Orbita

Page 1

JOSÉ VITAL FILHO ANTONIO AUGUSTO VELASCO E CRUZ SILVANA ARTIOLI SCHELLINI SUZANA MATAYOSHI ANA ROSA PIMENTEL DE FIGUEIREDO GUILHERME HERZOG NETO


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SÉRIE OFTALMOLOGIA BRASILEIRA 3a Edição

Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica

I


SÉRIE OFTALMOLOGIA BRASILEIRA Conselho Brasileiro de Oftalmologia – CBO

Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica EDITORES José Vital Filho Diretor do Serviço de Oculoplástica da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo

Ana Rosa Pimentel de Figueiredo Professora-Associada da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais Chefe do Setor de Plástica Ocular, Órbita e Vias Lacrimais do Hospital São Geraldo, UFMG

Antonio Augusto Velasco e Cruz Professor-Titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, USP Silvana Artioli Schellini Professora-Titular de Oftalmologia da Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP Chefe do Serviço de Plástica Ocular e Vias Lacrimais da Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP

Guilherme Herzog Neto Professor-Associado da Universidade Federal Fluminense Mestre e Doutor em Oftalmologia pela Universidade Federal do Rio Janeiro, UFRJ Coordenador do Setor de Oculoplástica, Vias Lacrimais e Órbita do Hospital Universitário da Universidade Federal Fluminense, UFF

Suzana Matayoshi Professora-Associada da Disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões

COORDENADOR Milton Ruiz Alves

II


CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ O73 3. ed. Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica / José Vital Filho, Antonio Augusto Velasco e Cruz, Silvana Artioli Schellini, Ana Rosa Pimentel de Figueiredo, Suzana Matayoshi, Guilherme Herzog Neto ; coordenação Milton Ruiz Alves. – 3. ed. – Rio de Janeiro : Cultura Médica : Guanabara Koogan, 2013. il. (Oftalmologia brasileira / CBO)

Inclui bibliografia e índice ISBN 978-85-7006-618-3

1. Aparelho lacrimal. 2. Órbitas (Anatomia). 3. Cirurgia plástica ocular. I. Vital Filho, José. II. Cruz, Antonio Augusto Velasco e. III. Schellini, Silvana Artioli. IV. Matayoshi, Suzana. V. Figueiredo, Ana Rosa Pimentel de. VI. Herzog Neto, Guilherme. V. Conselho Brasileiro de Oftalmologia. VI. Série. 13-06822 CDD: 617.764 CDU: 617.764

© Copyright 2013  Cultura Médica®   Esta obra está protegida pela Lei no 9.610 dos Direitos Autorais, de 19 de fevereiro de 1998, sancionada e publicada no Diário Oficial da União em 20 de fevereiro de 1998.   Em vigor a Lei no 10.693, de 1o de julho de 2003, que altera os Artigos 184 e 186 do Código Penal e acrescenta Parágrafos ao Artigo 525 do Código de Processo Penal.  Caso ocorram reproduções de textos, figuras, tabelas, quadros, esquemas e fontes de pesquisa, são de inteira responsabilidade do(s) autor(es) ou colaborador(es). Qualquer informação, contatar a Cultura Médica® Impresso no Brasil Printed in Brazil Responsável pelo Layout/Formatação: Cultura Médica Responsável pela Impressão: Guanabara Koogan

Cultura Médica® Rua Gonzaga Bastos, 163 20541-000 – Rio de Janeiro – RJ Tel. (55 21) 2567-3888 Site: www.culturamedica.com.br e-mail: cultura@culturamedica.com.br

III


Colaboradores

Magda Massae Hata Marcos Carvalho Cunha Marcos Volpini Marilisa Nano Costa Mário Luiz Ribeiro Monteiro Midori Hentona Osaki Patrícia Lunardelli Patricia Mitiko S. Akaishi Paulo G. Manso Ricardo Morschbacher Ricardo Tomoyoshi Kanecadan Roberta L.F. Sousa Roberto Caldato Sérgio Burnier Sheila de Paula Simone Bison Simone Milani Brandão Sylvia Regina Temer Cursino Tammy Hentona Osaki Tânia Pereira Nunes Victor Marques de Alencar

Abelardo Couto Souza Júnior Adriano Baccega Allan C. Pieroni Gonçalves Ana Estela Besteti P. P. Santana André Nicoletti Andros Pereira Fonseca Assad Rayes Danielle Pimenta Viana Trindade Davi Araf Eliana Aparecida Forno Erick Marcet Santiago Erika Hoyama Eurípedes da Mota Moura Fernando Chahud Flávia Augusta Attié de Castro Ivana Cardoso Pereira Ivana Lopes Romero-Kusabara João Amaro Ferrari Silva Larissa Horikawa Satto Lorena Almeida Zbyszynski Lúcia Miriam Dumont Lucci Luis Pavês

IV


Apresentação

Quando do lançamento da Série Oftalmologia Brasileira, o Professor Hamilton Moreira, então presidente do CBO, inicia o seu prefácio da seguinte maneira: São acima de 6000 páginas, escritas por mais de 400 professores. É a maior obra da maior instituição oftalmológica brasileira: o Conselho Brasileiro de Oftalmologia. A concretização da Série Oftalmologia Brasileira representa a continuidade de um trabalho, um marco, a realização de um sonho. Com o pensamento voltado na defesa desse sonho que, tenho certeza, é compartilhado pela maioria dos Oftalmologistas brasileiros, estamos dando início a uma revisão dos livros que compõem a série. Além das atualizações e correções, resolvemos repaginá-los, dando-lhes uma nova roupagem, melhorando sua edição, de maneira a tornar sua leitura a mais prazerosa possível. Defender, preservar e aperfeiçoar a cultura brasileira, aqui representada pelo que achamos de essencial na formação dos nossos Oftalmologistas, é responsabilidade e dever maior do Conselho Brasileiro de Oftalmologia. O conhecimento é a base de nossa soberania, e cultuar e difundir o que temos de melhor é nossa obrigação. O Conselho Brasileiro de Oftalmologia se sente orgulhoso por poder oferecer aos nossos residentes o que achamos essencial em sua formação. Sabemos que ainda existirão erros, e correções serão sempre necessárias, mas também temos consciência de que todos os autores fizeram o melhor que puderam. Uma boa leitura a todos. Marco Antônio Rey de Faria Presidente do CBO

V


Agradecimentos

O projeto de atualização e impressão desta terceira edição da “Série Oftalmologia Brasileira” contou, novamente, com a parceria privilegiada estabelecida pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia com importantes empresas do segmento oftálmico estabelecidas no Brasil. Aos autores e colaboradores, responsáveis pela excelente qualidade desta obra, nossos mais profundos agradecimentos pela ampla revisão e atualização do conteúdo e, sobretudo, pelo resultado conseguido que a mantém em lugar de destaque entre as mais importantes publicações de Oftalmologia do mundo. Aos presidentes, diretores e demais funcionários da Alcon, Genom, Johnson & Johnson e Varilux nosso sincero reconhecimento pela forma preferencial com que investiram neste projeto, contribuindo de modo efetivo não só para a divulgação do conhecimento, mas, também, para a valorização da Oftalmologia e daqueles que a praticam. Aos jovens oftalmologistas, oferecemos esta terceira edição da “Série Oftalmologia Brasileira”, importante fonte de transmissão de conhecimentos, esperando que possa contribuir tanto para a formação básica quanto para a educação continuada. Sintam orgulho desta obra. Boa leitura! Milton Ruiz Alves Coordenador da Série Oftalmologia Brasileira

VI


Sumário

S E Ç Ã O  I Órbita

1

Órbita. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 A – Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 Antonio Augusto Velasco e Cruz

B – Estudo Semiológico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 Adriano Baccega • Antonio Augusto Velasco e Cruz

C – Anomalias Congênitas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 Patrícia Mitiko S. Akaishi

D – Órbita Aguda. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 Flávia Augusta Attié de Castro

E – Orbitopatia de Graves . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 Antonio Augusto Velasco e Cruz • Patrícia Mitiko S. Akaishi

F – Fraturas Orbitárias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 Victor Marques de Alencar

G – Cavidades Anoftálmicas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 Erika Hoyama

H – Órbita e Seios Paranasais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 Antonio Augusto Velasco e Cruz

VII


I – Displasia Fibrosa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 Antonio Augusto Velasco e Cruz

J – Processos Inflamatórios Específicos de Etiologia Desconhecida . . . . . . . . . . . . . . 66 Sheila de Paula • Fernando Chahud

L – Abordagem Cirúrgica da Órbita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72 Antonio Augusto Velasco e Cruz

S e ç ã o  II Tumores Orbitais na Infância

2

Hemangioma Capilar (Hemangioendotelioma Benigno) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82 Luis Pavês

3

Rabdomiossarcoma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86 Ricardo Morschbacher

4

Glioma Óptico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89 Mário Luiz Ribeiro Monteiro

S e ç ã o  IiI Tumores Orbitais no Adulto

5

Tumores da Glândula Lacrimal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97 Paulo G. Manso

6

Tumores Linfoproliferativos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103 Abelardo Couto Souza Júnior

7

Hemangioma Cavernoso. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .110 Ivana Lopes Romero-Kusabara • Sylvia Regina Temer Cursino • José Vital Filho

8

Schwannoma da Órbita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113 Sylvia Regina Temer Cursino

9

Neoplasias Secundárias da Órbita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116 Simone Bison • José Vital Filho

10

Metástases Orbitárias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127 Allan C. Pieroni Gonçalves

VIII


S e ç ã o  Iv Sistema Lacrimal

11

Anatomia e Embriologia das Vias Lacrimais Excretoras. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132 Guilherme Herzog Neto

12

Fisiologia da Excreção Lacrimal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137 Marcos Volpini • Guilherme Herzog Neto • Silvana A. Schellini

13

Propedêutica das Vias Lacrimais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141 Assad Rayes • Simone Milani Brandão • Silvana Artioli Schellini

14

Obstrução Lacrimal Congênita – Diagnóstico e Tratamento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151 Larissa Horikawa Satto • Silvana Artioli Schellini

15

Afecções das Vias Lacrimais Altas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .162 João Amaro Ferrari Silva • Roberta L.F. Sousa • Silvana A. Schellini

16

Obstrução da Via Lacrimal Baixa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 170 Marilisa Nano Costa • Silvana A. Schellini

17

Via Lacrimal Excretora e Doenças Sistêmicas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177 Erika Hoyama

18

Bloqueio Funcional. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 186 Magda Massae Hata • Silvana A. Schellini • Marilisa Nano Costa

19

Complicações no Tratamento das Obstruções das Vias Lacrimais. . . . . . . . . . . . . . . 189 Suzana Matayoshi

20

Tumores do Saco Lacrimal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 195 Ricardo Tomoyoshi Kanecadan • José Vital Filho

S e ç ã o v Oculoplástica

21

Anatomia Cirúrgica das Pálpebras no Contexto da Face . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 203 Ana Rosa Pimentel de Figueiredo • Erick Marcet Santiago • Suzana Matayoshi

22

Técnicas Básicas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 212 Marcos Volpini

23

Anestesia em Plástica Ocular. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227 Ana Rosa Pimentel de Figueiredo • Danielle Pimenta Viana Trindade

IX


24

Malformações Congênitas das Pálpebras. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 234 Patrícia Mitiko S. Akaishi • Lúcia Miriam Dumont Lucci

25

Inflamação, Infecção e Infestação Palpebral. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 246 Suzana Matayoshi

26

Traumas Palpebrais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 255 Patrícia Lunardelli • André Nicoletti

27

Ectrópio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 261 Ana Rosa Pimentel de Figueiredo • Lorena Almeida Zbyszynski • Suzana Matayoshi

28

Entrópio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 268 Suzana Matayoshi • Roberto Caldato • Eurípedes da Mota Moura

29

Triquíase. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 277 Ana Rosa Pimentel de Figueiredo • Danielle Pimenta Viana Trindade

30

Blefaroptose. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 282 Ivana Cardoso Pereira • Tânia Pereira Nunes • Suzana Matayoshi

31

Retração Palpebral. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 294 Ana Rosa Pimentel de Figueiredo • Andros Pereira Fonseca • Suzana Matayoshi

32

Paralisia Facial Periférica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .299 Eliana Aparecida Forno • Ivana Lopes Romero • Marcos Carvalho Cunha

33

Blefaroespasmo, Espasmo Hemifacial e outras Discinesias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 311 Ana Rosa Pimentel de Figueiredo • Danielle Pimenta Viana Trindade

34

Reconstrução Palpebral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 314 Abelardo Couto Souza Júnior • Davi Araf • Suzana Matayoshi

35

Involução Palpebral e Facial. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 325 Ana Rosa Pimentel de Figueiredo • Suzana Matayoshi

36

Simbléfaro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 333 Sérgio Burnier • Ana Estela Besteti P. P. Santana

37

Tratamento das Rugas de Expressão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 343 Midori Hentona Osaki • Tammy Hentona Osaki

Índice Alfabético. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 355

X


S E Ç Ã O  I

Órbita


Antonio Augusto Velasco e Cruz • Adriano Baccega • Patrícia Mitiko S. Akaishi • Flávia Augusta Attié de Castro • Victor Marques de Alencar Erika Hoyama • Sheila de Paula • Fernando Chahud

C a p í t u l o | 1

Órbita

A – Introdução Antonio Augusto Velasco e Cruz

A órbita é, naturalmente, o território de atuação do oftalmologista. Todas as condições que acometem a órbita repercutem diretamente no sistema visual, e quando ocorre algum problema orbitário os pacientes sempre procuram o oftalmologista para diagnóstico e tratamento. Não obstante a especificidade oftalmológica das doenças da órbita, um grande número de especialistas – otorrinolaringologistas, cirurgiões de cabeça e pescoço e craniofaciais, bem como neurocirurgiões – também atuam no território orbital. De fato, por ser uma região de transição entre o crânio e a face e conter uma grande diversidade de tecidos, a órbita é sítio de grande variedade de entidades nosológicas, que muitas vezes exigem abordagem multidisciplinar. Este manual tem como proposta fornecer ao residente de oftalmologia as informações básicas de como conduzir uma enfermidade orbitária. O conhecimento da anatomia básica da órbita é fundamental para realização de um bom exame clínico e entendimento fisiopatológico das doenças orbitárias. Resumidamente, a órbita pode ser entendida como uma cavidade óssea formada por quatro paredes que convergem para um ápice posterior. Essa cavidade define o que se denomina de continente orbitário, sendo que anteriormente apenas uma delimitação constituída por tecido conjuntivo, o septo orbitário, impõe seu limite. No interior da órbita há o globo ocular, vasos, nervos, músculos, glândula lacrimal e gordura. A relação entre o continente e o conteúdo orbitário permite que durante os primeiros anos de vida ocorra o crescimento harmonioso da órbita que, uma vez completado, permanece

2


3  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita estável durante toda a vida. A quebra da relação continente/conteúdo é um dos primeiros sinais clínicos da existência de uma patologia orbitária. A proximidade anatômica com fossa craniana, seios da face, fossas temporal, infratemporal e pterigopalatina, muitas vezes com aberturas diretas (fissuras orbitárias superior e inferior, canal óptico, forames), faz com que a órbita seja uma estrutura que muitas vezes exije atenção multidisciplinar. O exame clínico é fundamental para o esclarecimento diagnóstico e deve ser realizado de forma metódica, minuciosa e objetiva. Ao final do exame, uma hipótese diagnóstica (ou uma lista de diagnósticos diferenciais) deverá estar clara, sendo que os exames complementares apenas somarão dados para o fortalecimento desse diagnóstico. Algumas vezes a certeza diagnóstica vai depender de uma complementação histopatológica ou laboratorial, porém a sequência dos passos seguidos não deve ser invertida.

B – Estudo Semiológico Adriano Baccega Antonio Augusto Velasco e Cruz

História Clínica e Inspeção A obtenção de uma boa história é fundamental para o diagnóstico das doenças orbitárias. A coleta de informações referentes à idade do paciente, tempo de aparecimento e duração dos sinais e sintomas, doenças pregressas familiares e tratamentos já realizados é fundamental. Um recurso muito útil é a análise de fotografias que mostrem a evolução das alterações. A simples inspeção já pode fornecer informações valiosas. Um dos principais sinais de doença orbitária é o deslocamento do globo ocular tanto no sentido anteroposterior quanto no horizontal ou vertical. No sentido anteroposterior, o olho pode estar deslocado para frente pelo aumento no volume do conteúdo orbitário (massa, edema ou inflamação) ocorrendo, então, a proptose ou exoftalmia ou para trás por diminuição do conteúdo ou aumento do continente o que caracteriza o enoftalmo. Quando o olho está deslocado no sentido horizontal ou vertical fala-se em distopia ocular (Fig. 1).

Fig. 1  Proptose e distopia ocular vertical devido à presença de massa na parte superior da órbita.


4  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita A proptose pode ser axial (o deslocamento não sofre desvio horizontal ou vertical), o que sugere a presença de aumento de volume no espaço intraconal ou no não axial nos processos extraconais. Nesse caso, a direção do deslocamento fornece um indício do local do problema. Por exemplo, deslocamento medial e para baixo do globo ocorre em patologias de glândula lacrimal, deslocamento superior sugere a presença de lesões no assoa­ lho, enquanto os inferiores e laterais indicam lesões expansivas no teto e parede medial, respectivamente (Fig. 2). O grau de protusão ocular pode ser avaliado qualitativamente. Para isso os dois olhos do paciente são visibilizados simultaneamente com o olhar do observador paralelo à face do examinado. A técnica mais simples é solicitar ao paciente que olhe para cima e observar a posição ocular abaixando-se um pouco. Alternativamente, o examinador pode ficar de pé, atrás do paciente que sentado mantém o olhar para frente (Fig. 3). A posição do olho em relação ao rebordo orbitário lateral é medida por meio da exoftalmometria (Fig. 4). Esse exame é realizado com aparelhos denominados exoftalmômetros (o mais comum é o de Hertel). Em adultos normais os valores médios se situam em torno de 15 mm. Assimetrias maiores que 2 mm (não importando o valor absoluto) e valores maiores que 23 mm, devem ser investigados e considerados como fora do padrão de normalidade da média populacional. Vale lembrar que como a amplitude da distribuição exoftalmométrica é grande, um determinado paciente pode ter uma exoftalmometria considerada normal

Fig. 2  Proptose não axial com distopia horizontal do olho esquerdo.

Fig. 3  Modos de se avaliar qualitativamente a posição anteroposterior de um olho em relação ao outro. À esquerda, o paciente está olhando para cima e o examinador está agachado. À direita, o paciente está sentado olhando para frente e o observador está de pé por trás, olhando de cima para baixo. Nos dois casos, o enoftalmo do olho esquerdo é evidente.


5  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita

Fig. 4  Realização de exoftamometria.

estatisticamente e ainda assim haver proptose. A exoftalmometria com o Hertel é de difícil realização em crianças muito novas. Nessa situação, o exoftalmômetro de Luedde, constituído por uma régua dupla transparente e milimetrada, pode ser usado. Protrusões aparentemente anormais, denominadas pseudoproptose (falsa impressão de proptose) podem resultar de assimetria facial, alta miopia unilateral, retrações palpebrais e enoftalmo contralateral. Como já foi dito anteriormente, os deslocamentos oculares no plano coronal caracterizam as distopias que podem estar associadas tanto à proptose quanto ao enoftalmo. Geralmente as distopias são ocasionadas por lesões expansivas mais anteriores que deslocam o globo ocular no sentido horizontal (medial ou lateral) ou no vertical (superior ou inferior) ou por fraturas de uma parede orbitária. As distopias são bem evidenciadas com auxílio de régua. Nos casos de deslocamentos laterais ou mediais, mede-se a distância da linha média ao limbo nasal, enquanto na distopia vertical a régua é posicionada horizontalmente e registra-se a distância do centro da pupila à régua. Além dos deslocamentos do globo, há uma série de sinais sugestivos de doença orbitária. A Tabela I lista alguns desses sinais (Figs. 5 a 10).

TABELA I  Sinais sugestivos de doença orbitária Sinal

Causa

Massa cor salmão em fundo de saco

Linfoma

Retração e lag palpebral

Orbitopatia de Graves

Estase venosa na inserção dos retos horizontais

Orbitopatia de Graves, miosite

Dilatação de vasos epibulbares

Fístulas arteriovenosas

Anomalias vasculares palpebrais

Linfangioma, varizes, hemangioma

Ptose em “S”

Neurofibroma plexiforme, lesões da glândula lacrimal

Uveíte anterior

Pseudotumor

Equimose palpebral

Neuroblastoma, leucemia

Shunt optociliar de disco

Meningioma

Assimetria facial

Displasias fibrosas e neurofibromatose


6  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita

Fig. 5  Proptose e quemose em fístula carotidocavernosa.

Fig. 6  Proptose e retração em orbitopatia de Graves.

Fig. 7  Extensão anterior (palpebral) de hemangioma capilar orbitário.

Fig. 8  Varizes de órbita após manobra de Valsalva.

Fig. 9  Massa avermelhada em fundo de saco superior por linfoma (salmon pink patch).


7  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita

Fig. 10  Ptose em “S” por neurofibroma plexiforme orbitopalpebral.

Palpação O rebordo orbitário é facilmente palpável e deve ser examinado em casos de traumas, onde a perda de continuidade e degraus são encontrados nas fraturas que comprometem o rebordo ósseo. Massas localizadas mais anteriormente na órbita também são facilmente palpáveis como as mucoceles dos seios paranasais, aumento de glândula lacrimal, cistos dermoides, encefaloceles e neurofibromas. Enfisema subcutâneo é tipicamente encontrado em fraturas da parede medial da órbita. A pulsação do globo ocular pode resultar da transmissão de pulso arterial. Um exemplo típico são as fístulas carotidocavernosas de alto débito que podem, inclusive, cursar com ruídos referidos pelos pacientes e audíveis na região temporal com o emprego do estetoscópio. Outra possibilidade é a transmissão da pulsação intracraniana por defeitos ósseos resultantes de traumas ou agenesia de asa de esfenoide na neurofibromatose. Em casos de varizes ou malformações venolinfáticas de órbita o aumento da pressão venosa (resultante de uma manobra de Valsalva ou compressão da veia jugular), pode fazer com que uma proptose apareça ou aumente.

Exame oftalmológico Em qualquer suspeita de doença orbitária o exame oftalmológico deve ser realizado, com ênfase na avaliação da motilidade ocular, medida do sentido visual (acuidade visual, campo visual, visão cromática), exame dos reflexos pupilares, medida da pressão intraocular e do fundo de olho. As doenças orbitárias podem comprometer a motilidade ocular de diferentes modos. Na orbitopatia de Graves e miosites idiopática é a própria musculatura que está afetada por infiltrado inflamatório e edema. Encarceramentos dos tecidos muscular ou perimuscular ocorrem nas fraturas e causam limitações das ducções. As lesões de nervo oculomotor podem estar presentes em casos de fístulas carotidocavernosas, síndrome de Tolosa Hunt e tumores apicais. Por fim, o próprio efeito de massa provocado por lesões expansivas benignas ou malignas causam limitação mecânica. Os principais parâmetros de avaliação do sentido visual devem ser rotineiramente obtidos na suspeita de doença orbitária. Campimetria computadorizada, medida do sentido cromático


8  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita e acuidade visual, em geral bastam para caracterizar perdas visuais que podem ser causadas por compressão ou infiltração inflamatória do nervo óptico. O exame dos reflexos pupilares é fundamental não só pela possibilidade de revelar lesões do III nervo como também como método objetivo de pesquisa de deficiências de condução do nervo óptico. É o denominado reflexo de Marcus Gunn ou defeito pupilar aferente (pupillary afferent defect). O reflexo, que só tem valor quando as pupilas são isocóricas, é pesquisado em ambiente com pouca luz, iluminando-se alternadamente as duas pupilas com uma lanterna. No lado com comprometimento do nervo óptico a pupila se dilata com a iluminação, ao contrário da do lado normal que mostra miose. Alterações na medida da pressão intraocular podem ser decorrentes de processo restritivo acometendo o músculo reto inferior ou representarem um glaucoma pós-trabecular por dificuldade do retorno venoso. No primeiro caso, a posição primária do olhar só é conseguida à custa de grande carga contrátil do antagonista homolateral (reto superior) o que altera artificialmente a medida da pressão. Se essa for realizada em infraducção os valores se normalizam. Esse sinal é tipicamente encontrado na orbitopatia de Graves com hipertrofia do reto inferior e hipotropia. Já as fístulas arteriovenosas e a trombose de veia oftálmica superior provocam estase venosa orbitária, resultando em aumento verdadeiro de pressão intraocular que pode trazer graves consequências para visão (glaucoma pós-trabecular). A fundoscopia pode revelar inúmeros achados, tais como alterações de disco óptico (edema, atrofia óptica), shunts optociliares (comumente observados no meningioma da bainha do nervo óptico), dilatação venosa e tortuosidade (estases venosas), bem como dobras de coroide por compressão direta na parede escleral.

Imagem Tomografia computadorizada A tomografia computadorizada (TC), disponível a partir da década de 1970, tornou-se de grande importância no estudo das patologias orbitárias, uma vez que mostra detalhes da órbita e estruturas vizinhas com perfeição. É o exame de imagem básico no estudo da órbita e deve sempre ser solicitado em qualquer suspeita de doença orbitária. A TC emprega radiação ionizante que, após atravessar estruturas de diferentes densidades, sofre atenuações que, captadas e processadas por computador, são transformadas em imagem. A atenuação que os raios sofrem é proporcional à densidade dos tecidos. Os valores de atenuação são medidos em unidades de Hounsfield (HU), em uma escala de –1.000 a +1.000. Por convenção, a unidade do ar é fixada em –1.000 HU, a da água em 0 HU e a do osso em +1.000 HU. É utilizada uma escala de cor cinza na formação das imagens, sendo que os tecidos de baixa densidade, ou seja, com baixa atenuação, aparecem em preto na imagem, enquanto os de alta densidade aparecem com coloração branca. Para se obter detalhes ósseos é necessário utilizar a denominada janela óssea na qual a faixa de densidades ao redor de +1.000 HU é mais bem detalhada (Fig. 11). A TC orbitária deve ser feita com cortes contíguos de 2 ou 3 mm, em diferentes planos (axial, coronal e sagital). É possível a formação de imagens tridimensionais, o que permite um estudo


9  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita

Fig. 11  Corte axial de órbitas com janela óssea mostrando fratura de parede medial e enfisema palpebral à esquerda.

topográfico e estrutural de grande valia em planejamentos de reconstrução de fraturas e correções de craniossinostoses (Figs. 12 e 13). Os aparelhos modernos com multidetectores em espiral (multislicing) permitem a aquisição das imagens em tempo extremamente curto e posterior reformatação nos três planos básicos sem que haja necessidade de se movimentar o paciente. Em casos de traumas é o exame de escolha, principalmente se houver suspeita de corpo estranho metálico (contraindicada a realização de ressonância magnética), o arcabouço ósseo é visto, com a denominada janela óssea, com detalhes superiores a qualquer outro exame de imagem. Em lesões tumorais permite definir topograficamente a localização e tamanho da lesão, alterações ósseas (p. ex., erosões ósseas decorrentes de tumor e hiperostoses) e em determinados tumores traz informações superiores à ressonância, como a presença de calcificações em tumores como meningioma e retinoblastoma. O uso de contraste radiopaco permite uma melhor avaliação de estruturas vasculares, ou quando houver rotura da barreira endoteliocapilar normal.

Fig. 12  Tomografia computadorizada com cortes axial (esquerda) coronal (centro) e sagital (direita). Note a precisa localização de uma lesão intraconal, abaixo do reto superior no corte sagital.

Fig. 13  Reconstrução tridimensional de crânio e face de criança com faciocraniossinostose (síndrome de Crouzon). Note a grande retrusão do terço médio da face, oclusão classe III (maxila posicionada posteriormente à mandíbula) e sinais de hipertensão intracraniana (sinal da prata batida).


10  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita Ressonância magnética A ressonância magnética, ao contrário da tomografia, não usa radiação ionizante e depende da interação de três componentes físicos: prótons do núcleo de átomos, ondas eletromagnéticas e campo magnético. As imagens são formadas de acordo com a energia liberada entre a estimulação feita por um campo magnético (que tem efeito principal nos prótons de átomos de hidrogênio) e o tempo de relaxamento (quando cessa o estímulo). Essa energia (ondas eletromagnéticas) é captada por receptores e transformada em imagem com o auxílio de programas específicos. Como a concentração de hidrogênio (presente principalmente na molécula de água) é diferente em cada tecido a imagem criada fornecerá detalhes estruturais dos diferentes componentes anatômicos da órbita (com uma capacidade de resolução e definição melhor que a tomografia computadorizada principalmente em lesões de ápice orbitário e nervo óptico). Tecidos com baixa concentração de água (p. ex., osso), não têm boa definição de imagem na ressonância. A criação de imagens em diferentes planos (coronais, axiais, sagitais e oblíquos) também permite detalhar lesões de forma mais precisa que a tomografia. De acordo com esses dados (tempo de estimulação e tempo de relaxamento) são obtidos dois padrões básicos ditos T1 (tempo de relaxamento longitudinal), e T2 (tempo de relaxamento transversal) (Fig. 14). Existem muitas outras sequências de pulso que permitem uma ampla variedade de imagens. Pode ser utilizado contraste (gadolínio), que será distribuído no espaço extracelular e não atravessa a barreira hematocerebral intacta. Na órbita normal esse contraste vai realçar imagem de músculos extraoculares e glândula lacrimal em patologias como tumores primários ou metastáticos; é de grande valor o estudo contrastado da imagem patológica. Outra opção do exame é a supressão de gordura que pode ser feita na formação da imagem, mostrando melhor definição estrutural quando suprimido o realce da gordura orbitária. As desvantagens ainda encontradas com a ressonância são decorrentes de um tempo maior que a tomografia computadorizada para execução do exame, claustrofobia em aparelho

Fig. 14  Padrões básicos de ressonância magnética de órbita. À esquerda, T1 (note gordura brilhante, vítreo escuro). À direita, T2 (vítreo claro).


11  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita que são fechados, baixa definição para osso e calcificações e contra indicação em pacientes com corpo estranho metálico (clips vascular, corpo estranho em órbita, etc.), além do custo mais elevado que os outros exames de imagem.

Outros Exames a) Angiografia – Consiste na obtenção de imagem após injeção de um contraste radiopaco intravascular. Nas arteriografias o contraste é injetado na artéria carótida interna ou na externa. É um exame invasivo com risco de complicações vasculares e neurológicas. Assim, levando-se em conta a disponibilidade da angiorressonância e angiotomografia, que são menos invasivos (na angiorressonância não há necessidade de uso de contraste), com alta definição de imagem e menor morbidade as angiografias passaram a ter indicações limitadas a alguns casos de suspeita de aneurismas ou fístulas arteriovenosas. A angiografia digital permite a formação da imagem subtraindo o osso, com detalhes apenas do compartimento vascular. b) Angiotomografia – A angiotomografia é realizada com aparelhos em espiral (sistema de aquisição contínua de imagem), e utilização de um contraste iodado intravenoso fornecendo uma imagem tridimensional da estrutura vascular. Ela tem sua principal indicação no estudo de patologias vasculares, como aneurismas e fístulas. c) Angiorressonância – Exame não invasivo no qual é feita a aquisição de uma imagem sensível ao fluxo com supressão do tecido estacionário para se evidenciar a anatomia vascular. Usando técnicas de aquisição tridimensional, permite maior flexibilidade para formar um conjunto de dados, sendo possível observar diversas projeções fazendo rotações livremente. Usado em casos de suspeitas de oclusão ou estenose de artérias carótida ou oftálmica, aneurismas e fístulas. d) Radiografia simples – Desde o aparecimento da tomografia computadorizada e da ressonância magnética, o emprego da radiografia simples é muito restrito. A sobreposição de imagens torna limitado o estudo das patologias orbitárias. Por estar disponível e de rápida execução em serviços de emergências, a radiografia simples tem ainda alguma utilidade em casos de trauma e corpos estranhos radiopacos. e) Ultrassonografia – Este método de imagem que é tão importante no diagnóstico de lesões intraoculares, na órbita tem um papel mais restrito, pois a utilização da tomografia computadorizada e ressonância magnética fornece dados espaciais que superam os fornecidos pelo ultrassom. O modo A, que é uma representação acústica unidimensional, é mais usado para se obter informações estruturais de lesões anteriores. O modo B, por ser uma representação acústica bidimensional, propicia uma análise panorâmica que pode ser útil em alguns casos específicos. A ultrassonografia Doppler combina o modo B com o efeito Doppler que consiste na mudança de frequência das ondas mecânicas devido ao movimento relativo entre o observador e a fonte emissora. A técnica é usada para se examinar o fluxo sanguíneo de vasos da órbita. Essa avaliação hemodinâmica de vasos orbitários possibilita que de forma não invasiva seja feito


12  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita um estudo anatômico e funcional da circulação retrobulbar. Em casos específicos, como fístula de seio cavernoso com alto fluxo, trombose da veia oftálmica superior, varizes orbitárias e malformações arteriovenosas, é de grande interesse para a análise da velocidade e orientação do fluxo sanguíneo em vasos como artéria oftálmica, artéria central da retina, artérias ciliares posteriores, veia central da retina, veia oftálmica superior. No “Doppler colorido”, o sistema de identificação de fluxo é mostrado em cores e em tempo real. A intensidade da cor é determinada pela direção e magnitude do sinal Doppler recebido (na prática o fluxo que afasta do transdutor é codificado em vermelho e o que se dirige ao transdutor em azul), além dessa codificação em cores das alterações da magnitude e da direção da velocidade é possível gravar a frequência absoluta do eco recebido ou da velocidade do fluxo.

C – Anomalias Congênitas Patrícia Mitiko S. Akaishi

A órbita localiza-se entre a face e o crânio, possuindo uma constituição óssea comum a essas duas regiões anatômicas. O desenvolvimento orbitário é influenciado pela presença e desenvolvimento do globo ocular e pelo crescimento dos ossos craniofaciais. Dessa forma, as anomalias congênitas orbitárias são secundárias a anomalias do desenvolvimento craniofacial e/ou ocular. O inicio da formação orbitária ocorre na quarta semana de gestação, concomitante com o início do desenvolvimento ocular. A diferenciação óssea ocorre no terceiro mês de gestação. Inicialmente, as paredes orbitárias laterais formam um ângulo de 180º e progressivamente medializam-se até o nascimento, quando este ângulo é de aproximadamente 70º. O continente orbitário aumenta com o crescimento do globo ocular, que tem 17 mm ao nascimento e atinge dimensões adultas ao redor dos 5 anos de idade.

Craniossinostoses As craniossinostoses são doenças caracterizadas pelo fechamento prematuro de suturas do crânio. Como consequência direta do fechamento ocorre uma inibição do crescimento ósseo na direção perpendicular à sutura envolvida, enquanto o crescimento continua normal na direção paralela (lei de Virchow). A Tabela II mostra a idade do fechamento das principais suturas cranianas e faciais. Podem aparecer isoladamente, afetando uma única sutura craniana (craniossinostoses não sindrômicas), ou associadas a outras malformações, quando afetam múltiplas suturas inclusive as da base do crânio, que influenciam o desenvolvimento da face, constituindo as craniossinostoses sindrômicas.


13  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita TABELA II  Idade do início do fechamento das suturas cranianas e faciais Suturas Cranianas

Início do Fechamento (Anos)

Metópica

2

Sagital

22

Coronal

24

Lambdoide

26

Escamosa

35 a 39

Esfenofrontal

22

Esfenoparietal

29

Esfenotemporal

28 a 32

Mastoccipital

26 a 30

Suturas Faciais Palatal

30 a 35

Frontomaxilar

68 a 71

Frontozigomática

72

Zigomaticotemporal

70 a 71

Zigomaticomaxilar

70 a 72

Frontonasal

68

Nasomaxilar

68

Craniossinostoses não sindrômicas Escafocefalia: decorrente do fechamento precoce da sutura sagital (entre os ossos parietais), causa alongamento do crânio no sentido anteroposterior (Figs. 15 A e B). Não afeta o desenvolvimento orbitário.

Figs. 15 (A e B) A. Radiografia simples em perfil mostrando o alongamento anteroposterior do crânio que caracteriza a escafocefalia. B. Tomografia computadorizada tridimensional mostrando o fechamento da sutura sagital e as suturas coronal e metópica abertas.


14  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita Trigonocefalia: corresponde ao aspecto triangular da região frontal secundário ao fechamento precoce da sutura metópica (entre os ossos frontais). Causa redução do diâmetro da fossa craniana anterior e hipotelorismo (menor distância entre as órbitas) (Figs. 16 A e B). Braquicefalia: causada pelo fechamento precoce da sutura coronal bilateral (entre os ossos parietais e o frontal), o que provoca uma redução do diâmetro anteroposterior do crânio e um aplanamento no rebordo orbitário superior (Figs. 17 A e B). Plagiocefalia anterior não sindrômica: fechamento unilateral da sutura coronal que se estende à sutura esfenofrontal, que é o prolongamento orbitário da sutura coronal. Assim, a órbita é afetada diretamente na plagiocefalia anterior. Há uma retrusão do rebordo orbitário superior e lateral, acompanhada de assimetria facial. O crescimento compensatório contralateral provoca a formação de uma bossa frontal, que frequentemente é o principal motivo da queixa dos pais quando se apresentam à consulta médica (Figs. 18 A e B). As alterações oftalmológicas mais frequentes na plagiocefalia anterior são ametropias, especialmente astigmatismos e estrabismo horizontal exotrópico.

Figs. 16 (A e B) A. Aspecto triangular da região frontal na trigonocefalia. B. Tomografia computadorizada com reconstrução tridimensional, mostrando o fechamento prematuro da sutura metópica e redução da distância entre as órbitas (hipotelorismo).

Figs. 17 (A e B) A. Braquicefalia, com aplanamento do rebordo orbitário e acrocefalia. B. Tomografia computadorizada axial mostrando a redução do diâmetro craniano anteroposterior.


15  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita

Figs. 18 (A e B) A. Aspecto clínico da plagiocefalia sinostótica anterior esquerda, caracterizada pela retrusão do rebordo orbitário esquerdo e bossa frontal à direita. B. Tomografia computadorizada com reconstrução tridimensional, mostrando deformidade orbitária esquerda causada pelo fechamento prematuro da sutura coronal esquerda.

Craniossinostoses sindrômicas Conhecidas também como faciocraniossinostose, termo criado por Tessier na década de 1970, as craniossinostoses sindrômicas incluem um conjunto de síndromes caracterizadas por anomalias craniofaciais causadas pelo fechamento prematuro das suturas do crânio, órbita e maxila que afetam diretamente o desenvolvimento do esqueleto facial. Como a maior parte da expansão cerebral ocorre até o quarto ano de vida, pode haver o desenvolvimento de hipertensão intracraniana. Com o envolvimento das suturas da base do crânio, principalmente a esfenofrontal e a esfenoetmoidal, a asa maior do esfenoide sofre uma anteriorização, reduzindo o diâmetro sagital da órbita, causando o exorbitismo (diminuição do continente orbitário responsável pela protusão ocular). O crescimento da base do crânio influencia, ainda, o desenvolvimento da maxila, do palato e da nasofaringe. Portanto, com o fechamento dessas suturas ocorre a retrusão do terço médio da face, malformações do palato e atresia nasofaríngea, responsáveis pelos distúrbios respiratórios frequentes. O desenvolvimento da mandíbula não é afetado, gerando uma anomalia de oclusão denominada classe 3. Nessas condições, é frequente encontrar mutações genéticas no gene de receptor do fator de crescimento do fibroblasto (FGFR), que controla o crescimento ósseo. O padrão de herança genética é autossômico dominante, com expressividade variável. As faciocraniossinostoses relacionadas com o FGFR mais frequentes são as síndromes de Crouzon, Apert e Pfeiffer.

Síndrome de Crouzon É a faciocraniossinostose mais frequente, responsável por 4,8% dos casos. Apresenta uma taxa de prevalência de 16,5/10.000.00 de nascimentos. Foi descrita pela primeira vez em 1912 por Octave Crouzon, neurologista francês, que observou a ocorrência familiar da doença. Associa-se a mutações no FGFR2, localizado no cromossomo 10. O envolvimento das suturas sagital e coronal ocorre em mais de 90% dos casos e é responsável pela ocorrência frequente de hipertensão intracraniana e atrofia óptica na síndrome de Crouzon (Figs. 19 A e B). Outras manifestações oftalmológicas da síndrome são as ametropias, ambliopia,


16  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita

Figs. 19 (A e B)  Síndrome de Crouzon. A. Exorbitismo, estrabismo e hipoplasia do terço médio da face. B. Tomografia computadorizada com reconstrução tridimensional mostrando a ausência de suturas cranianas patentes e a retrusão da maxila, causando uma oclusão em classe 3.

estrabismo, hipertelorismo e exorbitismo. A hipermetropia e o astigmatismo ocorrem em mais de 50% dos casos e, associados à exotropia, são as principais causas de ambliopia nessa síndrome.

Síndrome de Apert Eugene Apert descreveu a síndrome caracterizada por craniossinostose, hipoplasia maxilar e sindactilia de mãos e pés em 1906. Posteriormente, a síndrome de Apert foi incluída nas síndromes de acrocefalossindactilias, das quais fazem parte as síndromes de Saethre-Chotzen e Pfeiffer. Tem uma prevalência de 12,5 a 15,5/1.000.000 de nascimentos. A maior parte dos casos da síndrome de Apert ocorre esporadicamente, decorrentes de novas mutações no gene FGFR2, influenciadas pelo aumento da idade paterna. Ao contrário da síndrome de Crouzon, o fechamento da sutura sagital e da fontanela anterior é mais tardio, causando a deformidade craniana em acrobraquicefalia. Os principais achados oftalmológicos na síndrome são o exorbitismo, hipertelorismo e obliquidade negativa da fenda palpebral (Figs. 20 A-C). A prevalência de ambliopia é alta, sendo causada principalmente por ametropias (hipermetropia e astigmatismo) e estrabismo. Agenesia de músculos extraoculares também tem sido descrita e contribui para o aumento da prevalência de estrabismo nessa síndrome.

Síndrome de Pfeiffer Descrita em 1964, a síndrome de Pfeiffer foi incluída nas síndromes de acrocefalossindactilia desde 1966, por apresentar craniossionostose, hipoplasia maxilar e anomalia do primeiro dedo das mãos e pés, associados ou não a sindactilia. A anomalia dos dedos é diagnóstica na síndrome e consiste em aumento do tamanho dos primeiros dedos associado ao desvio radial dos mesmos (Fig. 21). A herança genética é autossômica dominante, com mutações identificadas no FGFR1 (cromossomo 8) e FGFR2. Há três variantes clínicas bem definidas da síndrome de Pfeiffer.


17  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita

Figs. 20 (A–C)  Síndrome de Apert. A. Alterações oftalmológicas: hipertelorismo, obliquidade negativa da fenda palpebral e esotropia. B. Sindactilia simétrica das mãos. C. Sindactilia do pé.

Fig. 21  Aumento desproporcional do polegar na síndrome de Pfeiffer.

A primeira, ou tipo I, apresenta características craniofaciais e oftalmológicas semelhantes às sindromes de Crouzon e Apert. O tipo II é o mais grave, com crânio em trevo e exorbitismo extremo, que pode causar perda visual em curto período de tempo devido à exposição ocular. O tipo III é semelhante ao tipo II, exceto pela ausência de crânio em trevo (Figs. 22 A-C).

Fendas OrbitoFaciais As fendas são malformações que envolvem as estruturas superficiais e o esqueleto craniofacial ao redor da órbita. Paul Tessier, importante cirurgião plástico francês e fundador da cirurgia craniofacial, observou que nas fendas compreendidas entre a linha média e o forame infraorbitário, o envolvimento das partes moles é mais evidente do que o envolvimento ósseo. No entanto, quando a fenda está situada entre o forame infraorbitário e o osso temporal, o déficit ósseo é mais grave que o de partes moles. Assim, as observações de Tessier, na década de 1970, geraram os fundamentos para a classificação topográfica das fendas faciais usadas até hoje.


18  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita

Figs. 22 (A–C) A. Pfeiffer tipo I. B. Tipo II, com crânio em trevo, após cirurgia de alongamento palpebral por desinserção do elevador da pálpebra superior e enxerto cutâneo sobre o músculo de Müller. C. Tipo III, mostrando o intenso exorbitismo.

A origem das fendas não é conhecida, mas os principais mecanismos propostos incluem a falha no processo de fusão dos processos faciais e a falha do preenchimento mesodérmico desses processos que causaria a deiscência epitelial. Há também a influência genética, principalmente quando associada aos quadros sindrômicos, e a influência ambiental relacionada com o uso materno de drogas, como cocaína e benzodiazepínicos. As fendas são classificadas de acordo com sua localização. São conhecidas 15 fendas, numeradas de 0 a 14, iniciando na linha media inferior (fenda 0) e distribuindo-se ao redor e através da órbita, até a linha média superior (fenda 14). A Figuras 23A e B ilustra a distribuição das fendas na superfície (a) e no esqueleto facial (b). As fendas 0 a 8 são faciais enquanto as fendas 9 a 14 são cranianas. Fenda 0-14: é a fenda que compromete a linha média craniofacial. Afeta o osso frontal (encefalocele mediana), o etmoide (duplicação da crista galli), o nariz (duplicação do septo e columela) e a maxila. Causa o hipertelorismo e pode comprometer o palato. Fenda 1: é uma fenda facial paramediana. Afeta a cartilagem nasal, o lábio superior e a maxila, entre os incisivos central e lateral. Sua correspondente craniana é a fenda 13, que afeta o osso frontal, a lâmina cribrosa e causa o hipertelorismo. Geralmente é unilateral.


19  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita

A

B

Figs. 23 (A e B)  Distribuição topográfica das fendas orbitofaciais. A. Projeção cutânea. B. Projeção óssea.

Fenda 2: é paramediana, lateral à fenda 1. Afeta a base da cartilagem nasal causando hemiatrofia nasal, o lábio superior e a maxila medial, causando obstrução nasolacrimal distal (Fig. 24). Corresponde a fenda craniana 12 que envolve o etmoide causando o hipertelorismo. Fenda 3: é uma fenda orbitomaxilar interna. Interfere no desenvolvimento do processo frontal da maxila e da parede medial do seio maxilar, causando o encurtamento lateronasal, distorção da asa do nariz e ausência do septo nasal. A fenda passa entre o ponto lacrimal e a carúncula (Fig. 25). Causa distopia cantal medial e obstrução nasolacrimal. Os dermoides epibulbares são frequentes na fenda 3. Sua correspondente craniana é a fenda 11, que causa um coloboma medial na pálpebra superior. Fenda 4: fenda orbitomaxilar mediana. Acomete a porção central da pálpebra inferior, incluindo sua porção lacrimal, causando distopia cantal medial, retração da pálpebra inferior e tração do lábio superior. Atravessa o rebordo orbitário, entre o processo frontal da maxila e o forame infraorbitário, causando rebaixamento do assoalho da órbita e distopia orbitária. No alvéolo dentário situa-se medialmente ao canino. Corresponde à fenda craniana 10. Fenda 5: fenda orbitomaxilar externa. Atravessa o terço lateral da pálpebra inferior estendendo-se até o terço lateral do lábio superior, próximo a comisura labial. Afeta o rebordo e assoalho orbitários e o globo ocular é frequentemente microftálmico. A fenda atravessa a maxila externamente ao forame infraorbitário, acometendo os alvéolos dentários no nível dos pré-molares. Pode estar associada a sua correspondente craniana, a fenda 9.

Fig. 24  Fenda facial 2.


20  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita

Fig. 25  Fenda 3-11, à direita.

Fenda 6: é uma fenda intermaxilozigomática. Causa um coloboma palpebral inferior lateral e distopia cantal lateral. Não envolve os alvéolos dentários, mas determina encurtamento da maxila, arqueamento do palato e atresia de coanas. A fenda 6 aparece tipicamente na síndrome de Treacher-Collins (Fig. 26 ). Fenda 7: é uma fenda temporozigomática. O arco zigomático e o ramo mandibular são hipoplásicos. O côndilo mandibular e o processo coronoide podem estar ausentes. A ausência do processo coronoide está associada à ausência do músculo temporal. O desenvolvimento da maxila também é afetado na presença da fenda 7. É a fenda facial mais externa, frequentemente associada à macrostomia, microtia e apêndices pré-auriculares. Um exemplo típico ocorre na síndrome de Goldenhar (Fig. 27). Fenda 8: fenda frontozigomática relacionada com as síndromes de Treacher-Collins e Goldenhar. Determina um coloboma do canto externo associado à presença de cistos dermoides epibulbares. Fenda 9: fenda orbitária superolateral associada ao coloboma do terço lateral da pálpebra superior. É rara e associa-se à fenda facial 5.

Fig. 26  Síndrome de Treacher-Collins. Fenda 6.

Fig. 27  Síndrome de Goldenhar.


21  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita Fenda 10: fenda orbitária superior mediana. Determina um coloboma do rebordo orbitário superior, lateralmente ao forame supraorbitário, estendendo-se pelo teto da órbita e frontal. Associa-se ao coloboma central da pálpebra superior. Corresponde à fenda facial 4. Fenda 11: fenda orbitária superointerna. Promove um coloboma do terço medial da pálpebra superior. O envolvimento ósseo da fenda 11 causa aumento do labirinto etmoidal levando ao hipertelorismo. Corresponde à fenda facial 3. Fenda 12: atravessa o canto medial, afetando o processo frontal da maxila, o etmoide e o osso frontal. Determina o telecanto, hipertelorismo e um coloboma do supercílio medial. A fenda 12 é o equivalente craniano da fenda facial 2. Fenda 13: fenda paramediana que atravessa o osso nasal, o processo frontal da maxila, osso frontal e o forame olfatório. Associa-se a encefalocele e hipertelorismo. Situa-se medialmente ao supercílio e não o afeta diretamente. Sua correspondente facial é a fenda 1. Fenda 14: é o componente craniano da fenda facial 0, responsável pelo grande defeito da linha média que causa a encefalocele frontal e hipertelorismo.

Microrbitia A hipoplasia orbitária, ou microrbitia, é secundária a hipoplasia ou ausência do globo ocular. Anoftalmia verdadeira, ou seja, ausência de formação da vesícula óptica que resulta em ausência de tecido ocular, é extremamente rara (Fig. 28). No entanto, difere sutilmente das formas graves de microftalmia, inclusive em relação ao prejuízo do crescimento orbitário. A maior parte deste crescimento ocorre nos primeiros 5 anos de vida. Nessa fase, a presença do globo ocular, mesmo microftálmico, é fundamental para estimular o desenvolvimento da órbita. Em casos onde a tomografia computadorizada mostra um déficit do crescimento orbitário, é necessário realizar a reposição volumétrica com implantes não integráveis ou enxertos dermolipídicos, a fim de evitar a contração da cavidade, de reparo tecnicamente mais difícil.

Fig. 28  Microrbitia associada à anoftalmia congênita bilateral.

Hipertelorismo O termo hipertelorismo indica, genericamente, distância anormal entre dois órgãos. O hipertelorismo orbital ou hiperteleorbitismo significa aumento da distância entre as órbitas, o que ocorre, basicamente, pelo aumento da distância interetmoidal. Essa distância pode ser aferida,


22  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita clinicamente, pela medida da distância interpupilar (DIP). A Figura 29 mostra a evolução da DIP normal na infância. O hipertelorismo ocorre por dois mecanismos fisiopatogênicos distintos: falência de medialização das órbitas, secundária a distúrbios do desenvolvimento por volta dos 50 dias de vida fetal; e presença de um obstáculo a aproximação interetmoidal, como a presença de uma anomalia frontonasal. Assim, o hipertelorismo ocorre nas seguintes condições clinicas: malformações frontonasais, displasias craniofrontonasais, fendas craniofaciais, encefaloceles e quadros onde há associaçao entre essas condições (Figs. 30 A e B).

Fig. 29  Distribuição das medianas da distância interpupilar nos primeiros 14 anos de vida. A velocidade do crescimento é maior nos primeiros 2 anos de vida. Dados obtidos a partir do trabalho de Feingold & Bossert. (Feingold M, Bossert W. Normal values for selected physical parameters: an aid to syndrome delineation. Birth Defects Orig Artic Ser, 1974; 10:1-16).

Figs. 30 (A e B)  Hipertelorismo secundário à (A) malformação frontonasal e (B) encefalocele frontal.


23  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita Malformações VenoLinfáticas São anomalias vasculares orbitárias compostas de vasos venosos e linfáticos, originalmente descritas como linfangiomas. O polo puramente venoso é representado pelo padrão que também é denominado varizes orbitárias (Figs. 31 e 32). Apesar de serem congênitas, essas lesões raramente têm expressão clínica no nascimento. Nas anomalias mistas (linfangiomas) a sintomatologia depende da localização e do crescimento lesional. A localização determina a classificação clínica em três grupos: superficiais, profundas e combinadas (Figs. 33 A e B).

Fig. 31  Corte axial de tomografia computadorizada mostrando anomalias venosas (varizes) intraconais em OE.

Fig. 32  Ressonância magnética. Grande massa venolinfática preenchendo toda a órbita esquerda.

Figs. 33 (A e B)  Malformações venolinfáticas. A. Tipo superficial, envolvendo pálpebra medial e órbita anterior esquerda. B. Tipo profunda, causando proptose grave em OE.


24  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita É comum a coexistência de anomalias orbitárias e extraorbitárias. Tipicamente, o terço médio da face é acometido, sendo frequente a observação da lesão no palato (Fig. 34). A tomografia computadorizada mostra um padrão heterogêneo, lobulado, infiltrativo e mal delimitado, o que reflete a ausência de cápsula. A ressonância magnética é o exame preferido, nesses casos, porque permite melhor delineamento das estruturas orbitárias e suas relações com a lesão, e permite avaliar sua extensão intra e extraconal. Embora benignas, as malformações venolinfáticas têm comportamento agressivo. As lesões orbitárias profundas podem apresentar hemorragia intralesional, causando proptose aguda, neuropatia óptica compressiva ou estrabismo (Fig. 35). A cirurgia é indicada nos casos de neuropatia compressiva, dor e reabilitação cosmética. A abordagem cirúrgica das anomalias venolinfáticas é problemática e mesmo após cirurgias aparentemente bem conduzidas a recorrência é a regra. Alguns autores, principalmente europeus, advogam a esclerose vascular como método de tratamento de eleição. As varizes se comportam de maneira diferente. Pode haver enoftalmo e a manobra de Valsalva é positiva. A lesão é mais estável e, em geral, não gera episódios de hemorragia intermitentes como nos linfangiomas.

Fig. 34  Anomalia venolinfática palatal em paciente com lesão orbitária ipsilateral.

Fig. 35  Hemorragia em criança com anomalia venolinfática à direita. Note a proptose e limitação da abdução.


25  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita D – Órbita Aguda Flávia Augusta Attié de Castro

Conceito A designação órbita aguda é dada a todo quadro orbitário em que há proptose e sinais flogísticos, tais como dor, edema, hiperemia, congestão venosa e limitação da motilidade ocular (Fig. 36). Pode haver diminuição da acuidade visual, distopia vertical, sinais e sintomas sistêmicos como febre, mal-estar, cefaleia, queda do estado geral e alteração do nível de consciência.

Fig. 36  Órbita aguda à esquerda em criança anestesiada para biópsia. O quadro flogístico pode ser decorrente de uma ampla variedade de condições. No caso, tratava-se de um processo inflamatório idiopático.

Síndrome de compartimento orbitário Síndrome de Compartimento é um termo frequentemente utilizado em ortopedia para descrever quadro clínico resultante de aumento de pressão em um local cercado por fáscias. Caracteriza-se por aumento da pressão, dor, congestão venosa, diminuição da irrigação e consequente isquemia. Pode levar a perda funcional rapidamente se não for revertido a tempo. A instalação da síndrome de compartimento na órbita pode ocorrer em qualquer tipo de órbita aguda. Como a órbita é constituída por arcabouço ósseo e estruturas de contenção (periósteo e septo orbitário), o aumento súbito do conteúdo pode levar à cascata de eventos que define a síndrome de compartimento. A percepção da instalação desse fenômeno indica procedimento cirúrgico em caráter de urgência com objetivo de diminuir a pressão intraorbitária. Pode ser realizado procedimento simples, como, por exemplo, uma cantólise ou até descompressão de órbita nos casos mais acentuados.

Etiologia As principais causas de órbita aguda são: celulite, orbitopatia de Graves, inflamação orbitária idiopática (pseudotumor), traumas (contusões), neoplasias, fístulas arteriovenosas e inflamações de etiologia a esclarecer (granulomatose de Wegener, poliarterite nodosa e Churg-Strauss, por exemplo).


26  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita Celulites As infecções orbitárias podem ser causadas por bactérias (maioria), fungos (principalmente em pacientes imunossuprimidos) e parasitos (mais raras). Celulite infecciosa bacteriana é uma das mais frequentes causas de órbita aguda; classicamente, há dor, edema e hiperemia palpebrais, proptose/distopia ocular, quemose, diplopia, diminuição da acuidade visual e da motilidade ocular. Pode haver sinais sistêmicos, como febre e astenia. A diferenciação entre celulite pré-septal e celulite orbitária deve ser feita criteriosamente, pois a conduta a ser tomada difere substancialmente. Processos pré-septais não acometem o compartimento orbitário e, portanto, não causam proptose, diminuição da motilidade ocular nem diplopia. Podem ser tratados com antibioticoterapia oral e não necessitam de internação hospitalar. As celulites orbitárias são infecções graves, precisam de medicação parenteral e internação, podem culminar em trombose de seio cavernoso, abscessos cerebrais, meningite e morte. A principal causa de infecção orbitária são processos sinusais e faciais que acometem a órbita por contiguidade. Celulite pós-trauma pode ser decorrente de fraturas e retenção de corpo estranho. A tomografia computadorizada é o principal exame a ser solicitado. Atenção ao acometimento dos seios paranasais, fraturas orbitárias, indícios de corpo estranho, formação de abscessos subperiostais, coleções em fossa craniana, gás e extensão do processo, pois são importantes. Hemograma completo, glicemia e função renal são solicitados para avaliar o comprometimento sistêmico e orientar o tratamento clínico. Existem padrões radiológicos típicos de celulites orbitárias que serão discutidos no item específico mais adiante no decorrer desse manual. Há algumas diferenças importantes entre crianças e adultos. Nas crianças há predominância de acometimento etmoidal, bactérias Gram-positivas são mais prevalentes e abscessos são menos comuns. Em adultos, alteração frontoetmoidal, infecção polimicrobiana e abscessos são mais frequentes. Internação e antibioticoterapia endovenosa devem ser providenciadas. Espectro para Gram-­ positivos e anaeróbios deve ser coberto; se houver suspeita de corpo estranho, cobertura para Gram-negativos pode e deve ser associada. Caso a resposta ao tratamento seja insuficiente em 48 horas, deve-se repetir a tomografia para averiguar possíveis complicações (abscessos locais e cranianos; trombose de seio cavernoso, dilatação da veia orbitária superior) e verificar a necessidade de procedimento cirúrgico terapêutico (drenagem de abscesso) ou diagnóstico (biópsia). Infecções fúngicas podem ser extremamente graves em pacientes imunossuprimidos. O tratamento clínico deve ser agressivo e rigoroso. Desbridamento pode ser necessário. Frequentemente as celulites fúngicas culminam em sequelas graves e óbito. São exemplos: mucormicose, aspergilose e histoplasmose, entre outros. Infestação orbitária é mais rara, alguns exemplos: miíase, cisticercose, cistos hidáticos, triquinose, oncocercose, Ascaris e esquistossomose.

Orbitopatia de graves É a principal e mais frequente causa de proptose e retração palpebral em adultos. Acomete crianças e adultos, homens e mulheres. É diagnóstico diferencial principalmente das miosites. Algumas diferenças entre elas são importantes. Na doença de Graves o acometimento é mais lento e insidioso, há bilateralidade assimétrica, retração palpebral, os músculos têm a parte central alargada e os contornos bem definidos,


27  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita a resposta à corticoterapia é mais lenta e incompleta, o reto inferior e o medial são predominantemente acometidos. As miosites idiopáticas são quadros mais agudos, isolados (embora a bilateralidade seja comum), não há predileção evidente por um músculo específico, toda a extensão muscular fica alargada, podendo haver aspecto “borrado” dos contornos musculares e da gordura orbitária nos exames de imagem; ptose palpebral, e não retração, é geralmente encontrada; a resposta ao tratamento é mais rápida e completa. Por ser extremamente importante, a orbitopatia de Graves será discutida em detalhes em um capítulo específico.

Inflamação orbitária idiopática (pseudotumor) É uma causa comum de órbita aguda. O quadro clínico é determinado pelas estruturas acometidas, podendo variar desde uma inflamação anterior leve a um quadro congestivo difuso grave e muito sintomático. Adultos são predominantemente acometidos, embora crianças possam apresentar, esporadicamente, inflamações idiopáticas orbitárias. Histologicamente há infiltrados polimórficos inespecífico e linfocítico policlonal (em crianças pode haver presença de eosinófilos); o aspecto microscópico pode variar desde francamente inflamatório a pseudoneoplásico. A imuno-histoquímica ajuda na diferenciação entre inflamação e neoplasia em casos duvidosos. A classificação dos processos inflamatórios orbitários idiopáticos leva em consideração o compartimento orbitário acometido: anterior, apical, miosítico, lacrimal e difuso. Anterior: a inflamação ocorre na parte anterior da órbita, em geral centrada na esclera posterior, caracterizando a esclerotenonite. O quadro clínico pode variar em intensidade, os sinais e sintomas mais comuns são: diminuição da acuidade visual, dor ocular (principalmente à movimentação), quemose, edema palpebral, hiperemia conjuntival, congestão venosa, esclerite, uveíte e descolamento de retina. Exames de imagem mostram borramento periescleral e acometimento variável do nervo óptico (Fig. 37). A resposta ao tratamento clínico costuma ser satisfatória. Lacrimal: a glândula lacrimal é a estrutura-alvo. Há dor no quadrante superior lateral, quemose e hiperemia localizados no fórnice conjuntival superior lateral e edema palpebral (ptose em “S”). Há aumento do volume da glândula e borramento das estruturas adjacentes na tomografia (Fig. 38).

Fig. 37  Intensa infiltração periescleral posterior. Pseudotumor anterior ou esclerotenonite ou esclerite posterior.


28  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita

Fig. 38  Borramento da glândula lacrimal.

Apical: a inflamação que acomete predominantemente o ápice da órbita pode gerar diminuição da acuidade visual associada à dor ocular moderada a intensa (principalmente à movimentação), alteração de reflexo fotomotor (defeito aferente pupilar ou reflexo de Marcus Gunn), proptose, quemose e congestão venosa. Borramento de estruturas no ápice da órbita que se estende ao longo do nervo óptico e musculatura pode ser visto na tomografia (Fig. 39). A resposta ao tratamento pode ser frusta. Um tipo especial de inflamação apical é denominado síndrome de Tolosa-Hunt. Nessa síndrome há neuropatias associadas (IV, V e VI pares cranianos) devido ao acometimento do seio cavernoso ispilateral. Miosítico: os músculos oculorrotatórios podem ser acometidos isoladamente ou em conjunto. Dor, hiperemia conjuntival e quemose localizadas na área do músculo inflamado são comuns; pode haver diplopia e proptose; acuidade visual diminuída não é comum. Aumento do volume de toda a extensão do músculo aparece no exame de imagem (Fig. 40). Difusa: a inflamação não se restringe a qualquer compartimento específico da órbita. Há dor, hiperemia, quemose e edema palpebral difusos; diminuição da acuidade visual e motilidade ocular variáveis; proptose; diplopia; pode haver uveíte e descolamento de retina. A resposta ao tratamento varia.

Fig. 39  Ressonância magnética de órbitas (T1) mostrando infiltração apical à esquerda.

Fig. 40  Espessamento difuso do músculo reto lateral.


29  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita O tratamento da inflamação orbitária idiopática é eminentemente clínico. Corticoterapia via oral em dose imunossupressora é a primeira opção. Inicialmente prescreve-se dose máxima, que deve ser diminuída gradativamente conforme a resposta clínica. Cuidados clássicos necessários em qualquer corticoterapia sistêmica devem ser tomados (como, por exemplo, controle glicêmico e de pressão arterial; diagnóstico e tratamento de infecções oportunistas; aumento de peso e sinais de Cushing). Imunossupressão com outras medicações pode ser aventada em casos com resposta frustra, recidivas frequentes, contraindicações a corticoides ou efeitos colaterais graves. Aconselha-se acompanhamento concomitante com imunologista nesses casos. Radioterapia também é uma opção plausível. Injeções locais de corticoide são uma opção discutível, podendo ser utilizadas em casos em que o tratamento sistêmico é difícil ou contraindicado em razão dos efeitos colaterais. Procedimento cirúrgico é raramente necessário, porém pode ser realizado em casos extremos, como proptose e exposição ocular inaceitáveis. Nesses casos, tarsorrafia e descompressão orbitária podem proteger o globo e resguardar a visão. Biópsia é indicada em casos com diagnóstico incerto ou resposta pouco satisfatória ao tratamento.

Traumas/Contusões Trauma orbitário é extremamente comum. A órbita pode sofrer lacerações, perfurações e contusões. Em todos os traumas orbitários deve haver preocupação com infecções secundárias, hemorragias e retenção de corpos estranhos. Não se pode esquecer a profilaxia antitetânica. Importante também lembrar que avaliação neurológica é mandatória em casos de trauma craniano. As lacerações resumem um quadro amplo de lesões possíveis, desde ferimentos simples superficiais a desestruturação total do conteúdo orbitário. Pode haver desinserção e avulsão palpebrais, lesão de via lacrimal, rotura e avulsão do globo ocular. As perfurações são caracterizadas por terem uma “porta de entrada” pouco lesiva, porém com consequências profundas graves, como, por exemplo, rotura do nervo óptico e do globo. As contusões são traumas fechados causados principalmente por instrumentos rombos. Podem levar a fraturas, hematomas e explosões oculares. Quando o volume do conteúdo intraorbitário aumenta desproporcionalmente ao seu continente há aumento da pressão intraorbitária gerando a síndrome de compartimento (Fig. 41).

Fig. 41  Órbita aguda por contusão orbitária. Notar proptose, hiperemia bulbar. Havia hipertensão ocular e baixa de acuidade visual, caracterizando a síndrome de compartimento orbitária.


30  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita Neoplasias Tumores podem gerar órbita aguda e mimetizar processos inflamatórios. Alguns exemplos são leucemia, linfoma, rabdomiossarcoma, neuroblastoma e metástases. Frequentemente são diagnosticados em biópsias realizadas em casos de “celulite” com evolução atípica. Devem ser lembrados sempre no diagnóstico diferencial, pois precisam de tratamento e condutas específicas. As neoplasias serão abordadas individualmente em capítulos específicos.

Fístulas arteriovenosas A drenagem venosa orbitária é realizada predominantemente pela veia orbitária superior até o seio cavernoso ipsilateral. Importantes estruturas estão localizadas no seio cavernoso, entre elas a carótida, III, IV, V (primeira e segunda divisões) e VI pares cranianos. Quando há comunicação arteriovenosa no interior do seio cavernoso, ocorre inversão do fluxo sanguíneo orbitário, causando importante quadro congestivo. O aumento da pressão venosa causa dor, edema palpebral, proptose, quemose, hiperemia, glaucoma pós-trabecular, diminuição da motilidade e da acuidade visual. Diplopia pode ser decorrente da congestão ou compressão dos pares cranianos envolvidos. Sopro pode ser auscultado em alguns casos. As fístulas carotidocavernosas são classificadas de acordo com o fluxo (alto ou baixo), mecanismo de instalação (diretas ou indiretas/durais) e etiologia (traumáticas ou espontâneas). Geralmente as traumáticas são diretas e de alto débito. O quadro clínico é o de órbita aguda clássica. A tomografia pode evidenciar aumento do calibre da veia orbitária superior, alargamento do seio cavernoso e da musculatura oculorrotatória. Angiorresonância e arteriografia são exames confirmatórios. Trombose do seio cavernoso deve se realizada para evitar perda definitiva da visão. Atualmente intervenção radiológica é a opção de escolha mais aceita. Quando negligenciadas as fístulas carotidocavernosas levam a progressiva dilatação venosa de todas as veias orbitárias e faciais. Há o desenvolvimento de glaucoma pós-trabecular e cegueira (Fig. 42).

Fig. 42  Fístula carotidocavernosa de alto débito negligenciada. À esquerda, dilatação de todo o território venoso facial. À direita, corte axial de TC mostrando a grande dilatação das veias orbitárias.


31  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita Inflamações de origem a esclarecer As vasculites são causas raras de inflamação orbitária, as mais comuns são a granulomatose de Wegener, arterite de células gigantes, arterite temporal e síndrome de Churg-Strauss. Apesar de raras, devem ser sempre lembradas no diagnóstico diferencial entre as idiopáticas, uma vez que podem ter repercussões sistêmicas graves e letais.

E – Orbitopatia de Graves Antonio Augusto Velasco e Cruz Patrícia Mitiko S. Akaishi

Conceito Orbitopatia de Graves (OG) é o nome dado à doença autoimune orbitária caracterizada clinicamente pela presença de retração palpebral associada à proptose, estrabismo restritivo ou neuropatia óptica. A maioria desses pacientes apresenta alguma disfunção tireoidiana autoimune, com destaque para o hipertireoidismo ou doença de Graves (DG), que ocorre em 90% dos casos (Fig. 43). A terminologia usada para designar o quadro orbitário referido atualmente como “orbitopatia de Graves” é variada e fonte de confusão. Denominações frequentemente utilizadas, tais como oftalmopatia distireoidiana, exoftalmo endócrino, oftalmopatia relacionada com a tireoide sugerem que a doença orbitária é indissociável da doença tireoidiana. Uma digressão histórica é útil para entender o fato. No início do século XIX, Robert Graves (1796-1853), Caleb Parry (1755-1822) e Carl Adolph Basedow (1799-1854), identificaram, independentemente, a doença

Fig. 43  Paciente do sexo feminino com bócio e orbitopatia de Graves.


32  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita caracterizada pela tríade: taquicardia, bócio e exoftalmo. Em 1862, Armand Trousseau sugeriu o epônimo “doença de Graves” que foi amplamente difundido nos países de língua inglesa. Anos após, com a descoberta da função tireoidiana, as terminologias hipertireoidismo e tireotoxicose foram acrescentadas à literatura e à denominação da orbitopatia, sugerindo o nexo causal. Há pouco mais de 50 anos, surgiram os primeiros indícios da existência dos autoanticorpos e de seu papel fisiopatogênico na DG, estabelecendo o conceito atual de doença autoimune para este tipo de disfunção tireoidiana. A DG é, hoje, caracterizada pela produção de autoanticorpos contra o receptor do hormônio estimulador da tireoide (TSH-R), induzindo a produção autônoma e descontrolada dos hormônios tireoidianos (Weetman 2000). Embora exista uma forte relação temporal entre o início do hipertireoidismo e da orbitopatia, aproximadamente 50% dos pacientes com hipertireoidismo não apresentam manifestações oculares e 10% dos pacientes com orbitopatia nunca manifestam disfunção tireoidiana. A associação entre OG e DG sugere mecanismos fisiopatogênicos comuns entre órbita e tireoide, possivelmente por intermédio de um antígeno comum entre os dois tecidos que seria o receptor do hormônio estimulante da tireoide (TSH).

Manifestações clínicas A retração palpebral superior é o sinal mais comum da OG e ocorre em 90% dos casos. Este sinal, conhecido como sinal de Dalrymple, é causado pela hiperatividade do músculo de Müller, dependente do tônus simpático e do elevador da pálpebra superior (Fig. 44). Embora o envolvimento das pálpebras superiores seja mais evidente, as pálpebras inferiores também podem estar afetadas. A proptose ou exoftalmo ocorre em aproximadamente 60% dos casos devido ao aumento dos tecidos muscular e adiposo orbitários (Fig. 45). A análise da evolução temporal da exoftalmometria mostra que 72 a 80% permanecem estáveis, 16 a 23% sofrem aumento maior que 2 mm e 5% podem diminuir espontaneamente.

Fig. 44  Retração palpebral superior bilateral. Há também retração inferior, mais evidente em OD.

Fig. 45  Proptose de grande magnitude em paciente com orbitopatia de Graves.


33  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita Como consequência do aumento muscular, 42,5% dos pacientes desenvolvem estrabismo restritivo e 5% evoluem para neuropatia óptica por compressão do nervo óptico no ápice da órbita (Figs. 46 A e B).

Figs. 46 (A e B) A. Paciente com esotropia e hipotropia de olho direito. B. TC em corte axial do mesmo paciente, mostrando aumento dos músculos retos mediais e compressão apical do nervo óptico direito.

Fisiopatogenia A fisiopatogenia da OG é, ainda, pouco compreendida. A íntima associação com hipertireoidismo autoimune sugere a possibilidade de um antígeno comum entre os tecidos orbitários e tireoidianos. A DG é desencadeada pela ligação de autoanticorpos ao receptor do hormônio estimulador da tireoide (TSHR) nas células foliculares tireoidianas. A estimulação do receptor causa produção excessiva e descontrolada do hormônio tireoidiano, elevando seus níveis séricos na medida em que promove supressão da produção do TSH. O TSHR é considerado o autoantígeno da DG. Alguns estudos têm demonstrado a presença desse receptor nos fibroblastos orbitários de pacientes com OG, sugerindo sua participação na patogênese da doença. O exame histológico dos tecidos conectivos orbitários de pacientes com OG mostra um infiltrado linfocitário, com predominância de linfócitos T. Ambos os subgrupos linfocitários, Th1 (linfócito T helper que produz as citocinas interleucina-2, interferon-a e fator de necrose γ-tumoral) e Th2 (caracterizado pela produção das citocinas: interleucinas 4, 5 e 6) já foram relacionados com OG. Já foi sugerido que o perfil Th1 predomine nas fases iniciais da doença enquanto as células Th2 ocorram na fase tardia. Os fibroblastos orbitários, células responsáveis pelo remodelamento tecidual que ocorre na OG, têm sido intensamente analisados. Esses fibroblastos sofrem a ação de citocinas e passam a secretar proteínas imunomoduladoras, expressar moléculas de adesão, produzir colágeno e diferenciar-se em adipócitos, um processo conhecido como neoadipogênese. Em recente estudo, foram mostradas diferenças fenotípicas e funcionais entre os fibroblastos do tecido adiposo e da MEO. A diferença fenotípica é dada pela expressão de uma molécula de


34  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita superfície celular denominada Thy-1. Os fibroblastos perimisiais expressam essa molécula de modo homogêneo e, ao contrário dos fibroblastos do tecido adiposo, não possuem capacidade de neoadipogênese. Esses dados são de extrema importância, pois foram os primeiros a fornecer uma base histopatológica para explicar a existência de subtipos clínicos e indicam a possibilidade de dois mecanismos fisiopatogênicos distintos atuando nos pacientes com OG.

Subtipos da orbitopatia de graves A característica mais marcante da OG é o aumento da musculatura extraocular (MEO), que tipicamente poupa as inserções musculares tendinosas. Embora o aumento da gordura orbitária tenha sido observado pela primeira vez por Rundle e Pochin em 1944, este achado só ganhou importância após sucessivas publicações sobre seu envolvimento na OG na década de 1980. O aumento muscular foi observado em estudos anatômicos, durante procedimentos cirúrgicos e exames radiológicos. Análises histológicas do tecido muscular orbitário de pacientes com OG mostram graus variados de aumento volumétrico à custa de edema e infiltração de gordura entre as fibras musculares. Observam-se células inflamatórias (linfócitos, macrófagos), depósitos de glicosaminoglicanos e acúmulo de colágeno. A célula muscular não é primariamente afetada (Campbell 1989). A gordura orbitária apresenta poucas alterações histológicas apesar da grande hiperplasia observada durante cirurgias descompressivas e estudos radiológicos. As principais alterações ocorrem nos septos de tecido conectivo que permeiam o tecido adiposo e são semelhantes às que ocorrem no interstício muscular. Uma característica relevante do acometimento adiposo é a proliferação de adipócitos normais, processo conhecido como neoadipogênese. O envolvimento inconstante dos tecidos muscular e adiposo na OG levou Nunery a categorizar os pacientes em dois subtipos com comportamentos clínicos diferentes. Pacientes com OG subtipo 1 têm aumento da gordura orbitária e pouco ou nenhum aumento muscular. Apresentam motilidade ocular normal, proptoses simétricas e ausência de sinais inflamatórios orbitários. Em geral ocorre em mulheres e tem evolução mais benigna por não produzir disfunção muscular (Figs. 47 A e B). No subtipo 2 o envolvimento muscular é

Figs. 47 (A e B) A. OG subtipo 1 de Nunery. Note a presença de áreas hipocrômicas periorais, mostrando a associação da OG com vitiligo. B. TC orbitária, em corte axial, da mesma paciente, mostrando MEO normais e proptose secundária ao aumento do conteúdo adiposo orbitário.


35  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita notório, causando diplopia e proptose assimétrica. Há sinais inflamatórios evidentes e risco de neuropatia óptica compressiva. Este tipo de OG é observado em homens com idades mais avançadas (Figs. 48 A e B). A categorização em subtipos assume importância prognóstica nas indicações terapêuticas. Pacientes do subtipo 1 têm menores chances de desenvolver diplopia e estrabismo após a cirurgia de descompressão orbitária. Pacientes com OG subtipo 2 tendem a obter melhores respostas a tratamentos anti-inflamatórios com corticosteroide e/ou radioterapia.

Figs. 48 (A e B) A. Paciente do subtipo 2 de Nunery, apresentando engurgitamento vascular sobre a inserção dos músculos retos horizontais. B. TC em corte axial mostrando o grande aumento da MEO com compressão do nervo óptico.

Tratamento A terapêutica da orbitopatia de Graves vai depender da fase da doença. Como já foi abordado anteriormente (ver item 4) na fase aguda da orbitopatia há atividade inflamatória, que pode ser caracterizada clinicamente por quemose, dor, hiperemia e lacrimejamento. Nessa fase, impõe-se o tratamento imunossupressor. A primeira escolha é prednisona (meticorten) na dose de 1 mg/kg/dia. A corticoterapia deve ter curta duração e após um mês de tratamento a dose é lentamente diminuída. Outras opções são os pulsos de esteroides e a radioterapia fracionada (2.000 cGy). Na fase sequelar o tratamento é em geral cirúrgico. As retrações palpebrais superior e inferior são corrigíveis com cirurgias específicas e a proptose com a descompressão orbitária. O mesmo pode ser dito do estrabismo restritivo. O tratamento deve ser judiciosamente ponderado de acordo com as necessidades de cada paciente. Se houver necessidade de correção de todas as principais anomalias induzidas pela orbitopatia, a conduta tradicional é seguir uma sequência, iniciando-se pela descompressão, em seguida o estrabismo e por último as anomalias posicionais palpebrais.


36  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita F – Fraturas Orbitárias Victor Marques de Alencar

Introdução Por definição, fratura de órbita é qualquer descontinuidade óssea patológica que ocorre subitamente no esqueleto orbitário. O tema é extremamente importante em oftalmologia, pois o trauma orbitário muitas vezes traz complicações relacionadas com a visão. Nem todas as fraturas orbitárias necessitam de tratamento cirúrgico e deve-se observar que toda cirurgia nada mais é que um trauma programado e por isso a indicação de eventual reparo cirúrgico de fraturas orbitárias visa o benefício para o paciente e, portanto, deve ser cuidadosamente considerada. Outro ponto a ser colocado é que nenhum olho está tão ruim que uma cirurgia não possa piorá-lo. Nesse sentido, o profissional que trabalha com o reparo de fraturas orbitárias deve dominar a anatomia cirúrgica, bem como a semiologia clínica e radiológica da órbita. Além disso, ele deve ter noções de semiologia que ultrapassam os limites da oftalmologia. Frequentemente as fraturas orbitárias estão associadas a uma grande diversidade de traumas faciais e neurocirúrgicos.

Estrutura da junção craniofacial A estrutura que mantém a forma das órbitas pode ser entendida como um sistema formado por uma barra horizontal frontal, sustentada por dois pilares verticais. O lateral denominado zigomatomaxilar e o medial conhecido como nasomaxilar (Fig. 49). Impactos nesse sistema

Fig. 49  Mostrando pilar anterior (seta laranjada), pilar lateral (seta verde) e a barra horizontal frontal (seta amarela).


37  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita podem destruir a sustentação desses pilares ocasionando diferentes tipos de fraturas que acometem a órbita. Vale mencionar a junção pterigomaxilar que promove a união de três diferentes ossos: o maxilar, as apófises pterigoides lateral e medial do esfenoide e o osso palatino. A disjunção traumática desse complexo pode levar a fraturas orbitárias apicais complexas.

Diagnóstico O diagnóstico de fratura orbitária se inicia com uma história de trauma facial ou periorbitário. Sempre se deve pensar que houve um trauma facial e que outras estruturas além da órbita podem estar acometidas, tais como mandíbula, maxila e crânio. O exame se inicia com a inspeção, observando se há edema periorbitário, hematoma, ptose de pálpebra superior. A palpação do rebordo orbitário também é importante procurando-se alguma irregularidade óssea. Deve-se sempre solicitar ao paciente que realize movimentos de abertura da boca, pois a limitação da amplitude de movimento da mandíbula sugere impactação do seu processo coronoide. O exame oftalmológico é então realizado iniciando-se com a medida da acuidade visual quando possível (no trauma agudo frequentemente a avaliação psicofísica do sentido visual é impossível) e exame dos reflexos pupilares (sobretudo a pesquisa da pupila de Marcus Gunn ou defeito pupilar aferente). É importante a avaliação da motilidade ocular buscando-se a detecção de limitação das ducções em qualquer sentido. A fundoscopia e biomicroscopia são fundamentais para se afastar quaisquer lesões bulbares (verificar periferia retiniana e nervo óptico). O V nervo deve ser testado examinando-se a sensibilidade da pálpebra superior e fronte (V1), como também a sensibilidade da pálpebra inferior e região infraorbitária (V2). A integridade do VII nervo deve também ser pesquisada, sobretudo no território dos ramos zigomático e frontotemporal. O grau de protusão ocular é um dos elementos mais importantes na semiologia clínica das fraturas orbitárias. Frequentemente há enoftalmo que deve ser medido pela exoftalmometria, porém em casos de fratura da parede lateral esse exame pode ter sua medida comprometida. Na suspeita de qualquer fratura as órbitas devem ser exploradas com exames de imagem. Os raios X atualmente tem um papel muito limitado, pois não evidencia alterações de partes moles e não detecta bem as deformidades ósseas em sua extensão. O padrão-ouro é a tomografia computadorizada (TC) de órbita com cortes axiais e coronais contíguos de 2 a 3 mm de espessura e janela óssea englobando os seios da face. Aparelhos tipo multislicing ainda permitem cortes sagitais e reconstrução tridimensional. A ressonância magnética (RM) tem indicação somente para o estudo de alterações finas de partes moles, como, por exemplo, suspeita de esmagamento ou laceração do nervo óptico ou globo ocular, diferenciação entre edema e hemorragia ou mesmo diante de uma dúvida de presença de corpo estranho orbitário após a realização da TC. A RM é um exame mais demorado e não é a primeira escolha no trauma orbitário. A ultrassonografia não é comumente empregada para delinear fraturas. Assim, a TC assume o papel de primeira escolha em exames de imagens em traumas faciais. Nos hospitais de pronto-atendimento é comum a TC de crânio com cortes axiais ser o primeiro exame solicitado para o estudo do trauma craniano. Nesse tipo de exame alguns sinais indiretos de fratura da órbita podem estar presentes, tais como opacificação dos seios paranasais, enfisema subcutâneo periorbitário e edema de partes moles indicando que um exame mais detalhado das órbitas deve ser realizado. A documentação do paciente por exames físico e de imagem no momento do trauma é fundamental para uma conduta adequada na fase aguda e mesmo para novas reavaliações e comparações com possíveis exames que serão realizados no futuro para novas indicações cirúrgicas.


38  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita Classificação As fraturas já foram classificadas de diversas maneiras. Os traumas faciais mudaram também com o tempo e as classificações ficaram um pouco mais complexas, pois as fraturas causadas pelos acidentes automobilísticos hoje são de alto grau de complexidade. As fraturas podem ser classificadas segundo à localização em laterais, inferiores, mediais, superiores ou do teto, apicais Le Fort dos tipos II e III. Elas também podem ser divididas segundo o acometimento do rebordo orbitário em: Internas – o rebordo não é acometido. Lineares ou Trap-Door. Blow-Out. Blow-In. Associadas – o rebordo é acometido. Orbitozigomáticas. Naso-Etmoido-Orbitárias. Le Fort tipos I, II e III. Complexas.

Fraturas internas Os parâmetros que são utilizados para a classificação dessas fraturas estão relacionados com o tamanho, localização e extensão. Alguns padrões são bem definidos:

Fraturas Lineares (Fig. 50) Comparadas a aspectos em casca de ovo, com os fragmentos atados uns aos outros sem um defeito real. Um alargamento orbitário pode ocorrer causando enoftalmo por isso deve ser reparada. Também conhecida como fratura tipo trap-door, em crianças podem levar a grandes restrições oculomotores quando existir encarceramento tecidual.

Fig. 50  Corte sagital de TC com janela óssea mostrando fratura linear no assoalho orbital.


39  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita Fratura Blow-out (Fig. 51) O defeito mais comum é de cerca de 2 cm de diâmetro limitado a uma só parede, comumente na porção anteromedial do assoalho da órbita. A fratura forma uma abertura óssea de dentro para fora preservando o rebordo orbitário que, por definição, não é acometido. Existem três teorias em relação ao mecanismo dessas fraturas: a teoria “hidráulica”, a teoria do “globo contra a parede” e a teoria da “condução óssea”. A primeira está baseada na hipótese, que devido ao trauma o globo ocular sofre um recuo para o interior da órbita exercendo um aumento da pressão intraorbitária que acarretaria a fratura da parede orbitária. A segunda teoria seria a do globo contra a parede. Nesta, acredita-se que o recuo do globo ocular para o interior da órbita acarretaria um trauma direto da parede e consequente fratura. A terceira teoria é a da condução óssea (buckling), com base na assunção que a força aplicada no rebordo da órbita gera uma deformidade para trás que sem fraturar o rebordo fraturaria o assoalho ou a parede medial.

Fig. 51  Fratura blow-out com herniação de conteúdo orbitário para dentro do seio maxilar (seta).

Fratura Blow-in Semelhante à fratura blow-out, porém a abertura da fratura se dá de fora pra dentro da órbita de modo que o fragmento ósseo é deslocado para o interior da órbita (Fig. 52).

Fig. 52  Fratura blow-in do teto orbitário direito associada à fratura orbitozigomática do mesmo lado. Note a redução do continente orbitário induzido pelo deslocamento do fragmento ósseo.


40  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita Associadas Orbitozigomáticas: são as fraturas mais frequentes envolvendo a órbita. A proeminência do zigomático é sítio comum de impactos em trauma facial. A fratura comumente ocorre em quatro pontos: no rebordo orbitário próximo do canal do nervo infraorbitário, no pilar lateral da maxila, na sutura frontozigomática e no arco zigomático. O fragmento ósseo pode se apresentar alinhado, deslocado ou cominuído dando origem a classificação dessas fraturas: a) Tipo I: sem deslocamento do zigoma. Podem até ser tratadas de forma conservadora (Fig. 53). b) Tipo II: segmentada. Geralmente relacionada com um trauma localizado. Dependendo da extensão pode ser cirúrgica (Fig. 54). c) Tipo III: o zigoma é fraturado em bloco deslocando-se. É um caso de indicação cirúrgica necessitando fixação (Fig. 55). d) Tipo IV: zigoma fragmentado, geralmente trauma de alto impacto. Dependendo do grau de destruição óssea a cirurgia fica para um segundo plano em tratamento da sequela pelo alto risco de perda óssea após o procedimento cirúrgico.

Fig. 53  Corte coronal de TC de órbita mostrando fratura orbi­tozigomática alinhada (Tipo I).

Fig. 54  Reconstrução tridimensional mostrando fratura segmentada do zigoma (Tipo II).


41  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita

Fig. 55  À esquerda: reconstrução tridimensional. À direita: tomografia convencional com janela óssea. Fratura orbitozigomática com deslocamento do zigoma (Tipo III).

Naso-etmoido-orbitárias São fraturas que ocorrem em trauma frontal envolvendo a parte central da face e podem ocorrer uni ou bilateralmente (Fig. 56). A importância dessa fratura em oftalmologia advém do fato que o tendão cantal medial, que se insere na crista lacrimal posterior, é comumente desinserido. É comum também lesão das vias lacrimais que pode levar a dacriocistites. Esse tipo de fratura é de difícil correção mesmo com equipes multidisciplinares. Elas podem ser classificadas da seguinte maneira: a) Tipo I: a lesão exibe um grande fragmento ósseo englobando a porção da rima medial da órbita com o ligamento atado na crista lacrimal. b) Tipo II: fratura do canto medial em vários fragmentos com o ligamento ligado a um fragmento ósseo maior capaz de ser fixado. c) Tipo III: fratura cominuída com o ligamento cantal medial preso a microfragmentos ósseos incapazes de serem fixados.

Fig. 56  Fratura naso-etmoido-orbitária bilateral.


42  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita LeFort LeFort I Fratura maxilar em linha horizontal que normalmente não acomete a órbita (Fig. 57) a não ser nos raros casos em que o trauma lese as apófises pterigoides do esfenoide envolvendo o ápice da órbita.

Fig. 57  Corte coronal de TC mostrando fratura LeFort tipo I. O início e fim da fratura maxilar horizontal são indicados pela seta branca.

LeFort II É uma fratura triangular ou piramidal do terço médio da face, partindo seu ápice do dorso nasal descendo bilateralmente através da rima orbitária até a junção inferior da maxila com o zigomático. A órbita é fraturada em sua parede medial e assoalho. Pode haver acometimento tanto das vias lacrimais quanto do tendão cantal medial.

LeFort III É quando ocorre uma disjunção craniofacial em uma linha horizontal separando os ossos da face dos ossos cranianos. A órbita é fraturada nas paredes laterais de um lado ao outro, passando o traço de fratura através das paredes mediais, o que provoca o desabamento dos dois assoalhos em bloco (Fig. 58).

Fig. 58  Fratura LeFort tipo III. Note a disjunção de ambas as paredes laterais na altura da sutura frontozigomática e de ambas paredes mediais.


43  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita Fraturas complexas da órbita São fraturas de alto impacto atingindo várias paredes orbitárias, podendo muitas vezes acometer o canal do nervo óptico. As fraturas que incluem a porção posteroinferior (área-chave) da órbita também são consideradas complexas pela dificuldade de correção e alto risco de enoftalmo (Fig. 59).

Fig. 59  Fratura complexa de órbita direita. Note acometimento de todas as paredes orbitárias e da maxila.

