DIGNUS nº3

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14 | A Voz de

A importância da cidade acessível no processo do envelhecimento ativo Vereador da Câmara Municipal de Vila Real Adriano António Pinto de Sousa

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A

segunda metade do século XX foi caracterizada por três tendências: a urbanização, a motorização e o envelhecimento demográfico. São inegáveis o poder de atração e o fascínio que as cidades hoje exercem sobre as pessoas. Porque é aí que mais facilmente encontram emprego, é aí que, por norma, o poder de compra é mais elevado, é aí onde reside a mais completa oferta pública de serviços e é aí onde as novidades acontecem primeiro. Em 1900, apenas 10% da população mundial vivia em cidades. Em 2007, essa percentagem já era de cerca de 50%. Entretanto, algumas estimativas apontam já para que, no ano 2030, esse valor atinja os 60% e, em 2050, possa chegar aos 75%. Esta progressiva concentração populacional nas cidades ocorreu, em simultâneo,

com o aumento exponencial da taxa de motorização automóvel, fruto da conjugação de um conjunto de fatores, nomeadamente o da alteração dos estilos de vida das pessoas decorrente das obrigações de natureza profissional, do tipo de vínculo laboral, dos locais de residência cada vez mais afastados do posto de trabalho, do aumento do poder de compra das pessoas, da fraca oferta (em qualidade e em quantidade) de transportes públicos e do facto de teimarmos programar a nossa vida na bitola dos cinco minutos. Tudo isto contribuiu para que se instalasse na sociedade o conceito de “uma pessoa, um carro”. Um bem que para uns é visto como um instrumento de prazer e de status de quem o utiliza, para outros como um instrumento de trabalho, mesmo em movimento, fruto do advento do telemóvel

e, para muitos, como um meio de transporte indispensável para as deslocações quotidianas casa-escola-trabalho-casa. Neste processo de urbanização, o automóvel acabou por ter um papel decisivo na expansão desordenada das cidades em direção às periferias, deixando os seus centros mais antigos entregues ao comércio e aos serviços. A facilidade do acesso ao automóvel, associado ao fenómeno da especulação imobiliária acabou por empurrar muitas famílias para fora dos perímetros urbanos, não obstante terem de continuar a trabalhar e a estudar nos centros das cidades. A cidade outrora compacta e multifuncional, deu origem a uma cidade zonada e dispersa. O resultado foi o do aumento significativo das deslocações pendulares e dos consequentes congestionamentos, mais gravosos nas pontas do início da manhã e do final da tarde. As cidades foram literalmente invadidas pelo automóvel, a ponto de se sentirem impotentes para os acomodar, seja pela insuficiência da sua rede viária, seja pela inexistência de espaço público suficiente para os estacionar, acabando por se transformar em autênticos “armazéns” de carros ao ar livre. Tudo o resto, principalmente a rede pedonal, foi secundarizado, porque era o carro quem mais ordenava. Hoje, são por demais conhecidos os custos sociais, económicos e ambientais resultantes do uso intensivo do automóvel: custos sociais decorrentes do flagelo da sinistralidade rodoviária; custos económicos resultantes do excesso de tempo perdido nos constantes congestionamentos, mais frequentes nas médias e nas grandes cidades; custos ambientais fruto da poluição sonora e atmosférica. É inquestionável que o urbanismo praticado na segunda metade do século XX moldou as cidades à escala motorizada e sacrificou o espaço público e espaço pedonal às exigências de estacionamento automóvel. Mas, mais grave, foi termos deixado que essas alterações urbanas se institucionalizassem e se instalassem na linguagem política e no imaginário comum. As cidades deixaram, assim, de ser espaços de todos e para todos. O automóvel ocupou o espaço que era dele e também o que não era; as barreiras arquitetónicas foram surgindo um pouco por todo o lado; o espaço público, em particular a rede pedonal, degradou-se fruto do desinvestimento na sua melhoria e na sua manutenção. Tudo isto porque os direitos de fruir a cidade na sua plenitude por parte das crianças, dos idosos e das pessoas com mobilidade tem-


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