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tratamento da Doença de Parkinson Terapia Ocupacional e o seu papel na intervenção co a pessoa com demência

TERAPIA OCUPACIONAL e o seu papel na intervenção com a pessoa com demência

Cristiana Carvalho

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Mestre em Terapia Ocupacional na especialidade de Reabilitação Física e Pós-graduada em Integração Sensorial

“O ser humano é um ser ocupacional, um ser que necessita de estar em atividade para conseguir sobreviver.” A Terapia Ocupacional é uma área da saúde que ultrapassa a mera ocupação das pessoas, um mito frequentemente escutado por quem exerce esta profissão.

Com certeza já ouviu o provérbio “Parar é morrer” mas alguma vez refletiu sobre esta expressão? O ser humano é um ser ocupacional, um ser que necessita de estar em atividade para conseguir sobreviver. Se existem dificuldades no desempenho de uma atividade ou ocupação, seja ela qual for, isso é matéria de especialidade desta valência. O Terapeuta Ocupacional é um Técnico de Diagnóstico e Terapêutica que avalia, planeia e intervém com todas as pessoas, de todas as idades. Na avaliação incluem-se a história ocupacional, que engloba as áreas de ocupação significativas para o indivíduo como as profissões que exerceu, as atividades de interesse que ainda realiza e as que deixou de fazer, e por que motivo: os padrões de desempenho (hábitos, rotinas, rituais e papéis), os fatores inerentes ao indivíduo (valores, crenças, espiritualidade, funções e estruturas do corpo), associados às competências de desempenho (cognitivas, sensório-motoras e psicosociais) e os contextos onde esteve e está inserido, criando-se assim o Perfil Ocupacional. A partir daí, elabora-se o plano de intervenção individualizado e centrado na pessoa.

O tema da edição passada da Dignus foi sobre Perturbações Cognitivas e Envelhecimento, uma área particularmente desafiante para o Terapeuta Ocupacional. No trabalho com a esta população o Terapeuta Ocupacional recorre a atividades e ocupações significativas com o objetivo de manter ou restaurar algumas funções, estimulando e despertando o interesse no envolvimento de atividades, levando a que cada pessoa seja parte ativa do seu processo de reabilitação. O Terapeuta Ocupacional realiza assim atividades de estimulação cognitiva, sessões de orientação para a realidade (orientação no espaço e no tempo), treino das atividades de vida diárias (AVD’s) e instrumentais (AVDI’s) consideradas problemáticas, sessões de movimento, sessões de estimulação sensorial, sessões de relaxamento, sessões de terapia pela arte e outros recursos expressivos e sessões de terapia pela música. As sessões podem ser individuais ou em grupo, sempre com objetivos de intervenção centrados na manutenção das capacidades remanescentes do paciente; promoção da sua auto-estima e do seu bem-estar; prevenção do isolamento social; estimulação cognitiva e sensorial. O Terapeuta Ocupacional também prescreve e utiliza ajudas técnicas quando necessário, atua ao nível da adaptação dos contextos e do ambiente onde a pessoa se insere, nomeadamente ajudando as famílias e as instituições a adaptarem os espaços às necessidades de cada pessoa

(por exemplo, na adaptação de mobiliário e utensílios), procurando eliminar barreiras e criar facilitadores para um maior conforto e segurança, prevenindo os riscos de queda e facilitando a mobilidade e as transferências e promovendo, dependendo de cada caso, a autonomia e a independência de cada pessoa, através da sua participação nas atividades do quotidiano.

Partilho de seguida algumas estratégias que poderão ser importantes e que provavelmente irão fazer a diferença para o leitor, seja familiar, cuidador ou profissional de saúde.

Criação de um Plano Estruturado de Rotina Diária Trabalho diretamente com os familiares e cuidadores, quer em contexto de Estrutura Residencial para Idosos (ERPI), quer em contexto de domiciliário. A minha experiência tem-me demonstrado que a estruturação das rotinas é um fator chave para que o idoso se sinta menos ansioso ou demonstre sintomas de instabilidade e irritabilidade, contribuindo também para que o cuidador se sinta mais confortável no desempenho do seu papel. Em contexto de ERPI existem horários para as diferentes atividades do dia, mas normalmente em contexto familiar não existem horários consistentes e há por vezes uma resistência muito grande à criação, e sobretudo à alteração de rotinas. A criação de um plano diário vai permitir ao cuidador antecipar as atividades de modo a gerir e organizar o tempo de forma mais eficiente. A desorganização e o apressar geram mais ansiedade no paciente e são de todo contraproducentes.

