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Entrevista: E se em vez de barreiras fossem criadas pontes?
Uma reflexão sobre o Ano Barreira com Marta Cunha Inês Sampaio, 5º ano
A não realização de todas as unidades curriculares no final dos 3º e 5º anos do MIM implica que muitos alunos da FMUC não possam transitar para o ano seguinte. No sentido de explorar o impacto psicológico e profissional desta experiência, entrevistamos a Marta Cunha, aluna do 6º ano, que ficou retida no seu 3º ano.
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O que sentiste ao te aperceberes que havia risco de ficares retida?
Senti muita pressão para fazer todas as cadeiras, tendo sido Anatomia III a que me fez ficar retida. Talvez, se tivesse focado um pouco mais e não estivesse tão ansiosa, a oral tivesse um rumo diferente. Foi um abalo quando reprovei no exame oral da época extraordinária, mas procurei focar-me no meu próximo objetivo, que seria concretizar a disciplina em janeiro para que no semestre seguinte me pudesse inscrever nas cadeiras do 4º ano e voltar a acompanhar os meus amigos.
Como geriste o estudo para a única disciplina que te faltava?
Até janeiro tinha apenas as aulas teóricas e práticas de Anatomia III no meu horário, por isso tinha muito tempo livre. Pouco depois de reprovar ao exame oral, vi um cartaz de recrutamento da SOS Estudante, uma linha de apoio emocional constituída por estudantes universitários, e decidi inscrever-me. Na altura, foi fulcral para mim ocupar-me com outras atividades e ter uma “escapatória” do estudo intenso de Anatomia III. Sempre gostei de me envolver em atividades extracurriculares, já fazia parte da Tuna Feminina de Medicina (TFMUC), e sinto que foram muito importantes para me focar no estudo sem sentir tanta exaustão e desânimo, adquirir novas competências e me sentir produtiva de diferentes formas.
Qual é a importância que as atividades extracurriculares podem ter na vida de um estudante?
Permite que possamos conhecer novas realidades e ter novas aprendizagens, fazer novas amizades, promovendo o bem-estar psicológico. Na SOS Estudante, como voluntária pude ajudar outras pessoas e apoiálas em momentos difíceis, e na TFMUC,

vivenciar o espírito académico e aprender a integrar um coletivo. Também fui colaboradora do Oitavo Par, um podcast do departamento de Arte e Lazer do NEM, e entrei no ginásio. Por vezes, é difícil conciliar todas as atividades com o estudo, mas é um esforço que vale a pena.
O que te ajudou a superares o desânimo e desmotivação durante o semestre?
Nas aulas práticas de Anatomia III, a minha turma era constituída por alunos repetentes, o que foi benéfico, já que nos encontrávamos na mesma situação, nos compreendíamos e nos apoiávamos. Não só permitia que fossemos mantendo a matéria em dia e fizéssemos revisões juntos, mas também que se proporcionasse um momento de convívio.
Como te sentiste ao veres os teus colegas a prosseguir e tu a ficar barrada?
Apesar das atividades em que me envolvi e do apoio constante dos meus familiares e amigos, em janeiro comecei a sentir-me mais ansiosa e desanimada. Tinham sido muitos meses de estudo focado em Anatomia III, enquanto que os meus amigos estudavam matérias novas. Voltar a acompanhar os meus amigos foi uma das minhas maiores motivações. Nos primeiros 3 anos, houve sempre muita interajuda e estudávamos juntos, e nesse semestre eu senti muita falta disso.
No semestre seguinte inscreveste-te em todas as cadeiras do 4º ano, afim de concretizares num só semestre aquilo que geralmente se faz num ano letivo. Como lidaste com toda a carga e pressão do estudo?
O contexto pandémico levou a que as aulas fossem online, o que permitiu que conseguisse conciliar melhor todas as aulas, teóricas e práticas. De fevereiro a março tive algumas semanas a assistir às aulas presencialmente e foi muito cansativo, o horário estava completamente preenchido e tinha de me deslocar para diferentes sítios constantemente. Tentei ficar na maioria das cadeiras na turma dos meus amigos, que me ajudaram, arranjaram apontamentos, tiraram dúvidas e
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me motivaram. O facto de estar mais ocupada e com mais objetivos por concretizar fez-me sentir mais equilibrada psicologicamente, ao contrário do semestre anterior onde só tinha uma cadeira para estudar.
Quais os aspetos positivos e negativos que o ano barreira acarreta?
Compreendo que para transitar para os anos clínicos seja importante que um aluno tenha as bases teóricas do 1º ciclo de estudos. Contudo, há um número considerável de alunos que ficam barrados e seria interessante a faculdade perceber o motivo e criar pontes com os alunos através de um sistema de apoio psicológico preventivo. Ficar um ano retido tem um impacto psicológico significativo na construção do futuro médico. No final do meu 5º ano, vi colegas meus com muita ansiedade, a ponderar desistir do curso, devido à pressão de não conseguirem transitar para o ano de estágio. Sendo este um tema que me sensibiliza, envolvime no projeto COMBURNOUT na minha Tese, que visa testar a intervenção baseada na promoção de competências emocionais em estudantes de medicina e medicina dentária com Burnout. É importante formar médicos num ambiente saudável e de bem-estar, dar-lhes ferramentas de gestão emocional para prevenir o desenvolvimento de processos cognitivos disfuncionais e diminuir os níveis elevados de Burnout dos profissionais de saúde.

