia e instalação de bloqueio do ângulo camerular (Fig. 3). Na realidade, não se conhece a intimidade dos possíveis mecanismos que levariam ao direcionamento posterior do humor aquoso. Deve ser ressaltado que os olhos portadores de glaucoma maligno são olhos com características anatômicas bem definidas. Do ponto de vista biométrico, esses olhos apresentam diâmetro anteroposterior menor que a população normal, com menor raio de curvatura corneana, câmara anterior mais rasa e uma inserção anteriorizada do cristalino. Os olhos com glaucoma de ângulo fechado possuem diâmetro anteroposterior entre 22,01 a 22,86 mm, (contra 23,10 a 24,00 de uma população normal).

Fig. 3  O humor aquoso tem o seu fluxo normal para a câmara posterior bloqueado e direcionado para o corpo vítreo. Com o aumento da pressão na câmara vítrea, o diafragma iridocristaliniano desloca-se para a frente, agravando o bloqueio ciliar.

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Malta et al. estudaram a biometria em 8 olhos com glaucoma maligno e observaram um diâmetro anteroposterior médio de 22,1 mm, reafirmando que, do ponto de vista prático, a biometria poderá ser um dado auxiliar na conduta clínico-cirúrgica dos olhos com essas características. Entretanto, apesar de o glaucoma maligno ter surgido, na maioria das vezes, em olhos com diâmetro menor, pode ocorrer em olhos de dimensões normais. Então a biometria, apesar de ser um dado a mais no estudo semiológico desses olhos, não define com precisão qual olho caminhará ou não para glaucoma maligno. A Tabela I resume os valores biométricos e o número de olhos estudados pelos diferentes autores mencionados. TABELA I  Valores dos diâmetros anteroposteriores nos olhos portadores de glaucoma maligno Autores

Número de olhos

Diâmetro anteroposterior (mm)

Leroux-Lesjardins et al.

10

21,6*

Zhou

37

21,7

Malta et al.

8

22,1

* A inclusão de três olhos micro-oftálmicos (15,0, 15,2 e 16,4 mm) reduz a média para 20,42 mm.

Além dos dados ecobiométricos, outras alterações anatômicas são identificadas nos olhos com glaucoma maligno. Os processos ciliares são frequentemente rodados para frente, com as cabeças frequentemente aderidas ao equador do cristalino, que, por sua vez, apresenta-se em posição mais anteriorizada. O estudo biomicroscópico do vítreo revela áreas opticamente vazias que são supostamente interpretadas como coleções de humor aquoso. Muitas vezes o vítreo posterior está descolado, formando bolsões de aquoso atrás da hialoide posterior. Isso pode ocorrer mesmo em olhos afácicos (Fig. 4). Epstein et al., estudando a perfusão vítrea em olhos enucleados, demonstraram diminuição da permeabilidade vítrea com o aumento da pressão de perfusão. Baseado nesses dados, Quigley propõe uma sequência de eventos responsáveis pela crise de glaucoma maligno que se inicia pela formação de bolsões de humor aquoso no espaço vítreo. Posteriormente, ocorre compressão e diminuição da permeabilidade vítrea, o que faz aumentar o represamento de aquoso nesse espaço. Este fato acarretaria a compressão anterior do gel vítreo levando ao deslocamento anterior da íris e do cristalino. Por outro lado, Chandler et al. descreveram uma relativa frouxidão da zônula, espontânea ou induzida por mióticos, e que, às vezes, é associada a roturas zonulares, favorecendo o deslocamento anterior do diafragma iridocristaliano.

Fig. 4  O humor aquoso pode ter o seu fluxo bloqueado, nos casos de afacia, por aderências entre a íris e a hialoide anterior, criando condições para que se instale o glaucoma maligno.

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324 | Glaucoma Com o advento da biomicroscopia ultrassônica foi possível confirmar a rotação anterior do corpo ciliar e a presença dos processos ciliares em íntimo contato com o equador do cristalino. Associadamente, esse exame revelou, em alguns casos de glaucoma maligno, a ocorrência de descolamento de coroide anular e a presença de discreta efusão supraciliar localizada. Estes estudos sugerem um segundo mecanismo responsável pelo desenvolvimento do glaucoma maligno, relacionado com a rotação anterior do corpo ciliar por presença de líquido no espaço supraciliar, favorecendo a anteriorização iridocristaliniana (Fig. 5).

Fig. 5  Montagem da avaliação pela biomicroscopia ultrassônica de olho, durante episódio de crise de glaucoma maligno. A imagem demonstra a atalamia, com rotação do diafragma iridocristaliniano levando ao toque das estruturas do seio camerular pela raiz da íris e o desaparecimento do sulco ciliar pela anteriorização dos processos ciliares do corpo ciliar (V Castanheira).

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Antes de estabelecer, com certeza, o diagnóstico de glaucoma maligno, é fundamental a análise de todas as possibilidades diante de um olho com câmara anterior rasa e pressão intraocular elevada ou mesmo normal. As principais entidades, classicamente consideradas no diagnóstico diferencial do glaucoma maligno, são bloqueio pupilar, descolamento de coroide e hemorragia supracoroide (Tabela II). TABELA II  Diagnóstico diferencial do glaucoma maligno Diagnóstico

Início do quadro clínico

Pressão intraocular

Câmara anterior

Fundo de olho

Iridectomia

Normal ou elevada

Rasa ou ausente

Normal

Patente

Glaucoma maligno

Durante a cirurgia, dias, meses ou anos após a cirurgia

Bloqueio pupilar

Durante a cirurgia ou Normal ou nos primeiros dias do elevada pós-operatório

Rasa com íris bombé ou ausente

Normal

Não patente

Descolamento de coroide

Durante a cirurgia ou nos primeiros 5 dias do pós-operatório

Baixa

Rasa ou ausente

Descolamento de coroide de cor clara

Patente

Hemorragia de coroide

Durante a cirurgia ou nos primeiros 5 dias de pós-operatório

Normal ou elevada

Rasa ou ausente

Descolamento de coroide de cor escura

Patente

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Bloqueio pupilar Clinicamente, o bloqueio pupilar também caracteriza-se pela presença de câmara anterior rasa ou ausente, com pressão intraocular elevada. Nos casos de bloqueio pupilar, há dificuldade ou mesmo impedimento de passagem de humor aquoso da câmara posterior para a câmara anterior, com represamento de aquoso. Isso leva a uma anteriorização da íris, principalmente na sua região periférica, provocando fechamento angular e elevação da pressão intraocular. Do ponto de vista biomicroscópico, a íris assume aspecto que é denominado de íris bombé. Já no glaucoma maligno, todo o diafragma iridocristaliniano é deslocado para a frente, tornando a câmara anterior rasa por inteiro, incluindo a área central. A ausência de iridectomia patente torna difícil o diagnóstico diferencial com o glaucoma maligno. Em algumas ocasiões, a realização da iridectomia somente retira tecido do estroma iriano, deixando intacta a camada do epitélio pigmentar. A presença de encarceramento iriano na abertura cirúrgica pode ter obliterado uma iridectomia realizada adequadamente. Sinequias iridocristalinianas, principalmente na região da iridectomia, também podem propiciar o bloqueio pupilar mesmo perante uma iridectomia aparentemente patente. O bloqueio pupilar desaparece com a realização da iridectomia: se houver dúvidas acerca da iridectomia estar ou não patente, nova iridectomia deve ser realizada.

Descolamento de coroide O descolamento de coroide caracteriza-se também pela presença da câmara anterior rasa ou ausente, mas associada a hipotonia ocular e a constatação, à oftalmoscopia, de elevação da coroide de altura e extensão variadas. Trata-se de entidade clínica relativamente comum após a cirurgia filtrante, que se estabelece nos primeiros dias do pós-operatório. O diagnóstico diferencial com glaucoma maligno é na maioria das vezes fácil, devido à presença de hipotonia ocular e ao aspecto do fundo de olho.

Hemorragia supracoroide A hemorragia supracoroide caracteriza-se pela presença de câmara anterior rasa ou ausente, pressão intraocular normal ou elevada e presença, à oftalmoscopia, de elevação da coroide de extensão e altura variadas. A elevação da coroide por hemorragia apresenta-se de cor vermelho bem escuro, ao contrário do descolamento seroso da coroide, o qual possui cor mais clara. Frequentemente se acompanha de dor e de injeção ciliar Na persistência do quadro clínico, realiza-se drenagem do líquido supracoroide através de uma ou duas esclerotomias inferiores, associadas à reforma de câmara anterior.

Outro diagnóstico diferencial A obstrução de veia central da retina e a esclerite posterior podem apresentar quadro clínico que simula o glaucoma maligno. A explicação para a fisiopatologia do descolamento anterior do diafragma iridocristaliniano nesses casos é devido ao aumento do conteúdo líquido do

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326 | Glaucoma vítreo resultante do extravasamento dos vasos ocluídos ou é decorrente do edema do corpo ciliar com rotação do mesmo e consequente fechamento angular.

TRATAMENTO Tratamento clínico Chandler et al. admitem que a distensão da zônula, provocada pelos cicloplégicos e midriáticos, possa agir contra as forças produzidas no glaucoma maligno, que tendem a levar o diafragma iridocristaliniano para frente. Simmons admite que o melhor regime para o tratamento clínico do glaucoma maligno consiste no uso simultâneo de colírios de cicloplégicos, midriáticos, β-bloqueadores, inibidores da anidrase carbônica e soluções hiperosmóticas. Sugere a seguinte prescrição: 1. Colírio de atropina a 1%: 1 gota 4 vezes/dia. 2. Colírio de fenilefrina a 10%: 1 gota 4 vezes/dia. 3. Colírio de timolol a 0,5%: 1 gota 2 vezes/dia. 4. Agentes hiperosmóticos, em dosagem máxima tolerável cada 12 h. 5. Inibidores da anidrase carbônica, em dosagem máxima tolerável. Atualmente, uma série de novas medicações hipotensoras pode ser útil no tratamento do glaucoma maligno como a dorzolamida e a brimonidina. Os análogos de prostaglandinas, ao aumentar o fluxo de drenagem uveoescleral, podem eventualmente ser de algum benefício nesses casos. A combinação desses fármacos contrai o vítreo, diminui a produção do aquoso e ajuda o diafragma iridolenticular a voltar à posição normal. Este tratamento deve ser seguido, com rigor, até a reconstituição da câmara anterior e o controle adequado da pressão intraocular. Essa terapia deve ser utilizada por cerca de 4 ou 5 dias antes da realização de qualquer outro tipo de intervenção. A interrupção do tratamento é feita inicialmente com os agentes hiperosmóticos, seguido dos inibidores da anidrase carbônica, vindo a seguir os análogos de prostaglandina e os betabloqueadores. O uso de cicloplégicos deve ser mantido para prevenir recorrência da doença. Diante da ineficiência da terapêutica clínica e na presença de iridectomia cirúrgica patente e córnea transparente, deve-se considerar o tratamento com laser. Segundo Herschler, a fotocoagulação dos processos ciliares pode provocar um rompimento localizado do bloqueio ciliar, permitindo a passagem do fluxo de humor aquoso para a câmara anterior. O rompimento da membrana hialoide anterior, aparentemente espessada nos olhos com glaucoma maligno, provocaria uma quebra do bloqueio ciliar, com derivação anterior do humor aquoso e reformação da câmara anterior.

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Quando tecnicamente possível, o tratamento do vítreo anterior com Nd:YAG laser deve ser realizado antes da cirurgia de vitrectomia, não só em pacientes afácicos, como fácicos e pseudofácicos.

Tratamento cirúrgico Com os trabalhos de Shaffer e Chandler, verificou-se que os olhos com glaucoma maligno operados de catarata apresentavam controle da doença quando ocorria perda vítrea durante a cirurgia. Baseado nessa observação foi desenvolvida a técnica de punção e aspiração vítrea via pars plana com reforma da câmara anterior com solução salina. Esta técnica foi utilizada em muitos olhos com bons resultados. Entretanto, este procedimento é realizado “às cegas” e não está livre de várias complicações, tais como descolamento de retina, descolamento de coroide e hemorragia vítrea. Devido a essas complicações, a vitrectomia via pars plana com ou sem lensectomia e a facoemulsificação ou a facectomia extracapsular têm sido amplamente utilizadas no tratamento cirúrgico do glaucoma maligno. A vitrectomia via pars plana possui diversas vantagens em relação a outras técnicas cirúrgicas. Lois et al. propuseram um novo tratamento cirúrgico para o tratamento do glaucoma maligno do pseudofácico denominado de vitrectomia zônulo-hialoide. O procedimento consiste na zonulectomia, hialoidectomia e vitrectomia anterior através da iridectomia periférica ou iridotomia via câmara anterior. Assim, com o vitreófago, cria-se uma via de acesso entre a cavidade vítrea e a câmara anterior. A facectomia combinada com a vitrectomia pode ser realizada de três maneiras diferentes: vitrectomia via pars plana associada a lensectomia, facectomia extracapsular com capsulotomia posterior associada à vitrectomia anterior e facoemulsificação com capsulotomia posterior e vitrectomia anterior. Associadamente, uma cânula de infusão contínua pode ser acoplada na câmara anterior através de uma paracentese com o intuito de aprofundar e manter esse espaço durante o procedimento (Fig. 6).

Fig. 6  Demonstração esquemática da vitrectomia–zônulohialoide. O vitreófago é introduzido na câmara anterior através de paracentese corneal periférica e dirigido para a câmara vítrea por meio de iridectomia periférica, por onde irá remover parte da zônula, face anterior da hialoide e vítreo anterior.

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Invasão Epitelial e Proliferação Fibrosa

INVASÃO EPITELIAL Tumores perolados da íris Freqüentemente resultam da implantação traumática de fragmento de pele, folículo piloso ou epitélio conjuntival na câmara anterior. Aparecem como formações esbranquiçadas, isoladas, sólidas e peroláceas, implantadas na íris e desconectadas de qualquer lesão. São de crescimento lento e benigno e, por vezes, se acompanham de inflamação tórpida. Por não progredirem sobre o seio camerular não se acompanham de glaucoma secundário.

Cistos epiteliais São formações císticas, translúcidas, acinzentadas, presentes na câmara anterior e, geralmente, conectadas a uma via de perfuração ocular prévia. O tamanho é variável assim como o ritmo de crescimento: algumas permanecem quiescentes e outras proliferam constantemente, acarretando um glaucoma secundário por comprometimento do seio camerular (Fig. 1). Poucas tentativas lograram êxito na reprodução experimental desses cistos e o pré-requisito indispensável é a implantação de epitélio conjuntival de espessura total, enrolado por dentro ou atravessando uma ferida semiaberta cirúrgica ou traumática. Por vezes, a tentativa de remoção desses cistos, quando feita de maneira incompleta, pode transformá-los em uma verdadeira invasão epitelial da câmara anterior, oriunda de perfuração da parede cística, o que estimula a capacidade proliferativa das células epiteliais e é uma complicação desastrosa. Quando pequenos, os cistos epiteliais devem ser seguidos apenas com observação semestral ou anual. Em geral, o crescimento é muito lento. Na hipótese de haver crescimento, com ou sem invasão da área pupilar ou do seio camerular, acarretando baixa de visão ou glaucoma, o cisto deve ser tratado. 329

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Figs. 1 (A e B)  A. Cisto de invasão epitelial ocupando o quadrante temporal inferior da câmara anterior. B. Em detalhe, confirma-se a sua formação cística.

Stark & Bruner recomendam que pode-se fazer uma aspiração do cisto através de punção límbica. Injeta-se ar na câmara anterior para manter colapsado o cisto. A seguir, faz-se uma criodestruição do cisto, transcorneana ou límbica. Outra possibilidade consiste em dissecar o cisto cuidadosamente e liberá-lo de suas aderências (córnea, seio camerular e íris). Por vezes, é necessário removê-lo juntamente com a íris onde está implantado ou aderido, com ampla margem de segurança. Caso haja o receio de resíduos epiteliais na íris ou na córnea, pode-se recorrer à crioterapia ou coagulação com laser de argônio. Uma das mais sérias complicações da remoção de cistos epiteliais é a sua transformação em invasão epitelial. Não há tratamento especial para o glaucoma secundário: o único tratamento adequado é a remoção do cisto.

Invasão epitelial O requisito para a ocorrência de invasão epitelial é a presença de perfuração ocular (traumática ou ferida cirúrgica com fístula pérvia). Ocorre no pós-operatório de reparação traumática ou de cirurgia devido a complicações como atalamia, hipotonia e encarceramento de íris ou vítreo na ferida, com uma iridociclite crônica. O quadro é de lacrimejamento contínuo, dores oculares e fotofobia. Com a evolução do processo invasivo, a biomicroscopia mostra uma membrana acinzentada e translúcida atrás da córnea, cuja extremidade que avança é mais espessa e de aspecto festonado (Figs. 2A e B). A membrana se origina de fenda traumática ou cirúrgica, crescendo, por vezes, na frente da íris (Fig. 3). Sinequias anteriores periféricas com iridociclite crônica estão presentes. Quando o crescimento compromete a rede trabecular em grande extensão, revestindo-a e bloqueando-a, a hipertensão ocular se instala. A membrana pode crescer através da iridectomia ou iridodiálise, sobre os processos ciliares, pars plana e invadir a cavidade vítrea.

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Figs. 2 (A e B)  A. Foto de invasão epitelial da câmara anterior ocupando-a em grande extensão. B. Mesmo olho em fenda estreita, mostrando a parede anterior do cisto adossada à face anterior da córnea em quase toda a sua extensão.

Fig. 3  Invasão epitelial da câmara anterior: tecido pavimentoso pluriestratificado reveste a córnea (C), íris (I) e o seio camerular (D. Miranda).

A fotocoagulação iriana com argônio pode ser útil para demonstrar a participação iriana. A fotocoagulação da membrana epitelial que cresce sobre a íris acarreta cicatrizes esbranquiçadas, enquanto, não havendo epitélio sobre a íris, as cicatrizes de fotocoagulação são marrons. O exame anatomopatológico mostra a membrana como sendo formada de uma capa epitelial pavimentosa uni ou pluriestratificada, crescendo sob a córnea e substituindo o endotélio. O exame citológico pode ser decisivo procedendo-se à coleta do material por curetagem cerática (através de pequena incisão) e corando-o pela hematoxilina-eosina. Aspiração de material da câmara anterior, às vezes, torna-se necessária para esclarecimento diagnóstico. Tratamento: Stark et al. recomendam a técnica a seguir descrita que usaram em 10 pacientes. 1. Fotocoagulação da íris com argônio, delimitando o processo invasivo. 2. Teste de Seidel para verificar se há alguma fistulação que deva ser corrigida. 3. Remoção, com um vitreófago, da íris e do vítreo anterior. 4. Injeção de ar na câmara anterior.

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332  |  Glaucoma 5. Crioterapia transcorneana e transescleral para destruir o epitélio retrocorneano, do seio camerular e do corpo ciliar. 6. Após a crioterapia, a membrana retrocorneana aparece esbranquiçada no primeiro dia após a cirurgia, quando começa a contrair: comumente desaparece no quinto dia. Em um seguimento a médio prazo (33 meses), não houve recidiva e a visão melhorou em oito olhos. Um seguimento mais longo acompanhou-se de descompensação corneana, atrofia óptica, edema macular cistoide. Enfim, dos 10 olhos, apenas um reteve a visão de 0,5 e os outros nove tornaram-se funcionalmente perdidos. O fator prognóstico mais importante é o diagnóstico e o tratamento precoces. Nos casos avançados, com glaucoma secundário e olho doloroso, o tratamento é a enucleação.

PROLIFERAÇÃO FIBROSA A proliferação fibrosa apresenta quadro clínico extremamente variável. Quando a córnea é transparente, a biomicroscopia mostra uma cicatriz fibrosa, densa, branco-leitosa, corneana ou límbica, com ou sem pannus, com tecido de mesma natureza crescendo na câmara anterior sobre a íris e na câmara posterior. Por vezes, encontra-se a membrana brancacenta que cresce na periferia da camara anterior revestindo a rede trabecular. A proliferação pode apresentar-se como uma lâmina fibroblástica retrocorneana e a diferenciação com uma invasão epitelial pode ser extremamente difícil. Descompensação corneana com ceratopatia bolhosa não é rara e dificulta muito o diagnóstico biomicroscópico. A origem dos fibroblastos invasivos não é conhecida com segurança: conjuntivo subepitelial, fibroblastos do estroma corneano ou límbico, endotélio metaplástico, etc.

Diagnóstico diferencial Cistos neuroepiteliais da íris Os cistos do epitélio pigmentário da íris apresentam uma projeção anterior localizada da íris, sem nenhuma perfuração ou lesão corneana ou límbica. A midríase ampla, às vezes, é suficiente para mostrar um espaço real iridocristaliniano na região do cisto. Quando isto não é possível, à gonioscopia com lente de três espelhos e midríase ampla, pode-se observar bem a morfologia do cisto, bem como sua continuidade com o epitélio pigmentário da íris (Figs. 4A e B).

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Invasão Epitelial e Proliferação Fibrosa  |  333

Figs. 4 (A e B)  A. Foto de córnea e íris mostrando a projeção iriana localizada. B. Imagem de biomicroscopia ultrassônica de outro paciente com cisto neuroepitelial retroiriano.

Cistos parasitários (cisticercose) Nos casos de cisticercose, pode-se eventualmente ver os movimentos do parasita, observar o escólex e os movimentos individualizados da cabeça (Figs. 5A e B).

Figs. 5 (A e B)  A. Foto de cisticerco na câmara anterior: aparece com nitidez o escólex. B. Corte óptico do cisticerco na câmara anterior.

Cistos congênitos da íris A biomicroscopia mostra um segmento anterior normal e a presença de eflorescências isoladas da borda pupilar como cachos de cistos e, por vezes, um cordão de cistos como contas de rosário oriundos do liséré flutuando na câmara anterior ou apoiado na cristaloide anterior. Não há história de traumatismo ou cirurgia prévia, nem sinais inflamatórios (Fig. 6).

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Fig. 6  Floculi exuberantes da borda pupilar.

Estrias retrocorneanas Geralmente são secundárias a tocotraumatismo e representam rupturas da membrana de Descemet, dispostas em estrias verticais ou oblíquas, em corda, na câmara anterior. Sinais inflamatórios ausentes e íris completamente normal (Fig. 7).

Fig. 7  Tocotraumatismo, mostrando estrias oblíquas paracentrais.

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Glaucoma e Distrofias Endoteliais Corneanas

SÍNDROME DA MEMBRANA ENDOTELIAL IRIDOCORNEANA Doença comumente unilateral, não hereditária, que compromete mulheres de cor branca a partir da terceira década. De evolução rápida e progressiva, é caracterizada por distrofia endoepitelial com anormalidadades progressivas da íris, seio camerular, córnea e glaucoma secundário. A síndrome da membrana endotelial iridocorneana (iridocorneal endothelial syndrome ou ICE syndrome) é uma denominação proposta por Yanoff para reunir três apresentações de uma só entidade clínica, ou seja, da atrofia essencial progressiva da íris. A síndrome da membrana endotelial iridocorneana é composta pelos seguintes tipos clínicos: atrofia essencial progressiva da íris (alterações irianas e distrofia endotelial da córnea); síndrome de Chandler (atrofia essencial progressiva da íris, micro e macrobolhas na córnea e intensa distrofia endotelial); síndrome de Cogan-Reese ou síndrome de nevos da íris (atrofia essencial progressiva da íris e formação de nevos). Harms caracterizou a doença como uma entidade clínica bem definida. Enfatizou a atrofia extensa da íris, sem causa aparente e o glaucoma. Chandler chamou a atenção para as alterações endoepiteliais tão características da atrofia essencial progressiva da íris, mostrando casos em que a córnea se descompensa com micro e macrobolhas, para ele não relacionadas com o nível da pressão intraocular. A partir de 1960, os casos de atrofia essencial progressiva da íris com alterações corneanas exuberantes e sem grandes elevações da pressão intraocular passaram a ser conhecidos como síndrome de Chandler.

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336  |  Glaucoma Cogan & Reese encontraram, em alguns casos de atrofia essencial progressiva da íris, formações pigmentadas como pequenos nódulos sésseis e pedunculados da superfície iriana, que eles denominaram síndrome de nevos da íris. Scheie & Yanoff descreveram casos similares para os quais sugeriram o epônimo de síndrome de Cogan-Reese.

Quadro clínico A doença tipicamente manifesta-se a partir da terceira década de vida em mulheres de cor branca. Por vezes, o primeiro sinal é notado pela paciente, ao observar no espelho a deformação pupilar unilateral (corectopia), com ou sem manchas escuras na íris, sugestivas de uma pseudopolicoria. Mais raramente, a doença se instala com visão turva (edema corneano) e visão de arcos irisados em torno de lâmpadas incandescentes, dores oculares, sensação de corpo estranho e injeção pericerática. Estes sinais e sintomas se devem frequentemente ao aparecimento do glaucoma secundário. A dor, sintoma mais tardio, deve-se ao glaucoma e ao edema corneano. Eventualmente, a doença é assintomática e descoberta em exame oftalmológico de rotina. A injeção pericerática está presente em percentual elevado de casos nas fases mais avançadas, que já apresentam pressão intraocular elevada. A injeção é anular, atenuando-se em direção à circulação própria da conjuntiva. Inicialmente, a biomicroscopia pode revelar a presença de microbolhas subepiteliais. À medida que a doença progride, as microbolhas aumentam de tamanho, coalescem e podem formar macrobolhas (Fig. 1). Estas eventualmente se rompem, acarretando grande desconforto à paciente, com sensação de areia. Frequentemente, verifica-se um espessamento do estroma corneano. A distrofia endotelial é o sinal mais importante para caracterizar a doença nas fases iniciais, juntamente com a deformação pupilar (Figs. 2 e 3). A contagem e o estudo da morfologia das células obtidos no microscópio especular mostram uma diminuição quantitativa de células endoteliais, bem como a perda do seu aspecto hexagonal (pleomorfismo). A ceratoestesiometria mostra uma nítida diminuição na sensibilidade da córnea quando comparada à do olho contralateral nos casos unilaterais

Fig.1  Micro e macrobolhas epiteliais na síndrome de Chandler.

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Fig. 2  Síndrome de Chandler. Aqui o edema corneano ainda permite entrever a atrofia iriana.

Fig. 3  Endotélio da córnea em zona espelhante: observar as alterações endoteliais tipo córnea guttata.

A deformação pupilar pode ser o primeiro sinal aparente da doença, caracterizando uma anisocoria discreta e a pupila piriforme desviada (corectopia) para o lado comprometido. Pouco e pouco, do lado oposto ao do desvio pupilar, aparecem deiscências no estroma iriano, com exposição do epitélio pigmentário que, por fim, se abre, formando buracos irianos e compondo o quadro de pseudopolicoria (Figs. 4, 5 e 6). Ao mesmo tempo, tem início a formação de goniossinequias do mesmo lado da tração, que se ampliam lateralmente, em uma disposição anular. Com a tração anular periférica do estroma, sobrevém um deslocamento anterior da íris, abrindo um espaço real iridocristaliniano. Em alguns pacientes, aparecem formações pequeninas pigmentadas (de cor marrom), pedunculadas ou sésseis, esparsas ou sectoriais, na superfície da íris (mais na porção ciliar), caracterizando o quadro nevoide descrito por Cogan & Reese (Fig. 7). O aparecimento dos nevos pode ser mais tardio, ocorrendo após a atrofia essencial bem caracterizada. O glaucoma secundário está presente, em geral, na fase inicial da doença. Deve-se provavelmente ao crescimento da membrana celular que, da periferia da córnea, reveste a rede

Fig. 4  Atrofia essencial progressiva da íris. Observe a acentuada atrofia do estroma iriano.

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Figs. 5 (A e B)  A formação de buracos no estroma (A) e também do epitélio pigmentar da íris é frequente na atrofia essencial progressiva da íris (B).

Fig. 6  Paciente com 49 anos de idade, portadora de atrofia essencial da íris em fase avançada, com pseudopolicoria e catarata (H.G. Almeida).

Figs. 7 (A e B)  Fase inicial da síndrome de Cogan-Reese. A. Aspecto geral mostrando a corectopia. B. Em detalhe observam-se os nódulos (nevos) e o ectrópio uveal.

trabecular e a periferia da íris, impedindo a drenagem do humor aquoso. Nesta fase, o seio camerular ainda é aberto e de aspecto normal. Posteriormente, há o processo de formação progressiva de sinequias anteriores periféricas. Controlado o glaucoma secundário, há como que uma estabilização da doença, permanecendo inalteradas as lesões irianas. É muito importante surpreender o glaucoma nas fases iniciais que precedem o sofrimento do disco óptico e campimétrico.

Patogenia Permanece ainda controversa: a teoria inflamatória, abandonada há muitos anos e revivida por Alvarado et al. (virose endotelial), afirma que a doença se origina de inflamação intraocular tórpida da íris. Campbell et al., com base em estudos clínicos (82 pacientes) e histológicos (10 olhos), afirmam que a atrofia essencial progressiva da íris começa como anormalidade endotelial com ou

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sem edema, seguida de crescimento de membrana revestida de endotélio sobre o seio camerular e íris (tipo membrana de Descemet), cuja contração ulterior induz à deformação pupilar e, tardiamente, à formação de goniossinequias. A deformação se dá na direção das goniossinequias, com atrofia e formação de fendas ou buracos irianos (inicialmente no estroma e depois totais) no lado oposto à deformação. Estudos recentes de Alvarado et al. confirmam que a lesão fundamental da atrofia essencial progressiva da íris está no endotélio corneano e, secundariamente, na íris (Fig. 8). As células endoteliais são maiores, pleomórficas com perda da forma hexagonal, diminuídas em número e com áreas de necrose.

Fig. 8  Síndrome de Cogan-Reese. Corte histológico do segmento anterior mostrando a membrana endotelial que cresce da córnea para a íris e reveste as estruturas do seio camerular (M. Yanoff ).

Diagnóstico diferencial O Quadro 1 mostra o diagnóstico diferencial entre a síndrome da membrana endotelial iridocorneana, a distrofia endoepitelial de Fuchs e a distrofia polimorfa posterior da córnea, que serão tratadas em seguida. QUADRO 1  Diagnóstico diferencial Síndrome da membrana endotelial iridocorneana

Distrofia endoepitelial (Fuchs)

1. Edema epitelial da córnea

Presente

Presente

Presente

2. Endotélio da córnea

Córnea guttata

Córnea guttata

Vesículas, placas e estrias

3. Sensibilidade corneana

Diminuída

Diminuída

Normal

4. Goniossinequias

Presentes (100%)

Raras

Presentes (25%)

5. Glaucoma secundário

Presente (95%)

Presente (–50%)

Presente (15%)

6. Atrofia da íris

Presente (100%)

Rara

Presente (mínima)

7. Ectrópio uveal

Presente

Raro

Raro

8. Hereditariedade

Não hereditária

Hereditária (?)

Autossômica dominante

9. Uni ou bilateral

Unilateral

Bilateral

Bilateral

10. Época de aparecimento

Terceira década (adquirida)

Senil (a partir da sexta década)

Ao nascer ou nos primeiros anos

11. Evolução

Rápida

Comumente lenta

Comumente lenta

12. Tratamento

Cirúrgico

Clínico (inicialmente)

Observação (às vezes, cirúrgico)

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Distrofia polimorfa posterior da córnea

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Síndrome de Axenfeld-Rieger e aniridia Aqui, as lesões são congênitas e hereditárias (herança autossômica dominante), bilaterais, estáveis, com quadro de pseudopolicoria bem mais exuberante. Caracteristicamente, a síndrome de Rieger se acompanha de outras alterações extraoculares, tais como anodontia parcial, hipodontia, hipoplasia maxilar, distúrbios pigmentários, etc. A aniridia é sempre bilateral, congênita e hereditária e as alterações são mais irianas e simétricas, com alterações do seio camerular, quando presentes, similares às do glaucoma congênito.

Iridosquise Nesta, há a separação dos dois folhetos do estroma iriano com abertura da fenda de Fuchs. O quadro clínico é diverso: quase não há corectopia, não há distrofia endotelial e a condição é senil, sem predileção por sexo e raça e comumente é bilateral. Fragmentos de íris (folheto superficial) se destacam e, por vezes, flutuam no humor aquoso.

Neurofibromatose A doença de Von Recklinghausen poderia se confundir com a síndrome de Cogan-Reese, porém, o diagnóstico diferencial se torna fácil, pois as formações nodulares irianas da neurofibromatose são redondas, maiores e mais claras em relação à cor da íris. São bilaterais e se acompanham de alterações cutâneas difusas e variadas e comprometimento de outras estruturas, notadamente do sistema nervoso central.

Tratamento Iniciar o tratamento do glaucoma secundário com a medicação usual logo no início, para tentar prevenir o aparecimento da ceratopatia micro e macrobolhosa. Quando as alterações endoteliais são muito exuberantes, pode-se associar o colírio de dimetilpolisiloxane ou de cloreto de sódio a 5% na tentativa de atenuar o edema epitelial. O tratamento clínico é precário e deve sempre incluir fármacos que reduzam a formação do humor aquoso, pois o escoamento está bloqueado mecanicamente pela membrana endotelial. Assim, os β-bloqueadores, o tartarato de brimonidina e os inibidores da anidrase carbônica tópicos estão mais indicados. Caso a pressão intraocular não se normalize, está indicada a cirurgia (trabeculectomia). Nos casos avançados ou rebeldes de edema corneano, a ceratoplastia perfurante pode ser necessária, após prévia normalização tensional. Deve-se alertar, entretanto, que o endotélio da córnea, presente em torno do nicho cirúrgico, pode crescer dentro dele fazendo com que o glaucoma possa recidivar após intervalo de tempo variável. Diferentemente de alguns trabalhos da literatura, Calixto relata resultados satisfatórios em casos de atrofia essencial progressiva da íris, com regulação tensional em elevado percentual de casos (85 a 90%, como no glaucoma primário).

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DISTROFIA ENDOEPITELIAL DE FUCHS A distrofia endoepitelial de Fuchs é uma doença bilateral, de progressão lenta, que se caracteriza por alterações eminentemente corneanas, acometendo preferencialmente mulheres e se inicia entre os 40 e 70 anos de idade e provavelmente se transmitindo em forma dominante. Nos estádios iniciais, as alterações são restritas ao endotélio, porém, com a evolução, a doença compromete o epitélio e estroma corneanos.

Quadro clínico Nos estádios iniciais, quando as alterações estão limitadas ao endotélio corneano, a doença é assintomática e frequentemente é descoberta em exame oftalmológico de rotina. A sua evolução se processa em quatro estágios. O primeiro é o estágio de córnea guttata, em que se observam, à biomicroscopia, excrescências na membrana de Descemet, inicialmente na região central e depois se estendendo à periferia. Pode-se encontrar uma pigmentação marrom, dourada (fagocitada pelas células endoteliais), que, se for intensa, poderá reduzir a acuidade visual. O segundo estágio caracteriza-se pelo edema do estroma e do epitélio corneanos, com o aparecimento de ceratopatia micro e macrobolhosa (Fig. 9), responsáveis pela turvação visual e pela visão de arcos irisados ao redor de lâmpadas incandescentes. Nesse estágio, o paciente pode apresentar dor e hiperemia oculares, com sensação de areia e corpo estranho causada pela ruptura das bolhas. O terceiro estágio é o da formação de tecido conjuntivo subepitelial, com vascularização e cicatrização e com diminuição acentuada da visão. O quarto estágio é o estágio das complicações, representado principalmente pelo glaucoma secundário e pelas infecções frequentes. O glaucoma secundário está presente em cerca de 15% dos casos. Em geral, o seio camerular é livre e a íris não apresenta maiores alterações, caracterizando um glaucoma similar ao glaucoma primário de angulo aberto, embora, em um estágio mais avançado da doença, o espessamento gradual do estroma corneano possa, eventualmente, desencadear uma crise aguda de glaucoma por fechamento do seio camerular.

Figs. 9 (A e B)  Distrofia polimorfa posterior da córnea. A. O corte óptico da córnea mostra espessamento irregular da membrana de Descemet e, posteriormente, uma catarata polar anterior. B. No paralelepípedo luminoso da córnea, aparecem vesículas típicas da doença.

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Tratamento No edema epitelial incipiente, deve-se usar colírio de dimetilpolisiloxane ou de cloreto de sódio a 5%, 6 a 8 vezes ao dia. Os agentes hiperosmóticos atuam principalmente sobre o edema epitelial, porém não têm influência sobre o edema do estroma. As lentes de contato gelatinosas terapêuticas são benéficas para aliviar os sintomas causados pela formação e ruptura das bolhas. Estão indicadas principalmente para pacientes idosos que não podem ou não desejam submeter-se à ceratoplastia penetrante. A ceratoplastia penetrante está indicada quando a visão é substancialmente comprometida. O tratamento clínico do glaucoma associado à distrofia endoepitelial de Fuchs é similar ao do glaucoma primário de ângulo aberto (mióticos, betabloqueadores, tartarato de brimonidina e inibidores tópicos da anidrase carbônica). A trabeculectomia é a cirurgia indicada inicialmente para os casos refratários ao tratamento clínico.

DISTROFIA POLIMORFA POSTERIOR DA CÓRNEA A distrofia polimorfa posterior da córnea é sempre bilateral, sem predileção por raça ou sexo e de herança geralmente autossômica dominante. Caracteriza-se pela presença de depressões, vesículas (microbolhas) e opacidades polimórficas e irregulares na membrana de Descemet, às vezes, associadas a opacidades nas camadas mais profundas do estroma corneano. Em muitos casos, a doença é assimétrica. Provavelmente congênita, tipicamente permanece assintomática até a idade adulta. Às vezes, é difícil determinar a época do aparecimento da doença tendo em vista que, em geral, os pacientes apresentam visão normal e são assintomáticos durante muitos anos. O glaucoma secundário está presente em baixo percentual de casos (ao redor de 15%).

Quadro clínico A doença é tipicamente bilateral, embora, em muitos casos, assimétrica. Na maioria dos pacientes, a distrofia polimorfa posterior é assintomática e estacionária, não interferindo na acuidade visual. Ocasionalmente, a doença pode apresentar uma progressão lenta, culminando com lesões graves e edema corneano que diminuem a acuidade visual. A sensibilidade corneana é normal e, em geral, não há vascularização, exceto nos casos graves. À biomicroscopia, observam-se opacidades irregulares e microbolhas endoteliais com pigmentação central. Às vezes, formam-se cachos de microbolhas no nível da membrana de Descemet, que pode apresentar estrias (estas não ocorrem na atrofia essencial progressiva da íris) e espessamento. Alguns pacientes podem apresentar sinequias anteriores periféricas associadas; corectopia, ectrópio uveal e rarefação ou atrofia da íris podem também ser encontrados. O glaucoma secundário pode estar associado a pequeno percentual de casos. A distrofia polimorfa posterior é limitada às camadas posteriores da córnea (membrana de Descemet e endotélio), porém, ocasionalmente, pode estar associada a edema secundário do estroma e do epitélio. Cibis et al. acreditam na possibilidade do crescimento de uma membrana tipo membrana de Descemet, resultante de uma distrofia do endotélio corneano, com patogênese similar à da

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Glaucoma e Distrofias Endoteliais Corneanas  |  343

“ICE” síndrome. Alvarado et al. pensam entretanto que, quando as duas entidades são estudadas lado a lado, as alterações histológicas apresentam diferenças nas duas patologias, apesar de ambas apresentarem o crescimento de membrana anista sobre a rede trabecular e a íris. Histologicamente, encontra-se a membrana de Descemet espessada focal ou difusamente, com colágeno endotelizado pluriestratificado com desmossomos abundantes, villi apicais e feixes de filamentos proeminentes intracitoplasmáticos. Estudos com microscopia eletrônica mostram que a alteração principal ocorre na célula endotelial, que pode sofrer metaplasia para uma célula do tipo epitelial. Essa alteração ocorreria no período neonatal.

Tratamento Os pacientes assintomáticos, que são a maioria, necessitam apenas de observação periódica. Nos pacientes que apresentam edema de córnea ou glaucoma secundário, o tratamento é indispensável. O edema de córnea pode ser tratado com colírio de dimetilpolisiloxane ou de cloreto de sódio a 5% ou, eventualmente, lentes de contato terapêuticas podem ser úteis. Em casos raros, o edema de córnea diminui espontaneamente no adulto, com melhora da visão. Eventualmente, alguns pacientes irão necessitar de uma ceratoplastia penetrante. O tratamento do glaucoma secundário é similar ao do glaucoma primário. Não havendo resposta ao tratamento clínico, está indicada a cirurgia (trabeculectomia).

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CELSO ANTÔNIO DE CARVALHO

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Glaucoma Cortisônico

Define-se glaucoma cortisônico como aquela neuropatia óptica glaucomatosa secundária a hipertensão ocular desencadeada pelo uso local ou sistêmico de esteroides. Todos os corticoides em concentrações usuais (cortisona, hidrocortisona, prednisona, prednisolona, metilprednisolona, triancinolona, betametasona, dexametasona e ACTH) podem produzir elevação da pressão intraocular em pacientes predispostos. Uma significativa porcentagem da população geral sofrerá elevação de pressão intraocular quando tratada prolongadamente com esteroides locais ou sistêmicos, observando-se estes efeitos principalmente em portadores de glaucoma crônico simples ou em seus parentes de primeiro grau, míopes e diabéticos. Embora o glaucoma cortisônico tenha sido descrito há muitos anos, continua sendo uma causa comum de prejuízos visuais. O processo de instalação de hipertensão ocular cortisônica é variável; de modo geral, mais lento e tardio quando o fármaco é usado sistemicamente, mais rápido quando usado localmente. Estas manifestações oculares variam com a concentração do fármaco, o tempo de sua utilização e o seu poder anti-inflamatório.

FORMAS CLÍNICAS O glaucoma cortisônico poderá se apresentar, em geral, segundo as seguintes formas clínicas: crônica, pseudocongênita e de uveíte pseudo-hipertensiva.

Forma crônica Clinicamente, observam-se valores de pressão intraocular que se elevam a níveis variados, às vezes extremamente altos. Frequentemente existe uma diferença significativa entre os níveis de pressão alcançados entre ambos os olhos de um mesmo paciente submetido, seja a tratamento local, seja a tratamento sistêmico com corticosteroides. Eventualmente, poderá ocor345

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346 | Glaucoma rer baixa de acuidade visual como resultado de algum edema de córnea, prejuízos de campo visual ou ocorrência de uma catarata induzida pelo fármaco. Os defeitos de campo visual simulam aqueles próprios do glaucoma primário de ângulo aberto. A gravidade dependerá da duração e da intensidade da hipertensão. Os defeitos campimétricos, quando se instalam, são em geral irreversíveis, podendo, no entanto, permanecer estabilizados quando se consegue obter o controle da pressão intraocular. Nestes olhos observam-se graus variáveis de sofrimento do disco óptico. Controlada a hipertensão, as sequelas campimétricas e do disco óptico poderão sugerir um glaucoma de pressão normal. As opacidades do cristalino induzidas pelo uso de corticosteroide são, de início, delicadas e ficam estacionárias quando o tratamento é interrompido. Por outro lado, podem evoluir a ponto de exigir o tratamento cirúrgico, sobretudo em pacientes sob o uso prolongado de corticoides sistêmicos. O tipo mais comum de opacidade do cristalino é subcapsular posterior. A associação de glaucoma e catarata cortisônica é rara, pois comumente a redução da pressão intraocular se consegue com a simples interrupção do uso de corticoide, permitindo, assim, quando necessário, tão somente a remoção cirúrgica da catarata, sem que seja necessário associar qualquer tipo de cirurgia simultânea para tratamento do glaucoma secundário.