Tratamento e complicações O tratamento das fraturas da órbita vai depender do tipo de fratura e do grau de morbidade gerado pela fratura. Antes de qualquer conduta cirúrgica, o exame inicial oftalmológico deve ser sempre realizado. Nos casos de neuropatia óptica traumática, síndrome da fissura orbitária superior envolvendo a corticoterapia com megadoses de esteroides está indicada até 8 horas de evolução. Um dos esquemas utilizados é a administração endovenosa de metilpredinisolona 30 mg/kg nos primeiros 15 minutos e após 2 horas, mais 15 mg/kg EV com manutenção da dose de 15 mg/kg EV de 6/6 horas. Se o trauma não apresentar nenhum indício de compressão neural o tratamento cirúrgico é indicado na maioria dos casos. Normalmente, não se opera na fase aguda do trauma. A maior parte dos cirurgiões espera 1 ou 2 semanas antes de intervir. As fraturas em trap door com claro indícios de sofrimento muscular devem ser reparadas mais precocemente pelo risco de dano permanente à musculatura oculorrotatória. Nem todos os pacientes necessitam ser operados e fraturas pequenas sem enoftalmo aparente ou déficit rotacional podem ser apenas observadas. O tratamento cirúrgico vai depender da parede orbitária acometida e a incisão de escolha é sempre a que for causar menor traumatismo. Entre as incisões indicadas para abordar as fraturas orbitárias pelo cirurgião de órbita citamos e damos preferência às seguintes: bicoronal (teto, parede medial, arco zigomático, frontoetimoidal e soalho), transoral (soalho, rebordo anterior, pilar maxilar anterior e médio), via sulco palpebral superior (parede medial), transcaruncular (parede medial), transconjuntival inferior (soalho, rebordo anterior e parede medial) e cantólise lateral (parede lateral). Lembrando que às vezes a própria incisão do trauma é aproveitada para evitar nova incisão. O tratamento das fraturas consiste basicamente em realizar uma fixação rígida com miniplacas e parafuso de titânio de diâmetro de 1,5 mm e 2,0 mm estabilizando o rebordo orbitário e a reconstrução das paredes orbitárias com a colocação de malha de titânio ou outro


44  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita material, tais como placas de polietileno poroso, enxerto ósseo (retirado de crista ilíaca ou calota craniana temporoparietal), cartilagem intercostal ou mesmo cartilagem auricular. Isso vai depender da extensão da fratura da parede orbitária e o quanto de volume se quer acrescentar na órbita. O sucesso da correção de um enoftalmo está muitas vezes relacionado com o posicionamento anatômico dos elementos de preenchimento das paredes fraturadas e não do volume que os mesmos podem oferecer. É também essencial para um bom resultado no tratamento cirúrgico, realizar uma dissecção anatômica permitindo uma boa exposição óssea de ambos os lados da fratura soltando todo o tecido orbitário que possa estar encarcerado na linha da fratura. As complicações relacionadas com as fraturas podem ocorrer no momento do trauma, na evolução após o trauma, no ato cirúrgico e após o procedimento cirúrgico. É relatado na literatura que as complicações oculares relacionadas com o trauma orbitário acontecem em torno de 5%, porém outros autores questionam essa porcentagem, pois os examinadores dos trabalhos que mostraram essas proporções não eram oftalmologistas, restringindo muito o diagnóstico correto da proporção das complicações. Acredita-se que essa proporção seja maior, pois as porcentagens em outros estudos variaram de 3 a 93%. No momento do trauma, as principais complicações são as perfurações do globo ocular, hemorragias intraoculares, descolamento de retina, buraco macular traumático, rotura de coroide, catarata, recesso de ângulo, lesões neurais por concussão, esmagamento ou contusão. Após o trauma o paciente pode apresentar síndrome de compartimento orbitário (ver item Órbita Aguda) por hematoma subperiósteo, hematoma intraconal, edema orbitário ou espículas ósseas. No ato cirúrgico se não foi realizado um mapeamento de retina anteriormente um buraco pode se transformar em um descolamento retiniano piorando muito o prognóstico visual. A movimentação de uma espícula óssea ou o mau posicionamento de placas ou materiais implantados também pode exercer compressão levando ao sofrimento ou lesão definitiva do nervo óptico. No pós-operatório as complicações mais comuns são o enoftalmo e a diplopia e as sequelas relacionadas com as incisões cirúrgicas, tais como retração palpebral, ectrópio, entrópio, lagoftalmo, epicanto e exposição do material implantado.

G – Cavidades Anoftálmicas Erika Hoyama

Conceito A perda do olho, além de representar o fim de qualquer esperança de reabilitação da função visual, também compromete profundamente a aparência e a autoestima. A expressão cavidade anoftálmica traduz toda órbita cujo olho atrofiou ou foi parcial ou totalmente removido. O papel do oftalmologista face a um paciente com cavidade anoftálmica é promover a reabilitação estética da cavidade por meio da adaptação de próteses oculares. Para tanto, é necessário que o volume orbitário, os fundos de saco e a prótese externa sejam adequados.


45  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita Remoção do olho Antes da indicação cirúrgica de remoção de um olho atrófico, deve-se sempre confirmar a perda completa da função visual e avaliar o conteúdo bulbar por meio de oftalmoscopia ou exames de imagem, para descartar a presença de neoplasias. De modo geral, a remoção está indicada em olhos cegos que apresentem dor intratável clinicamente, endoftalmite com perda de visão e alguns casos de tumores intraoculares. Em situações de emergência (traumas), recomenda-se evitar, sempre que possível, a evisceração ou enucleação primária, uma vez que o paciente deve estar consciente do seu estado e participar da escolha do tratamento. Por motivos legais, é importante a assinatura pelo paciente do termo de consentimento para a realização da cirurgia, que implicará na impossibilidade de restauração visual para o resto de sua vida. As estruturas oculares podem ser removidas por meio de evisceração, enucleação ou exenteração.

Evisceração Consiste na remoção do conteúdo do globo ocular, mantendo-se intactos a conjuntiva, a cápsula de Tenon, a musculatura extraocular e o nervo óptico. Pode ser realizada preservando ou não a córnea. Contudo, devido à manutenção dos nervos ciliares longos, ramos do nervo oftálmico, a inervação corneana é preservada e há possibilidade de necrose corneana. Por esse motivo a remoção da córnea tem sido preferida pela maioria. As vantagens da evisceração são: riscos cirúrgico e anestésico reduzidos pela maior facilidade e rapidez do procedimento, menor grau de atrofia e perda de volume orbitário devido à menor manipulação, preservação da esclera e melhor mobilidade e cosmética. Está contraindicada nos casos de tumores e em doenças que provoquem grande degeneração escleral (escleromalácia, esclerite infecciosa). A evisceração tem como desvantagens o fato de não permitir uma boa análise anatomopatológica do conteúdo ocular retirado, risco teórico de desenvolvimento de oftalmia simpática e possibilidade de permanência de restos uveais com risco de malignização ulterior. Técnica cirúrgica: realiza-se peritomia limbar 360º com dissecção da conjuntiva e da cápsula de Tenon, excisão da córnea com tesoura, descolamento do corpo ciliar da esclera suprajacente e remoção do conteúdo intraocular. Nesse ponto é necessário meticulosa hemostasia e limpeza dos restos uveais aderidos à esclera. Neste momento, após a realização de duas incisões meridionais anteriores na esclera limbar para relaxar a cavidade e facilitar a introdução do implante, pode-se optar por: (1) colocar simplesmente o implante dentro da cavidade escleral; (2) realizar a esclerotomia equatorial ou posterior ao redor do nervo óptico, separando-o do restante da esclera e introdução do implante no espaço formado; (3) fazer uma esclerotomia posterior com secção do nervo óptico e colocação da esfera livremente no espaço intraconal com sutura da face posterior e da anterior da esclera à frente do implante. Em todas essas eventualidades prossegue-se suturando a esclera anterior e fechando-se a Tenon e conjuntiva, separadamente. A cirurgia é finalizada com a colocação de uma lente modeladora. As opções (2) e (3) descritas anteriormente reduzem os casos de exposição e extrusão porque quando o envelope escleral contrai, o implante se move posteriormente na direção de menor resistência. Além disso, permitem a colocação de implantes maiores e facilitam o acesso do tecido fibrovascular em direção aos implantes integráveis.


46  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita Enucleação Na enucleação, todo o globo ocular e parte do nervo óptico são removidos da órbita. A cirurgia está indicada nos casos de tumores, para avaliação histológica e das margens cirúrgicas, trauma extenso, olho extremamente atrofiado e grandes deformidades da cavidade escleral. Ao contrário da evisceração, não existe risco de oftalmia simpática com este procedimento. As desvantagens da enucleação devem-se à manipulação das estruturas orbitárias que levam a atrofia de gordura e distúrbios na vascularização e musculatura ocular, assim como resultados de mobilidade e cosméticos inferiores aos da evisceração. Técnica cirúrgica: após peritomia limbar 360º com disseção da conjuntiva e da Tenon, s músculos extraoculares são isolados, reparados com fios de sutura e desinseridos do globo ocular. Suturas de tração podem ser passadas nos cotos remanescentes dos músculos reto medial e lateral no globo ocular para facilitar a manipulação. O globo é tracionado para fora da cavidade e o nervo é seccionado com tesoura, removendo-se então o globo. Segue-se hemostasia cuidadosa da artéria oftálmica. Um implante, dependendo de sua natureza, com ou sem recobrimento, é introduzido na cavidade e os músculos reparados são suturados a ele ou ao seu envoltório. Finaliza-se com o fechamento da Tenon e da conjuntiva, separadamente, com colocação da lente modeladora. Atualmente, prefere-se suturar os músculos em posição similar aos seus locais de inserção no globo ocular normal em razão dos melhores resultados de mobilidade. Como alternativa, podem-se abrir janelas no envoltório dos implantes integráveis, no local de inserção dos músculos, para facilitar o crescimento fibrovascular em sua direção.

Reabilitação do paciente anoftálmico Classificação das cavidades anoftálmicas As cavidades anoftálmicas podem ser classificadas segundo o grau de contração da cavidade. É usual o emprego do seguinte estadiamento de 6 tipos: grau 1 – fundo de saco inferior raso (Fig. 60) grau 2 – fundos de saco inferior e superior rasos; grau 3 – déficit de todos os fundos de saco: inferior, superior, medial e lateral (Fig. 61); grau 4 – perda de todos os fundos de saco associada à redução da abertura palpebral (Fig. 62); grau 5 – cavidade contraída mesmo após

Fig. 60  Cavidade grau 1: perda do fundo de saco inferior.


47  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita

Fig. 61  Cavidade grau 3: perda de todos os fundos de saco.

Fig. 62  Perda de todos os fundos de saco associada à redução da abertura palpebral.

reconstruções repetidas, com comprometimento vascular e fibrose intensa, associada à perda do sulco palpebral superior, ptose pálpebra superior e frouxidão da pálpebra inferior) e grau 6 – cavidade exenterada (Fig. 63). Além disso, a cavidade contraída pode ser úmida (quando há mucosa presente) ou seca (não há superfície conjuntival).

Fig. 63  Cavidade exenterada epitelizada. Note pequeno defeito no assoalho orbital.

Tipos de implantes Após a remoção das estruturas oculares, deve-se dirigir atenção para a reposição do volume orbitário perdido, maximizar a mobilidade da prótese externa a ser adaptada e promover conforto e boa aparência estética. Para a consecução desses objetivos é fundamental a colocação de um implante que substitua o volume orbitário perdido com remoção do olho. Vários fatores influenciam a escolha do implante pelo cirurgião, entre os quais a disponibilidade do material, o tipo de procedimento escolhido e o custo. A endoftalmite não é, atualmente, uma contraindicação absoluta para a utilização de implantes.


48  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita Enxerto dermolipídico Um dos primeiros materiais utilizados para repor volume na órbita foram os enxertos de gordura livre a partir de 1.800. Contudo, observou-se absorção significativa do tecido. A técnica foi aprimorada, e em 1978, Smith e Petrelli descreveram o enxerto dermoadiposo, que ainda é utilizado na atualidade. Esta técnica é descrita para melhorar tanto o volume orbitário quanto expandir os fundos de saco. A derme facilita a manipulação do enxerto com redução do trauma ao tecido adiposo, preserva e provê suporte estrutural para que a conjuntiva cresça sobre ela, mantém a profundidade dos fórnices e permite que a musculatura extraocular seja suturada a sua margem transmitindo certa mobilidade à prótese externa. A sobrevivência do enxerto depende da preservação dos vasos do tecido adiposo, da vascularização periférica pelos vasos da conjuntiva e das artérias ciliares anteriores provenientes dos músculos extraoculares. Em crianças, após enucleação primária, demonstrou boa manutenção do volume orbitário, simetria periorbitária durante o crescimento ósseo e boa adaptação e mobilidade da prótese externa. Outras indicações incluem: casos de implantes extruídos ou migrados após enucleação, cavidades contraídas, exenteração subtotal, evisceração de olhos pitísicos, preenchimento do sulco palpebral superior e correção de enoftalmo. Dentre as desvantagens, citamos o segundo sítio operatório que aumenta o tempo cirúrgico e anestésico e a cicatriz no local doador. Infecção na cavidade é contraindicação para esse tipo de enxerto, devendo ser tratada previamente. Técnica cirúrgica: a conjuntiva e a Tenon são dissecadas e um espaço é criado na cavidade. O tamanho do enxerto necessário é medido na cavidade e marcado na área doadora. A margem do enxerto é incisada com bisturi e a epiderme removida. O corte é aprofundado no tecido adiposo até a espessura desejada e o enxerto dermoadiposo é removido com cautela e sem cauterização para que os vasos sejam preservados. Os músculos extraoculares na cavidade são suturados à margem da derme sempre que possível nos seus respectivos quadrantes, assim como a Tenon e a conjuntiva. O sítio doador é então suturado por planos. Com o objetivo de melhorar a face anterior do enxerto, foi descrita uma modificação na técnica, onde um triângulo é retirado de cada quadrante na derme e suturado de forma que esta fique com um formato em abóbada e não plana, aumentando os fundos de saco conjuntivais e facilitando a adaptação da prótese externa. Os locais doadores mais frequentemente usados são o glúteo, quadrante inferior do abdome, e face interna da coxa e do braço.

Implantes não integráveis e integráveis Mules utilizou a esfera de vidro após evisceração em 1885, sendo este o principal representante dos implantes não integráveis (que não se integram aos tecidos orbitários, havendo formação de cápsula fibrosa avascular ao seu redor) e que ainda é bastante utilizado atualmente. Outros materiais desse grupo são: ouro, prata, titânio, borracha, parafina, celulose, tântalo, acrílico, silicone, polimetilmetacrilato. Um dos primeiros relatos usando implantes integráveis (material poroso que permite o crescimento fibrovascular em seu interior) ocorreu com o polivinil em 1953. Materiais como osso, cartilagem e carbono teflon poroso também foram descritos neste grupo. Em 1985, Perry introduziu a hidroxiapatita natural produzida a partir de recifes de corais; e posteriormente, surgiu o polietileno poroso sintético, mais maleável. Em 2002, a hidroxiapatita e o polietileno


49  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita representavam cerca de 66% dos implantes em utilização nos países desenvolvidos. Estudos mostraram que quanto maior o tamanho dos poros, melhor a taxa de crescimento fibrovascular no seu interior. Contudo, apesar da integração aos tecidos adjacentes, todos os implantes são considerados corpos estranhos ao organismo, e quanto mais vascularizado o implante, maior é a quantidade de material exposto ao sistema imune do hospedeiro, podendo ocorrer reações exacerbadas que aumentam os riscos de rejeição. Porém, os implantes integráveis são biocompatíveis, não tóxicos e bem tolerados. Têm a vantagem de reduzir o risco de infecção, migração e extrusão, otimizando a mobilidade da prótese externa. O polietileno poroso tem a vantagem de ser uma malha porosa de alta resistência tênsil, promover menor aderência dos tecidos adjacentes durante sua inserção, permitir a sutura direta dos músculos extraoculares, ser moldada no formato desejado no intraoperatório e apresentar custo menor que a hidroxiapatita. Estudos mostraram taxas de exposição, infecção e extrusão similar ou menor com o uso do polietileno. As desvantagens apresentadas pelos implantes integráveis incluem erosão da conjuntiva sobrejacente devido à superfície rugosa e infecção e extrusão que foram minimizadas com o uso de envoltórios. Relatos recentes mostraram que a hidroxiapatita apresenta taxa de biodegradação de 15 mm por ano, e sua natureza endurecida não permite que os músculos sejam suturados diretamente a ela. Algumas esferas expansíveis produzidas a partir de materiais hidrofílicos que aumentariam de tamanho em contato com o sangue na cavidade, ou materiais viscosos que permitiriam o preenchimento do volume exato a ser reposto na cavidade escleral no intraoperatório foram testados sem sucesso até o momento. Essas substâncias continuaram a expandir no pós-operatório ou migraram devido à natureza viscosa, com prejuízo do resultado final. Forma: os implantes esféricos sempre foram e continuam sendo os mais usados. Apresentam baixa taxa de extrusão e complicações, boa durabilidade e conforto, mas a mobilidade transmitida à prótese externa é deficitária. Com o objetivo de melhorar a mobilidade, foram produzidos implantes em vários formatos, que incluem: formas cônicas, piramidais, em pera, superfície anterior com forma variada e superfície posterior hemisférica (Implantes de Allen, Iowa e Universal), superfícies anterior plana e posterior rugosa, implantes tunelizados, com abas para propiciar a sutura dos músculos extraoculares. Tamanho: aos 3 anos, a órbita humana apresenta cerca de 80% das dimensões de uma órbita adulta, e aos 7 anos, o crescimento é considerado quase completo, atingindo 95% do tamanho final. A anoftalmia congênita, microftalmia e a remoção do globo ocular na infância estão associadas à hipoplasia e retardo do crescimento ósseo da órbita (Fig. 64). O objetivo do tratamento em

Fig. 64  Anoftalmia congênita à esquerda. A fenda está sendo mantida com expansores de tamanho progressivo até a cirurgia de implante orbitário.


50  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita crianças é manter o volume no período em que a órbita contralateral e o esqueleto facial adjacente estão em crescimento. Estudos mostraram que o crescimento orbitário mantém-se mesmo quando menos de 50% do volume do globo ocular é reposto. Contudo, apesar de minimizada com a colocação de implantes, a diferença de crescimento entre as órbitas mantém-se até a idade adulta. Porém, pequenas diferenças de assimetria mostraram-se bem toleradas pela maioria. O volume orbitário é a combinação dos volumes ocular e seus anexos, sendo estimado em aproximadamente 32 ± 2 ml (V = 1/2 DπR2, em que D é a profundidade e R o raio da órbita) no adulto, e 23 ml na criança. O volume do globo ocular representa cerca de 7 ml no adulto e 4 ml na criança; o volume da gordura orbitária, cerca de 4 ± 2 ml, sendo que este pode ser reduzido com a atrofia dos tecidos que ocorre após o procedimento cirúrgico. Logo, o déficit total após uma cirurgia seria de cerca de 10 a 12 ml no adulto. A esfera de 18 mm tem volume aproximado de 3,1 ml, a de 20 mm cerca de 4,19 ml e a de 22 mm cerca de 5,8 ml. Os implantes de 18 ou 20 mm, juntamente com a prótese externa, são os que mais se aproximam do volume do globo ocular adulto. A órbita de uma criança de 5 anos de idade normalmente já está apta a acomodar um implante com essas dimensões. A realização de ultrassonografia ocular do olho contralateral também pode ajudar no cálculo e na escolha do implante, sendo geralmente necessário repor de 70 a 80% do volume removido. Envoltórios: para melhorar a mobilidade da prótese externa, os implantes podem ser envoltos em materiais que permitam a sutura dos músculos extraoculares. Entre outras características, os envoltórios protegem os tecidos anteriores de sofrerem processo irritativo pela superfície rugosa dos implantes porosos; facilitam a introdução dos implantes mais profundamente na cavidade, e diminuem a taxa de extrusão e migração. Materiais autólogos são superiores aos tecidos homólogos porque não causam reação imune, são viáveis, compatíveis e promovem vascularização e integração aos tecidos adjacentes. Contudo, precisam de procedimento cirúrgico adicional para sua remoção. Entre os tecidos utilizados destacam-se: esclera, derme, fáscia temporal, fáscia lata, periósteo e dura-máter. Tecido homólogo não resulta em ferida doadora, está facilmente disponível nos bancos de tecido, é inerte e funciona como uma barreira de matriz de colágeno e não como enxerto vivo. Porém, pode promover reação tipo corpo estranho com resposta variável de inflamação e absorção. A esclera homóloga proveniente de banco de olhos é o material mais utilizado em nosso meio. O uso destes materiais traz um risco teórico de transmissão de doenças, apesar de não ter havido relatos com o uso de escleras até o momento. Contudo, a ocorrência de doença de Creutzfeldt-Jakob em transplantes de dura-máter e córnea já foi relatada, assim como a identificação do vírus HIV por PCR em escleras preservadas. Logo, a segurança do uso destes tecidos está sempre em debate e deve ser considerada. Materiais sintéticos possuem a vantagem de evitar procedimentos cirúrgicos adicionais e a transmissão de doenças. A malha de poligalactina (vicryl) é um envoltório absorvível e sintético cujos espaços permitem o crescimento fibrovascular ao redor de todo o implante, não é alergênico e está comercialmente disponível. Acoplamento entre implante e prótese externa: para melhorar a interação entre o implante e a prótese externa, alguns mecanismos foram propostos. Atualmente, após 6 a 8 semanas da colocação do implante de hidroxiapatita, um orifício de cerca de 10 × 3 mm pode ser perfurado, transpassando conjuntiva, eslcera e a porção anterior do implante vascularizado.


51  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita Um pino é então colocado neste orifício, e após reepitelização do orifício que ocorre em cerca de 6 semanas, a prótese externa com uma depressão na face posterior que se encaixa ao pino, pode ser adaptada. Nas esferas de polietileno, o pino deve ser de titânio. Contudo, muitos pacientes acabam não se submetendo ao implante do pino devido à satisfação com a mobilidade apenas com a prótese externa, e pelos altos custos de sua colocação. Entre as complicações causadas pelos pinos citam-se os granulomas na sua base, infecção, exposição e extrusão do implante.

Adaptação de Próteses Naqueles pacientes que perderam a visão, mas possuem o globo ocular e anexos preservados e estáveis, ou minimamente comprometidos, mas com cosmética inadequada (leucomas, tropias) há opções como lentes de contato e lentes esclerais cosméticas (pintadas conforme o olho contralateral). Com essa medida, é possível evitar o trauma cirúrgico e preservar o volume orbitário. As lentes esclerais são utilizadas nos casos em que há estrabismo ou necessidade de reposição de quantidade maior de volume, mas deve haver cautela em sua indicação, uma vez que podem provocar ulcerações e até perfuração corneana. Uma alternativa, seria a realização de recobrimento da córnea por um flap conjuntival que a protegeria e reduziria sua sensibilidade. Contudo, esse procedimento prejudicaria a construção de uma cavidade anoftálmica no futuro. Nos olhos dolorosos, antes da indicação cirúrgica, pode-se tentar medidas que aliviem a dor e permitam o uso de lentes cosméticas como corticoides, atropina e beta-bloqueadores tópicos, ou injeção retrobulbar de álcool. Nesses casos, é sempre importante descartar a presença de tumores intraoculares. Após os procedimentos cirúrgicos abordados anteriormente, há necessidade de adaptação de uma prótese externa cosmética (Fig. 65). Contudo, no pós-operatório imediato, geralmente

Fig. 65  Adaptação de prótese em cavidade anoftálmica à direita.


52  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita sua adaptação está impossibilitada por até 6 semanas, devendo o paciente permanecer com conformadores ou lentes de simbléfaros. Estes podem ser transparentes ou opacos, são geralmente confeccionados com material plástico e utilizados para manutenção dos fundos de saco. Além disso, têm um ou mais orifícios que permitem a drenagem de secreção, facilitam a colocação de medicação e sua inserção na cavidade. A prótese externa é feita de polimetilmetacrilato e o filme lacrimal é composto de lipídio hidrofóbico, muco e globulinas que ajudam a manter a impermeabilidade, a crosta mucosa e reduzir a flora bacteriana na prótese, respectivamente. A prótese é um ativador do filme lacrimal e deve ser mantida sempre úmida. Quando não há oclusão completa da prótese pelas pálpebras, o filme lacrimal não consegue limpá-la, a área exposta resseca e ocorre aderência de materiais exógenos e microtraumas. Se ela estiver arranhada, irá ativar a produção lacrimal pela irritação da conjuntiva, ocorrendo acúmulo adicional de fluidos proteináceos que desencadeiam uma resposta imune com aparecimento de papilas (conjuntivite papilar gigante), e também se tornam focos para agregação bacteriana. A infecção pode atingir a região orbitária causando redução do volume, fibrose e piora da contração. Nos casos de oclusão incompleta das pálpebras, podem-se utilizar lubrificantes artificiais ou substâncias viscosas como óleos silicone líquido ou metilcelulose. A superfície das próteses externas deve estar bem polida e ser inspecionada rotineiramente. Para sua manutenção adequada, é necessária retirada e limpeza diárias. Nos casos pós-exenteração, são utilizadas próteses orbitofaciais que podem incluir sobrancelhas, pálpebras com cílios e olhos artificiais pintados feitos a partir de silicone e/ou polimetilmetacrilato, e fixados à face por meio de procedimentos cirúrgicos (osteointegração, pinos, fios ou parafusos) ou apenas sustentados por estruturas infláveis, adesivos e colas removíveis, ou combinados a óculos especiais (Fig. 66).

Fig. 66  Adaptação de prótese orbitofacial em paciente que sofreu exenteração alargada.


53  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita Complicações em cavidades anoftálmicas A maioria dos problemas da cavidade anoftálmica deve-se à fibrose e contratura, volume insuficiente e afrouxamento dos tecidos. Podem ser classificadas em precoces (ocorrem nas primeiras semanas) e tardias (aparecimento meses a anos após a cirurgia). As precoces geralmente são secundárias à técnica cirúrgica deficiente, implantes grandes, infecção, hemorragia, edema e uso de conformador inadequado; entre as tardias, citam-se as extrusões, migração, deficiências de volume e anormalidades palpebrais. Hemorragia: a formação de hematoma pode ser evitada ou reduzida por meio de hemostasia cautelosa, suspensão prévia de anticoagulantes e antiagregantes plaquetários sempre que possível, curativos compressivos e compressas frias. Infecção: os índices de infecção pós-operatória são baixos e variam de secreção na cavidade a celulite orbitária. O tratamento é feito com antibióticos sistêmicos. Nos casos de infecção grave com necessidade de remoção do implante, sua recolocação pode ser realizada logo após a resolução do quadro. Formação de cistos orbitários: são causados pela implantação de epitélio conjuntival profundamente na órbita. Ocorrem devido aos traumas penetrantes ou deficiência técnica durante o fechamento da ferida cirúrgica (aposição irregular das margens conjuntivais). Pode levar ao deslocamento da prótese externa. Devem ser removidos cirurgicamente. Deiscência da conjuntiva, exposição e extrusão do implante: erosão e deiscências conjuntivais pequenas (até 4 mm) podem reepitelizar espontaneamente. Áreas maiores necessitam de enxertos (esclera, fáscia) que são colocados no nível da Tenon e recobertos por conjuntiva, sempre que possível. O fechamento firme da Tenon e da conjuntiva, separadamente, reduz o risco dessas complicações. Entre as possíveis causas de extrusão do implante citam-se a reabsorção ou necrose avascular da córnea (quando esta é preservada); falta relativa de Tenon e conjuntiva sobre o implante; colocação do pino; hematoma; infecção; falta de biocompatibilidade do material; alta tensão da ferida cirúrgica ou técnica cirúrgica inadequada (Fig. 67). Migração do implante: apresenta incidência aumentada quando os músculos são suturados todos juntos a frente do implante na enucleação, resultando em cosmética pobre, redução da mobilidade e exposição do implante. A ocorrência de migração com os implantes integráveis é menor devido a maior aderência destes à órbita. Na presença desta complicação, há necessidade de reposicionamento do implante mais profundamente no cone muscular com fechamento adequado da Tenon e da conjuntiva. Dor na cavidade: em casos de dor e desconforto na cavidade é preciso verificar: a necessidade em modificar o tamanho ou polir a prótese externa; presença de migração ou extrusão

Fig. 67  Extrusão de implante de hidroxiapatita.


54  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita completa ou parcial do implante; deficiência lacrimal; condições inflamatórias ou infecciosas (conjuntivite papilar gigante, esclerite, neuralgia pós-herpética, sinusite contígua); tumores (tumores intraoculares ou intraorbitários recorrentes, cistos de inclusão epitelial, neuroma de amputação, tumor cerebral ou de seio contíguo); patologias psicogênicas (depressão, uso abusivo de drogas). Contração intensa da cavidade: também é conhecida como síndrome da órbita anoftálmica e cursa com enoftalmo, perda do sulco palpebral superior, ptose da pálpebra superior e frouxidão da pálpebra inferior. A deficiência de volume é a causa mais importante da síndrome e sua correção cirúrgica deve ser realizada em uma sequência lógica que inclui: restabelecimento dos fundos de saco, reposição do volume, correção do afrouxamento da pálpebra inferior, do defeito do sulco palpebral superior e, por último, da ptose palpebral superior. Entre os fatores envolvidos na patogênese da contração da cavidade, estão a inflamação e fibrose que levam ao encurtamento da conjuntiva. Nos casos de contração mínima, faixas de silicone ou conformadores podem ser suturados à rima orbitária para expandir mecanicamente a cavidade. Naquelas com contração grave, muitas vezes é necessário o volume na pálpebra superior, aumentar o volume no espaço extraconal superior e aumentar o espaço subperiostal inferior por meio do aumento do volume orbitário com enxerto dermoadiposo, implantes orbitários aloplásticos, retalhos livres ou microvasculares, tecidos expansores como enxertos de mucosa oral, derme, membrana amniótica, palato duro, cartilagem auricular ou do septo nasal, tarso, fascia lata, dura-máter e esclera. O enxerto mais utilizado para reposição conjuntival é o enxerto de mucosa bucal. Contudo, a retração dos enxertos mucosos ocorre com frequência e leva à contração recorrente da cavidade com necessidade de intervenções cirúrgicas repetidas até a obtenção de fundos de saco adequados. Geralmente há necessidade de remoção de enxertos 25% maiores que a área a ser reposta para que fiquem no tamanho esperado após a cicatrização. No tratamento da cavidade úmida, recomenda-se o uso de enxertos mucosos, e no da cavidade seca, os enxertos de pele. Para evitar a contração da cavidade, é necessária técnica cirúrgica meticulosa, lentes esclerais especiais para cavidades pequenas com orifícios para sutura de fixação na rima orbitária que mantém o formato ótimo da cavidade, cauterização mínima, evitar sangramento e infecção pós-operatória. O enoftamo tem como fatores contribuintes a atrofia da gordura, e fatores mecânicos como o peso e o tamanho do implante. O volume orbitário do enoftalmo pode ser reposto pela troca de implante por um maior, com enxerto dermoadiposo, ou com placas introduzidas no espaço subperiostal que reduzem as dimensões da cavidade e deslocam seus tecidos, anterior e superiormente. A posição inadequada da pálpebra inferior (afrouxamento) tem relação com fatores mecânicos como o peso do implante e da prótese externa, assim como estiramento do tarso e dos ligamentos cantais da pálpebra inferior, resultando em descentração inferior da prótese e mobilidade inadequada. Sua correção pode ser feita com reforço do canto lateral da pálpebra inferior (tarsal strip), ou faixa de fáscia lata para reforçar e erguer a pálpebra, e/ou reinserção dos músculos retratores inferiores para correção da posição dos cílios. O defeito do sulco superior é uma das complicações mais comuns resultante do volume inadequado, da contração ou mau posicionamento dos músculos reto superior e elevador da pálpebra superior, e do deslocamento inferior do conteúdo orbitário. Sua correção geralmente


55  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita ocorre com a reposição de volume quando da correção do enoftalmo, mas em caso de persistência, enxerto dermoadiposo ou com cartilagem, fáscia ou esclera, introduzidas diretamente no espaço pré-aponeurótico da pálpebra superior podem ser realizados. Caso a ptose da pálpebra superior também melhore com a correção das complicações anteriores, há indicação de avançamento ou ressecção do músculo elevador da pálpebra superior, ou nos casos mais graves com perda da função muscular, suspensão frontal com silicone ou fáscia lata.

Complicação com os Enxertos Dermoadiposos Após enucleação em crianças, observou-se o crescimento excessivo do enxerto em alguns casos, ocorrendo proptose e inadequação da prótese externa com necessidade de redução cirúrgica do enxerto. Histologicamente foi demonstrado a presença de adipócitos maduros consistentes com proliferação normal no período de crescimento do organismo. Outra complicação é a atrofia que pode ocorrer nos primeiros 6 meses de pós-operatório. Estudos mostraram cerca de 5 a 10% de atrofia da gordura no período. Enxertos em pacientes com doença sistêmica vascular, cavidades queimadas, com cicatrização excessiva, as gravemente traumatizadas e as irradiadas previamente, apresentam vascularização comprometida e têm maior chance de atrofiar. O uso de lente com furo central evita a pressão excessiva, permite o crescimento da conjuntiva sobre a derme e mantém os fundos de saco. Outras medidas que podem diminuir a atrofia são técnica cirúrgica adequada, sutura dos músculos ao enxerto, cauterização cautelosa, evitar traumas orbitários, enxertos muito grandes ou pequenos, hematomas e infecção. Redução da gordura e ulceração central do enxerto são responsáveis por cerca de 70% das complicações descritas. A última é causada por necrose focal do tecido adiposo e falha da conjuntiva em migrar e cobrir o enxerto. Outras complicações relatadas incluem: formação de granuloma piogênico na linha de sutura, lipomas, crescimento de pelos e queratinização persistente da derme na cavidade. Uma vez que a técnica envolve um segundo sítio operatório, há também o risco de infecção ou deiscência no local doador.

H – Órbita e Seios Paranasais Antonio Augusto Velasco e Cruz

Os seios paranasais (etmoide, maxilar, frontal e esfenoide) são cavidades aeradas que estão em íntima relação com a órbita. O desenvolvimento pós-natal dos seios não é homogêneo. No período neonatal, o etmoide e o maxilar estão repletos de fluido e são de difícil reconhecimento, só atingindo dimensões próximas às do adulto ao redor dos 12 anos. O seio frontal deriva das células etmoidais anteriores e, portanto, tem um padrão de desenvolvimento mais lento. Ao final do primeiro ano ele pode ser anatomicamente individualizado, porém só alcança o tamanho adulto bem mais tarde, próximo aos 20 anos. O seio esfenoidal, ao nascimento, é apenas uma evaginação do recesso esfenoetmoidal, e só começa a se pneumatizar


56  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita após os 3 anos de idade, desenvolvendo-se em direção à sela túrcica. Ele atinge o tamanho adulto depois dos 7 anos. Para que os seios paranasais possam exercer suas funções de ventilação e drenagem mucociliar, é necessário que a mucosa esteja intacta e as funções ciliar e da produção de muco, normais. Assim, a fisiologia normal do nariz e seios paranasais depende da mucosa respiratória que os cobre, formada pelo epitélio colunar pseudoestratificado ciliar, composto por células caliciformes e glândulas secretoras na submucosa. O muco tem função protetora removendo partículas, retendo água e transmitindo calor. Possui também enzimas, como a lisozima, que atuam sobre bactérias, auxiliando no processo de purificação do ar inspirado. Quando sua ação ou seu trajeto estão alterados por algum motivo os seios paranasais e o trato respiratório inferior tornam-se mais suscetíveis à infecção e são locais frequentes de processos mórbidos que afetam a órbita.

Celulites de origem rinoSsinusal A celulite orbitária é uma infecção (por vírus, bactérias, protozoários ou fungos) ou infestação (helmintos ou artrópodes) dos tecidos orbitários, ou seja, retrosseptais, constituindo o tipo mais comum de órbita aguda na infância e adolescência e a terceira mais comum em adultos, após orbitopatia de Graves e pseudotumor (Fig. 68). Em pacientes com celulite orbitária geralmente há história de infecção recente das vias respiratórias superiores, seguida pelo surgimento de hiperemia conjuntival, visão embaçada, febre, cefaleia, edema palpebral, proptose e diplopia. O clássico termo sinusite, ou como denominado atualmente por muitos autores, rinossinusite, devido à continuidade entre doença dos seios paranasais e a do nariz, denota um processo inflamatório da membrana mucosa que reveste a cavidade nasal e os seios paranasais. Esse processo inicia-se com edema de mucosa ao redor do óstio sinusal, o qual conduz à hipoxigenação do seio envolvido e retenção de secreção no interior do seio, que associado à disfunção ciliar e aumento da viscosidade das secreções nasais propicia um meio de cultura ideal para bactérias. As sinusites de etiologia infecciosa podem ser virais, bacterianas ou micóticas. As sinusites bacterianas representam somente 0,5 a 2% das sinusites agudas e geralmente são

Fig. 68  Típico aspecto de criança com celulite orbitária unilateral à direita. Notar a proptose e limitação de supraducção.


57  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita consequentes a episódios de etiologia viral. Os agentes bacterianos aeróbios causadores de sinusite são, em ordem decrescente de prevalência: estreptococos b-hemolíticos (especialmente o Streptococcus pneumoniae), Haemophilus influenzae não encapsulado, Moraxella catarrhalis, Staphylococcus aureus, sendo os dois primeiros responsáveis por aproximadamente 70% dos casos. Cerca de 7% são causadas por bactérias anaeróbias: Peptoestreptococcus, Bacterioides e Fusobacterium Na maioria das vezes, os agentes etiológicos das celulites são os mesmos das sinusites As sinusites podem ser classificadas de acordo com a duração dos sintomas e frequência de seus episódios: aguda (sintomas até 4 semanas), subaguda (sintomas de 4 a 12 semanas), crônica (sintomas por mais de 12 semanas), exacerbação da sinusite crônica (sintomas por mais de 12 semanas, com episódios de agudização), recidivante (mais de 3 episódios agudos por ano), complicada (com complicação local ou geral), em qualquer uma das fases da sinusite. Na sinusite complicada, a infecção ultrapassa os seios paranasais, com comprometimento de tecidos moles e ossos adjacentes, cavidade craniana ou órbita. A maioria das celulites orbitárias é secundária a processo infeccioso sinusal, ou seja, uma extensão direta de uma sinusite bacteriana. Outras causas incluem infecção dentária ou da pele, rotura de dacriocistite, trauma orbitário (especialmente em casos de retenção de um corpo estranho) e cirurgia ocular, orbitária ou periorbitária. A disseminação da infecção dos seios paranasais para a órbita pode ocorrer de forma direta, através de deiscências ósseas ou defeitos congênitos; ou indireta, através de tromboflebite dos vasos comunicantes entre os seios paranasais e órbitas. A ausência das valvas desse sistema venoso permite livre comunicação e disseminação de infecções sinusais. Uma possível complicação de infecção orbitária é a perda visual súbita cujo mecanismo pode ser por neurite óptica séptica, isquemia resultante da tromboflebite das veias orbitárias, ou através da oclusão da artéria central da retina secundária ao aumento da pressão intraorbitária. Síndrome da fissura orbitária superior, síndrome do ápice orbitário, endoftalmite, cerebrite, meningite, trombose do seio cavernoso e empiema subdural são outras complicações que podem levar até mesmo à morte. Há alguns anos a tomografia computadorizada é considerada o método básico de semiologia orbitária por imagem. Ela é capaz de fornecer informações precisas sobre todas as estruturas orbitárias devido ao grande contraste consequente a diferentes densidades entre partes moles, gordura orbitária, ar e osso. O estadiamento clínico das celulites orbitárias data de época prévia ao advento da tomografia computadorizada e tem sido feito segundo diferentes esquemas. Em 1937, Hubert foi o pioneiro na publicação de uma classificação de celulite orbitária consequente a infecção dos seios paranasais em seu clássico artigo “Infecções orbitárias decorrentes de sinusite nasal” Essa classificação que baseava-se no exame físico e achados perioperatórios, vai ser reproduzida literalmente a seguir em virtude de sua importância histórica. Ela dividia as celulites em 5 grupos:

Grupo 1 – Edema inflamatório das pálpebras A infecção é limitada ao seio e há apenas edema inflamatório das pálpebras. O edema orbitário, quando presente, é mais intenso próximo ao seio paranasal envolvido. A motilidade


58  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita ocular não se altera e a acuidade visual não é afetada. Se o edema se estende para o tecido orbitário, observam-se leve exoftalmo e pouca limitação da motilidade ocular.

Grupo 2 – Abscesso subperiósteo Há coleção de pus entre uma parede orbitária e a periórbita, com edema circunscrito e doloroso ao toque. O globo ocular está deslocado e há alteração da motilidade ocular de acordo com a localização do abscesso. O pus pode se estender para as pálpebras formando uma fístula.

Grupo 3 – Abscesso orbitário O tecido orbitário é infectado por extensão direta através da parede e fáscia orbitárias, ou através da circulação venosa. Exoftalmia e quemose são intensas, o globo ocular está imóvel e há alteração da visão. O pus pode se estender para as pálpebras ou para a conjuntiva.

Grupo 4 – Celulite orbitária Flebite da veia oftálmica ocorre quando a infecção se estende para interior do tecido orbitário através da circulação venosa. Prostração e temperatura elevada são sinais proeminentes, associados à exoftalmia intensa, quemose, imobilidade do globo ocular e distúrbio visual. Ao exame macroscópico pode não haver evidência de pus, mas microscopicamente há flebite, periflebite e áreas dispersas de necrose.

Grupo 5 – Trombose do seio cavernoso Extensão da flebite posteriormente para seio cavernoso resulta em progressão dos sintomas (exoftalmia, quemose, oftalmoplegia e perda visual) seguida por aparecimento de sinais similares na órbita contralateral ao seio paranasal infectado. Pode haver edema sobre veia emissária mastoide, e há marcada prostração e meningismo. Meningite franca é frequentemente uma parte do quadro clínico. Em 1948, Smith e Spencer publicaram o trabalho “Complicações orbitárias resultantes de lesões dos seios paranasais” reproduzindo exatamente a classificação de Hubert. Chandler, em 1970, apenas reapresentou a mesma classificação em seu clássico trabalho “A patogênese das complicações orbitárias nas sinusites agudas” com algumas modificações. A primeira foi na categoria 1, em que ele eliminou o termo palpebral da categoria e explicitou que o edema era orbitopalpebral. A segunda refere-se à categoria 4, a denominada “celulite orbitária”, na qual ele abandonou a teoria da flebite e descreveu esse grupo como uma infiltração difusa dos tecidos orbitários por células inflamatórias, e colocou-a como grupo 2. Em 1987, Moloney modificou a classificação de Hubert/Spencer/Chandler referindo-se à primeira categoria como celulite pré-septal. Apesar da classificação de Mortimore ser a mais recente, a quase totalidade da literatura sobre celulites usa a classificação de Hubert/Spencer/Chandler, que data de 30 anos atrás, antes do surgindo dos modernos meios semiológicos de imagem. A classificação de Hubert/Spencer/Chandler não é isenta de críticas. Uma delas é a inclusão de um tipo de complicação intracraniana (trombose do seio cavernoso) como categoria de


59  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita celulite orbitária. A denominação por Moloney de celulite pré-septal à categoria I de Hubert/ Spencer/Chandler aumentou a confusão entre os não especialistas que não compreendem como um processo pré-septal ou palpebral pode ser considerado como um tipo de infecção orbitária, que, por definição, é retrosseptal. Na realidade, a tomografia veio demonstrar que só existem três padrões claros de celulite orbitária: abscesso subperiósteo, abscesso orbitário e celulite difusa (Fig. 69). É comum o desenvolvimento de um halo de inflamação adjacente ao abscesso subperiósteo indicando a extensão do processo além da periórbita descolada (Fig. 70). A conduta frente a um paciente com órbita aguda em que se suspeita de celulite orbitária deve ser: a) Hospitalização imediata, início de antibioticoterapia endovenosa, obtenção de tomografia computadorizada de órbitas e cultura de secreção nasal. Vários esquemas de antibioticoterapia podem ser adotados. No Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP, foi padronizado o seguinte esquema: 1) adultos, 1a escolha – Oxacilina 2 g EV/6 h + Ceftriaxona 2 g EV 12/12 h, 2a escolha – Amoxicilina clavulanato 1 g EV 8/8 h, 3a escolha – Levofloxacino 500 mg EV/dia + Clindamicina 600 mg EV 8/8 h; 2) crianças até 40 kg, 1a escolha – Oxacilina 200 mg/kg/EV 6/6 h + Ceftriaxona 100 mg/kg/ EV/12/12 h, 2a escolha – Amoxicilina clavulanato 100 mg/kg/EV 8/8 h, 3a escolha – Cloranfenicol 100 mg/kg/ EV 6/6 h. b) Se houver comprovação tomográfica da celulite, manter a antibioticoterapia e observar o quadro radiológico e a resposta clínica. Se houver evolução para abscesso orbitário ou abscesso subperiósteo com persistência ou piora do quadro clínico, intervir cirurgicamente de imediato (Fig. 71).

Fig. 69  Padrões tomográficos típicos de celulite orbitária: à direita, abscesso subperiósteo do teto, ao centro, abscesso orbitário, e à esquerda celulite difusa.

Fig. 70  Processo inflamatório adjacente ao descolamento da periórbita do teto, à direita.


60  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita

Fig. 71  Acima quadro grave de abscesso orbitário. A drenagem cirúrgica tem um efeito imediato que salva a visão e a vida da criança.

Mucoceles As mucoceles são cistos intrasinusais expansivos. O mecanismo provável na gênese de uma mucocele é a contínua produção de muco difícil de ser eliminada em virtude do fechamento do óstio de drenagem do seio acometido. As mucoceles se comportam como tumores aumentando de tamanho erosando as paredes ósseas sinusais e invadindo estruturas vizinhas. Nesse sentido elas frequentemente acometem a órbita provocando distopia e limitação da oculomotricidade (Fig. 72). As mucoceles mais comuns são as frontoetmoidais. A mucocele maxilar é bem mais rara. Radiologicamente, elas são diagnosticadas pela tomografia computadorizada com massas homogêneas de contorno liso e origem sinusal (Fig. 73).

Fig. 72  Mucocele frontoetmoidal esquerda. Note a limitação de adução do olho esquerdo.


61  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita

Fig. 73  Mucocele frontoetmoidal bilateral invadindo ambas as órbitas e fossas cranianas anteriores.

É comum a infecção da mucocele que pode aparecer como um nódulo hiperemiado na pálpebra superior, simulando um abscesso palpebral (Fig. 74). Se nada for feito, a mucocele pode drenar espontaneamente provocando alterações cicatriciais palpebrais e déficit dos movimentos sacádicos palpebrais de sentido inferior (Fig. 75).

Fig. 74   Sinais flogísticos palpebrais provocados por mucocele frontoetmoidal infectada.

Fig. 75  Efeitos sobre a dinâmica palpebral da drenagem espontânea de mucocele frontoetmoidal. Notar a retração no olhar para baixo devido à limitação dos movimentos sacádicos de sentido inferior.


62  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita O tratamento das mucoceles é essencialmente cirúrgico. Dependendo do caso, a abordagem endonasal com marsupialização do cisto é a melhor opção. Lesões maiores e destrutivas necessitam de acessos a céu aberto com reconstrução óssea.

Síndrome do seio silente A síndrome do seio silente é uma condição reconhecida há pouco tempo. Ela é definida pelo desenvolvimento de atelectasia progressiva e paucisintomática do seio maxilar (daí o nome de silente). A única manifestação evidente da condição é o aparecimento de enoftalmo, distopia ocular inferior e sulco palpebral profundo (Fig. 76). Os pacientes com a síndrome invariavelmente procuram o oftalmologista que deve estar ciente da existência da condição para pensar no diagnóstico. Este é feito facilmente com uma tomografia computadorizada de órbitas que vai mostrar sinais inequívocos de atelectasia maxilar: depressão acentuada do assoalho e encurvamento da parede anterior do seio (Fig. 77). O tratamento da síndrome do seio silente é cirúrgico. Nos casos incipientes, a simples aeração sinusual via microcirurgia endonasal pode ser suficiente. Em casos mais adiantados é necessária a reconstrução do assoalho orbital com implantes subperiósteos.

Fig. 76  Síndrome do seio silente, à esquerda. Note o enoftalmo, aprofundamento do sulco palpebral superior e distopia ocular.

Fig. 77  Achados tomográficos típicos na síndrome de seio silente. À esquerda, corte axial mostrando encurvamento da parede anterior do seio maxilar que se encontra velado e atrésico; à direita, grande aumento do continente orbitário que é o fator causal do enoftalmo.


63  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita I – Displasia Fibrosa Antonio Augusto Velasco e Cruz

Displasia fibrosa (DF) é um distúrbio ósseo caracterizado pela ocorrência de lesões solitárias ou multifocais compostas por tecido fibrososo e trabéculas ósseas imaturas. A doença foi descrita por von Recklinghausen há dois séculos com a denominação de osteitis fibrosa generalisata. Lichtenstein introduziu o termo displasia fibrosa em 1938, um pouco depois de McCune e Albright terem independentemente descrito os primeiros casos de uma síndrome associando DF e lesões pigmentadas de pele e disfunções endócrinas. Histologicamente, as lesões são constituídas por proliferações de fibroblastos fusiformes no qual trabéculas de tecido ósseo imaturo não rodeados por osteoblastos estão presentes. O trabeculado ósseo na DF apresenta graus variáveis de maturação e aparece com uma variedade grande de formas, que têm sido descritas como “C”,”S” ou letras chinesas. A quantidade de tecido ósseo também é variável. Há lesões com grande predominância de tecido fibroso e outras nas quais as trabéculas ósseas são mais numerosas. O estroma fibroso exibe marcantes variações. Pode ser altamente celular com diminuição de colágeno, com poucas células e abundante colágeno ou mixomatoso. Células multinucleadas gigantes estão presentes ao longo da superfície do trabeculado. O diagnóstico da displasia fibrosa raramente se dá exclusivamente de forma histológica, ao contrário, ele é baseado no somatório de dados radiológicos, clínicos além evidentemente do exame anatomopatológico nos casos duvidosos. A tomografia computadorizada é o exame de eleição na detecção e definição das lesões craniofaciais. Com o advento da tomografia computadorizada em três dimensões melhorou a localização e visualização da extensão da patologia e na acurácia do planejamento cirúrgico. Radiologicamente, a displasia fibrosa mostra uma lesão medular com aparência de “vidro fosco”. A densidade radiológica da lesão depende da proporção relativa de osso e elementos fibrosos. Lesões com elementos ósseos são mais radiopacas. A predominância do tecido fibroso está associada a uma maior radioluscência. Lesões predominantemente radiopacas ocorrem mais frequentemente em ossos craniofaciais, que em outras partes do esqueleto. Nos ossos craniofaciais, a displasia fibrosa mostra a expansão do osso com afilamento do córtex. As margens são pobremente definidas e a displasia transgride a linha de sutura com a proporção de tecido mineralizado para tecido fibroso, determinando um grau de radioluscência. Quando os elementos fibrosos são predominantes, há possibilidade de existirem áreas císticas, ao passo que quando há preponderância de tecido mineralizado resulta em um homogêneo, esclerosado, aspecto ground glass – vidro fosco. A maioria dos casos é mista (Fig. 78). A variabilidade do crescimento da displasia fibrosa explica as diferentes formas da exposição radiológica. A morfologia interna das lesões depende do local anatômico afetado. São descritas na literatura as lesões da displasia fibrosa, tais como tipos esclerótico, cístico ou mistas. O tipo esclerótico constitui 35% dos casos e tende a ocorrer na base do crânio. O tipo misto é o mais comum, 40% dos casos, e a forma puramente cística, menos comum (Fig. 79).


64  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita

Fig. 78  Típico aspecto de vidro fosco (ground glass) de DF acometendo parede lateral de órbita esquerda. Note o pequeno cisto em formação no meio da lesão (área mais escura).

Fig. 79  Displasia fibrosa acometendo as paredes superior, medial e lateral da órbita esquerda. Notar a presença de cisto intralesional no teto.

A DF representa uma anomalia do sistema da adenilciclase. Há uma mutação somática nos osteoblastos que prolonga a atividade dessa enzima acarretando o aumento de AMP cíclico. Como resultado desse acúmulo, há a proliferação celular de maneira desorganizada e não diferenciada bem como a hiperprodução de matriz óssea não mineralizada. A distribuição das lesões reflete o mosaicismo da mutação somática. Na forma monostótica há somente um foco da doença. No esqueleto apendicular quando existe múltiplos focos a doença é denominada poliostótica. Na DF limitada à região craniofacial, em geral múltiplos ossos são afetados, porém como só há um foco da enfermidade, a maioria dos autores designa a DF craniofacial de monostótica. A prevalência da DF é difícil de estimar, mas a enfermidade não é considerada rara. Na literatura ortopédica, estima-se que a DF represente 5 a 7% dos tumores ósseos benignos. A doença pode estar associada a anomalias sistêmicas. A síndrome de McCune-Albright (DF, manchas café com leite e anomalias endócrinas) é o principal exemplo. Essa síndrome é mais comum no sexo feminino e se manifesta por puberdade precoce. Na DF craniofacial, as órbitas são comumente acometidas. Clinicamente, os pacientes com DF apresentam os sinais clássicos de distopia ocular e assimetria facial (Figs. 80 A-D).


65  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita

Figs. 80 (A-D)  Distopia vertical e assimetria facial na DF. O lado esquerdo é o acometido em A, C e D e o direito em B. A distopia é superior em A e inferior em B, C e D.

A conduta frente a um paciente com DF orbitária é controversa, especialmente no que tange ao comprometimento apical (Fig. 81). De fato, pacientes com estreitamento do canal óptico podem desenvolver neuropatia óptica compressiva e perda visual. Assim, alguns autores recomendam descompressão óptica profilática com objetivo de impedir a neuropatia óptica. Outros, só advogam a descompressão se houver sinais inequívocos de perda do sentido visual.

Fig. 81  Estreitamento bilateral do canal óptico na DF.


66  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita J – Processos Inflamatórios Específicos de Etiologia Desconhecida Sheila de Paula Fernando Chahud

Granulomatose de Wegener A granulomatose de Wegener é uma vasculite necrosante que pode apresentar-se como uma doença localizada ou sistêmica. Quando sistêmica, é caracterizada pela tríade descrita por Godman e Churg em 1954: 1) granulomas necrosantes agudos das vias respiratórias superiores (ouvido, nariz, seios da face e garganta) e/ou inferiores (pulmões); 2) vasculite granulomatosa necrosante de vasos de pequeno e médio calibres (principalmente em pulmões e vias respiratórias superiores, mas pode afetar outros locais); 3) glomerulonefrite necrosante focal. Essa forma generalizada, se não tratada, geralmente é fatal em dois anos. A forma localizada da doença ocorre quando os pacientes não manifestam toda a tríade e os rins são poupados, o comprometimento limita-se às vias respiratórias. A idade média de aparecimento da doença é em torno dos 40 anos, porém podem afetar jovens, e os homens são mais frequentemente acometidos. O envolvimento ocular e orbitário é comum em pacientes com granulomatose de Wegener (sistêmica ou localizada), sendo visto em aproximadamente 50% dos casos, podendo representar a primeira manifestação clínica da doença. Os casos que acometem a órbita geralmente apresentam a forma limitada ou localizada da doença. São pacientes com história de infecção crônica de vias respiratórias superiores e/ou inferiores que aparecem com sinais e sintomas de acometimento orbitário. O principal achado clínico é a proptose associada à massa orbitária destrutiva, e manifestações oculares, tais como esclerite necrosante, ceratite, uveíte, vasculite de vasos retinianos e neuropatia óptica isquêmica. O acometimento geralmente é bilateral e pode ser irreversível se não tratada a tempo. Do ponto de vista morfológico, as lesões das vias respiratórias incluem desde sinusites até lesões ulcerativas. Os granulomas revelam um padrão geográfico de necrose circundada por linfócitos, plasmócitos, macrófagos e um número variável de células gigantes multinucleadas. Associada aos granulomas observa-se vasculite granulomatosa necrosante de pequenas, e às vezes, grandes artérias e veias. Os pulmões podem sofrer cavitações criando um aspecto superficial semelhante a um tubérculo, o que pode ser confundido com infecções fúngicas e micobacterianas. A presença de granulomas e a resposta aos agentes imunossupressores sugere fortemente um mecanismo imunológico para a doença, provavelmente mediado por células. Verifica-se a presença de c-ANCA no soro de 90% dos pacientes com doença sistêmica ativa, e parece constituir um bom marcador da atividade da doença. Durante o tratamento, a observação de um título crescente do c-ANCA sugere recidiva. Em pacientes em remissão, o teste em geral é negativo ou apresenta queda significativa dos títulos. O diagnóstico de granulomatose de Wegener deve ser baseado nas características clínicas, radiológicas e patológicas da doença. Achados que chamam a atenção são história de sinusite


67  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita crônica, perda auditiva ou secreção auricular, acometimento bilateral de olhos e órbita, esclerite e ceratite associada a uma zona branca perilimbar (avascular). Os episódios tipicamente têm história de ativações e remissões espontâneas. Os padrões tomográficos tendem a ter três padrões distintos: envolvimento orbitário difuso, lacrimal ou da linha média com perda visual. O envolvimento medial da órbita pode estar associado à erosão óssea adjacente. A presença de acometimento dos seios da face na tomografia computadorizada pode também ajudar no diagnóstico da granulomatose de Wegener. Porém, um diagnóstico específico é essencial antes de instituir o tratamento necessariamente agressivo para a doença. No caso de acometimento orbitário isso pode ser confirmado por uma biópsia. As lesões do segmento anterior do globo ocular podem responder ao tratamento com esteroides tópicos, mas as lesões orbitárias requerem tratamento sistêmico com esteroides combinados com agentes imunossupressores como a ciclofosfamida. O diagnóstico precoce (clínico e patológico) e rápido tratamento podem prevenir alterações catastróficas locais e sistêmicas.

Sarcoidose A sarcoidose é uma doença sistêmica de etiologia desconhecida, presente em adultos jovens, caracterizada pela formação de granulomas não caseosos em muitos tecidos ou órgãos. A prevalência em mulheres é maior que em homens, porém existem variações geográficas, entre chineses e no sudoeste da Ásia, a doença é quase desconhecida. Os padrões clínicos exibidos na sarcoidose são variados, porém o comprometimento pulmonar associado à adenopatia hilar é visto em 90% dos casos. A seguir, por ordem de frequência, são observadas lesões oculares/orbitárias e lesões cutâneas. Realmente, o envolvimento ocular na sarcoidose multifocal é relativamente comum (25 a 60% dos casos). Em geral se apresenta como uma uveíte granulomatosa, nódulos inflamatórios conjuntivais ou uma reação sarcoide da bainha do nervo óptico. Com frequência essas lesões oculares são acompanhadas de inflamação das glândulas lacrimais. Quando a órbita é envolvida, pode ter duas apresentações: ou uma reação sarcoide isolada ou associada à sarcoidose sistêmica. O exame clínico mostra um aumento não doloroso, bilateral das glândulas lacrimais e salivares, e em 8% dos casos apenas as glândulas lacrimais estão afetadas, porém 0,6% apresentam-se primariamente com envolvimento lacrimal. Outra forma de apresentação é um granuloma orbitário não caseoso. A presença de uma forma apenas orbitária pode preceder a doença disseminada. O diagnóstico é feito por meio da biópsia de um órgão afetado, facilmente acessível (glândulas lacrimal, salivar ou linfonodo). A histologia mostra um glanuloma de células epitelioides sem necrose caseosa, porém, esse tipo de granuloma não é patognomônico da sarcoidose, e pode ser visto em inúmeras outras doenças como doença de Behçet, síndrome de Sjögren, histiocitose, sendo de grande importância a história clínica. Após o diagnóstico, o tratamento deve ser feito com esteroide sistêmico que é o tratamento mais comum e frequentemente efetivo. O prognóstico parece mais grave em pacientes mais jovens e com envolvimento em múltiplos órgãos.


68  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita Infiltrações linfoides não neoplásicas A proliferação localizada de linfócitos dentro da órbita, suficiente para causar proptose na ausência de uma causa identificável é uma história bem conhecida, porém a distinção entre uma hiperplasia linfoide ou uma neoplasia, (linfoma não Hodgkin) é uma das maiores dificuldades em patologia oftalmológica. Essa distinção é importante para orientar o tratamento e prognóstico do doente. Diversas características histológicas indicam se a lesão é reativa ou neoplásica. O primeiro indicador é o polimorfismo. As lesões reativas exibem predominantemente linfócitos, porém muitas outras células participam (eosinófilos, macrófagos), o que sugere a natureza inflamatória dessa lesão. Entre os linfomas, o polimorfismo (tipos celulares diversos) é característico somente na doença de Hodgkin, que raramente acomete a órbita. Policlonalidade também é essencial para classificação de uma lesão como hiperplasia linfoide. A policlonalidade (presença de linfócitos B e T ou de diferentes clones de linfócitos B) é definida por imunofenótipo e métodos moleculares. Outro indicador de lesão hiperplásica é a formação de folículos linfoides bem definidos com centro germinativo e uma zona periférica de linfócitos, separados por gordura orbitária e tecido fibroso. A evidência de reação inflamatória no tecido também ajuda no diagnóstico. Frequentemente os vasos estão maiores e mais numerosos que o normal e as células endoteliais estão hialinizadas e com edema. Clinicamente esses pacientes têm um curso indolente, e as lesões tendem a ser mais anteriores, sem envolvimento de estruturas profundas. São lesões indolores que não causam qualquer déficit funcional. Radiologicamente são muito parecidas com outras doenças linfoproliferativas e podem ocorrer como uma doença policlonal multissistêmica, e não necessariamente uma doença orbitária isolada. A biópsia é mandatória para o diagnóstico e as lesões respondem bem a doses moderadas de esteroides sistêmicos. Alguns casos podem requerer tratamento imunossupressor ou radioterapia local. O seguimento desse paciente por pelo menos 2 anos é necessário para diagnóstico de recidivas.

Histiocitoses tipos Langerhans e não Langerhans O termo histiocitose é usado para designar uma ampla variedade de desordens proliferativas de histiócitos ou macrófagos, desde formas mais agressivas e nitidamente malignas, como os raros linfomas histiocíticos, até condições reacionais e de curso benigno, como a proliferação de histiócitos em linfonodos. Entre as diversas formas de histiocitose, as de maior importância para a área oftalmológica são a histiocitose de células de Langerhans e a doença xantogranulomatosa da órbita e dos anexos oculares (histiocitose de células não Langerhans).

Histiocitose de células de langerhans Compreende uma variedade de manifestações clínicas com um padrão histológico comum. Anteriormente denominada “histiocitose X” devido a sua etiologia desconhecida, hoje sabe-se


69  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita que é uma desordem proliferativa de um tipo especial de histiócito denominado célula de Langerhans. Este tipo celular é uma célula dendrítica apresentadora de antígeno e está presente na pele normal e em outros órgãos. Por não serem neoplasias verdadeiras foi suposto que sua patogênese estaria relacionada com anormalidades do sistema imune, e estudos recentes usando técnicas moleculares confirmam a natureza clonal da doença. É uma patologia rara, acometendo principalmente crianças (menores de 15 anos) do sexo masculino (2:1). As manifestações oftalmológicas são vistas em 10% dos casos. O prognóstico está relacionado com a idade, progressão e extensão da doença. Geralmente, quanto mais jovem, mais agressiva a sua apresentação, crianças abaixo de 2 anos de idade têm uma mortalidade em torno de 60% comparada com crianças mais velhas que apresentam 15% de mortalidade. A histiocitose de células de Langerhans abrange três entidades clínico-patológicas distintas. A forma aguda disseminada, antigamente denominada de doença de Letterer-Siwe, ocorre mais frequentemente antes dos 2 anos de idade, mas pode afetar adultos ocasionalmente. O quadro clínico é dominado por lesões cutâneas, que se assemelham a uma erupção seborreica em tronco e couro cabeludo, hepatoesplenomegalia, lesões pulmonares, linfadenopatia e lesões osteolíticas destrutivas. A infiltração da medula óssea resulta em anemia, trombocitopenia e predisposição a infecções de repetição. É uma doença agressiva que se não tratada, é rapidamente fatal e com quimioterapia apenas 50% dos pacientes sobrevivem em 5 anos. As duas outras formas clínicas têm maior importância para a área oftalmológica. No chamado granuloma eosinofílico (ou de envolvimento ósseo unifocal ou localizado) existem acúmulos expansivos e erosivos de células de Langerhans nas cavidades medulares dos ossos. As lesões frequentemente envolvem a calota craniana (osso, frontal e parietal). O teto orbitário normalmente é sede dessas lesões que podem simular abscesso palpebral (Figs. 82 A e B). As principais manifestações oftalmológicas decorrem do acometimento orbitário (tipicamente no quadrante lateral superior da asa maior do esfenoide), que mostra erosão óssea e expansão dos tecidos moles adjacentes com necrose central. A outra forma clínica denominada tríade de Hand-Schüller-Christian (doença óssea multifocal) consiste na combinação de defeitos ósseos da calota craniana, diabetes insípido

Figs. 82 (A e B) A. Granuloma eosinofílico de teto orbitário simulando abscesso palpebral. B. Corte coronal de tomografia computadorizada mostrando lesão lítica invadindo a fossa craniana anterior.


70  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita (comprometimento do pedículo hipofisário posterior que ocorre em 50% dos pacientes) e exoftalmia. Morfologicamente, as lesões são constituídas por histiócitos que apresentam citoplasma amplo, frequentemente vacuolizado e núcleo oval, vesiculoso ou com indentação. A presença de corpúsculos (grânulos de Birbeck) no citoplasma é característica, podendo ser reconhecidos na microscopia eletrônica como grânulos em forma de “raquete de tênis”. Em meio aos histiócitos há linfócitos, plasmócitos, neutrófilos e eosinófilos. Estes últimos podem ser encontrados de forma esparsa ou formando agrupamentos grandes. O estudo imuno-histoquímico revela positividade dos histiócitos para os marcadores S-100 e Cd1a. O tratamento vai depender da apresentação: se localizada ou disseminada, aguda ou crônica. Algumas lesões localizadas podem ser apenas observadas, pois podem sofrer regressão espontânea. A doença orbitária localizada, geralmente responde bem à baixa dose de irradiação ou curetagem local. Outros tratamentos incluem agentes citotóxicos, esteroides sistêmico ou intralesional.

Doença xantogranulomatosa da órbita e dos anexos oculares (Histiocitose de células não Langerhans) Este grupo está constituído por doenças raras, com fisiopatologia indefinida. Consiste de um infiltrado inflamatório crônico com histiócitos espumosos, que tem núcleo redondo com citoplasma abundante e vacuolado. Um achado característico é a presença de células gigantes multinucleadas de Touton. As principais formas clínicas são xantogranuloma juvenil, xantogranuloma do adulto, xantogranuloma periocular associado à asma do adulto, xantogranuloma necrobiótico e a doença de Erdheim-Chester. O xantogranuloma juvenil afeta geralmente a pálpebra, trato uveal anterior e sítios de pele não ocular. Alguns casos podem apresentar envolvimento da órbita anterior. O xantogarnuloma orbitário de início na fase adulta é raro, frequentemente bilateral e pode estar associado a alterações hematológicas. Xantogranulomas perioculares em adultos têm sido descritos no contexto da doença de Erdheim-Chester, xantogranuloma necrobiótico, ou xantogranuloma juvenil. Porém, existem diversos casos relatados na literatura de xantrogranulomatose periocular bilateral em adultos, associados à asma sem envolvimento sistêmico. Xantogranuloma necrobiótico é caracterizado por multiplos nódulos subcutâneos, xantomatosos e endurecidos, em pacientes com paraproteínemia. O envolvimento oftalmológico é comum e geralmente envolve a pálpebra, órbita e algumas vezes a conjuntiva. Aproximadamente 47% têm risco de malignidade tardia, incluindo mieloma múltiplo e doenças plasmo e linfoproliferativas. Histopatologicamente apresentam granulomas malformados, com bainha de histiócitos, muitos dos quais contêm lipídios, e presença de células gigantes de Touton. O quadro clínico típico é um paciente na sexta década de vida com infiltração firme da gordura orbitária. A grande importância do reconhecimento das lesões xantogranulomatosas está na sua frequente associação com doenças sistêmicas. A doença de Erdheim-Chester, trata-se de uma rara histiocitose de células não Langerhans de etiologia desconhecida. É uma xantogranulomatose sistêmica que raramente pode acometer pálpebras e órbita.


71  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita O envolvimento sistêmico inclui lesão simétrica de ossos longos, coração, pulmões, sistema nervoso central (diabetes insípido), fígado, baço e retroperitônio (rins). As lesões palpebrais são semelhantes a xantelasmas e o acometimento orbitário causa proptose bilateral, oftalmoplegia, edema e atrofia do nervo óptico devido a seus efeitos infiltrativos, compressivos e restritivos na órbita. A biópsia nestes casos revela um infiltrado mononuclear histiocitário, com células exibindo citoplasma espumoso, repleto de material lipídico, presença de células gigantes multinucleadas do tipo Touton, fibrose secundária, linfócitos e plasmócitos. Neste caso, os histiócitos não apresentam no estudo imuno-histoquímico positividade para o marcador CD1a. O paciente pode apresentar algum benefício com o tratamento com esteroides. Outras opções de tratamento incluem quimioterapia, e radioterapia, porém ainda não se tem um consenso sobre o melhor tratamento. O diagnóstico diferencial inclui histiocitose de célula de Langerhans, doenças metabólicas e malignas.

Doença de Rosai Dorfman Foi descrita pela primeira vez em 1969 por Rosai e Dorfman para descrever uma histiocitose sinusal associada a uma massiva linfadenopatia. O termo sinusal não se refere aos seios paranasais, mas sim aos seios dos linfonodos, que são as áreas dos linfonodos permeadas pelos histiócitos. É uma doença rara, idiopática e benigna, vista em crianças e adultos jovens. Linfadenopatia indolor com envolvimento cervical é vista em mais de 80% dos casos e o envolvimento extranodal ocorre em 43% dos pacientes. Os locais mais frequentemente acometidos são o trato respiratório, orgãos viscerais, pele, osso, sistema nervoso central, trato geniturinário e órbita. Apenas 10% dos casos apresentam acometimento orbitário. O envolvimento pulmonar, embora raro, é um indicador de mau prognóstico com uma mortalidade de 45%. Outras características sistêmicas incluem febre, leucocitose com neutrofilia, velocidade de hemossedimentação elevada (VHS) e hipergamaglobulinemia. A doença de Rosai Dorfman tipicamente afeta o espaço intraconal, assim como a doença de Erdhein Chester, e diferente de outras doenças xantogranulomatosas que tendem a ser extraconais ou envolver espaços orbitários anteriores. O diagnóstico é feito pela histopatologia dos linfonodos que revela inúmeros histiócitos com núcleo grande redondo e um único e pequeno nucléolo. Atipia nuclear e figuras mitóticas são raras, porém podem ocorrer. O envolvimento extranodal apresenta achados histológicos parecidos, porém com mais fibrose e menos histiócitos dificultando o diagnóstico. Essa desordem pode ser resistente ao tratamento requerendo esteroides e agentes imunossupressores. O uso de radioterapia é controverso.


72  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita L – Abordagem Cirúrgica da Órbita Antonio Augusto Velasco e Cruz

Elementos de anatomia cirúrgica e orbitotomias As órbitas são duas cavidades ósseas, de forma piramidal, constituídas por 4 paredes (lateral ou externa, medial ou interna, superior ou teto e inferior ou soalho), uma base ou rebordo e um ápice ou vértice. Sete ossos entram na composição das órbitas: frontal, zigomático, esfenoide, palatino, maxilar superior, etmoide e lacrimal. A cavidade orbitária é inteiramente revestida pela periórbita que é o periósteo da órbita. Alguns livros de anatomia mais antigos descrevem um componente muscular liso na periórbita que não existe. A periórbita não é aderente aos ossos das paredes e, portanto, facilmente descolável, à exceção do rebordo, cristas lacrimais e margens das fissuras e canais. No rebordo, a periórbita muda de direção formando o septo orbitário, que se dirige verticalmente fundindo-se com as pálpebras. A órbita pode ser entendida como um compartimento inteiramente fechado pela periórbita, septo e conjuntiva e dividido em três espaços: extraperiostal, extraconal e intraconal. O que separa o espaço extra do intraconal são os músculos oculomotores. Esses dois compartimentos são subdivididos de modo extremamente complexo, por inúmeros septos de tecido conectivo que provêm sustentação para a gordura orbital que envolve todas as estruturas do conteúdo. O termo “orbitotomia” é empregado para designar qualquer abordagem que permita o acesso cirúrgico ao conteúdo orbitário. As orbitotomias podem ser divididas em três tipos básicos: as transconjuntivais, as transeptais e as transperiorbitais. A escolha de um determinado tipo particular de orbitotomia vai depender da localização do sítio a ser operado (anterior ou posterior, intra ou extraconal e do quadrante), do tamanho e tipo da lesão e da experiência do cirurgião com determinadas técnicas. O objetivo é sempre conseguir uma ampla exposição minimizando-se ao máximo eventuais cicatrizes externas.

Orbitotomias laterais A parede lateral é constituída por três ossos. Anteriormente, a margem é formada pela união do processo frontal do osso zigomático e do processo zigomático do osso frontal na sutura frontozigomática, que é um importante acidente anatômico, pois fornece um limite superior seguro para a remoção da margem lateral. Posteriormente, situa-se a face anterior da asa maior do esfenoide. Como a parte anterior da parede lateral é extremamente fina, essa porção óssea pode ser facilmente retirada, com ou sem reposição do rebordo lateral, sem maiores prejuízos para o paciente, uma vez que a presença do músculo temporal assegura a manutenção da posição do canto lateral da fenda palpebral. Existem várias abordagens para a orbitotomia lateral. A via transconjuntival é muito limitada lateralmente, pois devido à posição posterior do canto lateral o acesso ao conteúdo


73  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita orbitário através da conjuntiva é exíguo. Normalmente se utiliza a via transperiorbital com retirada da parede. Assim, consegue-se uma ampla exposição aos compartimentos extra e intraconal de toda a metade lateral da órbita. A antiga incisão de Krönlein, em forma de S na fossa temporal, é uma técnica do passado em virtude da cicatriz que acarreta. Para a retirada da parede lateral deve-se optar pela incisão no sulco palpebral superior (descrita no item Orbitotomias superiores) ou por meio da simples cantotomia lateral direta (incisão de Berke). A cirurgia inicia-se com uma incisão horizontal da comissura lateral que se estende em direção à fossa lateral. Não há necessidade de essa incisão ser muito grande. Excelentes exposições são conseguidas com cortes de até 1 cm de comprimento (Fig. 83). O periósteo do rebordo lateral é exposto, aberto e descolado, com dissectores rombos, na direção superior até que a fissura frontozigomática seja identificada (Fig. 84). Inferiormente, o rebatimento do periósteo deve ser feito até que o corpo do zigomático seja exposto. Nessa região, é fácil identificar o nervo zigomatofacial, ramo da segunda divisão do trigêmio (maxilar) e que pode ser seccionado sem maiores problemas. No sentido anteroposterior, descola-se externamente, o músculo temporal da parede lateral. No mesmo sentido, descola-se, internamente a periórbita da parede lateral seccionando-se também o nervo zigomatotemporal. Nesse ponto a parede está pronta para ser removida. Várias opções são possíveis. Em geral utiliza-se uma serra reciprocante ou oscilante para a osteotomia superior (na sutura frontozigomática e inferior um pouco antes do corpo do zigoma). A retirada óssea é limitada posteriormente pela porção mais espessa da asa maior do esfenoide que marca a transição da órbita para a fossa craniana média. Uma vez retirada a parede, o cirurgião tem um amplo espaço cirúrgico. Sempre com dissectores rombos e fazendo hemostasia com pinça bipolar, eventuais lesões extra e intraconais podem ser biopsiadas ou ressecadas.

Fig. 83  Swinging eyelid flap. Excelente exposição da parede lateral é conseguida com incisões de até 10 mm.

Fig. 84  Exposição completa da parede lateral com a incisão mostrada na Figura 83.


74  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita Ao final da cirurgia, o canto lateral é refeito suturando-se as margens superior e inferior e fixando-se o canto lateral no rebordo ou no músculo temporal, caso o rebordo não tenha sido reposto.

Orbitotomias mediais A parede medial é formada por quatro ossos. O processo frontal do maxilar superior e o osso lacrimal formam a parte anterior da parede completada posteriormente pela lâmina papirácea do etmoide e parte da face lateral do corpo do esfenoide. O maxilar superior delimita com o lacrimal, a fossa lacrimal onde se situa o saco lacrimal. Essa fossa tem uma crista anterior e uma posterior. O ligamento cantal medial se insere anterior e posteriormente nessas duas cristas. O periósteo posteriormente à crista lacrimal posterior, não é aderente e, portanto, facilmente descolável do etmoide que é retirado nas descompressões da parede medial e ressecções de lesões que invadem a órbita a partir do seio etmoidal. O ângulo superointerno é marcado pela sutura frontoetmoidal onde penetram as artérias etmoidais anterior e posterior, ramos da oftálmica em seus trajetos extraorbitários. Similarmente ao que acontece na parede lateral com a sutura frontozigomática, a sutura frontoetmoidal também é um importante reparo cirúrgico, pois define o limite de segurança para a retirada superior da parede medial. Acima desse nível estão a lâmina crivosa e a fossa craniana anterior. Ao contrário da orbitotomia lateral, na parte medial da órbita a retirada da parede é dificultada pela complexidade da linha média da face principalmente pela presença da pirâmide nasal e vias lacrimais. A via externa (incisão de Lynch) não tem mais nenhum papel nas técnicas que podem ser usadas para o acesso da parede medial. Assim, a via transconjuntival assume importância primordial tanto para o acesso ao compartimento intraconal quanto para a parede propriamente dita e espaço extraconal. Outras opções válidas incluem as vias sulco palpebral superior e coronal. Esta última vai ser descrita separadamente.

Abordagem infracaruncular da parede medial A abordagem medial pode ser combinada ou não com a incisão transconjuntival para o assoalho. O acesso para a parede medial começa tracionando-se as pálpebras superior e inferior com afastadores. O olho é rodado para fora, de modo a expor ao máximo a região da carúncula. Em seguida abre-se a conjuntiva logo abaixo da carúncula até se atingir a periórbita da lâmina papirácea (Fig. 85). Essa incisão vai atingir a parede medial logo abaixo do saco lacrimal. É

Fig. 85  Exposição da parede medial com incisão infracaruncular.


75  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita importante que o corte conjuntival se estenda superiormente até o fórnice superior, caso contrário a visão do ápice será telescópica e extremamente difícil. Normalmente, consegue-se identificar o forame etmoidal anterior. Com esse acesso pode-se reparar fraturas mediais, biopsiar lesões extraconais ou mesmo retirar toda a parede nas descompressões mediais.

Abordagem transconjuntival do espaço intraconal medial Trata-se de um acesso muito utilizado para cirurgia do nervo óptico e biópsias de lesões intraconais. A partir de uma ampla incisão conjuntival limbar o músculo reto medial é reparado e desinserido. Suturas de tração são colocadas na inserção escleral do músculo e em alguns casos também nos retos superior e inferior. Enquanto o olho é rodado lateralmente, o cirurgião, com espátulas maleáveis e dissectores rombos, expõe o espaço intraconal, visibilizando o nervo óptico, que aparece com a sua rede perióptica de artérias ciliares. Esse acesso pode ser combinado com a retirada da parede lateral, o que possibilita maior deslocamento lateral do olho.

Abordagem via sulco palpebral superior da parede medial O sulco palpebral superior permite uma abordagem extremamente conveniente e estética para os procedimentos relacionados com a parede medial. Por meio de uma incisão convencional de blefaroplastia, o plano miocutâneo e o septo da pálpebra superior são abertos. Uma vez exposta a bolsa medial de gordura, ela e deslocada lateralmente com espátulas maleáveis criando-se um plano natural que pode ser alargado. A via se situa acima do ligamento cantal medial e permite a abordagem com facilidade de toda lâmina papirácea do etmoide. É sempre conveniente a localização do forame da artéria etmoidal anterior (Fig. 86). Por essa via, podem ser tratadas as fraturas e os abscessos mediais, bem como biopsiar lesões extraconais mediais.

Fig. 86  Exposição da parede medial via sulco palpebral superior. Excelente para exposição de toda a parede medial, da artéria etmoidal anterior até o assoalho.


76  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita Orbitotomias superiores O teto da órbita é formado quase que exclusivamente pelo frontal. Posteriormente, a pequena asa do esfenoide também entra na constituição dessa parede. Notar que no ângulo superoexterno a depressão que contém a glândula lacrimal também é denominada fossa lacrimal.

Orbitotomia via sulco palpebral superior O sulco palpebral superior é a via natural para toda e qualquer abordagem do teto orbitário (Fig. 87). Não faz sentido o uso de incisões fora desse acidente anatômico como as infra ou transsuperciliares. Por meio de uma incisão convencional de blefaroplastia, o plano miocutâneo pode ser dissecado superiormente com facilidade até o rebordo superior (Fig. 88). Nesse ponto duas vias são possíveis: a transperiorbital e a transeptal.

Transperiorbital Na via transperiorbital, uma vez que a dissecção atinge o rebordo orbitário, o cirurgião incisa o arco marginal (condensação da periórbita no rebordo) e entra descolando a periórbita do teto. O único elemento que vai conter o descolamento total da periórbita até o ápice é o nervo e a artéria supraorbitais que atravessam o rebordo em uma incisura ou canal no seu trajeto para a região frontal. A cirurgia prossegue com a abertura da periórbita. Há de se ter em mente que o levantador da pálpebra superior se situa logo abaixo da fina camada de gordura extraconal superior. Se houver necessidade de um amplo acesso para o espaço intraconal, a via transeptal é melhor. A via transperiorbital é perfeita para as abordagens de lesões periféricas que atingem o teto.

Fig. 87  Acesso via sulco para a órbita superior e parede lateral.

Fig. 88  Exposição rebordo superolateral via sulco palpebral superior.


77  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita Transseptal A via transseptal inicia-se exatamente como uma blefaroplastia a céu aberto. Ou seja, após a confecção do plano miocutâneo, todo o septo é aberto expondo-se a gordura pré-aponeurótica e a aponeurose do levantador. Nesse ponto, o cirurgião pode entrar no espaço intraconal superior na parte medial da órbita retraindo a aponeurose lateralmente. Essa entrada é facilitada pela atenuação do corno medial do levantador. Lateralmente, essa manobra é mais difícil. Uma vez no espaço intraconal a cirurgia prossegue como em outras situações com dissectores rombos e afastadores.

Orbitotomias Inferiores O assoalho é a mais curta das paredes e tem uma importante relação com o seio maxilar e a fossa pterigopalatina através da fissura orbital inferior ou fenda esfenomaxilar. É formada por três ossos. Anterolateralmente entra o zigomático, centralmente a lâmina orbitária do maxilar e posteriormente a apófise orbitária do palatino. No assoalho situa-se o sulco infraorbital onde passam o nervo e vasos infraorbitais. Um elemento anatômico importante e pouco comentado é um ramo perfurante da artéria infraorbitária que sai do canal e penetra na periórbita no meio do canal infraorbital. Esse ramo deve ser sempre cauterizado quando a periórbita do assoalho é descolada, pois é fonte constante de sangramento. O acesso mais usado é a via transconjuntival. É a mais lógica, a que fornece melhor exposição e a que apresenta menores índices de complicação. Na nossa opinião, as abordagens anteriores transpalpebrais ou infraciliares devem ser evitadas em favor do acesso transconjuntival. A cirurgia inicia-se com uma cantólise lateral e desinserção do ramo inferior do ligamento cantal lateral. Esse passo pode ser evitado em alguns pacientes. A pálpebra inferior é então dobrada sobre o rebordo inferior. Assim, pode-se, facilmente, expor o rebordo através da incisão da conjuntiva e dos retratores inferiores, desde o canto lateral até a carúncula (Figs. 89 A-C)

Figs. 89 (A–C) A. Cantólise e exposição do rebordo inferior via transconjuntival. B. Incisão transconjuntival expondo-se o rebordo inferior. C. Exposição do asoalho via transconjuntival. Note que a origem do músculo oblíquo inferior é facilmente identificada.


78  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita Em seguida, o periósteo do rebordo é incisado e descola-se a periórbita do assoalho. Nesse ponto, é imperativa a localização do canal do nervo infraorbitário e de seus ramos perfurantes como comentado anteriormente. Nesse ponto o cirurgião pode abrir a periórbita e penetrar nos espaços extra e intraconal do andar inferior. Deve-se sempre ter em mente, a localização dos músculos oblíquo e reto inferiores. Assim, o melhor quadrante para incisar a periórbita é o lateral.

Técnicas especiais Existe uma série de técnicas especiais que devem ser restritas a casos específicos, entre estas vale mencionar a orbitotomia panorâmica transconjuntival com abertura de todos os fundos de saco e a denominada split orbitotomy que implica na divisão vertical da pálpebra superior lateral ao ponto lacrimal superior.

Acesso coronal O flap coronal é uma das mais versáteis abordagens cirúrgicas para a exposição da órbita e regiões periorbitais e permite o acesso simultâneo das paredes lateral, medial e assoalho. A morbidade do flap coronal é mínima, a exposição que se consegue é bastante ampla e a cicatriz resultante é convenientemente camuflada pelo cabelo. A execução do acesso coronal exige que a complexa anatomia da região frontotemporal seja perfeitamente conhecida, principalmente no que diz respeito à tridimensionalidade das estruturas que compõem a região. A incisão vai do polo de uma orelha a outra, estendendo-se, caso seja necessário, inferior e anteriormente ao tragus. A localização anteroposterior da incisão vai ser ditada pela linha da implantação dos cabelos. Na maioria dos casos a linha de incisão será colocada cerca de 5 cm posteriormente à implantação dos cabelos. Não é necessário tricotomia. Ao contrário, a manutenção dos cabelos permite que folículos pilosos sejam identificados e a incisão seja inclinada de modo a ser paralela à direção dos mesmos, minimizando a lesão dos folículos e melhorando a sua camuflagem. Como a direção dos folículos pilosos muda constantemente, o cirurgião deve ser meticuloso e angular a lâmina de bisturi em diferentes direções sempre que isso seja necessário para que não se lese os folículos pilosos. O desenho serrilhado para a incisão coronal é uma boa opção, pois esse tipo de desenho camufla melhor a cicatriz quando os cabelos estão úmidos. Ao se planejar, pré-operatoriamente, a localização da incisão, a altura da linha de implantação dos cabelos deve ser cuidadosamente avaliada. Nos pacientes que já possuem essa linha localizada posteriormente, a incisão pré-triquial pode ser considerada, embora ela exija um corte meticuloso, pois o risco da cicatriz ficar aparente é bem maior. O plano da dissecção é fundamental. O flap deve ser levantado inicialmente no plano subgaleal (Fig. 90 A). Esse plano é formado pela fáscia subgaleal que tem uma estrutura basicamente areolar. Na região temporal, plano subgaleal deve ser mantido permanecendo abaixo da fáscia temporoparietal. Mantendo o plano de clivagem diretamente acima da aponeurose do músculo temporal, o cirurgião minimiza as chances de lesão da artéria temporal superficial.


79  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita

Figs. 90 (A e B) A. Acesso coronal inicialmente no plano subgaleal. B. Exposição coronal de toda a parede lateral e arco zigomático. Note que a incisão foi convertida, progredindo abaixo da fáscia temporal.

A disseccão subgaleal permite que se alcance rapidamente a região do rebordo orbital. Nesse nível, adota-se o plano subperiósteo para a liberação do arco marginal. Assim, a identificação do feixe neurovascular do supraorbital é muito facilitada. Na região temporal, a dissecção é aprofundada abrindo-se a fáscia temporal e continuando-se no plano do compartimento gorduroso superficial temporal, incorporando, assim, uma porção da fáscia temporal ao flap. Procedendo assim, a lesão do ramo frontotemporal do facial é praticamente impossível e a parede lateral da órbita e o arco zigomático podem ser completamente expostos (Fig. 90 B). Para a exposição do teto e da parede medial, várias estruturas que estão em contato íntimo com o tecido ósseo, devem ser cuidadosamente descoladas. O primeiro acidente anatômico a ser considerado é o feixe neurovascular supraorbital. Mudando-se o plano de dissecção para o nível subperiósteo, a identificação do feixe supraorbital não oferece dificuldades. Ele aparece medialmente no rebordo superior através de um canal ou simples incisura. Caso haja um canal, uma pequena osteotomia é feita de um lado e de outro do orifício superior liberando assim o feixe que é então incorporado ao flap. O segundo acidente que oferece resistência ao descolamento da periórbita superior é a região da tróclea, localizada medialmente ao nervo supraorbital. Desde que a parede óssea da área permaneça íntegra, a dissecção subperióstea da tróclea não induz desvio ciclovertical. A região da sutura nasofrontal também é uma área de aderência. Ultrapassando essa sutura o cirurgião vai descolar o ligamento cantal medial e expor a fossa lacrimal. O descolamento do ligamento cantal medial é evitado por alguns, mas na nossa experiência nada de importante acontece desde que o apoio ósseo seja mantido íntegro. Nesse ponto, o feixe neurovascular etmoidal anterior pode ser facilmente localizado ao longo da sutura etomoidofrontal. Esse feixe é então cauterizado com uma pinça bipolar e em seguida seccionado. Essa manobra permite que o descolamento da parede medial prossiga em direção ao ápice, de modo que o feixe neurovascular etmoidal posterior seja então identificado. Essa estrutura pode ser seccionada da mesma maneira que a anterior, porém há de se ter um cuidado extremo com essa manobra, pois o nervo óptico está muito próximo e um eventual escape de calor induzido pela cauterização da artéria etmoidal posterior vai, certamente, induzir neuropatia. O descolamento dos feixes neurovasculares (supraorbital, etmoidal anterior e posterior), da tróclea e do ligamento cantal medial permite que toda a parede medial, teto e


80  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Órbita inclusive grande parte do assoalho sejam expostos permitindo, assim, a entrada na órbita em vários quadrantes simultâneos.

Acesso transcraniano O acesso transcraniano é o único que permite a microcirurgia do ápice orbitário. O ápice é formado pela face orbitária do corpo do esfenoide e contém dois orifícios: o buraco ou forame óptico e a fissura orbital superior ou fenda esfenoidal. O forame óptico é o orifício anterior do canal óptico que comunica a órbita com a fossa anterior do crânio. É uma deiscência entre os pedículos da asa menor do esfenoide. Dá passagem à artéria oftálmica e ao nervo óptico. Já a fissura orbitária superior, ou fenda esfenoidal, situa-se externamente ao canal óptico entre as duas asas do esfenoide. Ela tem uma parte afilada e uma larga que é dividida pelo anel de Zinn. O tendão de Zinn insere-se na parte interna da fenda (tubérculo subóptico). Todos os elementos vasculonervosos da órbita passam pela parte larga da fenda esfenoidal. Alguns por dentro do anel outros por fora. Dentro do anel de Zinn encontram-se o III nervo (oculomotor) dividido em dois ramos (superior e inferior), o nervo nasal ou nasociliar (ramo do oftálmico), o VI nervo (abducente), a raiz simpática do gânglio oftálmico e a veia oftálmica média (inconstante). Fora do anel de Zinn estão o IV nervo (troclear), os nervos frontal e lacrimal (ramos do oftálmico) e a veia oftálmica superior. Os tumores do nervo óptico que penetram no canal óptico exigem que o canal óptico seja completamente aberto comunicando a órbita com a fossa craniana média. Essa manobra só pode ser feita após craniotomia anterior e deslocamento do lobo frontal. Com essa abordagem a porção intracraniana do nervo óptico pode ser seccionada antes do quiasma. A dissecção progride para a órbita, sendo necessária a abertura do anel de Zinn, uma vez que a dura-máter do nervo óptico é nesse ponto aderida ao anel. Essa manobra não está isenta de riscos, não sendo incomum a lesão da divisão superior do III nervo (ptose e paralisia do reto superior). O acesso transcraniano também é usado para lesões superiores extensas que vão até o ápice ou massas pequenas estritamente apicais. Nesses casos, após a craniotomia, todo o teto da órbita é retirado expondo-se a gordura extraconal que recobre o levantador. Esse músculo é então identificado e retraído lateralmente o que permite a entrada no espaço intraconal. Nessa dissecção é essencial o reparo da veia oftálmica superior (VOS).


S e ç ã o  I I

Tumores Orbitais na Infância


Luis Pavês

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Hemangioma Capilar (Hemangioendotelioma Benigno)

Hemangioma Capilar (Hemangioendotelioma Benigno)1 Tumor benigno originado da proliferação dos vasos e com padrão de crescimento infiltrativo e não capsulado. Em um terço dos casos pode estar presente na pálpebra logo após o nascimento com aumento progressivo no primeiro ano de vida, mas em grande parte das vezes ele aparece após o nascimento. É o tumor benigno de órbita mais frequente em criança.

