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Saúde Mental: Um Grito Retumbante
Nosso Mundo Saúde Mental:
Um Grito Retumbante
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Rodrigo Alexandre Fortes, Alumnus FMUC
Ao pôr-do-sol, um plano de fundo com a doca de um fiorde de Oslo convive com as reflexões afetivas de angústia e desespero – assim nos conta “O Grito” de Edvard Munch.
Segundo o conceito brejeiro de saúde mental: há ideias que não se comportam bem; o vitimismo está em voga; e há indisciplina face a ortodoxia imposta. Será essa a verdadeira tessitura da saúde mental?
Pior que sofrer é não ter o direito de sofrer! Pois há quem se ponha num lugar normativo e se ache capaz de impor aos outros uma patente de normalidade. Nos momentos de paroxismo, esperamos que o mental tenha rebate no físico e só ulteriormente procuramos ajuda. A intelecção de saúde mental no seio social está coberta com o bolor da baixa literacia.
Com os olhos no quadro, ouvimos a dor do grito, presente no personagem e no fundo trêmulo-ondulado: a mundividência de quem sofre é distinta da de quem não sofre. As duas pessoas na ponte e a própria ponte representam figuras verticais, diagonais, inabaláveis – traduzem quem não cultua a empatia (os outros) e quem deve servir de base (sistema de saúde). No que toca à “base assistencial” conseguimos desvelar alguns problemas: acessibilidade; falta de literacia em saúde mental e estigma; serviços centrados no hospital psiquiátrico e não a nível comunitário; e poucos profissionais não médicos (psicólogos, enfermeiros, terapeutas, técnicos do serviço social) nas equipas de saúde mental. Os cuidados continuados em saúde mental constituem um escopo muito acalentado, pois seria um ventre de respostas adequadas. A distribuição dos recursos envolve assimetrias, estando excessivamente concentrada em Lisboa,
Porto e Coimbra. É necessário conhecer esses componentes do território, trabalhando com os saberes ali presentes, com as questões e demandas trazidas pela comunidade, a fim de construir objetivos que são comuns a esse território. Por enquanto, tem havido uma articulação com a segurança social, mediante plano atípico, onde os doentes têm sido alocados em instituições privadas de solidariedade social. Ouvem-se os passos do tempo e mesmo assim o poente se iriza de incertezas: não se sabe quanto se gasta em saúde mental, ou seja, não há orçamento.
O Plano Nacional de Saúde Mental (20072016) identificou importantes constrangimentos na prestação de cuidados de saúde mental.
Apesar de ter sido consensualmente bem elaborado e de ter traçado objetivos precisos, deparou-se com inúmeros obstáculos que impossibilitaram a sua implementação plena.
A falta de priorização política e os insuficientes recursos financeiros dedicados à implementação do Plano, entre outros motivos, têm adiado a sua concretização.
O céu plasmado no quadro de Munch, sob observância dos princípios da distorção, está tingido de laranja, vermelho e amarelo, como cosmético de uma atmosfera aterrorizante.
Rótulos arcaicos e tacanhos como “louco”,
“maluco”, abjetamente discriminam, excluem e instituem o receio... afinal, queremos ser levados a sério e ser tratados como responsáveis.
Reminiscências que buscam a consociação entre manicómios (década de 50) e a imagem de doente mental cruciam a boa abertura ao assunto.
A prevenção é uma fumegante panela de ferro e deve ser manejada com cuidado para não sonegar integridades e oportunidades de tratamento. Refiro-me ao rastreio de subgrupos
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de risco, a detecção precoce, o esbater das incapacidades, reabilitação e prevenção de recidivas. Os determinantes sociais, bem-estar e qualidade de vida cristalizam resultados, haja vista as vivências traumatizantes, fatores psicossociais, financeiros, idiossincráticos (coping e personalidade), etc. A doença e a perturbação mental tornaram-se nos últimos anos, na principal causa de incapacidade e uma das principais causas de morbilidade. 12% das doenças em todo o mundo são de foro mental, valor que sobe para 23% nos países desenvolvidos. Portugal é o segundo país com a mais elevada prevalência de doenças psiquiátricas da Europa, sendo apenas ultrapassado pela Irlanda do Norte.
A medicalização de todos os comportamentos humanos constitui um risco e é municiada por questões corporativas (maus hábitos de prescrição), pela falta de resposta em cuidados de proximidade (abordagens não farmacológicas) e pela dependência medicamentosa. Há anos, Portugal é o maior consumidor europeu de benzodiazepinas (os tranquilizantes mais frequentes ou ansiolíticos), com valores também relevantes nos antidepressivos e nas bebidas alcoólicas.
Entre o sofrimento e a procura de cuidados, encontram-se óbices do estigma, preconceito, vergonha e exclusão. Precisamos de um discurso verdadeiramente comprometido e menos panfletário.
Um quadro pintado em tempos d’antanho não poderia ser mais contemporâneo.