Forma pseudocongênita A hipertensão ocular cortisônica não poupa qualquer grupo de idade. Entre os recém-nascidos poderá adquirir a forma clínica de buftalmia, simulando todos os aspectos de um glaucoma congênito primário. Trata-se, frequentemente, de uma condição hipertensiva ocular que, no recém-nascido, ocorre como resultado da prescrição e utilização indevida e não controlada de colírios de corticoides. Estas prescrições são, em geral, feitas para tratamento de obstruções congênitas das vias lacrimais, conjuntivites, inflamações ou processos diversos do segmento anterior do globo ocular. As obstruções congênitas das vias lacrimais têm sido consideradas como causa mais comum do glaucoma pseudocongênito. É bom lembrar que as obstruções congênitas das vias lacrimais ocorrem em 2 a 4% dos recém-nascidos e quase sempre se resolvem espontaneamente com o tratamento adequado. Do mesmo modo que nas demais formas de glaucoma cortisônico, a forma pseudocongênita frequentemente apresenta regressão e normalização da pressão intraocular pela simples interrupção do uso de corticoide. É importante ressaltar que, nas formas de hipertensão pseudocogênita, exige-se os mesmos cuidados semiológicos para o seu diagnóstico e avaliação de sua evolução, quer tenha sido adotado ou não o tratamento cirúrgico para a normalização da pressão intraocular.

Uveíte pseudo-hipertensiva Durante o curso do tratamento de uma uveíte de qualquer natureza, a hipertensão ocular poderá aparecer em face de duas circunstâncias, isto é: 1. Uveíte primitivamente não hipertensiva, em que, pela prescrição e instilação de colírios, de corticoides, será desencadeada a elevação da pressão intraocular, que permanecerá alta,

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Glaucoma Cortisônico  |  347

mesmo que se observe o declínio dos sinais inflamatórios do segmento anterior do olho. A simples interrupção do uso destes fármacos determinará, em geral, a normalização da pressão intraocular. 2. Uveíte inicialmente hipertensiva, em que, a despeito da administração de fármacos antihipertensivos oculares e do declínio dos sinais inflamatórios uveais, a hipertensão permanece. Esta poderá então ser o resultado de sequelas cicatriciais do processo inflamatório uveal ou do uso persistente e contínuo dos corticoides. Esses aspectos somente poderão ser devidamente avaliados pela interrupção do uso do fármaco e pela cuidadosa avaliação gonioscópica do seio camerular.

FISIOPATOLOGIA O mecanismo, através do qual os corticoides elevam a pressão intraocular, não é até hoje inteiramente conhecido. Sabe-se que, nos pacientes sensíveis à ação do fármaco, ocorre aumento da resistência ao escoamento do humor aquoso. Do ponto de vista geral, tem-se estudado com grande amplitude a hipótese de que a resposta da pressão intraocular estaria ligada hereditariamente ao glaucoma crônico simples. Existem várias hipóteses a este respeito, que poderiam ser assim consideradas: Transmissão hereditária do tipo mendeliano: duas correntes se destacam em relação a esta possibilidade. Becker & Hahn, pela instilação local de corticoides, admitem um modelo genético no qual a resposta ao fármaco é representada por “g” e a ausência de resposta por “n”. Uma resposta forte à instilação de corticoide corresponderia a “gg” (maior que 31 mmHg), uma resposta intermediária a “ng” (entre 20 e 30 mmHg) e uma ausência de resposta a “nn”. Baseados neste modelo genético, afirmam que a resposta à instilação de corticoides nos pacientes glaucomatosos é quase toda do tipo “gg” e a observada em seus parentes é semelhante aos pacientes “suspeitos” de ter glaucoma; a distribuição da hipertensão cortisônica entre os descendentes é bimodal, com um grupo de homozigotos (“gg”) e outro grupo de heterozigotos (“ng”). Armaly simboliza a resposta à cortisona como “Pl” (pequena elevação da pressão ) e “Ph” (grande elevação da pressão); segundo o modelo genético do autor, teríamos “P1Pl” representando uma resposta ou elevação menor que 6 mmHg; “PhPh” representaria o genótipo de grande elevação de pressão, superior a 15 mmHg. Por outro lado, diversos autores verificaram que os pacientes portadores de glaucoma crônico não apresentam obrigatoriamente uma resposta positiva aos corticoides locais. Nem todos os parentes de glaucomatosos apresentam resposta positiva, o que tornaria duvidosa a relação entre glaucoma e a elevação de pressão despertada pela instilação de corticoides. Não parece evidente que, obrigatoriamente, um paciente com resposta positiva aos corticoides locais venha a desenvolver glaucoma. Uma grande discordância de respostas da pressão aparece nos estudos de famílias com um ou mais de seus membros com glaucoma. Os estudos de Schwartz et al. em gêmeos mono e dizigotos parecem definitivamente condenar a ideia de transmissão mendeliana da resposta da pressão à instilação de corticoides. Todos os trabalhos têm demonstrado que a resposta ao uso local de corticoides é irregular, não necessária e obrigatoriamente ligada ao glaucoma e que ela não é caracterizada pela

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348 | Glaucoma existência de um único locus genético. É, provavelmente, o resultado de interações complexas de um certo número de fatores genéticos e ambientais. Tem sido amplamente investigada a patogenia do aumento de resistência ao escoamento de humor aquoso induzida pela instilação local de corticoides. O mecanismo mais postulado corresponde ao acúmulo de mucopolissacarídeos nas malhas do sistema trabecular no seio camerular. Os mucopolissacarídeos estão presentes nos espaços intercelulares naquela região e são normalmente sujeitos a um processo de despolimerização pelas enzimas presentes no lisossoma celular. Os corticoides aumentam a resistência das paredes do lisossoma celular e bloqueiam a saída das enzimas, acumulando mucopolissacarídeos na região, acidose e retenção de líquidos. Ocorreria um verdadeiro edema celular, com diminuição dos espaços intertrabeculares e aumento da resistência ao escoamento de humor aquoso. Outros têm sugerido que os esteroides determinariam uma diminuição da fagocitose celular no nível trabecular, acarretando acúmulo de debris celulares na região e, consequentemente, aumento da resistência ao escoamento de aquoso. Nem todos os pacientes submetidos à corticoterapia desenvolvem hipertensão intraocular e nem tampouco esta hipertensão intraocular medicamentosa é a expressão de um estágio glaucomatoso. Representa uma hipersensibilidade de tipo genético aos corticoides, não necessariamente associada à herança do glaucoma primário de ângulo aberto, sendo observada em alguns pacientes rotulados de predispostos.

DIAGNÓSTICO A convicção definitiva de que a hipertensão é decorrente do uso do corticoide somente será estabelecida se houver a permanente normalização da pressão intraocular após a interrupção do uso da medicação.

TRATAMENTO O tratamento, quase sempre eficaz, corresponde à interrupção do uso do fármaco, administrando-se ou não soluções hipotensoras tópicas. A maioria dos glaucomas cortisônicos apresentará, em tempo variável, a progressiva normalização dos valores da pressão intraocular. Eventualmente, em situações raras, poderá ser necessária a manutenção do tratamento clínico ou mesmo a instituição de tratamento cirúrgico.

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Glaucoma Cortisônico  |  349

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GERALDO VICENTE DE ALMEIDA • RALPH COHEN • NIRO KASAHARA

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Glaucoma e Hipertensão Venosa Episcleral

INTRODUÇÃO A drenagem venosa da órbita ocorre por três vias principais: veia oftálmica superior, veia oftálmica inferior e veias faciais, todas elas anastomóticas (Fig. 1). A de maior importância é a veia oftálmica superior, que drena a maior quantidade do volume sanguíneo do globo ocular para o seio cavernoso, no interior do crânio; daí o sangue dirige-se para a veia jugular interna, através

Fig. 1  Drenagem venosa da órbita. Observe a interanastomose entre os três principais sistemas de drenagem: veia oftálmica superior, veia oftálmica inferior e veias faciais. 1. Veia oftálmica superior; 2. veia frontal; 3. veia supraorbitária; 4. veia oftálmica inferior; 5. plexo pterigoide; 6. veia facial; 7. veia nasal; 8. veia para o seio cavernoso; SF = seio frontal; SM = seio maxilar.

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352 | Glaucoma dos seios petrosos superior e inferior. A veia oftálmica inferior comunica-se com a veia oftálmica superior e também com o plexo pterigoide, que drena para as veias profundas do pescoço. As veias faciais comunicam-se com a veia oftálmica superior, através das veias nasofrontal, lacrimal e veias da pálpebra, além da veia oftálmica inferior, através da veia infraorbitária. Devido às inúmeras anastomoses entre as veias orbitárias de drenagem venosa e à falta de válvulas venosas, o sangue pode desviar-se de um sistema para outro, com a corrente sanguínea tomando determinada direção na dependência do gradiente de pressão hidrostática. A maior quantidade de humor aquoso produzido pelo corpo ciliar deixa o olho pela via convencional, através da seguinte rota: malha trabecular, canal de Schlemm, canais coletores, veias episclerais e daí para a circulação venosa geral pelas veias orbitárias. Em 1949, Goldmann aplicou a lei de Poiseuille para o escoamento do humor aquoso, sugerindo que seu fluxo através da malha trabecular (F) é diretamente proporcional à pressão intraocular (Po) menos a pressão venosa episcleral (Pv) e inversamente proporcional à resistência ao escoamento (R): F = Po – Pv R sendo F expresso em microlitros por minuto (µl/min). Portanto, o aumento da pressão venosa produz diminuição do fluxo de escoamento do humor aquoso, com consequente elevação da pressão intraocular. Segundo Bill, o aumento de 1 mmHg na pressão venosa episcleral provoca aumento de 0,82 mmHg na pressão intraocular. A exata relação entre a pressão venosa episcleral e a dinâmica do humor aquoso é complexa e apenas parcialmente conhecida. O aumento da pressão venosa episcleral geralmente acompanha-se de aumento da pressão intraocular. A pressão venosa episcleral normal situa-se em torno de 8 a 10 mmHg e não varia com a idade ou o fechamento palpebral, podendo, contudo elevar-se na posição supina em 3,6 mmHg levando a aumento correspondente na pressão intraocular.

CAUSAS DE HIPERTENSÃO VENOSA EPISCLERAL As formas de glaucoma associados à hipertensão venosa episcleral são consideradas em três categorias: Obstrução à drenagem venosa. Fístulas arteriovenosas. Elevação idiopática da pressão venosa episcleral.

Obstrução à drenagem venosa Síndrome mediastinal superior Lesões da parte superior do tórax, principalmente tumores, podem obstruir o retorno venoso da cabeça e causar aumento da pressão venosa. A obstrução da veia cava superior produz quadro clínico típico, caracterizado pela presença de exoftalmo com facies típico denominado

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“cabeça de abóbora”, devido a edema e cianose da face e do pescoço. Aparecem veias dilatadas no pescoço, cabeça, tórax e extremidades superiores. O aumento da pressão intracraniana pode causar cefaleia, vertigem, alterações mentais e convulsões. No quadro clínico ocular, há papiledema e congestão venosa no fundo de olho, na episclera e na conjuntiva, e elevação da pressão intraocular que aumenta acentuadamente quando o paciente se deita. O disco óptico geralmente apresenta-se preservado, provavelmente por efeito compensador da elevação da pressão intracraniana. Uma das manifestações iniciais da síndrome pode ser o edema palpebral discreto. As causas mais comuns da síndrome são aneurisma aórtico e tumores torácicos e, mais raramente, mediastinites crônicas cicatrizantes, linfonodos hilares aumentados e bócio intratorácico.

Varizes orbitárias As varizes orbitárias são malformações venosas que podem causar exoftalmo intermitente, que é a característica clínica mais importante da doença (Figs. 2A e B). Todos os casos relatados são unilaterais. Entre os episódios manifesta-se verdadeiro enoftalmo. Podem existir varizes nas pálpebras, fronte e palato. O diagnóstico pode ser confirmado pelo raios X, que demonstram frequentemente flebólitos orbitários e aumento das dimensões da órbita. A ultrassonografia B revela espaços retro-oculares preenchidos por fluido, que aumentam durante a manobra de Valsalva. A tomografia computadorizada exibe varizes orbitárias sob a forma de uma massa tecidual mole. A flebografia também pode revelar a malformação, enquanto a arteriografia não tem valor diagnóstico. A escavação do disco óptico raramente está presente, entretanto, a atrofia do nervo óptico pode ocorrer por compressão das varizes orbitárias.

Figs. 2 (A e B)  Varizes orbitárias (J Vital Filho). A. Observe os engurgitamento venoso dos vasos da órbita. B. Tomografia da órbita com aumento da captação do contraste pelas veias orbitárias.

Tromboflebite orbitária A tromboflebite orbitária é uma orbitopatia aguda, usualmente unilateral, rara, caracterizada por dor, congestão e quemose conjuntival, proptose, baixa da acuidade visual e glaucoma secundário. Não é pulsátil e não exibe frêmito ou sopro (Fig. 3A).

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354 | Glaucoma Com frequência, o processo se estende à veia central da retina, no princípio manifestando-se com sinais de estase, até configurar típico quadro de oclusão venosa retiniana. Pode ser idiopática, secundária a disseminação hematógena de inflamações ou infecções das pálpebras, do nariz, do dente ou da garganta. A histopatologia mostra infiltrado inflamatório e trombose das veias orbitárias. A inflamação se estende aos músculos extraoculares, que se mostram espessados. Deve-se fazer diagnóstico diferencial com oftalmopatia de Graves, fístula carotidocavernosa e pseudotumor inflamatório da órbita. A ultrassonografia e a tomografia computadorizada (Fig. 3B) mostram a dilatação da veia oftálmica superior e marcante espessamento dos músculos extraoculares (pseudo-oftalmopatia de Graves). O tratamento deve ser feito com anti-inflamatórios, corticosteroides e hipotensores oculares, após exaustiva avaliação clínica geral para buscar uma causa eventual. O prognóstico anatômico é bom, mas habitualmente permanece importante déficit funcional decorrente do dano retiniano que se segue à trombose da veia central da retina.

Figs. 3 (A e B)  A. Tromboflebite da veia oftálmica superior. Paciente de 42 anos de idade com proptose, intensa quemose, glaucoma e sinais de estase venosa ao exame de fundo de olho (FA Silva). B. A tomografia computadorizada revela notável dilatação da veia oftálmica superior.

Síndrome de Sturge-Weber A síndrome de Sturge-Weber (angiomatose encefalotrigeminal) se manifesta pela presença de angioma facial, angioma de coroide, angioma meníngeo, eventualmente calcificações intracranianas e glaucoma. Diversos mecanismos têm sido postulados para explicar a patogenia do glaucoma que acompanha a angiomatose encefalotrigeminal. Angiomas meníngeos silenciosos obstruiriam a drenagem venosa ocular. Anomalias congênitas da inervação simpática ocular provocariam dilatação capilar uveal e estase sanguínea. Um hemangioma da coroide que, ao aumentar demasiadamente o suprimento sanguíneo do olho, provocaria a hipertrofia congênita das estruturas oculares. Anomalias congênitas do seio camerular, como persistência de tecido mesodérmico ou defeito da clivagem do seio camerular. Anomalia vascular, que aumentaria o conteúdo proteico do humor aquoso. Aumento do volume dos vasos que levaria à congestão e transudação da coroide, com consequente diminuição do escoamento do humor aquoso.

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Glaucoma e Hipertensão Venosa Episcleral  |  355

A causa mais provável da elevação da pressão intraocular parece uma combinação de anomalia de clivagem do seio camerular com a hipertensão venosa episcleral.

Oftalmopatia tireoide (doença de Basedow-Graves) A doença de Basedow-Graves é caracterizada por hipertireoidismo com bócio difuso, dermatopatia e oftalmopatia. Esse quadro clínico, entretanto, não é obrigatoriamente completo em todos os casos. A incidência é maior no sexo feminino, principalmente entre a terceira e a quinta décadas. A causa das manifestações oculares nessa doença é incerta. A prevalência da hipertensão ocular foi estudada por Cockerham et al. que observaram que 24% dos pacientes com orbitopatia associada a tireoide apresentavam pressão intraocular entre 22 e 30 mmHg. Destes, menos de 2% desenvolveram defeitos de campo visual compatíveis com glaucoma, após 2 anos de seguimento.

Oftalmopatia tireotóxica Ocorre geralmente em indivíduos do sexo feminino, entre 20 e 40 anos de idade. Os achados oculares são: Olhar esgazeado (sinal de Dalrymple), devido ao aumento da rima palpebral na posição primária do olhar, com exposição da esclera devido à retração tônica da pálpebra superior (Fig. 4). Sinal de von Graefe: atraso no abaixamento da pálpebra superior na infraversão, explicado pela hipertonia do músculo elevador da pálpebra superior. Sinal de Galata: abaixamento incompleto da pálpebra superior em consequência da hipertonia do músculo levantador da pálpebra superior. Exoftalmo moderado, incomum, mais aparente do que real, devido à retração da pálpebra. Com a correção do hipertireoidismo, os sinais oculares geralmente cedem.

Fig. 4  Oftalmopatia de Basedow-Graves com evidente sinal de Dalrymple: olhar esgazeado devido à retração tônica da pálpebra superior (FA Silva).

Oftalmopatia tireotrópica Esta forma clínica, menos frequente que a forma tireotóxica, ocorre em aproximadamente 10 a 20% dos pacientes portadores da doença de Graves e cerca de 2% desenvolvem exoftalmo maligno grave. A oftalmopatia tireotrópica geralmente aparece com a crise de hipertireoidismo e regride com o seu tratamento. Ela pode, entretanto, manifestar-se em pacientes eutireoides.

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356 | Glaucoma O glaucoma secundário pode ocorrer na oftalmopatia tireotrópica por diferentes mecanismos: 1. Hipertensão venosa episcleral consequente a processo inflamatório retrobulbar. 2. Trombose das veias orbitárias. 3. Redução da facilidade de escoamento do aquoso. 4. Contratura dos músculos extraoculares, que eleva a pressão intraocular mais acentuadamente nas posições do olhar opostas à dos músculos fibrosados, sem provocar, todavia, alteração do disco óptico. 5. Goniossinequias decorrentes de processo inflamatório intraocular grave, consequente a exposição e infecção da córnea. O tratamento do glaucoma secundário à oftalmopatia tireotrópica, quando o coeficiente de escoamento está diminuído, é idêntico ao do glaucoma primário de ângulo aberto e a diferenciação entre as duas formas é difícil. Os exames da acuidade visual e do campo são importantes no seguimento desses pacientes. Contudo, é difícil determinar se as alterações campimétricas são resultantes da hipertensão ocular ou da neurite óptica infiltrativa, pois ambas produzem defeitos semelhantes de campo visual. Danesh-Meyer et al. avaliaram o abaixamento da pressão intraocular nos pacientes submetidos à cirurgia de descompressão da órbita, cirurgia de estrabismo e radioterapia orbital. O abaixamento foi mais pronunciado nos pacientes submetidos à cirurgia de descompressão (4,1 mmHg) que nos pacientes submetidos à cirurgia de estrabismo (2,4 mmHg). A radioterapia não promoveu abaixamento significativo da pressão intraocular.

Amiloidose ocular A amiloidose compreende um grupo de doenças que apresenta, em comum, o depósito de substância amiloide nos diferentes tecidos do organismo. Na forma ocular, o amiloide pode se depositar nas pálpebras, órbita, conjuntiva, córnea e vítreo. A elevação da pressão intraocular raramente é observada na amiloidose ocular.

Fístulas arteriovenosas As fístulas arteriovenosas raramente ocorrem dentro da órbita. Entretanto, devido às inúmeras conexões entre os sistemas venosos orbitários e os intracranianos, as fístulas intracranianas frequentemente elevam a pressão venosa episcleral. Estas fístulas provocam a entrada de sangue arterial nos seios venosos durais, gerando fluxo retrógrado nas veias orbitárias. As fístulas intracranianas podem ocorrer em diferentes locais, tais como entre a artéria meníngea média e o seio esfenoparietal. A mais frequente é a fístula carotidocavernosa.

Fístula carotidocavernosa A fístula carotidocavernosa típica inicia-se por uma rotura da parede da artéria carótida interna no interior do seio cavernoso. Esta rotura pode ser espontânea ou traumática e permite o fluxo de sangue arterial sob alta pressão no espaço venoso extradural, o seio cavernoso.

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A fístula carotidocavernosa tem como manifestação clínica bastante comum, porém não obrigatória, o exoftalmo pulsátil. Em cerca de 40% dos casos a fístula carotidocavernosa ocorre de forma espontânea, sendo nesta situação mais comum em pessoas idosas. Traumatismo é a causa mais comum de fístulas carotidocavernosas, sendo responsável em 60% dos casos. Traumatismos cranianos consequentes a acidentes automobilísticos, em homens e mulheres, entre 15 e 40 anos de idade, são mais frequentes. Fratura de base de crânio geralmente é encontrada nesses pacientes.

Quadro clínico Exoftalmo O exoftalmo usualmente desenvolve-se de modo rápido, no mesmo lado da fístula, tornando-se acentuado em poucos dias. Cefaleia e zumbido na cabeça e nos ouvidos frequentemente precedem o exoftalmo. O tempo de desenvolvimento do exoftalmo no lado contralateral varia de 1 dia a 4 meses. O exoftalmo bilateral consequente a uma fístula unilateral é explicado pelo alargamento do seio cavernoso afetado para dentro do seio oposto. Após o exoftalmo tornar-se aparente, ele aumenta lentamente, por várias semanas, cessando então sua progressão. Ele pode atingir dimensões acentuadas, frequentemente de 6 a 7 mm. Quando a proptose e o edema são muito acentuados, a movimentação do olho fica limitada, podendo ocorrer, às vezes, oftalmoplegia total. Envolvimento da córnea, conjuntiva e pálpebras A quemose conjuntival pode ser acentuada e ocorrer antes do exoftalmo desenvolver-se. O aspecto, o crescimento e a resolução do edema conjuntival dependem da adaptação dos vasos orbitários e cranianos ao shunt arteriovenoso. Quando a drenagem anterior do sangue arterial através das veias orbitárias e faciais é restrita, ocorre quemose acentuada da conjuntiva e edema pronunciado das pálpebras e dos tecidos orbitários. A conjuntiva pode, devido a isso, tornar-se necrótica e infectada, quando não é mais possível a sua retenção pela oclusão palpebral. Pode ocorrer também sangramento espontâneo. Quando a drenagem do sangue arterial através da rede venosa anterior torna-se efetiva, o edema conjuntival desaparece, deixando, entretanto, as veias conjuntivais tortuosas, dilatadas e brilhantes, devido à presença de sangue arterializado no seu interior (Fig. 5 A e B). Além do edema, as pálpebras e a pele ao redor podem apresentar cianose e espessamento crônico devido à dilatação racemosa das veias periorbitárias. A ceratopatia por exposição é um achado frequente na fístula carotidocavernosa e está diretamente relacionada com o grau de proptose.

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358 | Glaucoma

Figs. 5 (A e B)  Fístula carotidocavernosa. A. Veias episclerais com arterialização crônica: caracteristicamente, estas veias dilatadas têm uma coloração vermelho-clara devido ao sangue arterial. B. Nítida dilatação das veias subcutâneas na região temporal devido à drenagem venosa colateral.

Pulsação ocular e sopro A pulsação do globo ocular ocorre devido à transmissão da onda do pulso da artéria oftálmica ou da carótida para a veia oftálmica dilatada. A pulsação pode passar despercebida à inspeção, mas é facilmente perceptível pela palpação. O pulso pode ser perceptível não só no globo ocular como também nos vasos das pálpebras e na fossa temporal. Geralmente os pacientes não têm consciência do pulso ocular, referindo apenas ao ruído na cabeça. A compressão da carótida comum ipsilateral pode interromper ou diminuir as pulsações oculares. Nos casos traumáticos, o pulso pode aparecer poucas horas após o acidente e o exoftalmo pode ter o seu aparecimento retardado por semanas ou mesmo meses. O sopro frequentemente aparece antes do pulso e do exoftalmo. O exoftalmo pulsátil pode ocorrer em outros processos patológicos além da fístula carotidocavernosa, tais como hérnia traumática do cérebro para dentro da órbita, nos aneurismas da artéria oftálmica, nas fístulas entre a artéria carótida interna e a veia jugular, nas fístulas traumáticas arteriovenosas da meníngea média, em defeitos congênitos do teto da órbita (meningoencefalocele orbitária) e em alguns tumores e angiomas de crescimento lento. Na maioria das vezes, o paciente refere ruídos na cabeça imediatamente após o acidente. Os ruídos são comumente descritos como zunidos, silvos, rugidos, estalidos e, às vezes, como sopros, mas são sempre uma fonte constante de desconforto para o paciente. Os sons aumentam com a aceleração dos batimentos cardíacos e diminuem com a compressão da carótida. Às vezes, o zumbido contínuo diminui, mas o intermitente permanece. Ao comprimir-se a carótida de um e de outro lado é possível localizar a fístula; entretanto, nos casos antigos, a compressão da carótida pode falhar, devido ao desenvolvimento de novos canais colaterais funcionantes. O sopro pode ser ouvido pelo examinador por meio do estetoscópio colocado sobre o globo ocular e pode ser auscultado também em outras partes da cabeça. Na fístula carotidocavernosa, o sopro é principalmente sistólico e pode ser ouvido sobre o olho e a órbita do mesmo lado e, frequentemente, sobre a cabeça. Envolvimento dos nervos motores oculares A localização do III, IV e, particularmente, do VI nervo na região do seio cavernoso concorre para a sua vulnerabilidade. O nervo mais afetado é o VI, e a paralisia é notada em 60% dos pacientes.

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Achados de fundo de olho A dilatação das veias, em graus variados, é muito comum na maioria dos pacientes; não é obrigatória: às vezes, o aspecto da veia central da retina absolutamente normal, mesmo na fístula carotidocavernosa de longa duração, o que é explicado pela grande variação da anatomia venosa da órbita. Papiledema e hemorragias retinianas são sinais raros associados à fístula carotidocavernosa. O papiledema, em geral, é de pequena intensidade e as hemorragias retinianas são do tipo em “chama de vela”. As hemorragias e o edema de retina associados tendem a desaparecer. Achados radiográficos e ecográficos Nas fases iniciais da doença, não são detectadas alterações radiográficas do crânio, com exceção de possível evidência de fratura da base ou de corpo estranho retido. Nos casos de longa duração, as radiografias podem revelar alargamento da fissura orbitária superior ou atrofia do esfenoide ipsilateral e da sela túrcica. A fístula arteriovenosa é melhor demonstrada por arteriografia (Fig. 6). A angiografia digital permite melhor resolução de imagem (Fig. 7). O eco-Doppler colorido com transdutor de 7,0 MHz é útil no estudo da hemodinâmica ocular. O exame pode revelar a veia oftálmica superior ectásica com padrão de fluxo do tipo “arteriolização”. Além disso, as velocidades médias do fluxo nas artérias da órbita encontram-se dimunuídas em relação aos valores normais.

Fig. 6  Fístula carotidocavernosa traumática. A arteriografia permite a evidenciação do seio cavernoso (seta grande) e da veia oftálmica superior dilatada (seta pequena) (W Amorin).

Fig. 7  Arteriografia cerebral digital mostrando a dilatação do seio cavernoso (J Vital Filho).

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360 | Glaucoma Hipertensão ocular A elevação da pressão intraocular ocorre em ambas as formas de fístula carotidocavernosa. Entretanto, a hipertensão ocular é mais comum na forma atípica (síndrome de comunicação dural), na qual ela se manifesta na quase totalidade dos casos. Na forma clássica (traumática), a incidência de glaucoma é de cerca de 30%. Apesar disso, os danos glaucomatosos da cabeça do nervo óptico são muito mais raros. A hipertensão venosa episcleral é a causa mais frequente da elevação da pressão intraocular nas fístulas carotidocavernosas, entretanto, outras causas podem concorrer para o glaucoma: 1. Diminuição da facilidade de escoamento, nos casos de longa duração. 2. Isquemia relativa do olho devido à diminuição da pressão de perfusão, que leva à reação uveítica, com as consequentes alterações do seio camerular (goniossinequias). 3. Isquemia relativa do olho, com formação de neovascularização iriana e glaucoma neovascular (Figs. 8A e B). 4. Glaucoma de ângulo fechado, secundário a aumento da pressão nas veias vorticosas, com congestão do trato uveal e subsequente fechamento angular com bloqueio pupilar.

Figs. 8 (A e B)  Paciente portador de fístula carotidocavernosa. A. A isquemia ocular foi responsável pela instalação de neovascularização iriana, com formação de hifema e glaucoma neovascular. B. Observe a evidente dilatação das veias episclerais.

Tratamento O tratamento da fístula carotidocavernosa experimentou notáveis avanços nos últimos 30 anos. A técnica de eleição consiste em ocluir a fístula com pequeno balão, que pode ser manipulado no interior da artéria, permitindo que a artéria continue permeável ao montante. Entretanto, deve-se assinalar que o fechamento espontâneo da fístula ocorre em 18% dos casos, há significante melhora em 43% e somente 33% não evoluem. A morte ocorre em 6% dos casos. Complicações neurológicas da intervenção cirúrgica são frequentes e a maioria dos casos de glaucoma neovascular associado à fístula carotidocavernosa ocorre após a cirurgia. Devido a isso, alguns autores, indicam o tratamento cirúrgico apenas para os casos que evoluem mal.

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Hipertensão venosa episcleral idiopática (síndrome de Radius-Malmenee) O diagnóstico de hipertensão venosa episcleral idiopática deve ser considerado em casos que os sinais e sintomas do quadro estão presentes, porém não se identifica nenhuma causa para o aumento da pressão venosa episcleral: é um diagnóstico de exclusão. Geralmente são olhos que apresentam vasos epsclerais dilatados e tortuosos, e pressão intraocular elevada. Não apresentam dor, nem restrições dos músculos extraoculares, sopro ou exoftalmo. Esses indivíduos apresentam glaucoma de ângulo aberto com quadro clínico idêntico ao do glaucoma primário, com lesão glaucomatosa da cabeça do nervo óptico e a correspondente alteração do campo visual (Fig. 9). Jorgensen & Guthoff estudaram 5 pacientes com dilatação venosa episcleral idiopática. Todos apresentavam glaucoma unilateral e pressão venosa episcleral correspondente. Na venografia da órbita, apresentavam fluxo venoso normal e os autores sugeriram que o mecanismo etiológico era uma obstrução venosa localizada na região dos músculos extrínsecos oculares.

Fig. 9  Hipertensão venosa episcleral idiopática. Paciente com glaucoma de ângulo aberto com vasos episclerais dilatados e tortuosos. Exames complementares constataram a ausência de alterações vasculares intracranianas e orbitárias (HG Almeida).

TRATAMENTO DO GLAUCOMA SECUNDÁRIO À HIPERTENSÃO VENOSA EPISCLERAL O tratamento do glaucoma de ângulo aberto secundário à hipertensão venosa episcleral deve ser dirigido, inicialmente, para a eliminação da causa. É similar ao tratamento do glaucoma primário de ângulo aberto, com algumas diferenças importantes. Os inibidores da anidrase carbônica, os β-bloqueadores e a brimonidina são eficazes. Os fármacos que aumentam o coeficiente de drenagem também atuam favoravelmente no abaixamento da pressão ocular, entretanto, a elevação da pressão venosa episcleral limita o seu efeito. Há um nível tensional abaixo do qual a pressão intraocular não diminui, a despeito da acentuada redução da produção e do aumento da facilidade de drenagem do humor aquoso. A pilocarpina e os análogos da prostaglandinas são ineficazes em diminuir a pressão intraocular em alguns olhos com hipertensão venosa episcleral e, em geral, não devem ser prescritos. A trabeculoplastia com laser não oferece resultados satisfatórios. As cirurgias fistulizantes estão indicadas quando a pressão intraocular não é controlada com o tratamento clínico. A trabeculectomia é o procedimento de eleição e o uso de mitomicina C é indicado em casos específicos. A dissecção do retalho conjuntival deve ser feita com cuidado, evitando-se lesar as veias episclerais dilatadas. A anestesia tópica ou a geral são preferíveis aos bloqueios retrobulbar e peribulbar nos casos em que anomalias da órbita estão presentes.

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362 | Glaucoma Uma complicação possível e frequente é a efusão coroidiana. Devido à hipertensão venosa nos capilares, pode ocorrer transudação de fluido para a coroide e corpo ciliar. Bellows recomenda a drenagem rotineira da supracoroide por ocasião da cirurgia filtrante, aconselhando deixar uma esclerotomia posterior patente para impedir a formação da efusão coroidiana. A injeção de substância viscoelástica na câmara anterior durante a trabeculectomia, colocação de suturas relativamente apertadas no retalho escleral e a lise de sutura mais tardia são outras medidas recomendadas para se evitar a hipotonia e efusão coroidal. Se o glaucoma neovascular ocorrer, o prognóstico é sombrio. É geralmente resultado de uma fístula arteriovenosa grande, na qual a perfusão sanguínea está diminuída, acarretando isquemia ocular e neovascularização iriana. O tratamento da fístula, acompanhado de panfotocoagulação da retina pode ser efetivo. Também os implantes artificiais de drenagem podem ser úteis.

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NASSIM CALIXTO • SEBASTIÃO CRONEMBERGER

C A P Í T U L O  |  29

Glaucoma Pigmentário

Denomina-se síndrome de dispersão pigmentária do segmento anterior do olho a um conjunto de alterações: 1. Pigmentação cerática mais ou menos fusiforme (fuso de Krukenberg). 2. Câmara anterior profunda. 3. Pigmentação negra, exuberante, na faixa trabecular do seio camerular. 4. Pigmentação retrocristaliniana linear e anular, única ou dupla. 5. Rarefação pigmentária em fendas, de direção meridional e em disposição anular, do epitélio pigmentário da porção ciliar da íris. Esta síndrome ocorre com maior frequência em pacientes de cor branca a partir da terceira década e torna-se rara após a sexta década. Geralmente, os pacientes são míopes e, às vezes, apresentam astigmatismo associado. A síndrome raramente é encontrada em emetropes e hipermetropes. Quando sobrevém o aumento da pressão intraocular às alterações assinaladas anteriormente, tem-se o glaucoma pigmentário. Krukenberg, em 1899, parece ter sido o primeiro a descrever a pigmentação cerática marrom, fusiforme, de cada lado do meridiano vertical, de l,5 mm de largura, terminando inferiormente a 2,5 mm da periferia da córnea. Denominou-a “melanose congênita bilateral da córnea” hoje conhecida pelo epônimo de fuso de Krukenberg. Calixto estudou, entre 1961 e 1981, 68 pacientes com dispersão pigmentária do segmento anterior, todos de cor branca: 30 (44%) eram glaucomas pigmentários típicos e 18 (26,5%) eram glaucomas pigmentários incipientes.

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QUADRO CLÍNICO O glaucoma pigmentário ocorre com maior frequência na terceira e quarta décadas, decrescendo drasticamente a partir da sexta década. Acomete pessoas de cor branca e é mais comum em homens (70%). Aproximadamente 80% dos pacientes são míopes, excepcionalmente, encontram-se olhos emetropes ou com pequena hipermetropia. A acuidade visual sob correção é normal e a suspeita vem pelo exame biomicroscópico do segmento anterior. O caráter genético desse glaucoma ainda não está perfeitamente esclarecido: talvez seja do tipo autossômico recessivo, como o glaucoma congênito, com penetrância variável. Entretanto, alguns trabalhos da literatura mostram uma herança de tipo dominante. Como no glaucoma primário, aqui também não há sintomas que façam pensar especificamente em glaucoma pigmentário. Não é, entretanto, excepcional a ocorrência de arcos irisados, secundário a uma ceratopatia microbolhosa oriunda de hipertensão ocular aguda.

Pigmentação A disposição fusiforme da pigmentação cerática (fuso de Krukenberg) não é o modo mais frequente de apresentação; geralmente, a pigmentação é difusa nos dois terços centrais da córnea e não atinge a sua extrema periferia. Quando é fusiforme, geralmente é vertical e mais ou menos central (Fig. 1). A pigmentação difusa ocorre em 70% e a fusiforme em 30% dos casos. Efeito tyndall no humor aquoso aparece em geral pela midríase medicamentosa com simpaticomiméticos ou cicloplégicos: é um tyndall pigmentário fino e discreto. A pigmentação da face anterior da íris é um achado inconstante. A transiluminação da íris é um sinal biomicroscópico muito importante. Com a pupila dinâmica e o campo vermelho é possível observar, na porção ciliar da íris, fendas avermelhadas de direção meridional. Ocorrem inicialmente na região nasal inferior para, pouco a pouco, surgirem em outros locais, culminando na disposição anular (Fig. 2). Este achado está presente em cerca de 70% de nossos casos. Com a pupila em midríase e o movimento do olhar para cima e para baixo, pode-se eventualmente observar a presença de anel pigmentado atrás do cristalino. O pigmento tem a mesma cor da pigmentação cerática, pode ser mais grosseiro e está presente em aproximadamente 80% dos casos. Com a pupila em midríase pode-se observar a presença de pigmento nas fibras zonulares anteriores e posteriores: pode ser percebida à biomicroscopia, porém, torna-se melhor perceptível com a lente de gonioscopia (Fig. 3).

Figs. 1 (A e B)  A. Fuso de Krukenberg clássico. B. O paralelepípedo luminoso mostra a pigmentação exuberante na face posterior da córnea.

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Glaucoma Pigmentário  |  367

Fig. 2  O exame da íris em campo vermelho (transiluminação) mostra a despigmentação anular em fendas meridionais na porção ciliar da íris.

Fig. 3  Anel pigmentar retrocristaliniano (G V Almeida).

Pressão intraocular Calixto acredita que em mais ou menos 30% dos pacientes com dispersão pigmentária do segmento anterior a pressão intraocular encontra-se dentro da faixa estatisticamente normal.

Disco óptico Os olhos com dispersão pigmentária do segmento anterior aparentemente apresentam maior suscetibilidade e pouca resistência à ação deletéria da pressão intraocular alta.

Campos visuais As alterações do disco óptico e campimétricas são idênticas às encontradas no glaucoma primário, apenas se instalando mais precocemente.

Descolamento de retina Cardoso observou uma maior prevalência de descolamento de retina em olhos com dispersão pigmentária do segmento anterior do que em olhos normais, e, mais frequente ainda em olhos portadores de glaucoma pigmentário. Portanto, é importante que na dispersão pigmentária do segmento anterior, com ou sem glaucoma, seja realizado um exame cuidadoso da periferia do fundo de olho

Gonioscopia Do ponto de vista gonioscópico, não se encontram diferenças morfológicas entre a dispersão pigmentária do segmento anterior com e sem glaucoma.

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368  |  Glaucoma O seio camerular na dispersão pigmentária do segmento anterior é amplo, com pigmentação estriada na periferia da córnea e com linha ondulada de pigmento que precede à linha de Schwalbe. A faixa trabecular é intensamente pigmentada, densa e negra em toda a sua extensão, seguida do esporão escleral mais ou menos contrastado. A faixa ciliar é geralmente revestida de restos pectíneos exuberantes que terminam em diferentes alturas da faixa trabecular. A faixa ciliar recebe a íris lisa, sem raiz, côncava para diante e flutuante, descrevendo um degrau ao passar possivelmente sobre o equador lenticular, provavelmente esferoide (Figs. 4 e 5).

Figs. 4 (A e B)  A. Linha ondulada na periferia da córnea, pigmentação negra da parede externa e resíduos pectíneos exuberantes na frente da faixa ciliar. B. Seio camerular com resíduos pectíneos ainda mais exuberantes.

Fig. 5  Vista panorâmica do seio camerular com densa pigmentação do trabeculado deixando entrever o esporão escleral posteriormente (H G Almeida).

PATOGÊNESE O mecanismo patogenético do glaucoma pigmentário é aberto ao debate até o momento. Sugar & Barbour, que caracterizaram o glaucoma pigmentário, atribuíram a hipertensão ocular ao pigmento acumulado na parede interna do canal de Schlemm obstruindo a drenagem do humor aquoso (Fig. 6). Grant e Bellows et al. procuraram demonstrar que o pigmento melânico do epitélio pigmentário da íris perfundido em olhos enucleados, humanos e de macacos, aumentava a resis-

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Fig. 6  Corte histológico de fragmento de trabeculectomia mostrando o pigmento negro na malha trabecular, parede interna do canal de Schlemm e na parede interna de um coletor (J W Cursino).

tência à drenagem do líquido de perfusão. Aumentos súbitos e transitórios da pressão intraocular, com diminuição do coeficiente de facilidade do escoamento do humor aquoso, ocorrem pela inundação de pigmento na câmara anterior, seja pelo esforço físico intenso e violento, seja pela midríase medicamentosa. De acordo com Campbell, em estudo clinicopatológico, o atrito de vai e vem entre o epitélio pigmentar iriano periférico e os feixes zonulares anteriores é responsável pela liberação do pigmento que circula no humor aquoso e se deposita no seio camerular e na face posterior da córnea. A concavidade anterior da íris, mais a iridodonese periférica comprovada à gonioscopia, são fortemente indicativas do atrito e consequente liberação de pigmento. Para explicar a ausência de atrito iridozonular no velho, que deveria ser mais usual face ao crescimento contínuo do cristalino, ele afirma que a combinação da miose senil com o aumento volumétrico do cristalino criaria um bloqueio pupilar relativo, o que afastaria as duas estruturas. A teoria de Campbell todavia permanece controversa e vários elementos a contradizem.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL A única entidade clínica importante para o diagnóstico diferencial é a pseudoexfoliação capsular. A pigmentação cerática tipo fuso de Krukenberg ou difusa na córnea não está presente na pseudoexfoliação capsular. A despigmentação neuroepitelial da íris ocorre na sua porção ciliar na dispersão pigmentária do segmento anterior, enquanto na pseudoexfoliação capsular está presente na porção pupilar da íris. A pseudoexfoliação capsular é um fenômeno senil (mais frequente após os 60 anos de idade) enquanto a dispersão pigmentária do segmento anterior é juvenil ou inicia-se na idade adulta (presente a partir da segunda e terceira décadas). A dispersão pigmentária do segmento anterior é excepcional após os 50 anos de idade.

TRATAMENTO O tratamento é o mesmo preconizado para o glaucoma primário de ângulo aberto. Os β-bloqueadores e o tartarato de brimonidina são os fármacos que comumente devem ser usados no tratamento do glaucoma pigmentário. Os inibidores da anidrase carbônica de uso sistêmico são reservados para as elevações bruscas da pressão intraocular que são relativamente comuns no glaucoma pigmentário.