Quadro clínico O aparecimento de uma tumoração mole, avermelhada e com a superfície irregular, na pálpebra superior ou sob ela, é a manifestação clínica mais frequente. Em apenas uma pequena parcela dos casos pode haver envolvimento de estruturas mais profundas da órbita, causando proptose ou, algumas vezes, apenas um pequeno deslocamento do globo ocular. Outras vezes a musculatura ocular pode ser envolvida ocasionando alteração da motilidade ocular. O tumor geralmente é unilateral. Uma característica desse tumor é a involução espontânea nos primeiros anos de vida. Cerca de 70% dos tumores têm involução completa até 7 anos de vida.

Diagnóstico A apresentação clínica já é suficiente para o diagnóstico, mas, em muitos casos, há necessidade de exames complementares. O ultrassom demonstra uma massa orbitária com alta refletividade interna, enquanto a tomografia computadorizada de órbita revela uma massa orbital pobremente circunscrita, mas com grande captação de contraste.

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83  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Hemangioma Capilar

Fig. 1  Aspecto clínico do hemangioma capilar em pálpebra superior esquerda causando ptose e cobrindo o eixo visual.

Anatomopatológico É um tumor multinodular composto de proliferação de células endoteliais capilares bem diferenciadas

Tratamento Deve ser dirigido de modo a evitar ou minimizar a ambliopia ou problemas estéticos. De maneira geral a maioria dos tumores tem involução espontânea nos primeiros anos de vida e, portanto, apenas o acompanhamento do tumor é suficiente. O tumor pode provocar erros refrativos devido a compressão do globo ocular e a correção óptica com tratamento oclusivo muitas vezes é suficiente para evitar e tratar ambliopia enquanto aguardamos a involução completa do hemangioma. O tratamento com corticosteroides deve ser considerado nos casos de grandes tumores ou alteração visual. A administração de corticoide pode ser oral ou injetável. A dose de prednisona oral é de 1 a 2 mg/kg diariamente e a dose recomendada para injeção é de 40 mg de triancinolona (Kenalog 1 ml) combinada com 6 mg de fosfato sódio de betametasona (Celestone soluspan 1 ml) diretamente na massa, com uma agulha de 27 G. Há ainda relatos de casos publicados na literatura médica utilizando betabloqueadores2 e interferon-alfa3 para tratamento do hemangioma capilar. Apesar de promissores ainda não há estudos que comprovem sua superioridade. A cirurgia deve ser reservada quando há comprometimento da visão e os tratamentos anteriores não foram suficientes para melhorar os sintomas.

Linfangioma1 Tumor vascular benigno, o linfangioma é um tumor congênito. Sua manifestação clínica, porém, pode ocorrer meses ou anos após o nascimento. A maioria dos casos tem manifestação clínica na primeira década de vida, mas não é raro o aparecimento desse tipo de tumor em adultos jovens.

Quadro clínico O linfangioma tem manifestações clínica e evolução típicas. Na forma de acometimento superficial há envolvimento da pálpebra ou da conjuntiva bulbar, na forma de múltiplas lesões


84  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Hemangioma Capilar císticas multiloculadas, que podem sangrar espontanemante ou por trauma. Quando há acometimento da órbita profunda, pode haver proptose lentamente progressiva logo nas primeiras semanas de vida ou durante a primeira década de vida. O linfangioma, caracteristicamente, tem um crescimento infiltrativo, muitas vezes acometendo a musculatura extrínseca ocular provocando restrição da movimentação. O linfangioma orbitário pode não se manifestar clinicamente a não ser que ocorra sangramento dentro do tumor, o que provoca proptose de aparecimento rápido, dor, diplopia, exposição corneana, neuropatia compressiva e outros sinais e sintomas. A piora do quadro clínico pode se dar durante infecção das vias respiratórias superiores, provavelmente devido a proliferação do tecido linfoide contido no tumor. Diferente do hemangioma capilar, o linfangioma não tem regressão espontânea.

Diagnóstico Além da apresentação clínica, alguns exames subsidiários ajudam no diagnóstico: A tomografia computadorizada mostra um tumor cístico multiloculado ou até mesmo difuso, que algumas vezes se confunde com o hemangioma capilar. Pode ser intra ou extraconal. A ressonância é o melhor exame para o diagnóstico do linfangioma. Revela um tumor cístico, mal delimitado, muitas vezes multiloculado, com conteúdo líquido ou de sangue. Um aspecto típico do linfangioma à ressonância é o aparecimento de nível líquido-líquido.

Fig. 2  Ressonância magnética mostra tumor cístico, multiloculado com conteúdo líquido.

Anatomopatológico Massa não capsulada com espaços císticos de tamanhos variados preenchidos por líquido claro ou sangue. Esses espaços císticos são canais vasculares sem sangue, com células endoteliais achatadas, sem pericitos ou células musculares lisas.

Tratamento Por ser um tumor mal definido e não encapsulado o tratamento cirúrgico do tumor pode se tornar difícil. Em um primeiro momento a observação é o melhor tratamento mas quando há proptose grave ou acometimento da visão, o tratamento cirúrgico é o mais indicado, levando-se em conta que a ressecção completa é muito difícil e há possibilidade de recidiva do tumor.


85  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Hemangioma Capilar Referências Bibliográficas 1. Shields, Jerry A. Vasculogenic Tumors and Malformations. In: Diagnosis and Management of Orbital Tumors. Philadelphia: Saunders, 1989; p. 123-48. 2. Ferreira, Rosane da Cruz; Wolff, Francisco Romeu Locatelli and Morschbacher, Ricardo. Oral propranolol as a new treatment for facial infantile hemangioma: case report. Arq. Bras. Oftalmol. [online], 2011; vol.74, n.3, pp. 207-8. 3. Fonseca Junior, Nilson Lopes da; Cha, Sung Bok; Cartum, Jairo and Rehder, José Ricardo Carvalho Lima. Eficácia terapêutica do interferon-alfa em criança com hemangioma gigante craniofacial: Relato de caso. Arq. Bras. Oftalmol. [online], 2008; vol.71, n.3, pp. 423-6.


Rabdomiossarcoma Ricardo Morschbacher

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86  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Rabdomiossarcoma

Rabdomiossarcoma (RMS) é o sarcoma de tecidos moles mais comum na infância, sendo que somente cerca de 10% deles ocorrem na órbita; outras localizações preferenciais são o trato geniturinário, parameninge, extremidades e retroperitônio. O RMS também é o tumor maligno de órbita mais comum da infância. Atualmente acredita-se que o RMS se origine de células primitivas mesenquimais pluripotenciais (indiferenciadas) de tecido embrionário. Estas células primitivamente indiferenciadas, aleatoriamente espalhadas em meio ao tecido orbitário, tecido palpebral ou conjuntival se diferenciariam em músculo estriado. Assim, a maior parte dos RMS não se originaria a partir de células da musculatura extraocular como normalmente é pensado. Alguns tumores ainda se originariam de células pluripotenciais encontradas em estruturas vizinhas, como seios paranasais, cavidade nasal e fossa pterigopalatina, invadindo secundariamente a órbita. Na órbita cerca de 70% dos RMS ocorrem na primeira década de vida, mas são reportados casos do nascimento à sétima década de vida. Há um pico bimodal de frequência do RMS. Os tipos embrionários são mais comuns na infância, enquanto o tipo alveolar é mais comum na adolescência. O tipo pleomórfico, embora raro, é mais frequente na fase adulta. A média de idade de aparecimento de RMS é 6 a 8 anos e a maioria é do tipo embrionário, sendo mais comum entre homens que em mulheres (1,7 homem:1 mulher). Não há influências ambientais, infecciosas ou bioquímicas implicadas na gênese do RMS. O RMS na infância deve entrar no diagnóstico diferencial de proptoses agudas e subagudas, como massas de crescimento rápido (neuroblastoma, cloroma, lifangioma) ou condições inflamatórias (celulite orbitária e inflamações orbitárias inespecíficas). A proptose se desenvolve em questão de poucas semanas, com padrão de crescimento fulminante. A sintomatologia depende da origem e do local da massa tumoral. As características clínicas mais comuns são a proptose não axial rápida e indolor, sem calor local, com posterior edema de pálpebras e conjuntiva. Podem ocorrer ptose palpebral e prejuízo da motilidade ocular. A hiperemia pode simular um processo inflamatório. O estado geral dos pacientes é bom sem febre ou prostração,

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87  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Rabdomiossarcoma ao contrário dos casos inflamatórios e infecciosos. Sempre se deve pensar neste diagnóstico em proptoses de rápida progressão em crianças. Macroscopicamente o RMS é um tumor sarcomatoso de consistência amolecida variando de coloração branca-acinzentada até avermelhada. A morfologia celular pode também variar de células pequenas indiferenciadas arredondadas até células bem mais diferenciadas, incluindo células fusiformes. Geralmente células estriadas são vistas somente em tumores mais bem diferenciados. Histologicamente, o RMS é subdividido em três subtipos: embrionário, alveolar e pleomórfico. O tipo embrionário, o mais comum e o mais frequente na primeira década de vida, mostra uma combinação de células pequenas arredondadas não diferenciadas misturadas a células tendendo a uma maior diferenciação rabdomioblástica com fascículos de células fusiformes orientadas em várias direções; quanto maior a proporção destas últimas células mais diferenciado é o tumor. O tipo embrionário é mais comumente encontrado no quadrante supero-nasal. Dos tipos histológicos de RMS é o que tem melhor prognóstico. Rabdomiossarcoma botrioide é uma variante do tipo embrionário que ocorrem nas mucosas de superfície, como, por exemplo, a mucosa vaginal. Na órbita esta variante pode aparecer na conjuntiva, como uma massa gelatinosa avermelhada subconjuntival de crescimento exofítico, clinicamente confundida com granuloma de corpo estranho ou cistos epiteliais e linfáticos. Esta lesão cresce rapidamente sem sinais inflamatórios associados. O tipo alveolar é o segundo tipo histológico mais comum. É assim chamado por sua estrutura ser semelhante ao tecido pulmonar. Sua celularidade é semelhante ao tipo embrionário só que disposta em septos de tecido conectivo fibroso. Tem predileção pela órbita inferior e possui um prognóstico pior que o tipo embrionário. O tipo pleomórfico é extremamente raro em órbita e parece se originar de células estriadas musculares de indivíduos adultos. Qualquer paciente com suspeita clínica de RMS é mandatória a realização de biópsia para confirmação do diagnóstico. A biópsia incisional sempre é preferível à biópsia aspirativa com agulha fina neste tipo de tumor, mas sempre que possível deve ser excisional. A imuno-histoquímica tem um importante papel na confirmação do diagnóstico do RMS, já que marcadores específicos para musculoesquelético ou músculo são positivos em mais de 90% dos casos. A tomografia computadorizada geralmente revela lesão bem circunscrita, além de identificar tamanho e localização do tumor bem como comprometimento ósseo. O envolvimento ósseo está sempre presente nos tumores originários de sítios vizinhos que invadem secundariamente a órbita. A ressonância magnética mostra sinal iso ou levemente hipotenso quando comparado com cérebro em T1 e hiperintenso em T2. A ressonância é indicada ao término da terapia, pois é mais específica para monitoramento de recorrência local, podendo evidenciar a recidiva precocemente mesmo antes de ser clinicamente suspeita. O estadiamento do RMS é determinado clinicamente pelo tamanho e localização do tumor, comprometimento de linfonodos regionais, e presença ou não de metástases. Em caso de cirurgia prévia para estadiamento do tumor devemos classificá-lo como completamente ressecado ou com doença residual microscópica. Fatores de bom prognóstico do RMS como um todo são: ausência de metástases a distância; sítio primário na órbita ou cabeça e pescoço; remoção cirúrgica completa no diagnóstico; tipos embrionários e botrioide; tumor primário com


88  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Rabdomiossarcoma menos de 5 cm; idade no diagnóstico menor que 10 anos. Atualmente recidivas ocorrem em 18% dos pacientes e metástases em 6%. Atualmente a sobrevida em 5 anos de RMS orbitários é maior que 95%. Para crianças com o tipo alveolar a sobrevida baixa para 74%. Pacientes em que o tumor invade a órbita a partir de um sítio parameníngeo tem prognóstico mais reservado. RMS orbitários metastatizam preferencialmente para pulmão e ossos. Embora o tumor seja muitas vezes radiologicamente bem delimitado seu comportamento biológico tende a ser infiltrativo ou pobremente circunscrito. O tumor pode ser removido intacto macroscopicamente apesar de sua frágil consistência, mas a disseminação microscópica pode ocorrer além do tumor; o RMS não apresenta cápsula própria. A cirurgia deve sempre que possível manter a periórbita intacta para evitar a disseminação local e sempre que possível deve ser feita a remoção total ou quase total da massa tumoral. A verdadeira excisão cirúrgica completa do RMS orbitário é provavelmente rara, alcançada somente na exanteração que hoje é somente destinada para aqueles pacientes com recidiva local. Atualmente opta-se preferencialmente por um tratamento cirúrgico mais conservador combinada com quimioterapia como primeiro tratamento, já que a sobrevida não é significativamente alterada. O tratamento atual do RMS tem melhorado o prognóstico dos pacientes portadores de RMS orbitário isolado. De uma sobrevida em cinco anos de 30% na década de 1960 para mais de 90% nos dias atuais. Muito desta melhora se deve ao Intergroup Rhabdomyosarcoma Studies (IRS) formado na década de 1970, grupo que lidera as pesquisas na área. Uma vez o diagnóstico estabelecido o tratamento de primeira linha é a quimioterapia, sendo a radioterapia e a exanteração orbitária destinadas a um pequeno número de pacientes com recidiva local persistente. Dessa forma, está se tratando de forma mais específica estes pacientes, minimizando as importantes sequelas tardias dos tratamentos do passado. Vincristina, actinomicina D e mais recentemente ifosfamida e etoposideo, combinadas com cirurgia conservativa e radioterapia têm garantido sobrevida de até 90%.

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Mário Luiz Ribeiro Monteiro

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Glioma Óptico

Introdução Gliomas ópticos são tumores gliais que envolvem a via visual anterior, ou seja, os nervos ópticos, o quiasma e/ou os tratos ópticos. São tumores benignos compostos primariamente por astrócitos pilocíticos. São relativamente raros, respondendo por 1% de todos os tumores intracranianaos e aproximadamente 3 a 5% dos tumores cerebrais na infância. Ocorrem preponderantemente na infância, com cerca de 70% dos casos incidindo até os 10 anos de idade, e 90% nas duas primeiras décadas de vida. A maioria dos tumores é de ocorrência esporádica, mas há uma associação clara com a neurofibromatose tipo 1 (NF1). A incidência de NF1 em pacientes com glioma óptico varia entre 10 e 70% em diversas séries, dependendo da extensão da investigação a que são submetidos e do tipo de paciente avaliado em diferentes instituições. A estimativa é também influenciada pela idade da população avaliada já que as características da neurofibromatose se tornam mais aparentes com o aumento da idade. Em pacientes com NF1 submetidos a exames de neuroimagem, os tumores ocorrem em aproximadamente 15%, e podem ser assintomáticos. Representam 1,5 a 3,5% de todos os tumores orbitais. Gliomas confinados a um nervo óptico representam em torno de 25% dos gliomas da via óptica, sendo que os demais acometem o quiasma óptico, os tratos ópticos ou os dois nervos ópticos. Tumores bilaterais do nervo óptico são quase sempre associados a NF1.

Histopatologia Os achados histopatológicos mostram uma lesão benigna. Gliomas ópticos são astrocitomas pilocíticos juvenis, classificados pela OMS como tumores grau I. São caracterizados pela presença de fibras de Rosenthal e corpos granulares eosinofílicos. Observa-se proliferação de

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90  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Glioma Óptico astrócitos pilocíticos. Astrócitos geminocísticos podem estar presentes, mas são raros. Na maioria dos tumores se encontram espaços microcísticos com ácido mucopolissacarídeo, que são atribuídos à degeneração mucinoide de astrócitos e elementos neuronais. Dois padrões histopatológicos distintos podem ser observados: um padrão de crescimento perineural que é mais associado à NF1 e um padrão de crescimento intraneural que é mais comum nos casos esporádicos.

Quadro Clínico e Diagnóstico O principal achado clínico nos gliomas da via óptica é a perda visual, presente em torno de 90% dos pacientes. Ocorre perda de acuidade e de campo visual caracterizados por escotomas centrais e cecocentrais, defeitos altitudinais, contração periférica e hemianopsia temporal. A perda de acuidade visual é variável mas mais da metade dos pacientes se apresenta com acuidade visual de 20/300 ou pior. Defeito pupilar aferente relativo pode ser observado em pelo menos 75% dos indivíduos acometidos. Outros sintomas dependem da localização do tumor. Tumores que envolvem a órbita podem apresentar manifestações orbitárias, enquanto aqueles confinados à região intracraniana podem estar associados a complicações neurológicas. A duração dos sintomas antes do diagnóstico é geralmente de 2 a 12 meses, mas pode ser muito mais longa. Nos tumores que envolvem a órbita podem-se observar proptose axial (Fig. 1), edema de papila, dobras de coroide, palidez papilar e estrabismo. Atrofia óptica é o achado fundoscópico em dois terços dos casos e o edema de disco em um terço. Pode haver também restrição mecânica da motilidade ocular. A perda visual e a proptose em geral são lentamente progressivas, mas podem ser de evolução rápida quando há hemorragia espontânea dentro do tumor. A dor habitualmente está ausente. Em alguns casos pode haver uma compressão crônica da veia central da retina, podendo ocasionar quadro de oclusão da veia central, aspecto de retinopatia venosa de estase, desenvolvimento de veias optocoroidais e ocasionalmente rubeosis iridis e glaucoma neovascular. Estas complicações, no entanto, são mais encontradas em tumores que foram submetidos a cirurgia na qual houve comprometimento das artérias ciliares e da drenagem venosa do olho. Deve-se enfatizar que nem todos os gliomas do nervo óptico são sintomáticos e que alguns são compatíveis com função visual clinicamente normal. Os tumores situados no quiasma óptico não apresentam proptose e tipicamente apresentam defeito de campo bitemporal. Nistagmo ocorre em 23% dos pacientes com glioma óptico e geralmente sugere o acometimento intracraniano do tumor. Os tumores situados na região quiasmática podem também apresentar distúrbios endócrinos sugestivos de disfunção hipotalâmica decorrente de extensão do tumor e podem também apresentar hipertensão intracraniana e hidrocefalia.

Fig. 1  Proptose e desvio inferior do globo ocular em criança com glioma óptico.


91  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Glioma Óptico O diagnóstico do glioma do nervo óptico pode ser confirmado à tomografia computadorizada (TC) e à ressonância magnética (RM). A TC de alta resolução mostra um nervo com alargamento fusiforme, margens bem definidas e membrana dural intacta (Fig. 2). Eventualmente, o nervo pode apresentar-se espessado de maneira uniforme. Observam-se, com frequência, tortuosidades aumentadas do nervo que são decorrentes de redundância do nervo óptico, melhor evidenciadas à RM em cortes sagitais. O tumor tem a mesma densidade do cérebro e capta pouco contraste. À tomografia podem ser observadas áreas de baixa densidade dentro do nervo que são provavelmente decorrentes de degenerações císticas, com acúmulo de mucina. Calcificações são raras nos gliomas. O canal óptico frequentemente está alargado. Quando o glioma acomete o quiasma óptico a imagem é de um aumento bem delimitado do mesmo como uma massa arredondada ou globular de tamanho variável. Pode existir aumento tubular dos nervos ópticos intracranianos ou mesmo dos tratos ópticos associados à lesão do quiasma. A RM é o exame que oferece a melhor resolução e sensibilidade na visibilização dos gliomas da via óptica anterior. O tumor aparece como uma lesão isointensa ou discretamente hipointensa em T1, quando comparada com o nervo óptico normal e ao cérebro. Em T2 a imagem é hiperintensa. A impregnação com o contraste paramagnético é variável. A RM nos permite definir com maior precisão a extensão da lesão, pois algumas vezes é difícil saber com a tomografia computadorizada até onde vai o glioma, na sua porção mais distal na órbita (Fig. 3). Deve ser obtida com sequências baseadas em T1 e em T2 após a administração de contraste. Na região orbitária é importante também a obtenção de sequências com densidade de prótons ou fluid-attenuated inversion recovery (FLAIR). Dessa forma, o padrão de gliomatose perineural, presente em muitos tumores, aparece como uma lesão sólida e pode ser diferenciada do aspecto que simula a presença de fluido que é visto nas sequências baseadas em T1 e T2. A RM permite também observar sinais característicos do glioma associado a NF1. Estas características são: bilateralidade, alongamento do nervo e alargamento tubular com dupla

Fig. 2  Tomografia computadorizada evidenciando alargamento do nervo óptico até o canal óptico decorrente de glioma do nervo óptico.

Fig. 3  Imagem por ressonância magnética, corte sagital, mostrando glioma envolvendo o nervo óptico na órbita e demonstrando com precisão os limites posteriores do tumor.


92  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Glioma Óptico intensidade de sinal à RM que é característico da gliomatose aracnoide perineural. Outro sinal importante da associação com neurofibromatose é a extensão posterior do tumor em direção ao quiasma e tratos ópticos. Lesões hiperintensas em T2 localizadas no globo pálido, cerebelo, cápsula interna e tronco encefálico também podem ser vistos em pacientes com NF1. O aspecto aos exames de neuroimagem associados aos dados clínicos geralmente são suficientes para o diagnóstico e a biópsia não se justifica a não ser em casos excepcionais, principalmente em tumores grandes e atípicos na região quiasmática.

História natural, tratamento e prognóstico É difícil definir com precisão a história natural dos gliomas. A maioria dos tumores não se altera substancialmente em tamanho e forma ao longo dos anos. Ocasionalmente, no entanto, aumentam de tamanho o que pode ser atribuído não só a um crescimento neoplásico (geralmente muito lento), mas também a hiperplasia aracnóidea na periferia do tumor e degeneração cística no interior da lesão com acúmulo de material polissacarídeo. Pode também haver redução espontânea do tumor com diminuição do seu tamanho e mesmo melhora visual, principalmente nos tumores associados a NF1 como documentado em vários estudos. O tratamento dos gliomas do nervo óptico é, portanto, objeto de controvérsia. O crescimento da lesão pode existir em decorrência de proliferação celular, hiperplasia aracnoide reativa ao tumor ou acúmulo de material extracelular PAS positivo secretado pelo tumor. Crescimentos mais rápidos geralmente são decorrentes de degeneração cística e hemorragia dentro da lesão. No entanto, em geral, o crescimento é muito lento e a maioria dos tumores tem um prognóstico relativamente bom (considerando-se a localização da lesão) mesmo do ponto de vista visual. Em revisão de 300 casos de glioma da via óptica anterior, apenas 21% dos tumores não tratados ou ressecados parcialmente evidenciaram progressão ou recidiva em um seguimento de 10 anos. Em outro estudo com 62 pacientes com gliomas unilaterais do nervo óptico não tratados ou submetidos a ressecção parcial apenas 19% apresentaram crescimento tumoral em um seguimento de 7 anos. Contrastando com esta evolução favorável existem relatos de evolução desfavorável e crescimento tumoral significativo. Parece então haver dois grupos de pacientes, um deles, muito mais numeroso, com crescimento muito lento e outro, menos comum, com progressão da lesão e que podem necessitar tratamento. Em um estudo multicêntrico com 106 pacientes com glioma, progressão local foi observada em 20% dos pacientes não tratados, em 29% daqueles removidos incompletamente e em apenas 2,3% daqueles submetidos à excisão completa. É claro que a remoção completa do tumor, sempre que possível, confere um prognóstico bastante bom aos pacientes. Por outro lado muitos casos existem, especialmente quando associados a NF1, nos quais o tumor atinge o quiasma óptico e a sua remoção completa é impossível sem sacrificar a visão. Em outras eventualidades com evolução desfavorável, é, por vezes, difícil saber se representam extensão real do tumor ou crescimento de células tumorais preexistentes na região intracraniana. Não há dúvida também que pacientes com proptose intensa e desfigurante podem se beneficiar da remoção, mesmo que incompleta do tumor, objetivando uma melhora do aspecto estético. A conduta frente aos gliomas ópticos deve, portanto, ser individualizada dependendo do local e extensão do tumor. O objetivo do tratamento é sempre preservar a visão pelo maior


93  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Glioma Óptico tempo possível. Pacientes com tumor localizado na órbita e visão ainda relativamente preservada devem ser acompanhados apenas com observação já que a cirurgia para remoção usualmente leva à perda completa da visão e não se sabe de início se existirá de fato progressão da lesão. O mesmo se aplica a casos de tumores que acometem o quiasma ou o trato óptico em pacientes com boa visão. A piora progressiva da lesão é a maior indicação para tratamento dos gliomas, mas esta definição (de que há progressão) deve se basear nos dados clínicos e não necessariamente apenas no aspecto aos exames de imagem. O tratamento cirúrgico dos tumores restritos à órbita teria o objetivo de evitar a progressão do tumor em direção intracraniana. Esta não é uma ocorrência comum e alguns autores acreditam que seja extraordinária a ocorrência de invasão intracraniana em gliomas ópticos infantis inicialmente restritos à órbita, com o que concordamos. Assim, deve-se evitar o açodamento na indicação da cirurgia nestes casos, particularmente nos indivíduos com visão ainda útil já que a cirurgia usualmente leva à cegueira por remoção do nervo óptico. Em casos raros, nos quais existe hiperplasia aracnoide perineural importante, pode ser feita a abertura da cápsula tumoral e remoção por aspiração do tumor com preservação e até melhora na visão, como foi recentemente documentado por Chen et al., e por nós verificado em um caso, embora esta seja uma situação bastante incomum. Nos pacientes com tumor limitado à orbita já com a visão muito comprometida ou cegueira completa e nos quais a remoção cirúrgica pode ser realizada com segurança, a cirurgia é indicada, particularmente quanto existe proptose significativa. Por outro lado, pacientes com tumores orbitais que já têm extensão atingindo o quiasma óptico não devem ser operados, a não ser que exista indicação cosmética para tratamento da proptose. Os pacientes com visão ainda preservada e tumores restritos ao nervo óptico podem ser seguidos com avaliações periódicas da função visual e através dos métodos de imagem em especial a RM. Se houver evidências conclusivas de crescimento do tumor na direção intracraniana, a cirurgia pode ser indicada. Estes casos devem ser analisados com muito cuidado para se ter certeza da progressão da lesão. Quando da remoção cirúrgica, deve-se ter cuidado ao se abordar a região do ápice da órbita, particularmente a região do anel de Zinn, uma vez que pode causar grande deformidade cosmética, muitas vezes de difícil reabilitação. No caso de tumores que acometem o quiasma, a remoção cirúrgica pode levar a cegueira completa e deve ser evitada. Alguns autores sugerem redução do volume tumoral ou de eventuais componentes exofíticos da lesão quiasmática. Tumores intracranianos podem também requerer cirurgia quando causam complicações como hipertensão intracraniana. Outras opções terapêuticas para os gliomas são a radioterapia e quimioterapia, mas o seu uso também é motivo de controvérsia. Geralmente estas modalidades de tratamento são consideradas em tumores que se estendem ao quiasma óptico, ao hipotálamo ou ao nervo óptico contralateral e que evidenciem progressão. A radioterapia foi mais utilizada no passado e existem estudos indicando regressão tumoral significativa, enquanto outros estudos falharam em confirmar qualquer benefício na acuidade visual e na sobrevivência a longo prazo. Para tumores quiasmáticos um estudo mostrou que 80% dos pacientes tratados com radioterapia de 4.500 a 5.500 cGy tiveram estabilização ou redução do tumor aos estudos radiológicos. Por outro lado, nos estudos de Hoyt e Baghdassarian e de Glaser et al., o resultado visual não foi correlacionado com a realização ou não de radioterapia e também não houve diferença em outros parâmetros analisados entre pacientes tratados e os que não receberam o tratamento.


94  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Glioma Óptico De qualquer forma persiste a sugestão de que a radioterapia pode retardar a progressão da doença, particularmente em lesões quiasmáticas. No entanto, deve-se ter em mente os efeitos adversos potenciais da radioterapia sobre o sistema nervoso central de crianças, particularmente as oclusões vasculares induzidas pela radioterapia, sempre que se pensar nesta forma alternativa de tratamento. A radioterapia pode ainda causar alterações nas funções cognitivas, hipopituitarismo e também um aumento na incidência de tumores secundários particularmente em pacientes com NF1. É possível que novas técnicas de radioterapia que possibilitam atingir mais especificamente o tumor, seja na forma fracionada seja na forma de radiocirurgia melhorem os resultados da radioterapia, mas estudos bem controlados ainda são necessários para uma melhor definição e o uso da radioterapia, no momento, fica limitado a tumores intracranianos com evolução desfavorável com outras modalidades de tratamento e em crianças acima de 5 anos. Nos últimos anos muita atenção tem sido dada a quimioterapia nos gliomas ópticos. Até o momento não há evidências que sustentem o seu uso em gliomas confinados a um dos nervos ópticos, mas o tratamento é o preferido nos casos de glioma que acometem o quiasma óptico e que necessitam tratamento. Embora a eficácia da quimioterapia não seja totalmente comprovada, muitos autores sugerem que mesmo sem ser curativa, o tratamento pode estabilizar ou reduzir a taxa de crescimento do tumor. O tratamento é geralmente feito com vincristina e carboplatina, sendo a tolerância geralmente boa, embora possam ocorrer neutropenia, trombocitopenia e reações alérgicas. Outros protocolos de tratamento já foram sugeridos, mas a combinação de vincristina e carboplatina é a mais utilizada. Packer et al., relataram estabilização da doença em 75% dos casos após 2 anos e 68% após 3 anos. No entanto, outros estudos mostraram taxas de sucesso mais variáveis. Fisher et al., recentemente publicaram um estudo retrospectivo de 115 pacientes com glioma da via óptica associados a NF1 tratados de janeiro de 1997 a dezembro de 2007 em diferentes instituições nos Estados Unidos. Dezessete tinham tumores limitados ao nervo óptico, 27 ao quiasma, 16 no hipotálamo e 55 tinham lesões no trato óptico/radiação óptica. A indicação para tratamento foi a piora da acuidade visual e a progressão do tumor. Oitenta e oito pacientes (168 olhos) puderam ser avaliados no seguimento. Após o término da quimioterapia, a acuidade visual melhorou em 32% dos indivíduos, permaneceu estável em 40% e piorou em 28%. Grande parte dos pacientes, no entanto, tinha menos do que 5 anos no início da quimioterapia e é possível que isso tenha influenciado na avaliação da função visual. O estudo chama a atenção que ainda existe falta de consenso a respeito das indicações da quimioterapia para estes tumores e a necessidade de novos estudos controlados para melhor definir tais indicações. De qualquer forma, a quimioterapia é o tratamento indicado nos casos de glioma que atinjam o quiasma óptico e que evidenciem piora progressiva e crescimento tumoral. A mortalidade relacionada com os gliomas ópticos limitados ao nervo óptico é muito baixa. Por outro lado tumores intracranianos que envolvem o quiasma e o trato óptico têm um prognóstico pior com taxa de mortalidade em torno de 21% no casos de tumores quiasmáticos e em torno de 50% nos tumores mais posteriores. Todas estas considerações relativas ao aspecto histológico, quadro clínico, evolução e tratamento dos gliomas não se aplicam a uma variante muito rara denominada glioma maligno do adulto, descrita por Hoyt et al., em 1973. Esta é uma condição totalmente diferente do glioma habitual da via óptica com quatro características principais descritas por Hoyt et al.: 1.


95  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Glioma Óptico ocorrência em homens de meia-idade ou idosos; 2. sintomas iniciais que simulam uma neurite óptica, com perda visual de evolução rápida; 3. progressão para cegueira em 5 a 6 semanas; e 4. morte em alguns meses. Outros estudos mostraram que a idade média de acometimento é de 52 anos e que o tumor maligno também pode ocorrer em mulheres e muito raramente na população pediátrica. Estes tumores malignos são astrocitomas de alto grau ou também chamados glioblastomas multiformes. São altamente celulares com muitas figuras de mitose. Não há evidência de que tais tumores possam se originar de gliomas benignos e as duas condições são consideradas totalmente distintas. Portanto, embora aqui mencionados para maior clareza do tema, deve-se ter em mente que é uma condição muito distinta do glioma óptico aqui discutido e a sua existência não pode ser motivo para confundir o manejo dos gliomas ópticos habituais.

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S e ç ã o  I i I

Tumores Orbitais no Adulto


Paulo G. Manso

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Tumores da Glândula Lacrimal

A glândula lacrimal pode ser sede de um grande número de patologias primárias ou associadas a outras condições, como neoplasias, (epiteliais, linfomas e metástases), inflamações, como sarcoidose e tuberculose, bem como lesões autoimunes na síndrome de Sjögren. Em relação à frequência estas lesões perfazem cerca de 5 a 13% das massas orbitárias biopsiadas. Em relação à classificação, de modo mais abrangente, as lesões da glândula lacrimal podem ser classificadas em: lesões de origem epitelial e lesões de origem não epitelial, benignas e malignas. Entre as lesões de origem epitelial, temos: dacrioceles, cistos de glândula lacrimal, adenoma pleomórfico, adenocarcinoma pleomórfico, carcinoma adenoide cístico e outros tumores raros, como carcinoma mucoepidermoide. Das lesões de origem não epitelial encontramos: lesões inflamatórias ou dacrioadenites, granulomatosas e não granulomatosas e os tumores linfoides. Em termos de diagnóstico destas lesões três fatores se destacam: a história clínica e as alterações radiológicas, tais como o formato da glândula e as alterações ósseas na região circunjacente à glândula. Devido ao interesse específico deste capítulo, trataremos apenas das lesões neoplásicas.

Lesões de origem epitelial Cisto epitelial O cisto epitelial da glândula lacrimal pode ocorrer tanto na porção palpebral quanto na porção orbitária da glândula. Estes cistos podem ser uni ou bilaterais, sem sinais inflamatórios, podendo ser observados na conjuntiva temporal. Os cistos contêm lágrima e são revestidos por epitélio semelhante ao encontrado nos dutos da glândula lacrimal, ou por epitélio estratificado não queratinizado semelhante à

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98  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Tumores da Glândula Lacrimal conjuntiva. Acredita-se que sua origem seja secundária à obstrução dos dutos da glândula, em muitos casos após quadro de dacrioadenite. Conduta: os cistos grandes e sintomáticos devem ser removidos por via conjuntival ou por orbitotomia lateral.

Adenoma pleomórfico Clinicamente, o paciente com história de um adenoma de glândula lacrimal refere tumoração de crescimento lento e progressivo da lesão em região temporal superior, excepcionalmente acompanhado de dor, alterações visuais ou sinais inflamatórios. O tumor é mais frequente em homens com idade de 40 anos. Examinando o paciente, observamos proptose com deslocamento inferomedial do olho, bem como abaulamento da região temporal superior ou ptose palpebral. À palpação, a tumoração é indolor, sugerindo aspecto regular e consistência fibroelástica. No exame de fundo de olho pode-se encontrar estrias de retina produzidas pela identação do globo ocular nos tumores de maior tamanho. O exame de tomografia computadorizada na maior parte das vezes exibe uma lesão de formas circular ou oval, homogênea, bem delimitada, que pode identar o globo ocular e causar deformidade ou erosão óssea na fossa lacrimal devido à compressão do tumor. Em geral o tumor é encapsulado e pode apresentar bocelações. Microscopicamente este adenoma monomórfico se caracteriza pela composição de células basaloides crescendo em lóbulos ou em meio às trabéculas. Em geral a lesão se inicia na região mais interna da porção orbital da glândula originando-se raramente na porção palpebral da mesma. À histologia, se nota uma mistura de elementos epiteliais e mesenquimais que levaram a denominar o tumor de adenoma misto benigno. As células epiteliais estão dispostas de forma tubular, formando dutos de tamanhos variados contendo em seu interior células cuboides e uma camada externa de células fusiformes. As células da camada externa se espalham no estroma sofrendo metaplasia para tecido mixoide, cartilagem e raramente para osso. Atualmente se acredita que as células estromais são células epiteliais responsáveis pela produção de material mucinoso. Tratamento: a melhor forma de abordagem desta lesão é por meio de excisão completa, com sua cápsula por orbitotomia lateral. O adenoma pleomórfico não deve sofrer biópsia incisional porque a rotura de sua cápsula estimula o crescimento da lesão, podendo haver invasão de tecidos de partes moles e óssos da órbita, bem como invasão para o crânio. Além deste fato, alguns tumores podem sofre degeneração maligna.

Carcinoma adenoide cístico Este é o tumor maligno de glândula lacrimal mais frequente e se apresenta clinicamente como uma lesão de crescimento rápido (tempo menor que 1 ano), acompanhada de ptose e de proptose com desvio inferomedial do olho. Em alguns casos podem ocorrer dor devido à infiltração de ramos nervosos sensitivos, bem como diplopia por infiltração nos músculos extraoculares. O tumor pode aparecer dos 12 aos 76 anos, com média de idade de 40 anos. Wright descreve uma distribuição bimodal deste tumor, porém em nossa casuística temos apenas um paciente com idade inferior a 20 anos (citar Luis Pavês). Do ponto de vista de diagnóstico por imagem o carcinoma adenoide cístico se apresenta como uma lesão homogênea, hiperdensa, com bordas irregulares ou serrilhadas ao contrário do


99  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Tumores da Glândula Lacrimal adenoma pleomórfico. No caso de grandes massas tumorais pode-se observar intensa destruição óssea e invasão da órbita e de estruturas adjacentes, devido ao caráter infiltrativo deste tumor. As alterações ósseas aqui são bem grosseiras comparadas às alteracões ósseas compressivas observadas no adenoma pleomórfico. O tumor pode apresentar uma fina cápsula de revestimento e microscopicamente são descritas cinco formas de padrão histológico: Cribriforme: a lesão apresenta múltiplos lóbulos em meio a espaços vazios lembrando o aspecto de queijo suíço. Esclerosante: aqui se observam cilindros hialinizados de tecido conectivo e cordões de células epiteliais alongadas, circundado por estroma denso hialinizado. Basaloide: nesta forma se observam grumos de células epiteliais com núcleo grande basofílico e citoplasma escasso. Comedocarcinoma: aqui se notam lóbulos epiteliais com grandes focos de necrose. Tubular: esta forma apresenta túbulos de células epiteliais alongadas acompanhadas por duas ou três camadas de células. A lesão considerada de pior prognóstico é a que apresenta predomínio da forma basaloide sem diferenciação adenoide. O tumor pode disseminar-se por contiguidade, em geral para o crânio através da fissura orbital superior, pode invadir linfáticos e por via hematogênica são descritos casos de metástase pulmonar tardiamente. O diagnóstico pode ser feito por intermédio de biópsia incisional, por via anterior, tendo-se o cuidado de evitar lesionar o periósteo com eventual disseminação de tecido tumoral. Nas várias séries descritas internacionalmente observa-se prognóstico reservado desses tumores, os pacientes apresentando sobrevida de 20% em 10 anos. São propostas diversas modalidades de tratamento cirúrgico, que incluem desde a retirada isolada do tumor até exenteração ampliada, com remoção do teto e da parede lateral da órbita, em bloco, seguida de radioterapia. Atualmente surge uma perspectiva melhor no tratamento desse tumor, que consiste no uso de quimioterapia intra-arterial e de quimioterapia sistêmica precedendo a exenteração, sendo este tratamento complementado com radioterapia, na dose de 5.000 a 6.000 cGy. Até o momento esta forma é a que vem proporcionando controle mais efetivo desta doença. É preciso dizer que para a realização deste tratamento há necessidade da participação de equipe multidisciplinar constituída por radiologista intervencionista, que criará o acesso para infusão arterial do quimioterápico, do oncologista, do neurocirurgião que fará o acwsso craniano para que o oftalmologista faça a excisão tumoral em bloco, e do cirurgião plástico que realizará a recontrução da área tumoral, procedimento de vital importância não só no aspecto estético, mas para proteção do tecido intracraniano que não pode ficar exposto.

Tumor misto maligno Este tumor é menos frequente que o carcinoma adenoide cístico e pode surgir através da transformação maligna espontânea de um adenoma pleomórfico preexistente, através da recorrência de um adenoma pleomórfico removido incompletamente, ou surgir já como uma lesão maligna. Na primeira apresentação o paciente pode referir a presença de edema ou tumor em região temporal superior há anos e que de repente deixa de ser uma lesão bem tolerada devido ao aparecimento de dor ou grande aumento da lesão. Em geral o paciente refere piora dos sintomas em um prazo de 6 meses há 1 ano. No segundo caso, o paciente apresenta um tumor misto benigno que alguns meses após a biópsia sofre transformação maligna. No terceiro


100  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Tumores da Glândula Lacrimal caso, o paciente refere o aparecimento súbito de sintomas sem antecedente de lesão em região temporal superior. Histopatologia: para o diagnóstico desta lesão é importante uma biópsia prévia da lesão que apresentava característica de tumor misto benigno ou a presença de material de aspecto benigno coexistindo com clone de lesão maligna. Na maior parte das vezes a característica de malignidade é dada por elementos epiteliais de um adenocarcinoma pouco diferenciado. Em 25% das lesões o clone maligno é constiuído por carcinoma adenoide cístico. Na variante de adenocarcinoma as estruturas ductais ou os elementos produtores de mucina apresentam anaplasia, atividade mitótica e um padrão de crescimento infiltrativo. Raramente se desenvolve carcinoma de células escamosas. Nos carcinomas indiferenciados não se identificam estruturas ductais ou produção de mucina.

Lesões de Origem não Epitelial Tumores linfoides A órbita, embora não tenha linfonodos, pode ser um sítio extranodal de tumores linfoides. Muitas destas lesões não ocorrem associadas a doenças sistêmicas, exceção ao linfoma que pode ocorrer de forma metastática na órbita. Entre os tumores linfoides podemos incluir os tumores linfoides não Hodgkin, linfoma de Hodgkin, linfoma de células grandes (reticulum cell sarcoma), linfoma de Burkitt e micose fungoide. Para nós apresentam interesse especial os tumores linfoides não Hodgkin.

Tumores linfoides não hodgkin Do ponto de vista histológico estão enquadrados nesta categoria a hiperplasia linfoide reativa, a hiperplasia linfoide atípica e o linfoma. A incidência destes tumores é baixa, acometendo a conjuntiva, região anterior da órbita e em especial a glândula lacrimal. Estas lesões devido às suas semelhanças apresentam grande confusão clínica e anatomopatológica. Na hiperplasia linfoide reativa se observam lesão hipercelular com linfócitos maduros dispostos de forma folicular ou difusa, plasmócitos e histiócitos dispersos, destituídos de estroma reativo significante. Na hiperplasia linfoide atípica se encontra proliferação folicular ou difusa na qual os linfócitos apresentam graus de maturidade varáveis ou borderline ou na qual existe uma subpopulação de células atípicas com núcleos grandes e hipercromáticos em meio a linfócitos maduros e plasmócitos. É muito difícil fazer o diagnóstico entre esta lesão e o linfoma bem diferenciado.

Diagnóstico Sob o ponto de vista imunológico devemos avaliar os linfócitos B (derivados da medula óssea) e os linfócitos T (derivados do timo). Os linfócitos B podem se diferenciar em plasmócitos e produzir imunoglobulinas. Estas imunoglobulinas podem ser de cadeia leve (Kappa) ou de cadeia pesada (Lambda). Em geral nos tecidos normais a cadeia Kappa é expressa na proporção de 2:1 em relação à Lambda. Se a proporção entre Kappa e Lambda for a mesma, ainda se


101  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Tumores da Glândula Lacrimal pode falar em policlonalidade, e isso implica em uma resposta imunológica não neoplásica. Havendo alteração nesta proporção surge o que se chama de monoclonalidade, uma das características da lesão maligna. Os linfócitos T também podem ser agrupados em duas grandes populações: linfócitos T helper e linfócitos T supressores. As células T facilitam a produção de imunoglobulinas pelos linfócitos B, e as células supressoras ou citotóxicas inibem esta produção. Nas hiperplasias linfoides reativas os linfócitos T helper predominam sobre os linfócitos T supressor em uma proporção de 5:1. Nos linfomas a proporção em geral é de 2:1. A maior parte das lesões linfoides benignas da órbita é composta por células T (60 a 80%), e por células B que contêm subpopulações diferentes de imunoglobulinas (Ig e IgG), com uma mistura de cadeias leve e pesada. Diferentemente, em geral os linfomas apresentam proliferação monoclonal de linfócitos B, com predominância de linfócitos B (60 a 90%), com os linfócitos apresentando o mesmo tipo de imunoglobulina, isto é, IgG ou IgD com predomínio de um tipo de cadeia, Kappa ou Lambda. A ocorrência de linfomas de evolução lenta, bem como de linfoma da zona marginal extranodal do tipo MALT (linfoma associado ao tecido mucoso), e devido ao envolvimento da órbita em linfomas sistêmicos, tornaram necessário o estudo imuno-histoquímico, bem como técnicas elaboradas de citometria de fluxo e de análise molecular para subtipagem dessas lesões e diagnóstico de alguns linfomas que apresentam células B monoclonais (exceção).

Aspectos clínicos Estas lesões são encontradas predominantemente na população adulta. Os aspectos clínico e radiológico são muito semelhantes. Quando acometem a glândula lacrimal o paciente refere tumoração de aparecimento rápido em região temporal superior da órbita, sem dor ou sinais inflamatórios, levando progressivamente a proptose com desvio inferomedial do olho acometido. Do ponto de vista de imagem, a tomografia evidencia lesão hiperdensa, homogênea em topografia de glândula lacrimal, que contorna o globo ocular e a parede óssea sem indentar estas estruturas, diferenciando-se, assim, dos tumores de origem epitelial. As lesões com estas características devem invariavelmente ser biopsiadas e o espécime submetido a estudo imuno-histoquímico. Conduta: os pacientes portadores de tumor linfoide devem ser investigados quanto a possibilidade de apresentarem algum linfoma oculto. Esta avaliação deve ser feita em conjunto com o oncologista e deve obedecer a um protocolo específico que inclui exame físico geral à procura de linfonodos, hepato ou esplenomegalia, hemograma completo, raios X do tórax, ultrassonografia do abdome, CT de crânio, CT de abdome se houver suspeita à ultrassonografia, mapeamento ósseo e hepático, biópsia de medula óssea, avaliação de enzimas hepáticas e eletroforese de proteínas, basicamente. Tratamento: se a lesão diagnosticada for hiperplasia linfoide a órbita deverá ser submetida à radioterapia na dose de 3.000 a 3.500 cGy. No caso de linfoma primário da órbita, além da radioterapia, o tratamento poderá ser complementado com quimioterapia. Recentemente tem se utilizado anticorpo monoclonal anti-CD20 associado ao esquema tradicional para tratamento de linfomas não Hodgkin em pacientes portadores de MALT, linfoma sistêmico refratário ao tratamento clássico, com grande sucesso.


102  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Tumores da Glândula Lacrimal Bibliografia AAO. American Academy of Ophthalmology. Orbirt Eyelids and Lacrimal System. Sam Francisco, 1991; p. 99. [Basic and Clinical Science Course, 9.] Analysis of Forty-three Cases Ophthalmology, 2003; 110(6):1245-54. Auw-Haedrich C, Coupland SE, Kapp A et al. Long term outcome of ocular adnexal lymphoma subtyped according to the REAL classification. Br J Ophthalmol, 2001; 85:63-9. Cotran RS, Kumar V, Robbins SL. Diseases of White Cells, LynphNodes, and Spleen. In: Pathologic Basis of Disease. 5th eds. 1994; 14:628- 72. Dagher G, Anderson RL, Ossoing KC, Baker JD. Adenoid Cistic Carcinoma of the Lacrimal Gland in a Child. Arch Ophthalmol, 1980; 98:1098-100. David T Tse, Pasquale Benedeto, Sander R Dubovy, Joyce C. Schiffman, William J. Feuer Clinical analysis of the effect of intraarterial cytoreductive chemotherapy in the treatment of lacrimal gland adenoid cystic carcinoma. Am J Ophthalmol, 2006 Jan; 141(1):44-53. Jacobiek FA, Yeo JH, Trokel SL, Abbot GF, Anderson R, Citrin CM, Alper MG. Combined Clinical and Computed Tomographyc Diagnosis of Primary Lacrimal Fossa Lesions. Johnson TE, Tse DT, Byrne GE Jr et al. Ocular-adnexal lymphoid tumors. a clinicopathologic and molecular genetic study of 77 patients. Ophthal Plast Reconstr Surg, 1999; 15:171-9. Marsh JL, Wise DM, Smith M, Schwartz H. Lacrimal gland adenoid cystic carcinoma: intracranial and extracranial en bloc resection. Plast Reconstr Surg, 1981; 68: 577-85. Meldrum ML, Tse DT, Benedetto P. Neoadjuvant intracarotid chemotherapy for treatment of advanced adenocystic carcinoma of the lacrimal gland. Arch Ophthalmol, 1998; 116:315-21. Nariman Sharara, Jeannine T. Holden, Ted H. Wojno, Andrew S. Feinberg, Hans E. Grossniklaus, Ocular Adnexal Lymphoid Proliferations Clinical, Histologic, Flow Cytometric, and Molecular. Shields CL, Shields J, Eagle RC, Rathmell JP. Clinicopathologic Review of 142 Cases of Lacrimal Gland Lesions. Ophthalmol, 1989; 96:431-5. Shields J. Epithelial Tumors of the Lacrimal Gland. In: Diagnosis and Management of Orbital Tumors. Philadelphia: Saunders, 1986; 16: 259-74. Tomohiko Mannami, Tadashi Yoshino, Koichi Oshima MD, Sumie Takase, Eisaku Kondo, Nobuya Ohara, Hideki Nakagawa, Hiroshi Ohtsuki, Mine Harada, Tadaatsu Akagi Clinical, Histopathological, and Immunogenetic Analysis of Ocular Adnexal Lymphoproliferative Disorders: Characterization of MALT Lymphoma and Reactive Lymphoid Hyperplasia. Mod Pathol, 2001; 14(7):641-9. Waller RR, Riley FC, Henderson JW. Malignant Mixed Tumor of the Lacrimal Gland. Arch Ophthalmol, 1973; 90:297-9. White WL, Ferry JA, Harris NL, Grove AS Jr. Ocular adnexal lymphoma. A clinicopathologic study with identification of lymphomas of mucosa-associated lymphoid tissue type. Ophthalmology, 1995; 102: 1994-2006. Wrihgt JE. Factors affecting the survival of patients with lacrimal gland tumors. Clinical Studies. Can J Ophthalmol, 1982; 17:3-9.


Abelardo Couto Souza Júnior

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Tumores Linfoproliferativos

Lesões linfoproliferativas na órbita são geralmente incomuns, o que por si só já determina que clínicos e patologistas desenvolvam familiaridade tanto com a apresentação clínica e a patológica quanto com a evolução do quadro clínico. Podem ser facilmente confundidos com lesões inflamatórias idiopáticas da órbita. Afetam primariamente a órbita ou, mais frequentemente, estão associados a outros sítios. São classificados em três categorias: hiperplasia linfoide reacional benigna, hiperplasia linfoide atípica e linfoma (tipo não Hodgkin). Outro grupo de lesões menos frequentes inclui tumores de células plasmáticas, linfoma de Hodgkin, linfoma de Burkitt e leucemias.

Hiperplasia linfoide reacional benigna Algumas características indicam se os tumores são reacionais ou inflamatórios em contraste aos neoplásicos. Uma delas é o polimorfismo celular. A mistura de linfócitos maduros, eosinófilos, plasmócitos e macrófagos sugere base inflamatória. A excessão seria o linfoma de Hodgkin que apesar de apresentar polimorfismo celular é raro na órbita. Outra característica seria a formação de folículos linfoides contendo no centro células reticulares germinativas. Finalmente observam-se nas inflamações reacionais vasos sanguíneos mais numerosos e dilatados que o normal, tendo suas células endoteliais aspecto edematoso e hiperplástico.

Hiperplasia linfoide atípica Nestas lesões observam-se células de maturidade intermediária ou células atípicas cercadas por linfócitos e plasmócitos maduros. Na prática clínica, pacientes com hiperplasia linfoide atípica diferem muito pouco daqueles com linfoma orbitário de baixo grau. Podem apresentar em aproximadamente 15% manifestações extraorbitárias e não é incomum associação com distúrbios sistêmicos relacionados com imunorregulação.

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104  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Tumores Linfoproliferativos Linfoma não Hodgkin Os linfomas da órbita são geralmente proliferações monoclonais de linfócitos B. O grau de diferenciação celular parece um fator importante para o prognóstico. As lesões monoclonais bem diferenciadas têm um excelente prognóstico e são a maioria. Lesões que demonstram uma alta atividade mitótica e são pouco diferenciadas ou indiferenciadas podem ocorrer e têm o diagnóstico histológico dificultado. A disponibilidade de marcadores imunológicos e citoquímicos de superfície, chamados de imunoperoxidase, e também a utilização de métodos de imunofluorescência são fundamentais para o diagnóstico correto e tratamento adequado. (Fig. 5). A condução de uma lesão suspeita de linfoma deve ser individualizada para cada caso. A biópsia orbitária é aconselhável e o melhor acesso será determinado pelos estudos de imagem. No quadro clínico do linfoma de órbita observam-se pouca dor, crescimento insidioso de massa uni ou bilateral que pode ser palpável através da pálpebra ou conjuntiva. Em alguns casos a inspeção da conjuntiva mostra um infiltrado cor salmão que, eventualmente, pode ser intenso e ser confundido com processo inflamatório (Figs. 1 e 2). A tomografia computadorizada e ressonância magnética mostram uma massa geralmente homogênea, que se molda às estruturas orbitárias. Ocasionalmente, os linfomas podem ser confundidos com miosite, pseudotumor ou até orbitopatia distireoidiana, particularmente quando há espessamento de um músculo extraocular (Figs. 3, 4 e 5A-C). O cirurgião deve remover um bom fragmento de

Fig. 1  Linfoma não Hodgkin de baixo grau: proptose com intensa infiltração anterior e subconjuntival simulando processo inflamatório (Couto Jr. et al, 2000).

Fig. 2  Linfoma não Hodgkin de baixo grau: aspecto após 3 semanas de radioterapia, já demonstrando melhora da proptose (Couto Jr. et al, 2000).


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Fig. 3  Tumor orbitário proptose axial, à esquerda.

Fig. 4  RM T1/T2 axial – coronal. Espessamento muscular reto lateral.


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Figs. 5 (A-C)  Linfoma não Hodgkin difuso de células B extranodiais com extensa diferenciação plasmocitária – linfoma MALT. A. HE – 400 × células tumorais invadindo o músculo; B. Imuno-histoquímica: anticorpo CD20 + 200 × células tumorais em marrom; C. Imuno-histoquímica: anticorpo oncoproteína bel-2 + células tumorais em marrom.

biópsia sem danificar estruturas nobres como nervo óptico, músculos extrínsecos e outros. Às vezes, pode ser necessária a realização de uma orbitotomia lateral (Fig. 6 e Fig. 7). Exame físico geral, exames laboratoriais e estudos de imagem podem excluir manifestação sistêmica. Se há linfoma sistêmico a quimioterapia é indicada e a lesão orbitária pode seguir sem tratamento adicional ou até associar-se a radioterapia. Se o linfoma for somente na órbita poderá ser tratado exclusivamente com radioterapia. Esta poderá variar de 2.000 a 4.000 cGy de acordo com o grau de malignidade e radiossensibilidade da lesão. Geralmente o intervalo para o desenvolvimento da doença extraorbitária é de 4 anos. Daí a importância do segmento a longo prazo dos pacientes. Após 5 anos ou mais sem manifestação pode-se considerar que o paciente está livre da doença sistêmica.


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Fig. 6  Orbitotomia lateral: diagnóstico e tratamento.

Fig. 7  Pós-operatório recente e tardio/ausência de cicatriz (1 ano).

Tumores de células plasmáticas As células plasmáticas são consideradas, atualmente, linfócitos B que produzem grande quantidade de imunoglobulinas. Os achados clínicos e radiográficos são similares àqueles encontrados nos linfomas de células B. Esses tumores são raros e geralmente estão associados ao mieloma múltiplo ou plasmocitoma isolado. Após a confirmação por biópsia segue-se a radioterapia se o tumor não puder ser removido completamente.


108  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Tumores Linfoproliferativos Linfoma de Hodgkin O envolvimento orbitário é raro e quando presente geralmente é uma manifestação tardia da doença sistêmica. O achado diagnóstico clássico é a presença da célula de Sternberg-Reed, uma célula reticular gigante com dois núcleos.

Linfoma de Burkitt O linfoma de Burkitt compreende 50% dos tumores malignos da infância no leste da África. Envolve geralmente os ossos da mandíbula, órbita e vísceras abdominais. Apresenta três formas distintas: tipos Africano, Americano e AIDS. Alguns podem ocorrer como massa neoplásica envolvendo ou não o osso da órbita. O tipo americano pode iniciar-se no seio etmoidal e invadir secundariamente a órbita. Histologicamente consiste em uma proliferação pouco diferenciada de linfoblastos contendo ilhas de histiócitos com uma aparência de “céu estrelado”. A condução impõem a realização de biópsia seguida de radioterapia e quimioterapia.

Leucemias As leucemias são classificadas de acordo com sua evolução, aguda ou crônica, e com o tipo de leucócito anormal presente. Todos os tipos de leucemias podem envolver a órbita. A mais conhecida é a invasão orbitária da leucemia mielogênica ou sarcoma granulocítico ou cloroma. O envolvimento orbitário pode preceder o diagnóstico de leucemia. A proptose pode ser súbita e resultar em hemorragias intraorbitárias. Edema palpebral, quemose e dor podem estar presentes. Estudos de imagem revelam uma massa orbitária que geralmente envolve osso estendendo-se pela fossa temporal. O tratamento orbitário geralmente é sensível à radiação e à quimioterapia usadas na leucemia sistêmica.

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109  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Tumores Linfoproliferativos Coroi M, Bembea D et al. Malignant non Hodkin Conjuntival-orbital lymphoma in the years 1990-2005 at the ophthalmology clinic of oradea. Ophtalmologia, 2007; 51(1):64-7. Couto Jr AS, Barbosa RS et al. Linfoma Orbitário-Relato de casos e Apresentação Atípica. Rev Bras Oftal, 2000; 59(10): 759-63. Dantas AM & Monteiro MLR. Doenças da órbita. Rio de Janeiro: Cultura Médica, 2002: 236-9. Edelstein C, Shields JÁ, Shields CL et al. Non-African Burkitt’s lymphoma presenting with oral thrust and an orbital mass in a child. Am J Ophthalmol, 1997; 124: 859-61. Jacobiec FA, McLean I, Font RL. Clinicopathologic characteristics of orbital lymphoid hyperplasia, Ophthalmology, 1979 86: 948. Kincaid MC, Green WR. Ocular and orbital involvement in leukemia.Surv Ophthalmol, 1883; 27: 211-32. LdN, Bisen S, Scheta V. Primary large B-cell lymphoma of orbit: a case report and review of literature. Indian J Pathol Microbial, 2007; 50(3): 575-6. Michelson JB, Shields JA, Leonard BC et al. Priorbital chloroma and proptosis in a two-year old acute myelogenous leukemia. J Pediatr Ophthalmol, 1975; 12: 255-8. Oliveira TH, Manso PG et al. Linfoma Orbitário-Estudo Clínico de cinco casos. Arq Bras Oft, 1993; 56: 239-42. Payne JF, Shields CL, Eacle RC, Shields JÁ. Orbital lymphoma simulating tyroid orbitopathy. Ophital Plast Reconstr Surg, 2006; 22(4): 302-4. Piest K & Apple DJ. Pathology of selected orbital lesions. In: Nesi FA, Lisman RD, Levine MR. Smith’s ophitalmic Plastic and Reconstructive Surgery, St. Louis: Mosby, 1998: 679-704. Shields JA, Shields CL. Atlas of Orbital Tumors. Philadelphia: Lippincolt Willians & Wilkins, 1999:200-11. Shields JA, Cooper H, Donoso LA et al. Immunohistochemical and ultrastructural study of unusual IgM lambda lymphoplasmacytic tumor of lacrimal gand. Am J Ophthalmol, 1986:101:451-7. Zimmrman L, Front RL. Ophthalmology manifestations of granulocytic sarcoma (myeloid sarcoma or chloroma). Am J Ophthalmol, 1975; 30:975-90.


Ivana Lopes Romero-Kusabara • Sylvia Regina Temer Cursino José Vital Filho

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Hemangioma Cavernoso

Introdução É o tumor benigno da órbita mais frequente em adultos, com incidência por volta da quinta década de vida e com predomínio no sexo feminino. Em algumas séries, atingiu incidência de 14% quando considerados apenas os tumores primários da órbita.

Características clínicas Sua apresentação é característica de uma neoplasia orbital benigna, ou seja, proptose lenta e progressiva, unilateral, indolor, não pulsátil afetando a órbita de um paciente de meia-idade. As pálpebras são funcional e anatomicamente normais, porém, em algumas situações, podem apresentar leve edema. Dependendo da localização da lesão (órbita anterior ou retrobulbar), o bulbo ocular poderá estar deslocado (Fig. 1) não somente no sentido axial (retrobulbar), mas também no sentido vertical e oposto à localização da lesão. Cerca de 50% dos pacientes podem apresentar diminuição da acuidade visual por indução de hipermetropia ou redução de uma miopia prévia por diminuição do diâmetro anteroposterior

Fig. 1  Paciente com proptose axial à direita devido à presença de lesão retrobulbar.

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111  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Hemangioma Cavernoso do bulbo ocular devido à compressão do polo posterior pela neoplasia. Nessas situações é possível observar a presença de dobras de coroide no exame de fundo de olho. Em algumas situações, quando a neoplasia está localizada no espaço intracônico e atinge maior tamanho, é possível observar edema, palidez ou atrofia do disco óptico, além de defeito pupilar aferente, perda de visão de cores e defeitos de campo visual no olho afetado. Lesões retrobulbares raramente são palpáveis, diferentemente das lesões localizadas na órbita anterior. Estas também podem vir acompanhadas de algum prejuízo da motilidade ocular extrínseca quando o indivíduo move o olho afetado na direção do tumor. Amaurose fugaz já foi relatada em alguns pacientes e acredita-se estar relacionada com um quadro de isquemia do nervo óptico pela massa tumoral em determinadas posições do olhar. Alguns pacientes se queixam de cefaleia de difícil localização (profunda), porém persistente. Os sintomas podem ser exacerbados pela gravidez.

Diagnóstico diferencial O diagnóstico diferencial depende da localização da lesão, mas essencialmente é feito com outras lesões vasculares. Para a localização intraconal, mais frequente, o diferencial pode ser feito com: hemangioma capilar orbital, varizes da órbita, schwanoma orbital, hemangiopericitoma, meningioma do nervo óptico, entre outros. Para as lesões localizadas no espaço extraconal, podemos citar: schwanoma, metástases orbitais, varizes da órbita, linfoma orbital e tumores da glândula lacrimal.

Exames de imagem Auxiliam no diagnóstico topográfico da lesão e sua relação com a musculatura ocular extrínseca e nervo óptico. A ultrassonografia modos A e B pode mostrar uma massa bem delimitada com alto grau de refletividade interna dos ecos produzidos pelas interfaces entre o sangue e os septos dessas lesões. A tomografia computadorizada mostra lesão de limites bem definidos (Fig. 2), oval ou arredondada, sendo que o tumor geralmente impregna após a injeção de contraste. Podem ser observadas heterogeneidade interna e presença de flebólitos no seu interior (Fig. 3). Na ressonância magnética a lesão apresenta-se em T1 hipo ou isodensa se comparada aos músculos extraoculares, entretanto, em T2, a lesão é hiperdensa.

Fig. 2  Tomografia das órbitas, corte axial, demonstrando presença de lesão retrobulbar à direita.


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Fig. 3  Tomografia das órbitas, corte axial, demonstrando realce da lesão com contraste e presença de flebólitos no seu interior.

Patologia Hemangiomas cavernosos são massas bem circunscritas envoltas por uma pseudocápsula fibrosa. São compostos por grandes espaços vasculares dilatados delimitados por células endoteliais. Como o fluxo vascular é lento e os espaços vasculares são largos, áreas de trombose são frequentes.

Tratamento O tratamento ideal baseia-se na remoção cirúrgica completa do tumor (Fig. 4) através de uma abordagem que deve ser escolhida após adequada avaliação da localização da lesão. O objetivo é a remoção intacta e completa do tumor sem biópsia incisional, uma vez que a remoção incompleta pode resultar em recidiva.

Fig. 4  Aspecto macroscópico de hemangioma cavernoso, após exérese cirúrgica.

Bibliografia Chen B, Perry JD. Vascular orbital tumors in Singh AD et al. Clinical ophthalmic Oncology, 1st ed., Philadelphia: Elsevier, 2007. Garrity J, Henderson JW. Henderson’s Orbital Tumors, 4th ed., Philadelphia: Lippincott Williams Wilkins, 2007. Monteiro MLR. Hemangioma Cavernoso in Dantas AM. Monteiro MLR. Doenças da Órbita. Rio de Janeiro: Cultura Médica, 2002; 210-212. Yan J, Wu Z. Cavernous hemangioma of the orbit: analysis of 214 cases. Orbit, 23(1):33-40, 2004.


Sylvia Regina Temer Cursino

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Schwannoma da Órbita

Schwannoma da Órbita O schwannoma ou nerilemoma é um tumor benigno derivado das células de schwann originárias da crista neural, são provenientes, portanto, das células que revestem os nervos periféricos. Sua localização mais frequente é cerebral – ângulo pontino cerebelar. Na órbita, é responsável por 1 a 6% dos tumores da órbita. Não é fácil identificar sua origem devido à anatomia da órbita. É um tumor que atinge predominantemente indivíduos adultos, com história clínica insidiosa, não é invasivo e apresenta efeitos mínimos em estruturas orbitárias adjacentes. Seu quadro clínico varia muito, dependendo do nervo envolvido, tempo de evolução e tamanho do tumor. Pode apresentar-se com neuropatia óptica, diplopia, massa orbitária anterior e sinusite. Seu diagnóstico é feito pela história clínica e auxílio de exames complementares. O exame complementar mais indicado é a ressonância magnética (RM) da órbita, que mostra a localização do tumor e suas características estruturais. O schwannoma, na maioria das vezes, apresenta-se como uma massa orbitária retrobulbar solitária, ovoide e bem definida. Frequentemente é isodensa ou levemente hiperdensa quando comparada ao cérebro. T1 – Isodensa se comparada aos músculos extraoculares e cérebro. T2 com supressão de gordura – Hiperdensa comparada aos músculos extraoculares e cérebro. A RM mostra-se bastante útil para a elaboração do diagnóstico diferencial do tumor, pois ele apresenta características bastante semelhantes às encontradas na histologia deste tumor, que é muito singular.

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114  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Schwannoma da Órbita A ultrassonografia ocular também pode ser útil, principalmente se este tumor estiver no terço anterior da órbita. Ao exame no modo B observa-se massa com bordas bem definidas. No modo A pode-se notar a diferença de densidade do tumor, mostrando os dois padrões distintos histológicos. A histologia deste tumor é característica, mostrando dois padrões distintos: Antoni A e Antoni B. Antoni A – são células fusiformes bem diferenciadas com núcleo ovoide que se dispõem frequentemente em paliçada, formando os conhecidos corpúsculos de Verocay. Padrão tumoral mais denso. Antoni B – são células bipolares e multipolares dispersas em uma matriz mixoide. Padrão mais frouxo. Seu tratamento consiste na exérese cirúrgica. Como são encapsulados são bem delimitados e sua retirada relativamente tranquila. Caso seja retirado incompletamente há recidiva do tumor. Como quase não há malignização deste tumor ele pode ser apenas seguido clinicamente.

Neurofibroma da órbita O neurofibroma é considerado o mais importante tumor de nervo periférico da órbita, podendo ser classificado em três subtipos. São eles: Plexiforme. Difuso. Localizado. É composto pela proliferação combinada entre as células de schwann, fibroblastos endoneurais e axônios. Estes três tipos distintos se diferenciam por sua apresentação clínica e histológica, e também em relação a sua associação com a neurofibromatose tipo I. Neurofibroma plexiforme: é somente observado em pacientes portadores de neurofibromatose tipo I. Aparece na primeira década de vida, é uma lesão infiltrativa que pode envolver todos os tecidos moles da órbita, inclusive musculatura ocular extrínseca e glândula lacrimal. Pode causar proptose e até mesmo desfigura a região orbitofacial. Os exames de imagem como a RM são de grande ajuda, mostrando a infiltração difusa do nervo pelo tumor. O crescimento excessivo dos nervos periféricos da órbita pode levar ao aumento de pele da pálpebra, dando aparência de elefantíase neuromatosa a alguns pacientes. A degeneração maligna do neurofibroma plexiforme é rara; pacientes portadores de Von Recklinghausen apresentam maiores chances de desenvolver tumor neural periférico que o restante da população. Histologicamente se caracteriza por não ser um tumor encapsulado e ter padrão de crescimento semelhante a “garras de caranguejo” envolvendo todos os tecidos orbitários.


115  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Schwannoma da Órbita O tumor é considerado uma hiperplasia maciça dos ramos terminais do nervo. Cada ramo proliferado é circundado por perineuro, entre um e outro há axônio. Há ainda aumento da vascularização, por isso durante a cirurgia há grande sangramento. Este tipo de tumor tem alta recorrência após a cirurgia. Neurofibroma difuso: é o tipo mais raro de neurofibroma da órbita; e nem sempre está associado à doença de Von Recklinghausen. Apresenta-se como uma proliferação de elementos que compõem os nervos periféricos, não são circunscritos e são infiltrativos, podendo substituir a gordura orbitária e permear os músculos oculares extrínsecos. Estes tumores são em sua maioria sólidos, com grande celularidade e outros mais mixoides, com aparência gelatinosa com grande quantidade de mucina. Neurofibroma isolado: este tumor tende a crescer como uma lesão circunscrita mesmo não sendo encapsulada. Este tipo de neurofibroma é que está menos associado à neurofibromatose tipo I, embora haja uma história familiar de neurofibromatose sistêmica mais frequente. Os sinais e sintomas são os de qualquer massa orbitária; sendo não habituais defeito visual, dor e perda sensorial do nervo periférico. Ao exame de RM apresenta-se como um tumor bem circunscrito. Algumas vezes ele cresce tanto que pode se estender até a fissura orbitária superior e nestes casos sua completa retirada é impossível, o que pode levar a sua recorrência.

Bibliografia Shields J A. Diagnosis of management of orbital tumors, Philadelpha: Saunders, 1989.


Simone Bison • José Vital Filho

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Neoplasias Secundárias da Órbita

As neoplasias secundárias são as que invadem a órbita por extensão direta a partir das estruturas adjacentes, que são: pálpebras, conjuntiva, saco lacrimal, bulbo ocular, seios da face, fossa nasal, orofaringe e cavidade craniana. Este capítulo revisará brevemente os principais aspectos das neoplasias mais frequentes em cada uma dessas estruturas.

Pálpebras As neoplasias palpebrais que mais evoluem com infiltração orbitária são: os carcinomas (basocelular, espinocelular e de células sebáceas), melanoma e carcinoma de Merkel. A invasão geralmente ocorre por diagnóstico tardio, excisão incompleta da neoplasia, crescimento agressivo (carcinoma de células sebáceas) ou disseminação perineural (carcinoma espinocelular e melanoma).

Carcinoma basocelular O carcinoma de células basais (CBC) é a neoplasia maligna palpebral mais frequente (80 a 90% das lesões malignas). É encontrado principalmente em idosos de pele clara e expostos ao sol. Não há predileção por sexo.

Apresentação clínica e histopatológica O aspecto típico é o de nódulo de aparência perlácea e com finas telangiectasias. É a forma menos agressiva de CBC. As células epiteliais são pequenas, ovaladas ou fusiformes, com núcleo regular e escuro e citoplasma escasso formando ninhos, cordões ou camadas. O estroma pode ser mixomatoso ou extremamente fibroso.

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117  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Neoplasias Secundárias da Órbita A forma noduloulcerativa apresenta-se com as bordas elevadas, perláceas e com telangiectasia e o centro ulcerado. Ainda existem as formas esclerosante (pouco tecido epitelial com estroma abundante e denso), cística, polipoide e pigmentada (proliferação benigna de melanócitos dentro do tumor). Acomete as pálpebras na seguinte ordem: inferior (50%), canto interno (25%), pálpebra superior (15%) e canto externo (5%). As lesões de canto interno e as esclerosantes são as que mais tendem a estender. Muitas vezes a preocupação estética leva à ressecção insuficiente de tecido neoplásico, ocasionando a invasão da órbita ou ainda do bulbo ocular e cérebro. Os sinais de invasão são: diplopia nas versões extremas, dor (se infiltração de nervos orbitários) e fixação do tumor à rima orbitária. O CBC é potencialmente fatal, pois a extensão intracraniana pode ser devastadora. As metástases são extremamente raras.

Tratamento Ressecção cirúrgica com margem de segurança mínima da 3 mm e reconstrução apropriada. Sempre que possível utilizar a técnica de Mohs durante a cirurgia. Em alguns casos de tumores de difícil ressecção, em pacientes debilitados ou que recusam a cirurgia, pode-se lançar mão da crioterapia ou radioterapia (dosagem de 4.000 a 7.000 cGrey). A exenteração por invasão orbitária é necessária em 3% dos casos.

Carcinoma espinocelular Neoplasia verdadeiramente agressiva que colabora com 3 a 7% das lesões malignas e 1,7% de todas as lesões palpebrais. Assim como o CBC, o carcinoma espinocelular (CEC) ocorre mais frequentemente em idosos com pele pouco pigmentada e exposta ao sol.

Apresentação clínica e histopatológica Acomete em igual frequência a pálpebra superior e a inferior iniciando preferencialmente na margem. De origem na epiderme, o CEC pode ser mais queratinizado ou muito similar ao CBC. O diagnóstico diferencial ainda envolve a ceratose seborreica e o ceratoacantoma. A ceratose actínica pode ser precursora de um CEC. Histopatológico: células de núcleos maiores que as do CBC, nucléolos mais proeminentes, pontes intercelulares com citoplasma generosamente eosinofílico, queratinização focal e formação de pérolas de queratina por pequenos grupos de células. Pode envolver o orbicular. Em algumas variantes pode imitar sarcoma ou melanoma de células fusiformes. Se não tratado, invade localmente, inclusive por continuidade através dos nervos orbitários até a cavidade craniana. Pode, ocasionalmente, ter metástases linfáticas regionais ou a distância.

Tratamento Ressecção ampla e precoce de lesões pouco infiltrativas. Exenteração, se necessário.


118  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Neoplasias Secundárias da Órbita Carcinoma de células sebáceas Neoplasia de alta malignidade e que ocorre em 3,2% das lesões malignas e 0,8% de todas as lesões palpebrais. Afeta adultos entre a quinta e a nona décadas, com discreta predominância de mulheres e asiáticos. Prognóstico pior que o do CEC. Causa metástases para linfonodos e órgãos distantes.

Apresentação clínica e histopatológica Afeta principalmente as pálpebras superior e inferior, podendo ser uni ou multicêntrico e com padrão de crescimento nodular ou pagetoide. Pode originar-se das glândulas de Meibomius ou de Zeiss, sebáceas do supercílio ou da carúncula. Possui grandes células anaplásicas, com nucléolo proeminente, citoplasma espumoso e com vacúolos lipídicos. Tem alta atividade mitótica e a presença de lipídios pode ser demonstrada pela coloração red-O. A imuno-histoquimica pode ajudar no diagnóstico: as células centrais espumosas expressam HMFG1 (human milk fat globulin-1) e EMA (epitelial membrane antigen). Também pode expressar Cam 5.2 e BRST-1, enquanto o CBC não expressa nenhum dos dois, e o CEC expressa apenas o EMA. Trata-se de lesão firme, indolor e de crescimento lento (nodular ou pagetoide), podendo ter coloração amarelada devido ao conteúdo lipídico, com perda de cílios. A incidência de erro diagnóstico clínico e histopatológico chega a 50%. Confunde-se com calázio, blefarite (disseminação pagetoide), CBC e corno cutâneo. Metástases ocorrem por via linfática. Ainda pode invadir o canalículo lacrimal e percorrer as vias lacrimais até a fossa nasal. O pior prognóstico depende da glândula que origina o tumor (maior mortalidade em lesões que envolvem glândulas de Zeiss e Meibomius, simultaneamente e menor nas que só comprometem as glândulas de Zeiss), tamanho da lesão (maior que 10 mm), da invasão local, vascular ou linfática, pouca diferenciação celular, origem multicêntrica ou crescimento pagetoide. A mortalidade excede 20%.

Tratamento Preconiza-se fazer ressecção de toda a espessura palpebral com margem de segurança de 5 a 6 mm, preferencialmente com congelação. O corante óleo vermelho para gordura auxilia a diferenciá-lo do CBC. Esvaziamento ganglionar cervical ou pré-auricular pode ser necessário. A exenteração é indicada em casos difusos e a radioterapia é apenas paliativa. A crioterapia adjunta é recomendada para envolvimento conjuntival pagetoide difuso. Quimioterapia tópica com mitomicina pode ser considerada em invasão local e a sistêmica é utilizada para tratar envolvimento de linfonodos regionais e metástases hematogênicas.

Melanoma maligno Representa 1 a 5,1% das lesões malignas palpebrais. Pode originar-se em nevo ou não. É o tumor maligno da pálpebra de pior prognóstico.


119  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Neoplasias Secundárias da Órbita Apresentação clínica e histopatológica Sinais clínicos de malignidade em lesões pigmentadas incluem cor variada, borda e superfície irregulares. A maior parte dos melanomas origina-se de melanócitos isolados e não de lesões preexistentes (20 a 25%). O nevo azul da pálpebra e a melanose oculodérmica (nevo de Ota) podem muito raramente dar origem aos melanomas. A pálpebra pode apresentar qualquer forma de melanoma cutâneo: lentigo maligno, difusão superficial ou nodular. Os melanomas microinvasivos e limitados à derme papilar (pagetoides) têm prognóstico melhor do que os nodulares (a invasão é profunda, ocasionando a morte em 45% dos casos). A maior sobrevida é atribuída ao lentigo maligno (90%). Tendem a difundir localmente pelas via linfática ou hematogênica para qualquer órgão do organismo.

Tratamento Ressecção associada à linfadenectomia em casos de alto risco. A radioterapia pode ser indicada em alguns casos. Se há invasão orbitária, não há evidência de que a exenteração aumenta a sobrevida.

Conjuntiva Carcinoma espinocelular de conjuntiva Constitui a maioria dos tumores epiteliais invasivos da conjuntiva. Geralmente, crescem a partir do limbo corneoescleral com ceratose, displasia ou carcinoma in situ. A faixa etária mais acometida é a superior aos 50 anos de idade. Entretanto, pode ocorrer em crianças com xeroderma pigmentoso.

Apresentação clínica e histopatológica A lesão típica tem aspecto branco, exofítico, irregular, podendo ser fixa ao bulbo. Também pode ser papilar ou séssil. Conforme cresce, invade o bulbo ocular, os fórnices conjuntivais, a carúncula e avança posteriormente, congelando o bulbo ocular e atingindo o cérebro. Raramente os Iinfonodos pré-auriculares e cervicais são atingidos. O CEC, em geral, apresenta-se bem diferenciado, com células de núcleos grandes, citoplasma eosinofílico, desmossomas e formações perláceas, às vezes com disceratose. O carcinoma mucoepidermoide é raro e composto por células secretoras de muco, células escamosas e células basais. É mais agressivo que o CEC típico, com maior tendência a invadir a órbita.

Tratamento A excisão completa do tumor, realizando-se a conjuntivectomia ampla com escleroceratectomia parcial lamelar e crioterapia suplementar, é a técnica mais comumente utilizada.


120  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Neoplasias Secundárias da Órbita Se o acometimento corneano é muito superficial, pode-se removê-lo com aplicador de algodão umedecido em álcool absoluto. Alguns protocolos ainda preconizam a utilização de mitomicina a 0,02%. Lesões extensas requerem enucleação ou exenteração e radioterapia suplementar.

Melanoma de conjuntiva Representa menos que 2% dos melanomas oculares e 1% dos tumores malignos do olho. Atinge adultos de meia-idade entre a quarta e a sétima décadas de vida, sem preferência por sexo. Pode surgir a partir de melanócitos isolados (18%), de nevos (26%) e de melanose adquirida primária (56%).

Apresentação clínica e histopatológica Apresenta-se preferencialmente na conjuntiva interpalpebral, próxima ao limbo, como massa altamente vascularizada, de crescimento rápido, com fácil sangramento, fixação aos tecidos subjacentes, pigmentação irregular, podendo ser amelanótico. As lesões de conjuntiva tarsal têm pior prognóstico. As células podem ser fusiformes, epitelioides ou de tamanho intermediário (poliédricas e em balão). Há anaplasia nuclear acentuada, com nucléolos proeminentes, alta atividade mitótica e infiltração irregular nos tecidos subepiteliais. Se houver dúvidas, o patologista pode empregar técnicas de imuno-histoquímica com a utilização de marcadores como HMB-45 ou Melan-A, isoladamente ou em conjunto para demonstrar os melanócitos afetados. O prognóstico é melhor do que o do melanoma de pele, pois não tem disseminação hematogênica tão frequente. Entretanto, pode invadir a córnea, as pálpebras, as vias lacrimais, a órbita e os linfonodos pré-auriculares e submandibulares. A recorrência local do melanoma conjuntival já foi reportada em 56 a 65% dos pacientes. Tratamento adjuvante reduz o risco de recorrências. Metástases ocorrem comumente regionalmente, nos linfonodos pré-auriculares e submandibulares. Outras localizações são o cérebro, fígado e pulmões. A taxa de mortalidade relacionada com melanoma conjuntival é de 12 a 19% em 5 anos e 23 a 30% em 10 anos.

Tratamento Excisão completa (margem de segurança de 3 a 4 mm) associada à crioterapia da conjuntiva adjacente às margens. Se houver suspeita de invasão da córnea ou esclera, procede-se a ceratoesclerectomia. Ainda pode-se associar a braquiterapia em lesões pequenas. A enucleação e exenteração devem ser executadas em tumores avançados envolvendo extensas áreas do globo e/ou órbita e não necessariamente melhoram a expectativa de vida destes indivíduos. A linfadenectomia pode ser necessária. A radioterapia tem melhor resposta nas lesões provenientes da melanose maligna adquirida (melanócitos dendríticos) do que nas que crescem a partir de melanócitos nevocíticos. A maioria dos pacientes com melanoma conjuntival disseminado é tratada com quimioterapia sistêmica.


121  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Neoplasias Secundárias da Órbita Saco lacrimal Entre as lesões pré-malignas do saco lacrimal temos o oncocitoma, o adenoma eosinofílico, o papiloma invertido, o hemangiopericitoma e o histiocitoma fibroso. Já as malignas têm origem não epitelial ou epitelial. São considerados não epiteliais: o melanoma maligno, o linfoma, o carcinoma metastático e o hemangiopericitoma maligno. As epiteliais compreendem o carcinoma de células escamosas (epitélio escamoso acantótico), o carcinoma de células de transição (epitélio colunar estratificado) e o carcinoma de células mistas (mescla os dois anteriores). As lesões malignas constituem mais de 50% dos tumores das vias lacrimais. Têm prognóstico pobre, pois menos de 50% deles têm sobrevida superior a 5 anos, já que o diagnóstico costuma ser tardio e o tumor dificilmente é totalmente extirpado.

Apresentação clínica Geralmente, os indivíduos com tumor de saco lacrimal têm epífora, nem sempre com sangue. A massa pode ser visível e/ou palpável no canto medial, usualmerte desrespeitando o tendão cantal medial, o que não ocorre nas dacriocistites. Podem manifestar-se como tumores palpebrais recidivantes, permanecendo oculta a sede primária do tumor. Entre os exames complementares pode-se optar por: Dacriocistografia (DCG): pode revelar o preenchimento irregular do saco lacrimal e retardo na passagem do contraste. Tomografia computadorizada: massas sólidas na topografia do saco lacrimal podem evoluir com alargamento da fossa lacrimal, erosão óssea, invasão da órbita e/ou seios da face e fossa nasal. Técnicas atuais permitem que a tomografia helicoidal com o uso de contraste nas vias lacrimais mostre detalhes destas estruturas com perfeição (dacriocistotomografia). Ressonância magnética (simples ou dacriocistorressonância): os métodos atuais de realização deste exame permitem que se determine detalhadamente a anatomia das vias lacrimais mesmo sem o uso de contraste. Endoscopia nasal: é indispensável que a fossa nasal seja avaliada em qualquer morbidade da via lacrimal. Com a evolução do diagnóstico por imagem, da radio e da quimioterapia, a sobrevida das neoplasias do saco lacrimal tende a melhorar.

Tratamento Extirpação completa do saco lacrimal e do duto nasolacrimal associada à ressecção em bloco do osso adjacente. Muitas vezes ainda há recidiva, mesmo com radioterapia associada.

Bulbo ocular A maior parte dos tumores intraoculares pode ser classificada em uma das três categorias com base na histogênese: neuroblásticos (retinoblastoma, retinocitoma e meduloepitelioma), melanocíticos e metastáticos.


122  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Neoplasias Secundárias da Órbita Retinoblastoma É a neoplasia maligna intraocular mais frequente na infância, cuja mortalidade vem decrescendo nas últimas décadas devido ao diagnóstico mais precoce e aprimoramento dos métodos terapêuticos utilizados. Entretanto, em casos de disseminação orbitária a mortalidade ainda é elevadíssima. O retinoblastoma com invasão orbitária é relativamente mais comum nos países em desenvolvimento, envolvendo cerca de 18% dos pacientes.

Apresentação clínica e histopatológica É um tumor de crescimento rápido, não coeso, multicêntrico e invasivo, sem predileção por sexo ou cor. A alteração genética tem transmissão familiar autossômica dominante de penetrância incompleta, ou o gene alterado pode surgir por mutação. Geralmente é diagnosticado em bebês de 12 a 13 meses de vida. O seu crescimento acelera ao atingir a úvea, com fácil disseminação hematogênica. A forma mais comum de escape do olho é o nervo óptico. Invadindo o espaço subaracnóideo rapidamente chega ao sistema nervoso central, com curso fatal. Se chega à câmara anterior, dissemina-se através do ângulo para as vias linfáticas. Envolve a distância os ossos e vísceras abdominais. Os retinoblastomas orbitários fatais predominam nas formas hereditárias bilaterais, que constituem 30 a 35% dos casos. A manifestação extraocular surge principalmente no segundo ano de vida, como massa palpável, proptose ou edema palpebral com ou sem equimose. Nódulos subconjuntivais macios, de cor púrpura e fácil sangramento podem estar presentes. Entre as alterações radiológicas estão o alargamento do canal óptico e/ou a erosão óssea. A invasão orbitária iatrogênica (durante a enucleação do bulbo) manifesta-se após 4 meses da cirurgia. Constitui-se por células neuroblásticas uniformemente indiferenciadas, com núcleo hipercromático, que pode ser redondo, oval ou fusiforme, pouco citoplasma e alta atividade mitótica. Há formação de rosetas de Flexner-Wintersteiner e de Homer Wright, floretes, focos de necrose e calcificações.

Tratamento O tratamento da invasão orbitária do retinoblastoma abrangia antigamente exenteração, quimio e radioterapia. Hoje, se dá prioridade ao tratamento sistêmico com protocolos de quimioterapia combinando fármacos em altas doses (p. ex., vincristina, etoposídeo e carboplatina) seguida de cirurgia (enucleação ou exenteração), radioterapia combinada e ciclos adicionais de quimioterapia.

Meduloepitelioma Tumor embrionário que origina-se do neuroepitélio da vesícula óptica primitiva na região do corpo ciliar ou, excepcionalmente, a partir do epitélio medular embrionário persistente na


123  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Neoplasias Secundárias da Órbita cabeça do nervo óptico. Pode ser benigno ou maligno, dependendo do grau de anaplasia. Os malignos podem envolver a órbita, os ossos, o cérebro, assim como linfonodos e pulmões. Pouco responde à radioterapia e o tratamento é a enucleação ou a exenteração. O carcinoma do epitélio ciliar não pigmentado também é chamado de meduloepitelioma do adulto e tem comportamento semelhante ao do embrionário.

Melanoma maligno uveal É o tumor primário intraocular maligno mais comum na população adulta. A sobrevida é multifatorial. Entre todas as variáveis, destacam-se o tipo celular e a extensão do tumor. Os melanomas de células fusiformes são os de melhor prognóstico, enquanto os epitelioides são os de pior, e os mistos, intermediários. Em relação ao tamanho, sabe-se que tumores de volume superior a 100 mm3 apresentam 65% de recorrência, enquanto os menores têm apenas 20%. Outros parâmetros importantes são: atividade mitótica, pigmentação (quanto mais pigmentado, pior é o tumor), invasão venosa, localização (tumor no corpo ciliar é o de pior e na íris é o de melhor prognóstico), presença de células tumorais na margem do nervo óptico ressecado, necrose tumoral, entre outros. Dissemina-se através das veias emissárias atingindo a órbita. Raramente atinge linfáticos e facilmente segue via hematogênica, principalmente até o fígado, cujo acometimento é o responsável por 95% das mortes em portadores de melanoma maligno uveal. Outros sítios de metástases são o pulmão, a pele, os ossos, os linfonodos, o trato gastrintestinal e o cérebro.

Tratamento A escolha de modalidade terapêutica dependerá do tamanho e localização do tumor, geralmente combinando mais de um método com a finalidade de melhorar o controle tumoral e diminuir os efeitos colaterais. A ressecção tumoral é difícil e reservada às neoplasias de grande dimensão. A radioterapia por feixe de prótons permite que uma alta dose de radiação seja direcionada com precisão sobre o melanoma uveal independentemente do tamanho, formato ou localização. Entretanto, existem poucos aparelhos no mundo. A alternativa é, então, a utilização da radioterapia estereotáxica. A quimioterapia é baseada na decarbazina usada no melanoma cutâneo é ineficaz para o tratamento do melanoma uveal. A pesquisa de doença metastática deve envolver a realização de exame de imagem do fígado semestral. Se houver metástase solitária no fígado ou outros órgãos a ressecção oferece algum prolongamento da sobrevida. Se for hepática, pode-se associar a quimioterapia intra-arterial hepática com fotemustina e/ou dacarbazina + cisplatina.

Seios da face Os tipos de neoplasia maligna mais frequentes nestas estruturas são os carcinomas (80%) e os sarcomas (20%). Os sarcomas são mais invasivos.


124  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Neoplasias Secundárias da Órbita Frequentemente invadem a órbita através das paredes dos seios que são finas, contendo fissuras e forames, além de aberturas decorrentes de sinusectomias. A invasão também pode ser perineural. Os sintomas dependem da localização do tumor, sendo mais precoces nas lesões de teto do maxilar do que nas de seios frontal e esfenoidal que preenchem toda a cavidade antes de invadir a órbita. Como manifestações de invasão orbitária incluem-se a proptose, diplopia, perda de visão (edema e atrofia do nervo óptico) e parestesia infraorbitária. Menos frequente é a compressão da via lacrimal excretora causando epífora. Muitos tumores comportam-se como uma condição inflamatória crônica. Trismus (dificuldade em ocluir a boca) e dor nos dentes e região alveolar podem ocorrer nas invasões da região pterigóidea. Nas lesões etmoidais são frequentes a obstrução nasal, sangramentos, alargamento da base do nariz e anosmia (ausência do sentido do olfato). Na base do crânio, acomete nervos cranianos evoluindo com paralisia facial (VII nervo), surdez (VIII nervo), hemiplegia, cefaleia e dor. A destruição óssea é demonstrada radiologicamente em 70 a 80% dos casos. Os carcinomas dividem-se em adenoide cístico, adenocarcinoma, carcinoma de células escamosas e tumor misto maligno. Os dois primeiros são os mais agressivos. Acometem 2 vezes mais homens do que mulheres, predominando após os 40 anos de idade. O seio mais frequentemente acometido é o maxilar (80%), seguido pelo etmoidal (5%), frontal e esfenoidal. Metástases ocorrem em 10% deles, mas a sobrevida é baixa (inferior a 25% em 5 anos). O pior prognóstico está reservado às lesões frontal e esfenoidal por comprometimento da pituitária, do lobo frontal, carótida interna e quiasma óptico.