Casos Clínicos Em MedApprentice, nº4
Por Gil Cunha e João Nuno Soares
Um homem de 52 anos de idade vem ao SU de um hospital distrital às 01.30 am devido a dor abdominal intensa. É verão e ele estava numa discoteca a beber bebidas alcoólicas quando teve início súbito de dor abdominal que irradia para a sua virilha direita e testículo. Não tem antecedentes médicos relevantes. A sua tensão arterial é 148/82, o pulso 97/min; a temperatura auricular 37.0C; e as respirações 18/min. Apresenta-se inquieto, procurando mudar várias vezes de posição numa tentativa de aliviar a dor. O abdómen é mole com dor à palpação do flanco direito, sem defesa nem dor à descompressão. O exame inguinal e testicular é normal.
O tira-teste urinário (Combur) revela hematúria (++), sem leucócitos nem nitritos.
Avaliação laboratorial: sem leucocitose, PCR normal, função renal normal.
A radiografia reno-vesical não demonstra alterações. Não há ecografia disponível.
É administrado Cetorolac IV com alívio parcial da dor, tornando-se intermitente e progressivamente suportável.
Qual é o melhor próximo passo na abordagem deste doente?
A. Alta com AINE e tansulosina.
B. Morfina IV. C. Referenciar para Urologia em Hospital Central. D. Soro fisiológico IV. E. TC Abdominal.
É realizada TC abdominal sem contraste com protocolo de baixa dose, que revelou cálculo renal com 4mm no terço médio do ureter direito, hidronefrose moderada e ligeiro edema perinéfrico.

Qual é o melhor próximo passo na abordagem a este doente?
A. Alta, com AINE e tansulosina. B. Internar, com antibioterapia IV empírica. C. Referenciar para Urologia em Hospital Central. D. Repetir TC dentro de 12h. E. Nefrostomia percutânea imediata.
Casos Clínicos Em MedApprentice, nº25
Por Maria Brito e Joana Bastos
Um homem de 27 anos, sem antecedentes médicos relevantes, é trazido pela sua companheira ao Serviço de Urgência por “alterações graves do comportamento” com 2 semanas de evolução. Durante a entrevista refere que chegou recentemente à conclusão de que é a reencarnação de Jesus Cristo e de que a sua missão é ajudar as crianças e os pobres. Diz ainda: “desde que senti este chamamento, tenho curado muitos cancros com as minhas energias positivas”(sic). Segundo a companheira, as primeiras alterações tiveram início há cerca de um mês, altura em que começou a ficar acordado até tarde enquanto lia sobre a Amnistia Internacional e a deslocarse durante o dia a várias capelas e igrejas da sua zona de residência em vez de trabalhar. Desde então tem dormido 4h por noite, em média. A companheira mostra-se ainda muito preocupada com a situação financeira do casal, uma vez que apesar de ambos auferirem apenas o salário mínimo nacional, o doente tem feito grandes doações a várias instituições de solidariedade. A companheira nega comportamento semelhante no passado. A história médica revela apenas consumo pontual de canabinóides. À observação, a sua pressão arterial é 145/81 mmHg, o pulso é de 101 batimentos por minuto, a frequência respiratória é de 20 ciclos por minuto e a temperatura é de 37,4ºC. Apresenta-se vigil e orientado, com marcada distratibilidade. O seu discurso é fluente e organizado com débito aumentado e difícil de interromper, saltando entre ideias sem aparente ligação lógica. Debita espontaneamente as ideias delirantes acima descritas. Não se apuram alterações da sensopercepção. Nega ideação suicida. Não apresenta crítica para a sua situação. A pesquisa de tóxicos na urina é positiva para canabinóides, negativa para opióides e negativa para cocaína.
Qual é o diagnóstico mais provável?
A. Perturbação Delirante B. Esquizofrenia. C. Perturbação Afectiva Bipolar D. Perturbação Esquizoafectiva. E. Psicose induzida por drogas.

Solução disponível em https://www.medapprentice.org/course/cc-25