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370  |  Glaucoma A trabeculoplastia com laser tem aqui, assim como na pseudoexfoliação capsular associada ao glaucoma, uma de suas melhores indicações. Campbell propõe a iridotomia a laser na dispersão pigmentária do segmento anterior com o objetivo de aplanar a íris e aliviar o bloqueio pupilar inverso, pois pensa que a pressão intraocular na câmara anterior é menor que na câmara posterior, com fluxo retrógrado (inverso) do humor aquoso. Vale a pena lembrar que Wang et al. seguiram 24 pacientes com dispersão pigmentária do segmento anterior com leve ou nenhum dano glaucomatoso que receberam iridotomia a laser. Nenhuma redução da pressão intraocular foi observada em longo prazo nesses olhos quando comparados aos olhos tratados classicamente. Quando o tratamento clínico fracassa, deve-se recorrer à cirurgia. A trabeculectomia dá o mesmo percentual de bons resultados que no glaucoma primário de ângulo aberto. Estes pacientes devem ser seguidos de perto até que a regulação estável da pressão intraocular seja alcançada , pois, como foi aduzido anteriormente, estes olhos são mais suscetíveis a danos do disco óptico e campimétricos em curto prazo. A cirurgia não deve ser postergada caso não se regule a pressão intraocular permanentemente em curto prazo.

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FELÍCIO A. DA SILVA • HOMERO GUSMÃO DE ALMEIDA

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Já vem de longa data a observação de uma relação entre a ocorrência de tumores intraoculares e glaucoma e a preocupação em se tentar elucidar o mecanismo fisiopatogenético em questão, pelo estudo cuidadoso dos achados clínicos e anatomopatológicos em tais olhos. Permanece ainda válido, como critério clínico de suspeição de tumor intraocular, a ocorrência de glaucoma em olho com descolamento total da retina, mormente se há compressão do segmento anterior. Até recentemente, quando a ultrassonografia ocular não estava disponível, a elevação da pressão intraocular era um dos mais importantes sinais, senão o único, em que o oftalmologista se baseava para fundamentar o diagnóstico presuntivo de processo expansivo intraocular, a ponto de justificar a extração daqueles olhos já destituídos de visão. Processos benignos e malignos podem causar glaucoma secundário, sendo indispensável o conhecimento de suas características clínicas para que se possa lançar mão dos exames complementares prioritários em cada caso, que permitam chegar a um diagnóstico correto e instituir o tratamento pertinente em tempo hábil. Nos processos benignos, isso evitará a adoção de tratamentos inoportunos ou nocivos, ou mesmo a extração desnecessária de olhos. Nos processos malignos, as considerações terapêuticas envolverão desde a preservação possível da visão até a sobrevida do paciente. Na mais recente e abrangente avaliação clínica publicada, a prevalência de hipertensão ocular secundária em olhos portadores de tumores intraoculares foi de 5%. Em 70 olhos enucleados por tumores malignos, os sinais clínicos mais frequentes foram: amaurose (45%), glaucoma secundário (28%) e descolamento da retina (26%).

MELANOMAS UVEAIS MALIGNOS Os melanomas uveais, a mais frequente neoplasia intraocular primária maligna, podem causar glaucoma por vários mecanismos (Quadros 1 e 2), cuja incidência varia com seu tamanho, sua localização e com as características da amostragem estudada. 373

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QUADRO 1  Mecanismos de glaucoma nos tumores intraoculares Glaucoma de ângulo aberto A) Obstrução do Trabeculado por Células Tumorais • Xantogranuloma • Melanoma em tapioca da íris • Linfoma, leucemia, carcinoma metastático do segmento anterior • Nevo da íris • Melanocitoma da íris • Melanoma metastático B) Invasão Tumoral Sólida do Trabeculado • Melanoma peripapilar da coroide • Melanoma em tapioca da íris • Melanoma difuso da íris • Melanoma do corpo ciliar • Leucemia • Carcinoma metastático do segmento anterior • Melanoma anular iridociliar • Melanocitoma da íris • Adenocarcinoma do corpo ciliar C) Glaucoma Melanomalítico • Melanoma do corpo ciliar • Melanoma da íris • Melanoma da coroide • Melanocitoma da íris • Melanocitoma do corpo ciliar • Melanoma metastático D) Impregnação Pigmentar do Trabeculado • Melanoma do corpo ciliar • Melanocitoma da íris • Cistos da íris e do corpo ciliar • Adenoma do epitélio pigmentar da íris E) Epitelização Maligna do Ângulo da Câmara Anterior • Carcinoma metastático do segmento anterior F) Trombose Neoplástica Centrípeta das Vias de Drenagem do Humor Aquoso • Carcinoma nasal G) Infiltração Neoplásica do Limbo • Leucemia H) Glaucoma Hemolítico • Melanoma da coroide

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QUADRO 2  Mecanismos de glaucoma nos tumores intraoculares Glaucoma de ângulo fechado A) Deslocamento Anterior do Diafragma Iridocristaliniano (Com Bloqueio Pupilar?) • Meduloepitelioma • Retinoblastoma • Melanoma da coroide • Fibroplasia retrolental • Síndrome mielodisplásica B) Neovascularização da Íris e do Ângulo da Câmara Anterior • Xantogranuloma • Reticulossarcoma • Meduloepitelioma • Retinoblastoma • Melanoma do corpo ciliar • Carcinoma metastático do segmento anterior • Melanoma da coroide • Pseudogliomas • Melanoma metastático • Carcinoide metastático da coroide C) Sinequias Anteriores Periféricas • Meduloepitelioma • Carcinoma metastático do segmento anterior • Nevos irianos (melanomatose) D) Hemorragia Coroidiana • Leucemia E) Deslocamento Anterior da Íris • Cistos intraepiteliais da íris e do corpo ciliar • Melanoma do corpo ciliar F) Seclusão Pupilar • Leucemia

Melanomas da íris e do corpo ciliar causam mais frequentemente elevação da pressão intraocular (41%) do que melanomas da coroide (14%). A ocorrência de glaucoma, ao lado do maior diâmetro tumoral e da presença de células epitelioides, é um importante fator prognóstico em olhos enucleados por melanomas uveais.

Melanomas da íris Os melanomas irianos compreendem 2 a 5% dos melanomas da úvea. Estes tumores são facilmente detectáveis à biomicroscopia e à gonioscopia como massas discretamente elevadas, de cor marrom (Fig. 1). Mais raramente, podem ser amelanóticos, frequentemente com uma vascularização secundária associada. Caráter infiltrativo ou destrutivo, metástases na superfície iriana, invasão do ângulo da câmara anterior com eventual glaucoma secundário, vascularização própria, dilatação regional dos vasos episclerais, deformação da pupila (Figs. 2A e B) e imobilidade da íris são sinais sugestivos de malignidade de uma lesão iriana melanomatosa.

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Fig. 1  Melanoma fusiforme A da íris em uma paciente de 12 anos de idade. que apresentava congestão pericerática e lacrimejamento há 2 meses, com dois episódios de hifema espontâneo. Removido por iridectomia em setor, com total preservação da acuidade visual.

Figs. 2 (A-C)  A. Melanoma difuso da íris em paciente de 38 anos de idade, com glaucoma há 2 anos e A V = 20/60. Inferiormente, onde a lesão é mais notável, formando anfractuosidades na superfície iriana, nota-se discreta tração pupilar com ectrópio uveal. B. Olho adelfo normal. C. O exame histopatológico evidencia espessa camada de tecido constituído por melanócitos pigmentados que recobre todo o trabeculado, cuja malha se mostra também difusamente infiltrada até a parede interna do canal de Schlemm (seta) (D Miranda).

Os melanomas irianos são, usualmente, assintomáticos; turvação visual, baixa de acuidade visual e desconforto são as manifestações mais comuns. Os melanomas difusos da íris, e não as lesões pigmentadas circunscritas, parecem se associar mais comumente com glaucoma secundário. A ocorrência de glaucoma parece variar entre 30 e 56% dos casos. Os mecanismos de elevação secundária da pressão intraocular são: 1. Invasão sólida do trabeculado pelo tumor (Fig. 2C). 2. Dispersão pigmentar. 3. Obstrução do trabeculado por macrófagos carregados com melanina.

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O melanoma em tapioca da íris é uma variedade rara de melanoma uveal de baixa malignidade, que se apresenta como lesões nodulares múltiplas e translúcidas na superfície iriana semelhantes a pudim de tapioca ou ovos de rã, pedunculados ou sésseis. São hipopigmentados ou não pigmentados, de crescimento lento e ocorrem mais frequentemente no quadrante inferior ou inferotemporal em pessoas brancas. Para alguns autores, o melanoma em tapioca da íris é uma variedade clínica da neurofibromatose. A melhor conduta nos melanomas irianos é a observação periódica. Se há glaucoma secundário, este deve ser tratado clínica ou até mesmo cirurgicamente (cirurgia filtrante ou ciclocrioterapia). Contudo, diante da maior possibilidade de invasão local do melanoma em tapioca, uma cirurgia fistulizante é temerária. Se há evidência inconteste de crescimento, a lesão deve ser removida através de iridectomia basal ou setorial, irodotrabeculectomia, iridociclectomia ou iridociclocoriorretinectomia, dependendo da extensão da lesão. Há poucas indicações para enucleação face a um melanoma da íris: quando a lesão envolve mais da metade da íris e do ângulo da câmara anterior e está crescendo; quando envolve mais da metade da íris e causa glaucoma secundário incontrolável clinicamente ou quando envolve pelo menos 25% da íris em um olho cego. A maioria dos melanomas irianos é composta de lesões estacionárias, sem tendência a crescer ou produzir metástases. Após 5 anos de tratamento, a ocorrência de metástases é de 3 a 6%.

Melanomas do corpo ciliar Os melanomas do corpo ciliar compreendem 4 a 7% dos melanomas uveais. São os melanomas uveais mais tardiamente diagnosticados e, consequentemente, mais sintomáticos e maiores à época do diagnóstico. Podem ser suspeitados casualmente, por meio de um abaulamento da superfície iriana. A gonioscopia, em midríase máxima, mostra uma lesão escura entre a íris e o cristalino. Outras vezes, um melanoma primário do corpo ciliar pode se estender à íris e se mostrar visível à biomicroscopia como massa no estroma iriano e na câmara anterior (Figs. 3 e 4A e B). Os sintomas mais comuns são baixa de acuidade visual (astigmatismo, catarata ou hemorragia vítrea) ou dor ocular intensa causada por glaucoma agudo secundário. Hifema espontâneo, que pode ocorrer nos casos em que há extensão anterior do tumor, ou um quadro inflamatório (irodociclite) podem mascarar a presença do tumor. O melanoma do corpo ciliar pode ter um crescimento nodular ou difuso. Os melanomas difusos são de pior prognóstico (tipos celulares mais malignos e maior propensão à extensão extraescleral) que os nodulares; são mais invasivos e tendem a se estender ao trabeculado, causando glaucoma secundário.

Fig. 3  Melanoma da íris envolvendo todo o quadrante temporal inferior e revestindo a face posterior da córnea (F Kanadani).

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Figs. 4 (A e B)  Lesão tumoral com diagnóstico clínico de melanoma A que permaneceu estacionária por mais de duas décadas (N Calixto).

Os mecanismos de elevação secundária da pressão intraocular nos melanomas do corpo ciliar são: 1. dispersão pigmentar (50%); 2. invasão tumoral das estruturas do ângulo camerular (31%); 3. fechamento do ângulo da câmara anterior (12%) e 4. neovascularização da íris e do ângulo camerular (6%). O glaucoma melanomalítico é um tipo especial de glaucoma secundário de ângulo aberto em que o trabeculado é obstruído por macrófagos carregados de melanina oriunda de um tumor uveal pigmentado. Muitos destes macrófagos se originam do próprio endotélio trabecular. Usualmente ocorre nos melanomas necróticos do corpo ciliar. A razão da denominação decorre da analogia com os glaucomas facolítico e hemolítico, em função do mecanismo fisiopatogenético comum a estes glaucomas secundários, variando apenas o conteúdo dos macrófagos (melanina, material cristaliniano ou hemoglobina). Os olhos com glaucoma melanomalítico podem apresentar fuso de Krukenberg. Além do exame oftalmológico de rotina, incluindo exame com lente de contato, alguns métodos diagnósticos especiais não raramente se fazem necessários para detectar e melhor caracterizar uma lesão do corpo ciliar. A transiluminação escleral já pode permitir identificar o caráter sólido ou cístico da lesão e delimitar suas dimensões basais, quando o tratamento proposto for uma ressecção parcial ou braquiterapia. A ultrassonografia é o melhor método de exame disponível para se diferenciar uma lesão sólida de uma lesão cística (Fig. 4), desde que ela tenha pelo menos as dimensões mínimas necessárias para ser detectada e seu padrão ecográfico intrínseco analisado. Nas lesões do segmento ocular anterior, a biomicroscopia ultrassônica é a mais adequada por apresentar melhor resolução, embora o diagnóstico possa ser feito com a ultrassonografia convencional com e técnica de imersão. Com a ecobiometria (método A), as dimensões da lesão são medidas com precisão. O teste de captação do 32P pode ser de valia no sentido de caracterizar malignidade ou benignidade da lesão. O estudo citopatológico do humor aquoso pode oferecer material suficiente para um diagnóstico histopatológico em casos suspeitos de melanoma da úvea anterior, quando há células na câmara anterior, à biomicroscopia.

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No diagnóstico diferencial dos melanomas do corpo ciliar devem-se considerar cistos do corpo ciliar, meduloepitelioma, adenocarcinoma, metástases, granulomatoses específicas (sífilis, tuberculose, sarcoidose e granuloma larvário), granulomas inespecíficos, descolamento do corpo ciliar e da coroide, hiperplasia do epitélio pigmentar, leiomioma e hemorragia. O tratamento do melanoma do corpo ciliar pode ser a simples observação, radioterapia com placas episclerais, iridociclectomia, corneoscleroiridociclectomia, iridociclocoriorretinectomia ou enucleação. A enucleação deve ser realizada em casos com descolamento total da retina ou glaucoma secundário grave, com perda visual, quando o melanoma for excessivamente grande para um tratamento conservador. A mortalidade nos melanomas do corpo ciliar é de 50% em 5 anos e de 65% em 10 ou mais anos.

Melanomas da coroide Os melanomas da coroide compreendem cerca de 91% dos melanomas uveais. Geralmente são diagnosticados após os 50 anos de idade e raramente ocorrem em crianças. Quando se localizam na região macular, apresentam manifestações mais precoces, tais como baixa visual, metamorfopsia, macropsia ou hipermetropia adquirida. Fora da área macular, o sintoma habitual é alteração do campo visual ou baixa visual pelo descolamento secundário da retina. Dor pode ser a manifestação primeira nos casos com glaucoma agudo secundário ou complicações inflamatórias (uveíte, endoftalmite e esclerite) decorrentes da necrose tumoral, que pode conduzir a uma regressão espontânea com proptose ou phthisis bulbi. A presença de hemorragia vítrea ou, mais raramente, hifema pode mascarar o tumor. Os melanomas da coroide podem ser nodulares ou difusos; raramente são multifocais. Tipicamente se apresentam como massa bem delimitada, elevada, arredondada ou em cogumelo (quando rompe a membrana de Bruch), densa ou minimamente pigmentada (amelanótica), associada a um descolamento não regmatogênico da retina, bolhoso. Em cerca de 33% dos casos os vasos episclerais correspondentes ao tumor estão dilatados (vasos sentinela). Os melanomas da coroide podem causar elevação secundária da pressão intraocular por meio de vários mecanismos: 1. Neovascularização da íris e do ângulo camerular (56% dos casos). 2. Deslocamento anterior do diafragma iridocristaliniano com fechamento do ângulo (34% dos casos) (Fig. 5).

Fig. 5  Melanoma do corpo ciliar estendendo-se à íris. O corte óptico mostra a oclusão do ângulo da câmara anterior e o abaulamento também da porção pupilar indene da íris pela lesão, que alcança até a borda pupilar.

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380  |  Glaucoma 3. Glaucoma hemolítico (3% dos casos). 4. Extensão anterior do tumor através do corpo ciliar (3% dos casos). 5. Possivelmente em decorrência de uma hemorragia supracoroidiana e supraciliar maciça (3% dos casos). A incidência de rubeosis parece situar-se em torno de 15% e tende a ser mais comum nos tumores coroidianos pré-equatoriais. A ocorrência de uma irite reativa pode tornar estes olhos mais suscetíveis a sinequias posteriores, íris bombé, sinequias anteriores periféricas e glaucoma crônico de ângulo fechado. Melanomas malignos insuspeitos foram acima de 10 vezes mais prevalentes nos olhos glaucomatosos (37%) do que nos não glaucomatosos (3%). Diante, pois, de um olho com descolamento total da retina e glaucoma secundário é imperioso excluir a coexistência de um tumor intraocular. A fístula cirúrgica pode ser uma via de disseminação das células tumorais responsáveis pelas metástases ou pela recorrência orbitária focal após a enucleação. Por vezes, o diagnóstico de um melanoma da coroide pode ser feito apenas pela oftalmoscopia. A transiluminação, além de revelar o caráter sólido da lesão, é essencial para delimitar a sua base, nos casos de ressecção parcial (esclerocoriorretinectomia) ou de radioterapia com placas episclerais. A retinografia é importante para o acompanhamento de lesões suspeitas ou tratadas. A angiografia fluoresceínica pode propiciar a diferenciação de um melanoma com certos pseudomelanomas. A fluorescência simultânea dos vasos tumorais (coroidianos) e dos retinianos sobrejacentes, conhecida como “dupla circulação”, na fase venosa do angiograma, é altamente característica dos melanomas que romperam a membrana de Bruch. A ultrassonografia é de inestimável valia, porque permite detectar melanomas em olhos com meios opacos ou descolamento da retina, diferenciá-los de certos pseudomelanomas, detectar eventual extensão à órbita e acompanhar, inclusive com medidas ecobiométricas, lesões tratadas conservadoramente (Figs. 6A e B). O melanoma da coroide apresenta, habitualmente, um padrão ultrassonográfico altamente característico. A lesão é arredondada (convexa) ou em cogumelo (polipoide), bem delimitada, de baixa a média reflexibilidade, com ecogenicidade decrescente em direção à base e causa discreta a moderada atenuação acústica. A ausência de ecos em sua porção basal é conhecida

Figs. 6 (A e B)  Ultrassonografia B de imersão mostrando lesão sólida de baixa a média ecogenicidade. bem delimitada, projetando-se da íris para a câmara anterior, no paciente da Figura A (seta).

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como vacuolação e a invasão tumoral da coroide produz uma “escavação” (zona hipoecoica) na base da lesão. O maior valor do teste de captação do 32P é na diferenciação entre melanomas uveais posteriores e lesões benignas que podem simulá-los (pseudomelanomas), ultrapassando sua precisão a 95%, embora falso-positivos ocorram em várias lesões tumorais e não tumorais. Falso-negativos usualmente ocorrem em lesões pequenas. O diagnóstico diferencial dos melanomas malignos da coroide deve ser feito com nevo coroidiano suspeito, coriorretinopatia central exsudativa hemorrágica, coriorretinopatia periférica exsudativa hemorrágica, hipertrofia congênita do epitélio pigmentar da retina, hemangioma da coroide, hiperplasia reativa do epitélio pigmentar da retina, melanocitoma do nervo óptico, descolamento da coroide, descolamento hemorrágico do epitélio pigmentar da retina ou da retina sensorial, esclerite posterior e carcinoma metastático, entre as mais frequentes. O tratamento dos melanomas da coroide pode ser o simples acompanhamento (com os exames complementares pertinentes), fotocoagulação, radioterapia com placas episclerais, ressecção local (esclerocoriorretinectomia total), enucleação ou exenteração. Considerando o mau prognóstico funcional e com relação à sobrevida do paciente com melanoma uveal e glaucoma, o tratamento mais indicado é a enucleação. Como as vias de escoamento do humor aquoso são rotas potenciais de disseminação tumoral, deve-se evitar elevar adicionalmente a pressão intraocular com medidas diagnósticas (depressão escleral e tonometria de indentação) ou manobras cirúrgicas, sendo recomendável cauterizar os vasos episclerais antes da enucleação. Se o olho com o tumor é único, medidas conservadoras estão justificadas. A fotocoagulação tem complicações a longo prazo. Há poucas complicações precoces decorrentes da radioterapia com placas episclerais de cobalto, baixa incidência de catarata por radiação e a mortalidade, em 5 anos, parece menor do que com a enucleação. As complicações cirúrgicas mais frequentes da esclerocoriorretinectomia são hemorragia vítrea, descolamento da retina, fibrose do vítreo, catarata e síndrome isquêmica do segmento anterior. Quando da enucleação, o coto de nervo óptico ressecado deve ser o mais longo possível, nos casos de melanomas peripapilares, pela alta incidência de invasão do nervo óptico e extensão à órbita. A mortalidade nos melanomas uveais posteriores (corpo ciliar e coroide) varia de 30 a 50%, em um seguimento de 5 anos. Pacientes com melanomas da coroide e glaucoma têm um prognóstico mais reservado, porque o tumor é habitualmente grande à época da ocorrência da elevação da pressão intraocular. A média de sobrevida após a anucleação é de 4 anos, sendo o fígado o órgão preferencial das metástases. O prognóstico é mais grave quando há extensão extraocular do tumor, o que é particularmente frequente nos melanomas peripapilares, que se estendem ao nervo óptico e suas bainhas em 81% dos casos. A média de sobrevida após uma recorrência orbitária é de 15 meses.

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NEOPLASIAS METASTÁTICAS Carcinomas metastáticos Ao contrário da opinião prevalente, o carcinoma mestastático é, provavelmente, o tumor ocular maligno mais comum, em vez do melanoma uveal maligno primário. Sintomas do envolvimento ocular podem não merecer a devida atenção no paciente gravemente enfermo, que raramente é tratado em uma clínica oftalmológica. As localizações mais frequentes da lesão primária, em uma série de 227 casos de carcinoma metastático para o olho e a órbita, foram a mama (40%), pulmão (29%), indeterminada (18%), rim (4%) e testículo (3%). Os carcinomas broncogênicos tendem a apresentar metástases oculares antes que haja evidências clínicas da lesão primária (pode tardar até 18 meses), podendo se manifestar então como lesões oculares inicialmente (70%), ao passo que as metástases oculares de carcinomas da mama geralmente são diagnosticadas após conhecimento da lesão primária e mastectomia (90%). Este lapso de tempo pode chegar até 25 anos. Os sinais e sintomas oculares mais comuns nas metástases oculares são baixa visual (80%), dor (22%), exoftalmia (11% ), descolamento da retina (11% ), massa (9%), uveíte (7%) e glaucoma secundário (6%). A elevação secundária da pressão intraocular é mais frequente nas metástases do segmento anterior (Figs. 7A e B).

Figs. 7 (A e B)  A. Carcinoma metastático ocupando quase toda a câmara anterior com hifema espontâneo, glaucoma secundário e intensa congestão pericerática. A massa tumoral exibe intensa e fina vascularização. B. O ângulo da câmara anterior está obstruído pela massa tumoral, que infiltra o trabeculado e se estende sobre a íris, infiltrando-a também.

Metástases irianas e ciclíticas A frequência de glaucoma secundário nas metástases da íris e do corpo ciliar foi de 64 e 67%, respectivamente. O glaucoma (Quadros 1 e 2) pode ser de ângulos aberto ou fechado. No primeiro caso, o principal mecanismo de elevação da pressão intraocular é a invasão tumoral do ângulo camerular (Fig. 6B). Em alguns casos, o ângulo é aberto, a gonioscopia é normal, mas a histopatologia mostra que o trabeculado está recoberto por lâminas de células tumorais produzindo uma verdadeira “epitelização maligna” do ângulo da câmara anterior. Outras vezes, o glaucoma decorre de uma infiltração do trabeculado e dos vasos emissários.

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O ângulo da câmara anterior pode estar fechado devido a uma propulsão da íris pelo tumor ou em decorrência de sinequias anteriores periféricas. A biomicroscopia ultrassônica é indispensável pela relevância dos achados que pode propiciar. Nos acometimentos do corpo ciliar, de mais difícil abordagem pelos métodos ópticos, permite, por exemplo, caracterizar a natureza sólida e não cística do processo. De inestimável valia é o exame citopatológico do humor aquoso, obtido por paracentese, nos casos que se apresentam como uveíte anterior, embora possa ser negativo em casos comprovados histopatologicamente. O diagnóstico diferencial das metástases irianas inclui melanoma amelanótico, leiomioma, irite granulomatosa e endoftalmite. Se o paciente é assintomático e o tumor ocular está controlado com quimioterapia, deve ser observado a intervalos de 2 a 4 meses. Se a lesão está crescendo ou produzindo glaucoma, deve-se irradiar o segmento anterior. A ciclofotocoagulação transescleral com laser de diodo pode ser efetiva no controle do glaucoma sem afetar a acuidade visual. A enucleação só se justifica em olhos cegos com dor intratável causada por glaucoma secundário.

Metástases coroidianas A coroide é o locus preferencial das metástases oculares. O segmento posterior é o principal (75%) segmento ocular acometido. Estes pacientes são, frequentemente, assintomáticos, mas podem apresentar visão borrada indolor ou, mais raramente, dor causada por glaucoma secundário. Raramente, a manifestação clínica pode simular uma esclerite ou outra orbitopatia inflamatória aguda com proptose. A oftalmoscopia mostra uma lesão placoide amarelada na coroide posterior, em algumas instâncias irregular e multinodular, frequentemente associada ao descolamento seroso da retina sensorial. É baixa a prevalência de glaucoma secundário, provavelmente pelo comprometimento visual mais precoce, que propicia oportunidade para o diagnóstico antes que o tumor atinja proporções suficientes para causar glaucoma. A ultrassonografia é de valia na detecção de metástases oculares, particularmente se houver opacidades dos meios ou descolamento bolhoso secundário da retina. A lesão é pouco elevada, de baixa a média reflexibilidade, estende-se mais em superfície do que em altura, causa discreta atenuação acústica e se situa preferencialmente no polo posterior, podendo ser múltipla e bilateral. As metástases coroidianas devem ser diferenciadas de nevo amelanótico, melanoma amelanótico da coroide, hemangioma da coroide, esclerite posterior, osteoma da coroide, retinite e coroidite, descolamento regmatogênico da retina, doença de Harada, síndrome de efusão uveal e coriorretinopatia serosa central.

Leucemias O comprometimento ocular nas leucemias, direto ou indireto (resultante da anemia e da hiperviscosidade sanguínea), é ligeiramente mais comum nas formas agudas (82%) do que nas crônicas (75%).

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384  |  Glaucoma As manifestações clínicas mais comuns são retinianas (retinopatia leucêmica) e incluem dilatação e tortuosidade venosa, hemorragias (frequentemente com um típico centro esbranquiçado), exsudatos algodonosos e duros, embainhamento vascular, microaneurismas, infiltrados nodulares (mau sinal prognóstico) e retinopatia proliferativa. Histopatologicamente, a infiltração da coroide é o achado mais consistente, podendo aumentar sua espessura várias vezes no polo posterior. A infiltração orbitária se manifesta por proptose, edema palpebral e quemose, sendo mais comum nas leucemias agudas linfoides. A massa orbitária formada na leucemia mieloide é o cloroma ou sarcoma granulocítico e na leucemia linfoide é o linfossarcoma. Os sinais e sintomas mais comuns são baixa visual, lacrimejamento, fotofobia, congestão, dor ocular, edema palpebral, prurido, hifema e pseudo-hipópio, por vezes simulando iridociclite aguda. As células leucêmicas na câmara anterior podem se sedimentar como precipitados ceráticos ou pseudo-hipópio, que é branco-acinzentado, móvel, por vezes sanguinolento e reveste-se de grande valor diagnóstico, sugerindo fortemente um processo leucêmico. A infiltração leucêmica da íris está acompanhada, frequentemente, de glaucoma secundário, na maioria das vezes bilateral. Nas leucemias em geral, elevação da pressão intraocular ocorreu em 9% dos olhos. O principal mecanismo de elevação da pressão intraocular é a infiltração leucêmica do trabeculado e das vias de escoamento do humor aquoso. Mais raramente, o glaucoma pode ser de ângulo fechado, em decorrência de uma hemorragia coroidiana espontânea, seclusão pupilar, ou deslocamento anterior do diafragma iridocristaliniano. O diagnóstico diferencial da leucemia intraocular inclui xantogranuloma juvenil, uveíte (irite granulomatosa e iridociclite), endoftalmite (cândida) retinoblastoma e carcinoma metastático. O tratamento de eleição é a irradiação ocular. Nos casos de infiltração do segmento anterior, uma baixa dosagem já é suficiente para regressão completa dos achados (hifema, hipópio e infiltração iriana). A pressão intraocular, resistente à terapêutica máxima convencional, se normaliza rapidamente em questão de dias ou poucas semanas, às vezes ainda na vigência da irradiação. O prognóstico visual nas leucemias varia com o tipo e a extensão do comprometimento ocular. Se a irradiação é instituída em tempo hábil, o resultado é frequentemente favorável. O prognóstico das leucemias varia com o tipo da doença e, na maioria dos casos, é reservado.

Tumores linfoides Os tumores linfoides ocorrem mais comumente na órbita e na conjuntiva; apenas ocasionalmente envolvem as estruturas intraoculares.

Hiperplasia linfoide reativa benigna É uma forma peculiar de pseudotumor, usualmente unilateral, que pode envolver a úvea, com ou sem comprometimento conjuntival ou orbitário simultâneo. A íris se mostra difusamente espessada, às vezes com flare e células no aquoso e precipitados ceráticos, simulando uma uveíte granulomatosa ou infiltração neoplásica da íris. Por vezes, pode haver apenas um tumor iriano localizado. Hifema espontâneo pode ocorrer. As

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manifestações clínicas são baixa visual, glaucoma, descolamento da retina, iridociclite, massa coroidiana suspeita. O prognóstico quanto à vida é excelente. Do ponto de vista visual, o prognóstico é tanto mais favorável quanto mais precocemente o tratamento for instituído.

Linfoma maligno Dos linfomas malignos, o que mais comumente envolve as estruturas intraoculares é o sarcoma de células reticulares (linfoma histiocítico ou de células grandes). Por vezes, o comprometimento ocular é a primeira manifestação da doença. Muitos casos relatados de linfoma intraocular maligno são, na verdade, hiperplasia linfoide reativa benigna. O reticulossarcoma pode comprometer o olho isoladamente (primário) ou ocorrer com manifestações do sistema nervoso central ou sistêmicas (secundário). A queixa usual é baixa visual indolor. Nos casos com glaucoma secundário, que pode ser a manifestação ocular, o olho pode ser doloroso, bem como nos casos com uveíte, quando acompanhado de manifestações inflamatórias. Os mecanismos do glaucoma podem ser infiltração do trabeculado e do canal de Schlemm pelas células malignas, combinada, por vezes, com hifema e hipópio, ou neovascularização da íris e do seio camerular, com glaucoma de ângulo fechado secundário. O diagnóstico diferencial de um linfoma intraocular se faz com uveíte, retinite, metástase coroidiana, xantogranuloma juvenil, melanoma iriano difuso, melanoma amelanótico, hemangioma da coroide, hiperplasia linfoide reativa benigna. A maioria dos pacientes morre de complicações sistêmicas nos 2 anos após o diagnóstico do comprometimento ocular.

RETINOBLASTOMA O retinoblastoma é o tumor intraocular mais frequente na infância. Ocorre em cada 1 de 14.000 a 34.000 nascidos vivos, é bilateral em 25 a 30% dos casos, sendo estes casos diagnosticados em uma idade média mais precoce (12 meses) que os unilaterais (23 meses). Em 5% dos casos, é hereditário e transmitido como um caráter autossômico dominante com penetrância incompleta (60 a 95%). Nos 95% restantes, ocorre como mutação espontânea (não há história familiar), dos quais 80% são mutações somáticas e 20% mutações germinativas (usualmente, o envolvimento é bilateral e o gene é transmitido aos descendentes). A anomalia cromossômica específica habitualmente é uma deleção do braço longo do cromossomo 13. Com frequência, o tumor é multifocal, podendo crescer em direção ao vítreo (endofítico), à coroide (exofítico), em ambas as direções (misto), ou envolver difusamente a retina (infiltrativo difuso). Nas lesões maiores, é comum a ocorrência de necrose e calcificação. Os sintomas mais comuns são leucocoria (92%) e estrabismo (35%), seguidos de midríase paralítica, heterocromia e hifema espontâneo. Podem ainda ocorrer congestão ocular, pseudo-hipópio, celulite orbitária, phthisis bulbi, glaucoma secundário e buftalmia.

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386  |  Glaucoma O mecanismo mais comum de elevação da pressão intraocular é a neovascularização da íris. Forma-se uma membrana fibrovascular sobre a superfície iriana, seguida de sinequias anteriores periféricas que culminam com a oclusão completa do seio camerular e ectrópio uveal. O segundo mecanismo mais comum causador de glaucoma secundário no retinoblastoma (27%) é o fechamento do ângulo da câmara anterior, possivelmente associado a bloqueio pupilar, em decorrência de um deslocamento anterior do diafragma iridocristaliniano causado pela expansão da massa tumoral ou, o que é mais comum, pelo aumento do volume do segmento posterior resultante de um descolamento exsudativo maciço da retina (Fig. 8). Mais raramente, o glaucoma secundário decorre da presença de tecido tumoral necrótico na câmara anterior ou de invasão tumoral do trabeculado, podendo causar um pseudo-hipópio e simular uveíte. Microftalmia praticamente exclui o diagnóstico de retinoblastoma, mas buftalmia pode ocorrer em consequência de um glaucoma secundário. A oftalmoscopia indireta é o exame mais importante na avaliação de crianças portadoras de retinoblastoma, devendo ser acompanhado sempre de minucioso exame de toda a periferia do fundo de olho (Fig. 9). Naqueles casos com descolamento total da retina a ultrassonografia é indispensável (Fig. 10). Caracteristicamente, o retinoblastoma se mostra como lesão sólida de alta reflexibilidade, muito heterogênea, causando intensa atenuação acústica em decorrência da grande absorção dos ultrassons pelas calcificações. A tomografia computadorizada de alta resolução, além de revelar o conteúdo ocular e a presença das calcificações, é indispensável para a análise de eventual propagação à órbita e invasão do nervo óptico. O exame citopatológico do humor aquoso pode propiciar um diagnóstico conclusivo nos casos em que há células na câmara anterior, especialmente naqueles com pseudo-hipópio. As principais patologias a serem diferenciadas do retinoblastoma são: síndrome de Coats (Fig. 11), persistência do vítreo primário hiperplástico, endoftalmite metastática ou parasitária

Fig. 8  Grande melanoma maligno da coroide com descolamento total da retina e deslocamento anterior do diafragma iridocristaliniano, causando total colapso da câmara anterior (D Miranda).

Fig. 9  Eventualmente, um melanoma da coroide pode ser observado em exame biomicroscópico do segmento anterior (F Kanadani).

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Figs. 10 (A e B)  A. Pseudo-hipópio em paciente com 7 anos e 9 meses de idade, apresentando enorme retinoblastoma indiferenciado endo e exofítico só poupando o quadrante temporal superior e a mácula, com AV = 20/20. Citopatologia do humor aquoso positiva. Havia invasão da íris, do corpo ciliar e do seio camerular. B. A ecografia B demonstra uma grande lesão sólida heterogênea ocupando quase metade da cavidade vítrea.

Fig. 11  Paciente de 3 anos de idade com estrabismo há 7 meses. Descolamento total bolhoso da retina, ectasia, tortuosidade e microaneurismas dos vasos retinianos. A ultrassonografia mostrou ausência de lesão sólida, consubstanciando o diagnóstico de síndrome de Coats.

(toxocaríase), aneurismas miliares de Leber, angiomatose de von Hippel-Lindau, retinopatia da prematuridade. O tratamento do retinoblastoma é eminentemente cirúrgico. Enucleação é a regra na maioria dos casos unilaterais e no olho pior dos bilaterais. O tratamento conservador compreende basicamente radioterapia, isolada ou associada à fotocoagulação, criocoagulação ou quimioterapia. Os pais devem ser referidos para aconselhamento genético. O prognóstico visual depende do volume e da localização do tumor, bem como da eficácia do tratamento. O prognóstico quanto à vida tem melhorado notavelmente. Há cerca de 100 anos, a mortalidade era próxima de 100%, atualmente a sobrevida está acima de 90%. O principal critério histológico de prognóstico é a invasão do nervo óptico, com a mortalidade alcançando 65% quando ela atinge a margem de ressecção do nervo.

PSEUDOGLIOMAS Pseudoglioma é uma expressão genérica que designa toda doença ocular que pode simular clinicamente retinoblastoma (Fig. 12). Apesar de não apropriado, este termo foi consagrado pelo

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Fig. 12  Criança com leucocoria. O diagnóstico diferencial entre o retinoblastoma e os pseudogliomas se impõe (GV Almeida).

uso na literatura universal e o espectro de afecções que compreende, confunde-se com o das leucocorias. O termo mais adequado seria “pseudorretinoblastoma”. Há várias classificações propostas para os pseudogliomas, segundo vários critérios.

XANTOGRANULOMA JUVENIL O xantogranuloma é uma doença granulomatosa caracterizada pela substituição de tecido normal por massas de histiócitos benignos. É uma doença pediátrica benigna e autolimitada que acomete principalmente a pele e o olho de crianças com menos de 1 ano de idade. Raramente são acometidos pulmões, pericárdio, testículos, baço, trato gastrointestinal e ossos. Embora familiar aos dermatologistas desde o início do século, somente no final da década de 1940 é que foram reconhecidas as manifestações intraoculares da doença. Cerca de 75% dos pacientes com xantogranuloma têm apenas lesões cutâneas. Elas aparecem usualmente nos primeiros 12 meses de vida e podem até mesmo ser congênitas. São pápulas consistentes, bem delimitadas, avermelhadas a amareladas, redondas e ovais. No olho, as estruturas preferencialmente comprometidas são a íris e o corpo ciliar, caracteristicamente unilateral. As manifestações clínicas mais comuns são: 1) tumoração iriana vascularizada localizada ou difusa, assintomática; 2) glaucoma unilateral; 3) hifema espontâneo; 4) uveíte ou 5) heterocromia da íris. A ocorrência de congestão ocular, precipitados ceráticos, células e mesmo reação fibrinoide na câmara anterior, infiltração iriana, edema corneano e buftalmia pode conduzir ao diagnóstico errôneo de uveíte com glaucoma secundário. A única complicação grave do xantogranuloma juvenil, de ocorrência frequente, é o glaucoma secundário. Habitualmente a elevação da pressão intraocular decorre da obstrução pré-trabecular e trabecular causada pelos histiócitos que infiltram o corpo ciliar, a íris, o trabeculado e se acumulam no seio camerular. A gonioscopia mostra ângulo da câmara anterior aberto obstruído pela infiltração celular e restos celulares necróticos (Figs. 13A e B). O exame complementar mais importante é a citopatologia do humor aquoso, que revela a presença dos histiócitos e das células gigantes do Touton. O xantogranuloma juvenil deve ser diferenciado do hemangioma da íris, do melanoma amelanótico da íris, do retinoblastoma com pseudo-hipópio e de uma iridociclite crônica granulomatosa, principalmente. É indispensável que se cogite esta patologia diante de toda criança com hifema espontâneo recorrente, pois somente a suspeita irá dirigir acertadamente a propedêutica e conduzir

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Figs. 13 (A e B)  A. Xantogranuloma juvenil, notando-se massa marrom-amarelada vascularizada ocupando a periferia da íris e estendendo-se até a córnea, mesclada com rajas de sangue. B. Seio camerular aberto, obstruído por tecido amarelado hemorrágico, que se estende também sobre a íris, apagando os acidentes estromáticos superficiais característicos de sua estrutura.

ao diagnóstico correto, condição imprescindível para a instituição da terapêutica adequada. Nos casos duvidosos, deve-se fazer um teste terapêutico antes de se proceder a uma enucleação ou mesmo a uma cirurgia antiglaucomatosa, totalmente contraindicados em uma afecção benigna de fácil e rápida solução clínica. O tratamento de escolha do xantogranuloma juvenil é corticoterapia local maciça através de colírios e injeções subconjuntivais associada a cicloplégicos e hipotensores oculares (β-bloqueadores, α-agonistas e inibidores da anidrase carbônica). Em casos resistentes, sem melhora satisfatória após algumas semanas de corticoterapia local, está indicada a radioterapia superficial de baixa dosagem. O prognóstico é ótimo, com cura completa e rápida após corticoterapia e/ou radioterapia, não tendo sido relatadas recorrências.

MEDULOEPITELIOMA O meduloepitelioma, também conhecido como dictioma, é o tumor congênito mais comum do epitélio ciliar. É um tumor embrionário que se origina tipicamente do epitélio ciliar não pigmentado, sendo excepcional sua origem na íris, na retina ou no nervo óptico, a partir do epitélio medular primitivo antes de sua diferenciação. As manifestações clínicas mais frequentes são baixa visual ou cegueira, dor, massa visível na íris ou no corpo ciliar e leucocoria. Os achados clínicos mais comuns ao exame inicial são massa ou cisto visível, glaucoma e catarata, sendo mais raros proptose ou massa orbitária, buftalmia, irite, rubeosis iridis. O tumor se apresenta como massa amarelada, acinzentada, esbranquiçada ou rósea, cor de carne, na íris ou no corpo ciliar, quando pode indentar o equador cristaliniano e se estender até a retina. Mais comumente, o diagnóstico tem sido feito após enucleação, embora uma biópsia excisional através de uma iridectomia ou iridociclectomia possa esclarecer os casos suspeitos.

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390  |  Glaucoma No diagnóstico diferencial do meduloepitelioma devem ser considerados persistência do vítreo primário hiperplástico, glaucoma congênito, traumas oculares perfurantes, uveíte intermediária, endoftalmite por nematóideo, retinoblastoma. Embora 66% dos olhos tenham características histológicas de malignidade, a mortalidade foi de apenas 10% em uma série de 56 casos de meduloepitelioma, embora os autores admitam que o prognóstico seja pior do que estes dados indicam, mormente quando há extensão extraocular. Usualmente, a recorrência é restrita à órbita, sem metástases a distância. A maioria das mortes resulta de extensão intracraniana secundária à recorrência orbitária. A morbidade visual é alta, com perda do olho acometido na maioria dos pacientes.

