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Testemunho: Erasmus em Pandemia
Educação Médica Erasmus em pandemia
Andreia Nossa Ferreira, Erasmus 20/21
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Como se o curso de Medicina por si só, e em tempos denominados outrora de “normais”, já não exigisse de nós toda a dedicação e tornasse pessoas desde tenra idade em guerreiros dentro de uma nação, surge uma pandemia para mostrar que ainda podemos superar o que pensávamos serem os nossos limites.
A pandemia foi e continua a ser uma “faca de dois gumes”, porque, se por um lado, trouxe devastação, também espero que, por outro, tenha aflorado o sentimento do que é realmente importante: o fazer o bem ao outro; o pouco que nos distingue; que todos somos necessários e que juntos, no mesmo caminho, tudo se torna mais fácil, em prol de um futuro comum. E isto, aplica-se a tudo.
Falando na primeira pessoa e como estudante portuguesa a estudar no estrangeiro, a distância sentida como saudade e o sentimento do que realmente é importante já cá está desde que se decide emigrar, quando comparado com alguém que não tem a mesma experiência. Sabemos sim o que é a barreira linguística e lidamos sim com alguma discriminação e preconceito, para além de conviver com a dura saudade que faz mossa em coração que sente mais do que deve… Mas Erasmus em pandemia foi um choque, e só vivenciando para saber o que é.
Sem saber o que me esperava, no ano letivo anterior candidatei-me, como tantos outros, a Erasmus 20-21. É certo que poderia ter vindo em qualquer ano, mas o destino levou-me a vir nesse, e mal sabia que enfrentaria uma distância muito maior que meras fronteiras. Muitos foram os países que concordaram em continuar com o desafio Erasmus e tantos outros decidiram cancelar.
Durante um ano letivo em pandemia, e num contexto de adaptação a uma realidade totalmente diferente, houve privação de contatos, de edificações de amizades, e de ambientes de partilha e troca, que todos necessitamos para seguir em frente de forma mais leve e sã. Sem conhecer ninguém é muito difícil adentrar num novo ambiente.Para nós, a máscara é o menos, já a palavra de apoio e a presença física, essas sim, essenciais. A única forma de comunicação passou a ser uma tela de computador, onde apenas éramos um nome e um número. Vários foram os


padrinhos desaparecidos ou mal distribuídos e as informações perdidas pelo caminho, e grande a solidão dos que, respeitando as regras da pandemia, não conheceram bem a faculdade, nem o hospital para passar a teoria à prática, nem fizeram amigos para a vida. A perseverança e a devoção pela futura profissão tornaram-se as únicas bóias de salvação destes “forasteiros”.
No sentido de seguir com o objetivo de aceitar estes alunos na sua nova morada, sugiro que as universidades sejam capazes de corresponder às necessidades dos seus novos estudantes, que desconhecem o funcionamento da nova faculdade que integrarão. Com a pandemia, as falhas sobressaíram, como se de um icebergue se tratasse, mas reitero que há falhas que podem ser bem trabalhadas, sendo possível trazer a grande evolução e atualização necessárias.
Se a pandemia fez algo, foi mostrar que se deve viver o momento com cautela, sempre olhando ao redor de forma holística e não individual. É urgente mudar! É necessário que se melhore a integração destes alunos na sua nova morada, ceder-lhes a informação mais pertinente para que sejam capazes de continuar e não fiquem “atracados” ou mesmo percam um ano.
É necessário mudar mentalidades em Medicina, e até, na área da Saúde: criar empatia, incluí-la como disciplina; rever as capacidades de ensino e de avaliação, não só de matérias como de docentes; ajudar os alunos a adquirir estratégias de gestão do seu próprio tempo e do malvado stress… O objetivo é formar futuros médicos sãos, não médicos doentes a tratar de doentes. Não somos robôs, mas sim seres humanos.
Permitam-me, na minha opinião, deixar menções honrosas para quem realmente ajudou e fez diferença: ao Gabinete de Relações Internacionais e Interinstitucionais da FMUC, que teve um papel exemplar de apoio, realizou um trabalho excelente e foi muitas vezes o único elo de ligação entre estes “forasteiros” e a universidade; ao ESN Coimbra, que ajudou a orientar cada um de acordo com as suas necessidades; ao Provedor do Estudante, por escutar e fazer valer os direitos dos estudantes da UC; e aos representantes de algumas disciplinas, que estiveram sempre disponíveis, mesmo quando se perdia a fé.
E por fim, uma menção enobrecedora para todos os estudantes em pandemia, pois estamos de parabéns pela difícil adaptação a uma nova realidade que dura há um ano letivo e meio! Mesmo que não o digamos em voz alta, só nós sabemos a luta que travamos: o desenterrar de esforços quando a fraqueza quase nos consome e a entrega ao desespero parece ser o caminho mais fácil. Felizmente, tudo pode acabar bem, e mesmo que não corra sempre bem, que o vejamos como mais uma aprendizagem, mais uma etapa de vida, mais um passo na dura escalada do curso, que é Medicina!