Tratamento Cirurgia extensa radical: pansinusectomia.

Cavidade nasal e orofaringe Os carcinomas são mais frequentes no nariz (principalmente na parede lateral) do que na orofaringe. Acometem indivíduos acima dos 50 anos de idade no tumor nasofaríngeo, e da quarta década nos tumores de faringe e hipofaringe. A forma nasofaríngea tem prognóstico pior do que a dos seios da face, pois causa mais metástases e invasão do sistema nervoso central. O diagnóstico costuma ser tardio, tornando a ressecção difícil.

Apresentação clínica e histopatológica Estão descritos como sinais e sintomas dos tumores de nasofaringe: epistaxis, congestão nasal, obstrução nasolacrimal, invasão orbitária (com proptose), diplopia, congelamento do globo e lesões diversas do bulbo ocular, disfagia (nas ulcerações), trismus (invasão de espaço retroantral), alterações auditivas, paresias e paralisias (invasão central), alargamento do pescoço (linfonodos), lesões de base do crânio e asa maior do esfenoide, síndrome de Horner


125  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Neoplasias Secundárias da Órbita (comprometimento do sistema simpático), lesão carotídea e de vértebras superiores (invasão retrofaríngea). O carcinoma espinocelular é o tumor mais comum. Uma variante é o linfoepitelioma, que é invasivo e frequentemente causa matástases, porém é radiossensível. Possui células escamosas não queratinizadas e pobremente diferenciadas, com núcleo grande e vesicular, dentro de estroma linfoide. O melanoma pode surgir de melanócitos pigmentados nos seios da face, nariz e boca. O angiofibroma é um raro tumor vascular que acomete a orofaringe, principalmente em adolescentes do sexo masculino. Pode invadir a órbita, os seios da face e a base do crânio. Os seus sinais precoces são a epistaxis, secreção nasal e dificuldade de falar. A ressecção cirúrgica é difícil por sangramento abundante. O estesioneuroblastoma é uma neoplasia rara na fossa nasal. O envolvimento da órbita é raro nesta neoplasia. Já foi descrito um caso de sarcoma de Ewing do seio maxilar envolvendo a órbita sem atingir o nariz.

Cavidade craniana Meningioma Cresce a partir de células anaplásicas da aracnoide e representa 2% de todas as neoplasias da órbita, predominando na quinta década de vida. Apresenta grande risco ao sistema nervoso central e de deteriorização visual. Deve ser pesquisado nas suspeitas de proptose axial, com diminuição da acuidade visual, defeito pupilar aferente relativo e alteração da visão de cores. O tratamento cirúrgico ainda representa um desafio aos neurocirurgiões mais experientes, pois o meningioma é firmemente aderido aos tecidos sadios (dura-máter, ossos, pia-máter, vasos, seios da face, nervos cranianos e parênquima cerebral) e dificilmente a exérese é completa sem causar lesões, pois geralmente os portadores procuram tratamento quando o tumor já atingiu grandes dimensões. Alguns neurocirurgiões têm utilizado a embolização vascular superseletiva como ferramenta com o objetivo de diminuir o tamanho e a vascularização da neoplasia, minimizando o trauma intraoperatório. A maioria dos meningiomas responde à radioterapia. Com o avanço da irradiação estereotática (SRT – Stereotatic Radiation Therapy), altas doses podem ser aplicadas cuidadosamente no alvo, com escape muito pequeno. Preconiza-se hoje a SRT como tratamento fracionado por semanas, preservando-se a visão do paciente.

Tumores olfatórios Compreendem o estesioneuroblastoma (pior prognóstico), o estesioneurocitoma (melhor prognóstico) e estesioneuroepitelioma (prognóstico intermediário). O estesioneuroblastoma é composto por neuroblastos primitivos e também por elementos bem diferenciados. Aparece principalmente na segunda década de vida. É mole, pobremente


126  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Neoplasias Secundárias da Órbita circunscrito, rosa a acinzentado na aparência. As recorrências são frequentes e a ressecção cirúrgica é difícil, tornando a radioterapia necessária.

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Allan C. Pieroni Gonçalves

C a p í t u l o | 10

Metástases Orbitárias

Uma vez que não contém elementos do sistema linfático, a órbita apresenta uma característica especial em relação ao seu acometimento por neoplasias de outras partes do corpo. Essas neoplasias podem invadir a órbita por três mecanismos distintos: 1. Invasão por adjacência como em tumores dos seios paranasais, do sistema lacrimal, da fossa craniana, da pele, conjuntiva e do bulbo ocular. Quando essas neoplasias se estendem e invadem a órbita pela proximidade, chamamos de tumores secundários da órbita. 2. Processos linfoproliferativos podem também acometer a órbita de forma isolada ou com múltiplas lesões. Como geralmente participam de uma doença sistêmica com vários focos neoplásicos, a definição de metástase é inconclusiva. 3. Invasão por disseminação hematogênica de lesões neoplásicas distantes. Esse mecanismo é considerado como definição de metástase orbitária. A metástase orbitária e dos anexos oculares (pálpebras e estruturas perioculares) é incomuns e menos frequente que as metástases oculares (úvea).1 Sua incidência varia entre 1 e 13% dos casos de tumores orbitários.2-6 Nos últimos anos essa incidência tem aumentado decorrente de alguns fatores, como o aumento da sobrevida dos pacientes com câncer e o avanço nos métodos diagnósticos e do conhecimento médico acerca dessa patologia.7 É uma condição essencialmente do adulto idoso e acomete mais mulheres que homens, entretanto, existem relatos de metástase orbitária em todas as idades. A maioria das metástases orbitárias se apresenta em pacientes com o diagnóstico de câncer já estabelecido, entretanto, em cerca de 20% dos casos o acometimento orbitário pode ser o primeiro sinal da doença.2,8 Nesses casos o oftalmologista tem papel crucial na detecção e estadiamento da neoplasia primária.7 A metástase orbitária pode acometer as paredes ósseas, a gordura, os músculos extraoculares e o espaço intraconal, embora, sejam mais frequentes nos ossos e gordura. Revisões da literatura relatam que as lesões acometem os quatro quadrantes de forma similar.2,9 Entretanto,

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128  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Metástases Orbitárias segundo Shields et al., as lesões metastáticas acometem a órbita anterior quase duas vezes mais que a região retrobulbar6 (Figs. 1 A e B). A princípio qualquer neoplasia pode metastatizar para órbita por via hematogênica. A origem das metástases é diferente entre adultos e crianças. Na infância o neuroblastoma e o sarcoma de Ewing são as mais comuns. Nos adultos, a origem predominante é de carcinomas. Os carcinomas de mama, pulmão, tratos geniturinário e gastrointestinal e tireoide são, nessa sequencia , os mais comuns. O melanoma figura como o tumor não carcinomatoso que mais apresenta metástase orbitária. As metástases de origem pulmonar tendem a ocorrer no início do curso da doença, enquanto o câncer de mama e o melanoma geralmente apresentam uma longa latência entre o diagnóstico primário e a detecção da metástase. As manifestações clínicas das metástases orbitárias incluem: o efeito de massa causando proptose ou distopia do bulbo ocular, dor, quemose, envolvimento ósseo, inflamação e edema palpebral. Infiltração de músculos pode determinar em alterações da motilidade ocular7,10 (Figs. 2 A e B). O acometimento de partes moles pode ocasionar ptose, diplopia e até enoftalmo. O enoftalmo é uma característica peculiar de metástases orbitárias de neoplasias esclerosantes como o carcinoma esquirroso de mama e o carcinoma gástrico8 (Figs. 3 A e B). Já o envolvimento ósseo, é característico das metástases de origem na próstata.

B A

Figs. 1 (A e B)  Caso de metástase orbitária de carcinoma pulmonar. A. Fotos na posição primária do olhar de paciente com proptose, distopia inferior de bulbo ocular, ptose e edema palpebral. B. CT de órbitas mostrando lesão bem delimitada na região superoanterior da órbita.

A

B

Figs. 2 (A e B)  Caso de metástase orbitária de carcinoma de células renais. A. Fotos nas diferentes posições do olhar de paciente com proptose, distopia superior de bulbo ocular e restrição da motilidade ocular. B. CT de órbitas mostrando envolvimento isolado de músculo reto inferior da metástase.


129  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Metástases Orbitárias

A

B

Figs. 3 (A e B)  Caso de metástase orbitária de carcinoma de mama. A. Foto da paciente anos antes do acometimento orbitário. B. Foto da paciente com enoftalmo bilateral decorrente da infiltarção neoplásica das órbitas.

Como os sinais e sintomas das metástases orbitárias são inespecíficos, Goldberg et al. sugeriram sua categorização em cinco formas de apresentação: infiltrativa, efeito de massa, inflamatória, funcional e silenciosa. Entre essas formas, a inflitrativa, que se apresenta com proptose indolor, quemose, restrição da motilidade e ptose, é a mais comumente observada.2,3 O tempo de evolução das metástases geralmente é rápido, em poucos meses. Além do exame clínico e de uma história detalhada, o exame de imagem como a tomografia computadorizada (TC) pode ser muito útil no diagnóstico. Com imagens da TC é possível uma boa avaliação das partes moles como também dos ossos, que muitas vezes são alvos da lesão. A TC das órbitas é positiva em todos os casos, seus achados podem variar de lesões infiltrativas, lesões ósseas com ou sem erosão, até massas bem delimitadas em alguma região orbitária. Calcificação ou lesões císticas são muito raras nas metástases orbitárias.11 Como diagnósticos diferenciais da metástase orbitária podemos incluir os carcinomas primários, carcinomas secundários, doenças inflamatórias da órbita, linfomas e a celulite orbitária. Em alguns casos, quando a lesão metastática acomete isoladamente um ou mais músculos extraoculares, a orbitopatia de Graves e miosite são as principais dúvidas diagnósticas.12 Frente a supeita diagnóstica de metástase orbitária o oftalmologista deve realizar, com a cooperação de um oncologista, uma ampla e direcionada pesquisa clínica na busca do foco neoplásico. Apesar da pesquisa clínica, a biópsia da lesão e análise do tecido geralmente são necessárias. Existem artigos que sugerem a biópsia de agulha fina para o estudo da lesão.13,14 Entretanto, essa modalidade diagnóstica pode ser passível de complicações oculares, além de fornecer um escasso material para estudo anatomopatológico.15 A biópsia cirúrgica através de acessos orbitários minimamente invasisvos apresenta menores complicações oculares e o tecido pode ser melhor estudado pelo patologista. O tratamento da metástase orbitária é absolutamente paliativo na maioria dos casos e baseia-se principalmente na radioterapia, associada a quimioterapia ou terapia hormonal quando adequado. Em casos de lesões delimitadas, ao se realizar a bi´opsia da lesão, todo tumor pode ser retirado evitando crescimento local. A exenteração é geralmente contraindicada, principalmente em pacientes com pouca expectativa de sobrevida.7,16


130  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Metástases Orbitárias Referências Bibliográficas   1. Shields CL, Shields JA, Gross NE, Schwartz GP, Lally SE. Survey of 520 eyes with uveal metastases. Ophthalmology, 1997 Aug;104(8):1265-76.   2. Goldberg RA, Rootman J, Cline RA. Tumors metastatic to the orbit: a changing picture. Surv Ophthalmol, 1990 Jul-Aug;35(1):1-24.  3. Goldberg RA, Rootman J. Clinical characteristics of metastatic orbital tumors. Ophthalmology. 1990 May;97(5):620-4.   4. Castro PA, Albert DM, Wang WJ, Ni C. Tumors metastatic to the eye and adnexa. Int Ophthalmol Clin, 1982 Fall;22(3):189-223.   5. Gunalp I, Gunduz K. Metastatic orbital tumors. Jpn J Ophthalmol, 1995;39(1):65-70.   6. Shields JA, Shields CL, Brotman HK, Carvalho C, Perez N, Eagle RC, Jr. Cancer metastatic to the orbit: the 2000 Robert M. Curts Lecture. Ophthal Plast Reconstr Surg, 2001 Sep;17(5):346-54.   7. Ahmad SM, Esmaeli B. Metastatic tumors of the orbit and ocular adnexa. Curr Opin Ophthalmol, 2007 Sep;18(5):405-13.  8. Goncalves AC, Moura FC, Monteiro ML. Bilateral progressive enophthalmos as the presenting sign of metastatic breast carcinoma. Ophthal Plast Reconstr Surg 2005 Jul;21(4):311-3.   9. Font RL, Ferry AP. Carcinoma metastatic to the eye and orbit III. A clinicopathologic study of 28 cases metastatic to the orbit. Cancer, 1976 Sep;38(3):1326-35. 10. Goncalves AC, Costa PG, Monteiro ML. [Inferior rectus muscle metastasis as a presenting sign of renal cell carcinoma: case report]. Arq Bras Oftalmol, 2006 May-Jun;69(3):435-8. 11. Goncalves AC, Moritz RB, Monteiro ML. Primary localized amyloidosis presenting as diffuse amorphous calcified mass in both orbits: case report. Arq Bras Oftalmol, 2011 Sep-Oct;74(5):374-6. 12. Slamovits TL, Burde RM. Bumpy muscles. Surv Ophthalmol, 1988 Nov-Dec;33(3):189-99. 13. Arora R, Rewari R, Betharia SM. Fine needle aspiration cytology of orbital and adnexal masses. Acta Cytol, 1992 Jul-Aug;36(4):483-91. 14. Kennerdell JS, Dekker A, Johnson BL, Dubois PJ. Fine-needle aspiration biopsy. Its use in orbital tumors. Arch Ophthalmol, 1979 Jul;97(7):1315-7. 15. Liu D. Complications of fine needle aspiration biopsy of the orbit. Ophthalmology, 1985 Dec;92(12):1768-71. 16. Moreiras JVS, J.; Prada, M.C.; Coloma J. Tumors metastatic to the orbit. In: Moreiras J V PMC, editor. Orbit: Highlights of Ophthalmology; 2004.


S e ç ã o  I v

Sistema Lacrimal


Guilherme Herzog Neto

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Anatomia e Embriologia das Vias Lacrimais Excretoras

As vias lacrimais excretoras (VLE) ou de drenagem lacrimal, transportam a lágrima que banha a superfície do bulbo ocular para as fossas nasais. Existe uma via lacrimal para cada olho, localizadas entre o olho e o nariz. São constituídas pelas estruturas anatômicas relacionadas a seguir: dois pontos lacrimais, um superior e um inferior, situados na margem palpebral medial, na porção lacrimal da pálpebra superior e inferior, respectivamente. um canalículo superior e um inferior de cada lado. Cada canalículo é contínuo com o ponto lacrimal. Cada canalículo possui uma porção vertical, uma ampola (transição alargada da porção vertical), e uma porção horizontal. um canalículo comum ou seio de Maier, que é a união de ambos os canalículos horizontais e que desemboca no saco lacrimal. um saco lacrimal, situado na fossa lacrimal entre os ligamentos medial anterior e posterior. um conduto lacrimonasal contínuo com o saco lacrimal, que possui uma porção intraóssea, no corpo do osso maxilar, e que desemboca na fossa nasal, abaixo do corneto inferior (Figs. 1 e 3). Os pontos lacrimais podem ser observados pela biomicroscopia, com auxílio de corantes tópicos, como rosa-bengala ou fluoresceína. Possuem aproximadamente 0,2 a 0,5 mm de diâmetro, sendo o diâmetro do inferior maior que o do superior. Os pontos lacrimais em VLE normais podem apresentar vários formatos: circular (40%), oval ou longitudinal (30%), em forma de rim (4%), longitudinal ou transversal (3%), oblíquo (2%). Em olhos com as vias lacrimais previamente tratadas, a maioria dos pontos lacrimais tem o formato circular. Quando os olhos estão abertos, o ponto lacrimal superior fica a 6 mm do canto interno e o inferior a 6,5 mm do mesmo e ambos se coaptam quando os olhos se fecham.

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133  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Anatomia e Embriologia das...

Fig. 1  Anatomia normal das vias lacrimais em cadáver (Moreiras, JVP & Prada, MC. Highlights of Ophthalmology International Orbit, 2004). CLS: canalículo superior. CLI: canalículo inferior. SL: saco lacrimal. CL: ducto lacrimonasal.

Fig. 2  Relação das vias lacrimais com as estruturas adjacentes (Casper DS, Chi TL, Trokel SL. Orbital disease, imaging and analysis. New York: Thieme, 1993. Fig. 2-86. p. 88).

Fig. 3  Exame dacriocistográfico de vias lacrimais normais. Observar os canalículos, os sacos lacrimais e os ductos lacrimonasais, com o contraste chegando até as fossas nasais.


134  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Anatomia e Embriologia das... Os canalículos podem ser divididos em uma porção vertical de 2 mm de comprimento e que termina se alargando em uma ampola de 1,5 a 2 mm de largura, ampola esta que gira medialmente em um ângulo de quase 90 graus para formar a porção horizontal do canalículo, que apresenta 6 a 10 mm de comprimento e 0,5 a 2 mm de diâmetro. O registro do comprimento e diâmetro da parte horizontal dos canalículos varia muito provavelmente devido a diferentes métodos de medida, falta de informações precisas do local de início e término do valor mensurado, ou se o canalículo medido foi o canalículo superior e/ou o inferior. O comprimento normal dos canalículos horizontais varia de 5 mm até 10 mm e o diâmetro normal dos canalículos pode variar de 0,5 a 2 mm. A análise dos quatro canalículos por dacriocistografia usando contraste hidrofílico, revela: 1. o diâmetro médio da luz do canalículo superior é 1,07 mm e o diâmetro médio do canalículo inferior é 1,03 mm, não havendo diferença significativa entre estes valores. 2. o comprimento médio do canalículo superior é de 7,56 mm e o comprimento médio do canalículo inferior é de 8,91 mm. O comprimento do segmento horizontal do canalículo inferior é maior que o do canalículo superior. A parede dos canalículos é composta por epitélio escamoso estratificado, envolto por tecido conjuntivo denso e tecido elástico. A dacriocistografia mostra que o canalículo superior e o inferior possuem a mesma importância na drenagem da lágrima, com ligeira vantagem para o canalículo inferior. Porém, a cintilografia lacrimal mostra que o canalículo superior e o inferior possuem a mesma importância na drenagem da lágrima. Os canalículos possuem paredes de tecido elástico e, em determinadas circunstâncias, como obstrução ou injeção sob pressão, podem sofrer dilatação de 2 a 3 vezes o seu diâmetro normal. Os canalículos horizontais se unem para formar o canalículo comum cuja terminação dilatada é denominada de seio de Maier, para somente então penetrar no saco lacrimal. O ângulo formado pelos canalículos horizontais é de aproximadamente 25 graus. O comprimento do canalículo comum varia de 1 a 5 mm. O diâmetro do seio de Maier é maior que o diâmetro dos canalículos horizontais, medindo aproximadamente 1,5 mm. O ângulo médio entre o canalículo superior e o inferior não obstruído, com a fenda palpebral aberta, é de aproximadamente 38 graus. Quando a VLE baixa está obstruída, o ângulo entre o canalículo superior e o inferior está aumentado, provavelmente devido ao aumento do saco lacrimal que se aproxima dos canalículos. O seio de Maier ou o canalículo comum possui diâmetro médio de 1,39 mm, maior que o de cada canalículo isoladamente. O comprimento médio do canalículo comum é 2,13 mm. O comprimento do canalículo comum na obstrução baixa é menor que o comprimento do canalículo comum quando a VLE é pérvia, assim como no bloqueio funcional. Os canalículos horizontais podem desembocar no saco lacrimal juntos (canalículo comum está presente) ou separadamente (canalículo comum ausente), havendo controvérsias sobre o percentual de inexistência do canalículo comum. O saco lacrimal está situado na fossa lacrimal, na parede orbitária medial, em sua parte anterior. O saco é a estrutura mais larga do sistema de drenagem lacrimal. Tem aproximadamente 10 a 15 mm de comprimento no sentido crânio-caudal. A luz do saco lacrimal mede 0,5 até 5 mm no sentido transversal (largura no sentido do nariz a orelha) e 4 a 8 mm de diâmetro no sentido anteroposterior. O saco lacrimal aumenta de diâmetro nos casos de obstrução baixa. A mucosa do saco lacrimal possui epitélio colunar pseudoestratificado, circundado por estrutura membranosa fibroelástica e por fáscia densa.


135  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Anatomia e Embriologia das... O diâmetro do saco lacrimal normal é, em média, de 2,28 mm. Quando há obstrução da VLE baixa, o diâmetro transversal do saco lacrimal aumenta substancialmente (Fig. 4). Apesar de serem descritos como estruturas distintas, o ducto lacrimonasal e o saco lacrimal anatomicamente são uma estrutura contínua única. O ducto lacrimonasal é a porção terminal da VLE. Possui uma porção intraóssea (osso maxilar) e outra membranosa que desemboca no meato

Fig. 4  Dacriocistografia mostrando via lacrimal pérvia à esquerda com dacriólitos no saco lacrimal e obstrução baixa à direita, com grande dilatação do saco lacrimal.

inferior do nariz. O canal ósseo mede 3 mm de diâmetro e 12 mm de comprimento, e a porção membranosa tem 3 a 5 mm de comprimento, sendo coberto pela válvula de Hasner. O diâmetro do ducto lacrimonasal é, em média, de 2,84 mm. A VLE possui diversas válvulas ou pregas: válvula de Bochdalek, localizada no ponto lacrimal; válvula de Foltz, no canalículo vertical; válvula de Rosenmüller, na entrada do canalículo comum no saco lacrimal; válvula de Krause ou Beraud, entre o saco e o ducto lacrimonasal; válvula de Taillefer, no ducto lacrimonasal e valva de Hasner, no meato inferior. Estas válvulas, com exceção da válvula de Hasner, são pouco desenvolvidas e provavelmente representam pregas ou dobras de tecido sem função. A presença de irregularidades do ducto lacrimonasal vistas nos exames de imagem provavelmente representam as válvulas. A função das válvulas é prevenir o refluxo de ar para o saco lacrimal e para o olho. O refluxo de ar para o olho em expiração forçada com oclusão das narinas demonstra defeito do sistema valvular, como ocorre após uma dacriocistorrinostomia. A largura média do ducto lacrimonasal é 1,6 mm. Quando há obstrução, a largura do ducto lacrimonasal é maior que largura dos canalículos. As relações das VLEs com as estruturas anatômicas adjacentes são (Figs. 2, 3 e 4): 1. o ligamento palpebral medial fica logo à frente dos canalículos. 2. o canalículo comum faz uma curva posterior para anterior antes de penetrar no saco lacrimal. 3. o saco lacrimal fica entre a cruz anterior e a posterior do ligamento cantal medial, dentro da fossa lacrimal. As fibras palpebrais do músculo orbicular se inserem no ligamento palpebral superficialmente e na fáscia lacrimal ao redor do fundo do saco lacrimal, profundamente. O ápice do saco lacrimal ultrapassa o ligamento cantal medial, onde é recoberto por fibras musculares rígidas. A maior parte do saco lacrimal fica abaixo do ligamento onde as fibras musculares são mais frouxas. Por este motivo, fístulas lacrimais ou distensão do saco lacrimal geralmente ocorrem abaixo do ligamento cantal. 4. medialmente ao saco lacrimal e a fossa lacrimal está o meato médio, cabeça do corneto médio e, às vezes, as células etmoidais anteriores. Estas estão separadas do saco lacrimal pelo osso lacrimal e processo frontal do osso maxilar. Estas estruturas e relações anatômicas são importantes no tratamento cirúrgico das obstruções baixas. 5. o saco lacrimal e ducto lacrimonasal se direcionam inferiormente através da maxila para desembocar na cavidade nasal, abaixo do corneto inferior. A porção intraóssea do ducto lacrimonasal mede aproximadamente 12 a 15 mm e desemboca no meato inferior do nariz.


136  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Anatomia e Embriologia das... O ducto lacrimonasal segue um vetor posterior e lateral em relação à fossa lacrimal, o que deve ser levado em consideração ao se realizar uma sondagem terapêutica. A porção terminal do ducto lacrimonasal no recém-nascido apresenta uma curva medial que tende a se retificar com a idade. O óstio do ducto lacrimonasal fica a aproximadamente 2,5 cm posterior à narina.

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Marcos Volpini • Guilherme Herzog Neto • Silvana A. Schellini

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Fisiologia da Excreção Lacrimal

A excreção lacrimal se dá por um processo complexo que envolve vários mecanismos. A lágrima produzida na glândula lacrimal principal e acessórias desce em direção a pálpebra inferior por efeito da gravidade, penetra nos pontos lacrimais por capilaridade, alcança os canalículos, passa para o saco lacrimal e daí para o ducto lacrimonasal, até chegar ao meato nasal inferior. O canalículo lacrimal inferior é mais longo que o superior e o ponto lacrimal superior fica mais medial que o inferior quando os olhos estão abertos. Com o fechar das pálpebras, as inserções superficiais e profundas do músculo orbicular pré-tarsal comprimem a ampola canalicular e encurtam o canalículo horizontal. O ponto lacrimal inferior se move medialmente, de modo que quando os olhos estão fechados, ambos os pontos lacrimais ficam justapostos. Simultaneamente, a inserção profunda do músculo orbicular pré-septal, firmemente ligada à fáscia que envolve o saco lacrimal, se contrai, expandindo o saco e criando pressão negativa dentro da VLE, ocasionando um mecanismo de “sucção”. Este mecanismo conduz o fluido da ampola e canalículos em direção ao saco lacrimal. Quando os olhos se abrem, os músculos se relaxam e a elasticidade da fáscia que envolve o saco lacrimal faz com que o mesmo se colapse, forçando as lágrimas para dentro do ducto, em direção ao nariz. Segundo Jones, a evacuação do saco lacrimal se dá de forma passiva, devido à elasticidade do diafragma lacrimal que, ao retornar à sua posição de repouso, esvazia a cavidade impulsionando o fluido para dentro do ducto lacrimonasal. No entanto, Doane considera que há compressão do saco lacrimal durante o piscar. Quando os olhos se abrem, os pontos se movem lateralmente e, mais uma vez, o fluido entra, enchendo a ampola e aumentando o comprimento dos canalículos (Figs. 1A–C e 2). O canalículo superior possui a mesma importância na drenagem lacrimal que o canalículo inferior, o que foi constatado por meio de avaliação da excreção lacrimal utilizando cintilografia lacrimal. Em termos práticos, há necessidade de reparo de ambos os canalículos quando estes são acometidos por traumas.

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138  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Fisiologia da Excreção Lacrimal

Figs. 1 (A a C)  Mecanismo de bomba lacrimal: A. Pálpebras abertas – lágrimas entram nos canalículos por capilaridade e gravidade. B. Pálpebras fechadas – canalículos encurtam e o saco expande, facilitando a entrada das lágrimas para dentro da via lacrimal por pressão negativa. C. Pálpebras abertas – saco colapsa e a pressão positiva força a lágrima através do ducto, em direção ao nariz. A válvula de Rosenmüller no canalículo comum previne o refluxo (Adaptado dos arquivos da American Academy of Ophthalmology).

Fig. 2  Esquema mostrando o saco lacrimal envolto pelo ligamento palpebral medial e musculatura orbicular, estruturas importantes no mecanismo de bomba lacrimal (Adaptado dos arquivos da American Academy of Ophthalmology).

O mecanismo de contração e relaxamento do músculo orbicular que envolve a via lacrimal excretora (VLE) é conhecido por bomba lacrimal e é o principal responsável pela condução das lágrimas no interior da VLE. O sistema de bomba é dependente do funcionamento do músculo orbicular, do tônus e da posição das pálpebras. Este mecanismo é auxiliado pelas correntes de convecção intranasais que também atuam na drenagem lacrimal em direção à fossa nasal. Fatores ambientais, como a evaporação, também estão envolvidos na drenagem lacrimal. A quantidade de lágrimas perdidas pela evaporação depende de fatores relacionados com o


139  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Fisiologia da Excreção Lacrimal meio ambiente e os olhos. Entre os fatores ambientais, a temperatura ambiente, a umidade do ar, a presença de fatores que aceleram a evaporação como o vento e ar-condicionado, podem alterar a quantidade de lágrimas que será perdida por evaporação. Dos fatores relacionados com os olhos, fendas palpebrais maiores e que deixam os olhos mais expostos, podem ter maior perda de lágrimas. A existência de glândulas seromucosas e lipídicas no epitélio da VLE sugere que todas as três camadas do filme lacrimal se repetem na região do ducto lacrimonasal. Provavelmente a secreção mucosa possa estar associada ao trânsito da lágrima pela VLE, assim como ocorre no trato gastrintestinal. Os fenômenos de defesa, representados pelas células imunocompetentes, linfócitos e macrófagos e pelos peptídeos IgA podem ser encontrados no epitélio e na região subepitelial da VLE e também estão envolvidos na drenagem lacrimal. A parede do saco lacrimal e do ducto lacrimonasal é composta por complexo sistema de fibras de tecido conectivo, dispostas de forma helicoidal. Um extenso plexo vascular comparável ao plexo cavernoso está presente entre as fibras conectivas deste sistema helicoidal (Fig. 3). Este plexo vascular está em conexão com o plexo vascular que existe no corneto nasal inferior. Alterações do calibre da rica rede vascular, mediada por peptídeos vasoativos presentes na inervação local, provoca modificações no lúmen da VLE, influenciando a drenagem lacrimal.

Fig. 3  Microscopia de varredura mostrando áreas circulares ou ovais (setas brancas) que correspondem ao rico sistema vascular localizado ao redor da via de drenagem lacrimal (Barra=1m) (Paulsen et al., 2000).

O epitélio do saco lacrimal e do ducto possui microvilos, o que sugere que possa haver absorção da lágrima nestas regiões. Há hipóteses de que exista um sistema de feed back a partir do plexo venoso disposto ao redor da VLE, de modo que a passagem da lágrima pelo canal excretor e sua consequente absorção pelos microvilos e chegada aos vasos, pode ter conexão com o mecanismo de produção da lágrima pela glândula lacrimal. Resumindo: vários mecanismos estão envolvidos na drenagem lacrimal. O principal é o mecanismo de bomba lacrimal, fortemente influenciado pelo músculo orbicular. Também podem interferir na drenagem lacrimal a força da gravidade, a capilaridade, fenômenos ambientais ou relacionados com os olhos, correntes de convecção intranasais e fenômenos vasoativos.


140  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Fisiologia da Excreção Lacrimal Bibliografia Doane MG. Blinking and the mechanics of the lacrimal drainage system. Ophthalmology, 1981; 88(8):844-51. Nguyen LK, Linberg JV. Evaluation of the lacrimal system. In: Surgery of the eyelid, orbit and lacrimal system. Sao Francisco: American Academy of Ophthalmology, 1995; Section 8. Chap 38. p. 254-69. Jones LT, Wobig JL. Newer concepts of tear duct and eyelid anatomy and treatment. Trans Am Acad Ophthalmol Otolaryngol, 1977; 83:603-16. Paulsen FP, Thale AB, Hallmann UJ, Schaudig U, Tillmann BN. The cavernous body of the human efferent tear ducts: function in tear outflow mechanism. Invest Ophthalmol Vis Sci, 2000; 41: 965-70. Paulsen F. The human nasolacrimal ducts. Adv Anat Embryol Cell Biol, 2003;170:III-XI, 1-106. Soares EJ, França VP. Fisiologia. In: Manual do CBO – Sistema de drenagem lacrimal. Rio de Janeiro: Cultura Médica, 1999; v. 2. p. 9-16.


Assad Rayes • Simone Milani Brandão • Silvana Artioli Schellini

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Propedêutica das Vias Lacrimais

O excesso de lágrimas nos olhos pode acontecer em decorrência de: 1) Lacrimejamento ativo ou hipersecreção lacrimal – acontece por aumento da produção da lágrima, geralmente relacionado com afecções oculares de origem alérgica, inflamatória ou infecciosa (conjuntivites, ceratites, uveítes, etc.) ou processos irritativos (corpos estranhos, triquíase). A hipersecreção lacrimal primária é extremamente rara podendo ser desconsiderada do ponto de vista prático. Há muitos casos de olho seco que apresentam lacrimejamento episódico reflexo, o que também deve ser lembrado durante a abordagem do paciente. Assim, o diagnóstico do lacrimejamento ativo é estabelecido pelo exame oftalmológico (ectoscopia, exame biomicroscópico, fundoscopia). 2) Lacrimejamento passivo ou epífora: ocorre devido ao não escoamento das lágrimas em razão da dificuldade da lágrima alcançar e adentrar nas vias lacrimais excretoras (VLEs) (por alterações do posicionamento palpebral), por deficiência na fisiologia da excreção lacrimal (também conhecido como bloqueio funcional) ou por obstruções na VLE.

Quadro clínico da epífora As afecções das vias lacrimais excretoras estão presentes em 3 a 5% dos pacientes em uma clínica oftalmológica. O primeiro passo e o mais importante é reconhecer que o paciente realmente possui epífora e não lacrimejamento ativo. A própria anamnese pode indicar a existência de alterações oculares, o que é confirmado pelo exame oftalmológico, descartando a epífora e confirmando o lacrimejamento ativo. Supondo que exista lacrimejamento na presença de “olho calmo”, ou seja, não há sinais de que o olho esteja doente, três possibilidades devem ser consideradas: existe obstrução da VLE que pode ser parcial ou total, existe falha do mecanismo de bomba de drenagem lacrimal ou há compressão extrínseca da VLE que não permite o escoamento lacrimal.

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142  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Propedêutica das Vias Lacrimais A epífora ocorre, em geral, em mulheres idosas e apenas cerca de 50% possuem realmente afecção obstrutiva das VLE. Anamnese: deve apontar se a alteração está localizada na VLE alta ou baixa. Nas obstruções que ocorrem nos pontos ou nos canalículos lacrimais, conhecidas por obstruções altas, a queixa do paciente é de excesso de lágrimas nos olhos e não há secreção. Nas obstruções que ocorrem abaixo do saco lacrimal, também conhecidas como obstruções da VLE baixa, a queixa sempre será de lacrimejamento acompanhado de secreção. As características da secreção e a forma como ela se acumula podem dar importantes indícios diagnósticos. Nos casos em que o ponto lacrimal está dilatado e há pus que reflui espontaneamente a partir do mesmo, trata-se provavelmente de canaliculite. Quando há refluxo de pus ao se comprimir a região do saco lacrimal, denota que há obstrução baixa e que o saco lacrimal já se encontra dilatado. As queixas de dor, calor e rubor apontam para quadros infecciosos que podem estar localizados nos canalículos ou no saco lacrimal. Os quadros podem ser uni ou bilaterais e nas obstruções baixas muito frequentemente são assimétricos, ou seja, a queixa é unilateral e depois se torna bilateral. Os antecedentes são importantes, devendo-se investigar traumas orbitopalpebrais, cirurgias nasais prévias, doenças sistêmicas.

Propedêutica da via lacrimal 1) Ectoscopia: observar o posicionamento palpebral, investigar se existe frouxidão tarso-ligamentar, se o ponto lacrimal está aparente (em condições normais ele é voltado para o bulbo e só é observado com tração externa da pálpebra), se o ponto lacrimal é pérvio, se o escoamento das lágrimas em excesso ocorre no canto nasal ou temporal dos olhos (o lacrimejamento temporal, em geral, está relacionado com flacidez palpebral ou epífora funcional), se há secreção ocular, sinais flogísticos ou aumento de volume em topografia do saco lacrimal. O aumento de lágrimas e secreção ocular, na presença de “olho calmo” indica provável obstrução baixa. A presença de sinais flogísticos sobre a região do saco lacrimal ou se estendo pela pálpebra e/ou órbita, pode facilmente mostrar a presença de dacriocistite aguda (Fig. 1). Em geral, o processo agudo se instala sobre um quadro de obstrução crônica das vias lacrimais (Fig. 2). É importante ressaltar que as obstruções da via lacrimal

Fig. 1  Paciente portadora de dacriocistite aguda, com sinais flogísticos na região do canto interno, pericistite e celulite pré-septal.


143  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Propedêutica das Vias Lacrimais baixa levam a dilatação do saco lacrimal, observada abaixo do ligamento cantal medial. Deve-se diferenciar este quadro das afecções que promovem aumento de volume acima do ligamento medial, como os osteomas e as mucoceles frontais ou fronto-etmoidais (Fig. 3).

Fig. 2  Mulher portadora de dacriocistite crônica bilateral. O saco lacrimal direito está dilatado e de ambos os lados há fístulas para a pele, sem sinais flogísticos.

Fig. 3  Portador de mucocele fronto-etmoidal. Notar o abaulamento acima do ligamento medial à esquerda.

2) Expressão do saco lacrimal: quando a expressão do saco lacrimal resulta em refluxo de secreção ou de uma lágrima “viscosa” em direção ao lago lacrimal fica caracterizada a existência de obstrução baixa das vias lacrimais e denota saco lacrimal dilatado. Pelo volume do refluxo já há indícios do grau de dilatação ou ectasia do saco lacrimal (Fig. 4). Caso não haja refluxo de secreção ou lágrima, três possibilidades podem existir: –– a obstrução encontra-se nas vias lacrimais altas; –– a obstrução é parcial ou há compressão extrínseca da VLE; –– o saco lacrimal está preenchido por lesão sólida, suspeitando-se de tumor.

Fig. 4  Expressão do saco lacrimal com grande refluxo de secreção mucopurulenta. A manobra indica que há obstrução baixa das vias lacrimais excretoras e que o saco lacrimal encontra-se dilatado.

3) Teste com corantes: feitos utilizando-se colírio de fluoresceína a 2%, instilado no fundo de saco inferior. –– Teste de Milder (ou teste de Zappia-Milder, ou teste do desaparecimento do corante – após a instilação do colírio de fluoresceína a 2% no fundo de saco inferior, quando a VLE é pérvia, espera-se que o corante desapareça em três minutos (Fig. 5). Em indivíduos idosos, a bomba lacrimal não tem a mesma eficiência que nos indivíduos mais jovens e o desaparecimento da fluoresceína é mais lento, podendo ser de até 5 minutos. Teste de Milder negativo significa vias pérvias. O teste pode ser graduado em cruzes, de uma a quatro,


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Fig. 5  Teste de Milder positivo. Observar que a fluoresceína cora o menisco lacrimal à esquerda.

significando menor ou maior grau de retenção do corante nos olhos. Teste de Milder francamente positivo, sem qualquer escoamento aparente do corante permite afirmar que há obstrução de vias lacrimais. Quando há obstrução baixa e o saco lacrimal está dilatado, o corante pode ser drenado e permanecer no saco lacrimal. Neste caso, com a expressão do saco lacrimal haverá refluxo de secreção tingida pelo corante para o lago lacrimal – o teste é dito negativo, com refluxo positivo e informa que há obstrução baixa e que o saco lacrimal está dilatado. Apesar de não invasivo, o resultado do teste de Milder pode ser dúbio em crianças que choram durante a avaliação. –– Teste de Jones: o corante instilado no fundo de saco inferior deve ser investigado na fossa nasal, sob visibilização direta. a) Teste de Jones tipo I (ou teste primário do corante de Jones): o paciente deve estar sentado, inicia-se com a instilação do colírio, seguida da anestesia da mucosa nasal com lidocaína a 4% (aerossol ou tampão). Após 2 minutos da instilação do colírio, utilizando-se um espéculo nasal, um foco frontal e um cotonete que deve ser introduzido pelo óstio nasal, observa-se a presença ou não da fluoresceína no meato inferior. Interpretação: se o corante chega ao nariz, o teste é positivo e indica que a VLE está pérvia. Quando o cotonete não se cora, o teste é dito negativo e as possibilidades são: existe uma obstrução, houve falha na execução do teste (falso-negativo é possível em 22% dos casos) ou há falência no mecanismo de bomba. O teste sofre a influência da posição do paciente, frequência do piscar, gravidade, volume do corante, condições do assoalho nasal e anatomia da concha inferior. Quando o teste de Jones I é negativo, o teste secundário de Jones (Jones II) ajuda a esclarecer a dúvida e deve ser realizado. b) Teste de Jones II (ou teste secundário do corante de Jones): este teste é complementar ao teste de Jones I. Consiste em lavar o lago lacrimal para remoção do corante. A seguir, procede-se à irrigação da VLE com soro fisiológico, verificando se há refluxo do soro pelos canalículos ou se o soro chega ao cotonete colocado na fossa nasal ou na orofaringe. Além do soro, pode-se ter fluoresceína tingindo o cotonete que está no meato inferior do nariz. Interpretação: caso o soro fisiológico juntamente com a fluoresceína cheguem na cavidade nasal, significa que o corante havia chegado ao saco lacrimal e que a obstrução é parcial. Caso somente o soro alcance a fossa nasal, fica esclarecido que o corante não atingiu o saco lacrimal e que pode haver uma obstrução alta e incompleta ou uma falha na bomba lacrimal. Se nenhum tipo de líquido chega à cavidade nasal, o teste é dito negativo e significa que há obstrução e que ela é completa. O teste de Jones II positivo confirma patência anatômica.


145  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Propedêutica das Vias Lacrimais 4) Teste gustativo: é pouco usado pela sua subjetividade. Consiste na instilação de substâncias que tenham sabor, tipo adocicado ou amargo, perguntando-se ao paciente se sente gosto na orofaringe. Além da subjetividade, deve-se aguardar um tempo de cerca de 15 minutos entre um lado e outro para que não se confunda o paciente. 5) Irrigação das VLE: este exame é muito bom para as suspeitas de obstrução funcional e tecnicamente é mais simples que o teste de Jones. Após a dilatação dos pontos lacrimais, injeta-se soro fisiológico nos canalículos superiores e/ou inferiores. As seguintes situações podem ser esperadas: –– o soro alcança a fossa nasal sem refluxo: situação de provável pseudo-obstrução das vias lacrimais; –– ocorre refluxo do soro com trânsito rápido pelo canalículo oposto: obstrução do canalículo comum; –– ocorre refluxo pelo mesmo canalículo: denota obstrução deste canalículo. 6) Sondagem: este procedimento é, ao mesmo tempo, semiológico e terapêutico, já que a sondagem é o procedimento mais utilizado para o tratamento das obstruções congênitas da via lacrimal. A sondagem é empregada na semiologia da obstrução da via lacrimal alta. Ambos os canalículos devem ser investigados. Os pontos lacrimais devem ser dilatados usando-se dilatador de ponto lacrimal e introduz-se uma sonda de Bowman número 1 ou zero, de modo que ela progrida até tocar o osso nasal. Quando a sonda consegue chegar ao osso nasal, tem-se o hard stop, sinal de que o canalículo está íntegro. Se há lesão de canalículo, a sonda toca a área da obstrução que é mais macia e não atinge o osso nasal, caracterizando o soft stop, indicativo de obstrução de canalículo (Esquema 1).

Esquema 1.  Esquema demonstrativo da sondagem lacrimal diagnóstica.


146  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Propedêutica das Vias Lacrimais Com estes exames e com o raciocínio clínico é possível estabelecer o diagnóstico da maioria das epíforas. Os demais exames que descreveremos a seguir são usados para confirmação da hipótese diagnóstica e para avaliação cirúrgica. 7) Dacriocistografia (DCG): é um exame simples, seguro, rápido e que fornece informações importantes sobre a VLE, contribuindo para a localização precisa da obstrução ou estenose da via lacrimal, para a avaliação do grau de dilatação da via lacrimal e o estudo das estruturas vizinhas. Deve ser realizado sempre bilateralmente. É útil para melhor programação cirúrgica, assim como para a previsão do prognóstico no pós-operatório da dacriocistorrinostomia. Além disso, permite a investigação de tumores malignos e benignos, detecta estenoses (não confundir com válvulas fisiológicas), revela imagens negativas dentro da luz (dacriolitos e tumores) ou fístulas internas (Figs. 6, 7 e 8).

Fig. 6  Dacriocistografia mostrando vias lacrimais pérvias, com a passagem do contraste bilateralmente para as fossas nasais.

Fig. 7  Dacriocistografia mostrando obstrução da via lacrimal à direita e via pérvia à esquerda. Observar que o paciente possui grande hipertrofia de cornetos, confirmando que o exame permite também avaliar estruturas vizinhas.

Fig. 8  Obstrução da via lacrimal baixa bilateralmente, com grande dilatação do saco lacrimal. O saco lacrimal bastante dilatado indica necessidade de remoção de grande retalho de saco lacrimal durante a dacriocistorrinostomia, já que a permanência da dilatação após a cirurgia contribui para a estase e falha da cirurgia.


147  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Propedêutica das Vias Lacrimais Técnica: instila-se colírio anestésico nos olhos. O paciente deve ser posicionado em fronto-naso-placa, na posição sentada. O ponto lacrimal superior ou inferior do lado a ser avaliado é dilatado e o contraste é injetado sob pressão, usando cânulas não traumáticas ou agulhas sem o bisel. Logo em seguida, é feita a aquisição das imagens, usando radiografia convencional ou digital. Existe também a opção da subtração digital que permite melhor avaliação da via lacrimal, sem interferência de outras estruturas, com ou sem a reconstrução em três dimensões. O contraste a ser utilizado pode ser hidrossolúvel ou lipossolúvel. O contraste oleoso é mais denso e fornece dados anatômicos com melhor definição, com delimitação melhor do contorno da VLE. Sua eliminação é mais lenta e pode permanecer na via lacrimal por período variável mesmo quando a VLE é pérvia, o que não valoriza as radiografias de demora. O contraste aquoso passa rapidamente pela via lacrimal, o que faz com que haja necessidade de se radiografar ainda durante a injeção do contraste. 8) Dacriocintilografia: o exame é realizado por meio da instilação no fundo de saco conjuntival temporal inferior de 10 µl de solução salina de pertecnetato de sódio, usando uma micropipeta ou um frasco de colírio. Posiciona-se o paciente sentado em frente à gama-câmara e procede-se as aquisições sequenciais das imagens. O paciente deve permanecer imóvel. Esta técnica não fornece a riqueza de detalhes anatômicos obtidos com a DCG, e muito embora o saco e o ducto lacrimonasal possam aparecer bem delineados, o local da obstrução nem sempre é bem documentado (Fig. 9). Entretanto, a dacriocintilografia fornece dados funcionais da via lacrimal, estando bem indicado para a investigação dos bloqueios funcionais, uma vez que não requer cateterização dos canalículos, nem injeção de substâncias sob pressão. Portanto, as melhores indicações deste exame são: insuficiência da bomba lacrimal, afecções dos pontos lacrimais e canalículos, bloqueios funcionais, para exame de crianças cooperativas e no pós-operatório de cirurgias lacrimais. 8) Tomografia computadorizada: a imagem da via lacrimal é melhor observada por este exame, podendo-se utilizar a injeção de contraste oleoso (associação da tomografia com a dacriocistografia) para tornar ainda mais nítida a VLE. Este exame é o preferido pelos dacriólogos americanos para a propedêutica da VLE. No entanto, devido ao preço do exame, a tomografia computadorizada fica reservada para casos selecionados, tais como fraturas da fossa lacrimal, lacrimonasal ou nasoetmoidais, tumores de canto nasal e investigação da causa de insucesso de dacriocistorrinostomias (Fig. 10).

Fig. 9  Dacriocintilografia sequencial em criança portadora de obstrução baixa à direita. Vias pérvias à esquerda.


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Fig. 10  Imagens tomográficas de osteoma etmoidal que comprimia a VLE, causando epífora.

9) Ressonância magnética: este exame possui grandes vantagens em relação às demais técnicas radiográficas pela sua capacidade de examinar tecidos moles, determinar com bastante especificidade cada tecido, além de não expor o paciente nem o médico à radiação ionizante. A indicação mais precisa deste exame é o diagnóstico de traumas complexos, tumores e seus limites, com consequente planejamento cirúrgico. A via lacrimal pode ser observada mesmo sem a utilização de contrastes, já que os líquidos são vistos em destaque em algumas sequencias de pulso. Entretanto, a instilação de gadolínio pode facilitar ainda mais a observação (Fig. 11). 10) Endoscopia nasal: tem se tornado de fundamental importância no estudo dacriológico. Como o ducto lacrimonasal tem seu óstio situado no meato inferior, afecções das fossas nasais, tais como rinite alérgica, lateralização e hipertrofia do corneto inferior, etmoidites, pólipos e tumores primários de fossa nasal simulam perfeitamente um quadro de obstrução lacrimal. A endoscopia é particularmente importante nas avaliações pós-cirúrgicas das dacriocistorrinostomias e após sondagens de vias lacrimais, uma vez que com a visibilização direta do sítio cirúrgico (porção anterior do corneto médio) e do óstio do ducto lacrimonasal no meato inferior permite conhecer as causas do fracasso cirúrgico, além de abrir a possibilidade de correção do problema por via endoscópica. Os endoscópios rígidos oferecem melhor qualidade de imagem, dispõem de luz fria e dispositivos para documentação (Fig. 12).

Fig. 11  Imagem de ressonância magnética mostrando o ducto lacrimonasal contendo contraste a esquerda.


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Fig. 12  Exame endoscópico nasal mostrando tubo de silicone do meato médio, após dacriocistorrinostomia.

Os exames propedêuticos podem ser divididos em dois grupos: 1) Exames funcionais – pesquisam a função da VLE. São feitos apenas com observação e sem injeções sob pressão: testes usando corantes, cintilografia e ressonância magnética. 2) Exames anatômicos – fornecem informações sobre a anatomia da VLE. São eles: dacristocistografia, tomografia, ressonância magnética e endoscopia nasal. Resumindo: a propedêutica da VLE se inicia com a anamnese que deve levar em conta os sintomas de lacrimejamento e os fatores associados, como a secreção, que denota obstrução baixa. Os exames diagnósticos devem ser empregados a partir do diagnóstico presuntivo: obstrução funcional, obstrução baixa ou obstrução alta, conforme demonstrado no algoritmo abaixo. Os testes com corantes, particularmente o teste de Milder, auxiliam no diagnóstico. A dacriocistografia fornece dados anatômicos importantes para o planejamento cirúrgico e pesquisa de causas de insucesso da cirurgia. A cintilografia define os casos de obstrução funcional. O algoritmo a seguir ilustra este resumo.


150  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Propedêutica das Vias Lacrimais Bibliografia Francisco FC, Carvalho ACP, Torres Neto G, Francisco VFM, Souza LAM, Francisco MC et al. Evaluation of the lacrimal system by radiological methods. Radiol Bras, 2007; 40 (4):273-8. Mainville N, Jordan DR. Etiology of tearing: a retrospective analysis of referrals to a tertiary care oculoplastics practice. , 2011; 27(3):155-7. Milder B. Management of epiphora. In: Hornblass A. Oculoplastic, orbital and reconstrutive surgery. Baltimore: Williams& Wilkins;1990; vol 2.1372p. Munk PL, Burhenne LW, Buffam FV, Nugent RA, Lin DT. Dacryocystography: comparison of water-soluble and oil-based contrast agents. Radiology, 1989; 173(3):827-30. Rózycki R, Jakubaszek A, Maliborski A. [Causes of epiphora in diagnosed and treated patients in Department of Ophthalmology in Military Institute of Health Service]. Klin Oczna, 2009; 111(10-12):319-22. Schellini SA, Hercules LA, Padovani CR, Nascimento SM, Lopes PS, Schellini RC. Dacriocistografia na propedêutica da via lacrimal excretora de adultos. Arq Bras Oftal, 2005; 68 (1):89-92. Utilization patterns for diagnostic imaging in the evaluation of epiphora due to lacrimal obstruction: a national survey. Ophthal Plast Reconstr Surg, 2010; 26(3):168-71. Weber AL, Rodriguez-DeVelasquez A, Lucarelli MJ, Cheng HM. Normal anatomy and lesions of the lacrimal sac and duct: evaluated by dacryocystography, computed tomography, and MR imaging. Neuroimaging Clin N Am. 1996; 6(1): 199-217.


Larissa Horikawa Satto • Silvana Artioli Schellini

C a p í t u l o | 14

Obstrução Lacrimal Congênita – Diagnóstico e Tratamento

Embriologia da via lacrimal excretora (VLE) A formação da VLE inicia-se na 4a semana de vida intrauterina por invaginação do ectoderma primitivo da região da fenda órbito-facial. Na 5a semana, ocorre a formação de um cordão sólido, não canalizado, de células ectodérmicas, que se aloja no espaço entre a fossa nasal e o ângulo interno das pálpebras. A partir da 6a semana, tem-se a formação dos canalículos, que crescem em direção à fenda palpebral e alcançam as margens palpebrais na 10a semana de vida intrauterina. Inicia-se, então, o espessamento celular na parte média do cordão celular primitivo para a formação do saco lacrimal. Durante o 4o mês de vida intrauterina, ocorre a absorção gradativa das células mais internas do cordão ectodérmico, dando lugar ao lúmen da VLE. A canalização parece se dar a partir do saco lacrimal, em direção aos canalículos e ao ducto lacrimonasal, embora alguns acreditem que a canalização se inicie em múltiplos locais. No 7o mês, ocorre a abertura dos pontos lacrimais na margem palpebral. O saco lacrimal apresenta as maiores células epiteliais de toda a VLE e, com a reabsorção dessas grandes células na época da canalização, o diâmetro do saco torna-se o maior de toda a via lacrimal. No 8o mês, ocorre a abertura do canal lacrimonasal na fossa nasal, no meato inferior, sendo que a última parte da VLE a se tornar patente é a junção distal do ducto lacrimonasal com a cavidade nasal. Esta canalização, muitas vezes, somente se completa após o parto. Alterações congênitas da VLE – várias são as alterações que podem ocorrer no desenvolvimento embriológico, resultando nas diversas formas de obstrução lacrimal do recém-nato, tais como: 1) ausência de pontos lacrimais 2) ausência de canalículos 3) ausência de pontos e canalículos

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152  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Obstrução Lacrimal Congênita 4) pontos lacrimais extranumerários 5) anomalias do saco lacrimal (fístula, divertículo, mucocele) 6) obstrução do ducto lacrimonasal – é a mais frequente entre as alterações congênitas da VLE, sendo responsável por cerca de 90% das mesmas. Porém, a obstrução congênita do ducto lacrimonasal não representa quadro único, uma vez que existem variações anatômicas importantes nesta região, tendo sido descritos oito possíveis tipos de terminação do ducto nos portadores de obstrução lacrimonasal congênita (Fig. 1).

Fig. 1  Variações na terminação do ducto lacrimonasal. A via lacrimal pode ser apenas imperfurada no nível da válvula de Hasner (primeiro esquema superior esquerdo) até não ocorrer a formação do canal ósseo por onde deve transitar o ducto lacrimonasal (Schaefer et al.,1987).

Evolução natural da obstrução lacrimonasal congênita A cavitação VLE deve se completar por volta do 8o mês de vida intrauterina. Entretanto, algumas crianças nascem com falta de canalização completa do ducto, podendo isso ocorrer em 1,75 até 73% (este último dado foi obtido em natimortos e, portanto, em bebês que, em tese, não seriam normais). Como a produção de lágrimas não se inicia nos primeiros dias após o nascimento, as obstruções congênitas da VLE não são detectadas precocemente. Investigação da permeabilidade da VLE de recém-natos usando testes com corantes mostrou que cerca de 78,5% apresentam obstrução da VLE, com correlação positiva entre aumento da permeabilidade da VLE e o grau de maturidade da criança. Portanto, a maioria das crianças provavelmente nasce com a VLE não totalmente canalizada, não se constatando epífora pela ausência de produção de lágrimas nessa fase. A canalização pode se completar logo após o nascimento ou um


153  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Obstrução Lacrimal Congênita pouco mais tarde, havendo chance de cura espontânea no período entre o nascimento até 1 ano de vida em cerca de 80 a 98% dos casos. Resolução espontânea tem sido observada mesmo em crianças acima de 1 ano, embora a chance de cura espontânea diminua progressivamente com o aumento da idade. Porém, não só a idade da criança determina a possibilidade de cura, tendo sido observado que a chance é menor quando o saco lacrimal se encontra dilatado. O local da obstrução também é importante, sendo melhor o prognóstico quando a obstrução ocorre mais próximo da válvula de Hasner.

Quadro clínico da dacrioestenose congênita A obstrução congênita pode ocorrer na via lacrimal alta (ausência de pontos e/ou canalículos), quando a criança apresentará apenas epífora, ou na via lacrimal baixa (obstrução lacrimonasal) quando haverá epífora e secreção que pode estar aderida aos cílios ou nos fundos de saco conjuntivais, inclusive ocasionando eczema das pálpebras. Caso exista dilatação de saco lacrimal, poderá ser observado abaulamento na região do saco lacrimal e refluxo de secreção à expressão do saco lacrimal. Em geral, o quadro é bilateral, permanecendo unilateral em porcentagem expressiva de casos (Figs. 2A e B). Para firmar o diagnóstico de obstrução congênita da VLE, levar em conta dois fatores: a epífora surge por volta dos primeiros 15 dias de vida da criança, devido ao fato da produção lacrimal estar ausente ao nascimento e iniciar-se nesta fase. o olho da criança está sempre calmo, já que a afecção é das VLE. Interessante notar que a obstrução lacrimonasal ocorre em ambos os sexos de forma semelhante, diferindo da obstrução que ocorre no adulto, quando a frequência de obstrução é muito maior nas mulheres, excetuando-se as de etiologia traumática. As alterações da VLE podem estar associadas a outras anomalias, como lábio leporino e fissuras palatais, imperfuração da coana nasal, mucoceles nasais e alterações sistêmicas, como tetralogia de Fallot e síndrome de Down. Na síndrome de Down existe ainda um fator local para a epífora que é a falha de funcionamento da bomba lacrimal por atonia dos músculos faciais.

A

B

Figs. 2 (A e B)  Crianças com obstrução lacrimonasal. Observar os olhos lacrimosos, porém “calmos”, com os cílios “colados”. A criança da figura B apresenta fístulas para a pele bilateralmente.


154  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Obstrução Lacrimal Congênita Manifestações clínicas raras da obstrução lacrimonasal congênita 1) Amniotocele (ou dacriocistocele) – é quando, ao nascimento, a criança apresenta nodulação avermelhada ou arroxeada e edematosa na região do saco lacrimal. Postula-se que líquido amniótico esteja represado dentro do saco lacrimal em VLE obstruída, mas não se comprovou em laboratório a origem do líquido presente no saco lacrimal. Não há sinais flogísticos (Fig. 3). 2) Dacriocistite aguda – é rara em portadores de obstrução lacrimonasal congênita. O quadro clínico é semelhante ao observado em adultos. A infecção pode ficar restrita ao saco lacrimal (dacriocistite) ou se estender para os tecidos vizinhos (pericistite – Fig. 4A; celulite pré-septal – Fig. 4B), ou mesmo para a órbita (celulite orbitária), sendo, este último, um quadro muito mais raro. 3) Mucocele intranasal – o ducto pode protruir para dentro da cavidade nasal. Nos quadros bilaterais pode levar à dificuldade respiratória.

Fig. 3  Recém-nascido apresentando amniotocele a esquerda. Observar tumoração no canto interno, com coloração arroxeada.

A

B

Figs. 4 (A e B)  Crianças com dacriocistite aguda. A. Criança com pericistite; B. Criança com celulite pré-septal, secundária a dacrioscistite aguda.


155  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Obstrução Lacrimal Congênita Propedêutica da VLE na dacrioestenose congênita Anamnese: queixa de epífora que surge na 1a ou 2a semana de vida, com ausência de alterações oculares, leva à suspeita de dacrioestenose congênita. Exame externo: olhos lacrimosos e com secreção (o que indica obstrução baixa), na presença de “olho calmo”. Os cílios podem estar umedecidos e a pele palpebral, eczematosa. Pode ou não haver dilatação do saco lacrimal (mucocele). Observar os pontos lacrimais – se presentes ou ausentes, se há fístulas lacrimais (ocorrem sobre o trajeto da via excretora normal) ou se há abaulamento em topografia do saco lacrimal, abaixo do ligamento medial. Expressão do saco lacrimal – quando há refluxo de secreção, indica obstrução baixa e dilatação do saco lacrimal. Teste de Milder – é um exame bom para ser feito em crianças por não ser invasivo. Porém, em crianças muito pequenas e/ou que choram após a instilação do corante, o teste pode ser dúbio. Teste do TOFO – pesquisar fluoresceína na orofaringe após a instilação ocular, usando uma espátula para abaixamento da língua e luz de cobalto. Exame muito bom porque não necessita de sedação ou anestesia geral. Dacriocistografia – importante para se constatar a presença de obstrução e documentar a anatomia da região (Fig. 5). O exame deve ser feito sob anestesia geral pela falta de colaboração das crianças. Pode ser utilizado para confirmação da dacrioestenose congênita e permite verificar o sucesso da sondagem da VLE. Irrigação da via lacrimal excretora – feito sob anestesia geral pela não colaboração das crianças e risco de lesão traumática da VLE. É introduzida fluoresceína diluída em soro fisiológico nos canalículos por meio de cateter colocado nos canalículos. O líquido é recuperado na cavidade nasal, usando aspirador conectado com sonda incolor. Caso não exista obstrução, o líquido amarelado é aspirado da fossa nasal ou da cavidade oral. O exame pode indicar a presença da obstrução congênita, assim como o sucesso da sondagem.

Fig. 5  Dacriocistografia mostrando obstrução baixa à direita e vias pérvias à esquerda.


156  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Obstrução Lacrimal Congênita Cintilografia lacrimal – bom exame para verificar a permeabilidade da VLE em crianças. Não há necessidade de anestesia geral para sua realização, desde que a criança seja cooperativa. Além disso, a quantidade de radiação que o paciente recebe é infinitamente menor, quando comparada com a dacriocistografia. Endoscopia nasal – pode fornecer subsídios valiosos para o tratamento, como a verificação de impactação do corneto no ducto, presença de mucocele nasal. É possível verificar a patência da VLE observando a fluoresceína instilada no olho que sai pelo ducto e alcança o meato inferior. Necessita de sedação para sua realização.

Diagnóstico diferencial 1) doenças oculares que causam lacrimejamento (lacrimejamento ativo) 2) oftalmia neonatorum 3) alterações palpebrais, como o entrópio congênito (raro) ou o epibléfaro (mais comum) 4) hemangioma, encefalocele (Figs. 6A e B) 5) Pseudo-obstrução lacrimonasal – difere da obstrução congênita por se ter o início da epífora mais tardiamente (começando entre 6 meses e 8 anos de idade), alternando períodos de melhora e piora que coincidem com as exacerbações de processo alérgico do qual a criança é portadora. Acomete mais meninas (68,2%) que meninos (31,8%). Na realidade, a via é pérvia, mas existe um obstáculo para a drenagem lacrimal (em geral, edema da mucosa nasal) que leva à dilatação do saco lacrimal, podendo evoluir para obstrução verdadeira.

A

B

Figs. 6 (A e B)  Meningoencefalocele frontoetmoidal, afecção que faz diferencial com dacrioestenose congênita. A criança apresentava, ainda, úlcera de córnea à direita. O exame tomográfico mostra a descontinuidade óssea frontoetmoidal à esquerda.

Tratamento da dacrioestenose congênita Há várias controvérsias com relação ao tratamento da dacrioestenose congênita, principalmente relacionadas com a melhor época para a realização do tratamento. Há os que consideram que as crianças que nascem com a via não totalmente canalizada poderão apresentar


157  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Obstrução Lacrimal Congênita abertura espontânea. Optam por aguardar que a VLE se abra espontaneamente até os 12 meses de idade, com o tratamento baseado em massagens. A conduta até por volta de 1 ano de idade deve ser a seguinte: 1) Massagem, a ser feita diariamente, duas ou três vezes, sobre a região do saco lacrimal. Existem dois tipos de massagem: a esvaziadora e a de Crigler. A massagem esvaziadora tem a finalidade de remover a secreção que possa estar alojada no saco lacrimal, evitando que a estase promova a perda da atividade antibacteriana da lisozima (enzima que está presente na lágrima normal), com consequente aumento dos micro-organismos e instalação da dacriocistite. Assim, haveria a reabsorção dos restos embrionários que estão dentro da via lacrimal e a permeabilidade se estabeleceria espontaneamente. O outro tipo de massagem seria a massagem hidrostática ou de Crigler (Fig. 7), que consiste na aplicação de força/ pressão sobre o saco lacrimal e deslocamento inferior do dedo polegar sobre a região do saco lacrimal, com o intuito de criar uma pressão em “válvula de bola” no sentido inferior, coincidindo com o trajeto do ducto lacrimonasal, promovendo a abertura da membrana mucosa que possa estar obstruindo a via lacrimal. Com ambos os procedimentos, existe a possibilidade de cura, sempre com índices piores quando as crianças são maiores. A efetividade da massagem é discutível. Entretanto, há documentação cintilográfica e endoscópica de que a manobra é eficiente. 2) Uso de colírio antibiótico é controverso. Há uma corrente que prega o uso por entender que a inflamação mantida na VLE levará à fibrose e prejudicará o resultado. Outros comentam que o uso do colírio não se justifica por não se ter uma infecção verdadeira e que o uso indiscriminado levará a resistência bacteriana. A maioria dos oftalmologistas não utiliza os colírios antibióticos e não há evidências que justifiquem o seu uso. 3) Uso de solução fisiológica nasal – também não é unanimidade. Porém, manter a cavidade nasal limpa pode facilitar o fluxo de lágrimas em direção ao nariz. 4) Sondagem lacrimal – é o tratamento indicado para a obstrução lacrimonasal congênita. Há controvérsia sobre qual seria a idade ideal para a realização da sondagem, existindo duas correntes: uma que defende a sondagem precoce, realizada em recém-natos, no próprio

Fig. 7  Esquema mostrando a massagem de Crigler. Observe a pressão na região do saco lacrimal, seguida da expressão para o sentido inferior.


158  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Obstrução Lacrimal Congênita consultório, assim que é detectado o problema, apenas com anestesia tópica e contenção da criança e outra que acredita ser melhor realizar a sondagem mais tardiamente, baseando-se no fato de que a cura espontânea ocorre na maioria das crianças portadoras do problema, evitando-se procedimentos desnecessários e diminuindo o risco de trauma iatrogênico dos canalículos.

Indicações de sondagem precoce Existem três situações nas quais a sondagem deve ser feita precocemente, independe da idade da criança: 1) crianças portadoras de mucocele do saco lacrimal 2) crianças que apresentam ou já presentaram dacriocistite aguda. 3) crianças com amniotocele, embora já tenha sido relatada cura espontânea em crianças com amniotocele. Apesar da literatura sobre o assunto relacionar fortemente os índices de cura obtidos com a sondagem com a idade da criança, relatando diminuição da chance de êxito com o aumento da idade, os estudos mais recentes apontam resposta semelhante no primeiro ou no segundo ano de vida. A sondagem deve ser o primeiro tratamento a ser empregado, independentemente da idade da criança, pois já foi provado que há chance de cura mesmo em crianças acima dos 24 meses de vida. É importante frisar que o índice de cura com a sondagem não varia significativamente com a idade e que outros fatores, como o tamanho do saco lacrimal, o local da via lacrimal onde ocorre a obstrução e a presença de alterações intranasais (mucocele intranasal, hipertrofia dos cornetos ou da adenoide, desvio de septo) também interferem com a possibilidade de cura. A chance maior de falha com a sondagem em crianças maiores talvez esteja relacionada com a seleção de malformações mais importantes. Outra causa poderia ser que a manutenção de inflamação crônica poderia predispor a alterações cicatriciais da luz lacrimal, o que parece menos provável. Portanto, não existe uma idade que possa ser tida como a ideal para se realizar a sondagem da via lacrimal. A sondagem deve ser postergada nas crianças que não apresentam dilatação do saco lacrimal, que devem ser mantidas com massagem, uma vez que a chance de cura espontânea é grande dentro dos primeiros anos de vida. Procedimento para sondagem: tecnicamente a sondagem é um procedimento muito simples. Preconiza-se que seja feito sob anestesia geral, usando dilatador de via lacrimal e sonda de Bowman 0-00, com ogiva na extremidade (Fig. 8). Nas crianças que não se curam com a sondagem, há necessidade de explorar a via lacrimal com outros exames como a dacriocistografia ou a endoscopia nasal para verificação da causa da obstrução ou do insucesso da sondagem. A chance de sucesso em ressondagens é pequena e o procedimento deve ser indicado excepcionalmente. 1) Intubação da via lacrimal: para as crianças nas quais a sondagem não resultou em cura da epífora e que realmente possuem alteração da VLE, o próximo passo é a intubação lacrimal,


159  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Obstrução Lacrimal Congênita

Figs. 8  Criança em procedimento de sondagem da VLE usando sonda de Bowman. Observe no esquema da direita que a sonda deve ser introduzida respeitando a porção vertical do canalículo, seguindo-se pela horizontalização até que se toque no osso nasal, quando se passa a verticalização até encontrar o ducto lacrimonasal. As manobras devem ser todas delicadas a fim de evitar trauma iatrogênico para a VLE.

a ser feita usando a sonda de Crawford ou de Ritley. O tempo de permanência da intubação na via lacrimal varia de acordo com os diferentes autores. No entanto, manutenção mínima deve ser de 60 dias. 2) Dacrioplastia com cateter balão: pouco empregado na prática, possui resultados contraditórios. Consiste na intubação da VLE com um dispositivo que pode ser acionado dentro do canal lacrimonasal, com insuflação de um balão que dilata a VLE. Este balão deve permanecer insuflado por alguns minutos e depois é removido. O equipamento possui custo elevado, o que também deve ser considerado. 3) Dacriocistorrinostomia: quando as manobras anteriores não resolveram o problema da epífora, pode ser necessária a realização de dacriocistorrinostomia. Há controvérsias quanto à idade ideal para a realização desta cirurgia em crianças. O procedimento pode ser realizado pela via externa ou endonasal, com resultados semelhantes, exceto no caso de crianças muito pequenas quando os equipamentos a serem empregados na cirurgia endonasal podem não ser adequados. Os índices de sucesso com o procedimento são semelhantes aos obtidos em adultos.

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João Amaro Ferrari Silva • Roberta L. F. Sousa • Silvana A. Schellini

C a p í t u l o | 15

Afecções das Vias Lacrimais Altas

A via lacrimal excretora alta (VLA) é formada pelos pontos lacrimais, canalículos (superior e inferior) e o canalículo comum. Algumas afecções atingem tanto os pontos lacrimais quanto os canalículos. A queixa é epífora, que pode ser mais ou menos intensa a depender da alteração estar restrita a um ou aos dois canalículos, assim como da idade do indivíduo, já que a produção da lágrima é inversamente proporcional ao aumento da idade. A principal causa de obstrução das VLA é a laceração traumática dos canalículos, seguida da obstrução de causa indefinida, alterações congênitas (agenesia, imperfuração, ausência de canalículos), tumores, uso de alguns colírios (antiglaucomatosos, antivirais, quimioterápicos), inflamação crônica da conjuntiva e córnea (clamídia, herpes), falha na bomba lacrimal, radioterapia, quimioterapia sistêmica e queimadura química. Entre os traumas, nas crianças, a principal causa é a mordedura de cão e nos adultos, os acidentes automobilísticos.

Alterações dos pontos lacrimais 1) ausência de pontos lacrimais: pode ocorrer mal-formação congênita, iatrogenia ou por remoção decorrente de lesões malignas da região; 2) estenose de pontos lacrimais: em geral, ocorre por exposição constante a fatores agressores (como nos ectrópios). Outros fatores seriam trauma, iatrogenia ou mal-formação congênita. Exame: observar posição e tamanho do ponto lacrimal, procurando evidenciar estenose, imperfuração, ectopia, hiperemia (sinal de canaliculite) ou ausência (agenesia congênita, pós-remoção cirúrgica de tumores de canto interno). Tratamento: cirurgia dos “um, dois ou três cortes”, com anestesia infiltrativa local, usando tesoura de Vannas ou bisturi, realiza-se uma abertura na porção conjuntival da ampola, de

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163  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Afecções das Vias Lacrimais Altas forma perpendicular (cirurgia de um corte ou one snip). Se insuficiente, realiza-se uma segunda incisão, na margem livre da pálpebra, através do ponto lacrimal e interessando parte do canalículo. Nos casos mais avançados, pode-se unir as extremidades distais das incisões e retirar um segmento de tecido (cirurgia dos três cortes ou three snip). O fragmento deve ser muito pequeno, a fim de melhor preservar a anatomia da região.

Alterações dos canalículos As enfermidades dos canalículos podem ser divididas em supurativas e não supurativas.

Lesões supurativas 1) Granuloma piogênico: resultante do crescimento de células endoteliais vasculares e de tecido de granulação no lúmen dos canalículos, geralmente de origem desconhecida ou decorrentes de processos inflamatórios crônicos do interior do canalículo. Emergem pelos pontos lacrimais e são facilmente removidos. 2) Canaliculite: é uma infecção incomum, localizada nos canalículos lacrimais. Apesar dos sinais e sintomas característicos, está entre as afecções oculares mais subdiagnosticadas, já que cerca de 60% dos casos são erroneamente reconhecidos como conjuntivite crônica, dacriocistite, hordéolo ou calázio. A média para se estabelecer o diagnóstico desta afecção é de três anos e cerca de 50% dos casos possuem diagnóstico tardio. Alguns pacientes permanecem meses ou até anos sem o diagnóstico apropriado. As canaliculites podem ser primárias, ou seja, a inflamação é do próprio canalículo, ou secundárias a infecções de estruturas adjacentes (como celulite orbitária), carcinomas ou papilomas de canalículo. A infecção dos canalículos também pode disseminar-se para estruturas adjacentes, tendo sido já relatada celulite orbitária após curetagem para tratamento de canaliculite. As canaliculites secundárias são mais frequentes que as primárias. O número de casos de canaliculites aumentou muito após o uso dos plugs para tratamento do “olho seco”. Apesar de classicamente ser apontado o Actinomyces israelli (componente da flora normal da cavidade oral) como o agente mais frequente, recente revisão evidenciou como importantes causadores o Streptococcus e os Staphylococcus. Outros possíveis agentes seriam Candida, Fusarium, Nocardia, Aspergillus. Mesmo sendo possível obter-se 100% de identificação do agente nos cultivos de portadores de canaliculites, há relatos de positividade da ordem de 50%, 23% ou mesmo 100% de negatividade, podendo algumas vezes o agente ser indicado pela bacterioscopia, quando são detectadas hifas filamentosas Gram-positivas. A confirmação do agente é feita em cultura, usando meio anaeróbio (tioglicolato de cálcio). Quadro clínico: epífora, dor, hiperemia e edema, localizados na região do canalículo afetado (Fig. 1) e sobre o ponto lacrimal que se encontra hiperêmico, dilatado, com saída espontânea de secreção mucopurulenta. Pode acometer um ou mais canalículos, afetando com maior frequência o canalículo superior e mulheres menopausadas, devido à diminuição da produção lacrimal em resposta à queda dos níveis hormonais.


164  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Afecções das Vias Lacrimais Altas

Fig. 1  Canaliculite. Observar o aumento de volume na região do canto interno.

Diagnóstico: é eminentemente clínico. Entretanto, a dacriocistografia pode mostrar o canalículo dilatado, além da ultrassonografia e da ressonância magnética que podem ser utilizadas nos casos mais difíceis. Tratamento: o tratamento da canaliculite é cirúrgico. Consiste na canaliculotomia sob anestesia local, havendo várias formas de realizá-la, com ou sem preservação do ponto lacrimal, com incisão sobre uma sonda de Bowman previamente introduzida no canalículo, seguida da curetagem das concreções e irrigação exaustiva com soro fisiológico. A sutura do canalículo é opcional. Deve-se associar tratamento antibiótico no pós-operatório para a obtenção de melhores resultados, já que a enfermidade promove no interior do canalículo várias dilatações saculares que podem sofrer infecção secundária. Várias outras modalidades terapêuticas foram relatadas, como a oxigenioterapia hiperbárica, a intubação, a dacriocistorrinostomia com intubação retrógrada e o tratamento conservador baseado em irrigação dos canalículos com antibióticos. 3) Canaliculopatia estenosante: resultado de enfermidade inflamatória que promove a obstrução cicatricial do canalículo, por fibrose e infiltrado celular. A estenose dos canalículos pode predispor a canaliculites. Pode ser decorrente de infecção herpética, conjuntivites virais, tracoma, bem como pode ocorrer por uso de radioterapia local ou de medicamentos locais ou sistêmicos, como o IDU (anti-herpético usado no passado), pilocarpina e o taxol (antineoplásico). Tratamento: na prevenção e nos casos iniciais de estenose, proceder à intubação bicanalicular de toda a via lacrimal excretora com Silastic®.

Lesões não Supurativas 1) Tumores do ponto ou canalículos: raramente lesões benignas ou malignas da região próxima dos pontos lacrimais podem levar a oclusão dos mesmos, provocando epífora. Na maioria das vezes trata-se de lesões névicas, papilomas ou oncocitomas. 2) Lesão traumática do canalículo: cerca de 13% dos traumas que acometem a VLE ocorrem nos canalículos. A maioria (71,4%) acomete o ducto lacrimonasal. Geralmente acomete indivíduos jovens e crianças e decorre de agressões físicas, por animais domésticos ou ainda devido a acidentes orbitofaciais. Tendo em vista que ambos os canalículos possuem a mesma


165  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Afecções das Vias Lacrimais Altas importância na drenagem das lágrimas, fato constatado a partir de avaliações do escoamento lacrimal usando dacriocintilografia, a reparação de ambos deve ser valorizada. Trauma recente: exige um exame detalhado dos tecidos lesionados sob biomicroscopia ou sob microscópio (Fig. 2). A cateterização com a sonda de Bowman auxilia na exploração da extensão da lesão. A reparação poderá ser postergada por 24 a 48 horas nos casos em que há edema já que, com a redução do edema, a avaliação e a reparação ficam facilitadas. Durante este tempo, a conduta é limpeza local, compressas geladas e antibioticoterapia tópica. Avaliar se ambos ou apenas um dos canalículos está acometido e se a lesão é próxima do ponto lacrimal ou do canalículo comum. Quando a lesão ocorre a menos de 5 mm do ponto lacrimal, a conduta será a intubação monocanalicular; quando a lesão ocorre mais próximo do canalículo comum ou acomete ambos os canalículos, procede-se a intubação bicanalicular. Traumas antigos: lesões antigas da VL alta podem ser identificadas usando o teste de Milder ou o teste de Jones que mostram que não há drenagem e a comprovação da obstrução se faz utilizando uma sonda de Bowman, quando se tem o soft stop (Fig. 3).

Fig. 2  Trauma recente de canalículo inferior em criança, ocasionado por mordedura de cão.

Fig. 3  Trauma antigo de canalículo inferior, com deformidade de canto interno que fica arredondado.

Tratamento a) Reparação primária: a correção das lesões de canalículos é cirúrgica e a reparação primária possui melhor prognóstico. Deve ser feita sob anestesia geral, já que a infiltração pode dificultar a visibilização dos canalículos. É fundamental a realização do procedimento seguindo técnicas microcirúrgicas, sendo importante a experiência e a habilidade do cirurgião, além da existência de materiais especiais para a intubação lacrimal. A identificação da porção proximal é fácil pela cateterização horizontal do canalículo, a partir do ponto lacrimal. Encontrar a porção distal é mais difícil, sendo necessária observação atenta da área lesionada em lâmpada


166  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Afecções das Vias Lacrimais Altas de fenda ou microscópio cirúrgico. Não usar corante para irrigação, pois poderá impregnar os tecidos lesionados. Dependendo do local da lesão, opta-se pela correção com intubação mono ou bicanalicular. A intubação se faz necessária para que se mantenha um molde ao redor do qual a reparação cicatricial irá ocorrer. É controverso quanto tempo a intubação deverá ser mantida. Porém, o tempo mínimo deverá ser de 60 dias. Técnica usando Abocath posicionado para sutura no interior do canalículo e removido no final do procedimento não fornece resultados satisfatórios. Intubação monocanalicular: está indicada quando a lesão está próxima do ponto lacrimal (< 5 mm). Há várias formas de se realizar o procedimento. Classicamente está indicado o uso do bastão de Veirs, a ser mantido dentro do canalículo suturado, preso por um fio que fica aderido à pele. O Monoka vem sendo utilizado com sucesso para este fim. Uma forma prática é usar um fio 6-0 trançado, cortando a ponta e retificando a agulha que deve ser encamisada por fio de silicone e introduzida no canalículo lesionado. O canalículo é suturado utilizando fios delicados e a agulha encamisada é mantida no seu interior. O fio permanece preso à pele adjacente a área de lesão. A agulha encamisada será deixada no local por 60 dias (Fig. 4). Intubação bicanalicular: está indicada nas lacerações próximas do canalículo comum ou quando ambos os canalículos são lesados. A intubação pode ser facilitada pelo uso do rabo-de-porco ou pig tail. O uso do pig tail é controverso por se considerar que há risco de aumento da área de lesão. No entanto, ele ajuda muito na identificação do coto distal e na passagem do fio de silicone e só haverá iatrogenia se o cirurgião fizer manobras intempestivas. Outro modo de corrigir a laceração bicanalicular é realizando a intubação bicanalicular com a sonda de Crawford. A anastomose do canalículo será restabelecida através de pontos separados, usando fio trançado (Vicryl 7-0) ou monofilamento (Nylon 10-0), que devem ser passados nas porções superior, inferior e anterior do canalículo lesionado. O tubo de silicone permanecerá no local por 2 a 6 meses.

Fig. 4  Intubação monocanalicular no trauma de um único canalículo. Posicionamento da agulha encamisada dentro do canalículo, seguida de sutura.


167  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Afecções das Vias Lacrimais Altas b) Reparação tardia: os resultados são piores. Pode-se tentar a desobstrução do canalículo usando um trépano especial (Lacrimal Trephine, Visitec – EUA), a ser usado intracanalicular. Em seguida, realizar a dacriocistorrinostomia externa com intubação da via lacrimal com silicone. Na falta do trépano, desfazer a área cicatricial da lesão canalicular e refazer com sutura dos canalículos e intubação da via lacrimal com silicone. Na obstrução total dos canalículos, o tubo de Jones, ou tubo de pirex, que é uma prótese de vidro que pode ser utilizada (Fig. 5). Além do uso na reparação da VL alta, o tubo de Jones pode ser usado após cirurgias mal-sucedidas para correção de obstrução baixa. Os tubos possuem comprimento que varia de 10 a 25 mm e colarinho que pode ser de 3,5 (incomoda menos e é mais usado) ou 4,0 mm. Os primeiros tubos eram feitos de ouro, prata, chumbo, mas os de vidro, sugeridos por Müller, em 1929, e divulgados por Lester Jones, em 1962, são os melhores para este fim por se ter melhor condução da lágrima que os feitos de outros materiais. Existem também tubos de diversos formatos e angulações, inclusive com orifícios no colarinho para colocação de suturas. Podem ser revestidos por substâncias naturais (mucosa bucal, veia) ou materiais aloplásticos, sugeridos para facilitar a adesão do mesmo com estruturas vizinhas, a fim de impedir a migração, sem que se tenha observado melhora significativa nos resultados obtidos. O tubo pode ser introduzido interligando o lago lacrimal diretamente à fossa nasal (conjuntivo-rinostomia) ou podendo-se também passar através do saco lacrimal (conjuntivo-dacriocistorrinostomia). Procedimento de realização relativamente fácil, porém com pós-operatório trabalhoso. Os principais problemas são as migrações e extrusões, que ocorrem em 50 a 60% dos casos operados, com nova extrusão nas reoperações em 22%, malposicionamento, obstrução, infecção, granulomas ou depósitos sobre o óstio do tubo, desconforto, diplopia, impactação do corneto. Há ainda pacientes nos quais o tubo é funcionante e que mesmo assim não ficam satisfeitos. Outro complicador do uso é a parca disponibilidade no mercado nacional. Os índices de sucesso com o tubo de Lester-Jones não são bons. Porém, este ainda é considerado o melhor método para tratamento da obstrução da VL alta. Cuidados no pós-operatório: orientar a limpeza diária nasal e do tubo usando soro fisiológico nasal. O tubo é uma prótese definitiva e não deve se removido, embora seja comum a retirada com permanência do trajeto fistuloso na maioria dos indivíduos, desde que não exista infecção crônica associada.

Fig. 5  Tubo de Jones no canto interno, com fio de seda preto ao redor do colarinho.


168  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Afecções das Vias Lacrimais Altas Bibliografia Benchimolhttp://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S00042749200200040001 5&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt&tlng= – back1 ML, Couto-Junior AS, Pereirahttp://www.scielo. br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-27492002000400015&lng=pt&nrm=iso&tlng =pt&tlng= – back1 CFA, Melo AC, Barbosa RS. Canaliculite – relato de casos e conduta. Arq Bras Oftal, 2002; 65 (4):471-3. Carneiro RC, Macedo EMS, Oliveira PPDG. Canaliculite: relato de caso e conduta. Arq Bras Oftal, 2008; 71(1):107-9. Carvalho RMLS, Fernandes JBVD, Volpini M, Matayoshi S, Moura EM. Tratamento cirúrgico das canaliculites crônicas: relato de nossa experiência em 7casos. Arq Bras Oftal, 2001; 64(6):519-21. Chu YC, Ma L, Wu SY, Tsai YJ.Comparing pericanalicular sutures with direct canalicular wall sutures for canalicular laceration, 2011; 27(6):422-5. Hatton MP, Durand ML. Orbital cellulitis with abscess formation following surgical treatment of canaliculitis. Ophthal Plast Reconstruct Surg, 2008; 24(4):314-6. Hill RH, Norton SW, Bersani TA. Prevalence of canaliculitis requiring removal of Smart Plugs. Ophthal Plast Reconstruct Surg, 2009; 25(6):437-9. Hurwitz JJ. The lacrimal system. New York: Lippincott-Raven, 1996. p.257-9. Jones LT, Wobig JL. Surgery of the eyelids and lacrimal system. Birminghan: Aesculapius, 1976. Lee H, Chi M, Park M, Baek S. Effectiveness of canalicular laceration repair using monocanalicular intubation with Monoka tubes. Acta Ophthalmol, 2009; 87(7):793-6. Leibovitch I, Kakizaki H, Prabhakaran V, Selva D. Canalicular lacerations: repair with the MiniMonoka monocanalicular intubation stent. Ophthalmic Surg Lasers Imag, 2010; 41(4):472-7. Liang T, Zhao GQ, Li YL, Yang SS, Zhang LY, Wu Y. Efficiency and therapeutic effect of modified pigtail probe in anastomosing lacerated lacrimal canaliculus. Chin J Traumatol, 2009; 12(2):87-91. Liang X, Lin Y, Wang Z, Lin L, Zeng S, Liu Z, Li N, Wang Z, Liu Y. A modified bicanalicular intubation procedure to repair canalicular lacerations using silicone tubes, 2012; 26(12):1542-7. Liyanage SE, Wearne M. Lacrimal canaliculitis as a cause of recurrent conjunctivitis. Optometry, 2009; 80(9):479-80. Marcio F, Damasceno RW, Cazorla FP, Bison SHDF, Vital-Filho J. Canaliculite crônica supurativa – aspectos clínicos e terapêuticos: relato de 3 casos. Arq Bras Oftal, 2011; 74(6):441-3. Passos Junior W, Schellini SA, Padovani CR. Tubo de Lester-Jones: indicações e resultados. Arq Bras Oftal, 2004; 67:863-6. Schellini SA, Sales FR, Carvalho GM, Padovani CR. Canaliculites: apresentação de série de casos atendidos na Faculdade de Medicina de Botucatu-UNESP – com ênfase no tratamento realizado. Rev Bras Oftalmol, 2011; 70(6):400-3. Serin D, Karabay O, Alagoz G, Morkan IA. Misdiagnosis in chronic canaliculitis. Ophthal Plast Reconstr Surg, 2007; 23(3):255-6.


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Marilisa Nano Costa • Silvana A. Schellini

C a p í t u l o | 16

Obstrução da Via Lacrimal Baixa

As obstruções da via lacrimal baixa (VLB) ou dacriocistites podem ser classificadas de acordo com o fator causal em:

Primárias (ou idiopáticas) Assim chamadas porque não se reconhece o agente causador da afecção. São responsáveis por 75% dos casos de obstrução da VLB e acometem principalmente mulheres, acima dos 40 anos de idade.

Secundárias Decorrentes de fatores extrínsecos, tais como: 1) traumas – fraturas nasoetmoidais, do seio maxilar ou orbitais, traumas iatrogênicos (em rinoplastias ou outras cirurgias nasais, descompressão orbitária e nas reconstruções do assoalho da órbita); 2) corpos estranhos (dacriólitos) podem se formar dentro da via lacrimal excretora (VLE) por estase das lágrimas, debris inflamatórios, uso de alguns colírios (adrenalina, idoxiuridine). Os plugs utilizados para a oclusão da VLE nos portadores de “olho seco” podem migrar, alojando-se na VLB, onde funcionam como corpos estranhos e podem provocar obstrução; 3) neoplasias primárias do saco ou ducto lacrimonasal – são raras e cerca de 55% delas são malignas, sendo a maioria epiteliais, em geral carcinomas, seguindo-se pelos papilomas. Outros tumores seriam neurofibroma, fibroistiocitoma, adenocarcinoma oncocítico, melanoma, hemangiopericitoma, histiocitoma fibroso. Os sintomas são semelhantes aos da dacriocistite crônica, o que retarda o diagnóstico e piora o prognóstico; 4) neoplasias secundárias invadindo o saco e/ou ducto, originárias de estruturas vizinhas como fossa nasal, seio maxilar, seio etmoidal, tumores da pele adjacente (geralmente carcinoma basocelular) ou neoplasias sistêmicas (a mais comum é o linfoma);

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171  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Obstrução da Via Lacrimal Baixa 5) doenças da cavidade nasal (desvio de septo, hipertrofia de cornetos, rinite crônica, papiloma, mucocele intranasal) e afecções dos seios da face (seio etmoidal e maxilar); 6) inflamações extrínsecas, locais ou sistêmicas, como a sarcoidose, granulomatose de Wegener, tracoma, lepra, tuberculose, blastomicose, rinosporidiose, pseudotumor inflamatório, leishmaniose. As obstruções da VLB também podem ser classificadas de acordo com a apresentação clínica: dacriocistites agudas – são infecções agudas da VLB, caracterizadas pelo sintoma inicial de dor e tumefação da região do saco lacrimal acompanhada de sinais inflamatórios. O quadro se instala em portadores de dacriocistite crônica. Embora acometa geralmente indivíduos idosos, pode ocorrer em qualquer idade. Quando a inflamação é muito intensa, pode estender-se para a região próxima ao saco (pericistite), para as pálpebras (celulite pré-septal) ou para a órbita (celulite orbitária). Alguns casos evoluem com fístula do saco lacrimal para a pele, com drenagem espontânea do conteúdo do saco lacrimal (Fig. 1). dacriocistites crônicas – podem ser agrupadas em tipo catarral, quando há epífora e secreção mucoide no saco lacrimal (muitas vezes estéril); mucocele do saco lacrimal, em que há o acúmulo de lágrimas e secreção mucoide no saco (pode não ser estéril); e tipo supurativa em que há saída de secreção purulenta à expressão do saco lacrimal e pode haver eritema e dor local. O acúmulo constante de secreção no saco lacrimal leva a dilatação progressiva do mesmo. O início dos sintomas ocorre na meia-idade ou mais tarde. A epífora está sempre presente e é tão mais intensa quanto maior for a produção de lágrima. O volume de secreção mucosa ou mucopurulenta está relacionado com o tamanho do saco lacrimal. A intensidade dos sintomas varia e infecções respiratórias agudas podem exacerbar a infecção do saco lacrimal. A dacriocistite crônica é mais frequente que a aguda e a inflamação crônica pode estar presente por muitos anos antes que a crise aguda ocorra (Fig. 2).

Fig. 1  A presença de nódulo com características inflamatórias abaixo do ligamento medial sugere dacriocistite aguda. O processo pode estar restrito ao saco lacrimal ou se estender para estruturas adjacentes.

Fig. 2  Portador de dacriocistite crônica à esquerda. O saco lacrimal encontra-se dilatado, observado como abaulamento localizado abaixo do ligamento medial e os sinais infecciosos estão ausentes.