NEVOS DA ÍRIS E DO CORPO CILIAR O nevo iriano é um acúmulo benigno de células melanocíticas que modifica a arquitetura normal do estroma iriano. A maioria aparece na puberdade ou juventude, embora possam ser congênitos, sem preferência por sexo, não tendo sido observados nenhuma vez na raça negra em uma série de 189 casos. Habitualmente, são lesões pequenas, discretas, planas ou pouco elevadas, com variado grau de pigmentação, estacionárias e assintomáticas, que se localizam preferencialmente no quadrante inferotemporal da íris (Fig. 14). A porção periférica é a mais acometida, seguida da porção intermediária e da pupilar. Podem ser localizados ou difusos, isolados ou múltiplos. Assintomáticos com frequência, os nevos irianos podem causar baixa visual e dor ocular em decorrência de glaucoma secundário. Os nevos pigmentados não mostram vasos sanguíneos, porém os amelanóticos sim, dada sua aparência gelatinosa e transparente. Embora estacionários, os nevos irianos podem causar impregnação pigmentar do ângulo da câmara anterior, distorção pupilar, ectrópio uveal, catarata cortical setorial contígua, hifema espontâneo e glaucoma secundário com edema corneano, dor ocular, congestão e perda da visão. O glaucoma nos nevos irianos ou iridociliares é de ângulo aberto e decorre da invasão e infiltração das estruturas angulares pelas células névicas. Fotodocumentação anual deve ser feita para que se possa avaliar o ritmo de um eventual crescimento da lesão. Crescimento lento ao longo de anos é compatível com diagnóstico de nevo benigno progressivo. No diagnóstico diferencial dos nevos irianos, além do melanoma da íris, devem ser considerados ainda a pinta iriana, os nódulos de Lisch da neurofibromatose de von Recklinghausen e a síndrome da membrana endotelial iridocorneana.

Fig. 14  Nevo de íris densamente pigmentado (GV Almeida).

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A conduta inicial nestas lesões do estroma iriano deve ser observação, inclusive com fotodocumentação. Além de medidas hipotensoras oculares medicamentosas, uma cirurgia filtrante pode ser necessária e não está contraindicada, pois mesmo em lesões melanomatosas irianas, até mesmo extensas, ela não influi adversamente na evolução. O prognóstico visual dos nevos irianos é usualmente excelente, sendo pouco frequentes os casos de baixa ou perda visual decorrentes do glaucoma secundário. Todavia, é bom ter em mente que um substancial número dos melanomas malignos da íris se originam de nevos preexistentes. O prognóstico com relação à vida é ótimo, pois os nevos da íris e do corpo ciliar são lesões benignas, sem tendência a apresentar metástases.

CISTOS DA ÍRIS E DO CORPO CILIAR Os cistos irianos podem ser primários (espontâneos) ou secundários a um fator etiológico evidente. Os secundários podem ser epiteliais (Figs. 15A e B), secundários a tumores intraoculares ou parasitários. Entre os epiteliais, estão os cistos de invasão epitelial da câmara anterior, que são tratados em um capítulo à parte. Os cistos primários da íris são predominantemente epiteliais e periféricos, mais frequentes em mulheres na segunda e terceira décadas de vida, comumente unilaterais e solitários, de ocorrência preferencial inferotemporal. Habitualmente, os cistos irianos são achados casuais, quando se constata à biomicroscopia um abaulamento do perfil anterior da íris. Com ampla midríase, eles podem ser vistos em iluminação direta, mas são melhor observados com a lente de três espelhos. A maioria destes cistos é composta de lesões isoladas, estacionárias, que raramente progridem ou causam complicações visuais, sendo curiosidades oftálmicas que não requerem tratamento. A ultrassonografia convencional pode ser útil na caracterização das lesões císticas da íris e do corpo ciliar, desde que suas dimensões o permitam e se empregue a técnica de imersão, mas a biomicroscopia ultrassônica é mais apropriada. Basicamente, o diagnóstico diferencial dos cistos da íris e do corpo ciliar é com o melanoma da íris e do corpo ciliar. Nos casos de cistos múltiplos, não se deve esquecer o meduloepitelioma.

Figs. 15 (A e B)  A. Cisto epitelial da íris secundário 2,5 meses após acidente com motocicleta. Catarata total. B. O corte óptico mostra a extensa área de aposição iridocorneana com oclusão do seio camerular neste setor.

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392  |  Glaucoma Os cistos assintomáticos podem simplesmente ser acompanhados sem tratamento, se não houver crescimento ameaçador. Contudo, se são numerosos, se já está havendo impregnação pigmentar importante do trabeculado ou se já se faz presente uma angústia preocupante do ângulo da câmara anterior, não se deve esperar pelo glaucoma para se intervir. A detecção precoce e o tratamento pela cistotomia com laser podem prevenir ou curar o glaucoma de ângulo fechado secundário, se a doença for diagnosticada antes do estabelecimento de goniossinequias, para cuja avaliação a gonioindentação é imprescindível. A iridectomia, seja periférica ou setorial, também não interrompe a sucessão intermitente dos ataques de fechamento angular, pois aqui o mecanismo de bloqueio pupilar relativo é irrelevante. O tratamento de escolha é a cistotomia com laser. Em midríase máxima, com a lente de Goldmann de três espelhos e com o laser de argônio ou de YAG, perfura-se a parede do cisto. Com o colapso do cisto, se não houver sinequias anteriores periféricas, o seio imediatamente se abre e a íris recua, retomando seu plano normal. Quando a cistotomia transpupilar com o laser não for possível (sinequias posteriores), faz-se uma iridectomia periférica seguida da cistotomia através dela. A cistotomia pode ser repetida quando houver recorrência dos cistos tratados. Nos casos em que todas as medidas enunciadas faliram, deve-se proceder à cirurgia filtrante convencional.

MELANOCITOMA DA ÍRIS O melanocitoma é uma variedade de nevo que se apresenta como lesão negra uniforme, usualmente localizada no nervo óptico e, menos frequentemente, na coroide, no corpo ciliar, na íris e na conjuntiva. A lesão é congênita e constituída por células névicas poliédricas distendidas, benignas, similares aos melanócitos benignos encontrados na úvea em pacientes com melanocitose ocular. O melanocitoma pode ser único, apresentar focos satélites ou ser multifocal disseminado pela íris. O melanocitoma da íris pode causar uma elevação secundária da pressão intraocular. O glaucoma é de ângulo aberto e pode decorrer da invasão direta do trabeculado pelas células tumorais, de sua impregnação por pigmento disperso na câmara anterior ou de sua infiltração e obstrução por macrófagos repletos de melanina. Além da observação clínica, com gonioscopia e fotodocumentação, a citopatologia do humor aquoso pode ser útil no diagnóstico diferencial com melanoma. Nos casos duvidosos, está justificada uma biópsia da íris. O principal diagnóstico diferencial do melanocitoma da íris é com o melanoma iriano ou iridociliar. O prognóstico dos melanocitomas irianos é muito bom, pois são lesões benignas e, frequentemente, estacionárias. Sua complicação mais temível é o glaucoma secundário, que deve ser detectado e tratado em tempo hábil. Estes tumores raramente sofrem transformação maligna.

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ADENOMA DA ÍRIS O adenoma (epitelioma benigno) da íris é um tumor bastante raro. Entre 2.704 olhos consecutivos com tumores examinados em um serviço de oncologia ocular, foram registrados apenas 2 casos de adenoma do epitélio pigmentar da íris, 1 com glaucoma secundário. O adenoma da íris se apresenta como tumoração iriana marrom-escura a negra, multinodular, friável e relativamente estacionária. Está mais comumente localizado na região pupilar da íris ou pode se estender à íris a partir do corpo ciliar. O diagnóstico diferencial do adenoma da íris inclui melanoma maligno atípico, nevo, melanocitoma e meduloepitelioma. O tratamento deve ser conservador, limitando-se à observação da lesão, inicialmente. Caso surjam complicações, como glaucoma secundário intratável, a remoção da lesão através de iridectomia ou iridociclectomia pode propiciar a resolução da dispersão pigmentar e da elevação da pressão intraocular.

ADENOMA DO CORPO CILIAR O epitélio não pigmentado do corpo ciliar (epitélio ciliar não pigmentado) pode dar origem a neoplasias congênitas, sendo a mais conhecida o meduloepitelioma. Verdadeiras neoplasias adquiridas do epitélio ciliar não pigmentar são raras e podem ser benignas (adenomas) ou malignas (carcinomas). A idade média de aparecimento é 45 anos, sem predileção para raça ou sexo. O paciente pode ser assintomático ou apresentar baixa visual indolor, sinais inflamatórios, com flare e células no humor aquoso e no vítreo, além de catarata focal com subluxação do cristalino. Glaucoma secundário é uma ocorrência rara. O tratamento mais recomendável é a ressecção local do tumor com preservação do olho, pois, geralmente, os pacientes têm uma boa acuidade visual e a lesão é de caráter benigno.

ADENOCARCINOMA DO CORPO CILIAR E DA ÍRIS Os tumores do epitélio pigmentar do corpo ciliar são muito raros, muito mais ainda os carcinomas. O adenocarcinoma pode derivar do epitélio pigmentar ou não pigmentar do corpo ciliar e/ou da íris, é localmente invasivo e raramente produz metástases. Estes tumores devem ser observados periodicamente com ultrassonografia e fotodocumentação. Se um tumor da região ciliar dá mostras de crescimento ou causa distúrbios visuais por compressão do cristalino ou hemorragia vítrea, deve ser submetido a uma ressecção local (iridociclectomia ou variantes). O prognóstico quanto à vida é excelente, sem tendência à recorrência ou produção de metástases. Quanto à visão, o prognóstico depende da localização da lesão, de suas proporções quando detectada e das eventuais complicações já existentes.

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394  |  Glaucoma Todos os tumores do epitélio pigmentar devem ser considerados como benignos do ponto de vista sistêmico, embora a invasão local possa conduzir a uma morbidade visual.

TERAPIA POR IRRADIAÇÃO Pode surgir glaucoma secundário durante o tratamento de neoplasias do olho ou seus anexos por qualquer modalidade de irradiação, seja betaterapia, braquiterapia, radioterapia por feixe externo. Entre as complicações em olhos com melanomas uveais tratados pela braquiterapia, ocorreu glaucoma em 6,8 a 33,3% dos casos, sendo mais frequente nos olhos com tumores maiores.

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Glaucoma Associado a Cistos e Tumores Intraoculares  |  395

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Tratamento Clínico

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REMO SUSANNA JR.

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Princípios Gerais

O tratamento do glaucoma baseia-se em retardar ou parar a progressão da doença de tal forma que a mesma não comprometa a qualidade de visão do paciente. Vários fatores contribuem na fisiopatologia da lesão glaucomatosa. Entre eles, a isquemia e hipoxia, imunidade aberrante, proliferação de células gliais, liberação de citoquinas inflamatórias, produção excessiva de glutamato e ativação de astrócitos. Sem dúvida alguma, contudo, a pressão intraocular é o fator de risco mais importante na determinação do dano glaucomatoso, e o único parâmetro que conseguimos alterar com a medicação (Fig. 1).

Fig. 1  Etiopatogenia do glaucoma. A elevação da PIO é o fator causal mais impotante na etiopatogenia da lesão glaucomatosa, atuando isoladamente ou com os demais fatores expressos nesta figura. Adaptado de Weinreb et al., com permissão.

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400 | Glaucoma Assim, os objetivos do tratamento de glaucoma obedecem a apenas dois critérios: 1. Alterar o perfil de pressão intraocular (PIO), PIO média, picos e flutuação. 2. Fazer com que o paciente siga corretamente o tratamento (fidelidade ou adesividade ao tratamento).

PRESSÃO INTRAOCULAR Em relação à pressão intraocular não há dúvida de que quanto mais baixa ela for mais seguro o paciente estará. Da mesma forma o tratamento visa evitar picos e grandes flutuações da pressão intraocular. Há a necessidade de se saber qual é para cada paciente a PIO necessária para evitar ou retardar a progressão da doença. Esta PIO é conhecida como pressão-alvo. A PIO-alvo é definida como aquela pressão estimada para retardar a progressão do glaucoma a ponto de não haver comprometimento da qualidade de visão do paciente e, de preferência, parando a evolução da doença. Esta PIO é calculada tomando em consideração a gravidade do glaucoma, expectativa de vida do paciente, idade do paciente e riscos de progressão. Alguns estudos multicêntricos orientam, em média, sobre qual a PIO recomendada. O Early Manifest Glaucoma Trial (EMGT) mostrou que uma redução da pressão intraocular de 25% ocasionou redução da progressão da doença em 55% dos casos. O Colaborative Intervention Glaucoma Treatment Study (CIGTS) mostrou que uma redução baseada na pressão-alvo de 35 a 48% evitou a progressão da doença. Em um outro estudo observou-se que em glaucoma com lesão moderada a PIO abaixo de 17 mmHg evitou a progressão da doença. No estudo Advanced Glaucoma Intervencion Study (AGIS), os olhos que apresentavam pressão intraocular media de 12,3 mmHg e picos sempre abaixo de 18 mmHg não apresentaram progressão da doença. De modo geral, pode-se dizer que em glaucomas com lesões moderadas a pressão-alvo deve situar-se abaixo de 18 mmHg, e em glaucomas mais avançados a pressão-alvo deve situar-se abaixo de 15 mmHg. Em relação à flutuação da pressão intraocular, o melhor método para avaliá-la é a curva tensional de 24 horas, contudo, esse método é impraticável, tendo em vista a necessidade de se medir a pressão intraocular no leito às 6:00 horas com o paciente em posição supina. Sabe-se que os picos de pressão ocorrem entre 5:30 e 7:30 horas com paciente deitado. Outras formas de se avaliar são: a curva tensional reduzida em que se mede a pressão das 8:00 até 18:00 horas com intervalos de 2 a 3 horas ou medidas isoladas da PIO em horários diferentes e dias diferentes. Contudo, esses procedimentos deixam de detectar o pico pressórico em 70% dos casos. Há alguns testes provocativos na tentativa de se avaliar o pico pressórico ou a capacidade do olho de responder a uma elevação transitória da pressão intraocular. Entre eles o mais utilizado é a prova de sobrecarga hídrica seguido pelo teste da ibopamina e recentemente pela instilação de fármacos que fazem a cicloplegia no olho. Estes testes dão uma avaliação indireta da facilidade de escoamento do olho. O teste de sobrecarga hídrica, contudo, é o mais fisiológico, pois não utiliza fármacos que dilatam a pupila. E fornece o tempo que o olho precisa

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Princípios Gerais  |  401

para se recuperar do estresse pressórico, retornando a PIO aos valores basais. Assim, também avalia a estabilidade do sistema pressórico ocular. De modo geral, as prostraglandinas são os fármacos mais eficientes em reduzir a PIO, diminuir o pico pressórico e a flutuação da PIO. Há necessidade, contudo, da avaliação da resposta ao medicamento de cada paciente em particular, uma vez que a variabilidade de resposta é grande na terapia com colírios em pacientes com glaucoma. A utilização de combinações fixas de medicamentos é também muito empregada. Isso porque existindo dois medicamentos em um mesmo frasco, embora o efeito geralmente seja discretamente inferior à soma dos efeitos de cada fármaco em separado, esta associação permite um menor número de instilações e, consequentemente, menor quantidade de preservativos é instilada (cloreto de benzalcônio), gerando menor toxidade na superfície ocular, além de maior fidelidade ao tratamento pelo paciente (menos instilações por dia). Tem sugerido-se o uso de colírios que aumentariam o fluxo sanguíneo no nervo óptico. A utilização de fármacos que possivelmente melhoram a circulação do nervo óptico deve ser realizada somente nos casos em que existe uma rápida progressão da doença ou o paciente apresenta risco de perda da visão central. Isso porque não existem estudos conclusivos de que estes fármacos impedem a evolução da doença.

FIDELIDADE OU ADESIVIDADE AO TRATAMENTO A fidelidade ao tratamento é uma importante causa de progressão do glaucoma. A adesividade ao tratamento depende de: 1. Relacionamento médico-paciente. 2. Conhecimento do paciente sobre a doença. 3. Custo do tratamento. 4. Efeitos colaterais da medicação. 5. Alteração da qualidade de vida do paciente. O Consenso do Conselho Brasileiro de Oftalmologia em 2000 estabeleceu como estratégia de tratamento o diagrama (modificado pelo autor), representado na Figura 2. Neste diagrama, baseando-se na idade, estado da doença e fatores de risco determina-se a pressão-alvo do paciente. Essa pressão-alvo deve ser atingida de preferência com monoterapia. Se com a monoterapia escolhida a PIO-alvo não foi atingida, mas houve redução da pressão intraocular superior a 15%, pode-se adicionar um novo fármaco ou combinações fixas de fármacos. Por outro lado, se com a monoterapia a redução da pressão intraocular foi inferior a 15% esta deve ser substituída. Atualmente, tem-se preferido adicionar às prostaglandinas combinação fixa de fármacos e não fármacos isolados. Isso porque a redução adicional da PIO com fármacos isolados é, em média, pequena e insuficiente. Em 40% dos casos, há necessidade de adição de medicamentos às prostaglandinas.

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Fig. 2  Estratégia de tratamento. Baseando-se na idade, estado da doença e fatores de risco determina-se a pressão-alvo do paciente. Essa pressão-alvo deve ser atingida de preferência com monoterapia. Se com a monoterapia escolhida a PIO-alvo não foi atingida, mas houve uma redução da pressão intraocular superior a 15%, pode-se recorrer à adição de um novo fármaco ou de combinações de fármaco. Por outro lado, se com a monoterapia a redução da pressão intraocular foi inferior a 15% esta deve ser substituída.

FÁRMACOS HIPOTENSORES OCULARES: EFICÁCIA E MODO DE AÇÃO PROSTAGLANDINAS: latanoprosta, travoprosta, bimatoprosta: classe mais potente de fármacos

hipotensores oculares tópicos usados 1 vez ao dia: redução média da PIO de aproximadamente 30% (aumenta o escoamento via uveoescleral). BETABLOQUEADORES: timolol, carteolol, betaxolol, levobunolol: redução média da PIO de aproximadamente 20 a 25%. Instilados 1, 2, ou 3 vezes ao dia (diminuem a produção de aquoso). COLINÉRGICOS: pilocarpina, carbachol: redução média da PIO de aproximadamente 20%. Instilados 4 vezes ao dia (aumentam o escoamento via trabeculado corneoescleral). INIBIDORES TÓPICOS DA ANIDRASE CARBÔNICA: brinzolamida e dorzolamida: redução média da PIO de aproximadamente 20% (diminuem a produção de humor aquoso. Instilados 2 a 3 vezes/dia. INIBIDORES SISTÊMICOS DA ANIDRASE CARBÔNICA: acetazolamida Diamox: redução média da PIO de aproximadamente 40%. Reduz a produção de humor aquoso. Comprimidos de 250 mg/ dia. Dois a quatro comprimidos ao dia. a-ADRENÉRGICOS: brimonidina redução média da PIO de aproximadamente 20%. Aumentam o escoamento via uveoescleral e diminuem a produção de humor aquoso. Instilados 2 a 3 vezes ao dia.

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Princípios Gerais  |  403

COMBINAÇÕES FIXAS (DOIS MEDICAMENTOS EM UM MESMO FRASCO DE COLÍRIOS): TIMOLOL ASSOCIADO A PROSTAGLANDINAS: Xalacom, DuoTrav, Ganfort. Redução media de 1,0

a 1,5 mmHg, superior a prostaglandina usada isoladamente. TIMOLOL ASSOCIADO À BRIMONIDINA: Combigan, duas instilações ao dia. Redução da PIO semelhante a das prostaglandinas. TIMOLOL ASSOCIADO À DORZOLAMIDA: Cosopt, duas instilações ao dia. Redução da PIO semelhante a das prostaglandinas. FÁRMACOS HIPOTENSORES OCULARES: efeitos colaterais mais comuns PROSTAGLANDINAS: crescimento dos cílios, hiperpigmentação orbitária, escurecimento da íris (íris com dupla pigmentação). Não devem ser usados em pacientes com glaucoma inflamatório ou com tendência a edema cistoide de mácula. Seu uso em pacientes com ceratite herpética pregressa deve ser evitado, se possível (a literatura científica neste aspecto é controversa). BETABLOQUEADORES: bradicardia, apatia, asma. INIBIDORES TÓPICOS DA ANIDRASE CARBÔNICA: irritação ocular, gosto metálico, contraindicado a pacientes sensíveis a sulfa, asmáticos e com bloqueio atrioventricular. Também devem ser evitados em pacientes com tendência a descompensação corneana. INIBIDORES SISTÊMICOS DA ANIDRASE CARBÔNICA: apatia, depressão, formigamento das extremidades, cálculos renais. Não devem ser usados em pacientes sensíveis à sulfa. Pode causar anemia aplástica. Devem também ser evitados em pacientes com tendência a descompensação corneana. a-ADRENÉRGICOS: apatia, depressão, sonolência, hiperemia ocular. Não devem ser usados em crianças com menos de 12 anos de idade (depressão respiratória). COLINÉRGICOS: miose, escurecimento da visão, aumento da acomodação, catarata e descolamento de retina em pacientes predispostos. Deve-se sempre orientar o paciente sobre a forma correta de instilação do colírio. É importante que o paciente oclua os pontos lacrimais por pelo menos 5 minutos, principalmente quando em uso de fármacos tópicos que têm efeitos colaterais sistêmicos. Este procedimento reduz significativamente a absorção sistêmica destes fármacos.

SEGUIMENTO DO PACIENTE O paciente com glaucoma deve ser continuamente monitorado através de exames funcionais (campos visuais) e estruturais (disco óptico e camada de fibras nervosas), no sentido de se verificar se a pressão-alvo escolhida foi adequada. A PIO deve ser sempre avaliada tendo em mente sua flutuação diária e a ocorrência de picos pressóricos. A frequência destes exames se deve à gravidade do glaucoma, velocidade de progressão, risco de progressão, idade do paciente e expectativa de vida.

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RODRIGO ANTONIO BRANT FERNANDES • SÉRGIO HENRIQUE TEIXEIRA CARLOS AKIRA OMI

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Fármacos/Farmacologia

INTRODUÇÃO O sucesso no tratamento de doenças oculares depende de bases farmacológicas que permitam a escolha do medicamento correto para cada indivíduo, de modo a maximizar os benefícios e minimizar os efeitos colaterais. Dois importantes conceitos são a farmacocinética, que estuda a ação do organismo sobre o fármaco (vias de administração, absorção, distribuição, biotransformação e eliminação), e a farmacodinâmica, que representa a ação do fármaco no organismo (local de ação, mecanismo de ação e efeitos do fármaco).

NOÇÕES BÁSICAS DE FARMACOLOGIA OCULAR Farmacocinética A farmacocinética trata da absorção, distribuição, metabolismo e eliminação de substâncias pelo organismo. Em relação aos fármacos de uso tópico ocular, a apresentação do agente farmacológico depende dos seguintes fatores: 1) cinética do fármaco no fundo de saco conjuntival; 2) penetração corneal, transconjuntival e escleral e a 3) distribuição e taxa de eliminação do fármaco pelo olho.

Cinética da droga no fundo de saco conjuntival Após a instilação, um composto primeiramente se mistura com a lágrima no fundo de saco, e o ato de piscar facilita essa mistura. O fundo de saco apresenta um volume de 7 a 9 µl de lágrima, com capacidade total de 30 µl. 405

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406 | Glaucoma O tamanho da gota da maioria dos fármacos antiglaucomatosos varia de 25,1 a 56,4 µl (média de 39 µl). Por isso, praticamente metade da gota pode ser expelida das pálpebras no momento da instilação. Uma fração considerável do fármaco ainda é eliminada pelo sistema lacrimal de drenagem, pelo movimento de piscar. A oclusão dos pontos lacrimais imediatamente após a instilação ou simplesmente orientar o paciente permanecer com os olhos suavemente fechados por três minutos consegue manter mais fármaco em contato com o olho, aumentando a taxa de absorção da mesma pelas estruturas oculares e diminuindo sua absorção sistêmica.

Penetração corneal, conjuntival e escleral O epitélio e o endotélio da córnea apresentam em sua composição 100 vezes mais lipídios do que o estroma, por isso substâncias lipossolúveis atravessam essas duas estruturas com facilidade, diferentemente de substâncias hidrossolúveis, que se difundem facilmente pelo estroma, mas não atravessam as duas estruturas. Por essas características de permeabilidade, a córnea constitui uma barreira seletiva à passagem de substâncias, na qual somente substâncias hidro e lipossolúveis (ionizáveis e não ionizáveis) podem atravessá-la. Substâncias capazes de existir nos dois estados incluem a maioria das bases fracas, como, por exemplo, a pilocarpina e a epinefrina. Compostos de amônio quaternário, como o ecotiofato e o carbacol, não conseguem penetrar na córnea com facilidade, mas são tão potentes que a quantidade reduzida que consegue entrar no espaço intraocular é suficiente para produzir efeitos farmacológicos. Pela composição das camadas da córnea alguns fármacos podem se depositar em camadas distintas e serem degradados ou estocados. No epitélio corneal existem enzimas que transformam precursores na sua forma ativa, como no caso da dipivefrina e da bimatoprosta.

Concentração e taxa de eliminação Alguns fatores alteram a concentração ocular dos fámacos antiglaucomatosos, como a circulação intraocular do humor aquoso, o metabolismo das várias estruturas oculares e a relação da substância com cada estrutura. Algumas medicações são eliminadas por difusão e pela via de saída do humor aquoso, tanto trabecular quanto uveoescleral. Outras se relacionam com os tecidos específicos, como, por exemplo, os fármacos adrenérgicos e colinérgicos que apresentam afinidade pela melanina da úvea anterior, o que impede que uma parte da medicação atinja o receptor. Estudos in vitro mostraram uma relação dos β-bloqueadores de 85% com a melanina, 40% com a pilocarpina, 50% com a epinefrina, e quase nenhuma relação com as prostaglandinas. Estudos in vivo corroboram esse achado, mostrando maior diminuição da PIO (pressão intraocular) com timolol e pilocarpina em ratos albinos que em ratos normais, enquanto as prostaglandinas conseguiam a mesma redução da PIO nos dois grupos.

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Classificação dos fármacos antiglaucomatosos Atualmente, temos à nossa disposição seis classes principais de fármacos hipotensores oculares. 1. Colinérgicos (mióticos). 2. Agonistas de receptores adrenérgicos. 3. Antagonistas de receptores β-adrenérgicos ou β-bloqueadores. 4. Inibidores da anidrase carbônica. 5. Análogos de prostaglandinas e prostamida. 6. Hiperosmóticos. Além disso, existem os agentes antifibróticos, também muito utilizados na cirurgia de glaucoma: 7. Mitomicina C e 5-fluorouracil,

FARMACODINÂMICA Sistema autonômico Alguns fármacos antiglaucomatosos agem sobre o sistema nervoso autônomo (simpático e parassimpático). Os receptores para estes fármacos se localizam na membrana celular e são o local de interação tanto para agentes farmacológicos quanto mediadores fisiológicos, produzindo alguma resposta celular em particular. O sistema nervoso autônomo pode ser dividido em parassimpático e simpático, diferindo basicamente quanto aos seus receptores e mediadores pós-gangilonares.

Sistema parassimpático (colinérgico) Existem cinco receptores muscarínicos identificados na literatura. O estímulo destes receptores causa miose no olho e aumento do fluxo de saída do humor aquoso. O mecanismo de aumento de saída do humor aquoso é relacionado com a contração do músculo ciliar, com aumento dos espaços intertrabeculares. A acetilcolina é o mediador fisiológico do sistema nervoso colinérgico. É produzida no neurônio pós-ganglionar, onde é armazenada e liberada quando a membrana celular é polarizada pelo aumento do influxo de NA+. Após sua liberação na fenda sináptica é rapidamente inativada pela acetilcolinesterase, e essa inativação é tão rápida que a acetilcolina não é eficaz como fármaco de uso tópico, mas pode ser injetada na câmara anterior durante procedimentos cirúrgicos para se produzir miose. Os agentes farmacológicos podem simular ou antagonizar a ação do mediador fisiológico. Os fármacos que mimetizam o efeito da acetilcolina são chamados parassimpaticomiméticos, ou agonistas, e agem estimulando diretamente o receptor muscarínico ou aumentando o efeito da acetilcolina.

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408 | Glaucoma O fármaco de estimulação direta mais usado no controle do glaucoma é a pilocarpina. Os inibidores da acetilcolinesterase são fármacos que aumentam o estímulo da acetilcolina, fazendo com que o tempo de degradação da mesma seja mais longo. Como exemplo temos o cloridrato de donepezila e a rivastigmina, usados no tratamento da doença de Alzheimer. Pilocarpina a 1, 2 e 4% • Alcaloide das folhas do jaborandi (Pilocarpus microphyllus) Posologia hipotensora: • Pilocarpina a 2%, 3 a 4 vezes ao dia Efeitos colaterais oculares: • Miose, ciclotonia, aumento da permeabilidade da barreira hematoaquosa, miopia acomodativa Efeitos colaterais sistêmicos: • Raros e geralmente decorrentes de superdosagem (são revertidos com atropina): náuseas, vômitos e diarreia; broncoespasmo e bradicardia; sudorese e cefaleia; aumento da secreção pulmonar

Sistema simpático (adrenérgico) Dois tipos de receptores adrenérgicos foram identificados, α e β, que são por sua vez divididos em cinco subtipos (α 1 e 2, β 1, 2 e 3). Os receptores β 1, quando estimulados, produzem midríase, por contração do músculo dilatador da íris, e vasoconstricão, pela contração do músculo liso dos vasos. Os dois subtipos de receptor β 2 foram identificados no epitélio não pigmentado do corpo ciliar e no músculo ciliar. A inibição destes receptores leva a uma diminuição da PIO por diminuição da produção de humor aquoso, no corpo ciliar. Os receptores β 1 aumentam a contratilidade cardíaca e a glicólise, sistemicamente, quando da sua estimulação; os receptores β 2 estão relacionados com a broncodilatação, e os β 3 com o aumento da lipólise. Existem dois mediadores fisiológicos de resposta adrenérgica no corpo humano, a epinefrina e a norepinefrina, da família das catecolaminas. A epinefrina é secretada pela glândula adrenal, e produzida tendo como precursor a tirosina. Ela estimula tanto os α quanto os β receptores, em receptores pré e pós-sinápticos. A norepinefrina é o mediador pós-ganglionar, e também é secretada pela adrenal tendo os mesmos precursores da epinefrina. No neurônio pós-ganglionar a norepinefrina também é produzida a partir da tirosina e estocada no final do axônio.

Simpatomiméticos Os simpatomiméticos, ou agonistas adrenérgicos, podem estimular direta ou indiretamente os receptores, ou ambos. O único agonista adrenérgico que estimula os dois tipos de receptores é a epinefrina. Análogos da clonidina, como a apraclonidina e a brimonidina, são alfa-agonistas. A apraclonidina, por ter ação muito rápida, é utilizada antes de procedimentos a laser na oftalmologia, como a iridotomia a laser. No momento, a apraclonidina não está mais disponível no Brasil sob a forma de colírio. Outro simpatomimético, a fenilefrina, que proporciona vasoconstrição e midríase, e é utilizada na dilatação pupilar.

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Tartarato de brimonidina • É um alfa-agonista com alta seletividade para o receptor alfa 2 Mecanismo de ação: • Inicialmente, o fármaco induz a redução da pressão intraocular por diminuir o fluxo e cronicamente por aumentar o escoamento uveoescleral. Não se observou efeito sobre a pressão de veias epiesclerais ou facilidade de escoamento Posologia e apresentação: • Para tratamento crônico: 0,2% de 12/12 horas • Para profilaxia de hipertensão pós-laser: 0,5% antes ou depois do procedimento Efeitos colaterais sistêmicos: • Os mais comuns são fadiga e boca seca; em crianças pode ser extremamente incapacitante (contraindicação); ausência de mudança de ritmo cardíaco ou função pulmonar, porém hipotensão arterial sistêmica de discreta a intensa não é infrequente Efeitos colaterais oculares: • Conjuntivite folicular, retração palpebral (inclusive com ectrópio), uveíte granulomatosa já descrita, alergia em 15 a 20% dos casos, diferente da apraclonidina, a brimonidina pode causar leve miose

Betabloqueadores Os simpatolíticos, ou antagonistas adrenérgicos, competem com as catecolaminas na fenda sináptica pelos receptores α e β. Beta-antagonistas, ou betabloqueadores, diminuem a PIO pela redução da produção de humor aquoso. São incluídos nessa categoria o timolol, o levobunolol, o metipranolol e o carteolol. O betaxolol é uma classe específica de inibidores cardiosseletivos (β 1). Maleato de Timolol Posologia e apresentação: • Utilizado de 12/12 horas a 0,25 ou 0,50% • Apresentação em gel pode ser utilizada 1 vez ao dia Efeitos colaterais sistêmicos: • SNC – bloqueiam os receptores de serotonina ou 5-hidroxitriptamina. (Pode causar: depressão, ansiedade, confusão, disartria, alucinações, distúrbios do sono (insônia), tontura, fadiga, perda de memória, desorientação, labilidade emocional, perda da libido e impotência) • Pulmonares – bloqueio de receptores β 2 dos brônquios e bronquíolos: (contração da musculatura lisa, agravando o quadro de asmáticos e DPOC) • Cardiovasculares – inibição de receptor β 1(bradicardia, diminuição da contratilidade miocárdica, hipotensão) • Endócrinos – diabéticos: diminui a resposta de liberação de glicose no plasma pela hipoglicemia; miastenia gravis: agravamento dos sintomas Efeitos colaterais oculares: • Hiperemia, hipoestesia corneana, ceratite puntata, sintomas de olho seco, blefaroconjuntivite alérgica e redução da velocidade do fluxo sanguíneo na cabeça do nervo óptico

Betaxolol Cardiosseletivo (inibidor β 1) Como o fármaco não é absolutamente seletivo, pode haver ainda algum bloqueio β 2. O betaxolol é estatisticamente menos efetivo para reduzir a PIO em relação ao timolol.

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Inibidores da anidrase carbônica (IAC) Por meio da inibição da enzima anidrase carbônica, estes agentes levam à diminuição da produção de humor aquoso. A acetazolamida é o principal inibidor da anidrase carbônica, e pode ser utilizada via oral, no controle da síndrome de fechamento angular, glaucoma maligno e antes de cirurgias fistulantes. Os IAC tópicos são a dorzolamida e a brinzolamida, e estão disponíveis comercialmente para o tratamento clínico do glaucoma. Acetazolamida • Dose máxima recomendável: 250 mg a cada 6 horas • Inicia-se com 125 mg a cada 8 horas, aumentando aos poucos Efeitos colaterais oculares: • Miopia (efeito relacionado com o grupo sulfonamida) pode ocorrer em 1 hora do uso e persistir por vários dias; glaucoma de ângulo fechado (edema de corpo ciliar?) Efeitos colaterais sistêmicos: • Acidose metabólica, síndrome da inibição da anidrase carbônica (mal-estar, fadiga, perda de peso, anorexia, depressão, diminuição da libido), depleção de potássio, sintomas gastrointestinais (desconforto abdominal, gosto metálico, náuseas, diarreia), discrasias sanguíneas (podendo ocorrer: agranulocitose, trombocitopenia, anemia hemolítica, leucopenia aguda, anemia aplástica), litíase renal, teratogenicidade em animais e em 1 caso humano. Contraindicações: • Insuficiências hepática e renal ou adrenocortical, acidose hiperclorêmica, pacientes com depleção de potássio e sódio, DPOC, pacientes em uso crônico de aspirina, pacientes com anemia falciforme, alergia à sulfa, litíase renal

Brinzolamida e Dorzolamida Posologia: • Usada como fármaco único: 8/8 horas • Em associação com o timolol: 12/12 horas • Esta associação traz um efeito aditivo parcial Efeitos colaterais: • Mais comuns: gosto metálico e sensação de ardor, conjuntivite, efeito na córnea (discutível)

Análogos de prostaglandinas e prostamida Os análogos de prostaglandinas, ou lipídios hipotensores são a mais recente conquista farmacológica no tratamento do glaucoma. Apesar de a alta concentração de prostaglandinas estar associada a inflamação e aumento da PIO, concentrações muito baixas reduzem a PIO por aumento do fluxo uveoescleral. Temos à disposição os seguintes agentes: latanoprosta, travoprosta e bimatoprosta. O bimatoprosta, na verdade, é uma prostamida sintética (membro da família das amidas ácidas lipídicas e não derivado do ácido araquidônico como as prostaglandinas), podendo ser sintetizado a partir de anandamidas que ocorrem naturalmente no organismo (anandamidas podem estar naturalmente envolvidas na regulação da PIO e são encontradas normalmente no corpo ciliar).

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Latanoprosta a 0,005%, Travoprosta a 0,004%, Bimatoprosta a 0,03% Posologia: • Dose única à noite Efeitos colaterais: • Mais comumente a hiperemia, podendo ocorrer edema macular cistoide, hipotonia, aumento dos cílios, aumento da pigmentação iriana e periocular, entre outros

Agentes hiperosmóticos Podem ser utilizados para a redução drástica da PIO em situações de fechamento angular primário (glaucoma agudo) e antes de procedimentos cirúrgicos. A ação hipotensora destes fármacos acontece pela diminuição do volume vítreo. Podem ser administrados oralmente, como a glicerina, ou por via intravenosa, como o manitol. Posologia: • GLICEROL a 50%: agente oral administrado na dose de 1-1,5 g/kg de peso. Efeito em 10 minutos, com pico de ação em 30 minutos, durando aproximadamente 5 horas • ISOSORBIDA a 50%: agente oral administrado na dose de 1,5 g/kg de peso. Pico de ação com 1-3 horas, duração de 3-5 horas • MANITOL a 20%: agente intravenoso administrado na dose de 2 g/kg de peso. Efeito em 20-60 minutos, duração varia de 2-6 horas. (Manitol a 20% (250 mg) 250 ml, 80 gts/min) Contraindicações: • Insuficiências cardíaca, renal ou hepática Efeitos colaterais sistêmicos: • Náuseas e vômitos, diurese aumentada. Outros: cefaleia, diarreia, confusão, desorientação, febre, sobrecarga cardíaca, edema pulmonar, acidemia, hemorragia intracraniana, insuficiência renal

Agentes antifibróticos São utilizados principalmente durante e após cirurgias fistulantes para glaucoma. Os agentes são a mitomicina C, que é um antibiótico alcaloide natural, extraído da Streptomyces caespitosus, e o 5-fluorouracil, um análogo da pirimidina. A célula-alvo destes compostos é o fibroblasto, componente-chave dos processos de cicatrização. O 5-fluorouracil exerce efeito citotóxico em células de proliferação rápida, após conversão enzimática no seu nucleotídeo ativo, pela substituição do radical uracila, alterando, com isso, o metabolismo da pirimidina. Age na fase S da mitose, ou fase de síntese do ciclo celular. A mitomicina C é ativada no meio intracelular, e apresenta toxicidade direta às células por dois mecanismos envolvendo a alquilação, o que altera a síntese de DNA, gerando radicais livres. O uso destas duas substâncias aumenta a sobrevida de cirurgias fistulantes, mas pode levar a um aumento nas complicações associadas a esses procedimentos cirúrgicos, como

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412 | Glaucoma Seidel, toxicidade ocular, hipotonia e blebite, bem como endoftalmites secundárias a ampolas finas avasculares.

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JAIR GIAMPANI JR. • ADRIANA SILVA BORGES-GIAMPANI

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Neuroproteção

INTRODUÇÃO O glaucoma é atualmente conceituado como uma neuropatia óptica, na qual a pressão ocular elevada constitui seu principal fator de risco e o único modificável. Embora existam evidências convincentes de que a redução da pressão ocular previne a progressão da lesão glaucomatosa na maioria dos casos, esta não é uma verdade absoluta. Vários ensaios clínicos multicêntricos aleatórios, como o Advanced Glaucoma Intervention Study (AGIS), o Collaborative Normal Tension Glaucoma Study, o Collaborative Initial Glaucoma Treatment Study (CIGTS) e o Early Manifest Glaucoma Trial (EMGT), demonstraram progressão da neuropatia óptica glaucomatosa, a despeito de uma significativa redução da pressão ocular. Em termos neurobiológicos, o glaucoma faz parte das neuropatias ópticas anteriores, que incluem ainda o papiledema, a neuropatia óptica isquêmica anterior e as drusas de papila. As características comuns a essas entidades são os típicos defeitos em feixe de fibras, a morte das células ganglionares da retina, a perda da camada de fibras nervosas e a atrofia óptica. No glaucoma, porém, há uma prevalência maior da escavação do nervo óptico, em detrimento da palidez comumente observada nas outras neuropatias. As evidências atuais sugerem ser o glaucoma não somente uma neuropatia óptica anterior, mas, também, uma doença crônica dos axônios das células ganglionares. O local mais provável desta lesão crônica parece ser a lâmina cribrosa. Existem duas implicações associadas a esse novo conceito de doença axonal crônica. Primeiro, a apoptose das células ganglionares acarreta o comprometimento das suas conexões diretas e indiretas com o corpo geniculado lateral, desencadeando uma morte celular em cascata, processo denominado degeneração transináptica. Segundo, a maioria dos neurônios do sistema nervoso central não se regenera, o que torna aquele evento irreversível. 413

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414 | Glaucoma A degeneração transináptica é um evento comum a outras doenças neurológicas como Alzheimer, esclerose lateral amiotrófica e trauma cranioencefálico. Assim, a ideia da neuroproteção, que envolve a preservação anatômica e a funcional das células nervosas e de suas conexões, sem interferência na PIO, é bastante atraente, e vem sendo estudada no glaucoma e em outras neuropatias crônicas.

MECANISMOS DE DEGENERAÇÃO NEURONAL E APOPTOSE DAS CÉLULAS GANGLIONARES A degeneração neuronal pode ocorrer através de vários mecanismos, nem sempre independentes: 1. Excitotoxicidade mediada pela ativação de receptores de glutamato (N-metil D-aspartato – NMDA). 2. Redução do aporte de neurotrofinas. 3. Fenômenos isquêmicos. 4. Fenômenos autoimunes. 5. Estresse oxidativo. A via final comum a todos estes mecanismos é a apoptose, morte celular programada geneticamente, que ocorre também em eventos fisiológicos normais durante a embriogênese. A apoptose se inicia a partir da lesão celular, com a desnaturação de proteínas e/ou degradação do DNA, induzida por isquemia, radicais livres, fenômenos autoimunes e/ou redução do aporte de neurotrofinas. Estes eventos constituem o gatilho para uma série de processos que culminam com a ativação da via das caspases, família de proteases sintetizada sob a forma de zimogênios e que, uma vez ativada, acarreta a condensação da cromatina, dissolução do envelope nuclear e a morte celular. Parte importante desse processo é a estimulação da proteína p-53. Sua ativação se dá a partir de pequenas quebras na molécula de DNA, permitindo sua ligação a regiões promotoras dos genes bax e bcl-2. O estímulo do gene bax (up-regulation) e a inibição do bcl-2 (down-regulation) fornecem o sinal genético para o início da apoptose (Fig. 1).

Fig. 1  Eventos envolvidos na apoptose das células ganglionares.

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ESTRATÉGIAS NA NEUROPROTEÇÃO DAS CÉLULAS GANGLIONARES É importante salientarmos que não há, até o momento, fármaco neuroprotetor aprovado para uso clínico no glaucoma. Dispomos apenas de estudos in vitro e modelos de glaucoma em animais de laboratório, que ainda carecem de confirmação em ensaios clínicos aleatórios. Assim, abordaremos a seguir as drogas mais promissoras até agora estudadas com perspectivas futuras de utilização clínica.