Assim, e a título de exemplo, se tiver um horário (ver Anexo 1) para cada atividade do dia-a-dia como levantar, tomar banho, vestir, tomar o pequeno-almoço, tomar a medicação da manhã, lavar os dentes, realizar atividade matinal, lanche meio da manhã, almoçar, tomar a medicação da tarde, descansar, lanchar, participar em atividade, jantar, tomar a medicação, e se este for diariamente repetido, criam-se hábitos e rotinas, que vão ser saudáveis tanto para quem cuida como para quem recebe os cuidados, contribuindo para a redução de sintomas de agitação, e alterações de humor.

Para criar o plano é importante saber: » Qual a medicação que toma e a que horas? (Figura 1); » Quais as alturas do dia em que se encontra mais funcional? (para que possamos

selecionar essas horas para as atividades mais significativas); Quais as atividades mais significativas, ou seja, quais as atividades que mais gosta de fazer? O que gostava de fazer antigamente? Cozinhar, passear, cantar, tocar piano, ver televisão, pintar, fazer crochet? Limpar a casa? Cuidar do jardim? Cuidar dos animais? Conversar? Rezar? (frequentemente escutamos que a pessoa “agora já não faz nada”, e isto poderá advir, porventura, porque não lhe é dada, de forma consciente ou inconscientemente, a oportunidade de se envolver numa atividade prazerosa. Encontrandose as respostas a estas questões poderá incluir-se no seu plano as atividades que a motivem mais à participação); Quais as atividades que pode fazer em conjunto com a pessoa? Pôr a mesa, estender a roupa, lavar a roupa à mão,

seguir receitas, assistir a uma novela e ir comentando em conjunto, dar passeios a pé? (lembre-se de incluir, sempre que possível, e dependendo do estádio da demência, a pessoa nas atividades e tarefas de casa. A pessoa com demência que deixa de estar envolvida nas AVD’s e AVDI’s acaba por se isolar e distanciar das pessoas que a rodeiam); A pessoa fazia parte de algum grupo de atividades? Existe possibilidade de a acompanhar e continuar a fazer parte do mesmo? Existe na freguesia um centro de dia ou algum grupo que pudesse ser do interesse da pessoa?

Respondidas as questões anteriores poderá encontrar-se uma série de atividades que servirão para incluir na estrutura do plano da pessoa que será cuidada. Todas as atividades podem vir a ser adaptadas, caso se verifique necessário, com auxílio de um Terapeuta Ocupacional de modo a promover a sua participação em todos os contextos onde se insere, prevenindo-se assim o isolamento social, com o intuito de frenar, tanto quanto possível, o avanço da sintomatologia da demência.

Observações a registar Existem determinados aspetos que são importantes ficarem registados, embora possam parecer preciosidades, poderão fazer toda a diferença na qualidade de vida e bem-estar da pessoa com demência. Se registar as atividades que fazem com que a pessoa fique bem-disposta ou relaxada e as

que devem ser evitadas para que não fique ansiosa ou desorientada irá assegurar que qualquer cuidador possa dar continuidade à prestação dos cuidados com a mesma qualidade. Por exemplo, se a pessoa para se vestir, independentemente da estação do ano, gosta de usar camisola interior antes de vestir a restante roupa, ou então, se a seguir ao almoço gosta de tomar café em chávena fria devem anotar isso no seu plano. Anote também todas as alterações que tiverem que ser feitas pontualmente, seja na medicação ou por exemplo em algum comportamento/acontecimento irregular. Assim, o cuidador terá sempre essa informação para poder intervir de forma adequada. 1 Preparação das atividades Nunca force a pessoa com demência a fazer uma determinada atividade, especialmente se essa atividade nunca fez parte da sua história ocupacional. Poderá incentivar, arranjar motivação para que a pessoa queira aderir, mas forçar só vai aumentar a irritabilidade e insegurança. 2 Prepare uma área para a realização das atividades segura