172  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Obstrução da Via Lacrimal Baixa Epidemiologia Os problemas da VLE ocorrem em cerca de 3% dos indivíduos que procuram atendimento oftalmológico. Em geral, trata-se de afecção adquirida, que afeta a região do ducto lacrimonasal, na maioria das vezes idiopática. Avaliando-se portadores de lacrimejamento em um hospital terciário americano, observou-se que cerca de 50% dos portadores da queixa apresentam epífora, dos quais 40,7% apresentavam alterações da via lacrimal baixa e 8%, da via alta. Os demais pacientes apresentavam lacrimejamento ativo, dos quais 40% apresentavam lacrimejamento reflexo, decorrente de “olho seco”. Estudo feito no Ambulatório de Vias Lacrimais da Unicamp (não publicado) mostrou que 77% dos portadores de dacriocistite eram mulheres, a maioria (71%) com idade superior a 40 anos. O acometimento unilateral foi o mais frequente (86%). A queixa principal foi epífora e secreção (74%). Dilatação do saco lacrimal aparente no canto interno ocorreu em 22%. Cerca de 25% dos pacientes havia apresentado previamente quadro de dacriocistite aguda, em geral quando houve demora na realização do tratamento cirúrgico. A etiologia da obstrução era desconhecida em 82% dos casos. Nos demais, a obstrução decorreu de trauma, iatrogenia (cirurgias nasais e de seios paranasais, cirurgia neurológica por via endoscópica nasal, cirurgia para descompressão orbitária), hereditariedade, quimioterapia, tumor nasal.

Fisiopatogenia da dacriostenose As inflamações crônicas primárias da VLE levam a alteração do epitélio do saco e ducto lacrimonasal, com infiltrado linfoplasmocitário denso e edema inflamatório ao redor do ducto. Focos de erosão e graus variados de infiltrado polimorfonuclear são substituídos gradualmente por áreas cicatriciais, provocando fechamento do ducto. Nos quadros crônicos podem ser encontrados no ducto e saco lacrimal metaplasia, oncocitose, fibrose, tecido de granulação e graus variáveis de tecido cicatricial. O saco sofre dilatação progressiva. A lisozima, uma enzima da lágrima que atua no controle da proliferação bacteriana, perde seu efeito e as bactérias proliferam desordenadamente, levando aos processos infecciosos agudos. Há indícios de que a inflamação ocorra do saco em direção ao ducto e do nariz em direção ao ducto simultaneamente. A análise de fragmentos de saco lacrimal obtidos durante cirurgia reparadora mostra que há correlação positiva entre o tempo de permanência da inflamação e o grau de infiltrado inflamatório e fibrose subepitelial, sugerindo melhores resultados quando a cirurgia é feita mais precocemente.

Agentes etiológicos das infecções da VLB As bactérias Gram-positivas e aeróbicas, como o Staphylococcus sp e o Streptococcus pneumoniae são as mais frequentes. Outros agentes seriam Pseudomonas aeruginosa, Haemophilus influenzae, Klebsiella pneumoniae, Proteus sp e, mais raramente, Candida albicans, Actinomyces, Propionebacterium acnes.


173  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Obstrução da Via Lacrimal Baixa Diagnóstico Anamnese: na dacriocistite aguda há quadro de dor, rubor, calor e tumefação do saco lacrimal. Na crônica, a queixa é epífora e secreção (mucoide ou purulenta). Visão borrada durante a leitura pode ocorrer quando o menisco lacrimal aumentado distorce a imagem. Exame externo: observar se há abaulamento na região do canto interno localizado abaixo do ligamento (sinal altamente sugestivo de distensão do saco lacrimal). Sinais infecciosos agudos, como hiperemia associada com dor e calor evidenciam dacriocistite aguda. A ausência deles sugere dacriocistite crônica. Pesquisar fístulas para a pele que podem ocorrer nos pacientes que tiveram dacriocistite aguda, nos que foram submetidos à drenagem cirúrgica do saco lacrimal ou decorrer de alteração congênita. Biomicroscopia: verificar pontos lacrimais e posição. Expressão do saco lacrimal: refluxo de secreção indica obstrução baixa e saco dilatado. Teste de Milder: presença do corante no lago lacrimal por tempo maior que 3 a 5 minutos sugere obstrução. Hard stop com a sonda de Bowman mostra que os canalículos estão íntegros. Lavagem lacrimal: líquido pode refluir pelo mesmo canalículo ou pelo superior e não progride na VLB. Dacriocistografia: confirma a obstrução, fornece indícios do tamanho e posição do saco lacrimal. É excelente para sugerir a técnica cirúrgica mais adequada e indicar o prognóstico do tratamento. Tomografia e ressonância são exames realizados em casos especiais, como reoperações, lesões traumáticas e suspeitas de tumores. Endoscopia nasal: exame útil no pré e no pós-operatório. Permite diagnosticar problemas na cavidade nasal que podem interferir no prognóstico e esclarecer causas de insucesso das cirurgias. Além disso, auxilia nas cirurgias endonasais.

Diagnóstico diferencial Afastar as causas de lacrimejamento ativo: doenças da superfície ocular (úlcera corneana, ceratoconjuntivite), triquíase, uveíte anterior, entre outras. Alterações do posicionamento palpebral: ectrópio, entrópio, flacidez palpebral em idosos (bloqueio funcional), atonia do músculo orbicular (paralisia facial, mongolismo). Confirmação pelo exame externo e testes como o snap back test e distraction test. Canaliculite: definida já pelo exame externo, quando o ponto lacrimal é dilatado e há saída de secreção espontaneamente pelo mesmo. Celulite orbitária: há proptose do bulbo ocular. Tumores do saco lacrimal: há dilatação do saco, mas não há refluxo de secreção à expressão. Pode haver “lágrimas de sangue”. A VLE pode estar patente. Afecções nasais concomitantes: etmoidite (principalmente em crianças), pólipos, infecções, desvio de septo, hipertrofia de cornetos. As causas nasais devem ser investigadas, uma vez que podem comprometer o resultado do tratamento.


174  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Obstrução da Via Lacrimal Baixa Tratamento Dacriocistite aguda O tratamento é clínico: 1) antibióticos sistêmicos específicos para combate de bactérias Gram-positivas. Quando não há resposta, pensar na possibilidade de bactérias Gram-negativas, fungos ou resistência ao antibiótico. A escolha do antibiótico varia de acordo coma sensibilidade do agente e experiência do profissional. A penicilina benzatina associada à procaína (efetivo contra Staphylococcus não penicilinase resistente) tem como vantagem a utilização do tratamento por apenas dois dias e a desvantagem da possibilidade de reações alérgicas ao fármaco. Outros antibióticos que podem ser empregados são a oxacilina (500 mg/ 4 vezes por dia/7 dias) e a cefaloxina (2 g/dia/10 dias). A ampicilina, o cloranfenicol e o ceftriaxone também podem ser sugeridos. Para os agentes Gram-negativos, as fluorquinolonas (ciprofloxacino e ofloxacino), os aminoglicosídeos (tobramicina) e a cefalexina são úteis. O tratamento clínico pode ser ambulatorial, necessitando-se de internação em casos especiais (imunodeprimidos, diabéticos graves e crianças); 2) anti-inflamatórios não hormonais e analgésicos sistêmicos; 3) compressas quentes podem auxiliar na drenagem do abcesso que se forma no saco lacrimal; 4) drenagem cirúrgica é controversa. Se há ponto de flutuação e o paciente tem muita dor pode ser indicada. Porém, há risco de formação de fístula epitelizada, cuja excisão cirúrgica pode ser difícil; 5) obrigatoriamente indica-se a dacriocistorrinostomia (DCR) após regressão da inflamação aguda, uma vez que outros quadros agudos podem ocorrer.

Dacriocistite crônica Tratamento é cirúrgico e a DCR é o tratamento de eleição. A cirurgia consiste em realizar uma anastomose entre o lúmen do saco lacrimal e a cavidade nasal, proporcionando alívio da epífora e da secreção ocular. A abordagem pode ser externa, podendo-se utilizar vários tipos diferentes de incisão cirúrgica na pele. A osteotomia deve sempre ser ampla e a anastomose entre o saco lacrimal e a cavidade nasal é feita por sutura de retalhos de ambas as mucosas. Sacos lacrimais muito dilatados devem ser parcialmente removidos, a fim de impedir a continuidade da estase lacrimal. A DCR endonasal pode ser realizada com a utilização de microscópio cirúrgico ou endoscópio. Faz-se a incisão e remoção da mucosa nasal com bisturi ou a laser. A rinostomia geralmente é menor e não há retalhos de mucosa, procedendo-se à intubação temporária da VLE com tubos de silicone. Alguns estudos demonstram que a DCR externa e a endonasal possuem chances semelhantes de sucesso, acima de 90%. Há ainda a possibilidade de se realizar a cirurgia pela via transcanalicular. Esta última técnica é mais recente e ainda não tem os mesmos índices de cura que as anteriormente citadas. O exame histológico do saco lacrimal deve ser realizado de rotina quando se realiza a DCR externa, uma vez que pode auxiliar no diagnóstico etiológico das dacriocistites específicas e no diferencial com os tumores.


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Erika Hoyama

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Via Lacrimal Excretora e Doenças Sistêmicas

Algumas doenças sistêmicas podem comprometer a via lacrimal excretora (VLE) causando pseudo-obstruções ou oclusões verdadeiras, das vias altas e/ou baixas, assim como episódios de dacriocistite. Na maioria dos casos, o exame histológico é de extrema valia para o diagnóstico. O tratamento deve incluir uma abordagem sistêmica, com uso de medicamentos específicos, em geral com procedimento cirúrgico local associado, como a conjuntivo dacriocistorrinostomia ou a dacriocistorrinostomia. Contudo, para obtenção de melhores resultados a longo-prazo, recomenda-se a realização de osteotomias amplas e intubação da via lacrimal com silicone, assim como o uso de corticoide sistêmico ou local (ocular ou nasal), conforme a extensão da inflamação causada pela patologia de base.

Doencas infecciosas Leishmaniose A leishmaniose é uma zoonose causada por várias espécies tropicais do protozoário do gênero Leishmania. É transmitida pelo mosquito palha (flebótomo) que adquire a doença picando animais silvestres e seres humanos doentes. Segundo o local de comprometimento, pode ser classificada em três formas clínicas: cutânea (derme), mucocutânea (mucosa e cartilagem), e visceral (fígado e baço). No Brasil, a doença é endêmica e as maiores incidências são observadas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. As alterações oculares são raras e incluem ulcerações palpebrais, conjuntivites, ceratites e uveítes. A VLE pode ser afetada nos portadores da forma mucocutânea, pela via hematogênica, linfática ou por extensão direta das lesões cutâneas. A principal queixa clínica é a epífora, tendo sido descritos casos de dacriocistite. A dacriocistografia pode revelar sinais obstrutivos

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178  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Bloqueio Funcional

Fig. 1  Dacriocistografia de paciente tratado de leishmaniose mostrando septo nasal perfurado, e dacrioestenose e dilatação do saco lacrimal esquerdo (seta).

da VLE, dacrioestenose, destruição do septo nasal (Fig. 1) ou dilatação dos ductos lacrimonasais sem obstrução. O diagnóstico sistêmico pode ser confirmado pela demonstração do proto­zoário em esfregaço com Giemsa ou biópsia da lesão, testes indiretos ou imunológicos como o teste de Montenegro e a imunofluorescência indireta. O tratamento tem objetivo de obter a cura clínica, assim como evitar recidivas, a evolução da forma cutânea para a forma mucocutânea e as lesões mutilantes. O fármaco sistêmico de escolha é o antimonial pentavalente (Glucantine), e a obstrução da VLE é tratada cirurgicamente com dacriocistorrinostomia e intubação, devido às lesões mucosas cicatriciais da cavidade nasal. Medidas educativas de prevenção e controle dos vetores e transmissores também devem ser adotas.

Ascaridíase É uma parasitose geralmente benigna, causada pela infestação intestinal do nematódeos Ascaris lumbricoides. Ocorre principalmente na faixa pediátrica, sem predileção por sexo ou raça. O verme adulto mede cerca de 15-40 cm, é cilíndrico e reside no jejuno. Podem raramente migrar para regiões extraintestinais como as vias respiratórias, canal auditivo e ducto lacrimonasal. Na maioria, a doença é assintomática, mas pode cursar com sintomas pulmonares e gastrointestinais. Predomina em áreas de infraestrutura sanitária deficiente e está associada à desnutrição, anemia e baixo crescimento. Os nematódeos chegam à laringe/ faringe pela êmese, ou pela contração muscular proveniente do estômago, atingindo a VLE pelo meato inferior da cavidade nasal. Observam-se sensação de corpo estranho, epífora, inflamação do canto medial da pálpebra e a presença do A. lumbricoides pelo ponto lacrimal acometido. O diagnóstico é confirmado pela identificação microscópica de ovos nas fezes, sorologia, ou observação direta do nematódeo na VLE. O tratamento sistêmico consiste na administração de fármacos anti-helmínticos como os benzimidazóis, e da retirada mecânica do nematódeo pelo ponto lacrimal.

Doenças inflamatórias (não infecciosas) Granulomatose de Wegener É uma doença granulomatosa inflamatória crônica, de provável etiologia autoimune, que ocorre principalmente em brancos, com pico de incidência entre os 20 a 40 anos. Apresenta duas


179  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Bloqueio Funcional formas clínicas: a generalizada (doença necrosante das vias respiratórias superiores e inferiores, vasculite e glomerulonefrite), e a limitada (sem comprometimento renal). Manifestações oculares ocorrem em 50 a 60% e são classificadas em focais (conjuntivite, episclerite, esclerite, ceratite, irite, vasculite retiniana e atrofia do nervo óptico) ou contíguas (resultante dos seios paranasais ou nasofaringe). A via lacrimal está comprometida em 10% dos casos, e postula-se que os ductos lacrimonasais sejam obstruídos pela vasculite granulomatosa focal, resultando em estase no saco lacrimal, com posterior infecção pela flora bacteriana nasal. O quadro clínico inclui epífora, mucocele do saco lacrimal, e múltiplos episódios de dacriocistite. Deve-se suspeitar da doença em casos atípicos (obstrução lacrimonasal bilateral, recorrente, associação a epistaxe, sintomas sistêmicos e inflamação ocular). O diagnóstico baseia-se no exame clínico (ulcerações orais ou secreção nasal), estudos de imagem (tomografia computadorizada mostrando lesões pulmonares), micro-hematúria, teste sorológico para ANCA (anticorpo anticitoplasmático neutrofílico) positivo, e biópsia da lesão ou do saco lacrimal para confirmação. O tratamento envolve combinado de corticoide e fármacos citotóxicos na forma ativa da doença sistêmica, com taxa de mortalidade de 20%. Dacriocistorrinostomia com intubação está indicada nas obstruções, mas tendem a falhar com o tempo devido à natureza e evolução da doença. É importante que o procedimento seja realizado quando os títulos de ANCA estiverem baixos e a doença no nariz e vias respiratórias superiores em estado quiescente.

Sarcoidose É uma doença granulomatosa multisistêmica crônica, de etiologia desconhecida, e caracterizada pela presença de granulomas epitelioides não caseosos. Afeta preferencialmente os pulmões, assim como linfáticos, fígado, baço, pele, entre outros. É mais frequente em negros, do sexo feminino, entre 25 a 35 e 45 a 65 anos. Alteração ocular ocorre em 6 a 63% dos casos, afetando úvea, retina, conjuntiva e glândula lacrimal. A VLE pode estar acometida em 0,7 a 6%, secundariamente à presença da doença no meato inferior do nariz ou pelo acometimento intrínseco do saco ou ductos lacrimais, caracterizando-se por epífora, dacrioestenose e dacriocistite recorrente. O diagnóstico baseia-se no exame clínico, nível sorológico elevado de enzima conversora de angiotensina (ECA), exame de imagem pulmonar que mostra adenopatia hilar ou infiltrados/fibrose, biópsia com presença de granulomas não caseosos, e a exclusão de doenças que apresentam quadro similar. O tratamento sistêmico da doença envolve o uso de corticódes e fármacos imunossupressores nos casos resistentes. Quando há obstrução dos ductos lacrimonasais, há indicação de dacriocistorrinostomia com intubação. Contudo, a taxa de falência da cirurgia e recorrência da obstrução é alta.

Histiocitose Histiocitose sinusal com linfadenopatia maciça ou doença de Rosai-Dorfman é uma afecção rara, não tendo sido identificado nenhum agente etiológico até o momento. Compromete geralmente indivíduos antes da segunda década de vida, sem preferência de sexo, sendo mais frequente na raça negra. É caracterizada por linfadenopatia cervical, acompanhada de febre, leucocitose com neutrofilia e hipergamaglobulinemia policlonal. A linfadenopatia é bilateral, indolor e maciça, podendo acometer outras cadeias linfáticas. Envolvimento extranodal ocorre


180  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Bloqueio Funcional em cerca de 30% dos indivíduos, incluindo as vias respiratórias superiores, glândula salivar, órbita, pálpebra, pele e ossos. Comprometimento ocular ocorre em cerca de 10%, e a apresentação mais comum é uma massa firme e sem sinais inflamatórios na órbita anterior, podendo envolver a glândula lacrimal e as pálpebras. Infiltração do globo ocular é rara. Epífora sem secreção e presença de tumoração indolor em topografia do saco lacrimal foram observadas quando a afecção envolveu a VLE. Ressonância magnética pode mostrar dilatação importante do saco e do ducto lacrimonasal, assim como espessamento mucoso dos seios e da cavidade nasal. O diagnóstico é confirmado pelo exame histológico. Os tratamentos descritos incluem antibióticos, corticoides, imunoterapia, radioterapia e resseção cirúrgica funcional e/ou cosmética das tumorações. Pode ocorrer resolução espontânea em alguns anos, mas existem relatos de casos crônicos e até fatais.

Doença de Crohn É uma doença inflamatória crônica do intestino que geralmente compromete o íleo terminal, ocorrendo infiltração celular granulomatosa crônica na espessura total da parede do intestino de maneira segmentar. A doença é também conhecida como enterite regional e está associada associada a imunussupressão com incidência aumentada de inflamação e infecção. As manifestações extraintestinais são imunomediadas, sendo resultado de anticorpos circulantes (anticorpo antiepitélio colônico) ou complexos antígeno-anticorpos. Complicações oculares incluem uveíte, irite, episclerite, esclerite, infiltrados corneanos periféricos, alterações na coroide e epitélio pigmentar da retina, e neurite retrobulbar. O envolvimento da órbita e anexos oculares (pseudotumor, miosite, dacrioadenite) é raro. Na VLE, há descrição de epífora, mucocele, tumoração não inflamatória e firme em topografia de saco lacrimal. O mecanismo exato da dacrioestenose não é conhecido, mas sugere-se que seja secundário à fibrose cicatricial dos ductos lacrimonasais. Ao exame macroscópico, foram observados dacriolitos e múltiplas massas nodulares no interior do saco lacrimal e a histologia revela inflamação granulomatosa consistente com doença de Crohn extraintestinal. O tratamento envolve corticoterapia sistêmica e dacriocistorrinostomia com intubação.

Doença de Kawasaki É uma doença sistêmica aguda de etiologia desconhecida que afeta principalmente crianças. O diagnóstico é feito por meio de seis critérios maiores que incluem: inflamação conjuntival bilateral; febre alta de início agudo e não sponsiva a antibióticos; hiperemia e ressecamento da mucosa oral; eritema, edema e descamação das palmas das mãos e solas dos pés; rash cutâneo polimórfico do tronco, sem vesículas ou crostas; e linfadenopatia cervical aguda não purulenta. A injeção conjuntival bulbar bilateral ocorre em 88 a 96% dos casos, e pode estar associada a outras manifestações oculares como uveite anterior bilateral, ceratite superficial puntata, opacidades vítreas, papiledema e hiposfagma. Há relato de dacriocistite bilateral com histologia mostrando inflamação crônica não granulomatosa na mucosa do saco lacrimal. O tratamento envolve o uso de antibióticos sistêmicos e dacriocistorrinostomia com intubação.


181  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Bloqueio Funcional Síndrome de Stevens-Johnson e Síndrome de Lyell São doenças que representam uma reação adversa grave a fármacos, com alta morbidade e prognóstico reservado. São caracterizadas por erosões mucosas, máculas purpúricas disseminadas e destacamento da epiderme, com comprometimento menor que 10% do organismo na síndrome de Stevens-Johnson, e envolvimento maior que 30% do organismo na síndrome de Lyell ou necrólise epidérmica tóxica (Fig. 2). A taxa de mortalidade é alta, variando de 5% na primeira, a índices superiores a 40% na segunda. Complicações fatais como sepse e distúrbios metabólicos graves são causadas pela evaporação excessiva através da superfície cutânea comprometida. Manifestações oculares incluem pseudomembranas, conjuntivite, ceratoconjuntivite sicca, úlceras e perfurações corneanas. A oclusão dos pontos lacrimais ocorre devido à cicatrização excessiva do tecido conjuntival, assim como o simbléfaro e as deformidades palpebrais. O diagnóstico baseia-se no quadro clínico, sendo confirmado pela biópsia das lesões cutâneomucosas. O tratamento inclui a suspensão de qualquer fármaco que não seja essencial à vida, reposição de fluidos e antibióticos sistêmicos. Nos casos em que o paciente não evolui com ceratoconjuntivite sicca, a obstrução canalicular deve ser explorada e os canalículos intubados quando ainda se encontrarem pérvios. Caso contrário, a conjuntivo da criocistorrinostomia com tubo de Jones está indicada após a fase aguda da doença.

Fig. 2  Fase aguda da síndrome de Lyell.

Radioiodoterapia no carcinoma de tireoide O câncer de tireoide corresponde a 1,5% das neoplasias malignas, atingindo geralmente mulheres acima de 45 anos de idade. O carcinoma papilífero e o folicular são os tipos histológicos mais frequentes (75% dos casos). A análise da distribuição mundial mostra que o câncer de tireoide é uma das neoplasias que mais aumentou nos últimos anos, com consequente aumento de casos submetidos à radioiodoterapia e complicações relacionadas com o tratamento. O tratamento radioiodoterápico (Iodo 131) associado a cirurgia (tireoidectomia) constitui a abordagem corrente dos carcinomas diferenciados de tireoide. As complicações sistêmicas da radioiodoterapia costumam ser leves e transitórias, sendo bem estabelecido o comprometimento das glândulas salivares (xerostomia). As complicações oculares incluem conjuntivite crônica e recorrente, ceratoconjuntivite sicca e disfunção de glândula lacrimal (xeroftalmia), observados após alta dose cumulativa do Iodo 131. A obstrução do ducto lacrimonasal parece estar relacionada com a presença do cotransportador sódio-iodo na mucosa do ducto lacrimonasal, justificando a captação do radioiodo e consequente inflamação e fibrose, culminando no processo obstrutivo e no quadro clínico de epífora e dacriocistite. Observa-se relação diretamente


182  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Bloqueio Funcional proporcional entre dose cumulativa de radioiodo (acima de 200 mCi) e a intensidade da xerostomia. O diagnóstico é clínico, ocorrendo obstrução do ducto lacrimonasal bilateralmente em cerca de 60% dos casos. O tratamento envolve dacriocistorrinostomia com intubação da VLE.

Pênfigo É um conjunto de doenças bolhosas de origem autoimune, pouco frequente, e que ocorre em indivíduos de 50 a 60 anos. Estão nesse grupo o pênfigo vulgar, pênfigo foliáceo e pênfigo paraneoplásico. O primeiro é responsável por 70% dos casos e caracteriza-se pela perda de coesão entre as células epidérmicas que formam bolhas e se rompem com facilidade das camadas inferiores, resultando em úlceras dolorosas na pele e mucosas. A cicatrização excessiva da conjuntiva pode causar a oclusão dos pontos lacrimais. O diagnóstico é clínico e confirmado histologicamente. O objetivo do tratamento é interromper a formação de novas bolhas pela inibição do sistema imunológico com o uso de corticoides e imunossupressores nos casos mais graves, assim como antibioticoterapia para evitar infecções secundárias.

Doenças alérgicas As alergias representam respostas imunes de hipersensibilidade do tipo I aos alérgenos. A degranulação dos mastócitos libera histamina e outros mediadores inflamatórios causando prurido, vasodilatação e edemas ocular e nasal. Há queixa de prurido intenso, fotofobia e lacrimejamento, assim como rinorreia e tosse. O exame mostra edema palpebral, conjuntival e hiperemia. A mucosa nasal pode estar edemaciada e pálida. O ato de coçar o canto medial em pacientes alérgicos, sem obstrução da via lacrimal, por cerca de 30 segundos, piora os sintomas de epífora e revela obstrução transitória de canalículos ou saco lacrimal à dacriocintilografia. O efeito cessa após 4 horas, caso o ato de coçar não seja repetido. A explicação para esse fato encontra-se na sugestão de que a concentração de alérgenos na via lacrimal é alta por ser esta a via de excreção ocular. Além disso, observou-se que o ato de coçar induz a degranulação dos mastócitos, vasodilatação e edema local. Como os canalículos apresentam apenas 0,5 mm de diâmetro, o edema dos tecidos adjacentes poderia causar sua obstrução temporária. Logo, o diagnóstico de obstrução da via lacrimal em pacientes alérgicos deve ser feito com cautela, uma vez que representam pseudo-obstruções, e o tratamento com medicamentos antialérgicos melhora os sintomas.

Doenças neoplásicas Linfomas Os linfócitos, responsáveis pelo reconhecimento e destruição dos patógenos, transitam pelos sistemas sanguíneo e linfático. Este último é composto por canais e linfonodos presentes em todo o organismo. Existem dois tipos de linfócitos: as células B (produzem anticorpos) e as células T (interagem diretamente com o patógeno). Linfoma é a neoplasia do sistema imune na qual ocorre transformação maligna dos linfócitos B, T ou seus subtipos. A neoplasia origina-se nos linfonodos e espalha-se para os canais linfáticos e vasos sanguíneos periféricos, podendo


183  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Bloqueio Funcional atingir a medula óssea e os outros tecidos do organismo. São divididos histologicamente em dois grupos: Hodgkin (com cinco subtipos derivados de uma linhagem anormal específica de linfócitos B) e não Hodgkin (com cerca de 30 subtipos e derivados de linfócitos B ou T). Devido aos vários subtipos, a classificação é difícil, sendo necessária a realização de exame microscópico e uso de marcadores genéticos para tal diferenciação. Cada subtipo apresenta característica funcional, assim como resposta ao tratamento e prognóstico diferentes. Os linfomas não Hodgkin são os mais frequentes, inclusive na órbita, e costumam ocorrer em idade avançada; enquanto os linfomas Hodgkin, raros na órbita, são mais observados durante a segunda década de vida. O quadro clínico é caracterizado por edema com comprometimento principalmente dos linfonodos cervicais, axilares e/ou inguinais, associados aos sintomas inespecíficos como febre, fadiga e perda de peso. Pode haver proptose, distúrbio da movimentação ocular extrínseca, fístulas cutâneas, sangramento nasal e tumoração nos anexos oculares. A VLE pode estar afetada, resultando em epífora, dacriocistite aguda ou crônica, edema periorbitário, massa dolorosa ou indolor em topografia de saco lacrimal e sangramento pelo ponto lacrimal (Fig. 3). A tomografia computadorizada com contraste ou a ressonância magnética mostram a localização e extensão da neoplasia, assim como presença ou não de obstrução do ducto lacrimonasal e destruição óssea. A confirmação diagnóstica é feita por meio de biópsia da tumoração ou da mucosa do saco lacrimal; e a classificação quanto ao subtipo e o estadiamento da doença, por meio de marcadores imunológicos. O tratamento é multidisciplinar (hematologista, oncologista e oftalmologista) e geralmente envolve exérese do tumor (dependo de sua localização), radioterapia e/ou quimioterapia, e dacriocistorrinostomia com intubação.

Leucemia O sistema sanguíneo é formado por três tipos de células: leucócitos, eritrócitos e plaquetas. Todas se originam e sofrem processo de diferenciação a partir de uma célula germinativa única na medula óssea, sendo que o primeiro passo é a diferenciação em dois grupos principais: a linhagem mieloide (formada pelos eritrócitos, plaquetas e algumas células brancas, como monócitos e granulócitos) e a linhagem linfoide (composta pelos linfócitos). Leucemia é a neoplasia das células sanguíneas em formação na medula óssea. Os dois grupos citados previamente podem ser afetados, e são conhecidos como leucemias mieloide e linfoide, respectivamente. Podem, ainda, ser subdivididos conforme o início de aparecimento em agudas (de início rápido, e constituído geralmente por células imaturas e pouco diferenciadas), ou crônicas (de aparecimento lento, constituído de células mais diferenciadas e com grau variado de preservação de suas funções). Nas leucemias, as células neoplásicas originam-se na medula

Fig. 3  Portador de linfoma de órbita com compressão extrínseca da via lacrimal baixa e epífora.


184  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Bloqueio Funcional óssea e espalham-se desta e dos vasos sanguíneos periféricos para linfonodos e outros tecidos do organismo. Apesar de afetar indivíduos de todas as idades, 65% dos casos em crianças são representados pela leucemia linfoide aguda. Os demais tipos são mais frequentes em adultos. Conforme o grupo de células comprometidas, podem causar condições como infecções, sangramentos, deficiência de cicatrização e anemia. Sintomas inespecíficos incluem febre, emagrecimento, fadiga e sudorese noturna. Pode haver sequestro celular em qualquer órgão do corpo e sintomas localizados. A glândula lacrimal costuma estar envolvida com maior frequência que a VLE. Tumoração em topografia de saco lacrimal, dacriocistite e epífora sem resposta a antibióticos são observadas quando do comprometimento desta. O diagnóstico sistêmico é realizado pela biópsia da medula óssea e a confirmação da patologia na via lacrimal por meio de biópsia local mostrando infiltração celular neoplásica. O tratamento é multidisciplinar e envolve quimioterapia associada ou não à dacriocistorrinostomia com intubação. Alguns fatores devem ser levados em conta no pré-operatório, como descontinuação temporária dos quimioterápicos utilizados, necessidade de transfusão conforme os níveis de hemoglobina e plaquetas, e antibioticoterapia devido ao comprometimento imunológico do paciente.

Doença de depósito Amiloidose Doença idiopática, caracterizada pela deposição extracelular de material proteináceo heterogêneo e amorfo no tecido conjuntivo. Existem cerca de 20 tipos de proteínas fibrilares amiloides, sendo cada uma responsável por um padrão clínico diferente. Apresenta duas formas clínicas: sistêmica (acúmulo nos tecidos com destruição estrutural e funcional dos órgãos, sendo geralmente fatal) e localizada (rara e com bom prognóstico, envolve um único órgão, sem manifestações sistêmicas). Amiloidose focal na órbita ocorre em 4% dos casos, geralmente em pacientes idosos, e é caracterizada por uma massa indolor. Pode envolver a glândula lacrimal, musculatura ocular extrínseca, nervos cranianos ou os tecidos moles. Na via lacrimal, observam-se epífora e tumoração em topografia do saco lacrimal. A dacriocistografia mostra defeito de preenchimento e obstrução, e à tomografia computadorizada pode haver destruição óssea local. O diagnóstico é confirmado histologicamente. O tratamento consiste em remoção cirúrgica da massa amiloide e dacriocistorrinostomia com intubação. Contudo, pode haver recorrências, sendo necessários acompanhamentos periódicos.

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Bloqueio Funcional

Magda Massae Hata • Silvana A. Schellini • Marilisa Nano Costa

A epífora pode ocorrer sem que a via lacrimal excretora (VLE) esteja obstruída, afecção conhecida por obstrução funcional, epífora funcional ou bloqueio funcional (BF). O termo BF é confuso porque, na realidade, não há uma obstrução verdadeira. A drenagem lacrimal decorre de mecanismo complexo, composto por forças que se somam e interagem simultaneamente. A pálpebra justaposta ao bulbo ocular, o ponto lacrimal aberto e bem posicionado, a função normal do músculo orbicular, o piscar eficiente e a tonicidade dos tecidos palpebrais são fundamentais para a perfeita drenagem lacrimal. O BF ocorre por falha de funcionamento da bomba lacrimal devido à redução do tônus do músculo orbicular. A causa mais frequente é o envelhecimento, podendo ocorrer também por obstrução parcial da VLE (por pólipos, tumores ou dacriólitos), por causas neurogênicas (paralisia do VII par), ou por estenose do ponto lacrimal. O BF muitas vezes não é reconhecido. A sintomatologia é definida por epífora em 85% e irritação ocular crônica em 80% dos portadores de BF. Acomete principalmente mulheres, a partir da 4ª década, com tempo de evolução variável. A epífora, em geral, é unilateral, progressiva, com exacerbação dos sintomas na presença de fatores que aumentam a produção lacrimal. O exame histológico da via lacrimal baixa mostra edema, reação inflamatória e fibrose, processo compatível com inflamação crônica.

Diagnóstico 1) Avaliação de distensibilidade e flacidez palpebral (distraction test e snap back test) mostram que a pálpebra é flácida. 2) Teste de desaparecimento da fluoresceína positivo, indicando que há estase de lágrimas. 3) Irrigação da VLE com soro fisiológico revela vias lacrimais pérvias, com refluxo de solução pelo outro ponto lacrimal.

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187  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Complicações no Tratamento... 4) Dacriocistografia normal ou com obstrução parcial. É possível distinguir quatro tipos clínicos de BF, baseando-se nos sinais e nos sintomas detectados ao exame dacriocistográfico: Tipo 1 – paciente assintomático com retardo da drenagem do contraste no ducto lacrimonasal na dacriocistografia tardia; Tipo 2 – paciente com epífora de pouca intensidade, intermitente e retardo da drenagem do contraste do saco lacrimal e/ou ducto lacrimonasal na dacriocistografia tardia; Tipo 3 – paciente com epífora de grande intensidade, persistente e retardo de contraste no saco e ducto lacrimonasal na dacriocistografia tardia; Tipo 4 – paciente com epífora de grande intensidade, persistente, associada à presença de secreção mucosa. A dacriocistografia mostra estenose importante do ducto lacrimonasal e, às vezes, dilatação do saco lacrimal; pouca drenagem do contraste no exame tardio. 5) Dacriocintilografia é o exame que confirma a existência de BF, uma vez que é feito apenas por instilação de radiofármaco (Tecnécio) no fundo de saco conjuntival, sem injeção de substâncias sob pressão na VLE. Portanto, é um exame funcional, que mostra como a lágrima escoa na VLE. 6) Ressonância magnética é um exame capaz de identificar os BFs, sendo melhor que a dacriocistografia para tal. Pouco utilizada pelo preço. Pode ser observada a passagem da lágrima sem ou com o uso de contraste (gadolínio).

Tratamento Deve-se escolher o tratamento baseando-se na intensidade dos sintomas e no grau de acometimento da VLE. Vários são os tratamentos propostos para o BF, todos com a possibilidade de não serem efetivos: 1) Tratamento clínico: a base de irrigação da VLE, com ou sem o uso de substâncias anti-inflamatórias. A irrigação remove detritos que se encontram dentro da via. Promove melhora temporária da epífora. 2) Tratamentos cirúrgicos: Tarsal strip pode melhorar a flacidez da pálpebra em cerca de 65 a 84% dos portadores de BF. Para conhecer os indivíduos que podem se beneficiar com o procedimento pode-se fazer um teste com adesivo tipo micropore colocado como a faixa tarsal e em condições de aumento de produção lacrimal, observando depois de uma hora se há melhora dos sintomas. Muitos são os pacientes que continuam com a queixa de epífora após a cirurgia e a melhora pode ser temporária. A associação de puntoplastia ao tarsal strip em indivíduos que possuem ponto lacrimal normal não adiciona melhora dos resultados. Dacriocistorrinostomia com ou sem intubação. A cirurgia pode ter resultados satisfatórios, a depender da intensidade dos sintomas e do resultados de provas diagnósticas – retenção importante do corante e Jones I negativo podem indicar importante retardo na excreção lacrimal, casos em que a dacriocistorrinostomia pode ser uma boa solução.


188  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Complicações no Tratamento...

A dacriocistorrinostomia pode fornecer 50% até 94% de cura, podendo ser utilizada a técnica externa com ou sem intubação, a via endoscópica ou a transcanalicular. Tubo de Jones pode ser indicado quando a dacriocistorrinostomia não foi bem-sucedida. Puntoplastia ou abertura do ponto pode prejudicar ainda mais o mecanismo de bomba e não deve ser realizada. Sondagem em adultos não possui o mesmo resultado que na obstrução congênita de vias lacrimais e geralmente não tem efeito no BF. Dacrioplastia com cateter balão também foi sugerida. Porém, a literatura não dá suporte para o uso da técnica.

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Suzana Matayoshi

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Complicações no Tratamento das Obstruções das Vias Lacrimais

A prevenção de complicações em cirurgia lacrimal se inicia no exame do paciente e no diagnóstico da causa da epífora/lacrimejamento.

Princípios na prevenção de complicações Diagnóstico correto O exame clínico inicial deve estabelecer a presença ou não de obstrução da via lacrimal, além do nível anatômico da obstrução (punctal, canalicular, ducto lacrimonasal, nasal) para a indicação correta da cirurgia. Devem ser excluídos os casos de lacrimejamento por causas corneanas, conjuntivais, inflamações de segmento anterior, além das alterações da margem palpebral.

Condições anatômicas para a realização da cirurgia Nos casos de dacriocistorrinostomia (DCR) ou conjuntivodacriocistorrinostomia (CDCR) é importante a avaliação nasal para verificar condições para a nova via de drenagem (espaço suficiente no meato médio, corrigir desvio septal que comprometa a região da abertura da mucosa nasal, verificar e retirar eventuais massas como pólipos). Existem algumas condições clínicas onde a destruição da mucosa nasal (p. ex. leishmaniose, granulomatose de Wegener, neoplasias de nariz), não permitem o funcionamento adequado da drenagem lacrimal independente da cirurgia.

Considerações sistêmicas Como a cirurgia lacrimal atinge as vias respiratórias superiores, deve-se planejar a ventilação adequada nos indivíduos com problemas respiratórios como asma, enfisema pulmonar, anormalidades musculoesqueléticas e insuficiência cardíaca.

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190  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Complicações no Tratamento... Atenção especial deve ser dada para a prevenção de hemorragia, sendo necessário a avaliação da coagulação pré-operatória e a interrupção de medicamentos como os salicilatos, vitamina E e gingko biloba 10 a 14 dias antes da cirurgia. Pacientes que utilizam anticoagulantes orais, devem ter a medicação substituída por outros como a heparina subcutânea de baixo peso molecular.

Complicações peroperatórias Hemorragia É a principal complicação intraoperatória. O sangramento pode ser variável, situando-se entre 50 a 500 ml. O sangramento ocorre de algumas fontes: vasos angulares (na incisão da pele e do orbicular), vasos ósseos, mucosa etmoidal e mucosa nasal. O sangramento decorrente dos vasos angulares pode ser prevenido através de uma incisão por planos, visão direta do vaso e afastamento do mesmo ou ligadura; a colocação do afastador de vias lacrimais, contudo, pode diminuir o sangramento pela compressão dos cotos vasculares. O sangramento da mucosa nasal e da mucosa etmoidal pode ser diminuído através de uma vasoconstrição adequada com adrenalina ou outros simpatomiméticos, embebidos em algodão ou gaze. Às vezes pode ser necessário tamponamento com esponja à base de celulose ou polímeros polivinílicos, absorvíveis ou não (Gelfoam®, Surgicel®, Merocel®). Já o sangramento ósseo pode ser minimizado com a aplicação tópica de cera óssea.

Liquorreia É raro, mas eventualmente pode ocorrer lesão de dura-máter no nível da placa cribiforme quando a osteotomia é mais alta, ou mesmo em casos de variação anatômica. Nos casos de dacriocistites traumáticas, a tomografia computadorizada pode auxiliar o cirurgião a identificar a posição da placa cribiforme para uma osteotomia mais segura. Se ocorrer liquorreia, o local da fístula deve ser ocluído com tecido muscular ou fáscia. É indicado manter o paciente internado com antibioticoterapia endovenosa, monitoração da liquorreia e de sinais de meningite.

Complicações pós-operatórias Hemorragia tardia É muito raro. Considera-se hemorragia tardia aquela que ocorre após 5 dias da cirurgia devido à fibrinólise e consequentemente sangramento da área cirúrgica. Em aulas e palestras de congresso, frisa-se a ocorrência desse evento como um dos mais catastróficos em cirurgia lacrimal. Em levantamento bibliográfico, infelizmente não se constata publicações específicas desse assunto. É recomendado tamponamento nasal anterior e se necessário posterior também aliado a repouso no leito com decúbito elevado.


191  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Complicações no Tratamento... Infecção A DCR cria uma fístula do saco lacrimal (pode ou não estar estéril) para o nariz (não estéril), portanto, com potencial para infecção. O uso de antibiótico no pós-operatório relaciona-se com uma diminuição significativa dos índices de infecção, sendo que alguns autores recomendam o uso de fármacos como cefalosporinas de primeira geração por 5 a 7 dias, por via oral associado a pomada antibiótica na incisão.

Cicatriz inestética A incisão clássica entre a pele nasal e o canto medial, situada medialmente aos vasos angulares ligeiramente oblíqua, de 1,5 cm provoca normalmente uma cicatriz pouco perceptível. A aplicação tópica e massagem de pomadas com corticosteroides e óleo, a partir da segunda semana de cirurgia continuando por 4 semanas, auxilia a minimizar a cicatriz. No caso de cicatriz hipertrófica, recomenda-se massagem com pomada de betametasona e injeção de triancinolona 0,2 a 0,5 a 40 mg/ml. Se houver formação de prega epicantal, esta pode ser corrigida após 6 meses com uma zetaplastia.

Falência cirúrgica A falência da DCR externa situa-se entre 5 a 10%. Em crianças a taxa pode ser alta devido à maior fibrose cirúrgica, situando-se em torno de 17% Na grande parte dos casos a falência cirúrgica associa-se ao fechamento da rinostomia ou de estenose do canalículo comum por tecido fibrótico. Na suspeita de uma falência cirúrgica, deve-se proceder ao exame das vias lacrimais (Milder, Jones, sondagem, irrigação) associado ao exame endoscópico nasal e dacriocistografia. O exame nasal pode demonstrar o óstio nasal obstruído com material fibrótico, granulomas, sinequias do local da rinostomia com o septo ou com o corneto médio. Já a dacriocistografia pode ser útil principalmente nos casos onde há queixa de secreção com permeabilidade à irrigação, que pode confirmar a presença de um saco lacrimal residual. O fechamento da osteotomia normalmente ocorre nos três primeiros meses da cirurgia6. Às vezes pode ser revertida com dilatação do óstio nasal e passagem de um tubo de silicone. Se mesmo assim não houver resultado, haverá necessidade de uma nova dacriocistorrinostomia. A DCR secundária tem um índice de sucesso de 85%.

Complicações na intubação lacrimal com silicone Na literatura, os índices de complicações relatados variam entre zero e 29% dos casos. A maioria delas envolve problemas como granulomas e prolapso do silicone no canto medial.

Formação de granuloma piogênico O granuloma pode se formar no ponto lacrimal. Colírio de corticoide e a excisão controlam facilmente o problema.


192  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Complicações no Tratamento... Laceração do ponto lacrimal ou do canalículo Geralmente ocorre por uma tensão no tubo de silicone, quando percebido, pode-se tentar afrouxar o nó na columela. Se houver progressão da laceração do canalículo, pode haver necessidade de uma intervenção para a retirada precoce do silicone.

Prolapso do silicone no canto medial (Fig. 1) Tenta-se posicionar o tubo em direção inferior, ao mesmo tempo em que sob visibilização (endoscópio ou microscópio), as extremidades do silicone são apreendidas e fixadas na columela.

Fig. 1  Caso de dacriocistite traumática com cicatriz horizontal de dorso nasal, cicatriz cirúrgica hipertrófica e prolapso do silicone no canto medial.

Criação de um falso trajeto no intraoperatório Ocorre em manobras intempestivas de passagem da sonda de Crawford. A fibrose resultante da lesão pode levar à estenose iatrogênica da via lacrimal.

Abscessos É raro, mas o tubo pode ocupar um volume significativo do ducto lacrimonasal podendo obstruir a via de drenagem da lágrima e causando dacriocistite aguda com formação de abscesso. Antibioticoterapia sistêmica deve ser introduzida. Caso não haja melhora, o tubo é retirado. A dacriocistite na presença do tubo é uma mal indicativo, sendo que prenuncia a necessidade de uma dacriocistorrinostomia para resolução do quadro obstrutivo.

Encarceramento do silicone no ducto lacrimonasal e saco lacrimal É a complicação mais temida. Deve-se evitar puxar o silicone pelo ponto lacrimal, pelo risco de lesionar a via lacrimal recém-suturada além da possibilidade da manobra provocar a permanência de restos de fio e silicone na via lacrimal. Gonnering descreveu um método interessante para esta complicação. Ele preconiza uma segunda intubação, sendo que as duas hastes da sonda passam pelo mesmo ponto lacrimal, formando um “U” e capturando o tubo prolapsado que é puxado inferiormente pelo gancho de Crawford juntamente com a nova sonda.

Prolapso do silicone através da narina É mais fácil de ser resolvido. Pode ser reposicionado sob o corneto inferior, ou caso esteja exteriorizado em grande parte, pode ser retirado.


193  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Complicações no Tratamento... Complicações do tubo de Lester Jones Desde a descrição da conjuntivodacriocistorrinostomia (CDCR) por Jones em 1961, as publicações mostram índices de insucesso extremamente variáveis (0 a 60%). A maioria das complicações está relacionada com falhas no posicionamento do tubo (muito anteriorizado ou lateralizado), sepultamento do tubo nos tecidos moles do canto medial (indica um tubo curto) ou extrusão (relacionado muitas vezes com o toque da extremidade distal do tubo com o septo ou com o corneto, o que indica um tubo longo ou um trajeto inadequado da fístula cirúrgica; pode ocorrer ainda no espirro ou por manipulação digital como no ato de coçar os olhos). Os tubos também podem sofrer obstrução por debris, muco e cílios (prevenção: lavagem diária do canto medial com solução salina e inspiração da mesma para o nariz). Essas complicações são perceptíveis logo nos primeiros dias do pós-operatório ou dentro de seis meses. As complicações tendem a ser mais frequentes em indivíduos abaixo de 19 anos e acima de 70 anos, motivo pelo qual muitos autores evitam o uso dos tubos de Jones em crianças e jovens.

Bibliografia Anderson RL; Edwards JJ. Indications, complications and results with silicone stents. Opthalmology, 1979; 86: 1474-87. Dantas, Raquel R. A Dacriocistorrinostomia: sucesso x insucesso.Rev Bras Oftalmol, 1997; 56(1):49-53. Jordan D. Standard external dacryocystorhinostomy In: Mauriello JA Unfavorable results of eyelid and lacrimal surgery-prevention and management. London: Butterworth Heinemann; 2000; p. 519-29. Linberg,J. Dacryocystorhinostomy. In: Lacrimal surgery. New York: Churchill Livingstone, 1982; p. 165. Manrique R. Abordagem pré-operatória de pacientes em uso de anticoagulantes e antiagregantes plaquetários. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo, 2000;3: 351-60. Migliori ME, Putterman AM. Silicone intubation for the treatment of congenital lacrimal duct obstruction; success results removing the tubes after six weeks. Opthalmology, 1988; 95: 792-5. Nowinski TS, Flanagan JC, Mauriello J. Pediatric dacryocystorhinostomy. Arch. Opthalmology, 1985; 103:1226-8. Rosen N, Askhenazi I, Rosner M.Patient dissatisfaction after functionally successful conjunctivodacryocystorhinostomy with Jones tube. Am.J.Opthalmol, 1993; 117:636-42. Walland MJ, Rose GE. Soft tissue infections after open lacrimal surgery. Ophthalmology, 1994; 101:608-11. Welham RAN, Wulc AE. Management of unsuccessful lacrimal surgery. Br.J.Ophthalmology, 1987; 71:152-7.


194  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Complicações no Tratamento... Leituras Sugeridas Jordan D. Standard external dacryocystorhinostomy In: Mauriello JA Unfavorable results of eyelid and lacrimal surgery-prevention and management. London: Butterworth Heinemann, 2000; p. 519-29. Mandeville JT, Woog JJ. Obstruction of the lacrimal drainage system. Curr Opin Ophthalmol, 2002 Oct; 13(5):303-9. Athanasiov PA, Madge S, Kakizaki H, Selva D. A review of bypass tubes for proximal lacrimal drainage obstruction. Surv Ophthalmol, 2011; 56(3):252-66.


Ricardo Tomoyoshi Kanecadan • José Vital Filho

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Tumores do Saco Lacrimal

Tumores das vias lacrimais Introdução Tumores do sistema de drenagem lacrimal, especialmente de saco lacrimal, são raros, porém com frequência são localmente invasivos podendo levar à morte. Aproximadamente 750 casos foram reportados no decorrer do último século dos quais 50 a 100% eram malignos. A despeito de sua raridade, oftalmologistas devem estar interados das manifestações clínicas dos tumores de saco lacrimal, pois muitos deles se mascaram de processo inflamatório crônico.

Manifestações clínicas Os tumores malignos do saco lacrimal são habitualmente diagnosticados em adultos na faixa etária dos 50 anos, e os benignos mais cedo na terceira ou quarta década. Apesar disso, tumores do saco lacrimal têm sido reportados em crianças e jovens. Em relação ao sexo, na maioria das séries não havia diferença significativa na incidência entre homens e mulheres, em contraste com a dacriocistite que é mais comum em mulheres (Fig. 1). De modo geral 50 a 100% dos tumores de saco lacrimal são malignos, e cerca de 75% destes são de origem epitelial. Clinicamente os tumores de saco lacrimal são mascarados por sintomas de dacrioestenose e/ou dacriocistite em decorrência de obstrução completa ou parcial do sistema de drenagem. Pacientes sofrem de epífora crônica e muitos relatam história de dacriocistite crônica com vermelhidão, edema e secreção purulenta. Em decorrência da similaridade de sintomas, tumores de saco lacrimal acabam sendo tratados de modo conservador até que atinjam estágio avançado de evolução e também são encontrados inadvertidamente durante a DCR indicada por obstrução baixa da via lacrimal. Esta é a razão que justificaria a realização de exame anatomopatológico em todas as amostras de saco lacrimal obtidas nas DCRs.

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196  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Tumores do Saco Lacrimal

Fig. 1  Hiperplasia linfoide. Sexo feminino.

Apesar da similaridade de sintomas há características que podem diferenciá-las. Uma tríade de sinais suspeitos de malignidade incluem: (a) massa acima do tendão cantal nasal, (b) dacriocistite com irrigação livre e (c) refluxo com sangue à irrigação. O principal sinal de tumor de saco lacrimal é massa na região do saco lacrimal (Fig. 2); o quadro de massa acima do tendão cantal medial é o mais característico. Nos tumores benignos a consistência é elástica, com margens bem definidas e móveis abaixo da pele. Em contrapartida, a maioria dos tumores malignos é firme na consistência, não compressíveis e aderidas a estruturas subjacentes. Fístulas podem estar presentes. Sangramento espontâneo pelo ponto lacrimal ou quando se aplica pressão sobre o saco lacrimal, ou ainda epistaxe ou sangramentos nasais de sangue escuro são encontrados em alguns pacientes, principalmente naqueles com tumores epiteliais. Alguns pacientes com tumor maligno apresentam dor. Em casos avançados de tumor maligno, ulceração e telangiectasias sobre a massa podem ser encontradas com envolvimento de linfonodos preauricular, submandibular e cervical. Em alguns casos envolvimento de linfonodos regionais aparece antes da descoberta do tumor primário. Com o crescimento mais significativo do tumor e envolvimento da órbita, proptose e limitação da motilidade ocular podem se desenvolver. Destruição da face, nariz, seios etmoidal e maxilar, palato, assim como extensão intracranial, raramente são observadas.

Fig. 2  Linfoma do saco lacrimal.

Diagnóstico O diagnóstico por imagem é essencial na avaliação dos tumores de saco lacrimal. CT mostra massa sólida na área do saco lacrimal (Fig. 3). Pode exibir dilatação da fossa lacrimal, assim como erosão óssea ou destruição da fossa lacrimal e em casos avançados invasão das


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Fig. 3  TC de órbita mostrando imagem de hiperplasia linfoide de saco lacrimal bilateral.

estruturas vizinhas. Ultrassonografia pode ser útil no diagnóstico e diferenciação de tumores. Alguns especialistas consideram a ressonância magnética superior à TC para avaliação do saco lacrimal, pois permite melhor definição e determinação da natureza cística ou sólida da massa. Dacriocistografia (DCG) pode revelar defeito de enchimento do lúmen do saco ou saco distendido com o meio de contraste desigual ou moteado ou atraso na drenagem do material de contraste. Quando o tumor é benigno ou em estágios iniciais o sistema de drenagem pode ser patente, portanto, resultados negativos não descartam tumor. Biópsia: o diagnóstico final pode somente ser assegurado pelo exame histopatológico, para o qual a biópsia excisional é preferida. Se o tumor inteiro não pode ser removido, biópsia incisional profunda é essencial, pois a periferia do tumor pode mostrar somente resposta inflamatória, levando a um diagnóstico errôneo e interpretação incorreta de pseudotumor inflamatório. Quando um paciente com suspeita de tumor de saco lacrimal tem envolvimento da cavidade nasal, pode ser realizada biópsia por via nasal.

Diagnóstico diferencial A maioria dos pacientes com tumor do saco lacrimal apresenta sinais e sintomas de dacriocistite, portanto, o principal diagnóstico diferencial é com a dacriocistite aguda ou crônica e de fato tumores de saco lacrimal são frequentemente encontrados no momento da DCR por dacrioestenose principalmente por dacriocistite. Em uma série de 377 espécimes de DCR, foram encontradas inadvertidamente neoplasias de saco lacrimal em 4,6% dos casos; em 2,1% não havia suspeita antes da cirurgia. Assim, em todos os casos de massa na região de saco lacrimal que cause obstrução, deveria se suspeitar de tumor de saco lacrimal. Quadro inflamatório nesta área não descarta o diagnóstico de tumor. Nestes pacientes história de lágrima corada de sangue ou epistaxe deve aumentar a suspeita. Pseudotumor inflamatório do saco lacrimal como granulomas ou processos infecciosos por tuberculose ou fungo devem ser incluídos no diagnóstico diferencial.

Patologia Os canalículos são revestidos por epitélio estratificado escamoso não queratinizado e o saco lacrimal e duto lacrimonasal por epitélio estratificado colunar (transicional) contendo glândulas mucosas.


198  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Tumores do Saco Lacrimal A origem da maioria dos tumores epiteliais benignos e malignos é no epitélio de revestimento do saco lacrimal, podendo ser do tipo escamoso ou transicional. Tumores do saco lacrimal podem ser divididos em dois grandes grupos: tumores epiteliais, que representam cerca de 75% dos casos reportados; e os não epiteliais que correspondem aos 25% restantes. Em outra série a frequência dos tumores epiteliais variou de 62 a 94% e entre os não epiteliais foram encontrados tumores mesenquimais, linfoproliferativos, melanocíticos e neurais.

Tumores Epiteliais Papilomas: podem exibir padrão exofítico de crescimento, crescendo em direção ao lúmem ou padrão invertido crescendo na direção do estroma (endofítico). Este último tende a ser invasivo, recorrente e passível de degeneração maligna. Inflamação intensa é usualmente encontrada no estroma do papiloma. O papilomavírus humano (HPV) é associado a maioria dos papilomas e com cerca de 40% dos carcinomas. Carcinoma de células escamosas e de células transicionais: carcinoma de células escamosas pode variar de tumor de células bem diferenciadas com grânulos de queratina e pontes intercelulares a pouco diferenciadas. Carcinomas de células transicionais podem apresentar padrão papilar e ser composto de células epiteliais cilíndricas. Células caliciformes podem ser encontradas. Ambos os tipos invadem a parede do saco lacrimal e produzem massas rígidas. A taxa de recorrência dos carcinomas de células escamosas e de epitélio transicional é de aproximadamente 50%, sendo 50% deles fatais. Outros tumores epiteliais: a maioria dos outros tumores epiteliais benignos e malignos do saco lacrimal emergem de glândulas mistas (serosa e mucosa) do saco lacrimal, assim como da parede do ducto lacrimonasal. Tumores benignos comuns neste grupo são o oncocitoma e adenoma pleomórfico e entre os tumores malignos, adenocarcinoma oncocítico e carcinoma adenoide cístico. Neste grupo encontramos ainda carcinoma mucoepidermoide, híbrido de células mucosas e células epiteliais escamosas.

Tumores não epiteliais Constituem 25% dos tumores de saco lacrimal. Destes, cerca 50% são mesenquimais, 25% linfoproliferativos e 25% melanomas. Apenas poucos tumores neurais foram reportados. Tumores mesenquimais: histiocitoma fibroso está sendo crescentemente reconhecido como um tumor comum de saco lacrimal. A maioria desses tumores é benigna e alguns deles se comportam localmente de modo agressivo. Histiocitoma fibroso maligno do saco lacrimal ainda não foi reportado. Entre os muito raros tumores vasculares do saco lacrimal, o mais encontrado é o hemangiopericitoma, que histologicamente mostra padrão vascular de espaços sinusoidais entremeados de células fusiformes. Mesmo lesões de aparência benigna têm potencial para metastatizar.


199  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Tumores do Saco Lacrimal Tumores linfoproliferativos: a maioria dos linfomas de saco lacrimal é do tipo células B não Hodgkin. Infiltrado leucêmico no sistema de drenagem lacrimal é provavelmente mais frequente do que o reportado (Fig. 4). Melanoma do saco lacrimal: como melanomas de outras membranas mucosas têm prognóstico pobre, sendo provavelmente o mais maligno dos tumores. Em presença de metástases, medidas agressivas como ressecção cirúrgica ampla e radioterapia podem postergar a recidiva, mas pouco interferem na evolução final da doença. Outros tumores não epiteliais: tumores neurais do saco lacrimal são extremamente raros. Eles se originam de elementos neurais adjacentes e invadem a parede do saco lacrimal. Tumores secundários do saco lacrimal podem se originar de estruturas adjacentes, como cavidade nasal, seios paranasais, órbita, conjuntiva e pele ou como metástases, embora estas últimas raramente são confinadas ao saco lacrimal.

Fig. 4  TC de órbita mostrando imagem de tumores em fossa lacrimal.

Tratamento O tratamento dos tumores de saco lacrimal depende do tipo histológico, malignidade e invasão dos tecidos adjacentes ao saco lacrimal. O tratamento de escolha é a remoção cirúrgica completa. Quando os tumores epiteliais e mesenquimais estão confinados ao saco lacrimal a dacriocistectomia é feita. Normalmente é o suficiente para tumores benignos. Se for maligno, além da excisão em bloco do tumor com periósteo da fossa lacrimal, pode-se proceder radiação externa suplementar. Biópsia incisional profunda, com ou sem congelação pode ser realizada quando há suspeita de malignidade da massa ou se por exames de imagem a ela se estender além da fossa lacrimal. Em alguns casos a biópsia pode ser realizada por endoscopia nasal. Extensão dos tumores, principalmente pré-malignos e malignos inferiormente para o ducto lacrimonasal aumentam as chances de recorrência e falha da terapia. Nestas condições rinostomia lateral, que oferece maior chance de cura deve ser realizada. Em certos casos, excisão extensiva aos canalículos e ducto lacrimonasal juntamente com o saco lacrimal pode ser necessária. Quando o tumor se estende para além dos limites do sistema lacrimal de drenagem atingindo o tecido adjacente, cirurgia radical incluindo exenteração dos tecidos da órbita, ressecção do seio paranasal e esvaziamento ganglionar cervical estão indicados. Radioterapia pós-operatória é recomendada para tumores malignos epiteliais, com uma dose aproximada de 60Gy. Lesões recorrentes podem ser tratadas com cirurgia ou radioterapia complementar.


200  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Tumores do Saco Lacrimal Prognóstico O sucesso do tratamento dos tumores de saco lacrimal depende do estágio de evolução da doença no momento do diagnóstico, de suas características histopatológicas, do padrão de crescimento e da adequação do tratamento escolhido. Ni et al., descreveram quatro estágios de evolução dos tumores de saco lacrimal: estágio 1, há sinais e sintomas, porém nenhuma massa visível ou palpável; estágio 2, presença de formação tumoral confinada ao saco lacrimal; estágio 3, tumor se estende além do saco lacrimal para estruturas adjacentes como órbita e seios paranasais; e estágio 4, marcado por metástases. Tumores malignos do saco lacrimal exibem três tipos de crescimento: ao longo da superfície epitelial; protruindo na direção do lúmen com crescimento papilar; e infiltrando a parede do saco lacrimal como sítios celulares sólidos. Há três modos principais para o tumor se disseminar: extensão direta para estruturas adjacentes como órbita, canal ósseo do ducto lacrimonasal, seios paranasais e crânio, que é o mais comum; disseminação linfática principalmente submandibular, pré-auricular e glânglios cervicais; e remoto, mais provavelmente por disseminação hematogênica, sendo o sítio mais comum os pulmões. Papilomas benignos do saco lacrimal têm tendência a recidivar, especialmente aqueles com padrão invertido, com 10 a 40% de recorrência. A maioria dos papilomas que recorrem não apresenta alterações malignas. Carcinomas de baixo grau têm taxas de cura variável dependendo da extensão da doença e do tipo de tratamento. A taxa de recorrência dos carcinomas de células escamosas e transicionais se mostra em torno dos 50%, com mais de 50% sendo fatais, embora algumas séries mostrem resultados melhores. Taxas de recorrência e mortalidade para tumores não epiteliais variam. Histiocitoma fibroso benigno tem bom prognóstico se completamente removido. O potencial maligno do hemangiopericitoma é imprevisível. Lesões linfoides respondem a radioterapia e quimioterapia e têm prognóstico variável, dependendo da extensão da doença e o tipo de tumor. O prognóstico mais sombrio é o do melanoma maligno, que normalmente é fatal em curto período de tempo mesmo com tratamento agressivo.

Bibliografia Anderson NG, Wojno TH, Grossniklaus HE. Clinicopathologic findings from lacrimal sac biopsy specimens obtained during dacryocystorhinostomy. Ophthal Plast Reconstr Surg, 2003; 19:173-6. Bi YW, Chen RJ, Li XP.Clinical and pathological analysis of p ­ rimary lacrimal sac tumors. Zhonghua Yan Ke Za Zhi, 2007; 43:499-504. Flanagan JC, Stokes DP.Lacrimal sac tumors. Ophthalmology, 1978; 85:1282-7. Ni C, D’Amico DJ, Fan CQ, Kuo PK. Tumors of the lacrimal sac: a clinicopathological analysis of 82 cases. Int Ophthalmol Clin, 1982; 22:121-40. Parmar DN, Rose GE. Management of lacrimal sac tumours.Eye (London), 2003; 17:599-606. Pe’er J, Hidayat AA, Ilsar M, Landau L, Stefanyszyn MA.Glandular tumors of the lacrimal sac. Their histopathologic patterns and possible origins. Ophthalmology, 1996; 103:1601-5.


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Oculoplテ。stica


Ana Rosa Pimentel de Figueiredo • Erick Marcet Santiago Suzana Matayoshi

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Anatomia Cirúrgica das Pálpebras no Contexto da Face

Pele: a pele palpebral é a mais fina de todo o tegumento cutâneo e não tem tecido subcutâneo. A espessura reduzida e o movimento constante fazem com que seja uma das primeiras regiões a exibir os fenômenos do envelhecimento. A região pré-tarsal é firmemente aderida ao plano muscular ao contrário da região pré-septal. A prega palpebral superior corresponde em geral a borda superior do tarso e representa as firmes aderências da fusão da aponeurose do elevador e do septo orbitário em lâminas que atravessam as fibras do orbicular pré-tarsal até a pele. O ponto de fusão das duas estruturas determina a altura da prega palpebral e a quantidade de gordura pré-aponeurótica projetada na região pré-septal e define também o tipo de sulco palpebral superior; por isso, asiáticos apresentam prega baixa e sulco intumescido. A prega palpebral inferior é menos pronunciada que a superior, tem trajeto oblíquo e se apaga na metade temporal. Músculo orbicular: funciona como o principal protractor das pálpebras. É inervado pelo nervo facial (NCVII) e promove a oclusão das pálpebras, além da propulsão da lágrima para sua drenagem pela via excretora (bomba lacrimal). O músculo orbicular divide-se em porções pré-tarsal, pré-septal e orbital, com funções específicas cada uma (Fig. 1) As porções pré-tarsal e pré-septal participam mais dos movimentos involuntários de piscar e a porção orbital é responsável pelo fechamento forçado das pálpebras (piscadela e blefaroespasmo). As partes pré-tarsais superior e inferior têm duas origens: a profunda, na crista lacrimal posterior, e a superficial, no ramo anterior do tendão cantal medial. A cabeça profunda do músculo pré-tarsal (tensor do tarso ou músculo de Horner) é um feixe localizado de fibras que envolvem o canalículo lacrimal em cada pálpebra, facilitando a drenagem lacrimal. As porções pré-tarsais superior e inferior se fundem lateralmente para formar o tendão cantal lateral. O orbicular pré-septal tem origens profundas na fáscia lacrimal e crista lacrimal posterior e origens superficiais na porção anterior do tendão cantal medial. Lateralmente, as porções pré-septais formam a rafe palpebral lateral sobre o rebordo orbital lateral. As porções orbitais do músculo orbicular se originam na face anterior do tendão cantal medial e periósteo adjacente. Lateralmente, as fibras correm sobre o zigoma e cobrem fibras dos músculos elevadores do lábio.

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204  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Anatomia Cirúrgica...

Fig. 1  Musculatura orbitopalpebral: CS = M.corrugador do supercílio; OF = músculo occipitofrontal (ou frontal); OO = orbicular orbital; OS = orbicular pré-septal; PR = m. prócero.

O músculo corrugador traciona a cabeça dos supercílios em direção ao nariz e é responsável pelas rugas verticais sobre a ponte nasal e o músculo prócero abaixa a cabeça dos supercílios causando as rugas horizontais sobre a ponte do nariz. Tendões: os tendões e os tarsos dão a forma da fissura palpebral (Fig. 2). O tendão medial origina-se nas cristas lacrimais posterior e anterior, reveste o saco lacrimal lateralmente e volta a se dividir em ramos superior e inferior, para juntar-se ao tarso superior e inferior. A fusão anterior ao periósteo é mais espessa e difusa, podendo ser palpada, ao contrário da delicada, mas importantíssima fixação à crista lacrimal posterior. É esta última que confere a aposição da porção medial das pálpebras sobre o bulbo ocular e permite que a porção canalicular e os pontos tenham movimento no lago lacrimal sem se afastarem do olho. O tendão lateral está fixado ao tubérculo orbital lateral, na face interna da parede lateral, atrás do rebordo, e divide-se em ramo superior e inferior.

Fig. 2  Ligamento de Whitnall e tendões cantais medial e lateral.


205  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Anatomia Cirúrgica... Septo orbital: tecido fibroso, lamelar, que se origina do periósteo do rebordo orbitário no nível do arco marginal. Na pálpebra superior o septo orbital funde-se à aponeurose do músculo elevador. Esta última atravessa o orbicular pré-tarsal e forma a prega palpebral superior. Na pálpebra inferior o septo funde-se à fáscia capsulopalpebral abaixo da borda inferior do tarso e este complexo abraça a borda inferior do tarso, bem como a superfície anterior e posterior do mesmo. O septo orbital é uma barreira entre a órbita e a pálpebra, limitando o processo de disseminação de hemorragia e infecção. No processo de envelhecimento o septo orbital fica afrouxado permitindo a herniação de gordura. Gordura: a gordura que se projeta nas pálpebras é parte da gordura orbital e é contida anteriormente pelo septo orbital. Na pálpebra superior são dois compartimentos nitidamente separados: o medial, contido por um anel fibroso formado pelas expansões fibrosas do ligamento de Whitnal; corno medial da aponeurose e tendão do obliquo superior; e o compartimento central que é chamado de gordura pré-aponeurótica, importante referência anatômica para localizar a aponeurose durante a cirurgia. Na pálpebra inferior, são três compartimentos: o lateral, delimitado por expansões do ligamento capsulopalpebral e o central e medial, divididos anteriormente pela passagem do músculo oblíquo inferior. Essas bolsas de gordura tornam-se aparentes e inestéticas em decorrência do processo de afrouxamento do tecido de sustentação e atenuação do septo orbital. A gordura suborbicular (SOOF) consiste em um tecido adiposo, semelhante ao subcutâneo, mesclado ao tecido conectivo que se localiza abaixo do orbicular na pálpebra inferior e se estende para sistema músculo aponeurótico da face (SMAS do terço médio da face) (Fig. 3) com importante papel no descenso gravitacional da face, no processo de envelhecimento. Na pálpebra superior, convenciona-se chamar de gordura retro-orbicular (ROOF) o tecido adiposo que se continua com o subcutâneo espesso do supercílio. No processo de deiscência relacionada à idade, além de variações individuais, esta gordura se confunde com os tecidos redundantes, bem como com a gordura pré-aponeurótica.

Fig. 3  Sistema músculo aponeurótico da face (SMAS) ressaltado na hemiface direita.


206  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Anatomia Cirúrgica... Retratores da pálpebra superior: são o músculo elevador e sua aponeurose, inervado pelo nervo oculomotor (CNIII), e o músculo tarsal superior (músculo de Müller) que é inervado por fibras simpáticas (Fig. 4).

Fig. 4  Pálpebra superior em perfil.

O músculo elevador origina-se no ápice da órbita a partir da periórbita da asa menor do esfenoide, logo acima do anel tendinoso de Zinn. A porção muscular tem aproximadamente 4 cm de comprimento e a aponeurose tem em torno de 2 cm. O ligamento transverso superior (ligamento de Whitnall) é uma condensação de colágeno e fibras elásticas da bainha anterior do músculo elevador, localizado na transição para aponeurose. A função primária do ligamento de Whitnall é de ligamento suspensor para a pálpebra superior e partes moles do compartimento superior da órbita, mas também atua como fulcro para o elevador, transferindo o vetor de força de direção anteroposterior em superoinferior. Medialmente, este ligamento funde-se ao tecido conectivo que circunda a tróclea e o tendão do oblíquo superior. Lateralmente, o ligamento tem função de septo para a glândula lacrimal e arqueia-se superiormente para se inserir internamente na parede lateral da órbita, cerca de 1 cm acima do tubérculo orbital. O ligamento ainda se insere ao teto da órbita por vários pequenos pontos de espessamento e fusão com a periórbita. A aponeurose tem uma forma de leque e divide-se em porção anterior e porção posterior a distancias variáveis da borda superior do tarso. A porção anterior funde-se ao septo orbital e atravessa o orbicular pré-tarsal de permeio com as fibras musculares e é este conjunto de finas traves que faz com a pele esteja pré-tarsal seja firmemente aderida ao plano muscular bem como este à face anterior do tarso subjacente. A prega palpebral superior é formada pela porção mais superior dessa trama conjuntiva (fusão do septo e expansões da aponeurose) e pela ação repetida de elevação do músculo, sendo uma expressão da função do músculo levantador, muito importante no planejamento da cirurgia de ptose. A porção posterior da aponeurose se insere firmemente na face anterior da metade inferior do tarso, especialmente a cerca de 3 mm acima da margem ciliar, com a adesão mais frouxa


207  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Anatomia Cirúrgica... já nos 3 mm superiores do tarso. O corno lateral da aponeurose é mais denso e resistente e divide a glândula lacrimal em lobo palpebral e lobo orbital e caminha em direção posterolateral, para se fixar ao tubérculo orbital. O corno medial da aponeurose é mais fino e mais frouxo, em uma trama de tecido conectivo que vai se inserir na porção medial do tendão cantal medial e crista lacrimal posterior e possui íntima relação com o tendão do oblíquo superior. O músculo de Müller origina-se no nível do ligamento de Whitnall, cerca de 10 mm acima da borda superior do tarso, e caminha, aderido à superfície posterior da aponeurose e firmemente aderido à conjuntiva subjacente, para se inserir na borda tarsal superior. Imediatamente acima da inserção, entre ele e a aponeurose, está a arcada arterial periférica, que é um limite anatômico cirúrgico importante. Recebe inervação simpática e é responsável por cerca de 2 mm de elevação da pálpebra superior. Retratores da pálpebra inferior: representados pela fáscia caspulopalpebral (análoga à aponeurose do levantador) e pelo músculo tarsal inferior (Fig. 5). A fáscia capsulopalpebral se origina das fibras terminais do reto inferior formando um ligamento que se divide em dois para envolver o oblíquo inferior e sua bainha. A porção anterior une-se ao ligamento suspensor de Lockwood. A partir deste ponto, a fáscia capsulopalpebral caminha anteriormente, emitindo expansões para o fórnice conjuntival inferior, formando o ligamento suspensor do fórnice, e prossegue em direção à borda inferior do tarso, aonde vai se inserir, após a fusão com o septo orbital. O músculo tarsal inferior é análogo ao superior, mas as fibras concentram-se mais próximo ao fórnice e está entre a conjuntiva e a fáscia capsulopalpebral. Tarso e conjuntiva: o tarso é representado por tecido conjuntivo denso que dá suporte esquelético para a pálpebra. A altura máxima é no centro, sendo de 10 a 12 mm no superior e de 4 mm no inferior. Também no centro os tarsos são mais espessos, com cerca de 1 mm, e afinam medial e lateralmente para se continuarem como tecido puramente fibroso até a fixação ao periósteo. Na pálpebra superior, cerca de 2 mm acima dos folículos pilosos dos cílios, entre o orbicular e o tarso, corre a arcada arterial marginal. Na pálpebra inferior, geralmente só existe a arcada arterial periférica, localizada na borda inferior do tarso. Os tarsos contêm as glândulas sebáceas (Meibomius), com número em torno de 25 na pálpebra superior e 20 na inferior. A secreção sebácea destas glândulas compõe a camada lipídica da lágrima. Por ser embriologicamente uma unidade pilossebácea, pode ocorrer distiquíase congênita se não houver inibição no desenvolvimento do potencial piloso e também explica o aparecimento da distiquíase adquirida nas inflamações crônicas que atingem profundamente o tarso. A conjuntiva forma a camada posterior da pálpebra, contendo grande concentração de células caliciformes secretoras de mucina, além das glândulas lacrimais acessórias de Krause e Wolfring, muito mais numerosas na pálpebra superior. Margem palpebral e cílios: a margem palpebral mede aproximadamente 30 mm e dividese em porção canalicular e porção ciliar. A porção ciliar apresenta a linha cinzenta que delimita a divisão lamelar. Na linha cinzenta é onde se concentram fibras especializadas do orbicular (músculo de Riolan) responsáveis pelo tônus da oclusão palpebral. A lamela anterior (pele e orbicular) é revestida por epitélio cutâneo e contém cerca de 100 cílios na pálpebra superior e de 50 na inferior, dispostos em duas a três fileiras. A lamela posterior (tarso e conjuntiva) é revestida por epitélio juncional cutâneo-mucoso e contém a fileira de orifícios de excreção das glândulas sebáceas. A porção canalicular da margem é limitada pela presença do ponto lacrimal e é mais afinada pela falta da estrutura tarsal e folículos pilosos.


208  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Anatomia Cirúrgica... Suprimentos vascular e nervoso: as pálpebras apresentam uma rede vascular extensa, com anastomoses provenientes das artérias supraorbital e lacrimal (ramos da carótida interna através da oftálmica) e das artérias angular e temporal (ramos da carótida externa). As principais anastomoses são a arcada marginal e arcada periférica das pálpebras. A drenagem venosa é dividida em pré-tarsal e supratarsal. Os tecidos pré-tarsais drenam medialmente para a veia angular e lateralmente para a veia temporal superficial. A drenagem do restante da pálpebra se dá para as veias orbitárias e para os ramos profundos da veia facial anterior e plexo pterigoide. A drenagem linfática da porção medial das pálpebras é feita pelos linfonodos submandibulares e na porção temporal é feita superficialmente pelo linfonodos pré-auriculares e profundamente pelos cervicais. O suprimento sensitivo é provido pelos ramos da primeira e da segunda divisões do nervo trigêmeo (NCV). As regiões frontal e periocular temporal e a pálpebra superior recebem ramos do frontal (V1) e a pálpebra inferior e malar recebem ramos do maxilar (V2). A inervação motora se faz pelo oculomotor (NCIII), pelo facial (NCVII) e por fibras simpáticas.

Considerações sobre a anatomia cirúrgica da face O tecido subcutâneo da face é septado por tecido conectivo em lóbulos de gordura e está distribuído abaixo da derme, exceto nas pálpebras, com espessuras diferentes em cada zona facial (os mais espessos são das zonas malar, temporal e cervical) e há variações individuais. Entre a porção orbital do músculo orbicular e o periósteo dos ossos zigomático e maxilar há um plano adiposo não septado chamado de gordura suborbicular (SOOF) (Fig. 6) e que se continua para a região temporal superior, sobre os rebordos lateral e superior, recebendo o nome de gordura retro-orbicular (ROOF). Em algumas situações este plano se confunde com o das bolsas de gordura pré-aponeurótica da pálpebra superior. A fáscia temporal superficial, que é uma extensão da fáscia superficial cervical, cobre os músculos da mímica facial (platisma, zigomático maior, zigomático menor e orbicular), constituindo o SMAS (sistema músculo aponeurótico superficial) que distribui a contração isolada

Fig. 5  Estruturas da pálpebra inferior: 1. conjuntiva 2. tarso, 3. fáscia capsulopalpebral, 4. fórnice, 5. ligamento de Lokwood; 6. m. orbicular, 7. gordura orbital; 8. m. oblíquo inferior, 9. porção capsulopalpebral, 10. m. reto inferior.


209  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Anatomia Cirúrgica... dos músculos e permite a transmissão dos movimentos para a expressão mímica facial. O SMAS está conectado à derme através de pequenos ligamentos de tecido conectivo denso que quando se tornam frouxos induzem à flacidez e deiscência dos tecidos moles da face, portanto, as cirurgias cosméticas da face dependem muito do reposicionamento do SMAS, com dissecção adequada. Por outro lado, o SMAS está também conectado aos ossos por uma trama de septos fibrosos e ligamentos. Os maiores componentes do SMAS são os ligamentos osteocutâneos (orbitomalar, zigomático e mandibular) e os ligamentos formados pela condensação das fáscias profundas e superficiais da face (parotidocutânea e massetérica). O envelhecimento facial se torna aparente à medida que esses ligamentos se afrouxam e a derme vai perdendo o colágeno. Os músculos da mímica facial podem ser divididos em superficiais e profundos. Os superficiais recebem suprimento neurovascular pela face posterior e incluem: orbicular, platisma, zigomático maior, zigomático menor e risorius. Os profundos recebem o suprimento neurovascular pela face anterior e incluem o bucinador, mentoniano e elevador do ângulo da boca. Outros músculos são: orbicular da boca, masseter, temporal e músculos elevadores e depressores dos lábios. A fascia parotidomassetérica é uma continuação da fascia cervical profunda e o nervo facial corre profundamente a esta camada fina do 1/3 inferior da face. Na região temporal, acima do arco zigomático, esta camada se continua com a fascia temporal profunda e o ramo frontal do nervo facial corre superficial a ela. No pescoço, a fáscia cervical profunda reveste a porção superficial do músculo milo-hioide, sobre o osso hioide, e se estende superiormente sobre o corpo da mandíbula. A inervação motora dos músculos da mímica facial é feita pelo nervo facial (NCVII) que se divide em cinco grandes ramos, posteriormente à glândula parótida: temporal, zigomático, bucal, marginal da mandíbula e cervical. A lesão do nervo facial causa a paralisia regional, com disfunção e deformidade local. Para evitar lesão do nervo facial, na região superior da face e região temporal a dissecção é profunda, abaixo do SMAS enquanto nas zonas inferiores, especialmente sobre a parótida, a dissecção deve ser superficial, acima do SMAS. A inervação sensitiva da face é provida pelos três ramos do nervo trigêmeo (NCV). No 1/3 superior da face o ramo frontal do nervo facial penetra no músculo frontal pela sua face posterior. Os feixes neurovasculares supraorbital e supratroclear (ramos do V1) emergem de seus

Fig. 6  Gordura suborbicular (SOOF); II. gordura da pálpebra inferior; em área cinza de descolamento no lifting facial.


210  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Anatomia Cirúrgica... respectivos forames e caminham superiormente, ramificados, abaixo da pele e dentro da fascia frontal tanto superficial quanto profunda. Os planos mais indicados para dissecção frontal são o subgaleal e subperiosteal para evitar o ramo frontal do facial e os nervos sensitivos. A mímica da região frontal e glabelar é realizada pelos músculos frontal, corrugador e procerus. O frontal eleva os supercílios, causando rugas transversas, e por isso em ptose de supercílio e dermatocalase pode surgir a ritidose frontal pela contração crônica de compensação. A ritidose frontal pode ser reduzida pela blefaroplastia isolada ou combinada à suspensão dos supercílios ou “lift” frontal. A contração crônica do corrugador e do procerus leva a rugas profundas verticais entre os supercílios, que podem ser reduzidas por injeção de toxina butulínica ou transecção direta das fibras musculares como parte do “lift” de supercílio. Na região temporal, o ramo frontal do nervo facial cruza o arco zigomático e dirige-se superomedialmente nas camadas profundas da fascia temporoparietal (SMAS) (Fig. 7) A fáscia temporoparietal comunica o SMAS inferior da face com a gálea aponeurótica do 1/3 superior da face. Abaixo da fascia temporoparietal encontra-se uma fascia muito mais densa e imóvel que reveste o músculo temporal e é chamada de fascia temporal profunda. A dissecção ao longo desta fascia permite a mobilização temporal das partes moles e evitando lesão ao ramo frontal do nervo facial, sendo um limite importantíssimo na anatomia cirúrgica.

Fig. 7  Corte coronal da face e crânio: corte para ressaltar a relação do ramo temporal do nervo facial com a fáscia temporoparietal. A dissecção deve ser no plano profundo para não atingir o nervo.


211  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Anatomia Cirúrgica... Na face inferior, os ramos do nervo facial, os nervos sensitivos, as tramas vasculares e a glândula parótida, estão em um plano profundo em relação ao SMAS. Os músculos superficiais recebem o aporte neurovascular nas suas superfícies posteriores e os músculos profundos recebem este suprimento pelas suas faces anteriores. A dissecção bem superficial ao SMAS, glândula parótida e fáscia paroditomassetérica no 1/3 inferior da face, evita lesão destas estruturas.

Bibliografia Beard C, Quickert MH. Anatomy of the orbit. 2nd ed. Birminghan, Ala.: Aesculapius; 1977. Doxanas MT, Anderson RL. Clinical orbital anatomy. Baltimore: Williams & Wilkins; 1984. Lemke BN, Stasior OG. The anatomy of eyebrow ptosis, Arch. Ophthalmol, 1982; 100:981. Lemke BN, Stasior OG. The anatomy of eyebrow ptosis. Ophthalmic Plast Reconstr Surg, 1983; 2:193. Meyer DR, Linberg JV, Wobig JL, Mccormick SA. Anatomy of the orbital septus and associated eyelid connective tissues. Ophthalmic Plast Reconstr Surg, 1991; 7:104. Reeh MD, Wobig JL, Wirtschaffer JD. Ophthalmic Anatomy. San Francisco: AAO, 1991. Smith BC, Della Rocca RC, Nesi FA, Lisman RD. Ophthalmic Plastic And Reconstructive Surgery: St. Louis: Mosby, 1987; vol. 1. Wolff E, Warwick R. Anatomy of the eye and orbit. 7th ed. Philadelphia: Saunders, 1976

Literatura Sugerida Zide BM, Jelks J. Surgical Anatomy Around the Orbit. Baltimore: Lippincott, 2006.


Marcos Volpini

C a p í t u l o | 22

Técnicas Básicas

O resultado cirúrgico depende de uma série de fatores que incluem aspectos inerentes ao próprio paciente, à correta avaliação pré-operatória e à técnica cirúrgica. Há necessidade do conhecimento dos princípios gerais e técnicas básicas em cirurgia geral. Os princípios básicos e técnicas descritas neste capítulo podem encontrar aplicação imediata na prática diária oftalmológica e eliminar a necessidade de procedimentos secundários.

Incisão A falha na demarcação ou na execução de uma incisão na pele pode levar a um sucesso funcional, mas a um resultado estético desfavorável. As incisões devem ser planejadas no pré-operatório para seguir as linhas de tensão da pele, que correspondem às dobras e rugas da pele normal que frequentemente são capazes de esconder ou camuflar uma incisão planejada (Figs. 1A e B). Os seguintes fatores devem ser considerados na sua topografia: Linha e pregas da pele. Linhas de contorno e dependência. Tipos de pele. Idade do paciente. Região do corpo Após a preparação da pele, as linhas de incisão devem ser marcadas, antes da infiltração local com anestésico associado a vasoconstrictor para evitar distorções dos marcos anatômicos e mau posicionamento da incisão. Uma lente plástica ou metálica protetora deve ser adaptada para a proteção do bulbo ocular. As incisões de pele devem ser feitas com a lâmina do bisturi perpendicular ao plano na posição vertical para evitar o biselamento da margens

212


213  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Técnicas Básicas

Figs. 1 (A a B)  Linhas de tensão na pele relaxada. A. Visão frontal. B. Visão lateral.

(Fig. 2). O trauma tecidual deve ser minimizado com uso de instrumental adequado como ganchos e pinças delicadas com dente, tesouras retas e curvas com pontas fina e rombas. Os tecidos devem ser manipulados cuidadosamente para evitar traumas nas bordas da ferida cirúrgica que possam retardar a cicatrização. Todo o instrumental deve ser inspecionado periodicamente pelo cirurgião e enviado para possíveis reparos quando necessário.

Excisão Em cirurgia, muitas vezes há necessidade de retirar a pele em sua espessura total. Algumas técnicas facilitam a sutura e a cicatrização:

Excisão elíptica Método mais frequentemente usado para remover pequenas lesões superficiais da pele. É necessário que no planejamento da elipse o eixo maior fique paralelo às linhas da pele e que seja quatro vezes maior que o eixo menor para evitar redundância de pele nas extremidades da incisão. As excisões podem ser simples ou múltiplas, totais ou parciais, esta última pode ser usada para fazer biópsia.

Fig. 2  A incisão na pele é feita com a parte mais curva da lâmina 15 e perpendicular à superfície da pele, exceto para as incisões no supercílio onde uma incisão oblíqua evitara danos aos folículos pilosos.


214  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Técnicas Básicas Excisão em triângulo É indicada na remoção de lesões situadas nas margens livres da pele. As pálpebras apresentam elasticidade que permite a remoção de até ¼ da sua extensão, e as margens livres podem ser reaproximadas sem outro recurso complementar. Lesões na margem palpebral devem ser excisadas em V ou pentágono e suturadas diretamente tomando-se o cuidado de manter o seu alinhamento (Fig. 3A).

Excisão circular Está indicada nos casos de lesões grandes que não permitem o fechamento primário. A reconstrução da área cruenta deve ser feita com enxerto ou retalho. O retalho bilobado permite preencher o defeito primário com um retalho de vizinhança, e então transpor um segundo retalho para preencher o defeito secundário deixado pela transferência do retalho primário. (Figs. 3A e B a 6)

Sutura Material de sutura O fio vem acondicionado dentro de um invólucro estéril contendo informações sobre o tipo, calibre e características da agulha. Tabela I. A escolha da sutura vai depender da natureza do tecido, tensão para aproximar as bordas da ferida, cooperação do paciente para a remoção da sutura e preferência do cirurgião.

Fig. 3 A  Esquema do retalho bilobado.

Fig. 3 B  Esquema de ressecção em pentágono na margem palpebral.


215  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Técnicas Básicas

Fig. 4  Lesão vegetante arredondada no canto interno esquerdo.

Fig. 5  Retalho bilobado demarcado.

Fig. 6  Pós-operatório imediato. Tabela I  Agulhas Tipo em relação ao corpo

Característica

Indicações

Espatulada

Apresenta quatro bordas cortantes

Cirurgia do tendão do levantador, ptose palpebral e estrabismo

Cortante

Forma triangular com tres bordas cortantes

Sutura da pele

Atraumática ou romba

Indicada nos tecidos de baixa resistência provoca pouca hemorragia

Sutura de retalhos de mucosa na dcr*

Tapercut

Bordas cortantes e corpo cilindrico com transição gradual

Tecidos de alta resistência

*Dacriocistorrinostomia.

Formato


216  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Técnicas Básicas O fio de sutura é o elemento que aproxima os tecidos mantendo o plano anatômico em posição. Os fios podem ser classificados: a) monofilamentares que apresentam a vantagem de serem atraumáticos e fácil remoção; b) multifilamentares podem ser torcidos ou trançados, apresentam maior capacidade de fixação dos nós. Os fios podem ser classificados em absorvíveis (categute, poliglactina) e não absorvíveis (nylon, seda, dacron e aço). Os fios absorvíveis são usados frequentemente como suturas sepultadas no tecido subcutâneo, adiposo, músculo e membranas mucosas. Tabelas II e III. Na pele podem ser utilizados em crianças em áreas não expostas (couro cabeludo, supercílio e região retroauricular) com a vantagem de evitar a remoção dos pontos. Tabela II  Tipos de fios absorvíveis Fios absorvíveis

Composição

Característica

Poliglactina (Vicry)

Poliglactina 910 (ácido glicólico 90% e ácido lático 10%)

Efetividade da sutura duas semanas

Categute simples

Colágeno animal

Efetividade da sutura uma semana Disponibilidade de calibre 2,.0 a 5,0

Categute cromado

Colágeno animal com revestimento de sais de cromo

Efetividade da sutura 2 a 3 semanas Disponibilidade de calibre 5,0 a 11,0

Tabela III  Tipos de fios não absorvíveis Fios não absorvíveis

Composição/Indicação

Característica

Nylon

Poliamida sintética

Inerte com reação tecidual mínima Flexibilidade e resistência permite que o fio seja extremamente fino

Prolene

Propileno sintético

Inerte

Seda

70% Proteína e 30% goma

Reação tecidual moderada Disponibilidade calibre 2,0 a 10,0

Mersilene, dacron

Poliester sintético multifilamentar trançado

Menos reativo que a seda Disponibilidade de calibre 0 a 9,0 No calibre 10,0 e 11,0 é monofilamentar

Aço

Síntese óssea

Inerte, duração permanente não provoca reação tecidual

Técnica de sutura A sutura deve manter aproximadas as margens da ferida até que o processo de cicatrização atinja um grau suficiente para suportar a tensão local (Figs. 7A-D e 8). Fatores que devem ser levados em consideração: Evitar tensão exagerada no anodamento da sutura. Quantidade de tecido apreendido: quando o ponto é passado longe da margem da ferida as marcas da sutura serão mais evidentes.


217  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Técnicas Básicas

Figs. 7 (A–D)  Sutura da ferida. Boa pega nas margens para sua eversão, A, B, C, anodamento fora da incisão, D.

Fig. 8  Esquema mostrando suturas mau posicionadas resultando em alinhamento inadequado das margens da feridas.


218  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Técnicas Básicas As suturas sepultadas podem ser usadas para o fechamento de feridas penetrantes para aproximar o plano subcutâneo minimizando o espaço morto e diminuindo a tensão na pele. As bordas da ferida devem ser evertidas durante a sutura, pois gradualmente se aplanam atingindo o mesmo nível da superfície. Quando suturadas em um plano deprimido assim permanecem produzindo uma cicatriz sulcada e mais evidente. Tempo de permanência da sutura no tecido: as suturas conjuntivais devem permanecer por 5 a 7 dias, na pele os pontos devem ser retirados no quinto e sexto dias do pós-operatório. As suturas tarsais devem permanecer por mais tempo, sendo retiradas entre 10 e 14 dias.

Hemostasia A hemostasia meticulosa permite um fechamento adequado das margens da ferida cirúrgica e uma boa cicatrização. Coágulos sanguíneos retidos na ferida podem comprometer a cicatrização e causar infecção. Anestésicos com vasoconstritor podem ser utilizados mesmo quando o paciente está sob anestesia geral. O cautério bipolar é necessário em todos os procedimentos. Quando se trabalha em uma cavidade profunda (enucleação, evisceração, DCR e exenteração) a cauterização com bipolar deve ser combinada com aspiração do sangue.