Bloqueadores do glutamato O glutamato é o principal neurotransmissor excitatório do SNC. Entretanto, quando neurônios ou células da glia tornam-se incapazes de controlar sua depuração, poderá advir lesão secundária. Sabe-se também que neurônios lesionados tornam-se sensíveis mesmo a níveis normais de glutamato. O excesso de estimulação pelo glutamato, excitando as células até a morte, é conhecido como excitotoxicidade. São várias as doenças neurológicas mediadas, ao menos em parte, por uma hiperestimulação dos receptores de glutamato, resultando em um excessivo influxo de cálcio e subsequente formação de radicais livres. Assim, podemos citar as isquemias cerebrais, doenças de Parkinson, Alzheimer, epilepsia, esclerose lateral amiotrófica e esclerose múltipla, entre outras. Existem vários tipos de receptores de glutamato, sendo porém o N-metil D-aspartato (NMDA), o mais importante na gênese da lesão neuronal. Este, uma vez ativado, permite o influxo de cálcio e outros cátions em direção ao meio intracelular. Sabe-se que, em condições normais, o receptor NMDA permanece estimulado por curto espaço de tempo (milissegundos). Entretanto, sob estados patológicos, sua estimulação por longos períodos desencadeia uma série de processos bioquímicos, que pode levar à lesão sináptica e até à morte neuronal. O influxo excessivo de cálcio pode aumentar a produção de radicais livres mitocondriais, ativar a via das caspases e liberar o fator indutor da apoptose celular. Entre os bloqueadores do receptor NMDA já descritos, os mais promissores parecem o MK-801 (dizodilpina) e a memantina. Estudos de glaucoma induzido em ratos mostraram que a memantina subcutânea foi capaz de reduzir a perda de células ganglionares em 12% do observado em controles. Um grande ensaio clínico utilizando este fármaco em pacientes portadores de glaucoma esta atualmente sendo conduzido em diferentes centros, incluindo o Brasil, e resultados são aguardados em breve.

Brimonidina O sistema alfa-adrenérgico faz parte do sistema nervoso autônomo simpático, e atua controlando a excitabilidade neuronal. Existem dois subtipos de receptores alfa-adrenérgicos: alfa-1 (cuja estimulação aumenta a atividade neuronal) e alfa-2 (que atua inibindo a atividade neuronal). Os agonistas alfa-2 seletivos, como a brimonidina, atuam reduzindo a excitabilidade neural, já tendo sido demonstrada ação neuroprotetora em modelos de isquemia cerebral. Classicamente, a ativação dos receptores alfa-2 inibe a adenilciclase, reduzindo a concentração intracelular de AMPc (monofosfato cíclico de adenosina). Outro mecanismo recente-

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416 | Glaucoma mente descrito é a ativação da via antiapoptose da fosfatidil inositol 3-quinase, que atua na proteção mitocondrial. A estimulação das vias antiapoptóticas observada com os alfa-2 agonistas também ocorre com outros fatores de crescimento como a insulina, fator de crescimento fibroblástico (FGF) e fator neurotrófico cerebral (BDNF). A ação neuroprotetora da brimonidina já foi demonstrada em modelos de glaucoma experimental em camundongos. Neste modelo, a brimonidina ou timolol era administrado, após a elevação da PIO durante 3 semanas. A redução das células ganglionares observada no grupo da brimonidina foi de aproximadamente 35% daquela observada no grupo controle (timolol). Quando a brimonidina foi instilada no momento da elevação da PIO, a perda de células ganglionares foi reduzida à metade.

Estatinas As estatinas atuam reduzindo os níveis de colesterol por meio da inibição da enzima 3-hidroxi, 3-metil-glutaril coenzima A redutase. Em estudo de caso-controle, observou-se uma redução no risco de glaucoma primário de ângulo aberto nos pacientes usuários de estatinas há 2 anos ou mais. Não obstante, em modelos de perfusão em laboratório, as estatinas demonstraram efeito hipotensor ocular, ampliando sua utilização futura no tratamento do glaucoma.

Inibidores da calcineurina A calcineurina é uma fosfatase que, quando clivada, pode desencadear apoptose e morte neuronal. Em modelos animais, a molécula clivada de calcineurina é encontrada em células ganglionares expostas a pressões oculares elevadas. O tratamento de ratos, portadores de glaucoma induzido, com inibidores da calcineurina (FK-506), causa redução na perda de células ganglionares e preservação do nervo óptico.

Eritropoetina A eritropoetina modula a eritropoese, inibindo a apoptose nas células progenitoras dos eritrócitos. Ela tem demonstrado ação neuroprotetora em modelos experimentais de trauma, inflamação cerebral e isquemia retiniana. A aplicação de eritropoetina foi capaz de reduzir, in vitro, a morte de células ganglionares privadas de fatores neurotróficos, e de recuperar, in vivo, neurônios axotomizados.

Inibidores de metaloproteinases As metaloproteinases são importantes enzimas no processo de remodelação da matriz extracelular. Seus substratos incluem moléculas participantes da adesão intercelular, glicosaminoglicanos e proteínas de sinalização.

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Já foi demonstrado em retinas de camundongos, portadores de metaloproteinase tipo 9 inativa, maior preservação das células ganglionares após ligadura do nervo óptico.

Interleucina-6 A interleucina-6 é uma citoquina produzida no sistema nervoso pelas células da glia, e cuja concentração já se mostrou elevada no humor aquoso de portadores de glaucoma neovascular. A incubação de interleucina-6 recombinante em cultura de astrócitos, micróglia e células ganglionares mostrou efeito protetor contra a elevação da pressão hidrostática.

RESUMO O glaucoma é atualmente considerado uma neuropatia óptica anterior, com degeneração crônica dos axônios das células ganglionares através do processo de apoptose ou morte celular programada. Não dispomos, até o momento, de drogas capazes de reduzir a morte das células ganglionares na neuropatia óptica glaucomatosa, independentemente da redução da pressão ocular. Não obstante, várias drogas já se mostraram experimentalmente úteis nesse sentido. Entre elas, as mais promissoras são os inibidores do glutamato, os agonistas dos receptores alfa-2-adrenérgicos, as estatinas, os inibidores da calcineurina e das metaloproteinases, a interleucina-6 e a eritropoetina.

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RUTH R. SCHOR • JOÃO ANTONIO PRATA JR.

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Quando e Como Iniciar o Tratamento

INTRODUÇÃO O diagnóstico de glaucoma é estabelecido quando pode ser constatada a presença de dano glaucomatoso anatômico acompanhado ou não de perda funcional. Assim que o diagnóstico é feito, o tratamento deve ser iniciado. Os defeitos anatômicos mais comumente observados são aumento assimétrico da escavação do disco óptico com desrespeito à regra ISNT, notching da rima neural e defeito da camada de fibras nervosas. No paciente hipertenso ocular, o médico deve avaliar a presença de fatores de risco para decidir se inicia ou não o tratamento, tendo em vista que não são todos os casos com hipertensão ocular que desenvolverão glaucoma. Por exemplo, o Ocular Hypertension Treatment Study (OHTS), estudo realizado em 1.636 pacientes hipertensos oculares randomizados para serem tratados ou não, mostra que é necessário tratar 19,6 pacientes com hipertensão para prevenir 1 caso de progressão para glaucoma. A identificação dos fatores de risco ajuda a selecionar os pacientes que mais se beneficiarão do tratamento precoce. A Tabela I relaciona os principais fatores de risco para progressão de hipertensão ocular a glaucoma, sendo que merecem destaque a escavação do disco óptico aumentada com desproporção vertical horizontal, aumento do PSD no exame de perimetria computadorizada e menor espessura corneana. De maneira geral, a presença de dois fatores de risco associados à detecção de hipertensão ocular são bastante indicativos de tratamento clínico hipotensor ocular. O II Consenso da Sociedade Brasileira de Glaucoma recomenda o início do tratamento clínico quando a pressão intraocular (PIO) acima de 26 mmHg é observada em pacientes com córneas finas ou de espessura normal à paquimetria ultrassônica.

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TABELA I  Fatores de risco associados à evolução para glaucoma em hipertensão ocular Fatores de risco pela história

Fatores de risco pelo exame clínico

Idade

Menor espessura corneana central

Raça negra

Aumento da escavação com desproporção vertical horizontal

História familiar

Hemorragia de disco óptico

Miopia

Aumento do PSD na campimetria computadorizada

Enxaqueca

COMO INICIAR O TRATAMENTO Estabelecimento da pressão-alvo a ser atingida A PIO-alvo é a pressão intraocular considerada baixa o suficiente para evitar o estabelecimento ou a progressão das alterações glaucomatosas. A determinação da PIO-alvo é individualizada e depende do raciocínio clínico, levando em consideração principalmente a fase evolutiva da doença e a presença de fatores de risco. Pacientes com glaucomas mais avançados geralmente requerem níveis mais baixos de PIO para a estabilização da doença. Da mesma forma, pacientes mais jovens com dano glaucomatoso evidente tendem a requerer pressão-alvo mais baixa que pacientes mais velhos com o mesmo dano glaucomatoso. Como regra básica e prática, recomenda-se uma PIO inicial abaixo de 18 mmHg com redução da PIO inicial de pelo menos 30% nos glaucomatosos com dano inicial, PIO-alvo de até 16 mmHg naqueles com dano moderado e de até 12 mmHg nos com dano avançado. O estabelecimento da PIO a ser atingida deve ser dinâmico, ou seja, esta precisa ser constantemente revista e levar em conta inúmeros fatores, tais como o estadiamento e progressão da doença, efeitos colaterais dos medicamentos, custos econômicos. ESCOLHA DA MEDICAÇÃO HIPOTENSORA O consenso da Sociedade Brasileira de Glaucoma diz: “A escolha do fármaco inicial deve ser particularizada para cada paciente, mas classicamente inicia-se a terapêutica clínica com um beta-bloqueador tópico, ou se as condições socioeconômicas permitirem, uma prostaglandina”. A dose única diária apresenta o benefício de aumentar a fidelização ao tratamento. A regra, em geral, deve ser: precrever a menor quantidade de medicação que seja efetiva para conseguir o efeito terapêutico desejado ao longo das 24 horas com o mínimo de efeitos colaterais possível. Quando a “PIO-alvo” não é atingida com a medicação inicialmente escolhida, a decisão de substituição ou associação de fármacos hipotensores se baseia no percentual de redução da PIO obtida inicialmente. Se o agente inicial propiciou uma redução acima de 10%, isso indica que o fármaco foi eficaz, porém, não obteve a efetividade desejada. Neste caso, opta-se pela associação com outro agente hipotensor a fim de obter a PIO-alvo. Por outro lado, se a redução inicial foi abaixo de 10%, isso indica que o fármaco não foi eficaz na redução da PIO no paciente em questão, devendo-se então substituir o fármaco por outro (Fig. 1). Atualmente, estão disponíveis diversos grupos de agentes hipotensores que podem ser classificados pelo grupo farmacológico. Assim, estão disponíveis os alfa-agonistas (tartarato

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Quando e Como Iniciar o Tratamento  |  421

Fig. 1  Tratamento clínico do glaucoma.

de brimonidina); os análogos de prostaglandinas (latanoprosta, travoprosta, bimatoprosta); betabloqueadores (maleato de timolol, levobunolol, betaxolol, metipranolol); inibidores da anidrase carbônica (dorzolamida, brinzolamida, acetazolamida); mióticos (pilocarpina). Cada grupo tem um mecanismo de ação principal, sendo que os betabloqueadores, inibidores da anidrase carbônica e alfa-agonistas têm como sua principal ação hipotensora a redução da produção do humor aquoso. Já os mióticos (pilocarpina), reduzem a PIO por aumento da drenagem via trabecular e os análogos da prostaglandina por aumento da drenagem uveoescleral (Tabela II). TABELA II  Principais agentes hipotensores oculares Grupo Betabloqueadores

Agentes

Alfa-agonistas

Contraindicações

Efeitos colaterais

Asma

Levobunolol

Bloqueio AV

Metipranolol

Evitar o uso antes de dormir (não agem durante o sono)

Dorzolamida

1 gota 2 x/dia

Não há

Brinzolamida

1 gota 2 x/dia

Não há

Acetazolamida

até 1 comp 250 mg 6/6 h

Anemia falciforme, litíase renal

Fadiga, parestesias

Brimonidina

1 gota 2 x/dia

Não há

Sonolência

Betaxolol

Inibidores da anidrase carbônica

Posologia

Maleato de timolol 1 gota 2 x/dia

Depressão Impotência Conjuntivite Dispneia Bradicardia Assistolia

Boca seca Alergia ocular Análogos de prostaglandina

Latanoprosta Bimatoprosta

1 gota 1 x/dia após 18 h

Inflamação intraocular

Mudança na coloração da íris, hipertricose, deprimia ocular

1 gota 4/4 h

Inflamação intraocular, miopia elevada

Cefaleia, dor ocular, redução da acuidade

Travoprosta Miótico

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Pilocarpina

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422 | Glaucoma Há ainda a disponibilidade de combinações fixas de fármacos. As combinações fixas encontradas no Brasil são: dorzolamida e maleato de timolol, latanoprosta e maleato de timolol, brimonidina e maleato de timolol, travoprosta e maleato de timolol, bimatoprosta e maleato de timolol. As associações de fármacos antiglaucomatosas devem seguir alguns princípios: Não associar fármacos do mesmo grupo farmacológico. Considerar a viabilidade do número de instilações necessárias à prescrição. Evitar o emprego de substâncias do mesmo grupo farmacológico por diferentes vias de administração (tópica e sistêmica). Considerar o mecanismo de ação dos fármacos. Algumas associações podem não ser tão eficientes (p. ex., mióticos e análogos de prostaglandina). Avaliar o impacto na qualidade de vida do paciente sob todos os aspectos.

Estratégias para fidelização do tratamento A não fidelização ao tratamento é um dos principais problemas na prevenção da cegueira por glaucoma. De nada adianta o diagnóstico precoce da doença, a determinação exata da “PIO-alvo” e a prescrição do fármaco mais eficiente se não houver um seguimento e fidelidade ao tratamento. Para o médico é muito difícil reconhecer os pacientes que não usam a medicação de forma adequada. O médico deve estar atento, pois a não fidelização ao tratamento é muito comum entre os pacientes com glaucoma. Vários trabalhos na literatura relatam não fidelização à prescrição médica recomendada com variação entre 5 a 80% do total de pacientes. Algumas barreiras identificadas em estudos (tais como o Glaucoma Adherence and Persistency Study) que são passiveis de intervenção pelo médico incluem a falta de preocupação com o risco de perda da visão, dependência passiva em receber informações sobre a doença com o médico, falta de um aviso sobre a nova consulta. Há várias formas de não fidelização ao tratamento, tais como o não uso, uso de forma irregular, horário errado das gotas, etc. Por exemplo, frequentemente o médico se depara com sinais compatíveis com progressão da doença com valores a princípio aceitáveis de PIO, o que muitas vezes decorre do fato de o paciente usar corretamente a medicação somente nos dias que antecedem a consulta. Deve-se orientar o paciente de que o tratamento não proporciona benefícios a curto prazo, não cura, é permanente e vitalício, possui efeitos colaterais e é oneroso. Os esforços que se mostram efetivos em aumentar a fidelização ao tratamento incluem: Educação do paciente e de sua família sobre a doença. Orientação correta de como instilar colírio. Ajuda na organização dos horários de uso da medicação, adequando a posologia a hábitos diários. Orientação sobre os efeitos colaterais dos colírios. Informação positiva sobre o efeito hipotensor do tratamento e não progressão das alterações no nervo óptico. O sucesso do tratamento está diretamente relacionado com a perfeita interação entre médico e paciente, onde ambos devem entender a complexidade da situação e encontrar as melhores medidas para que a eficiência do tratamento se estabeleça.

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Quando e Como Iniciar o Tratamento  |  423

A população brasileira está desinformada no que tange às suas condições clínicas, à doença e ao seu tratamento apropriado. Constatou-se em serviço público no Brasil que 27% dos pacientes erram o local onde deveriam instilar o colírio, e desses, 25% não instilam a segunda gota; 7% das prescrições nunca foram seguidas e 40% dos portadores de glaucoma não têm intenção de seguir o tratamento proposto por desconhecer a sua necessidade. Foi fundada, no Brasil, a Associação Brasileira dos Portadores de Glaucoma seus Amigos e Familiares (ABRAG) em outubro de 2000 (http://www.abrag.com.br). A ABRAG é uma sociedade de portadores de glaucoma, sem fins lucrativos, onde os médicos participam apenas na função de orientadores científicos. Esta entidade foi criada a partir do estímulo dos meios universitários, apoiados pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia e Sociedade Brasileira de Glaucoma. A indústria farmacêutica compreendeu a extensão do problema e formou a carteira de fundos para viabilizar a sua criação. No momento, a ABRAG conta com mais de 9.000 associados, entre os quais, 90% são portadores de glaucoma, sendo a maioria residente no Brasil e alguns associados residentes na Itália, Portugal, Estados Unidos e Bolívia. Personalidades famosas dos meios artístico e esportivo têm emprestado suas imagens com importantes pronunciamentos à população de risco ou portadora de glaucoma. Entre outros papéis importantes desempenhados por esta entidade, encontram-se a divulgação de conhecimento da doença por meio de publicação impressa trimestral e esclarecimento de dúvidas sobre glaucoma por telefone, e-mail ou pessoalmente na sede da associação. A ABRAG recebe colaborações de produtoras de vídeos educacionais, os quais são apresentados nas emissoras mais populares de televisão. Fitas são exibidas em cinemas e casas de espetáculos. Pôsteres são afixados em metrôs, aeroportos, rodoviárias e locais públicos para ampla divulgação das formas que a população dispõe para cuidar de seus olhos.

SEGUIMENTO DO PACIENTE Após a introdução de uma nova medicação deve-se reavaliar o paciente para confirmar a eficácia do tratamento. A não ser que a PIO esteja inicialmente muito alta, neste caso sendo indicado uma nova reavaliação após alguns dias da primeira visita, é melhor esperar de 1 a 2 meses para avaliar o benefício a longo prazo do fármaco. O paciente deve ser reavaliado tantas vezes forem necessárias para que o médico esteja convencido de ter obtido a PIO-alvo. Após o estabelecimento da PIO-alvo, o paciente é usualmente reavaliado a cada 3 a 6 meses, dependendo do estágio da doença. Em cada consulta, o médico deve perguntar sobre a fidelização ao uso da medicação, se há algum problema ou efeito colateral na utilização dos colírios, inclusive efeitos colaterais sistêmicos. Na presença de progressão das alterações do disco óptico com repercussões funcionais, a “PIO-alvo” deve ser reavaliada imediatamente, bem como outras formas de tratamento consideradas, caso o paciente já esteja sob terapêutica hipotensora máxima. Entende-se como terapêutica hipotensora máxima àquela que o paciente consegue empregar sem a perda da sua qualidade de vida devido a efeitos colaterais ou à posologia da medicação.

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424 | Glaucoma

BIBLIOGRAFIA ABRAG. www.abrag.com.br. Dias JFP, Almeida HG, Prata Jr JA. Glaucoma. 3a ed. Rio de Janeiro: Cultura Médica, 2007. Friedman DS, Hahn SR, Gelb L et al. Doctor-patient communication, health-related beliefs, and adherence in glaucoma results from the Glaucoma Adherence and Persistency Study. Ophthalmology, 2008 Aug; 115(8):1320-7, 1327. e1-3. Gordon MD et al. The Ocular Hypertension Treatment Study: baseline factors that predict the onset of primary open-angle glaucoma. Arch Ophthalmol, 2002 Jun; 120(6):714-20; discussion 829-30. Mello PAA, Mandia C JR. II Consenso Brasileiro de Glaucoma Primário de Ângulo Aberto – Sociedade Brasileira de Glaucoma, São Paulo: Planmark, 2005. Palmberg P. Evidence-based target pressures: how to choose and achieve them. Int Ophthalmol Clin, 2004 Spring; 44(2):114. Prefered practice pattern. Primary open glaucoma, American Academy of Ophthalmology, 2005. Shields. Textbook of Glaucoma. 5th ed. Philadelphia: Lippincott Willians & Wilkins, 2005 Singh K, Shirivastava A. Early Aggressive Intraocular Pressure Lowering Target Intraocular Pressure, and a Novel Concept for Glaucoma Care. Surv Ophthalmol, 2008 Nov; 53(Suppl1):S33-8.

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ROBERTO MURAD VESSANI

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Como Conduzir o Tratamento

Uma vez definido o diagnóstico do glaucoma e o início da terapia clínica, o oftalmologista deve estar consciente de que terá pela frente um trabalho tão desafiador quanto as duas primeiras etapas: a condução adequada do tratamento. O manejo da terapia clínica irá depender de parâmetros utilizados nas etapas anteriores. A pressão intraocular (PIO) alvo estabelecida no início da terapia clínica deve ser avaliada sob dois aspectos (Fig. 1). O primeiro aspecto é se a PIO está sendo mantida com a terapia atual. Para determinar se a PIO-alvo está sendo mantida, é possível que uma medida isolada realizada

Fig. 1  Fluxograma resumindo as possibilidades de seguimento de um paciente com glaucoma sob terapia clínica.

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426 | Glaucoma em consulta de rotina não seja suficiente. Tem sido sugerido que o dano glaucomatoso progressivo em alguns casos poderia ser causado por picos da PIO, ou por uma variabilidade da PIO diurna não detectada pela tonometria durante o exame no consultório. Essa possibilidade estimulou os especialistas a monitorar a PIO de forma mais próxima com curvas tensionais diárias e tonometria em domicílio. Medidas isoladas em consultas realizadas em horários diferentes e curvas tensionais modificadas já foram propostas para avaliar a eficiência da terapia clínica em manter a PIO próxima ao valor-alvo previamente definido. Recentemente o teste de sobrecarga hídrica tem sido utilizado para auxiliar na avaliação da flutuação pressórica de pacientes com glaucoma sob terapia clínica. O outro aspecto relacionado com a PIO-alvo é saber se a mesma é suficientemente adequada para o controle da doença em um determinado paciente. Cabe ao oftalmologista, por meio de exames complementares, definir se o paciente apresenta progressão da neuropatia glaucomatosa ou não, independente dos valores pressóricos obtidos com o tratamento. Entre os exames necessários para a avaliação longitudinal do paciente está a avaliação clínica do disco óptico. A avaliação de progressão por meio do exame do disco óptico requer, sem dúvida, documentação adequada do mesmo. As estereofotografias do disco óptico e da camada de fibras nervosas peripapilar ainda são consideradas pelos especialistas em glaucoma como padrão-ouro para o seguimento dos pacientes. Atualmente, existem vários aparelhos de imagem computadorizados que permitem realizar medidas objetivas dessas estruturas, e sua habilidade para detectar alterações relacionadas com o glaucoma vem sendo estudada em diversos centros de pesquisa espalhados pelo mundo. Entre esses instrumentos destacam-se a tomografia de coerência óptica, a polarimetria de varredura a laser e a oftalmoscopia de varredura a laser. Outro aspecto importante na condução do paciente sob terapia clínica está a avaliação funcional realizada frequentemente por meio da perimetria automatizada. A perimetria estática automatizada permite a comparação de parâmetros mais objetivos produzidos por exames sucessivos. No entanto, de acordo com o déficit funcional do paciente, a perimetria cinética manual pode ser utilizada. Independente dos critérios adotados para definir a progressão do campo visual, quando o último exame indicar essa possibilidade, os achados deverão ser sempre confirmados por um ou mais exames subsequentes. Esse aspecto deve ser lembrado já que o campo visual depende muito do comportamento do paciente durante sua realização. A avaliação conjunta dos aspectos estruturais e funcionais em um paciente com glaucoma, quando possível, pode fornecer mais segurança na determinação da progressão da doença. Contudo, sugere-se que o exame cuidadoso do disco óptico e da CFN pode fornecer informações preciosas na fase inicial da doença. Em uma fase mais avançada, as alterações estruturais são tão extensas que dificultam a detecção de pequenas mudanças por fotografias ou exames computadorizados de imagem. Nessas circunstâncias o exame de perimetria com a estratégia adequada poderá auxiliar o clínico na determinação de progressão do glaucoma. A reavaliação do paciente que atingiu a PIO-alvo e apresenta estabilidade da doença determinada pelos exames estruturais e funcionais, dependerá do nível de comprometimento do glaucoma. Casos com glaucoma mais avançado devem ser reavaliados em intervalos de tempo mais curto. O não cumprimento da PIO-alvo, quer seja na fase inicial ou em outro momento durante o tratamento, exige a mudança na terapia clínica do paciente. Da mesma maneira, a confirmação

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Como Conduzir o Tratamento  |  427

de uma progressão da doença (quer seja por avaliação estrutural, funcional ou as duas juntas) independente do valor pressórico atingido pelo paciente, exige uma mudança na definição da PIO-alvo estabelecida e consequentemente uma mudança na terapia clínica. A mudança na terapia clínica pela incapacidade da medicação em manter a PIO-alvo ou pela necessidade de se alcançar um valor mais baixo para esse parâmetro, pode ser feita pela substituição do colírio utilizado ou complementação com um novo fármaco. Essa decisão dependerá da contribuição do fármaco inicial na redução da PIO. Se a redução ainda for de pelo menos 20% em relação aos valores da PIO antes da terapia pode-se optar pela complementação terapêutica, caso contrário, sugere-se a substituição da medicação. É importante lembrar que fármacos com resposta adequada na redução pressórica no início do tratamento podem não manter a mesma eficiência durante o acompanhamento. Por outro lado, é importante considerar que a aplicação de uma terapia de maneira contínua pode gerar dificuldades relacionadas com a sua fidelidade. Alguns estudos têm demonstrado a importância e frequência das barreiras na fidelidade ao tratamento clínico do glaucoma. Cabe ao oftalmologista discutir com o paciente os problemas que ele enfrenta ao utilizar a medicação prescrita e auxiliá-lo no aperfeiçoamento de sua fidelidade ao tratamento. A complementação ou substituição da terapia no seguimento do paciente também passa pelos mesmos critérios que regem a escolha da terapia inicial, como efeitos colaterais do medicamento, contraindicações oculares ou sistêmicas, custo, posologia e eficiência. A discussão com o paciente sobre as dificuldades no tratamento deve ser realizada a cada consulta, mesmo que o tratamento não seja modificado. A terapia clínica máxima tolerável pode variar bastante entre os pacientes com glaucoma e a sua determinação acaba sendo individualizada. Quando todos os aspectos da terapia clínica são esgotados e o paciente não apresenta controle adequado, deve-se considerar a intervenção cirúrgica. A decisão pela cirurgia também precisa contabilizar fatores como condições clínicas do paciente, idade, expectativa de vida, entre outros.

BIBLIOGRAFIA Anderson DR. Automated Static Perimetry. St. Louis: Mosby-Year Book, 1992. Asrani S, Zeimer R, Wilensky J et al. Large diurnal fluctuations in intraocular pressure are an independent risk factor in patients with glaucoma. J Glaucoma, 2000; 9(2):134-42. Badala F, Nouri-Mahdavi K, Raoof DA et al. Optic disk and nerve fiber layer imaging to detect glaucoma. Am J Ophthalmol, 2007; 144(5):724-32. Bathija R, Zangwill L, Berry CC et al. Detection of early glaucomatous structural damage with confocal scanning laser tomography. J Glaucoma, 1998; 7(2):121-7. Deleon-Ortega JE, Arthur SN, McGwin G Jr. et al. Discrimination between glaucomatous and nonglaucomatous eyes using quantitative imaging devices and subjective optic nerve head assessment. Invest Ophthalmol Vis Sci, 2006; 47(8):337480. Drance SM. The significance of the diurnal tension variations in normal and glaucomatous eyes. Arch Ophthalmol, 1960; 64:494. Greaney MJ, Hoffman DC, Garway-Heath DF et al. Comparison of optic nerve imaging methods to distinguish normal eyes from those with glaucoma. Invest Ophthalmol Vis Sci, 2002; 43(1):140-5.

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428 | Glaucoma Guedes V, Schuman JS, Hertzmark E et al. Optical coherence tomography measurement of macular and nerve fiber layer thickness in normal and glaucomatous human eyes. Ophthalmol, 2003; 110(1):177-89. Jensen AD, Maumenee AE. Home tonometry. Am J Ophthalmol, 1973; 76:929. Katavisto M. The diurnal variations of ocular tension in glaucoma. Acta Ophthalmol, 1964; 78(Suppl):1. Medeiros FA, Pinheiro A, Moura FC et al. Intraocular pressure fluctuations in medical versus surgically treated glaucomatous patients. J Ocul Pharmacol Ther, 2002; 18(6):489-98. Mikelberg FS, Parfitt CM, Swindale NV. Ability of the Heidelberg Retina Tomograph to detect early glaucomatous visual field loss. J Glaucoma, 1995; 4:242-7. Muir KW, Santiago-Turla C, Stinnett SS et al. Health literacy and adherence to glaucoma therapy. Am J Ophthalmol, 2006; 142(2):223-6. Nordstrom BL, Friedman DS, Mozaffari E et al. Persistence and adherence with topical glaucoma therapy. Am J Ophthalmol, 2005; 140(4): 598-606. Sanchez-Galeana C, Bowd C, Blumenthal EZ et al. Using optical imaging summary data to detect glaucoma. Ophthalmol, 2001; 108(10):1812-8. Schuman JS, Hee MR, Puliafito CA et al. Quantification of nerve fiber layer thickness in normal and glaucomatous eyes using optical coherence tomography. Arch Ophthalmol, 1995; 113(5):586-96. Susanna R Jr., Hatanaka M, Vessani RM et al. Correlation of asymmetric glaucomatous visual field damage and waterdrinking test response. Invest Ophthalmol Vis Sci, 2006; 47(2): 641-4. Susanna R Jr., Vessani RM, Sakata L et al. The relation between intraocular pressure peak in the water drinking test and visual field progression in glaucoma. Br J Ophthalmol, 2005; 89(10):1298-301. Tsai JC, McClure CA, Ramos SE et al. Compliance barriers in glaucoma: a systematic classification. J Glaucoma, 2003; 12(5): 393-8. Weinreb RN, Shakiba S, Zangwill L. Scanning laser polarimetry to measure the nerve fiber layer of normal and glaucomatous eyes. Am J Ophthalmol, 1995; 119(5): 627-36. Weinreb RN, Zangwill L, Berry CC et al. Detection of glaucoma with scanning laser polarimetry. Arch Ophthalmol, 1998; 116(12):1583-9. Zangwill LM, Chan K, Bowd C et al. Heidelberg retina tomograph measurements of the optic disc and parapapillary retina for detecting glaucoma analyzed by machine learning classifiers. Invest Ophthalmol Vis Sci, 2004; 45(9): 3144-51. Zangwill LM, Chang CF, Williams JM, Weinreb RN. New technologies for diagnosing and monitoring glaucomatous optic neuropathy. Optom Vis Sci, 1999; 76(8):526-36. Zeimer RC et al. Application of a self tonometer to home tonometry. Arch Ophthalmol, 1986; 104:49. Zeimer RC et al. Association between intraocular pressure peaks and progression of visual field loss. Ophthalmol, 1991; 98:64.

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TIAGO DOS SANTOS PRATA • EDSON QUEDAS • LUCIANA AFONSO PIRES

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Fármacos em Fase de Pesquisa

INTRODUÇÃO O glaucoma se caracteriza como uma neuropatia óptica multifatorial, em que o principal fator de risco associado é a pressão intraocular (PIO) elevada. Por isso, a maioria das abordagens terapêuticas visa a redução da PIO como forma de controle da doença. Embora hoje disponhamos de diversas classes de fármacos com a finalidade de reduzir a PIO, muito pouco foi desenvolvido nos últimos 5 anos. Como exceção podemos citar novas associações de medicações já conhecidas, que buscam melhorar a fidelidade do paciente ao tratamento mantendo o mesmo efeito dos fármacos isolados. Atualmente, diferentes protocolos de estudo desenvolvem terapias alternativas para o controle da doença, seja por novas vias de administração dos fármacos ou por diferentes mecanismos de ação. Este capítulo aborda alguns desses novos fármacos que ainda estão em fase de estudo, mas que podem em breve fazer parte do nosso arsenal terapêutico.

FÁRMACOS SISTÊMICOS Memantina O glaucoma, assim como outras doenças degenerativas, está relacionado com a injúria e morte celular excitotóxica ocasionada pela excessiva ativação dos receptores de glutamato do tipo N-Metil-D-Aspartato (NMDA) e, portanto excessivo influxo de íons cálcio através da associação do receptor e canal iônico. No entanto, o funcionamento adequado do sistema nervoso depende da atividade fisiológica dos receptores NMDA.

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430 | Glaucoma Ensaios clínicos com agentes potencialmente neuroprotetores que bloqueiam toda atividade do receptor NMDA foram realizados, porém sem sucesso devido aos graves efeitos colaterais obtidos como sonolência, alucinações e coma. A memantina é uma antagonista dos receptores de glutamato tipo NMDA, derivado da amantadina. Apresenta uma estrutura de três anéis e uma ligação com grupo amina (–NH2) que carrega carga positiva (–NH3) em condições fisiológicas e representa a região da memantina capaz de ligar-se ao sítio do íon magnésio ou próximo a ele no receptor NMDA associado ao canal iônico e um grupo metil (–CH3) responsável por estabilizar a interação da memantina na região do canal do receptor NMDA. Essa classe de fármacos representa um bloqueador de canais abertos com afinidade relativamente baixa, ou seja, esses fármacos entram apenas no canal quando este é aberto por um agonista. Na memantina, as concentrações administradas do fármaco parecem entrar preferencialmente no canal quando este é ativado por longos períodos de tempo sob condições de excessiva exposição dos receptores de glutamato do tipo NMDA. O bloqueio da atividade do receptor NMDA previne excitotoxicidade relacionada com o elevado grau de necrose e apoptose. A memantina apresenta meia-vida relativamente curta nos canais iônicos associados ao receptor NMDA o que determina maior tolerância clínica e perfil neuroprotetor. O mecanismo de ação desse fármaco bloqueia elevados níveis de glutamato no receptor NMDA enquanto poupa relativamente os efeitos de níveis baixos de glutamato obtidos durante a neurotransmissão normal, já que o fármaco não se acumula no canal durante a atividade sináptica normal. Alguns ensaios clínicos estão sendo realizados com memantina para avaliar a eficácia no tratamento da dor neuropática diabética, glaucoma, acidente vascular encefálico, demência vascular e demência associada ao HIV, doença de Alzheimer. Estudos clínicos (fase III) com o uso da memantina (20 mg/dia) no tratamento da doença de Alzheimer moderada a grave mostraram efeitos benéficos e tolerância clínica razoável, o que possibilitou a aprovação do seu uso na Europa e Estados Unidos. Orgogozo et al. descreveram um estudo clínico randomizado, placebo-controlado apresentando significante benefício da terapia com memantina (20 mg/dia) na demência vascular leve a moderada. Os eventos adversos mais frequentemente relatados como vertigem e inquietação eram dose dependentes, principalmente (40 mg/dia). A memantina foi utilizada em um estudo multicêntrico, prospectivo, duplo-cego, randomizado para avaliar sua ação no glaucoma, porém seu resultado ainda é desconhecido. O aumento persistente da pressão intraocular induz a morte das células ganglionares ocasionando redução significante e perda dos neurônios do núcleo geniculado lateral. Yücel et al. realizaram um estudo em macacos com glaucoma experimental e uso da memantina (4 mg/kg/dia) mostrando redução significante na diminuição dos neurônios através do bloqueio da excessiva ativação dos receptores de glutamato. Outra classe de fármacos atualmente estudados são as nitromemantinas, derivados de segunda geração da memantina, que combinam-se quimicamente com memantina e nitroglicerina o que sugere maior efeito neuroprotetor e menores eventos adversos.

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Vários estudos estão sendo realizados com esses novos fármacos, porém ainda não temos resultados concretos a respeito de neuroproteção e benefícios no tratamento do glaucoma.

Terapias alternativas Antioxidantes – Ginko biloba – Outros Atualmente, uma das tendências que mais crescem na área médica americana é a procurada medicina alternativa ou complementar, (MAC). Entre 1990 e 1997, nos EUA, o número de consultas aos diversos profissionais alternativos cresceu de 427 milhões para 629 milhões. Em 2001, em diferentes clínicas de saúde do país, que iam da acupuntura à homeopatia, passando pela massoterapia até chegar a medicina oriental, havia 167.300 profissionais alternativos credenciados e 221.900 praticantes leigos. Para resumir, os consumidores norte-americanos gastaram cerca de 29 milhões de dólares em terapias alternativas naquele ano. Em oftalmologia, particularmente pacientes portadores de glaucoma, existe um crescente interesse em MAC, visando suplementar seu tratamento de glaucoma convencional. A prevalência do uso de MAC para tratamento de glaucoma é de aproximadamente 5%. Em uma revisão de literatura em 2001, alguns autores do Serviço de Glaucoma do Wills Eye Hospital, tentaram determinar o real potencial benéfico dos vários tratamentos alternativos. Ácido ascórbico, em altas doses, causa um temporário aumento da osmolaridade, mas não foi provado que esta megassuplementação vitamínica leve a qualquer efeito benéfico no tratamento do glaucoma. A maconha pode levar a uma diminuição nos níveis de PIO. Porém, tem alto índice de respostas negativas, baixa vida média e alta toxicidade, o que a desconsidera como bom agente terapêutico. Ginko biloba e algumas outras ervas chinesas, embora não afetem diretamente a pressão intraocular, podem melhorar o afluxo de sangue para o nervo óptico, provocando um efeito benéfico no controle do glaucoma. O ginseng por sua capacidade antioxidante e neuroprotetora tem sido estudado, mas sem nenhuma comprovação favorável até o momento. O uso de antioxidantes, não parece ter nenhuma evidente relação com o aparecimento ou controle do glaucoma. No momento, não temos nenhuma evidência de que dietas especiais, acupuntura, técnicas de relaxamento, ou massagem terapêutica possam de alguma maneira, ser consideradas auxiliares no tratamento do glaucoma.

FÁRMACOS LOCAIS Anecortave O acetate de anecortave (AA) é um análogo do cortisol, que apresenta uma estrutura molecular modificada. Por isso, o AA apresenta uma importante ação angiostática, mas sem as propriedades anti-inflamatórias e imunossupressoras típicas dos glucocorticoides. O fármaco foi desenvolvido inicialmente para o tratamento da degeneração macular relacionada à idade, sendo administrado por via subtenoniana, na região posterior do globo. Os primeiros ensaios clínicos com essa finalidade datam de 2003. Em maio de 2006, dois estudos apresentados no congresso da ARVO (Association for Research and Vision in Ophthalmology) apresentaram os

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432 | Glaucoma primeiros resultados do AA como fármaco antiglaucomatoso, visando à redução da PIO. Para essa finalidade, a administração é realizada através de uma única aplicação subtenoniana (depósito justaescleral anterior) de AA. Em um dos estudos, o fármaco foi avaliado em pacientes com glaucoma corticogênico em tratamento, e apresentou uma redução média de 48% (+/– 6%), com duração de aproximadamente 6 meses, sem efeitos adversos, postergando a indicação cirúrgica em 75% dos pacientes. Em julho de 2007, no Congresso Mundial de Glaucoma, foram apresentados os resultados iniciais do primeiro ensaio clínico randomizado com AA em pacientes com glaucoma primário de ângulo aberto (GPAA). Neste estudo, após 3 meses de uma única aplicação do fármaco, a redução média da PIO foi de 19%. O uso do AA como tratamento antiglaucomatoso está sendo avaliado em diferentes tipos de glaucoma avançado, por meio de protocolos de estudos desenvolvidos no Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo – EPM. Foram incluídos pacientes com GPAA, glaucoma primário de ângulo fechado, secundário à uveíte, neovascular, corticogênico, pigmentar, pseudoexfoliativo, entre outros. Os resultados iniciais foram promissores, com uma redução média da PIO de 30,9 para 20,9 mmHg (33,3% de redução) após 3 meses. Os primeiros casos de tratamento com AA em glaucoma congênito também têm apresentado boa resposta ao fármaco. O AA pode ser em breve uma alternativa para casos em que é necessária uma redução adicional da PIO, além de minimizar problemas relacionados com a adesão do paciente ao tratamento. Apesar dos bons resultados iniciais, mais estudos se fazem necessários para uma melhor compreensão do mecanismo de ação, indicação e possíveis efeitos adversos da medicação.

CONCLUSÃO Embora a maioria das medicações antiglaucomatosas ainda tenha como principal mecanismo de ação a redução da PIO, sabemos que o glaucoma é uma doença multifatorial e que muitas vezes não é controlado a despeito de uma PIO em níveis baixos. Além disso, nos casos onde pela gravidade da doença se faz necessário o uso de várias medicações, a fidelidade do paciente ao tratamento se torna muito comprometida. Dentro desse contexto, novos fármacos têm buscado o controle da doença por meio tanto neuroproteção quanto por outras formas de administração, com redução prolongada da PIO. Alguns desses novos fármacos parecem promissoras e esperamos que em breve possam nos auxiliar no desafiador tratamento do glaucoma.

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Drogas em Fase de Pesquisa  |  433

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Tratamento Cirúrgico

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CHRISTIANE ROLIM DE MOURA • VERA CHRISTINA WALLER DE LIMA

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PRINCÍPIOS DO TRATAMENTO A LASER LASER, ou “light amplification by stimlated emission of radiation”, é uma tecnologia baseada na emissão de fótons carregados com uma grande quantidade de energia, a partir da ativação de um estímulo luminoso em uma cavidade ressonante (feita de espelhos). Esses fótons são emitidos a partir de qualquer fonte, como, por exemplo, gases, líquidos ou materiais semi-condutores. A energia luminosa pode ser liberada de maneira continua ou em pulsos, a partir de instrumentos que a direcionam, amplificam ou retêm. Essa energia tem algumas propriedades, que são: Coerência: os fótons são emitidos com sincronicidade e, portanto, organizados em fases no tempo. Direcionalidade: os fótons formam um feixe em uma única direção. Monocromacia: a luz resultante tem em geral apenas um comprimento de onda. Alta intensidade: a amplificação do estímulo luminoso pode ter enorme potência. O feixe luminoso pode promover diferentes efeitos nos tecidos humanos, entre eles: Efeito térmico: produzindo fotocoagulação ou fotovaporização no tecido-alvo (em medicina o laser mais usado para esse fim e o laser produzido a partir do gás argônio e o laser de diodo). Efeito ionizante: produzindo fotodisrupção, quando o efeito e direcionado para uma pequena área com alta energia (o laser mais usado no nosso meio é o Nd:Yag laser).

TRABECULOPLASTIA O tratamento a laser do trabeculado, chamado inicialmente de goniopuntura, foi descrito pela primeira vez por Krasnov, em 1973. Posteriormente, foi denominado trabeculoplastia e con437

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438 | Glaucoma siste em aplicar o laser na malha trabecular com o objetivo de aumentar o escoamento do humor aquoso.