Se vai realizar uma atividade sentado, certifique-se de que elimina objetos que possam apresentar perigo, utilizando uma base protetora antiderrapante para colocar os materiais. Uma boa iluminação é importante, mas note que o excesso de claridade ou brilho provavelmente poderá incomodar e ofuscar a visão. Ajuste a iluminação sempre que necessário. Se vai sair à rua, certifiquese que leva consigo uma mala com água, protetor solar, toalhitas, e outros acessórios que considere indispensáveis. O cuidador saberá melhor que ninguém quais as necessidades da pessoa que cuida. 3 Diga não à sobre-estimulação Um ambiente seguro e calmo é muito mais agradável do que um ambiente com muitos estímulos visuais e auditivos. Não invalida que a pessoa não frequente eventos sociais, mas primeiro perceba se estes são significativos para ela, por exemplo, em situações onde a pessoa vai ficar exposta a um ambiente mais confuso como uma festa de aniversário prepare-a para tal e, se necessário, mostre-lhe fotografias do espaço e ou das pessoas com quem vai estar e explique a que evento vai. Evite perguntar “sabe o meu nome?” “Sabe quem é esta ou este?”, os sentimentos de falta de memória e de fracasso vão tornar a pessoa

Nome: Nome Cuidador(a):

PLANO SEMANAL Segunda-feira Terça-feira Atividade Observação Atividade Observação 08:00 08:00 09:00 09:00 10:00 10:00 11:00 11:00 12:00 12:00 13:00 13:00 14:00 14:00 15:00 15:00 16:00 16:00 17:00 17:00 18:00 18:00 19:00 19:00 20:00 20:00 21:00 21:00 Quarta-feira Quinta-feira Atividade Observação Atividade Observação 08:00 08:00 09:00 09:00 10:00 10:00 11:00 11:00 12:00 12:00 13:00 13:00 14:00 14:00 15:00 15:00 16:00 16:00 17:00 17:00 18:00 18:00 19:00 19:00 20:00 20:00 21:00 21:00 Sexta-feira Sábado/Domingo Atividade Observação Atividade Observação 08:00 08:00 09:00 09:00 10:00 10:00 11:00 11:00 12:00 12:00 13:00 13:00 14:00 14:00 15:00 15:00 16:00 16:00 17:00 17:00 18:00 18:00 19:00 19:00 20:00 20:00 21:00 21:00

mais confusa e angustiada. Aja naturalmente e envolva-a nas conversações. 4 Explique passo a passo as atividades O planeamento motor e a sequenciação vão gradualmente ser afetados na demência, logo utilize explicações simples e claras, recorrendo por exemplo a pistas visuais (fotografias com exemplos do passo-a-passo), escrevendo o nome dos passos e numerando -os. Evite complicar! E lembre-se de dar tempo à pessoa para realizar cada tarefa. 5 Adapte e gradue A perceção visual pode estar afetada e por isso deve ter em conta a necessidade ou não de aumentar as letras, ou escolher imagens com contraste figura/fundo. Pode graduar a dificuldade das atividades ou criar desafios, como por exemplo: mostrar sequências de imagens e pedir que identifique o que são e numa segunda tarefa da atividade mostrar partes de objetos e pedir que identifique a parte pelo todo.

Recorde-se que ao estruturar o seu plano deve pensar no tempo necessário à realização da atividade (cada pessoa tem o seu tempo!), não esquecendo as idas à casa de banho, o tempo despendido nas transferências e também os eventuais contratempos, incluindo as oscilações de humor da pessoa com demência ao longo do dia. O registo de cada momento, pode ajudar a compreender melhor o que faz desencadear cada comportamento e atuar em conformidade. Importa ir fazendo ajustes no seu plano, experimentar e assim que as rotinas estiverem ajustadas, criar esse hábito! A disciplina e a consistência são muito importantes para que este método seja um facilitador precioso na organização do dia-a-dia. E já agora, não deverá esquecer-se também de fazer um horário para si, pois ser cuidador implica também cuidar de si para melhor cuidar dos outros!

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