Cicatrização de feridas A cicatrização de feridas é um processo dinâmico iniciado por um ferimento traumático ou cirurgia. Este processo pode ser dividido em quatro fases: inflamatória, fibroblástica, retração da ferida e maturação da cicatriz. Em ferimentos não contaminados a fase inflamatória pode durar 4 a 6 dias. Esta fase é iniciada por vasoconstrição e deposição de fibrina e plaquetas que ajudam a controlar o sangramento. A vasodilatação segue e é acompanhada pela liberação de fatores quimiotáticos para leucócitos e macrófagos. Assepsia apropriada da ferida, assim como manuseio atraumático dos tecidos, pode diminuir a fase inflamatória da cicatrização, enquanto feridas contaminadas com retenção de corpo estranho prolongam esta fase e pode resultar em uma reação inflamatória crônica. A fase inflamatória continua por 2 a 4 semanas, fibroblastos que migraram para a ferida permanecem abaixo das fibras de colágeno de uma forma desorganizada. Inicialmente uma excessiva quantidade de colágeno é produzido contribuindo para a cicatriz proeminente que os pacientes exibem neste período. Na maioria dos pacientes, entretanto, o equilíbrio é logo estabelecido entre a produção de colágeno e a colagenólise e o processo progride para a fase da maturação da cicatriz. A retração da ferida é uma fase da cicatrização que ocorre ao longo da fase fibroblástica. Os enxertos devem ser dimensionados a ter uma área um terço maior que o leito receptor, tendo em vista a sua retração tecidual. Os esteroides podem inibir a retração da ferida, mas podem também interferir na proliferação de fibroblastos e síntese de colágeno, dessa forma, diminuindo a resistência da ferida. A fase de maturação começa um mês após o trauma ou cirurgia e pode continuar por um longo tempo. No início desta fase os fibroblastos começam a deixar a área. Depois disso, ocorre organização e desidratação das fibras de colágeno com fortalecimneto e remodelação da cicatriz.


219  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Técnicas Básicas Cicatriz hipertrófica e queloide Cicatriz hipertrófica envolve somente o tecido na ferida e essas cicatrizes frequentemente tornam-se mais claras, menos visíveis e aderidas com o tempo. O queloide por sua vez apresenta crescimento invadindo os tecidos adjacentes e pode levar anos até atingir o seu tamanho máximo. Tanto o queloide quanto a cicatriz hipertrófica são caracterizadas por resposta tecidual que excede as necessidades fisiológicas da ferida. Ambas têm predileção por adultos jovem e crianças com pele escura. O tratamento da cicatriz hipertrófica inclui massagem, pomada de esteroide e esteroide injetado diretamente na lesão. Uma agulha de insulina é usada para injetar 0,1 cc de triancinolona (10 mg/cc) diretamente na cicatriz. As injeções podem ser repetidas a cada duas semanas quando necessário. Atrofia e despigmentação podem ocorrer se o procedimento for repetido ou se o esteroide for injetado intradermicamente. Radiação, crioterapia ou excisão cirúrgica podem ser utilizados no tratamento do queloide com sucesso limitado.

Revisão de cicatriz A cicatriz pode ser minimizada por incisões planejadas, técnica adequada de sutura, compreensão dos princípios de cicatrização e cuidados no pós-operatório. Os fatores que podem influenciar na formação da cicatriz são: Causa da ferida. Região envolvida. Profundidade da ferida. Extensão da ferida. Forma da ferida. Fatores individuais (idade, raça, história de cicatriz, profissão). Tratamento prévio (cirurgia ou radiação). Cada cicatriz merece análise cuidadosa e no planejamento da sua revisão deve-se considerar a relação com as linhas de tensão da pele relaxada, assim como os fatores descritos anteriormente. A aparência final da cicatriz pode levar tempo para ser conseguida necessitando vários procedimentos. A revisão da cicatriz sem perda tecidual pode ser feita por uma ou combinação das seguintes técnicas: excisão fusiforme, Z-plastia ou W-plastia. A excisão fusiforme é a técnica mais indicada para a revisão de cicatriz que segue as linhas de tensão da pele. A W-plastia é indicada nas cicatrizes de linha antitensão da região do supercílio, frontal, temporal e malar, entretanto, a Z-plastia simples ou múltipla é a técnica eletiva para a maioria das cicatrizes na linha de antitensão. Em cicatrizes irregulares e extensas todas essas técnicas podem ser combinadas durante o procedimento. O objetivo precípuo da revisão de uma cicatriz é esconder ou camuflar a mesma. As técnicas de revisão de cicatrizes logram este objetivo quebrando a cicatriz em segmentos menores e redirecionando a cicatriz original. A Z-plastia utiliza dois retalhos triangulares adjacentes criados por uma incisão em forma de Z. O ramo central do Z deve ser posicionado sobre a linha de contratura. Uma linha diagonal transversa é desenhada perpendicularmente ao ramo central permitindo ao cirurgião criar


220  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Técnicas Básicas dois vértices de triângulo. Depois que a configuração do Z é determinada, cada retalho é incisado, descolado, elevado e transposto no leito receptor (Fig. 9A-D). A quantidade de encurtamento conseguido pela Z-plastia depende do ângulo do retalho e do comprimento dos braços. Exceto em circunstâncias especiais os ângulos devem estar entre 50º e 60º. Ângulos menores progressivamente diminuem a quantidade de encurtamento alcançado enquanto ângulos maiores que 60º tornam-se progressivamente difíceis de transpor (Fig. 9A). O cirurgião deve excisar completamente os tecidos fibróticos no subcutâneo depois que os retalhos da Z-plastia são elevados (Fig. 9C). A falha neste tempo cirúrgico compromete o resultado da revisão. Os retalhos devem ter uma boa espessura para evitar necrose isquêmica nas suas pontas. Esta complicação ocorre quando a base do retalho é muito estreita com tecido cicatricial ou se a sutura na ponta do retalho compromete o suprimento sanguíneo. A W-plastia utiliza múltiplas incisões pequenas e anguladas que são aproximadas por avançamento sem rotação tecidual. A W-plastia esta indicada nas cicatrizes da linha de antitensão na região do supercílio, frontal, temporal e malar. Parte do tecido deve ser necessariamente removida quando se usa a W-plastia, assim, este procedimento é contraindicado quando houver falta de pele na região.

Enxerto de pele Os enxertos autólogos (pele, fascia lata, cartilagem auricular, membrana mucosa e dermogorduroso) e homoenxertos (esclera, fascia) encontram larga aplicação em cirurgia plástica ocular. O enxerto é completamente destacado do seu sítio doador, portanto, não tem suprimento sanguíneo próprio. Por outro lado, um retalho mantém-se parcialmente ligado ao sítio doador por um pedículo, deste modo é vascularizado, permitindo uma integração mais rápida ao local. O enxerto de pele pode ser de espessura total ou parcial, dependendo se toda ou somente parte da derme está incluída no mesmo. A contração do enxerto de espessura parcial e alteração da pigmentação limitam o seu uso em cirurgia palpebral. Os enxertos de pele de espessura total são usados frequentemente para revisão de cicatrizes, reparação de ectrópio cicatricial e reconstrução palpebral. Enquanto a pele da pálpebra superior contralateral é a melhor escolha para reparação de um defeito na pálpebra superior, esta fonte pode ser inadequada se não houver pele suficiente. Além disso, deve-se considerar uma assimetria que a blefaroplastia em apenas uma pálpebra pode causar. A pele da região retroauricular (Fig. 10) é o sítio doador ideal para os defeitos da pálpebra inferior e também para os reparos da pálpebra superior.

A

B

Figs. 9 (A–D)   Esquema da Z-plastia.

C

D


221  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Técnicas Básicas

Fig. 10  Região retroauricular.

A adequada preparação do leito receptor, técnica cirúrgica na obtenção do tecido, dimensionamento, posicionamento, sutura do enxerto e atenção aos cuidados no pós-operatório são essenciais para assegurar bons resultados cosméticos e funcionais. Os passos básicos para obtenção de um enxerto de pele de espessura total retroauricular são descritos a seguir: Todo o tecido cicatricial deve ser excisado da área receptora. O leito receptor deve estar livre de sangue e restos teciduais que possam interferir na vascularização do enxerto. Medir o tamanho do defeito com compasso. Manter a cabeça do paciente em posição adequada e usar caneta marcadora para delimitar a área a ser excisada, esta deve ser pelo menos um terço maior que a área receptora. Infiltrar pequena quantidade de xilocaina a 1% ou 2% associada a epinefrina no subcutâneo para hemostasia e divulsão do tecido subcutâneo. A linha demarcada é incisada com lâmina 15 completa-se a excisão com tesoura de ponta romba. O enxerto é imerso em solução salina. A área doadora é suturada com fio seda ou nylon 4-0, pode-se aproximar o subcutâneo com pontos sepultados na derme. Adelgaçar o enxerto com tesoura curva para remoção do tecido subcutâneo remanescente, para tornar cosmeticamente mais aceitável e eliminar uma barreira potencial para a vascularização. O enxerto é transferido para o leito receptor e suturado com fio seda 6-0 pontos separados. Deve-se deixar 4 a 6 pontos confrontantes com um comprimento maior do fio de sutura para anodar um curativo de algodão embebido em solução de antibiótico para exercer uma leve pressão sobre o leito receptor (Figs. 11 a 13).


222  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Técnicas Básicas

Fig. 11  Incisão na pele com preparo do leito receptor.

Fig. 12  Pele suturada no leito receptor.

Fig. 13  Curativo levemente compressivo.

Retalhos Diferente dos enxertos, os retalhos por definição têm pelo menos um pedículo, são, portanto não somente dependentes do seu leito receptor para nutrição. Eles são indicados em áreas com comprometimento de suprimento sanguíneo, tais como áreas previamente irradiadas. Visto que o retalho contém tecido subcutâneo, eles também são úteis quando determinado volume é necessário para preencher um defeito. O retalho miocutâneo é aquele onde o músculo subjacente está incluso na derme. Os retalhos mais frequentemente usados na cirurgia palpebral são descritos como local, aberto e simples, significando que os retalhos são provenientes da vizinhança, transferidos para um leito receptor (aberto), e têm um pedículo (simples). Os retalhos locais podem ser classificados como: deslizamento, avançamento, rotação ou transposição (Figs. 14A-D). Após uma excisão elíptica, as duas margens da ferida são descoladas criando dois retalhos de deslizamento que são suturados para cobrir o defeito. Um retalho de avançamento é frequentemente de forma retangular e move-se diretamente em relação ao defeito sem qualquer rotação ou movimento lateral. Retalhos de rotação movem-se em relação a um eixo e podem ser classificados como retalho de rotação simples, que é rodado em direção a um defeito adjacente, ou um retalho de transposição que é rodado em direção a um defeito não adjacente (Figs. 15A-D). O retalho semicircular de Tenzel (Fig. 16) é exemplo de um


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Figs. 14 (A–D)  Os tipos de retalho mais comuns usados em cirurgia plástica ocular: A. Deslizamento. B. Avançamento. C. Rotação. D. Transposição.

Figs. 15 (A–C) A. Reconstrução da pálpebra inferior pela técnica de Hughes envolvendo dois tipos de retalhos. B. Retalho tarso conjuntival da pálpebra superior (rotação simples). C. Retalho de pele (deslizamento) com excisão de dois triângulos de pele nas extremidades para evitar as “orelhas de cachorro”.

Fig. 16  Retalho semicircular de Tenzel.


224  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Técnicas Básicas retalho de rotação simples, enquanto o retalho frontal medial quando confeccionado resultará em um retalho de transposição.

Defeitos circulares Após a excisão de uma lesão, o cirurgião pode se deparar com um defeito circular. Se essa área for pequena, ela pode ser convertida em pequena excisão fusiforme, suas margens descoladas e fechadas primariamente. Os ângulos do fuso não devem ser maiores que 30 graus para evitar as inconvenientes “orelha de cachorro” (veja adiante). Se a lesão for maior, frequentemente é possível converter o defeito para uma forma fusiforme, evitar a remoção de uma grande quantidade de tecido normal e manter um ângulo de 30 graus no canto da lesão, M-plastia pode ser utilizada (Fig. 17A). Em outras situações pode ser mais vantajoso usar retalhos triangulares em ilha simples ou múltiplos. Estes retalhos são mantidos por um pedículo subcutâneo, deslizados em direção ao defeito e suturados (Fig. 17B). Outra técnica para tratar defeitos circulares maiores utiliza duas incisões curvilíneas confeccionando dois retalhos tipo Z-plastia triangulares. Estes retalhos, entretanto, não são transpostos, eles são extensivamente dissecados e rodados em direção ao defeito. Para evitar as “orelhas de cachorro” nos ângulos distantes é necessário excisar um pequeno triângulo (Fig. 17C). Finalmente, o defeito circular pode ser convertido em defeito retangular e fechado por um retalho de avançamento ou um retalho romboide (Fig. 17D). O retalho romboide é especialmente útil na área do canto lateral (Figs. 17D e 17E).

Figs. 17 (A–E)  O fechamento de um defeito circular pode ser feito de várias maneiras dependendo da sua localização e tamanho do defeito.


225  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Técnicas Básicas Deformidade em “orelha de cachorro” Uma “orelha de cachorro” ou excesso de pele no final da sutura pode ocorrer em uma variedade de situações, mas mais frequentemente resulta quando o cirurgião tenta fechar diretamente uma elipse larga ou arredondada ou quando um lado de uma elipse é maior que outro. Esta situação pode causar problemas. Por exemplo, na blefaroplastia superior, uma “orelha de cachorro” no canto nasal da incisão, a pele por ser mais espessa nesta região pode dar origem a uma cicatriz inestética. A excisão do tecido redundante está indicada. Várias excisões triangulares são frequentemente usadas no fechamento da pele para evitar ou eliminar as deformidades em “orelha de cachorro” (Figs. 18A-D e 19A-E).

Figs. 18 (A–D)  Técnica para eliminar as “orelhas de cachorro”.

Figs.19 (A–E)  As “orelhas de cachorro” podem ser evitadas pela incorporação de pequenas excisões triangulares no fechamento da ferida.


226  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Técnicas Básicas Bibliografia Carvalho VM, Soares JC, Costa MCB, Morschbacher R. Técnicas Básicas. In: Soares EJC, Moura EM, Gonçalves JOR. Cirurgia Plástica Ocular. São Paulo: Roca, 1997; pp. 2350. Carroll RP, Wilkins RB. General principles and basic techniques. In: Stewart WB. Oculoplastic Surgery. Philadelphia: Saunders, 1979; pp. 11-28.

Literatura Sugerida Iliff CE, Oculoplastic Surgery. – Philadelphiha: Saunders, 1979. McCord CD, Tanenbaum M. Oculoplastic Surgery. New York: Raven Press, 1987. Mustardé JC. Repair and Reconstruction in the Orbital Region. London: Churchill Livingstone, 1991. Reeh MJ, Beyer CK, Shannon GM. Practical Ophthalmic Plastic and Reconstructive Surgery. Philadelphia: Lea & Febige, 1976.


Ana Rosa Pimentel de Figueiredo • Danielle Pimenta Viana Trindade

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Anestesia em Plástica Ocular

Avaliação pré-operatória O sucesso do procedimento cirúrgico começa no preparo geral do paciente e na escolha e realização da correta técnica anestésica. Até alguns anos atrás, eram solicitados, para todos os pacientes, os exames laboratoriais considerados “de rotina” e a avaliação do risco cirúrgico. Exames como hemograma, coagulograma e eletrocardiograma foram considerados obrigatórios por muito tempo. Esse conceito, apesar de ainda mantido por uma considerável parcela de cirurgiões e anestesistas, tem mudado. Estudos mais recentes mostram que a realização de exames pré-operatórios “de rotina” promove pouco ou nenhum efeito benéfico em pacientes aparentemente saudáveis. No entanto, ainda não há consenso sobre o benefício desses exames para pacientes como os idosos que, apesar de assintomáticos, apresentam um risco aumentado de complicações intraoperatórias. A literatura científica disponível não contém informações rigorosas, que permitam recomendações que não sejam ambíguas. Assim, a proposta é que os exames pré-operatórios não sejam solicitados de rotina, mas com o propósito básico de guiar e otimizar o cuidado perioperatório. Deve-se considerar critérios de relevância ou prevalência das doenças e sensibilidade e especificidade dos exames. Outro dado controverso em relação aos exames é o seu período de validade. Atualmente, aqueles realizados dentro do período de um ano, excetuando-se os que podem sofrer alterações em curto prazo, como glicemia em diabéticos ou eritrograma em pacientes com sangramentos, são considerados válidos. A preferência é que o risco cirúrgico seja realizado pelo médico que acompanha clinicamente o paciente, mas isso não isenta o cirurgião do conhecimento dos exames a serem solicitados e das medicações que devem ser suspensas ou mantidas durante o ato operatório. É responsabilidade do cirurgião determinar se o paciente pode ser submetido ao procedimento proposto, identificando e controlando os fatores que aumentam a morbidades no peri e pós-operatório.

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228  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Anestesia em Plástica Ocular Exames complementares pré-operatórios e indicação clínica A tendência atual é a solicitação de exames pré-operatórios de acordo com os dados sugestivos encontrados no histórico clínico ou no exame físico, além do tipo e porte do procedimento proposto. A princípio, um paciente jovem e sem comorbidades não necessita de nenhum exame complementar para a realização do procedimento cirúrgico. Exceção a essa regra, e de extrema importância, é a solicitação do teste de gravidez para mulheres em idade fértil. Em vários estudos, o teste positivo implicou adiamento/cancelamento da cirurgia ou mudança nos cuidados e escolha de fármacos. A Tabela I fornece uma orientação para a indicação dos exames a serem solicitados nas condições clínicas mais frequentes. Tabela I  Exames complementares pré-operatórios e indicação clínica Estado Físico

Doença/Condição Associada

Exames Pré operatórios

ASA I

Idade > 45 anos (homem) ou > 55 anos (mulher)

ECG

Idade > 60 anos

Glicemia, creatinina

Idade > 65 anos

Hb, Ht

Diabetes melito

Hb, Ht, glicemia, creatinina, Na+, K+

Doença cardiovascular

ECG, creatinina, considerar Rx tórax

Doença pulmonar

considerar Rx tórax

Uso de diuréticos

Na+, K+

Tabagismo crônico (>20 anos)

ECG, considerar Rx tórax

ASA III

Doença cardiovascular, diabetes melito ou doença respiratória

Hb, Ht, glicemia, creatinina, Na+, K+, ECG, Rx tórax

ASA II e III

Com outras doenças

Exames de acordo com a doença

ASA I, II e III

História/suspeita de anemia

Hb, Ht

ASA II

Ciurgia de grande porte Uso de anticoagulantes ou fitoterápicos

coagulograma

História de sangramentos Cirurgias de grande porte Cirurgia com grande risco de sangramento ECG = eletrocardiograma; Hb = hemoglobina; Ht = hematócrito;

Medicamentos que necessitam de suspensão prévia Além dos medicamentos citados na Tabela II, devemos lembrar dos demais fitoterápicos, cujo uso vem progressivamente aumentando. A Sociedade Americana de Anestesiologia recomenda que esses medicamentos sejam descontinuados 2 a 3 semanas antes de qualquer procedimento cirúrgico eletivo.


229  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Anestesia em Plástica Ocular O tabagismo também deve ser interrompido algumas semanas antes da cirurgia. A nicotina é vasoconstrictora e reduz a capacidade de transporte de oxigênio, essencial para a recuperação de pacientes submetidos a grandes reconstruções ou cirurgias cosméticas.

Medicamentos que devem ser mantidos até o dia da operação Ver Tabela III. Tabela II  Medicamentos que necessitam suspensão prévia Anticoagulantes orais

Cirurgias eletivas: cumarínicos 5 dias antes da operação com RNI< 1,5 e TP maior ou igual a 50% no pré-operatório imediato. Se houver alto risco de tromboembolismo, heparina sistêmica deve ser mantida até 6 horas antes do procedimento. Em cirurgias emergenciais: se em uso de cumarínico infusão de plasma + vit. K; se em uso de heparina usa-se o sulfato de protamina

Antiagregantes plaquetários

AAS e clopidogrel suspensos 7 a 10 dias antes da operação (tempo de formação de novas plaquetas), assim como o gingko biloba (fitoterápico)

Anti-inflamatórios não hormonais (AINES)

Suspensão 24 a 48 horas antes da operação (inibição plaquetária reversível)

Antidepressivos

Apenas os inibidores da monoaminoxidase (IMAO) – 3 a 5 dias antes da operação

Antidiabéticos orais

Suspensos no dia da cirurgia, exceto a clorpropamida (Diabinese), suspensa 48 h pela meia-vida mais longa

Tabela III  Medicamentos que devem ser mantidos até o dia da operação Anti-hipertensivos

Betabloqueadores

Insulina

Broncodilatadores

Cardiotônicos

Anticonvulsivantes

Glicocorticoides

Medicação psiquiátrica

Antialérgicos

Potássio

Seleção da anestesia As modalidades de administração anestésica são: local, local com sedação e anestesia geral (tubo endotraqueal ou máscara laríngea). A seleção apropriada da modalidade anestésica começa com os dados da avaliação pré-operatória. Procedimentos muito longos ou complexos são pouco tolerados pelo paciente alerta. Pacientes muito ansiosos ou não cooperativos podem precisar de uma dose maior de medicação para a sedação, o que aumenta o risco de depressão respiratória durante o procedimento. Além disso, sedações muito profundas propiciam acúmulo de CO2 e consequente vasodilatação indesejável no sítio cirúrgico. Cabe ao cirurgião, em parceria com o anestesiologista,


230  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Anestesia em Plástica Ocular determinar se o procedimento proposto pode ser realizado de forma efetiva e segura, em dada modalidade anestésica.

Anestesia local Os anestésicos locais mais utilizados em plástica ocular são a lidocaína e a bupivacaína. O uso associado da epinefrina como vasoconstritor na concentração de 1:100.000 ou 1:200.000 é benéfico, pois age na hemostasia e no prolongamento da duração da anestesia. A mistura de lidocaína a 2% com bupivacaína a 0,5% na proporção de 1:1 é a mais utilizada na maioria dos procedimentos. Essa associação provê um rápido início de ação graças à primeira e um efeito prolongado e analgésico pós-operatório graças à segunda.

Anestesia infiltrativa É empregada em pequenos procedimentos nas pálpebras, ou regiões próximas, e conjuntiva. Feita geralmente com agulha de insulina, de forma lenta e difusa. A compressão local após infiltação ajuda na difusão do anestésico e impede a formação de hematomas. Deve-se evitar seu uso em tecidos infectados, assim como evitar injetar agulhas em tecidos profundos devido ao risco de hematoma e hemorragia orbitária.

Anestesia por bloqueio regional O bloqueio apresenta vantagem em relação à infiltração pelo menor volume anestésico utilizado, menor distorção do tecido operado e menor dor local. Entretanto, requer maior conhecimento anatômico para sua execução (Fig. 1). A inervação sensitiva da face é dada pelos 3 ramos do nervo trigêmeo: divisão oftálmica, maxilar e mandibular. Em oculoplástica, os nervos de maior interesse são o oftálmico e o maxilar.

Fig. 1  Na hemiface direita, representação dos nervos; à esquerda os pontos dos bloqueios: 1 – n. supraorbital; 2 – n. supratroclear; 3 – n. etmoidal; 4 – n. infraorbital; 5 – n. zigomaticofacial; 6 – n. lacrimal; 7 – n. frontal.


231  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Anestesia em Plástica Ocular O nervo oftálmico é o menor dos ramos e segmenta-se na parede lateral do seio cavernoso. Depois de um curso de 2,5 cm dentro do seio, divide-se em nervos lacrimal, frontal e nasociliar e entram na órbita pela fissura orbital superior. Os ramos do nervo frontal são: supratroclear e supraorbital. Os ramos do nervo nasociliar são: etmoidal posterior, etmoidal anterior, infratroclear e ramos para o gânglio ciliar (sensorial). O nervo maxilar tem tamanho intermediário entre o oftálmico e o mandibular. Está ínfero-lateral ao seio cavernoso, penetra pelo forame redondo e, atrás do osso palatino, divide-se em nervos infraorbital e zigomático.

Anestésicos locais usados na oftalmologia Agente Lidocaína Bupivacaína

Concentração (%)

Dose máxima (mg)

Início de ação (min)

Duração de ação (min)

1 a 2%

400

1a3

40 a 60

0,5 a 0,75%

175

5 a 11

240 a 720

Bloqueios sensitivos e motores Supratroclear e supraorbital

O bloqueio proporciona analgesia da pálpebra superior, região frontal e supercílio, exceto da sua porção mais medial. Injeta-se 2 ml de anestésico abaixo do rebordo orbitário, no ângulo superonasal, entre a tróclea e o forame supraorbitário

Nasociliar

Seu bloqueio é indispensável nas cirurgias da região medial da órbita e do canto medial – inerva a pele do nariz, a pele e conjuntiva do canto medial, o saco lacrimal e a mucosa nasal. A agulha passa junto a parede interna da órbita, acima do tendão medial do canto, a uma profundidade de 3 cm. Injeta-se de 2 a 3 ml de anestésico

Infraorbital

Ramo terminal do nervo maxilar. Há duas formas de bloqueio – abaixo do rebordo orbitário inferior via transconjuntival ou na região do forame infraorbitário. Este é palpável cerca de 1 cm abaixo do rebordo orbitário inferior tendo a pupila como referência

Lacrimal

Inerva a glândula lacrimal e conjuntiva da parte lateral da pálpebra superior. Injeta-se no canto lateral do olho com profundidade de 2 cm cerca de 2 ml de anestésico

Zigomaticofacial

Anestesia do canto lateral e terço lateral da pálpebra inferior

Peribulbar e Retrobulbar

Bloqueio dos nervos cranianos III, IV e VI e analgesia conjuntiva, córnea e úvea pelo bloqueio dos nervos ciliares. Estes bloqueios são indicados para intervenções no bulbo ocular. A peribulbar é realizada por via cutânea, com agulha 25/7, no terço inferolateral da cavidade orbitária (junção dos terços médio e lateral). Já a retrobulbar é feita com agulha 40/7 e bisel curto onde consegue-se completa ausência do reflexo oculocardíaco de importância nos casos de enucleação. Pelos menores riscos de complicação, a peribulbar é hoje a técnica de eleição

Facial (motor)

Em alguns casos este bloqueio é útil quando se quer evitar movimentos excessivos de músculos faciais e palpebrais. Utiliza-se mais comumente as técnicas de O’Brien (é realizado avançando a agulha cerca de 1 cm a frente da incisura inferior do trago da orelha e injetando-se cerca de 1 ml de anestésico) e Van Lint (bloqueio dos ramos zigomáticos superior e inferior, realizada em leque em região temporal periorbitária)


232  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Anestesia em Plástica Ocular Anestesia local assistida (sedação) A anestesia local com sedação oferece uma grande flexibilidade ao cirurgião em adequar o grau de anestesia às necessidades do paciente. Procedimentos que antes requeriam internação hospitalar hoje são realizados de forma segura ambulatorialmente. Os principais objetivos da medicação pré-operatória são: 1) aliviar a ansiedade e proporcionar a sedação; 2) induzir amnésia; 3) evitar reações alérgicas aos fármacos anestésicos. Os sedativos podem ser utilizados tanto por via endovenosa quanto por via oral. A sedação proporcionada pela medicação oral é considerada leve, e dispensa uma monitoração mais complexa, uma vez que os sistemas respiratórios e cardíacos não são afetados. É vantajosa em muitos procedimentos em que há necessidade de colaboração do paciente com abertura ocular espontânea para ajustes como a altura da fenda palpebral. A sedação intravenosa só deve ser iniciada apenas após acesso venoso seguro. São obrigatórios o monitoramento cardiopulmonar e a oxigenação suplementar via cânula nasal. Manter a cabeceira um pouco mais elevada que o corpo facilita o retorno venoso, reduzindo o sangramento local. O controle da pressão arterial e da frequência cardíaca permite o registro das alterações causadas por estresse ou dor durante o ato cirúrgico. Os sedativos mais utilizados atualmente são: 1) Propofol: agente sedativo e hipnótico rápido. Possui excelentes efeitos e rápida recuperação do paciente. 2) Midazolam (Dormonid): benzodiazepínico de ação curta, com propriedades amnésticas e ansiolíticas. Tem poucos efeitos cardiovasculares e não provoca náuseas e vômitos no pós-operatório. 3) Fentanil: analgésico narcótico de ação rápida. Tem ação mais analgésica e menos sedativa. Como todo agente narcótico, pode deprimir a função respiratória; o paciente pode experimentar náuseas e vômitos no pós-operatório. Após o término do procedimento cirúrgico, pacientes sedados devem permanecer monitorados para avaliação cardiopulmonar, de sangramentos, náuseas e dor. A rapidez da recuperação depende da extensão e tipo do procedimento, da sedação empregada, além da tolerância do paciente aos agentes e a rapidez de sua metabolização. O paciente não poderá voltar para casa sem a presença de um acompanhante. A desvantagem da sedação, quando comparada à anestesia geral, é a falta de controle respiratório e o risco de aspiração ou obstrução.

Complicações As complicações de anestésicos locais podem ser locais ou sistêmicas. A causa mais comum é a injeção anestésica intravascular inadvertida. Doenças cardiovasculares, renais e hepáticas, alterações ácido-base e hipóxia podem amplificar a toxicidade anestésica. Cabe lembrar que pacientes muito idosos, muito jovens e as grávidas podem ter resposta aberrante a estes agentes. Efeitos locais indesejados são: parestesia prolongada ou permanente, anestesia e fraqueza motora. Há também relato de necrose secundária ao uso de vasoconstritores.


233  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Anestesia em Plástica Ocular Efeitos sistêmicos adversos mais comuns são angina, dispneia, disritmias, colapso cardiovascular. A bupivacaína, em particular, tem sido associada à redução de débito cardíaco e hipotensão. Desorientação, alucinação visual e auditiva e redução de resposta, incluindo coma, são efeitos possíveis de toxicidade do SNC, além de colapsos respiratório e cardiovascular. Erupções cutâneas e outras manifestações alérgicas (incluindo anafilaxia) podem ocorrer. Reações adversas devem ser prontamente reconhecidas para o manejo da situação.

Anestesia geral A anestesia geral ainda é preferida em crianças, pacientes pouco cooperativos e em procedimentos muito longos e complexos. Ela provê amnésia, analgesia e relaxamento muscular. Além disso, a via respiratória se mantém segura, com controle do risco de aspiração ou obstrução. Mesmo com a anestesia geral, a infiltração local é útil para: 1) tornar o pós-operatório imediato mais confortável, pelo efeito analgésico; 2) melhorar o conforto cirúrgico local, pelo efeito vasoconstritor; 3) manter um nível mais superficial da anestesia geral, usando menos fármacos, com consequente diminuição dos efeitos colaterais. A história familiar de morte inexplicada durante um procedimento anestésico deve alertar o cirurgião para a possibilidade de hipertermia maligna, exigindo uma consulta pré-anestésica mais cuidadosa.

Bibliografia Smith BC, Della Rocca RC, Nesi FA, Lisman RD. Ophthalmic Plastic and Reconstructive Surgery; Vol 1; St. Louis: Mosby, 1987. Soares EJC, Moura EM, Gonçalves JOR. Cirurgia Plástica Ocular. São Paulo: Roca, 1997; p. 29-32. Van Baak AA. Anestesia aplicada em oculoplástica. In: Matayoshi S. Forno AF, Moura EM. Manual de Cirurgia Plástica Ocular. São Paulo: Roca, 2004; p. 21-30. Mathias LAST, Guaratini AA, Gozzani JL, Rivetti LA. Exames Complementares Pré-Operatórios: Análise Crítica. Rev Br Anestesiol, 2006; 56(6): 658-68. American Academy of Ophthalmology. Principles of Facial and Eyelid Surgery. In: Orbit, Eyelids and Lacrimal System. Section 7, 2008-2009; p. 151-5. Issa MRN, Isoni NFC, Soares AM, Fernandes ML. Avaliação Pré Anestésica e Redução dos Custos do Preparo Pré-Operatório. Rev Br Anestesiol, 2011; 61(1): 60-71.


Patrícia Mitiko S. Akaishi • Lúcia Miriam Dumont Lucci

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Malformações Congênitas das Pálpebras

Embriologia das pálpebras As pálpebras, pregas musculocutâneas móveis localizadas diante do globo ocular, têm origem ectodérmica. Na sexta semana de gestação uma dobra do ectoderma forma uma prega horizontal representando a origem das pálpebras superior e inferior. Na oitava semana, a face adquire uma aparência mais humana, com o fechamento completo da fissura facial inferior, fusão completa dos processos maxilar e mandibular, lábio superior e região nasal estão mais definidos. Os olhos começam a tomar uma posição mais medial. Esta rotação anterior dos olhos é acompanhada do desenvolvimento das pálpebras superior e inferior, que têm a forma amendoada e começam a se fundir. O epitélio derivado do ectoderma entre as pálpebras fundidas e a córnea, dará origem à membrana conjuntiva e glândula lacrimal. A separação das pálpebras não ocorre até a 25a ou 26a semana de gestação.

Anomalias de formação São anomalias relacionadas com os distúrbios no desenvolvimento embriológico palpebral, que produzem malformações na sua estrutura final, com consequências estéticas e funcionais de magnitude variável.

Criptoftalmo É uma malformação causada pela interrupção do mecanismo de fusão das pregas palpebrais, entre a sexta e oitava semanas de gestação. Há três variantes clínicas do criptoftalmo: forma

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235  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Modificações das Pálpebras completa, onde não há qualquer formação palpebral, havendo uma continuidade entre as regiões frontal e malar; forma incompleta, com formação parcial da pálpebra que permite uma pequena abertura ocular e forma variante associada ao simbléfaro, em que a pálpebra superior é malformada e aderida a córnea e a inferior é normal. A principal entidade clínica associada ao criptoftalmo é a síndrome de Fraser, uma doença autossômica recessiva, em que, além do criptoftalmo, estão presentes a sindactilia, genitália anômala, agenesia renal e estenose laríngea (Figs. 1A-C). Somente 50% dos pacientes sobrevivem ao primeiro anos de vida e, em 80% dos casos, há retardo mental. O diagnóstico pode ser feito a partir da 16a semana de gestação pela ultrassonografia. O tratamento cirúrgico da pálpebra pode ser efetuado, porém os resultados, nas formas mais graves, são insatisfatórios, devido às anomalias concomitantes do segmento anterior.

Figs. 1 (A–C) A. Feto portador da síndrome de Fraser, com criptoftalmo e fenda labial. B. Genitália ambígua. C. Sindactilia.


236  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Modificações das Pálpebras Ablefaria A ablefaria é uma malformação palpebral grave, onde a lamela anterior (pele e músculo orbicular) está ausente, o septo e aponeurose do músculo levantador palpebral são malformados e somente o músculo de Müller e conjuntiva são normais, provocando a completa exposição ocular ao nascimento. Ocorre na síndrome ablefaria-macrostomia, de herança autossômica recessiva, determinada no cromossomo 18q. Além da ablefaria e da macrostomia, outros constituintes da síndrome são a ausência de lanugo, orelhas malformadas e de implantação baixa bem como genitália ambígua. Estes casos constituem emergências oftalmológicas, pois a exposição corneana pode causar perda visual nas primeiras horas de vida, se não tratadas (Fig. 2). Cruz observou a presença da lamela posterior normal (conjuntiva e músculo de Müller) nesses casos e propôs a cirurgia de alongamento palpebral com o uso de enxerto de pele total diretamente sobre o músculo de Müller (Fig. 3). Essa técnica se mostrou eficaz em corrigir a exposição corneana, impedir a perda visual e recuperar a dinâmica palpebral.

Coloboma isolado Corresponde a um defeito vertical que envolve a margem palpebral. Pode ser causado por uma falência localizada do desenvolvimento palpebral durante a nona semana de gestação ou por bandas amnióticas que causam destruição tecidual por compressão. A localização mais comum do coloboma na pálpebra superior é medial (Fig. 4) e na pálpebra inferior, na junção dos terços lateral e central. A conduta inicial, nos casos de coloboma, é proteger a superfície ocular, com lubrificantes e/ou oclusão até a correção cirúrgica definitiva. Caso não haja sofrimento corneano, a correção cirúrgica pode ser programada após os 6 meses de idade.

Fig. 2  Na síndrome de ablefaria-macrostomia a exposição ocular é intensa devido à malformação extrema da lamela anterior, incluindo o septo palpebral e a aponeurose do músculo levantador.

Fig. 3  Correção da exposição ocular na síndrome de ablefaria-macrostomia. Na pálpebra superior foi utilizado enxerto de pele total, proveniente da fossa supraclavicular, colocado diretamente sobre o músculo de Müller. Na pálpebra inferior foi utilizado um retalho rotacional de região malar.


237  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Modificações das Pálpebras

Fig. 4  Coloboma palpebral superior direito.

Coloboma complexo São aqueles associados a outras malformações, geralmente às síndromes de fendas craniofaciais. As fendas são anomalias que podem envolver somente partes moles ou estar associadas a alterações ósseas. Tessier classificou as fendas de acordo com a posição que ocupavam em relação à linha média craniofacial (Fig. 5). Assim, há coloboma da pálpebra inferior nos casos das fendas 3 a 6 e na pálpebra superior nas fendas 9 a 11 (Fig. 6). A pálpebra superior pode ser acometida na síndrome displásica óculo-aurículo-vertebral (síndrome de Goldenhar). O pseudocoloboma da pálpebra inferior é tipicamente associado à síndrome de Treacher-Collins (Fig. 7). É chamado de pseudocoloboma porque não há um defeito marginal evidente, mas um déficit tecidual subcutâneo que provoca a alteração da margem palpebral. Tessier reconheceu a associação dessa síndrome às fendas 6, 7 e 8.

Fig. 5  Classificação e localização das fendas craniofaciais propostas por Tessier. A linha média corresponde às fendas 0 (face) e 14 (craniana).

Fig. 6  Coloboma da pálpebra superior bilateral na fenda facial 11.

Fig. 7  Síndrome de Treacher-Collins. O pseudocoloboma das pálpebras inferiores é causado pela anomalia zigomática.


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Fig. 8  Anquilobléfaro.

Anquilobléfaro As pálpebras fundem-se durante a sexta semana de gestação e assim permanecem até a 25a semana, quando se separam. Durante esse processo, que ocorre por necrose controlada das estruturas marginais, um remanescente de tecido epitelial pode manter a união entre as pálpebras, gerando o anquilobléfaro (Fig. 8). Geralmente é uma anomalia isolada, mas pode ser associada a outras condições, como a síndrome de Edwards e glaucoma congênito. O tratamento consiste na remoção cirúrgica, que deve ser realizada precocemente, para permitir a abertura ocular normal.

Anomalias posicionais Ptose A ptose palpebral é definida pela diminuição da distância entre o reflexo pupilar e a margem palpebral. Nos casos congênitos observam-se, ainda, uma alteração do contorno palpebral, que se torna retificado, ausência ou malformação do sulco palpebral (Fig. 9) e incapacidade de relaxamento no olhar para baixo (lag palpebral). Essas características são o reflexo do processo distrófico localizado no músculo levantador da pálpebra superior, que carateriza esse tipo de ptose. A medida da função do levantador pode exprimir a magnitude do processo distrófico e é fundamental para o planejamento cirúrgico. A ptose congênita pode aparecer isoladamente ou integrando algumas síndromes, como na blefarofimose e na fibrose congênita dos músculos extraoculares. A ptose congênita isolada é frequentemente unilateral. Pode induzir à ambliopia com mais frequência que nos casos bilaterais e, por isso, deve ser tratada precocemente. Caso não haja

Fig. 9  Ptose congênita unilateral à direita. Nos casos mais graves, o sulco palpebral está ausente e a pálpebra pode ocluir o eixo visual causando ambliopia.


239  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Modificações das Pálpebras risco de ambliopia, a cirurgia deve ser postergada até que seja possível uma semiologia completa da ptose, o que permite um planejamento mais adequado e melhor resultado cosmético. A síndrome de blefarofimose é caracterizada pela ptose bilateral e grave, telecanto, epicanto inverso e ectrópio lateral da pálpebra inferior (Fig. 10). A transmissão é autossômica dominante com alta taxa de penetrância. Há dois tipos distintos. O tipo I apresenta 100% de penetrância e infertilidade feminina, de modo que a transmissão é feita pelo pai. No tipo II a penetrância é mais baixa e não há infertilidade. Há, ainda, os casos esporádicos que ocorrem por novas mutações. Na síndrome de fibrose congênita dos músculos extraoculares ocorre uma distrofia dos músculos inervados pelo oculomotor, devido à hipoplasia do seu núcleo central. A herança é autossômica dominante e o tratamento da ptose deve estar associado à correção da hipotropia no olho acometido (Fig. 11). Outras ptoses podem ser congênitas porém não miogênicas, ou seja, não causadas por anomalias intrínsecas do músculo levantador. Nesse grupo encontram-se as ptoses neurogênicas sincinéticas e algumas ptoses miopáticas.

Retração palpebral Considera-se retração palpebral quando a distância do centro da pupila à margem palpebral está aumentada, seja na pálpebra superior seja na pálpebra inferior, causando a exposição escleral ou scleral show. As crianças têm uma retração fisiológica até os 3 a 4 meses de idade, que tem como características a bilateralidade, simetria e desaparecimento gradual após os 4 meses de idade (Figs. 12 A e B). A retração palpebral patológica pode ser primária ou secundária. A retração primária, ou idiopática, geralmente é unilateral e superior (Fig. 13), embora existam relatos de casos bilaterais e de acometimento palpebral inferior. Essa retração não varia com o tempo e a queixa principal é relacionada com a cosmética. Alguns autores têm associado a retração palpebral

Fig. 10  Síndrome da blefarofimose. Observam-se o telecanto (aumento da distância entre os cantos mediais) que causa o estreitamento horizontal da fenda, a ptose bilateral responsável pelo estreitamento vertical e o epicanto inverso.

Fig. 11  Síndrome da fibrose congênita dos músculos extraoculares.


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Figs. 12 (A a B) A. Criança de 4 meses de idade com retração palpebral superior bilateral fisiológica. B. Aumento da retração em ambiente escuro.

Fig. 13  Retração palpebral superior primária. Não há mudança nas características da retração com a idade.

superior à presença de um feixe muscular supranumerário. O tratamento é cirúrgico, por meio de recuo musculoaponeurótico, que pode ser realizado por vias cutânea ou conjuntival. A idade para a cirurgia depende dos sintomas. Se não houver dano à superfície ocular, a cirurgia deve ser realizada no período pré-escolar (3 a 4 anos de idade) se houver queixa cosmética, ou postergada até a adolescência quando é possível realizar o procedimento com anestesia local e, portanto, com melhor controle da posição palpebral final. Para diagnóstico da retração palpebral primária é necessário afastar as causas mais comuns de retração na infância, ou seja, doença de Graves neonatal, traumatismo durante o parto e lesões do III ou do VII par craniano.

Anomalias marginais Epibléfaro Esta anomalia é caracterizada por um deslocamento superior da pele e músculo pré-tarsal nas pálpebras inferiores, causando uma rotação dos cílios em direção do globo ocular (Fig. 14). É frequentemente visto na raça amarela e na região medial da pálpebra. O dano da superfície ocular é mínimo, pois os cílios tocam a conjuntiva e a córnea na sua lateralidade e não na sua extremidade. Esta alteração melhora com a idade devido ao crescimento facial. Caso não haja melhora satisfatória do posicionamento dos cílios, pode ser realizada a cirurgia de


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Fig. 14  Epibléfaro.

Celsus-Hotz, que constitui a retirada de uma fina faixa de pele e músculo orbicular pré-tarsal na região acometida e sutura para criar uma prega.

Entrópio O entrópio congênito é muito raro. Tarsal kink é uma forma grave de entrópio congênito que ocorre devido a uma dobra posterior do tarso. A margem palpebral encontra-se invertida em toda sua extensão e pode ocorrer lesão corneana (Fig. 15). A etiologia do tarsal kink é desconhecida, mas acredita-se que seja causada pela hiperfunção das fibras do músculo orbicular, defeito aponeurótico, defeito primário do tarso ou uma força mecânica exógena no útero. Blefaroespasmo secundário e a ausência de prega palpebral completam este quadro.

Ectrópio A síndrome blepharo-cheilo-dontic (pálpebras-lábio-dentes) é uma rara condição autossômica dominante caracterizada por fenda labial, oligodontia, euribléfaro, lagoftalmo e ectrópio (Fig. 16). O encurtamento da lamela anterior é a causa do ectrópio congênito nas pálpebras superiores e inferiores. Elevação do 1/3 médio da face, tarsal strip das pálpebras superior e inferior e, se necessário, a tarsorrafia lateral irão melhorar o aspecto funcional e cosmético. Enxerto de pele em criança pode não proporcionar um bom resultado estético devido ao risco de formação de cicatriz hipertrófica.

Fig. 15  Tarsal kink.


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Fig. 16  Ectrópio das quatro pálpebras na síndrome blepharo-cheilo-dontic.

Distiquíase Termo que descreve uma anomalia de cílios que se origina posteriormente na margem palpebral, frequentemente da abertura da glândula de Meibomius. Os cílios são mais finos do que os normais e próximos da superfície ocular. A etiologia pode ser congênita (autossômica dominante ou esporádica) ou como sequela de uma inflamação crônica da margem palpebral. A distiquíase pode ser localizada ou dispersa na margem palpebral. O tratamento é desafiador, pois a alta taxa de recorrência em epilação e eletrólise faz destas opções as menos ideais. Laser de argônio, crioterapia, cirurgia ou a combinação destas duas são outras opções.

Anomalias cantais Epicanto Uma prega semilunar de pele no canto medial, cuja concavidade está direcionada para o canto interno das pálpebras (Fig. 17). Duke-Elder classificou o epicanto em quatro tipos: 1) supraciliar: início na região do supercílio; 2) palpebral: da pálpebra superior até a inferior; 3) tarsal: início da prega tarsal da pálpebra superior até o canto interno; e 4) inverso: início na pálpebra inferior até um pouco além do canto interno. A correção cirúrgica dos três primeiros tipos é feita com uma incisão de pele e retirada do músculo orbicular subjacente à prega. A sutura da pele deve envolver um tecido profundo para criar a prega palpebral superior. No epicanto inverso as opções cirúrgicas são V-Y, retalhos de Mustardé e a técnica dos 5 retalhos.

Fig. 17  Epicanto tarsal.


243  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Modificações das Pálpebras Euribléfaro Afastamento do 1/3 lateral da margem palpebral inferior do globo ocular sem a eversão da margem palpebral. Pode ser um achado isolado ou estar associado a síndrome da blefarofimose (Fig. 18). Pode ser corrigido cirurgicamente com a técnica de tarsal strip.

Distopia cantal lateral O canto lateral está horizontalmente posicionado 1 a 4 mm acima do canto medial, conferindo uma angulação positiva para a fenda palpebral. Essa angulação varia em grupos étnicos distintos. Em orientais e índios brasileiros o canto lateral fica 9 mm mais alto em relação ao canto medial, responsável pela forte angulação positiva característica. Algumas condições patológicas causam abaixamento do canto lateral, produzindo uma angulação negativa da fenda. Nas craniossinostoses sindrômicas e na síndrome de Treacher-Collins observa-se uma fenda de orientação negativa, causada pela anomalia óssea da órbita e do terço médio da face (Fig. 19).

Fig. 18  Euribléfaro em criança com blefarofimose já submetida à correção de ptose palpebral e correção de epicanto inverso.

Fig. 19  Distopia cantal lateral na síndrome de Crouzon. Fenda palpebral com orientação negativa.

Telecanto O telecanto é definido pelo aumento da distância entre os cantos mediais. Ao nascimento, essa distância é de 21 mm e atinge as dimensões adultas na adolescência. O telecanto pode ser primário, onde somente estão envolvidas as partes moles, como ocorre na síndrome de blefarofimose (Fig. 20), ou secundário ao hipertelorismo, onde há também aumento da distância entre as órbitas, comumente presente nas malformações craniofaciais que envolvem a linha média (Fig. 21). No hipertelorismo, além do aumento da distância intercantal medial, há o aumento da distância interpupilar. O Gráfico 1 mostra a distribuição das distâncias interpupilar (DIP) e intercantal medial (DIC) em diferentes faixas etárias.


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Fig. 20  Telecanto na síndrome de blefarofimose. Distância interpupilar normal.

Fig. 21  Hipertelorismo secundário à encefalocele frontal. Distância interpupilar aumentada.

Gráfico 1  Distribuição das medianas das distâncias interpupilar e intercantal medial nos primeiros 14 anos de vida. A velocidade do crescimento é maior nos primeiros 2 anos de vida. Dados obtidos a partir do trabalho de Feingold & Bossert.


245  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Modificações das Pálpebras Bibliografia Baraitser M, Winter R, Russell-Eggitt I et al. Geneeye. London Medical Databases Ltd. 38 Chalcot Cresent London NW1 8YD UK, 2006. Berg C, Geipel A, Germer U et al. Prenatal detection of Fraser syndrome without cryptophthalmos: case report and review of the literature. Ultrasound Obstet Gynecol, 2001; 18(1):76-80. Cruz A, Guimarães F, Obeid H et al. Congenital shortening of the anterior lamella of all eyelids: the so-called ablepharon macrostomia syndrome. Ophthal Plast Reconstr Surg, 1995; 11(4):284-7. Cruz A, Souza C, Ferraz V et al. Familial occurrence of ablepharon macrostomia syndrome: eyelid structure and surgical considerations. Arch Ophthalmol, 2000; 118(3):428-30. Cruz A. Blefaroptoses e retrações palpebrais. Rio de Janeiro: Cultura Médica, 1998. Dollfus H, Verloes A. Dysmorphology and the orbital region: a practical clinical approach. Surv Ophthalmol, 2004; 49(6):547-61. Foster J, Katowitz J. Developmental eyelid abnormalities. In: Katowitz JA (ed.). Pediatric oculoplastic surgery. Philadelphia: Springer, 2002:177-215. Fryns J, Van Schoubroeck D, Vandenbergue K et al. Diagnostic echographic findings in cryptophthalmos syndrome (Fraser syndrome). Prenat diagn, 1997; 17(6): 582-4. Johnston MC. Embryology of the head and neck. In: McCarthy JG. Editora Plastic Surgery. Volume 4. Philadelphia: Saunders, 1990:2451-95. Rougier J, Tessier P, Hervouet F et al. Chirurgie plastique orbito-palpébrale. Paris: Masson, 1977. Slavotinek A, Tifft C. Fraser syndrome and cryptophthalmos: review of the diagnostic criteria and evidence for phenotypic modules in complex malformation syndromes. J Med Genet, 2002; 39: 623-33. Williams M, White S, McGinnity G. Ankyloblepharon filiforme adnatum. Arch Dis Child, 2007; 92:73-4.

Literatura Sugerida Foster JA, Katowitz JA. Developmental eyelid abnormalities. In: Katowitz JA. Pediatric Oculoplastic Surgery. 1st ed. New York: Springer, 2002; 12: 177-215.


Suzana Matayoshi

C a p í t u l o | 25

Inflamação, Infecção e Infestação Palpebral

Edema palpebral alérgico Pode ocorrer principalmente sob as seguintes formas: a) Urticária ( edema angioneurótico) – Reação associada a altos títulos de IgE, mediada pela liberação de histamina. Caracteriza-se por edema palpebral uni ou bilateral, quemose conjuntival e prurido intenso. Tem como causas: alimentos (peixe, crustáceos, chocolate), picada de insetos, pólen, etc. O desaparecimento é rápido. O tratamento consiste basicamente no uso de anti-histamínicos orais e observação clínica. b) Dermatite de contato (Fig. 1) – É decorrente de fenômeno de hipersensibilidade tardia. Caracteriza-se por prurido e sinais inflamatórios. Surge com uso de cosméticos, soluções para lentes de contato, colírios (atropina, sulfa) e pomadas. O tratamento é a suspensão do agente causal. c) Síndrome de Stevens-Johnson (Fig. 2) – Doença que acomete pele e mucosas, caracterizada por erupções bolhosas, eritematosas que aparecem abruptamente. Associa-se a conjuntivite pseudomembranosa. Pode complicar com triquíase, entrópio, simbléfaro, olho seco e

Fig. 1  Dermatite de contato por óculos.

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Fig. 2  Quadro de síndrome de Stevens-Johnson.

opacificação da córnea. Em relação à etiopatogenia provavelmente trata-se de uma angeíte que ocorre no nível da derme e estroma conjuntival. É desencadeada por herpes, antibióticos, anticonvulsivantes e analgésicos. O tratamento é de suporte além de evitar infecções secundárias.

BlefarocálaSe É um processo inflamatório recorrente da pálpebra, que ocorre em jovens. Leva ao afinamento da pele, que se torna enrugada e atrófica, além de produzir ptose palpebral. O tratamento é apenas sintomático. Nos casos mais adiantados, pode ser feita cirurgia (remoção do excesso de pele e refixação do tendão do elevador da pálpebra)1.

Edema palpebral de origem sistêmica Pode ser de etiologia renal: edema matutino e que diminui com decúbito alto. Relacionado com acúmulo de líquido no organismo. O edema é frio, sem sinais inflamatórios. Pode ter origem tireoidiana também: na doença de Graves pode haver edema palpebral por acúmulo de líquidos associado à deposição de mucopolissacarídeos na órbita. No hipotireoidismo também pode ocorrer mixedema palpebral bilateral, sem sinais flogísticos e que não se altera muito com o decúbito.

Hordéolo É uma inflamação aguda, supurativa e nodular da pálpebra geralmente causada por estafilococos. Pode ocorrer por comprometimento do folículo piloso, das glândulas de Zeiss ou Moll, constituindo o hordéolo externo ou terçol. Clinicamente caracteriza-se por um abscesso focal, com edema, endurecimento local e dor. Quando há acometimento das glândulas de Meibomius é chamado de hordéolo interno. Este último pode complicar eventualmente, com desenvolvimento de uma celulite palpebral (Fig. 3). 1

Ver também Capítulo de Involução Palpebral e Facial.


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Fig. 3  Celulite pré-septal com origem em hordéolo.

O tratamento inclui: Compressas de água morna durante 5 a 10 minutos 4 vezes/dia. Antibiótico tópico associado à esteroide. Punção ou drenagem cirúrgica se necessários. Antibioticoterapia sistêmica em caso de celulite.

Calázio É uma inflamação crônica lipogranulomatosa das glândulas de Zeiss ou Meibomius. Pode haver uma fase aguda com dor e edema palpebral. Às vezes há concomitante infecção bacteriana (geralmente por estafilococo) levando à formação de um hordéolo interno (Fig. 4). A resolução da fase inflamatória é seguida por um endurecimento indolor da região. Quando o calázio sofre uma rotura para a conjuntiva tarsal pode haver formação de granuloma piogênico que consiste de um tecido de granulação (fibroblastos, capilares, linfócitos e plasmócitos). O granuloma responde bem a corticoide tópico. A excisão cirúrgica deve ser realizada se não houver regressão. O tratamento no início é conservador consistindo basicamente de compressas de água morna, antibiótico e corticoide tópico. O sucesso dessas medidas é variável (25 a 76,6%). A cirurgia envolve a drenagem do calázio e curetagem da pseudocápsula. A cirurgia pode ser realizada via conjuntival se o maior componente for posterior; por outro lado, se o processo é mais anterior prefere-se a incisão cutânea. Outra abordagem é a infiltração local de corticoide de depósito (0,1 a 0,2 ml de acetato de triancinolona) isoladamente ou associada à cirurgia. O depósito de corticoide pode levar à despigmentação cutânea em pacientes melanodérmicos.

Fig. 4  Calázio em fase inflamatória.


249  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Inflamação, Infecção... É importante lembrar que as seguintes neoplasias palpebrais podem simular calázio: adenocarcinoma de células sebáceas, carcinoma basocelular, tumores metastáticos, carcinoma espinocelular e rabdomiossarcoma entre outros. Todo calázio de repetição, principalmente em paciente idoso, deve ser submetido à avaliação anatomopatológica.

Blefarite É a inflamação subaguda ou crônica da margem palpebral. Clinicamente é caracterizada por uma hiperemia da margem palpebral, oleosidade e formação de crostas na base dos cílios. Inspissação das glândulas de Meibomius pode ser observada (pequenas excrescências no orifício das glândulas). Pode ser associada à formação de hordéolo e calázio.2 Pode ter três formas:

Seborreica É a forma mais comum de blefarite. Geralmente associada ao excesso de oleosidade da pele, seborreia de couro cabeludo e face. Clínica: inflamação da margem palpebral, descamação e secreção oleosa. Existe controvérsia sobre o papel do fungo Pityrosporum ovale e orbiculare na etiologia da seborreia. Em pacientes com AIDS que têm dermatite seborreica intensa há melhora evidente com a aplicação tópica de cetoconazol a 2% na área afetada. Eventualmente pode apresentar infecção secundária por estafilococo. Patologia: inflamação eczematosa, com paraqueratose (descamação), acantose (hipertrofia) da epiderme com congestão, edema e infiltração da derme. Tratamento: higiene local com compressas mornas e retirada de crostas e “caspas” com xampu infantil ou soluções específicas (Cilclar, Blefagel). Casos mais graves podem necessitar de uso de corticoides tópicos na borda palpebral. Na infecção secundária, administrar antibiótico tópico.

Estafilocócica (Fig. 5) A blefarite estafilocócica não é autolimitada e pode ser de difícil tratamento. A infecção pode ter uma ou mais das seguintes manifestações: 1) Borda palpebral com inflamação, espessamento (tilose) com úlcera na base do cílio. 2) Tecido fibrinoso que cobre a base da úlcera. 3) Poliose localizada ou canície. 4) Cílios tortos, quebrados ou esparsos. 5) Hordéolo interno. 6) Hordéolo externo. 7) Calázios múltiplos. 8) Ceratite epitelial mais grave no período matutino. 2

Nota: A infestação por Demodex folliculorum comumente tem sido associada à blefarite, mas não se conhece a real participação do ácaro na infecção.


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Fig. 5  Blefarite estafilocócica com sangramento marginal e perda de cílios.

9) Infiltrado corneano periférico localizado às 2, 4, 8 ou 10 horas, que representa um infiltrado estéril de origem imunológica. Patologia: inflamação supurativa dos folículos pilosos associada às glândulas de Zeiss e Moll. O diagnóstico é feito com a cultura positiva para S. aureus.

Tratamento Remoção das crostas. Controle da seborreia de couro cabeludo (sulfeto de selênio). Pomada antibiótica (bacitracina, eritromicina) na borda palpebral por períodos prolongados (1 a 2 meses). Corticoides tópicos para diminuição da inflamação e controle de reações de hipersensibilidade (flictênulas e úlceras corneanas). Tetraciclina: 250 mg/dia durante 30 dias ou doxiciclina VO – a tetraciclina inibe o crescimento bacteriano, estabiliza a secreção lipídica e diminui a concentração de ácidos graxos livres na secreção oleosa da pálpebra.

Forma mista É a combinação das formas seborréica e a estafilocócica. Tratamento: ver itens anteriores.

Celulite palpebral Frequentemente chamada de celulite pré-septal para diferenciação com a celulite orbitária (pós-septal). Idade mais afetada: pré-escolares (Fig. 6). Pode ser classificada segundo as causas mais comuns em:

Celulite pré-septal não supurativa Forma mais comum. Não se relaciona com trauma ou infecção cutânea. Provavelmente resulta da disseminação de Haemophillus influenzae ou Streptococcus pneumoniae a partir da via respiratória alta para o espaço pré-septal via hematogênica. Crianças entre 6 a 30 m constituem o alvo


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Fig. 6  Celulite palpebral por cocos Gram-negativos levando à necrose palpebral.

preferencial do Haemophillus influenzae que tipicamente pode provocar uma coloração purpúrea nas pálpebras. Pode haver complicações sérias, tais como meningite, epiglotite e pneumonia. Quando existe suspeita de infecção pelo Haemophillus influenzae, a criança deve ser hospitalizada. Devem ser realizadas hemoculturas, além de se considerar a punção liquórica na suspeita de meningite. Tratamento inicial: visando H. influenzae; S. pneumoniae e S. aureus: cefuroxima EV. Infecções leves ou moderadas: antibioticoterapia oral: cefuroxima ou amoxicilina com clavulanato de potássio.

Celulite pré-septal secundária a infecção de pele e anexos Herpes simples Caracteristicamente apresenta conjuntivite folicular e ceratite epitelial. Lesões cutâneas sem envolvimento das bordas palpebral ou ocular não requerem tratamento. As infecções bacterianas secundárias (estafilococos/estreptococos) devem ser tratadas.

Varicela-zóster O herpes-zóster oftálmico está relacionado com a reativação do vírus varicela-zóster latente no gânglio trigeminal (Gasser). Caracteriza-se por erupção vesicobolhosa crostosa no trajeto do dermátomo correspondente ao nervo afetado (principalmente ramo frontal do trigêmeo). Bastante doloroso. Associado à imunodepressão. Pode levar à ceratite semelhante ao do herpes simples, uveíte, coriorretinite e neurite óptica. O tratamento é baseado em: analgesia; evitar infecção secundária (pomadas e antibióticos), cicloplégicos (uveítes), aciclovir oral: 600 a 800 mg 5 vezes/durante 7 a 10 dias (efeito só se iniciado nos primeiros 3 a 5 dias da erupção cutânea). Infecção bacteriana secundária pode ocorrer em pacientes imunodeprimidos, indicando-se hospitalização para tratamento com aciclovir EV e antibiótico (ver celulite pós-traumática).

Impetigo É uma dermatite resultante de uma infecção de S. aureus ou S. pyogenes do grupo A. Comum em crianças abaixo de 6 anos e em baixa condição higiênica. Clínica: máculas eritematosas que evoluem para vesículas cujo rompimento forma crostas amareladas. A linfadenopatia é comum. Tratamento: higiene local e remoção de crostas; antibióticos tópico e sistêmico: cefaclor ou oxacilina – 10 dias no mínimo.


252  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Inflamação, Infecção... Celulite facial Raro. Ocorre em crianças até 9 meses de idade. Infecção dentária ou gengival após contato com leite contaminado a partir de mastite materna ou outras fontes, pode disseminar a infecção para a face. Etiologia: S. aureus. Clínica: edema e eritema unilateral de pálpebra e de região malar acompanhados de febre, vômitos e diarreia. Tratamento: drenagem do espaço pré-septal se houver flutuação. Antibiótico: nafcilina. Na suspeita de infecção nasal ou sinusal, deve-se proceder a um exame otorrinolaringológico.

Erisipela Causada pelo S. pyogenes do grupo A. Clínica: placas elevadas, eritematosas, bem demarcadas, acompanhadas de febre, leucocitose e prostração. Pode haver quemose, proptose e limitação da motilidade ocular por difusão de toxinas. Conduta: TC para excluir comprometimento orbitário. Hemoculturas. Penicilina G por 72 h, seguido por penicilna V (10 dias).

Celulite pré-septal pós-traumática Etiologia Agentes mais comuns: S. aureus e S. pyogenes. Em casos de mordidas humanas e animais: suspeitar de anaeróbios. Em feridas abertas por muito tempo: infecção polimicrobiana. Quando ocorre contaminação por terra: Clostridium. Tratamento mínimo deve ser realizado durante 10 dias. Abscessos devem ser drenados. As culturas do material direcionam a antibioticoterapia: no caso de cocos G+ recomenda-se a nafcilina EV ou cefalosporina de segunda geração; em caso de mordidas ou suspeita de anaeróbios, utilizar penicilina G, cefuroxima ou cloranfenicol. Não esquecer de fazer a profilaxia antitetânica; se houver piora clínica ou comprometimento orbitário: exploração cirúrgica e drenagem.

Infestação parasitária Fitiríase Infestação dos cílios por Phithirus pubis (vulgo: chato) (Fig. 7). Transmissão sexual. Epidêmica.


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Fig. 7  Fitiríase palpebral.

Tratamento Remoção mecânica dos parasitos: pomada de óxido amarelo de mercúrio a 1% 2×/dia; fluoresceína a 20% diária, pomada de fisostigmina (eserina) a 0, 25%. Uso oral de ivermectina (Ivermec) na dose de 200 mcg/kg (adulto: 1 cp de 6 mg). Obs.: sempre repetir após 1 semana (tempo de incubação das lêndeas).

Tratamento dos focos de infecção Benzoato de benzila (Acarsan, Pruridol) – cabelos, pelos púbicos) – não aplicar nos olhos. Hexacloreto de gamabenzeno (= lindano) (Escabin, Lindane): loção, creme, xampu. Esterilização de roupas em geral (fervura).

Miíase Infestação por larvas de moscas, podendo evoluir para celulites palpebral e orbitária.

Quadro clínico Forma em lesão furunculoide: lesão elevada, inflamada, com pequeno orifício central crateriforme com saída de exsudato purulento-sanguinolento. Forma cavitária: ocorre em áreas de tumores extensos, necróticos ou em cavidades orbitárias exenteradas. Ovos e larvas depositam-se sobre base granulomatosa. O tratamento consiste nas seguintes medidas: Retirada de larvas (pinça, expressão) vivas sempre que possível, pois a presença de larvas mortas provoca reação inflamatória intensa no interior dos tecidos afetados. Nas lesões cavitárias pode-se aplicar substâncias tóxicas para os parasitos, tipos: calomelano, éter, cloreto de etila, uso de ivermecina oral, antibiótico oral e anti-inflamatórios.


254  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Inflamação, Infecção... Bibliografia Fernandes JBVD, Vaidergorn PG, Matayoshi S. Tratamento de ftiríase palpebral com ivermectina. Arq Bras Oftalmol, 2001; 64:157-8. Freinkel RK, Strauss JS, Pochi PE. Effect of tetracycline on the composition of sebum in acne vulgaris. N Engl J Med, 1965; 273:850-4. Israeli V, Nelson JD. Periorbital and orbital cellulitis. Pediatr Infect Dis, 1987; 6: 404-10. Macculley JP. Meibomitis. In: Kaufman HE, Barron BA, McDonald MB, Waltman SR (eds.). The Cornea. New York: Churchill Livingstone, 1988. Matayoshi S e Kikuta HS. Inflamação Palpebral, Orbitária e Lacrimal. In: Takahashi WY Traumatismos e Emergências Oculares. São Paulo: Roca, 2003; p. 153-65. Patt BS, Manning SC. Blindness resulting from orbital complications od sinusitis. Otolaringol Head Neck Surg, 1991; 104:789-95. Perry HD, Serniu RA Conservative treatment of chalazia. Ophthalmology, 1980; 87:218-21. Rees RB Jr. Skin and appendages. In: Krupp MA, Schroeder AS, Tierney LM Jr. (eds.) Current medical diagnosis and treatment, p. 48-94. Norwalk: Appleton Lange, 1987. Smithe D, Hurwitz JJ, Tayfour F. The management of chalazion: A survey of Ontario ophthalmologists. Can J Ophthalmol, 1990; 25:252-5.


Patrícia Lunardelli • André Nicoletti

C a p í t u l o | 26

Traumas Palpebrais

Na presença de um trauma palpebral é imprescindível descartar inicialmente o envolvimento do bulbo ocular. Para isso, procede-se a uma anamnese detalhada, exame oftalmológico completo (incluindo a medida da acuidade visual bilateral), avaliação biomicroscópica (se possível), além de estudos radiológicos se necessários. Nos traumas contusos, os achados oftalmológicos mais comuns são equimose e edema das pálpebras, que resolvem espontaneamente em alguns dias. A equimose pode se iniciar nas pálpebras superiores e ganhar as inferiores após alguns dias, pela ação da gravidade. A motilidade ocular extrínseca deve ser checada para pesquisa de encarceramentos musculares por fraturas orbitárias, que são posteriormente confirmadas por exames de imagem. Para o seu tratamento, utilizam-se analgésicos e anti-inflamatórios por via oral. Nas lacerações palpebrais, a abordagem inicial deve incluir a profilaxia de infecções bacterianas, do tétano e da raiva. a) Profilaxia bacteriana: antibióticos devem ser administrados em casos de laceração palpebral onde o ferimento esteja contaminado (ver observação 1). Como a maioria das infecções palpebrais bacterianas é causada por bactérias Gram-positivas, preconiza-se o uso empírico de penicilinas semissintéticas (como amoxacilina 1.500 mg/dia durante 7 dias) ou cefalosporinas VO (como a cefalexina 1,0 g/dia durante 5 dias). b) Profilaxia do tétano: a indicação de vacina ou soro homólogo (imunoglobulina humana – IgT) ou heterólogo (imunoglobulina equina – SAT) dependendo da história vacinal e do tipo de ferimento (conforme Tabela I). Observações: 1) Feridas contaminadas/profundas são as que tiveram contato com terra, esterco, fezes ou saliva; as perfurantes; as que resultaram de projéteis, esmagamento, queimadura ou congelamento. 2) IgT=250 UI, dose única intramuscular. Na indisponibilidade de IgT, SAT é realizado, 5.000 UI, dose única intramuscular, após teste de sensibilidade.

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256  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica -Traumas Palpebrais Tabela I  Profilaxia do tétano Vacina prévia

Tipo de ferimento Limpo/superficial

Contaminado/profundo

Vacina

SAT/IgT

Vacina

SAT/IgT

Ausência, incerta ou < 3 doses

SIM

NÃO

SIM

SIM

3 ou mais doses e última < 5 anos

NÃO

NÃO

NÃO

NÃO

3 ou mais doses e última entre 5 a 10 anos

NÃO

NÃO

SIM

NÃO

3 ou mais doses e última há > 10 anos

SIM

NÃO

SIM

NÃO

SAT: Imunoglobulina equina; IgT: imunoglobulina humana.

c) Profilaxia da raiva: lacerações palpebrais têm como causa frequente mordedura e arranhadura de cães, daí a preocupação com a raiva, que é uma doença infecciosa aguda que acomete mamíferos (homens e animais), causada por um vírus (família Rhabdoviridae, gênero Lyssavirus) que se multiplica e se propaga – via nervos periféricos – até o sistema nervoso central, de onde passa para as glândulas salivares, nas quais também se multiplica. A fonte de infecção é o animal infectado pelo vírus rábico. Em áreas urbanas, é principalmente o cão (quase 85% dos casos), seguido do gato. Em áreas rurais, além de cães e gatos, morcegos, macacos e mamíferos domésticos, tais como bovinos, equinos, suínos, caprinos, ovinos. Os animais silvestres são os reservatórios naturais para animais domésticos. O diagnóstico da raiva é feito por meio do quadro clínico sugestivo (sinais de encefalite) e da história clínica do paciente com antecedente de mordedura ou outros tipos de exposição. No Brasil foram diagnosticados 29 casos de raiva humana em 2004 (6 provenientes de mordedura por cães e 23 por morcegos). Período de incubação no homem varia de 2 a 10 semanas, em média 45 dias. Uma vez instalada a doença não há tratamento específico, e a letalidade é de 100%. O tratamento paliativo visa minimizar o sofrimento do paciente. O tratamento profilático consiste na aplicação de uma série de doses de vacina antirrábica por via intramuscular, na região do deltoide, durante o período de incubação da doença. A administração de soro antirrábico está indicada nos casos com forte suspeita de contaminação com o vírus rábico. A vacina antirrábica utilizada atualmente no Brasil é do tipo Fuenzalida & Palácios. Conduta frente à mordedura: 1) Limpeza do local com água e sabão e desinfecção com álcool ou soluções iodadas, imediatamente após a agressão. 2) Quando o animal agressor for cão ou gato deve-se observá-lo durante 10 dias para identificar qualquer sintoma sugestivo de raiva; se possível, o animal suspeito deve ser sacrificado e sua cabeça ou seu cérebro deve ser enviado para o Instituto Pasteur, em gelo, para exame laboratorial. 3) Orientação médica especializada (postos médicos e Secretarias de Saúde dos municípios) para o tratamento profilático.


257  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica -Traumas Palpebrais Lacerações palpebrais O conhecimento anatômico do cirurgião influencia diretamente no reparo cirúrgico destas lesões (que deve ser o mais breve possível), evitando novos procedimentos para tratamento de sequelas cicatriciais. A técnica cirúrgica depende da localização e da profundidade da lesão palpebral.

Lacerações que não envolvem a margem palpebral Lesões palpebrais superficiais que envolvem somente a pele e músculo orbicular requerem apenas sutura da pele. Alguns cuidados básicos com o tratamento da lesão evitam cicatrizes desnecessárias, tais como desbridamento da ferida, uso de fios de pequeno calibre (geralmente Nylon 6-0) e o uso profilático de antibióticos. Além disso, a sutura deve provocar uma pequena eversão das bordas da ferida, assim como os pontos de pele devem ser retirados em 4 a 5 dias. A presença de gordura na ferida indica que houve lesão do septo orbitário. Deve-se então descartar a presença de corpos estranhos superficiais ou orbitários antes da reparação do ferimento.

Lacerações que envolvem a margem palpebral As lesões que acometem a margem palpebral requerem uma sutura meticulosa com alinhamento preciso e tensão adequada. O fechamento deve ser realizado com 2 ou 3 pontos para o alinhamento correto da margem envolvendo a linha dos cílios, o plano das glândulas de Meibomius e a linha cinzenta (Fig. 1). A sutura não deve se estender para a porção conjuntival, evitando desepitelizações corneanas e outras complicações. Após o alinhamento da margem, procede-se à sutura de outras estruturas, como tarso, músculo orbicular e pele.

Fig. 1  Sutura palpebral: reparo da margem com suturas na linha dos cílios, linha cinzenta e transição cutaneomucosa.


258  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica -Traumas Palpebrais Lacerações envolvendo as regiões cantais Traumas que afetam as regiões medial ou lateral da pálpebra são decorrentes de tração horizontal, provocando avulsão da pálpebra (Fig. 2). As lesões do canto medial requerem sondagem da via lacrimal para excluir o envolvimento canalicular (Fig. 3).

Ptose traumática A ptose traumática pode ser resultado de lesão direta ou indireta da aponeurose do músculo levantador da pálpebra superior (MLPS), do músculo ou do nervo (III par). Lacerações profundas da pálpebra superior podem acometer o complexo do MLPS. A ferida deve ser explorada e as estruturas suturadas por planos. A identificação da aponeurose e do MLPS é facilitada pela sua mobilidade quando o paciente está sendo operado sob anestesia local. A aponeurose, deve ser refixada à superfície anterior da placa tarsal, com pontos simples com fio de seda 6-0. Se não houver lesão aparente do complexo do MLPS, é prudente aguardar por cerca de 6 meses para permitir a recuperação espontânea da função muscular (exceção: crianças com risco de ambliopia de deprivação devem ter a cirurgia antecipada). O mesmo período de observação é preconizado para os casos de ptose sem laceração palpebral em trauma contuso palpebral (Fig. 4) ou orbitário (geralmente é o resultado de hematoma), onde pode haver melhora do quadro com o tempo.

Fig. 2  Avulsão da pálpebra superior por mordedura de cão.

Fig. 3  Laceração medial da pálpebra inferior com lesão de canalículo inferior.

Fig. 4  Ptose traumática direita: aguardou-se o período de 6 meses para a realização da cirurgia corretiva.


259  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica -Traumas Palpebrais Queimaduras As causas das queimaduras são o escaldamento, fogo, eletricidade, objetos quentes, agentes químicos (Fig. 5) e as radiações. A queimadura palpebral provoca inicialmente edema acentuado das pálpebras e tecidos perioculares, o que é benéfico, pois age como se fosse uma blefarorrafia, protegendo o bulbo e prevenindo ceratite de exposição. O tratamento inicial envolve limpeza local, lubrificação e aplicação de pomadas antibióticas (bacitracina, neomicina). O tecido desvitalizado deve ser desbridado. Queimaduras superficiais cicatrizam em 2 a 3 semanas. Queimaduras mais profundas podem necessitar de enxertia de pele de espessura parcial e tarsorrafia se houver retração palpebral e lagoftalmo. A longo prazo, enxertias de pele de espessura total corrigem as retrações.

Fig. 5  Queimadura por alumínio: paciente foi eviscerado devido à necrose da superfície ocular. A lente de simbléfaro está em posição para evitar simbléfaro. Houve perda de parte da pálpebra superior e da lamela anterior da pálpebra inferior.

Mordeduras caninas e humanas As mordidas da região palpebral por cães não são infrequentes. Apresentam-se como lacerações palpebrais de espessura parcial ou total, avulsão cantal e lacerações de canalículos. A ferida deve ser irrigada abundantemente e reparada precocemente. Importante a profilaxia para tétano e raiva além de administrar antibióticos por via sistêmica, já que são ferimentos contaminados (existem cerca de 46 patógenos na boca do cão, entre eles anaeróbios, Streptococcus, Stafilococcus e bactérias Gram-negativas. Nos casos de perda tecidual, as técnicas de reconstrução são inúmeras. O procedimento escolhido dependerá do cirurgião, da idade do paciente, do aspecto das pálpebras, da extensão e profundidade da lesão (Tabela II). Tabela II  Objetivos da reconstrução palpebral Estabilizar a margem palpebral Corrigir o posicionamento vertical da pálpebra Proporcionar o fechamento adequado Resultado simétrico e esteticamente aceitável

As diferentes técnicas e condutas são abordadas no Capítulo de Reconstrução Palpebral.


260  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica -Traumas Palpebrais Bibliografia Collin JRO MAC. Eyelid and canthal lacerations. Oculoplastic and orbital emergencies, ed. L. JV. Norwalk: Appleton Lange, 1990; p. 10 Kulwin DR, Kersten RI. Acute eyelid and periocular burns. Oculoplastic and orbital emergencies, Ed. L. JV. Norwalk: Appleton Lange, 1990; 77-85. Matayoshi S, Kikuta HS. Inflamação e infecção palpebral, orbitária e lacrimal. Traumatismos e emergências oculares, Ed. W.Y. Takahashi. São Paulo: Roca. 2003; 156. Nascimento VPV, RM, Alves MR, Kara José N. Aspectos oftalmológicos de 158 casos de traumatismo facial, atendidos no Pronto-Socorro do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Rev Med, 1996; 75(1):31-6. Talan DA CD, Abrahamian FM et al. Bacteriologic analysis of infected dog and cat bites. N Engl J Med, 1999; 340(2):85-92. URL: http:// www.pasteur.saude.sp.gov.

Literatura Sugerida Kikuta HS, Couto Jr AS. Traumas palpebrais. In: Moreira Junior CA, Kikuta HS. Trauma ocular, (eds.). Rio de Janeiro: Cultura Médica, 1997; 143-60. Couto Jr A. Lacerações palpebrais. In: Matayoshi S, Forno EA, Moura EM. Manual de Cirurgia Plástica Ocular, (eds.). São Paulo: Roca, 2004; 206-16.


Ana Rosa Pimentel de Figueiredo • Lorena Almeida Zbyszynski Suzana Matayoshi

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Ectrópio

O ectrópio é o malposicionamento palpebral caracterizado pela eversão da margem da pálpebra para longe do bulbo ocular. Afeta principalmente a pálpebra inferior. A exposição crônica do bulbo ocular e da conjuntiva palpebral resulta nos sintomas de olho seco com lacrimejamento reflexo. A conjuntiva palpebral exposta torna-se cronicamente inflamada e pode desenvolver alterações metaplásicas de epidermalização (Fig. 1). Vários fatores, isoladamente ou em conjunto, podem contribuir para o aparecimento do ectrópio. Na pálpebra inferior foram identificados: a flacidez horizontal da pálpebra, a frouxidão do tendão cantal medial, a eversão do ponto lacrimal, a desinserção dos retratores da pálpebra inferior, o encolhimento vertical da pele e a paresia do músculo orbicular. De acordo com a etiopatogenia o ectrópio é dividido em: involucional, cicatricial (congênito e adquirido), paralítico e mecânico. A maioria dos casos observados na prática oftalmológica é involucional em sua natureza. O ectrópio congênito é raro. Erro no tratamento e recorrência dos casos podem ser evitados se cada paciente for investigado quanto aos fatores etiológicos antes da cirurgia palpebral.

Fig. 1  Ectrópio.

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262  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Ectrópio Ectrópio congênito: em casos raros, pode haver ectrópio congênito como um achado isolado, porém é mais comum a sua associação com a síndrome da blefarofimose.1 O ectrópio congênito é causado por uma insuficiência vertical da lamela anterior palpebral, e quando grave pode levar à epífora crônica e ceratite de exposição. Ectrópio congênito leve geralmente não requer tratamento cirúrgico, sendo o tratamento conservador com lubrificação recomendado inicialmente. Se for grave e sintomático, dever ser tratado como um ectrópio cicatricial, utilizando um enxerto de pele autóloga para aumento vertical da lamela anterior e encurtamento horizontal do tendão cantal lateral. Uma eversão completa das pálpebra superiores é ocasionamente encontrada em recém-nascidos. Geralmente é bilateral e mais comum em melnodérmicos, em casos de conjuntivite de inclusão do recém-nascido, em síndrome de Down e em bebês de mães multíparas. Lubrificantes tópicos e oclusão compressiva de ambos os olhos por 48 a 72h geralmente são curativos. Às vezes, torna-se necessário o uso de uma tarsorrafia temporária ou suturas de espessura total. A fisiopatologia proposta inclui uma falha no ancoramento do septo orbital ao músculo levantador da, deficiência vertical da lamela anterior e hipotonia do músculo orbicular. Acredita-se que o trauma de parto inicie a eversão, com um subsequente ingurgitamento venoso e quemose mantendo o malposicionamento. Ectropio involucional: a tensão da pálpebra inferior pode ser avaliada puxando-se a porção central da pálpebra para longe do globo; se houver um afastamento maior que 8 mm considera-se que há presente uma alongamento horizontal. A tensão também pode ser avaliada puxando-se a pálpebra inferior para longe do globo e então liberando-a. Com isso, uma pálpebra normal deve retornar junto ao globo imediatamente. Uma pálpebra frouxa pode precisar de uma ou mais piscadelas para retornar à posição normal, ou nunca conseguirá voltar para junto do globo. A flacidez horizontal é primariamente causada pela frouxidão do tendão cantal lateral. Essa lassidão geralmente resulta em arredondamento do ângulo do canto lateral, ou um ângulo deslocado medialmente. A flacidez do tendão cantal medial também é uma característica comum do ectrópio involucional, frequentemente associada a uma flacidez do tendão cantal lateral. A flacidez do tendão cantal medial pode ser avaliada puxando-se a pálpebra inferior lateralmente e observando-se o deslocamento lateral do ponto lacrimal inferior. Há flacidez do tendão se o ponto puder ser deslocado além do limbo medial quando o bulbo está em posição primária do olhar. O ponto lacrimal inferior normalmente é orientado posteriormente, em aposição com o bulbo e em alinhamento vertical ao ponto lacrimal superior. A eversão do ponto lacrimal pode ser observada em conjunto com um ectrópio generalizado da pálpebra inferior, ou ocorrer isoladamente, sem evidências de flacidez ou cicatriz palpebral. Tal eversão isolada deve-se provavelmente à uma deiscência segmentar dos retratores da pálpebra inferior na região medial. A eversão do ponto lacrimal pode produzir sintomas de olho seco devido aos distúrbios do menisco lacrimal. A conjuntiva palpebral medial exposta está sob risco de desenvolvimento de uma epidermalização que pode resultar em estenose do ponto lacrimal. Os retratores da pálpebra inferior são análogos à aponeurose na pálpebra superior. A deiscência dos retratores associada à flacidez tarso-ligamentar gera um tipo de ectrópio grave, com rotação do tarso sobre o seu eixo e recebe o nome de ectrópio tarsal. 1

Leia também item ectrópio congênito no capítulo Malformações Palpebrais.


263  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Ectrópio Tratamento: antes de selecionar o procedimento ou a combinação de procedimentos a serem realizados, o cirurgião deve atentar para os fatores etiológicos que estão determinando o quadro de ectrópio. É comum a necessidade de se combinar mais de um tipo de procedimento para a correção do ectrópio involucional. Excisão de losango conjuntival (diamond excision): nos casos de ectrópio medial leve, a excisão de um losango horizontal da conjuntiva palpebral e dos retratores, 4 mm inferior ao ponto lacrimal, e suturas absorvíveis inversoras fixando o retrator à borda inferior do tarso (Fig. 2). Técnica de Pokhissof: delimita-se um triângulo equilátero na conjuntiva tarsal inferior, tendo o seu vértice no fórnice e a base paralela à margem palpebral, afastada cerca de 3 mm para evitar lesão canalicular. O ponto lacrimal deve ficar na metade da sua extensão. Um outro triângulo é obtido prolongando-se a incisão da base até metade do comprimento da pálpebra. Uma outra incisão une então essa extremidade à metade temporal do outro triângulo (Fig. 3). A incisão é fechada com sutura contínua de nylon 7.0, penetrando através da pele e exteriorizando também através da pele na outra extremidade da ferida.

Fig. 2  Excisão de losango.

Fig. 3  Técnica de Pokhissof.

Encurtamento por Ressecção em Bloco Excisão de Cunha Medial (Lazy T): baseia-se na associação da excisão de losango da conjuntiva e retrator, abaixo da porção canalicular da margem, com a excisão de uma cunha da margem palpebral lateral ao ponto lacrimal, com reaproximação direta (Fig. 4). Tecnica de Khunt e suas modificações: o fundamento da técnica é a ressecção de uma cunha da margem palpebral, a exemplo de uma ressecção como a descrita anteriormente, mas


264  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Ectrópio

Fig. 4  Técnica do Lazy-T.

que pode ser associada a uma blefaroplastia inferior. Pode haver deformidade do canto lateral que se torna arredondado, se a flacidez ligamentar for mais temporal (Fig. 5). Técnica de Bick: ressecção do terço lateral da pálpebra inferior, com reconstrução por aproximação direta. Diferente da correção do entrópio, no ectrópio as laterais do pentágono são paralelas (veja o Capítulo Reconstrução palpebral). Resolve bem o quadro de ectrópio mas pode levar também a um arredondamento do canto lateral (Fig. 6). Técnica da Tira Tarsal (Tarsal Strip): promove o encurtamento da pálpebra inferior, utilizando uma tira do tarso para ser fixada ao tendão lateral, junto à reborda orbitária, em um vetor ascendente. Após a cantólise, a margem palpebral é dividida na linha cinzenta, em uma extensão de 4 a 6 mm e o segmento tarsal é liberado dos retratores, inferiormente e desepitelizado, criando-se assim a tira tarsal que vai ser suturada ao tendão lateral bem proximo à reborda óssea (Fig. 7). A lamela anterior correspondente pode ser totalmente ressecada ou parte do orbicular pode ser aproveitada para dar um melhor contorno na reconstrução lateral (veja o Capítulo de Paralisia Facial Periférica).

Fig. 5  Técnica de Khunt-Szymanovski.

Fig. 6  Técnica de Bick para correção do ectrópio.


265  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Ectrópio

Fig. 7  Tira tarsal – detalhe da sutura no rebordo orbitário.

Reinserção dos retratores: é necessária nos casos de ectrópio tarsal em que a borda inferior do tarso encontra-se basculada para frente. Geralmente esta técnica é associada ao encurtamento horizontal. Refixação medial: a correção da flacidez medial é tecnicamente mais complicada e é necessário proteger o canalículo. Através de uma incisao cutânea, as fibras do orbicular que vão em direção ao limbo inferior do tendão profundo são encurtadas atraves de uma sutura em ‘U”. Essa técnica pode levar à uma sutura inadvertida do canalículo ou ao afastamento do ponto lacrimal do globo, causando epífora. Ectrópio paralítico: ocorre após uma paralisia do facial (NCVII), temporária ou permanente, e se manifesta em conjunto com o lagoftalmo, (veja o Capítulo de lagoftalmo paralítico). Piscadelas pobres e um fechamento palpebral fraco levam à irritação crônica da superfície ocular, resultando em exposição corneana inferior juntamente com um abastecimento e distribuição pobres do filme lacrimal. A estimulação reflexa crônica, juntamente com uma função diminuída da bomba lacrimal são responsáveis pela queixa de lacrimejamento nesses pacientes. Ectrópio cicatricial: é causado por uma diminuição vertical da pele da pálpebra, que puxa a margem palpebral para longe do globo. Geralmente é causado por elastose actínica. Outras causas incluem: inflamação por herpes-zóster, dermatite crônica, queimaduras químicas, trauma, abrasão com laser, queimaduras térmicas, peeling químico ou iatrogenia cirúrgica. O tratamento deve seguir 3 passos: (1) A tração cicatricial vertical deve ser cirurgicamente incisada e relaxada; (2) a pálpebra é encurtada horizontalmente pela cirurgia de retalho tarsal lateral; (3) a pálpebra é aumentada verticalmente através de um enxerto de pele de espessura total ou por soof lift que seja suficiente para devolver pele, sem tração. O tratamento do ectrópio cicatricial da pálpebra superior geralmente requer apenas aumento vertical da lamela anterior com um enxerto de pele de espessura total. A área doadora pode ser a pálpebra superior, desde que haja dermatocálase, a região pré ou pós-auricular, a face interna do antebraço ou a região supraclavicular. Ectrópio mecânico: é determinado pelo efeito de peso que desloqa a margem palpebral para fora. Em geral é causado por tumor, mas também pode ser notado quando há edema, herniação exuberante da gordura ou por óculos mal adaptados. Nestes casos, quase sempre já existe o mecanismo involucional associado e só é considerado como ectrópio mecânico se desaparecer após a retirada do fator causal. Organograma para tratamento do ectrópio da pálpebra inferior:


266  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Ectrópio


267  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Ectrópio Bibliografia American Academy of Ophthalmology. Ectropion. In: Orbit, Eyelid and Lacrimal System, 2002; section 7, p. 176-82. Bedrossian E, Simonton J. Management of trichiasis. In: Smith BC. Ophthalmic Plastic and Reconstrutive Surgery. St. Louis: Mosby, 1989; vol.1 p. 556. Collin JRO. A Manual of Systematic Eyelid Surgery. 2nd ed. Philadelphia: Saunders. 2:24-5, 1989. França VP et col. Ectrópio. In: Soares EJC. Cirurgia Plástica Ocular 1a ed. Conselho Brasileiro de Oftalmologia, 1997; 1:153-70. Pereira FJ, Trindade SP, Cruz AAV. Ectrópio congênito: relato de três casos e revisão de literatura/Congenital ectropion: three case reports and literature review. Arq Bras. Oftalmol, jan-fev 2007; 70(1):149-152. Schellini SA, Zimmermann GPM, Hoyama E, Padovani CR, Padovani CRP. Alterações da margem palpebral associadas ao ectrópio/Eyelid alterations associated with palpebral ectropion. Arq Bras Oftalmol, set-out. 2005; 68(5):619-22.

Leitura Sugerida Bartley GB. Ectropion and lagophthalmos. In: Dortzbach RK: Ophthalmic Plastic SurgeryPrevention and management of complications. New York: Raven Press 1994; pp.49-64


Suzana Matayoshi • Roberto Caldato • Eurípedes da Mota Moura

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Entrópio

Entende-se por entrópio palpebral a inversão da borda da pálpebra, levando os cílios a tocarem o globo ocular. O entrópio palpebral pode ser de natureza congênita ou adquirida.

Entrópio congênito e epibléfaro A forma congênita do entrópio é muito rara, enquanto o epibléfaro ocorre com maior frequência e simula o entrópio congênito. É encontrado nas crianças de pouca idade, principalmente nas de raça amarela. Representa um dobra de pele, na maioria das vezes na pálpebra inferior, que empurra os cílios contra o globo ocular. Raramente o epibléfaro traz danos porque os cílios tocam o olho pela sua convexidade e não pela extremidade. Como frequentemente regride com o desenvolvimento da criança, nem sempre requer correção cirúrgica. Aguarda-se até os 18 meses de vida, caso não haja uma remissão espontânea e caso haja ceratite e desconforto ocular, procede-se à cirurgia. Várias técnicas foram propostas para a correção do epibléfaro e do entrópio congênito. Uma boa técnica é a transposição do músculo orbicular (Figs. 1A e B):

Fig. 1 (A e B)  Técnica de transposição do músculo orbicular. A. Exposição do músculo. B. Transposição do orbicular inferiormente na base do tarso.