Indicações Glaucoma primário de ângulo aberto recém-diagnosticado. Glaucoma primário de ângulo aberto em uso de máxima medicação antiglaucomatosa tolerada. Glaucoma associado a pseudoexfoliação capsular. Glaucoma pigmentar. Glaucoma do pseudofácico com seio camerular aberto. Glaucoma juvenil (?).

Contraindicações Glaucoma de ângulo fechado primário (talvez a trabeculoplastia a laser com aplicação pulsada). Glaucoma de ângulo fechado secundário (inflamatório, neovascular, secundário a cirurgias, associado a alterações corneanas, associado a alterações cristalinianas, etc). Disgenesia do segmento anterior e seio camerular (talvez a trabeculoplastia a laser com aplicação pulsada). Glaucoma de ângulo aberto em estágio terminal (?).

Técnica da trabeculoplastia com laser com aplicação contínua (argônio e diodo) O olho pode ser tratado anteriormente ao procedimento com um alfa-agonista ou betabloqueador para que o risco de pico de PIO pós-operatório seja minimizado. Paciente posicionado na lâmpada de fenda/laser. Instilado colírio anestésico. Posicionamento da lente de gonioscopia indireta de contato com material viscoelástico na interface: yy Goldman (3 espelhos, de preferência com tratamento anti-reflexo para realização do procedimento a laser). yy Ritch (que proporciona uma magnificação das estruturas do seio camerular). Identificação das estruturas do seio camerular. Como a visão das estruturas é especular, é necessário evitar tratar repetidamente a mesma região do seio camerular, portanto é interessante utilizar um marco anatômico, como um vaso ou elevação da raiz da íris para determinar a extensão da área tratada. Aplicação de 50 disparos na porção posterior da malha trabecular, com mira com 50 micra de tamanho, 180 graus inferiores, com potência inicial de 500 mW. A potência pode ser aumentada até que efeito desejado seja atingido, que consiste em um embranquecimento do local tratado ou a dispersão de pigmentos. Se acontecer a formação de uma bolha no

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local do disparo, é necessário que a potência seja diminuída. Deve haver um intervalo de aproximadamente 1 mira do laser (50 micra) entre os disparos. O tratamento pode ser repetido com uma semana de intervalo, nos 180 graus superiores. O paciente deve receber anti-inflamatório esteroide tópico (dexametasona a 0,1% ou prednisolona a 1%) 4 × ao dia por 5 a 7 dias. A pressão intraocular deve ser aferida nas 24 horas subsequentes ao procedimento e o efeito do tratamento deve ser avaliado com um mês do laser.

Parâmetros usuais da trabeculoplastia com aplicação contínua de laser de argônio Duração 0,1 s

Potência 500 a 1.000 mW

Número de aplicações 20 a 50 em 180 a 360º

Mira 50 µ

Técnica da trabeculoplastia a laser com aplicação pulsada (trabeculoplastia seletiva (SLT), laser pulsado de diodo (MLT), laser pulsado de titanium) A trabeculoplastia a laser com aplicação pulsada consiste em aplicar a energia luminosa em pulsos de curta duração na malha trabecular. Pode ser utilizado o Nd:Yag laser (trabeculoplastia seletiva), o laser de diodo (MLT) ou o laser de titanium. A trabeculoplastia seletiva, que é a mais usada e mais estudada, é realizada com uma técnica cirúrgica semelhante a descrita para os laseres de argônio e diodo, porém a mira desse laser é fixa de 400 micra, a qual engloba todo o trabeculado, de anterior a posterior. O tamanho da mira torna a técnica de aplicação mais simples. O tratamento deve ser contínuo, sem intervalos entre as áreas de tratamento. Essa técnica tem sido difundida, tendo em vista a presença de alguma evidência mostrando a integridade ultraestrutural do trabeculado em olhos que receberam a irradiação, diferente do que ocorre nas técnicas descritas anteriormente. Além disso, apesar da eficácia semelhante, existe uma fraca evidência mostrando um maior êxito em controlar a pressão intraocular nas reaplicações, com menor risco, quando comparada à técnica com laser de aplicação contínua. Não se observa, nessa modalidade de aplicação, o embranquecimento e nem a modificação das estruturas da malha trabecular, mas sim a produção de microbolhas que emergem do trabeculado. A energia deve ser aplicada em torno de 0,8 a 1,4 mJ, em 90, 180 ou 360º da circunferência da malha trabecular. Também, a quantidade de energia deve ser reduzida caso haja a formação de uma bolha volumosa no local tratado. Existem estudos que sugerem que se instile colírio anti-inflamatório no pós-operatório (esteroide ou anti-inflamatório não hormonal), mas outros não comprovam a necessidade do uso dessas medicações para controle do processo inflamatório.

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Parâmetros usuais da trabeculoplastia seletiva com Nd:Yag laser (SLT) Duração Pulsos com 3 Ns

Potência 0,8 a 1,4 mJ

Número de aplicações 50 a 100 em 180 ou 360º

Tamanho da mira (fixo) 400 µ

Complicações Picos de PIO no pós-operatório. Formação de goniossinequias e evolução da insuficiência de escoamento do humor aquoso (a formação de goniossinequias na trabeculoplastia com laser pulsado é complicação rara). Desenvolvimento de uveíte (presença de celularidade e conteúdo proteico na câmara anterior). Hifema. Descompensação do endotélio da córnea.

Resultados A redução média da PIO ao longo de 1 ano, sendo aplicada a trabeculoplastia com laser de argônio, foi descrita por diversos autores em séries de casos, variando de 7,8 mmHg a 11,3 mmHg e ao longo de 5 anos foi descrita sendo 4,9 mmHg. Mas deve-se lembrar que as amostras nestas séries de casos são muito heterogêneas, já que incluem glaucomas de várias etiologias, sendo muito difícil comparar os achados destes estudos. Em uma revisão sistemática quantitativa, por nós publicada, a trabeculoplastia com o laser de argônio se mostrou mais eficaz que o tratamento medicamentoso em casos recém-diagnosticados no primeiro e segundo anos de evolução em relação ao controle da PIO. No entanto, essas publicações foram realizadas quando não se dispunha dos novos fármacos usados no atual tratamento do glaucoma, tais como inibidores da anidrase carbônica, alfa-agonistas seletivos e derivados das prostaglandinas. Carece, portanto, na literatura, ensaios clínicos que comparem a trabeculoplastia com o laser de argônio com o regime terapêutico usado hoje. Ainda nesse estudo, foi observado que a eficácia da trabeculoplastia a laser em controlar a pressão intraocular parece semelhante quando realizada com o laser com aplicação contínua (argônio ou diodo) ou com aplicação pulsada (SLT, MLT, laser titanium). Não há ainda na literatura nenhuma forte evidência determinando a superioridade de um determinado tipo de laser ou aplicação em relação a outro, quando a eficácia ou segurança da trabeculoplastia é avaliada. A trabeculoplastia seletiva também foi comparada à medicação (derivado de prostaglandina) em alguns estudos. Um deles, não aleatorizado e com seguimento de um ano e um segundo aleatorizado, com resultados obtidos ao longo de 5 anos, mostraram um decréscimo médio de PIO de aproximadamente 8 mmHg no grupo que recebeu tratamento a laser e uma eficácia equivalente de ambas as modalidades terapêuticas. Em contrapartida, um terceiro estudo, também aleatorizado e controlado, mostrou que a equivalência de sucesso em controlar a PIO, com trabeculoplastia seletiva e derivado da prostaglandina, só foi evidenciada quando o laser foi aplicado em toda a extensão do trabeculado. Esses achados da literatura em relação a eficácia do tratamento a laser do trabeculado, com o intuito de redução da PIO, devem ser considerados com especial atenção nos países em desenvolvimento, desde que apesar de carecerem dados epidemiológicos que confirmem essa afirmação, a prevalência do glaucoma é alta e possivelmente a taxa de fidelidade ao tra-

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tamento é baixa, tanto pelo custo dos fármacos, quanto pela situação social que parte dessas populações se encontram.

IRIDOTOMIA A iridotomia a laser substituiu a iridectomia cirúrgica desde o final da década de 1970, inicialmente sendo realizada com laser de argônio e posteriormente com o Nd:Yag laser, que permite que menos energia seja utilizada para a realização da abertura da íris.

Mecanismo de ação A comunicação da câmara posterior com a câmara anterior por meio da iridotomia a laser, permite o rompimento do bloqueio pupilar, ou seja, impede que ocorra o íntimo contato da meia-periferia iriana com o cristalino. Quando esse contato ocorre, há o aumento da pressão da câmara posterior levando a meia-periferia iriana tocar e obliterar o seio camerular. A íris, após a iridotomia a laser assume uma configuração convexa e se afasta da malha trabecular.

Indicações Tratamento primário do fechamento angular. Tratamento primário do glaucoma primário de ângulo fechado. Tratamento do olho contralateral dos pacientes com diagnóstico de fechamento angular ou glaucoma primário de ângulo fechado. Tratamento do bloqueio pupilar secundário a causas inflamatórias.

Técnica da iridotomia com o Nd:Yag laser A iridotomia deve ser preferencialmente posicionada entre 11:00 e 1:00 horas, sob a pálpebra superior, preferencialmente em uma cripta. Pacientes com PIO acima de 30 mmHg devem ser tratados com medicação tópica e sistêmica antes da iridotomia a laser. O olho fora da crise aguda pode ser tratado anteriormente ao procedimento com um alfa-agonista para que se minimize o risco de pico de PIO pós-operatório. Paciente posicionado na lâmpada de fenda/laser. Instilado colírio anestésico. Posicionamento da lente de Abraham ou Wise com material viscoelástico na interface. Energia de 1 a 4 mJ, até que se observem a penetração da íris e a convecção de pigmento da câmara posterior para anterior. Utilizar anti-inflamatórios esteroides de alta potência 4 vezes ao dia por 7 dias.

Iridotomia com laser de argônio Atualmente utiliza-se o laser de argônio especialmente no casos de íris muito espessas, como pré-tratamento para a perfuração com o Nd:Yag laser. Realizam-se aproximadamente 30 disparos, com uma energia de 100 mW, 50 micra, 0,05 segundos de duração, em forma de roseta. A seguir o Nd:Yag laser é usado para perfurar a porção central da área tratada.

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Complicações da iridotomia a laser Hemorragia da área tratada, que pode ser minimizada com a compressão da lente contra o globo. Lesão corneana (mais frequentemente observada no passado, quando as iridotomias eram realizadas exclusivamente com o laser de argônio com potências mais elevadas). Lesão da cápsula anterior do cristalino (focalizar a mira do laser antes de aplicá-lo). Pico de PIO pós-operatório (mais observado em casos de glaucoma avançados com extensas áreas de goniossinequias). Distúrbio visual secundário ao mau posicionamento da abertura irirana.

IRIDOPLASTIA OU GONIOPLASTIA A iridoplastia ou gonioplastia é um tratamento a laser que tem como objetivo diminuir a justaposição da íris ao seio camerular, quando outros mecanismos de fechamento angular estão envolvidos, que não os de bloqueio pupilar.

Indicações Na crise de fechamento angular: nos casos nos quais a iridotomia foi insuficiente para o controle da PIO. Nos casos de íris em plateau. Em alguns casos de bloqueio facomórfico ou facotópico.

Contraindicações Presença de edema corneano ou opacidade. Câmara anterior muito rasa. Presença de goniossinequias.

Técnica O olho deve ser tratado anteriormente com um miótico (pilocarpina a 2%) e com um alfa -agonista para que se minimize o risco de pico de PIO pós-operatório. Paciente posicionado na lâmpada de fenda/laser de argônio. Instilado colírio anestésico. Utiliza-se a lente de Abraham. Disparos na extrema periferia (20 disparos, 360 graus), 500 micra, 80 a 100 MW de Potência, 0,5 de duração. O controle da intensidade da aplicação deve ser feito. Deve ser observada a contração da periferia da íris, com o aprofundamento da câmara anterior. Caso contrário a energia deve ser aumentada. Se por outro lado, houver a formação de bolha e de dispersão de pigmentos, a energia deve ser diminuída. Instilar anti-inflamatório esteroide de alta potência 4 vezes ao dia por 7 dias.

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Deve ser feito o controle da PIO no primeiro dia pós-operatório.

Complicações Pico transitório de PIO. Irite. Eventualmente discoria ou aumento do diâmetro pupilar.

Goniopuntura Procedimento descrito para romper a membrana trabéculo-Descemet, que se mantém íntegra, após um procedimento cirúrgico não penetrante. Dessa forma, ela permite que o fluxo de aquoso aumente para o espaço subconjuntival e é realizada com o Nd:Yag laser, com uma potência de 3 a 6 mJ, na região da membrana, observada com a lente de 3 espelhos de Goldman. Essa técnica foi descrita após as cirurgias de viscocanalostomias, mas atualmente têm sido usadas nos casos de esclerectomias profundas não penetrantes. Sua aplicação foi relacionada, em um estudo, com uma maior taxa de insucesso dessas cirurgias, possivelmente porque o procedimento é indicado quando se observa sinais iniciais de falência da fistula.

CICLOFOTOCOAGULAÇÃO TRANSESCLERAL Nos últimos anos, o laser diodo tem se destacado, por ser melhor absorvido pelo epitélio ciliar que o Nd:Yag laser, cerca de duas ou três vezes mais. Isso significa que é necessário utilizar menor energia para causar o dano térmico tissular. Apesar de o Nd:Yag laser ser melhor transmitido pela esclera humana quando comparado ao laser diodo (75% contra 35%, respectivamente), técnicas de contato com indentação escleral permitem aumentar a transmissão do diodo em até 70%. Isso é possível graças à compressão da sonda sobre a conjuntiva, resultando na diminuição da circulação conjuntival, que aumenta a transmissão da energia do laser para as partes internas do olho (sendo esta menos absorvida nos vasos das túnicas externas). Essa energia liberada pelo laser diodo produz dano térmico com encurtamento, embranquecimento e contração do corpo ciliar.

Ciclofotocoagulação transescleral com laser diodo Raramente a ciclodestruição com laser diodo é utilizada como primeira opção de tratamento, mas é muito indicada em casos de: Queimaduras; traumáticas (álcalis – Figs.1 e 2). Glaucoma neovascular. Glaucoma do afácico e pseudofácico com pobre prognóstico visual. Tumores. Olhos africanos com glaucoma primário de ângulo aberto como primeira escolha. Complementação de outras cirurgias. Neste caso deve-se dosar o número de aplicações realizadas. Glaucoma maligno.

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Fig. 1  Laser de diodo.

Fig. 2  G probe para a aplicação de ciclofotocoagulação transescleral.

Contraindicações As contraindicações para o uso desta técnica são: Olho albino. Esclera fina (neste caso diminuímos a energia para média de 3 W e realizamos transiluminação).

Técnica Anestesia retro ou peribulbar com abertura da fenda palpebral por blefarostato. O laser diodo com comprimento da onda de 810 nm é portátil, utiliza energia elétrica e não necessita de refrigeração. Pode ainda ser utilizado para fotocoagulação retiniana quando acoplado a sonda de retina. A sonda G (G probe) para glaucoma (Fig. 1), que apresenta a curvatura da esclera e quando posicionada no limbo cirúrgico projeta o feixe do laser exatamente a 1,5 mm. Não se observa dano ao cristalino ou ângulo da câmara anterior se a sonda for colocada inadequadamente. Há vários protocolos de tratamento, entre os quais ressaltam-se: Duração 1,5 s

Potência 2.000 mW

Número de aplicações 55 aplicações (média)

Conforme trabalhos realizados a potência deve ser diminuída em 250 mW quando ouvimos um “pop” que indica a destruição do processo ciliar. Essa destruição causa liberação de gás e pigmentos com maior reação inflamatória subsequente e maior risco de desenvolvimento de Phthysis bulbi. Estas aplicações devem, se possível, poupar as inserções dos músculos reto lateral e medial.

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Destes protocolos concluímos que devemos utilizar a maior energia e um número menor de aplicações para obtermos um efeito hipotensor mais prolongado, menor uso de medicação e menor incidência de complicações. Caso necessário, a reaplicação deve ocorrer após 30 dias da primeira, porém em número menor do que a aplicação inicial.

Histologia Verificamos que o tecido pós-ciclofotocoagulação transescleral com laser diodo mostrou pronunciada disrupção das células do músculo do corpo ciliar e estroma, processos ciliares pigmentar e não pigmentar. Em contrapartida, a ciclofotocoagulação endoscópica exibe pronunciada contração dos processos ciliares, nos quais se observa disrupção do epitélio do corpo ciliar, porém com menor desorganização de suas camadas.

Resultados Vários estudos na literatura apresentam 70 a 75% de pacientes com redução da PIO por vários meses. Em nossa casuística obtivemos para glaucoma refratário com PIO inicial de 52,16 ± 11,80 mmHg, PIO final de 21,04 ± 9,42 mmHg com seguimento de 36,15 ± 14,25 meses. Para glaucoma absoluto com PIO inicial de 50,06 ± 10,80 mmHg, PIO final 19,05 ± 8,42 mmHg seguimento de 23,25 ± 18,65 meses. É interessante notar que olhos submetidos a ciclofotodestruição e que não apresentam queda satisfatória de níveis de PIO, passam a responder melhor aos medicamentos tópicos como betabloqueadores (o que representa menor ônus para o paciente) para diminuição da PIO, e a grande maioria não apresenta mais sintomatologia dolorosa. No glaucoma congênito, pós-múltiplas cirurgias, obtivemos êxito com reduções significativa da PIO, sendo que esses níveis se mantiveram estáveis por até cinco anos de seguimento.

Complicações Aumento transitório da PO (a utilização da medicação antiglaucomatosa deve ser mantida até a diminuição da PO e, a seguir são suspensas, dependendo desta redução). Uveíte (evitadas com prescrição de corticoide e atropina no pós-operatório). Dor no pós-operatório imediato (controlada com a prescrição de anti-inflamatórios). Queimaduras conjuntivais quando se pressiona muito a sonda contra a conjuntiva (resolve-se espontaneamente). Pigmentação perilimbar. Hipotonia. Diminuição da acuidade visual. Phthysis bulbi. Estafiloma escleral quando seguido de trabeculectomia com mitomicina. No quadro a seguir, acompanhe as diferenças entre as mais usuais complicações com a utilização de diferentes tipos de ciclodestruição:

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Diodo

Nd:Yag

Ciclocrio

Hipotonia, Phthysis

5%

11%

17%

Diminuição AV

18 a 30%

30 a 47%

5 a 69%

Em nosso estudo obtivemos resultados semelhantes à literatura com 4,9% de Phthysis no tratamento do glaucoma refratário e 8,8% no tratamento do glaucoma absoluto. No entanto, obtivemos 100% de redução da dor e diminuição do número de medicações, fato importante se considerarmos o custo de um tratamento de glaucoma em uso de medicação total tolerada.

Conclusão A utilização de laser para cirurgias de glaucomas refratários mostra-se segura, eficaz e rápida para controle destes glaucomas. É um procedimento não invasivo, pode ser realizado ambulatorialmente, é eficaz no controle da dor e diminuição do número de medicações utilizadas. Esse procedimento apresenta baixo custo, mas deve-se lembrar que a impossibilidade de visualização dos processos ciliares pode ocasionar maior número de complicações como Phthysis bulbi. Por outro lado, a praticidade do método pode melhorar em muito a qualidade de vida do paciente, principalmente nos casos com dor intensa.

CICLOFOTOCOAGULAÇÃO TRANSPUPILAR Esse procedimento consiste em aplicar o laser por via gonioscópica, transpupilar, a fim de promover a destruição seletiva dos processos ciliares. A indicação desse procedimento fica restrita, no entanto, àqueles casos nos quais 180 graus ou mais da circunferência dos processos ciliares sejam visíveis por via gonioscópica. As indicações dessa técnica são as mesmas que aquelas realizadas para a ciclofotocoagulação transescleral, porém a esclera fina não é uma contraindicação para o procedimento transpupilar. O protocolo usual do tratamento com o laser de argônio é usar miras de 100 a 200 micra, com tempo de aplicação de 0,1 a 0,2 segundos, com intensidade de 700 a 1.000 mW, ou até que ocorra o embranquecimento e retração do processo ciliar, sendo necessárias em geral 3 a 5 aplicações por estrutura, ao menos 180 graus de extensão. Uma taxa significativa de insucesso tem sido reportada com essa técnica, fato que pode estar relacionado com a impossibilidade de o laser atingir porções mais anteriores dos processos ciliares, mesmo que se realize endentação durante o tratamento, o que mantém a estrutura com sua função produtora de aquoso viável.

CICLOFOTOCOAGULAÇÃO ENDOSCÓPICA A ciclofotocoagulação endoscópica é realizada com um sistema de microendoscópio oftalmológico composto por uma fibra óptica acoplada a um monitor de vídeo, uma sonda de iluminação de 20 gauge e de um endofotocoagulador endoscópico, o qual permite a aplicação direta e sele-

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tiva do laser no processo ciliar em 210° dos olhos com glaucoma refratário. As indicações dessa modalidade de procedimento ciclodestrutivo são semelhantes às previamente reportadas. Como desvantagens podemos citar a curva de aprendizado mais longa dessa técnica e os riscos inerentes dos procedimentos intraoculares como reação inflamatória intensa, hifema, descolamento de coroide ou retina e phthisis bulbi.

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PAULO GELMAN VAIDERGORN • NATANAEL CAVALCANTI FIGUEIROA FILHO

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IRIDOTOMIA/ IRIDECTOMIA A LASER Os termos iridotomia e iridectomia são intercambiáveis entre si e descrevem a realização de um orifício no tecido iriano, comunicando as câmaras anterior e posterior. Meyer-Schwickerath foi o primeiro a descrever, em 1956, a realização da iridectomia utilizando-se do laser, observando, no entanto, alta incidência de lesões corneanas e cristalinianas em virtude da grande quantidade de energia utilizada. Com o aprimoramento técnico ocorrido até a década de 1970, o procedimento realizado com laser de argônio foi se tornando rotineiro, substituindo quase que por completo a iridectomia cirúrgica incisional. Durante a década de 1980 o Nd:YAG (neodymium: yttrium-aluminum-garnet) laser, por apresentar eficácia e maior facilidade de execução, veio substituir o laser de argônio na preferência para realização do procedimento.

Indicações A iridectomia a laser é considerada o método seguro e eficaz, tendo preferência em relação à cirurgia incisional. Está indicada no glaucoma por fechamento angular em que a causa seja por bloqueio pupilar, no tratamento profilático de ângulos considerados oclusíveis, bem como em outras situações descritas a seguir.

Fechamento angular agudo (antigamente chamado Glaucoma Agudo) Nesta condição, por bloqueio da circulação do humor aquoso entre as câmaras posterior e anterior (bloqueio pupilar), ocorre abaulamento da porção periférica da íris, que propicia sua aposição ou adesão junto à parede externa do ângulo da câmara anterior, acarretando fechamento angular. Isso pode levar ao aumento súbito e intenso da pressão intraocular, configurando urgência oftalmológica. Geralmente o tratamento clínico rompe o mecanismo do blo451

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Glaucoma crônico de ângulo fechado Em olhos em que ocorra fechamento angular (intermitente ou crônico) por aposição da íris, existe risco de progressiva lesão trabecular e formação de sinéquias com consequente elevação nos níveis pressóricos. Havendo mecanismo de bloqueio pupilar associado, a iridectomia pode interromper o ciclo de formação de sinequias camerulares e também impedir a instalação de uma crise congestiva aguda. É importante que se faça uma gonioscopia após o procedimento, com o intuito de se observar o aspecto do ângulo e averiguar acerca da presença e extensão de sinequias. Por propiciar abertura do seio camerular e melhor acesso do humor aquoso ao sistema de drenagem, boa parte dos portadores do glaucoma crônico de ângulo fechado encontra mais facilidade em controlar seus níveis pressóricos oculares após a realização do procedimento.

Iridectomia profilática Além da clássica indicação nos casos de glaucoma agudo por bloqueio pupilar, a iridectomia também é realizada profilaticamente nos olhos contralaterais destes pacientes, se igualmente possuírem ângulo oclusível. Olhos com câmara anterior rasa e exame gonioscópico revelando ângulo oclusível, (trabeculado pigmentado não visível sem identação em 180 ou 270 graus), também devem ser tratados profilaticamente.

Pós-uveítes A iridectomia está indicada em algumas situações pós-uveítes, em que tenham ocorrido sinequias posteriores em 360o (íris bombé, Figs. 1A e B). Em razão do elevado índice de fechamento dos orifícios a laser nestes pacientes, preconiza-se realizar mais de uma iridectomia por sessão, de tamanhos grandes, bem como uso extensivo de corticoides e cicloplégicos no pós-operatório. Caso ocorra fechamento dos orifícios a laser, recomenda-se a realização da cirurgia incisional.

Figs. 1 (A e B) Íris bombé antes e após realização de iridotomia a laser. Observa-se o aprofundamento da câmara anterior.

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Previamente à trabeculoplastia A iridectomia pode, eventualmente, ser feita antes da realização de uma trabeculoplastia a laser, no paciente portador de seio camerular de entrada estreita. Tem o objetivo de ampliar o ângulo da câmara anterior, facilitando, assim, tecnicamente, a realização do procedimento.

Glaucoma pigmentar Sua utilização em portadores de glaucoma pigmentar ainda é controversa. Teoricamente, poderia ser utilizada nos casos em que ocorra convexidade posterior da íris, situação em que o gradiente pressórico entre as câmaras leva ao abaulamento iriano posterior, favorecendo a dispersão de pigmento e assim contribuindo para o agravamento do quadro glaucomatoso. A iridectomia, nestes casos, poderia igualar as pressões entre as duas câmaras e diminuir o abaulamento posterior da íris, contribuindo para reduzir a dispersão pigmentar. Ainda são necessários, contudo, mais estudos para que se demonstre a real eficácia do procedimento nestes pacientes.

Técnica O princípio da iridectomia é a realização de uma comunicação entre a câmara anterior e a posterior, equalizando a pressão entre elas. O laser de argônio age através da absorção de energia pelas células que possuem pigmento, levando ao aumento de sua temperatura e à coagulação tecidual. O Nd:YAG laser age através da liberação de ondas de plasma, que rompem mecanicamente os tecidos, não necessitando, assim, de pigmento dos tecidos para sua ação. Alguns itens da técnica básica para a realização do procedimento independem do laser a ser utilizado: Previamente (1 hora antes), deve-se instilar colírio de pilocarpina a 2%, pois ajudará a manter a íris mais estirada, tornando-a mais fina e facilitando a iridectomia. Imediatamente antes do procedimento instila-se 1 gota de colírio alfa-agonista (brimonidina), a fim de se minimizar as chances de que ocorra pico pressórico pós-procedimento, anestesiando-se o olho com colírio anestésico. O uso de lente de contato é mandatório, pois apresenta as vantagens de manter o olho aberto, minimiza as chances de queimadura no epitélio corneano e permite melhor controle sobre a movimentação ocular. Também, por concentrar energia, aumenta a intensidade do laser na superfície iriana. As lentes mais comumente utilizadas são as de Abraham e de Peyman 12,5 mm. A localização da iridectomia deverá ser no terço periférico da íris, de preferência superiormente, para que fique recoberta pela pálpebra superior. Deve-se evitar a posição das 12 h quando for realizada com laser de argônio, pois este libera bolhas de ar que podem dificultar a visão da íris naquela localização. Como segunda opção indica-se a periferia inferior. Deve-se evitar realizá-la nos setores irianos nasal e temporal próximos ao colarete, para não ocorrer o fenômeno de diplopia monocular. Em casos de olhos vitrectomizados que abriguem óleo de silicone, a iridectomia deve ser realizada de rotina no quadrante inferior, a fim de que o óleo não bloqueie seu orifício. O sucesso na realização da iridectomia é constatado quando, logo após o procedimento, percebe-se fluxo de aquoso misturado a pigmentos atravessar o orifício recém-aberto. Sua patência poderá ser verificada através da visibilização da cápsula anterior do cristalino, uma vez

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454 | Glaucoma que a simples transiluminação iriana poderia causar falsa impressão de sucesso, principalmente em íris pouco pigmentadas (poderão restar traves teciduais). É mandatória, ainda, a realização de gonioscopia após a realização do procedimento, para verificar se houve mudança na configuração do ângulo (abertura do mesmo). Basicamente, duas são as técnicas utilizadas com o uso do laser de argônio. A primeira envolve, inicialmente, realizar disparos com baixa energia (200 mW), grandes miras (200 µm) e maior tempo de exposição (0,5 s) para provocar uma contração ao redor do tecido iriano que se pretende penetrar. Posteriormente são realizados disparos de alta intensidade (800 a 1.500 mW), miras pequenas (50 µm) e menor tempo de exposição (0,02 s) para perfuração. A segunda técnica busca realizar a iridotomia diretamente, com miras pequenas (50 µm) e alta energia (800 a 1.500 mW) e curto tempo de exposição (0,02 s). Necessita, assim, de foco preciso e boa superposição dos disparos para o sucesso do procedimento. Com o uso do Nd:YAG laser deve-se realizar disparos bem focados sobre o estroma anterior da íris. Nestes aparelhos, o tempo de exposição e o tamanho da mira são fixos. Devem ser utilizados 1 a 2 pulsos por disparo, com energia de 5 a 7 mJ por pulso. Pessoalmente temos preferência por utilizar um pulso por disparo. Dependendo da espessura iriana, 1 a 3 disparos costumam ser suficientes para o sucesso do procedimento (Figs. 2A e B). Em algumas situações os dois tipos de lasers podem ser utilizados. São basicamente nos casos em que haveria maior risco de sangramento com a utilização apenas do Nd:YAG laser, como, por exemplo, pacientes com uveíte ou em uso de anticoagulantes. Utiliza-se, então, primeiramente o laser de argônio, que irá cauterizar os vasos da região, e posteriormente o Nd:YAG laser para a perfuração.

Figs. 2 (A e B)  Iridotomia realizada com Nd:YAG laser.

Complicações No acompanhamento pós-operatório deve-se estar atento à ocorrência de picos pressóricos. Estes ocorrem principalmente na primeira hora pós-procedimento, estando relacionados com a quantidade de energia utilizada em sua realização. Podem ser evitados (ou minimizados) com a instilação de 1 gota de colírio de tartarato de brimonidina antes da aplicação do laser. Uma vez que algum grau de irite pode ser percebido depois do procedimento, costuma-se prescrever colírio de cortisona para uso durante 5 a 7 dias após. Outra complicação frequente é a ocorrrência de hifema durante o procedimento, sendo mais comum quando utilizado o Nd:YAG laser. Resolve-se, em geral, com uma leve pressão da lente de contato sobre o olho. O laser de argônio, por promover coagulação tecidual enquanto age, raramente cursa com esta complicação.

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Lesões corneanas podem ocorrer com a utilização do laser de argônio, por queimadura térmica do epitélio e endotélio corneanos. São, em geral, clinicamente insignificantes, mas podem impedir a continuidade do procedimento. Têm sido descritos alguns casos de descompensação corneana tardia pós-utilização do laser de argônio em portadores de distrofia endotelial de Fuchs. Quando se utiliza o Nd:YAG laser pode ocorrer lesão endotelial quando seu foco estiver a menos de 1 mm do endotélio corneano, porém, na maioria das vezes, sem implicações clinicamente significantes. Opacidades cristalinianas subcapsulares anteriores focais foram descritas após iridotomias com o laser de argônio e, menos comumente, com o Nd:YAG laser, porém se mostraram não progressivas nem relacionadas com baixa visual a longo prazo. Pode ocorrer fechamento da iridectomia, principalmente quando utilizado o laser de argônio; precocemente, pela presença de debris e acúmulo de grânulos de pigmento; quando tardia, pela proliferação do epitélio pigmentar. Ocorre menos frequentemente quando utilizado o Nd:YAG laser. O retratamento pode ser realizado com a aplicação de mais energia sobre a região previamente tratada.

IRIDECTOMIA INCISIONAL A iridectomia incisional tem sido realizada desde 1857, quando von Graefe primeiramente a introduziu para o tratamento do glaucoma agudo, tendo se tornado, no decorrer do século XX, o procedimento de escolha para se tratar glaucoma de ângulo fechado. Nas últimas décadas, as vantagens do procedimento a laser levaram-no a ganhar preferência, embora ainda existam algumas situações em que a técnica incisional deva ser utilizada.

Indicações Nos casos de glaucoma de ângulo fechado devido ao bloqueio pupilar, nos quais a realização da iridotomia a laser não é possível devido à presença de edema ou cicatrizes corneanas que impeçam a visão da íris, em casos de pacientes pouco colaborativos, ou, ainda, havendo escassez de recursos tecnológicos. Em situações de fechamento do orifício da iridectomia a laser em virtude de processo inflamatório intraocular (uveítes, Fig. 3). Como parte da cirurgia filtrante, de modo a impedir a herniação do tecido iriano pelo orifício da esclerotomia e sua subsequente oclusão. Em casos de tumores irianos, onde uma iridectomia, usualmente setorial, poderá ser suficiente para remover o tumor.

Fig. 3  Iridectomia cirúrgica incisional realizada após a oclusão da iridotomia a laser em caso de uveíte.

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Técnica O procedimento pode ser realizado sob anestesia tópica em pacientes cooperativos. Realizase incisão limbar (após peritomia) ou em córnea clara. A incisão limbar tem a vantagem de facilitar o prolapso do tecido iriano, enquanto a incisão em córnea clara poupa a conjuntiva para uma futura eventual cirurgia filtrante. Em ambas as técnicas deve-se realizar incisão autosselante, com aproximadamente 3 mm. Após o prolapso da íris, traciona-se gentilmente com uma pinça, seccionando-se uma pequena porção do tecido iriano com tesoura apropriada, posicionada paralelamente ao limbo. A realização de leve depressão da margem posterior da incisão facilita o prolapso do tecido quando este não ocorrer espontaneamente. A íris é então reposicionada na câmara anterior utilizando-se espátula. O fechamento da incisão pode ser realizado com ponto simples e fio de nylon 10-0 quando necessário.

Complicações Existe a possibilidade de excisão somente do estroma iriano, deixando-se intacto o epitélio pigmentado (iridectomia parcial ou incompleta) e tornando o procedimento ineficaz. Deve ser prevenida visualizando-se a patência pela transiluminação durante o ato cirúrgico. Quando diagnosticado no pós-operatório, pode-se completá-la utilizando-se o laser. A ocorrência de pequenos sangramentos após a iridectomia cirúrgica é comum. Quando provenientes da íris, bem como de lesões iatrogênicas do corpo ciliar, podem ser controlados com a injeção de bolha de ar ou viscoelástico na câmara anterior. Nos casos de pacientes com rubeosis iridis o risco de sangramento é bastante elevado, recomendando-se o uso do cautério antes da iridectomia. Fenômenos de glare e fotofobia são relativamente comuns após iridectomias incisionais, podendo ser minimizados posicionando-as superiormente, de modo a ficarem cobertas pela pálpebra superior. Estima-se que aproximadamente 30% dos pacientes submetidos à iridectomia incisional poderão desenvolver catarata. A explicação para esta ocorrência seria de que a nutrição cristaliniana poderia ser prejudicada pelo fluxo do humor aquoso direcionado à iridectomia em vez de através do orifício pupilar. Lesões da zônula, com consequente deslocamento do cristalino e perda vítrea, devem ser evitadas pela manipulação cirúrgica cuidadosa. O glaucoma maligno deve ser considerado quando da existência de câmara anterior rasa e pressão intraocular elevada na presença de iridectomia patente. Outras complicações, como encarceramento da íris na incisão, descolamento da membrana de Descemet e endoftalmite são inerentes aos procedimentos cirúrgicos com abertura de câmara anterior.

IRIDOPLASTIA O procedimento de iridoplastia ou gonioplastia foi primeiro descrito em 1973 por Hager. É uma técnica em que se produzem queimaduras de baixa intensidade, longa duração e com miras de tamanho grande na periferia da íris, provocando sua contração. Ela é utilizada como

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meio de efetuar a abertura de um ângulo fechado por aposição, nas circunstâncias em que a iridotomia não seria eficaz devido ao mecanismo do fechamento não ser por bloqueio pupilar.

Indicações Síndrome de íris em Plateau Nesta condição, o ângulo da câmara anterior pode permanecer ocluído mesmo após iridotomia patente. Isso se deve a uma configuração anatômica anormal, em que a íris tem maior espessura, raiz mais curta e de inserção mais anterior e os processos ciliares, posicionados de modo anteriorizado, como que empurrando a raiz da íris de encontro às estruturas camerulares. Pode-se produzir, assim, uma situação de bloqueio angular, motivo pelo qual o ângulo poderá ainda permanecer aposicionalmente fechado mesmo após uma iridotomia patente. Clinicamente, suspeita-se desta síndrome na presença de câmara anterior profunda na região central e rasa na periferia, apesar da presença de iridotomia com patência. Deve-se, entretanto, sempre realizar primeiro uma iridotomia a laser a fim de eliminar qualquer componente de bloqueio pupilar que possa coexistir. O diagnóstico definitivo é realizado por meio da ultrabiomicroscopia (UBM, Figs. 4A e B), que é útil para diferenciá-la de outras condições, como os cistos irianos e de corpo ciliar. A iridoplastia, por promover a contração do tecido iriano periférico, afastando-o das estruturas camerulares, pode, portanto, em casos de plateau, resolver a situação de bloqueio angular.

Figs. 4 (A e B)  UBM em caso de íris em plateau.

Glaucoma congestivo agudo primário O tratamento preconizado e definitivo para o glaucoma agudo por bloqueio pupilar é a iridotomia periférica. Entretanto, em algumas situações onde não se consegue debelar a crise aguda de modo medicamentoso (ou em pacientes clinicamente impossibilitados de utilizar colírios hipotensores oculares), e em especial nos casos de olhos muito inflamados, que impeçam a realização, naquele momento, da iridectomia a laser, pode-se lançar mão da iridoplastia. Uma vez que, durante a crise congestiva, a periferia iriana permanece em contato com as estruturas do seio camerular, a aplicação de queimaduras a laser na íris periférica (em 360º ou mesmo em 180º) deverá causar sua contração tecidual, levando a afastamento do ângulo,

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458 | Glaucoma podendo ajudar, assim, a sanar a crise congestiva. Este procedimento costuma ser eficaz no sentido de abrir o ângulo (onde não houver sinequias), de modo que a pressão intraocular, em geral, se reduz de modo significativo e rápido. Pode favorecer, assim, a melhora das condições locais para que uma iridotomia a laser (que é o tratamento definitivo para o bloqueio puiplar) seja realizada após.

Contraindicações Fechamento angular por sinequias A iridoplastia é eficaz no tratamento do fechamento angular por aposição, mas não o é naqueles casos onde o glaucoma seja relacionado com sinequias anteriores periféricas (p. ex., glaucoma pós-uveíte, glaucoma neovascular).

Edema corneano importante Em situações de glaucoma agudo, se houver algum grau de edema de córnea, pode-se, contudo, instilar colírio de glicerina para diminuir o edema temporariamente e, com isso, permitir a realização do procedimento.

Técnica Procura-se obter miose por meio de instilação de colírio de pilocarpina a 2% 1 a 2 horas antes e, para evitar pico pressórico, 1 gota de colírio alfa-agonista (brimonidina) imediatamente antes do procedimento. Se há edema corneano moderado que possa dificultar o procedimento, instila-se glicerina, que deverá ajudar a clarear temporariamente a córnea. Utiliza-se lente de contato de Abraham ou de Goldmann, buscando-se queimaduras no setor iriano mais periférico visível, tendo como parâmetros mira de 500 µm com 0,5 segundos de duração e intensidade de 200 a 400 mW. Quando a lente de Goldmann é utilizada deve-se usar uma potência maior com mira menor, pois o feixe de laser incide tangencialmente no tecido iriano, levando a certa dispersão de sua energia. Em ambos os casos procura-se deixar espaço de dois spots entre cada queimadura, devendo-se aumentar a potência ou a duração se não for observada contração do tecido iriano. Trata-se com 10 a 12 spots a cada 180°, deixando-se espaço de 2 diâmetros de spot entre cada queimadura (a fim de se evitar necrose iriana). Ao final da aplicação prescreve-se colírio de cortisona durante 5 a 7 dias. Deve, evidentemente, ser realizada gonioscopia ao final, com o intuito de observar se houve o resultado esperado de abertura angular.

Complicações Uma irite moderada e de curta duração é esperada após o procedimento, devendo ser tratada com anti-inflamatórios hormonais (colírio). Uma vez que o procedimento é geralmente realizado em pacientes com câmaras anteriores rasas perifericamente, é possível que ocorram queimaduras no endotélio corneano. Sua evolução, entretanto, é no sentido da resolução em alguns dias, raramente levando a qualquer dano maior. Assim como em outros procedimentos a laser de

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Cirurgia de Íris  |  459

segmento anterior, picos pressóricos podem ocorrer, devendo-se preveni-los (ou minimizá-los) com a utilização de colírio de tartarato de brimonidina antes de sua realização. Caso os spots tenham sido aplicados muito próximos uns dos outros pode ocorrer atrofia iriana. Evita-se isso deixando-se um intervalo de 2 diâmetros de spot entre uma queimadura e outra.

PUPILOPLASTIA A pupiloplastia é a técnica através da qual são aplicadas queimaduras na região pupilar da íris, com a intenção de provocar modificações na pupila. Seu tamanho, formato e posicionamento podem ser manipulados através da aplicação de queimaduras por laser de argônio. O laser pode ser aplicado em 360°, levando a uma pequena e regular dilatação da pupila, ou em setores, para corrigir corectopias ou afastar a íris de áreas de contato com vítreo ou lente intraocular. A contração pupilar se dá no sentido do quadrante em que o laser é aplicado.

Indicações Baixa visual pela terapia miótica O uso de colírios mióticos, em especial a pilocarpina, pode levar a grave baixa de acuidade visual em pacientes com opacidades de meios. Nos casos em que a dilatação pupilar pode melhorar a acuidade ou o campo visual do paciente, pode-se considerar a realização de uma pupiloplastia.

Corectopia Podem-se realizar aplicações setoriais de laser com a intenção de atrair a pupila para a região do eixo visual, contribuindo para a melhora da acuidade.

Técnica São realizados disparos com o laser de argônio em fileiras radiais iniciando-se próximo a borda pupilar e aumentando-se o tamanho da mira em direção a periferia. Sugerem-se os seguintes parâmetros iniciais: 200 a 500 µm no tamanho da mira, 0,2 a 0,5 s de exposição e potência de 200 a 500 mW. Nos casos em que se deseja a dilatação pupilar, os disparos devem envolver os 360° para obter uma dilatação simétrica. Naqueles em que se deseja o reposicionamento da pupila deve-se aplicar o laser em um quadrante, lembrando que a pupila se deslocará no sentido do quadrante onde o laser estiver sendo aplicado (Fig. 5).

Fig. 5  Esquema mostrando o local de aplicações do laser. À direita o posicionamento da iridoplastia e à esquerda marcas da pupiloplastia.

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460 | Glaucoma Este procedimento não deve ser realizado em olhos fácicos pelo risco de se atingir o cristalino.

Complicações Assim como nos outros procedimentos a laser realizados sobre a íris, busca-se prevenir e monitorar o aumento da pressão intraocular e a reação inflamatória no pós-operatório.

BIBLIOGRAFIA Campbell DG, Schertzer RM. Pathophysiology of pigment dispersion syndrome and pigmentary glaucoma. Curr Opin Ophthalmol, 1995; 6:96. Del Priore LV, Robin AL, Pollack IP. Neodymium: YAG and argon laser iridectomy: long-term follow-up in a prospective, randomized clinical trial. Ophthalmol, 1988; 95:1207. Higashihara H, Sotozono C, Shanmuganathan VA, Dua H et al. Argon laser iridotomy-induced bullous keratopathy. Br J Ophthalmol, 2007; 91(12):1613. Khuri CH. Argon laser iridectomies. Am J Ophthalmol, 1973; 76:490. Lai JS, Tham CC, Chua JK et al. Immediate diode laser peripheral iridoplasty as treatment of acute attack of primary angle closure glaucoma: a preliminary study. J Glaucoma, 2001;10:89. Lam DS, Lai JS, Tham CC et al. Argon laser peripheral iridoplasty versus conventional systemic medical therapy in treatment of acute primary angle-closure glaucoma: a prospective, randomized, controlled trial. Ophthalmol, 2002; 109:1591. Meyer-Schwickerath G. Erfahrungen mit der Lichtkoagulation der Netzhaut und der Iris. Doc Ophthalmol, 1956; 10:91. Reistad, CE, Shields MB, Campbell DG et al. The influence of peripheral iridotomy on the intraocular pressure course in patients with pigmentary glaucoma. J Glaucoma, 2005; 14:255. Ritch R, Tham CCY, Lam DSC. Long-term success of argon laser peripheral iridoplasty in the management of PIS. Ophthalmol, 2004; 111:104. Robin AL, Pollack IP. A comparison of neodymium: YAG and argon laser iridotomies. Ophthalmol, 1984; 91:1011. Robin AL, Pollack IP. Argon laser peripheral iridotomies in the treatment of primary angle closure glaucoma: long-term follow-up. Arch Ophthalmol, 1982; 100: 919. Snyder WB. Laser coagulation of the anterior segment. 1. Experimental laser iridectomy. Arch Ophthalmol, 1967;77:93. Spaeth GL, Idowu O, Seligsohn A, Henderer J et al. The Effects of Iridotomy Size and Position on Symptoms Following Laser Peripheral Iridotomy. J Glaucoma, 2005; 14:364. Theodossiadis GP. Pupilloplasty in aphakic and pseudophakic pupillary block glaucoma. Trans Ophthalmol Soc UK, 1985; 104(Pt 2):137.

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PAULO AUGUSTO DE ARRUDA MELLO • SÉRGIO HENRIQUE TEIXEIRA

C A P Í T U L O  |  39

Trabeculectomia: Evolução da Técnica

INTRODUÇÃO A trabeculectomia (TREC) é atualmente a cirurgia mais utilizada para o controle do glaucoma. Consiste na criação de uma rota alternativa ao escoamento do humor aquoso, que chega à circulação sistêmica após sua absorção pelos vasos sanguíneos subconjuntivais, veias aquosas e vasos linfáticos. Apesar de conceitualmente simples, uma série de detalhes técnicos e conhecimentos da anatomia cirúrgica do limbo podem influenciar sua segurança, eficácia e durabilidade. Nesse capítulo tentaremos abordar a técnica da trabeculectomia com um enfoque prático, passo a passo, com considerações teóricas, ilustrações e suporte da literatura quando possível.

INDICAÇÃO Olhos com evidência de progressão de dano glaucomatoso (camada de fibras nervosas da retina, disco óptico ou campo visual) na vigência de medicação máxima tolerada. Olhos com pressão intraocular significativamente superior à pressão-alvo na vigência de medicação antiglaucomatosa máxima tolerada. Pacientes sem condição de manter o tratamento medicamentoso, devido aos efeitos colaterais ou por outros motivos. O cirurgião deve avaliar os riscos potenciais da cirurgia e contrapô-los à perda visual que pode ocorrer caso o paciente seja mantido sem o controle desejado da pressão intraocular. Nesse cálculo deve-se levar em conta diversos fatores, entre eles: a idade do paciente, sua condição clínica, o estadiamento do glaucoma, a taxa de progressão, entre outros.

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PRÉ-OPERATÓRIO A trabeculectomia é uma cirurgia efetiva e segura no controle da PIO. Apesar disso é uma técnica sujeita diversas complicações, algumas potencialmente graves. O paciente que vai se submeter a uma trabeculectomia deve conhecer previamente os riscos do procedimento, a importância do pós-operatório e a possível necessidade de reintervenções. Um termo de consentimento informado pode ser utilizado para reforçar essas informações. Com relação aos cuidados pré-operatórios, podemos destacar:

Prevenção de infecção A taxa de endoftalmite precoce na trabeculectomia é relativamente baixa (0,1%). O controle das doenças sistêmicas como o dibetes melito, doenças locais como a blefarite e o uso de técnicas corretas de antissepsia podem diminuir a chance de infecções agudas (até 1 mês após a cirurgia). Normalmente utilizamos iodopovidona tópica nas pálpebras e região periocular. Além disso, o colírio de iodopovidona a 5% (duas gotas) é utilizado antes do procedimento cirúrgico devido a evidências substanciais (nível II) endossando seu uso na prevenção de endoftalmite pós-cirurgia de catarata.

Medicação sistêmica Além das doenças associadas (p. ex., a hipertensão arterial sistêmica, diabetes melito, discrasias sanguíneas, entre outras), as medicações utillizadas pelos pacientes podem afetar o funcionamento da TREC. Devemos ter cuidado especial com as medicações anticoagulantes, que preferencialmente devem ser substituídas com ajuda de um hematologista antes do procedimento. Antiagregantes palquetários como o AAS e suplementos como a Gingko biloba (que parece também ter efeito antiagregante palquetário) podem aumentar o sangramento durante e após a cirurgia comprometendo seu resultado.

Medicação tópica Acredita-se que o uso prévio de colírios antiglaucomatosos possa influenciar de maneira negativa no sucesso da trabeculectomia. Especialmente nesses pacientes, o uso de medicação anti-inflamatória poderia, em tese, melhorar a condição da conjuntiva e favorecer o resultado da trabeculectomia. Um ensaio clínico aleatorizado recente, comparando o uso prévio por 1 mês de anti-inflamatórios não hormonais, corticosteroides tópicos (fluormetolona) e placebo, encontrou menor necessidade de agulhamento nos grupos de tratamento em relação ao placebo. Encontrou ainda menor PIO no pós-operatório no grupo do CE comparado com os outros dois.

TÉCNICA CIRÚRGICA A trabeculectomia é uma cirurgia fistulante, ou seja, uma fístula deve ser confecionada, comunicando a região intraocular com a região extraocular. Também é rotulada por alguns autores

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como cirurgia filtrante, porque o humor aquoso é redirecionado para a região subtenoniana onde vai ser absorvido (filtrado) para a circulação. Essas duas características são necessárias para seu perfeito funcionamento, ou seja, a fístula tem de estar pérvia e a capacidade de absorção da conjuntiva e cápsula de Tenon deve estar preservada. Desde as primeiras tentativas de realização de cirurgias filtrantes/fistulantes, modificações e aperfeiçoamentos na técnica cirúrgica visam aprimorar e preservar essas duas características, além de minimizar as complicações. Dessa forma, a técnica cirúrgica vem evoluindo desde as cirurgias de iridencleises e Sheie, passando pelas cirurgias protegidas com flap escleral até o uso de adjuvantes. A técnica descrita aqui é uma das muitas técnicas possíveis de trabeculectomia. Não pretende ser a melhor, nem a pior, mas sim uma possibilidade com comprovada eficácia e segurança.

Anestesia Diversas modalidades de anestesia podem ser usadas na trabeculectomia. As mais comuns são:

Anestesia geral Pontos positivos: ótimo controle de mobilidade ocular, conforto para o paciente durante a cirurgia. Pontos negativos: maior quantidade de anestésico; possibilidade de tosse ou vômitos após o procedimento; tempo de anestesia.

Anestesia peribulbar/retrobulbar Pontos positivos: bom controle de mobilidade ocular, conforto para o paciente durante a cirurgia. Pontos negativos: risco do procedimento (perfuração, hemorragia retrobulbar); desconforto durante a anestesia; necessidade de curativo por um período variável após a cirurgia (postergando o uso de colírios anti-inflamatórios).

Anestesia subconjuntival/subtenoniana/gel de lidocaína Pontos positivos: não necessita curativo pós-operatório, possibilidade de usar colírios no pós-operatório imediato. Pontos negativos: desconforto durante o procedimento, movimentação do globo ocular e possível efeito tóxico do anestésico no sítio da trabeculectomia. Até o momento não existe consenso sobre a melhor técnica de anestesia na TREC. Estudos comparando taxas de conforto e satisfação comparando as diversas técnicas não encontraram diferenças significantes. Estudos isolados indicam que as anestesias retrobulbar e peribulbar podem aumentar a PIO em até 25 mmHg nos primeiros 5 minutos especialmente em pacientes com glaucoma e que a anestesia retrobulbar pode diminuir o fluxo sanguíneo retro-ocular, o que não ocorre com a anestesia subconjuntival. Apesar disso, um estudo baseado em questionários, encontrou menor chance de sucesso (OR=0,17) nas trabeculectomias com injeção subconjuntival, comparado a outros tipos de anestesia.

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Tração da córnea É realizada para obter um posicionamento favorável do olho durante a cirurgia. Deve-se tomar cuidado para que não ocorra a penetração na câmara anterior e para que a sutura não fique muito superficial (ocasionando laceração da córnea). Sugerimos a utilização de fio Vycryl 7-0 ou 8-0 ou seda 8-0, leve depressão da córnea durante a passagem da agulha (tentando retificar o tecido e manter a mesma profundidade) e a passagem em dois tempos (conforme a figura), para se obter maior porção de tecido na tração (Fig. 1). Dicas para quem está começando: Uma alternativa à tração da córnea seria a retopexia, porém a possibilidade de sangramento subconjuntival e indução de fibrose aumentam com essa técnica. Um estudo inglês encontrou um OR de 0,580 comparado à tração da córnea. Caso ocorra perfuração durante a realização da tração da córnea, nova tração deve ser realizada com orifício de entrada e de saída englobando a sutura anterior (Fig. 2). Com relação ao posicionamento do paciente, é desejável que não haja grande hiperextensão do pescoço (elevação do mento), pois isso pode prejudicar a exposição do limbo durante a cirurgia.

Fig. 1  Representação da tração da córnea com seda ou Vycryl 8-0.

Fig. 2  Esquema para refazer a tração da córnea caso ocorra penetração na câmara anterior.

Retalho conjuntival A cirurgia só deve ser realizada na parte superior do olho (temporal superior, nasal superior ou 12 h). Diversas evidências apontam para aumento da chance de infecção com a cirurgia inferior.

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Existem dois tipos de retalhos conjuntivais possíveis, o de base límbica e o de base fórnice. Especialmente quando se usam antimetabólitos, parece existir uma chance maior de desenvolvimento de ampolas restritas e avasculares com os retalhos de base límbica. Dessa forma optamos preferencialmente por um retalho conjuntival de base fórnice, extenso, em forma de trapézio (com a base maior no fórnice). Dicas para quem está começando: Manter a conjuntiva sempre hidratada (conjuntiva ressecada se rompe mais facilmente). Usar pinças atraumáticas para evitar furos na conjuntiva. Identificar a cápsula de Tenon e mantê-la intacta e anteriorizada (Fig. 3). A hidratação com BSS (solução salina balanceada) pode auxiliar na identificação da cápsula de Tenon abaixo da conjuntiva.

Fig. 3  Abertura conjutival com cápsula de Tenon intacta junto à borda conjuntival.

Hemostasia Hemostasia com cautério bipolar deve ser cuidadosa para evitar queimaduras na conjuntiva. Essas queimaduras podem provocar necrose do tecido, posterior deiscência da ferida cirúrgica e vazamento.

Retalho escleral A confecção do retalho escleral é um passo fundamental, pois ele vai ser o principal responsável pelo fluxo correto de humor aquoso (HA) no pós-operatório. A confecção de um retalho muito espesso, além de aumentar o risco de entrada inadvertida na câmara posterior, pode produzir uma drenagem insuficiente no pós-operatório. Um retalho muito fino tem maior chance de rotura com a manipulação e durante a sutura e frequentemente está associado a drenagem excessiva no pós-operatório. O tamanho do retalho escleral é motivo de controvérsia entre os cirurgiões. Alguns preferem retalhos pequenos na tentativa de minimizar a abertura conjuntival e possibilitar futuras cirurgias ao lado da primeira. Outros preferem retalhos grandes na tentativa de posteriorizar o fluxo de HA. Um retalho maior possibilita o acesso ao trabeculado mesmo sem a extensão de suas bordas até o limbo. Já foi demonstrado que retalhos que ultrapassam a linha limbar estão associados a uma drenagem excessiva de HA. Pessoalmente, utilizamos um retalho escleral médio (aproximadamente 4 mm, retangular com sua base maior paralela ao limbo), que não se estende até o limbo em suas porções laterais, que possibilite a visualização do limbo cirúrgico e que direcione o humor aquoso posteriormente (Fig. 4). Não existe nenhuma evidência conclusiva indicando que um retalho pequeno, ou mesmo triangular, resulte em uma trabeculectomia pior, além disso os princípios descritos se aplicam a retalhos de qualquer tamanho.

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Fig. 4  Detalhe do retalho escleral de formato retangular cujas bordas não se extendem até o limbo.

Dicas para quem está começando: O retalho pode ser confeccionado com lâmina crescente ou lâmina de bisturi no 11 ou no 15. No caso da crescente, durante a dissecção, a não observação da lâmina por transparência significa que o retalho está muito espesso e a observação muito fácil significa que ele está muito fino (é necessária alguma experiência para se obter essa percepção, portanto, a dissecção com bisturi pode ser mais segura para quem está começando). Caso opte pelo uso de antimetabólitos em baixo do retalho escleral, é recomendável interromper a dissecção antes de se chegar ao limbo cirúrgico para evitar a entrada do fármaco na CA. Após a lavagem do antimetabólito completa-se a confecção do retalho escleral.

Antimetabólitos Os agentes antiproliferativos mais utilizados na trabeculectomia são o 5-fluorouracil e a mitomicina C. Ambos têm objetivo de diminuir a resposta fibrovascular no período pós-operatório. A área tratada deverá ser ampla e posteriorizada em relação ao limbo a fim de evitar ampolas localizadas, císticas e muito próximas da córnea. O objetivo é conseguir uma ampola fistulante difusa, sem o desenvolvimento do anel de fibrose que restringe o fluxo do humor aquoso e leva à formação da bolha cística. A aplicação também sob o retalho escleral pode melhorar a taxa de sucesso da cirurgia, porém os estudos randomizados prospectivos ainda devem confirmar esse achado. A aplicação apenas sob o retalho escleral não parece ter efeito superior. O tempo de aplicação e a concentração do agente antiproliferativo é variável de acordo com o caso operado. A concentração varia de 0,2 a 0,5 mg/ml de mitomicina C, sendo fixa em 50 mg/ml de 5-fluorouracil. Após o período de aplicação, todas as esponjas devem ser removidas com especial cuidado para que não permaneça no local nenhum fragmento. Em seguida, o leito onde foi aplicado o agente antiproliferativo deve ser irrigado com solução salina. Durante a colocação posterior das esponjas embebidas em agentes antiproliferativos, deve-se tomar cuidado para que não se desloque a cápsula de Tenon posteriormente. Evita-se ainda o contato entre a borda do retalho de conjuntiva e a esponja.

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Paracentese e mantenedor de câmera anterior A paracentese deve ser realizada afastada do local da trabeculectomia, preferencialmente com lâmina de 15o. Geralmente evita-se apontar a lâmina em direção ao centro geométrico da córnea, preferindo-se a entrada em direção ao seio camerular inferior. Essa manobra protege contra uma eventual lesão na cápsula anterior do cristalino. Alguns cirurgiões preferem utilizar o mantenedor de câmara anterior em todas as trabeculectomias. A justificativa para isso seria a menor ocorrência de variações bruscas de pressão intraocular durante o procedimento, o que poderia resultar em uma menor taxa de complicações pós-operatórias como o descolamento de coroide. Além disso, a pressão intraocular e o fluxo poderiam ser melhor controlados com essa técnica, principalmente no momento de suturar o retalho escleral. Outros o utilizam apenas em algumas cirurgias e muitos não o utilizam nunca. Não há evidências sobre os benefícios e os malefícios do seu uso. Também podemos comentar que o seu emprego aumenta a dificuldade e o tempo cirúrgico. Para quem for utilizar o mantenedor de câmara anterior: Na colocação do mantenedor é recomendável um túnel longo, mais paralelo que perpendicular ao limbo (em direção à raiz da íris e não ao cristalino). Isso evita toque no endotélio e no cristalino. Lembrar que 1 atm = 760 mmHg = 10,3 m de coluna d’água. Assim, 1 m de coluna d’água corresponde a uma PIO de aproximadamente 74 mmHg. Normalmente posicionamos a garrafa de BSS a 25 e 30 cm acima do nível dos olhos do paciente, o que resultaria em uma PIO de aproximadamente 20 mmHg e regulamos o fluxo do equipo para um gotejamento lento.

Trabeculectomia A trabeculectomia pode ser realizada com lâmina de bisturi 11, lâmina 15o ou punch. Preferimos o último por ser mais reprodutível e mais rápido. Uso de punch com cabeças de 0,5 ou 0,75 mm permite controle maior do tamanho da esclerotomia. Conhecimento da anatomia cirúrgica é fundamental para o posicionamente da trabeculectomia. Um estudo histopatológico encontrou uma associação entre esclerotomias que se estendiam posteriormente ao trabeculado (esporão escleral e além) e uma maior taxa de insucesso cirúrgico. Esclerectomias posteriores também podem aumentar a chance de sangramento na região do corpo ciliar e perda vítrea. Para quem for utilizar o punch: Retificar o punch no momento da esclerectomia pode evitar a espessura parcial e sobra de membrana de Descemet na incisão (Fig. 5).

Fig. 5  Retificação do punch evitando a esclerectomia parcial.

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Iridectomia O próximo passo é a iridectomia periférica, cujo principal objetivo é a prevenção de obstrução interna da fístula por tecido iriano, além de prevenir bloqueio pupilar no pós-operatório. A iridectomia deve ser extensa em sua base, mas deve-se evitar a extensão radial (em direção à pupila) para evitar diplopia monocular. Durante a realização da iridectomia deve-se tomar máximo cuidado para que não se atinjam os processos ciliares e a zônula. A lesão dessa estruturas pode acarretar em sangramento, perda vítrea e comprometer o sucesso cirúrgico. A posição correta da tesoura é paralela ao limbo e rente à incisão (Fig. 6). Dica para quem está começando: O posicionamento em 90° da pinça e da tesoura de íris facilita a confecção de uma iridectomia ampla na base e não extensa em direção à pupila.

Fig. 6  Posição da tesoura (rente à esclerectomia) com observação da borda pupilar.

Sutura do retalho escleral A sutura do retalho escleral deve ser realizada com fio de mononylon 10-0. A drenagem do HA vai ser regulada nesta fase e uma sutura inadequada pode levar a hipo ou hipertonia no pós-operatório. A técnica básica consiste na sutura com pontos nos dois ápices do flap que são posteriormente enterrados ou sepultados na esclera. Existe a possibilidade de se utilizar suturas removíveis ou ajustáveis nessa fase. O número de pontos pode ser maior e deve ser o número necessário para manter uma drenagem adequada sem que a câmara anterior fique rasa.

Sutura do retalho conjuntival O retalho conjuntival pode ser suturado com nylon 10-0 ou vicryl 8-0. A sutura deve ser cuidadosa para se evitar vazamentos no pós-operatório. Especialmente no caso do nylon, o tipo de agulha pode diminuir a chance de lesão da conjuntiva. Agulhas com uma área de corte muito grande (ponta plana em forma de espátula) podem causar orifícios grandes na conjuntiva e possível vazamento. A conjuntiva deve estar hidratada e com a cápsula de Tenon anteriorizada (consegue-se a anteriorização da Tenon com a hidratação subconjuntival por meio de cânula). Ao final da cirurgia deve-se observar: ampola formada, ausência de vazamento e iridectomia visível. Uma gota de atropina a 1% pode diminuir a chance de bloqueio ciliar. Antibiótico e corticosteroide podem ser utilizados sob a forma de colírios (no caso de anestesia geral ou tópica/subconjuntival) ou subconjuntival (nos bloqueios peri e retrobulbares).

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PÓS-OPERATÓRIO Talvez não exista um procedimento oftalmológico em que o período pós-operatório exerça uma influencia tão marcante no resultado final. Na trabeculectomia, um pós-operatório cuidadoso e competente, pode representar a diferença entre o sucesso completo e uma complicação devastadora. Dessa forma, o paciente tem que estar ciente que deverá ser avaliado diversas vezes nesta fase, que poderá sofrer reintervenções ambulatoriais ou em centro cirúrgico, que deverá utilizar as medicações corretamente e acatar as orientações sobre atividade física, higiene local e manipulação. O cirurgião que examina o paciente após a cirurgia deve conhecer e saber conduzir as complicações mais frequentes. No período pós-operatório deve-se controlar a fibrose, evitar a infecção e as outras complicações. Corticosteroide tópico é importante para modular a resposta cicatricial no período pós-operatório inicial. A dosagem inicial preconizada no Serviço de Glaucoma da Universidade Federal de São Paulo é: 1 gota a cada 1 ou 2 horas no primeiro dia de pós-operatório. Nos dias seguintes a prescrição é e 4 vezes/dia, pelo menos durante 4 semanas. Em seguida, procede-se à redução gradual de acordo com a resposta inflamatória individual. Antibiótico tópico profilático de amplo espectro deve ser mantido nas primeiras duas semanas. Corticosteroide oral pode ser indicado levando-se em consideração os riscos potenciais de efeitos colaterais. Atropina ou cicloplégicos deverão ser usados no pós-operatório precoce para se evitar o glaucoma por bloqueio pupilar.

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470 | Glaucoma Cho HJ, Shon YH, Nam KS. Ginkgolide C inhibits platelet aggregation in cAMP- and cGMP-dependent manner by activating MMP-9. Biol Pharm Bull, 2007; 30: 2340-4. Ciulla TA, Starr MB, Masket S. Bacterial endophthalmitis prophylaxis for cataract surgery: an evidence-based update. Ophthalmology, 2002; 109:13-24. Dhingra S, Khaw PT. The moorfields safer surgery system. Middle East Afr J Ophthalmol, 2009; 16:112-5. Edmunds B, Bunce CV, Thompson JR et al. Factors associated with success in first-time trabeculectomy for patients at low risk of failure with chronic open-angle glaucoma. Ophthalmology, 2004; 111:97-103. Greenfield DS, Suner IJ, Miller MP et al. Endophthalmitis after filtering surgery with mitomycin. Arch Ophthalmol, 1996; 114: 943-9. Huber KK, Remky A. Effect of retrobulbar versus subconjunctival anaesthesia on retrobulbar haemodynamics. Br J Ophthalmol, 2005; 89:719-23. Kohl DA, Walton DS. Limbus-based versus fornix-based conjunctival flaps in trabeculectomy: 2005 update. Int Ophthalmol Clin, 2005;45:107-13. Kuang TM, Lin YC, Liu CJ et al. Early and late endophthalmitis following trabeculectomy in a Chinese population. Eur J Ophthalmol, 2008; 18: 66-70. O’Donoghue E, Batterbury M, Lavy T. Effect on intraocular pressure of local anaesthesia in eyes undergoing intraocular surgery. Br J Ophthalmol, 1994; 78:605-7. Prasad N, Latina MA. Blebitis and endophthalmitis after glaucoma filtering surgery. Int Ophthalmol Clin, 2007; 47: 85-97. Stalmans I, Gillis A, Lafaut AS, Zeyen T. Safe trabeculectomy technique: long term outcome. Br J Ophthalmol, 2006; 90: 44-7. Tressler CS, Cyrlin MN, Rosenshein JS, Fazio R. Subconjunctival versus intrascleral mitomycin-C in trabeculectomy. Ophthalmic Surg Lasers, 1996; 27:661-6. Wolner B, Liebmann JM, Sassani JW et al. Late bleb-related endophthalmitis after trabeculectomy with adjunctive 5-fluorouracil. Ophthalmology, 1991; 98:1053-60. You YA, Gu YS, Fang CT, Ma XQ. Long-term effects of simultaneous subconjunctival and subscleral mitomycin C application in repeat trabeculectomy. J Glaucoma, 2002; 11:110-8.

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MARCELO HATANAKA

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Implantes de Drenagem

INTRODUÇÃO A utilização de implantes de drenagem para glaucoma visa reduzir a pressão intraocular (PIO) através do escoamento do humor aquoso (HA) por um dispositivo que liga a câmara anterior ao espaço subconjuntival posterior. O conceito inicial para a criação desta via alternativa de drenagem surgiu em 1906 com Rollet e Moreau, que utilizaram crina de cavalo com tal finalidade. Diante do insucesso por fibrose, infecção e extrusão, outros materiais como fio de seda, ouro, tântalo, vidro, platina, acrílico e silicone foram utilizados. Em 1969, Molteno conectou um disco de acrílico a uma das extremidades do tubo e o fixou à esclera, próximo ao limbo, com o objetivo de melhorar a drenagem do aquoso para o espaço subconjuntival. Como a maioria das cirurgias evoluiu após alguns meses para complicações como migração, erosão da conjuntiva ou fibrose, Molteno, em 1976, modificou seu dispositivo através do alongamento do tubo para fixar o disco de drenagem a 9 a 10 mm do limbo e, com isso, reduzir o risco de extrusão. Este modelo-conceito tornou-se a base para os diferentes tipos de implantes produzidos a seguir. Outro importante acréscimo ao conceito inicial dos dispositivos de drenagem foi a elaboração por Krupin, em 1976, de um tubo com restritor de fluxo para reduzir a incidência de hiperfiltração e hipotonia. O aprimoramento da técnica cirúrgica e dos próprios dispositivos possibilitou melhores e satisfatórios resultados terapêuticos em casos de glaucoma antes considerados de reservado prognóstico cirúrgico.

MECANISMO DE REDUÇÃO DA PRESSÃO INTRAOCULAR Aproximadamente 1 mês após a colocação do implante para glaucoma, forma-se uma cápsula fibrovascular ao redor do disco de drenagem. Esta cápsula apresenta poucos fibroblastos e 471

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472 | Glaucoma baixa reação inflamatória, sendo composta por fibras de tecido colágeno com espaços entre si que permitem a passagem do HA por um processo de difusão passiva. O líquido é então absorvido pelos vasos sanguíneos e linfáticos adjacentes. Cápsulas densas com maior concentração de colágeno estão relacionadas com maior resistência ao fluxo e menor controle pressórico. Durante o processo de maturação da cápsula, haverá maior ou menor resistência ao fluxo do aquoso. Na ausência de complicações cirúrgicas, o período pós-operatório recente caracteriza-se por acentuada redução da PIO. Com a formação da cápsula e devido à presença de uma reação granulomatosa que pode durar até 4 meses, haverá elevação da PIO. Finalmente, em 6 meses, a cápsula fibrosa torna-se mais fina e o estroma colágeno menos denso, havendo nova redução pressórica. Estima-se que aproximadamente 80% dos olhos submetidos a cirurgia para implante de dispositivos de drenagem com algum tipo de mecanismo restritor do fluxo (sutura de contenção ou implante valvulado) apresentem uma fase hipertensiva que se inicia em 1 a 2 semanas, chegando a durar até 6 meses.

TIPOS DE IMPLANTES Os atuais implantes de drenagem para glaucoma são construídos com um tubo de silicone conectado em uma das extremidades a um dispositivo confeccionado com material de baixa aderência de fibroblastos como silicone e polipropileno. Os dispositivos variam em forma, tamanho e tipo de material. Contudo, a principal diferença entre os implantes para glaucoma está na presença ou não de um restritor de fluxo para a prevenção de excessiva Chipotonia por hiperfiltração. Temos, assim, implantes não restritivos (Molteno, Susanna, Baerveldt, Shocket) e restritivos (Krupin, Ahmed). O implante de Molteno tem um tubo de silicone com 0,3 mm de diâmetro interno conectado a um disco de material acrílico de 135 mm2 de área com perfurações para a fixação escleral. Variantes deste modelo incluem uma versão pediátrica (disco com menor diâmetro), Molteno duplo (dois discos iguais conectados por mais um tubo de silicone) e Molteno com duas câmaras (concebido para que a primeira câmara, menor, ofereça menos filtração no pós-operatório precoce). O implante de Susanna é totalmente feito com silicone, o que o torna flexível e de manuseio mais fácil. A porção externa deste dispositivo tem uma área de 174 mm2 e possui prolongamentos em sua porção anterior, o que facilita sua fixação. Também feito com silicone, o implante Baerveldt apresenta o corpo dotado de uma forma elíptica em três diferentes tamanhos (área superficial de 250, 300 e 500 mm2), é fixado em um quadrante sob os músculos reto superior e temporal e tem fenestrações por onde travas de tecido fibroso crescem de modo a diminuir a altura da bolsa filtrante e melhorar a fixação do dispositivo. O implante de Shocket difere dos modelos anteriores uma vez que a porção externa é formada por uma banda de silicone posicionada 360° ao redor do globo ocular, de maneira semelhante à cirurgia de introflexão escleral. Este dispositivo foi modificado por Omi et al., podendo ser confeccionado pelo próprio cirurgião utilizando um buckle para cirurgia de retina fixado em apenas um quadrante. Também conhecidos como implantes valvulados, estudos demonstraram que as válvulas presentes nos implantes para glaucoma de Ahmed e Krupin funcionam, na verdade, como restritores de fluxo. O dispositivo de Ahmed conta com um corpo em polipropileno com uma área

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superficial de 184 mm2. Sua “válvula” é feita por duas membranas de silicone que se abrem com pressões oculares acima de 8 mmHg. O implante de Krupin tem a porção externa em forma elíptica com 180 mm2 de área superficial. Seu mecanismo valvar é feito por pequenas fendas presentes na extremidade do tubo e que se abrem quando a PIO está acima de 9 a 11 mmHg.

IMPLANTES DE DRENAGEM PARA GLAUCOMA – INDICAÇÕES E TÉCNICA CIRÚRGICA Indica-se a colocação de implantes de drenagem para glaucoma em pacientes com aumento da PIO em uso de máxima terapia clínica tolerada e em quem os procedimentos filtrantes se mostraram ineficazes. Em casos de glaucomas refratários como glaucoma neovascular, glaucoma traumático, pós-ceratoplastia penetrante ou uveíte, pode-se considerar o implante de drenagem como uma opção cirúrgica primária. Para a adequada exposição do leito cirúrgico, recomenda-se o uso de sutura de tração corneana com fio 6-0 (seda ou poliglactina). A fixação da porção externa do tubo deverá ser feita preferencialmente no quadrante superotemporal devido à menor chance de indução de estrabismo em relação ao quadrante superonasal. Procede-se à peritomia límbica seguida de confecção de um retalho conjuntival de base fórnice através da divulsão do espaço subconjuntival. Como a área cirúrgica para fixação do implante deve ser ampla e posterior ao equador do globo, incisões conjuntivais radiais relaxantes são necessárias. Convém ressaltar que, previamente a sua fixação, o implante de Ahmed deve ter a válvula aberta através da irrigação forçada de solução salina por uma seringa e cânula colocadas na extremidade do tubo. O dispositivo é fixado à esclera através de orifícios próprios presentes em sua porção externa com fio seda 8-0 ou prolene 9-0, devendo sua borda anterior manter uma distância de 8 a 10 mm até o limbo. Implantes com pratos ovalados ou alongados deverão ser posicionados sob os músculos retos. O tubo deve ser seccionado com bisel superior com extensão suficiente para que a porção intraocular tenha aproximadamente 2 mm, e será introduzido através de uma paracentese realizada com agulha 23 gauge próxima ao limbo. É fundamental que a porção livre do tubo esteja posicionada sem toque corneano ou iriano. Havendo vazamento de aquoso peritubo, é necessário interrompê-lo através de sutura escleral com fio mononylon 10-0. O tubo é fixado à esclera através de sutura em “U” a meia distância entre o limbo e a porção externa do implante com fio seda 8-0 ou prolene 9-0, e toda sua extensão será coberta com retalho de dura-máter, fáscia lata, pericárdio ou esclera preservada, fixado com fio mononylon 10-0. Por fim, o retalho conjuntival é suturado com pontos simples com fio mononylon 10-0.

COMPLICAÇÕES Hipotonia Hipotonia precoce acompanhada de câmara anterior rasa pode ocorrer por hiperfiltração, vazamento do humor aquoso através da ferida cirúrgica ou efusão coroidal. A incidência de

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474 | Glaucoma hiperfiltração tende a ser 20 a 30% maior em implantes não restritivos em comparação aos restritivos. Para a prevenção da hipotensão precoce com implantes não restritivos, deve-se proceder à ligadura total ou parcial do tubo com fio absorvível (poliglactina 7-0). A ligadura pode ser realizada próximo à porção externa do dispositivo de drenagem ou na extremidade livre posicionada na câmara anterior. A vantagem desta última é a possibilidade de lise com laser caso o ponto não abra espontaneamente. A sutura parcial é feita seguindo-se uma técnica modificada por Susanna, mantendo-se um fio de mononylon 5-0 no interior do tubo no momento da ligadura. O mononylon é então retirado, permitindo que se forme um diâmetro interno reduzido do tubo, o que restringe sua capacidade de drenagem até o período em que o ponto é absorvido e quando se espera que a formação da cápsula ao redor do corpo do implante já esteja em andamento para que esta faça a função de restrição de um fluxo excessivo. No caso de implantes restritivos, a câmara anterior é preenchida com material viscoelástico ou ar, também com o objetivo de evitar uma saída excessiva e precoce de humor aquoso com consequente hipotensão. Na maioria dos casos, a hipotensão ocorre de forma transitória, podendo ser acompanhada de forma expectante desde que não ocorra toque endotelial e atalamia. Havendo atalamia com toque corneocristaliniano, é mandatório a recomposição da câmara anterior com material viscoelástico. Contudo, nesta situação e em casos de hipotonia persistente, frequentemente haverá necessidade de revisão cirúrgica.

Hipertensão Hipertensão pode ser resultante da ligadura do tubo ou por obstrução por sangue, fibrina, vítreo, íris, cápsula posterior ou até mesmo óleo de silicone. Tais situações podem e devem ser evitadas através de cuidados intraoperatórios que envolvem correto posicionamento do tubo, adequada limpeza da câmara anterior com retirada total de óleo de silicone e coágulos e ampla vitrectomia em casos de afacia ou abertura da cápsula posterior. Em algumas situações, as obstruções podem ser resolvidas com disparos de Nd:YAG laser. Cerca de 1 a 2 semanas após o procedimento cirúrgico poderá ocorrer uma fase hipertensiva decorrente da formação de uma cápsula sobre a porção externa do implante. Em implantes do tipo Ahmed, a incidência de fase hipertensiva pode chegar a 80%. A fase hipertensiva está associada a maior risco de falência cirúrgica e deverá ser inicialmente controlada através do uso de medicamentos hipotensores. Ainda com relação ao implante de Ahmed, Susanna (dados pessoais em análise) tem proposto a irrigação forçada do tubo com solução salina como forma de reduzir a PIO durante a fase hipertensiva, o que poderia resultar em reabertura da válvula em caso de obstrução ou pela ação da pressão gerada sobre a cápsula peri-implante que, uma vez distentida, passaria a apresentar melhor drenagem. Outro recurso possível para controle da PIO durante a fase hipertensiva é o agulhamento da bolha filtrante. Para a maioria dos dispositivos de drenagem, estima-se uma taxa de sucesso de 70 a 80% em 12 meses e 40 a 50% em 36 a 48 meses. A redução gradual no controle pressórico tem como principal causa a excessiva fibrose na área da drenagem com formação de uma densa cápsula ao redor do implante. A remoção cirúrgica desta cápsula está associada a transitório controle da PIO, uma vez que tende a se formar novamente.

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Diplopia Esta complicação foi inicialmente observada com o implante de Baerveldt, sendo a incorporção dos músculos retos pela cápsula uma possível explicação para seu surgimento. Outro mecanismo associado à diplopia e aos distúrbios da motilidade ocular extrínseca é a própria presença da bolsa filtrante cuja acomodação permite melhora do quadro, o que justifica inicial conduta expectante. Em casos persistentes de diplopia, a retirada do implante poderá ser necessária.

Descompensação corneana Estima-se uma incidência de 10 a 20% de descompensação corneana após a cirurgia de implante de drenagem para glaucoma. O toque corneano do tubo com lesão endotelial é responsável por boa parte desta complicação que pode, contudo, ocorrer mesmo quando o implante apresenta-se aparentemente com adequado posicionamento. Neste caso, possíveis explicações incluem discreta e persistente inflamação decorrente da presença do implante e fluxo retrógrado de mediadores inflamatórios da porção externa do dispositivo de drenagem para a câmara anterior.

Migração e exposição do implante A extrusão do implante associado ou não a sua migração pode ocorrer por inadequado posicionamento (implante muito anteriorizado) e pelo não recobrimento do tubo. Em caso de erosão da conjuntiva suprajacente, o risco de contaminação e endoftalmite torna mandatória a intervenção cirúrgica imediata.

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REGINA CELE SILVEIRA • AUGUSTO PARANHOS JR.

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Cirurgia do Glaucoma Congênito

INTRODUÇÃO O glaucoma congênito é uma doença pediátrica caracterizada por aumento da pressão intraocular, secundário ao desenvolvimento anormal das estruturas do ângulo da câmara anterior. O aumento pressórico produz alterações morfológicas que podem resultar em cegueira. O principal objetivo no manejo do glaucoma pediátrico é o controle permanente da pressão intraocular, prevenindo a perda da acuidade visual, preservando o campo visual e estimulando o desenvolvimento da visão estereoscópica binocular. A terapia medicamentosa é utilizada temporariamente, para promover redução pressórica, melhorando o edema corneano e facilitando a intervenção cirúrgica.

TRATAMENTO CIRÚRGICO Constitui a principal terapia e deverá ser imediato, pois o prognóstico visual dependerá da precocidade da intervenção. A primeira escolha no tratamento cirúrgico poderá ser goniotomia e trabeculotomia, pois apresentam o mesmo princípio básico, seccionar o tecido mesodérmico persistente, responsável pela obstrução pré-trabecular presente no glaucoma congênito primário. Os critérios de escolha da técnica cirúrgica no glaucoma do desenvolvimento são dependentes de alguns fatores, tais como defeito estrutural associado à elevação da pressão intraocular, idade, claridade corneana e síndromes sistêmicas associadas. GONIOTOMIA: necessitará de córnea transparente, para fazer incisão do tecido mesodérmico com visão gonioscópica.

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478 | Glaucoma Importante que a criança, sob anestesia geral, tenha uma ligeira inclinação da cabeça, expondo melhor o local cirúrgico. Realiza-se uma incisão esclerocorneana no limbo temporal, autosselante, com a faca de goniotomia (goniótomo) penetrando na câmara anterior, para que seja possível seccionar a região nasal. O cirurgião deverá permanecer temporalmente em relação à cabeça do paciente, facilitando os movimentos do goniótomo. Utiliza-se miótico tópico no pré-operatório ou intracameral no intraoperatório, promovendo proteção cristaliniana, enquanto a faca de goniotomia estiver na câmara anterior. Sobre a córnea coloca-se uma lente para gonioscopia direta, disponível em vários modelos, permitindo magnificação da imagem. A lente de Barkan é hemisférica e existe em três tamanhos, porém a mais utilizada é a lente de Worst, que apresenta orifícios laterais, possibilitando a fixação na superfície episcleral do olho operado no limbo esclerocorneano e um orifício ovalado que permite a entrada da faca de goniotomia. Apresenta também um sistema irrigador contínuo na porção superior, eliminando bolhas de ar e/ou sangue, permitindo boa visualização da imagem do segmento anterior (Fig. 1). O gonioprisma cirúrgico de Hill apresenta lentes com duas versões, mão direita ou mão esquerda, facilitando o manuseio durante o procedimento. A utilização de substância viscoelástica pode ser considerada, para melhor visualizar a câmara anterior e prevenir bolhas de ar na superfície lente-corneal. O diâmetro de contato é de apenas 9 mm, permitindo a introdução da faca de goniotomia através do limbo corneano, sem dificultar a visualização do campo cirúrgico (Fig. 2). A lente de Swan-Jacob apresenta superfície anterior convexa, que reduzir a distorção da imagem do seio camerular e não necessita de substâncias que atuem como meio de contato. Existem vários goniótomos: Barkan, Worst e de Swan, sendo possível a utilização também de uma agulha calibre 25 com bisel levemente angulado. Introduzido através da córnea a 1 mm do limbo esclerocorneano temporal, deverá permanecer paralelo a íris até o lado oposto nasal. É importante que se mantenha um sistema irrigador contínuo com solução balanceada conectado ao instrumento de corte, com altura mínima de 1 m acima da cabeça da criança, para que a câmara anterior fique sempre formada e estável. Quando utilizamos facas de goniotomia que

Fig. 1  Lente gonioscópica de Worst.

Fig. 2  Gonioprisma de Hill.

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não permitem o fluxo contínuo mantenedor da câmara anterior, é necessária a utilização de substâncias viscoelásticas por paracentese auxiliar, principalmente quando realizamos a rotação do instrumental, para seccionar nos sentidos horário e anti-horário. Há goniótomo, como o de Swan-Jacob, que apresenta corte nos dois sentidos, diminuindo os riscos de colapso da câmara anterior e possível lesão ceratolenticular. Toda a extensão do tecido pectíneo nasal é tratada na porção superior do trabeculado corneoescleral não apresentando resistência ao ser seccionado. A incisão do pectíneo é considerada quando o esporão escleral torna-se visível em todo o comprimento do ângulo tratado, concomitantemente há um movimento de posteriorização da íris, o que ocasiona aprofundamento da câmara anterior. Após a retirada da faca de goniotomia será necessária a observação da câmara anterior, sendo que em alguns casos é preciso a utilização de viscoelástico ou sutura corneana com fio mononylon 10-0, para o seu aprofundamento (Fig. 3). No pós-operatório é provável que ocorra hifema, sem significância clínica e com resolução em 72 horas. Será fundamental a utilização de corticoide e antibiótico tópicos, além de atropina no seguimento de pós-operatório. Em alguns casos nos quais o controle da PIO não foi suficiente, uma segunda goniotomia pode ser feita em outro quadrante após 3 semanas. Quando realizada temporalmente teremos maior dificuldade técnica de acesso. Se duas goniotomias falharem podemos optar por outras técnicas cirúrgicas, tal como a trabeculotomia. TRABECULOTOMIA: poderá ser realizada em pacientes com córnea opaca e abertura do canal de Schelmm para dentro da câmara anterior, rompendo o tecido mesodérmico, que impede a drenagem do humor aquoso pela via convencional. Seus resultados são comparados com a goniotomia em segurança e eficácia.