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269  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Entrópio Faz-se uma incisão subciliar em toda a extensão do epibléfaro e expõe-se o músculo orbicular pré-tarsal e transposta para baixo, no nível da base do tarso, onde é fixada no epitarso com vários pontos separados de poliglactina 6-0 ou 7-0. Com esta manobra, o músculo orbicular irá agir na base da lâmina tarsal, evitando-se assim pressão sobre a borda palpebral. Em alguns casos, pode-se retirar uma estreita fita de pele quando esta se encontra em excesso. Em seguida fecha-se a ferida cirúrgica com o mesmo fio, tomando-se o cuidado de passar a sutura cutânea também no epitarso, a fim de se produzir uma firme aderência entre a pele e o tarso, com isto evitando-se o deslocamento do músculo transposto e a consequente recorrência do epibléfaro.

Entrópio adquirido Envolve dois grupos: involucional e cicatricial.

Entrópio involucional Uma das formas de entrópio mais frequente é a senil e basicamente afeta as pálpebras inferiores. Os tecidos vão se tornando mais flácidos e os músculos retratores das pálpebras inferiores se tornam alongados com o envelhecimento (Fig. 2). Pode ocorrer desinserção dos mesmos em relação ao tarso. O músculo pré-septal, por perda de aderência com o septo, desliza para cima, sobrepondo-se ao músculo pré-tarsal, de modo que a sua contração provoca a inversão da borda palpebral pela flacidez palpebral vertical (Figs. 3A e B). A flacidez horizontal decorrente da tensão tarso-ligamentar reduzida e a enoftalmia decorrente de absorção da gordura orbitária são outros fatores que contribuem para o estabelecimento do entrópio. Segundo alguns autores o entrópio senil seria a expressão na pálpebra inferior da ptose senil, ou seja, os retratores inferiores estariam alongados ou desinseridos, de forma análoga ao tendão do músculo elevador da pálpebra superior que se encontra separado do tarso na ptose senil. O entrópio espástico também pode ser considerado uma forma de entrópio involucional. A contração do orbicular ocorre devido a um episódio de inflamação ocular aguda (conjuntivite, úlcera de córnea, uveítes). Geralmente ocorre em pacientes com alterações anatômicas involucionais da pálpebra inferior, sendo que na maioria das vezes persiste após o tratamento da inflamação que desencadeou o quadro.A e O entrópio pode ser intermitente no início, notado apenas na contração forçada do orbicular.

Fig. 2  Entrópio involucional.


270  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Entrópio

Figs. 3 (A e B)  Fisiopatologia do entrópio involucional. A. Anatomia normal. B. Alongamento dos retratores e entrópio.

No exame do paciente com entrópio, avalia-se a flacidez horizontal através do snapback test e distraction test (Figs. 4 e 5) e a flacidez vertical pela diminuição da excursão inferior da pálpebra inferior à infraversão (Nota: excursão normal: 3 a 4 mm). Existem muitas técnicas para a correção do entrópio involucional. Quando a tensão tarso-ligamentar encontra-se diminuída, podem-se indicar duas técnicas: a técnica de BICK modificada e a técnica do tarsal strip.

Fig. 4  Snapback test: a pálpebra inferior é puxada inferiormente com o dedo indicador. Observa-se se há retorno à posição original, o tempo de retorno e se há necessidade de piscar. O normal é o retorno imediato da pálpebra sem piscar.

Fig. 5  Distraction test: apreende-se a pele da pálpebra inferior, afastando-a do globo. Uma distância maior que 8 a 10 mm indica a existência de flacidez ligamentar.


271  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Entrópio Técnica de Bick modificada Originalmente consistia na remoção de um segmento de espessura total na porção lateral da pálpebra inferior, após o esmagamento dos tecidos com um mosquito curvo. Na técnica de BICK modificada, retira-se um pentágono de espessura total da pálpebra inferior na união do terço médio com o terço lateral (Figs. 6A-C). Inicialmente desenha-se o pentágono com verde-brilhante, de tal forma que as incisões iniciais sejam divergentes, e após a remoção desta porção a aproximação é feita em três planos, obtendo-se um encurtamento maior da base do tarso do que da borda palpebral. O pentágono pode ser quantificado, sobrepondo-se as duas extremidades da incisão e verificando-se a aproximação das bordas com uma pequena tensão. As suturas são feitas por planos de acordo com os princípios da reconstrução palpebral: margem palpebral: fio seda 6-0 ou fio absorvível 6-0 plano tarsal: fio absorvível 6-0 plano muscular: o mesmo fio anterior pele: seda 6-0 ou absorvível 6-0.

Figs. 6 (A–C)  Técnica de Bick modificada. A. Marcação do pentágono. B. Ressecção de espessura total da pálpebra. C. Sutura por planos.


272  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Entrópio Técnica de Tarsal Strip (veja o Capítulo sobre Ectrópio) Quando existe flacidez dos retratores da pálpebra inferior, duas técnicas podem ser aplicadas: Jones e Quickert.

Técnica de Jones (Fig. 7) Marca-se a pele a cerca de 6 mm da margem ciliar: crescente de pele cuja largura é estimada com uma pinça. A extensão desta demarcação deve interessar os 2/3 laterais da pálpebra inferior, ultrapassando um pouco a comissura externa. Infiltra-se o subcutâneo com anestésico com vasoconstritor. Incisa-se a pele com bisturi de lâmina 15 e removem-se a pele e o músculo orbicular subjacente. Abre-se o septo orbitário horizontalmente em toda a extensão da ferida cirúrgica. O afastamento inferior da gordura expõe os retratores. Passam-se 4 ou 5 pontos simples e separados de seda 4-0 ou 5-0 do seguinte modo: inicia-se pela borda inferior da pele, exterioriza-se a agulha, pega-se a mais ou menos 10 mm da base tarsal os retratores e retira-se totalmente a agulha. A seguir passa-se a agulha pela borda inferior do tarso e finalmente pela borda cutânea superior. Passam-se todos os pontos e só depois são anodados. Ao se apertar as suturas, os retratores da pápebra inferior são encurtados. Se houver retração ou ectrópio, as suturas devem ser repassadas, diminuindo-se a distância entre os retratores e a borda inferior do tarso. As suturas são deixadas por 2 semanas para se obter uma fibrose e aderência da pele à superfície do tarso, evitando o deslizamento do músculo orbicular pré-septal para cima. Pontos adicionais completam o fechamento da pele. O ajuste das suturas dos retratores deve ser cuidadoso, pois facilmente pode ocorrer hipercorreção, levando à ectrópio consecutivo e retração palpebral inferior (Fig. 8).

Fig. 7  Técnica de Jones. Exposição dos retratores e sutura no tarso.


273  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Entrópio

Fig. 8  Hipercorreção na técnica de Jones levando ao ectrópio.

Cirurgia de Quickert Atua na flacidez horizontal e vertical (Figs. 9A e B). Inicia-se com incisão vertical, a 5 mm do canto lateral, da margem à base do tarso, abrangendo toda espessura palpebral. A seguir, outra incisão, horizontal, em toda espessura da pálpebra abaixo da base do tarso, da região do ponto lacrimal ao canto lateral. Esta incisão deve ser reta, não acompanhando a curvatura da pálpebra. Três suturas de eversão em U são passadas nos retratores com fios biagulhados absorvíveis. Realiza-se o encurtamento horizontal da pálpebra, sendo que a quantidade a ser ressecada é medida sobrepondo-se os dois retalhos palpebrais de modo que a pálpebra fique com uma leve tensão. A reconstrução é realizada nos mesmos moldes do descrito para a técnica de Bick. As suturas de eversão são completadas, englobando o tarso e o músculo orbicular, e exteriorizando na pele, a cerca de 2 mm dos cílios. A pele é fechada com fio 6-0. As suturas da pele são retiradas em 5 dias e os pontos de eversão em duas semanas. Quaisquer que sejam as técnicas cirúrgicas empregadas, deve-se atentar para o fato de que a principal complicação é a hipocorreção e a recidiva do entrópio, que pode se situar entre 7 a 25%.

Figs. 9 (A e B)  Esquema da cirurgia de Quickert. A. Incisão cutânea horizontal e vertical com encurtamento horizontal da pálpebra. B. Sutura palpebral por camadas.


274  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Entrópio

Fig. 10  A incisão tarsal deve ser feita na linha de Arlt. (Foto cortesia da Dra. Eliana Forno.)

Entrópio cicatricial Ocorre quando existe retração da lamela posterior da pálpebra (tarso e conjuntiva). Causas mais frequentes: tracoma, queimadura química, síndrome de Stevens-Johnson e penfigoide. Na pálpebra afetada por tracoma, a eversão mostra a linha de Arlt, que é o guia para a incisão tarsal, pois corresponde aos pontos de encurtamento da lamela posterior (Fig. 10). O tratamento é cirúrgico, sendo que existem várias cirurgias descritas para a correção do entrópio cicatricial.

Blefarotomia com rotação marginal Idealizada por Wies na pálpebra inferior e descrita por Balen para correção do entrópio cicatricial superior, é a cirurgia mais praticada nesses casos (Figs. 11A-C).

Figs. 11 (A–C)  Blefarotomia com rotação marginal. A. Incisão do tarso na linha de Arlt. B. Suturas intratarsais em U na porção distal e no plano supratarsal na borda palpebral; C. Efeito da cirurgia: eversão da borda palpebral.


275  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Entrópio Pode ser realizada por via cutânea ou conjuntival. Na pálpebra superior, a marcação da pele é feita no sulco palpebral, como na blefaroplastia. Expõe-se a metade inferior do tarso anteriormente, dissecando-se o músculo orbicular. Everte-se a pálpebra e identifica-se a linha horizontal de maior encurvamento do tarso, a qual se localiza cerca de 2 a 2,5 mm da borda livre. Efetua-se a este nível uma incisão transfixante ao longo de todo o tarso. Dessa forma, obtém-se um retalho composto bipediculado. Passam-se 3 a 5 pontos em U, de seda 5-0 ou categute cromado 5-0, conforme mostra a figura. A agulha é passada na espessura do tarso, em sua porção distal. No retalho bipediculado, o fio é passado no espaço submuscular, exteriorizando-se no nível da linha dos cílios. A outra agulha é passada do mesmo modo, obtendo-se a sutura em U. É preferível que os nós sejam apertados somente após a passagem de todas as suturas de eversão. Uma pequena hipercorreção é desejável no pós-operatório imediato. A pele é fechada com fio seda ou nylon 6-0. Os pontos da pele são retirados em 5 dias e as suturas de eversão em três semanas. O excesso de uso do cautério ou a manipulação indevida do retalho bipediculado pode causar necrose da porção central da borda palpebral.

Outras técnicas Quanto maior o espessamento e retração do tarso, mais difícil se torna a correção cirúrgica. A lamela posterior pode ser alongada com a interposição de enxertos (mucosa bucal, cartilagem auricular) e associada ou não ao recuo da lamela anterior. Outra alternativa nos casos mais graves de entrópio cicatricial da pálpebra superior, principalmente nos decorrentes de tracoma e com várias operações pregressas, é a proposta por Eloy Pereira. Resseca-se a pálpebra superior afetada em sua porção central e roda-se um retalho pediculado da pálpebra inferior à maneira de Mustardé.

Bibliografia Anderson RL, Gordy DD. The tarsal strip procedure. Arch Ophthalmol, 1979; 97:2192-6. Bick M.W. Surgical management of orbital tarsal disparity. Arch Ophthalmol, 1966; 75: 386-9. Caldato R, Soares E. Entrópio. In: Soares EJC, Moura EM, Gonçalves JOR. Cirurgia Plástica Ocular. São Paulo: Roca, 1997; pp. 171-84. Collin JRO, Rathbum JE. Involucional entropion. Arch. Ophtalmol, 1978; 96:1058. Danks JJ, Rose GE. Involutional lower lid entropion. To shorten or not to shorten?. Ophthalmology, 1998; 105:2065-7. Fox SA. Primary congenital entropion. Arch Ophthalmol, 1956; 56:839-42. Jones LT. The anatomy of the lower eyelid and its relations to the cause and cure of entropion. Am. J. Ophtalmol, 1960; 49:29.


276  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Entrópio Jones LT, Reech MJ, Wobig DL. Senile entropion: a new concept for correction. Am J Ophtalmol, 1972; 74:327. Jordan R. The lower lid retractors in congenital entropion and epiblepharon. Ophthalmic Surg, 1993; 24:494-6. Pereira, S.E. In: Mustardé, J.C. Repair and Reconstruction in the Orbital Region. Edinburg: Churchill & Livingstone, 1991. pp. 233-7. Reacher MH, Taylor HR. The treatment of trachomatous trichiasis. Rev. Int. Trach..Patol.Ocul. Trop.Subtrop, 1990;67: 233-262. Schellini SA et al. A difícil correção do entrópio palpebral. Rev Bras Oftalmol, 1996; 55:447-52.

Literatura Sugerida Caldato R, Moura. In: Matayoshi S. Entrópio palpebral In: Matayoshi S, Forno E, Moura. In: Manual de Cirurgia Plástica Ocular, São Paulo: Roca, 2004; cap.5 pg. 39-49. Fox SA. Entropion and trichiasis. In: Fox SA. Lid Surgery-Current Concepts. Cap.6. New York and London: Grune & Stratton, 1972. pp.95-109. Levine MR. Manual of Oculoplastic Surgery. Cap. 10. New York: Churchill Livingstone, 1988; p. 93. QuickerT MH, Rathbum JE. Suture repair of entropies. Arch. Ophtalmol, 1971; 85:304-5. Soares EJC, França VP, Alvarenga DP, Quintero AE. O estudo do entrópio em cavidades anoftálmicas. Arq Bras Oftalmol, 1994; 57:94.


Ana Rosa Pimentel de Figueiredo • Danielle Pimenta Viana Trindade

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Triquíase

Afecção da margem palpebral caracterizada pela alteração da direção dos cílios que, apesar de implantados na lamela anterior, apresentam-se anormalmente encurvados e dirigidos para o globo ocular. Difere da distiquíase, uma afecção congênita, na qual há uma fileira de cílios extranumerária posterior aos orifícios das glândulas de Meibomius (Fig. 1). A triquíase se confunde também com o entrópio, condição onde as pálpebras estão invertidas, causando o atrito da pele e dos cílios contra o bulbo ocular. Existe uma associação frequente da triquíase com o entrópio cicatricial, produzindo uma grande variedade de quadros clínicos. As sequelas fibrocicatriciais que atingem todos os tecidos palpebrais modificam a arquitetura da margem palpebral e comprometem os folículos pilosos, alterando, assim, a direção e a implantação dos cílios. Nos casos mais complexos, podem ser encontrados cílios anômalos (muito finos ou muito grossos, curtos e, às vezes, despigmentados), que emergem por trás dos orifícios das glândulas de Meibomius. Esta condição, produzida pela metaplasia das glândulas tarsais com transformação pilossebácea, tem sido aceita como distiquíase adquirida.

Fig. 1  Triquíase e distiquíase.

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278  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Triquíase A queixa mais comum associada à triquíase é a sensação de corpo estranho persistente, causada pelo toque dos cílios no globo ocular. Ocorrem também lacrimejamento, secreção mucosa ou mucopurulenta e fotofobia. Observam-se graus variados de lesões corneanas, que podem variar desde ceratite pontuada leve até úlceras com perfuração ocular. A maioria dos portadores de triquíase apresenta quadro bilateral e está na faixa etária acima dos 40 anos. Geralmente chega ao cirurgião com história de tratamento por autoepilação ou mesmo cauterização prévias. Quando se trata de quadro de triquíase pura, as pálpebras inferiores são as mais afetadas e geralmente o terço médio é o mais comprometido. Frequentemente, a margem palpebral está afinada. Há diminuição da espessura tarsal, e os limites da linha cinzenta e dos orifícios das glândulas tarsais tornam-se pouco precisos. Nos casos de triquíase associada ao entrópio cicatricial, as quatro pálpebras podem estar comprometidas. Quando a associação é com o tracoma, é mais frequente o comprometimento de toda extensão das pálpebras superiores. Quando a triquíase resulta de um processo localizado como hordéolo, traumas acidental ou iatrogênico, geralmente apenas o segmento palpebral atingido pela lesão apresenta os cílios anômalos.

Etiopatogenia A triquíase é basicamente uma condição adquirida, de natureza cicatricial, produzida por qualquer tipo de processo inflamatório que afete a margem palpebral e os folículos pilosos. Durante muito tempo, sua principal causa foi o tracoma cicatricial. Entretanto, essa associação é cada vez menos frequente. A inflamação crônica das margens em situações como penfigoide ocular cicatricial, síndrome de Stevens-Johnson, rosácea, tracoma, uso crônico de pilocarpina e lesões químicas foram associadas a alterações metaplásicas dentro das glândulas de Meibomius, resultando em um crescimento piloso aberrante pela face posterior do tarso. Existe uma forma de entrópio cicatricial, descrita como entrópio marginal, no qual ocorre a inversão apenas da margem palpebral, que se torna mais arredondada, perdendo a definição das lamelas, com migração anterior da junção mucocutânea (conjuntivalização da margem) que adota posição anterior aos orifícios das glândulas de Meibomius. O entrópio marginal pode envolver apenas um segmento da pálpebra ou toda a pálpebra.

Tratamento A conduta a ser adotada dependerá da extensão da triquíase, da quantidade de cílios envolvidos e do acometimento da lamela posterior da pálpebra. Medidas paliativas: lubrificantes oculares, lentes de contato terapêuticas e epilação mecânica são medidas que aliviam os sintomas, mas são ineficazes a longo prazo. São recursos úteis durante o tratamento da fase aguda do processo inflamatório, como, por exemplo, na síndrome de Stevens-Johnson e nas queimaduras químicas. No caso da epilação mecânica, os cílios voltam a crescer em 2 a 3 semanas, e não é incomum que a irritação seja mais grave, na


279  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Triquíase recorrência, pois os novos cílios são mais curtos e rígidos. Pode ser realizada no período que antecede a correção cirúrgica, desde que o mapeamento da localização dos cílios anômalos já tenha sido feito. Considerações pré-operatórias: no tratamento da triquíase, a questão mais relevante é estabelecer se há ou não entrópio associado. A causa da triquíase deve ser esclarecida antes do planejamento cirúrgico. Além disso, qualquer procedimento está contraindicado na fase aguda da afecção, por poder agravar ainda mais o processo inflamatório. A correção dessa deformidade só deve ser realizada na fase de cicatrização definitiva, quando sua execução é mais fácil e eficaz. A triquíase pode passar despercebida nos casos de ectrópio cicatricial de longa duração. Nesses pacientes, além do encurtamento vertical da pele, a margem palpebral apresenta triquíase, blefarite, estenose dos pontos lacrimais, hiperceratose do epitélio da conjuntiva palpebral e até mesmo simbléfaro. São casos que devem ser examinados com atenção especial, pois o planejamento cirúrgico deve ser feito para corrigir todas as alterações, preferencialmente em um único tempo cirúrgico. Eletrólise: indicada apenas quando há comprometimento de poucos cílios. Após infiltração anestésica, a agulha de eletrólise é introduzida no folículo piloso. É aplicada uma corrente elétrica durante 1 a 2 segundos, e quando o folículo está adequadamente destruído, o cílio é facilmente removido com uma pinça. A propagação do calor pode atingir os bulbos vizinhos, bem como causar deformidades marginais em forma de depressões. O índice de recorrência é considerável. Fotocoagulação com laser de argônio: a destruição do folículo piloso por fotocoagulação e fotovaporização com laser de argônio azul-verde está indicada quando há um número pequeno de cílios envolvidos. Após infiltração anestésica local, na lâmpada de fenda, everte-se a pálpebra com auxílio de um cotonete, de modo que o cílio fique perpendicular ao feixe de raio laser. Os parâmetros preconizados são: mira de 100 m, potência de 1 W, exposição de 0,5 s. O cílio é então vaporizado até uma profundidade de aproximadamente 2 mm da margem palpebral. São efetuadas cerca de 20 a 30 coagulações por cílio. O método é simples, seguro e eficaz. Crioterapia: está indicada para tratamento de áreas de cílios em triquíase que podem ser extensas demais para eletrólise ou fotocoagulação. Fundamenta-se no princípio de que os folículos ciliares são mais sensíveis aos efeitos destrutivos do congelamento do que as células epiteliais da pele e do tecido conjuntivo. O grau de criodestruição é dado principalmente pela velocidade do congelamento, duração do descongelamento e número de aplicações. O objetivo é reduzir a temperatura dos folículos para cerca de –20°C, no tempo mais rápido possível e permitir que o tecido descongele mais lentamente. Deve ser utilizada uma ponta especial, uma vez que as pontas utilizadas em cirurgia de retina não são capazes de produzir esse efeito. A aparência dos tecidos sob congelamento não é parâmetro para avaliar o grau de congelamento da margem palpebral. As complicações incluem a recorrência dos cílios, a despigmentação cutânea, a destruição de folículos normais e necrose segmentar da pálpebra, causada por um congelamento excessivo ou por uma deficiência prévia na vascularização local. Ressecção em cunha pentagonal da margem palpebral: pode ser usada para remover um segmento localizado de cílios. Em geral, até um quarto da pálpebra pode ser removido dependendo do grau de flacidez. A reparação é feita usando-se os mesmos princípios da reconstrução palpebral. A triquíase associada ao trauma é geralmente tratada dessa maneira.


280  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Triquíase Divisão interlamelar com interposição de enxerto mucocutâneo: é uma modificação do procedimento originalmente descrito por Van Milligen em 1888, que consiste na divisão da margem palpebral em duas lamelas e na inserção de um enxerto, para afastar a lamela anterior (Figs. 2 A e B). A cirurgia deve ser realizada sob microscópio. Oferece alto índice de sucesso, desde que não haja entrópio cicatricial associado.

Figs. 2 (A e B) A. Cirurgia de Van Milligen: interposição do enxerto labial. B. Perfil mostrando afastamento dos cílios da superfície ocular.

Técnica: a) Preparo da área receptora: após infiltração anestésica, procede-se à divisão interlamelar, com incisão na linha cinzenta extendida por pelo menos 2 mm até a margem normal. O plano de clivagem deve ter cerca de 4 mm em profundidade, criando uma fenda que servirá de leito receptor ao enxerto. Evita-se ao máximo a cauterização. b) Obtenção do enxerto: retira-se pequena elipse na linha de contorno do lábio superior com largura de 2,5 a 3 mm e com comprimento cerca de 4 mm maior que o defeito onde será encaixado (leito receptor). A área é cauterizada cuidadosamente e a ferida é fechada com sutura contínua. c) Fixação do enxerto: o enxerto é interposto na fenda interlamelar, mantendo a margem cutânea do mesmo voltada para a lamela anterior. A sutura é contínua em mononylon 9-0 ou 10-0.


281  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Triquíase Bibliografia Dantas RAD. Triquíase – fotocoagulação com laser de argônio. Rev Bras Oftalmol, 1992; 51(4):9-12. Figueiredo ARP, Soares EJC. Trichiasis: diagnosis and treatment. Long-term follow-up of 216 cases. Orbit, 1996; 2(3): 137-46. Figueiredo ARP et al. Triquíase. In: Soares EJC. Cirurgia Plástica Ocular, 1a ed., Conselho Brasileiro de Oftalmologia, 1997; 1:185-92. Fonseca Junior NL DA, Lucci LMD, Paulino LV, Rehder JRCL. O uso do laser de argônio no tratamento da triquíase/Argon laser in the treatment of trichiasis. Arq Bras Oftalmol, 2004 mar-abr; 67(2):277-81. Schellini SA, Zimmermann GPM, Hoyama E, Padovani CR, Padovani CRP. Alterações da margem palpebral associadas ao ectrópio/Eyelid alterations associated with palpebral ectropion. Arq Bras Oftalmol, 2005; 68(5):619-22. Kormann RB, Moreira H. Eletrólise com radiofrequência no tratamento da triquíase/ Treatment of trichiasis with high-frequency radio wave electrosurgery. Arq Bras Oftalmol, 2007; 70(2):276-80. American Academy of Ophthalmology. Trichiasis. In: Orbit, Eyelids and Lacrimal System. Section 7, 2008-2009; p. 213-4.

Literatura Sugerida Sartioli SS. Triquíase. In: Matayoshi S, Forno EA, Moura EM. Manual de Cirurgia Plástica Ocular. São Paulo: Roca, p. 51-65.


Ivana Cardoso Pereira • Tânia Pereira Nunes • Suzana Matayoshi

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Blefaroptose

Definição Blefaroptose ou ptose é a condição em que a borda palpebral superior está situada abaixo de sua posição normal de 2 mm, cobrindo o limbo superior em posição primária do olhar. Pode apresentar-se como uma simples alteração estética quanto um problema funcional grave, nos casos em que cobre o eixo visual. O paciente, de forma inconsciente, tenta compensá-la por meio de contração da musculatura frontal e músculos corrugadores ou adotando posição de cabeça, através da elevação do queixo (Fig. 1).

Propedêutica da blefaroptose História clínica É importante determinar a época de aparecimento da ptose (congênita ou adquirida), sendo que a análise de fotografias antigas é muito útil para afastar dúvidas em relação à informação

Fig. 1  Paciente com blefaroptose moderada e ausência do sulco palpebral à direita.

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283  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Blefaroptose do paciente. Deve-se avaliar também o tipo de evolução da ptose, já que a variação da intensidade relacionada com a fadiga muscular é muito sugestiva de miastenia gravis; os sinais e sintomas associados, já que a história de anidrose facial com miose ipsilateral confirma a ptose neurogênica característica da síndrome de Horner; os fatores predisponentes, como o uso de lentes de contato, realização de cirurgia oftalmológica ou trauma ocular; determinação de tratamentos prévios e história familiar.

Exame ocular Acuidade visual: determinação de eventual ambliopia. Motilidade ocular extrínseca: avaliar se há estrabismo associado e descartar a pseudoptose por hipotropia. Pesquisa do fenômeno de Marcus Gunn: execução de movimentos mandibulares pode desencadear o fenômeno. Pesquisa do fenômeno de Bell: pedir ao paciente que feche os olhos sem esforço, enquanto o examinador mantém suave oposição ao movimento. A resposta deve ser um movimento do globo ocular para cima e lateralmente (Fig. 2). Este dado é imprescindível para a programação cirúrgica, a fim de prevenir complicações, como a ceratite de exposição. Quantificação da ptose. 1) Medida da fenda palpebral (Fig. 3) e avaliação da borda palpebral em relação ao limbo: a fenda normalmente mede de 10 a 12 mm, a pálpebra superior comumente cobre 2 mm da córnea superior e a pálpebra inferior geralmente tangencia o limbo inferior. De acordo com Beard (Tabela I), a medida da intensidade da ptose permite classificar a ptose em três grupos: leve, moderada e grave. TABELA I  Classificação quanto à intensidade da ptose Intensidade da ptose

Medida

Distância borda/limbo (12 h)

Discreta

≤ 2 mm

Entre 2 e 4 mm

Moderada

Entre 2 e 4 mm

Entre 4 e 6 mm

Grave

> 4 mm

> 6 mm

Fig. 2  Pesquisa do fenômeno de Bell: neste caso o Bell é inverso.


284  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Blefaroptose

Fig. 3  Medida da fenda palpebral.

2) Distância entre a margem palpebral superior e o reflexo pupilar corneano (DMRP): é a distância em milímetros positivos da borda palpebral ao reflexo corneano (Fig. 4). Se a pálpebra cobre a pupila, ela é levantada pelo examinador e se estima o quanto a pálpebra está mais baixa em milímetros negativos. O normal mede entre 4 a 5 mm. Função do músculo levantador da pálpebra superior (MLPS): após a imobilização da musculatura frontal ipsilateral, solicita-se que o paciente olhe para baixo e depois para cima, medindo-se a excursão da pálpebra (Fig. 5). A função normal é de 15 a 17 mm de excursão e pode ser classificada segundo a sua qualidade em boa (≥ 8 mm), regular (5 a 7 mm) e pobre ≤ 4 mm). Posicionamento do sulco palpebral superior: sulco alto pode ser sinal de desinserção do tendão do MLPS; ausência de sulco é relacionada com baixa função de MLPS. Além disso, a avaliação do sulco é importante para o planejamento cirúrgico. Avaliação de deformidades associadas: blefarofimose, coloboma, dermatocálase, bolsas de gordura, cicatrizes, defeitos das margens ou dos cantos palpebrais. Exame das pupilas. Sensibilidade corneana e filme lacrimal.

Fig. 4  DMRP: distância entre a margem palpebral superior e o eixo pupilar.

Fig. 5  Excursão da pálpebra: bloquear a ação do frontal e pedir ao paciente para olhar para cima e para baixo.


285  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Blefaroptose Teste do gelo: pode auxiliar o diagnóstico de miastenia gravis: aplica-se gelo durante 2 a 5 minutos sobre a pálpebra superior – a melhora da ptose é consequente à melhora da transmissão neuromuscular por inibição da acetilcolinesterase em baixa temperatura. Testes farmacológicos: 1) Fármacos anticolinesterásicos (avaliação de miastenia gravis): –– Teste do tensilon (edrofônio) 10 mg EV: as primeiros 2 mg são injetadas em 15 a 30 s, o restante em 1 min, caso não haja outros efeitos. A ptose miastênica regride em minutos. –– Teste do prostigmine (neostigmina) 0,5 a 2 mg IM. 2) Teste da fenilefrina: avalia a quantidade de elevação da pálpebra com ptose, já que a degeneração da inervação simpática do músculo de Müller resulta em hipersensibilidade do mesmo aos agentes adrenérgicos. Após a instilação de fenilefrina, aguarda-se de 3 a 5 min para então medir a fenda palpebral. A pálpebra normal não se altera e a pálpebra afetada se eleva. Este teste é importante para se avaliar a eficácia da correção cirúrgica da ptose atuando-se no músculo de Müller.

Pseudoptose Algumas alterações podem simular uma ptose verdadeira, entre elas: Dermatocálase. Epicanto. Assimetria facial. Retração palpebral do olho contralateral. Hipotropia do olho em questão ou hipertropia do olho contralateral (Fig. 6). Síndrome de Duane. Enoftalmo. Exoftalmo contralateral.

Fig. 6  Pseudoptose por hipotropia OD.


286  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Blefaroptose Etiologia e classificação A ptose pode ser classificada de acordo com o tempo de seu aparecimento, classificando, portanto, em congênita (distrofia do MLPS na grande parte dos casos) ou adquirida (onde a etiologia involucional aponeurótica é a causa mais frequente). Uma classificação mais detalhada, no entanto, tem sido proposta para explicar os mecanismos fisiopatogênicos da ptose: miogênica, aponeurótica e neurogênica. (Frueh) A ptose traumática será abordada no Capítulo de Traumas Palpebrais.

Ptose miogênica Isolada (Congênita) Ocorre por alteração no músculo levantador da pálpebra superior (MLPS) que se encontra distrófico (diminuição de fibras musculares, fibrose ou infiltração gordurosa), diminuindo a capacidade de abertura da fenda palpebral, mas também com deficiência no relaxamento do MLPS. Corresponde a 60 a 70% de todos os casos de ptose, sendo que a bilateralidade está presente em 25% dos casos. As ptoses congênitas são simples em cerca de 75 a 80% dos casos.

Associadas Estrabismo Principalmente hipofunção do músculo reto superior; pode ainda haver associação com síndrome de Duane, Brown, etc.

Blefarofimose Deformidade congênita, autossômica dominante, com 100% de penetração. É constituída pelas seguintes manifestações clínicas: diminuição da fenda palpebral nos sentidos horizontal e vertical; ptose bilateral grave; epicanto inverso e telecanto. Quando não existe estrabismo, o tratamento cirúrgico desta síndrome obedece classicamente a uma ordem cronológica de procedimentos a serem realizados. Habitualmente inicia-se aos 3 anos de idade pela correção do telecanto e epicanto, seguida pela cirurgia da ptose. Deve-se aguardar o final da infância ou o início da adolescência para indicar os procedimentos complementares de correção das deformidades marginais. Na presença de constante posição de cabeça e risco de ambliopia, é aconselhado o tratamento da ptose mais precocemente, invertendo-se a ordem das prioridades.

Miopatias e Junção Neuromuscular Miastenia gravis: pode ocorrer em qualquer idade, mas prevalece entre 18 e 40 anos. Ocorre em consequência de lesão imunológica e perda de receptores de acetilcolina na junção


287  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Blefaroptose neuromuscular, provocando fatigabilidade progressiva da musculatura estriada, representada pela flutuação dos sinais e sintomas. Distrofia miotônica: degeneração heredofamiliar autossômica dominante, caracterizada por acometimento progressivo dos músculos das mãos, face, mastigação, deglutição, pescoço, quadril, músculos extraoculares, extensores e flexores do antebraço e pés. Consiste na contração muscular excessiva seguida de relaxamento bastante prolongado. O comprometimento do MLPS causa blefaroptose bilateral, sendo que acompanha também o lagoftalmo. Miopatia mitocondrial: alteração intracelular, sendo clinicamente semelhante à miastenia gravis, sendo a ptose bilateral e grave (Fig. 7). É importante salientar que pode haver comprometimento da oclusão palpebral devido à fraqueza do músculo orbicular. Oftalmoplegia externa progressiva: herança autossômica dominante, caracterizada pela ptose bilateral associada à oftalmoplegia de vários músculos extrínsecos.

Fig. 7  Ptose por miopatia mitocondrial.

Ptose aponeurótica Ocorre por dificuldade de transmissão da força do MLPS para a pálpebra. É o grupo mais frequente, com alterações que apresentam características próprias: chamada também de involucional, pois ocorre geralmente na terceira idade, associada à degeneração ou deiscência do tendão do MLPS com perda parcial ou total da inserção na face anterior do tarso (Fig. 6). Geralmente a função do MLPS é boa, o sulco palpebral é alto e não existe lid lag. Pode-se originar também após trauma ou inflamação crônica do olho e pálpebras (cirurgia, uveíte, uso prolongado de lentes de contato, blefarocálase).

Ptose neurogênica Ocorre por alterações inervacionais, sendo que são importantes 3 grupos: Síndrome de Marcus Gunn (sincinesia trigêmino-oculomotora): o fenômeno é responsável por 2 a 13% dos casos de ptose congênita. Trata-se de uma alteração congênita caracterizada pela interação da inervação do músculo pterigoide e do MLPS, sendo que a mastigação provoca a retração da pálpebra ptótica. Síndrome de Horner (paralisia oculossimpática): lesão da via simpática em seu trajeto em direção ao globo ocular e à órbita, provocando blefaroptose mínima (paralisia do músculo de Müller), miose e anidrose.


288  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Blefaroptose Paralisia do nervo oculomotor: o seu quadro clínico mais característico é constituído pela ptose palpebral associada à exotropia com grande limitação da adução, do abaixamento e da elevação palpebral e à anisocoria, determinada por midríase paralítica do lado afetado (Fig. 8). Existem várias causas associadas, entre elas a isquêmica, traumática, aneurismática e neoplásica. É muito importante verificar se a pupila foi poupada ou não nas paralisias do nervo oculomotor. As fibras pupilomotoras do III nervo situam-se nas camadas externas do nervo, estando mais próximas de seus vasos nutridores. Isso pode explicar a razão pela qual as fibras pupilomotoras são poupadas em 80% dos casos de isquemia mononeural, mas são afetadas em 95% dos casos compressivos.

Ptose mecânica Está relacionada com o aumento de peso palpebral (tumores) ou cicatrizes que interferem na mobilidade palpebral vertical (Fig. 9).

Tratamento O tratamento da ptose palpebral é cirúrgico, sendo a indicação funcional ou estética. É uma cirurgia eletiva, portanto, deve ser planejada, os riscos e benefícios avaliados criteriosamente. A escolha da técnica e o resultado final são influenciados pelo tipo de ptose, pelo tipo de

Fig. 8  Ptose por paralisia do III par à esquerda.

Fig. 9  Ptose mecânica por hemangioma.


289  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Blefaroptose cirurgia e técnica do cirurgião. Basicamente são três as modalidades cirúrgicas: a ressecção-reinserção do TMLPS; a ressecção do músculo de Müller (conjuntivomüllerectomia ou conjuntivotarsomüllerectomia) e a suspensão do músculo frontal.

Ptose miogênica simples Como regra geral, nas funções do MLPS abaixo de 4 mm, prefere-se a suspensão frontal, em funções acima de 4 mm opta-se pela ressecção do MLPS (Figs. 10 A e B). Nas funções acima de 8 a 10 mm pode-se optar pela reinserção do tendão do MLPS. A quantidade de MLPS a ser ressecada pode ser calculada baseando-se no grau de ptose e função do levantador. A Tabela II mostra um protocolo proposto por Beard que auxilia no momento cirúrgico. TABELA II  Protocolo para as ptoses congênitas Grau de ptose (mm)

Função do MLPS (mm)

Procedimento

Leve (1,5 a 2,0)

Boa (8,0 ou mais)

Ressecção 10 a 13 mm ou Fasanella-Servat

Moderada (3,0)

8,0 ou mais 5,0 a 7,0 Menor ou igual a 4,0

Ressecção 14 a 17 mm Ressecção 18 a 22 mm Ressecção acima de 23 mm

Grave (4,0 ou mais)

4,0 ou menos

Suspensão frontal ou ressecção acima de 23 mm Ressecção acima de 23 mm

5,0 a 7,0

Ptose miogênica associada a miopatias O procedimento de escolha nas miopatias é a suspensão frontal, que pode ser realizada com material autógeno (fáscia lata, fáscia temporal) ou material aloplástico (silicone). A fáscia lata é o padrão-ouro como material para a suspensão frontal, mas tem como dificuldade a necessidade de um segundo sítio cirúrgico (coxa do paciente), aumentando a morbidade do ato operatório.

Figs. 10 (A a B)  Ressecção do TMLPS. A. Tendão individualizado é apresentado com pinça de Berke, checando-se a quantidade a ressecar. B. Resseca-se a medida planejada.


290  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Blefaroptose

Fig. 11  Foto de paciente no pré e pós-operatório de correção de ptose palpebral.

Ptose aponeurótica A ptose involucional relacionada com degeneração ou deiscência do tendão do MLPS tem excelente resposta com a técnica de reinserção do tendão do MLPS (Fig. 11).

PTOSE POR PARALISIA DO III par Aguarda-se de 6 a 12 meses após a lesão, como período de recuperação. Deve-se corrigir primeiro o estrabismo. Como nesses casos a função do TMLPS é muito baixa ou nula, prefere-se a técnica de suspensão ao músculo frontal (Fig.12).

Ptose na síndrome de horner A ptose se dá por redução de inervação simpática, o que confere um quadro leve e que pode ser corrigido, geralmente, pela ressecção de tarsoconjuntiva e músculo de Müller (cirurgia de Fasanella-Servat) (Fig. 13).

Fig. 12  Técnica de suspensão ao músculo frontal.


291  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Blefaroptose

Fig. 13  Técnica de Fasanella-Servat.

Ptose mecânica O tratamento é direcionado à causa, como ressecção de massas e de tecido cicatricial, associada à reinserção do tendão do MLPS.

Complicações Hipocorreção Frente a uma hipocorreção significativa observada nos primeiros dias do pós-operatório, é aconselhável reintervir precocemente. Caso contrário, é mais prudente aguardar de 6 a 8 semanas para reoperar.

Hipercorreção Quando observada nos primeiros dias de pós-operatório, uma discreta hipercorreção pode ser tratada com medidas conservadoras, como massagens, contrações forçadas do músculo orbicular e eversões repetidas da pálpebra superior. Nas hipercorreções mais graves a conduta deve ser cirúrgica.

Lagoftalmo A presença de lagoftalmo não significa necessariamente hipercorreção. Aparece inevitavelmente após uma ressecção extensa ou uma suspensão frontal. Pode também ser decorrente da inclusão do septo da órbita junto ao levantador.

Irregularidade do sulco palpebral Apresenta-se habitualmente como uma assimetria, mas pode estar totalmente apagada.


292  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Blefaroptose Desequilíbrio da motilidade ocular A proximidade do tendão do MLPS com o músculo reto superior pode lesionar inadvertidamente esta estrutura durante a cirurgia.

Recorrência As causas mais frequentes são: rotura do fio ou faixa suspensora; degradação ou absorção do material biológico; deiscência da fixação da alça no tarso.

Entrópio e ectrópio O entrópio pode resultar de uma tarsectomia extensa ou da colocação baixa e profunda da fáscia lata. O ectrópio pode resultar de excesso de tensão nas suturas quando se procede à ressecção via conjuntival. Ambas as situações melhoram com massagens ou liberação das suturas.

Granulomas São observados mais frequentemente nos locais de enodamento das faixas suspensoras na região frontal.

Perda de cílios Dissecção excessiva e trauma cirúrgico nos folículos na tentativa de se expor o tarso anterior.

Prolapso conjuntival Resulta da secção dos ligamentos suspensórios do fórnice superior, nas grandes ressecções.

Hemorragia e infecção Bibliografia Almeida HC, Campos GB. Distrofia miotônica e suas manifestações neuroftalmológicas. Arq Bras Oftalmol, 1967; 30:473. Anderson RL, Gordy DD. Aponeurotic defects in congenital ptosis. Ophthalmology, 1979; 86:1493-99. Baroody M, Holds JB, Vick VL. Advances in the diagnosis and treatment of ptosis. Ophthalmology, 2005; 16(6):351-5.


293  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Blefaroptose Beard C. Examination and evaluation of ptosis patient. In: Smith BC. Ophthalmic Plastic and Reconstructive Surgery, 1st ed. St. Louis: Mosby, 1987. Callahan MA, Beard C. Beard’s Ptosis. 4th ed., Birmigham: Aesculapius, 1990. Crawford JS. Repair of ptosis using frontalis muscle and fascia lata: a 20-year review. Ophthalmic Surg, 1977; 8:31-40. Dortzbach RK, Sutula FC. Involutional blepharoptosis: a histopathological study. Arch Ophthalmol, 1980; 98:2045. Feibel R. Postcataract ptosis. Ophthalmol, 1992; 100:5. Friedenwald JS, Guyton JS. A simple ptosis operation: utilization of the frontalis by mean of a single rhomboid-shaped suture. Am J Ophthalmol, 1948; 31:411. Frueh BR. The mechanistic classification of ptosis. Ophthalmology, 1980; 87:1019-20. Golnik Kc, Pena R, Lee AG, Eggenberger ER. Na ice test for the diagnosis aid for myasthenia gravis. Ophthalmology, 1999; 106: 1282-6 Hecht SD. Blepharoptosis. Etiology and diagnostic evaluation. In: Stewar W (ed.). Ophthalmic Plastic and Reconstructive Surgery. San Francisco, 1984; p. 160-3. Kaplan LJ, Jaffe NS, Clayman HM. Ptosis and cataract surgery: a multivariant computer analysis of a perspective study. Ophthalmology, 1985; 92:237-42. Paris GL, Quickert MH. Disinsertion of the aponeurosis of the levator palpebralis superioris muscle after cataract extraction. Am J Ophthalmol, 1976; 81:337-40. Rush JA, Younge BR. Paralysis of cranial nerves III, IV and VI. Cause and prognosis in 1000 cases. Arch Ophthalmol, 1981; 34: 29-32. Shields M, Putterman A. Blepharoptosis correction. Otolar Head Neck Surg, 2003; 11(4):261-6. Soares EJC, Borato LM, França VP, Gusman JAC. Tratamento precoce da blefarofimose. Arq Bras Oftalmol, 1986; 46(6): 174. Torres MRF, Calixto N, Oliveira LR et al. Marcus Gunn Phenomenon: differential diagnosis of palpebral ptoses in children. J Pediatr, 2004; 80 (3):249-52.

Leituras Sugeridas Cruz, Antonio Augusto Velasco. Blefaroptoses e retrações palpebrais, Rio de Janeiro: Cultura Médica, 1998. Matayoshi S. Ptose palpebral. In: Matayoshi S, Forno E, Moura EM. Manual de Cirurgia Plástica Ocular, São Paulo: Roca, 2004; 9:387-107. Morax S, Nunes TP, Ben-Ayed H et al. Avaliação dos resultados cirúrgicos com a técnica da ressecção do músculo de Müller-conjuntiva no tratamento da blefaroptose. Arq Bras de Oftalmol, 2005; 68(3): 333-7.


Ana Rosa Pimentel de Figueiredo • Andros Pereira Fonseca Suzana Matayoshi

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Retração Palpebral

Clínica A retração palpebral é o deslocamento das pálpebras em direção ao rebordo ósseo correspondente, representada pela exposição de esclera entre o limbo e a margem palpebral (Fig. 1). Considerando a posição primária do olhar, a margem da pálpebra superior se encontra 2 mm abaixo do limbo superior e a distância entre ela e o reflexo corneal (DMR) é em torno de 4,5 mm; já a margem da pálpebra inferior em geral é tangente ao limbo inferior, mas sofre variações anatômicas em que tanto pode estar encobrindo 1 mm da córnea, inferiormente, quanto estar abaixo do limbo, levando à exposição escleral inferior, especialmente em órbitas rasas, com proeminência malar pouco pronunciada. O mecanismo fisiopatológico é o encurtamento da lamela posterior da pálpebra (retratores com ou sem envolvimento do septo e da conjuntiva), seja cicatricial, seja cinético. A etiologia pode ser local, sistêmica ou de origem no sistema nervoso central, e as mais comuns são: 1) orbitopatia de Graves; 2) compensação de ptose contralateral; 3) recuo dos retos verticais sem proteção aos ligamentos; 4) blefaroplastias intempestivas com trauma dos retratores e excisão exagerada de gordura; 5) sequela de trauma acidental; 6) sincinesia trigêmeo-oculomotor (síndrome de Marcus Gunn); 7) estímulo simpático temporário.

Fig. 1  Retração palpebral bilateral, maior à direita. Caso de orbitopatia distireoidiana.

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295  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Retração Palpebral Dependendo da quantidade de retração pode-se observar concomitantemente lagoftalmo e ceratite de exposição. As consequências da retração podem variar desde um discreto desconforto estético até a ameaça de perda de visão e do globo ocular. Durante a propedêutica para retração palpebral, além da medida das fendas, devem ser consideradas as medidas relacionadas à dinâmica, ou seja, a posição das pálpebras nos movimentos versionais bem como a exoftalmometria. Fotografias antigas e recentes também devem ser consultadas para se conhecer as relações palpebrais prévias à suposta patologia. Pálpebras superiores e infraversão: a pálpebra superior acompanha o movimento descendente do bulbo e mantém sua relação com a córnea praticamente no mesmo nível que o da posição primária do olhar. Quando há afrouxamento do sistema tarsoligamentar e da aponeurose, a margem fica em nível mais inferior e é um sinal típico da ptose involucional. Quando há qualquer tipo de força restritiva atuando na pálpebra superior, ela não é capaz de acompanhar a excursão do olho para baixo e deixa exposto o limbo superior e, às vezes, a esclera, sendo mais um sinal da retração cicatricial, fazendo diferencial com a retração inervacional, que não obedece a leis do movimento conjugado do olhar. Pálpebras inferiores e supraversão: a pálpebra inferior não tem um movimento ativo de elevação e depressão. Embora o músculo tarsal tenha ação de retrator, a excursão da pálpebra inferior é feita basicamente pela transmissão do movimento do reto inferior através de suas bainhas e ligamento capsulopalpebral. A margem da pálpebra inferior em geral é tangente ao limbo inferior e sua obliquidade lateral sofre influência da forma óssea da órbita e adjacências. A sua excursão na infraversão é suficiente para manter liberado o eixo visual, mas a margem praticamente encobre o terço inferior da córnea. A excursão na supraversão é também pequena, mas uma exposição escleral maior que 5 mm durante o olhar para cima leva à suspeita de retração cicatricial. Há ainda uma entidade clínica pouco reconhecida que é a chamada ptose da pálpebra inferior, quando a margem palpebral sobe quase no nível da pupila e tem mecanismo pouco claro, mas ligado a uma desconexão dos retratores inferiores, geralmente após cirurgia intraocular. Retração palpebral e orbitopatia de Graves: a orbitopatia de Graves é a causa mais comum da retração palpebral, tanto na superior quanto na inferior, sendo encontrada em até 90% dos pacientes durante o curso de sua doença. Um achado comum na doença de Graves é o flare lateral, o qual consiste em uma retração mais intensa na parte lateral da pálpebra. Várias hipóteses foram levantadas para explicar a retração na doença de Graves, entre as mais aceitas encontram-se as alterações secundárias à infiltração inflamatória e contração fibrosa do músculo elevador e músculo de Müller, além de hiperestimulação simpática desses músculos. Outros fatores que poderiam contribuir são a hiperação do levantador associado sincineticamente à hiperação do reto superior, devido à restrição do reto inferior e hipertrofia do músculo levantador palpebral com aumento da força muscular. Além disso, a própria proptose do globo ocular aumenta a exposição escleral. Retração palpebral e ptose contralateral: uma ptose adquirida unilateral pode levar à retração da pálpebra superior contralateral pela lei de inervação simultânea (lei de Hering). É uma situação relativamente frequente e que pode levar a erro de conduta cirúrgica. A oclusão do lado com ptose ou a elevação manual da pálpebra ptótica faz com que a retração contralateral desapareça. Outra observação semiótica é que durante a infraversão, a retração palpebral se manifesta com uma posição mais alta da margem, sem acompanhar a descida do olho, em relação ao lado da ptose, e a prega palpebral continua muito marcada em relação ao lado da


296  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Retração Palpebral ptose que tem a tendência a ser mais apagada. Vale ressaltar que isso ocorre quando se faz o diferencial entre condições adquiridas, uma vez que na distrofia congênita do músculo elevador, além da ptose em posição primária existe uma retração desta pálpebra durante a infraversão, o que é considerado um sinal clássico da ptose distrófica congênita e explicado pela incapacidade de contração e de relaxamento das fibras musculares. Retração palpebral e cirurgia do estrabismo vertical: a retração pode ser causada pelo recuo dos retos verticais devido à falta de cuidado na dissecção e na reposição das conexões anatômicas entre o reto superior e o músculo elevador na pálpebra superior e entre o reto inferior e a fáscia capsulopalpebral na pálpebra inferior. Retração palpebral e blefaroplastia: mais comum na pálpebra inferior, a retração que se reconhece como scleral show muitas vezes aparece em pacientes cujo resultado da blefaroplastia foi considerado excelente, e pode ser de grande magnitude a ponto de desenvolver lagoftalmo e distopia do canto lateral (canto arredondado) (Fig. 2). Indivíduos com órbitas rasas e flacidez horizontal são mais predispostos a este tipo de complicação, quando sofrem cirurgias agressivas sobre os retratores e as bolsas de gordura. A retração da pálpebra superior tende a ocorrer mais pela excisão exagerada de pele e tração do SMAS periorbital da ritidoplastia.

Fig. 2  Retração palpebral inferior pós-blefaroplastia, apresentando ectrópio de pontos lacrimais.

Tratamento o tratamento da retração deve ser baseado no seu mecanismo fisiopatológico. Em uma grande parte dos casos, colírios e pomadas lubrificantes serão suficientes para controlar os sintomas causados pela exposição corneana. Casos leves de retração na orbitopatia de Graves e pós-blefaroplastia inferior podem regredir espontaneamente. A retração palpebral, principalmente na orbitopatia distireoidiana, só deve ser operada após 6 meses de estabilização do quadro onde não se observa mais mudança nas medidas da distancia margem-reflexo. Os pacientes devem ser ainda orientados quanto a possibilidade de mais de uma cirurgia para resolução do quadro. Várias técnicas cirúrgicas são descritas para correção da retração palpebral, a maioria delas intervindo nos retratores das pálpebras, com ou sem o uso de espaçadores. 1) Correção da retração da pálpebra superior: as cirurgias se baseiam no enfraquecimento do músculo de Müller e/ou do músculo levantador da pálpebra superior, sendo possíveis várias abordagens para essa finalidade. As mais utilizadas são a müllerectomia via posterior e a müllerectomia associada ao alongamento da aponeurose vias anterior ou posterior. Müllerectomia: pequenas retrações, em torno de 2 a 3 mm, podem ser corrigidas pela müllerectomia. Após a infiltração anestésica, é colocado um reparo na margem palpebral para everter a pálpebra sobre o retrator de Desmarres. Uma incisão conjuntival ao nível da borda superior do tarso permite o acesso ao músculo de Müller que é dissecado de suas aderências a aponeuros


297  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Retração Palpebral e à conjuntiva, em direção ao fórnice superior e ressecado (Fig. 3). A conjuntiva pode ser aproximada da borda tarsal com sutura contínua de Nylon 8-0 com as pontas exteriorizadas pela pele. Cirurgia da aponeurose: o recuo simples da aponeurose, com ou sem sutura hang-back (alça frouxa), pode ser realizado via posterior ou anterior (Fig. 4), associado ou não à müllerectomia, mas se a proposta for um alongamento com miotomias planejadas (Fig. 5) ou através de espaçadores entre o tarso e a aponeurose, a via anterior é a preferencial. Os espaçadores mais usados em nosso meio são a esclera e dura-máter conservadas, fáscia lata, fáscia temporal. A cartilagem auricular e os materiais aloplásticos mostram-se muito rígidos para o uso na pálpebra superior. Na retração palpebral superior com flare temporal (aumento lateral da fenda vertical), comum na orbitopatia de Graves, o corno lateral da aponeurose deve ser completamente liberado de sua expansão para o retináculo lateral, com ou sem cantoplastia. 2) Correção da retração da pálpebra inferior: as técnicas propostas são dirigidas para o mecanismo fisiopatológico. Nas retrações iatrogênicas, pós-blefaroplastia, que não se normalizam espontaneamente, quase sempre é necessário um procedimento complementar com o levantamento malar (Soof Lift), interposição de espaçadores entre a borda inferior do tarso e os retratores, ou mesmo a enxertia livre de pele (Fig. 6). Nas pálpebras inferiores a cartilagem autógena e o palato duro são boas opções para espaçadores.

Fig. 3  Müllerectomia.

Fig. 4  Retrocesso da aponeurose do MLPS.

Fig. 5  Alongamento da aponeurose do MLPS – Técnica de Soares.


298  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Retração Palpebral

Fig. 6  Retração palpebral: interposição de enxerto cutâneo na pálpebra inferior.

Bibliografia Bartley GB. The epidemiologic characteristics and clinical course of ophthalmopathy associated with autoimmune thyroid disease in Olmsted County, Minnesota. Trans Am Ophthalmol Soc, 1994; 92: 477-588. Chang, Eli L MD, Rubin, Peter A. D Upper and Lower Eyelid Retraction. International Ophthalmology Clinics. (C) 2002. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, Spring, 2002; 42(2):45-59. Cruz AAV, Baccega A. Análise bidimensional computadorizada da fenda palpebral. Arq ras Oftalmol, 2001; 64:13-9. Harvey JT, Corin S, Nixon D et al. Modified levator aponeurosis recession for upper eyelid retraction in Graves’ disease. Ophthalmic Surg, 1991; 22:313-17. Lemke BN. Anatomic considerations in upper eyelid retraction. Ophthal Plast Reconstr Surg, 1991; 7:158-66. Monteiro MLR et al. Orbitopatia distireoidiana In: Soares EJC, Moura EM, Gonçalves JOR Cirurgia Plástica Ocular. São Paulo: Roca, 1996; pp. 374-403.

Literatura Sugerida Morax S, Touitou V. Complications of blepharoplasty. Orbit, 2006; 25(4):303-18. Pak J, Putterman AM. Revisional eyelid surgery: treatment of severe postblepharoplasty lower eyelid retraction. Facial Plast Surg Clin North Am, 2005; 13(4): 561-9.


Eliana Aparecida Forno • Ivana Lopes Romero • Marcos Carvalho Cunha

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Paralisia Facial Periférica

Introdução A paralisia facial periférica leva à privação dos movimentos faciais causando o lagoftalmo paralítico e tornando importante a presença do oftalmologista na equipe multidisciplinar que prestará assistência a esse tipo de paciente, uma vez que o fechamento incompleto das pálpebras pode levar à exposição corneana, ocasionando não só desconforto, mas também ulcerações e até perfuração ocular com prejuízo da função visual. A compreensão da anatomia do nervo facial e da etiologia da paralisia facial é essencial para o tratamento da afecção.

Anatomia O nervo facial (VII par) tem quatro núcleos com 4 funções importantes: O núcleo facial motor controla os músculos da expressão facial, incluindo o músculo orbicular, sendo esta sua principal função. O núcleo salivatório superior envia fibras para as glândulas lacrimal e salivar. O núcleo solitário recebe impulsos gustativos originados nos 2/3 anteriores da língua. O núcleo sensor trigeminal recebe fibras sensoriais de uma pequena porção da orelha externa. O VII par craniano é um nervo que, apesar de misto, é essencialmente motor, sendo composto por aproximadamente 10.000 fibras neurais, das quais 7.000 são axônios motores. Os corpos neurais do nervo facial encontram-se agrupados no núcleo localizado na ponte e a partir daí, seus axônios estendem-se pelo ângulo cerebelo-pontino, osso temporal e glândula parótida, até chegar a um grupo de fibras musculares na face.

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300  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Paralisia Facial Periférica Diferentemente dos outros nervos cranianos, o nervo facial tem um longo trajeto no interior do osso temporal (cerca de 35 mm), estando sujeito a processos inflamatórios de causas múltiplas (traumas, processos infecciosos virais ou bacterianos e outros). Além disso, este nervo relaciona-se anatomicamente com outras estruturas, como outros nervos cranianos (V e VIII), orelhas interna e média, pavilhão auricular, mandíbula e parótida, o que contribui para a maior diversidade de fatores etiológicos para a paralisia facial periférica (PFP). O nervo facial é dividido em segmentos: endocraniano, endotemporal e exocraniano. O segmento endocraniano vai do núcleo de origem real, na ponte, até o orifício acústico interno. O segmento endotemporal compreende o trajeto do nervo ao longo do osso temporal e estende-se até o forame estilomastóideo. O segmento exocraniano é o mais periférico e também o mais extenso, indo do forame estilomastóideo até as terminações mais periféricas. Nessa porção, há passagem do nervo facial no interior da glândula parótida, da qual emergem os ramos terminais: temporal, zigomático, bucal, mandibular e cervical. No final do segmento endotemporal encontra-se o gânglio geniculado, sendo que nesse ponto originam-se o primeiro ramo do nervo facial, o nervo petroso superficial maior, que conduz fibras do nervo intermédio e que se une com o ramo petroso profundo, formando o nervo do canal pterigóideo. Este termina no gânglio pterigopalatino e conduz fibras parassimpáticas para a glândula lacrimal. Por esse motivo, o quadro de PFP pode ser agravado quando o comprometimento do nervo facial ocorre pré-gânglio geniculado, havendo, portanto, diminuição da produção de lágrima no lado afetado.

Etiologia Em qualquer ponto de seu longo trajeto, o nervo facial pode ser lesionado por processos diversos. A etiologia da PFP pode ser classificada em:

Idiopática A paralisia idiopática foi, durante muito tempo, sinônimo da paralisia de Bell, sendo um diagnóstico de exclusão e a causa mais comum de paralisia em todo mundo. Caracteriza-se por ser uma forma de paralisia da hemiface, aguda, não contagiosa, isolada ou acompanhada de cefaleia, redução da produção de lágrima e hiperacusia. O quadro frequentemente melhora em até 6 meses. Apesar de a grande maioria dos pacientes recuperarem a função facial, alguns podem ficar com paralisia permanente. Existem inúmeras causas propostas para explicar a etiopatogenia da paralisia de Bell, entre elas a causa viral (infecções pelo herpes simples tipos 1 e 2, além de varicela-zóster) parece ser a mais forte e há muitos trabalhos que pesquisaram a presença do DNA desses vírus através do método de reação em cadeia da polimerase no líquido cefalorraquidiano, secreção lacrimal, saliva e gânglio geniculado.

Infecciosa Pode ser causada por agentes bacterianos ou virais. As infecções bacterianas podem ser divididas em sistêmicas (hanseníase, Lyme, Lues) e locais (otites).


301  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Paralisia Facial Periférica Dentro das infecções virais, destaca-se a síndrome de Ramsay-Hunt que corresponde a uma infecção por herpes zóster e caracteriza-se por paralisia facial dolorosa, além de vesículas e bolhas no pavilhão auditivo.

Traumática Entre as diversas causas de PFP, a etiologia traumática assume grande importância nos dias atuais, pela elevada incidência de acidentes automobilísticos e de agressões físicas, principalmente nos grandes centros urbanos. No Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo cerca de 30% dos casos de PFP correspondem a causas traumáticas, tendo como principais representantes fraturas de crânio e ferimentos por projéteis de arma de fogo.

Neoplásica O nervo facial pode ser afetado por diversas neoplasias do próprio nervo ou de estruturas vizinhas a ele. A causa neoplásica mais comum é o neurinoma do acústico.

Vascular Alguns casos de PFP podem ocorrer devido a uma vasculite dos vasos sanguíneos que nutrem o nervo facial. Isso promove hipóxia que leva ao quadro de edema na bainha do nervo, bloqueando a condução nervosa axonal. São causas vasculares: granulomatose de Wegener, poliarterite nodosa e crises hipertensivas. Sabe-se que a hipertensão permanente leva a uma doença arteriolar com espessamento vascular e menor fluxo sanguíneo local.

Metabólica São consideradas causas metabólicas de PFP: diabetes melito, hipotireoidismo e gestação. Nesta, a ocorrência de PFP é 3 vezes mais frequente que na população geral e é mais comum durante o último trimestre de gestação.

Epidemiologia Não existem muitos trabalhos nacionais sobre epidemiologia da paralisia de Bell. Um estudo realizado em 2001 com 180 pacientes mostrou ligeiro predomínio do sexo feminino e acometimento do lado esquerdo da face em aproximadamente 56% dos casos. Quanto à faixa etária, foram observados dois picos de incidência: um na 3a e 4a décadas e outro na 6a década de vida. Em 8 pacientes a paralisia aconteceu na gestação ou no pós-parto; nas pacientes grávidas, 80% apresentaram o quadro no 3o trimestre de gestação. Outro levantamento realizado no Reino Unido em 2002 com 2.473 pacientes no período de 1992 a 1996, mostrou que 50,7% eram do sexo feminino e a incidência média de paralisia de Bell foi de 20,2/100.000 habitantes em cada ano de seguimento. A incidência aumentou com a idade, sendo de 31,6/100.000 habitantes em cada ano de seguimento em indivíduos com mais de 75 anos.


302  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Paralisia Facial Periférica Quadro clínico O quadro clínico da paralisia facial instala-se subitamente, acometendo apenas um dos lados causando assimetria de face. Quando a paralisia é periférica, toda a hemiface está comprometida, quando ela é central, a região frontal é poupada. Na paralisia de Bell, em geral, os pacientes se recuperam em algumas semanas; entretanto, nos casos de tumores, cirurgias ou traumas, a recuperação é mais lenta ou a lesão pode ser permanente. Ocorre um apagamento das rugas da região frontal e do sulco nasogeniano, queda do supercílio, da pálpebra inferior e da região geniana, retração da pálpebra superior e desvio da comissura labial para o lado são. O paciente não consegue assobiar, nem soprar e pode ter dificuldade ao falar. Em alguns casos, ocorrem alterações no paladar e na audição. Os graus de acometimento são variáveis, porém, as alterações acentuam-se quando os músculos do lado contralateral sadio entram em ação. Deve-se sempre lembrar que esses pacientes apresentam desconforto físico e emocional, pois as alterações cosméticas são muito evidentes. As alterações oftalmológicas resultam da paralisia do músculo orbicular, sendo a principal o lagoftalmo e serão discutidas a seguir: Supercílio: há ptose, com prejuízo somente estético e não funcional. Pálpebra superior: apresenta retração, com impossibilidade de fechamento palpebral (lagoftalmo) pois o músculo orbicular está parético e há supremacia de seu antagonista, o músculo levantador da pálpebra superior. Pálpebra inferior: há frouxidão e atonia, que piora o lagoftalmo com a impossibilidade de elevação da pálpebra. Observa-se exposição escleral inferior que também causa prejuízo cosmético. Nos pacientes com flacidez palpebral prévia, instala-se o ectrópio paralítico em graus variáveis. Vias lacrimais: o lacrimejamento é uma queixa frequente e pode acontecer por dois mecanismos: insuficiência de drenagem ou excesso de produção. O primeiro ocorre em pacientes com ectrópio de ponto lacrimal ou devido à hipotonia do músculo orbicular, que impede o adequado funcionamento da “bomba lacrimal”. O segundo ocorre pela presença de lesões corneais que levam à exposição das terminações nervosas localizadas abaixo do epitélio, estimulando o lacrimejamento reflexo. Córnea: há exposição corneana que é a consequência mais grave do lagoftalmo. Observam-se desde leve ceratite nos casos mais brandos, com fenômeno de Bell presente, até grandes úlceras de córnea, principalmente quando há comprometimento do V par craniano, uma vez que há diminuição da produção de lágrimas. Concomitantemente, estas úlceras quando não tratadas aprofundam, podendo infectar, perfurar e causar endoftalmite com perda irreparável da visão e do bulbo ocular.

Diagnóstico O diagnóstico da PFP é feito mediante análise do quadro clínico, que é bem característico. É importante, durante o exame oftalmológico, avaliar a acuidade visual, intensidade do lagoftalmo, fenômeno de Bell, sensibilidade corneana, filme lacrimal e integridade da córnea.


303  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Paralisia Facial Periférica A acuidade visual é um importante indicativo das condição corneana, uma vez que esta é responsável por aproximadamente 70% do poder dióptrico ocular. Além disso, aliada a outros achados, auxilia o médico a optar por determinado tratamento. A intensidade do lagoftalmo deve ser avaliada pedindo-se ao paciente que pisque normalmente e em seguida que pisque realizando o máximo de força. A medida vertical do lagoftalmo com régua milimetrada na direção da pupila é uma forma objetiva de acompanhar se há ou não melhora no fechamento palpebral. Durante essa avaliação, o médico pode observar se o reflexo de Bell está presente ou não, aplicando força para tentar afastar as pálpebras, enquanto o paciente tenta mantê-las fechadas. Esse reflexo protetor que roda o globo ocular para cima e para fora no fechamento palpebral, é fundamental na escolha terapêutica. A sensibilidade da córnea pode estar alterada em algumas situações como infecções por herpes ou após neurocirurgias, auxiliando na investigação etiológica. No entanto, a diminuição da sensibilidade corneana deve ser um importante alerta para o médico, uma vez que esses pacientes podem apresentar comprometimento da córnea sem queixas compatíveis com o quadro observado e rápida progressão da lesão corneana. A análise do filme lacrimal pode ser feita através do teste de Schirmer e tempo de ruptura do filme lacrimal. O primeiro avalia a quantidade de lágrima e o segundo, o tempo de evaporação. Essa análise deve ser realizada devido a presença de olho seco associado ao quadro de PFP, principalmente nos casos onde a lesão do nervo facial está localizada pré-gânglio geniculado. Por fim, o exame da córnea e sua integridade é facilitado pelo uso de colírios como fluoresceína e rosa-bengala, os quais coram áreas de defeito epitelial, erosões ou úlceras.

Prognóstico São indicadores de pior prognóstico na paralisia de Bell: Lesão completa do nervo facial Ausência de recuperação do quadro após 3 semanas Idade superior a 60 anos Dor Síndrome de Ramsay-Hunt Outras condições associadas: hipertensão, diabetes e gravidez Degeneração grave do nervo facial evidenciada por testes eletrofisiológicos

Sequelas e sincinesia A incidência de sequelas (paresia, contratura, olho seco entre outras) após episódio de PFP é variável, situando-se entre 9,1% e 19%. Sincinesia corresponde à associação de movimentos musculares involuntários não coordenados (indesejados) com movimentos voluntários (desejados) resultantes de regeneração aberrante, sendo a óculo-oral a mais frequente. Regeneração aberrante do nervo facial é


304  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Paralisia Facial Periférica infrequente e sua incidência atual é desconhecida. De forma similar às sequelas, ocorrem após lesões completas do nervo facial. A toxina botulínica tipo A pode ser utilizada para aliviar os sintomas de sincinesia (ver o Capítulo Discinesias). Alguns autores propõem uso de menores doses (40 unidades) com menos efeitos colaterais e bons resultados terapêuticos.

Assimetria facial A assimetria facial com os movimentos dinâmicos parece o maior problema para os pacientes com paralisia facial a longo prazo. Cirurgia para enfraquecimento do nervo facial contralateral e quimiodenervação na hemiface não afetada com toxina botulínica tipo A são opções terapêuticas nessas situações.

Tratamento O objetivo do tratamento é a reabilitação oculoplástica que confere proteção e integridade do bulbo ocular. É necessário estabelecer o grau de gravidade do comprometimento ocular para adoção dos cuidados oculares adequados que serão didaticamente divididos em medidas clínicas e procedimentos cirúrgicos.

Tratamento clínico Conservador A proteção corneana é o objetivo primário da terapia. Frequentemente o terço inferior da córnea é o mais afetado, dependendo do grau do lagoftalmo. A lubrificação intensiva com lágrimas artificiais é a principal forma de tratamento nas fases precoces. Essa pode ser realizada através de lágrimas artificiais com conservantes ou livre de preservativos durante o dia e com gel durante a noite, associado à oclusão palpebral com micropore® para prevenir exposição e trauma durante o sono. Os colírios lubrificantes com conservantes devem ser utilizados, no máximo, 4 vezes ao dia, em contrapartida aqueles livres de conservantes podem ser usados ininterruptamente. Em pacientes, nos quais a produção lacrimal está reduzida, a oclusão do ponto lacrimal com tampões de silicone ou de material acrílico termossensível pode ser uma medida benéfica, sendo esse método facilmente reversível. Medicamentoso: a) Toxina botulínica: a utilização de injeções de toxina botulínica tipo A mostrou ter importante papel na indução de ptose temporária (duração média de 46 dias). Estrabismo e diplopia são possíveis efeitos colaterais do uso da toxina. b) Esteroides e aciclovir oral: é bem documentado na literatura que pacientes com PFP incompleta apresentam melhora sem tratamento, uma vez que a maioria recupera-se espontaneamente. O uso de terapia medicamentosa na forma de esteroides e aciclovir oral


305  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Paralisia Facial Periférica permanece controverso. Alguns estudos sugerem que uma resposta imune mediada por células ocorra diante de uma infecção viral nos quadros de paralisia de Bell. Dessa forma, é razoável aceitar que o tratamento com esteroides orais para paralisia de Bell possa ser benéfico. Geralmente 1 mg/kg de peso de prednisolona oral é dado por 6 dias, sendo que essa dose é reduzida lentamente nos dias seguintes. A maioria dos estudos clínicos com esteroides não mostrou benefícios e apenas um demonstrou diminuição na incidência de sincinesia, embora não alterasse o tempo de recuperação. Existem muitos trabalhos na literatura que sugerem uma etiologia viral para a paralisia de Bell, sendo, por isso, utilizado aciclovir oral no regime terapêutico. Esse fármaco inibe a replicação viral por atuar na enzima DNA polimerase do vírus e para que o tratamento seja efetivo precisa ser iniciado em até 3 dias do início do quadro. De maneira geral, o tratamento combinado de aciclovir (5 comprimidos de 400 mg por dia) e prednisolona (mínimo de 60 mg por dia na fase de ataque) durante 10 dias foi significativamente melhor na recuperação da paralisia facial do que a monoterapia com esteroides. A terapia combinada também foi superior à monoterapia para prevenir a degeneração do nervo. Por outro lado, a monoterapia com aciclovir foi bem menos efetiva que a monoterapia com esteroides, sendo por esse motivo não recomendada.

Tratamento cirúrgico Quando as medidas clínicas não são eficazes para manutenção da integridade ocular ou quando a recuperação do quadro de PFP não ocorreu, o tratamento cirúrgico se faz necessário. Serão abordados os procedimentos: tarsorrafia, oclusão definitiva dos pontos lacrimais, peso de ouro na pálpebra superior e tratamento do ectrópio paralítico. Tarsorrafia: é um tratamento eficiente, simples e seguro, embora menos empregado atualmente devido à utilização de outras técnicas. Pode ser realizado com suturas ou através do uso de adesivos de cianoacrilato, podendo ser um procedimento temporário ou permanente. A tarsorrafia lateral permanente de 4 mm reduz em 25% a exposição causada pelo lagoftalmo, sendo que o aumento da extensão pode causar comprometimento estético sem promover melhora da oclusão. Esse procedimento continua sendo uma importante opção de tratamento para os pacientes nos quais a terapia medicamentosa não apresenta bons resultados e cuja função da glândula lacrimal é pobre. Inicialmente, faz-se uma incisão na linha cinzenta, dividindo-se a pálpebra em duas lamelas com aproximadamente 3 mm de profundidade. Outra incisão idêntica deve ser feita na pálpebra oposta. Confeccionam-se duas pequenas incisões perpendiculares as iniciais na borda palpebral, obtendo-se a configuração de um H. Passam-se pontos de um fio absorvível 6,0 na lamela posterior, na meia espessura do tarso. Posteriormente, passa-se um ponto de seda 4,0 em U através das duas lamelas, utilizando-se protetores de silicone ou borracha. Essa sutura confere grande resistência à adesão palpebral e deve permanecer por um período de 3 semanas. Por fim, sutura-se a lamela anterior com pontos de fio 6,0. (Fig. 1) Oclusão definitiva dos pontos lacrimais: essa técnica pode ser utilizada nos quadros de PFP principalmente nos pacientes com redução na produção de lágrimas, porém tal medida deve ser evitada nas fases precoces, optando-se pela oclusão temporária com tampões de silicone e outros por se tratar de um procedimento reversível.


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Fig. 1  Tarsorrafia definitiva.

É bem conhecido o quadro de PFP associado às “lágrimas de crocodilo”, sendo este resultado de regeneração aberrante das fibras parassimpáticas pós-ganglionares. Nessas situações, há excesso de lacrimejamento que é exacerbado durante a mastigação. Embora seja uma condição rara, pode estar presente principalmente nas paralisias faciais incompletas ou após cirurgia para neurinoma do acústico. Dessa forma, a oclusão definitiva agravaria os sintomas, devendo esta medida ser tomada com cautela. A oclusão definitiva dos pontos lacrimais pode ser feita através de cauterização térmica associada à anestesia tópica e infiltrativa. Colocação de peso de ouro na pálpebra superior Esta opção tem substituído a tarsorrafia como um dos tratamentos mais frequentes utilizados em pacientes com paralisia facial. O peso de ouro não deve alterar a abertura da fenda palpebral e geralmente produz melhor oclusão do olho, podendo ser deixado permanentemente. Os pesos são fabricados com ouro puro (99,99%) e são ligeiramente curvos para acompanhar a forma anatômica da pálpebra superior. As dimensões são geralmente de 11 mm de comprimento, 4 mm de altura e 1 mm de espessura. Três orifícios são feitos no peso para sua fixação na placa tarsal. Os pesos variam de 0,6 a 1,6 g com incrementos de 0,2g (Fig. 2). O peso apropriado é escolhido através de sua fixação e centragem prévia na pálpebra superior com tintura de benjoim. O peso ideal deve deixar a pálpebra superior 2 mm abaixo do limbo, quando o olho estiver aberto e proporcionar fechamento completo do olho no piscar. O peso de ouro é colocado entre a superfície anterior da placa tarsal e músculo orbicular. Anestesia local é realizada de maneira habitual com cloridrato de lidocaína a 2% com epinefrina na pálpebra superior. É recomendável incisão na pele 3 a 4 mm abaixo da borda superior do tarso para evitar desinserção do tendão do levantador da pálpebra superior o que


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Fig. 2  Diferentes pesos de ouro.

Fig. 3  Etapas cirúrgicas do implante de peso de ouro.

poderia causar ptose. Uma sutura de seda 4,0 é colocada na margem palpebral para promover tração inferior durante a cirurgia. É feita uma incisão na pele e no músculo orbicular, horizontalmente com lâmina de bisturi 15. O espaço pré-tarsal é dissecado com tesoura. O peso de ouro, previamente escolhido, é centrado na área tarsal desnuda e fixado com três pontos de vicryl 6,0. O músculo orbicular é fechado meticulosamente com 3 ou 4 suturas simples de vicryl 6,0. A sutura de tração é removida e a pele é suturada com fio de seda ou nylon 6,0 (Fig. 3). São raras as complicações com esta técnica, das quais destacam-se erosão da pele, extrusão ou deslocamento do implante e insatisfação cosmética (Figs. 4 A e B). Reserva-se esta técnica para casos de recuperação lenta ou mesmo irreversível da paralisia facial, podendo-se remover o peso se o paciente apresentar melhora da função facial.


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Figs. 4 (A e B)  Complicações do uso do peso de ouro. A. Deslocamento. B. Extrusão.

Correção do ectrópio paralítico O ectrópio da pálpebra inferior é corrigido através do encurtamento horizontal da pálpebra. Realiza-se usualmente a técnica de Bick ou do retalho tarsal. Observa-se inicialmente a tensão do tendão lateral. Apreende-se a pálpebra com os dedos polegar e indicador tracionando-a. Caso haja frouxidão exagerada do tendão, opta-se pelo retalho tarsal. Se o tendão estiver firmemente aderido ao osso zigomático, com boa tensão, opta-se pela técnica de Bick (ver também Capítulo de Ectrópio) A técnica de Bick consiste na ressecção de um segmento em formato de pentágono de toda espessura da pálpebra inferior com cerca de 5 a 8 mm de comprimento, sendo geralmente realizada no local das junções dos terços central e lateral. O defeito é fechado com suturas por planos: tarso, pele e músculo orbicular. A técnica do retalho tarsal ou tarsal strip corresponde a realização de uma cantotomia lateral de aproximadamente 6 mm de comprimento até o periósteo, sob anestesia local. O tendão inferior é seccionado com tesoura, liberando a pálpebra inferior. A pálpebra inferior é separada por 1 cm em duas lamelas, uma anterior, composta de pele e músculo orbicular e outra posterior, com tarso e conjuntiva. A conjuntiva tarsal é removida através de raspagem usando-se lâmina de bisturi. O tarso é seccionado horizontalmente, 4 mm abaixo da margem, conformando o retalho. Uma pinça de fixação prende e posiciona o retalho junto ao periósteo, de maneira a ser calculada a quantidade de ressecção a ser realizada. Uma sutura em “U” com fio de nylon 6,0 e colocada firmemente na reborda interna do osso zigomático englobando periósteo e retalho tarsal. O excesso de pele e margem palpebral são ressecados. Para refazer o ângulo do canto lateral, reavivam-se 2 mm da margem palpebral superior que é unida ao tarso inferior com uma sutura simples utilizando fio de seda 6,0. Por fim, sutura-se a pele com fio de seda 6,0 (Fig. 5). Correção de retração palpebral inferior Pode ser utilizada a técnica de implante de cartilagem auricular. A cartilagem é obtida da região da escafa auricular através de uma incisão posterior (Fig. 6). Coleta-se um espécime de aproximadamente 3 a 4 mm de largura por 20 a 25 mm de altura. Faz-se uma incisão subciliar de aproximadamente 5 mm no centro da pálpebra inferior e expõe-se a base do tarso inferior. Disseca-se um túnel no plano submuscular em direção à reborda orbitaria inferior onde será inserida a cartilagem. Coloca-se a cartilagem como um “pé direito” ou “coluna” apoiada inferiormente na reborda óssea e superiormente na placa tarsal inferior onde é fixada com um ponto em “X” de nylon 6,0. A altura da cartilagem pode ser ajustada no intraoperatório ressecando-se a porção inferior, até que se obtenha a altura adequada. Não e necessário fixar a cartilagem inferiormente. Frequentemente, associa-se esta técnica ao retalho tarsal para corrigir a flacidez horizontal da pálpebra (Fig. 7).


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Fig. 5  Tarsal strip.

Fig. 6  Obtenção de enxerto de cartilagem auricular.

Fig. 7  Etapas da cirurgia combinada de colocação do peso de ouro na pálpebra superior e enxerto de cartilagem auricular na pálpebra inferior para correção da retração palpebral inferior.


310  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Paralisia Facial Periférica Bibliografia Abiko Y, Ikeda M, Hondo R. Secretion and dynamics of herpes simplex virus in tears and saliva of patients with Bell’s palsy. Otol Neurotol, 2002; 23(5): 779-83. Alberton DL, Zed PJ. Bell’s palsy: a review of treatment using antiviral agents. Ann Pharmacother, 2006; 40(10): 1838-42. Bustrode, NW, Harrison, DH. The phenomenon of the late recovered Bell’s palsy: treatment options to improve facial symmetry. Plast Reconstr Surg, 2005; 115: 1466-71. Ellis MF, Daniell M. An evaluation of the safety and efficacy of botulinum toxin type A (Botox) when used to produce a protective ptosis. Clin Experiment Ophthalmol, 2001; 29(6): 394-9. Forno EA. Lagoftalmo paralitico. In: Matayoshi S. Manual de cirurgia plástica ocular. São Paulo: Roca, 2004; p. 79-86. Lazarini PR, Vianna MF, Alcantara MP, Scalia RA, Caiaffa Filho, HH. Herpes simplex virus in the saliva of peripheral Bell’s palsy patients. Rev Bras Otorrinolaringol, 2006; 72(1): 7-11. Lee V, Currie Z, Collin JR. Ophthalmic management of facial nerve palsy. Eye, 2004; 18(12): 1225-34. Linder T, Bossart W, Bodmer D. Bell’s palsy and Herpes simplex virus: fact or mystery? Otol Neurotol, 2005; 26(1): 109-13. Peiterson, E. Bell’s palsy: the spontaneous course in 2500 peripheral facial nerve palsies of different aetiologies. Acta Otolaryngol, 2002; 549:4-30. Portellinha WM, Genta CB, Sobrinho EFA, Cunha MC, Moura In: Paralisia facial- Lagoftalmo. In: Soares EJC. Cirurgia plástica ocular. São Paulo, Roca, 1997; p193-202. Rowlands S, Hooper R, Hughes R & Burney P. The epidemiology and treatment of Bell’s palsy in the UK. Eur J Neurol, 2002; 9(1): 63-7. Sadiq SA & Downes RN. A clinical algorithm for the management of facial nerve palsy from an oculoplastic perspective. Eye, 1998; 12(2): 219-23. Sameshima LM, Felberg S. Tratamento médico da paralisia facial periférica na visão do oftalmologista. In: Lazarini PR, Fouquet ML (eds.). Paralisia facial.São Paulo: Lovise, 2006; 139-48. Valença MM, Valença LP, Lima MC. Paralisia facial idiopática de Bell: a propósito de 180 pacientes. Arq Neuropsiquiatr, 2001; 59(3B): 733-39.

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Ana Rosa Pimentel de Figueiredo • Danielle Pimenta Viana Trindade

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Blefaroespasmo, Espasmo Hemifacial e outras Discinesias

Blefaroespasmo essencial O blefaroespasmo essencial é uma distonia focal bilateral caracterizada por contrações tônicas, espasmódicas e involuntárias dos músculos orbicular, prócero e corrugadores. Inicialmente, há um aumento da frequência ou duração do piscar, que progride com o tempo para contrações palpebrais exageradas e dificuldade para abrir os olhos. O indivíduo vai se tornando funcionalmente incapacitado para atividades laborais e sociais. É mais prevalente em mulheres a partir da quinta década de vida. O diagnóstico é clínico e exames complementares são raramente necessários. A causa é desconhecida, mas tem provável origem central. Alguns pacientes apresentam história familiar positiva. O diagnóstico diferencial deve ser feito com todas as patologias que cursam com irritação corneana, como síndrome do olho seco, entrópio e triquíase. Por outro lado, a associação do blefaroespasmo essencial com síndrome do olho seco é frequente.

Tratamento A toxina botulínica tipo A é o tratamento de escolha. Seu mecanismo de ação é um bloqueio pré-sináptico na placa motora, através da inibição da liberação da acetilcolina. O efeito é, portanto, uma denervação química com paralisia regional temporária e dose dependente. A melhora dos sintomas começa a ser observada a partir do terceiro dia após a aplicação, atingindo seu efeito máximo até a segunda semana. Entretanto, esta neurotoxina atua por até três ou quatro meses, quando há recorrência gradativa dos espasmos, sendo necessárias novas aplicações do fármaco. As complicações associadas são ptose, ectrópio, epífora, lagoftalmo, diplopia e ressecamento da superfície ocular. Esses transtornos são transitórios e geralmente decorrem da difusão da toxina para as regiões próximas da aplicação.

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312  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Blefaroespasmo Espasmo ... Em casos refratários, pode-se optar pela miectomia que consiste na ressecção cirúrgica do músculo orbicular, inclusive da sua porção orbital. A miectomia total pode causar complicações como lagoftalmo, linfedema e alterações do contorno periorbital, mas pode ser a única solução para pacientes com doença grave e que não respondem satisfatoriamente à toxina botulínica. A miectomia parcial pode ser útil em casos menos graves. Tem sido relatado o uso de antipsicóticos, ansiolíticos, anticonvulsivantes e miorrelaxantes. Porém, esses fármacos sistêmicos apresentam eficácia questionável, e inúmeros efeitos colaterais nas doses recomendadas. Além da associação frequente com olho seco, os tratamentos disponíveis para o blefaroespasmo podem agravar o quadro de ressecamento ocular preexistente por complicações para a oclusão palpebral. Nestes casos, são necessários lubrificantes, câmaras úmidas, plug lacrimal ou oclusão cirúrgica dos pontos lacrimais.

Espasmo hemifacial É caracterizado por contraturas sincrônicas intermitentes de um lado da face e raramente é bilateral. Os espasmos persistem durante o sono, o que não ocorre no blefaroespasmo. Existe uma paresia do nervo facial em quase todos os casos causada geralmente por compressão vascular do nervo facial na região do ângulo ponto cerebelar. O exame de ressonância magnética é útil para descartar uma causa tumoral na fossa posterior. A neurocirurgia para descompressão do nervo facial pode ser curativa para o espasmo hemifacial mas as injeções de toxina botulínica também são muito usadas para dar mais conforto ao paciente. O diagnóstico diferencial, além do blefaroespasmo, inclui a regeneração aberrante após paralisia facial. Nestes casos há uma história pregressa de trauma ou de paralisia periférica de Bell, além de movimentos espasmódicos não sincronizados.

Outras discinesias Síndrome de Meige (distonia orofacial idiopática): espasmos bilaterais na musculatura orbicular do olho, oromandibular, faríngea e cervical, também de causa desconhecida. Síndrome de Brueghel (distonia oromandibular idiopática): blefaroespasmo associado a grave comprometimento da musculatura facial inferior, com predomínio do envolvimento mandibular. Mioquimia palpebral: contrações do tipo fasciculação, em ciclos de curta duração, mas que se repetem ao longo do dia. Costuma ser unilateral, temporária e relacionada com distúrbios emocionais e fadiga. Patologias neurológicas centrais podem se manifestar com mioquimia de longa duração. Apraxia palpebral: é um transtorno não paralítico caracterizado por dificuldade de iniciar o movimento de elevação palpebral, na ausência de espasmo do orbicular ou de ptose. Parece resultar da inibição involuntária do elevador da pálpebra superior, da contração do orbicular pré-tarsal, ou de ambos. A característica dificuldade em abrir os olhos após seus fechamento voluntário vem sendo atribuída à persistência da atividade do orbicular palpebral iniciada pelo fechamento ocular. A etiologia é desconhecida, e apesar de descrita como achado isolado, A


313  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Blefaroespasmo Espasmo ... forma mais comum é em associação com o blefaroespasmo. Pode aparecer ainda associada a síndromes extrapiramidais, coreia de Huntington e paralisia supranuclear (NVIII). O tratamento é feito com toxina botulínica supratarsal ou cirurgicamente, com suspensão frontal.

Bibliografia Krack P, Marion MH. Apraxia of lid opening a focal eyelid dystonia: clinical study of 32 patients. Mov Disord, 1994; 9:610- 5. Villas-Boas ML, Álvares MG, Moura EM. Blefaroespasmo. In: Soares EJC, Moura EM, Gonçalves JOR. Cirurgia Plástica Ocular. São Paulo: Roca, 1997; pp. 203-19. Tozlovanu V A et al. Prolonged orbicularis oculi activity: a major factor in apraxia of lid opening. Neurology, 2001; 57(2):1013-8. Gravito P et al. Toxina botulínica no tratamento de distonias faciais: avaliação da eficácia e da satisfação dos pacientes ao longo do tratamento. Arq Bras Oftalmol, 2005; 68(4):471-4. American Academy of Ophthalmology. Facial Dystonia. In: Orbit, Eyelids and Lacrimal System. Section 7, 2008-2009; p. 232-4. Nicoletti A et al. Blefaroespasmo essencial: revisão de literatura. Arq Bras Oftalmol, 2010; 73(5):469-73.


Abelardo Couto Souza Júnior • Davi Araf • Suzana Matayoshi

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Reconstrução Palpebral

Introdução Para a adequada reconstrução anatômica e funcional da pálpebra deve-se considerar todos os seus planos estruturais. O folheto interno tarsoconjuntival consiste no esqueleto palpebral (tarso) e na mucosa conjuntival que mantém a lubrificação do olho. O músculo orbicular é importante para o perfeito fechamento palpebral. O septo orbital separa a órbita das estruturas palpebrais, fixa-se no rebordo orbitário espessando-se lateral e medialmente (tendões cantais laterais e mediais). A pele palpebral situa-se entre as mais finas do corpo, praticamente sem presença de tecido subcutâneo. Várias são as causas de defeitos palpebrais que requerem reconstrução palpebral. As anomalias congênitas como coloboma, anquilobléfaro e microbléfaro e outras exigem geralmente técnicas específicas. As lesões traumáticas e tumorais são as mais frequentes e podem envolver toda a espessura palpebral. Alguns aspectos devem ser considerados no reparo de qualquer defeito palpebral: Extensão horizontal da lesão (pequena – até 25%; moderada – 25 a 50%; grande – maior que 50%). Profundidade da lesão. O envolvimento da margem, dos tendões e da via lacrimal. Elasticidade palpebral que está diretamente relacionada à idade do paciente. Serão descritas neste capítulo as principais técnicas de reconstrução palpebral.

Reconstrução da pálpebra inferior As técnicas de reconstrução da pálpebra inferior são indicadas conforme a necessidade do cirurgião. Optar por determinada cirurgia depende da experiência e preferência do especialista, tamanho e região do defeito palpebral, além da idade do paciente.

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315  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Reconstrução Palpebral Técnicas cirúrgicas Aproximação Direta (Reparo Primário) com ou sem Cantólise Utilizada nos casos em que há defeito palpebral de até 25% de extensão horizontal, chegando a até 40% em pacientes idosos, com maior flacidez tecidual. A realização da cantólise depende da necessidade constatada no intraoperatório para conseguir aproximação direta dos tecidos palpebrais sem tensão. Tem maior utilidade nas lesões centrais da pálpebra (Fig. 1). A passagem de sutura de reparo com seda 6-0 na margem palpebral (linha cinzenta) facilita o correto posicionamento das estruturas (Fig. 2). Procede-se ao fechamento do defeito em três planos, seguindo os conceitos anatômicos. A margem palpebral deve ser aproximada através de suturas nos planos da linha dos cílios, linha cinzenta e transição cutaneomucosa. Havendo tensão palpebral, procede-se se a uma cantotomia lateral com cantólise (Fig. 3).

Fig. 1  Aproximação direta das bordas do defeito palpebral.

Fig. 2  Reparo na linha cinzenta permite alinhamento da margem palpebral.

Fig. 3  Sutura palpebral inferior por planos e cantotomia lateral.


316  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Reconstrução Palpebral Retalho Semicircular de Tenzel Técnica cirúrgica baseada na confecção de um retalho miocutâneo de avanço da região zigomática, útil na reconstrução de defeitos palpebrais de 40 a 60% de extensão horizontal, preferencialmente das porções central e medial da pálpebra. O defeito produzido na pálpebra inferior deve ter a forma de pentágono. A partir do canto lateral, desenha-se um semicírculo de aproximadamente 20 mm de diâmetro, direcionado para cima e depois inferior e lateralmente (Fig. 4). O tendão cantal lateral também é seccionado para facilitar a mobilização medial do retalho. Quando houver tensão na aproximação do retalho, pode-se realizar a secção dos retratores e do septo orbital abaixo da borda tarsal inferior (Fig. 5).