A realização da trabeculotomia deverá ocorrer nos sítios cirúrgicos superiores. Será necessária a fixação por meio de corneopexia superior com seda 8-0, para melhor visualizarmos o limbo cirúrgico. Confeccionam-se os retalhos conjuntival e tenoniano, a 8 mm do limbo (base límbica), para que se possa expor a junção limboescleral. Este deverá ser de base límbica e de aproximadamente 3 × 4 mm com espessura parcial, que será dissecado até a observação nítida do limbo cirúrgico. É de suma importância a verificação de afinamentos esclerais devido à distensão ocular comum nessas crianças. Uma incisão radial é feita com lâmina 15, delicadamente, cruzando a junção esclerolimbar até que se observe a exposição do canal de Schlemm, com porejamento de humor aquoso. Sua direção deverá ser posterior, iniciando na região periférica da córnea atingindo até a região escleral, com 2 mm de extensão (Figs. 4 e 5).

Fig. 3  Visão da goniotomia, em que observamos a liberação do tecido pectíneo.

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Fig. 4  Visualização do canal de Schlemm.

Fig. 5  Passagem do trabeculótomo de Harms.

Para confirmar a observação da parede externa do canal de Schlemm é possível introduzir um fio de sutura mononylon 6-0 e visualizar gonioscopicamente. O trabeculótomo deverá ser introduzido no canal de Schlemm, sem resistência no seu trajeto interno e será visualizado na periferia corneana. Uma rotação do instrumento abre o trabéculo e o faz aparecer na câmara anterior, sendo necessário que a manobra seja repetida para a direita e depois para a esquerda. Caso persista em trajeto incorreto, com resistência, poderemos ocasionar lesão iriana e/ou cristaliniana. O trabeculótomo mais utilizado é o de Harms, pois apresenta braço paralelo com guia, direcionados para a direita e a esquerda (Fig. 6). O retalho escleral é em seguida suturado com mononylon 10-0 com 2 pontos separados e posteriormente sepultados. Não há confecção de trajeto escleral fistulante. Sutura-se continuamente a conjuntiva e o Tenon com fio Vicryl 8-0 (absorvível). A técnica do fio com 360° é uma variante descrita por Beck em 1995, na qual utiliza-se um cateterismo circular realizado com fio prolene 6-0 no lúmen do canal de Schlemm. A tração dos extremos do fio realiza uma abertura do trabéculo em todo o seu comprimento, podendo ocorrer hifema de grande proporção. TRABECULOTOMIA-TRABECULECTOMIA: se o canal de Schlemm não puder ser localizado com exatidão, o que poderá ocorrer por alterações anatômicas e histológicas secundárias a olhos buftálmicos, é possível converter o procedimento em trabeculectomia. Pode ser utilizada em populações étnicas com alto risco de falência na trabeculotomia ou goniotomia. Nessas oca-

Fig. 6  Trabeculótomo de Harms.

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siões passa-se o trabeculótomo apenas em um dos lados e posteriormente finaliza-se com trabeculectomia convencional. TRABECULECTOMIA: só é em casos de falência das cirurgias anteriores em glaucoma congênito primário ou como primeira escolha em alguns tipos de glaucoma infantis secundários a anomalias do desenvolvimento do segmento anterior e em olhos com grandes dimensões. A utilização da mitomicina C em crianças com glaucoma congênito primário esta associada a possibilidade de diminuir a fibrose conjuntival e melhorar o desempenho da fístula, porém há estudos evidenciando o aumento da incidência de complicações a longo prazo. A técnica utilizada é semelhante a dos adultos, porém deverá ser mais rigorosa, devido ao limbo ser mais distendido, esclera afinada e por apresentar alterações anatômicas modificadas pela buftalmia. Levando a dificuldade na identificação do limbo cirúrgico, que acarretará em complicações peroperatória. Idealmente, o resultado deveria ser uma bolha filtrante pouco vascularizada e difusa, porém evidenciamos bolhas planas e conjuntivas com aspecto fibrótico. IMPLANTE DE DISPOSITIVO DE DRENAGEM: utilizados em casos que necessitem de outros proce-

dimentos cirúrgicos, considerados glaucomas refratários e de difícil controle. É um dispositivo para drenagem do humor aquoso. Constituído por material de baixa atividade biológica, tem a finalidade de criar uma rota alternativa para esta drenagem, resultando em diminuição da pressão intraocular. É composto de um tubo de silicone, para inserção intraocular, relacionado com um componente posterior que servirá de molde para formação da bolha filtrante. Molteno foi o pioneiro em reportar bons resultados em implante de glaucoma translímbico. O implante de Baerveldt fora introduzido em 1990, fabricado com material de silicone e duas apresentações da área do prato: 350 mm2 e 500 mm2 e em considerações finais, Rolim de Moura et al. Não apresentou significância estatística na redução da pressão intraocular. Os implantes são colocados no espaço episcleral posterior e estimulam o encapsulamento fibroso por micromovimentos. A biocompatibilidade do explante também influenciará na fibrose progressiva. Diferenciamos os implantes pela presença do restritor de fluxo: 1. Sem restritor de fluxo: Molteno, Susanna, Barveldt, Schocket. 2. Com restritor de fluxo: Krupin, Ahmed, Joseph. O implante de Ahmed (New World Medical, Inc., Rancho Cucamonga, CA) é a única opção com modelo infantil (área total do prato: 96 mm2) e tornou os resultados mais promissores. É possível optarmos pelo material de polipropileno (modelo S3) ou de silicone (modelo FP8). O mecanismo restritor de fluxo do implante de Ahmed de um prato constitui-se de uma membrana fina de silicone dobrada, onde as extremidades são tensionadas por uma peça superior acoplada ao implante, criando um efeito Venturi e proporcionando uma resistência que segundo o fabricante permite que a válvula abra quando a pressão intraocular ultrapassa 8 a 10 mmHg. Um dos princípios da cirurgia é criar uma bolsa fistulante posterior moldada pelo implante, já que esta é formada ao redor da porção extraocular do implante, após a síntese de uma cápsula fibrosa, que a envolve completamente. Depois de formada a cápsula ao redor do im-

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482 | Glaucoma plante, a bolsa fistulante assume a forma e dimensão da porção extraocular do implante e é preenchida por humor aquoso, expandindo-se em razão da pressão em seu interior. As bolsas fistulantes apresentam, clinicamente, um aspecto cístico, translúcido, com vascularização elevada. A superfície interna da cápsula, em contato com o implante, não apresenta revestimento contínuo, sendo observada à microscopia eletrônica como um emaranhado de fibras colágenas com espaços entre as mesmas. A técnica cirúrgica para o posicionamento dos implantes deve observar quatro princípios básicos, para que possamos evitar complicações pós-operatórias: 1. Tubo livre. 2. Trajeto protegido. 3. Implante posteriorizado. 4. Prevenção da hipotensão. Algumas das complicações relacionadas com os implantes de drenagem são: toque endotelial ou iriano do tubo, hipotonia, atalamia, descolamento ciliocoroidal, exposição e extrusão do implante. Apesar das complicações intra e pós-operatórias, o implante de drenagem constitui-se em uma modalidade terapêutica de grande valor para obter-se o controle do glaucoma nessas situações (Figs. 7 e 8). PROCEDIMENTOS CICLODESTRUTIVOS: podemos empregar as ciclocrioterapias transescleral ou

transconjuntival, ou a ciclofotocoagulação transcleral ou por via edoscópica com laser de diodo, que efetuará ablação do epitélio ciliar, com consequente diminuição da produção de humor aquoso em casos refratários e olhos cegos dolorosos. A sua técnica de realização consiste em anestesia retrobulbar ou peribulbar com o paciente em decúbito dorsal e aplicação da sonda G em três quadrantes no limbo. Esse procedimento

Fig. 7  Extrusão do tubo detectado em consulta ambulatorial.

Fig. 8  Migração do tubo na câmara anterior, porém sem toque endotelial.

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Cirurgia do Glaucoma Congênito  |  483

apresenta várias vantagens, tais como não ser invasivo, ambulatorial, fácil e utilizar um aparelho portátil de pequeno tamanho. A sua indicação se faz, especialmente, em casos de glaucoma refratário com visão menor ou igual a 20/100, inflamação ativa e de falta de condições para nova cirurgia ou de cirurgia recusada.

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WILMA LELIS BARBOZA • VINÍCIUS PAGANINI NASCIMENTO

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Procedimentos Ciclodestrutivos

As cirurgias ciclodestrutivas têm o objetivo de reduzir a pressão intraocular pela diminuição da produção do humor aquoso, conseguida pela destruição do epitélio do corpo ciliar. São procedimentos aplicados desde o início do século XX, tendo seu início pela ciclodiatermia em meados de 1930 e, a partir de então, foram utilizadas diferentes fontes de destruição, além do calor, o congelamento e os lasers YAG e diodo. O tratamento do corpo ciliar pode ser feito por contato externo, através da esclera, ou internamente de forma endoscópica. As mudanças de materiais e técnicas visam maior especificidade no tratamento do corpo ciliar, com menor dano aos tecidos adjacentes, menores complicações e melhores resultados na redução da pressão intraocular (PIO). Atualmente são mais utilizados na prática clínica a ciclocrioterapia e a ciclofotocoagulação, via transescleral ou endoscópica, com laser de diodo.

INDICAÇÕES A indicação da ciclodestruição permanece restrita a redução da pressão intraocular de olhos com glaucoma refratário ao tratamento cirúrgico de primeira escolha, ou seja, às cirurgias fistulantes, como a trabeculectomia. À medida que os procedimentos foram se desenvolvendo com menores taxas de complicações, sua indicação foi se tornando mais precoce e há na literatura estudos mostrando reduções significativas da PIO com baixas taxas de complicações. Por ser um procedimento considerado de precisão na destruição do corpo ciliar, a endociclofotocoagulação a laser tem tido um aumento no número de indicações e poderia potencialmente ser utilizada nos pacientes em qualquer estágio de glaucoma. Discute-se seu uso como primeira opção de tratamento cirúrgico em países em desenvolvimento, em substituição à TREC, aos implantes de drenagem e quando associada à cirurgia da catarata. Entretanto, é 485

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486  |  Glaucoma ainda um procedimento ciclodestrutivo irreversível, cujo manejo pós-operatório da PIO não é possível. Em caso de hipotonia após uma trabeculectomia pode-se proceder à sutura do retalho escleral, mas neste caso, se houver uma hipotonia não há tratamento efetivo. O nível de evidência científica trazida pelos estudos é limitado, tornando relevante para a prática clínica as sugestões de padronização provenientes dos consensos das sociedades de glaucoma quanto à indicação do procedimento. A Sociedade Brasileira de Glaucoma, assim como a Europeia, Asiática e Americana indicam que a ciclodestruição deva ser realizada nos casos de glaucoma refratário, com prognóstico visual reservado e olhos cegos dolorosos em consequência da hipertensão ocular. Situações para indicação: Falências de trabeculectomias (com uso de antimitóticos) ou de implantes de drenagem Glaucoma neovascular Glaucoma traumático Glaucoma em olhos afácicos Glaucoma com anomalias do desenvolvimento Glaucoma inflamatório Glaucoma com transplante de córnea Glaucoma induzido por óleo de silicone Glaucoma em olhos com conjuntiva cicatrizada

Resultados As taxas de sucesso relatadas na redução da pressão intraocular com esses procedimentos ciclodestrutivos variam entre 34 e 94%. O sucesso depende do diagnóstico, da raça, da pressão intraocular pré-operatória, da extensão do corpo ciliar tratado, entre outros. Aproximadamente 30% dos pacientes necessitam de um ou mais tratamentos subsequentes. A redução máxima da PIO é geralmente atingida em 1 mês, sendo esse o tempo necessário de espera para retratamento. O sucesso e as complicações são semelhantes entre a ciclocrioterapia e a ciclofotocoagulação transescleral. Redução da PIO em 61%, perda visual entre 30 e 37%, phthisis bulbi em 4%. A taxa de sucesso (PIO entre 6 e 21 mmHg) em cirurgias combinadas de facoemulsificação e endociclofotocoagulação é de 55% em 12 meses. Considerando que a facoemulsificação por si cursa com uma redução da PIO no pós-operatório e, os riscos de uma ciclodestruição, não há dados no momento para considerar essa associação de técnicas vantajosa. Os casos de glaucoma após ceratoplastia penetrante são muito desafiadores e os resultados cirúrgicos com as diferentes técnicas variam, com uma redução média da PIO conseguida pela trabeculectomia (TREC) em 13,6 mmHg, comparada com 20,4 mmHg pela ciclofotocoagulação (CFC) e 20,2 mmHg com os implantes de drenagem. A falência da TREC é de 37% e da CFC 20,7% nesses olhos. O risco de perda do enxerto é semelhante entre a TREC e a CFC (21%) e a perda visual é maior com a CFC (26% contra 20% nas TRECs). Em glaucoma neovascular quando se comparou a ciclofotocoagulação transescleral e o implante de drenagem (Ahmed), em 24 meses de seguimento, não houve diferença na taxa de sucesso (60%), na redução da visão (25%) ou complicações (8 a 20%). Comparando-se a CFC via

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endoscópica e o implante de Ahmed, a redução da PIO foi semelhante (70%) e as complicações foram maiores com o implante.

Complicações As complicações relacionadas com a ciclofotocoagulação a laser variam de uma inflamação de câmara anterior (em 42% dos casos), hiperemia conjuntival importante ( 36%), dor (30%) e aumento transitório da PIO (9%), mas com frequência são menores que na ciclocrioterapia. O desenvolvimento de catarata também está descrito em 12% dos olhos. Outras complicações possíveis são a diminuição da acuidade visual, afilamento escleral localizado na área de tratamento, hifema (0,6%), defeitos epiteliais corneanos (3%), hipotonia (39%), oftalmia simpática e glaucoma maligno. A complicação mais temida é a atrofia bulbar (Phthisis bulbi), que está descrita em 2 a 7 % dos olhos tratados. A perda da acuidade visual é a complicação mais importante relacionada com a ciclofotocoagulação transescleral. Algum grau de redução ocorre em aproximadamente 38% dos casos. Não se sabe ao certo a causa dessa perda, mas pode estar relacionada com edema macular cistoide, que ocorre devido à inflamação e, possivelmente, a efeito fototóxico direto. A ciclofotocoagulação a laser é utilizada muitas vezes para tratamento de glaucoma refratário após ceratoplastia penetrante. Nesses casos, pode haver complicações como descompensação do enxerto em 44% dos casos, podendo levar à rejeição em 2%. A queda da acuidade visual nestes pacientes é mais importante, chegando próximo a 60%. Assim, apesar da ciclodestruição ser muito útil para o tratamento dos glaucomas complicados, ele deve ser indicado com cautela, pois é um procedimento destrutivo que pode causar importante baixa visual.

Técnicas Ciclocrioterapia O objetivo da ciclocrioterapia é destruir o epitélio dos processos ciliares, congelando-os, usando uma sonda específica, através da conjuntiva, esclera e músculo ciliar, sem incisão dos tecidos. O procedimento é realizado de forma ambulatorial. Pacientes ansiosos podem receber uma sedação oral com 5 mg de benzodiazepínico, 30 min antes do procedimento, mas geralmente não necessitam de sedação pré-operatória. A anestesia utilizada é a retrobulbar com a injeção de cerca de 3 ml de bupivacaína 0,75% e lidocaína 2%, em uma proporção de 1:1. A extensão da área a ser tratada depende de um lado, da redução da pressão intraocular que se pretende e, de outro, do risco de causar uma hipotonia grave e atrofia do bulbo ocular. Pode-se tratar apenas 90°, o que causa menos dor e inflamação pós-operatória, desejando-se uma redução adicional da PIO quando existe uma trabeculectomia com algum grau de filtração ou um implante de drenagem com PIO não ideal. Geralmente são necessários 120 a 180º de ciclodestruição. É possível tratar novamente 90 ou 180° se não for atingido o objetivo na primeira aplicação.

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488  |  Glaucoma Após a colocação de um blefarostato, uma sonda com 3,5 mm é posicionada a 2 mm do limbo e o congelamento é iniciado. O congelamento é obtido com o óxido nitroso que atinge cerca de –80ºC na ponta da sonda (Figs. 1 e 2). Quando uma bola de gelo se forma ao redor da ponta, com 7 a 10 mm de diâmetro, deve-se aguardar cerca de 60 s. Esse tempo de aplicação pode variar entre 20 e 50 s, a depender, por exemplo, do risco de lesão corneana pela sobreposição da bola de gelo e de se tratar de uma esclera mais afinada. Após o congelamento, para que se retire a sonda sem lesar a conjuntiva, deve-se molhá-la com soro fisiológico. Um total de cinco ou seis aplicações são necessárias para tratar 180º, na dependência do tamanho da circunferência da bola de gelo. Deve-se evitar a região das 3 e 9 horas, local das artérias ciliares anteriores longas. Ao final do procedimento utiliza-se corticoide tópico, como, por exemplo, prednisolona a 1%, recomendado por cerca de 4 semanas, associado a atropina a 1%. Para reduzir a dor de olhos glaucomatosos cegos, quando não se deseja proceder à enucleação, pode-se injetar logo após o anestésico retrobulbar, 0,5 ml de álcool absoluto. Este procedimento alivia a dor que pode se seguir ao procedimento ciclodestrutivo. Após a ciclodestruição ainda deve-se manter a medicação hipotensora por cerca de 3 a 4 semanas, quando então se espera que a PIO comece a baixar devido à diminuição da produção do humor aquoso pelo corpo ciliar danificado. Se nesta época não houver redução da PIO pode-se planejar uma nova sessão de crioterapia.

Fig. 1  “Sonda” a 2 mm do limbo com a bola de gelo ao redor. Ilustrando possíveis 6 aplicações superiormente.

Fig. 2  Aspecto da bola de gelo após 60 s de aplicação, podendo chegar de 7 a 10 mm.

CICLOFOTOCOAGULAÇÃO TRANSESCLERAL A LASER Várias fontes de laser podem ser utilizadas, incluindo o arco de xenônio, laser de rubi, Nd:Yag laser e o laser de diodo. Atualmente o mais usado é a aplicação transescleral do semicondutor de laser de diodo.

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A cirurgia pode ser feita de maneira ambulatorial, sob anestesia retrobulbar, sem a necessidade de material estéril ou incisão dos tecidos. Em geral não é necessária uma sedação oral pré-operatória. Como na técnica anterior, pode-se associar à injeção retrobulbar o álcool absoluto em olhos sem visão e dolorosos. As pálpebras são separadas por um blefarostato. O semicondutor de laser de diodo incorpora 2 diodos que emitem luz com um comprimento de onda combinado de 810 nm. Isso induz a uma mudança histológica com coagulação e necrose, semelhante à induzida pelo Nd.Yag laser (Fig. 3). Para a ciclofotocoagulação transescleral geralmente são feitas 17 a 19 aplicações espaçadas, nos 270º, a 1,5 mm do limbo, utilizando uma potência de 1,5 a 2,0 W e duração de 2 s. Uma sonda especial (G-Probe ) facilita a correta aplicação do laser sobre a área do corpo ciliar (Fig. 4). Com esta sonda, a potência necessária a ser utilizada é ajustada até ouvir-se um barulho característico (“pop”), assim a potência deve ser ajustada um pouco abaixo do nível que produziu o som. A posição da sonda G deve ser recalculada quando se tratar de olhos com limbo corneoescleral alargado, como nos altos míopes, buftálmicos ou com estafilomas. Deve-se evitar tratar a região das 3 e 9 horas onde estão localizados os nervos e artérias ciliares anteriores longos. Uma injeção subconjuntival de dexametasona, após o procedimento, ajuda a diminuir a dor e inflamação pós-operatória e deve ser considerada nos casos mais propensos, quando há inflamação prévia. Especial cuidado antiinflamatório deve ser dado aos olhos com transplante de córnea para evitar-se uma rejeição. O olho pode ser ocluído por 12 a 24 horas, principalmente se tiver sido realizado álcool absoluto retrobulbar. Posteriormente inicia-se o tratamento com colírios de prednisona por 2 a 4 semanas, associado à atropina. O uso de medicação hipotensora ocular dever ser mantido ao menos por 4 semanas.

Fig. 3  Aparelho semicondutor de laser de diodo utilizado na ciclofotocoagulação transescleral.

Fig. 4  Sonda (G – Probe) para ciclofotocoagulação, cujo desenho facilita a correta aplicação do laser de diodo transescleral sobre a região do corpo ciliar. O lado menor, semicurvo, apóia-se no limbo corneoescleral.

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CICLOFOTOCOAGULAÇÃO ENDOSCÓPICA COM LASER DE DIODO O procedimento é realizado com anestesia retro ou peribulbar em condições ideais de antissepsia. A medicação antiglaucomatosa é mantida até o ato cirúrgico. Pode ser realizada de duas maneiras, via límbica ou via pars plana. A) Via Límbica– é a mais fácil de ser realizada. Se combinada a uma facoemulsificação é possível utilizar as mesmas incisões para a introdução das sondas. Esta técnica está indicada em pacientes fácicos e pseudofácicos com lente intraocular (LIO) de câmara posterior (Fig. 5). Injeta-se solução viscoelástica entre a íris e a LIO, criando um espaço para a sonda endoscópica ser introduzida, observando-se os processos ciliares no monitor de vídeo. Inicialmente, são tratados 200 graus consecutivos, com uma energia de 0,5 W e tempo de exposição variável, controlado pelo pedal, até os processos ciliares ficarem com uma coloração esbranquiçada e se encolherem. Aspira-se o viscoelástico ou coloca-se a lente intraocular em casos de cirurgia combinada. A maior dificuldade deste procedimento é fotocoagular a cauda do processo ciliar que parece estar relacionado com a produção de grande quantidade de humor aquoso. Portanto, a técnica com depressão escleral ou via pars plana é mais efetiva. B) Via Pars Plana – é mais indicada em pacientes com pressão intraocular muito elevada ou nos olhos com transplante de córnea ou sinequias entre a íris e a cápsula anterior (Fig. 6). São realizadas duas esclerotomias a 3,5 mm do limbo, às 10 e 2 horas e, uma paracentese da câmara anterior para mantê-la formada com irrigação contínua. Introduzindo-se as sondas de forma alternada, faz-se inicialmente a coagulação de 200 graus contínuos de processos ciliares. Ao final do procedimento é feita a injeção subconjuntival de dexametasona e garamicina para diminuir a dor, a inflamação e o risco de infecção pós operatória. A utilização de cortisona intracameral e de depósito subconjuntival deve ser considerada, visto que a reação inflamatória costuma ser intensa. Corticoide tópico deve ser usado nas 3 a 4 semanas seguintes. O colírio de antibiótico é utilizado por 1 semana. Já as medicações hipotensoras são mantidas por cerca de 3 semanas, quando se pode avaliar o sucesso da redução da pressão intraocular pelo procedimento.

Fig. 5  Endociclofotocoagulação a laser, via límbica.

Fig. 6  Endociclofotocoagulação a laser, via pars plana.

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As inflamações crônicas ocorrem mais em pacientes diabéticos, evoluindo com aquoso plasmoide e muitas vezes com sinequias posteriores e hipotonia, necessitando de uso crônico de corticoides.

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EDNAJAR TAVARES MACEDO FILHO • IVAN MAYNART TAVARES

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Glaucoma e Catarata Coexistentes

O glaucoma primário de ângulo aberto e a catarata senil, bem como a degeneração macular relacionada à idade, são as principais causas de cegueira em todo o mundo. Devido à maior frequência destas comorbidades em uma mesma faixa etária, o planejamento cirúrgico destes casos estará sujeito a particularidades que diferem do tratamento de cada doença isoladamente. A evolução e variação das técnicas operatórias usadas no tratamento do glaucoma e da catarata, associadas aos avanços tecnológicos vividos nas últimas décadas, ampliaram o leque de opções disponíveis para o manejo cirúrgico de pacientes que apresentam essas duas condições concomitantemente. A escolha da estratégia cirúrgica ainda continua sendo dividida em três opções básicas: 1. Facectomia isolada. 2. Cirurgia fistulante isolada 3. Facectomia e cirurgia fistulante combinadas no mesmo tempo operatório. A decisão por uma dessas três abordagens levará em consideração o estadiamento e o tipo de glaucoma; a importância do comprometimento visual pela catarata e seu potencial de recuperação; o estadiamento e tipo de catarata; as condições clínicas e sociais do paciente e, por fim, a experiência e a destreza do cirurgião, em relação às diferentes técnicas operatórias tanto de facectomia quanto de cirurgia antiglaucomatosa fistulante. Determinar o potencial de recuperação visual nos casos de catarata e glaucoma coexistentes é uma tarefa difícil, principalmente naqueles em que há dano glaucomatoso avançado e/ou cataratas mais densas. O exame com o potencial de acuidade visual (PAM, do inglês potential acuity meter) tem maior utilidade em casos de dano glaucomatoso leve a moderado e de cataratas não muito

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494 | Glaucoma densas. Por ter um baixo valor preditivo negativo, um resultado ruim no PAM não contraindica a realização de uma facectomia. Para inferir, de forma qualitativa, a possível melhora da acuidade visual dos pacientes com glaucoma e candidatos à extração de catarata, o oftalmologista pode lançar mão da detecção de limiares perifoveais, através da perimetria acromática computadorizada ou manual de Goldmann; do teste do reflexo pupilar direto e consensual, ou mesmo da avaliação da percepção de cores do olho a ser operado. A indicação de cirurgia combinada suscita discussão sobre suas vantagens e desvantagens quando comparada aos procedimentos feitos isoladamente. Procedimentos combinados têm maior risco de complicações pós-operatórias, como inflamação exacerbada, hifema, hipotonia, câmara anterior rasa e descolamento de coroide, mas têm a vantagem de prevenir ou reduzir o pico pressórico que ocorre após a facectomia de pacientes com glaucoma. Comparado à cirurgia em dois estágios, ou seja, cirurgia antiglaucomatosa fistulante (trabeculectomia) e facectomia isoladas e em tempos diferentes, a cirurgia combinada pode ter menor chance de controle pressórico no longo prazo, por comprometimento da função da fístula pelo processo inflamatório, mas tem as vantagens de recuperação visual mais precoce e de expor o paciente ao risco anestésico-cirúrgico apenas uma vez.

FACECTOMIA ISOLADA A facectomia isolada pode ser indicada nos casos de glaucoma com dano anatômico e/ou funcional leves, com bom controle clínico, obtido com no máximo uma medicação hipotensora tópica. Contudo essa deve ser uma indicação muito criteriosa e reservada para casos de doença glaucomatosa na fase inicial e bem controlada. É necessário estar atento ao fato de que, especialmente nos pacientes portadores de glaucoma, pode haver aumento importante da pressão intraocular (PIO) no pós-operatório imediato, ocorrendo esse pico pressórico principalmente nas duas primeiras horas após o procedimento. No paciente com glaucoma, particularmente moderado e avançado, o pico pressórico pós-operatório pode ter repercussões funcionais desastrosas, incluindo perda da fixação e consequente baixa importante da acuidade visual. Após a facectomia extracapsular ou por facoemulsificação, com implante de lente intraocular (LIO), mais da metade dos pacientes portadores de glaucoma apresentaram PIO maior que 25 mmHg, chegando em alguns casos a mais de 35 mmHg. A permanência de material viscoelástico na câmara anterior é um fator predisponente ao aumento da PIO, devido à obstrução das vias de drenagem do humor aquoso, bem como por aumentar a inflamação pós-operatória. Sua retirada da câmara anterior ao final da cirurgia deve ser minuciosa. Mesmo que a PIO possa ser controlada rapidamente em alguns dias, sua elevação a níveis mais altos que PIO-alvo pode trazer consequências desastrosas a pacientes glaucomatosos. Após um a dois anos da cirurgia de facoemulsificação, foi demonstrada discreta redução da PIO em casos de glaucoma primário de ângulo aberto (GPAA) ou mesmo secundário a exfoliação. Esse fato, por si só, não justifica, em hipótese alguma, a realização de facectomia

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como adjuvante na terapêutica do glaucoma. Propõe-se o efeito do ultrassom sobre a malha trabecular como possível motivo para diminuição da PIO após cirurgia de facoemulsificação, nos casos de GPAA. A retirada da catarata, nos casos de glaucoma primário de ângulo fechado (GPAF), pode, sim, ajudar no melhor controle do glaucoma através do aprofundamento da câmara anterior e inibição de novas crises de fechamento angular. Já a realização de facectomia em pacientes com glaucoma agudo induzido por síndrome de íris em plateau, promove apenas aumento na profundidade central da câmara anterior, mas não da abertura angular, permanecendo ainda o posicionamento anterior dos processos ciliares e, consequentemente, a possibilidade de novas crises de fechamento angular no pós-operatório.

TRABECULECTOMIA ISOLADA A realização de trabeculectomia isoladamente está indicada principalmente nos casos de glaucoma avançado e/ou com controle pressórico inadequado. Os casos com dano glaucomatoso moderado a avançado, com razão escavação/disco igual ou superior a 0,8 e/ou defeito de campo visual com comprometimento próximo à fixação central, ainda que com controle clínico adequado, usando duas ou mais medicações, devem ser submetidos a uma trabeculectomia isoladamente. Essa conduta garante maior possibilidade de controle pressórico a longo prazo. A catarata poderá ser removida entre 4 e 6 meses após a trabeculectomia, como parte de um procedimento em dois estágios, uma vez que a ampola fistulante esteja bem estabelecida. A realização do procedimento em dois estágios tem maior chance de sucesso, a longo prazo, quando comparado com a cirurgia combinada, embora alguns poucos estudos mostrem uma taxa de sucesso semelhante entre as duas formas de abordagem. A facectomia extracapsular como parte de um procedimento em dois estágios pode elevar a PIO basal em até 3,5 mmHg em um período de dois anos. Alguns estudos revelam que a facoemulsificação, com incisão em córnea clara, não promoveu diferença significativa da PIO, em olhos já operados de glaucoma, em um seguimento de dois anos. Entretanto, há um maior risco de aumento da PIO, após a facoemulsificação, em pacientes que tenham idade inferior a 50 anos, que tenham realizado cirurgia de catarata com manipulação excessiva da íris ou cuja PIO, após a trabeculectomia, esteja em níveis superiores a 10 mmHg. Observando-se esse efeito de aumento da PIO após a facectomia, a extração da catarata já foi proposta e utilizada, com sucesso, para resolução de alguns casos de hipotonia ocular após trabeculectomia, embora o aumento da PIO e, consequentemente, o desfecho do quadro, não sejam previsíveis.

TRABECULECTOMIA E FACECTOMIA COMBINADAS O procedimento combinado pode ser indicado nos casos de glaucoma inicial ou moderado e controle pressórico adequado com medicação tópica, havendo necessidade de restauração da acuidade visual no curto prazo, devido à catarata. O controle clínico nesses casos deve,

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496 | Glaucoma preferencialmente, ser feito com até três colírios antiglaucomatosos. A indicação de cirurgia combinada também pode ser feita nos casos em que haja efeitos adversos importantes devido à terapêutica clínica instituída. Há ainda, uma possibilidade de se indicar cirurgia combinada mesmo para os casos de glaucoma avançado, com razão escavação/disco superior a 0,8 e/ou dano avançado de campo visual. Esta situação se reserva para os pacientes que apresentam comorbidades sistêmicas que aumentem o risco anestésico-cirúrgico. Evitar o pico pressórico no pós-operatório imediato é mais um motivo para a realização de um procedimento combinado em casos de glaucoma avançado e com bom controle clínico, objetivando-se minimizar um possível dano glaucomatoso adicional, que pode significar, inclusive, a perda da fixação, com consequente baixa visual. A facectomia extracapsular, comparada à facoemulsificação, é fator de risco para falência da cirurgia antiglaucomatosa combinada em um mesmo tempo cirúrgico, além de apresentar maiores índices de complicações pós-operatórias. Os avanços nos aparelhos e técnicas de facoemulsificação, bem como o uso mais frequente e racional de fármacos antiproliferativos na cirurgia antiglaucomatosa, melhoraram em muito os resultados pós-operatórios e ampliaram as indicações de cirurgia combinada. Quanto à técnica da cirurgia combinada, essa pode ser realizada em um ou dois sítios. A realização da facoemulsificação e da trabeculectomia em sítio único, com túnel escleral, ou em dois sítios separados, com retalho escleral superior e incisões da facectomia em córnea clara, não apresentam diferença estatisticamente significante quanto ao controle pressórico no pós-operatório. Entretanto, devido às vantagens da facoemulsificação realizada por córnea clara, a cirurgia combinada em sítios separados tem sido a escolha preferencial. Não há também diferença entre o prognóstico da trabeculectomia feita com dissecção conjuntival base límbica ou base fórnice, em termos de controle pressórico. Entretanto, as vantagens da trabeculectomia base fórnice, têm tornado essa técnica a de eleição para trabeculectomia. O uso de mitomicina C (MMC) subtenoniana, no intraoperatório, como antiproliferativo para inibir fibrose excessiva, aumenta o sucesso do controle pressórico nas cirurgias combinadas. Já o uso de 5-fluorouracil (5-FU), em aplicações subconjuntivais no intra ou no pós-operatório de cirurgia combinada, mostrou-se com pouco ou nenhum benefício no longo prazo. Assim, quando a cirurgia combinada está indicada, opta-se pela realização de facoemulsificação por córnea clara, com implante de LIO, associada, em sítios separados, à trabeculectomia com base fórnice e com uso de mitomicina-C. Além da trabeculectomia, outras técnicas cirúrgicas antiglaucomatosas fistulantes, mais recentes e ainda em fase de análise dos resultados de longo prazo, têm sido usadas em associação à facectomia com bons resultados. São exemplos a esclerectomia profunda não penetrante e a viscocanalostomia. Entretanto, a cirurgia de eleição, combinada a facectomia, continua sendo a trabeculectomia com MMC. A cirurgia de catarata tem sido também associada, em algumas situações de exceção, aos implantes de drenagem para glaucoma, valvulados ou não. Há relatos de bom controle pressórico, mas o índice de complicações é maior, justamente por ser procedimento geralmente indicado nos casos de glaucomas mais avançados e rebeldes a outras alternativas cirúrgicas, bem como de casos associados a outras comorbidades oculares.

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Fig. 1  Diretrizes básicas para a condução de glaucoma primário de ângulo aberto (GPAA) e catarata senil coexistentes. Setor de Glaucoma, Departamento de Oftalmologia, Escola Paulista de Medicina/UNIFESP. PIO = Pressão intraocular; CV = Campo visual; E/D = Escavação sobre disco; FACO = Facoemulsificação; TREC = Trabeculectomia; FACOTREC = Facotrabeculectomia combinada.

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RICARDO SUZUKI

C A P Í T U L O  |  44

Outros Procedimentos Combinados

A cirurgia combinada de catarata e glaucoma tem sido realizada com uma frequência cada vez maior, em grande parte devido aos avanços tecnológicos associados às técnicas cirúrgicas cada vez mais apuradas de ambas as partes. Contudo, não é o único tipo de cirurgia combinada existente. Sempre que associamos qualquer procedimento cirúrgico com a cirurgia de glaucoma, estamos, além do objetivo primário, visando também a redução da pressão intraocular. Evidentemente, são casos onde a pressão intraocular já se encontra elevada previamente ao ato cirúrgico. Em sua maioria, são olhos com múltiplas patologias graves em que o próprio procedimento cirúrgico, assim como o prognóstico pós-operatório, são praticamente imprevisíveis. Neste capítulo iremos destacar algumas destas situações onde se faz necessário a combinação da cirurgia de glaucoma com outro procedimento (excetuando a cirurgia de catarata que já foi abordada anteriormente) realizados em um mesmo ato operatório.

DESCOLAMENTO DE RETINA A cirurgia de descolamento de retina geralmente provoca intensa reação inflamatória tanto sob a forma de introflexão escleral quanto de vitrectomia. Ao se optar por utilizar o anel escleral, a realização da peritomia a 360o evidentemente irá resultar em uma extensa cicatrização dos tecidos tenoniano e conjuntival. Assim, devemos tentar optar por um procedimento filtrante que seja menos influenciado por esse excessivo processo inflamatório pós-operatório, desejando sempre obter o melhor resultado pressórico e sua permanência a longo prazo. Em qualquer situação que seja indicada a cirurgia de retina onde a pressão intraocular já se encontra elevada e não controlada clinicamente, a cirurgia combinada deve ser considerada. Entretanto, o tipo de cirurgia de glaucoma a ser realizado deve ser cuidadosamente determinado. Kiuchi et al. em 2006 em um estudo com 25 olhos com glaucoma neovascular em que 9 olhos foram submetidos à vitrectomia combinada à trabeculectomia com uso de mitomicina 501

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502 | Glaucoma intraoperatório relataram sucesso do controle da pressão intraocular de 55,6% em 1 ano e 18,5% em 2 anos. Faghihi et al. em 2007 utilizando 18 olhos também com glaucoma neovascular, realizaram a vitrectomia associada ao implante valvular de Ahmed na pars plana. Obtiveram sucesso no controle da pressão intraocular de 72,2% em um acompanhamento médio de 14,2 meses. A associação da cirurgia retiniana com a trabeculectomia sugere um resultado inferior se comparado ao implante valvular nestes estudos. Tudo indica que isso ocorre devido à cicatrização excessiva do tecido conjuntival promovida pelo trauma cirúrgico causado pelo próprio procedimento destinado à resolução do quadro retiniano, ou simplesmente por serem casos mais complicados que provavelmente teriam um prognóstico mais reservado quanto ao controle da pressão intraocular. Existem poucos estudos em que as duas cirurgias foram realizadas em um mesmo ato operatório. A maioria dos estudos disponíveis na literatura atual aborda casos em que o aumento da pressão intraocular ocorreu após a cirurgia retiniana e, portanto, os procedimentos foram realizados em tempos distintos. Não consideramos estes estudos neste capítulo. Ao se optar por um implante valvular, pode-se encontrar alguma dificuldade na implantação do prato da válvula na presença do anel escleral. Nestes casos, a utilização do implante tipo Schocket pode ser considerada com resultados bastante satisfatórios. Os procedimentos ciclodestrutivos são uma outra opção para o controle da pressão intraocular. Sua eficácia é demonstrada em inúmeros estudos quando realizado isoladamente. Até o momento, não encontramos nenhum estudo associando à cirurgia de retina e à ciclofotocoagulação em um mesmo ato. Portanto, a combinação da cirurgia retiniana com o implante valvular deve ser a melhor opção nos casos em que coexiste um glaucoma refratário ao tratamento clínico com uma patologia retiniana mais grave. Entretanto, com os avanços técnológicos relacionados com as cirurgias retinianas proporcionando uma redução importante das reações inflamatórias, os resultados pressóricos destas cirurgias combinadas provavelmente serão melhores que os atuais. Mais estudos devem ser realizados para que possamos escolher a melhor opção de tratamento cirúrgico.

TRANSPLANTE DE CÓRNEA As indicações dos transplante de córnea podem ser desde estética até funcional. Tecnicamente, a cirurgia pode ser dividida em penetrante ou tectônica. Em todos os casos, trata-se de uma modalidade cirúrgica em que o processo inflamatório pós-operatório é bastante intenso a despeito das medicações anti-inflamatórias atualmente existentes. Como a cirurgia não envolve o tecido conjuntival, teoricamente apresentaria melhor prognóstico quando associada às cirurgias de glaucoma. Entretanto, o intenso processo inflamatório intraocular causado pelo própio procedimento cirúrgico já é suficiente para reservar o prognóstico do sucesso pressórico. Kirkness et al. em 1992 demonstraram uma probabilidade maior de sucesso tanto da sobrevida do transplante quanto do controle da pressão intraocular quando as cirurgias de transplante corneano e de glaucoma foram realizadas em um mesmo tempo comparado-se com a cirurgia filtrante sendo realizada posteriormente.

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WuDunn et al. em 1999 em um estudo com 24 olhos, realizando o transplante corneano associado à trabeculectomia com uso de mitomicina intraoperatória, obtiveram sucesso pressórico de 67% em 3 meses, 55% em 12 meses e 50% em 24 meses de seguimento. Em um grupo de 20 olhos com glaucoma congênito em que apresentavam opacidade corneana grave e pressão intraocular elevada, Al-Torbak et al. em 2004 realizaram o procedimento combinado de transplante de córnea e implante valvular de Ahmed obtendo sucesso pressórico de 85% em 2 meses, 44% em 24 meses e 33% em 48 meses de seguimento. Aparentemente, um sucesso maior no início precoce pós-operatório, mas semelhante a longo prazo comparando-se o implante valvular com a trabeculectomia nestes dois estudos. Em 1998, Zacharia et al. relataram um caso de glaucoma congênito em que realizaram a cirurgia combinada de transplante corneano e implante de válvula de Ahmed em ambos os olhos, com sucesso, tanto da tranparência do tecido corneano quanto da pressão intraocular por mais de 1 ano de seguimento. Como acontece nos casos de cirurgia de retina, a maioria dos estudos associando transplante de córnea e cirurgia de glaucoma envolvem tempos cirúrgicos distintos. Também não foram considerados neste capítulo. Procedimentos ciclodestrutivos podem também ser uma opção. Alguns estudos relatam a eficácia do tratamento ciclodestrutivo transescleral com laser de diodo em olhos hipertensos após a cirurgia de transplante. Porém, até o momento, não encontramos nenhum estudo que associe em um mesmo ato operatório o transplante de córnea e o procedimento ciclodestrutivo. Consideramos, assim, a associação do implante valvular com a cirurgia de transplante de córnea a melhor opção ao realizar as duas cirurgias no mesmo ato, baseado nos estudos existentes e na grande possibilidade da falência da cirurgia filtrante convencional. De modo geral, atualmente os implantes valvulares são preferidos em casos em que se espera um processo inflamatório mais importante no período pós-operatório independente do tipo de cirurgia que será associado. Todos os esforços devem ser destinados a se reduzir este excessivo processo inflamatório para que se perpetue pelo maior período possível a fístula reguladora da pressão intraocular. Fármacos antiangiogênicos têm demonstrado efeitos anti-inflamatórios bastante significativos. Jonas et al. em 2007 relataram 2 casos com excelentes resultados pressóricos em 3 meses de acompanhamento realizando cirurgia filtrante utilizando bevasizumabe intravítreo. Porém, mais estudos devem ser realizados principalmente em casos mais graves para melhores conclusões. Portanto, com o desenvolvimento farmacológico, especialmente em relação aos fármacos antiangiogênicos e novas técnicas cirúrgicas, nestes casos de cirurgias combinadas potencialmentes falíveis, possivelmente a sobrevida das fístulas das cirurgias filtrantes com ou sem implantes valvulares poderá ser maior, contribuindo, assim, para o sucesso pressórico desejado.

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