Fig. 4  Retalho semicircular de Tenzel.

Fig. 5  Técnica de Tenzel: aproximação e tecidos após cantotomia, cantólise e secção de retratores.

Técnica de Mustardé Utilizada em grandes defeitos palpebrais, com mais de 50% de extensão horizontal e até perda total da pálpebra inferior, além de comprometimento vertical extenso. É um retalho miocutâneo rotacional malar, podendo atingir a região pré-auricular. Classicamente substitui-se a placa tarsal por enxerto autógeno (cartilagem auricular, palato duro ou septo nasal). Sua principal vantagem é o único tempo cirúrgico. O defeito palpebral produzido é triangular, mas pode eventualmente ser modificado para pentagonal. Realiza-se a marcação do retalho, que inicia no canto externo, tem seu ápice na altura da cauda do supercílio ou pouco acima e pode chegar à região pré-auricular, dependendo do tamanho da lesão (Fig. 6). O retalho é dissecado no plano submuscular em toda sua extensão, com cuidado especial para não lesionar as fibras do nervo facial. A dissecção deve promover liberação suficiente para que o retalho desloque medialmente sem tensão (Fig. 7). A


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Fig. 6  Técnica de Mustardé.

Fig. 7  Técnica de Mustardé – pós-operatório imediato.

lamela posterior é substituída por enxerto condromucoso ou cartilagem auricular, cujo pericôndrio fica em contato com o bulbo ocular, ou pode-se até mesmo associar com retalho de conjuntiva do fórnice superior.

Técnica de Hughes Neste procedimento, confecciona-se retalho de avanço tarsoconjuntival da pálpebra superior para substituir a lamela posterior na reconstrução de defeitos em espessura total da pálpebra inferior superiores a 50% de extensão horizontal, mais longos que profundos. Na lamela posterior pode ser utilizado retalho de avanço miocutâneo inferior ou enxerto de pele de espessura total. Realizada preferencialmente em lesões da porção central ou eventualmente medial da pálpebra inferior. O principal inconveniente desta técnica é a necessidade de dois tempos cirúrgicos, sendo que neste intervalo o paciente permanece com oclusão do olho operado. O defeito marginal produzido na pálpebra inferior deve ser retangular. Confecciona-se o retalho tarsoconjuntival respeitando a distância de 3 a 4 mm da margem palpebral para evitar complicações pós-operatórias, como entrópio e triquíase. Horizontalmente, o retalho deve ter tamanho igual ou pouco menor que o defeito palpebral inferior, para que não haja ectrópio residual (Fig. 8). As incisões verticais são feitas de forma paralela, em direção ao fórnice conjuntival. O retalho é avançado para baixo e suturado aos retratores da pálpebra inferior (Fig. 9). A pele é substituída com enxerto de espessura total da pálpebra superior ou retroauricular (Fig. 10). Outra opção é um retalho miocutâneo de avanço da pálpebra inferior. O segundo tempo cirúrgico da técnica de Hughes (separação palpebral) é realizado após integração total dos tecidos, geralmente após 6 semanas do procedimento inicial.


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Fig. 8  Desenho da área da lamela posterior superior a ser rodada para baixo.

Fig. 9  Técnica de Hughes: exposição do retalho tarsoconjuntival.

Fig. 10  Técnica de Hughes: retalho tarsoconjuntival e enxerto de pele em posição ao final do procedimento.

Retalhos Miocutâneos Os retalhos de transposição da pálpebra superior, quando esta possui tecido suficiente para doação, podem ser realizados na reconstrução da pálpebra inferior. Usados preferencialmente para substituição da lamela anterior. Podem ser monopediculados ou bipediculados.

Retalho Monopediculado Para lesões pequenas, próximas aos cantos lateral ou medial da pálpebra inferior. Geralmente necessita de apenas um tempo cirúrgico. O retalho na pálpebra superior tem a linha inferior como referência, o sulco palpebral superior e a linha superior dependem da área a ser coberta (Fig. 11). Para reconstruções de defeitos em espessura total da pálpebra inferior, o retalho monopediculado pode ser associado à transposição de retalho tarsoconjuntival da pálpebra superior.


319  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Reconstrução Palpebral Retalho Bipediculado (Tripier) Usado em lesões centrais da pálpebra inferior ou muito extensas horizontalmente, que demandam melhor irrigação. Realizado em dois tempos cirúrgicos (Fig. 11).

Fig. 11  Retalho monopediculado à esquerda e bipediculado à direita.

Reconstrução por Planos (Topográfica) – Ver Reconstrução da Pálpebra Superior Técnica cirúrgica que visa reconstrução de todas as estruturas palpebrais isoladamente. Pode ser usada para grandes defeitos superiores ou inferiores, nos sentidos vertical e horizontal, e até mesmo perda total da pálpebra (Figs. 12 a 14).

Fig. 12  Reconstrução topográfica: enxerto de cartilagem para lamela posterior.

Fig. 13  Reconstrução topográfica: retalho de orbicular.

Fig. 14  Reconstrução topográfica: enxerto de pele.


320  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Reconstrução Palpebral Reconstrução da pálpebra superior A pálpebra superior tem importância fundamental na proteção da córnea e na manutenção da integridade do olho. Os movimentos de abertura e fechamento palpebrais são a base desta proteção. Ao se reconstruir a pálpebra superior, a nova pálpebra deve manter o movimento da abertura através da fixação ao músculo levantador da pálpebra superior (MLPS). Já o movimento de fechamento, além do músculo orbicular, conta com a ajuda da gravidade e do relaxamento do MLPS. O objetivo final é permitir o fechamento palpebral completo sem ocluir o eixo visual, além de propiciar um aspecto estético satisfatório.

Fechamento direto com ou sem cantotomia Os defeitos de até 25% (4 a 6 mm) de extensão podem ser corrigidos diretamente borda a borda, em 3 planos. Caso haja tensão, pode-se realizar cantólise e cantotomia laterais.

Retalhos cutâneos e miocutâneos palpebrais Utilizam-se retalhos mono ou bipediculados para reconstruir apenas o folheto anterior, nos casos de lesões não profundas, que não atingiram o tarso.

Retalho cutâneo/miocutâneo e enxerto condromucoso O folheto posterior da pálpebra é corrigido por um enxerto livre de cartilagem auricular, septo nasal, palato duro ou tarsoconjuntival contralateral. O folheto anterior é corrigido por um retalho cutâneo ou miocutâneo mono ou bipediculado (área adjacente nos casos de tecido em excesso na pálpebra superior ou retalho fronto medial nos defeitos mediais e retalho semicircular de Tenzel nos defeitos laterais) (Fig. 15).

Fig. 15  Retalho semicircular de Tenzel para pálpebra superior.

Reconstrução topográfica ou técnica do sanduíche (soares) Recebe esta denominação, pois intercala um retalho da conjuntiva, do fórnice inferior ipsilateral, com um enxerto condromucoso para substituir o tarso e outro retalho muscular para substituir o orbicular, bem como outro enxerto cutâneo para substituir a pele. Reconstroem-se,


321  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Reconstrução Palpebral assim, os quatros folhetos palpebrais. Após 2 a 3 semanas a conjuntiva é excisada permitindo a abertura da fenda palpebral. Os retalhos musculares cutâneos podem ser bipediculados e neste caso a sua secção é feita nesta mesma época. Atualmente, a modificação desta técnica tornou-a simples, sendo os resultados também bons. Em vez de se utilizar a conjuntiva inferior do fórnice, sutura-se diretamente o enxerto condromucoso (septo nasal, palato duro, cartilagem auricular com pericôndrio ou tarso contralateral) nos elementos retratores com sua face mucosa voltada para o olho. Assim, simplifica-se a técnica e abole-se a ressecção do pedículo conjuntival.

Técnica de mustardé para pálpebra superior Lesões maiores podem ser reconstruídas pela técnica de Mustardé para a pálpebra superior. Mustardé recomenda utilizar a pálpebra inferior para reconstruir a superior e reconstruir a inferior a partir de outras estruturas. Na prática, devido à elasticidade palpebral, transfere-se sempre um pouco a menos da pálpebra inferior para reconstruir a superior. Segue-se o seguinte esquema: 1) Defeitos da pálpebra superior entre 25 a 50%: rodar até 25% da pálpebra inferior e fechá-la diretamente, no sentido vertical (Fig. 16). 2) Defeitos entre 50 e 75%: rodar até 50% da pálpebra inferior, com reconstrução da mesma pela rotação de um retalho facial pequeno. 3) Defeito total ou subtotal: rodar até 75% da pálpebra inferior, com subsequente reconstrução da mesma pela rotação de um retalho facial e uso de um enxerto mucocartilaginoso, para manter a sustentação da pálpebra inferior (Figs. 17 A e B). Atenção especial deverá ser dada à preparação do retalho que será rodado da pálpebra inferior. Sua preparação deverá ser cuidadosa no sentido de preservar o suprimento sanguíneo que será fornecido pela artéria marginal inferior. O músculo levantador deverá ser individualizado, as suturas deverão ser por planos, isto é, mucosa-mucosa, músculo-músculo e pele-pele. A base do retalho da pálpebra inferior deverá se situar no lado externo para reconstruções totais e nas subtotais no mesmo lado em que o coto da pálpebra superior seja maior. Em geral, evita-se incluir o ponto lacrimal no retalho. Após 4 a 6 semanas o pedículo é seccionado e as bordas marginais superior e inferior são recompostas.

Fig. 16  Técnica de Mustardé para pálpebra superior.


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Fig. 17 A  Coloboma palpebral superior bilateral: paciente foi submetida à reconstrução com a técnica de Mustardé: rotação de pálpebra inferior.

Fig. 17 B  Segunda fase da reconstrução de Mustardé: secção do retalho, seguido de reparação da borda palpebral superior e reconstrução da pálpebra inferior com retalho malar de Mustardé para pálpebra inferior.

Técnica de Cutler-Beard É uma técnica de duas fases para reparação de grandes defeitos marginais da pálpebra superior. A pele, o músculo e a mucosa (tarso) são transportadas em um retalho de avanço da pálpebra inferior (Fig. 18 A e B). Após 4 a 6 semanas com a integração do retalho na pálpebra superior faz-se a ressecção do mesmo e a reconstrução marginal (Fig. 18 C). Variante desta técnica utiliza enxerto livre de palato duro, septo nasal ou cartilagem auricular para substituir o tarso superior.

Figs. 18 (A–C)  Técnica de Cutler- Beard: A e B. Fase 1. C. Fase 2 – liberação do retalho.


323  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Reconstrução Palpebral Reconstrução do canto lateral Quando as lesões estão localizadas nos cantos laterais deve-se considerar se há envolvimento ou não da margem palpebral (superior e/ou inferior). Trata-se de uma região menos nobre, pois não abriga o sistema de drenagem lacrimal como na porção medial. Também o fácil acesso a retalhos de estruturas vizinhas permite maior liberdade para criar recursos plásticos que venham satisfazer o aspecto estético. Nos casos de lesões mais profundas deve-se reparar os ligamentos palpebrais quando envolvidos. Nestes casos, antes do fechamento musculocutâneo, procede-se à fixação das margens palpebrais superior e inferior no periósteo da face interna do rebordo orbitário lateral.

Reconstrução do canto medial Esta região abriga os pontos lacrimais, os canalículos, os tendões palpebrais mediais e, mais abaixo inferiormente, o saco lacrimal. Quando a lesão é pequena e a perda palpebral superior e/ou inferior é menor que 25%, a reconstrução pode ser feita por retalho glabelar V-Y ou retalho monopediculado de região adjacente (Fig. 19). Também pode-se utilizar o enxerto livre de pele retroauricular (Wolfe). Nas lesões mais extensas e profundas o recurso mais utilizado é o retalho frontal mediano ou enxerto indiano, devido ao maior raio de rotação. Este último é feito em duas etapas (Fig. 20).

Fig. 19  Retalho V-Y.

Fig. 20  Retalho médio frontal pediculado (Indiano). Na sua porção distal é dividido em duas porções correspondentes às pálpebras superior e inferior. Após 3 a 4 semanas faz-se a secção do pedículo e os ajustes necessários para coaptação adequada dos tecidos.


324  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Reconstrução Palpebral Se há envolvimento do sistema de drenagem lacrimal, nos casos de tumores, a reconstrução deste (conjuntivorrinostomia) deve ser postergada para depois da cura definitiva do paciente. Igualmente, quando os tendões palpebrais estiverem comprometidos, a conduta será a fixação medial das pálpebras ao rebordo ósseo (crista lacrimal) através de suturas com fios inabsorvíveis fortes ou suturas metálicas, seja por fixação do periósteo, seja por transfixação nasal. Eventualmente, o canto medial pode ser deixado para granulação espontânea (Laissez-Faire) empregado nos casos de defeitos cantais mediais muito grandes, com quantidade de tecido insuficiente para a reconstrução, ou áreas que sofreram agressão, como radioterapia e queimadura. A cicatrização por segunda intenção pode levar até 3 a 6 meses para o fechamento, sendo que eventualmente resulta em retração tecidual. Nas reconstruções mediais devido a tumor, a preocupação maior será sempre a remoção completa da lesão tendo em mente a grande incidência de infiltração orbitária e a dificuldade da total recuperação anatomofuncional e estética.

Bibliografia Collin JR. O Eyelid reconstruction and tumor management. In: Collin JRO. A Manual of Sistematic Eyelid Surgery. Edinburg: Churchill Livingstone,1989. Couto Jr AS, Dantas RRCA et al. Carcinoma de Glândulas Sebáceas da Pálpebra. Relato de 4 casos. Rev Brás Oftal, 1995; 54 (5):63-6. Couto Jr AS, Barbosa RS et al. Carcinoma de Glândulas Sebáceas da Pálpebra. Rev Brás Oftal, 2000; 59(10):753-6. Kersten RC, Anderson RL, Tse DT, Weinstein GL. Tarsal rotational flap for Upper eyelid reconstruction. Arch Ophthalmol, 1986; 104:918-22. Kwitko GM, Nesi FA. Eyelid and Ocular Adnexal Reconstruction. In: Nesi FA, Lisman RD, Leving MR. Smith’s Ophtamic Plastic and Reconstructive Surgery. 2nd ed., St. Louis: Mosby, 1998; pp. 576-608. McCord Jr CD. System of repair of full-thinckness eyelid defects. In: McCord Jr CD. Tanebaum M. Oculoplastic Surgery. New York: Raven Press, 1987. Mustardé JC. Repair and Reconstruction in the Orbital Region. New York: Churchill Livingstone, 1991; pp. 283-96. Mason et al. Reconstrução palpebral. In: Soares EJC, Moura EM, Gonçalves JOR. Cirurgia Plástica Ocular. São Paulo: Roca, 1997; pp. 221-42.

Literatura Sugerida Hornblas, A. Oculoplastic, orbital and reconstructive surgery. Baltimore: Williams & Wilkins, 1988. Levine M. Manual de cirurgia plástica ocular. Rio de Janeiro: Rio Med, 1994. Matayoshi S, Forno EA, Moura EM. Manual de cirurgia plástica ocular. São Paulo: Roca, 2004. Soares EJC, Moura EM, Gonçalves JOR. Cirurgia Plástica Ocular. São Paulo: Roca, 1997. Stewart WB. Surgery of the eyelid, orbit and lacrimal system. San Francisco: Academy of Ophthalmology, 1993.


Ana Rosa Pimentel de Figueiredo • Suzana Matayoshi

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Involução Palpebral e Facial

Patogênese do envelhecimento facial e palpebral O envelhecimento facial se processa pela involução dos tecidos de sustentação, seguindo os vetores determinados pela imbricação do sistema músculo-aponeurótico superficial (SMAS), em direção descendente determinada pela gravidade. O componente esquelético que sofre modificação é principalmente a maxila, se houver perda óssea perialveolar, afetando os contornos do 1/3 inferior da face, especialmente os lábios. Os sulcos determinados pelo tipo de mímica que o indivíduo apresentou por toda a vida vão sendo pronunciados e marcando profundamente a pele. A pele sofre o processo de elastose, com diminuição do colágeno, tornando-se frouxa, redundante e enrugada (Fig. 1). Há fatores extrínsecos que influenciam negativamente neste processo e que estão relacionados com a exposição a sol e vento, ao hábito de fumar e vícios posturais, como o modo de apoiar a face no travesseiro durante o sono.

Fig. 1  Pele do idoso: rugas, ptose de supercílio, dermatocálase de pálpebras superiores e inferiores, ptose de terço médio da face.

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326  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Involução Palpebral e Facial Exame das pálpebras no contexto da face Durante a anamnese, o cirurgião pode obter grande parte dos dados sobre a face como um todo, observar a mímica e as assimetrias que podem se manifestar apenas quando o indivíduo está se expressando mais naturalmente. A análise de fotografias antigas é fundamental, bem como atualmente é fundamental indagar não só sobre a realização de procedimentos cirúrgicos prévios, como também sobre a injeção de toxina botulínica (pontos e tempo decorrido da última injeção), colocação de fios suspensores e injeções de substâncias para preenchimento. O exame clínico registra: altura da linha de implantação do cabelo, rugas frontais e modo de contração frontal, posição e movimento dos supercílios, rugas de expressão, tipo de pele e presença de telangiectasias e manchas discrômicas, tipo e distribuição de rugas da pele. O exame específico inclui o registro da simetria de fendas, paralelismo ocular, pregas palpebrais, sulcos, distribuição da gordura, tonicidade e elasticidade das margens. A seguir, a verificação do posicionamento do 1/3 médio, deslocamento da bolsa malar, sulco nasojugal, aspecto do dorso e ponta do nariz, afinamento do lábio e rugas periorais. Por fim, o aspecto lateral da face e 1/3 inferior, anotando a presença de acumulo de gordura em torno do mento e aspecto do pescoço. As fotografias pré-operatórias são fundamentais para referências durante o procedimento e também para a comparação com os resultados pós-operatórios, além das questões forenses. Dermatocálase: é o excesso de pele palpebral que se associa frequentemente à herniação de gordura com afrouxamento do septo, tecido conectivo supra e infraorbicular e do próprio orbicular, que vai formando dobras ou festões. A dermatocálase pode realmente se tornar sintomática, com queixas de peso, redução do campo visual superior, percepção visual dos cílios superiores, cefaleia pela contração frontal compensadora, especialmente se houver ptose do supercílio associada. Nas pálpebras inferiores, as alterações são de cunho cosmético, a menos que haja grande flacidez ligamentar, reduzindo a ação da bomba lacrimal ou que o prolapso da gordura seja tal que reduza o campo de leitura ou dificulte o uso de óculos. Blefarocálase: é uma condição idiopática, considerada como variante de edema angioneurótico, tipo familiar, geralmente com episódios agudos de edema, em indivíduos jovens, especialmente mulheres, e antecipa o processo de envelhecimento na região palpebral. Frequentemente, ocorrem ptose, prolapso da glândula lacrimal e atrofia de gordura, especialmente da bolsa medial superior, simulando esclerodermia focal (Fig. 2). Este diagnóstico deve ser suspeitado em pessoas muito jovens que apresentam as mesmas queixas do dermatocaláse do individuo mais velho. Há uma tendência de repetir os episódios inflamatórios no pós-operatório imediato.

Fig. 2  Blefarocálase: inflamações repetidas da pálpebra levaram à distensão cutânea, ptose palpebral esquerda e enoftalmia.


327  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Involução Palpebral e Facial Ptose do supercílio: a mímica continuada de contração frontal (variação individual), o processo de involução dos tecidos de sustentação e a constante elevação dos supercílios para compensar o peso do dermatocálase levam ao afrouxamento das fáscias do frontal que se representa inicialmente pela queda do supercílio em relação à reborda óssea orbital superotemporal (Fig. 3). As mulheres apresentam um maior arqueamento superior da cauda do supercílio, mas em homens e mulheres os 2/3 temporais do supercílio devem estar acima da reborda superior. É uma regra que o cirurgião reposicione manualmente o supercílio, considerando a conformação constitucional (Figs. antigas) e planeje a blefaroplastia para corrigir a dermatocálase e programe uma técnica para suspender e fixar o supercílio ou assuma a persistência da queda temporal, sob pena de fazer um planejamento hipercorretor da blefaroplastia temporal, resultando em complicação grave de depressão do supercílio e lagoftalmo. Grosso modo, se pode dizer que o excesso

Fig. 3  Ptose de terços central e lateral do supercílio.

Quadro 1  Protocolo pré-operatório de befaroplastia Blefaroplastia – Protocolo Pré-operatório

Esquema

Exame oftalmológico recente Avaliação lacrimal: espessura do menisco, BUT, biomicroscopia, teste de Schirmer Posição dos supercílios (em repouso e em contração) Assimetrias Prega palpebral (ocidentais = 8 a 11 mm) Sulco palpebral (reflete o tipo de fusão da aponeurose com o septo, bem como a quantidade de gordura). Quantidade e textura da pele palpebral (inclusive pré-tarsal) Distribuição da gordura Teste da elasticidade e tonicidade da pálpebra inferior Reborda orbital superior proeminente Hipoplasia malar Proptose scleral show Lagoftalmo Cicatrizes periorbitais Pigmentação da pele, especialmente as “olheiras”. Planejamento cirúrgico Campimetria Fotodocumentação com negativos Discussão sobre os achados clínicos, as propostas técnicas, as perspectivas de resultado e as eventuais complicações, na presença de um acompanhante, se possível.

Supercílios Pálpebras superiores Pálpebras inferiores Malar


328  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Involução Palpebral e Facial palpebral medial se deve puramente à dermatocálase e o temporal quase sempre tem a contribuição da ptose do supercílio, mas isso não invalida a possibilidade de haver ptose também da cabeça do supercílio (flacidez da região glabelar), contribuindo inclusive na queda medial. Planejamento cirúrgico e técnicas: o cirurgião não pode perder de vista o conceito de harmonia entre as unidades estéticas da face e deve fazer seu planejamento de modo a permitir o equilíbrio entre os terços faciais. Todos os procedimentos cirúrgicos dependem de domínio de conhecimento da anatomia e da dinâmica da mímica facial e o planejamento deve ser individualizado, sendo necessárias combinações técnicas, com inclusão ou supressão de passos, para obter um bom resultado funcional e cosmético em cada indivíduo (Quadro 1). Suspensão dos supercílios: a ptose do supercílio deve ser detectada antes do planejamento da blefaroplastia e sua correção deve ser pelo menos simulada antes da marcação das incisões para blefaroplastia. É importante lembrar que a cauda do supercílio se continua inferiormente em um vetor descendente em direção ao canto da boca. Nos casos em que há grande descenso da comissura labial, e não há planejamento para corrigi-la, é aconselhável que se mantenha algum grau de ptose do supercílio, para não aumentar a disparidade entre o 1/3 superior e o 1/3 inferior. Fixação do supercílio transblefaroplastia: baseia-se na dissecção do SMAS no vetor supero-temporal e reposição do supercílio através da pexia ao periósteo frontal, com acesso direto através da blefaroplastia. É uma técnica capaz de oferecer apenas o reposicionamento em ptose leve a moderada do supercílio. Elevação direta do supercílio: através de incisões para acesso à fixação ao periósteo ou mesmo a retirada de uma elipse acima da linha de pelos. Quando realizada apenas na região temporal oferece resultados satisfatórios, com cicatriz imperceptível, mas costuma ter aspecto cosmeticamente inaceitável, quando realizada em toda a extensão do supercílio (Fig. 4). Outras técnicas: os supercílios podem ser elevados através da elevação médio-frontal (ruga frontal), elevação coronal, elevação temporal, com técnicas abertas ou endoscópicas. Blefaroplastia superior: é o procedimento mais realizado da oculoplástica, não só por razões cosméticas, mas também funcionais. Para comprovar o efeito funcional da indicação, a campimetria pode ser realizada na vigência do efeito mecânico da dermatocálase e/ou ptose do supercílio e eliminando este efeito manualmente, comparando os dois resultados. Em pacientes mais jovens, com mínimo efeito de envelhecimento periorbital, a blefaroplastia isolada realmente tem efeito rejuvenescedor, ao contrário da indicação para os indivíduos mais

Fig. 4  Elevação direta do supercílio: marcação do corpo e cauda do supercílio.


329  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Involução Palpebral e Facial velhos, em que as expectativas de rejuvenescimento devem ser cuidadosamente eliminadas ainda no pré-operatório e sendo oferecidas as alternativas adequadas. Muitos pacientes que têm indicação para cirurgia funcional guardam consigo a expectativa de que ficarão mais jovens só pelas pálpebras operadas. Técnica: a estimativa da quantidade de pele a ser ressecada pode ser feita com uma pinça em que uma ponta se apóia sobre a prega palpebral no 1/3 central (marcada em torno de 10 mm e que pode coincidir ou ser acima ou abaixo da original) e o desenho se continua medial e lateralmente dando uma forma de crescente (Fig. 5). É muito importante considerar que o supercílio deve ser reposicionado manualmente caso haja ptose do mesmo. Uma regra simples para evitar hipercorreções é somar a extensão de pele abaixo do supercílio e a extensão de pele pré-tarsal que ficam de fora da marcação; essa somatória não pode ser inferior a 20 mm. Outra maneira é considerar 8 a 10 mm abaixo do supercílio e 10 mm acima dos cílios na região central, 5 mm na medial e 7 mm na lateral. A pele é retirada isolada ou em conjunto com o orbicular, de acordo com a preferência do cirurgião, mas não se deve tocar no músculo pré-tarsal. Se necessário, o septo é aberto para a retirada de gordura pré-aponeurótica, com cuidado para não ressecar em exagero e com atenção à cauterização. A bolsa de gordura medial em geral está mais evidente e precisa ser removida; o modo mais seguro é abrir todo o tecido conjuntivo com delicadeza e cauterização paulatina para que apenas o tecido adiposo fique prolapsado, à medida que se comprime suavemente as partes moles orbitárias. Há um grande risco de sangramento dos vasos mediais da órbita neste compartimento. A prega palpebral só deve ser refeita se o procedimento envolver cirurgia de aponeurose associada. Aproximar as bordas do músculo orbicular pode ser uma escolha de alguns cirurgiões. A síntese de pele é feita com suturas contínuas, subcuticulares ou separadas. Blefaroplastia inferior: historicamente, a blefaroplastia inferior é a técnica da oculoplástica que mais tem sofrido intervenções. Raras ocasiões se indica a blefaroplastia inferior funcional. A blefaroplastia inferior deve ser direcionada para a excisão do excesso de pele, reposicionamento da gordura orbital projetada, com excisão mínima se necessário, e fundamentalmente sustentar o SMAS da região zigomática que nada mais é do que o Soof lift, descrito adiante no texto. Outros tratamentos adjuvantes podem ser necessários, tais como peeling e injeção de toxina botulínica, para conferir o resultado cosmético desejado. A blefaroplastia inferior é o procedimento oculoplástico mais relacionado com complicações graves, a saber: retração, ectrópio, lagoftalmo, esqueletização da região periorbital e modificação da expressão do olhar.

Fig. 5  Blefaroplastia superior; marcação da incisão.


330  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Involução Palpebral e Facial Técnica Transconjuntival: a pálpebra inferior é evertida com auxilio de rédea de tração. A incisão é feita a uns 3 mm abaixo da margem tarsal e a dissecção prossegue em um plano anterior ao septo em direção ao rebordo orbital inferior, relativamente avascular, mas que exige cauterização cuidadosa (Fig. 6). A extensão de abertura do septo para expor a gordura depende da distribuição das bolsas e da quantidade a ser ressecada. Pode ser uma abertura extensa ou localizada sobre cada bolsa, lembrando que a remoção excessiva de gordura acaba conferindo um aspecto “encovado” às pálpebras. Em geral, a conjuntiva não é suturada e aproxima-se naturalmente, mas pode ser necessário uma ou duas suturas absorvíveis e sepultadas entre as bordas É uma boa técnica quando associada ao tratamento da pele através de peeling químico ou a laser, e quando não há festões do orbicular nem descenso do sulco orbitomalar. Transcutânea: a quantidade de pele e músculo a serem ressecados é estimada com estimulação da mímica do paciente. As linhas formadas pelo sorriso denotam as expansões de tecido conjuntivo entre o orbicular e a pele, facilitando a identificação dos elementos a serem tratados. O planejamento das incisões é feito enquanto o paciente está sentado e consciente. A forma de desenhar as incisões depende da experiência do cirurgião e do conforto que tenha realizando cada uma das diversas técnicas, obedecendo a premissas, a saber: (1) evitar ectrópio, testando antes a tensão tarsoligamentar e reforçando a mesma, se necessário, e não retirando pele e/ou músculo em excesso e nem aprisionando o septo na ferida; (2) evitar retração, através de cuidadoso tratamento aos retratores (músculo liso e ligamento capsulopalpebral); (3) não retirar gordura em excesso, a ponto de tornar a pálpebra esquelética, aumentando o sulco orbital inferior; (4) não alterar a obliquidade natural da fenda e não modificar o ângulo do canto lateral, o que pode ocorrer se tentar corrigir a flacidez horizontal através de ressecção pentagonal da margem palpebral ou se tentar o lift do 1/3 médio da face, através de grandes ressecções do aspecto temporal dos tecidos palpebrais, acreditando ingenuamente que haverá estabilidade contra a ação da gravidade, através de fios de suturas ligando o SMAS do malar ao rebordo orbital laterossuperior; (5) evitar danos aos folículos pilosos, arcada vascular e canalículo lacrimal através de incisões intempestivas e suturas inadequadas; (6) cicatrizes mal posicionadas e cosmeticamente inaceitáveis. Suspensão malar pré-periosteal ou Soof Lift: é uma extensão da blefaroplastia inferior e pode ser realizada por via transconjuntival, associada a cantólise lateral, ou por via transcutânea. Consiste na separação entre o SOOF (gordura suborbicular) e periósteo do rebordo orbital inferior em toda sua extensão, com dissecção anterior ao periósteo para permitir a elevação das partes moles abaixo do sulco orbital. O SOOF é suturado ao arco marginal e a região temporal é suspensa em uma ou duas suturas ao rebordao lateral, abaixo do tendão lateral, dirigindo o descenso malar em um vetor laterossuperior (Fig. 7).

Fig. 6  Blefaroplastia transconjuntival: acesso às bolsas de gordura.


331  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Involução Palpebral e Facial

Fig. 7  Soof lift: gordura suborbicular é suturada no arco marginal.

Existe ainda a técnica subperiostal: é feita abaixo do periósteo; a dissecção inferior é completada pela secção do periósteo na porção inferior do malar através de uma lâmina 12. É mais difícil que a via pré-periostal, mas a vantagem seria menor sangramento e maior mobilização do SOOF. A suspensão malar pode ser utilizada como adjuvante no rejuvenescimento do 1/3 médio quando o processo está mais ligado à flacidez do SMAS e tem sido particularmente útil para correção dos casos de ectrópio cicatricial, retração palpebral inferior (aumento do scleral show) e distopia do canto lateral após blefaroplastias complicadas pela hipercorreção.

Perda da visão e distúrbios da motilidade em blefaroplastia A cegueira é a complicação mais temida por todos os cirurgiões e embora rara (cerca de 1:3.000 casos) ela deve ser prevenida com atenção redobrada em casos de orbitopatia de Graves e discrasias sanguíneas em geral, pelo risco de hemorragia retrobulbar que é a causa mais comum da perda visual. Deve também ser evitada a anestesia com grande concentração de epinefrina, bem como bloqueios intraorbitários (desnecessários para a blefaroplastia) que podem se associar a uma isquemia dos compartimentos orbitários posteriores, alterando a perfusão retiniana por interrupção de fluxo das artérias ciliares. Os curativos compressivos sobre o bulbo ocular são proibidos e os pacientes devem ser alertados a comunicar-se com a equipe cirúrgica se houver sangramento abundante, dor orbitária, edema periorbital significativo e proptose. Se houver relato de perda visual, a condição é uma emergência oftalmológica que demanda pronta descompressão orbitária anterior através de cantólise e abertura das feridas cirúrgicas, além de corticosteroides em pulsoterapia venosa. Se não houver resposta imediata, deve ser realizada a descompressão óssea como tentativa de salvar a visão. A lesão de músculo extraocular também é uma complicação desastrosa da blefaroplastia. O oblíquo inferior é particularmente suscetível a trauma durante a ressecção de gordura, pois origina-se no rebordo orbital anterior, próximo à crista lacrimal anterior, e caminha em direção posterior, entre o compartimento medial e o central de gordura. Nas dissecções intempestivas do compartimento superomedial pode haver lesão da tróclea ou do tendão do oblíquo superior. O paciente deve ser tranquilizado a respeito de eventual diplopia no pós-operatório imediato que pode ocorrer por difusão do anestésico ou edema. A queixa de borramento leve da visão e dificuldade para leitura nos primeiros dias podem estar associada a aumento do menisco lacrimal. São situações que pedem atenção mas não significam complicação.


332  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Involução Palpebral e Facial Bibliografia McCord CD, Doxanas MT. Browplasty and browpexy: na adjunct to blepharoplasty. Plast Reconstr Surg, 1990; 86:248-54. Hoening JA, Shorr N, Shorr J. The suborbicularis oculi fat in aesthetic and reconstructive surgery. Int Ophthalmol Clin, 1997; 37:179-91. Castanares S. Forehead wrinkles, glabellar frown and ptosis of the eyebrows. Plast Reconstr Surg, 1964; 34:404-13. Coleman WP, Hanke CW, Alt TH, Asken S. Cosmetic surgery of the skin. New York: Mosby, 1997.

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Sérgio Burnier • Ana Estela Besteti P. P. Santana

C a p í t u l o | 36

Simbléfaro

Definição e etiopatogenia Simbléfaro (do grego συν, junto e bλεφaρον, pálpebra) é uma aderência entre a superfície conjuntival das pálpebras e o globo ocular (Fig. 1). As principais causas de simbléfaro são:

Lesões químicas ou físicas Uma variedade de agentes físicos pode levar a lesões teciduais. As queimaduras térmicas diretas dificilmente ocorrem, pois o olho está protegido pelo reflexo do piscar, elas ocorrem com mais frequência devido ao trauma com fragmentos incandescentes que entram em contato com a superfície da conjuntiva. Outras causas de lesões térmicas são micro-ondas, lasers e radiações ionizantes. As lesões são causadas por morte celular e destruição vascular, que levam a fibrose tecidual e consequente incapacidade de proliferação celular normal.

Fig. 1  Simbléfaro em trave.

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334  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Simbléfaro Queimaduras químicas são causa comum de cicatrização conjuntival e consequente perda da visão. Os ácidos tendem a precipitar as proteínas teciduais e fazer, desse modo, uma barreira contra a sua própria penetração no tecido levando a queimaduras mais superficiais, enquanto os álcalis penetram mais profundamente levando a lesões mais profundas, acometendo também a câmara anterior. Após a agressão inicial a reparação e a resposta inflamatória acontece, e esta última está relacionada com a produção dos radicais livres e colagenase pelos queratócitos e leucócitos polimorfonucleares, que podem ser os responsáveis pelo desenvolvimento de úlceras corneanas estéreis e perfuração, especialmente nos casos de epitelização corneana demorada. Finalmente, a cicatrização conjuntival pode ocorrer devido ao trauma mecânico ou cirúrgico, como, por exemplo, a retirada de um pterígio extenso.

Infecções Vários micro-organismos podem estar associados à cicatrização conjuntival. Conjuntivites membranosas ou pseudomembranosas, tanto bacterianas quanto virais, classicamente resolvem com uma cicatrização subepitelial.

Doenças oculocutâneas Um grande número de doenças que afetam tanto a pele quanto os olhos está associado a cicatrização conjuntival. Como, por exemplo, o penfigoide cicatricial, pênfigo, penfigoide bolhoso, dermatite herpetiforme, eritema multiforme, síndrome de Stevens-Johnson, necrólise epidérmica tóxica, ceratoconjuntivite atópica crônica, entre outras.

Fármacos Alterações cicatriciais da conjuntiva têm sido associadas ao uso de medicações tópicas e sistêmicas que em alguns casos podem simular o penfigoide cicatricial (Fig. 2). Os medicamentos relacionados incluem pilocarpina, epinefrina, timolol, trifluridina e idoxuridina. De qualquer forma não se sabe se estes fármacos simulam, promovem ou iniciam o penfigoide cicatricial.

Fig. 2  Penfigoide.


335  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Simbléfaro Alterações sistêmicas Rosácea e síndrome de Sjögren podem estar associadas a alterações cicatriciais moderadas, causadas por inflamação crônica da conjuntiva.

Quadro clínico As adesões do simbléfaro podem envolver pequenas faixas nos fórnices ou podem acometer toda a superfície conjuntival, resultando em perda do fundo de saco (Fig. 3), com limitação da movimentação ocular, diplopia, lagoftalmo com exposição permanente da córnea e entrópio, pela cicatrização da conjuntiva tarsal. Quando uma adesão envolve a córnea, a acuidade visual do paciente é diretamente diminuída. Quando grave, a cicatrização da conjuntiva pode ter consequências dramáticas para o olho. A perda das células caliciformes e glândulas lacrimais acessórias, assim como a oclusão das vias secretoras lacrimais e das glândulas de Meibomius levam a alterações da composição do filme lacrimal e olho seco grave. Esta condição pode ainda ser piorada devido a associações de triquíase, entrópio e lagoftalmo. Alterações limbares podem comprometer, conjuntamente, a superfície corneana, levando a desepitelizações, queratinização, cicatrização, vascularização, ulceração e até mesmo perfuração. Estes casos são sem dúvida os mais difíceis para controle do simbléfaro.

Fig. 3  Simbléfaro amplo com perda do fórnice medial.

Diagnóstico Estabelecer a natureza exata da inflamação conjuntival, que originou o simbléfaro, pode ser uma tarefa desafiadora. A avaliação do paciente deve ser sistemática, incluindo a história, exame cuidadoso na lâmpada de fenda, exame laboratorial bem orientado, possibilidade de biópsia ou mesmo a colaboração de outras disciplinas. Quando causado por trauma geralmente temos uma história bem definida de agressão física ou química, fazendo com que o diagnóstico de base seja facilmente definido. Agentes bacterianos na fase aguda podem ser definidos por exames laboratoriais, como culturas microbiológicas. A Chlamydia pode ser cultivada ou mesmo identificada pela imunofluorescência direta. Herpes-zóster pode ser identificado utilizando métodos imunológicos, como a reação


336  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Simbléfaro da cadeia da polimerase (PCR), mas o mais comum é pela caracterização da ocorrência de episódio prévio ou mesmo recorrente de herpes oftálmico. O exame dermatológico é essencial na caracterização das doenças oculocutâneas. O penfigoide cicatricial pode afetar inicialmente os olhos não existindo alterações cutâneas, apesar de poder ocorrer acometimento de outras mucosas, como a oral, por exemplo. Exame imuno-histológico das biópsias é importante antes que tratamentos imunossupressores sejam realizados. A biópsia no penfigoide cicatricial deve ser conduzida com cuidado, pois pode agravar a inflamação conjuntival. Uma conduta interessante seria realizar a biópsia conjuntival somente nos casos em que não houver nenhuma outra mucosa comprometida e se a terapia imunossupressora estiver sendo considerada. Por fim, doenças sistêmicas e toxicidade a fármacos devem ser investigadas. De qualquer forma é possível que nenhuma causa seja identificada. Isto é particularmente possível após uma infecção, quando o agente causador não mais puder ser identificado.

Avaliação da doença Uma completa avaliação do estado da superfície conjuntival se faz necessária nos pacientes com simbléfaro. Um cuidadoso exame deve tentar buscar por sinais de olho seco, como diminuição do filme lacrimal, ceratite, afinamento corneano, medida do tempo de quebra do filme lacrimal (BUT) e também o teste de Schirmer. Na avaliação palpebral, notar alterações relacionadas com triquíase, entrópio, ectrópio, além de lagoftalmo. Vale lembrar que a avaliação da dinâmica palpebral é também muito importante, para isto devemos avaliar o movimento palpebral no piscar espontâneo e forçado, além do reflexo de Bell.

Tratamento conservador Os objetivos do tratamento conservador são: erradicar os irritantes externos, controlar as doenças endógenas, reduzir a inflamação conjuntival e recriar um ambiente fisiológico para a superfície ocular.

Erradicação dos irritantes externos A rápida erradicação dos irritantes físicos, químicos ou infecciosos pode reduzir a gravidade e a duração da inflamação. Especial atenção deve ser dada a pacientes com triquíase, entrópio, ectrópio, lagoftalmo, hiperemia conjuntival e secreção persistente. Pode haver a indicação do uso de lubrificantes oculares, lentes de contato terapêuticas, ou mesmo epilação mecânica dos cílios.

Controle das doenças endógenas A estabilização das doenças oculocutâneas com cicatrização conjuntival é pré-requisito para qualquer procedimento cirúrgico. Isto é especialmente verdade para o penfigoide cicatricial.


337  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Simbléfaro uma doença cicatricial sob controle permite melhores resultados cirúrgicos, não esquecendo que o procedimento pode, por si só, causar uma agudização da doença de base. Todas as doenças oculocutâneas têm uma base imunológica, desse modo, devem ser tratadas com imunossupressão. Esteroides tópicos ou sistêmicos são extremamente efetivos, mas se utilizados por longo período, podem trazer prejuízo aos olhos. A quimioterapia imunossupressiva tem se mostrado bastante efetiva no controle das doenças cicatriciais da conjuntiva. Ela pode ser combinada aos tratamentos com esteroides para ajudar na retirada destes últimos, geralmente após 2 meses, quando os imunossupresores não esteroidais já se tornam efetivos. No penfigoide cicatricial uma inflamação conjuntival moderada pode ser tratada com Dapsona, 2 mg/ kg, desde que o paciente não apresente alergia a sulfa ou deficiência de glucose-6-fosfato desidrogenase. Nas doenças graves podemos tratar com ciclofosfamida 2 mg/kg. Metotrexato, 7,5 a 15,0 g 1 vez por semana pode também ajudar no controle da inflamação. A dosagem usada deve ser adaptada a cada paciente para evitar os efeitos colaterais, como a pancitopenia ou infecções oportunistas. A azatioprina como único fármaco é menos efetiva que outros imunossupressores, mas pode ser utilizada como adjuvante. No pênfigo, recomenda-se o uso de altas doses de corticoides tópicos e sistêmicos, que devem ser reduzidas assim que as bolhas estão controladas. Azatioprina e ciclofosfamida podem ser usadas para diminuir o uso dos corticoides. Se a doença se tornar não responsiva à máxima dosagem da medicação, pode ser realizada a plasmaférese, para proporcionar uma remissão temporária. Na dermatite herpetiforme, a dapsona é o fármaco de escolha. A maioria dos pacientes com esta doença tem uma enteropatia glúten-sensível assintomática. Uma dieta livre de glúten, durante ao menos 12 meses, pode reduzir efetivamente dose necessária de Dapsona. O tratamento para síndrome de Stevens-Johnson ou necrólise epidermal tóxica é difícil e controversa. O tratamento sistêmico deve ser conduzido primariamente por clínicos ou dermatologistas. Localmente, a formação do simbléfaro pode ser reduzida com a fricção de um bastão de vidro diretamente sobre os locais de adesão conjuntival, além de pomada antibiótica e corticoide tópico. Na fase crônica pode ser necessária a manutenção do corticoide tópico, para controle da inflamação. Pacientes com ceratoconjuntivite atópica podem necessitar de tratamento prolongado com antialérgicos, deixando-se o uso de corticoides para os momentos de crise, já que estes têm mais propensão a desenvolver cataratas corticogênicas. Vários tratamentos sistêmicos têm sido descritos para a síndrome de Sjögren, incluindo andrógenos, estrógenos, ciclosporina, corticoides, pilocarpina e antivirais, além de injeções intramusculares de interferon-alfa. O tratamento para acne rosácea consiste na administração de doxiciclina oral, na dose de 100 mg VO de 12/12 horas durante pelo menos 3 semanas. Em casos não responsivos pode-se utilizar a eritromicina ou tetraciclina, na dose de 250 mg VO de 6/6 horas. Dependendo da resposta, a medicação pode começar a ser diminuída após 3 semanas. A higiene das pálpebras ajuda no controle da blefarite, geralmente concomitante. O uso do corticoide deve ser realizado com cuidado. Ele não é indicado na presença de infecção, síndrome de Sjögren ou na fase subaguda da queimadura química, pois pode proporcionar o desenvolvimento de crescimento microbiano pela supressão da resposta inflamatória à infecção, aumento na chance de perfuração corneana na síndrome de Sjögren e também por alterar a recuperação tecidual após a queimaura. O benefício do uso do anti-inflamatório não


338  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Simbléfaro esteroidal ainda não foi determinado. Utilizado em conjunto com o anti-inflamatório esteroidal pode ajudar, bloqueando a via da ciclo-oxigenase. Assim mesmo sua toxicidade em relação ao epitélio corneano deve ser levada em conta.

Cirurgia do simbléfaro Alterações cicatriciais geralmente necessitam correção cirúrgica. O objetivo é restaurar a integridade estrutural da pálpebra, eliminar irritação mecânica e melhorar a visão. O procedimento cirúrgico pode induzir a formação de mais cicatrização, portanto, deve ser cuidadosamente planejada. O simbléfaro não necessita, obrigatoriamente, ser retirado, especialmente se ele não causa alterações da margem palpebral. Isto é particularmente verdade nos casos de patologias que podem ser reativadas por traumas cirúrgicos. Indicações: somente em casos de entrópio, ectrópio, lagoftalmo e diplopia restritiva. Na fase aguda, as adesões podem ser retiradas com o uso dos bastões de vidro, fazendo a liberação mecânica dos fundos de saco. Outra alternativa é o uso de “anéis de simbléfaro” ou “esponjas de gelatina”, colocadas nos fórnices, até que ocorra a epitelização da conjuntiva, evitando, assim, a diminuição dos mesmos. Na fase crônica, o tecido cicatricial pode ser retirado, deixando a esclera nua. Um conformador pode ser usado para manter os tecidos em posição até que haja total recuperação da região operada. Para diminuir a chance de recorrência, pode-se utilizar a mitomicina 0,4 mg/ ml aplicada localmente durante 3 a 5 minutos após a retirada o tecido cicatricial, lembrando que deve-se evitar a todo custo cauterização com o uso do fármaco, além de fazer copiosa irrigação dos tecidos expostos ao fármaco, após transcorrido o tempo determinado. Não se deve também utilizar a mitomicina em colírio no pós-operatório pelos maiores riscos de complicação. Faixa estreitas de simbléfaro podem ser alongadas com o uso da técnica de “Zetaplastia” (Figs. 4A e B). A incisão é feita inicialmente no sentido da cicatriz, e nas extremidades são feitas incisões, em ângulo de aproximadamente 60º, criando dessa forma, dois flaps de conjuntiva que serão transpostos e suturados com fio absorvível 6-0. Utiliza-se ainda um conformador ou lente de simbléfaro para manutenção do fórnice.

Figs. 4 (A e B)  Zetaplastia.


339  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Simbléfaro Faixas largas de simbléfaro não podem simplesmente ser retiradas e deixadas em “esclera nua”, pois a recorrência é certa. Nestes casos os enxertos devem ser utilizados.

Enxertos de mucosa O objetivo do enxerto de mucosa é corrigir o mau posicionamento das pálpebras, melhorar sua motilidade, além de restaurar sua função fisiológica. As indicações mais importantes são o entrópio grave, lagoftalmo e diminuição da movimentação ocular mecânica causada pelas aderências. Uma melhora na função palpebral, corresponde a uma melhora na lubrificação ocular. Além disto, nos casos de enxerto de mucosa conjuntival, são fornecidas células caliciformes adicionais. Tanto os enxertos de conjuntiva quanto outras mucosas não fornecem células limbares. Assim, estes enxertos sozinhos não são adequados para corrigir uma alteração cicatricial dependente de células limbares. Em casos de doença unilateral, um transplante conjuntival é o mais indicado. No olho receptor o tecido fibrótico deve ser retirado e deixado em “esclera nua”. A conjuntiva normal, do mesmo olho ou do olho contralateral é utilizada para proporcionar uma membrana basal, células caliciformes e epitélio conjuntival sadio. A conjuntiva superior é a preferida como local doador, pois está sempre protegida pela pálpebra. A retirada do enxerto é feita deixando-se uma margem íntegra de 2 a 4 mm do limbo e retirando superiormente a conjuntiva sem atingir o fundo de saco. A conjuntiva deve ser separada da Tenon com cuidado para não lesionar as estruturas, pois delas dependerá a recuperação das áreas envolvidas. O tecido doado deve então ser suturado ao local receptor por fios de nylon 10-0 ou 8-0, podendo ser utilizado como adjuvante a colocação de lentes de contato, curativo ou tarsorrafia, com objetivo de diminuir a influência negativa que o movimento da pálpebra pode causar ao tecido recém-enxertado. Em casos de doença bilateral, em que o olho contralateral não pode fornecer conjuntiva sadia, outras mucosas podem ser usadas para recobrir a superfície ocular: mucosas bucal e labial (Fig. 5), mucosa do palato duro, mucosa dos seios da face e mucosa nasal. A mucosa nasal tem a vantagem de prover não só células epiteliais não queratinizadas, mas também células caliciformes, que contribuem para melhora da camada de mucina no filme lacrimal, mas não é a mucosa de melhor textura para ser usada na superfície ocular. A mucosa sinusal é a menos acessível e a do palato duro geralmente é usada para revestir a face conjuntival palpebral por ser mais firme e propiciar maior suporte estrutural. A cirurgia para enxerto de mucosa pode ser realizada sob anestesia local ou geral. O lábio inferior deve ser infiltrado com lidocaína contendo vasoconstritor para facilitar

Fig. 5  Enxerto de mucosa labial.


340  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Simbléfaro

Fig. 6  Mucótomo.

a remoção do enxerto. Pinças podem ser usadas para manter o lábio tenso enquanto se utiliza o mucótomo ou a lâmina cirúrgica para sua retirada (Fig. 6). Se o lábio inferior não fornecer quantidade suficiente de mucosa podemos utilizar o superior. Todas as adesões entre o globo e a pálpebra devem ser retiradas até que se consiga uma boa mobilidade do globo. Note bem que nada do simbléfaro deve ser retirado, deve apenas ser deslocado para a face conjuntival palpebral e região do fundo de saco. O enxerto deve então ser suturado no fundo de saco e recobrir o globo. Alguma redundância do enxerto é interessante, pois devemos esperar uma contração do mesmo. Uma “lente escleral” transparente deve ser usada para manter o enxerto em posição e para manter o fundo de saco o mais profundo possível. Deve-se manter atenta observação da córnea para identificar possíveis alterações devido à pressão exercida sobre ela, pela lente. A “lente escleral” deve ser mantida na posição durante várias semanas, se possível. A contração do tarso pode levar ao entrópio cicatricial, que deve ser reparado com uma cirurgia para rotação da margem e reposicionamento da mesma. Possíveis complicações após a cirurgia de enxerto de mucosa incluem recorrência da triquíase, queratinização da superfície, ptose, blefarofimose, recorrência da doença após a cirurgia, defeito epitelial persistente, mau fechamento palpebral, abscesso submucoso, lacrimejamento, recorrência do simbléfaro e perda do enxerto.

Politetrafluoretileno (PTFE) não poroso Tem sido descrito como uma opção para o tratamento de simbléfaro e deve ser utilizado recobrindo-se a superfície cruenta com o material enquanto se aguarda de 2 a 3 semanas o crescimento do epitélio conjuntival. Tem a vantagem de não necessitar a retirada de tecido para enxerto e temos uma superfície ilimitada passível de tratamento.


341  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Simbléfaro Membrana amniótica O uso da membrana amniótica em reconstrução palpebral não é um conceito novo, os primeiros relatos datam da década de 1940. Assim, após alguma obscuridade, a membrana ganhou novamente interesse no tratamento das doenças da superfície ocular. O estado do filme lacrimal parece um fator determinante para o sucesso da reconstrução com membrana amniótica, conforme as lágrimas se mostram essenciais para a proliferação e diferenciação das células epiteliais. As lágrimas contêm vários fatores para a modulação do crescimento epitelial, como o fator de crescimento epidérmico, vitamina A e TGF beta-1 e beta-2. A diminuição da produção da lágrima não causa somente dissecação, mas também deprivação nutricional no epitélio ocular superficial e acúmulo de substâncias citotóxicas. A membrana amniótica provê somente uma membrana basal para que as células epiteliais proliferem, mas não recuperam o filme lacrimal nem fornecem células epiteliais prontas. Assim, ela age como substrato e não como substituta, para a conjuntiva sadia.

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Midori Hentona Osaki • Tammy Hentona Osaki

C a p í t u l o | 37

Tratamento das Rugas de Expressão

Em 1973, Alan Scott et al. publicaram estudo mostrando alterações no alinhamento ocular após aplicação de toxina botulínica – A (BTX-A) em músculos extraoculares de macacos. Em 1989, este fármaco foi liberado pelo FDA para tratamento de estrabismo e blefaroespasmo essencial. A atenuação das linhas de expressão em pacientes cujos músculos haviam sido tratados para blefaroespasmo essencial levou a estudos clínicos que utilizaram BTX-A na região glabelar. Em 2002, o FDA aprovou a utilização de BTX-A para tratamento de rugas glabelares. A toxina botulínica é produzida pela bactéria Gram-positiva Clostridium botulinum. Dos 8 sorotipos antigenicamente distintos, 7 são neurotoxinas, sendo que a toxina botulínica do tipo A é a mais potente. A dose tóxica para uma pessoa que pesa 70 kg é estimada entre 2.500 e 3.000 unidades aproximadamente (40 U/kg). Este fármaco atua bloqueando a liberação da acetilcolina na junção neuromuscular, levando à paralisia muscular flácida, que pode ser clinicamente notada em um período que varia de 3 a 7 dias após a aplicação. O relaxamento muscular, com consequente redução das rugas obtida pós-tratamento com toxina, permanece durante aproximadamente 4 meses. Após este período, ocorre o brotamento de axônios motores e formação de novas placas motoras, resultando no reaparecimento das rugas dinâmicas. Tratamentos subsequentes tendem a ter maior duração, atribuída a atrofia muscular por desuso.

Apresentação comercial Existem quatro apresentações comerciais de toxina botulínica – A no Brasil: Botox® (Allergan), Dysport® (Speywood/Biosintetica), Prosigne® (Lanzhou/Cristália) e Xeomin® (Merz-Biolab). O Botox® e o Xeomin® são apresentados em frascos com 100 U, o Prosigne® é apresentado em frascos com 50 e 100 U e o Dysport® em frascos com 500 U. A potência clínica de 1 unidade de Botox® Prosigne® e Xeomin® corresponde a 4 unidades de Dysport®. Neste capítulo, as doses de BTX-A citadas correspondem aos fármacos que se apresentam em frascos de 100 U. Tabela I.

343


344  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Tratamento das Rugas... A apresentação contendo toxina botulínica do tipo B é o Myobloc (Neurobloc, Elan Corporation, San Francisco, CA). Este fármaco ainda não está disponível no Brasil. Diferentemente das toxinas botulínicas do tipo A disponíveis no mercado, o Myobloc® não requer reconstituição, uma vez que é disponibilizado na forma líquida. Este fármaco foi aprovado nos EUA em 2000 para tratamento de distonia cervical. Cem unidades deste fármaco correspondem a 1 unidade de Botox®. Em relação ao Botox®, apresenta um inicio de ação um pouco mais rápido, porém, devido a um pH levemente mais ácido, a aplicação é mais dolorosa. Além disso, a duração do efeito é menor, o que faz com que este fármaco seja considerado uma segunda opção para tratamentos cosméticos. A toxina botulínica é um produto biológico e por isso não é possível afirmar que as toxinas comercializadas sejam exatamente iguais. Inclusive, por serem produtos biológicos, nem mesmo um frasco de toxina botulínica tipo A é exatamente igual a outro frasco de um lote diferente, ainda que de uma mesma marca. Uma das preocupações iniciais relacionadas com o uso de altas doses deste fármaco em intervalos de tempo curtos era a de um possível risco de formação de anticorpos com consequente perda da resposta clínica. No entanto, até o presente momento, não há documentação científica mostrando que as pequenas doses usadas para tratar a musculatura facial possam estar associadas à formação de anticorpos. Tabela I Botox

Dysport

Prosigne

Xeomin

Composição

BTX-A Albumina humana Cloreto de sódio

BTX-A Albumina humana Lactose

BTX-A Gelatina bovina

BTX-A Albumina humana Sacarose

Unidades

100U

500U

100U

100U

Produção/ Distribuição

Allergan Inc,USA/ Allergan

Speywood UK/ Galderma

Lanzhou China/ Cristália

Merz Alemanha/ Biolab

Interações medicamentosas O efeito da BTX-A pode ser afetado por fármacos que interferem com a junção neuromuscular: ciclosporina, aminoquineínas (cloroquina e hidrocloroquina), D-penicilamina, bloqueadores dos canais de cálcio, tubocurarina, pancurônio, galamina e succinilcolina, anticolinesterásicos. Os aminoglicosídeos (gentamicina, estreptomicina, kanamicina) podem potencializar os efeitos da toxina. Assim, doses menores devem ser administradas a pacientes em uso destes fármacos. Recomenda-se também cautela com pacientes tratados com polimixinas, tetraciclinas e lincomicina.

Contraindicações A BTX-A é contraindicada em indivíduos com hipersensibilidade conhecida a qualquer um dos componentes da fórmula, em pacientes com distúrbios de transmissão neuromuscular (miastenia gravis e síndrome de Lambert-Eaton), em gestantes e lactentes.


345  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Tratamento das Rugas... Efeitos colaterais Nas aplicações estéticas deve-se ter muito cuidado em relação a possíveis reações adversas, pois o paciente busca melhora da sua aparência e qualquer efeito colateral será indesejável. As complicações decorrentes da aplicação da toxina são dose-dependentes e reversíveis. Reações de curta duração no local da injeção incluem: dor localizada, edema, eritema, equimose, cefaleia e hipoestesia. Estas costumam ser leves e transitórias. Equimose é mais comum em pacientes que fazem uso de ácido acetilsalicílico, warfarina, vitamina E, anti-inflamatórios não hormonais e gingko biloba. Recomendamos que estes fármacos sejam interrompidos sete dias antes do tratamento. Complicações anatômicas e funcionais relacionadas com o enfraquecimento excessivo dos músculos tratados ou dos músculos adjacentes ao local de aplicação incluem ptose da pálpebra superior, diplopia, ectrópio, lagoftalmo queda do supercílio, elevação excessiva da cauda do supercílio, piora da bolsa de gordura da região da pálpebra inferior, acentuação das rugas nasais, ptose do lábio superior, dificuldade para a movimentação dos lábios e assimetria facial. Efeitos sistêmicos associados ao tratamento com BTX-A são mínimos. No entanto, podem ocorrer sintomas semelhantes aos da gripe, rash cutâneo náuseas, fadiga, mal-estar, xerostomia, provavelmente decorrentes de difusão de pequena quantidade de toxina para a circulação sanguínea.

Técnica de diluição Para a reconstituição, utiliza-se solução salina estéril sem conservante. Uma vez que a toxina pode ser desnaturada pela efervescência ou agitação violenta, o diluente precisa ser injetado no frasco a vácuo lentamente, evitando-se a formação de bolhas. Após a reconstituição, a solução deve ser armazenada no refrigerador e utilizada no perío­ do de 24 horas. O real tempo de atividade permanece controverso: alguns estudos demonstraram que o fármaco pode ser utilizado até 30 dias após reconstituição. Em relação à potência, Sloop et al. demonstraram nenhuma perda de potência em 24 horas.

Tabela II Diluente SF 0,9%

Botox, Prosigne e Xeomin concentração por 0,1 ml

Dysport concentração por 0,1 ml

1,0ml

10,0U

50,0U

2,0ml

5,0U

25,0U

2,5ml

4,0U

20,0U

4,0ml

2,5U

12,5U


346  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Tratamento das Rugas... Técnica de injeção O paciente deve ser colocado em posição sentada ou semideitada. Podem ser utilizados anestésicos tópicos, como lidocaína (Dermomax® ou Emla®), aplicados 20 a 30 minutos antes do tratamento, que além de atenuarem a dor associada às aplicações, também ajudam a reduzir a ansiedade do paciente. Para injetar a toxina, utilizam-se seringa e agulha de insulina 30 ou 32G. Faz-se assepsia com álcool previamente à injeção de BTX-A; deve-se aguardar a sua evaporação, uma vez que o álcool desnatura a toxina. Indica-se o uso de BTX-A mais concentrada, pois isso promove uma maior precisão no sítio injetado e menor difusão para músculos adjacentes. As injeções são geralmente intramusculares. Com exceção da área periocular (subcutânea), a injeção intramuscular é aplicada perpendicular à pele, no ventre do músculo. Quando a pele é fina, as injeções são realizadas no plano subcutâneo. Em geral, pele espessa requer maior dose de BTX-A, quando comparada com uma pele mais fina. A dose aplicada depende da massa muscular e do grau de hipertrofia. Em geral, a dose em homens é maior do que em mulheres e costuma diminuir após injeções repetidas.

Cuidados pré e pós-aplicação Antes da aplicação, deve-se orientar o paciente a não utilizar anti-inflamatórios, ácido acetilsalicílico, gingko biloba de 7 a 10 dias antes do tratamento. Além disso, é essencial explicar ao paciente sobre tempo de início de ação do fármaco, duração e possíveis complicações. Como em todo procedimento cosmético, deve-se fotografar a área a ser tratada, nos estados hiperfuncionante e relaxado, com iluminação adequada, para que se possa documentar e planejar um retratamento caso haja necessidade. Após a aplicação da BTX-A, orienta-se o paciente a se manter em posição vertical durante 4 horas e não massagear os músculos tratados, a fim de evitar a dispersão do fármaco.

Aplicação estética da BTX-A O processo de envelhecimento da pele compreende mudanças fisiológicas causadas por diversos fatores, entre eles, idade, genética, exposição à radiação UV, tabagismo, poluição, alimentação inadequada e estresse. Além desses fatores, a contração repetida dos músculos de mímica e expressão leva à hipertrofia e aumento da tonicidade dos mesmos, produzindo marcas de expressão na face na forma de sulcos ou rugas. O uso da toxina botulínica é uma alternativa muito eficiente que complementa ou substitui técnicas tradicionais para a eliminação das rugas. A técnica consiste em injetar a toxina no músculo cuja hipertrofia e tônus provocam o aparecimento das rugas. Assim, se obtém uma paralisia temporária, com o desaparecimento das rugas mais leves e atenuação das mais profundas. A atenuação das rugas de expressão, além de representar uma melhora cosmética, está também associada à melhora da autoestima.


347  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Tratamento das Rugas... A duração do efeito é em média de 4 a 6 meses. Algumas rugas podem não ser amenizadas de forma ideal na primeira aplicação, mas sim com as aplicações subsequentes. Deve-se ressaltar que os resultados variam conforme o sexo, a faixa etária e o tipo de pele.

Seleção de pacientes A seleção dos pacientes é essencial na obtenção de resultados previsíveis. Deve-se alertar àqueles que se utilizam da expressão facial profissionalmente (como, por exemplo, atores) sobre uma potencial redução na expressão facial. É importante discutir com o paciente qual é a sua expectativa em relação aos resultados do tratamento com a BTX-A. Tabela III. Muitas vezes, podemos notar pessoas com expectativas não realistas e com alterações psíquicas. Tipo de pele (fina ou grossa), força muscular (dependendo do sexo) e mímica facial acentuada são considerações importantes quando se discute o resultado e a duração do tratamento.

Anatomia Deve-se conhecer plenamente a anatomia funcional da mímica facial para que as aplicações sejam feitas com maior precisão e com a menor dose eficaz em cada ponto. Tabela IV. A musculatura facial consiste de músculos superficiais (músculos de expressão facial) e músculos profundos (músculos de expressão facial e mastigatórios). Deve-se ter em mente também que alguns pacientes podem apresentar variações anatômicas na musculatura facial, assim como ocorre em outras partes do corpo. Lembrar que a toxina botulínica apresenta difusão com efeito clínico estabelecido até 1 ou 2 cm, podendo chegar a até 3 cm do ponto de aplicação.

TABELA III  Fatores que influenciam no tratamento com BTX-A Regiões a serem tratadas

Registro detalhado da técnica de aplicação (dose total e número de pontos)

Sexo

Geralmente doses mais altas para homens ou para músculos com padrão masculino

Etnia

Considerar ideal estético e espessura de pele

Espessura da pele

Doses mais altas para peles mais espessas (para garantir difusão para musculatura)

Massa muscular

Doses maiores para músculos com maior massa muscular

Variações anatômicas

Adequar pontos de aplicação e dosagem de tratamento

Mímica facial

Direciona a dose e os pontos de aplicação


348  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Tratamento das Rugas... TABELA IV  Músculos da mímica facial Músculo

Função

Rugas

Frontal

Levanta o supercílio, franze a fronte

Linhas horizontais sobre a testa

Corrugador do supercílio

Aproxima os supercílios e auxilia no fechamento forçado dos olhos

Linhas verticais na glabela

Orbicular do olho – Parte palpebral – Parte orbital

Piscar e fechamento da pálpebra. Oclusão forçada do olho

“Pés-de-galinha”

Prócero

Depressão da porção medial dos supercílios

Rugas nasais transversais

Nasal

Movimento do nariz e auxilia o alar a abrir as narinas

Linhas nasais

Orbicular da boca

Fecha e protrai os lábios

Linhas ao redor da boca

Levantador do lábio superior (porção nasal)

Levanta o lábio superior e dilata a narina

Colabora para as rugas laterais do nariz, do canto medial dos olhos

Levantador do lábio superior (porção malar)

Levanta o ângulo da boca

Colabora para o sulco nasogeniano e do canto medial dos olhos

Zigomático maior

Levanta o ângulo da boca para cima e para fora e mastigação

Colabora para o sulco nasogeniano e do canto medial dos olhos, bem como para alinhar o sorriso

Zigomático menor

Movimenta o lábio superior para cima e lateralmente

Colabora para o sulco nasogeniano e do canto medial dos olhos

Levantador do ângulo da boca

Levanta o ângulo da boca e o lábio superior

Colabora com o sorriso

Risório

Movimenta o ângulo da boca para cima e para trás

Linha do sorriso

Depressor do ângulo da boca

Abaixa o ângulo da boca (expressão de tristeza)

“Bigode chinês”

Depressor do lábio inferior

Abaixa o lábio inferior

“Bigode chinês”

Mental

Dobra a pele do mento

Linha em meia-lua no queixo

Platisma

Tensiona a pele do pescoço

Linhas no pescoço

Glabela A glabela é responsável pelos movimentos de expressão (raiva, ansiedade ou medo), formato e posicionamento dos supercílios. Compreende três músculos principais: frontal, prócero e corrugador do supercílio. As fibras do músculo frontal são elevadoras do supercílio, enquanto o prócero e os corrugadores possuem ação depressora.


349  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Tratamento das Rugas... Rugas glabelares costumam ser paralelas e podem ser simétricas ou assimétricas. Geralmente resultam da ação dos corrugadores do supercílio. A aplicação de toxina varia conforme o sexo, pois os homens apresentam maior força muscular, pele mais espessa e sobrancelha reta, enquanto as mulheres têm sobrancelha arqueada e menor força muscular. É essencial que a BTX-A seja aplicada nos corrugadores e não em topografia do músculo frontal adjacente, a fim de se evitar uma aparência não natural, com aumento da distância entre os supercílios medialmente e ptose de supercílio medial. Na glabela aplicamos cerca de 5 a 10 U no corrugador na parte medial dos supercílios. O prócero também é um músculo muito importante na área da glabela, pois sua contração pode levar ao aparecimento de linhas horizontais na região do dorso e raiz do nariz. Ele pode ser tratado com 5 a 10 U, principalmente quando estas linhas estão presentes (Figs. 1A e B). Para diminuir a incidência de ptose palpebral como efeito adverso, ao aplicar a BTX-A nos corrugadores, recomenda-se injetar pelo menos 1 cm acima da rima orbital e utilizar a toxina mais concentrada a fim de se evitar a difusão do fármaco para a aponeurose do músculo levantador da pálpebra superior. Caso esta ocorra, pode-se manifestar no prazo 48 horas a uma semana após as injeções e pode durar por semanas, geralmente resolvendo-se em 4 a 6 semanas. Nestes casos, recomenda-se o uso de agentes alfa-adrenérgicos, como cloridrato de nafazolina (Fresh clear®, Claroft®, Cristalin®) para o tratamento, enquanto persistir o sintoma. Estes fármacos estimulam o músculo de Müller, que eleva a pálpebra superior. Outra preocupação quando se trata a região glabelar consiste no aparecimento de linhas nasais (“bunny lines”). Estas podem ser atenuadas com a aplicação adicional de 2 a 4 unidades de BTX-A no músculo nasal. Além disso, pode ocorrer uma elevação exagerada do supercílio lateral (“Dr. Spock” – personagem da série Jornada nas Estrelas) decorrente de uma ação exagerada do frontal, consequente ao enfraquecimento da musculatura depressora do supercílio. Nestes casos, deve-se aplicar de 1 a 2 U de BTX-A na porção lateral do músculo frontal.

Fronte O músculo frontal se origina na gálea aponeurótica e se insere na derme do supercílio, fundindo-se com as fibras do orbicular oculi, prócero e corrugadores. Possui dois ventres (direito e esquerdo) com inervações distintas, podendo ocorrer assimetrias na região frontal.

Figs. 1 (A e B) A. Paciente do sexo feminino contraindo a região glabelar e os pontos de aplicação da toxina. B. Paciente tentando contrair a glabela após aplicação da toxina.


350  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Tratamento das Rugas... É responsável pela elevação dos supercílios e pelas linhas horizontais da fronte. As fibras mediais desse músculo são mais fibrosas que as laterais, requerendo menor quantidade de BTX-A. Antes do tratamento é necessário avaliar a presença de assimetria de supercílio, ptose preexistente (o paciente utiliza o músculo frontal para compensar). A forma mais simples de tratar linhas frontais é através da injeção de 2,5U de BTX-A, com intervalos de 1,5 a 2 cm de cada lado, em uma mesma linha ou difusamente pela fronte totalizando uma dose de 15 a 20 U na fronte inteira. As injeções devem ser restritas às porções central ou lateral da fronte (Fig. 2), a pelo menos 1,5 cm acima da margem superior do supercílio, para se evitar ptose de supercílio.

Fig. 2  Paciente do sexo feminino antes e após aplicação de BTX-A na região frontal.

Região periorbital (“pés-de-galinha”) Os músculos dessa região consistem principalmente nos orbicularis oculi. Trata-se de um músculo plano que circunda ambas as órbitas e se extende até as pálpebras. É composto de duas partes: orbital e palpebral. A porção orbital é responsável pelo fechamento voluntário da pálpebra; sua porção temporal é responsável pelo abaixamento da cauda do supercílio. A porção palpebral do orbicular oculi é responsável pela bomba lacrimal, pelo piscar e fechamento palpebral. A contração da porção lateral do orbicular oculi resulta em linhas radiais, conhecidas como “pés-de-galinha”. O orbicular oculi é o único depressor do supercílio lateral. Injeta-se a toxina na parte lateral do músculo orbicular oculi, 1 cm lateral à margem orbital. Repete-se a aplicação de 1 a 1,5 cm acima e abaixo do local inicial de injeção. A injeção de BTX-A nessa região deve ser aplicada no subcutâneo da porção orbital do orbicular oculi, com a agulha direcionada para fora da rima orbital. A maioria dos estudos recomenda a injeção de Botox® em 3 a 6 pontos, em leque, usando de 5 a 15 U de cada lado. O orbicular oculi pode ser tratado na porção superolateral para promover maior levantamento do supercílio. Deve-se tomar maior cuidado em pacientes que apresentam frouxidão palpebral, pois o excesso de BTX-A nessa região pode ocasionar lagoftalmo ou ectrópio. A difusão do fármaco para o músculo reto lateral causa diplopia e para o músculo zigomático maior pode resultar um sorriso assimétrico. Pode ocorrer também como efeito colateral, epífora, por alterações da bomba lacrimal.


351  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Tratamento das Rugas... Elevação do supercílio O supercílio é uma estrutura dinâmica, cujo formato e altura variam conforme a interação com os músculos. A anatomia dos músculos faciais, o tamanho das fibras musculares, o sexo e a força da contração muscular influenciam no formato do supercílio. O músculo frontal eleva o supercílio, enquanto os músculos corrugadores, prócero, orbicular oculi e depressor do supercílio deprimem-no. A porção superolateral do orbicular oculi é responsável pela depressão da cauda do supercílio. Ptose de supercílio progride com o decorrer da idade. Observou-se que ao tratar a região glabelar, enfraquecendo-se os músculos depressores do supercílio com a BTX-A, ocorria elevação do supercílio em 1 a 3 mm (brow-lift químico). Huang et al. recomendam a injeção de 5U de BTX-A em cada músculo corrugador e 10 U divididas em quatro pontos equidistantes, começando na linha pupilar e extendendo-se para o supercílio lateral. Para elevação dos supercílios, costuma-se tratar a região glabelar associada à aplicação subcutânea de 2U de BTX-A no orbicular oculi, junto à cauda do supercílio. Para evitar a ptose palpebral, a agulha deve estar direcionada horizontalmente e para cima. Além deste cuidado, deve-se injetar a BTX-A lentamente e utilizar volume baixo com alta concentração para evitar dispersão tecidual do fármaco.

Hipertrofia do músculo orbicular oculi O ato de sorrir tende a diminuir a abertura palpebral, principalmente em indivíduos com hipertrofia da porção inferior do músculo orbicular oculi. Uma a duas unidades de BTX-A, injetadas 3 a 4 mm abaixo da margem ciliar, na linha mesopupilar, fará com que a abertura palpebral aumente pelo relaxamento do músculo orbicular tanto em repouso quanto ao sorrir, além de diminuir a formação de rugas nesta região.

Linhas nasais (Bunny Lines) A contração das fibras do músculo nasal superior causa a formação de linhas na raiz nasal, denominadas bunny lines, que podem existir naturalmente ou ficar acentuadas quando a região da glabela é tratada. O local de injeção deve ser anterior ao nervo nasofacial, na parede lateral do nariz, bem abaixo da veia angular. Deve-se tomar cuidado para não aplicar nos músculos levantador do ângulo da boca e levantador do lábio superior e da asa do nariz e provocar assimetrias labiais.

Assimetria facial As assimetrias faciais podem ocorrer por utilização assimétrica dos músculos da face, ou serem induzidas por doenças como a paralisia facial e o espasmo hemifacial. Em casos de paralisia facial, o paciente deve ser avisado que a toxina será aplicada nos músculos sãos contralaterais, levando a um reequilíbrio entre músculos agonistas e antagonistas, contribuindo assim para uma melhor simetria facial (Fig. 3A e B). Podemos observar como complicações nesses casos: hipo e hipercorreção da assimetria facial.


352  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Tratamento das Rugas... Uso adjuvante da BTX-A A BTX-A relaxa a musculatura facial, facilitando a cicatrização dos tecidos adjacentes após o resurfacing das rugas periorbitais com laser, pois imobiliza a área tratada. De forma similar, o uso de BTX-A pode ser de grande valor em cirurgias de supercílio, proporcionando resultado mais simétrico e uniforme. Em casos em que se deseja tratar uma mesma região anatômica com preenchimento ou uso de anestésico local, deve-se atentar para uma possível diluição da BTX-A, podendo levar à difusão do fármaco e efeitos colaterais. O mesmo pode ocorrer caso haja edema após resurfacing ou peelings. A fim de se evitar este tipo de complicação, recomenda-se aplicar a BTX-A aproximadamente 2 semanas antes de qualquer tratamento adjuvante.

Figs. 3 (A e B) A. Paciente de 23 anos com assimetria facial após paralisia facial direita, ao sorrir. B. Melhora da simetria facial após aplicação de BTX-A nos músculos orbicular, zigomático, risório e depressor do ângulo da boca da hemiface esquerda.

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Índice Alfabético

Números em itálico são referentes às figuras. Os números em negrito indicam onde os assuntos são abordados mais extensamente. Anquilobléfaro, 255 Apert síndrome de, 17 Ascaridíase, 188 definição, 188 diagnóstico, 188 sinais e sintomas, 188

A Ablefaria, 253 Adenoma pleomórfico, 104 definição, 104 histologia, 104 sinais, 104 tratamento, 104 Amiloidose, 194 características da, 194 diagnóstico, 194 sintomas, 194 tratamento, 194 Anestesia geral, 249 local, 246 assistida, 248 complicações, 248 seleção da, 245 Angiografia, 12 Angiorressonância, 12 Angiotomografia, 12 Anoftalmia congênita, 50 Anomalias congênitas, 13

B Baquicefalia, 15 Blefarite, 266 definição, 266 estafilocócica, 266 forma mista, 267 seborreica, 266 Blefarocálase, 264 Blefaroespasmo essencial, 333 tratamento, 333 Blefaroplastia perda da visão e distúrbios da motilidade em, 355 Blefaroptose, 303-314 associada, 307

355


356  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Índice Alfabético definição, 303 etiologia e classificação, 307 propedêutica, 303 história clínica, 303 pseudoptose, 306 Bloqueio funcional, 197-199 definição, 197 diagnóstico, 197 tratamento, 198 Bulbo ocular neoplasias secundárias do, 130 Burkitt linfoma de, 114

C Calázio, 265 definição, 265 tratamento, 265 Campimetria computadorizada, 8 Canalículos alterações dos, 174 Carcinoma basocelular, 125 apresentação clínica e histopatologia, 125 tratamento, 126 Carcinoma adenoide cístico, 104 definição, 104 diagnóstico, 105 ocorrência, 104 padrão histológico, 105 tratamento, 105 Carcinoma de células sebáceas, 127 apresentação clínica, 127 histopatologia, 127 tratamento, 127 Carcinoma espinocelular, 126 apresentação clínica, 126 de conjuntiva, 128 apresentação clínica, 128 histopatologia, 128 tratamento, 128 histopatologia, 126 tratamento, 126 Cavidade craniana neoplasias secundárias da, 134

Cavidade nasal neoplasias secundárias das, 133 Cavidades anoftálmicas, 45 complicações, 54 conceito, 45 reabilitação do paciente, 47 remoção do olho, 46 Células plasmáticas tumores de, 113 biópsia, 113 definição, 113 Celulites, 27 causa, 27 de origem rinossinusal, 57 palpebral, 267 não supurativa, 267 secundária, 268 tratamento, 27 Cisto epitelial, 103 conduta, 104 definição, 103 ocorrência do, 103 Coloboma complexo, 254 isolado, 253 Conjuntiva neoplasias secundárias da, 128 Craniossinostoses, 13 aparecimento, 13 definição, 13 não sindrômicas, 14 sindrômicas, 16 Criptoftalmo, 251 Crohn doença de, 190 Crouzon síndrome de, 16

D Dacriocintilografia, 159 Dacriocistenose fisiopatogenia da, 183 Dacriocistites agudas, 182, 185 crônicas, 182, 185


357  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Índice Alfabético Dacriocistografia, 158 Dacrioestenose congênita propedêutica, 167 quadro clínico da, 165 tratamento da, 168 Displasia fibrosa, 64 crescimento, 64 definição, 64 diagnóstico, 64 exames, 64 histologia, 64 lesões, 65 Distopia ocular vertical, 4 Doença de Crohn, 190 de Kawasaki, 190 de Rosai Dorfman, 72 Doppler colorido, 13 ultrassonografia, 12

E Ectoscopia, 154 Ectrópio, 279-285 definição, 279 etiopatogenia, 279 tipos de, 280 tratamento, 281 Edema palpebral alérgico, 263 de origem sistêmica, 264 Endoscopia nasal, 160 Entrópio, 258, 287-295 adquirido, 288 cicatricial, 293 congênito e epibléfaro, 287 outras técnicas, 294 Enxerto dermolipídico, 49 Epibléfaro, 257, 287 Epicanto, 259 Epífora quadro clínico da, 153 Escafocefalia, 14

Espamo hemifacial, 334 Euribléfaro, 260 Excreção lacrimal fisiologia da, 149-152 canalículo superior, 149 saco lacrimal, 151 Exoftalmometria, 6

F Fendas orbitofaciais, 18 classificação, 18, 19 definição, 18 facial, 20 localização, 19 origem, 19 Feridas cicatrização de, 233 Fístulas arteriovenosas, 31 Fitiríase, 269 tratamento, 270 Fraturas orbitárias, 37 classificação, 39 associadas, 41 blow-in, 40 blow-out, 40 internas, 39 lineares, 39 LeFort, 43 naso-etmoido-orbitárias, 42 complicações, 44 diagnóstico, 38 estrutura da junção craniofacial, 37 introdução, 37 tratamento, 44 Fronte, 373

G Glabela, 372 Glândula lacrimal tumores da, 103-108 lesões de origem epitelial, 103 lesões de origem não epitelial, 106


358  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Índice Alfabético Glioma óptico, 93-99 diagnóstico, 94, 95 histopatologia, 93 história natural, 96 introdução, 93 prognóstico, 96 quadro clínico, 94 tratamento, 96 Goldenhar síndrome de, 21 Granulomatose de Wegener, 67, 188 achado clínico, 67 definição, 67 diagnóstico, 67 forma, 67 lesões, 67 do segmento anterior, 68 tratamento, 68 Graves orbitopatia de, 27, 32 conceito, 32 fisiopatogenia, 34 manifestações clínicas, 33 subtipos, 35 tratamento, 36

H Hemangioma capilar, 85-88 anatomopatológico, 86 definição, 85 diagnóstico, 85 quadro clínico, 85 tratamento, 86 Hemangioma cavernoso, 117-119 características clínicas, 117 diagnóstico diferencial, 118 exames de imagem, 118 introdução, 117 patologia, 119 tratamento, 119 Hemorragia, 202 tardia, 202 Hemostasia, 233 Hiperplasia linfoide atípica, 109 manifestações clínicas, 109

linfoide reacional benigna, 109 características, 109 sinais, 109 Hiperterolismo, 22 definição, 22 ocorrência, 23 secundário, 23 Histiocitose, 189 tipos langerhans e não langerhans, 69 células, 69 manifestações clínicas, 70 tratamento, 71 Hodgkin linfoma, 110, 114 tumores não aspectos clínicos, 107 diagnóstico, 106 Hordéolo, 264 definição, 264 tratamento, 265

I Implantes tipos de, 48 não integráveis e integráveis, 49 Infestação parasitária, 269 Infiltrações linfóides não neoplásicas, 69 biópsia, 69 características, 69 Inflamação, infecção e infestação palpebral, 263-271 Inflamação orbitária idiopática, 28 classificação, 28 tratamento, 30 Intubação lacrimal complicações na, 203 Involução palpebral e facial, 349-356 exame, 350 patogênese, 349 perda da visão, 355 técnica, 354


359  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Índice Alfabético J

M

Jones técnica de, 291, 291 teste de, 156 Junção craniofacial estrutura da, 37

Malformações venolinfáticas, 24 definição, 24 sintomas, 24 Manobra de Valsalva, 7 Meduloepitelioma, 131 Melanoma de conjuntiva, 129 apresentação clínica, 129 histopatologia, 129 tratamento, 129 maligno, 127 apresentação clínica, 128 histopatologia, 128 tratamento, 128 uveal, 132 tratamento, 132 Meningioma, 134 Metástases orbitárias, 137-140 acometimento, 137 definição, 137 exame clínico, 139 incidência, 137 manifestações clínicas, 138 sinais e sintomas, 139 tratamento, 139 Microrbitia, 22 definição, 22 Mordeduras caninas, 277 humanas, 277 Mucoceles, 61 definição, 61 sinais, 62 tipos de, 61 tratamento, 63

K Kawasaki doença de, 190 definição, 190 tratamento, 190

L Lacerações palpebrais, 275 Lágrima, 149 Leishmaniose, 187 alterações oculares, 187 definição, 187 transmissão, 187 Lesões não supurativas, 175 supurativas, 174 Lester Jones tubo de complicações, 205 Leucemias, 114, 193 Linfangioma, 86 anatomopatológico, 87 definição, 86 diagnóstico, 87 quadro clínico, 86 tratamento, 87 Linfoma(s), 192 de Burkitt, 114 de Hodgkin, 114 não Hodgkin, 110 biópsia para, 112 definição, 110 desenvolvimento da doença, 112 lesões, 110 Liquorreia, 202

N Neoplasias, 31 secundárias da órbita, 125-135


360  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Índice Alfabético O Obstrução lacrimal congênita diagnóstico e tratamento, 163-172 diferencial, 168 embriologia, 163 evolução natural, 164 indicações, 170 manifestações clínicas, 166 propedêutica, 167 quadro clínico, 165 Olho remoção do, 46 enucleação, 47 evisceração, 46 tipos de implantes, 48 Órbita, 3-81 abordagem cirúrgica da, 73 aguda, 26 conceito, 26 etiologia, 26 anomalias congênitas, 13 cavidades anoftálmicas, 45 displasia fibrosa, 64 e seios paranasais, 56 estudo semiológico, 4 exame oftalmológico, 8 história clínica e inspeção, 4 imagem, 9 palpação, 8 fraturas orbitárias, 37 classificação, 39 diagnóstico, 38 introdução, 37 tratamento, 44 introdução, 3 neoplasias secundárias da, 125-135 bulbo ocular, 130 cavidade craniana, 134 cavidade nasal e orofaringe, 133 conjuntiva, 128 meduloepitelioma, 131 pálpebras, 125 seios da face, 132 neurofibroma da, 122 aparecimento, 122

composição, 122 definição, 122 histologia, 122 sinais e sintomas, 123 tratamento, 123 orbitopatia de Graves, 27, 32 conceito, 32 fisiopatogenia, 34 [NIVEL 3]manifestações clínicas, 33 subtipos de, 35 tratamento, 36 processos inflamatórios, 67 schwannoma da, 121-123 Orbitotomias inferiores, 78 laterais, 73 mediais, 75 abordagens, 75 superiores, 77 Orofaringe neoplasias secundárias da, 133

P Pálpebras anatomia cirúrgica das no contexto da face, 217-225 considerações, 222 edema inflamatório das, 58 malformações congênitas das, 251-262 anomalias cantais, 259 de formação, 251 marginais, 257 posicionais, 255 embriologia, 251 retração palpebral, 256 neoplasias secundárias das, 125 Paralisia facial periférica, 321-332 anatomia, 321 assimetria facial, 326 diagnóstico, 324 epidemiologia, 323 etiologia, 322 introdução, 321


361  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Índice Alfabético prognóstico, 325 quadro clínico, 324 sequelas e sincinesia, 325 tratamento, 326 clínico, 326 cirúrgico, 327 Pênfigo, 192 “Pés-de-galinha”, 374 Pfeiffer síndrome de, 17 Plagiocefalia, 15 Plástica ocular anestesia em, 243-249 avaliação pré-operatória, 243 geral, 249 local, 246 medicamentos que devem ser mantidos, 245 seleção da anestesia, 245 Pontos lacrimais alterações dos, 173 Pressão intraocular, 9 Proptose, 4 tipos de, 5 Próteses adaptação de, 52 Pseudoptose, 306 Ptose, 8 aponeurótica, 308, 311 do supercílio, 351 mecânica, 309, 312 miogênica, 307 isolada, 307 simples, 310 na síndrome de Horner, 311 neurogênica, 308 por paralisia, 311

Q Queimaduras, 277 Quemose em fístula, 7 Quickert cirurgia de, 292

R Rabdomiossarcoma, 89-91 definição, 89 diagnóstico, 89 estadiamento, 90 imuno-histoquímica, 90 tratamento, 91 Radiografia simples, 12 Radioiodoterapia no carcinoma de tireoide, 191 Reconstrução palpebral, 337-347 do canto lateral, 346 do canto medial, 346 inferior, 337 técnicas, 337 introdução, 337 superior, 343 Ressecção em bloco encurtamento por, 281 técnicas, 282, 282 Ressonância magnética, 11, 24, 160 de órbitas, 29 desvantagens, 11 uso da, 11 Retalhos, 237 cutâneos, 343 Retinoblastoma, 131 apresentação clínica, 131 histopatologia, 131 tratamento, 131 Retração palpebral, 256, 315-319 clínica, 315 tratamento, 317 cirurgia, 318 Rosai Dorfman doença, 72 definição, 72 diagnóstico, 72 Rugas de expressão tratamento das, 367-377 anatomia, 371 aplicação estética, 370 apresentação comercial, 367 assimetria facial, 375 contraindicações, 368


362  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Índice Alfabético cuidados, 370 efeitos colaterais, 369 elevação do supercílio, 375 fronte, 373 glabela, 372 hipertrofia do músculo orbicular, 375 interações medicamentosas, 368 linhas nasais, 375 região periorbital, 374 seleção de pacientes, 371 técnica de diluição, 369 técnica de injeção, 370 uso adjuvante da BTX-A, 376

S Saco lacrimal, 130 apresentação clínica, 130 epitélio do, 151 expressão do, 155 tratamento, 130 tumores do, 207Sarcoidose, 68, 189 definição, 68, 189 diagnóstico, 68 exames de imagem, 189 tratamento, 68, 189 Schwannoma da órbita, 121-123 apresentação, 121 definição, 121 diagnóstico, 121 exames de imagem, 121 histologia, 122 ocorrência, 121 tratamento, 122 Seios da face neoplasias secundárias dos, 132 Seios paranasais órbita e, 56 Silicone intubação lacrimal com, 203 Simbléfaro, 357-366 avaliação, 360 cirurgia, 362

definição e etiopatogenia, 357 diagnóstico, 359 enxertos, 363 quadro clínico, 359 tratamento, 360 Síndrome de Apert, 17 de Crouzon, 16 de Goldenhar, 21 de Lyell, 191 de Pfeiffer, 17 de Stevens-Johnson, 191 do compartimento orbitário, 26 do seio silente, 63 definição, 63 tratamento, 63 Sinusite, 57 classificação da, 58 estadiamento, 58 exames para, 58 Sutura material de, 229 técnica de, 231

T Técnicas básicas, 227-241 cicatrização de feridas, 233 excisão, 228 hemostasia, 233 incisão, 227 sutura, 229 técnica de, 231 Teste de Jones, 156 Tomografia computadorizada, 9, 160 com corte axial, 10 uso de, 9 Traumas/contusões, 30 definição, 30 Traumas palpebrais, 273-278 Trigonocefalia, 15 Triquíase, 297-301 definição, 297 etiopatogenia, 298 tratamento, 298-299


363  |  Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica - Índice Alfabético Tubo de Lester Jones complicações do, 205 Tumores da glândula lacrimal, 103-108 linfoides, 106 misto maligno, 105 de células plasmáticas, 113 epiteliais, 210 não epiteliais, 210 linfoproliferativos, 109-115 do saco lacrimal, 207-213 prognóstico, 212 tratamento, 211

U Ultrassonografia, 12 Doppler, 12

V Valsalva manobra de, 7 Via lacrimal baixa obstrução da, 181-186 agentes etiológicos, 183 epidemiologia, 183 fisiopatogenia, 183 tratamento, 185 Vias lacrimais complicações no tratamento das, 201-205 do tubo de Lester Jones, 205 na intubação com silicone, 203 peroperatórias, 202 pós-operatórias, 202 princípios, 201 tumores das, 207 diagnóstico, 208 diferencial, 209

introdução, 207 manifestações clínicas, 207 patologia, 209 Vias lacrimais altas, 173-179 alterações dos canalículos, 174 alterações dos pontos lacrimais, 173 tratamento, 176 Vias lacrimais excretoras anatomia e embriologia das, 143-147, 163 biomicroscopia, 143 canalículos, 145 ducto lacrimonasal, 146 pontos lacrimais, 143 saco lacrimal, 145 e doenças sistêmicas, 187-195 de depósitos, 194 doenças neoplásicas, 192 infecciosas, 187 inflamatórias, 188 síndrome de Stevens-Johnson, 191 propedêutica das, 153-162 quadro clínico, 153

X Xantogranuloma juvenil, 71 necrobiótico, 71 orbitário, 71

W Wegener granulomatose de, 67, 188 etiologia da, 188 formas clínicas, 189 tratamento, 189



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